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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Fabio Marques Ferreira Santos O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma cognitivo de justiça: poder cibernético judicante o direito mediado por inteligência artificial Doutorado em Direito São Paulo 2016

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  • Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    Fabio Marques Ferreira Santos

    O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo

    paradigma cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado

    por inteligência artificial

    Doutorado em Direito

    São Paulo

    2016

  • Fabio Marques Ferreira Santos

    O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma

    cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado por inteligência

    artificial

    Tese apresentada à Banca Examinadora

    da Pontifícia Universidade Católica de

    São Paulo, PUC-SP, como exigência

    parcial para a obtenção do título de

    DOUTOR em Direito Processual Civil,

    sob a orientação do Professor Doutor

    Cassio Scarpinella Bueno.

    São Paulo

    2016

  • Dedico este trabalho à minha amada Mãe pelo incansável apoio incondicionado,

    mesmo nos instantes em que o tempo a faz pestanejar, às minhas filhas, Brenda,

    Julia, Thabata e Hannah Arendt porque me fazem transformar a dor e o sofrimento

    em uma substância mágica e transformadora capaz de me inspirar a cada instante

    existencial. Ao meu orientador por acreditar na proposta e abrir caminhos a algo

    inusitado irrestritamente. Aos meus leais, fieis, dedicados e incansáveis auxiliares de

    pesquisa, crítica e correção: Adriana Santos, Diego Rosas, Fernanda Grejo, Flora

    Chrisbender, Oryon Melo e Vivian Catarina.

  • AGRADECIMENTOS

    À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    Ao meu orientador

    Ao Professor Dr. Cassio Scarpinella Bueno

    Aos demais integrantes da Banca Examinadora:

  • BANCA EXAMINADORA

    _________________________________

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    _________________________________

    Aprovado em ____ de ___________ de 2016.

  • SANTOS, Fabio Marques Ferreira. O limite cognitivo do poder humano judicante. A um passo de um novo paradigma cognitivo de Justiça: poder cibernético judiciante. O Direito mediado por Inteligência Artificial. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2016.

    RESUMO

    O trabalho científico teve como objetivo a investigação do limite cognitivo do Estado/Juiz e suas condições como sistema (modelo de Justiça) operado pela inteligência humana, segundo os estudos de Kahneman, Slovic e Tversky, em Judgment under uncertainty: heuristic and biases, e os reflexos causados a um Direito e uma Justiça com déficit histórico de previsibilidade, certeza e segurança. Foi adotada a epistemologia kuhniana, sua metodologia e seus conceitos, apropriando-se deles como fluxo explicativo da dinâmica de evolução do Direito e da Justiça. Buscou consolidar um diálogo sem vencedores, flexibilizando as granularidades e as incomensurabilidades, entre as Filosofias, as Lógicas, as Ciências Cognitivas e os Direitos (Constitucional e Processual Civil). Os estudos teóricos pinçaram informações e dados, no sentido de demonstrar a falibilidade e a insuficiência do Estado/Juiz como mediador exclusivo do Direito para o alcance da Justiça e a potencial possibilidade de realizar essa equação entre o Direito e a Justiça por intermédio da tecnologia em Inteligência Artificial. Considera, ainda, o avanço, espécie de tecnologia da inteligência, e ao mesmo tempo tem-na como meio seguro e eficaz para a realização de funções mediante estrutura em programação. A pesquisa deu ênfase à previsão Constitucional dos dispositivos constitucionais, em específico ao encapsulado no inciso LXXVIII, do artigo 5º do laureado diploma que assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Com base no permissivo Constitucional, simetricamente concentrou análise ao instituto de Direito Processual Civil, denominado Instauração de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, encampado pela lei 13.105/2015, com a precípua missão de uniformizar e dar concretização aos estatutos substantivos legais, cuja técnica processual internalizou por intermédio do novo novel processual, o denominado precedente judicial, o qual tem o condão de verticalizar as decisõesjudiciais, vinculando as decisões definitivas exaradas pelos Tribunais, tendo como lastro uma tese jurídica fundada em questão de Direito. Seu objetivo é de dar tratamento paritário aos casos análogos, maior celeridade aos processos, desafogamento do sistema judiciário e buscar, por este meio, a concretização do Estado Democrático de Direito idealizado na lei Constitucional. Dentre os valores maiores insculpidos na Carta Magna, estão a acessibilidade material, a previsibilidade, a segurança e a certeza de um tratamento isonômico do Direito ao alcance da Justiça Constitucional. Por essas razões e fundamentos, o trabalho cientifico conclui que é possível, considerando os dispositivos legais apontados, defender, dados os limites da pesquisa teórica, a Tese do desenvolvimento legal de uma plataforma digital processual programada em Inteligência Artificial, atuando no armazenamento de dados e informações, gerindo-os e decidindo casos cuja questão

  • de Direito tenha precedentes fundados (compreensão interpretativa hermenêutica sobre o Direito consensualizado) nos termos adotados pela legislação pátria vigente. Por fim, a pesquisa ainda sinaliza no sentido de que, dada a evolução da tecnologia em Inteligência Artificial e todos os demais fatores e influências, há que considerar a tendência natural para que o Direito e Justiça não somente passem a ser decididos por inteligência não humana como a mutação irradiada pela técnica em tecnologia de Inteligência Artificial gere uma ruptura de conceitos, formas e estruturas em poucas décadas.

    Palavras-chave: Limite cognitivo humano. Paradigma de Justiça. Judiciário. Direito mediado por Inteligência Artificial.

  • SANTOS, Fabio Ferreira Marques. The cognitive limit of adjudicative human

    power. One step of a new cognitive paradigm of Justice: judicial cyber power. The

    Law mediated by Artificial Intelligence. Doctoral thesis. Program of Postgraduate

    Studies in Law. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brazil, 2016.

    ABSTRACT

    Scientific work aimed to investigate the cognitive limits of the State / Judge and

    their conditions as a system (paradigm of Justice) operated by the human

    intelligence, according to studies of Kahneman, Slovic and Tversky, in Judgment

    under uncertainty: heuristic and biases, and effects caused to Law and Justice

    with a historic deficit of predictability, certainty and security. It was adopted the

    Kuhnian epistemology, methodology and concepts, appropriating them as an

    explanatory flow of the dynamic of evolution of Law and Justice. It was sought to

    consolidate a dialogue with no winners, bringing flexibility to the granularity and

    incommensurability between Philosophies, Logics, Cognitive Sciences and Human

    Rights (Constitutional and Civil Procedure).Theoretical studies gathered

    information and data in order to demonstrate the fallibility and failure of the State /

    Judge as an exclusive mediator of law to achieve justice and the potential

    possibility of carrying out the equation between Law and Justice through the

    Artificial Intelligence technology. These studies also evaluate such evolution as a

    kind of intelligence technology and, at the same time, as a safe and effective

    means to perform functions using programming structure. The research

    emphasized the predictability of constitutional provisions, in particular the content

    encapsulated in item LXXVIII of Article 5 of the laureate diploma stating that "it is

    assured to everyone at judicial and administrative level, reasonable duration of the

    process and the means to guarantee the speed of its proceedings." Based on

    permissive Constitution, it focused symmetrically an analysis of the Constitutional

    Procedural Law, named Establishment of Repetitive Demands Incident Resolution,

    taken over by the Law 13,105 / 2015 with the sole mission to standardize and to

    achieve the legal substantive statutes whose procedural technique has

    internalized, through the new procedural standard, the so-called judicial precedent,

    which has the power to vertically integrate judicial decisions, linking the final

    decisions entered by the Courts, having as ballast a legal thesis founded in

    question of Law. The objective is to give parity treatment to similar cases, greater

    speed to processes, to unburden the judiciary system and therefore, to seek the

    realization of the Democratic State of Law envisioned in the Constitution. Among

    the most important values contemplated by the Constitution, there are namely

    accessible material, predictability, safety and certainty of equal treatment of the

    Law according to the Constitutional Justice. For these reasons and rationale, the

    scientific work concludes that it is possible, taking into consideration the

  • mentioned legal provisions, to defend, within the limits of theoretical research, the

    Thesis of the legal development of a procedural digital platform conducted by

    Artificial Intelligence, using data storage and information, managing them and

    deciding cases whose question of Law has legitimate precedents (hermeneutic

    interpretive understanding about consensual Law) in terms adopted by the current

    Brazilian legislation. Finally, the research also shows that, in view of the evolution

    of Artificial Intelligence technology, as well as other factors and influences, we

    must consider the natural tendency for the Law and Justice to start being decided

    by non-human intelligence and the changes brought about by the Artificial

    Intelligence technology that will cause the break of concepts, forms and structures

    in the next decades.

    Key words: Human cognitive limit. Paradigm of Justice. Judiciary. Law mediated

    by Artificial Intelligence.

  • Como qualquer outra atividade social, a

    pesquisa científica é conduzida por certas

    condições biológicas, econômicas, culturais e

    políticas mínimas, que variam relativamente

    pouco de uma sociedade para outra. Por

    exemplo, um pesquisador, por mais abstrato

    que seja o problema com que se ocupa,

    precisa ter saúde e um salário regular que lhe

    permita concentrar-se em seu trabalho.

    Precisa, também, ter livre acesso à informação,

    sem excluir o livre intercâmbio de experiências

    e opiniões com colegas nacionais e

    estrangeiros. Também necessita de

    liberdadeacadêmica para discorrer sobre o seu

    tema e a maneira de tratá-lo, assim como de

    liberdade para difundir o resultado de seu

    trabalho (liberdade especialmentenecessária se

    o resultado contradiz opiniões

    preestabelecidas).

    Mario Bunge

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

    1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO ......... 29

    1.1 A formação estrutural do conhecimento .............................................................. 29

    2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO

    DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA ......................... 45

    2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para um novo

    conceito de Direito e de Justiça ................................................................................. 45

    3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS

    KUHN ........................................................................................................................ 68

    3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova ordem do

    Direito e da Justiça para o enfrentamento de uma nova Era .................................... 68

    4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS

    KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO

    CIENTÍFICO .............................................................................................................. 82

    4.1 As propriedades dinâmicas da ciência a partir de Thomas Kuhn e sua

    contribuição para a explicação do desenvolvimento paradigmático do Direito e da

    Justiça ....................................................................................................................... 82

    5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS .................................................................... 102

    5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação do funcionamento da mente

    humana ................................................................................................................... 102

    6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE ................................................. 118

    6.1 Aspectos relevantes a respeito do sistema cognitivo humano e as influências a

    respeito de sua percepção no ato de decidir ........................................................... 118

    7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO ............................................................. 138

    7.1 A dinâmica do cérebro humano e sua importante contribuição para o rompimento

    de limites ................................................................................................................. 138

    8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ............................................................................... 147

    8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos do sistema da Inteligência Artificial .............. 147

    8.2 A Inteligência Artificial como “meio” adequado e útil para a mediação do Direito e

    da Justiça ................................................................................................................ 185

    9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE ....................................................... 214

  • 9.1 O estatuto da verdade, seu tratamento histórico jurídico na validação do Direito e

    da Justiça e as lógicas relacionadas ....................................................................... 214

    10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS

    DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 239

    10.1 Aspectos de base de um projeto do Estado Democrático de Direito para um

    Estado Constitucional .............................................................................................. 239

    10.2 O inevitável destino do uso da tecnologia como “meio” para a concretização do

    Projeto do Estado Democrático de Direito .............................................................. 249

    11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)

    JUSTIÇA ................................................................................................................. 275

    11.1 Uma Justiça com natureza judiciária ............................................................... 275

    12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE

    IMANENTES .......................................................................................................... 301

    12.1 Aspectos principiológicos do processo ............................................................ 301

    12.2 A relevância Constitucional processual ........................................................... 306

    13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO ......................... 311

    13.1 Os aspectos desde a estrutura ao novo-reformado CPC ................................ 311

    13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução dos conflitos ........... 320

    13.3 O papel do Estado/Juiz no novo-reformado CPC na ponderação dos

    valores ....................................................................................................... 325

    14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL

    TECNOLÓGICO ...................................................................................................... 334

    14.1 A verdadeira função do conhecer para a devida programação ....................... 334

    14.2 As súmulas, a jurisprudência e os precedentes, seus papéis sistêmicos

    processuais embrionários de linguagens tecnológicas ........................................... 343

    14.3 O desembarque da IIRDR (Instauração de Incidente de Resolução de Demanda

    Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual

    brasileiro .................................................................................................................. 358

    14.4 O Processo Civil enquanto instrumentalidade com características

    tecnologizadas e sua eficaz utilidade ...................................................................... 369

    15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE ............................................. 390

    15.1 Uma anomalia da natureza humana ............................................................... 390

    16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO

    PODER JUDICIÁRIO .............................................................................................. 445

  • 16.1 Os motivos históricos do sistema operacional judicante e a centelha da

    tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma ..................... 445

    17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE

    JUSTIÇA ................................................................................................................. 466

    17.1 Por uma redefinição de Justiça, uma alquimia fundida a partir da cultura, do

    homem e da linguagem para a edificação de um plano Constitucional social

    concreto .................................................................................................................. 466

    18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE

    JUSTIÇA ................................................................................................................ 487

    18.1 A epistemologia das decisões mediadas por um sistema tecnológico orientado a

    partir de uma Inteligência Artificial ........................................................................... 487

    19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS ................................................................... 516

    19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,

    neuroquímica e seus impactos no futuro do destino do Direito e da Justiça ........... 516

    CONCLUSÃO ......................................................................................................... 564

    REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 568

    ANEXO A – PERCEPÇÃO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIÇA (SIPS) ........... 589

    ANEXO B – PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ ...................... 605

  • 14

    INTRODUÇÃO

    O trabalho de pesquisa é algo envolvente, é uma via tomada por escolha e

    não por opção. Sabe-se que o mais importante dela será trazer ao mundo

    acadêmico uma inovação e, se possível, buscar edificar ideais de originalidade.

    Aquela ou esses são o maior desafio em tempos em que o homem pós-

    moderno vive a consumir um estoque intelectual de que não foi contribuinte, e, por

    vezes injustificadamente, esse comportamento o mantém no amorfo espaço da

    conservação.

    Vive-se em uma época definida como pós-modernidade, na qual a

    efemeridade dos objetos e das ideias se tornam fugazes e sem propósitos, em que

    os trabalhos logo que apresentados se perdem no esquecimento ou na

    desimportância de sua real importância, além de não encontrar solo fecundo para o

    incansável aprimoramento.

    Isso exige do pesquisador um compromisso de vida pelo comprometimento,

    pela dedicação à manutenção de fazer com que suas ideias e suas ações

    sobrevivam no tempo, pela ação, rompendo as dificuldades e os obstáculos que

    impedem os homens de se emanciparem.

    O trabalho vem mesclado por conhecimentos advindos de outras ciências que

    não somente a do Direito, posição proposital e vital, cujo objetivo é a de oportunizar

    uma fertilização indutiva materialmente diferente na construção não somente do

    Direito mas do Processo Civil como ramificação especializada daquele. Essa

    concepção já era um ideário concretista no âmbito processual, como ilustra o trecho

    da exposição de motivos do CPC de 1939:

    [...] durante a reunião do Congresso de Direito Judiciário, e na presença de Vossa Excelência, de declarar que já era tempo que o Direito, e particularmente o Direito judiciário, se beneficiasse da renovação das outras disciplinas do espírito, servindo se, na investigação da verdade.

    Como se constata, o Processo Civil é uma daquelas áreas que esbanjam

    riqueza estética e material (uma obra de arte, porém com peculiaridades e critérios

    próprios) atinentes com sua dogmática.

  • 15

    É um contribuinte forte e essencial quando se trata de instrumentalização –

    para a obtenção de um resultado material do Direito, ele é representante de uma

    categorização das regras para a organização de resultados materiais do Direito para

    a obtenção da Justiça. Simplesmente, uma tecnologia em linguagem técnica jurídica

    desenvolvida pelo ator humano, para mediar a relação entre a espécie humana e

    suas relações sociais com o mundo.

    No entanto, sua responsabilidade na concretização da Justiça material deve

    ser delimitada, como bem justificada é, nas exposições de motivo do CPC de 1973,

    cujo texto é plenamente atual no contexto vigente.1É, portanto, na estrutura do

    sistema processual que habita a peça central operacional da Justiça, o Estado/Juiz,

    responsável por mediar o Direito, dando ao sistema organicidade e coesão para sua

    efetiva funcionalidade. Isso significa que essa peça central operacional

    responsabiliza-se, em maior parte, em sua precípua e suprema missão, pela não

    fragmentação do sistema do Poder Judiciário.

    É cediço que, no processo, acontecem a entrega do bem da vida e a

    resolução dos conflitos, a partir da aplicação dedutiva da norma objetiva ao caso

    concreto, de sua complexidade em conceitos e de sua estrutura procedimental,

    operada pelo ator humano judicante, o Juiz.

    Mesmo com o advento da Lei 13.105/15, que trouxe a lume o novo Código de

    Processo Civil, ainda assim espelha um sistema parametrizado em regras e

    procedimentos para o desenvolvimento de um sistema que, ao final, objetiva

    proporcionar a entrega do bem da vida mediante “um resultado prático material

    previsto pelo Direito”, por intermédio da prestação jurisdicional, mediada pela

    inteligência humana.

    A prestação jurisdicional, atualmente – em que pesem os meios alternativos

    para a resolução de conflitos, tais como arbitragem, mediação, conciliação, dentre

    outras formas existentes ou embrionárias – não afastam do Poder Judiciário a

    responsabilidade maior ao julgar, enfim, por decidir as questões que lhes são

    apresentadas, além do seu papel de sentinela da constitucionalidade, moldada

    segundo as regras da organização judiciária.

    1 Não se cuide que a reforma processual baste, de per si, para resolver, como que por encanto, todos os problemas da administração da justiça. O melhor sistema processual estará fadado a completo malogro, se não for aplicado por um excelente corpo de juízes. É que entre o processo civil e a organização judiciária deve haver um perfeito equilíbrio.

  • 16

    O Poder Judiciário e sua organização almejam, por esse viés, alcançar a

    estabilidade do sistema judiciário, como ideário Constitucional reprisado nas

    exposições de motivo dos CPC’s de 1939, 1973 e 2015, em uma espécie de mantra

    ideológico do Poder Judiciário assentado no solo hermenêutico da interpretação.

    Esse órgão, porém, criado historicamente como instrumento de orientação,

    pacificação e resolução de conflitos, com escopo voltado para os interesses da

    Justiça, tem, no tempo, se revelado consoante interesses do próprio Estado e de

    pessoas, enquanto propósitos, divorciados dos fins colimados pelos valores maiores

    da própria Justiça.

    Melhor explicando, o interesse da Justiça não é o mesmo das pessoas; se

    isso acontece, não há Justiça, restam somente interesses, como já orientava a

    exposição de motivos do CPC de 1973: “A aspiração de cada uma das partes é a de

    ter razão; a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem.”

    Infere-se, portanto, dessa assertiva que ninguém, nem mesmo o Estado, está acima

    da lei.

    Destaca-se disso que o ato de julgar ou decidir secularmente se tem

    apresentado como exclusivo, reservado a um homem que, legitimado pelo Estado,

    atribui-lhe a responsabilidade, depois de investido no cargo de Juiz, de operar como

    peça maior e central do Poder Judiciário. Isso é evidente, porque é dado a esse ator

    o poder de tomar as decisões jurisdicionais, o que já era verbalizado desde 1939,

    por Francisco Campos na exposição de motivos daquele CPC.2

    2 O primeiro traço de relevo na reforma do processo haveria, pois, de ser a função que se atribue ao juiz. A direção do processo deve caber ao juiz; e este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de intervir no processo de maneira, que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos fatos e descoberta da verdade. Daí a largueza com que lhe são conferidos poderes, que o processo antigo, cingido pelo rigor de princípios privatísticos, hesitava em lhe reconhecer. Quer na direção do processo, quer na formação do material submetido a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e compensada como manda a prudência, é a de que o juiz ordenará quanto for necessário ao conhecimento da verdade.

  • 17

    E complementa Francisco Campos:

    Prevaleceu-se o Código, nesse ponto, dos benefícios que trouxe ao moderno direito processual a chamada concepção publicista do processo. Foi o mérito dessa doutrina, a propósito da qual deve ser lembrado o nome de Giuseppe Chiovenda, o ter destacado com nitidez a finalidade do processo, que é a atuação da vontade da lei num caso determinado. Tal concepção nos dá, a um tempo, não só o caráter público do Direito processual, como a verdadeira perspectiva sob que devemos considerar a cena judiciária em que avulta a figura do julgador. O juiz é o Estado administrando a justiça; não é um registro passivo e mecânico de fatos, em relação aos quais não o anima nenhum interesse de natureza vital. Não lhe pode ser indiferente o interesse da justiça. Este é o interesse da comunidade, do povo, do Estado, e é no juiz que um tal interesse se representa e personifica.

    Esse ato de exclusividade ante o Estado Democrático de Direito é

    contestável, ao menos em tese. Sendo a exclusividade uma das formas de exclusão

    de opção ou opções da pluralidade de Direitos, seria ela a demonstração de uma

    tirania democrática do Direito.

    Tal afirmação, todavia, não se sustenta plenamente, na medida em que o

    sistema reconhece e autoriza outras formas legítimas para a busca de resolução de

    conflitos, inclusive as já mencionadas, sem afastar, todavia, do Poder Judiciário, sua

    responsabilidade por garantir legitimidade aos Direitos e às Garantias Fundamentais,

    principalmente quando violados pelas outras vias para a obtenção da Justiça.

    Todavia, o judiciário representa a última instância e o mecanismo

    monopolístico constitucionalmente reconhecido e legitimado dentro do Estado

    Democrático de Direito como órgão aplicador ou fiscalizador da ameaça ou lesão do

    Direito, a quem se reservam a vigilância e a consequente lida corretivas pelas

    ameaças e lesões de Direito praticadas pelo próprio Poder Judiciário, por práticas

    ativas ou omissivas do seu operador Estado/Juiz, ainda que no exercício regular de

    suas atribuições e funções judicantes.

    Em que pese a existência de meios alternativos para a resolução de conflitos

    em que o homem participa como mediador, em que pese ser o Estado/Juiz um

    signatário maior do controle central do Poder Judiciário, ainda que órgãos ou meios

    possam vigiar suas ações, em ambos os contextos, não se afastam do risco da

    ameaça e/ou da lesão de Direito, aliás, do próprio Direito quando manuseado por

    sua condição humana de falibilidade.

  • 18

    Isso se verifica porque o Direito é mediado pelo homem para o alcance da

    Justiça. Suas condições cognitivas refletem-se simetricamente em última instância

    nos problemas estruturais e materiais do Direito que, criado a partir da participação

    direta e indireta do próprio homem, ao participar ele, quando do processo de

    reconstrução e aplicação, prejudica os interesses da própria Justiça.

    A Justiça, embora idealizada para acontecer por intermédio da jurisdição que

    é monopólio do Estado, que a exerce de forma soberana por intermédio de um de

    seus poderes, o Poder Judiciário, faz-se representada pela figura paternalista do

    Estado/Juiz que passa a ser objeto de análise frente a uma nova estrutura de

    conhecimento, dada a ausência de resolução das anomalias da imprevisibilidade, da

    morosidade e da inefetividade da Justiça material ideologicamente prevista e

    prometida pelo diploma Constitucional, pelo atual paradigma.

    A questão que se propõe, dada a responsabilidade encampada pelo Poder

    Judiciário, está em torno do limite cognitivo do poder humano judicante, uma vez

    que, sendo o ato de julgar uma atribuição outorgada pelo Estado, é inquestionável

    serem de responsabilidade extensiva do Estado os atos praticados pelo operador do

    sistema Judiciário que lhe é subordinado.

    Nem sempre, no entanto, os danos causados por esse mediador do Direito

    têm o interesse do seu usuário em obter o Direito de reparação; isso significa dizer

    que o que o jurisdicionado almeja, na verdade, é sua pretensão primária e o mais

    importante, é o de obter o direito de ter o Direito.

    Além disso, a questão de fundo, quanto ao limite cognitivo pontuado que será

    examinado em pormenores no discorrer da Tese, envolve o conhecimento como um

    todo. Causa o desalojamento do Direito e da Justiça, pela demasiada demora,

    incerteza e insegurança no âmago do sistema judiciário, fruto de um conflito

    ideológico travado no campo hermêutico de interpretação, ao qual a realidade social

    dos novos tempos não permite mais assistir.

    Aventa-se, assim, a hipótese de não serem o pensar e a inteligência, dentre

    outras faculdades intelectivas, prerrogativas de propriedade da espécie humana,

    dadas as novas formas organizacionais de vida, de problemas, de trabalho, que

    exigem soluções claras para problemas bem definidos.3

    3 Como esclarece Honoré: “Os especialistas consideram que o cérebro opera com dois modos de pensamento. Em seu livro Hare Brain, Tortoise Mind – Why Intelligence Increases When You Think Less [Cérebro de lebre, mente de tartaruga – Por que a inteligência aumenta quando pensamos

  • 19

    Assim, passa a ser plenamente defensável a existência de tais faculdades em

    outras formas de inteligência, passando a não ser de exclusividade da espécie

    humana para determinados fins, principalmente nos aspectos em que a

    tecnologização da ação humana possa contribuir para o avanço da própria espécie.

    Dessa forma, em estando resguardados os Direitos e as Garantias

    Fundamentais previstos na Constituição Federal, em oportunidade ao regime

    Democrático de Direito, reconhecer uma nova epistemologia cognitiva responsável

    por decidir, dado o nível de avanço das tecnologias que marcam o novo século,

    torna-se coerente afirmar que o Direito possa ser mediado por uma Inteligência

    Artificial.

    Para isso, o estudo desce artesianamente, filtrando os aspectos da

    Constituição Federal de modo a certificar da compatibilidade desse “meio” como

    tecnologia em inteligência não humana, apta ao pleno funcionamento no âmbito de

    uma informática decisória ou de julgamento.

    Haveria, assim, o acolhimento e o reconhecimento no sistema jurídico de

    mais um meio alternativo para a informação, a orientação e a resolução de conflitos,

    concebendo ao jurisdicionado a oportunidade de recorrer ao Poder Cibernético

    Judicante. É esse um dos cernes da Tese, considerando-se opção, desde que não

    venha a colidir com os Direitos e as Garantias Fundamentais.

    É uma das formas de reconhecimento e de concretização material do regime

    Democrático de Direito o reconhecimento da pluralidade e das diversidades, a

    outorga da Justiça ao jurisdicionado, diferente da forma como se considera

    classicamente o Poder Judiciário dado somente por intermédio de uma Justiça

    Judiciária cujo operador é o Estado/Juiz.

    Assim, a Justiça mediada por uma Inteligência Artificial representaria mais um

    meio alternativo para a informação, a simulação e a orientação de Direitos bem

    como para a resolução de conflitos: o propósito de um Poder Judicante Cibernético

    como um dos canais do Estado na operação de aplicação do Direito.

    menos], o psicólogo britânico Guy Claxton refere-se a eles como Pensamento Rápido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rápido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rápido é racional, analítico, linear e lógico. É o que fazemos quando estamos sob pressão, ante o tique-taque do relógio; é a maneira como os computadores pensam e também a maneira como funcionam nossos ambientes modernos de trabalho; graças a ele, podemos obter soluções claras para problemas bem definidos (HONORÉ, Carl. Devagar; tradução Clóvis Marques. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 142-143).”

  • 20

    Isso representaria mais uma forma alternativa na resolução de conflitos bem

    como o reconhecimento do avanço da tecnologia como partícipe inafastável de uma

    nova realidade social, em que as regras previstas na lei e a conduta humana, ambas

    devidamente categorizadas, possam algoritmicamente ser mediadas por um sistema

    tecnológico.

    A tecnologização da Justiça, por intermédio da Inteligência Artificial (IA), em

    decorrência do seu caráter de cientificidade de realização geraria a entrega de uma

    participação neutra e imparcial específica, reconhecida pelos representantes da

    comunidade jurídica.Passaria a ser uma realidade crível e possível no campo da

    efetividade material do Direito, ainda que seu conceito como um fenômeno mutável

    passasse por um processo de reconceituação. Se convencionado e aprovado pela

    comunidade científica das ciências jurídicas, passaria a ser legítimo e legal,

    internalizando-se ao sistema judiciário.

    A base cibernética contribuiria para a integração, a uniformização e a

    padronização exigidas pelas demandas, principalmente as de massas, conforme se

    extrai da exposição de motivos do CPC de 2015 “Com os mesmos objetivos, criou-

    se, com inspiração no direito alemão, o já referido Instauração de Incidente de

    Resolução de Demandas Repetitivas (IIRDR), que consiste na identificação de

    processos que contenham a mesma questão de direito[...]”.

    A acessibilidade e a previsibilidade quanto ao resultado do Direito na

    concretização da Justiça passariam a ter uma reconfiguração mais efetiva e estável

    por intermédio de integração, uniformização e padronização de informações e de

    dados, minimizando, dessa forma, o risco de se conviver com decisões díspares e

    conflitantes.

    Sinaliza essa ferramenta técnica processual, do Incidente de Resolução de

    Demandas Repetitivas (IIRDR) como instituto processual incorporado ao sistema

    processual para o alcance da Justiça, a partir de 2016 quando vigente, na

    preocupação do próprio sistema judiciário por sua fragmentação, diante da

    probabilidade de que as decisões conflitantes geram pela ausência de integração,

    unificação e uniformização.

    Essa falha sistêmica jurídica causa inevitavelmente o descrédito e

    consequente afastamento do Poder Judiciário que estaria a insistir na Justiça

    ideologicamente formal. Aliás, é bem verdade que qualquer sistema, quando uma de

    suas peças é insuficiente ou não compatível para os seus fins, no caso do sistema

  • 21

    judiciário, o ordenamento passa a conviver com uma real ausência de efetividade

    material, o que aparece alardeado nos CPC’s de 1939, 1973 e 2015.

    Nessa perspectiva, sendo o Direito e a Justiça formas secularmente

    conhecidas e reconhecidas, desde os períodos mais remotos, como modelos,

    paradigmas de transição, legalmente implementados pelo Estado e legitimamente

    aceitos pela sociedade, atualmente, dada a excessiva procura, aliada à

    complexidade advinda em decorrência da densidade demográfica, esse sistema,

    operacionalizado pelo Estado/Juiz, tem-se mostrado ineficaz.

    Destarte, a existência de um padrão reconhecido, independentemente do

    seguimento ou da natureza, representa um pressuposto que permite prever que, em

    algum momento, haverá uma ruptura como modelo anterior, dadas as condições do

    não atendimento à manifestação das necessidades existentes causadas pelo atual

    modelo. Por isso, do questionamento à Justiça judiciária quanto à probabilidade de

    ruptura desse modelo e o surgimento de um novo paradigma, em que a

    tecnologização possa aquilatar e participar como elemento central.

    Operar na ponderação da aplicação do Direito como mediadora e, com isso,

    demonstrar como o apanágio dessa mudança e a identificação de que esse

    processo de ruptura não está acontecendo aleatoriamente representa, em concreto,

    uma fratura incomensurável não radical e ao mesmo tempo multidisciplinar da

    realidade existente, em contraste com uma outra, que exige uma estratégia material

    diferente para o enfrentamento de um novo mundo.

    A Inteligência Artificial, nesse contexto, representa uma tecnologia em

    inteligência nutrida de técnicas multifacetadass, tanto quanto representaram e

    representam a oralidade humana e a escrita, com a distinção de que a inteligência

    humana da descoberta criou a IA. E essa, para os fins da presente pesquisa, não se

    limita como um simples meio alternativo de tecnologia em si, mas como meio cuja

    linguagem tem utilidade eficaz inclusive na mutação do Direito Processual em sua

    evolução.

    Aliás, o Estado detém base científica ao compreender que o novo modelo tem

    fundamento, a partir de uma demanda de insatisfação reprimida refletida

    estatisticamente no atual descrédito do Poder Judiciário, em decorrência do tipo de

    Justiça proporcionada ao jurisdicionado, que vem transformando a Constituição

    Federal em mera etiqueta ideológica da Justiça.

  • 22

    Por isso, do clássico A estrutura das revoluções científicas, de autoria de

    Thomas Kuhn, é extraído que o conhecimento – e tudo por ele gerado em algum

    momento – pode sofrer mudanças significativas, inclusive dentro dos processos

    previamente definidos e estabelecidos pelo conhecimento desenvolvido em

    determinado tempo e espaço.

    O dinamismo é um aspecto da ciência merecedor de tratamento exordial na

    presente Tese, como pressuposto do estabelecimento da base cognitiva científica

    para compreensão da concepção de paradigma, que se perfaz no seio da

    comunidade científica, a partir da percepção que ela faz com relação ao mundo que

    a circunda.

    Na ciência do Direito, esse fenômeno não parece diferente, uma vez que é

    evidente a presença de modelo dada a mutabilidade com que o comportamento da

    sociedade se desloca de tempos em tempos de “insight”. Ela ocorre na

    concatenação de novos conceitos para a sedimentação dos anteriores.

    Atualmente, o que se tem como definido é um paradigma de Justiça judiciária

    (denominação reticulada para os limites do presente estudo), contendo todo um

    histórico, uma infraestrutura e uma estrutura de conhecimento que a tornam única,

    exclusiva e responsável pela entrega da prestação jurisdicional estatal, em que o

    Estado/Juiz é o central operador.

    É um sistema físico-químico/orgânico que, pela limitação cognitiva comum ao

    gênero humano em que o homem/Juiz é espécie, apresenta problemas na acepção

    maior de Justiça e de seus atributos, como já sinalizado.

    Sob esse aspecto, os pesquisadores da ciência do Direito debruçam-se para

    denunciar que o modelo ofertado para a entrega da Justiça, além de questionável, é

    superável, dada sua ineficiência material.4

    4 Para Goldstein, “A prova e o paradoxo de Kurt Godel..., Em ciência [...] O novo somente nasce com dificuldade, é vítima da resistência, diante de um cenário proporcionado pela expectativa. Inicialmente, apenas o previsto ou o que conhecemos é que nos permitimos experimentar, mesmo que mais tarde a anomalia identificada seja observada e reconhecida (GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel; tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2008).”

  • 23

    O modelo operado pelo “Estado/Juiz” a partir de uma atribuição realizada pelo

    Estado, órgão que organiza, distribui e delega suas funções a seus subordinados,

    tem permitido ao longo de sua experiência prática experimentar problemas das mais

    diversas naturezas, dentre elas a impossibilidade da garantia da neutralidade e da

    imparcialidade nas decisões, e a morosidade na concretização da Justiça.

    Isso se dá porque o sistema de operacionalização da lei e da distribuição da

    Justiça é mediado pelo Estado/Juiz na aplicação da lei às questões que lhe são

    subordinadas. A questão tem destacado atenção pela fragilidade com que a

    intelectualidade humana é limitada e pela facilidade com que suas faculdades são

    influenciáveis.

    Nesse processo, o Estado/Juiz, a partir de métodos lógicos, hermenêuticos,

    epistemológicos e sistematizados realiza os processos de decodificação,

    interpretação e reconstrução do Direito para a aplicação aos casos concretos. No

    entanto, o resultado quase sempre é tomado de aceitação duvidosa, pois alguns

    princípios, dentre eles os da imparcialidade e da neutralidade, são postulados

    geradores de um dilema incontornável, quando os dogmas da certeza e da

    previsibilidade são convocados a prestar contas.

    Tem-se, então, prejudicada a credibilidade do Direito e da Justiça, cuja

    expectativa de alcance se dá a partir da concretização material do Direito.Tal fato,

    episodicamente, não acontece como proposto na Carta Constitucional de forma

    plena e sem previsibilidade de que isso venha a acontecer, na medida em que a

    base cognitiva vê-se impossibilitada de realizá-la, diante das intermináveis

    contradições ideológicas realizadas pelo operador do Direito quando da entrega da

    Justiça.

    Isso acontece porque a estrutura do conhecimento humano, pressuposto vital

    ao exercício de um poder denominado “Justiça judiciária”, é falível, em decorrência

    de sua limitação cognitiva.

    Observa-se que um dos maiores riscos ofertados ao Poder Judiciário na

    operacionalização do Direito para o alcance da Justiça é reservado ao risco do

    sistema cognitivo humano (e que é a peça operacional central do sistema judiciário),

    face à imprevisibilidade de seus sentidos, “os conectores” do seu eu, e o eu do

    mundo, que, se não se estabelecer de forma clara e objetiva, turvará sua percepção

    frente à realidade assistida, causando-lhe falhas, erros e equívocos em suas

    decisões.

  • 24

    Dessa forma, uma vez disponível, o Direito, como regra vigente para sua

    aplicação, ou melhor, como conhecimento válido e legítimo para orientar a

    sociedade como regra de conduta aceitável, passa por um processo de reconstrução

    quando de sua convocação para atender à determinada ocorrência no mundo

    prático-social.

    No entanto, o conhecimento do Direito para sua aplicação passa a ser

    contaminado pela intervenção do homem e por seus aspectos ideológicos, isto é, o

    Direito começa, em si, a ser desvirtuado por fatores diversos que influenciam seu

    operador quando de sua reconstrução, não terminando o ciclo, nem sempre, em seu

    início, que é a lei, disso se extrai a injustiça.

    Nesse cenário, a Justiça passa a não acontecer por ausência de elementos

    essenciais ou para alguns de pressupostos essenciais válidos ao cumprimento de

    seus fins. É perceptível que, se o modelo existente de Justiçaé é eficaz ou não, tem

    em si, anterior à sua estruturação, um conhecimento que lhe dá a estatura de poder

    (regra de conduta), a fim de legitimá-lo como tal, outorgando-lhe poder e

    reconhecimento da decisão, pois esteve dentro da moldura proporcionada pela lei,

    portanto, Justiça é a aplicação de um Direito vinculado por uma lei.

    A estrutura do conhecimento da norma é ponto inconteste, salvo mudanças

    da estrutura diante do não atendimento em decorrência da evolução da sociedade a

    que se destina, o que é diferente do conhecimento exercitado pelo homem quando

    da aplicação do conjunto normativo disponível para aplicabilidade.

    O modelo do Direito moderno representa a postura da força para a

    manutenção da ordem sobre o caos, porém não o nega, ao contrário, data o fim do

    ciclo com o advento da emancipação do homem, da ciência e da tecnologia como

    modelo da pós-modernidade, pois, frente a uma logicidade e a uma racionalidade

    distintas, o sistema judiciário mediado pelo Estado/juiz tem-se revelado incompatível

    com as necessidades e as exigências da vida pós-moderna.5Em um novo momento

    5 É nesse ponto elementar que a passagem de Boaventura Santos fornece oxigênio intelectual a tal propósito, senão vejamos: “A ordem que se buscava era, desde o início e simultaneamente, a ordem da natureza e a ordem da sociedade. Enquanto a tensão entre regular e a emancipação foi protagonista no paradigma da modernidade, a ordem foi sempre concebida numa tensão dialética com a solidariedade, tensão que seria superada mediante uma nova síntese: a ideia da “boa ordem”. Desaparecida a tensão, a ideia de boa ordem daria lugar a ideia de ordem tout court. Ao direito moderno foi atribuída a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento ocorrera num clima de caos social que era, em parte, obra sua. O direito moderno passou, assim, a constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da conscientização da sociedade, o ersatz que mais se aproximava – pelo menos no momento da plena cientificização da sociedade que só poderia ser fruto da própria ciência moderna – para desempenhar essa função, o

  • 25

    histórico, dados os avanços das ciências, a pesquisa encontra nesse solo elementos

    que demarcam as trincas e as rachaduras do modelo moderno, abrindo, assim,

    espaço para um novo paradigma encampado por uma nova estrutura cognitiva de

    gestão para a aplicação do Direito em todo seu sistema operacional, exigidos pela

    pós-modernidade.

    Essa fenda gerada no sistema operacional do Poder Judiciário é tributária da

    insuficiência da estrutura psicológica do homem como homo sapiens e sua fácil

    influenciabilidade quando das tomadas de decisões, por fatores dos mais diversos,

    tais como pessoalidade, subjetividade, econômico, políticos, dentre outros que o

    exponham a aspectos valorativos ou morais.

    A realidade perceptiva do homem o torna um “ser” de limitações de sua

    própria realidade e do mundo em que vive. E isso é objeto de estudo científico da

    obra Judgment under uncertainty: Heuristics and biases, de Kahneman, Slovic e

    Tversky (Julgamento sob incerteza: bases e heurísticas), tradução pessoal, que

    embasa cientificamente a questão enfrentada quando o dilema da probabilidade

    cognitiva enfrenta o desconhecido pântano da representatividade proporcionada

    pelos sentidos e o risco dos resultados, quase sempre obtidos pela intuição

    perceptiva.

    Portanto, o limite cognitivo do poder humano judicante representa um dos

    maiores problemas do Judiciário diante da nova era secular, cuja marca se baseia

    no avanço da tecnologia e com ela na tecnologizaçãodas ações humanas em todos

    os sentidos e em todas as formas pelas machine’s sapiens.

    Sendo o operador da Justiça uma peça central do sistema do Poder

    Judiciário, poderá o representante supremo e ícone identidário da Justiça ser um

    paradigma? Como todo paradigma, em dadas circunstâncias sua ruptura representa

    uma condição natural do ciclo.

    direito moderno teve de se submeter a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna e tornar-se ele próprio científico. A cientificização do direito moderno envolveu também sua estatização, já que a prevalência política da ordemsobre o caos foi atribuída ao Estado Moderno, pelo menos transitoriamente, enquanto a ciência e a tecnologia não pudessem assegurar por si mesmas (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.

    8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 119)”.

  • 26

    Torna-se insurgente um novo modelo operacional gerido por um sistema

    cibernético parametrizado pela Inteligência Artificial conteudista de uma gramática,

    da sintaxe e uma semântica estabelecidas segundo a natureza da nova linguagem

    e, por consequência, um novo padrão de Justiça. Para Giere “Uma Revisão de Giere

    da Ciência sem Leis e Perspectivismo Científico (2009)”, seja inevitável.6

    O homem, valendo-se da ciência, tem descoberto e reconhecido a

    possibilidade de sua complexidade estar sendo aos poucos desvendada. Nesse

    processo científico, tem observado que a tecnologia e as máquinas que ela produz

    são seus aliados.

    Não que essa nova forma cognitiva ou instrumental o substitua

    definitivamente, mas talvez ela possa adiantar o andar da viagem rumo ao futuro,

    inclusive na concretização da Justiça em uma era demarcada pela transumanidade.

    Sendo ela um produto social essencial, tal status somente poderá ser pleno

    quando cada cidadão puder desfrutar, a qualquer hora do dia e da noite, de um

    acesso a consultar e a obter uma resposta, simulada ou concreta, a seus Direitos, a

    obter uma Justiça rápida que, ao ser concedida, não esteja sob a influência da

    pessoalidade ou da subjetividade humana.

    É nessa cruzada entre o sistema da Justiça judiciária e a condição de seu

    maior representante, “o Estado/Juiz”, que demandado por seus assemelhados

    excessivamente, a níveis subumanos, trabalhando em condições hostis, quase que

    como uma máquina, por sua própria condição humana, enfrenta e encontra na sua

    própria limitação a impossibilidade de fazer a entrega da Justiça da pós-

    modernidade.

    Por isso, o insight de um sistema que se afasta da inteligência humana como

    mediadora do Direito e passa para um Direito mediado por uma Inteligência Artificial

    mostra-se factível. Tal mudança representa um desenvolvimento positivo que a

    história registra a partir da presença inafastável da tecnologia e da mutação causada

    com o seu advento.

    6 O comportamento do lógico, matemático e cientista é a parte mais difícil do campo do comportamento humano e, possivelmente, o fenômeno mais sutil e complexo já submetido a uma análise lógica, matemática, ou científica, mas porque ainda não foi bem analisado não se deve concluir que se trata de um tipo diferente de campo, que será abordado apenas com um tipo diferente de análise.

  • 27

    Trata-se de um divisor de águas, aqui considerado como estímulo do

    progresso histórico, como verbaliza Max Horkheimer (2002, p. 183), em trecho da

    obra Eclipse da Razão:

    Cada vez mais na história, as ideias se desfizeram dos seus cueiros e lutaram contra os sistemas sociais que as incomodavam. A causa, em ampla escala, é o fato de que o espírito, a linguagem e todos os domínios da mente sempre colocam em jogo, necessariamente, aspirações universais. Até mesmo os grupos dominantes, que pretendem antes de tudo defender os seus interesses particulares, devem acentuar motivos universais na religião, na moralidade e na ciência. Dão assim origem à contradição entre o existente e ideologia, uma contradição que estimula o progresso histórico.

    Por ser o homem uma peça, como todas as demais, orgânicas ou não,

    inanimadas ou não, que compõem o sistema biofísico ou bioquímico, sua

    substituição ou seu reposicionamento são “fatos” reais a serem considerados,

    portanto,críveis e possíveis, ainda que não o sejam neste instante.7

    No cenário em questão, a Justiça tornar-se-á um produto de acesso também

    pela via de um sistema digital, em que o controle dos casos e das decisões

    passariam a ser realizadas por uma organização categorial por intermédio de

    algoritmos, geradores de uma sistematização capaz de integrar, uniformizar e

    padronizar as questões tratadas por temas, naturezas, espécies, tipos ou

    procedimentos, em uma plataforma institucional digital processual desenvolvida por

    intermédio de uma linguagem de programação em matrizes semânticas.

    Abastecida, administrada e fiscalizada pela espécie humana, isenta-a

    somente do ato de ponderação de aplicação das regras aos fatos formalizados, a

    partir dos critérios previamente predefinidos para inserção do sistema.

    O acesso da sociedade à consulta de seus Direitos e Garantias passaria a ser

    realizado por intermédio de terminais eletrônicos interligados e integrados às bases

    legais de um sistema maior, que permitirá – por meio de uma Inteligência Artificial e

    de uma linguagem eletrônica – entregar a cada cidadão o direito de conhecer seus

    Direitos, antes mesmo de buscar no Estado uma participação ativa para a resolução 7 Como bem ilustrado por Braga (SDP), “As máquinas não fazem extrapolações, induções, deduções ou pressuposições. É necessário treiná-las, programá-las, simular as redes neurais do nosso cérebro, gerar artificialmente os modelos de processamento da linguagem e do conhecimento que possuímos. Eis o desafio desta tarefa de ensinar as máquinas (BRAGA, Daniela. Máquinas falantes: novos paradigmas da língua e da linguística. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2013).”

  • 28

    de seus conflitos, que também disponibilizaria facultativamente que o caso fosse

    mediado pela Justiça Cibernética.

    As decisões das questões conflituosas ficariam aos cuidados de profissionais

    que gozassem da capacidade postulatória, a partir de sua certificação ao órgão

    representativo e de sua capacitação para operacionalização do sistema junto ao

    Poder Cibernético Judicante, inteligência essa capaz de gerir um sistema de

    mediação de regras, pois nutriria autonomia e independência em sua

    metodologização de funcionamento.

    A proposta supera a ficção ou a alucinação futurista de impressionar com

    suposições, parafraseando Penrose, é a capacidade de pensar observada no

    homem que o fez superar suas limitações e sobrepor-se às demais criaturas, ao

    menos em tese (se o inverso acontecesse), o faria inferior às demais criaturas? Se

    isso for provado, o “pensar”e a “inteligência” não poderão ser atributos exclusivos do

    homem, mas, ao contrário, atributos da cognição de que o homem, como um

    sistema bioquímico ou biofísico, em algum momento se apropriou.

    Nada impede, portanto, que outras espécies de sistemas possuam a

    faculdade do “pensar” e da “inteligência”, pois se esses são atributos essenciais ao

    desenvolvimento do homem, não sendo esses atributos condicionantes exclusivos

    da espécie humana, as demais formas de vida, sejam humanas ou não, não

    estariam impedidas de utilizá-las.

    Portanto, o rompimento com as formas clássicas do Direito do Processual não

    visa apagar a memória do conhecimento produzido, mas, ao contrário, demonstra

    que a produção permite que novas competências e habilidades possam ser

    produzidas, a partir de novos paradigmas, os quais rompem com o totalitarismo

    dedutivista não mais aplicáveis à realidade social vigente como consequência

    natural ao modelo em estágio de superação (ruptura).

    Com isso, avaliza o ponto de vista indutivista do cientista/pesquisador no

    rompimento com as tradições e com isso produzindo a evolução da cultura social e

    das ciências que esse vê como fruto e frutificador.

  • 29

    1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO

    1.1 A formação estrutural do conhecimento

    A estrutura do conhecimento como um sistema é dialeticamente construída

    pelo exercício prático do próprio conhecimento, é uma relação de constituinte e

    constituído, um processo que também é histórico e que se faz como na história, de

    uma relação constante, em que se cria e se faz criar. 8

    Atualmente, a produção do conhecimento advém das denominadas Big

    Science e Small Science, as quais representam uma forma distribuída e integrativa

    de realizar-se com maior celeridade e eficiência a produção do conhecimento

    promovida pela participação ativa dos órgãos, governamentais ou não, no processo

    de mudanças nas ciências após a segunda guerra mundial.

    Nesse processo, as ciências norteiam-se para uma melhor compreensão,

    explicação e aplicação, tanto no campo teórico como no prático, em prol da

    formação do conhecimento da espécie humana e com isso contribuindo para o

    progresso científico das ciências aplicadas.

    Estruturalmente, o conhecimento é representado por uma multiplicidade de

    elementos responsáveis por dar-lhe requisitos para, assim, torná-lo apto não

    somente a essa condição de conhecimento, ou seja, contendo pressupostos tais

    como sistematização, cientificidade, dentre outros atributos que lhe concebe tal

    estatura.

    Por isso, na engenharia da razão e na dialeticidade do espaço, o

    conhecimento é convocado a responder e a justificar suas respostas cognitivas, em

    uma espécie de prestação de contas dele próprio, de modo a justificá-lo

    explicativamente, em uma espécie de desafio do conhecimento consigo mesmo.

    8 Segundo Sanvito, “O conhecimento do mundo animal depende de um longo processo de maturação, adquirido através de mecanismos evolutivos e da decantação das experiências face aos problemas do dia a dia. Uma estratégia particular pode transformar uma circunstância adversa em uma condição favorável. Se o comportamento adquirido através do conhecimento biológico é bem-sucedido, sua reaplicabilidade é mantida. A inteligência biológica é sobretudo seletiva. A atenção seletiva é um aspecto fundamental de nossa atividade mental e as criaturas vivas demonstram sinais claros de seletividade (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2015).”

  • 30

    Isso se dá tanto no processo empírico, com a utilização de método, como sem

    a utilização de uma estrutura metodológica, estendendo-se essa dinâmica ao

    conhecimento prático ou teórico alhures já mencionado. Em quaisquer desses

    aspectos, o conhecimento encontra seus desafios em busca de atender à sua

    supremacia, para impor-se como conhecimento.

    Por isso, a estruturação em seu processo de constituição é decisiva e

    legitimamente cobrável. Segundo Abrantes (1994, p. 48), “Além disso, é bastante

    evidente o fato de que não apenas o conhecimento científico, mas também o senso

    comum consistem de estruturas cognitivas, de redes que articulam os conceitos

    referentes a cada domínio da realidade”.9

    Já o era; mas, na contemporaneidade, o conhecimento passou a ser mais

    decisivo a cada dia: isso o eleva à categoria de elemento essencial da vida em

    sociedade, mormente como agente de produção, qualificação e quantificação,

    sinalizando para uma participação decisiva cada vez maior em todos os ambientes,

    e quiçá e não menos relevante na orla do Direito e da Justiça, diante da necessidade

    de se produzir técnicas processuais (tecnologia em inteligência) capazes de cumprir

    com os ideais e as metas de pacificação dos conflitos sociais.

    Uma questão importante que se destaca para ser avaliada nesse processo é

    a racionalidade do indivíduo em aceitar na mesma velocidade as adequações e as

    adaptações decorrentes da transitoriedade e da simultaneidade que isso representa

    dentro e fora da sua vida e dos que se correlacionam com ele, considerando todo o

    processo desenvolvido na pós-modernidade.

    9 E complementa Abrantes: “A noção de conceito desempenha papéis importantes em várias áreas do saber. Nosso ponto de partida aqui foi a Psicologia, porém a Lógica e a Filosofia da Ciência compareceram como domínios onde a noção ocorre. A esses se pode acrescentar em primeiro lugar o dos estudos da linguagem de forma científica – a linguística (especialmente, é claro a Semântica) –, e filosófica – A Filosofia da Linguagem. Na antropologia também se estudam os conceitos, tendo a própria E. Rosh começado suas pesquisas com experimentos antropológicos. A Inteligência Artificial – tanto a tradicional quanto o conexionismo – propõe modelos computacionais de conceitos, enquanto a Neurociência – mais precisamente, a Neuropsicologia e a Neurolinguistica – procura, entre outras coisas, estabelecer relações entre o conhecimento conceitual e a estrutura e o funcionamento do sistema nervoso. A partir dessa constatação, se pode postular um princípio do seguinte teor: “O estudo dos conceitos deve ser multidisciplinar” (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 54).”

  • 31

    As mutabilidades do conhecimento serão inevitáveis diante de um novo

    mundo que se revela, impactando inclusive todas as formas de conhecimento

    cientifico ou não em seus respectivos vetores, inclusive no âmbito da ciência

    processualística cuja estrutura tem exigido em seu cotidiano condições maior

    eficiência e eficácia na gestão de dados, informações e decisões.10

    A mudança de modelo significa uma revolução na estrutura do conhecimento,

    a altercação da base científica sinaliza para uma nova conexão entre o homem e

    mundo que o cerca. Uma distinta engenharia parece ser percebida como

    instrumento capaz de atender à compreensão e ao funcionamento de uma realidade

    ainda não enfrentada, o que demonstra que uma nova forma de técnica cognitiva se

    apresenta.

    A distinção entre o conhecimento e o indivíduo é um fator a ser considerado,

    como dois corpos distintos que coexistem, que marcam os corpos, embora haja uma

    simbiose entre eles, as naturezas são diversas. Disso, exsurge a necessidade de

    compreender a racionalidade, a logicidade e seus critérios. A atenção focada, do

    homem pelo saber “a priori”, revela-se essencial aos propósitos subjacentes do

    conhecimento.

    10 Para Lévy: “A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido. Os conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez mais rápido. Disto decorre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não é mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas. Na civilização da escrita, o texto, o livro, a teoria permanecia, no horizonte do conhecimento, polos de identificação possível. Por trás da atividade crítica, havia ainda uma estabilidade e unicidade possíveis, as da teoria verdadeira, da explicação correta. Hoje, está cada vez mais difícil para um indivíduo cogitar sua identificação, mesmo que parcial, com uma teoria. As explicações sistemáticas e os textos clássicos em que elas se encarnam parecem-nos hoje excessivamente fixos dentro de uma ecologia cognitiva na qual o conhecimento se encontra em metamorfose permanente. As teorias, com suas normas de verdade e com a atividade crítica que as acompanha, cedem terreno aos modelos, com suas normas de eficiência e o julgamento de pertinência que preside sua avaliação. O modelo não se encontra mais inscrito no papel, este suporte inerte, mas roda em um computador. É desta forma que os modelos são continuamente corrigidos e aperfeiçoados ao longo das simulações. Um modelo raramente é definitivo. Um modelo digital normalmente não é nem “verdadeiro” nem “falso”, nem mesmo “testável”, em um sentido estrito. Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz ou pertinente em relação a este ou aquele objetivo específico. Fatores muito distantes da ideia de verdade podem intervir na avaliação de um modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de realização e modificação, as conexões possíveis com programas de visualizações, de auxílio à decisão ou ao ensino (LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121).”

  • 32

    Sua percepção tem o levado a insights revolucionários registrados na seara

    natural da história das humanidades. A mudança de significados ou a descoberta de

    equívocos demonstram que o conhecimento em sua concepção clássica é transitório

    e que tal fenômeno está intimamente conectado com a filosofia da ciência como

    forma de melhor detalhar e explicar a dinâmica do conhecimento científico, sua

    importância e sua relação com a espécie humana.

    A pluralidade de conhecimentos e a interdisciplinaridade mudam os critérios

    existentes nos processos teóricos metódicos da criação e da integração das

    diferentes formas existentes de conhecimentos, que se alteram e altercam com uma

    velocidade incomensurável, entre a capacidade de perceber e ser percebido. Disso

    se extrai um dos problemas da pós-modernidade.

    A mudança da base cognitiva nunca se renovou em tão pouco tempo. Há

    poucos séculos, a estrutura científica de um conhecimento demandava em torno de

    uma geração para renovar-se; atualmente o tempo encurtou para um quinto. Esse

    comportamento gerou mudanças nos métodos de ensino e aprendizado, no

    comportamento dos homens que ensinam e dos que buscam o ensinamento. Tal

    mudança de paradigma estabeleceu um niilismo em decorrência da velocidade

    sobre o conhecimento e suas formas, estigmatizado-o ao princípio da complexidade.

    As diferentes formas de conhecimentos são de mundos científicos distintos,

    os quais fazem surgir uma visão global que com ela tem fundindo novos horizontes,

    novas perspectivas e novas oportunidades, como bem ilustra Minayo (2010, p.19):

    “[...] do conceito da sociedade do conhecimento, grupos e pessoas estão sob a mira

    de um desafio: ou experimentam voos de águia ou se contentam com o

    conservadorismo que corrói a energia das instituições.”

    Todavia, a irracionalidade proporcionada pelas novas formas “diversidades de

    conhecimentos” e a implacável “velocidade” são bem ilustradas pela mesma autora

    apud Bourdieu (2010, p. 22).11

    11 “[...] conceitos usualmente empregados para a construção do conhecimento e por uma teorização sobre a prática são isentas de interesses, de preconceitos e de incursões subjetivas. Conforme adverte Bourdieu, ‘o privilégio presente em toda atividade teórica pressupõe um corte epistemológico e um corte social e ambos governam sutilmente essa realidade, portanto, qualquer investigador deve pôr em questão pressupostos inerentes a sua qualidade de observador externo que importa para o objeto, os princípios de sua relação com a realidade, incluindo-se aí as próprias relevâncias’ (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 157).”

  • 33

    O distanciamento pelo desinteresse na participação do processo de

    construção e de compreensão da real importância do conhecimento são sintomas da

    ausência de estímulos proporcionada pelo próprio objeto do conhecimento tornado

    transitório e fugaz, uma espécie de alienação causada pela incompreensibilidade

    irracional.

    A desilusão é causada pela própria estrutura em que o conhecimento se

    encontra para ser obtido, aliada a seu tempo útil de efemeridade existencial do

    mundo transitório. As multiplicidades de opções, a transitoriedade e a

    simultaneidade geram desestímulo em sua obtenção, dada a sensação de

    inatingibilidade diante da dimensão enfrentada ou da dificuldade encontrada em

    conciliar a utilidade fundamental do corpo invisível do conhecimento e a sua

    complexidade anunciada.

    Semelhante racionalidade irracional é produto da contemporaneidade, que

    passa, porém, a ser advertida por ser geradora do embrutecimento do espírito que

    decorre do empobrecimento da intelectualidade do homem pós-moderno, rendido

    por um caleidoscópio ilusório psicologicamente criado por essa atmosfera.

    É preciso participar ativamente, contextualizando e racionalizando os

    conhecimentos de modo a torná-los ferramentas úteis ao desenvolvimento positivo

    do homem em seu processo de emancipação, sob pena de tornar-se submetido à

    regulamentação externa, sem que possa ter a efetiva compreensão necessária do

    que é.

    É vital que, com o auxílio dessa multiplicidade de conhecimentos, o homem

    possa forjar novas ferramentas para desafiar os novos desafios que por certo

    surgirão, de modo a vencê-los. Para isso, é preciso unificar os conhecimentos.12

    12 Como esclarece Sanvito: “O princípio da complexidade impede (no momento) uma teoria unificadora do conhecimento e não permite exorcizar essa instância da contradição, da incerteza, do irracional. De acordo com os teoremas de Godel, um sistema formalizado complexo (axiomatizado) não pode ser validado por si mesmo. Isto significa que um sistema lógico, de certa complexidade, não consegue escapar de suas contradições ocultas. Aqui nos deparamos com o problema da autorreferência, que é um paradoxo clássico do pensamento grego, que geralmente se refere a ele como o “paradoxo cretense” (citado por Sanvito). Conta-se que o cretense Epimênides certa ocasião afirmou: “Todos os cretenses são mentirosos” e criou um problema aparentemente insolúvel. Esse impasse pode ocorrer nos paradoxos que dependem do uso de conceitos cujo âmbito de referência inclui o próprio conceito. Neste modelo cretense, a simples colocação – “O que eu estou afirmando não é verdade” gera uma contradição extrínseca: se a afirmativa é verdadeira, está demonstrada que é falsa; se é falsa, devemos entender que contém uma verdade. Já Tarski (citado por Bronowski) deu ênfase ao problema da linguagem; um sistema semântico não tem capacidade de explicar totalmente a si próprio. A linguagem simbólica é empregada para descrever partes do mundo, encontrando muitas dificuldades para descrever partes dela mesma. A elaboração de uma metalinguagem poderia remover este obstáculo? Não é a opinião de Morin, para que as linguagens formalizadas não podem

  • 34

    A partir das ciências, os conhecimentos práticos e teóricos dividem o mesmo

    espaço em seus aspectos objetivo e subjetivo. Para compreender sua história, ou

    melhor, compreender a cartografia (mapa) da história e seus fenômenos (o que

    representa uma gravura decisiva na compreensão da formação dos conhecimentos),

    é necessário um esforço pessoal do indivíduo que se propõe a realizá-lo, além do

    enfrentamento das adversidades proporcionadas pelo desconhecido.

    Esse processo encontra obstáculos em duas variáveis: se, por um lado, a

    limitação cognitiva do indivíduo é algo plausível, do ponto de vista biológico é

    considerável como padrão da normalidade, ou seja, o homem é um “Ser” insuficiente

    e, por isso, falível, mas que cultiva o germe gerativo do conhecimento denominado

    descoberta que quase sempre o socorre de iminente fatalidade.13

    Assim, a completude dos conceitos e das metodologias rende-se a uma

    hipossuficiência da realidade ao próprio conhecimento que se funde a partir de um

    fluxo de pensamento demarcado por uma realidade lógica e não lógica da espécie

    humana como forma de inteligência.

    Isso se dá por sua precariedade. Porque, além da limitação em

    equipotencialidade, dada sua condição, humana, mesmo em seu ativismo na busca

    do conhecimento pelo conhecimento, nas últimas décadas o condicionante

    comportamental vem arrefecendo, dada uma nova cartografia social que se destaca,

    em que o homem moderno luta contra o vazio, biotipo bem retratado por Rojas

    (1996, p. 21):

    constituir uma metalinguagem em relação a nossa linguagem (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 363. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2015).”

    13 Segundo Sanvito: “A nossa maneira de pensar está intimamente ligada ao contexto das situações; de modo geral, não analisamos a coisa em si, mas a relação entre elas. Por exemplo, quando lido com o substantivo “maçã”, a minha representação mental pode ser diversa dependendo do contexto; pode significar o fruto proibido de que fala o Gênesis, o fruto envenenado da fábula da Branca de Neve, a maçã de Newton com a conotação da lei da gravidade, a fruta propriamente dita para saborear, a natureza morta do pintor A ou B, e assim por diante. A IA tentou superar essas dificuldades através de estratégias para atingir uma representação dos conhecimentos (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência biológica versus inteligência artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2015).”

  • 35

    Um ser humano hedonista, permissivo, consumista e centrado no relativismo tem pela frente um prognóstico ruim. Padece de uma espécie de ‘melancolia’ new look: instrumento de experiências apáticas. Vive na condição de objeto, manipulado, dirigido e tiranizado por estímulos deslumbrantes, mas que não o gratificam, não o fazem mais feliz. Sua paisagem interior está coberta por uma mistura de frieza impassível, de neutralidade sem compromisso e, ao mesmo tempo, de curiosidade e tolerância ilimitada. Este é o chamado homem cool, que não se preocupa com a justiça nem com os velhos temas dos existencialistas (Soren Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus), nem com os problemas sociais ou com os grandes temas do pensamento (a liberdade, a verdade, o sofrimento).

    A realidade naturalmente se encontra dentro de um processo marcado por

    etapas, por especificidades, por reflexões, por análises, por avaliações e por uma

    integração de todo o processo na emissão de posições conclusivas, em que o

    conhecimento precisa completar-se para compreender e responder a todas as

    etapas do processo taxonômico da realidade que se faz presente e que se

    apresenta.

    Esse ciclo compete à natureza do conhecimento científico, é uma busca

    incessante do acabado, mas sempre provisório, do conhecimento científico, em que

    confluem conhecimento humano para a construção do conhecimento tecnológico.

    Esse processo é entremeado pela linguagem psicologizada humana e pela

    linguagem padronizada tecnológica.14

    A consciência constitui-se na história, é histórica em sua formação, embora

    paire sobre ela o enigma de sua natureza, porém não enfrentada dado o escopo da

    pesquisa. Fornece registros (direta e indiretamente) às estruturas complexas das

    faculdades cognitivas, o que Abrantes (1994, p. 184) denomina de “protótipos e

    esquemas” dados a forma estática da percepção da espécie humana e os

    14 Cita Minayo: “Regras universais e padrões rígidos permitindo uma linguagem comum divulgada e conhecida no mundo inteiro, atualização e críticas permanentes fizeram da ciência a “crença” mais respeitável a partir da modernidade. A força da ciência, que se tornou um fator produtivo de elevada potência na contemporaneidade, levou o filósofo Popper (1973) a dar ênfase em suas análises à lógica externa da comunidade científica, utilizando, para isso a expressão o Terceiro Mundo, uma espécie de classe ou casta, com sua economia e lógica próprias, embora permeadas por conflitos e contradições como qualquer outra criação e instituição humana. O certo é que o campo científico tem suas regras, para conferir o grau de cientificidade ao que é produzido e reproduzido dentro e fora dele, suas atividades conciliam sempre em duas direções: numa, ela loca suas teorias, métodos, princípios e estabelece resultados. Noutra, inventa, ratifica seus cenários, abandona certas vias e orienta-se por novas rotas. Ao se enveredar nesse terceiro mundo, os cientistas aceitam as condições instituídas e no mesmo tempo o condão de historicidade e provisoriedade peculiar do universo em que decidiram investir sua vida (MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 36).”

  • 36

    “esquemas previamente armazenados na memória”. Isso significa que memória seria

    nada mais e nada menos que “protótipos e esquemas” de uma estrutura cognitiva.

    Parafraseando Guriev, no processo de construção do conhecimento, a

    consciência do indivíduo acontece a partir do espaço que ocupa, portanto, a

    consciência histórica é um fenômeno da própria história e do tempo em que ela se

    faz existir. Registre-se como uma fenda no raciocínio desenvolvido de que, no

    âmbito da estrutura cognitiva das inteligências, o que há de comum entre a espécie

    humana e a não humana denominada máquina é o processamento de informações.

    Para Marx, parafraseando-o, é a relação do indivíduo na construção da

    história e a história construindo o indivíduo. Esse contexto enfrenta os problemas da

    subjetividade e da pessoalidade na edificação interna e externa das ideologias para

    cada momento da história do homem e do conhecimento que produz. Ceticamente

    ou em uma visão radicalizada, em última instância nada seria real, portanto, apenas

    um sonho em ordem subsequente de circunstancialidade.

    O conhecimento como substância é vital ao preenchimento do conceito de

    verdade, portanto pode afirmar-se como inexistente, se não fosse a justificação e a

    relação de satisfação quando da condição de suficiência da própria justificação. A

    verdade, assim, é uma convenção a que adere determinada comunidade e seus

    interesses comuns afins.

    Nessas condições, o conhecimento nunca está pronto e acabado, uma vez

    que, além de ser convencional, o processo de justificação e satisfação é provisório.

    O conhecimento, assim dizendo, é dinamicamente alimentado pela incessante e

    laboriosa pesquisa, abastecida por uma fonte de busca inesgotável.

    Às vezes inusitado, o homem se vê circundado pela árdua atividade da

    pesquisa e suas adversidades que lhe criam um cisma ao tentar reconhecer ou

    simplesmente aproximar-se da realidade com mais exatidão possível, por vezes

    dominado diante do limite cognitivo em todos os seus aspectos.

    Os problemas e as dificuldades também giram em torno dos paradigmas

    estabelecidos os quais habitam a comodidade e o parasitismo dos conceitos e das

    práticas já superadas, mas que a percepção não captou.15As velhas verdades

    15 Observa Abrantes: “Outras teses de Kuhn são revisitadas, como as relativas à aprendizagem de um paradigma através de “problemas e soluções-padrão”, num período de Ciência “normal”; ou da resistência dos cientistas a novos paradigmas. A aprendizagem é considerada um processo cognitivo envolvendo modificações nos pesos das ligações sinápticas dos homens ou outros animais, em

  • 37

    passam a não mais se sustentar, pois isso se caracteriza quando nem as

    justificativas nem as satisfações atendem mais como pressupostos de validação do

    conhecimento: esvaziado esse, a verdade deixa de ser “existir”. No mundo das

    ciências jurídicas, em especial da processualística, Francisco Campos, na

    exposição de motivos do CPC de 1939, já reconhecia a necessidade de mudanças

    dos paradigmas da ciência processual para o alcance dos objetivos ideológicos de

    acesso, previsibilidade e brevidade ao atendimento dos serviços da Justiça.

    [...] durante a reunião do Congresso de Direito Judiciário, e na presença de Vossa Excelência, de declarar que, já era tempo que o direito, e particularmente o direito judiciário, se beneficiasse da renovação das outras disciplinas do espírito, servindo se, na investigação da verdade.

    São as pesquisas sobre o conhecimento e os problemas sociais, diante da

    ausência daquele em padrão cognitivo superior para atender aos problemas

    vigentes. São indicadores fortes que se originam dentro da dinâmica da história

    social e que evidenciam o conhecimento enquanto corpo estrutural fundamental para

    a compreensão das realidades e da propositura de mudanças. Para que elas

    aconteçam, a percepção sináptica da cognição humana dá-se por intermédio do

    peso expansivo do conhecimento em uma espécie de insight.

    A miscigenação das ciências vem nas últimas décadas revelando problemas

    na base cognitiva, uma vez que a limitação humana interfere diretamente no

    ilimitado contexto das ciências, advinda da complexidade das realidades e dos

    vocabulários que buscam justificar a compreensão daquelas.

    Esse fato tem demonstrado certo embrutecimento da razão cognitiva do

    indivíduo, que passa a ser vitimizado pelo método adestrador do condicionamento.

    Por outro lado, na medida em que o crescimento demográfico e a massificação dos

    Estados começaram a tornar-se um fato real, comprovável estatisticamente, esse

    homem das “massas” desconhece suas próprias condições, limitado ao simples

    obedecer, ante a ausência de recursos cognitivos e suficientes que possam dar-lhe

    voz, as suas opiniões e conhecimentos.

    Todavia, o Estado começou a observar que o crescimento populacional

    tornou-se a cada dia um risco maior, responsável pela formação de um

    analogia com o que ocorre durante o “treinamento” de redes neurais artificiais (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Univer