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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Oscar Silvestre Filho Globalização e Direitos Humanos: O Estado Constitucional Cooperativo como Política Instrumental Internacional à Efetivação do Direito Humano Ambiental Doutorado em Direito São Paulo 2020

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  • Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    Oscar Silvestre Filho

    Globalização e Direitos Humanos: O Estado Constitucional Cooperativo como Política

    Instrumental Internacional à Efetivação do Direito Humano Ambiental

    Doutorado em Direito

    São Paulo

    2020

  • Oscar Silvestre Filho

    Globalização e Direitos Humanos: O Estado Constitucional Cooperativo como Política

    Instrumental Internacional à Efetivação do Direito Humano Ambiental

    Doutorado em Direito

    Tese apresentada à Banca Examinadora da

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

    como exigência parcial para obtenção do título

    de Doutor em Direito (Área de Concentração:

    Efetividade do Direito), sob a orientação do Prof.

    Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira.

    São Paulo

    2020

  • Banca Examinadora

    _____________________________________

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    _____________________________________

  • Aos meus mestres Eduardo Dias de

    Souza Ferreira, Frederico da Costa

    Carvalho Neto e João Calil Vieira de

    Camargo.

  • “O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

    de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”

    Número de Processo 88887.160873/2017-00

    “This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

    Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”

    Case Number 88887.160873/2017-00

  • Deixo registrado profunda gratidão à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

    Superior (CAPES), bem como à Fundação São Paulo (FUNDASP), pela concessão da bolsa

    de estudos a mim proporcionada no curso da Pós-Graduação da PUC/SP, que ora financiou a

    elaboração desta Tese de Doutorado.

  • Agradecimentos

    Registro agradecimentos aos Doutorandos do Programa de Doutorado em Direito da

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialmente à Primeira Turma de Direitos

    Humanos (2017) desta renomada Instituição, pelos momentos memoráveis dos bancos

    acadêmicos.

    À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, estendendo as

    homenagens ao seu quadro docente pelo compromisso profissional na formação de

    pesquisadores das ciências sociais e jurídicas, com ampla reputação no Brasil e no exterior.

    Aos amigos e amigas do Doutorado, Bruno Carlos dos Rios, Wilson Vinci Júnior,

    Nayara Maria Silvério da Costa Dallefi e Isadora Urel, meus sinceros agradecimentos pelas

    inúmeras horas agradáveis que juntos passamos na PUC/SP.

    À minha mãe, Neide Maria de Almeida Silvestre, com todo o meu amor, por tudo

    que proporcionou em minha jornada pessoal e profissional, enfrentando os desafios e

    intempéries da vida, a fim de que eu pudesse ter uma educação de qualidade e ser útil à

    sociedade. Certamente seus princípios e ensinamentos acerca da vida estarão sempre em

    minha mente, e que as duas palavras mais importantes da Língua Portuguesa, “Por favor” e

    “Obrigado”, estarão juntas comigo aonde eu estiver. Obrigado por ser a minha mãe, por estar

    sempre comigo e por acreditar em meus sonhos. Te amo!

    Ao meu orientador, Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira, docente extremamente

    afável, competente e atencioso, pessoa a quem tenho extrema admiração e respeito no âmbito

    profissional, cujo trabalho recebe a minha dedicatória com o mais profundo carinho,

    reconhecimento e gratidão pela oportunidade que me proporcionou como seu orientando na

    PUC/SP.

    Ao meu ex-orientador no Programa de Mestrado, Dr. Frederico da Costa Carvalho

    Neto, a quem também atribuo a dedicatória desta Tese, docente dotado de inúmeras

    qualidades e de amplo conhecimento nas ciências jurídicas, cuja contribuição na pós-

    graduação fora de extrema importância para minha formação profissional como pesquisador

    do Direito.

    Agradeço ainda ao Dr. João Calil Vieira de Camargo, verdadeiro ser humano

    iluminado por “Deus”, com espírito solidário, humano, gentil, sempre disposto a ouvir e ao

    mesmo tempo ajudar, pessoa a quem, além de aqui deixar meu agradecimento e minha eterna

    gratidão por acreditar em mim, também dedico esta Tese de Doutorado, com o maior amor e

    carinho de um filho a um pai, sempre presente em minha vida e acompanhando de perto

  • minha evolução pessoal e profissional. Saiba que você, indiscutivelmente, é o meu maior

    exemplo de pessoa, de caráter e de profissional, além de reflexo de pai que um dia almejo ser

    aos meus filhos. Te amo!

    Por fim, agradeço à minha querida esposa, Silvana Momesso, por todo o amor,

    carinho, companheirismo, compreensão, paciência e incentivo durante a elaboração deste

    trabalho. Sem dúvida, sua presença fora de extrema importância durante o curso, não só pela

    leitura dos textos que por mim foram escritos, mas também na contribuição de ideias e

    reflexões a respeito do tema. Obrigado por tudo, especialmente pela pessoa que é e por

    acreditar em mim. Te amo, sempre!

  • RESUMO

    O presente trabalho tem como pertinência temática a análise do fenômeno da

    globalização e a identificação do meio ambiente como direito humano resultante da

    cooperação dos Estados em âmbito internacional. O desenvolvimento da sociedade em meio

    às novas tecnologias e os modos de comunicação tiveram como reflexos a interligação de

    países e continentes, proporcionando não só a criação de um novo cenário global, mas a

    identificação e exigências de novos valores sociais que devem integrar o cotidiano dos povos.

    Com o olhar voltado para o processo de desenvolvimento econômico dos Estados, se por um

    lado há uma ação humana pela satisfação das necessidades materiais na constante busca do

    lucro, em contraposição há reações sistemáticas que se dissipam na sociedade global

    caracterizando o chamado “risco social” do mundo contemporâneo. Na visão do sociólogo

    alemão Ulrich Beck, “risco” caracteriza-se numa força social que reside nas ameaças à

    humanidade ora projetadas para o futuro, destacando-se como paradigmas a degradação

    ambiental e a desigualdade social. Nesse aspecto, a produção de riscos atinge não apenas o

    seu respectivo causador de forma isolada, mas toda sociedade de forma global, uma vez que

    seus efeitos não respeitam os limites fronteiriços do Estado-nação, caracterizando, assim, a

    relativização da soberania. É nesse sentido que, em se tratando de problemas ambientais, e

    tendo em vista os debates e conferências internacionais que já versaram acerca do assunto

    pontuando a ausência de limitação ou de jurisdição territorial para a respectiva proteção, tem-

    se que, a partir do Estado Constitucional Cooperativo de Peter Häberle, apresenta-se uma

    possível vertente para o meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado em âmbito

    internacional, renovando-se os hábitos e valores atribuídos aos Estados e à sociedade em

    geral, fundados no dever de cooperação e no espírito de solidariedade humanista, tendo-se

    como políticas instrumentais as Conferências Internacionais acerca do tema e a Opinião

    Consultiva OC-23/17 sobre meio ambiente e direitos humanos.

    Palavras-Chave: Globalização – Meio Ambiente – Direitos Humanos – Estado – Cooperação

  • ABSTRACT

    The present work has as thematic relevance the analysis of the phenomenon of

    globalization and the identification of the environment as a human right resulting from the

    cooperation of States in the international sphere. The development of society among the new

    technologies and modes of communication reflected the interconnection of countries and

    continents, providing not only the creation of a new global scenario, but the identification and

    demands of new social values that must integrate the daily lives of peoples. Looking at the

    process of economic development of the States, if on the one hand there is a human action for

    the satisfaction of material needs in the constant pursuit of profit, in contrast there are

    systematic reactions that dissipate in the global society characterizing the so-called “social

    risk” of the contemporary world. In the vision of the German sociologist Ulrich Beck, “risk”

    is characterized by a social force that resides in the threats to humanity now projected for the

    future, highlighting as paradigms environmental degradation and social inequality. In this

    respect, the production of risks affects not only the individual perpetrator, but all society as a

    whole, since its effects do not respect the frontier boundaries of the nation state,

    characterising, thus, the relativization of sovereignty. It is in this sense that, in the case of

    environmental problems, and in view of the international debates and conferences that have

    already dealt with the subject, highlighting the absence of limitation or territorial jurisdiction

    for their protection, from the Cooperative Constitutional State of Peter Häberle, there is a

    possible international aspect to the environment which is healthy and ecologically balanced,

    renewing the habits and values accorded to States and to society in general, founded on the

    duty of cooperation and the spirit of humanist solidarity, using as instrumental policies the

    International Conferences on the theme and the Consultative Opinion OC-23/17 on the

    environment and human rights.

    Keywords: Globalization – Environment – Human Rights – State – Cooperation

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos

    Sólidos)

    BBC (British Broadcasting Corporation)

    BIRD (Banco Mundial)

    CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

    CESUMAR (Centro Universitário de Maringá)

    CIDHs (Corte Interamericana de Direitos Humanos)

    CMMAD (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento)

    EUA (Estados Unidos da América)

    EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)

    FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

    FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo)

    FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

    FMI (Fundo Monetário Internacional)

    FUNDASP (Fundação São Paulo)

    IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente)

    MERCOSUL (Mercado Comum do Sul)

    OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)

    ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável)

    ODM (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio)

    OMS (Organização Mundial da Saúde)

    ONGs (Organizações Não Governamentais)

    ONU (Organização das Nações Unidas)

    PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)

    PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)

    PUC/MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

    PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

    PUC/RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

    RDCI (Revista de Direito Constitucional e Internacional)

    SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente)

    STF (Supremo Tribunal Federal)

  • TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)

    UCB (Universidade Católica de Brasília)

    UE (União Europeia)

    UEL (Universidade Estadual de Londrina)

    UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

    UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

    UFPR (Universidade Federal do Paraná)

    UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

    UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

    UFSM (Universidade Federal de Santa Maria)

    UFU (Universidade Federal de Uberlândia)

    UnB (Universidade de Brasília)

    USJT (Universidade São Judas Tadeu)

    USP (Universidade de São Paulo)

    UNESP (Universidade Estadual Paulista)

    UNICAMP (Universidade de Campinas)

    UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo)

    UNICEUB (Centro Universitário de Brasília)

    UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina)

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................................. 15

    1. DA TEORIA DOS PODERES NA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................ 19

    1.1 O QUE É PODER? .................................................................................................................................................................. 24

    1.2 PODER IDEOLÓGICO .......................................................................................................................................................... 30

    1.3 PODER POLÍTICO ................................................................................................................................................................ 32

    1.4 PODER JURÍDICO ................................................................................................................................................................. 34

    1.5 PODER ECONÔMICO........................................................................................................................................................... 36

    1.6 PODER DA MÍDIA ................................................................................................................................................................. 40

    1.7 PODER DO ESTADO E A CRISE DO ESTADO-NAÇÃO ................................................................................................. 45

    1.8 GLOBALIZAÇÃO .................................................................................................................................................................. 49

    1.9 DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO ........................................................................................................ 52

    1.10 DA TEORIA DOS PODERES COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL À EFETIVIDADE DOS DIREITOS

    HUMANOS ..................................................................................................................................................................................... 56

    2. GLOBALIZAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE .................................................................................... 59

    2.1 DA INFORMATIZAÇÃO E AUTOMAÇÃO........................................................................................................................ 63

    2.2 DA DESTERRITORIALIZAÇÃO ......................................................................................................................................... 67

    2.3 GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS ..................................................................................................................... 72

    2.4 ORIGEM DA TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................................................ 77

    2.5 DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA AMBIENTAL ................................................. 79

    2.6 DAS REIVINDICAÇÕES À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................................ 83

    2.7 DA PRIMEIRA DIMENSÃO DOS DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL ...................................... 85

    2.8 DA SEGUNDA DIMENSÃO DE DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL .......................................... 87

    2.9 DA TERCEIRA DIMENSÃO DE DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL ........................................ 88

    2.10 DOS DIREITOS HUMANOS COMO DIREITOS EXPANSIVOS ................................................................................... 90

    2.11 DA INTERRELAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E OS DIREITOS HUMANOS.................................................. 92

    3. O MEIO AMBIENTE NO CENÁRIO GLOBAL ................................................................................................................... 96

    3.1 DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL ................................................................................................................................. 102

    3.2 IMPLICAÇÕES DO SISTEMA CAPITALISTA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO .................................... 107

    3.3 A QUESTÃO DA FINITUDE DOS RECURSOS NATURAIS E O AQUECIMENTO GLOBAL ................................. 112

    3.4 DO PARADIGMA DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NO ÂMBITO INTERNACIONAL ............................... 115

    3.5 OS REFLEXOS DA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO PARA CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA DO

    DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................................................................................ 118

    3.6 A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (RIO/92) ... 121

    3.7 O PROJETO DO MILÊNIO DAS NAÇÕES UNIDAS E A SUSTENTABILIDADE DO MEIO AMBIENTE ............ 123

    3.8 DA CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RIO + 10) ........................................ 125

    3.9 DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RIO + 20) ..... 126

    3.10 A AGENDA 30 E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...................................................................................... 127

    3.11 ENCÍCLICA PAPAL “LAUDATO SI” SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM ................................................... 129

  • 4. O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO

    HUMANO AMBIENTAL ........................................................................................................................................................... 135

    4.1. DA CRISE AMBIENTAL E O SISTEMA DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA ORDEM JURÍDICA

    NACIONAL .................................................................................................................................................................................. 136

    4.2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...................... 138

    4.3 DO PARADIGMA AMBIENTAL BRASILEIRO .............................................................................................................. 140

    4.4 DESAFIOS DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ................................................................................................. 141

    4.5 DA PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ............................................................................ 142

    4.6 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ............................................................................................. 144

    4.7 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ........................................................................................................................................... 147

    4.8 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO............................................................................................................................................ 148

    4.9 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR .......................................................................................................................... 150

    4.10 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO .................................................................................................................................... 152

    4.11 PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO....................................................................................................................................... 156

    4.12 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ...................................................................................................................................... 158

    4.13 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIZAÇÃO INTEGRAL ................................................................................................. 160

    4.14 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO ECOLÓGICO .................................................................................. 162

    5. DA OPINIÃO CONSULTIVA OC-23/17 SOBRE MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS E O ESTADO

    CONSTITUCIONAL COOPERATIVO COMO POLÍTICA INSTRUMENTAL INTERNACIONAL À

    EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO AMBIENTAL ....................................................................................................... 165

    5.1 DOS CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS .. 168

    5.2 DA JURIDIÇÃO E A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS NA PROTEÇÃO AMBIENTAL ............................................... 171

    5.3 DAS OBRIGAÇÕES E DEVERES DOS ESTADOS NO RESPEITO À VIDA E POSSÍVEIS DANOS AO MEIO

    AMBIENTE .................................................................................................................................................................................. 174

    CONCLUSÃO .............................................................................................................................................................................. 179

    BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................................................... 184

  • 15

    INTRODUÇÃO

    A elaboração deste trabalho teve início em meados do ano de 2018, no crédito

    Direitos Humanos e Globalização, oferecido aos alunos regulares do Programa de Doutorado

    em Direito, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –

    PUC/SP.

    No início das aulas do respectivo crédito, mediante sorteio em sala, fui designado

    para apresentar um seminário com o tema “Globalização e Direito Humano Ambiental”, pelo

    qual, consequentemente, deu ensejo à construção desta tese de doutorado, ante a

    complexidade do assunto e a problemática atual que envolve o tema no cenário global.

    Inicialmente, discutiu-se no programa o conteúdo relevante acerca da expressão

    “direitos humanos”, significando a conquista dos direitos da liberdade, igualdade e

    fraternidade, observando-se a afirmação histórica de seu conteúdo, com princípios morais,

    tratados internacionais e normas jurídicas voltadas para a proteção da pessoa humana.

    Consequentemente, nos debates em sala de aula, bem como nas leituras constantes e

    apresentações de seminários proferidas no curso pelos colegas também doutorandos, foram

    pontuadas as notáveis mudanças que ocorreram no mundo a partir da segunda metade do

    século XX, sendo a globalização o fenômeno responsável pelo processo de transformação das

    relações sociais.

    Além disso, muito se discutiu sobre as teorias dos poderes ideológico, político,

    jurídico e econômico, bem como as interferências externas no poder do Estado-nação, ante a

    relativização da soberania pelas forças econômicas mundiais que não respeitam os limites

    territoriais e que também proporcionam reflexos negativos no bem-estar da população

    nacional.

    Analisou-se também o chamado “risco social”, termo esse designado pelo sociólogo

    Ulrich Beck e destinado a explicar que a produção social de riquezas é acompanhada

    sistematicamente pela produção social de riscos, uma vez que o processo de desenvolvimento

    econômico, impulsionado pelo fenômeno da globalização, tem impacto direto no âmbito

    social, econômico e cultural, dando ensejo, inclusive, ao surgimento da desigualdade social e

    degradação do meio ambiente pelas empresas no cenário global.

    Isso porque, na sociedade moderna, torna-se constante o debate de que o efeito da

    globalização proporciona cada vez mais o vínculo das pessoas numa relação de

    interdependência, tendo em vista que todos os seres humanos estão obrigados a participarem

  • 16

    do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, caracterizando-se uma relação

    simbiótica que perfaz todo o globo terrestre.

    Entretanto, é inegável que o fenômeno da globalização, ora proporcionado pela era

    da informática e pelo segmento da tecnologia, acarretou a aproximação dos povos e Estados,

    mas implicou, também, nos problemas relacionados ao desenvolvimento social, violações aos

    direitos humanos e a degradação ambiental.

    Contudo, em se tratando do meio ambiente, é indubitável que a degradação

    ambiental em nível internacional é um dos principais problemas atuais que se encontra na

    agenda dos Estados.

    É extrema a preocupação com as presentes e futuras gerações, ante a utilização

    reiterada dos recursos naturais por empresas nacionais e transnacionais, sem a devida

    consciência social da sua respectiva finitude e que tem proporcionado reflexos negativos na

    qualidade de vida, uma vez que o desenvolvimento tecnológico voltado para obtenção de

    lucro não tem considerado os fatores prejudiciais que se refletem em face do ser humano e do

    meio ambiente.

    De fato, a ausência da observação dos efeitos da degradação do meio ambiente

    visando a obtenção de lucro tem caracterizado sérios riscos para existência da vida no planeta

    terra, pois os danos provocados pelos poluidores acabam refletindo diretamente não só em

    face dos próprios agentes, mas também ao redor da sociedade em âmbito global,

    concretizando uma destruição sistêmica e irreversível à espécie humana.

    Esses riscos que hoje assolam a modernidade se manifestam através das atividades

    desempenhadas pelas indústrias, gerando amplos reflexos na natureza e respectivos efeitos

    nocivos em face da saúde humana, pois, a distribuição de poluentes e a contaminação do ar,

    água, solo e alimentos, bem como ameaças à fauna e flora, expõem as políticas inadequadas

    que direcionam o caminho para a escassez dos recursos naturais.

    A partir dessa ótica, pode-se relacionar que a busca pelo lucro, sem a respectiva

    responsabilidade social, tem como consequência primária a degradação do meio ambiente, na

    medida em que a produção em massa pelas empresas se sobrepõe ao bem-estar humano,

    implicando total desrespeito ao princípio da solidariedade, que consagra a proteção ambiental

    para as presentes e futuras gerações.

    Logicamente que essa visão terá como consequência um efeito secundário e

    catastrófico, qual seja, a distribuição de riscos que ameaça a vida no planeta, surgindo os

    seguintes questionamentos atuais acerca do tema: o atual modelo de desenvolvimento

  • 17

    econômico sem a observância da finitude dos recursos naturais sobreviverá em pleno século

    XXI? Como queremos o futuro de nossos filhos e netos? Qual o desafio a ser enfrentado pelos

    Estados, a fim de que se obtenha um modelo de desenvolvimento econômico sustentável? Há

    necessidade de solidariedade entre os povos para a efetivação da tutela ambiental?

    É a partir desses questionamentos que se observa a importância do Estado

    Constitucional Cooperativo como uma política instrumental internacional, a fim de que se

    assegure um desenvolvimento sustentável no planeta, desde que acompanhada de educação

    ambiental e consciência social pelos povos.

    Para tanto, buscando-se o êxito desse desenvolvimento, a cooperação de todos os

    países, com vistas à preservação do meio ambiente fundado num paradigma de solidariedade,

    não deverá encontrar limites territoriais ou jurisdição por parte dos Estados para que seja

    efetivada a tutela ambiental em benefício da coletividade em geral.

    Isso porque, tratando-se de danos fronteiriços, como no caso da degradação do meio

    ambiente, a jurisdição do Estado vai para além de seu território, uma vez que o meio

    ambiente, caracterizado como direito difuso, bem como um direito humano, deverá ser

    protegido em âmbito global com a cooperação dos povos.

    Assim, a proposta deste trabalho tem como fator metodológico amplas pesquisas em

    artigos científicos, obras jurídicas, filosóficas e jurisprudências, bem como a análise do meio

    ambiente através de Opinião Consultiva emanada pela Corte Interamericana de Direitos

    Humanos.

    No desenvolvimento do trabalho, o primeiro capítulo destina-se a explicitar a teoria

    dos poderes na contextualização dos direitos humanos, elucidando-se o conceito de poder e

    suas teorias ideológica, política, jurídica e econômica, bem como o poder da mídia no cenário

    da globalização.

    Além disso, o referido capítulo destina-se a discutir a crise do Estado-nação em face

    da relativização da soberania pelas forças econômicas mundiais, apresentando o Estado

    Constitucional Cooperativo como importante instrumento internacional à preservação do meio

    ambiente, mediante a implantação de um modelo de gestão cooperativa entre as nações, com

    vistas a solucionar os problemas que afrontam à dignidade da pessoa humana.

    No segundo capítulo, a análise recai sobre a globalização e seus possíveis impactos

    em nível internacional, justificando-se o avanço da informatização e automação, bem como a

    desterritorialização como consequência desse fenômeno que não respeita fronteiras e nem

    limites territoriais. Pontua-se também as dimensões da liberdade, igualdade e fraternidade,

  • 18

    ambos com enfoque no meio ambiente, justificando-se cada dimensão e sua interrelação com

    a questão ambiental.

    O terceiro capítulo destina-se a analisar o meio ambiente no cenário global,

    demonstrando a problemática atual e suas implicações que decorrem do sistema capitalista,

    especialmente quanto à limitação dos recursos naturais.

    Para tanto, expõem-se as conferências internacionais destinadas à proteção do meio

    ambiente visando um desenvolvimento sustentável, com a menção das Agendas criadas pela

    ONU, a fim de orientarem os Estados na condução das políticas ambientais.

    No mesmo capítulo, também é exposta a reflexão que o Papa Francisco apresenta ao

    mundo acerca das condutas humanas no trato com o meio ambiente, pontuando que, se

    embora houve o avanço do ser humano na criação de tecnologias inovadoras, por outro lado,

    houve retrocesso, no sentido de que se vislumbra atualmente a incompatibilidade entre o

    capitalismo e os direitos humanos.

    Já no quarto capítulo, apresenta-se o Estado Constitucional Cooperativo como uma

    política instrumental internacional, a fim de se promover a efetivação do meio ambiente como

    um direito humano, adotando-se no ordenamento jurídico dos Estados princípios protetivos

    oriundos de convenções internacionais, além da necessidade da cooperação entre os Estados

    na implementação de políticas que visem a sustentabilidade.

    No quinto e último capítulo, analisa-se a Opinião Consultiva OC-23/17 sobre o meio

    ambiente e direitos humanos, ressaltando-se a importância do Estado Constitucional

    Cooperativo para a criação de um planeta sustentável, mediante a análise da jurisdição dos

    Estados e seus respectivos deveres e obrigações para a proteção ambiental.

    Por fim, conclui-se pela importância do Estado Constitucional Cooperativo na

    concretização da sustentabilidade ambiental, na medida em que se exige uma construção

    necessária de um consenso coletivo para o bem-estar social, difundindo-se a educação

    ambiental para além dos territórios, afirmando-se os valores universais em prol de todos os

    seres humanos sem exceção e a caracterização do meio ambiente como um direito humano.

  • 19

    1. DA TEORIA DOS PODERES NA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS DIREITOS

    HUMANOS

    Ao longo da história, observa-se que a discussão que envolve o tema a respeito do

    avanço dos direitos humanos, seja no âmbito interno ou no plano internacional, refere-se

    unicamente à defesa da própria humanidade, subentendendo o desenvolvimento do ser

    humano e dos povos no decorrer dos séculos.

    Nesse processo de afirmação dos direitos humanos, constata-se que o rol dos direitos

    se amplia a cada período de tempo e continua a se modificar, na medida em que há avanço no

    desenvolvimento humano, ante as mudanças no paradigma da história que acarretam novos

    reclamos sociais.

    No decorrer dos anos, décadas e séculos, direitos que foram declarados absolutos em

    determinados momentos da história, acabaram por sofrer limitações em ocasiões posteriores.

    Direitos que sequer existiam em séculos passados passaram a fazer parte de Constituições e

    instrumentos jurídicos internacionais, mediante o avanço da sociedade e a emergência de

    novas pretensões para a civilização da época.

    Norberto Bobbio bem explica que:

    “O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a

    mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das

    classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das

    transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do

    século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais

    limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século

    XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados

    com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro,

    poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar,

    como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar

    a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem

    direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica

    e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras

    culturas.”1

    É importante ressaltar e reconhecer que o homem difere dos demais seres vivos na

    terra por ser dotado de um requisito intrínseco e inalienável, qual seja, a sua própria condição

    humana, ora caracterizada pela dignidade da pessoa humana, atributo indispensável e que hoje

    fundamenta o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

    1 BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, Tradução: Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer, Nova

    ed., 7ª reimpressão, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18.

  • 20

    A dignidade da pessoa humana caracteriza-se como um princípio tão importante na

    sociedade moderna que, ao longo do desenvolvimento da história, deixou de ser um valor

    previsto apenas nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados para adquirir amplo

    reconhecimento no plano internacional, inclusive com tratados que versam a respeito dos

    direitos humanos.

    Carmem Tiburcio e Luís Roberto Barroso preconizam que:

    “A dignidade humana é um conceito encontrado na maioria das constituições

    redigidas após a Segunda Guerra Mundial. É geralmente reconhecido que a ascensão

    da dignidade como um conceito jurídico tem suas origens mais diretas no Direito

    Constitucional alemão. De fato, baseado nas disposições da Lei Fundamental de

    1949, que declara que a dignidade humana deve ser “inviolável” (Art. 1.1) e

    estabelece o direito ao “livre desenvolvimento da personalidade” (Art. 2.1), o

    Tribunal Constitucional Federal alemão desenvolveu jurisprudência que influencia

    decisões judiciais e escritos doutrinários por todo o mundo. De acordo com o

    Tribunal, a dignidade humana se situa no ápice do sistema constitucional,

    representando um valor supremo, um bem absoluto, à luz do qual cada um dos

    outros dispositivos deve ser interpretado.”2

    No Brasil, a dignidade da pessoa humana integra um dos fundamentos da República

    Federativa do Estado, na medida em que aludido valor é garantido mediante o

    reconhecimento, respeito e implementação dos direitos humanos de que são titulares todos os

    cidadãos.

    Jorge Miranda pontua que “A constituição confere uma unidade de sentido, de valor

    e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade

    da pessoa humana, ou seja, na conceção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e

    do Estado.”3

    Nesse sentido, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, o princípio da

    dignidade da pessoa humana encontra-se na base dos ordenamentos jurídicos dos Estados

    modernos, na medida que aludido princípio deverá ser interpretado juntamente com as demais

    legislações que integram e organizam a estrutura das nações, radiando seus efeitos por todo o

    sistema jurídico.

    A despeito disso, Ana Paula Gonçalves Pereira de Barcellos pontua que:

    “Realmente, o princípio da Dignidade da Pessoa está na base de todos os direitos

    constitucionalmente consagrados, quer dos direitos e liberdades tradicionais, quer

    2 TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto, Direito constitucional internacional, Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 58-59.

    3 MIRANDA, Jorge, Direitos fundamentais, 2ª ed., Coimbra: Edições Almedina, S.A., 2018, p. 221.

  • 21

    dos direitos de participação política, quer dos direitos dos trabalhadores e direitos a

    prestações sociais.”4

    Daniel Sarmento sustenta ainda que a dignidade da pessoa humana se caracteriza

    como o respeito da identidade pessoal de cada ser humano, cabendo ao Estado tomar as

    devidas precauções, a fim de se evitar certas arbitrariedades que violem aludido direito

    constitucional:

    “É possível falar em um direito fundamental ao reconhecimento, que é um direito ao

    igual respeito da identidade pessoal. Trata-se de um direito que tem tanto uma faceta

    negativa como outra positiva. Em sua faceta negativa, ele veda as práticas que

    desrespeitem as pessoas em sua identidade, estigmatizando-as. Na dimensão

    positiva, ele impõe ao Estado a adoção de medidas voltadas ao combate dessas

    práticas e à superação dos estigmas existentes.”5

    No plano internacional, a dignidade da pessoa humana se perfaz como princípio

    estruturante do Direito Internacional dos Direitos Humanos, caracterizando um sistema

    normativo, chancelado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da

    Organização das Nações Unidas – ONU, de pleno conhecimento universal pelos Estados-

    nação.

    Célia Rosenthal Zisman expõe que os Estados soberanos que não dispõem em suas

    Constituições do princípio da dignidade da pessoa humana devem se submeter ao valor nele

    consagrado em decorrência da atuação da comunidade internacional. Isso porque, permitir que

    os Estados não respeitem o princípio da dignidade da pessoa humana, acarretaria riscos à

    própria humanidade e verdadeiro retrocesso do direito em pleno século XXI:

    “Não há alternativa, sob risco de tolerar, a humanidade, a barbárie perpetrada e a

    exterminação de pessoas, culturas, religiões e patrimônio histórico e cultural.

    Admitir que direitos fundamentais fossem aqueles que a Constituição, expressão de

    certo regime político, define, é admitir a não consagração, a consagração

    insuficiente ou a violação reiterada de direitos como o direito à vida, a liberdades de

    crenças ou a participação na vida pública só porque de menor importância ou

    desprezíveis para um qualquer regime político; e a experiência mostra os perigos

    advenientes dessa maneira de ver as coisas. De acordo com Vidal Serrano, o termo

    direito fundamental faz-se apropriado para designar direito indisponível do

    indivíduo em face do Estado, primeiramente pela abrangência do termo "direito",

    que designa tanto as prerrogativas do homem a uma abstenção do Estado, como as

    que reclamam a presença do Estado de forma mais marcante nas relações

    particulares. E ainda, o termo fundamental destaca não só a imanência desses

    4 BARCELLOS, Ana Paula Gonçalves Pereira de, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o

    princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 110-111.

    5 SARMENTO, Daniel, Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia, 2ª ed., Belo

    Horizonte: Fórum, 2018, p. 257.

  • 22

    direitos à condição humana, como também faz deles depender a própria existência

    do estado de direito.”6

    No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente no decorrer da

    segunda metade do século XX, com o advento da figura do neoliberalismo, reacendeu-se um

    individualismo baseado na cultura da indiferença, dificultando não só a universalização dos

    direitos humanos, mas acentuando cada vez mais as diferenças sociais, níveis de

    desigualdades e violações em face do meio ambiente.

    O neoliberalismo, também conhecido como sistema capitalista, não compatibilizou

    os valores da ordem econômica com a universalização dos direitos humanos, perfazendo-se

    uma inversão entre a prevalência da eficiência econômica em face do desenvolvimento

    humano.

    A despeito disso, trava-se na atualidade uma grande batalha entre a universalização

    dos direitos humanos em contraposição ao poder econômico, tendo em vista que na sociedade

    moderna, o crescimento do aludido poder, ora proporcionado pelos fatores que construíram e

    remodelaram a globalização, conforme hoje ela se apresenta, especialmente com o auxílio da

    tecnologia e da era da informatização, tornou a Teoria Geral do Estado incapaz de oferecer

    uma resposta satisfatória no que diz respeito à limitação do poder para consagração de direitos

    dessa natureza.

    Sob essa ótica, a globalização obriga os intelectuais das ciências humanas a

    repensarem a Teoria Geral do Estado, não só do aspecto interno das nações, mas como

    também diante da representatividade desses fatores no âmbito internacional, reportando-nos,

    inclusive, às organizações internacionais que influenciam diretamente na contextualização dos

    direitos humanos em face do poder econômico, especialmente no que diz respeito ao meio

    ambiente e desenvolvimento sustentável.

    Acerca do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, tem-se que a discussão

    dos aludidos institutos, que hoje integram o direito internacional dos direitos humanos,

    iniciou-se em meio às décadas de 50 e 60, quando a utilização maciça dos recursos naturais e

    a destruição dos ecossistemas chamou a atenção de ambientalistas no mundo, demandando o

    estudo de novos caminhos e possibilidades, a fim de enfrentarem os novos desafios que

    surgiram com o avanço da humanidade:

    6 ZISMAN, Célia Rosenthal, A dignidade da pessoa humana como princípio universal, Revista de Direito

    Constitucional e Internacional, RDCI, Vol. 96, Julho-Agosto 2016, Direitos Fundamentais, Disponível em:

    http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/

    bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDF, Acesso em 04.08.2019.

    http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDFhttp://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDF

  • 23

    “O Direito Ambiental começa, realmente, a tomar corpo a partir dos anos 50 e 60. Já

    existiam diversas normas para a proteção da natureza, desde o final do século XIX,

    mas é apenas a partir da segunda metade do século XX que se pode falar em um

    conjunto de normas, parte do Direito Internacional Público, regulando o tema

    específico. Entre os fatores que contribuíram à formação e ao fortalecimento do

    Direito do Meio Ambiente, encontramos: as altas taxas de crescimento da população

    mundial, consequentemente, a melhoria das condições sanitárias; o desenvolvimento

    das ciências médicas, após a Segunda Guerra Mundial; o uso maciço dos recursos

    ambientais, causa da destruição de vários ecossistemas em todo o mundo, mas,

    principalmente, nos países do Norte; os primeiros grandes acidentes de efeitos

    imediatos, com a destruição em larga escala da natureza; a chegada do homem à

    Lua, quando a humanidade pôde ver a Terra como estrutura frágil a partir de um

    ponto de observação externo; os modelos de simulação de impacto, que trouxeram a

    visão catastrófica do futuro da humanidade, anunciando o esgotamento de certos

    recursos biológicos e energéticos para o fim do século ou para um futuro não muito

    longínquo, entre outros.”7

    Entretanto, por se tratar o meio ambiente de um direito humano, o qual não possui

    delimitação territorial ou de jurisdição para a respectiva tutela, como veremos no decorrer

    deste trabalho, surge na ocasião uma vertente que pretende substituir o Estado-nação, ora

    delimitado pela jurisdição Estatal, por um Estado Constitucional Cooperativo sem limites

    territoriais visando a preservação ambiental.

    Esse Estado Constitucional Cooperativo exige a contribuição de todos os países,

    mediante consciência da população à causa ambiental, configurando uma resposta mais

    adequada e eficiente na afirmação do progresso dos direitos humanos.

    No âmbito do Direito Internacional, o Estado Constitucional Cooperativo se constitui

    como verdadeiro instrumento para o desenvolvimento humano, pois exige-se compromisso

    dos Estados no respeito aos atos normativos oriundos das convenções internacionais,

    demandando a atuação conjunta das nações na busca da sustentabilidade e afirmação dos

    direitos humanos em benefício do bem-estar do homem.

    Contextualizando o avanço dos direitos humanos, nota-se que são direitos que visam

    a proteção da própria humanidade, sendo certo que aludido rol de proteção amplia-se

    progressivamente à medida em que a humanidade é colocada em risco pela conduta dos

    homens, demandando-se a necessidade de tutela de direitos, em observância ao princípio

    matriz da dignidade da pessoa humana.

    Como a finalidade é a proteção eficiente e ampla aos direitos humanos e seu caráter é

    universal, tem-se que não se submete a qualquer limite territorial, já que a dignidade da

    pessoa humana existe não apenas como um princípio protetivo, mas sobretudo limitador das

    7 VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia, (organizadores e co-autores), Proteção

    internacional do meio ambiente, Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009, Disponível in

    http://www.santoandre.sp.gov.br/biblioteca/pesquisa/ebooks/372222.PDF, Acesso em 27.10.2019, p. 8.

    http://www.santoandre.sp.gov.br/biblioteca/pesquisa/ebooks/372222.PDF

  • 24

    condutas violadoras que, eventualmente, possam ser praticadas pelos Estados que não o

    reconheçam voluntariamente.

    Assim, a fim de analisar a Teoria do Estado, bem como o Estado Constitucional

    Cooperativo com a contextualização e efetivação dos direitos humanos, torna-se necessário

    abordar os poderes ideológico, político, jurídico e econômico, bem como o papel da mídia, o

    que de fato integra o poder do Estado, sem prejuízo da análise da globalização e de seus

    possíveis reflexos em plena modernidade, incluindo-se a crise do poder estatal.

    1.1 O QUE É PODER?

    Os direitos humanos na atualidade perfazem categorias jurídicas cotidianas que

    influenciam os mais variados ramos do direito. O caminho percorrido em direção à construção

    normativa que hoje temos no plano interno e internacional é decorrente de inúmeras injustiças

    suportadas por indivíduos anônimos, sejam grupos ou povos, que levantaram a bandeira do

    humanismo e se rebelaram contra o poder dominante da época, a fim de coibir injustiças e até

    mesmo atrocidades cometidas em face da pessoa humana.

    Boaventura de Sousa Santos expõe que a Revolução Francesa é o exemplo típico na

    história, inclusive reconhecida como linguagem emancipatória, em que se verifica a

    reivindicação da população contra as injustiças sociais que se perpetuavam naquela ocasião,

    clamando pelo fim do absolutismo8.

    Carolina Alves de Souza Lima bem explica que:

    “A Revolução Francesa foi um dos acontecimentos mais importantes da história da

    civilização ocidental, marcando o começo da Era Contemporânea. A especial

    importância dessa revolução reside na proposta por ela apresentada de mudança de

    paradigma quanto à estrutura político-social até então vigente na França, e também

    em grande parte da Europa, em razão dos regimes absolutistas.”9

    Eric J. Hobsbawm preconiza que aludida revolução não teve um líder à frente do

    movimento, mas ideais coerentes sustentados por grupos sociais que reacenderam a

    8 SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUI, Marilena, Direitos humanos, democracia e desenvolvimento, 1ª ed.,

    4ª reimpressão, São Paulo: Cortez Editora, 2018, p. 47.

    9 LIMA, Carolina Alves de Souza, Cidadania, direitos humanos e educação: avanços, retrocessos e

    perspectivas para o século 21, Editora Almedina, Leitura Complementar, 2019, Disponível in

    https://almedina.ams3.cdn.digitaloceanspaces.com/pdf_preview/parte-historica-geral.pdf, Acesso em

    20.12.2019, p. 37

    https://almedina.ams3.cdn.digitaloceanspaces.com/pdf_preview/parte-historica-geral.pdf

  • 25

    substituição do velho regime, pautado no absolutismo, por um novo regime baseado no

    liberalismo clássico:

    “A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento

    organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a

    cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” do tipo que as

    revoluções do século XX têm-nos apresentado, até o surgimento da figura pós-

    revolucionária de Napoleão. Entretanto um surpreendente consenso de ideias gerais

    entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma

    unidade efetiva. O grupo era a “burguesia”: suas ideias eram as do liberalismo

    clássico, conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas”, e difundidas pela

    maçonaria e associações informais. Até este ponto, os “filósofos” podem ser, com

    justiça, considerados responsáveis pela Revolução. Ela teria ocorrido sem eles; mas

    eles, provavelmente, constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho

    regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo.”10

    Na época, a sociedade francesa se apresentava de forma hierarquizada, com o Clero

    ocupando o ápice da pirâmide social e detentor de inúmeros privilégios, dentre eles a ausência

    de pagamento de impostos. Por outro lado, a base da sociedade francesa era constituída pelo

    Terceiro Estado, composto por trabalhadores, camponeses e pela burguesia, os quais

    sustentavam economicamente a sociedade da época com seu árduo trabalho e com o

    pagamento de altos impostos.

    É evidente que, dentre o Terceiro Estado, a burguesia apresentava condição social

    mais vantajosa do que os demais camponeses e trabalhadores, os quais viviam em situação de

    extrema miséria e constantes insatisfações populares. Hobsbwam expõe que “a classe

    operária (mesmo esta designação é imprópria para a massa de assalariados contratados

    mas, fundamentalmente, não-industriais) ainda não desempenhava qualquer papel

    independente. Eles tinham fome, faziam agitações e talvez sonhassem (...).”11

    Nesse sentido, eclodiu-se a Revolução Francesa guiada pelo lema da “Liberdade,

    Igualdade e Fraternidade”, sendo considerada importante marco histórico da luta social pelo

    fim do absolutismo e dos poderes da nobreza, consagrando maior autonomia ao povo, respeito

    aos direitos sociais e melhores condições de vida aos trabalhadores:

    “A Revolução Francesa ocorreu em um cenário representado, basicamente, por duas

    facetas antagônicas: a primeira delas era que um país que experimentava um período

    de progresso, com o início da industrialização e um gradual enriquecimento nas

    cidades. Nasciam grandes conglomerados, existiam uma bolsa de valores e uma

    Caixa de Descontos com um capital de 100 milhões de francos, que emitia notas. A

    10 HOBSBAWM, Eric J., A revolução francesa, Tradução: Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel, 7ª

    ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 19.

    11 HOBSBAWM, Eric J., A revolução francesa, cit., p. 27-28.

  • 26

    França detinha, antes da Revolução, metade do numerário existente na Europa. E,

    desde a morte do rei Luís XIV (1643-1715), o comércio exterior tinha mais do que

    duplicado. No entanto, no período pré-revolucionário, o comércio e a indústria

    tiveram os negócios estagnados: empresas fecharam, aumentando o desemprego. O

    clima de ebulição social proporcionava o surgimento de insurreições populares. Por

    outro lado, a França ainda vivia uma monarquia com um rei (Luís XVI) que detinha

    o poder absoluto e com uma camada de privilegiados que viviam em torno dele, sem

    pagar impostos. Trata-se do clero (então denominado Primeiro Estado) e da nobreza

    (Segundo Estado), que viviam à custa do povo (Terceiro Estado) que, só ele, era

    obrigado a pagar impostos para sustentar a máquina do Estado e os privilégios,

    apesar de ser 97% da população (formada por camponeses, pequenos proprietários

    de terras, servos, artesãos e burguesia). Além disso, no meio rural ainda remanescia

    o feudalismo, com a opressão dos trabalhadores que serviam aos senhores da terra.

    Ao mesmo tempo, esse mesmo cenário abrigava uma plêiade de grandes pensadores

    como Montesquieu (1689-1755), d'Alembert (1717-1783), Voltaire (1694-1778) e

    Rousseau (1712-1778), entre outras expressões do “Iluminismo”. Essa corrente de

    pensamento abriu caminho para uma busca por liberdades e para uma maior

    “felicidade” do ser humano, se se pode chamar assim, no qual centrava suas ideias.

    Isso teria consequências sobre o sistema político, a monarquia e o sistema social

    vigentes. Pensadores esses que visavam iluminar pela razão as "trevas" em que vivia

    a sociedade na Idade Média. O século XVIII ficou conhecido como o Século das

    Luzes.”12

    Como se nota, a busca pelo desenvolvimento de direitos humanos acarretou

    incessantes lutas por valores humanitários, nas quais os poderes impostos aos homens, bem

    como a todos os grupos sociais e comunidades dos mais variados territórios, do ponto de vista

    do poder estatal, acabaram por se flexibilizar sob o aspecto da “Liberdade, Igualdade e

    Fraternidade”, na medida em que aludidos valores, ora intrínsecos aos seres humanos,

    começaram a ser exigidos em face dos Estados e compartilhados em âmbito internacional.

    A partir disso, sob a perspectiva do aludido poder que, ora fora objeto de

    reivindicações pela sociedade que exige mudanças, conforme acima descrito, necessário

    também se faz uma contextualização desse poder com o fenômeno da globalização,

    observando a relação simbiótica que se tem entre os direitos humanos e o aspecto relacionado

    ao aludido fenômeno.

    Primeiramente, o que vem a ser poder? Usualmente, como costumamos ouvir na vida

    cotidiana, o poder designa o mesmo sentido de autoridade? Quem possui poder também

    detém autoridade? Ou vice-versa?

    Incialmente cabe pontuar que autoridade e poder são coisas meramente distintas.

    Etimologicamente, autoridade deriva do latim “lat auctoritas”13, designando pura e

    12 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF, A revolução francesa e seus efeitos no brasil, 13 de julho de

    2009, Disponível in http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843, Acesso em

    27.10.2019.

    13 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa, 1ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 226.

    http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843

  • 27

    simplesmente capacidade do autor. Em nada se refere ao poder de mando, de hierarquia, pois

    designa a capacidade intelectual da pessoa, as qualidades que a ela eram atribuídas e

    reconhecidas pela sociedade da época.

    Na Roma antiga, por exemplo, os membros do Senado Romano eram considerados

    pessoas de autoridade e, embora não possuíssem força militar ou policial, eram capacitados

    para proferirem decisões em face daquela coletividade:

    “No direito romano é definida por “auctoritas” uma certa legitimação socialmente

    reconhecida, que procede de um saber e que se outorga a uma série de cidadãos.

    Ostenta a auctoritas aquela personalidade ou instituição, que tem capacidade moral

    para emitir uma opinião qualificada sobre uma decisão. Se bem que tal decisão não é

    vinculante legalmente, nem pode ser imposta, tem um valor de índole moral muito

    forte. O termo não é traduzível, e a palavra portuguesa "autoridade" apenas é uma

    parte do significado da palavra latina.O conceito é contraposto ao de potestas (o

    "poder" socialmente reconhecido).

    A fonte de auctoritas foi nomeadamente o senado romano, se bem que uma série de

    personalidades importantes também a tinham quando não ocupavam cargos de

    magistraturas com potestas.”14

    Ainda, a despeito de autoridade, vale mencionar que, numa corrente mais moderna,

    inclusive capitaneada por José Zafra Valverde15, é possível designar três espécies de

    autoridade: 1) autoridade por prestígio; 2) autoridade por dignidade e; 3) autoridade por

    prodigalidade.

    Autoridade por prestígio significa a mera combinação das qualidades que uma pessoa

    reúne em razão de seu reconhecimento pessoal pela coletividade. Nada mais é do que a

    reputação que o cidadão possui no âmbito coletivo.

    Já autoridade por dignidade consubstancia-se na ideia das qualidades que uma pessoa

    possui e que é definida pela própria sociedade, podendo ser o carisma ou até mesmo a

    dignidade tradicional que hoje conhecemos na sociedade moderna.

    E por fim, autoridade por prodigalidade relaciona-se ao desejo de uma pessoa de

    sentir-se importante no âmbito da sociedade na qual ela vive, objetivando deixar o seu

    anonimato. Pessoas que se enquadram nessa espécie de autoridade aceitam o oferecimento de

    qualquer compromisso ou recompensas no sentido de ser e de parecer importante perante a

    comunidade.

    14 RIBEIRO, Miguel Augusto, Graduação: Licenciatura em Letras – Português/Francês – UFSC, Professor de

    Redação, Português, Inglês, Francês e PLE com mais de 20 anos de experiência. Abordagem comunicativa,

    Disponível in https://profes.com.br/tira-duvidas/latim/traduzir-do-latim/, Acesso em 29.10.2019.

    15 VALVERDE, José Zafra, Poder y poderes, Pamplona: Universidad de Navarra, 1975, p. 41-53.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_romanohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Cidad%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Personalidadehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Institui%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Potestashttps://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttps://profes.com.br/tira-duvidas/latim/traduzir-do-latim/

  • 28

    Por outro lado, a expressão “poder” derivado do latim “potestas”16, desempenha

    significado associado à força, coerção. A fim de esclarecer, imaginemos um Tribunal que

    desempenha suas forças de ordem pública por meio da potestade. Nele, pode-se verificar que,

    com base na sua coerção, tem-se um poder que garanta a legalidade, igualdade, liberdade,

    bem como demais direitos que se caracterizam como fundamentais num Estado.

    Nesse sentido, acerca da diferenciação entre poder e autoridade, Jacques Maritain

    assim pontua:

    “Autoridade e Poder são coisas diferentes. Poder é a força por meio da qual

    podemos obrigar os outros a nos obedecerem. Autoridade é o direito de dirigir e

    comandar, de ser atendido e obedecido por outros. A Autoridade exige o Poder. O

    Poder sem Autoridade é tirania.”17

    No entanto, há de se observar que todo poder fundamental necessita do fenômeno da

    autoridade, fortalecendo para a potestade, que emana respectivo poder, mera coação legítima

    e moral, garantindo-se o prestígio da instituição e o reconhecimento das respectivas condutas

    adotadas pela coletividade.

    Ainda, observa-se também que o poder está diretamente relacionado à capacidade,

    tendo em vista que o poder concebido a uma instituição, a fim de que seja legítimo, necessita

    obrigatoriamente da percepção de autoridade emanada pela própria coletividade, a fim de que

    suas atribuições sejam corretamente desempenhadas, ante aos anseios da comunidade, à qual

    se destina.

    Entretanto, há posicionamento que relaciona poder como espécie de dominação de

    pessoas, embora esclarecendo, novamente, que esse poder só se torna efetivo, ou seja,

    legítimo, se houver consentimento por parte dos destinatários que sofrerão as imposições

    (governados).

    Em seus estudos a respeito de poder, dominação e legitimação, o sociólogo Max

    Weber18 diferencia poder de autoridade, já que o poder é aquele capaz de induzir e influenciar

    o comportamento humano por meio da coerção, manipulação ou imposição de normas. Em

    16 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1513. 17 MARITAIN, Jacques, O homem e o estado, 4ª ed., Tradução de Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro: Agir,

    1966, p. 125.

    18 WEBER, Max, Ensaios de sociologia, Organização e Introdução: H. H. Gerth e Wright Mills, 5ª ed., JC

    Editora: Rio de Janeiro, 1982.

  • 29

    contrapartida, autoridade seria a qualidade de ser obedecido em razão de diversos fatores,

    dentre eles a submissão, tradição, costumes, qualidades dos indivíduos e afeto.

    Por outro lado, há entendimento, sob o enfoque jurídico, de que o poder nada mais é

    do que uma força destinada a orientar a perspectiva no âmbito social, mediante a imposição

    de determinados comportamentos em nome de uma sociedade que valorize as pessoas e

    respeite as demais diferenças sociais:

    “(...) Burdeau lê no poder social uma força a serviço da idéia do bem-comum e a

    representação ordenada da idéia de Direito. Ou seja, a sociedade se organiza na

    crença (liberal?) da busca coletiva pelo bem-comum e que as regras jurídicas – as

    leis – sejam representações estatais do caminho a ser seguido pelos indivíduos,

    reunidas na Constituição do Estado. E sendo assim, o poder precisa se legitimar no

    consentimento dos indivíduos que viabilizam a entrega desse poder aos governantes.

    Ou, por leitura inversa, a função da ideia de Direito, em Burdeau, é fundar o

    princípio da legitimação sobre a qual se forma o Estado e possibilitar a continuidade

    do mesmo.”19

    É justamente nesse ponto que o poder, compreendido como a capacidade de

    direcionar ou projetar transformações sociais, converge-se com a dialética dos direitos

    humanos, bem como com princípios humanitários previstos em declarações e convenções

    sobre o tema, e até mesmo em face das Constituições de vários Estados-nação.

    Esse aspecto humanista caracteriza-se na sociedade contemporânea como uma

    preocupação dos instrumentos jurídicos internacionais, os quais levam em consideração a

    pessoa humana como fundamento da criação dos respectivos direitos, uma vez que ela é o

    valor fonte de todos os valores hoje existentes.

    Com relação à teoria dos poderes, nota-se que o avanço dos direitos humanos

    ocorreu com a finalidade de flexibilizar o poder estatal ora dominante em prol da proteção à

    dignidade da pessoa humana.

    Denota-se que os direitos humanos surgem originariamente como forma de garantir a

    liberdade e proteção aos indivíduos isoladamente considerados. A própria Revolução

    Francesa é fruto dessa luta, na medida em que o combate a privilégios e desigualdades sociais

    ganhou destaque para a transformação das relações sociais naquela ocasião.

    Dessa forma, imprescindível a constatação de que o desenvolvimento dos direitos

    humanos, à luz do progresso e lutas por valores humanitários, teve como foco principal o

    próprio Estado, no sentido de que se demandou a atuação estatal em benefício da coletividade,

    19 ROCHA, Luís Alberto G. S., Estado, democracia e globalização, Publicações Acadêmicas, UniCEUB,

    Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial, Brasília, v. 5, n. 1, p. 1-19, jan./jun. 2008, 2008. p. 5.

  • 30

    bem como a sua abstenção na prática de arbitrariedades e violações de direitos em decorrência

    do poder por ele exercido.

    Assim, com base nessa vertente, relacionando o poder em face dos direitos humanos,

    pretende-se analisar o poder ideológico, político, jurídico, econômico e Estatal, observando

    suas controvérsias e implicações na sociedade contemporânea.

    1.2 PODER IDEOLÓGICO

    Historicamente, o poder ideológico tem seus resquícios originários no final do século

    XVIII e início do século XIX quando, em virtude de amplas discussões categóricas e

    filosóficas sobre socialismo, comunismo e capitalismo etc., batizou-se aludido período como

    a “era das ideologias”20.

    Indiscutivelmente todos os seres humanos são influenciados por ideias e percepções

    que adquirem a partir de suas realidades, sendo muitas vezes até mesmo manipulados ou

    instigados a adotarem certos posicionamentos ou teorias a respeito de determinados assuntos

    que lhes são propostos.

    Em verdade, o que se faz constantemente é produzir ideias, teorias ou ideologias

    acerca dos mais variados assuntos, uma vez que a vida em coletividade demanda soluções

    diárias de inúmeros fatores sociais, o que expõe pesquisadores da área das humanas,

    especialmente o sociólogo na investigação dessas peculiaridades.

    No entanto, a despeito das ideias, o que vem a ser ideologia? Qual a sua relação

    simbiótica com os direitos humanos?

    Ideologia21, etimologicamente, significa discurso (logos) de uma parte (ideos) da

    sociedade. Vulgarmente, significa todo pensamento gerado, de forma consciente ou

    inconscientemente, por grupos ou indivíduos pertencentes a uma coletividade. Para algumas

    pessoas, desempenha também a prospectiva de um sonho, a busca por algo que seja

    impossível ou até mesmo inalcançável:

    “A palavra “Ideologia” pode ser pensada etimologicamente como a ciência, ou o

    estudo, das ideias, e foi precisamente com este sentido que ela surgiu pela primeira

    vez quando, em 1801, logo após a Revolução Francesa, Antoine Destutt de Tracy,

    20 O termo ideologia foi usado de forma marcante pelo filósofo Antoine Destutt de Tracy. O conceito fora

    trabalhado pelo filósofo alemão Karl Marx, que ligava a ideologia aos sistemas teóricos (políticos, morais e

    sociais) criados pela classe social dominante. Para Marx, a ideologia da classe dominante tinha como objetivo

    primordial manter os mais ricos no controle da sociedade.

    21 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1043.

  • 31

    um iluminista liberal, escreveu um livro intitulado Eléments d’idéologie [Elementos

    de Ideologia]. Como um bom iluminista, De Tracy estava certo de que o avanço das

    ciências apagaria da face da terra qualquer tipo de ignorância ou obscurantismo, e

    que a submissão de tudo ao crivo da razão consistia em uma arma importante para

    que a humanidade se livrasse das amarras da religião, da tradição e da rígida política

    que marcavam o antigo regime. O seu projeto para criar um estudo sistemático e

    científico de como as ideias se formam e influenciam as ações dos homens fazia

    parte, então, de uma crença de que este estudo faria com que eles percebessem de

    forma correta a realidade a sua volta e pudessem melhorar e aprimorar o mundo em

    que viviam. As ambições de De Tracy podem ser consideradas, politicamente,

    bastante radicais para sua época: o conceito de ideologia nasceu como expressão de

    uma luta – ideológica – entre o liberalismo contestador e os representantes da velha

    ordem.”22

    Para Marilena Chauí:

    “A ideologia é então um conjunto lógico, sistemático e coerente de ideias [...]

    valores, normas e regras que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade

    o que pensar, o que dever fazer e como dever fazer, o que sentir e como sentir. [...]

    Ela é um conjunto explicativo e prático de caráter normativo, prescrito, regulador e

    controlador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes

    uma explicação racional e convincente para as desigualdades sociais, políticas e

    culturais, jamais atribuindo a origem destas desigualdades à divisão de classes, à

    exploração e à dominação.”23

    Nessa ótica, uma pessoa ideológica está sempre motivada na busca de algum sonho

    ou na existência de um mundo melhor. Os cidadãos que são adeptos à construção e

    efetividade dos direitos humanos são indivíduos caracterizados como pessoas ideológicas.

    O conceito de ideologia também foi estudado pelo alemão Karl Marx que, em seus

    trabalhos, associou a ideologia aos sistemas teóricos políticos, morais e sociais, ora criados

    pela classe social dominante da época, que objetivava manter os mais abastados no controle

    da sociedade, caracterizando uma ideologia mascarada da realidade.

    Na atualidade, tem-se os mais variados movimentos ideológicos que, a exemplo da

    ideologia feminista, buscam tratamento paritário, lutam pela igualdade e exigem direitos

    iguais, a fim de que a sociedade seja mais justa e equânime, com a quebra de paradigmas que

    distorcem a realidade:

    “(...) o feminismo é “uma teoria prática que surge das condições concretas das

    relações humanas, enquanto essas relações são baseadas em relações de linguagem,

    que são relações de poder”.

    22 PEREIRA, Mozart Silvano, O sentido do conceito de ideologia em marx e a questão da igualdade jurídica,

    Revista Insurgência, Brasília, ano 2, v. 2, n. 1, 2016, ISSN 2447-6684, p. 298-299.

    23 CHAUÍ, Marilena, Política cultural, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p. 25.

  • 32

    O feminismo critica a sociedade patriarcal, e a feminista é alguém que pensa

    criticamente em possíveis leituras sociais organizadas fora da lógica da dominação

    masculina.

    O projeto feminista não é ideológico no sentido que não visa trocar a ideologia

    vigente por sua oposta – como substituir o patriarcado pela dominação feminina, por

    exemplo – mas sim mover na direção de formas mais equânimes de viver em

    sociedade.

    Chamamos de patriarcado a dominação masculina que se apresenta sob a forma de

    estruturas de poder. O patriarcado se anuncia na presença maciça e majoritária

    de homens em posições de comando, seja público ou privado, real ou simbólico.

    Feministas se ocupam de apontar o patriarcado como quer que ele se manifeste ao

    mesmo tempo em que elucidam que ele é um sistema cuja existência é real e

    evidenciada por misoginia e atos machistas.”24

    Todavia, caso essa ideologia seja pautada por exageros, absurdos ou meras fantasias

    que não condizem com a realidade social, ocorre o fenômeno conhecido no âmbito social

    como utopia. Karl Mannheim expõe que “um estado de espírito é utópico quando está em

    incongruência com o estado de realidade dentro do qual ocorre.”25

    Assim, em verdade, deve-se admitir que a ideologia está baseada na crítica que o ser

    humano constrói em face da sociedade, admitindo-se, inclusive, afetação direta na política dos

    direitos humanos, pois, a depender do ponto vista de quem observa, será possível fazer um

    juízo de valor no sentido de apurar a efetividade ou não da política da humanitária.

    1.3 PODER POLÍTICO

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos, especificamente em seu artigo 2126,

    estabelece que todo ser humano tem o direito de participar da vida política de seu Estado,

    decidindo pela sua integração ou não ao governo do país, caracterizando-se um direito

    fundamental.

    Etimologicamente a expressão “política” vem do grego “politikê”27, designando a

    ciência dos negócios do Estado. Acerca desse entendimento, cientistas das ciências humanas

    bem entendem que fazer política nada mais é do que cuidar do bem-estar social e dos

    24 BURIGO, Joanna, Feminismo é ideologia? Revista Carta Capital, 27 de abril de 2016, Disponível in

    https://www.cartacapital.com.br/opiniao/feminismo-e-ideologia/, Acesso em 29.10.2019.

    25 MANNHEIM, Karl, Ideologia e utopia, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p. 216.

    26 SENADO FEDERAL, Direitos humanos: atos internacionais e normas correlatas, Secretaria de Editoração

    e Publicações – Coordenação de Edições Técnicas, 4ª ed., Brasília: Senado Federal, 2013, Disponível in

    https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence=1&isAllowed=y, Acesso

    em 02.01.2020.

    27 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1519.

    https://www.cartacapital.com.br/opiniao/feminismo-e-ideologia/https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence=1&isAllowed=y

  • 33

    interesses da comunidade, observando-se as realidades e necessidades coletivas, sempre na

    tentativa de criar programas e políticas eficientes que correspondam às demandas sociais:

    “Denomina-se política a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado.

    Em um Estado democrático, essa governabilidade é exercida pelo poder público, via

    representantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente, pelo povo. Assim, a política tem como objetivo estabelecer os princípios que se mostrem

    indispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, quanto seja o desejo

    de conduzir o Estado ao cumprimento de suas precípuas finalidades, isto é, em

    melhor proveito dos governados. A política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis, ao bom governo de um povo,

    dentro das quais devem ser estabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bom

    funcionamento das instituições administrativas do Estado. Quando o Estado busca, em suas realizações, o atendimento às necessidades sociais

    básicas da população, seja através de garantias e ações concernentes à assistência

    social, saúde, educação, segurança etc., verifica-se a implementação e efetivação da

    política social por parte daquele.”28

    Entretanto, fazer política também diz respeito à espécie de organização da

    coletividade, ou seja, consiste na elaboração de ideias e meios eficazes, juntamente com o

    apoio da comunidade, a fim de que o respectivo grupo de pessoas possa atingir objetivos

    comuns esperados.

    É importante mencionar que, nas atuais democracias, a participação do cidadão na

    vida política é de extrema importância para o país. No Brasil, a política formal se exprime

    através do voto, por meio do qual são eleitos representantes legislativos e executivos, a fim de

    que defendam os interesses da comunidade ou Estado, implementando políticas e programas

    por eles oferecidos à população durante sua campanha eleitoral.

    Ressalta-se ainda que, em se tratando de procedimentos eleitorais, a noção de

    eleições democráticas, que asseguram o direito de todos os cidadãos de participarem na

    definição dos fins comuns, encontra previsão em instrumentos internacionais, a exemplo do

    artigo 5º, alínea “c”, da Declaração Sobre o Progresso e Desenvolvimento Sobre o Domínio

    Social29.

    28 MACHADO, Ednéia Maria; KYOSEN, Renato Obikawa, Política e política social, Revista Serviço Social em

    Revista, v. 3, n. 1, julho/dezembro de 2000, Universidade Estadual de Londrina – UEL, Disponível in

    http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n1_politica.htm, Acesso em 20.10.2019.

    29 “Artigo 5º. O progresso e desenvolvimento social exigem a plena utilização dos recursos humanos,

    nomeadamente e em particular:

    (...)

    c) A participação ativa de todos os elementos da sociedade, individualmente ou através de associações, na

    definição e prossecução dos objetivos comuns de desenvolvimento com pleno respeito pelas liberdades

    fundamentais consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

    (...).”

    http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n1_politica.htm

  • 34

    No que tange aos procedimentos eleitorais:

    “Diversos instrumentos internacionais, mesmo sem mencionarem expressamente as

    eleições, dão conta dos principais elementos nos quais assentam a noção de eleições

    democráticas. Estes elementos são definidos como direito de os povos determinarem

    livremente o seu estatuto político, como direito de todos os elementos da sociedade

    participarem ativamente na definição e realização dos objetivos comuns do

    desenvolvimento, como direito de todos os elementos da sociedade participarem

    ativamente na definição e realização dos fins comuns do desenvolvimento, ou ainda

    como o direito de todos à participação na vida política do seu país.”30

    Diante disso, é evidente que o poder político se origina da vontade social

    preponderante, que legitima o exercício do seu representante através do voto, destinado a

    guiar uma comunidade numa ordem social adequada, prezando pela garantia dos direitos

    fundamentais à população e a concretização dos direitos humanos.

    1.4 PODER JURÍDICO

    O poder jurídico deve ser compreendido na sociedade moderna sob a perspectiva da

    teoria do humanismo, a qual foi responsável por revolucionar a fundamentação das ciências

    jurídicas, respeitando-se a liberdade e a possibilidade de discussão do direito, do ponto de

    vista da dialética argumentativa.

    Em pleno século XXI, no contexto do sistema capitalista impulsionado pelo

    fenômeno da globalização, ante a presença de diversos fatores sociais negativos como a

    desigualdade social e a crise humanitária ambiental global, a teoria do humanismo propõe a

    renovação dos institutos jurídicos.

    Isso porque impõe a releitura das instituições com foco na justiça social, democracia

    e direitos humanos, adaptando-se as necessidades humanas em consonância com a realidade

    social pelo processo de modernização, observando-se não só os mais variados problemas no

    aspecto interno dos Estados, mas também em nível global:

    “Logo, o projeto de humanismo a ser refletido deve avançar para além das demandas

    de outrora. Não apenas conflitos globais carecem de referentes humanistas no seu

    trato, mas também conflitos setorizados precisam receber atenção transnacional

    materializadas no Direito Global com apoio de instrumentos efetivos de governança.

    30 NAÇÕES UNIDAS, Direitos humanos e eleições. Guia das eleições: aspectos jurídicos, técnicos, e relativos

    aos direitos humanos, Alto Comissariado das Nações Unidas Para os Direitos Humanos – Genebra, Série de

    Formação Profissional n. 2, Publicação das Nações Unidas, n. de venda F.94XIV.5, ISSN 1020-4636, Disponível

    in http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/formacao_profissional_2.pdf, Acesso em

    23.10.2019, p. 8.

    http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/formacao_profissional_2.pdf

  • 35

    Degradação ambiental, fundamentalismo, crise alimentar, pobreza, moléstias

    sanitárias e afins representam tal reclame, transcendendo a tradicional compreensão

    do humanismo na incidência das experiências traumáticas de crimes contra a

    humanidade.”31

    Com relação à modernidade, Ulrich Beck bem explica que os riscos estão sempre

    presentes, uma vez que o progresso da tecnologia no cenário da globalização, produz

    impactos diretos no ser humano e no meio ambiente, gerando riscos à espécie humana, a

    fauna e a flora:

    “Os riscos e ameaças atuais diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes

    medievais, com frequência semelhante por fora, fundamentalmente por conta da

    globalidade de seu alcance (ser humano, fauna, flora) e de suas causas modernas.

    São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário industrial do

    progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior.”32

    Nesse aspecto, a contextualização que se faz entre a teoria do humanismo e a

    fundamentação do direito, que ora determina o que é poder jurídico, justifica-se em face do

    próprio ser humano, ou seja, do valor da dignidade da pessoa humana, uma vez que ele é a

    razão fim e não o meio para a tutela dos direitos, com viés no aspecto histórico, social,

    econômico e cultural.

    Acerca disso, preconiza Eduardo Carlos Bianca Bittar:

    “Em síntese, pode-se dizer que a Teoria do Humanismo Realista nasce como uma

    reação: a) à tradição positivista, e à enraizada concepção de formação legalista e

    cultivo do conceito-vazio, que separa sociedade e norma jurídica, que dicotomiza ser

    e dever-ser, privilegiando a forma-Direito ao processo social que conduz ao Direito-

    norma; b.) ao cenário contemporâneo de crise (econômico-financeira, política, moral

    e social), propondo o aprofundamento da consciência democrática, o

    desenvolvimento de um convívio social centrado em valores republicanos de

    cidadania, e a superação das marcas do passado colonial, visando-se o

    desenvolvimento político, social, econômico, técnico-científico e moral como

    processos modernizantes associados; c.) ao cenário de ascensão da pós-verdade, na

    medida em que propõe o fortalecimento da consciência crítico-reflexiva, e a aposta

    na autonomia da razão; d.) ao especialismo da Ciência do Direito fragmentada,

    reagindo pela tarefa de uma Teoria Geral que fornece visão abrangente, ali onde a

    cegueira dos micro-universos de discurso aparecem como consequência da

    cissiparação das especialidades técnicas; e.) ao burocratismo-formalista das

    instituições de justiça, propondo nos processos de humanização dos serviços de

    justiça uma tarefa importante para o exercício da cidadania; f.) à monologia

    legiferante, empoderando pela participação cidadã o(a)s parceiro(a)s do Direito à

    construção deliberativa dos conteúdos históricos de justiça que comporão os textos

    31 STAFFEN, Márcio Ricardo, Direito global: humanismo e direitos humanos, Revista do Mestrado em Direito

    da Universidade Católica de Brasília, RVMD, Brasília, v. 10, n° 1, p. 178-208, jan-jun 2016, ISSN 1980-8860,

    Disponível in https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/view/6843/4441, Acesso em 01.11.2019, p.

    188.

    32 BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade cit., p. 26.

    https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/view/6843/4