PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Victor... · Filosofia do Direito...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Denilson Victor Machado Teixeira Teoria do reexame compulsório do provimento jurisdicional sob o viés de uma Filosofia do Direito Processual e à égide do Estado de Direito Democrático DOUTORADO EM FILOSOFIA DO DIREITO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Denilson Victor Machado Teixeira

Teoria do reexame compulsório do provimento jurisdicional sob o viés de uma

Filosofia do Direito Processual e à égide do Estado de Direito Democrático

DOUTORADO EM FILOSOFIA DO DIREITO

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Denilson Victor Machado Teixeira

Teoria do reexame compulsório do provimento jurisdicional sob o viés de uma

Filosofia do Direito Processual e à égide do Estado de Direito Democrático

DOUTORADO EM FILOSOFIA DO DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP), como exigência

parcial para a obtenção do título de

Doutor em Filosofia do Direito, sob a

orientação do Professor Doutor Willis

Santiago Guerra Filho.

SÃO PAULO

2014

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Banca Examinadora

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho (Orientador) [PUC-SP]

_____________________________________________________________

Profa. Dra. Marcia Cristina de Souza Alvim [PUC-SP]

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Thiago Lopes Matsushita [PUC-SP]

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Henrique Soares [PUC Minas]

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Océlio de Jesús Carneiro de Morais [UNAMA]

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga (Suplente) [PUC-SP]

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Henrique Garbellini Carnio (Suplente) [FADISP]

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Ao Grande Arquiteto do Universo, que é Deus, fonte precípua e incomensurável da vida. À minha família, em especial aos meus pais José Marcos Teixeira e Maria das Graças Machado Teixeira, os quais, na fé cristã, lutam com fervor no dia-a-dia, a fim de cumprirem suas missões terrenas. Aos meus professores no curso de doutorado, Dr. Wagner Balera (direito da seguridade social), Dra. Maria Helena Diniz (ordenamento jurídico e sistema), Dr. Gabriel Benedito Issaac Chalita e Dra. Márcia Cristina de Souza Alvim (argumentação jurídica), bem assim ao estimado orientador – por duas vezes (mestrado e doutorado) – Dr. Willis Santiago Guerra Filho, notável jusfilósofo. Aos ativistas do Direito, aos meus amigos, aos que me amam incondicionalmente e ao público-leitor em geral.

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SOLIDÃO HUMANA E DIVINDADE

Nascer, crescer, morrer... Do nada e para o nada?

Solidão impera.

Crer, lutar, vencer... Essência e conteúdo.

Solução é Deus.

(Denilson Victor Machado Teixeira)

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RESUMO O duplo grau de jurisdição obrigatório, oriundo do direito lusitano (meados do século XIV), sob a influência do processo inquisitório, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como instituto do processo civil, por força do art. 90, de Lei de 4 de outubro de 1831, instituindo-o como recurso (apelação ex officio), de tal modo que o magistrado interpunha-o de sua própria sentença proferida contra a Fazenda Nacional. Então, ontologicamente, o duplo grau de jurisdição obrigatório existe em razão da Administração Pública, não obstante a finalidade ser a defesa do interesse público coletivo (e não estatal). Atualmente, em alteração determinada pela Lei Ordinária Federal n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, o vigente art. 475 do Código de Processo Civil, por regra, prevê a sujeição ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias e fundações de direito público. Ademais, conceitua-se o duplo grau de jurisdição obrigatório como sendo a condição de rejulgamento compulsório do provimento jurisdicional prolatado em primeira instância pela superior, visando à produção de seus jurídicos e legais efeitos em caráter definitivo, tão logo ocorra o trânsito em julgado do decisum. Na legislação estrangeira, tal instituto é aplicável em poucos países da América hispânica, sob a denominação de consulta. Sob o viés da Sociologia Jurídica, o duplo grau de jurisdição obrigatório é eficaz, porquanto a norma jurídica (art. 475 do Código de Processo Civil) está sendo cumprida por seus destinatários. Entretanto, a remessa necessária caracteriza-se como privilégio processual, e, analisada sob o enfoque constitucional da isonomia (art. 5º, caput, primeira parte, e inc. XXXVII, da CRFB/1988), gera uma antinomia aparente de normas jurídicas, de tal sorte que aplicável o critério hierárquico, e, por via de consequência, torna-se inválido o aludido art. 475 do Código de Processo Civil, sabidamente inconstitucional no Estado de Direito Democrático. Concernente à Filosofia Jurídica, agregando-se o valor justiça ao da igualdade, aliás, em obediência ao preâmbulo constitucional pátrio de 1988, percebe-se que o duplo grau de jurisdição obrigatório é injusto, porquanto, estritamente no contexto processual, as partes devem obter tratamento isonômico pelo Estado-Juiz, por natureza imparcial. Logo, torna-se cediço que o Estado-Administração não pode usufruir de tal condição privilegiada no campo processual, até mesmo porque está adequadamente aparelhado jurídico-institucionalmente, e, por outro lado, o defensor nato do interesse coletivo é o Ministério Público, conforme aduz o art. 127, caput, da CRFB/1988, caso em que se pondera a participação ministerial para solucionar a controvérsia. Enfim, hodiernamente, o processo civil deve estar pautado na efetividade (art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB/1988) e na igualdade, esta enquanto instrumental da justiça (valor), e de modo a congratular a boa-fé processual. PALAVRAS-CHAVE: Teoria do reexame compulsório do provimento jurisdicional. Filosofia do Direito Processual. Estado de Direito Democrático.

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ABSTRACT The mandatory degree of jurisdiction, derived from the Lusitanian right (mid-fourteenth century), under the influence of the inquisitorial process, emerged as a Brazilian legal institute of the Civil Procedure, within the article 90 of the Law of October 4, 1831, establishing it as an appeal (ex officio appeal), so that the magistrate interposed it from his own judgment against the National Treasury. So, ontologically, the mandatory double degree of jurisdiction must exist due to the Public Administration, despite the purpose is the collective defense of the public interest (not state). Currently, due to changes determined by the Federal Statutory Law n. 10.352, of December 26, 2001, the current article 475 of the Code of Civil Procedure provides the submission to the double jurisdiction, producing no effect until confirmed by the court after the judgment against the Union, Member States, the Federal District, the Municipalities, and respective agencies and foundations governed by the Public Law. Moreover, it is conceptualized as a condition of providing compulsory rejudgement to the the first instance by the higher order to produce its legal and juridical effects definitively as soon occurs the res judicata of decisum. In foreign legislation such institute is applied in few countries of Hispanic America, under the name of consultation. Under the aspect of Legal Sociology, the mandatory double degree of jurisdiction is effective, because the rule of law (art. 475 of the Code of Civil Procedure) is being fulfilled by their recipients. However, the necessary remittance is characterized as a procedural privilege, and analyzed from the standpoint of constitutional equality (art. 5, caput, first part, and inc. XXXVII, CRFB/1988) generates an apparent antinomy of legal norms, in such a way that applied hierarchical criterion, and, consequently, it turns invalid alluded art. 475 of the Code of Civil Procedure, well known as an unconstitutional Democratic Rule of Law. Concerning Legal Philosophy, adding up the value of justice to the equality, by the way, in obedience to the constitutional preamble parental 1988, it is clear that the mandatory jurisdiction is unfair because, in strictly procedural context, the parts must obtain isonomic treatment by State Judge, by impartial nature. Therefore, it becomes stale that the State Administration may not enjoy such a privileged position in the procedural field, even as it is properly harnessed legal and institutionally, and on the other hand, the born defender of the collective interest is the Prosecutor, as it is adduced in the art. 127, caput, CRFB/1988, where it is pondered the Ministerial participation to resolve the dispute. Anyway, in our times, the Civil Procedure must be grounded in effectiveness (art. 5, inc . LXXVIII, CRFB/1988) and equality, while this as instrumental justice (value), and in order to congratulate the procedural good faith. KEYWORDS: Theory of mandatory review of jurisdictional provision. Philosophy of Procedural Law. Democratic Rule of Law.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

$ = cifrão.

% = porcentagem.

§ = par. = parágrafo.

§§ = parágrafos.

a.C. = antes de Cristo.

ABNT = Associação Brasileira de Normas Técnicas.

abr. = abril.

ac. = acórdão.

ADI = Ação Direta de Inconstitucionalidade.

ADIs = Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

ago. = agosto.

AGU = Advocacia-Geral da União.

AL = Alagoas.

AMB = Associação dos Magistrados do Brasil.

art.= artigo.

arts. = artigos.

BA = Bahia.

c/c = combinado com.

cap. = capítulo.

CCJ = Comissão de Constituição e Justiça.

CDC = Código de Defesa do Consumidor (Lei Ordinária Federal n. 8.078, de 11 de

setembro de 1990).

CF = Constituição Federal.

cf. = confronte.

CNMP = Conselho Nacional do Ministério Público.

Coord. = Coordenador.

CPC = Código de Processo Civil (Lei Ordinária Federal n. 5.869/1973).

CREUB/1937 = Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

(10/11/1937).

CRFB/1988 = Constituição da República Federativa do Brasil (05/10/1988).

CSMP = Conselho Superior do Ministério Público.

D. = Dom.

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dez. = dezembro.

DF = Distrito Federal.

DJU = DJ = Diário Oficial da Justiça da União.

Dr. = Doutor.

Dra. = Doutora.

ECCJS = Emenda da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

ed. = edição.

EPS = Emenda de Projeto do Senado.

ES = Espírito Santo.

et. seq. = seguinte ou que se segue.

etc.= et cetera = e outras coisas.

ex. = exemplo.

f. = folha.

fev. = fevereiro.

GO = Goiás.

HC = Habeas Corpus.

i. é = isto é.

IEC = Instituto de Educação Continuada.

inc. = inciso(s).

jan. = janeiro.

JTJ = Jurisprudência do Tribunal de Justiça (do Estado de São Paulo, ed. Lex, a

partir do vol. 140) (ex RJTJESP).

jul. = julho.

jun. = junho.

LACP = Lei de Ação Civil Pública (Lei Ordinária Federal n. 7.347, de 24 de julho de

1985).

LINDB = Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei Federal n.

4.657, de 4 de setembro de 1942).

mar. = março.

MG = Minas Gerais.

MI = Mandado de Injunção.

Min. = Ministro.

MP = Ministério Público.

n. = nº = número.

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NCPC = Novo Código de Processo Civil.

nov. = novembro.

NR = Nova Redação.

OAB = Ordem dos Advogados do Brasil.

Ord. = Ordenação.

Org. = organizador.

OTN = Obrigações do Tesouro Nacional.

out. = outubro.

p. = página ou páginas.

p. ex. = por exemplo.

p/ = para.

PB = Paraíba.

PE = Pernambuco.

PEC = Proposta de Emenda Constitucional.

PR = Paraná.

Prov. = Provimento.

PT = Partido dos Trabalhadores.

PUC-SP = Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

R$ = real (moeda).

RDA = Revista de Direito Administrativo.

RE = Recurso Extraordinário.

Reg. = Regulamento ou Região.

Rel. = Relator(a).

REsp = Recurso Especial.

RJ = Rio de Janeiro.

RJTJESP = Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo (até vol. 139; a partir do vol. 140: JTJ).

RO = Rondônia.

RS = Rio Grande do Sul.

RSTJ = Revista do Superior Tribunal de Justiça.

RT = Revista dos Tribunais.

RTFR = Revista do Tribunal Federal de Recursos.

RTJ = Revista Trimestral de Jurisprudência (do STF).

s.d. = s/d = obra sem data.

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S.l. = Sine loco = sem local de publicação.

s.m.j. = salvo melhor juízo.

s.n. = sine nomine = sem editora.

s.n.t. = sem notas tipográficas.

SC = Santa Catarina.

séc. = século.

set. = setembro.

SP = São Paulo.

STF = Supremo Tribunal Federal.

STF-RP = Revista de Processo (do STF).

STJ = Superior Tribunal de Justiça.

t. = tomo.

TJDFT = Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

TJMA = Tribunal de Justiça do Maranhão.

TJMG = Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

TJRJ = Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

TJSP = Tribunal de Justiça de São Paulo.

TO = Tocantins.

TRF = Tribunal Regional Federal.

TST = Tribunal Superior do Trabalho.

UNIFRAN = Universidade de Franca.

v. = volume(s).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................. 13

1 O INSTITUTO DO REEXAME COMPULSÓRIO DO PROVIMENTO

JURISDICIONAL..........................................................................................

20

1.1 Conflito intersubjetivo de interesses, jurisdição e decisão

judicial.........................................................................................................

20

1.2 Falibilidade do julgador e a recorribilidade recursal........................ 25

1.3 Duplo grau de jurisdição..................................................................... 29

1.4 O reexame compulsório do provimento jurisdicional

propriamente dito.......................................................................................

32

1.4.1 Histórico.............................................................................................. 32

1.4.2 Legislação estrangeira........................................................................ 43

1.4.3 Razão ontológica................................................................................. 46

1.4.3.1 Acesso à jurisdição e celeridade processual................................... 50

1.4.4 Objeto, natureza jurídica, conceito e efeitos....................................... 53

1.4.5 Comentários ao artigo 475 do Código de Processo Civil.................... 59

1.4.6 Novas propostas redacionais a partir da Lei Ordinária Federal n.

10.352/2001 e o projeto de lei do novo Código de Processo Civil...............

68

2 ANÁLISE CRÍTICA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

OBRIGATÓRIO: SOB O VIÉS DE UMA FILOSOFIA DO DIREITO

PROCESSUAL NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO....................

73

2.1 Fundamento sociojusfilosófico do direito......................................... 73

2.2 Valores jurídicos: justiça e igualdade................................................ 81

2.2.1 Noções sobre axiologia e valores jurídicos......................................... 82

2.2.2 Justiça: o valor-mor............................................................................. 83

2.2.3 Igualdade: a paridade de armas.......................................................... 89

2.3 Proêmios às problemáticas do reexame compulsório..................... 92

2.4 Sujeitos da relação processual e respectiva representatividade

fazendária: implicações quanto ao duplo grau de jurisdição................

95

2.5 Ministério Público: o guardião do interesse público primário......... 97

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2.6 Enfrentamento da problemática do duplo grau de jurisdição

obrigatório no processo civil e sua (quiçá) solução..............................

100

2.6.1 Aparelhamento jurídico-institucional do Estado.................................. 101

2.6.2 (Im)parcialidade da magistratura......................................................... 105

2.6.3 Participação do Ministério Público?.................................................... 111

2.6.4 Artigo 475 do Código de Processo Civil (1973): norma jurídica

(in)válida?.....................................................................................................

120

2.6.5 Colisões entre os princípios do duplo grau de jurisdição obrigatório

e da igualdade: solução...............................................................................

124

2.6.6 Afronta aos valores da justiça e da igualdade?................................... 126

2.6.7 (In)utilidade do reexame compulsório no processo civil...................... 133

2.6.8 (In)constitucionalidade do instituto?.................................................... 136

2.7 Lex suggestione................................................................................... 141

CONCLUSÃO.............................................................................................. 145

REFERÊNCIAS............................................................................................ 155

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INTRODUÇÃO

Ab initio, registre-se que a presente tese de doutorado encontra-se

atrelada ao Núcleo de Pesquisa em Filosofia do Direito da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP), cujo enquadramento é na linha de pesquisa

intitulada Ética, Linguagem e Justiça, e na área de concentração denominada

Efetividade do Direito. Frise-se também que a thesi, em estrutura monológica

(certum), sedimenta-se numa “discussão-com”, de sorte a procurar o convencimento.

É sabido que a Filosofia do Direito, ramo específico da Filosofia Geral,

detém especificidades múltiplas, porquanto o fenômeno jurídico tanto pode ser as

normas jurídicas estatais quanto as questões como os valores da justiça e da

igualdade, aspectos essenciais ao desenvolvimento do presente trabalho.

Nesse contexto, destaca-se a Filosofia no Direito Processual, porquanto

tais valores fundamentais são hábeis a concretizar soluções prático-legais com

objetiva imparcialidade.

Logo, a presente pesquisa tem por objeto de estudo o instituto do duplo

grau de jurisdição obrigatório previsto no art. 475 do CPC/1973, alinhavado ao

Estado de Direito Democrático, de modo a travar então uma teoria.

Aliás, nos dizeres de Ralf Dreier1, “uma teoria é um sistema de

enunciados, entre os quais existem relações de inferência e que satisfazem pelo

menos as exigências de consistência e de comprovação”, evitando-se, assim, as

contradições lógicas e valorativas, estas últimas de interesse para a Filosofia do

Direito.

Vê-se, pois, que na teoria jurídica tem-se por objeto quaisquer enunciados

que estejam normativamente em vigor, como, por exemplo, o supramencionado

dispositivo legal (art. 475 do Código de Processo Civil), tema nevrálgico desta tese.

E é justamente uma Teoria do Reexame Compulsório à luz do Estado de

Direito Democrático, com ênfase nos valores da igualdade e da justiça, que se

propõe elaborar.

1 DREIER, Ralf. Recht – Moral – Ideologie. [s.n.t.], 1981. p. 82. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. p. 640.

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É cediço que o direito (realidade) não é sistema (modo de ver a

realidade), razão pela qual este seja método de análise, resultado da interpretação,

aliás, de competência exclusiva do jurista (eminentemente quem faz ciência –

doutrinador –, e não o estritamente técnico, como é o caso dos professores de

direito, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, da Advocacia

Pública, da Defensoria Pública etc.).

Por assim dizer, existe uma multitude de concepções teóricas a respeito

de sistema jurídico, cujo ponto de conexão dentre variadas acepções, conforme diz

Claus-Wilhelm Canaris2, é “o de traduzir e realizar a adequação valorativa e a

unidade interior da ordem jurídica”.

Diga-se também que a Ciência do Direito – correspondente à

jurisprudentia dos romanos –, tratando-se da realidade cultural, cabe-lhe,

precipuamente, construir o sistema jurídico (criação epistemológica – pelo jurista),

até mesmo de modo a influenciar-se no ordenamento jurídico (criação real – pelo

poder competente).

Partindo-se então do pressuposto de que o ordenamento jurídico (e não o

sistema jurídico) pode conter contradição, é possível havê-lo em relação ao referido

art. 475 do Código de Processo Civil, de tal modo que, nos dizeres de João Baptista

Herkenhoff3, “cabe aos juristas, comprometidos com as lutas do povo encontrar e

realçar essas contradições, buscando utilizá-las em proveito das grandes multidões

empobrecidas”.

Nesse ínterim, cabe ao jurista, fundante num método (conjunto de

princípios de avaliação da evidência) criterioso, e através da técnica (conjunto dos

instrumentos), tender-se ao objeto, para o fim de problematizar, pensar e descrever

o Direito como ciência, mormente com ênfase na epistemologia jurídica.

Incumbe-se, então, o jurista, de emitir juízos (opiniões) descritivos sobre a

norma jurídica em si – utilizando-se de método lógico e eficaz, como ocorre com a

tópica, ou seja, a arte de pensar por problemas – sob o contexto social, inclusive, até

porque o direito tem como pano de fundo a resolução dos conflitos das pessoas que

vivem em sociedade, pois, dia-a-dia, está-se diante de situações (individuais e/ou

coletivas) que buscam uma harmonia para o profícuo convívio social.

2 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciê ncia do direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 23. 3 HERKENHOFF, João Baptista. Direito e utopia. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 40.

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Sendo assim, em não havendo uma disposição natural dos discordantes,

caberá ao direito nortear a pacificação, judicial ou extrajudicial, não obstante haver a

possibilidade real do aplicador da norma desvirtuar-se da sua função nobre,

impondo julgamentos injustos ao arrepio da lei, apesar de que esta também não é

fonte segura de justiça.

Por assim dizer, entende-se que a Ciência Jurídica deve estudar a

conduta humana numa dimensão social. Decerto que o ser humano é por natureza

um vivente (integrante) em sociedade, cujas regras são delineadas por ela própria e

voltadas a si mesma, as quais deverão ser cumpridas, sob pena de se infringir

regramentos sociais, estando, pois, passível de punição pela conduta antissocial,

exceto quando ilegítimo o poder por ofender a ordem jurídica, ocasião em que nasce

o direito de resistência.

Enfim, do ponto de vista da Ciência Jurídica, o Direito se traduz num

sistema de significações normativas, dentro de um processo da vida social.

Por tal razão, a Ciência Jurídica apresenta função social destacada,

porquanto o jurista deve propiciar uma sociedade mais justa e solidária, e tendo por

primado a redução das desigualdades sociais.

Aliás, o papel do jurista propriamente dito é justamente o de descrever o

Direito (objeto da Ciência Jurídica), através de proposições jurídicas – enunciados

lógicos decorrentes do conhecimento sem poder normativo e força vinculante, até

porque não se trata de uma verdade absoluta –, as quais serão utilizadas como

subsídios sólidos para o aperfeiçoamento da norma jurídica (produção e aplicação),

e de tal modo que o direito seja um forte instrumento de transformação social,

mormente pacificador e realizador positivo das necessidades das pessoas.

E, evidentemente, cabe ao Estado (lato sensu) a responsabilidade pela

produção do direito posto, devidamente materializado constitucional ou

infraconstitucionalmente, em direitos sociais como educação, saúde, alimentação,

trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à

infância, assistência aos desamparados etc., como previsto na República Federativa

do Brasil, através do art. 6º do texto constitucional de 1988.

Ora, não restam dúvidas de que a Ciência Jurídica contribui então

sobremaneira para o aprimoramento ético-jurídico do corpo societário, em contínuo e

necessário avanço. Até porque a sociedade é dinâmica, e o jurista deve estar em

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sintonia com os problemas sociais que afligem as pessoas, a fim de traçar o

caminho a ser perseguido para a concretização do bem-estar social.

A Ciência Jurídica pela sua função (descritiva) é normativa, de tal modo

que corroboram os usos e costumes da sociedade (fatos sociais), dentro das

instituições familiares, religiosas, políticas, econômicas e educacionais. Ademais, a

Ciência Jurídica alavanca o real sentido gnoseológico, dentro do princípio da

imputação (descrição de uma ordem normativa da conduta dos homens entre si),

pois que possibilita a averiguação do binário verídico/inverídico no mundo do ser.

Porém, a normatização em si caberá ao direito (objeto), em seu sentido prescritivo

(potestas normandi).

Continuamente, evoca-se a Jusfilosofia.

Sabe-se que a Jusfilosofia é essencial à própria justificação (filosófica) da

Ciência Jurídica, e, por outro lado, esta é elemento cognitivo, reflexivo, crítico

daquela, cujo objeto é o próprio direito – que, de um modo geral, pode ter a acepção

de um conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) e proposições jurídicas que

disciplinam as relações das pessoas (físicas e jurídicas) em sociedade.

Nesse sentido, Georges Abboud4, Henrique Garbellini Carnio e Rafael

Tomaz de Oliveira destacam que “o conhecimento filosófico, portanto, se lança na

perspectiva de um saber reflexivo, especulativo e crítico apto a fornecer subsídios e

elementos para as instâncias da vida humana em todas as suas projeções”.

Por via de consequência, urge destacar o papel do jusfilósofo, mormente

na atualidade, porquanto genuinamente filósofo, incumbe-lhe filosofar, ou seja,

tentar resolver os problemas da sociedade. Eis então sua utilidade (do jusfilósofo) e

da própria Filosofia Jurídica.

Niklas Luhmann5 idealiza o fato de que a complexidade social, aliada à

alta contingência, somente poderá ser reduzida com a construção de um sistema

jurídico dinâmico aos anseios do povo, de tal forma que possa ofertar uma justa

resolução dos conflitos.

4 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 101. 5 LUHMANN, Niklas. Sociología del riesgo. Tradução de Brunhilde Erker, Luis Felipe Segura e Silvia Pappe. 3. ed. México: Universidad Iberoamericana / ITESO, 2006. Título original: Soziologie des risikos.

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E este é o cabedal do filósofo jurista: analisar as concepções filosóficas,

apontando uma solução para as questões ontológicas, epistemológicas e

axiológicas.

Nesse contexto, urge diferir o jusfilósofo do técnico/jurista, eis que aquele

se eleva a um grau maior de compreensão: a razão crítica.

Incumbe-se, pois, o jusfilósofo de pensar e resolver (pelo menos tentar)

os problemas jurídicos, porquanto o pensamento jurídico o é problemático.

Pelo exposto, justifica-se a análise do instituto do reexame compulsório

(art. 475 do Código de Processo Civil), uma vez que resquício do processo

inquisitório, mas com origem lusitana (séc. XIV), atém-se ao exame de sua função

sociojusfilosófica no atual estágio civilizatório (séc. XXI), abarcando o princípio

democrático, e os valores da justiça e da igualdade, mormente no campo

constitucional. Logo, eis a pergunta que não se quer calar: será que tais normas

jurídicas (regras e princípios) estão sendo cumpridas? Resta analisar.

Portanto, o objetivo principal que se pretendeu atingir com o

desenvolvimento da pesquisa ora proposta, trata-se de uma análise crítica,

sociojusfilosófica, sobre o ato judicial (sentença) de primeira instância que, à luz do

art. 475 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei Ordinária Federal

n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, remete seu provimento ex officio à instância

superior para rejulgamento, visando surtir, em caráter definitivo, efeitos no plano

jurídico, de modo a vislumbrar uma possível inconstitucionalidade, e, de outro modo,

quiçá alicerçar fundamentos para a participação do Ministério Público em tais

previsões legais.

Tem-se por determinação do problema, justamente, o papel do

magistrado nos casos afetos ao citado art. 475 do Código de Processo Civil, diante

do princípio-garantia da isonomia, além do valor justiça, bem como das funções

legais inerentes ao órgão do Parquet.

Como formulação de hipóteses, apresenta-se, nomeadamente: a) o

aparelhamento jurídico-institucional do Estado para valer-se habilmente

representado em juízo; b) a eventual justificação jusfilosófica da remessa necessária

via Poder Judiciário; c) a eventual necessidade de intervenção do Ministério Público

nos casos do art. 475 do Código de Processo Civil; d) a consideração ou não do

referido artigo 475 como norma jurídica válida; e) as possíveis colisões entre os

princípios do duplo grau de jurisdição obrigatório e da igualdade; f) o reexame

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compulsório como possível afronta aos valores da igualdade e da justiça, em virtude

da prerrogativa pública e dos privilégios fazendários; g) a (in)utilidade do reexame

compulsório no processo civil; h) a (in)constitucionalidade do instituto do reexame

compulsório no direito pátrio.

Delimita-se o assunto em duas partes interligadas, quais sejam: 1) o

instituto do reexame compulsório; 2) análise crítica do duplo grau de jurisdição

obrigatório sob o viés de uma Filosofia do Direito Processual no Estado de direito

Democrático. Nesse ínterim, o aspecto em profundidade é o instituto do reexame

compulsório (art. 475 do Código de Processo Civil).

Os métodos de pesquisa utilizados na elaboração da presente tese são, a

princípio, o indutivo (positivismo), tendo em vista a observação, transportando-se, a

seguir, ao nível da abstração e formulação lógica; seguindo-se do dedutivo

(jusnaturalismo), posto que se demonstrará e justificará, a partir da coerência,

consistência e não contradição, o aperfeiçoamento das teorias até então existentes;

e, para finalização, o intuitivo, na ideia de justiça e outros valores. Também, o

método bibliográfico, consistente no estudo comparativo de toda a teoria e prática do

tema em foco. Concernentes aos métodos procedimentais empregados põem-se: a)

analítico-sintético, uma vez que as soluções de determinados problemas atinentes

ao instituto do reexame compulsório, especificamente do art. 475 do Código de

Processo Civil, dependerão da alteração (ou extirpação) do texto normativo

processual para se alcançar unidade do seu sentido dentro do Estado de Direito

Democrático; b) comparativo, em virtude de que haverá confronto teórico entre

autores e obras de diversos países para análise final de uma temática pesquisada,

pelo que, vale consignar, observar-se-á o instituto do reexame compulsório nas

legislações e doutrinas estrangeiras para conclusão satisfatória do referido instituto

dentro do ordenamento jurídico nacional; c) dogmatismo jurídico, ante o estudo da

norma jurídica (constitucional e infraconstitucional) e da doutrina, interpretando a

norma jurídica elaborada pelo legislador, investigando a sua intertextualidade com

outros instrumentos afins, buscando a aplicação equitativa das decisões judiciais,

assecuratórias da segurança jurídica, sendo, então, normativa, sistemática

descritiva, valorativa, axiologicamente neutra (plano de validade) e prática (busca de

um processo democrático); d) hermenêutico, visto que se fixarão os princípios que

regem a interpretação das leis em geral, de tal sorte que a hermenêutica na tese

doutoral em vislumbramento consubstanciará em uma formação técnico-jurídico-

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científica a contento, acerca do instituto do reexame compulsório na legislação

processual civil brasileira, tecendo definições interpretativas num modelo efetivo e

democrático; e) histórico, na necessidade da interpretação dos acontecimentos do

passado com o intuito de descobrir generalizações que possam ser úteis para a

investigação do presente e a predição do futuro, uma vez que a origem do instituto

(duplo grau de jurisdição obrigatório), no direito lusitano, trouxe sérias influências na

norma jurídica brasileira, alterando, algumas vezes, a natureza jurídica do instituto

em apreço, de tal modo que se busque a sua composição atual em observância à

Lei Maior de 1988, enraizada na democracia jurídica e também nos valores da

justiça e da igualdade.

Vale dispor também que, quanto à delimitação do universo, serão

almejados os agentes das ciências humanas, especificamente as jurídicas e sociais

aplicadas, bem como o público-leitor em geral.

Por fim, quanto à normalização do texto, são adotadas as técnicas

elaboradas no âmbito da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, assim

como as normas supletivas eleitas pela Instituição de Ensino Superior (PUC-SP).

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1 O INSTITUTO DO REEXAME COMPULSÓRIO DO PROVIMENTO

JURISDICIONAL

1.1 Conflito intersubjetivo de interesses, jurisdiç ão e decisão judicial

Antes de se falar em conflito, impõe-se estabelecer o que seja interesse,

sendo este a relação do indivíduo com o bem que vai satisfazer sua(s)

necessidade(s).

Sob o enfoque do duplo grau de jurisdição obrigatório no processo civil,

prefere-se catalogar os interesses em: a) interesse privado; b) interesse público; b1)

primário (geral ou coletivo); b2) secundário (específico, estatal ou fazendário).

O interesse privado é aquele exercido por pessoas, naturais ou jurídicas,

e pelos entes despersonalizados. Já o interesse público é dicotômico. Tanto é que

ora se refere à coletividade (interesse público primário), ora ao próprio Estado

(enquanto pessoa jurídica de direito público interno – expressada pelos entes

federativos União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e também por

suas autarquias e fundações públicas, bem como o consórcio público na modalidade

de associação pública – e cuja finalidade, em tese, é o bem comum de todos, detém

o interesse público secundário).

Concernente ao interesse público – questão essencial ao tema nevrálgico

desta tese –, Celso Antônio Bandeira de Mello6 enfatiza:

Outrossim, a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano, este, que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo com quaisquer interesses da entidade que representa o todo (isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno). Uma vez reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses, põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público.

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 62-63.

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É que, além de subjetivar-se estes interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais. Isto porque a generalidade de tais sujeitos pode defender estes interesses individuais, ao passo que o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles. Tal situação ocorrerá sempre que a norma donde defluem os qualifique como instrumentais ao interesse público e na medida em que o sejam, caso em que sua defesa será, ipso facto, simultaneamente a defesa de interesses públicos, por concorrerem indissociavelmente para a satisfação deles. Esta distinção a que se acaba de aludir, entre interesses públicos propriamente ditos – isto é, interesses primários do Estado – e interesses secundários (que são os últimos a que se aludiu), é de trânsito corrente e moente na doutrina italiana, e a um ponto tal que, hoje, poucos doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los, limitando-se a fazer-lhes menção, como referência a algo óbvio, de conhecimento geral. Este discrímen, contudo, é exposto com exemplar clareza por Renato Alessi, colacionando lições de Carnelutti e Picardi, ao elucidar que os interesses secundários do Estado só podem ser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários, isto é, com os interesses públicos propriamente ditos. (grifos no original).

Já o conflito intersubjetivo de interesses é fruto da divergência entre duas

ou mais pessoas (físicas ou jurídicas) por um determinado objeto (possível, lícito e

determinado ou determinável – art. 104, inc. II, do Código Civil) da relação jurídica.

Logo, o conflito propriamente dito nasce pela insatisfação de uma pessoa

ou um grupo de pessoas, em virtude de ofensa ocasionada por ato comissivo ou

omissivo de outrem.

E, no contexto do duplo grau de jurisdição obrigatório, a contradição

historicamente existente é entre, de um lado, os jurisdicionados pessoas privadas

(físicas e jurídicas) e os de personificação anômala (massa falida, herança jacente

ou vacante, espólio, sociedades sem personalidade jurídica – sociedades irregulares

ou de fato – e o condomínio, ex vi do art. 12 do Código de Processo Civil), e, de

outro lado, a Fazenda Pública (União, Estados-Membros, Distrito Federal,

Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas de direito público,

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bem assim o consórcio público na modalidade de associação pública), a qual detém

privilégios processuais7 em prejuízo dos demais (privados).

No Brasil, sendo fruto das Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e

Filipinas)8, o duplo grau de jurisdição obrigatório encontra aí a sua própria razão

crítica (em relação à contradição – privilégio processual unilateral em favor da

Fazenda Pública): o (in)justo, tal como será observado e discutido especificamente

no segundo tópico deste trabalho.

Por tal razão, entende-se que não se pode (ou não se deve) viver

infinitamente em constante conflito (desde 12/03/1355, atinente à data da criação da

então apelação necessária – polla Justiça (pré-afonsina) a El Rei – no direito

lusitano, relativa aos feitos das injúrias), ainda que na seara processual civil, a qual

deve albergar fundamentalmente aspecto isonômico entre as partes litigantes. Mas

tudo tem começo, meio e fim, em que pese ao transcurso do duplo grau de jurisdição

obrigatório por mais de seis séculos e meio, e no Brasil já há quase dois séculos

(desde 1831).

Gabriel Benedito Issaac Chalita9 diz então que “o ser humano busca a

felicidade, desde que surgiu no mundo e se reconheceu capaz de produzir cultura e

transformar o ambiente em que vive”.

Porém, conseguir tal “felicidade”, não obstante possa sê-la encontrada

individualmente, é tarefa essencialmente delineada conjuntamente por um povo, o

qual realmente tem a obrigação de produzir cultura e transformar o ambiente que se

vive, com o objetivo precípuo de melhorar as condições de vida.

Até porque, parafraseando Sua Santidade, o Papa Pio XI, na Carta

Encíclica Divinis Redemptoris10 (1937), “mediante a união orgânica com a

sociedade, todos possam, pela mútua colaboração, alcançar a verdadeira felicidade

terrestre”.

Aliás, esta é, pois, a dinâmica que invoca o próprio espírito do ser

humano, e na acepção de Rudolf Von Ihering11: “sem luta não há direito”.

7 Vide item 1.4.3 a seguir. 8 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1, p. 227-235. 9 CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Os dez mandamentos da ética. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. p. 27. 10 VATICANO. Carta Encíclica Divinis Redemptoris . Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris_po.html>. Acesso em: 27 jan. 2013. 11 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Tradução de João de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Forense, 1994. Título original: Der kampf ums recht. p. 87.

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Ora, o fator felicidade só é almejado significativamente pela mútua

colaboração entre os homens, exigindo, pois, um equilíbrio de forças.

Sigmund Freud12 explica que “boa parte da peleja da humanidade se

concentra em torno da tarefa de achar um equilíbrio adequado, isto é, que traga

felicidade, entre tais exigências individuais e aquelas do grupo, culturais”.

Dito isso, indaga-se: qual é a “felicidade” – se assim se pode dizer – em

relação ao duplo grau de jurisdição obrigatório? Para o Estado (lato sensu) brasileiro, entende-se que seja a manutenção

do instituto do duplo grau de jurisdição obrigatório no sistema normativo pátrio,

porquanto oferta um dúplice julgamento da causa, nos termos da lei (art. 475 do

Código de Processo Civil), e obsta o trânsito em julgado do decisum de primeira

instância, de tal maneira que estende qualquer efeito deste para um momento

ulterior, até porque, em se confirmando a condenação do ente estatal, o pagamento

do quantum devido ao particular enseja ato futuro, com ganho real de tempo (até

mesmo anos) para a Fazenda Pública devedora.

Já para o jurisdicionado, pessoa privada (física e jurídica) ou de

personificação anômala, seria de bom agrado (felicità) a extirpação do dito instituto

processual civil como norma cogente, porquanto possibilitaria, prima facie, as

aplicações dos princípios constitucionais da igualdade (“todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade (...).”) e

da celeridade, ambos previstos no art. 5º, caput e inc. LXXVIII (“a todos, no âmbito

judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação”), da CRFB/1988.

Nesse contexto, registre-se que a solução pacífica das controvérsias das

pessoas, por regra (excetuam-se a arbitragem, a conciliação e a mediação que são

meios alternativos de pacificação social), está a cargo do Poder Judiciário – através

da denominada jurisdição (monopólio estatal), que deve ser efetiva e satisfativa,

observada a devida competência.

12 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. Título original: Das unbehagen in der kultur. p. 41.

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Doutrinariamente, Antônio Carlos de Araújo Cintra13 e Cândido Rangel

Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover colocam em evidência:

Pelo que já ficou dito, compreende-se que o Estado moderno exerce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo as decisões. (...). A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (...). Afirma-se que o objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem-comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça. (grifos no original).

Por tais razões, materializa-se o decisum do Estado-juiz através da

sentença, sendo que o reexame compulsório (art. 475 do CPC) é exemplo clássico

de uma sentença subjetivamente complexa, porquanto necessita, para sua inteira

eficácia, da manifestação de vontade por duas instâncias jurisdicionais.

Nesse desiderato, o processo é de suma importância, valendo-se pôr em

evidência, conceito delineado por José Alfredo de Oliveira Baracho14, in verbis:

Processo significa o conjunto de atos, fatos ou operações que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim, cujo objetivo fundamental é a decisão de um conflito de interesses jurídicos. Estes atos e formas, que movimentam a vida jurídica, fornecem-nos a primeira ideia de processo.

Tal é a noção da dimensão pragmática da norma jurídica.

Aliás, no modelo empírico de Tercio Sampaio Ferraz Jr.15, a norma é um

processo decisório. E, assim, Maria Helena Diniz16 comenta:

A decisão jurídica (a lei, o costume, a sentença judicial etc.) impede a continuação de um conflito; ela não o termina mediante uma solução, mas o soluciona pondo-lhe um fim, isto é, eliminando aquela incompatibilidade, para trazê-la a uma situação onde não pode mais ser retomada ou levada adiante (coisa julgada). A norma jurídica é uma decisão; através dela se garante que certas decisões serão tomadas, porque ela estabelece controles, isto é, pré-decisões, cuja função é determinar outras decisões.

13 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 24-25. 14 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 117. 15 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 49. 16 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 173.

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Enfim, vê-se que, por intermédio da decisão jurídica, destacando-se a lei

(pelo seu caráter de generalidade) e a decisão judicial (sentença ou acórdão),

evidencia-se, pelo menos em tese, ou efetivamente em sua inteireza prático-real, a

solução de um conflito, de modo a impossibilitar a perpetuação litigiosa entre as

pessoas.

Mas, desde já, frise-se que, no contexto do reexame compulsório (art. 475

do Código de Processo Civil), a jurisdição não se pode traduzir em empecilho à

concretização da isonomia entres as partes litigantes, cuja temática será abordada

no item 2.6.2 deste ensaio.

1.2 Falibilidade do julgador e a recorribilidade re cursal

O ser humano, na sua função de vontade, sempre foi, é e será falível,

razão pela qual se torna possível reexaminar – mediante a interposição de recurso

voluntário –, por óbvio, no âmbito do Poder Judiciário, o julgamento primevo por

outros seres humanos, também, deveras, falíveis.

Francesco Ricci17 menciona o fato de que a

justificativa mais singela da necessidade do duplo grau reside na circunstância de o pronunciamento do primeiro grau se sujeitar a erros e imperfeições. O reexame corrige o vício de juízo (error in iudicando) ou o vício de atividade (error in procedendo), lançando novas luzes sobre a matéria da contenda.

Aliás, na exposição de motivos do projeto do Código de Processo Civil

para o Cantão de Genebra, Pierre-François Bellot18 enaltece que: “nem as

sentenças repousam sempre na verdade e justiça, nem a infalibilidade é atributo do

juiz”.

17 RICCI, Francesco. Commento al códice di procedura civile italiano. 5. ed. Florença: Cammelli, 1886. v. 2, p. 409. Apud ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 70. 18 BELLOT, Pierre-François. [s.n.t.]. Apud SIDOU, José Maria Othon. Os recursos processuais na história do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 90.

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Realmente, o homem é falível. Nessa esteira, também o magistrado,

eventualmente, pode errar – possibilidade e não presunção –, ser injusto (discutível

ante o teor subjetivo), inclusive traduzir, por fim, “verdade” com efeito de coisa

julgada por questão inverídica, em que pese à litigância de má-fé nesse sentido (art.

17, inc. II, do Código de Processo Civil), de tal modo que possa até mesmo não

corroborar a verdade real.

Porém, atinente ao erro, verifica-se, sob o contexto do duplo grau de

jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil), que a remessa

necessária é em virtude da presunção de erro do julgado quando a Fazenda Pública

for vencida, jamais em sentido contrário, ou seja, quando vencido o particular não há

presunção de erro, e, por via de consequência, não há o reexame compulsório. Tal

aspecto soa muito estranhamente, pois, torna-se patente que o Estado, diante de

um privilégio, quer apenas ganhar tempo para impedir a execução contra si (art. 730

do Código de Processo Civil), sob a falsa alegação de que há presunção de erro do

julgamento de instância primeva.

Registre-se, a respeito, equivalente pensamento proposto por Cristiane

Flores Soares Rolin19, segundo a qual:

O que não pode ocorrer é a presunção de erro do julgado apenas quando vencida a Fazenda Pública, de sorte que o veredicto do juiz será confiável e produzirá efeitos quando vencido o particular e não será confiável e não produzirá efeitos quando vencida for a Fazenda Pública. Cristalina é a contradição da norma processual, que impõe forte discriminação ao particular.

Por outro lado, decerto também que a incompreensão e o inconformismo

são marcas características da parte vencida, que vê, nos recursos, pelo menos em

tese, um instrumento de reforma ou cassação da decisão judicial de piso. Inclusive,

nas condições de admissibilidade recursal, intrínseco é o requisito inerente à

existência do poder de recorrer.

19 ROLIN, Cristiane Flores Soares. A garantia da igualdade das partes frente ao interesse público. In: PORTO, Sérgio Gilberto (Coord.) As garantias do cidadão no processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 74.

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Historicamente, Hermann Homem de Carvalho Roenick20 lembra que “na

primitiva organização social os recursos não eram conhecidos, pois a justiça era

distribuída pelo soberano ou administrada diretamente pelo povo. Assim, as

decisões proferidas tinham o caráter de irrecorribilidade.” Diz-se ainda que o sistema

do duplo grau de jurisdição era praticado entre os povos primitivos: hebreus (Grande

Sinédrio), egípcios (Conselho dos Trinta), atenienses (Tribunal dos Heliastas) e

romanos (origem dos recursos).

Longínquos séculos, e fruto da Revolução Francesa, o processo

revolucionário destacou-se pelo firmamento da jurisdição ao Estado, e, sendo assim,

nos dizeres de Antonio Carlos Wolkmer21, possibilitou-se o fato de que

as cortes superiores reexaminassem as decisões das cortes inferiores com um crescente grau de certeza formal (a verdade formal do processo). Formalismo e uniformização permitiram também os apelos de natureza meramente formal (por exemplo, os writs of error do direito inglês) para que a instância superior corrigisse erros da instância inferior.

Evidentemente que, com a reanálise da questão sub judice por

magistrados hierarquicamente superiores, anseia-se (não há certeza disso) maior

justeza (que, por vezes, também pode ter ocorrido somente em primeira instância)

sob o ponto de vista técnico. Advém, nesse ínterim, a consagração do denominado

princípio da jurisdição pluralizada.

Sob tal viés, Djanira Maria Radamés de Sá22 estabelece que:

Concorrem em desfavor da tese da instituição do juiz único a menor experiência do magistrado de primeiro grau, a falta de controle interno possibilitadora da ocorrência de arbitrariedades e a melhor visão global do processo permitida através de um segundo exame.

E, jurisprudencialmente:

O reexame necessário é condição imposta a sentenças proferidas em desfavor da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias, bem como no julgamento de embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, tendo por escopo garantir a eficácia do

20 ROENICK, Hermann Homem de Carvalho. Recursos no código de processo civil e na lei dos juizados especiais cíveis – doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide, 2001. p. 15-16. 21 WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 484-485. 22 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 119.

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provimento jurisdicional após novo exame pelo órgão colegiado, o que, de certa forma, traduz maior segurança jurídica às relações que envolvam a coisa pública.23

Por assim dizer, ainda que rejulgado o caso, erros poderão ocorrer, pois a

irrefragável fraqueza humana é digna de notoriedade, sendo cediça tal assertiva.

Cite-se ainda José Vicente y Caravantes, segundo o qual, na tradução de

José Maria Othon Sidou24, enfatiza que:

um homem só não oferece, em regra, suficientes garantias ou segurança de retidão, imparcialidade e inteligência para que possa obrigar, racionalmente, os litigantes a submeterem-se, definitiva e irrevogavelmente, à decisão de um pleito de que depende sua fortuna.

Nesse diapasão, atualmente, torna-se impensável a existência de um

processo de jurisdição contenciosa com provimento irrecorrível; e, principalmente,

sem as observâncias da isonomia, do contraditório e da ampla defesa, corolários

constitucionais pátrios previstos no art. 5º, caput e inc. LV, respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade, (...), nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, (...) são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Entretanto, não cabe ao juiz de direito recorrer de sua própria sentença,

porquanto lhe faltam os elementos (volitivo e descritivo) de sua insatisfação.

A par, Nelson Nery Junior25 destaca:

O recurso se compõe de duas partes distintas sob o aspecto de conteúdo: a) declaração expressa sobre a insatisfação com a decisão (elemento volitivo); b) os motivos dessa insatisfação (elementos de razão ou descritivo).

23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Turma do STJ. Recurso especial n. 1.172.903 – PR. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Julgamento em: 20 abr. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=9541279&sReg=201000014155&sData=20100503&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 19 jul. 2013. 24 CARAVANTES, José Vicente y. Tratado histórico, critico, filosófico de los proc edimientos judiciales em matéria civil. Madrid: Gaspar y Roiz, 1856. v. 1, p. 15. Apud SIDOU, José Maria Othon. Os recursos processuais na história do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 3. 25 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 152.

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Essa insatisfação, geradora da vontade em recorrer, nada mais é do que uma manifestação do princípio dispositivo na fase recursal. Esta é a razão pela qual se aplica aos recursos o princípio ne procedat judex ex officio. (...). O juiz não pode, de ofício, interpor recurso pela parte, (...). (grifos no original).

Nesse sentido, deve-se, com prudência, discernimento e inteligência,

reivindicar reiteradamente a solução justa das causas, a fim de se obter uma decisão

judicial de qualidade, e, principalmente, com teor de justiça, em efetivo exercício da

isonomia, até porque são atributo e responsabilidade do Estado fornecê-la através

de seus julgadores.

Destarte, os magistrados, de modo imparcial, e no sentido de Mauro

Cappelletti26 e Bryant Garth, consubstanciarão os anseios de uma justiça digna e

forte, voltada para uma jurisdição efetiva, observando-se a igualdade de todos.

1.3 Duplo grau de jurisdição

As garantias pressupõem proteção e segurança do direito, as quais visam

assegurar a normatividade efetiva em termos processuais.

Então, por garantias processuais constitucionais, Djanira Maria Radamés

de Sá27 estabelece que sejam “princípios diretivos que impõem o modo de ser do

processo, para que este cumpra seu papel de realizar a ordem jurídica e concretizar

a paz social com justiça e segurança, tornando eficazes os direitos e garantias

fundamentais do ser humano”.

Logo, o princípio do duplo grau de jurisdição é um princípio fundamental

do processo civil erigido à categoria de garantias processuais constitucionais. Tal é o

recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF): “A garantia

constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV) insere-se no âmbito de

26 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SAFE, 1988. Título original: Access to justice: the worldwide movement to make rights effective. p. 165. 27 SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 52.

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proteção do princípio constitucional da ampla defesa, insculpido no mesmo

enunciado normativo da Carta Magna.”28

Historicamente, Rui Portanova29 evidencia o fato de que:

O duplo grau de jurisdição nasceu com indiscutível finalidade mantenedora de ideologia. Seu surgimento deu-se nos sistemas hierarquizados e rígidos de governo. Convinha à ordem política o conhecimento e eventual revisão das decisões dos níveis judicantes inferiores. Esse interesse foi uma constante outrora e é facilmente perceptível na Roma Antiga, onde povo e poder dividiam as funções jurisdicionais. Evoluiu no período de cristianização do direito, fundado na possibilidade do erro e como forma de controle disciplinar, portanto político e doutrinário.

Assim, pela dualidade de instâncias, possibilita-se o rejulgamento da

causa, submetendo-se o provimento preliminar (sentença) ao grau jurisdicional

hierarquicamente superior, a fim de ser proferido acórdão – e daí surtir seus jurídicos

e legais efeitos, mormente em caráter definitivo após o trânsito em julgado do

decisum, ainda que este ocorra nos tribunais superiores.

Lado certo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não

prevê expressamente tal princípio (duplo grau de jurisdição); porém, dá-lhe a

natureza garantístico-constitucional, eis que adota a pluralidade de graus de

jurisdição, mercê da existência de competência recursal dos tribunais pátrios (arts.

92, caput, 102, inc. II e III, e § 2º, 105, inc. II e III, 108, inc. II, e 125, § 1º).

Mas, implicitamente, verifica-se a existência do respectivo princípio do

duplo grau de jurisdição no art. 5º, § 2º, da aludida Constituição Cidadã (1988), in

verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Historicamente, no Brasil, respectivo princípio do duplo grau de jurisdição

esteve expressamente previsto apenas na Constituição do Império (1824), e

especificamente em seu art. 158: “Para julgar as Causas em segunda, e ultima

28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da 1ª Turma do STF. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento n. 845.223 – SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento em: 13 mar. 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1874164>. Acesso em: 10 abr. 2013. 29 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 264.

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instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessárias para

commodidade dos Povos.” (sic)

Aliás, na recente, famosa e inédita Ação Penal n. 470 / MG30, conhecida

popularmente como ação penal do mensalão, o ministro-relator do Supremo Tribunal

Federal, Ricardo Lewandowski, em seu voto, proferiu entendimento de que “o direito

ao duplo grau jurisdição tem assento constitucional”.

Ainda, Carolina Alves de Souza Lima31 destaca:

O Duplo Grau de Jurisdição é, no sistema jurídico brasileiro, uma garantia constitucional. Ele decorre do Princípio do Devido Processo Legal, do Princípio da Ampla Defesa e da própria organização constitucional dos tribunais brasileiros. A legislação infraconstitucional também trata do Princípio do Duplo Grau de jurisdição. Os Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, a Consolidação das Leis do Trabalho, as Leis Extravagantes e as leis que cuidam da organização judiciária preveem o referido princípio.

E, a título de registro, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos

(1969), da qual a República Federativa do Brasil é signatária (Decreto Federal n.

678/1992), estabelece:

Art. 8º – Garantias judiciais (...) 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. (...). (grifo nosso).

Por sua vez, Joaquim Henrique Gatto32 enaltece como razões favoráveis

ao duplo grau de jurisdição: maior experiência do órgão ad quem; desacerto do juízo

julgador e a limitação do erro; conveniência psicológica na resignação do vencido;

ampliação do exame da demanda; controle político sobre o órgão julgador; e

uniformização da jurisprudência. Por outro lado, as razões desfavoráveis ao duplo

grau de jurisdição: ofensa ao princípio da oralidade; ofensa ao direito à razoável

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão do Tribunal Pleno do STF. Ação penal n. 470 – MG. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento em: 17/12/2012. Disponível em: <ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf>. Acesso em: 17 out. 2013. 31 LIMA, Carolina Alves de Souza. O princípio constitucional do duplo grau de jurisdi ção. Barueri: Manole, 2004. p. 5. 32 GATTO, Joaquim Henrique. O duplo grau de jurisdição e a efetividade do proce sso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 11.

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duração do processo; necessidade de valorização do juízo de primeiro grau; e alto

percentual de manutenção das decisões.

Maria Fernanda Rossi Ticianelli33, acerca do duplo grau de jurisdição,

também põe em destaque que “a adoção irrestrita desse princípio tem contribuído

para a morosidade da justiça e afastado a efetividade da tutela jurisdicional”.

E por óbvio não resta dúvida de que realmente o duplo grau de jurisdição,

utilizado com intuito protelatório, como é o caso do obrigatório (art. 475 do Código de

Processo Civil) – pensa-se assim –, contribui sobremaneira para a morosidade

processual, e, por via de consequência, o é injusto sob tal paradigma.

De mais a mais, há o direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, CRFB/1988 – “a

lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) – princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional –, abalizado na previsão de recursos (p. ex.

a apelação, nos termos do art. 513 do CPC): “LV – aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º).

Afinal, insta-se estabelecer que o princípio (garantia) do duplo grau de

jurisdição insurge como mecanismo revisional da procedimentalidade, e, por

conseguinte, observa-se ser o mesmo indispensável à boa administração da Justiça,

exceto nos casos em que há flagrante privilégio processual (como é o caso do duplo

grau de jurisdição obrigatório).

1.4 O reexame compulsório do provimento jurisdicion al propriamente dito

1.4.1 Histórico

Historicamente, Alfredo Buzaid34 evidencia o real aparecimento da

apelação necessária, ou, polla Justiça (pré-afonsina) a El Rei, em lei datada de 12

33 TICIANELLI, Maria Fernanda Rossi. Princípio do duplo grau de jurisdição. Curitiba: Juruá, 2009. p. 204. 34 BUZAID, Alfredo. Das razões do aparecimento da apelação ex-officio e sua regulamentação nas ordenações afonsinas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_37/panteao.htm>. Acesso em: 12 mar. 2013.

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de março de 1355, relativa aos feitos das injúrias, conforme já mencionado no item

1.1 deste trabalho, a fim de evitar “nas mãos de uma judicatura menos imparcial, um

perigoso instrumento de perseguição a inocentes”.

Eis o texto da aludida Lei:

E pera os ditos Juizes saberem como devem atempar estas appelaceeens, segundo os lugares honde Nós formos e a nossa Corte, honde se devem a livrar, e as partes as seguirem aos tempos que lhes elles assinarem; mandamos, que elles enviem todallas appelaceeens dos feitos de que alguns appellarem, ou elles polla justiça, em que algum for acusado por morte de homem ou de molher, ou que per pertença a Fidalgos, aos nossos Ouvidores do Crime. (sic)

Frise-se então que, dentro da história do direito português, a apelação

necessária surgiu no denominado “período do direito comum” (1248-1769), durante

o reinado de D. Afonso IV (1325-1357), ocasião em que, nos dizeres de Walter

Vieira do Nascimento35, “se estabelece a distinção entre o processo civil e o

processo penal, adotando-se o critério da redução das peças a escrito e

organizando-se o sistema de recursos”.

É, pois, a apelação necessária, oriunda do direito processual penal

lusitano para corrigir o rigor do princípio dominante e os exageros introduzidos no

processo inquisitório (deve-se ao direito canônico a sua criação e sistematização, na

época do Papa Gregório IX, por intermédio de suas decretalis).

Alfredo Buzaid36 também alude o seguinte:

A competência judicial para proceder ex-officio podia turbar o ânimo do magistrado, influir em seu espírito e mesmo criar nêle um tal estado que predispusesse a orientação da prova em determinado sentido. Com a imensa soma de poderes de que estava investido o juiz, a faculdade de iniciativa, se por um lado era um bem, porque zelava pelos superiores interêsses da sociedade na repressão do crime, por outro lado podia ser, nas mãos de uma judicatura menos imparcial, um perigoso instrumento de perseguição a inocentes. Não era possível que essa quase onipotência judicial ficasse sem um freio, ou sem um contrôle exatamente na época em que os reis portuguêses começaram a fazer leis gerais destinadas a fixar os direitos e as obrigações dos seus povos. Foi aí então que repontou mais uma vez o gênio lusitano para corrigir o rigor do princípio dominante e os exageros introduzidos no processo inquisitório. Fê-lo criando a figura da apelação ex-officio. (sic)

35 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 188. 36 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1, p. 227-228.

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Logo, registre-se que referida apelação necessária para a Corte do Rei

evidenciava-se também às causas criminais públicas e privadas, subsistindo tal

figura nas Ordenações Afonsinas (livro V, título LIX), Manuelinas (livro V, título XLII)

e Filipinas (livro V, título CXXII, 11), apesar de que o direito reinol não a conheceu

como instituto do processo civil à época. Enaltece-se também o fato de que a ordem

jurídica portuguesa, que se encontrava nos forais, foi codificada nas aludidas

Ordenações Afonsinas (1500-1514), Manuelinas (1514-1603) e Filipinas (1603-1916)

– compilações de leis, atos e costumes –, e, teoricamente, eram aplicáveis no Brasil.

Já no âmbito legislativo brasileiro, pode-se estabelecer que o art. 90, de

Lei datada de 4 de outubro de 1831 – no Segundo Período do Império do Brasil, sob

a Regência Trina Permanente (07/04/1831 a 23/07/1840) –, concernente aos feitos

atinentes à Fazenda Nacional submetidos à apelação ex officio quando a sentença

fosse proferida contra o erário público, foi a primeira referência legislativa pátria no

ramo do direito processual (civil) sobre o instituto do reexame compulsório, nos

seguintes termos:

Fica extinto o actual Erario e o Conselho da Fazenda. As justificações n`este Tribunal serão feitas perante os juízes Territoriais, com audiência do Procurador fiscal; e as Sentenças, que nelle se proferirem a favor dos justificantes, serão sempre appelladas ex-officio para a Relação do Districto, sob pena de nulidade. (sic)

Ademais, frise-se que, nos termos dos Anais do Parlamento Brasileiro,

consoante assinala Jorge Tosta37:

Interessante observar que, durante as discussões do projeto da referida Lei, o deputado Gomes de Campos combateu-o vigorosamente, por entender que não era justo instituir um privilégio em favor da Fazenda e impor aos demais litigantes uma condição inferior. Clemente Ferreira, por outro lado, defendeu o projeto argumentando que “a melhor maneira de verificar a responsabilidade dos empregados que não são vitalícios é uma incansável e nunca interrompida vigilância das autoridades superiores sobre sua conducta e a sua admissão, logo que há suspeitas vehementes de que são prevaricadores. Mas nem por isso o corpo legislativo deve deixar de prevenir os abusos conhecidos, fazendo leis opportunas que fação cessar a sua causa: e é o que faz o artigo em discussão: está conhecido que os procuradores fiscaes prevaricão, deixando de appellar de sentenças injustas contra a fazenda nacional: o remédio é obrigar os juízes a appellar de offício e ficará cessando a occasião de um tal abuso”. (sic)

37 TOSTA, Jorge. Do reexame necessário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 108-109.

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Sequencialmente, a Lei n. 242, de 29 de novembro de 1841 – já no

Terceiro Período do Império do Brasil (23/07/1840 a 15/11/1889), no comando do

Imperador Dom Pedro II –, restabelecendo o privilégio do foro para as causas da

Fazenda Nacional, e criando o juízo privativo dos feitos da Fazenda da primeira

instância, estabeleceu em seu art. 13:

Serão appelladas ex-officio para as Relações do Districto todas as sentenças que forem proferidas contra a Fazenda Nacional em primeira instância, qualquer que seja a natureza dellas, e o valor excedente a cem mil réis, comprehendendo-se nesta disposição as justificações e habilitações de que trata o artigo 90 da Lei de 4 de outubro de 1831; não se entendendo contra a Fazenda Nacional as Sentenças que se proferirem em causas Particulares, e que os Procuradores da Fazenda Nacional sómente tenham assistido, porque destas só se appelará por parte da Fazenda, se os Procuradores della o julgarem preciso. (sic)

Assim, o reexame compulsório vigorou no Império brasileiro, e,

novamente nas palavras de Alfredo Buzaid38:

Parece-nos que a apelação ex-officio surgiu, pela primeira vez, como figura do processo civil, na Lei de 4 de outubro de 1831, art. 90, que a instituiu como recurso que o juiz deve interpor da sentença proferida contra a Fazenda Nacional. Uma vez introduzido no processo civil, o princípio se estendeu e se ampliou, tendo a doutrina sistematizado os vários casos em que era cabível, a saber: a) nas sentenças proferidas pelos juízes de defuntos e ausentes em favor de habilitantes e de credores, quando o valor da herança ou da dívida exceda de dois contos; b) nas proferidas contra a Fazenda Nacional, que excederem a alçada do juiz (Lei de 4 de outubro de 1831, art. 90 e Lei n. 242, de 29 de novembro de 1841, art. 13); c) nas proferidas em justificações, para tenças ou pensões, que passarem de pessoa a pessoa (Ord. n. 102 de 23 de abril de 1849); d) nas habilitações de herdeiros, sucessores e cessionários de credores do Estado, quando a estes forem favoráveis (Prov. de 8 de maio de 1838 e lei de 28 de novembro de 1841, art. 13); e) nas causas de liberdade, quando as decisões foram a ela contrárias (Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, art. 7º, par. 2 e Reg. n. 5.135, de 13 de novembro de 1872, art. 80, par. 2); f) nas causas de nulidade de casamentos de pessoas, que professam religião diferente da do Estado, quando as sentenças os anularem (Decreto n. 3.069, de 17 de abril de 1863, art. 12).

Já no período republicano, a segunda Constituição brasileira, datada de

24 de fevereiro de 1891, em seu art. 34, n. 23, previa que competia privativamente

ao Congresso Nacional “legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da

República e o processual da justiça federal” (grifo nosso).

38 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1, p. 236-239.

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Então, os Estados-Membros elaboraram os seus respectivos Códigos

Judiciários, e com previsão da então denominada appelação ex-officio. Nesse

contexto, citam-se: 1) Código de Processo Civil e Comercial do Distrito Federal

(Decreto Distrital n. 16.752, de 31 de dezembro de 1924 – arts. 1.116, 1.118 e

1.122); 2) Código de Processo de Minas Gerais {Lei Estadual n. 830, de 7 de

setembro de 1922 – arts. 1.455 [“A appellação é voluntária ou necessária: –

voluntária, a que parte ou o terceiro prejudicado interpõe; necessária a interposta

pelo juiz ex-offício, por força de determinação legal.” (sic)], 1.456 [“Tem lugar a

appellação necessária: a) da sentença que homologar o desquite por mútuo

consentimento; b) da sentença que julgar habilitados herdeiros em herança jacente

de valor superior a 2:000$000; c) da sentença proferida contra a Fazenda Estadual

ou Municipal; d) da decisão mandando pagar dívidas de valor superior a 2:000$000,

nas arrecadações de bens de herança jacente. § 1º – A appellação necessária

interpõe-se por simples declaração do juiz na própria sentença, e deve seguir para a

instância superior, independentemente de citação ou de qualquer outra formalidade,

si dentro do prazo legal, qualquer das partes não tiver também appellado. § 2º – É

lícito às partes acompanhar a appellação ex-officio, tendo para as razões o mesmo

prazo da appellação voluntária.” (sic)] e 1.467 [“Findo o prazo legal, não seguindo a

appellação, compete ao juiz da causa julgá-la deserta e não seguida, salvo si for

interposta ex-officio, cabendo, nesse caso, às partes reclamar do juiz ou tribunal ad

quem providências contra a demora do seguimento.” (sic)]}; 3) Código de Processo

Civil de São Paulo {Lei Estadual n. 2.421, de 14 de janeiro de 1930 – arts. 1.076

[“Nos casos em que a lei prescreve o recurso ex-officio, a sentença não é exequível

antes do julgamento definitivo na segunda instância. Paragrapho 1º – Si o juiz não

interpuzer o recurso na própria sentença, pode qualquer das partes requerer a

remessa dos autos à superior instância e, não sendo atendida, tirar carta

testemunhável. Paragrapho 2º – Em qualquer hypothese, é facultado às partes

acompanhar o recurso.” (sic)] e 1.089 [“Os recursos ex-officio não estão sujeitos a

deserção, incumbindo à parte interessada no julgamento promover a remessa dos

autos ou pagar o preparo.” (sic)]}; 4) códigos processuais da Bahia, do Ceará, do

Pará, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte, do Pernambuco, de Santa

Catarina etc.

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Por outro lado, a “independência” processual brasileira somente veio com

a Constituição de 16 de julho de 1934, em cujo art. 5º, item XIX, alínea “a”, rezava

que competia privativamente à União legislar sobre direito processual.

Então, na Constituição da então República dos Estados Unidos do Brasil

(1934), o recurso ex officio esteve previsto nos arts. 76, parágrafo único [“A Corte

Suprema compete: (...); 2) julgar: (...); III – em recurso extraordinário, as causas

decididas pelas Justiças locais em única ou última instância: (...); quando ocorrer

diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de

Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um deste

Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal; (...). Parágrafo único – Nos

casos do nº 2, III, letra d , o recurso poderá também ser interposto pelo Presidente

de qualquer dos Tribunais ou pelo Ministério Público.”], e 144, parágrafo único (“A

família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do

Estado. Parágrafo único – A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação

de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.”).

Não diferentemente ocorreu na CREUB/1937, a teor do art. 101,

parágrafo único, segundo o qual: “Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...); II –

julgar: (...); 2º) em recurso ordinário: (...); b) as decisões de última ou única instância

denegatórias de habeas corpus; (...). Parágrafo único – Nos casos do nº II, nº 2,

letra b, poderá o recurso também ser interposto pelo Presidente de qualquer dos

Tribunais ou pelo Ministério Público.”

Tangencialmente ao Código de Processo Civil de 1939, o seu art. 822, na

redação dada pelo Decreto-Lei Federal n. 4.565/1942, dispunha sobre a aludida

apelação necessária, à época, sob a natureza jurídica de recurso, in verbis:

A apelação necessária ou ex-officio será interposta pelo juiz mediante simples declaração na própria sentença. Parágrafo único. Haverá apelação necessária: I – das sentenças que declarem a nulidade do casamento; II – das que homologam o desquite amigável; III – das proferidas contra a União, o Estado ou o Município. (grifo nosso).

De tal dispositivo legal (art. 822 do CPC/1939), estabelecem-se duas

espécies de apelação: uma voluntária, e a outra necessária, esta interposta pela

autoridade judiciária no próprio corpo da sentença prolatada, por simples

declaração: Recorro de ofício. Subam-se os autos ao Egrégio Tribunal.

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Diga-se então que tais casos de apelação necessária eram expressos: a)

das sentenças que declarassem a nulidade de sentença; b) das sentenças que

homologassem o desquite (expressão alterada para separação, a teor da Lei

Ordinária Federal n. 6.515/1977) amigável; c) das sentenças proferidas contra a

União, o Estado, ou o Município. Também, outras leis, regulamentos, provisões,

enfatizavam tal aspecto, objetivando um interesse social ou de ordem superior,

consoante assevera João Bonumá39. Essa proposição embasava-se nas carências

daquela época, ligadas aos traços empíricos do processo reinol. E, ainda, teve-se o

agravo ex officio, instituído para as decisões terminativas.

Já sob a sistemática do atual CPC (Lei Ordinária Federal n. 5.869, de 11

de janeiro de 1973), a remessa necessária encontra-se prevista no art. 475 do

CPC/1973, especificamente, no título VIII (do procedimento ordinário), capítulo VIII

(da sentença e da coisa julgada), seção II (da coisa julgada40), ao contrário de sua

natureza jurídica de recurso nos moldes do CPC/1939.

E assim estabelecia o genuíno art. 475 do CPC de 1973:

Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – que anular o casamento; II – proferida contra a União, o Estado e o Município; III – que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avocá-los.

Noutro sentido, vale lembrar Hans Kelsen41, para quem: “a teoria da

construção escalonada da ordem jurídica apreende o Direito no seu movimento, no

processo, constantemente a renovar-se, da sua autocriação”.

Nesse contexto, atinentes então que o Direito está em constante

inovação, evolução e transformação, os autores do Anteprojeto de Lei n. 15, Athos

Gusmão Carneiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual (Movimento “A

Reforma da Reforma”), e Sálvio de Figueiredo Teixeira, então Diretor da Escola

Nacional de Magistratura, visando às alterações de dispositivos do Código de

39 BONUMÁ, João. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1946. v. 3, p. 15 e 36. 40 À luz do reexame compulsório do provimento jurisdicional (art. 475 do Código de Processo Civil), a coisa julgada ocorre tão somente quando haja confirmação da sentença proferida na instância inferior pelo grau tribunalício (ato complexo sui generis), esgotados os recursos voluntários das partes, e, consequentemente, instaure-se o “trânsito em julgado”. 41 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Título original: Reine rechtslehre. p. 309.

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Processo Civil, referentes a recursos e ao reexame necessário, quanto a estes

últimos, na exposição de motivos, argumentaram:

Art. 475. Não obstante objeções de ordem doutrinária, ainda se apresenta conveniente manter, no sistema processual brasileiro, o reexame necessário, também impropriamente nominado ‘recurso de ofício`, tendo em vista melhor preservar os interesses do erário, tutelando patrimônio que é, em última análise, de todos os cidadãos. Todavia, a bem da eficiência do processo, algumas alterações são alvitradas, a fim de: a) eliminar sua incidência nas ações anulatórias de casamento, pois nelas o reexame necessário não mais apresenta qualquer sentido, em sistema jurídico que passou a admitir o divórcio a vínculo; b) corrigir erro de técnica, substituindo a referência à ‘improcedência da execução` de dívida ativa da Fazenda, pela correta menção à ‘procedência dos embargos` opostos à execução da dívida ativa. Procedentes ou improcedentes são sempre os embargos do executado, não a execução propriamente dita, na qual o contraditório se apresenta mínimo; c) eliminar o reexame nas causas de valor não excedente a quarenta salários mínimos, nas quais eventual defesa do erário não compensa a demora e a redobrada atividade procedimental que o reexame necessariamente impõe, sobrecarregando os tribunais. Os descalabros contra o erário acontecem, isto sim, nas demandas de grande valor; d) também não se justifica o reexame quando a decisão impugnável estiver fundada em súmula ou jurisprudência firme do tribunal de destino ou de tribunal superior. Em tais casos, aliás, a própria Administração tem baixado instruções a seus procuradores dispensando a interposição de apelação, providência essa todavia inoperante se for mantido o reexame de ofício; e) permitir a execução provisória, pendente o reexame, salvo nos termos do proposto § 4º, naquelas hipóteses em que da execução possa resultar dano grave e de difícil reparação; neste caso, a requerimento da entidade de direito público, o juiz poderá atribuir ao reexame também o efeito suspensivo.42

Então, até às alterações do vigente Código de Processo Civil (1973),

referentes a recursos e ao reexame necessário (art. 475), pela Lei Ordinária Federal

n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, a matéria tramitou, no Congresso Nacional,

desde 22 de agosto de 2000, inicialmente na Câmara dos Deputados Federais, sob

a chancela de “Projeto de Lei n. 3.474/2000”, sendo cediço o seu nascedouro por

intermédio da Mensagem n. 1.110, de 18 de agosto de 2000, emitida pelo então

presidente da República Federativa do Brasil, Fernando Henrique Cardoso,

conforme consta na ata da 150ª sessão da aludida Casa Legislativa, datada de 21

de agosto de 2000. Registre-se regular manifestação também do Senado Federal.43

42 IBEJ – Cursos Jurídicos Ltda. Anteprojeto de lei (n. 15) - versão final. Disponível em: <http://www.ibej.com.br/destaques/antpjLeiCpc15.htm>. Acesso em: 30 set. 2001. 43 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 3.474/2000. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=19720>. Acesso em: 23 jul. 2013.

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Destarte, ensejou-se a sanção, a promulgação e a consequente

publicação no Diário Oficial da União, da Lei Ordinária Federal n. 10.35244, de 26 de

dezembro de 2001, que, em parte, alterou a redação do art. 475 da norma

processual civil pátria, passando-se a vigorar, in verbis:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). § 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

Enaltece-se também que o instituto do reexame compulsório do

provimento jurisdicional insere-se no ordenamento jurídico brasileiro em ramificações

distintas, ora com expressa aplicabilidade, ora com expressa exclusão: 1) Código de

Processo Penal (art. 574: “Os recursos serão voluntários, excetuando-se os

seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I – da sentença

que conceder habeas corpus; II – da que absolver desde logo o réu com fundamento

na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos

termos do art. 411.”); 2) Código de Processo Penal Militar {arts. 106 [“O juiz poderá

separar os processos: a) quando as infrações houverem sido praticadas em

situações de tempo e lugar diferentes; b) quando fôr excessivo o número de

acusados, para não lhes prolongar a prisão; c) quando ocorrer qualquer outro motivo

que êle próprio repute relevante. 1º Da decisão de auditor ou de Conselho de Justiça

44 “(...). 1. A incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório é imperiosa quando a resolução do processo cognitivo for anterior à reforma engendrada pela Lei 10.352/2001, porquanto, à época, não havia a imposição do mencionado valor de alçada a limitar o cabimento da remessa oficial. (...). 2. A adoção do princípio tempus regit actum, pelo art. 1.211 do CPC, impõe o respeito aos atos praticados sob o pálio da lei revogada, bem como aos efeitos desses atos, impossibilitando a retroação da lei nova. Sob esse enfoque, a lei em vigor à data da sentença regula os recursos cabíveis contra o ato decisório e, a fortiori, a sua submissão ao duplo grau obrigatório de jurisdição. (...).” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da Corte Especial do STJ. Recurso especial n. 1.144.079 – SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento em: 2 mar. 2011. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1144079&b=ACOR>. Acesso em: 13 maio 2013.)

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em qualquer dêsses casos, haverá recurso de ofício para o Superior Tribunal Militar.

2º O recurso a que se refere o parágrafo anterior subirá em traslado com as cópias

autênticas das peças necessárias, e não terá efeito suspensivo, prosseguindo-se a

ação penal em todos os seus têrmos.” (sic)], 654 (“Haverá recurso de ofício da

decisão que conceder a reabilitação.”) e 696 (“Haverá recurso de ofício: a) da

sentença que impuser pena restritiva da liberdade superior a oito anos; b) quando se

tratar de crime a que a lei comina pena de morte e a sentença fôr absolutória, ou

não aplicar a pena máxima.”)]; 3) Código Tributário Nacional [art. 145, inc. II: “O

lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em

virtude de: I – (...); II – recurso de ofício; (...).”]; 4) Decreto-Lei Federal n. 3.365/1941

(art. 28, § 1º, redação dada pela Lei Ordinária Federal n. 6.071/1974: “A sentença

que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida fica

sujeita ao duplo grau de jurisdição.”) – desapropriações por utilidade pública; 5) Lei

Ordinária Federal n. 818/1949 (art. 4º, § 3º: “Esta decisão estará sujeita ao duplo

grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.”)

– aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade, inclusive, a perda dos direitos

políticos; 6) Lei Ordinária Federal n. 2.664/1955 (art. 1º, § 2º: “Em se tratando de

ação em que pleiteiem direitos dos funcionários dos serviços administrativos das

Câmaras Legislativas ou dos Tribunais Federais, ou em que seja controvertida

qualquer matéria constitucional ou regimental, sempre que a sentença for

condenatória será de obrigatória apelação, de ofício, pelo prolator da sentença.”) –

ações judiciais decorrentes de atos das mesas das Câmaras do Congresso Nacional

e da presidência dos Tribunais Federais; 7) Lei Ordinária Federal n. 2.770/1956 (art.

3º: “As sentenças que julgarem a liquidação por arbitramento ou artigos nas

execuções de sentenças ilíquidas contra a União, o Estado ou Município, ficam

sujeitas ao duplo grau de jurisdição.”) – sentenças de liquidação por arbitramento ou

artigos nas execuções de sentenças ilíquidas; 8) Lei Ordinária Federal n. 4.348/1964

(art. 7º: “O recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessiva de

mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda

reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.”) – normas processuais relativas a

mandado de segurança; 9) Lei Ordinária Federal n. 4.717/1965 [art. 19, primeira

parte: “A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está

sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de

confirmada pelo tribunal; (...).”] – ação popular; 10) Decreto-Lei Federal n. 779/1969

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– normas processuais trabalhistas à União, aos Estados, Municípios, Distrito

Federal, e autarquias ou fundações de direito público que não explorem atividade

econômica45; 11) Lei Ordinária Federal n. 6.739/1979 (art. 3º, parágrafo único: “Da

decisão proferida, caberá apelação e, quando contrária ao requerente do

cancelamento, ficará sujeita ao duplo grau de jurisdição.”) – ação anulatória sobre

matrícula e registro de imóveis rurais; 12) Lei Ordinária Federal n. 6.830/1980 [art.

34, caput: “Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor

igual ou inferior a 50 (cinquenta) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, só se

admitirão embargos infringentes e de declaração.”] – dívida ativa da Fazenda

Pública; 13) Lei Ordinária Federal n. 7.853/1989 (art. 4º, § 1º: “A sentença que

concluir pela carência ou pela improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de

jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.”) –

sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação civil pública; 14) Lei

Ordinária Federal n. 8.076/1990 (art. 1º, parágrafo único: “Nos feitos referidos neste

artigo, a sentença concessiva da segurança, ou aquela que julgue procedente o

pedido, sempre estará sujeita ao duplo grau de jurisdição, somente produzindo

efeitos após confirmada pelo respectivo tribunal.”) – medidas liminares; 15) Lei

Ordinária Federal n. 8.437/1992 (art. 3º: “O recurso voluntário ou ‘ex officio’,

interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de

direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos

ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.”) – medidas cautelares; 16)

Lei Complementar Federal n. 76/1993 [art. 13, § 1º: “A sentença que condenar o

expropriante, em quantia superior a 50% (cinquenta por cento) sobre o valor

oferecido na inicial, fica sujeita a duplo grau de jurisdição.”] – procedimento

contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel

rural, por interesse social, para fins de reforma agrária; 17) Lei Ordinária Federal n.

9.469/1997 (art. 10: “Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos

arts. 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de Processo Civil.”) – autarquias

e fundações públicas; 18) Lei Ordinária Federal n. 10.259/2001 (art. 13: “Nas causas

de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.”) – juizado especial cível

federal; 19) Medida Provisória n. 2.180-35/2001 [art. 12: “Não estão sujeitas ao

45 O Tribunal Superior do Trabalho (TST) dispõe em seu Enunciado n. 303 que: “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988, decisão contrária à Fazenda Pública.”

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duplo grau de jurisdição obrigatório as sentenças proferidas contra a União, suas

autarquias e fundações públicas, quando a respeito da controvérsia o Advogado-

Geral da União ou outro órgão administrativo competente houver editado súmula ou

instrução normativa determinando a não-interposição de recurso voluntário.” (sic)];

20) Lei Ordinária Federal n. 10.522/2002 (art. 19, § 2º: “A sentença, ocorrendo a

hipótese do § 1º, não se subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.”); 21)

Lei Ordinária Federal n. 12.016/2009 (art. 14, § 1º: “Concedida a segurança, a

sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.”) – mandado

de segurança.

1.4.2 Legislação estrangeira

A herança comum, representada pelo Código Filipino, introduziu o recurso

ex officio na América hispânica, primordialmente em matéria penal, sob a

designação de “consulta”, diferentemente da consultatio do processo romano

quando se devolvia ao Imperador o poder de sentenciar definitivamente, e também

diversa da consulta aos doutos do direito alemão medieval (processum transmitere

ou actorum transmissio), pela qual os juízes, de ofício ou a requerimento das partes,

dirigiam-se às Faculdades de Direito das Universidades tedescas ou ao Colégio do

Escabinado, solicitando-lhes parecer.

Sendo assim, Juan Eduardo Carpio Parra46, estabelece que:

A função da consulta, (...), consiste em que o magistrado que profere sentença definitiva em determinados processos, deve submetê-la ao superior hierárquico para o contrôle, quanto ao fato e ao direito, independentemente de apelação que contra ela possam interpor as partes litigantes e ainda no caso em que dela não recorram. Pela consulta, portanto, o juiz necessàriamente sujeita sua decisão a uma instância superior, sem cujo pronunciamento o processo não termina, nem a sentença é susceptível de transitar em julgado. (sic)

46 PARRA, Juan Eduardo Carpio. Contribución al estudio de la consulta de las sente ncias en materia civil. [s.n.t.], p. 4. Apud BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1, p. 242.

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Na Argentina, atualmente, a figura da “consulta” encontra-se abrigada

pelos arts. 253 bis (“En el proceso de declaración de demencia, si la sentencia que

la decreta no fuera apelada se elevará en consulta. La cámara resolverá previa vista

al asesor de menores e incapaces y sin otra sustanciación.”) e 633 [“(...). En los

procesos de declaración de demencia, si la sentencia que la decreta no fuere

apelada se elevará en consulta. La cámara resolverá previa vista al asesor de

menores e incapaces, sin otra sustanciación.”] do Código Procesal Civil y Comercial

de la Nación Argentina47, apenas, como visto, contra a sentença de interdição,

inexistindo, então, no caso de sentença proferida contra a Fazenda Pública.

Já no Chile, a consulta está prevista no art. 751 (“Toda sentencia

definitiva pronunciada en primera instancia en juicios de hacienda y de que no se

apele, se elevará em consulta a la Corte de Apelaciones respectiva, previa

notificación de lãs partes, siempre que sea desfavorable al interés fiscal. Se

entenderá que lo es, tanto la que no acoja totalmente la demanda del Fisco o su

reconvención, como la que no deseche en todas sus partes la demanda deducida

contra el Fisco o la reconvención promovida por el demandado. Recibidos los autos,

el tribunal revisará la sentencia en cuenta para el solo efecto de ponderar si ésta se

encuentra ajustada a derecho. Si no mereciere reparos de esta índole, la aprobará

sin más trámites. De lo contrario, retendrá el conocimiento del negocio y, en su

resolución, deberá señalar los puntos que le merecen duda, ordenando traer los

autos en relación. La vista de la causa se hará em la misma sala y se limitará

estrictamente a lós puntos de derecho indicados en la resolución. Las consultas

serán distribuídas por el Presidente de la Corte, mediante sorteo, entre las salas en

que ésta este dividida.”) do Código de Procedimiento Civil48, relativamente às causas

fazendárias que sempre forem desfavoráveis ao interesse fiscal.

Também na Colômbia, o Código de Processo Civil49, em seu art. 386

(“Las sentencias de primera instancia adversas a la nación, los departamentos, las

intendencias, las comisarías, los distritos especiales y los municipios, deben

47 ARGENTINA. Código procesal civil y comercial de la nación arge ntina. Disponível em: <http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16547/texact.htm>. Acesso em: 1 jun. 2013. 48 CHILE. Código de procedimiento civil. Disponível em: <http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=22740&idParte=0#consulta0>. Acesso em: 1 jun. 2013. 49 COLÔMBIA. Código de procedimiento civil. Disponível em: <http://www.cancilleria.gov.co/sites/default/files/tramites_servicios/apostilla_legalizacion/Codigo%20de%20Procedimiento%20Civil.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2013.

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consultarse con el superior siempre que no sean apeladas por sus representantes o

apoderados. Con la misma salvedad deben consultarse las sentencias que decreten

la interdicción y las que fueren adversas a quien estuvo representado por curador ad

litem. Vencido el término de ejecutoria de la sentencia se remitirá el expediente al

superior, quien tramitará y decidirá la consulta en la misma forma que la apelación.”),

acolhe a “consulta” nas sentenças condenatórias da Fazenda Pública ou que

decretem a interdição, dentre outros casos.

Igualmente ocorre no Equador, mas apenas quando as sentenças forem

contrárias ao Estado, ex vi do art. 341 (“Si las partes renunciaran la apelación

durante el pleito, los jueces no concederán ningún recurso. El Estado, las

municipalidades y las demás entidades del Sector Público en ningún caso pueden

renunciar la apelación. Las sentencias judiciales adversas al Estado, a las

municipalidades y a las otras entidades del Sector Público se elevarán en consulta al

inmediato superior, aunque las partes no recurran. En la consulta se procederá como

en los casos de apelación y de tercera instancia y, respecto de ellas no se aplicarán

las disposiciones relativas a la deserción del recurso.”) do Código de Processo

Civil50.

No Peru, o instituto está previsto no art. 408 (“La consulta sólo procede

contra las siguientes resoluciones de primera instancia que no son apeladas: 1. La

que declara la interdicción y el nombramiento de tutor o curador; 2. La decisión final

recaída en proceso donde la parte perdedora estuvo representada por un curador

procesal; 3. Aquella en la que el Juez prefiere la norma constitucional a una legal

ordinaria; y 4. Las demás que la ley señala. También procede la consulta contra la

resolución de segunda instancia no recurrida en casación en la que se prefiere la

norma constitucional. En este caso es competente la Sala Constitucional y Social de

la Corte Suprema.”) do Código Procesal Civil51, apenas em matéria afeta a

interdicción.

E, no direito processual uruguaio, também existe a “consulta” (artículo 33,

numeral 4º52), mas estritamente na seara penal, in verbis: “La Corte de Justicia

50 EQUADOR. Código de procedimiento civil. Disponível em: <http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=22740&idParte=0#consulta0>. Acesso em: 1 jun. 2013. 51 PERU. Código procesal civil. Disponível em: <https://www.iberred.org/sites/default/files/codigo-procesal-civil-per.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2013. 52 URUGUAI. Código del proceso penal. Disponível em: <http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=15032&Anchor=>. Acesso em: 1 jun. 2013.

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conoce: (...). 4º) En consulta, y al solo efecto de la superintendencia correctiva, de

los autos de sobreseimiento y las sentencias no apeladas, que se dictaran en

procesos penales por delitos.”

Por sua vez, a norma jurídica venezuelana prescreve a consulta quando

for parte o Fisco Nacional, a teor do que dispõe o art. 9º53 da Ley Orgánica de la

Hacienda Nacional: “Se consultará con el Tribunal superior competente toda

sentencia definitiva dictada em juicio en que sea parte el Fisco Nacional, salvo

disposiciones especiales.”

Pelo visto, nos países da América do Sul, apenas Chile, Colômbia,

Equador e Venezuela preveem em seus códigos processuais civis a figura do

reexame compulsório, tal como ocorre aqui no Brasil (art. 475 do CPC).

Enfim, no continente europeu – por exemplo, na França, aplica-se o

sistema do contencioso administrativo, pelo qual são instituídos tribunais

administrativos com a incumbência específica de julgar os litígios entre os entes

administrativos, diversamente do que acontece no Brasil, a teor do sistema da

jurisdição única –, e também nos Estados Unidos da América, o instituto do reexame

compulsório não mereceu destaque na seara processualística civil; senão, vige em

alguns países do mundo especificamente no campo processual penal, por

fomentação inquisitória, conforme visto alhures.

1.4.3 Razão ontológica

Antes de se estabelecer a razão ontológica do duplo grau de jurisdição

obrigatório, torna-se mister evidenciar que, historicamente, o arcabouço de

disposições normativas que privilegiam os entes estatais no Brasil tem origem com o

modelo fascista do Código de Processo Civil de 1939, instaurado pela ditadura do

Estado-Novo de Getúlio Dornelles Vargas.

53 VENEZUELA. Ley organica de la hacienda publica nacional. Disponível em: <http://www.seniat.gob.ve/portal/page/portal/MANEJADOR_CONTENIDO_SENIAT/02NORMATIVA_LEGAL/2.7OTRAS_NORMAS/OTRAS_NORMAS_01_LEY_ORGANICA_HACIENDA_PUBLICA_NACIONAL.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2013.

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Na categoria de discrímen, vislumbram-se: as prerrogativas e os

privilégios. Prerrogativas são situações que almejam o teor de superioridade, em

virtude de um interesse maior: o público, eis que a sua lesão afeta integralmente o

corpo societário. Por outro lado, privilégios são disposições legais outorgadas a um

ente, em face de uma circunstância singular, corroborando em um benefício ou

punição, em detrimento do geral.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência nacionais têm considerado que,

face à existência da Fazenda Pública como parte processual, evidencia-se a

prerrogativa (pública) para atender situações diferenciadas dos caracteres

particulares, ensejando, pois, nessa linha, os privilégios.

Então, no ordenamento jurídico brasileiro, dentre outros, eis os privilégios

fazendários: a) concernente ao juízo privativo (arts. 106, 108 e 109, inc. I, da

CRFB/1988); b) tangencialmente aos honorários advocatícios sucumbenciais

diferenciados (art. 20, § 4º, do CPC); c) com relação a despesas pagas ao final pelo

vencido (art. 27 do CPC); d) na diferenciação de prazos para recorrer e contestar

(art. 188 do CPC); e) no duplo grau de jurisdição necessário (art. 475, inc. I e II, do

CPC); f) na dispensa de depósito prévio nas ações rescisórias (art. 488, parágrafo

único, do CPC); g) na dispensa de preparo de recursos (art. 511, § 1º, do CPC); h)

na competência exclusiva para processar e julgar a execução de dívida ativa da

Fazenda Pública (art. 578, parágrafo único, do CPC, c/c o art. 5º da Lei Ordinária

Federal n. 6.830/1980); i) na promoção de execução fiscal, mesmo que proposta

ação anulatória (art. 585, § 1º, do CPC); j) por regra, na impossibilidade de execução

provisória da sentença (art. 587 do CPC, c/c o art. 2º-B da Lei Ordinária Federal n.

9.494/1997); k) na dispensa de penhora para opor os embargos na execução por

quantia certa contra a Fazenda Pública (art. 730, caput, do CPC); l) no pagamento

de dívida na ordem cronológica de apresentação (ou nas preferências dos débitos

de natureza alimentícia, inclusive naqueles em que os credores tenham sessenta

anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de

doença grave, definidos na forma da lei) do precatório e à conta do crédito

respectivo (art. 730, inc. II, do CPC, c/c o art. 100, caput e §§ 1º e 2º, da

CRFB/1988); m) na concessão, pelo juiz, de arresto, independentemente de

justificação prévia (art. 816 do CPC); n) no não-deferimento de manutenção ou

reintegração liminar de posse sem prévia audiência dos respectivos representantes

judiciais (art. 928, parágrafo único, do CPC); o) na intimação, por via postal, dos

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representantes da Fazenda Pública, para que manifestem interesse na causa,

relativa à ação de usucapião de terras particulares (art. 943 do CPC); p) na

legitimidade concorrente para requerer o inventário, quando a Fazenda Pública tiver

interesse (art. 988, inc. IX, do CPC); q) na oitiva compulsória da Fazenda Pública

nos casos em que tiver interesse (art. 1.108 do CPC); r) na dispensa de arbitramento

do valor da responsabilidade nas hipotecas legais em favor da Fazenda Pública,

considerando-se esse valor o das cauções prestadas pelos responsáveis (art. 1.206,

§ 2º, inc. II, do CPC); s) na produção de provas independentemente de requerimento

na petição inicial (art. 6º, § 3º, da Lei Ordinária Federal n. 6.830/1980); t) na

substituição dos bens penhorados, independentemente da ordem enumerada para o

executado (arts. 11 e 15, inc. II, da Lei Ordinária Federal n. 6.830/1980); u) em

execução fiscal, quanto à intimação pessoal do representante judicial da Fazenda

Pública (art. 25, caput, da Lei Ordinária Federal n. 6.830/1980); v) no não cabimento

de honorários advocatícios sucumbenciais em sede de ação de mandado de

segurança (art. 25 da Lei Ordinária Federal n. 12.016/2009); w) na prescrição

quinquenal (art. 1º do Decreto Federal n. 20.910/1932).

Logo, torna-se claro que, ontologicamente, e prima facie, o duplo grau de

jurisdição obrigatório existe em razão (finalidade) da presença do Estado

(Administração Pública direta e parte da indireta), daí porque estabelece o vigente

art. 475, inc. I, do Código de Processo Civil (1973): “sentença: I – proferida contra a

União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e

fundações de direito público”.

Entretanto, não obstante a presença da Fazenda Pública na lide, para fins

desta tese, firma-se entendimento de que a razão é meramente a coletividade, isto

é, o interesse público primário – que deve ser defendido em prol da coletividade –,

adstrito, pois, ao Estado (lato sensu), razão pela qual o provimento jurisdicional de

piso é submetido ao rejulgamento pela instância superior, tão somente nos casos

arrolados no atual art. 475 do referido Código Adjetivo.

Jurisprudencialmente:

PROCESSUAL CIVIL – REMESSA OBRIGATÓRIA – NATUREZA JURÍDICA – EFEITOS – RECURSO VOLUNTÁRIO – AUSÊNCIA – PRESCINDIBILIDADE – EXIGÊNCIA DE EXAME IMPOSTA AO TRIBUNAL A QUO SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 1. Constitui a remessa obrigatória condição de eficácia da sentença. É uma manifestação remanescente do princípio inquisitório pelo qual se protege o

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interesse público, e, em ultima ratio, o interesse de todos os cidadãos. Por tal razão, ainda que inexistente o recurso voluntário interposto pela Fazenda Estadual deve o Tribunal revisor conceder a reanálise da sentença, sob pena de violar o duplo grau de jurisdição, princípio maior que transcende o entendimento de que na hipótese o órgão julgador estaria advogando os interesses do Estado na qualidade de parte no processo.54

É, pois, a coletividade o ser em evidência, aquela a quem o Estado-

Administração (lato sensu) – inclusive por intermédio do Ministério Público55 – deve

proteger, mormente o patrimônio e o erário público.

Acerca dos bens públicos, estabelece o Código Civil (2002):

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Interessante também é a distinção entre patrimônio público e erário

público, delineada por Marcos Pereira Anjo Coutinho56, o qual enfatiza:

Em rigor técnico, erário e patrimônio público não designam objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele, abrangendo-o. Entende-se por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público (rectius: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades da administração indireta e demais destinatários do dinheiro público previstos no art. 1º da Lei n. 8.429/1992). Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei n. 4.717/65 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público... (...). Abraça, desse modo, não apenas o conceito de erário, parcela economicamente sensível do patrimônio do Estado, indo além, para incluir

54 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Turma do STJ. Recurso especial n. 52.101 – ES. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgamento em: 15 ago. 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199400237006&dt_publicacao=11-09-2000&cod_tipo_documento=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 55 Vide itens 2.5 e 2.6.3 do segundo tópico desta tese doutoral. 56 COUTINHO, Marcos Pereira Anjo. Os 21 anos da lei da ação civil pública, o Ministér io Público e a súmula 329 do Superior Tribunal de Justiça: um futuro promissor? Disponível em: <https://aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/830/4.7.2%20Os%2021%20anos%20da%20Lei%20da%20ACP.pdf?sequence=1>. Acesso em: 11 jul. 2013.

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em seu bojo o conjunto de bens imateriais, entre eles a moralidade e a probidade, a serem mantidas e preservadas pelo Poder Público.

Pelo visto, o patrimônio público engloba o erário público, de tal modo que

corporifica tanto os bens imateriais quanto os materiais de determinado País,

respectivamente, os quais devem ser protegidos a bem do interesse coletivo.

Daí também a importância de se estabelecer a diferença entre interesse

coletivo (ou público primário) e interesse estatal (ou público secundário), consoante

enfatizado no item 1.1 deste trabalho.

Então, sob o viés do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do

Código de Processo Civil), a princípio, ou seja, sem analisar os valores da justiça e

da igualdade, importa-se o interesse público primário, a fim de salvaguardar a

coletividade como um todo.

1.4.3.1 Acesso à jurisdição e celeridade processual

A ontologia, parte da metafísica, trata não só da natureza e da existência

do ser, mas também da sua realidade, conduz, necessariamente, a outro tema de

grande relevância: o acesso à jurisdição.

Desde a CRFB/1988, à luz dos princípios da inafastabilidade do controle

jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV) e do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV),

catalogados no rol dos direitos fundamentais, a temática “acesso à justiça” (garantia

igualmente fundamental), mormente a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004,

passa a ser analisada sobre um viés do Estado de Direito Democrático, a fim de

possibilitar “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII).

Mauro Cappelletti57 e Bryant Garth enaltecem que:

A expressão “acesso à justiça” (...) serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos;

57 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SAFE, 1988. Título original: Access to justice: the worldwide movement to make rights effective. p. 8-21.

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segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (...). O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (...). A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. (...). A Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de “um prazo razoável” é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.

Ora, a sociedade contemporânea não mais aceita um Poder Judiciário

caótico sob o ponto de vista da concretização eficaz e tempestiva da resposta

jurisdicional, até porque, segundo orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de

Justiça (STJ): “O Magistrado deve velar pela rápida solução do litígio e buscar suprir

entraves que contribuem para a morosidade processual e inviabilizam a prestação

jurisdicional em prazo razoável.”58

Porém, é sabido que entraves burocráticos – e, prima facie, não por culpa

dos magistrados – no sistema legal possibilitam o arrastamento das lides por longos

anos, mormente naquelas em que a Fazenda Pública é parte, agravando-se, sem

sombra de dúvida, com a existência do reexame compulsório (art. 475 do Código de

Processo Civil), ao passo em que obsta o trânsito em julgado da decisão judicial de

primeira instância até confirmação pelo tribunal superior.

E, tangencialmente à sociologia da atividade judicial, pesquisas empíricas

realizadas na Alemanha (19--?), segundo Ana Lucia Sabadell59, “confirmaram que as

decisões judiciais são influenciadas por preconceitos dos integrantes da

magistratura, que favorecem sistematicamente os membros das classes superiores”.

É um jogo de poder, do império capitalista, que traz um descrédito ao

Poder Judiciário (como um todo), pois é a sociedade quem sustenta a estrutura

estatal (num modelo piramidal), até porque é ela quem paga arduamente os seus

tributos, e, de um modo geral, não vê a justiça (valor) ser realizada com efetividade.

58 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 3ª Seção do STJ. Mandado de segurança n. 9.526 – DF. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Julgamento em: 9 ago. 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2922726&sReg=200400123568&sData=20070312&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013. 59 SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 225.

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Não obstante, e para não ser injusto, há que se estabelecer a existência

de numerosa parcela de excelentes membros do Poder Judiciário, dentre outros

órgãos estatais, os quais atuam com responsabilidade e possibilitam a realização da

justiça igualitária.

Senão, é evidente que, e nas palavras de Cláudio Souto e Solange

Souto60:

se se torna claro que um juiz decide contra o sentimento de justiça ou dado de ciência, ou especialmente contra ambos, com toda probabilidade, ele será considerado socialmente um violador do padrão e sujeito a sofrer punição social: pelo menos retirada de atos cooperativos e de expressões amigáveis, perda de prestígio, ridículo.

Por suas vezes, Henrique Garbellini Carnio61 e Alvaro de Azevedo

Gonzaga destacam que:

Essa questão [o acesso à justiça] remonta a necessidade de estudarmos a relação entre o processo civil e a justiça social, bem como entre a igualdade jurídico-formal e a desigualdade socioeconômica. Precisamos compreender que a lei garante a igualdade, mas a desigualdade impera, o que denota uma clara contradição entre a lógica formal e a lógica do razoável que deve governar os magistrados. (grifo no original).

Entretanto, entende-se que não se pode admitir, especificamente no

contexto do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo

Civil), qualquer privilégio processual estatal, porquanto, quem deveria tê-lo –

enquanto existente o aludido instituto no ordenamento jurídico brasileiro – é a

coletividade (interesse público primário) e não o Estado-Administração (lato sensu)

quando esta em defesa meramente do interesse público secundário.

Porém, hodiernamente, na lei e na prática, há verdadeira inversão de

valor: o Estado-Administração, utilizando-se do Estado-Juiz, privilegia-se

processualmente (art. 475 do CPC), em detrimento da própria coletividade, a qual,

muitas das vezes, não se vê defendida como realmente deveria ser.

60 SOUTO, Cláudio; SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 3. ed. Porto Alegre: SAFE, 2003. p. 333. 61 CARNIO, Henrique Garbellini; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 181.

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Nesse contexto, interessante a frase de Eugen Ehrlich62: “Os juízes são

aqueles por meio de quem, privilegiadamente, os interesses antes protegidos

somente pelo direito vivo passam a sê-lo também pelo direito estatal.”

Destarte, o acesso à jurisdição, atualmente no Brasil, no que pertine ao

duplo grau de jurisdição obrigatório, acaba por ser um descompasso entre a justiça e

a igualdade63, a uma, em virtude do aludido privilégio processual do Estado-

Administração, a duas, porquanto possibilita uma morosidade processual com

patente sensação de impunidade experimentada pela sociedade como um todo,

especialmente os jurisdicionados privados.

1.4.4 Objeto, natureza jurídica, conceito e efeitos

Precedentes lógicos para se definir o que seja reexame compulsório

devem ser o seu objeto e a sua natureza jurídica.

Partindo então da redação do vigente art. 475, caput, do Código de

Processo Civil (1973), tem-se que: “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não

produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: (...).”

Prima facie, verifica-se, então, que o reexame compulsório tem como

objeto de análise as sentenças, tanto as definitivas (as que decidem total ou

parcialmente o meritum causae – art. 269 do Código de Processo Civil), quanto as

terminativas (aquelas que põem fim ao procedimento ou ao processo, não

resolvendo o mérito – art. 267 do Código de Processo Civil). Eis as redações dos

aludidos dispositivos legais:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: I – quando o juiz indeferir a petição inicial; II – quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

62 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernaine Gertz. Brasília: UnB, 1986. p. 309. Apud LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e transformação social: ensaio interdisciplinar das mudanças no direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. p. 162. 63 Sobre os valores da justiça e da igualdade, vide itens 2.2.2 e 2.2.3 do segundo tópico desta tese doutoral.

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VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; VII – pela convenção de arbitragem; VIII – quando o autor desistir da ação; IX – quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X – quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI – nos demais casos prescritos neste Código.

Art. 269. Extingue-se o processo com julgamento de mérito: I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido; III – quando as partes transigirem; IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Por assim dizer, Antônio Cláudio da Costa Machado64 aduz que:

Sentença proferida contra qualquer das pessoas jurídicas de direito público mencionadas é tanto o ato decisório de mérito que lhe seja desfavorável total ou parcialmente (procedência total ou parcial quando ré ou procedência parcial ou improcedência quando autora), como o ato de extinção do processo sem julgamento do mérito quando o Estado for o demandante.

Delimitado então o objeto do reexame compulsório, impõe-se estabelecer,

por via de consequência, a sua natureza jurídica.

Extirpado do capítulo atinente aos recursos (CPC/1939), o reexame

compulsório apresenta-se a partir do CPC/1973, no capítulo da coisa julgada,

conforme observado alhures.

Entretanto, o assunto da natureza jurídica do respectivo instituto

processual civil (duplo grau de jurisdição obrigatório) não é pacífico. A doutrina,

historicamente, manifesta-se de modo plúrimo, inclusive ensejando vertentes

antagônicas sobre a correspondente natureza jurídica do reexame compulsório.

Francisco de Paula Baptista65 designava os então recursos ex offício

como “impugnações oficiais”, visto como é confiado ao zelo dos juízes para bem

usarem delas.

Outro posicionamento, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda66, é o

de considerar o duplo grau de jurisdição obrigatório como impulso processual:

64 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 487-488. 65 BAPTISTA, Francisco de Paula. Compêndio de teoria e prática do processo civil com parado com o comercial e de hermenêutica jurídica. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1935. p. 179. 66 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil de 1939. [S.l.: s.n.], [19--]. t. 11. p. 146.

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A figura processual não é a da inserção do Estado, através do próprio juiz, na relação jurídica processual, e sim a de impulso processual. O juiz é recorrente, sem ser parte, sem ser litisconsorte ou terceiro prejudicado. A própria situação do recorrente é-lhe conferida como explicação do impulso, que se lhe confia; porque, rigorosamente, a apelação de ofício é apelação sem apelante. A conclusão poderia ser mecânica, feita pelo escrivão (art. 25). A lei entregou a missão ao próprio juiz.

Terceira posição, defendida por Sergio Bermudes67, considera o reexame

necessário como recurso:

Controvertida a natureza jurídica do instituto, vejo-o como um recurso, interposto pelo Estado, através do juiz, agente seu, para se prevenir contra a inércia dos seus representantes, em casos especiais, reputados pelo direito de transcendental relevância.

Quarta posição, na acepção de José Frederico Marques68, é a que

entende sê-lo – o reexame compulsório – um quase-recurso:

É ele, o recurso de ofício, antes, um quase recurso, pois o reexame, na jurisdição superior, se efetua ‘ex vi legis’. Há, aí, uma ordem de devolução imposta pela lei (...) e não remédio recursal: só se compreende este, quando o interessado declara sua inconformidade com a decisão e pede ao Juízo ‘ad quem’ a reforma total ou parcial da sentença que lhe trouxe gravame...

Também diz sê-lo um ato complexo. E realmente o é, porquanto há

manifestação (julgamento) dúplice de instâncias jurisdicionais. Ora, a decisão judicial

de primeiro grau, contrária ao Estado, constitui o primeiro dos momentos de um ato

judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer a manifestação do tribunal.

Já a sexta posição, aliás, majoritária, concebe o reexame compulsório

como condição de eficácia da sentença. É defendida por Ada Pellegrini Grinover,

Alcides de Mendonça Lima, José Carlos Barbosa Moreira, José Manoel de Arruda

Alvim Netto, Nelson Nery Junior, Rogério Lauria Tucci, dentre outros.

Aliás, nas palavras de Nelson Nery Junior69:

No reexame necessário, faltam-lhe a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, o interesse em recorrer, a legitimidade, a tempestividade e o preparo, que são características e pressupostos de admissibilidade dos

67 BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 176. 68 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro – São Paulo: Forense, 1961. p. 317. 69 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 58.

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recursos. Assim, todos os provimentos judiciais oriundos do juízo de primeira instância, não terão por si só qualquer efeito, senão depois de sua confirmação pelo órgão ad quem, momento pelo qual, gerará plena eficácia.

E tal já é, há tempos, o amplo entendimento jurisprudencial do Superior

Tribunal de Justiça (STJ), no que tange à natureza jurídica de condição de eficácia

da sentença em relação ao instituto do reexame compulsório (art. 475 do CPC).

Vejamos:

O duplo grau de jurisdição obrigatório, previsto no artigo 475 do Código de Processo Civil, é condição de eficácia para o trânsito em julgado da sentença, porém, descabido em sede de execução.70 Antes da análise da remessa oficial, a decisão não transitará em julgado, pois trata-se de condição de eficácia da sentença que, embora válida e existente, somente produzirá seus efeitos depois de confirmada pelo colegiado superior.71 Nos termos do art. 475 do Estatuto Processual, o reexame necessário constitui condição de eficácia da sentença nos casos em que é cabível, devendo o juiz ordenar a remessa dos autos ao Tribunal, quer tenha sido ou não interposta apelação da parte vencida.72 Configurado o reexame necessário como condição de eficácia da sentença, o momento adequado para verificar se esta já está apta a produzir seus efeitos ou se carece da implementação de alguma condição é justamente no momento de sua prolação.73

A remessa necessária, expressão do poder inquisitivo que ainda ecoa no ordenamento jurídico brasileiro, porque de recurso não se trata objetivamente, mas de condição de eficácia da sentença, como se dessume da Súmula 423 do STF e ficou claro a partir da alteração do art. 475 do CPC pela Lei 10.352/2001, é instituto que visa a proteger o interesse público.74

70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 6ª Turma do STJ. Recurso especial n. 242.566 – RS. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido. Julgamento em: 21 mar. 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199901157226&dt_publicacao=19-06-2000&cod_tipo_documento=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 71 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 5ª Turma do STJ. Recurso especial n. 254.170 – MG. Relator: Ministro Jorge Scartezzini. Julgamento em: 29 jun. 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=200000324850&dt_publicacao=04-09-2000&cod_tipo_documento=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 5ª Turma do STJ. Recurso especial n. 625.224 – SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Julgamento em: 29 nov. 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3521747&sReg=200400025190&sData=20071217&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013. 73 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 6ª Turma do STJ. Recurso especial n. 655.046 – SP. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Julgamento em: 14 mar. 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2305831&sReg=200400504390&sData=20060403&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013. 74 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Seção do STJ. Recurso especial n. 959.338 – SP. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento em: 29 fev. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=19844569&sReg=200701321078&sData=20120308&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Sétimo posicionamento entende ser o reexame necessário mera condição

suspensiva ex lege, realçada por Jorge Tosta75, para quem:

Inicialmente tratado como apelação ex officio, o reexame necessário sempre mereceu diversas críticas quanto à sua natureza como recurso. De fato, embora inserido no primeiro Código de Processo Civil de âmbito nacional (1939) no capítulo relativo aos recursos, suas características pouco o aproximavam dos demais meios de impugnação recursais. No atual Código de Processo Civil, o instituto foi deslocado para a seção relativa à coisa julgada, o que veio reforçar a tese de que o reexame necessário não tem natureza recursal. (...) se entendermos o reexame necessário como condição de eficácia da sentença, estaremos afirmando que ela, enquanto não submetida à apreciação do Tribunal, não tem aptidão para produzir efeitos. Tal consideração não pode, no entanto, ser compreendida de maneira absoluta, porque, como já dito, implicaria negar a possibilidade de execução provisória a toda e qualquer sentença sujeita ao reexame necessário. Isso é inaceitável, (...) pela própria sistemática do Código de Processo Civil, que admite a execução provisória mesmo em face da Fazenda Pública, nos casos previstos no art. 520, I a VII, do CPC. (...). Em outras palavras, o reexame necessário não impede a execução provisória da sentença nos casos em que a lei processual deu à própria sentença eficácia imediata tão logo publicada. O reexame, portanto, não passa de uma condição suspensiva ex lege que, repita-se, em nada difere da que também está sujeita a sentença contra a qual foi interposto recurso. (...). Torna-se claro, portanto, que o reexame necessário tem natureza jurídica de condição suspensiva ex lege. Essa suspensividade é entendida como um prolongamento da ineficácia natural da própria sentença em virtude de situações taxativamente previstas em lei. (grifos no original).

Entretanto, novel nomenclatura é a exarada nesta tese doutoral, segundo

a qual o reexame compulsório tem-se por natureza jurídica ser a condição de

reanálise compulsória de provimento jurisdicional. Segue-se, pois, o entendimento

firmado por Jorge Tosta, inclusive com síntese (mera condição suspensiva ex lege) à

tese genuína (recurso) e antítese à posição majoritária (condição de eficácia da

sentença).

Aliás, fixa-se a natureza jurídica do reexame compulsório pelo seu

provimento jurisdicional, posto ser ato jurídico de demarcação decisória pela

ocupação judicacional da estrutura procedimental, praticada pelo magistrado, no

tempo e segundo as disposições normativas vigentes dentro do ordenamento

jurídico.

75 TOSTA, Jorge. Do reexame necessário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 151, 166, 167 e 169.

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Ex positis, conceitua-se o duplo grau de jurisdição obrigatório como

sendo a condição de rejulgamento compulsório do provimento jurisdicional

prolatado em primeira instância pela superior, visa ndo à produção de seus

jurídicos e legais efeitos em caráter definitivo, t ão logo ocorra o trânsito em

julgado do decisum . (grifo nosso).

Por fim, tangencialmente aos efeitos do reexame compulsório,

consideram-se: a) obstativo (obsta ao trânsito em julgado da sentença, atinente aos

casos previstos no art. 475 do Código de Processo Civil); b) liberativo (sistema da

pluralidade de graus de jurisdição); c) translativo-proibitivo (transfere-se ao tribunal a

competência para rejulgar os pedidos insertos pelas partes, consubstanciados na

sentença, e, por via de consequência, proíbe-se a reformatio in pejus da Fazenda

Pública, à luz da Súmula n. 45 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual

estabelece: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação

imposta à Fazenda Pública.”); d) suspensivo (suspende-se a eficácia da sentença,

de modo a impedir a formação da coisa julgada, obstruindo-se, por regra, a

execução provisória); e) substitutivo (ante a substituição da decisão de primeiro grau

pelo acórdão). Por tais casos, entende-se não ser aplicável o efeito devolutivo,

porquanto, se assim o fosse, o órgão ad quem somente poderia apreciar matéria que

tivesse efetivamente sido impugnada pelo recorrente. Destarte, não havendo recurso

voluntário da parte vencida, o que há é apenas a aplicação do efeito translativo,

consoante item “c” supramencionado. Também, há que se entender pela não

aplicação do efeito suspensivo em sede de reexame compulsório, apenas se o ato

judicial de instância de piso for oriundo de decisão que condena à prestação de

alimentos, rejeita liminarmente os embargos à execução ou julga-os improcedentes,

confirma a antecipação dos efeitos da tutela, tal como ocorre no recurso de apelação

(art. 520, inc. II, V e VII, do CPC). Em tais casos, vislumbra-se a execução

provisória, i. é, a título precário, inclusive quando possa causar dano grave e de

difícil reparação, exigindo-se, para tanto, seja seguro o juízo, exceto quanto ao

previsto no art. 475-O, § 2º, do CPC: “A caução a que se refere o inciso III do caput

deste artigo poderá ser dispensada: I – quando, nos casos de crédito de natureza

alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do

salário-mínimo, o exequente demonstrar situação de necessidade; II – nos casos de

execução provisória em que penda agravo perante o Supremo Tribunal Federal ou o

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Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa

manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.”

1.4.5 Comentários ao artigo 475 do Código de Processo Civil

Na redação dada pela Lei Ordinária Federal n. 10.352, de 26.12.2001,

estabelece o vigente art. 475 do Código de Processo Civil (1973):

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). § 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

Logo, pela redação do dispositivo legal anteriormente destacada, vê-se,

inicialmente, que o caput do art. 475 do Código de Processo Civil dispõe que: “Está

sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de

confirmada pelo tribunal, a sentença: (...)”.

Então, o reexame compulsório é interposto, via de regra, no próprio

provimento, ou seja, no ato resolutivo jurisdicional que encerra o procedimento

(processo). Nada obsta, porém, a que seja posteriormente.

Jurisprudencialmente: “Sentença – Fazenda Estadual vencida – Reexame

necessário considerado interposto – Artigo 475, II, do Código de Processo Civil.”76

76 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão da 4ª Câmara de férias julho/1996 de direito público do TJSP. Apelação cível n. 10.567-5 – São Caetano do Sul. Relator: Desembargador Eduardo Braga. Julgamento em: 15 ago. 1996. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Trata-se, pois, tão somente de sentença e não de decisão interlocutória,

tampouco de mero despacho.

Também, idêntico entendimento jurisprudencial a respeito:

Exceção de incompetência. Recurso de ofício. Incabibilidade. A sentença que julga exceção de incompetência – e que, na verdade, é decisão interlocutória, porque não extingue o processo – não está sujeita à remessa necessária de que trata o art. 475 do Código de Processo Civil, sendo indevido o seu encaminhamento ao juízo ad quem sem que interposto recurso pelo excipiente.77

Nesse sentido, verifica-se que a sentença monocrática se sujeita,

obrigatoriamente, ao duplo grau de jurisdição, uma vez que, nos termos da lei (art.

475 do CPC), condiciona seus efeitos à apreciação tribunalícia, com devolução do

conhecimento de toda a matéria, configurando, destarte, um “ato complexo sui

generis”.

Eis a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. DEVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO DE TODA A MATÉRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. 1. A remessa necessária (CPC, art. 475, I) devolve ao tribunal a apreciação de toda a matéria discutida na demanda que tenha contribuído para a sucumbência da Fazenda Pública. É procedimento obrigatório não sujeito ao princípio do tantum devolutum quantum appelatum. (...).78

De qualquer modo, o provimento de primeira instância não transita em

julgado, enquanto não houver decisão da instância superior.

Eis a razão da súmula n. 423 do Supremo Tribunal Federal (STF): “Não

transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ‘ex officio’, que se

considera interposto ‘ex lege’.”

E assim é a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP):

Recurso – Reexame necessário – Obrigatoriedade – Sentença desfavorável ao Município – Aplicação do artigo 475, inciso II do Código de Processo Civil

77 MARANHÃO. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Acórdão da 2ª Câmara Cível do TJMA. Exceção de incompetência n. 0174261994. Relator: Desembargador José Antonio de Almeida e Silva. Julgamento em: 29 nov. 1994. Disponível em: <http://jurisconsult.tjma.jus.br/>. Acesso em: 22 maio 2013. 78 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Turma do STJ. Recurso especial n. 397.154 – PB. Relator: Ministro Teori Albino Zavascki. Julgamento em: 4 maio 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1232672&sReg=200101928426&sData=20040524&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 13 maio 2013.

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– Decisão que não produz seus efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal de Justiça – Recurso provido parcialmente para esse fim. Não é exequível a sentença, antes do reexame necessário. A qualquer momento, qualquer das partes, poderá pleitear ao Juiz de Direito a remessa dos autos à instância superior. E mesmo, na ausência de qualquer postulação das partes, poderá o digno magistrado determinar o reexame necessário.79

Sendo assim, entende-se que os efeitos, em caráter definitivo, são

inerentes ao acórdão e não à sentença em si, pois, em obediência ao “princípio da

substituição do órgão inferior pelo superior” (art. 512 do Código de Processo Civil –

“O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no

que tiver sido objeto de recurso.”), confirmar a sentença nada mais é do que decidir

novamente, não havendo, no caso, outorga de eficácia. Ademais, ratifica-se a

posição de que o reexame compulsório não se trata de recurso, mas de mera

condição de reanálise compulsória de provimento jurisdicional.

Em havendo decisão tribunalícia divergente, torna-se possível a

interposição do recurso de embargos infringentes: “Embargos infringentes. Remessa

necessária. Cabem os embargos, quando não for unânime o julgado proferido em

reexame necessário, ainda que não interposta a apelação voluntária. Recurso

Extraordinário conhecido e provido.”80

Adiante, atinente à reformatio in pejus em desfavor da Fazenda Pública,

seguem-se orientações doutrinárias e jurisprudenciais majoritárias, admitindo-a,

especificamente na existência de recurso voluntário da(s) parte(s). Tem-se a visão

da emanação do efeito translativo-proibitivo. Não seria de todo justo e salutar lograr

êxito a pretensão da parte vencida, eis que esta fora omissiva no ataque à sentença

que lhe foi contrária. Se assim o fosse, em virtude de reexame compulsório, por

nova análise, possibilitaria tal feição sem a interposição de recurso voluntário. Ora,

somente o recurso é mecanismo legal, útil e adequado para ensejar a reforma,

invalidação, esclarecimento ou integração de ato judicial decisório, a quem dele

manejar.

79 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão do TJSP. Apelação cível n. 207.984-2 – Pitangueiras. Relator: Desembargador Mohamed Amaro. Julgamento em: 5 fev. 1993. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da 1ª Turma do STF. Recurso extraordinário n. 93.546 – RJ. Relator: Ministro Xavier de Albuquerque. Julgamento em: 16 dez. 1980. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Jurisprudencialmente, acerca da reformatio in pejus:

PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. “REFORMATIO IN PEJUS”. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO RETIDO. NECESSIDADE DE REITERAÇÃO NAS CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO. 1. Em sede de reexame necessário, não pode o Tribunal majorar a verba honorária arbitrada na sentença de primeiro grau para agravar a situação da Fazenda Pública. Aplicação da Súmula n. 45 do STJ.81

Válido, em termos, é o impedimento de execução provisória, face ao

efeito suspensivo [art. 587, segunda parte, do CPC: “A execução (...); é provisória,

quando a sentença for impugnada mediante recurso82, recebido só no efeito

devolutivo.”], embora deva que se considerar hábil respectiva execução provisória

em desfavor do Estado (lato sensu), estritamente se patente a ausência de dano

grave e de difícil reparação (ex. questões alimentares), como também, na

impossibilidade de efeito suspensivo.

Nesse contexto, é o seguinte entendimento tribunalício:

Agravo de Instrumento – Processo Civil – Execução contra a Fazenda Pública – Improcedência dos embargos do devedor - Aplicação do duplo grau de jurisdição – Impossibilidade de execução provisória – Agravo provido – Inteligência do art. 475, II, do CPC.83

Duplo grau de jurisdição. Embargos à execução de título judicial. Desnecessidade de trânsito em julgado para execução provisória. Pendente agravo contra inadmissão de Recurso Extraordinário. Correção monetária e juros compensatórios calculados corretamente. Juros moratórios devidos a partir do trânsito em julgado da sentença. Manutenção da sentença, em reexame necessário.84

81 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Turma do STJ. Recurso especial n. 264.264 – BA. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Julgamento em: 10 fev. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1126469&sReg=200000620270&sData=20040315&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013. 82 Adverte-se pelo entendimento de que o reexame compulsório não se trata de recurso, mas, por extensão analógica, pode-se estabelecer tal paralelo. 83 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão da 7ª Câmara de direito público do TJSP. Agravo de instrumento n. 84.464-5. Relator: Desembargador Jovino Sylos. Julgamento em: 10 fev. 1999. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 84 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão da 1ª Câmara Cível do TJRJ. Duplo grau obrigatório de jurisdição n. 2002.009.00191-1. Relator: Desembargador Paulo Sergio Fabiao. Julgamento em: 26 nov. 2002. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/jurisprudencial>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Enfim, vale mencionar também que o reexame compulsório não está

sujeito a preparo, tanto em primeira quanto em segunda instâncias, uma vez que,

por ordem legal, implica-se o duplo grau de jurisdição obrigatório, ensejando, assim,

a satisfação da tutela jurisdicional pelo Estado. Porém, justifica-se o preparo se

houver a interposição de recurso voluntário pela parte insatisfeita (recorrente),

exceto se concedida a justiça gratuita.

Adiante, o inc. I, do art. 475, do Código de Processo Civil, estabelece uma

das formas de sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, qual seja:

“proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas

autarquias e fundações de direito público”. Nesse contexto é a posição

jurisprudencial: “(...). SENTENÇA DESFAVORÁVEL À FAZENDA PÚBLICA.

REMESSA NECESSÁRIA. CABIMENTO.”85

Ademais, Teresa Arruda Alvim Wambier86 e Luiz Rodrigues Wambier

destacam que na expressão “proferida contra” não se acha contida a extinção do

processo “sem” o julgamento do mérito.

Por assim dizer, a jurisprudência põe-se: “Recurso Oficial – Não

conhecimento – Mandado de segurança – Não se sujeita à remessa necessária a

sentença que declara extinto o processo sem julgamento de mérito.”87

Entretanto, em sentido contrário, firma-se nesta tese doutoral o

entendimento de que, por exceção, a sentença terminativa também estará sujeita ao

duplo grau de jurisdição obrigatório, eis que o termo “proferida contra” não deve ser

entendido apenas quando proferida sentença definitiva (que é a regra), a não ser

que estejam presentes as exclusões legais previstas nos §§ 2º e 3º do art. 475 do

Código de Processo Civil.

Aliás, nesse sentido, Fredie Didier Jr.88 corrobora:

85 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Turma do STJ. Recurso especial n. 521.714 – AL. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento em: 2 mar. 2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=521714&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 22 maio 2013. 86 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à 2ª fase da reforma do código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75. 87 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão da 4ª Câmara Cível do TJSP. Apelação n. 266.564-1 – Avaré. Relator: Desembargador Orlando Pistoresi. Julgamento em: 5 out. 1995. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>. Acesso em: 22 maio 2013. 88 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 3, p. 485 e 494.

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Jorge Tosta alude à situação de a sentença terminativa proferida contra o Poder Público conter condenação ao pagamento de verba honorária. Nesse caso, entende ele que é cabível o reexame, se o valor da verba honorária for superior a 60 (sessenta) salários-mínimos. Parece razoável esse entendimento. O Superior Tribunal de Justiça corrobora esse entendimento, tendo, aliás, editado o enunciado n. 325 da Súmula de sua Jurisprudência Predominante, cujo teor tem a seguinte redação: “A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado”. Significa, então, que há reexame necessário no tocante a qualquer condenação imposta contra a Fazenda Pública, ainda que se restrinja aos honorários de sucumbência. Cumpre, todavia, consignar que somente há reexame necessário, mesmo no caso a que se refere o referido enunciado sumular, se o valor da condenação for superior a 60 (sessenta) salários mínimos. Assim, se a Fazenda Pública for condenada ao pagamento de honorários no valor de até 60 (sessenta) salários mínimos, não haverá reexame necessário. (...) é preciso investigar em quais casos há remessa necessária de sentenças terminativas. Isso porque o § 3º do art. 515 do CPC pressupõe ter havido sentença em que não se examinou o mérito da causa. Já se viu que sentenças terminativas contra o Poder Público não se sujeitam ao reexame necessário. Mas não se pode ignorar que a sentença terminativa em ação popular (art. 19 da Lei 4.717/1965) e em ação civil pública que serve de instrumento de proteção de direitos de pessoas portadoras de deficiência (art. 4º, § 1º, Lei n. 7.853/1989) submete-se ao reexame necessário. (grifos no original).

Condizente à sentença homologatória de acordo (judicial ou extrajudicial),

levada à apreciação do art. 269, inc. III, do CPC, firma-se posição pela subsistência

do reexame compulsório, desde que não caracterizados os dispostos nos

anteriormente citados §§ 2º e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil.

Jurisprudencialmente:

4. A insurgência especial está embasada na alegada ofensa ao disposto nos artigos 475, I, e 269, III, ambos do CPC, asseverando o recorrente que a sentença homologatória extinguiu o processo com julgamento de mérito, inexistindo qualquer nulidade, na medida em que teve anuência do Ministério Público. Acrescenta que a sentença exarada não contraria os interesses do Município, e, por tal razão, não se sujeita ao reexame necessário. 5. Na hipótese dos autos, o Município, com a realização do acordo, admitiu como devidos valores que sequer foram apurados judicialmente, e ainda terá que desembolsar mais uma quantia de R$ 15.000,00 a serem pagos ao ora recorrente em prestações de R$ 1.000,00. Em sendo assim, revela-se notoriamente desfavorável ao ente público a decisão homologatória da transação formulada entre as partes, que ostenta a natureza de sentença de mérito, dando ensejo a sua submissão ao duplo grau de jurisdição, segundo a regra do artigo 475, inciso I, do CPC.89

89 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Turma do STJ. Recurso especial n. 1.198.424 – PR. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgamento em: 12 abr. 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=21581967&sReg=201001084822&sData=20120418&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 23 jul. 2013.

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No que tange aos entes estatais que invocam a aplicação do art. 475 do

Código de Processo Civil, são eles: a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal

e os Municípios, conquanto, por força também do art. 10 da Lei Ordinária Federal n.

9.469/1997, em relação às respectivas autarquias e fundações públicas de direito

público, além do consórcio público na modalidade de associação pública, conforme

dispõe o art. 6º, inc. I, da Lei Ordinária Federal n. 11.107/2005. Por assim dizer,

registre-se que as sociedades de economia mista e as empresas públicas não estão

submetidas a tal instituto, posto que ambas são pessoas jurídicas de direito privado.

E tal é a posição tribunalícia:

Ação Reivindicatória - Prova de propriedade - Ilegitimidade passiva ad causam - Art. 475, II, CPC. 1- Tratando-se de empresa pública e não autarquia ou fundação pública, não se aplica o disposto no artigo 475, Inciso II, do Código de Processo Civil. 2 - Não se desincumbindo a parte do ônus da prova, inadmissível o reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam.90

Sequencialmente, estatui o inc. II do art. 475 do CPC outra forma de

sentença sujeita ao reexame compulsório: “que julgar procedentes, no todo ou em

parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI)”.

Considera-se então a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO REJEITADOS. REEXAME NECESSÁRIO. INAPLICABILIDADE. 1. O CPC, art. 475, ao tratar do reexame obrigatório em favor da Fazenda Pública, incluídas as Autarquias e Fundações Públicas, no tocante ao processo de execução, limitou o seu cabimento apenas à hipótese de procedência dos embargos opostos em execução de dívida ativa (inciso II). Não há, pois, que estendê-lo aos demais casos. 2. Precedentes (REsp 241959, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 18.08.2003). 3. Embargos de divergência não conhecidos.91

90 DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão da 5ª Turma Cível do TJDFT. Apelação n. 1999.01.103522-69. Relatora: Desembargadora Haydevalda Sampaio. Julgamento em: 9 dez. 2002. Disponível em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao>. Acesso em: 22 maio 2013. 91 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da Corte Especial do STJ. Embargos de divergência em recurso especial n. 251.841 – SP. Relator: Ministro Edson Vidigal. Julgamento em: 25 mar. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=927686&sReg=200000881465&sData=20040503&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Dita também o art. 475 do Código de Processo Civil, em seu § 1º, que o

magistrado, sponte propria, remeta os autos ao tribunal competente,

independentemente de apelação espontânea pela(s) parte(s), sob pena de avocação

pelo presidente do tribunal, em mero ato administrativo.

Já o § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil evidencia que

não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido [trata-se de pretensões meramente declaratórias ou constitutivas], for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

Aplica-se, pois, no caso supramencionado, a extensão da sucumbência

da Fazenda Pública, seja ela parte autora ou demandada.

Jurisprudencialmente:

I – O desate da controvérsia envolve a compreensão da expressão “valor certo” que consta do parágrafo 2º do artigo 475 da Lei Processual vigente. II – A alteração dada pela Lei 10.352/01 ao artigo 475, § 2º do Código de Processo Civil tem aplicação imediata. III – Neste contexto, impõe-se considerar o espírito do legislador que, com a intenção de agilizar a prestação jurisdicional, implementou diversas alterações recentes no Código de Processo Civil, como a do caso vertente com relação ao parágrafo 2º do artigo 475 do Estatuto Processual. Desta forma, não é razoável obrigar-se à parte vencedora aguardar a confirmação pelo Tribunal de sentença condenatória cujo valor não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos. IV – Em sendo assim, a melhor interpretação à expressão “valor certo” é de que o valor limite a ser considerado seja o correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos na data da prolação da sentença, porque o reexame necessário é uma condição de eficácia desta. Assim, será na data da prolação da sentença a ocasião adequada para aferir-se a necessidade de reexame necessário ou não de acordo com o “quantum” apurado no momento. V – Neste sentido, quanto ao “valor certo”, deve-se considerar os seguintes critérios e hipóteses orientadores: a) havendo sentença condenatória líquida: valor a que foi condenado o Poder Público, constante da sentença; b) não havendo sentença condenatória (quando a lei utiliza a terminologia direito controvertido – sem natureza condenatória) ou sendo esta ilíquida: valor da causa atualizado até a data da sentença, que é o momento em que deverá se verificar a incidência ou não da hipótese legal.92 (grifos no original).

Duplo grau obrigatório de jurisdição. Não conhecimento. Causa de valor certo. 1. Não está sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença que

92 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 5ª Turma do STJ. Recurso especial n. 576.698 – RS. Relator: Ministro Gilson Dipp. Julgamento em: 8 jun. 2004. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1088947&sReg=200301494002&sData=20040701&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 19 jul. 2013.

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condenar o valor certo não excedente a sessenta salários mínimos. 2. Aplicação do § 2º, do art. 475 do Código de Processo Civil. Não conhecimento do recurso obrigatório.93

Afinal, o art. 475 do CPC, em seu § 3º, determina que “também não se

aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência

do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal

superior competente”. No que tange à jurisprudência do plenário do Supremo

Tribunal Federal, trata-se da dominante, ou seja, corrente majoritária, de tal modo

que possa não ser uníssona. Quanto às súmulas, estas devem representar as

orientações pacíficas dos tribunais em tela (Supremo Tribunal Federal e Superior

Tribunal de Justiça), mesmo que não unânimes, acerca dos casos julgados.

Ante ao exposto, vale enfatizar Cândido Rangel Dinamarco94:

Para a incidência desse parágrafo: a) a jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal não precisa necessariamente estar expressa em súmula (e, muito menos, em súmula vinculante, (...); b) havendo súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, não importa se ela vem de julgados de seu plenário ou das turmas; c) a jurisprudência do tribunal competente para julgar apelações ou agravos (Tribunais de Justiça, de Alçada, Regionais Federais) na causa não é relevante para o fim de excluir a devolução oficial, ainda quando se tratar de jurisprudência do próprio tribunal concretamente competente, no caso, para julgar os recursos da causa. O § 3º do art. 475 está coerente com a escalada de valorização da jurisprudência a que assiste a ordem jurídico-processual brasileira a partir de quando, em 1963, o Supremo Tribunal Federal implementou seu sistema de súmulas; a lei n. 9.756, de 17 de dezembro de 1998 é um marco muito significativo dessa tendência, ao dar destacada relevância aos precedentes judiciários como motivo para decidir e, simultaneamente, valorizar também o poder do relator nos recursos.

Enfim, a jurisprudência tem afirmado o entendimento de que:

Processual. Reexame necessário. Condenação. Art. 475, § 3º, do CPC. Redação da lei n. 10.352/2001. A sentença não está sujeita a reexame necessário quando “estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.95

93 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão da 8ª Câmara Cível do TJRJ. Duplo grau obrigatório n. 2003.009.00600-8. Relatora: Desembargadora Letícia Sardas. Julgamento em: 3 nov. 2003. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/jurisprudencial>. Acesso em: 22 maio 2013. 94 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 132-133. 95 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Acórdão da 1ª Turma do TRF-4. Remessa ex officio em ação cível n. 2003.72.08.001773-0 – SC. Relator: Desembargador Antonio Albino Ramos de Oliveira. Publicação DJU em: 4 fev. 2004, p. 333. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo=1>. Acesso em: 22 maio 2013.

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Agravo (artigo 557, § 1º do CPC) contra decisão que negou seguimento ao apelo do Estado. Gratificação por mérito pessoal de bravura. O relator pode negar seguimento, por meio de decisão monocrática, a recurso improcedente, bem como à remessa necessária, desde que a sentença esteja em consonância com a jurisprudência do Tribunal de segundo grau ou dos Tribunais Superiores, como in casu. Súmula 253 STJ. Agravo desprovido.96

1.4.6 Novas propostas redacionais a partir da Lei Ordinária Federal n. 10.352/2001 e

o projeto de lei do novo Código de Processo Civil

Na reforma constitucional do Poder Judiciário (2003), desempenhada pela

Secretaria de Reforma do Judiciário, órgão do Ministério da Justiça, especificamente

no tema central “eficiência e celeridade no Poder Judiciário”, coordenado por Luiz

Edson Fachin, encontra-se nos princípios fundamentais, o subtítulo “celeridade”,

donde se observa:

CF88 – nada consta; Substitutivo de deputados do PT apresentado na Comissão Especial da Câmara de análise da PEC 96/92 – As pessoas jurídicas de direito público, em processo judicial ou administrativo, não disporão de prerrogativas especiais, inclusive de prazo para manifestação ou duplo grau de jurisdição obrigatório (art....); PEC 96/92 – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII); PEC 29/00 – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo, como direito público subjetivo, e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, sendo assegurados à Fazenda Pública, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, prazos especiais, na forma da lei (art. 5º, LXXVIII); ECCJS 14 e 96 (relator) – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo, como direito público subjetivo, e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, sendo vedados prazos processuais diferenciados às partes em razão da personalidade jurídica – parecer favorável CCJ; EPS 106 (Romero Jucá) – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo, e os meios que garantam a celeridade processual, sendo assegurados prazos especiais ao Ministério Público, à Defensoria Pública, bem assim à União, aos Estados, ao DF, aos Municípios, e às suas autarquias e Fundações, na forma da lei – parecer favorável;

96 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão da 10ª Câmara Cível do TJRJ. Apelação cível n. 2003.001.20935. Relator: Desembargador Ivan Cury. Julgamento em: 25 nov. 2003. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/jurisprudencial>. Acesso em: 22 maio 2013.

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OAB – aos interessados, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII) e as pessoas jurídicas de direito público interno, em processo judicial ou administrativo, não terão prerrogativas especiais, inclusive de prazo para manifestação ou de duplo grau obrigatório, ressalvadas as referentes a execuções fiscais (LXXIX); AMB – aos interessados, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º LXXVIII) e as pessoas jurídicas de direito público interno, em processo judicial ou administrativo, não terão prerrogativas especiais, inclusive de prazo para manifestação ou de duplo grau obrigatório, ressalvadas as referentes a execuções fiscais (LXXIX) – O disposto no inciso LXXIX do art. 5º entrará em vigor a partir de dois anos da data da promulgação desta emenda.

Nesse ínterim, pelas propostas então apresentadas pela Associação dos

Magistrados do Brasil (AMB) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), verifica-

se a existência de medidas procedimentais que visam à extinção do reexame

compulsório, bem assim dos prazos processuais privilegiados da Fazenda Pública.

Frise-se que o processo é feito de tempo e contra o tempo. Assim, o

prazo dilatado para a Fazenda Pública e o duplo grau de jurisdição obrigatório faz

com que a parte adversa sofra prejuízos temporais, processuais e econômicos

extremamente ofensivos.

Segundo Rafael de Souza Borelli97 e Marcos Antônio Striquer Soares:

atualmente, a concessão de tratamento diferenciado ao Poder Público vem causando mais prejuízos que vantagens ao direito de acesso à justiça dos cidadãos. Inserto na temática do acesso à justiça erige-se como direito fundamental o direito à razoável duração do processo, o qual ingressou em nossa ordem constitucional através da Emenda Constitucional 45/2004.

Logo, conforme observado também no item 1.4.3.1 deste trabalho, não

resta dúvida de que há flagrante ofensa à “razoável duração do processo e os meios

que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB/1988).

Registrem-se as tramitações, na Câmara dos Deputados, dos Projetos de

Lei n. 3.615/2004, no sentido da revogação do art. 475 do CPC, e n. 6.710/2009, a

fim de dispensar a exigência do duplo grau de jurisdição para confirmação da

97 BORELLI, Rafael de Souza; SOARES, Marcos Antônio Striquer. Análise crítica do reexame necessário à luz do acesso à justiça e da razoável duração do processo. Revista de estudos jurídicos da UNESP , Franca, v. 16, n. 24, ago./dez. 2012. Disponível em: <http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/601>. Acesso em: 1 jun. 2013.

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sentença homologatória de acordo ou transação em processos que órgãos públicos

figurem como parte processual.

Porém, referidos Projetos de Lei, Emendas (p. ex. n. 554/2011, que

modifica a redação dos incisos I a III do § 2º do art. 483, alterando os valores das

causas para que se proceda à remessa necessária) e Subemendas (p. ex. n. 18,

que atribui nova redação para o art. 483, dispondo sobre os casos de remessa

necessária), foram apensados aos Projetos de Lei n. 6.025/2005 e n. 8.046/2010,

ambos do Senado Federal, que tratam do Novo Código de Processo Civil (NCPC), e,

a respeito da remessa necessária, o atual texto substitutivo98 prevê:

Art. 50799. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública; III – que, proferida contra os entes elencados no inciso I, não puder indicar, desde logo, o valor da condenação. § 1º Nos casos previstos neste artigo, ultrapassado o prazo sem que a apelação tenha sido interposta, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal; se não o fizer, deverá o presidente do respectivo tribunal avocá-los. Em qualquer desses casos, o tribunal julgará a remessa necessária. § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica em discussão for de valor certo inferior a: I – mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim para as capitais dos Estados; III – cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I – súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

98 BRASIL. Câmara dos Deputados. Novo código de processo civil: parecer do relator-geral. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/arquivos/parecer-do-relator-geral-paulo-teixeira-autenticado>. Acesso em: 2 jun. 2013. 99 No projeto de lei do Senado Federal n. 8.046/2010, referido dispositivo legal é o art. 483.

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Entrementes, torna-se relevante destacar o fato de que, na fase anterior à

elaboração da redação dos dispositivos do Novo Código de Processo Civil (NCPC),

várias decisões acerca das proposições temáticas foram tomadas, dentre elas, no

que concerne ao item 5 (recursos), a extinção da remessa necessária (alínea “r”)

não restou configurada, apesar da “celeridade processual” lembrada por José

Sarney, então presidente do Senado Federal, e pelo atual ministro do Supremo

Tribunal Federal, Luiz Fux100, então presidente da comissão de juristas encarregada

de elaborar anteprojeto do NCPC, segundo o qual

a Comissão concluiu nas diversas proposições por dotar o processo e, a fortiori, o Poder Judiciário, de instrumentos capazes, não de enfrentar centenas de milhares de processos, mas antes, de desestimular a ocorrência desse volume de demandas, com o que, a um só tempo, salvo melhor juízo, sem violação de qualquer comando constitucional, visou tornar efetivamente alcançável a duração razoável dos processos, promessa constitucional e ideário de todas as declarações fundamentais dos direitos do homem, de todas as épocas e continentes, e, ainda, propiciar maior qualificação da resposta judicial, realizando o que Hans Kelsen expressou ser o mais formoso sonho da humanidade; o sonho de justiça.

E assim tal é o mote do Projeto do Novo Código de Processo Civil, nas

palavras de Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues101:

De fato, uma vez mitigadas ao longo das últimas quatro décadas [referência ao período de vigência do atual Código de Processo Civil, que data de 1973] as desigualdades existentes entre a Fazenda Pública e os particulares no que concerne à forma e à eficácia de sua atuação em processos judiciais, notadamente no que diz respeito à estruturação das procuradorias públicas neste período, perde o sentido a manutenção do tratamento desigual nos termos até então vigentes. (...). Demais disso, a restrição das hipóteses de cabimento de reexame necessário é medida que se impõe na busca por uma maior efetividade do processo. Fala-se aqui em maior eficiência da máquina judiciária como um todo, e não apenas na maior agilidade na tramitação dos processos que envolvam entes públicos. Soa evidente que a redução do número de processos nos tribunais em decorrência da limitação dos casos de reexame necessário tem ao menos o potencial de acarretar sensível alívio na carga de trabalho de todo o Poder Judiciário. Ainda que a inovação legislativa produza o efeito de gerar potenciais prejuízos ao erário e, por via de consequência, à própria coletividade,

100 BRASIL. Senado Federal. Estudos iniciais da comissão de juristas encarregad a de elaborar anteprojeto do novo código de processo civil, insti tuída pelo ato n. 379, de 2009, do presidente do Senado Federal, de 30 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/1a_e_2a_Reuniao_PARA_grafica.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2013. 101 RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. As prerrogativas processuais da fazenda pública no novo código de processo civil. Revista da AGU , Brasília, ano 10, n. 27, jan./mar. 2011. p. 321-322.

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caberá à advocacia pública de todas as esferas da federação zelar para que tal não ocorra. Parece que a assunção de mais esta responsabilidade se coaduna com o atual estágio de desenvolvimento e estruturação da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal e também das Procuradorias dos Municípios, ao menos dos maiores e mais importantes do país.

Destarte, não resta dúvida de que a imparcialidade e a celeridade

processuais são aspectos pontuais que merecem respaldo qualitativo na atualidade,

de modo a consagrar justiça isonômica às partes litigantes, com exclusão de

privilégio processual à Fazenda Pública em detrimento do particular (pessoas físicas

e jurídicas e os de personificação anômala). Entretanto, diante da última proposta

redacional para o novel Código de Processo Civil, especificamente quanto ao

instituto do duplo grau de jurisdição obrigatório – permanência –, vê-se a

manutenção dos tempos medievais em pleno século XI.

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2 ANÁLISE CRÍTICA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIG ATÓRIO: SOB O

VIÉS DE UMA FILOSOFIA DO DIREITO PROCESSUAL NO ESTA DO DE DIREITO

DEMOCRÁTICO

2.1 Fundamento sociojusfilosófico do direito

Direito, do latim ius, nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa102:

é a arte do bom e do equitativo (ars boni et aequi). Há, portanto, que se enfrentar, de plano, o Direito como arte e como ciência. (...). O Direito como arte ou técnica procura melhorar as condições sociais ao sugerir e estabelecer regras justas e equitativas de conduta. (...). O Direito, como ciência, enfeixa o estudo e a compreensão das normas postas pelo Estado ou pela natureza do Homem.

Logo, ubi societas, ibi ius; ou seja: onde está a sociedade, aí está o

direito. Então, o homem, membro da sociedade, titular do poder soberano estatal,

dentre regras costumeiras, religiosas, morais e estatais, destas últimas, criam-se – e

também se renovam – as normas jurídicas, em patente autopoiese, as quais devem,

a priori, serem cumpridas, sob pena de eventual punição devidamente prevista em

lei (lato sensu).

Doutrinariamente, propicia-se a distinção entre regras e princípios

(espécies de normas jurídicas). A par, Luís Roberto Barroso103, identificando uma

distinção qualitativa ou estrutural entre regras e princípios, estabelece:

■ regras: relatos descritivos de condutas a partir dos quais, mediante subsunção, havendo enquadramento do fato à previsão abstrata, chega-se à conclusão. Diante do conflito entre regras, apenas uma prevalece dentro da ideia do tudo ou nada (“all or nothing”). A “... regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor” (ou seja, acrescente-se, critérios hierárquico, da especialidade ou cronológico); ■ princípios: a previsão dos relatos se dá de maneira mais abstrata, sem se determinar a conduta correta, já que cada caso concreto deverá ser analisado para que o intérprete dê o exato peso entre os eventuais princípios em choque (colisão). Assim, a aplicação dos princípios “não será

102 VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004. p. 27. 103 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 353.

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no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato”. Destaca-se, assim, a técnica da ponderação e do balanceamento, sendo, portanto, os princípios valorativos ou finalísticos.

Ora, a vida (atos e omissões) de cada pessoa é regulada por lei,

estabelecida pelo poder estatal, de cuja titularidade pertence ao próprio povo. Há,

pois, uma autorregulação. Nasce-se, cresce-se e morre-se sob as influências e

cumprimentos de leis, as quais são necessárias para evitar a desordem.

Pelo exposto, observa-se, então, e pela própria evolução histórica

considerada, o fato de que a sociedade, o Estado e o direito – nesta ordem –,

configuram um trinômio inseparável no contexto prático-normativo, ou seja, o Estado

existe em razão da sociedade, os quais (pessoas jurídicas e físicas,

respectivamente) necessitam do direito positivo para regulamentarem-se, limitarem-

se (o limite é a lei) e exigirem-se mutuamente (pelo menos em tese, a sociedade

deve exigir, administrativa ou judicialmente, de todo agente público o devido

cumprimento da norma jurídica, e o Estado lato sensu também se impõe – ius imperii

– em face dos seus administrados).

Sob o viés do tema desta tese – duplo grau de jurisdição obrigatório –,

vale dizer que, se o direito positivado (p. ex. o art. 475 do Código de Processo Civil)

tem por objetivo básico regular o convívio em sociedade, a existência (origem e

desenvolvimento) desta, é aspecto primordial à análise-fim da própria norma jurídica.

Aliás, Wagner Balera104 menciona que: “O Direito, todo o Direito, nasce e

se desenvolve a partir de certas questões sociais que demandam solução.”

E o instituto do duplo grau de jurisdição obrigatório, tal como está previsto

no ordenamento jurídico brasileiro (art. 475 do Código de Processo Civil), também se

atém a tal contexto, ou seja, à análise sociojusfilosófica, de tal modo que demanda –

e exige-se em pleno terceiro milênio – uma solução (justa).

Mas a realidade não é outra: o homem vive em constantes incertezas e

conflitos (pessoais e interpessoais) – um verdadeiro caos –, que lhe é inerente, e

como tal, creia-se que somente podem ser solucionados com a devida e bem-

aventurada racionalidade crítica, a fim de resolver as contendas.

104 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 9.

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Daí o papel fundamental da norma jurídica, a fim de pacificar as

celeumas, mormente para inibir um privilégio processual à Fazenda Pública,

atualmente existente (art. 475 do Código de Processo Civil). Trata-se de uma

problemática social plausível, porquanto haja um privilégio (em detrimento do

particular) diferenciado: na esfera processual. Justamente onde não poderia (e

entende-se que realmente não se pode) haver tratamento anti-isonômico.

O palco processual é aquele local obrigatoriamente retilíneo, isonômico,

onde as partes (privadas e públicas) devem ser tratadas em igualdade de condições

e, frise-se: por um Poder Judiciário imparcial. E a lei processual imperante deve ser

igualitária e justa.

Decerto também que a legislação realmente deve ser um instrumento

eficaz para regulamentar o convívio em sociedade, mas precisa ser alterada quando

em descompasso com as exigências contemporâneas de um povo cujo cerne

constitucional é a igualdade.

Num país refundado (1985) e rebatizado (1988) sob a característica de

ser um Estado de Direito Democrático, sem privilégios, ainda que estatais quando

enfocado tema processual relevante, torna-se imperiosa a exigência de ser

isonômico com o particular especificamente no contexto em apreciação (processual).

Nesse desiderato, evidencia-se, a princípio, uma ciência própria: a

Sociologia Jurídica, apta a estudar o direito como fato social.

Questiona-se, pois, a realidade sociojurídica. Investiga-se o

comportamento humano diante da norma jurídica. Busca-se analisar o ser (e não o

dever-ser).

Referida ciência – Sociologia Jurídica – apresenta dois caracteres

primordiais: a culturologia e a eficácia, específicos focos em análise doutoral. A

culturologia jurídica, segundo Miguel Reale105, percebe “a vivência do Direito como

cultura, como esforço humano de conquista e de preservação daquilo que se

concebeu ou se sentiu como valioso”. Quanto à eficácia, sabe-se que se trata de

qualidade da norma jurídica concernente à sua aptidão para produzir efeitos

concretos no mundo fenomênico. No âmbito da sociologia do direito, a eficácia atém-

se ao efeito prático da norma jurídica na sociedade, ou seja, o enfoque é investigar

se a mesma está ou não sendo efetivamente cumprida por seus destinatários.

105 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 311.

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Não obstante se tratar de norma jurídica, o seu cumprimento – à luz da

Sociologia Jurídica – deve ser observado de modo voluntário, isto é, os seus

destinatários devem aceitá-la com espontaneidade, sob pena de não possuir

eficácia, mas tão somente vigência.

Então, fala-se também da efetividade, ou seja, de uma qualidade da

norma jurídica concernente à satisfação dos objetivos por ela visados.

Luís Roberto Barroso106 frisa que:

Efetividade, em suma, significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Diante disso, interessa então saber sobre a eficácia social da norma

jurídica processual, em virtude do tema central e objeto desta tese doutoral: o duplo

grau de jurisdição obrigatório no âmbito do processo civil.

Surge, então, a quaestio facti: a existência do duplo grau de jurisdição

obrigatório, sob o aspecto da Sociologia Jurídica, isto é, sob o prisma da

culturologia, cujo cerne é a eficácia.

A par do que anteriormente foi exposto acerca da eficácia da norma

jurídica, insta estabelecer que o duplo grau de jurisdição obrigatório, na visão

sociológica, é tido como um fenômeno social, porquanto imputa sua análise quanto à

faticidade do direito.

Evidentemente que a norma jurídica processual, no Estado de Direito

Democrático, deve ser válida, eficaz e justa.

Tal é o destaque registrado por Renan Lotufo107:

Os três critérios examinados até agora deságuam, segundo Bobbio, em três campos de investigação para a Filosofia do Direito: a) Justiça Os fins sociais da norma, dos ordenamentos e do direito (direito como ideal de justiça) – Teoria da Justiça; b) Validade Direito como regra obrigatória e coativa de conduta (direito como instrumento para a realização da Justiça) – Teoria Geral do Direito; c) Eficácia

106 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 220. 107 LOTUFO, Renan (Coord.). A validade e a eficácia das normas jurídicas. Barueri: Manole, 2005. p. 43-44.

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Aplicação das normas jurídicas (vida do direito em seus aspectos sociológico e histórico) – Sociologia do Direito. Essa tripartição de problemas é reconhecida pelos filósofos do direito contemporâneo e corresponde, em certa medida, à distinção entre as três funções da Filosofia do Direito (a função deontológica, a ontológica e a fenomenológica), desenvolvida desde o começo do século XX, principalmente na Itália, sob o comando de Giorgio Del Vecchio. Entre os jusfilósofos que adotam a concepção tripartida da experiência jurídica destacam-se, segundo Bobbio, Eduardo García Máynez, Julius Stone e Alfred Von Verdron. Este último, professor da Universidade de Viena e seguidor do jusnaturalismo, assinala, em artigo intitulado Zür Klarung des Rechtsbegriffes, de 1950, que há três modos de considerar o Direito, isto é, a partir do exame: a) de seu valor ideal – justiça; b) de seu valor formal – validade; c) de seu cumprimento prático – eficácia. Bobbio segue a mesma linha advertindo que essas três distinções não devem ser concebidas isoladamente, como se fossem compartimentos estanques. Para compreender integralmente a experiência jurídica em seus diversos aspectos é preciso levar em conta: a) o ideal de justiça a atingir; b) as instituições normativas a realizar; c) as ações e reações dos homens diante desses ideais e a essas instituições.

Validade então é uma qualidade da norma jurídica concernente às

observâncias formal e material de sua produção e integração no ordenamento

jurídico. Tal temática será abordada no item 2.6.4 deste trabalho.

Já a justiça, corresponde a um valor, tendo o direito como conteúdo

material e, através deste, atribui igualdade e proporciona harmônica paz social. É

objeto nuclear da Filosofia do Direito. A justiça é a idealização de uma norma jurídica

vigente (qualidade quanto aos seus efeitos no tempo e no espaço) com plena

satisfação social. Outorga a isonomia e extirpa o privilégio quando injusto, tal como é

o caso do duplo grau de jurisdição obrigatório, aspecto a ser analisado com

detalhamento nos itens 2.6.5 e 2.6.6 desta pesquisa.

Nesse ínterim, à luz da tríade das qualidades jurídicas mencionadas

(validade, eficácia e justiça), o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do

Código de Processo Civil): o é eficaz, porquanto a norma jurídica está sendo

cumprida por seus destinatários, até porque, via de regra – excetuam-se as

dispositivas [aquelas que podem ser derrogadas por vontade das partes (p. ex. o art.

265, inc. II, do Código de Processo Civil, o qual dispõe: “suspende-se o processo:

(...); II – pela convenção das partes; (...).”)] –, “as normas de direito processual civil,

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como normas de direito público, são cogentes e, pois, de aplicação obrigatória”,

consoante expressa Moacyr Amaral Santos108.

Ora, as normas jurídicas, nos dizeres de Goffredo Telles Junior109,

pertencem ao “gênero das leis éticas, porque as leis éticas em geral são preceitos

para o comportamento deliberado e voluntário do ser humano, leis das quais as

normas jurídicas constituem uma espécie determinada”. (grifos no original).

Então, extraídas que são da sociedade organizada, as normas jurídicas

são condutas exigíveis, i. é, são imperativas, porquanto reguladoras do

comportamento humano, e também autorizantes, uma vez que autorizam o lesado –

por regra, mediante a intervenção estatal – exigir a reparação do gravame sofrido.

São elas – as normas jurídicas – que exigem um comportamento humano

desejável. Cada sociedade, em diversos lugares e tempos, estabelece um “código

de conduta”. Tem-se por uma plausibilidade daquilo que é racional e

proporcionalmente condizente com o que se estabeleceu dizer “padrão de um

homem médio”.

E daí, logo se estabelece que em virtude do duplo grau de jurisdição

obrigatório, privilégio processual que é, torna-se evidente que há um desvio de

padrão. Trata-se, na verdade, da prevalência de uma conduta ética desviada, cujo

privilégio (que não deveria existir) impera em prol da Fazenda Pública em local

(processo judicial) onde deve imperar a igualdade entre as partes (privadas e

públicas) litigantes, conforme já se convencionou nesta tese. Por via de

consequência, o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de

Processo Civil) é lei antiética.

Sob o prisma de um sistema hierarquizado fechado, balizado na norma

hipotética fundamental, vale registrar o juspositivista Hans Kelsen110, segundo o

qual: “A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo

plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de

diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas.” Surge, então, o princípio da

supremacia constitucional.

108 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1, p. 27. 109 TELLES JUNIOR, Goffredo. Norma jurídica. In: FRANÇA, Rubens Limongi (Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 54, p. 370. 110 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Título original: Reine rechtslehre. p. 247.

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Nesse contexto, observa-se que o sistema brasileiro não exclui o

escalonamento; porém, é cediço que o mesmo não é fechado, mas aberto, ao passo

em que lacunoso, cujo preenchimento se dá por critérios normativos: analogia,

costumes, princípios gerais do direito e equidade – arts. 4º e 5º da Lei de Introdução

às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Logo, interessa estabelecer que referido escalonamento de normas

jurídicas torna-se útil para analisar e resolver antinomia jurídica, como, por exemplo,

utilizando-se do critério hierárquico, a fim de se perguntar: será que existe antinomia

jurídica entre o art. 475 do Código de Processo Civil diante do texto constitucional de

1988? É o que será observado principalmente no item 2.6.5 deste ensaio.

Então, no que tange às antinomias jurídicas, vale transcrever lição de

Maria Helena Diniz111, segundo a qual:

Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. (...). Pode-se classificar as antinomias quanto: A) Ao critério de solução. Hipótese em que se terá: a) antinomia aparente, se os critérios para solucioná-la forem normas integrantes de ordenamento jurídico; e b) antinomia real, se não houver na ordem jurídica qualquer critério normativo para sua solução, sendo, então, imprescindível, para a sua eliminação, a edição de uma nova norma. B) Ao conteúdo. Ter-se-á: a) antinomia própria, se se der por razão formal, independentemente de seu conteúdo material. Tal antinomia normativa ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida (...); e b) antinomia imprópria, se ocorrer em virtude do conteúdo material das normas, podendo apresentar-se como: 1) antinomia de princípios, se houver desarmonia numa ordem jurídica pelo fato dela fazerem parte diferentes ideias fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito. (...). Assim sendo, a norma positiva injusta deve ceder lugar à justiça, que é um princípio imanente e transcendente. Corrige-se o direito positivo com o direito suprapositivo; 2) antinomia valorativa imanente ou de valoração, se o legislador não for fiel a uma valoração por ele próprio realizada, pondo-se em conflito com as próprias valorações. (...); 3) antinomia teleológica, se se apresentar incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins. O legislador quer alcançar um fim com uma norma e em outra rejeita os meios para obter tal finalidade. (...). C) Ao âmbito. Poder-se-á ter: a) antinomia de direito interno, que ocorre entre normas dentro de um ramo do direito (...) ou entre normas de diferentes ramos jurídicos (...); b) antinomia de direito internacional, que aparece entre normas de direito internacional público (...); c) antinomia de direito interno-internacional, que surge entre norma de direito interno e norma de direito internacional público (...). D) À extensão da contradição. Segundo Alf Ross ter-se-á: a) antinomia total-total, se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra. (...); b) antinomia total-parcial, se uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflitar

111 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19 e 25-29.

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com a outra, enquanto esta tem um campo de aplicação que conflita com a anterior apenas em parte. (...); c) antinomia parcial-parcial, quando as duas normas tiverem um campo de aplicação que em parte um entra em conflito com o da outra e em parte não entra. (grifos no original).

Ademais, tangencialmente ao fundamento filosófico do direito

propriamente dito, torna-se mister considerar a fala de Miguel Reale112:

Em suma, entendemos por fundamento, no plano filosófico, o valor ou o complexo de valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão de sua obrigatoriedade, e dizemos que uma regra tem fundamento quando visa a realizar ou tutelar um valor reconhecido necessário à coletividade. (grifo no original).

Inclusive, Willis Santiago Guerra Filho113 pontua que a filosofia é “o

esforço humano para compreender a si e ao mundo”. Por tal razão, filosofia (lato

sensu) significa amor à sabedoria, própria então do ser humano enquanto ser

racional, pensante, crítico.

Gize-se também, nos ensinamentos de Arthur Kaufmann114, que a

“filosofia do direito reflecte e discute filosoficamente questões jurídicas de princípio,

problemas jurídicos fundamentais, dando-lhes eventualmente resposta” (sic).

Pelo menos, o homem sempre busca respostas às suas indagações.

E esta é a missão desta tese doutoral, sob o enfoque do duplo grau de

jurisdição obrigatório, cujo instituto atinge a todos aqueles vencedores em litígios

contra o Estado, na forma da lei (art. 475 do Código de Processo Civil).

Importa-se, por via de consequência, a noção de Filosofia do Direito, ou

seja, aquela apta a uma reflexão do justo.

Logo, definir o direito (justo) é missão da Filosofia do Direito.

Paulo Nader115 destaca:

A Filosofia do Direito é uma reflexão sobre o Direito e seus postulados, com o objetivo de formular o conceito do Jus e de analisar as instituições jurídicas no plano do dever ser, levando-se em consideração a condição humana, a realidade objetiva e os valores justiça e segurança. Pela profundidade de suas investigações e natural complexidade, os estudos filosóficos do Direito requerem um conhecimento anterior tanto de filosofia

112 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 594. 113 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Para uma filosofia da filosofia. 2. ed. Fortaleza: UFC, 1999. p. 8. 114 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. Título original: Rechtsphilosophie. p. 12. 115 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 5.

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quanto de Direito. Uma certa maturidade no saber jurídico é indispensável a quem pretende estudar a scientia altior do Direito.

Por assim dizer, sob o contexto filosófico, o que vem a ser o Direito? O

Direito, na concepção filosófica, enquanto ciência propõe-se a efetivar uma análise

crítica axiológica; e, como norma jurídica, possibilita traduzir o dever-ser com justiça

e igualdade em prol da sociedade, que é a razão de existir do próprio direito.

Pela filosofia contemporânea, enaltecem três caminhos, a se saber: o

juspositivismo, o existencialismo e a teoria crítica do direito. Ícones, o juspositivista

austríaco Hans Kelsen considera que “o direito só pode ser entendido

cientificamente a partir de uma especificidade que é normativa, do campo do dever-

ser”. Noutra esfera, o existencialista alemão Carl Schmitt enaltece que “a

compreensão do direito não está limitada às normas jurídicas: ela se situa no eixo de

gravidade do poder”. Por fim, o crítico russo Evgeny Bronislavovich Pachukanis,

“parte do direito como um dado específico da realidade do capitalismo”.116

Mas tais conceitos são métodos filosóficos próprios de cada jusfilósofo e

de acordo com cada época e lugar.

Levando-se em consideração que o jusfilósofo deve se pautar com o olhar

para o futuro – sem se esquecer do passado e do até então já conquistado com

muita luta durante milênios –, importa, hodiernamente, analisar o conceito de Direito

num contexto de pós-contemporaneidade, com enfoque no Estado de Direito

Democrático.

Nesse sentido, o direito – sob a vertente filosófica pós-contemporânea –

não se deve ater apenas à norma jurídica (juspositivismo), ao poder

(existencialismo) e ao capitalismo (teoria crítica do direito – Escola de Frankfurt),

mas, enfocando-se também numa “disciplina jurídica da convivência”, na dicção de

Goffredo Telles Junior117.

2.2 Valores jurídicos: justiça e igualdade

116 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 342, 410 e 468. 117 TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico. 8. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. p. 361.

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2.2.1 Noções sobre axiologia e valores jurídicos

Axiologia significa teoria do valor, de tal modo que se traduz num estudo

crítico-valorativo. De fato, Immanuel Kant118, fundador do criticismo (validade e

limites da razão pura), enaltece o fato de que “a filosofia transcendental é a ideia de

uma ciência para a qual a crítica da razão pura fará o plano total, de um modo

arquitetônico, ou seja, por princípios e com perfeição segura e garantia dos

princípios da razão pura”.

Por sua vez, Maria Lúcia de Arruda Aranha119 e Maria Helena Pires

Martins destacam:

A discussão filosófica sobre valores é importante, porque ela nos proporciona um olhar diferente sobre o mundo e sobre nós mesmos, o que pode resultar num antídoto para a alienação, o conformismo, o preconceito. Não podemos deixar de lado o caráter existencial do pensar, que se funda em exigências ética, estética e política. Enfim: precisamos dessa reflexão sobre os valores, num mundo excessivamente individualista, pragmático, tecnocrático, em que os meios são mais valorizados do que os fins humanos.

Então, a noção de valor está intimamente vinculada às necessidades do

homem, porquanto, sendo criação deste, só existe e se efetiva para si, ainda que em

prol de outrem.

In concreto, os valores jurídicos são analisados na Filosofia do Direito.

Eduardo García Máynez120 lembra que

García Máynez classificou os valores jurídicos em três categorias: a) valores jurídicos fundamentais: justiça, segurança jurídica e bem comum, que, em seu conjunto, formam a ideia do Direito; b) valores jurídicos consecutivos: liberdade, igualdade e paz social; c) valores jurídicos instrumentais: valores que permitem a aplicação dos fundamentais e consecutivos. Nesta última categoria incluiu as garantias constitucionais que atuam como instrumento à realização de valores jurídicos de outras espécies. (grifos no original).

118 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Lucimar Aparecida Coghi Anselmi e de Fulvio Lubisco. São Paulo: Martin Claret, 2009. Título original: Kritik der reinen vernunft. p. 25. 119 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005. p. 205. 120 MÁYNEZ, Eduardo García. Filosofía del derecho. 2. ed. México: Porrúa, 1974. p. 439. Apud NADER, Paulo. Filosofia do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 65.

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Nesse contexto, em virtude do tema deste ensaio – duplo grau de

jurisdição obrigatório (art. 475 do CPC) –, elegem-se dois valores jurídicos

essenciais à análise crítica: a justiça e a igualdade, que, aliás, fazem parte da

própria mitologia grega (a deusa Dikê, com os olhos abertos, porta a espada e a

balança, esta símbolo do equilíbrio e da igualdade) e romana (Iustitia, com os olhos

vendados, também porta a balança com os pratos nivelados, directum) do direito.

2.2.2 Justiça: o valor-mor

Alysson Leandro Mascaro121 enaltece que:

De outro lado, além de ser um objeto específico da filosofia geral, lastreado em seus métodos, a filosofia do direito deve ser especificada em relação ao próprio pensamento jurídico. (...). Quando alguém transcende a análise de uma norma jurídica específica do Código de Processo Civil (...). (...). Enquanto salto qualitativo, na superação do encerramento técnico e na relação com o todo histórico e social, inicia-se então a filosofia do direito. (...). A reflexão sobre o justo, por sua vez, se a deixa reservada à disciplina universitária chamada por Filosofia do direito. (...). Na verdade, a filosofia do direito, em retrospecto, é a própria alimentação geral da teoria geral do direito e dos ramos do direito em específico. (grifo no original).

Vale também lembrar Lourival Vilanova122, segundo o qual: “O direito é,

essencialmente, um esforço humano no sentido de realizar o valor justiça. Essa

dimensão ideal existe na norma jurídica. Pois, a norma não se reconduz a uma mera

forma de relacionar atos, com total indiferença para o valor.”

Vê-se, pois, que o direito tem por finalidade a consecução da justiça,

sendo da natureza humana o ideal do justo, mormente apto para corroborar a

dignidade do ser.

Nos termos delineados, observa-se que há um duplo sentido da justiça

realizada pelo homem: ele enquanto pessoa singular, e também enquanto

representante do corpo societário (in casu, no exercício da função legiferante).

121 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 12-14. 122 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. Recife: Imprensa Oficial, 1947. p. 85. Apud BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 9.

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Na individualidade, pode-se dizer que o homem de bem, moralmente

idôneo, em tese, tem a predisposição para exercitar a justiça, de modo a ofertar ao

seu semelhante o devido amparo quando necessário e merecido.

Noutro sentido, entende-se que o homem, em estado de natureza, por

seu livre arbítrio, possa praticar o bem, ser justo, como também possa cometer o

mal, ser injusto.

Mas, se Deus criou o ser humano à sua imagem (Gn 1,27123), entende-se

que o homem não pode ser absolutamente mal por natureza, até porque, em sã

consciência, com discernimento, saberá distinguir o justo do injusto, e praticar o que

bem entender – sob as penas das normas morais e/ou positivas estabelecidas pelo

corpo societário.

É verdade que se trata de aporia, eis que o tema apresenta

discordâncias, sejam de ordem religiosa, política, filosófica etc.

O certo é que a sociedade hodierna, de um modo geral, encontra-se em

constantes conflitos, guerras civis e militares, inversões de valores etc., inclusive

conforme ficou evidenciado no item 1.1 deste trabalho.

Allan Kardec, por sua vez, doutrina124:

– A necessidade para o homem de viver em sociedade ocasiona-lhe obrigações particulares? – Sim, e a primeira de todas é a de respeitar o direito dos seus semelhantes. Aquele que respeitar esses direitos será sempre justo. No vosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias e é isso o que faz a perturbação e a confusão de vossa sociedade. A vida social confere direitos e impõe deveres recíprocos. (grifo no original).

Logo, também urge enfatizar ensinamento dado por Santo Antônio de

Pádua, sacerdote e doutor da Igreja Católica Apostólica Romana: “Tanta sabedoria

tem o homem quanto é o bem que ele pratica, e nada mais.”, conforme lembra

Felipe Aquino125.

123 Bíblia Sagrada. Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. 6. ed. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Canção Nova, 2008. p. 16. 124 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Salvador Gentile. 119. ed. Araras: IDE, 1998. Título original: Le livre des esprits. p. 339. 125 AQUINO, Felipe (Org.). Na escola dos santos doutores. 7. ed. Lorena: Cléofas, 2011. p. 172.

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Sequencialmente ao segundo do duplo significado – o homem enquanto

representante do corpo societário e no exercício da função legiferante –, evidencia-

se o fato de que o legislador, representante eleito pelo povo e para o povo, deve ter

sapiência própria e hábil para construir normas jurídicas que sejam justas – aos

anseios da sociedade –, com a finalidade de alcançar o bem comum, e de modo a

não contemplar privilégios que contenham, por óbvio, injustiças.

Celso Antônio Bandeira de Mello126 destaca que:

A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o comando político-ideológico absorvido pelo princípios da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.

Aliás, por ser a expressão do bem, a justiça é um valor sublime que

orienta o Direito tanto em sua elaboração quanto na sua aplicação fática.

Inclusive, Rubem Alves127 inspira à reflexão:

Um julgamento cerebral logicamente rigoroso garante o cumprimento da legalidade. Mas não garante a realização da justiça. Muitas leis são injustas. Sócrates foi condenado legalmente. Com o cérebro se garante o cumprimento da lei. Mas para a realização da Justiça é preciso o exercício do coração. Porque a lei nada mais é do que um instrumento precário, provisório e volátil a serviço da Justiça. A justiça é ponto de chegada. As leis são apenas instrumentos.

Pois bem. Falou-se em justiça e em justo.

Mas o que vem a ser justiça e justo?

Ives Gandra Martins Filho128 diz:

No pensamento grego mais antigo, plasmado em Pitágoras (570-490 a.C.), a justiça representava uma relação de igualdade de prestações (já que, para o filósofo grego, o fundamento de tudo seria o número). Assim, nas relações bilaterais entre os indivíduos, haveria igualdade entre o direito e o

126 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 10. 127 ALVES, Rubem. [s.n.t.]. Apud MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão da 7ª Câmara Cível do TJMG. Apelação n. 1.0327.07.025268-6/002. Relator: Desembargador Wander Marotta. Julgamento em: 22 abr. 2008. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=E179B6D26843C7140F85B2B83D2A908E.juri_node2?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0327.07.025268-6%2F002&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 24 mar. 2013. 128 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de filosofia. 4. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 285-286.

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dever; e nas relações de subordinação do indivíduo frente à “polis”, os direitos (ao contrário do que acontecia na prática grega) deveriam ser iguais para todos. Essa última acepção dá o sentido da palavra, de origem grega, “isonomia”: a mesma (“iso”) lei (“nomos”) para todos. Já Platão e Aristóteles introduzem a noção de proporcionalidade no conceito de justiça (“dikaion” – justiça distributiva): a Ciência do Direito seria eminentemente uma ciência da repartição ou distribuição dos bens, mas de forma proporcional e não aritmeticamente igualitária. Devem-se levar em conta as qualidades que matizam as quantidades. Daí a noção de equidade, distinta da isonomia, já que representa um equilíbrio não necessariamente igualitário, mas proporcional: os bônus devem corresponder aos ônus que se tem. A equidade seria a virtude do magistrado, ao ajustar a lei geral ao caso concreto (e não o contrário), tendo em vista suas peculiaridades, não vislumbradas previamente pelo legislador. Trata-se do ajustamento da legalidade. Aristóteles [384-322 a.C.], ademais, encarava a justiça como uma das virtudes fundamentais do homem (“dikaiosyne” – justiça legal): o hábito (disposição da alma) de cumprir os deveres para com os demais, constituindo a “forma perfeita de excelência moral” (“Ética a Nicômaco”, Livro V). Com efeito, a todo direito de uma parte corresponde um dever da outra (ou outras), no binômio direito-obrigação. Nesse sentido, tem-se, na Sagrada Escritura, a equivalência entre santidade e justiça: a santidade seria o cumprimento de todos os deveres, para com Deus e os homens. Na acepção de virtude é que também Platão (427-347 a.C.) via a justiça, assentando que “é preferível sofrer a injustiça do que cometê-la” (“Górgias”). É preferível perder o bem a que se tem direito do que retê-lo se não lhe pertence. A felicidade humana estaria ligada fundamentalmente à prática dessa virtude, cumprindo-se os deveres ínsitos à função desempenhada na polis (“A República”, Livro I). (grifos no original).

Justiça, pois, corresponde a um valor, cujo conteúdo material é o direito.

Tal direito é o que se deve atribuir a cada um (aspecto formal) com igualdade

(simples ou proporcional). Visa ao bem comum, enfim, proporciona a socialis pax.

Aliás, Maria Helena Diniz129 reúne variadas noções sobre a justiça,

mormente sobre o contexto da Filosofia do Direito, in verbis:

JUSTIÇA. 1. Filosofia do direito. a) Ratio juris, ou seja, a razão de ser ou o fundamento da norma, que está vinculado a fins que legitimam sua vigência e eficácia; b) virtude de que visa produzir a igualdade nas relações humanas e assegurar efetivamente o devido a cada um; c) aquilo que é conforme ao direito; d) o que tem por fim coordenar as atividades e os esforços diversificados dos membros da comunidade e distribuir direitos, poderes e deveres entre eles, de modo a satisfazer as razoáveis necessidades e aspirações dos indivíduos e, ao mesmo tempo, promover o máximo de esforço produtivo e coesão social (Bodenheimer); e) realização da ordem social justa; f) virtude de dar a cada um o que é seu por direito; g) virtude de que envolve em sua dialeticidade o homem e a ordem justa por ele instaurada, que é projeção do ser humano e valor-fonte de todos os valores no processo dialógico da história (Miguel Reale); h) valor jurídico, a cuja realização devem tender as normas e as instituições jurídicas; i) virtude da convivência humana, ou seja, de dar a cada um o que lhe é devido, segundo uma igualdade simples ou proporcional, exigindo, portanto, uma

129 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p. 42.

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atitude de respeito para com os outros, dando-lhes aquilo o que tenham o direito de ter ou de fazer. Daí as três notas essenciais da justiça em sentido estrito: a alteridade (ou pluralidade de pessoas); o devido (ou exigibilidade), e a igualdade (ou relação de conformidade quanto à quantidade) simples ou proporcional; j) qualidade do que é justo. (...). (grifos no original).

Logo, ao tema central desta tese – o duplo grau de jurisdição obrigatório

(art. 475 do CPC) –, interessa a justiça em seu sentido social. O objeto desta é o

próprio direito, a norma positivada, fruto da lei, cujo enfoque é o bem comum de

todos, até porque, na visão platônica130, “desejar o bem é comum a todos”.

Eis a noção do ideal de justiça.

Por via de consequência: que é o justo?

Goffredo Telles Junior131 ensina:

É óbvio que o justo é o que está ajustado; é o que se acha na exata medida. Justo é a qualidade de ser conforme, adequado, correspondente, proporcional. (...). O justo por convenção é aquilo que é tido como justo porque assim se convencionou. (...). Esta é uma contingência de que os seres humanos, que vivem em sociedade, não se podem livrar. Sem uma convenção básica sobre o quê, de modo geral, deve ser tido como justo, impossível seria a convivência. (...). Essa convenção básica tem um nome: ela é o contrato da ética social. O que verificamos é que ela nada tem de universal, nem de imutável. Ela não é universal, pois cada coletividade tem sua própria ética; e não é imutável, porque a ética de uma coletividade vai mudando, como bem sabemos, ao sabor de mil influências diversas. A ética social se exprime por meio de normas, que são indicações e sinais da normalidade vigente, para a necessária informação das pessoas, em sua atividade diária. (...). Todas as normas – jurídicas e não jurídicas –, expressões da ética social, são convenções para a consecução do que é tido como justo. São determinações do justo convencional. O justo convencional – como estamos verificando – é aquilo que é justo por ser conforme a lei, ou por ser conforme o contratado, ou por ser conforme a arbitragem, ou por ser conforme o costume. Mas há um outro justo, como dissemos. Sim, além desse justo convencional, há um justo que não depende das leis, nem dos contratos, nem das arbitragens, nem dos costumes. É o justo que independe de quaisquer convenções; é o justo pela simples natureza das coisas. (grifos no original).

130 PLATÃO. O banquete. Tradução de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 2012. Título original: Σσµπόιоν. p. 97. 131 TELLES JUNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 359, 361 e 362.

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Então, Hans Kelsen132 afiança que o conceito de justiça, por ser

demasiadamente complexo, não contempla a concepção absolutista, defendida pelo

direito natural, posto que o sentido do justo a partir de certo ordenamento jurídico

pode se afirmar injusto noutro, levando-se em consideração a influência cultural que

legitima a eficácia do direito positivo.

Por via de consequência, o significado da justiça se revela problemático,

esculpido a partir de manifestações ideológicas e inspirado nas mais diversificadas

manifestações culturais, de modo que sua essência seja obrigatoriamente relativa.

Realmente, o significado da justiça, a partir do direito positivo, evidencia-

se relativo, pois calcado na dominante influência cultural de determinado período

histórico, ao contrário do sentido natural da justiça, que se pauta fundamentalmente

em valores éticos, religiosos etc., enfim, da natureza humana, daí porque o seu

caráter absolutista neste último viés.

Entretanto, o justo sentido da justiça, tanto pela via absoluta do direito

natural quanto pela via relativa do direito positivo, entrelaçam-se, são

interdependentes. Há uma coexistência dúplice, mormente nos casos concretos, em

que a justiça está pautada na natureza primária do ser humano e nas leis

positivadas.

Verbi gratia, diversas matérias constitucionalmente positivadas têm

origem no direito natural, tais como a vida, a liberdade, a justiça e a igualdade. “Os

direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que,

em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da

dignidade humana.”, consoante mencionam Gilmar Ferreira Mendes133, Inocêncio

Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco.

E mais, nos termos exarados por Flávia Piovesan134: “Os direitos e

garantias fundamentais são, assim, dotados de especial força expansiva,

projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério

interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico.”

132 KELSEN, Hans. O problema da justiça. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Título original: Das problem der gerechtigkeit. 133 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 237. 134 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional interna cional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 87.

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E especificamente quanto ao tema nevrálgico desta tese, na atual

conjectura brasileira, pós-regime militar (31/03/1964 a 15/03/1985), e promulgação

da Constituição da República Federativa do Brasil (05/10/1988), ou seja, no Estado

de Direito Democrático, o duplo grau de jurisdição obrigatório, resquício do processo

inquisitório português (12/03/1355), corresponde aos anseios da sociedade como

valores de justiça e de igualdade?

É o que será abordado nos itens 2.6.5 e 2.6.6 desta pesquisa.

2.2.3 Igualdade: a paridade de armas

A igualdade constitui questão fundante da democracia.

Para Aristóteles135:

(...) a justiça é igualdade, coisa que é aceite por todos sem ser necessária demonstração. Ora, se a igualdade é um meio, a justiça será também um meio. Por outro lado, a igualdade implica pelo menos dois termos. É necessário, por conseguinte, que a justiça seja um meio e uma igualdade por relação com qualquer coisa, bem como relativamente a algumas pessoas. Em primeiro lugar, enquanto meio, encontra-se entre dois extremos (a saber, entre o mais e o menos); segundo, enquanto igual, é igual entre duas partes; por fim, enquanto justo, é justo para certas pessoas. É necessário, pois, que a justiça implique pelo menos quatro termos, a saber, duas pessoas, no mínimo, para quem é justo que algo aconteça e duas coisas enquanto partes partilhadas. E haverá uma e a mesma igualdade entre as pessoas e as partes nela implicadas, pois a relação que se estabelece entre as pessoas é proporcional à relação que se estabelece entre as duas coisas partilhadas. Porque se as pessoas não forem iguais não terão partes iguais, e é daqui que resultam muitos conflitos e queixas, como quando pessoas iguais têm e partilham partes desiguais ou pessoas desiguais têm e partilham partes iguais.

É, pois, a igualdade (também denominada de isonomia, equiparação ou

paridade), norma jurídica (princípio e regra) valorada, apresentando-se, pois, no

texto constitucional brasileiro, sua dicotomia: igualdade formal (art. 5º, caput,

primeira parte) e igualdade material (por exemplo, a igualdade jurisdicional,

consoante estabelecido expressamente no art. 5º, inc. XXXVII).

135 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. Título original: Hoika Nikoauxeia. p. 108-109.

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E, segundo Humberto Ávila136:

A igualdade pode funcionar como regra, prevendo a proibição de tratamento discriminatório; como princípio, instituindo um estado igualitário como fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a aplicação do Direito em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).

Jurisprudencialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende a

igualdade de modo autoaplicável e vinculante:

O princípio da isonomia, que se reveste de autoaplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.)137

Concernente à igualdade formal, verifica-se na expressão “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Tem origem na Revolução

Francesa (1789), com a proclamação dos direitos do homem e do cidadão.

Entretanto, Uadi Lammêgo Bulos138 considera que “o que o princípio

busca garantir é a proteção da igualdade real, material ou substancial, e não a

isonomia puramente formal” (grifo no original). Nesse contexto, a lei deverá tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas

desigualdades. Seu surgimento remonta à Revolução Russa, originária do Estado

social intervencionista.

136 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 162. 137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 3. ed. Brasília: Secretaria de Documentação, 2010. p. 61. 138 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 422.

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Também Ruy Barbosa de Oliveira139 menciona:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

Vê-se, pois, que o legislador constitucional pátrio elegeu tanto a igualdade

formal (comutativa) quanto a igualdade material (substancial), eis que as efetiva

frente aos bens da vida, e não apenas perante o direito.

Para Francisco Glauber Pessoa Alves140:

O princípio da igualdade (art. 5º da CF) demanda tratamento igualitário para os iguais. Mas, desde longa data, sabe-se que demanda igualdade substancial e não meramente formal, de modo que os desiguais tenham tratamento desigual, no escopo de se buscar uma igualdade efetiva entre diversos. Da medida em que posta indiferentemente a todos os entes federativos, sem que haja razões de fato para tanto, agride-se o cânon isonômico e, portanto, a própria Constituição Federal. (grifos no original).

Não se pode também se esquecer do fato de que “o princípio da

igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um direito igual

para todos os cidadãos”, conforme destaca José Joaquim Gomes Canotilho141.

É ele – o legislador – quem detém parcela significativa do poder estatal,

ainda que, em tese, a titularidade deste pertença ao povo. Ora, principalmente no

Estado de Direito (democrático), as relações humanas, cada vez mais conflitantes,

devem ser reguladas por lei.

A lei, pois, deve ser aquela apta a garantir segurança jurídica e enaltecer

uma igualdade justa, sendo cediço que o próprio filósofo grego Pitágoras

“identificava a justiça como a relação numérica de igualdade”, conforme lembra

Cláudio de Cicco142.

139 OLIVEIRA, Ruy Barbosa de. Oração aos moços. Leme: Edijur, 2006. p. 22. 140 ALVES, Francisco Glauber Pessoa. A remessa necessária e suas mudanças (leis 10.259/2001 e 10.352/2001). Revista de Processo , São Paulo, v. 27, n. 108, out./dez. 2002. p. 122. 141 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426. 142 CICCO, Cláudio de. História do pensamento jurídico e da filosofia do d ireito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 48.

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Aliás, nos dizeres também de José Joaquim Gomes Canotilho143, “a

igualdade pressupõe um juízo e um critério de valoração”, em que a igualdade

material deve ser reconduzida “à proibição geral do arbítrio: existe observância da

igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição

do arbítrio) tratados como desiguais”.

Então, será que o duplo grau de jurisdição obrigatório corrobora tal

“igualdade justa”?

Conforme já estabelecido, e no que diz respeito ao reexame compulsório,

os aspectos de justiça e igualdade serão efetivamente discutidos nos itens 2.6.5 e

2.6.6 deste ensaio.

2.3 Proêmios às problemáticas do reexame compulsóri o

Feitas as considerações gerais sobre a igualdade e a justiça, consoante

itens 2.2.2 e 2.2.3 deste trabalho, impõe-se, por via de consequência, a análise

crítica dos referidos axiomas, no que tange ao duplo grau de jurisdição obrigatório

(art. 475 do Código de Processo Civil).

Assim, problemas se instauram.

Aliás, Willis Santiago Guerra Filho144 enaltece que:

O pensamento sobre uma filosofia do Direito Processual inaugura uma atitude em si filosófica fundante, essa fundação, esse estabelecimento de algo novo em filosofia possibilita uma nova fonte, uma nova abertura de conhecimentos para a ciência jurídica, bem entendido também especificamente a uma ciência processual, e também essencialmente, para uma filosofia geral. O direcionamento e a possibilidade de uma filosofia do Direito Processual reconhece um ambiente diferenciado de colocação de perquirição filosófica sobre o processo, a diferenciação do estudo filosófico do processo daquele científico, o que implica já a questão do próprio saber científico do processo, identifica a questão filosófica pela qual se abre uma filosofia do Direito processual. A contribuição, portanto, da filosofia do Direito processual para a própria filosofia se lança em vários caminhos a serem percorridos, identificados e previamente encontrados no diálogo filosófico.

143 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 428. 144 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 25-27.

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Há um implemento prático e de aplicabilidade filosófica através da filosofia do Direito processual que possibilita um revigoramento da filosofia em geral. Questões práticas sociais são atingidas abrindo um diálogo filosófico inovador possibilitando novos rumos, o que contribui sobremaneira para uma discussão que deve visar ir além da manutenção do status quo filosófico, o que remete a questão à própria filosofia do Direito que também assim pode ser implementada. A filosofia geral recebe atitude e responsabilidade filosófica através de uma filosofia do Direito Processual que levada adiante possibilita uma prática tanto filosófica quanto do Direito mais aprimoradas de acordo com as necessidades sociais. Isso faz aparecer também um sentido muito importante para a teoria do Direito quanto para a teoria do Processo em razão de ratificar o enfoque epistemológico que permeia o estudo do Direito em relação à responsabilidade e função social daqueles que sobre ele se debruçam. Enfim, há uma possibilidade de potencialização da filosofia geral através da filosofia do Direito Processual, tendo em vista uma averiguação e identificação do mundo que ela (de)mo(n)stra, assim a filosofia passa a se mostrar capaz e de maneira unívoca com várias possibilidades de concretização de contribuir para o esclarecimento de questões prementes na organização da vida humana e assim possibilitar uma atitude no sentido construtivo da práxis, como afirma Manfredo Araújo de Oliveira “através da práxis, a razão se liberta de sua auto-alienação na teoria”. Nesse ponto, tocamos em problemas cruciais, colocados para o pensamento filosófico sobre o Direito e o Estado, na medida em que a forma judicial de atuar o Direito passa a ter mais importância, diante da forma legislativa, exigindo maior reflexão sobre aspectos processuais do direito, a ponto de se propor o desenvolvimento de uma filosofia do processo. Também se é levado a repensar a concepção tradicional sobre como se organiza o poder estatal, em que o processo adquire maior relevância no exercício das demais funções, além da judicial, enquanto esta última, ao mesmo tempo, passa a assumir um peso bem maior do que aquele que tradicionalmente se lhe atribui na divisão e equilíbrio com as demais. (grifos no original).

Realmente, a filosofia aplicada no direito processual possibilita analisar

institutos meramente processuais sob um viés diferenciado, porquanto enaltece

valores como a justiça e a igualdade. E é justamente o que se pretende com esta

tese.

Viu-se que o Estado detém o interesse público secundário ou estatal –

enquanto pessoa jurídica de direito público –, e, por correspondência lógica, alberga

também o interesse público primário (em virtude do bem comum), não obstante

eventuais conflitos de interesses entre ambos, consoante visto no item 1.4.3 desta

tese doutoral.

Então, perguntas vêm à tona, à luz de um hodierno processo civil justo e

igualitário, dentre elas:

1ª) o Estado encontra-se devidamente aparelhado para valer-

se habilmente representado em juízo?

2ª) justifica-se a remessa necessária via Poder Judiciário?

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3ª) necessitar-se-ia da intervenção do Ministério Público

quando presente o interesse público (primário e/ou

secundário)?

4ª) o art. 475 do Código de Processo Civil (1973) é norma

(in)válida?

5ª) há colisões entre os princípios do duplo grau de jurisdição

obrigatório e da igualdade? Se sim, qual a solução?

6ª) em virtude da prerrogativa pública e dos privilégios

fazendários, o reexame compulsório seria uma afronta aos

valores da justiça e da igualdade?

7ª) o reexame compulsório no processo civil é (in)útil?

8ª) poder-se-ia dizer que o instituto do reexame compulsório é

(in)constitucional?

As respostas, pois, impõem uma análise criteriosamente crítica.

É sabido que a Administração Pública é detentora do princípio da

supremacia e indisponibilidade do interesse público, que, nos dizeres de Fernanda

Marinela145:

determina privilégios jurídicos e um patamar de superioridade do interesse público sobre o particular. Em razão desse interesse público, a Administração terá posição privilegiada em face dos administrados, além de prerrogativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares.

Claro que a aplicabilidade do princípio da supremacia do interesse público

decorre de previsão legal (art. 2º, caput e inc. II e XIII do parágrafo único, da Lei

Ordinária Federal n. 9.784/1999), como é o caso do duplo grau de jurisdição

obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil), e deve prevalecer quando em

colisão com o interesse privado, até que eventual norma jurídica venha a revogar tal

dispositivo legal.

Celso Antônio Bandeira de Mello146 destaca que:

O princípio cogitado, evidentemente, tem, de direito, apenas a extensão e compostura que a ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Donde, jamais caberia invocá-lo abstratamente,

145 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 26-27. 146 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 94.

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com prescindência do perfil constitucional que lhe haja sido irrogado, e, como óbvio, muito menos caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e só por este ângulo é que pode ser considerado e invocado. (grifos no original).

Mas, há justeza legal na outorga de privilégios processuais?

Dizer-se que o Estado detém interesse público, cuja guarda é inerente

aos agentes públicos, para a consecução de sua mera atividade administrativa, é

uma coisa. Entende-se que seja justo. Creia-se que até seja ponto pacífico. Mas

elevar tal parâmetro em igualdade de condições ao aspecto processual é outra coisa

completamente diferente.

E serão as questões debatidas logo a seguir no item 2.6.

2.4 Sujeitos da relação processual e respectiva rep resentatividade fazendária:

implicações quanto ao duplo grau de jurisdição

É cediço que os sujeitos da relação jurídica processual são: a) parciais –

autor e réu; b) imparcial – magistrado. No que tange à participação do órgão do

Parquet no processo civil brasileiro, a mesma se verifica por atuação (parte) e por

intervenção (custos legis). E ver-se-á que será crucial a figura do Ministério Público

no que tange à sua participação no instituto do reexame compulsório do provimento

jurisdicional, conforme será observado com detalhamento nos itens 2.5 e 2.6.3 deste

trabalho doutoral.

Impõe-se no ordenamento jurídico brasileiro a regra insculpida pelo

princípio da iniciativa da parte (ne procedat iudex ex officio; nemo iudex sine actore),

consagrado no art. 262 do Código de Processo Civil: “O processo civil começa por

iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.”

Há vinculação dos sujeitos da lide e o magistrado, voltados à solução

justa do conflito de interesses propugnados pelas pretensões de direito material e

resistências impingidas por autor e réu, respectivamente.

As partes em juízo, ou melhor, os jurisdicionados, sob o prisma em

discussão – art. 475 do Código de Processo Civil –, apresentam-se em duas

espécies, representativas de interesses antagônicos – privado e estatal –, a saber:

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a) jurisdicionados ordinários – as pessoas naturais (detentoras da denominada

capacidade de fato ou de exercício), as pessoas jurídicas de direito privado

(associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e

empresas individuais de responsabilidade limitada – art. 44 do código civil) e os

grupos com personificação anômala (massa falida, herança jacente ou cante,

espólio, sociedades sem personalidade jurídica e condomínio – art. 12 do Código de

Processo Civil); b) jurisdicionados fazendários – a União, os Estados-Membros, o

Distrito Federal, os Municípios, as respectivas autarquias e fundações de direito

público, conquanto o consórcio público na modalidade de associação pública (Lei

Ordinária Federal n. 11.107/2005).

Aliás, nesse último contexto – jurisdicionados fazendários –, Rômulo

Guilherme Leitão147, aludindo ao conceito moderno de Fazenda Pública, estabelece

ser a “Administração Pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas

entidades estatais, autarquias, fundações públicas ou por seus órgãos que possuam

capacidade processual”.

Já a capacidade processual, ou capacidade para estar em juízo, decorre

da capacidade de direito e de exercício, figuras do direito civil. Nesse contexto, a

capacidade processual vislumbra três exigências: 1ª) a capacidade de ser parte –

tem-se, a capacidade de direito, inerente à condição de ser pessoa natural ou

jurídica; 2ª) a capacidade de estar em juízo – trata-se, da capacidade de fato,

segundo a qual, os que não estejam no pleno exercício de seus direitos, devem,

obrigatoriamente, ser representados ou assistidos; 3ª) a capacidade postulatória –

atina-se aos advogados e procuradores das partes.

Para o contexto estatal, no que tange à capacidade de estar em juízo,

prevê o art. 12, caput e inc. I e II, do Código de Processo Civil: “Art. 12. Serão

representados em juízo, ativa e passivamente: I – a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Territórios, por seus procuradores; II – o Município, por seu Prefeito ou

procurador; (...).”

Ante ao exarado, evidencia-se que na esfera federal:

“A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-

147 LEITÃO, Rômulo Guilherme. A fazenda pública em juízo: aspectos processuais. Fortaleza, [s.d.]. Disponível em: <http://www.pgmfortaleza.ce.gov.br/artigos/vol5/vol05artigo07.htm>. Acesso em: 17 jul. 2003.

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lhe, nos termos da lei complementar [n. 73/1993] que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.” (Art. 131, caput, da Lei Fundamental de 1988).

Os Procuradores dos Estados-Membros e do Distrito Federal,

organizados em carreira, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica

das respectivas unidades federadas (art. 132, caput, do Estatuto Básico de 1988).

Já os Municípios serão representados em juízo por seus prefeitos (com

capacidade postulatória) ou procuradores.

Destarte, no contexto do estudo em tela – duplo grau de jurisdição –,

entende-se que aos procuradores dos respectivos entes públicos, com

exclusividade, é dada a legitimidade para recorrer de provimento jurisdicional de

instância inferior, com a precípua finalidade de alcançar o duplo grau de jurisdição

(que deve ser facultativo – via recurso; e não obrigatório, conforme ocorre

atualmente nos ditames do art. 475 do CPC).

2.5 Ministério Público: o guardião do interesse púb lico primário

O órgão do Parquet está expressamente previsto no art. 127, caput, da

CRFB/1988, conquanto, no art. 1º, caput, da Lei Ordinária Federal n. 8.625/1993,

estabelecendo-o como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis”. No mesmo sentido, segue o art. 1º,

caput, tanto da Lei Complementar Mineira n. 34/1994 quanto da Lei Complementar

Paulista n. 734/1993.

Ainda, o art. 5º, inc. III, da Lei Complementar Federal n. 75/1993,

expressa as funções institucionais do Ministério Público da União, quanto à defesa

dos seguintes bens e interesses: a) o patrimônio nacional; b) o patrimônio público e

social; c) o patrimônio cultural brasileiro; d) o meio ambiente; e) os direitos e

interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da

criança, do adolescente e do idoso.

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Por sua vez, Luiz Lima Langaro148 adverte que:

O velho Pimenta Bueno afirmava que a instituição do Ministério Público evita a impunidade, de um lado, e, de outro, expele dos tribunais “as paixões, a vingança pessoal, o rancor e substituem esses maus princípios pela imparcialidade e pela justiça pública. (...). Como se percebeu, a figura do Ministério Público foi atualizada (...), hoje, um autêntico representante do interesse público, do interesse social mais difuso possível. Além da característica de unidade, indivisibilidade e independência, o seu traço mais peculiar e saliente é o de ser um órgão público, constituído pelo poder constitucional, em função e no interesse da justiça. É o representante protetor, acima de tudo, de um interesse social mais difuso, que há de defender com sujeição estrita às normas legais, com absoluta independência de critério e de ação. Com isso, com tais elementos, poderíamos conceituar o Ministério Público como o advogado constitucional da lei, o fiscal de sua execução, o representante público da sociedade, o defensor dos interesses sociais e individuais, da ordem jurídica e do regime democrático. Para esse sagrado e relevante mister, é-lhe assegurada a independência funcional, bem como autonomia de função e autonomia administrativa (CF, art. 127, § 2º). (grifos no original).

Inclusive, Hugo Nigro Mazzilli149 enfatiza:

Na esfera cível, o papel do Ministério Público é igualmente relevante, e suas atribuições vêm crescendo: a) pode ser órgão agente, quando propõe ações (declaração de inconstitucionalidade, nulidade de ato jurídico em fraude à lei, ações civis públicas em defesa de interesses difusos e coletivos); b) pode ser órgão interveniente, seja porque, diante da qualidade de uma parte, deva zelar pela indisponibilidade de seus interesses ou suprir alguma forma de inferioridade (p. ex., incapaz, índios, fundação, massa falida, de vítima de acidente do trabalho, herança jacente), seja ainda porque, pela natureza da lide, exista um interesse público a zelar (p. ex., questões ambientais, de família, de estado, de testamento, de mandado de segurança ou ação popular). (grifos no original).

Nesse ínterim, a intervenção do Ministério Público se observa em

qualquer causa aonde esteja presente o interesse público primário, o que

certamente não ocorrerá em casos meramente patrimoniais (p. ex. ação de perdas e

danos) – interesse público secundário – entre pessoas maiores e capazes ou até

mesmo jurídicas de direito privado em face da Fazenda Pública ou vice-versa.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda150 também estabelece:

A simbiose entre Ministério Público e interesse público é tão grande, tão estreita e tão intensa, (...), que deste último deriva, em derradeira análise, o

148 LANGARO, Luiz Lima. Curso de deontologia jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 93-96. 149 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao ministério público. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 11. 150 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. A iniciativa recursal do ministério público nas ações acidentárias. Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselh o da Justiça Federal , [S.l.: s.n.], [19--], v. 6. p. 94.

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próprio nome atribuído à instituição, que, em essência, outra coisa não é senão o ofício (público) previsto nas leis com o objetivo específico de exercer ou de pôr em atividade (promover ou defender) tal espécie de interesse.

A par, em patente interpretação restritiva, o Conselho Nacional do

Ministério Público (CNMP) editou a Recomendação n. 16/2010, que dispõe sobre a

atuação dos membros do Parquet como órgão interveniente no processo civil, in

verbis:

CONSIDERANDO a necessidade de racionalizar a intervenção do Ministério Público no processo civil, notadamente em função da utilidade e efetividade da referida intervenção em benefício dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis; CONSIDERANDO a necessidade e, como decorrência, a imperiosidade de (re)orientar a atuação ministerial em respeito à evolução institucional do Ministério Público e ao perfil traçado pela Constituição da República (artigos 127 e 129), que nitidamente priorizam a defesa de tais interesses na qualidade de órgão agente; CONSIDERANDO a justa expectativa da sociedade de uma eficiente, espontânea e integral defesa dos mesmos interesses, notadamente os relacionados com a hipossuficiência, a probidade administrativa, a proteção do patrimônio público e social, a qualidade dos serviços públicos e de relevância pública, a infância e juventude, as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os consumidores e o meio ambiente; CONSIDERANDO a iterativa jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive sumuladas, em especial dos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça; CONSIDERANDO a exclusividade do Ministério Público na identificação do interesse que justifique a intervenção da Instituição na causa; RESOLVE, respeitada a independência funcional dos membros da Instituição, expedir a seguinte RECOMENDAÇÃO, sem caráter vinculativo: Art. 1º. Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro do Ministério Público, ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar concisamente a sua conclusão, apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos. Art. 2º. Em se tratando de recurso interposto pelas partes nas situações em que a intervenção do Ministério Público é obrigatória, resguarda-se ao agente ministerial de primeiro grau a manifestação sobre a admissibilidade recursal. Parágrafo único. Será imperativa, contudo, a manifestação do membro do Ministério Público a respeito de preliminares ao julgamento pela superior instância eventualmente suscitadas nas razões ou contrarrazões de recurso, bem assim acerca de questões novas porventura ali deduzidas. Art. 3º. É desnecessária a atuação simultânea de mais de um órgão do Ministério Público em ações individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da Instituição, podendo oferecer parecer, sem prejuízo do acompanhamento, sustentação oral e interposição de medidas cabíveis, em fase recursal, pelo órgão com atuação em segundo grau. (Alteração dada pela Recomendação nº 19, de 18 de maio de 2011). Art. 4º. O membro do Ministério Público pode ingressar em qualquer causa na qual reconheça motivo para sua intervenção. Art. 5º. Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, é desnecessária a intervenção ministerial nas seguintes demandas e hipóteses: (...);

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XV – Ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia ou Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial, a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, anulatória de ato administrativo, embargos de terceiros, despejo, ações cautelares, conflito de competência e impugnação ao valor da causa; (...). Art. 6º. Recomenda-se, ainda, que as unidades do Ministério Público, respeitada a autonomia, disciplinem a matéria da intervenção cível, também por ato interno, preservada a independência funcional dos membros da Instituição, sem caráter normativo ou vinculativo, nos termos acima referidos. Art. 7º. Recomenda-se que as unidades do Ministério Público, no âmbito de sua autonomia, priorizem o planejamento das questões institucionais, destacando as que, realmente, tenham repercussão social, devendo, para alcançar a efetividade de suas ações, redefinir as atribuições através de ato administrativo, ouvidos os Órgãos Competentes, e, também, que repensem as funções exercidas pelos membros da Instituição, permitindo, com isto, que estes, eventualmente, deixem de atuar em procedimentos sem relevância social, para, em razão da qualificação que possuem, direcionar, na plenitude de suas atribuições, a sua atuação na defesa dos interesses da sociedade. Brasília, 28 de abril de 2010. (a) ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS, Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público.151

Pelo visto, a aludida Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional do

Ministério Público (CNMP) é no sentido de que, quando houver ação em que for

parte a Fazenda Pública (lato sensu), com interesse meramente patrimonial, torna-

se desnecessária a intervenção do Ministério Público. Tais questões serão melhores

apreciadas logo a seguir no item 2.6.3 desta pesquisa.

2.6 Enfrentamento da problemática do duplo grau de jurisdição obrigatório no

processo civil e sua (quiçá) solução

Denilson Victor Machado Teixeira152, Jane Lúcia Wilhelm Berwanger e

Océlio de Jesús Carneiro de Morais dizem que:

151 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Recomendação n. 16, de 28 de abril de 2010. Disponível em: <http://www.cnmp.gov.br/portal/images/stories/Normas/Recomendacoes/Recomendao_n_16._alterada_pela_Recomendao_n_19.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2013. 152 TEIXEIRA, Denilson Victor Machado; BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; MORAIS, Océlio de Jesús Carneiro de. Sistemas jurídicos: a dinâmica da técnica tópica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 53 e 59.

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A tópica é uma técnica (ou estilo mental) do pensamento que se orienta para o problema, inclusive o da aporia. Neste contexto, a tópica busca saídas para questões aporéticas (a princípio, representativa da ausência de um caminho predeterminado). (...). Quiçá, tal posicionamento tópico (...) acarreta uma democratização, de tal maneira que o método tópico se traduz em força produtiva de interpretação, porquanto interpretar é atividade humana delineada por contínuo processo do pensamento enquanto solucionador de conflitos, mormente os sociais, e imbuído do sentimento de justiça.

Por assim dizer, o tema nuclear desta tese – o duplo grau de jurisdição

obrigatório –, por sua essência peculiar e única, possibilita o uso da tópica. Veja-se a

seguir.

2.6.1 Aparelhamento jurídico-institucional do Estado

Diante do exposto, reproduz-se a primeira indagação feita: o Estado

encontra-se devidamente aparelhado institucionalmente para valer-se habilmente

representado em juízo?

Antes de responder tal indagação, impõe-se enaltecer relevante

diagnóstico da advocacia pública no Brasil, efetivado pelo Ministério da Justiça153,

cujos dados esclarecem:

Cargos existentes (na ativa) Quantidade

Advocacia-Geral da União (até 31/10/2010)

Advogados públicos federais 5.896

Apoio administrativo 8.808

Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (2009/2010)

Procurador 722

Advogado 38

Gestor 14

Outros 12

Não especificado 66

153 BRASIL. Ministério da Justiça. I diagnóstico da advocacia pública no Brasil. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp?...>. Acesso em: 30 mar. 2013.

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Obs.: apenas dez Estados-Membros responderam o questionário, dentre eles Minas

Gerais (com 170 cargos providos de 2006 a 2008) e São Paulo (com 100 cargos

providos em 2006).

Procuradorias-Gerais Municipais154 (2009)

Procurador 412

Advogado 44

Assessor 8

Outros 3

Não especificado 22

Obs.: apenas treze municípios responderam o questionário.

Também, torna-se imperioso reconhecer o enorme número de feitos155 em

que a Administração Pública participa, e das dificuldades materiais que às vezes os

procuradores e demais agentes públicos delas se deparam no dia-a-dia forense. No

entanto, ao Estado é dada a obrigatoriedade de dar provimento em cargo ou

emprego público, após aprovação em concurso público de provas e títulos,

ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre

nomeação e exoneração (art. 37, inc. II, CRFB/1988), integrando, por via de

consequência, recursos humanos – e também estruturais – necessários para uma

prestação jurisdicional eficaz, inclusive, de suas próprias lides.

154 Registre-se estar em andamento a PEC n. 153/2003 (Câmara dos Deputados) e n. 17/2012 (Senado Federal), que altera a redação do art. 132 da CRFB/1988, a fim de estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar a carreira de procurador (para fins de representação judicial e assessoria jurídica), com ingresso por concurso público e com a participação da OAB em todas as suas fases, garantida a estabilidade dos procuradores após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho. 155 “A produtividade da AGU e seus Órgãos vinculados foi medida pelas ações ajuizadas, ações respondidas, recursos interpostos e execuções fiscais realizadas no período de 2006 a 2010. Os dados foram colhidos por meio do questionário respondido pelo Advogado-Geral da União. No período de 2006 a 2008 o número de ações ajuizadas pela Instituição teve um acréscimo de 85,7% e os recursos interpostos de 38,4%. Por outro lado houve um declínio de 42,5% e 4,6% no número de execuções fiscais e ações respondidas, respectivamente.”

Ano Ações ajuizadas Execuções fiscais Ações respondidas

Recursos interpostos

2006 13.322 36.856 1.294.746 395.567 2007 16.567 13.706 1.347.396 361.326 2008 24.741 21.186 1.235.265 547.362

(BRASIL. Ministério da Justiça. I diagnóstico da advocacia pública no Brasil. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp?...>. Acesso em: 30 mar. 2013.)

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Porém, o que não se pode imperar é a desigualdade processual.

Então, tratando-se de interesses vislumbrados em uma relação jurídica

processual, seja privada (jurisdicionados ordinários), fazendária (jurisdicionados

extraordinários) e/ou pública (coletividade), veem-se as divisões de objetivos, nas

quais, em plataforma triangular, o magistrado (representante do Estado-juiz) deve

tratar tanto a Fazenda Pública (representante do Estado-Administração) quanto o

particular de modo igual, a fim de não triunfar privilégios (p. ex., na esfera

processual, o art. 475 do Código de Processo Civil, relativamente ao duplo grau de

jurisdição obrigatório) que fomentem a inversão de valores, extrapolando-se as

funções típicas inerentes a cada ente e sedimentando-se provimento jurisdicional

eivado de ofensa à isonomia, conquanto, maculando a legitimidade, e extraindo-se,

a partir de então, a ilegalidade, mormente sob o aspecto constitucional do ato em si.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco156, os privilégios do Estado no

processo civil brasileiro conferem tratamento incompatível com a garantia

constitucional da isonomia. Aliás, referido autor compreende o zelo pelos bens do

Estado e do interesse público,

mas o que preocupa é o exagerado desequilíbrio anti-isonômico instituído em nome desse zelo e desse interesse geral, que vem conduzindo o sistema processual a deixar os adversários da Fazenda ou do Ministério Público em situações inferiorizadas no processo, a dano dos pilares do processo justo e équo.

Urge, então, a paridade de armas. Em pé de igualdade processual.

Willis Santiago Guerra Filho157 põe em evidência:

O império da lei, em um Estado de Direito, requer, portanto, que se reconheça esse caráter de generalidade das leis e, logo, de que todos sejam iguais perante elas, igualdade essa que é decorrente da própria circunstância de haver leis, i.e., normas jurídicas dignas de assim serem designadas. A ideia de lei, por conseguinte, como assevera HAURIOU (s/d, p. 116), necessariamente, incorpora a ideia de igualdade e repele a ideia de privilégios. (...) Há, portanto, verdadeira incompatibilidade entre isonomia e privilégio.

156 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1, p. 210. 157 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2001. p. 133-134.

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Jurisprudencialmente, o Supremo Tribunal Federal entende que:

A igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, tem sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso das inovações discutidas, de favorecimento unilateral aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a consequência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo.158

Logo, respondendo à indagação anterior (o Estado encontra-se

devidamente aparelhado institucionalmente para valer-se habilmente representado

em juízo?): sem dúvidas. A par, Marcos Afonso Borges159, levando-se em

consideração que as entidades públicas (citem-se as autarquias e as fundações

públicas) estão por demais aparelhadas de advogados para a defesa de seus

direitos, entende que a remessa necessária constitui um privilégio injustificável.

Portanto, em pleno século XXI, quando constam praticamente 800.000

(oitocentos mil) advogados inscritos nos quadros160 da Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), dentre os quais significativa parcela de advogados públicos, conforme

visto anteriormente, além de contratações complementares para atividades de

consultoria e assessoria jurídicas, conclui-se que o Estado (lato sensu), por

mandamento legal (constitucional e infraconstitucional), conforme verificado, está

devidamente aparelhado para se valer habilmente representado em juízo, não

havendo, pois, razão à manutenção de privilégio processual, que outorga tratamento

anti-isonômico e injusto.

158 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão do Pleno do STF. Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 1.753 / DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento em: 16 abr. 1998. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+1753%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1753%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/agrvy6w>. Acesso em: 31 mar. 2013. 159 BORGES, Marcos Afonso. Alterações no código de processo civil oriundas das leis 10.352, de 26.12.2001, e 10.358, de 27.12.2001. Revista de Processo , São Paulo, v. 27, n. 106, abr./jun. 2002. p. 181. 160 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Quadro de advogados. Disponível em: <http://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados>. Acesso em: 28 out. 2013.

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2.6.2 (Im)parcialidade da magistratura

Em que pese ao fato de que o Estado é detentor do interesse público

(primário), não se pode esquecer que o Estado-Juiz deve (e não pode) ser imparcial,

até porque a imparcialidade é pressuposto processual subjetivo relativo ao

magistrado.

Inclusive, segundo Elio Fazzalari161: “Processo é espécie de procedimento

em contraditório entre as partes, em simétrica paridade, na preparação da tutela

jurisdicional.” Eis a palavra-chave: igualdade, caso em que o magistrado deve agir

com imparcialidade na esfera processual frente às partes litigantes,

independentemente de uma delas ser o Estado (lato sensu), até porque o particular

carece de tratamento simétrico.

Nesse contexto, Fredie Didier Jr. 162 exalta:

A jurisdição é técnica de solução de conflitos por heterocomposição: um terceiro substituiu a vontade das partes e determina a solução do problema apresentado. Há, aqui, aquilo que Chiovenda denominou de substitutividade, para ele a característica que distingue a jurisdição das demais funções estatais. “Exercendo a jurisdição, o Estado substitui, com uma atividade sua, as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à apreciação. Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com ela própria ou com a outra; nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se”. Não se adota, porém, a ideia de Chiovenda de que a jurisdição é a aplicação concreta da vontade da lei, em atividade meramente declaratória. Como será examinado, a jurisdição é, essencialmente, criativa. Essa aplicação substitutiva deve ser feita por terceiro imparcial. É da essência da atividade jurisdicional ser ela exercida por quem seja estranho ao conflito (terceiro, aspecto objetivo) e desinteressado dele (imparcial, aspecto subjetivo). Note que alguém pode ser terceiro em relação ao conflito, mas não ser desinteressado (um filho é terceiro em um conflito do pai contra outra pessoa, mas não é desinteressado). O órgão julgador tem de ser terceiro e desinteressado. Antônio do Passo Cabral propõe o termo impartialidade para designar a condição de terceiro do órgão jurisdicional, o aspecto objetivo de ser um estranho àquilo que é discutido. Prefere reservar imparcialidade para a referência a um aspecto subjetivo do juiz, que não deve ter qualquer tipo de interesse na causa. Considera a divisão muito importante para afastar a ideia de que a atribuição de poderes ao órgão jurisdicional possa interferir em sua imparcialidade. A atribuição de poderes ao órgão jurisdicional se dá exatamente em razão da sua condição de terceiro NE não tem, segundo

161 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 5. ed. Padova: CEDAM, 1989. p. 80. 162 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v. 1, p. 84-85.

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entende, qualquer relação de causa e efeito com eventual parcialidade do julgador. Não se pode confundir neutralidade e imparcialidade. O mito da neutralidade funda-se na possibilidade de o juiz ser desprovido de vontade inconsciente; predominar no processo o interesse das partes e não o interesse geral de administração da justiça; que o juiz nada tem a ver com o resultado da instrução. Ninguém é neutro, porque todos têm medos, traumas, preferências, experiências etc. Já disse o poeta que nada do que é humano é estranho ao homem (TERÊNCIO, “Homo sum, humani nihil a me alienum puto”). O juiz não deve, porém, ter interesse no litígio, bem como deve tratar as partes com igualdade, garantindo o contraditório em paridade de armas (fair hearing, como dizem os americanos): isso é ser imparcial. (grifos no original).

Entretanto, por imposição legal (art. 475 do Código de Processo Civil), o

magistrado, figurativamente um filho do Estado (que é o pai), de antemão, impõe-se,

no campo processual, a efetivar um placar sabidamente negativo à parte privada

adversa. Tal metáfora é condizente com a hipótese de que são dois (Estado-

Administração e Estado-Juiz) contra um (particular). Aliás, Rosemiro Pereira Leal163

enfatiza que “em sendo pública a função do juiz, porque a investidura é

caracterizada pela posse em cargo estatal, é estranhável que se possa falar em

imparcialidade do juiz e sua “posição equidistante com relação às partes”, para julgar

causas contra” o Estado (lato sensu).

Porém, não se pode esquecer que imparcial deve ser o magistrado,

mormente na relação processual entre as partes litigantes. Nesse contexto,

inadmissível, pois, que o próprio juiz de direito, representante do “Estado” – em sua

acepção geral –, sendo, pois, este uma das partes litigantes, venha a submeter sua

sentença à segunda instância para rejulgamento, independentemente de recurso

voluntário das partes.

André Ramos Tavares164 frisa:

A igualdade aplica-se, sobretudo, em face da atuação do Executivo, mas não apenas deste. Impõe-se, igualmente, como comando dirigido ao Legislativo e, também, ao próprio Poder Judiciário, no desenrolar do processo judicial (por ocasião do tratamento a ser dispensado a cada uma das partes).

163 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 104. 164 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 595.

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Evidentemente que o princípio da igualdade jurisdicional (ou perante o

magistrado) apresenta-se sob dois enfoques: 1º) como interdição ao magistrado de

fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; 2º) como interdição ao

legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou

tratamento igual a situações desiguais por parte do Poder Judiciário. É o que afirma

José Afonso da Silva165.

Ademais, prevê o art. 125, inc. I, do CPC que: “O juiz dirigirá o processo

conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I – assegurar às partes

igualdade de tratamento”.

Por assim dizer, é o princípio da igualdade verdadeiro axioma que se

efetiva na garantia isonômica entre as partes em uma relação jurídica processual,

até porque a imparcialidade do julgador é um pressuposto legal de validade desta

relação.

Desta feita, nos dizeres de Francisco Clementino de San Tiago Dantas166,

sob a ótica do processo, a igualdade está consubstanciada especialmente nas premissas voltadas à paridade de tratamento entre as partes e seus procuradores (CPC, art. 125, I), tendo por finalidade primordial coibir abusos não só na elaboração das normas do sistema, mas também no que tange à sua aplicação e interpretação.

Nesse diapasão, Nelson Nery Júnior167 e Rosa Maria Andrade Nery

também proclamam: “Da forma como tem sido interpretado o instituto da remessa

obrigatória do CPC, art. 475, pelos nossos tribunais, notadamente pelo STJ, sua

inconstitucionalidade é flagrante porque ofende o dogma constitucional da

isonomia”.

Então, nas ações afetas ao reexame compulsório (art. 475 do Código de

Processo Civil), nas quais as partes, que devem estar isentas de privilégios ou

prerrogativas, entende-se que o magistrado deve tratá-las isonomicamente –

igualdade esta fundada na procedimentalidade equânime –, proferindo (com

imparcialidade) provimento jurisdicional, o qual poderá ser submetido à segunda

165 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 217. 166 DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Igualdade perante a lei e due process of law . Rio de Janeiro: Forense, 1953. 167 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 95.

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instância, seja por impetração voluntária de recurso da parte vencida, ou mediante

requerimento do Ministério Público (na função de custos legis) – questão a ser

analisada no item 2.6.3 a seguir –, mas nunca por extensão de atribuição anti-

isonômica (remessa necessária de sua própria decisão).

Eduardo Cambi168 também diz:

No contexto de um processo justo, a efetividade do contraditório inclui a necessidade de garantir a paridade de armas, isto é, de assegurar o equilíbrio entre as partes, para que ambas tenham equivalentes possibilidades de influenciar na marcha e no resultado do processo, além de estarem sujeitas às mesmas limitações. A existência de um diálogo efetivo depende do tratamento isonômico das partes, a quem devem ser asseguradas as mesmas possibilidades de fazer valer as suas próprias razões. A preocupação em garantir a igualdade de oportunidades ou a efetiva paridade de armas, para obter uma decisão favorável, é, enfim, uma exigência democrática a ser satisfeita por meio do processo.

Por tais razões, à segunda indagação, responde-se: não se justifica a

remessa necessária (art. 475 do Código de Processo Civil) via Poder Judiciário, eis

que a magistratura deve ser imparcial, e não ofertar benesse (privilégio processual)

a si própria – lembre-se: é o Estado-Juiz em prol do Estado-Administração.

Registre-se o Código de Ética da Magistratura:

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.169

Mas na prática ainda se verifica um Poder Judiciário “ao serviço de

poderes executivos”, conforme lembra Eduardo Vera-Cruz Pinto170. Isso ofende o

bem senso e até mesmo a dignidade da pessoa humana, pois há um verdadeiro

conchave normativo estatal, de modo a prejudicar o jurisdicionado em processo

afeto ao duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil).

168 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 132. 169 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Código de ética da magistratura. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura>. Acesso em: 31 mar. 2013. 170 PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso livre de ética e filosofia do direito. Parede: Principia, 2010. p. 15.

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Porém, reitere-se ser categoricamente inadmissível que, no Estado de

Direito Democrático, o Estado-Administração (jurisdicionados fazendários), alegando

o interesse público secundário, utilize-se do Estado-juiz para remeter ex officio a

sentença monocrática à instância superior, em absoluto detrimento de parte não

estatal (jurisdicionados ordinários, i. é, os particulares), configurando, destarte, uma

atuação assimétrica com a parte hipossuficiente, em uma relação jurídica

processual, a qual deveria ser constantemente isonômica.

Cândido Rangel Dinamarco171 também enfatiza:

A par da marca do Estado autoritário em que foi gerada, essa linha peca pelo confronto com a garantia constitucional da isonomia, ao erigir o Estado em uma superparte (a) com maiores oportunidades de vitória que seus adversários na causa e (b) com maiores oportunidades nos processos em geral, do que outros entes igualmente ligados ao interesse público, posto que não estatais (pequenas fundações, sociedades beneficentes, Santas Casas de Misericórdia etc.). (grifos no original).

É cediço que o ponto nevrálgico do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV,

da CRFB/1988), além da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV, da

CRFB/1988), com certeza, estrutura-se na igualdade entre as partes, pois a ruptura

para com a paridade de armas censura a validade da relação jurídico-processual,

tornando-a inócua e injusta, já que a independência e a imparcialidade são

inspirações devotadas à persuasão racional do julgador, conforme previsão

constitucional.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho172 registra:

Na verdade, o princípio da igualdade é uma limitação ao legislador e uma regra de interpretação. Como limitação ao legislador, proíbe-o de editar regras que estabeleçam privilégios, especialmente em razão da classe ou posição social, da raça, da religião, da fortuna ou do sexo do indivíduo. Inserido o princípio na Constituição, a lei que o violar será inconstitucional. É também um princípio de interpretação. O juiz deverá dar sempre à lei o entendimento que não crie privilégios, de espécie alguma.

Enfim, o ato de julgar se define, de forma racional, a partir da isonomia de

tratamento, como medida de confiança depositada pelo jurisdicionado em prol da

justiça do caso concreto, até porque “o princípio do resultado justo deve ser

171 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127. 172 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 280.

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considerado pelo intérprete em todo e qualquer provimento judicial”, conforme dita

Samuel Meira Brasil Júnior173.

Willis Santiago Guerra Filho174 também chama a atenção para o fato de

que:

cabe ao juiz a tarefa de adaptar os preceitos legais às situações existenciais que têm diante de si, jamais esquecendo-se de que o escopo do processo é a realização de justiça. É nesse contexto que a filosofia jurídica ganha acentuada inflexão processual.

E Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga175 enaltece que

o julgamento consiste no estabelecimento concreto da igualdade, de alguma forma rompida anteriormente, fato que reclama sua intervenção para o reequilíbrio das partes, e, consequentemente, que se retorne a igualdade rompida, dando-se, a cada um, o que é seu.

E é realmente o que se espera. Um Poder Judiciário efetivamente

imparcial e justo, a fim de cumprir leis emanadas por um Poder Legislativo também

com tais qualidades, e que não possibilite uma parcialidade a favor do Poder

Executivo, como é o caso do duplo grau de jurisdição obrigatório, sempre em

desfavor da parte processual adversa privada.

Se assim o for, com a extirpação do duplo grau de jurisdição obrigatório,

estar-se-á concretizando a justiça em prol de um processo à luz dos princípios

constitucionais da igualdade e da celeridade, de modo a combater a tirania estatal

em favor da democracia, a qual deve imperar.

Diga-se então que os jurisdicionados (com ênfase no particular – que é o

único prejudicado no contexto do duplo grau de jurisdição obrigatório) não merecem

um tratamento parcial em sede processual.

Enfim, pontua-se que, hodiernamente, é o Poder Judiciário, no contexto

do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil), aquele

que interfere como se parte e recorrente fosse, em prol da Fazenda Pública.

173 BRASIL JÚNIOR, Samuel Meira. Justiça, direito e processo: a argumentação e o direito processual de resultados justos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 148. 174 GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 49. 175 GONZAGA, Alvaro Luiz Travassos de Azevedo. Filosofia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 67.

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A par, impõe-se uma pergunta: o Poder Judiciário, na prática, efetiva

papel processual que é inerente ao Ministério Público? É o que será observado no

item 2.6.3 a seguir.

2.6.3 Participação do Ministério Público?

Ab initio, partindo-se do pressuposto de que o Estado está devidamente

aparelhado para valer-se habilmente representado em juízo pela Advocacia Pública,

não há motivos para que o Ministério Público atue em ação judicial – com interesse

meramente patrimonial – na qual for parte a Fazenda Pública, questão, aliás, inserta

no art. 5º, inc. XV, da Recomendação n. 16/2010176, do Conselho Nacional do

Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre a atuação dos membros do Parquet

como órgão interveniente no processo civil, in verbis:

Art. 5º. Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, é desnecessária a intervenção ministerial nas seguintes demandas e hipóteses: (...); XV – Ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia ou Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial, a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, anulatória de ato administrativo, embargos de terceiros, despejo, ações cautelares, conflito de competência e impugnação ao valor da causa.

Não diferente foi a posição anteriormente adotada pelo Conselho Superior

do Ministério Público do Estado de Minas Gerais na Recomendação n. 1/2001177:

Considerando que a reorientação de algumas atividades pode contribuir para maior utilidade da atuação ministerial no papel de defensor da sociedade, assumindo efetivamente seu novo perfil constitucional; recomenda, sem caráter normativo,

176 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Recomendação n. 16, de 28 de abril de 2010. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Normas/Recomendacoes/Recomendao_n_16._alterada_pela_Recomendao_n_19.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2013. 177 MINAS GERAIS. Ministério Público. Recomendação CSMP n. 1, de 3 de setembro de 2001. Disponível em: <http://ws.mp.mg.gov.br/biblio/normajur/normas/Recom_CSMP_01_2001_repub.htm>. Acesso em: 11 jul. 2013.

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a) aos Membros do Ministério Público que oficiam no âmbito cível para não mais intervir nos seguintes feitos: I – ações em que for parte a Fazenda Pública e suas entidades (CPC, art. 82, III), a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal e declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, desapropriação (direta ou indireta), possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, anulatória de ato administrativo, embargos de terceiro, outras execuções, despejo, ações cautelares, exceção de incompetência e impugnação ao valor da causa, ficando ressalvada, no entanto, a intervenção na execução fiscal na hipótese de transação no curso de demanda judicial (art. 218 da Lei 6.763, de 26.12.75, com a nova redação dada pelo art. 7º da Lei 13.741, de 29.11.00), bem como a intervenção nos feitos em que a lei expressamente exija a presença do órgão ministerial.

Historicamente, vale ainda relembrar a denominada “Carta de Ipojuca

(PE)”178, datada de 13/05/2003:

O CONSELHO NACIONAL DOS CORREGEDORES-GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DA UNIÃO, (...). DELIBEROU: (...). 4) Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, é desnecessária a intervenção ministerial nas seguintes demandas e hipóteses: (...); XIII – Ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia ou Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial e sem implicações de ordem constitucional, a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, embargos de terceiro, despejo, ações cautelares, conflito de competência e impugnação ao valor da causa; (...).

Tal é também a ampla posição jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO NAS CAUSAS EM QUE HÁ INTERESSE PÚBLICO, EVIDENCIADO PELA NATUREZA DA LIDE OU QUALIDADE DAS PARTES. O PRINCÍPIO DO ART. 82, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO ACARRETA A PRESENÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO SÓ FATO DE HAVER INTERESSE PATRIMONIAL DA FAZENDA PÚBLICA, QUE DISPÕE DE DEFENSOR PRÓPRIO E É PROTEGIDA PELO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. SE QUISESSE ABRANGER AS CAUSAS DESSA NATUREZA, O LEGISLADOR PROCESSUAL O TERIA MENCIONADO EXPRESSAMENTE, TAL A AMPLITUDE DA OCORRÊNCIA.179

178 BRASIL. Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União. Carta de Ipojuca (PE). Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:fA7Si0ArfhIJ:www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/9085+conselho+nacional+dos+corregedores+gerais+do+minist%C3%A9rio+p%C3%BAblico+carta+ipojuca&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 11 jul. 2013. 179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da 2ª Turma do STF. Recurso extraordinário n. 86.328 – PR. Relator: Ministro Décio Miranda. Julgamento em: 13 nov. 1979. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE+86328%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7cywvf>. Acesso em: 7 abr. 2013.

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PROCESSUAL CIVIL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 82, III, DO CPC. AÇÃO CONTRA ESTADO DA FEDERAÇÃO. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. 1. O Ministério Público, em obediência ao disposto no art. 129, IX, parte final, está impedido de defender entes públicos. 2. Não caracteriza interesse público, para os fins previstos no art. 82, III, do CPC, o simples fato de entidade pública figurar no polo passivo da demanda. 3. O conceito de interesse público posto no art. 82, III, do CPC, não tem identificação com o da Fazenda Pública quando demandada em juízo. 4. Precedentes pela não obrigatoriedade da presença do Ministério Público como fiscal da lei nas causas contra o Poder Público, conforme levantamento jurisprudencial apresentado por Theotônio Negrão (“Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor”, 32ª edição, pg. 187, Ed. Saraiva): STJ – RT 671/210, RTJ 93/226, 94/395, 94/899, 133/345; STF-RP 25/324; RSTJ 100/106; STJ-RT 761/210; RJTJESP 113/237, JTJ 174/262; RSTJ 14/448; RSTJ 76/157. Súmula nº 189 do STJ (em execuções fiscais).180 (grifo no original).

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA MOVIDA CONTRA ENTE PÚBLICO – INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – DESNECESSIDADE – PRECEDENTES. 1. Não se confunde o interesse patrimonial da Fazenda Pública com o interesse público, capaz de legitimar a intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82, inciso III, do CPC, ainda que de elevada importância o valor da condenação. 2. Precedentes desta Corte. (...).181

Desnecessária a intervenção do Ministério Público em processos em que o Estado está assistido por advogado.182

A simples presença de pessoa jurídica de Direito Público na lide, por si só, não autoriza a participação do Parquet. Precedentes.183

PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. 1. Com a edição da Lei Complementar nº 73/93, o Ministério Público Federal deixou de exercer determinadas atividades em defesa da União em juízo, em razão de que tais atribuições foram conferidas à Advocacia-Geral da União a quem cabe representá-la

180 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Turma do STJ. Recurso especial n. 137.186 – GO. Relator: Ministro José Delgado. Julgamento em: 2 ago. 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMGD?seq=175619&nreg=199700427951&dt=20010910&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013. 181 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Turma do STJ. Agravo regimental no recurso especial n. 278.770 – TO. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Julgamento em: 17 out. 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=415115&sReg=200000962830&sData=20030505&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013. 182 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 1ª Turma do STJ. Recurso especial n. 374.579 – SC. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgamento em: 15 out. 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=555158&sReg=200101613264&sData=20021125&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013. 183 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 5ª Turma do STJ. Recurso especial n. 445.851 – RJ. Relator: Ministro Felix Fischer. Julgamento em: 21 nov. 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=629468&sReg=200200823351&sData=20030224&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013.

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judicial e extrajudicialmente. 2. A intervenção do Ministério Público só deve ocorrer naqueles processos em que haja interesses indisponíveis, nos termos estabelecidos no artigo 82 do Código de Processo Civil.184

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO AJUIZADA CONTRA ENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A execução de título judicial movida contra a Fazenda Pública não envolve interesse público, mas mero interesse individual patrimonial do respectivo ente. Não se justifica, portanto, a intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82 do CPC. Precedentes.185

Não cabe ao MP, como fiscal da lei, velar pelos interesses das pessoas jurídicas de Direito Público, mas pela sua correta aplicação da lei, e muito menos suprir as omissões dos procuradores de tais entidades. A CF, em seu art. 129, IX, parte final, veio expressamente proibir a defesa e a consultoria de entes públicos por parte de membro do parquet.186

No entanto, por prevenção, e à luz do art. 127, caput, da CRFB/1988, c/c

o art. 1º, caput, da Lei Ordinária Federal n. 8.625/1993, entende-se que, por

substituição à famigerada participação do magistrado, que é parte (Estado-Juiz), e a

fim de congratular uma imparcialidade processual, sob o contexto do duplo grau de

jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil) – ainda em vigor no

ordenamento jurídico pátrio –, firma-se a terceira indagação, no sentido de se impor

a efetiva participação do Ministério Público, órgão imparcial, nato e defensor do

interesse público primário, beneficiando-se, por via de consequência, o interesse de

todo o povo. Sincroniza-se o interesse (que é público) ao órgão legítimo (Parquet),

em nítida junção do valor justiça ao da igualdade.

Tais são os posicionamentos doutrinários pátrios. Cronologicamente:

1) Denilson Victor Machado Teixeira (desde 2001, por ocasião do curso

de especialização em direito processual; e posteriormente em 2004, quando da

conclusão do curso de mestrado em direito público, ratificando-se também agora

184 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 2ª Turma do STJ. Recurso especial n. 676.707 – DF. Relator: Ministro Castro Meira. Julgamento em: 7 abr. 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1777642&sReg=200400575101&sData=20050530&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013. 185 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 5ª Turma do STJ. Recurso especial n. 710.742 – RS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgamento em: 14 jun. 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3219304&sReg=200401777207&sData=20070806&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 7 abr. 2013. 186 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Acórdão da 2ª Turma do TRF-4. Apelação em mandado de segurança n. 94.04.20840-0 – PR. Relator: Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva. Julgamento em: 8 jun. 2000. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa.php>. Acesso em: 7 abr. 2013.

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nesta tese de doutorado, a qual traça um viés diferenciado sobre o tema “duplo grau

de jurisdição obrigatório”, porquanto analisado no contexto de uma Filosofia do

Direito Processual no Estado de Direito Democrático):

Neste ínterim, a melhor alternativa e sugestão a que por nós se faz apresentar é a da inserção do órgão do Ministério Público nas causas onde haja interesse público, para que este, em nome de toda a coletividade, atue no sentido de requerer o reexame compulsório, até mesmo como medida preventiva de atos imorais porventura praticados pelos agentes públicos políticos contra o patrimônio público, o que é inconcebível e expressamente combatido pela legislação brasileira em vigor, bem como coibidos e punidos com severidade pelos órgãos da magistratura, com base em sua lei fundamental – Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.187

Nas lides tendentes ao reexame (art. 475, do CPC), onde as partes (devem ser isentas de privilégios ou prerrogativas) são desiguais (pela própria natureza), entendemos que o magistrado deve tratá-las de forma isonômica, ou seja, “tratando os desiguais de forma igual”, igualdade esta, balizada na procedimentalidade, externando como ato encerrador de sua função, o provimento judicial, o qual, poderá, ser submetido ao órgão tribunalício, por impetração voluntária de recurso da parte prejudicada, ou, mediante requerimento do Ministério Público (na função de custos legis), nunca por extensão de atribuição anti-isonômica (remessa necessária de sua própria decisão).188

2) Jorge Tosta (2005)189:

Parece-nos que a solução mais adequada para conciliar tais aspectos seria extinguir o reexame necessário em face da Fazenda Pública e restaurar, em certa medida, a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público nos casos em que a Fazenda ficasse vencida e decorresse o prazo para o Procurador ou o advogado apelar da sentença. Assim, se o representante do Ministério Público verificasse a existência de algum error in judicando ou in procedendo que pudesse prejudicar o patrimônio público, interporia o respectivo recurso de apelação para que a questão fosse reexaminada pelo Tribunal. (...). Com isso, estaria o patrimônio público resguardado sem que necessariamente as sentenças prolatadas contra a Fazenda fossem reexaminadas pelo Tribunal, assoberbando o Judiciário com causas que, no mais das vezes, são bem julgadas em primeiro grau de jurisdição, não se justificando o reexame necessário.

187 TEIXEIRA, Denilson Victor Machado. Reexame compulsório do provimento judicial. Belo Horizonte: IEC, 2001. 263 f. Monografia (Especialização em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. p. 172-173. 188 TEIXEIRA, Denilson Victor Machado. A (in)constitucionalidade do provimento judicial so b o auspício do reexame compulsório. Franca: UNIFRAN, 2002-2004. 183 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade de Franca. p. 55. 189 TOSTA, Jorge. Do reexame necessário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 145.

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3) Aline Araújo Passos (2005)190:

Entendemos que para se prestigiar a celeridade e a efetividade do processo, sem que haja prejuízo do valor segurança jurídica, devem as pessoas jurídicas de direito público se organizar, extrajudicialmente, com procuradorias bem estruturadas e capacitadas, primando pela eficiência na proteção dos interesses públicos. Além disso, deve-se ampliar a atuação do Ministério Público nas causas em que as referidas pessoas figurem como partes, reforçando a fiscalização na tutela dos multicitados interesses públicos.

4) Roberto Santiago Ferreira Gullo (2007)191:

Diante de tal absurdo jurídico em que consiste o instituto, apresenta-se uma sugestão para o caso de sua permanência nos nossos diplomas legais: a duplicidade obrigatória de jurisdição, porém com o Ministério Público sendo o recorrente. Por ser o Ministério Público parte, pode, por conseguinte, sucumbir e em sendo ele o representante da sociedade, o seu fiscal, justo seria a ele coubesse o dever de valer pelos valores protegidos com o instituto.

Portanto, todos os quatro doutrinadores anteriormente citados, entendem

pela efetiva participação do Ministério Público por sê-lo legítimo defensor do

interesse público primário (coletividade).

Aplicável, pois, segundo Willis Santiago Guerra Filho192, o

princípio da proporcionalidade (Grundsatz der Verhältnismäßigkeit, também chamado de ‘mandamento da proibição de excesso’ – Übermaßverbot), acompanha o da isonomia como uma espécie de sombra, quando se trata de buscar uma melhor adequação e balanceamento de interesses, igualmente dignos de amparo, em estado de tensão.

É a “lei da ponderação” para a solução concreta mais justa, pelo

estabelecimento do peso proporcional dos bens jurídicos tutelados.

Logo, chega-se a uma eunomia (estrutura saudável) na relação

processual triangular, que deve ser coesa, com tratamento imparcial pelo Estado-

Juiz, inclusive igualitário frente às partes litigantes (interesses estatal e privado), e

com efetiva participação ministerial.

190 PASSOS, Aline Araújo. Duplo grau de jurisdição: compreensão constitucional do princípio e análise do tema sob a perspectiva das reformas introduzidas no código de processo civil pela lei 10.352/01. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 167-168. 191 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Recurso ex officio . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 73. 192 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Publicação eletrônica. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 16 jan. 2004.

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Então, segundo Francesco Carnelutti193:

Esboça-se, assim, claramente, a antítese entre o Ministério Público e o juiz quanto à função, posto que o juiz não tem para realizar mais interesse do que o interesse externo (quanto à composição do conflito), enquanto o Ministério Público opera para a tutela de interesses internos (interesses públicos conexos com o interesse em litígio). Sob esse aspecto, o Ministério Público talvez apareça como um tertium entre o juiz e a parte, já que os interesses que tende a desenvolver não se identificam, mesmo sendo internos, com todos os interesses em litígio que são, em todo caso, essencialmente públicos. (...). A função do Ministério Público, portanto, pode se condensar em fórmula que se presta ao equívoco, mas que, apesar disso, serve para gravar a dificuldade do órgão judicial: o Ministério Público é uma parte imparcial. (grifos no original).

Enfim, vale ratificar e concluir que o Ministério Público, constitucional e

infraconstitucionalmente fortificado (art. 127, caput, da CRFB/1988, c/c o art. 82, inc.

III, segunda parte194, do CPC), é parte legítima para a defesa do interesse público

primário (e não o interesse estatal propriamente dito interesse público secundário,

até mesmo por força do art. 129, inc. IX, da CRFB: “São funções institucionais do

Ministério Público: (...); IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde

que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a

consultoria jurídica de entidades públicas.”), pois, sendo defensor da ordem jurídica,

atua na defesa do patrimônio público, do erário, na observância da legitimidade e

legalidade de atos; conquanto, coíbe a lesividade ao bem coletivo e o atentado à

moralidade administrativa.

Também é o posicionamento de José Roberto dos Santos Bedaque195:

Toda vez que nós pudermos identificar um aspecto de interesse público, uma conotação social naquele interesse, evidentemente que, segundo as regras citadas (CDC, art. 82; LACP, art. 21) e à luz dos arts. 127 e 129 da CF, não me parece legítimo excluir a legitimidade do Ministério Público para essas demandas.

193 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. 2. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004. v. 2, p. 80-81. 194 “A intervenção do Ministério Público, na hipótese prevista pelo art. 82-III, não é obrigatória. Compete ao juiz, porém, julgar da existência do interesse que a justifica.” (RT 482:270). 195 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Legitimidade processual e legitimidade política. In: SALLES, Carlos Alberto de (Org.) Processo civil e interesse público: o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 108.

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Por tal razão, André de Vasconcelos Dias196 lembra que “ao patrocinar em

juízo a tutela do patrimônio público, o Ministério Público não está a representar a

pessoa jurídica de direito público, e sim exercendo um múnus constitucional, em

benefício de toda a sociedade.”

No Estado de São Paulo, o Ministério Público, por força do Ato Normativo

n. 675/2010197, entende que:

Art. 128. No processo civil a atuação decorre da lei ou da existência de interesse público ou de natureza indisponível. (...). § 4º. Tendo conhecimento, ainda que não oficialmente, ou vislumbrando interesse público em qualquer causa, o membro do Ministério Público deverá requerer vista dos autos para neles oficiar.

Vê-se então que o Ministério Público do Estado de São Paulo corrobora a

sua atuação no processo civil quando existente interesse público.

Já em Portugal, berço da apelação necessária (1355), o atual e novíssimo

Código de Processo Civil (Lei n. 41, de 26/06/2013), em seu art. 24º198 prevê:

Representação do Estado 1 – O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído. 2 – Se a causa tiver por objeto bens ou direitos do Estado, mas que estejam na administração ou fruição de entidades autónomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Público, para o que são citadas quando o Estado seja réu; havendo divergência entre o Ministério Público e o advogado, prevalece a orientação daquele.

E também o atual Código de Direito Canônico, em seu cânon 1.430: “Ad

causas contentiosas, in quibus bonum publicum in discrimen vocari potest, et ad

causas poenales constituatur in dioecesi promotor iustitiae, qui officio tenetur

providendi bono publico.” Traduzindo, segundo Evaldo Xavier Gomes199, Rhawy

196 DIAS, André de Vasconcelos. Ministério Público e patrimônio público: uma abordagem em torno da unidade do interesse público. Revista eletrônica da Procuradoria da República em Pernambuco , Recife, ano 4, jun. 2006. Disponível em: <http://www.prpe.mpf.mp.br/internet/Legislacao-e-Revista-Eletronica/Revista-Eletronica/2006-ano-4/Ministerio-publico-e-patrimonio-publico-uma-abordagem-em-torno-da-unidade-do-interesse-publico>. Acesso em: 10 jul. 2013. 197 SÃO PAULO. Ministério Público estadual. Ato normativo n. 675, de 28 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://biblioteca.mp.sp.gov.br/PHL_IMG/ATOS/675.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2013. 198 PORTUGAL. Lei n. 41 de 26 de junho de 2013. Código de processo civil. Disponível em: <http://dre.pt/pdf1sdip/2013/06/12100/0351803665.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2013. 199 GOMES, Evaldo Xavier; LIMA, Vicente Ferreira de; RAMOS, Rhawy Chagas. Código de direito canônico comentado. Brasília: CNBB, 2013. t. 2, p. 1.667.

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119

Chagas Ramos e Vicente Ferreira de Lima: “Para as causas contenciosas, nas quais

o bem público pode correr perigo, e para as causas penais, constitua-se na diocese

um promotor de justiça, a quem cabe, por obrigação, tutelar o bem público.”

Destarte, face ao reexame compulsório, entende-se ser aplicável o art. 82,

inc. III, segunda parte, do Código de Processo Civil brasileiro, no sentido de que

compete ao Ministério Público intervir, obrigatoriamente, como custos legis e

defensor da ordem jurídica, nas causas em que haja interesse público primário200

(objeto) evidenciado tão somente pela natureza da lide (defesa do patrimônio

público, do erário – bens jurídicos tutelados) e não pela qualidade da parte (Fazenda

Pública / Estado-Administração), a fim de, necessariamente, verificar a observância

do princípio da legalidade (lato sensu) – devido processo legal substantivo – e

impedir a concretização de ameaça ou lesão aos referidos patrimônio público e

erário, sem prejuízo de outras ações (p. ex. ação civil pública e ação de improbidade

administrativa), inclusive sob pena de nulidade [arts. 84 (“Quando a lei considerar

obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a intimação

sob pena de nulidade do processo.”) e 246 (“É nulo o processo, quando o Ministério

Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir. Parágrafo único.

Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará

a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.”), ambos do Código de

Processo Civil].

Elpídio Donizetti Nunes201 também considera:

Quanto ao interesse público evidenciado pela qualidade da parte, não é a simples presença de entidade de direito público que justifica a intervenção, cabendo ao juiz, em cada caso, examinar a existência de interesse, levando-se em conta, além da qualidade da parte, a repercussão da demanda. (...). Adota a Justiça Estadual praxe viciosa de intimar o Ministério Público para todas as causas em que num dos polos figure uma pessoa jurídica de direito público, ainda que o direito controvertido tenha reflexo meramente econômico. Juízes que assim procedem esquecem-se de que tais entidades, para defender seus interesses, dispõem de quadro de procuradores concursados. Esquecem-se também de que, em face da evolução do Ministério Público, entre as atribuições do órgão não mais figuram as de defender o Rei, o Estado. Modernamente, incumbe ao Ministério Público a defesa da sociedade.

200 Reitera-se: “O interesse público não se identifica com o da Fazenda Pública (RTJ 93:226, 94:395, 94:899, 133:345; STF-RP 25:324; RTFR 143:97, RJTJESP 113:237, JTJ 174:262), mesmo porque esta é representada por seu procurador e se beneficia do disposto no art. 475-II e III.” 201 NUNES, Elpídio Donizetti. Curso didático de direito processual civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 99.

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Assim, a simples alegação de que o órgão fazendário esteja plenamente

representado (procurador / advogado) em juízo não retira o caráter social a ser

preservado e defendido pelo órgão ministerial, o qual deve ater-se aos fins sociais e

às exigências do bem comum.

Jurisprudencialmente, e a título histórico:

AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO MOVIDA POR PREFEITURA MUNICIPAL CONTRA EMPRESA PRIVADA. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO DO INCISO III, DO ART. 82, DO CPC. NO EXAME DE CADA CASO DEVE O JULGADOR IDENTIFICAR A EXISTÊNCIA OU NÃO DO INTERESSE PÚBLICO. O FATO DE FIGURAR NA RELAÇÃO PROCESSUAL PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA NÃO SIGNIFICA, POR SI SÓ, A PRESENÇA DO INTERESSE PÚBLICO, DE MODO A ENSEJAR A OBRIGATÓRIA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O INTERESSE PÚBLICO, AÍ, QUER SIGNIFICAR UM INTERESSE GERAL LIGADO A VALORES DE MAIOR RELEVÂNCIA, VINCULADOS AOS FINS SOCIAIS E AS EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM QUE A VONTADE PRÓPRIA E ATUAL DA LEI TEM EM VISTA. NA ESPÉCIE HÁ SIMPLES AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, A ENVOLVER APENAS O INTERESSE PATRIMONIAL DO MUNICÍPIO, SEM REPERCUSSÃO RELEVANTE NO INTERESSE PÚBLICO, DE MODO A JUSTIFICAR A INTERVENÇÃO PREVISTA NO INC. III DO ART. 82 DA LEI ADJETIVA CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM FACE DO DISSIDIO JURISPRUDENCIAL, E PROVIDO.202

Enfim, o atual papel do Ministério Público no Estado de Direito

Democrático é zelar precipuamente pelo interesse público primário, pelo que urge a

sua atuação nesse viés.

2.6.4 Artigo 475 do Código de Processo Civil (1973): norma jurídica (in)válida?

A quarta indagação refere-se a se saber se o art. 475 do Código de

Processo Civil (1973) é ou não norma jurídica válida.

202 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da 2ª Turma do STF. Recurso extraordinário n. 90.286 – PR. Relator: Ministro Djaci Falcão. Julgamento em: 28 set. 1979. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:supremo.tribunal.federal;turma.2:acordao;re:1979-09-28;90286->. Acesso em: 11 jul. 2013.

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Para tanto, visando à comprovação da validade de uma norma jurídica,

impõe-se verificar cumulativamente, conforme ensinamento de Renan Lotufo203:

a) se a autoridade que a promulgou detém o poder legítimo para expedir normas jurídicas; b) se essa autoridade tem competência ratione materiae para editá-la; c) se a norma não foi revogada expressamente por outra norma; d) se a norma não é incompatível com outras normas do sistema (revogação implícita ou tácita), especialmente com uma norma hierarquicamente superior ou com uma norma posterior; e) se foi observado o processo legislativo (due process of Law).

Está-se diante do problema ontológico do direito, uma vez que a validade

é questão existencial da norma jurídica, independentemente do juízo de valor.

Nesse contexto, o dispositivo legal em verificação – vigente art. 475 do

Código de Processo Civil (1973), atinente ao reexame necessário –, trata-se de Lei

Ordinária Federal, in casu, a de n. 10.352/2001.

Por assim dizer, o presidente da República Federativa do Brasil, enquanto

chefe de governo, e representante da União, através desta, detém competência

privativa ratione materiae para legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I, da

CRFB/1988).

Historicamente, sob o contexto do processo legislativo – que foi

observado no caso em apreciação –, teve início pela Mensagem n. 1.110/2000, do

então presidente Fernando Henrique Cardoso, a qual foi transformada no projeto de

lei n. 3.474/2000 na Câmara dos Deputados, posteriormente submetido à

consideração do Congresso Nacional e, aprovado, levado à sanção presidencial, em

obediência ao art. 84, inc. III, da CRFB/1988.

Verifica-se, também, que o aludido dispositivo legal foi promulgado por

autoridade que detém o poder legítimo para expedir norma jurídica: o presidente da

República Federativa do Brasil, nos termos do art. 84, inc. IV, da CRFB/1988.

Ademais, referida norma jurídica (Lei Ordinária Federal n. 10.352/2001,

correspondente ao vigente art. 475 do Código de Processo Civil) ainda não foi

revogada expressamente por outra de igual ou superior valia.

203 LOTUFO, Renan (Coord.). A validade e a eficácia das normas jurídicas. Barueri: Manole, 2005. p. 33-34.

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Por fim, interessa saber se a norma jurídica em comento (art. 475 do

CPC) é ou não incompatível com outras normas jurídicas.

Entende-se que o destacado dispositivo legal (art. 475 do Código de

Processo Civil) – norma jurídica (regra) ordinária federal que é –, encontra objeção

frente ao princípio-valor da igualdade, previsto como norma jurídica no art. 5º, caput,

primeira parte (igualdade formal), e inc. XXXVII (igualdade material: jurisdicional), da

CRFB/1988.

Daí se observa a denominada antinomia jurídica, questão já debatida no

item 2.1 deste trabalho.

Então, para que ocorra a referida antinomia jurídica, segundo Maria

Helena Diniz204, torna-se preciso que:

a) Ambas as normas sejam jurídicas. (...). b) Ambas sejam vigentes e pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico. (...). c) Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito. (...). d) Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e os seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do outro, (...). e) O sujeito, a quem se dirigem as normas conflitantes, deve ficar numa posição insustentável. (...).(grifos no original).

No caso em apreciação, tanto o art. 475 do CPC quanto o art. 5º, caput,

primeira parte, e inc. XXXVII, da CRFB/1988, são normas jurídicas, vigentes,

pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico, emanadas de autoridades

competentes num mesmo âmbito normativo (federal), prescrevem ordens ao mesmo

sujeito (jurisdicionados), apresentam operadores opostos (o dispositivo

constitucional obriga a igualdade e o do Código de Processo Civil permite a

desigualdade processual) e os seus conteúdos são a negação interna um do outro

(a norma constitucional atém-se a uma igualdade, seja formal ou material, no âmbito

processual, e a norma processual civil em discussão, nega referida igualdade).

Enfim, há uma posição insustentável para o destinatário da norma jurídica, diante de

tal conflito, característico de antinomia aparente.

204 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 21-23.

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Logo, impõe-se a resolução, conforme preceitua também Maria Helena

Diniz205:

Sendo aparente a antinomia, o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio de subsunção, mediante simples interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico e da especialidade).

Alberga-se o fato de que os sistemas positivos podem apresentar

contradições (incoerências) intrassistemáticas, sejam ratione formae ou ratione

materiae.

Tratando-se, então, de antinomia própria de direito interno, resolve-se

pelo critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), pelo qual uma norma

jurídica superior (art. 5º, caput, primeira parte, e inc. XXXVII, da CRFB/1988)

prevalece sobre a inferior (art. 475 do Código de Processo Civil).

José Joaquim Gomes Canotilho206 refere-se à Constituição como “norma

superior do ordenamento jurídico”, estabelecendo-a, por assim dizer como

o conjunto de normas jurídicas positivas (regras e princípios) geralmente plasmadas num documento escrito (“constituição escrita”, “constituição formal”) e que apresentam relativamente às outras normas do ordenamento jurídico carácter fundacional e primazia normativa. (grifo no original).

Ora, na relação jurídico-processual deve haver igualdade de condições

entre as partes litigantes, a fim de que seja almejada a justiça (aspecto abordado no

item 2.6.2), até porque a classe é única, ou seja, a de litigantes, em que pesem seus

interesses (públicos, fazendários e privados) antagônicos na lide.

Aliás, segundo Piero Calamandrei207: “O tratamento igual de todos os que

pertencem a essa classe é, portanto, consequência necessária da correta aplicação

da regra.” Então, não se devem admitir privilégios. Admiti-los no contexto

processual, enseja uma afronta ao direito sacrossanto à paridade absoluta das

partes litigantes.

205 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 26. 206 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.147. 207 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. Título original: Elogio dei giudici scritto da un avvocato. p. 126.

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Segundo Nelson Nery Junior208 e Rosa Maria Andrade Nery:

Como decorrência do princípio da paridade das partes, o contraditório significa dar as mesmas oportunidades para as partes (Chancengleichheit) e os mesmos instrumentos processuais (Waffengleichheit) para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta, requerendo e realizando provas, recorrendo das decisões judiciais etc.

Willis Santiago Guerra Filho209 também enaltece que a

doutrina qualifica como verdadeiro privilégio, anti-isonômico e inconstitucional, (...), com impingir o duplo grau de jurisdição em razão da pessoa de uma das partes, a Fazenda, e não, em razão da relevância pública da matéria, objeto do processo (...). Para usar a expressão de Häberle (1997, p. 42, nota), vale manifestar a preocupação (ou expectativa) de que sua “pós-história” revele tais normas como inconstitucionais.

Estabelecidas tais premissas, e retornando-se à indagação sobre a

validade ou não do art. 475 do Código de Processo Civil, inclusive, ao magistério de

Robert Alexy210, segundo o qual “uma norma é juridicamente válida se foi

promulgada por um órgão competente para tanto, segundo a forma prevista, e se

não infringe um direito superior”, chega-se à conclusão de que o mencionado

dispositivo legal é inválido, eis que infringe norma jurídica superior.

2.6.5 Colisões entre os princípios do duplo grau de jurisdição obrigatório e da

igualdade: solução.

A par da invalidação da norma jurídica (art. 475 do CPC) enquanto regra,

uma vez que conflita com o art. 5º, caput, primeira parte, e inc. XXXVII, da

CRFB/1988 (vide item 2.6.4 retro), conquanto, em virtude de um duplo grau de

jurisdição que deve ser voluntário, a fim de almejar a igualdade entre as partes (vide

208 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 188. 209 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2001. p. 152-153. 210 ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Título original: Begriff und geltung des rechts. p. 104.

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item 2.6.2 retro), gera, por via de consequência, indagação sobre a solução para as

colisões entre os princípios do duplo grau de jurisdição obrigatório e o da isonomia.

Humberto Ávila211 dispõe que:

corrente doutrinária, capitaneada pelos estudos de Dworkin e Alexy, sustenta que os princípios são normas que se caracterizam por serem aplicadas mediante ponderação com outras e por poderem ser realizadas em vários graus, contrariamente às regras, que estabelecem em sua hipótese definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido, e que, por isso, exigem uma aplicação mediante subsunção. Essa é a teoria moderna do Direito Público, inicialmente difundida pelos estudos de Filosofia e Teoria Geral do Direito e depois transportada para os trabalhos de Direito Constitucional. É dessa concepção que vem a afirmação de que os princípios são diferentes das regras relativamente ao modo de aplicação e ao modo como são solucionadas as antinomias que surgem entre eles. A diferença quanto ao modo de aplicação é a seguinte: enquanto as regras estabelecem mandamentos definitivos e são aplicadas mediante subsunção, já que o aplicador deverá confrontar o conceito do fato com o conceito constante da hipótese normativa e, havendo encaixe, aplicar a consequência, os princípios estabelecem deveres provisórios e são aplicados mediante ponderação, na medida em que o aplicador deverá atribuir uma dimensão de peso aos princípios diante do caso concreto. A diferença quanto ao modo de solução de antinomias é a que segue: enquanto o conflito entre regras ocorre no plano abstrato, é necessário e implica declaração de invalidade de uma delas caso não seja aberta uma exceção, o conflito entre princípios ocorre apenas no plano concreto, é contingente e não implica declaração de invalidade de um deles, mas apenas o estabelecimento de uma regra de prevalência diante de determinadas circunstâncias verificáveis somente no plano da eficácia das normas.

Aplicável, pois, na espécie, o sopesamento, de modo a se desvendar

aquele princípio (ambos são válidos e estão no mesmo nível hierárquico

constitucional) que tem maior peso no caso concreto.

Luís Roberto Barroso212 enaltece:

A denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição. O legislador não pode, arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo e anular o outro, sob pena de violar o texto constitucional. Seus balizamentos devem ser o princípio da razoabilidade e a preservação, tanto quanto possível, do núcleo mínimo do valor que esteja cedendo passo. Não há, aqui, superioridade formal de nenhum dos princípios em tensão, mas a simples determinação da solução que melhor atende o ideário constitucional na situação apreciada. (grifos no original).

211 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 87. 212 BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 32-33.

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Então, o simples ato de se pretender a igualdade entre as partes em juízo

já é suficiente para demonstrar a relevância (e justeza) do princípio da igualdade.

Cármen Lúcia Antunes Rocha213 também destaca:

Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.

Nesse contexto, não há dúvida de que o princípio da igualdade deve

prevalecer – por sopesamento – sobre o princípio do duplo grau de jurisdição

obrigatório, restando respondida a quinta indagação.

2.6.6 Afronta aos valores da justiça e da igualdade?

Verificou-se no item 1.4.3 deste ensaio, que a Fazenda Pública detém

prerrogativa pública, e, por via de consequência, coleciona privilégios, dentre eles o

duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil). Não há

dúvida sobre tal.

Entretanto, discussão há quanto a possível afronta do aludido reexame

compulsório em relação aos valores da justiça e da igualdade – a sexta indagação.

De antemão, vale observar ensinamento de Hans Kelsen214:

Se a estatuição da norma do direito positivo contraria a norma de justiça, valor de justiça e valor jurídico não coincidem; diz-se então que a norma do direito positivo é injusta. No entanto, a justiça e a injustiça, que são afirmadas como qualidades de uma norma jurídica positiva cuja validade é independente desta sua justiça ou injustiça, não são – ou não são imediatamente, pelo menos – qualidades desta norma, mas qualidades do ato pelo qual ela é posta, do ato de que ela é sentido.

213 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Jurídicos Lê, 1990. p. 118. 214 KELSEN, Hans. O problema da justiça. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Título original: Das problem der gerechtigkeit. p. 8-9.

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Não se aplicando o chamado “reducionismo”, seja pela concepção

jusnaturalista (a que reduz a validade à justiça) – embora a entendendo como a

ideal, e assim o é –, seja pela positivista (a que reduz a justiça à validade), ou pela

realista (a que reduz a validade à eficácia), tratar-se-á dos mencionados valores da

igualdade e da justiça sob um contexto interdisciplinar.

Norberto Bobbio215, o qual refuta a teoria que reduz a validade à justiça

por entender que esta não é uma verdade evidente ou pelo menos demonstrável

como uma verdade matemática, também menciona:

(...). Aqui, a corrente do direito natural vem à tona apenas devido ao fato de que há uma tendência geral entre os seus teóricos de reduzir a validade à justiça. Poderíamos definir essa corrente de pensamento jurídico como aquela segundo a qual uma lei, para ser lei, deve estar de acordo com a justiça. Lei em desacordo com a justiça non est lex sed corruptio legis. Uma recente e exemplar formulação dessa doutrina pode ser lida na seguinte passagem de Gustav Radbruch: (...): “Pode haver leis com tal medida de injustiça e de prejuízo social que seja necessário refutar-lhes o caráter jurídico [...] tanto há princípios jurídicos fundamentais mais fortes que toda normatividade jurídica, que uma lei que os contrarie carece de validade”; e ainda: “Onde a justiça não é nem mesmo perseguida, onde a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, é conscientemente negada em nome do direito positivo, a lei não somente é direito injusto como carece em geral de juridicidade. [Rechtsphilosophie (Filosofia do Direito), 4ª ed., 1950, p. 336-353].

Daí porque há que se distinguir eficácia, validade e justiça. E daí também

porque persiste a indagação. Evidentemente que justiça e igualdade são aspectos

totalmente diferentes quando tais valores correspondam apenas a direitos e

garantias materiais (e não processuais). Dizer-se que deve haver justiça e igualdade

no que tange à efetivação de direitos e garantias materialmente previstos tem

sentido e lógica.

Para John Rawls216:

Todos os valores sociais (...) devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos. (...). A injustiça se constitui, então, simplesmente de desigualdades que não são vantajosas para todos.

215 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Ariani Bueno Sudatti e Fernando Pavan Baptista. 5. ed. São Paulo: Edipro, 2012. Título original: Teoria della norma giuridica. p. 56-57. 216 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Jussara Simões. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Título original: A theory of justice. p. 75.

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Porém, é contraproducente, em pleno século XXI, manter-se no

ordenamento jurídico brasileiro um instrumento inquisitório (1355) e apto a gerar

injustiça e desigualdade processuais: o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475

do Código de Processo Civil).

Mauricio Giannico217 dispõe:

O excesso de prerrogativas processuais do Estado, justificável apenas sob a ótica de uma inaceitável filosofia política totalitária, remete-nos a uma concepção ultrapassada, nociva e contrastante com as já conhecidas tendências da universalização da jurisdição, da efetividade do processo e da pacificação social com justiça. Esses privilégios são, no mais das vezes, indesejáveis resquícios advindos dos sistemas antidemocráticos que regeram o contexto nacional vivido nas décadas de 30 e 40 (Estado Novo) e, na prática, subsistem por uma mera comodidade institucional. (grifo no original).

Jurisprudencialmente:

As normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.218

Nesse sentido, não há que se estremecer diante do fato de que há

verdadeira injustiça e desigualdade processuais. Um retrocesso aos tempos

medievais.

Eduardo Carlos Bianca Bittar219 e Guilherme Assis de Almeida comentam:

A justiça, porém, só se realiza se pensada como igualdade (aspecto material da justiça). Ela acontece, ela opera, ela se dá nas relações, ou seja, ela está presente nas relações humanas e corporifica-se como igualdade, que pode ser aritmética ou geométrica (aspecto formal da justiça), conforme se tenha em vista a igualdade absoluta ou a igualdade proporcional. A opção pela adoção da justiça geométrica, que tem em consideração a proporcionalidade (distribuição de deveres e direitos, permitindo a existência de desigualdades) ou da aritmética (igualitarismo

217 GIANNICO, Maurício. Remessa obrigatória e o princípio da isonomia. Revista de Processo , São Paulo, v. 28, n. 111, jul./set. 2003. p. 53-54. 218 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 6ª Turma do STJ. Agravo regimental no agravo por instrumento n. 500.159 – PR. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido. Julgamento em: 19 dez. 2003. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1072058&sReg=200300032074&sData=20040216&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 31 mar. 2013. 219 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 525-526.

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levado ao extremo) dependerá de códigos forte e fraco prevalecentes axiologicamente na sociedade. De qualquer forma, o que se percebe é que Direito e justiça são conceitos diferentes, que às vezes andam em sintonia, às vezes em dissintonia. Há que se ressaltar, no entanto, que se nem sempre o Direito caminha pari passu com a justiça, ainda assim ele a busca, ele nela deposita sua finalidade de existir e operar na vida social. O Direito deve ser o veículo para a realização da justiça. Em outras palavras, a justiça deve ser a meta do Direito.

No entanto, é certo que a norma jurídica é imperativa. O juiz deve cumpri-

la. Sendo assim, albergando-se o princípio da continuidade das normas, até que se

retire do ordenamento jurídico o art. 475 do vigente Código de Processo Civil (1973),

alusivo dispositivo legal não poderá ser descumprido (teoria da obediência).

Para Alf Ross220:

Em termos gerais, a justiça social é promovida pelas leis, que determinam as condutas individuais e grupais da comunidade e definem, assim, o que é justo e o que é injusto. Embora possamos dizer que o objetivo de todas as leis seja estabelecer uma convivência equilibrada e igualitária entre todas as pessoas, o bem (e a justiça) que elas podem promover não ocupa o mesmo lugar do bem e da justiça na ética. O próprio fato de existirem violações das leis – sempre, com maior ou menor frequência e gravidade – indica que a justiça perfeita não deve ser entendida somente como um conjunto de leis perfeitas, cumpridas perfeitamente. Em certo sentido, as leis definem a justiça, pois enunciam o que é bom e mau, o que é certo e errado, o que é justo e injusto; o ideal seria que a justiça definisse as leis, e não o contrário. Mas é possível existirem leis injustas (ou inúteis, caducas, que se distanciam da realidade), que têm de ser modificadas ou abolidas à medida que a sociedade evolui.

Então, por óbvio, seria muito mais ético que o Estado, em sã consciência,

reconhecesse a falibilidade humana, seja do legislador, seja do próprio magistrado;

aliás, nas palavras de Piero Calamandrei221: “chegando a reconhecer abertamente

seu erro, se for o caso, sem se perguntar se reconhecê-lo pode parecer uma

diminuição de seu prestígio. Para o juiz, a verdade deve contar mais que a

prepotência alheia, e mais também que seu amor-próprio.”

Tal ato judicante neutro seria o ponto de equilíbrio justo a ofertar a tão

bem-vinda imparcialidade processual, em verdadeiro compromisso democrático.

220 ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2007. Título original: On law and justice. p. 318. 221 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. Título original: Elogio dei giudici scritto da un avvocato. p. 126.

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Marina França Santos222 também destaca:

O processo, dessa forma, deve ser plenamente adaptado à realidade em que atua, tanto no que concerne aos sujeitos envolvidos, considerando suas condições sociais, financeiras e técnicas, com o fim de promover o acesso e o equilíbrio da participação.

Enfim, a justiça pressupõe verdade compatível com a realidade e

sinceridade como elemento ético, porquanto escusos interesses (do Estado, no caso

do reexame compulsório em matéria atinente ao processo civil) possibilitam o

injusto; e, uma vez destituídas de fundamento ético, não deveriam ser obedecidas.

Por sua vez, Miguel Reale223 menciona que

o problema das regras jurídicas imperfeitas, pois, a rigor, devem ser consideradas perfeitas só as normas de Direito dotadas de fundamento ético e que, originadas de um processo coerente e lógico de competências, sejam efetivamente obedecidas pelos membros de uma convivência: nelas, por conseguinte, atende-se a exigências axiológicas, psicossociológicas e técnico formais. (grifo no original).

Viu-se que o ato legislativo instituidor do art. 475 do Código de Processo

Civil, que prescreve tratamento desigual entre as partes ligantes, corrobora ato

judicial (remessa necessária), o qual, igualmente com a norma positiva em análise, é

injusto.

Guilherme Assis de Almeida224 e Martha Ochsenhofer Christmann

exaltam:

O Direito relaciona-se com a justiça, pois tem ela como finalidade e depende da prudência, já que é esta que pautará sua forma de atuação. Jurídico significa “dizer o justo”, e o que é a atividade processual: uma forma de dizer o justo com prudência. Para que o princípio do duplo grau de jurisdição? (...). Para que serve tudo isso? Se não como um modo de garantir uma justa prestação jurisdicional. Parafraseando São Tomás de Aquino, o processo é a opção “bem regrada” do Direito. (grifo no original).

Daí, como objeto da Filosofia do Direito, vê-se a justiça (valor) relacionada

a um material (no caso desta tese doutoral, o art. 475 do Código de Processo Civil).

222 SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 32. 223 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 591-592. 224 ALMEIDA, Guilherme Assis de; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 22.

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Registre-se também salutar pensamento do professor Paulo Nader225,

acerca das leis injustas:

A incompetência ou a desídia do legislador pode levá-lo à criação de leis irregulares, que vão trair a mais significativa das missões do Direito, que é a de espargir justiça. Lei injusta é a que nega ao homem o que lhe é devido, ou que lhe confere o indevido, quer pela simples condição de pessoa humana, por seu mérito, capacidade ou necessidade. (...). Distinguimos, nas leis injustas, uma divisão tricotômica: as injustas por destinação, as casuais e as eventuais. As injustas por destinação são as que vão cumprir uma finalidade já prevista pelo legislador. São leis que já nascem com o pecado original e levam consigo o selo da imoralidade. As casuais são as que surgem em decorrência de uma falha de política jurídica. A regulamentação do fato social é feita de uma forma infeliz, em consequência de inépcia na apreciação do fenômeno e na consagração dos valores. Não há, por parte do órgão que as edita, consciência dos efeitos prejudiciais que irão causar. As suas normas são injustas não apenas em concreto, ou seja, no momento da subsunção, mas também em abstrato, independentemente das características peculiares do fato real. As leis injustas eventuais, do mesmo modo que as casuais, não têm por base a má-fé do legislador. Surgem por incompetência de técnica legislativa. Em abstrato, são justas, podendo, contudo, tomar feição oposta eventualmente, de acordo com as particularidades do caso em si. Na dependência, pois, das coordenadas da questão, a lei poderá ser injusta ou não. Sê-lo-á, portanto, eventualmente. (grifos no original).

Robert Alexy226 lembra de valiosa decisão judicial, acerca da denominada

“injustiça legal”, a qual foi firmada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão

(1968), in verbis:

Foi justamente a época do regime nacional-socialista na Alemanha que ensinou que o legislador também pode estabelecer a injustiça (BVerfGE [Bundesverfassungsgericht, Tribunal Constitucional Federal] 3, 225 (232). Por conseguinte, o Tribunal Constitucional Federal afirmou a possibilidade de negar aos dispositivos ‘jurídicos’ nacional-socialistas sua validade como direito, uma vez que eles contrariam os princípios fundamentais da justiça de maneira tão evidente que o juiz que pretendesse aplicá-los ou reconhecer seus efeitos jurídicos estaria pronunciando a injustiça, e não o direito (BVerfGE 3, 58 (119); 6, 132 (198)).

No caso do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do CPC), não

obstante ter sido promulgado por autoridade competente (presidente da República),

referido dispositivo legal infringe, prima facie, e estritamente sob o ponto de vista do

225 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 115-116. 226 ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Título original: Begriff und geltung des rechts. p. 7.

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justo, o preâmbulo constitucional (de natureza meramente política e não normativa –

ADI n. 2.076-5):

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifo nosso).

Logo, está-se também diante de uma norma jurídica injusta.

Dentro do reducionismo, o professor Wagner Balera227 enfatiza: “Só será

válido – na acepção jurídica do termo – aquele modelo de desenvolvimento que

esteja baseado em legislação que corresponda às exigências da justiça.”

Sobre tal viés, Norberto Bobbio228 destaca:

A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. (...). O valor de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, pela qual esta é conforme o direito ideal (entendida como síntese de todos os valores fundamentais nos quais o direito deve se inspirar); dizer que uma norma jurídica é válida ou justa significa dizer que esta corresponde ao direito ideal. O contrário de validade é invalidade e o contrário de valor (ou justiça) é desvalor (ou injustiça). Temos assim dois pares de termos (validade – invalidade; valor – desvalor) que não podem ser superpostos, porque representam dois pares de juízos sobre direito formulados com base em critérios reciprocamente independentes. Ora, a posição jusnaturalista sustenta que para uma norma ser válida deve ser valorosa (justa); nem todo o direito existente é portanto direito válido, porque nem todo é justo. Esta posição identifica o conceito de validade e o de valor, reduzindo o primeiro ao segundo. Há uma posição juspositivista extrema que inverte a posição jusnaturalista. Também esta identifica os dois conceitos, mas reduzindo o conceito de valor ao de validade: uma norma jurídica é justa pelo único fato de ser válida (isto é, de provir da autoridade legitimada pelo ordenamento jurídico para pôr normas). É difícil, porém, encontrar um positivista que conscientemente assuma esta posição extrema. Talvez essa posição se possa encontrar em Hobbes, segundo o qual no estado de natureza não existem critérios para distinguir o justo do injusto, visto que tais critérios somente surgem com a constituição do Estado, sendo representados pelo comando do soberano (é justo o que o soberano ordena e injusto o que o soberano veta).

227 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 25. 228 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. Título original: Il positivismo giuridico: lezioni di filosofia del diritto. p. 136-138.

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Mas não é esta a posição típica do positivismo jurídico. Neste, ao contrário, é habitual distinguir e separar nitidamente o conceito de validade daquele de valor (pode, de fato, haver um direito válido que é injusto e um direito justo – por exemplo, o direito natural – que é inválido). (grifos no original).

Assim, se se filiar à corrente jusnaturalista – e opta-se por assim dizer –,

realmente também há que se negar validade às leis injustas – como é o caso do

duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil) –, por

razão teleológica do direito, cujo fim é o bem comum, e de modo a consagrar valores

como a justiça e a igualdade.

2.6.7 (In)utilidade do reexame compulsório no processo civil

A sétima indagação diz respeito à utilidade ou não do reexame

compulsório no processo civil.

Por tudo o que restou constatado, percebe-se claramente que o reexame

compulsório no processo civil, nos exatos termos do art. 475 do Codex, exige o

rejulgamento da matéria apreciada em instância de piso à imediatamente superior, a

fim de gerar seus jurídicos e legais efeitos concretos no mundo fenomênico em

caráter definitivo, exceto se plausível ação rescisória (art. 485 do CPC).

Logo, chega-se à conclusão surreal de que há verdadeiro desprestígio ou

desconfiança quanto à sentença proferida pelo juiz de direito, tornando-a, de certa

maneira, inútil.

Por outro lado, sem o correspondente recurso voluntário (apelação) da

parte prejudicada, o reexame compulsório torna-se um “instrumento de denegação

da justiça, constituindo-se num entrave ao pleno e efetivo acesso à justiça”,

conforme frisa Maira Terra Lauar229, de modo a frear a duração razoável do

processo e alimentá-lo injustificadamente no tempo em prol da Fazenda Pública.

Então, diz-se da famigerada morosidade processual, cujo brocardo norte-

americano aponta: “justice delayed is not justice” (justiça atrasada não é justiça).

229 LAUAR, Maira Terra. Remessa necessária: questões controvertidas. In: ______; FARIA, Juliana Cordeiro de; JAYME, Fernando Gonzaga (Coord.). Processo civil: novas tendências: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 494.

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Por vezes, pessoas amargam anos, à espera de uma resposta

jurisdicional, a qual, mormente nas ações em que figuram de um lado o Estado,

passa-se de uma década, ou até mais, e o sonho à percepção do que lhe é devido

[p. ex. na “via-crúcis” do precatório – em obediência à parcialmente inconstitucional

(ADIs n. 4.357 e n. 4.425) e denominada “PEC do calote” (Emenda Constitucional n.

62/2009), ou pela prevaricação, ou até mesmo pela falta de estrutura material e

pessoal no Poder Judiciário] esvai-se de esperança, esfacela-se diante da morte. E

é lamentável a morosidade processual no Brasil.

Nesse diapasão, e tendo em vista que os valores devem ser úteis,

igualitários e justos, torna-se óbvio que o reexame compulsório, na atualidade, não é

útil, tampouco justo, senão, mero instrumento à desigualdade processual.

Alysson Leandro Mascaro230 também pontua:

Em geral as reflexões sobre as reformas processuais brasileiras partem de constatações meramente formais: expõem-se os institutos dos diversos códigos processuais que foram vigentes no país – desde as Ordenações, passando pelos antigos códigos estaduais, os de processo de 39, 73, e mostrando como as reformas atuais oferecem novidade em face de um entulho processual histórico que, em muitos casos, vem do Portugal medieval. No entanto, esta reflexão a respeito das mudanças no processo brasileiro é falha. Sua maior carência reside no fato de que o processo civil, em 500 anos de história de Brasil oficial, quase nunca foi algo vivido ou saído da experiência do povo brasileiro, de suas necessidades, demandas ou buscas de justiça, mas sim foi uma soma de institutos importados, segundo necessidades estrangeiras e lógicas diversas, para uma realidade nacional cujos pressupostos, no mais das vezes, eram totalmente diferentes dos estrangeiros. Assim, foi-se criando, na realidade brasileira, uma conjunção de interesses exploratórios e predadores, econômicos, políticos e sociais, com uma legitimação em estruturas institucionais jurídicas e processuais aparentemente legítimas, porque validadas por construções com forma processual e jurídica. O problema brasileiro com o direito, no entanto, sempre foi outro. (...). Realimentar esses sonhos de justiça faz parte da gestação de um processo mais justo, que é reflexo necessário, por sua vez, de um direito preocupado não mais com só com sua tecnicidade, mas também com os caminhos e os objetivos do justo.

Por assim dizer, não resta dúvida de que já se passou do momento de

extirpar a remessa necessária do ordenamento jurídico brasileiro, por razões óbvias:

a) enseja injustificado privilégio processual à Fazenda Pública; b) sedimenta a

desigualdade processual; c) falta relevância social.

230 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito e filosofia política: a justiça é possível. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 61, 62 e 69.

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Nesses vieses, torna-se evidente que o duplo grau de jurisdição

obrigatório possibilita um injustificável privilégio processual à Fazenda Pública, em

patente detrimento do particular, bem assim, sedimenta uma desigualdade

processual, de tal modo que o Estado-Administração é tratado com franca primazia

de benesses, num processo civil cujo cerne é a imparcialidade, ou seja, o tratamento

isonômico que deve ser dispensado às partes pelo Estado-Juiz. Falta também

relevância social, ao passo em que o interesse público que deveria ser protegido é o

estritamente primário (da coletividade) e não o secundário (próprio da pessoa

jurídica de direito público), além do que, tal proteção (do interesse público primário),

deve ser mediante pessoa legítima (por ponderação: o Ministério Público) ou por

recurso voluntário do próprio Estado-Administração, mas jamais pelo Poder

Judiciário, o qual se encontra amarrado diante de uma lei inválida e injusta.

Enfim, a responsabilidade primária pela permanência do reexame

compulsório do provimento jurisdicional como norma no direito brasileiro é do próprio

legislador, o qual poderia (e deve) revogar o art. 475 do Código de Processo Civil.

Por assim dizer, será que o Estado-legislador pretende a aludida

revogação? Não se crê. O protecionismo estatal impera.

E o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil (NCPC) demonstra a

continuidade do instituto do reexame compulsório no ordenamento jurídico pátrio.

Mas o intérprete da norma, diz Carlos Maximiliano231:

Não pode o intérprete alimentar a pretensão de melhorar a lei com desobedecer às suas prescrições explícitas. Deve ter o intuito de cumprir a regra positiva, e, tanto quanto a letra o permita, fazê-la consentânea com as exigências da atualidade. Assim, pondo em função todos os valores jurídico-sociais, embora levado pelo cuidado em tornar exequível e eficiente o texto, sutilmente o faz melhor, por lhe atribuir espírito, ou alcance, mais lógico, adiantado, humano, do que à primeira vista a letra crua pareceria indicar. O hermeneuta de hoje não procura, nem deduz, o que o legislador de anos anteriores quis estabelecer, e, sim, o que é de presumir que ordenaria, se vivesse no ambiente social hodierno. Sem esbarrar de frente com os textos, ante a menor dúvida possível o intérprete concilia os dizeres da norma com as exigências sociais; mostrando sempre o puro interesse de cumprir as disposições escritas, muda-lhes insensivelmente a essência, às vezes até malgrado seu, isto é, sem o desejar; e assim exerce, em certa medida, função criadora: comunica espírito novo à lei velha. (grifos no original).

231 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 227.

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Então, procura-se dar utilidade à remessa necessária, e, enquanto não for

exterminada do ordenamento jurídico brasileiro, a inserção do Ministério Público,

dentro de sua missão institucional à luz da CRFB/1988, é medida justa que se

impõe. Eis a utilidade.

2.6.8 (In)constitucionalidade do instituto?

O simples fato de se considerar uma norma jurídica (art. 475 do Código

de Processo Civil) como inválida (vide item 2.6.4) já seria o suficiente para entendê-

la como inconstitucional – a oitava indagação.

Aliás, José Alfredo de Oliveira Baracho232 destaca:

O vício da inconstitucionalidade, que ocorre quando as leis ordinárias contrariam as normas prescritas pelo texto maior, deve acarretar a nulidade ou ineficácia do preceito maculado. Dentro desse procedimento, pode declarar nula a norma contrária à Constituição erga omnes ou caso por caso. Como outros autores, Marcello Caetano designa consequências advindas dos pronunciamentos declarativos: – inconstitucionalidade material: decorre da existência de lei que contém preceitos que contrariam a Constituição.

Então, razão maior ainda pela inconstitucionalidade do duplo grau de

jurisdição obrigatório (art. 475 do CPC) quando se observa também no contexto de

ser uma norma jurídica injusta, ao passo em que sacramenta uma desigualdade

processual entre as partes em litígio, in casu, a Fazenda Pública versus o particular.

Assim, sob o condão da desigualdade processual, Nelson Nery Junior233 e

Rosa Maria Andrade Nery destacam que: “Da forma como tem sido interpretado o

instituto da remessa obrigatória do CPC, art. 475, pelos nossos tribunais,

notadamente pelo STJ, sua inconstitucionalidade é flagrante porque ofende o dogma

constitucional da isonomia.”

232 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 167. 233 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 95.

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Oreste Nestor de Souza Laspro234 também defende a

inconstitucionalidade do reexame necessário:

Ocorre que essa bilateralidade [qualquer resultado de primeira instância obriga o rejulgamento em segunda instância] é absolutamente excepcional, sendo que a regra geral é do reexame necessário ser aplicado não em razão da matéria, mas sim do resultado da demanda. Esse casuísmo se mostra incompatível com o princípio da igualdade exposto no inc. I do art. 5º da CF, que deve ser entendido como identidade de situações jurídicas. Não se pode admitir, evidentemente, que as partes no processo tenham tratamento desigual, sem que sua finalidade seja a equiparação de forças.

Para Ada Pellegrini Grinover235, “trata-se de verdadeiro ‘privilégio’ (na

acepção pejorativa da palavra), anti-isonômico e inconstitucional, já que estabelece

vantagem baseada na pessoa e não na relevância pública da matéria discutida”.

Igual pensamento é observado por José Rogério Cruz e Tucci e Rogério

Lauria Tucci236, segundo os quais a inconstitucionalidade da remessa necessária

ocorreria tão somente na criação de privilégios para as entidades de direito público.

Enfim, Maurício Giannico237 também enuncia que

o reexame necessário afronta a Constituição Federal, especificamente no que tange ao referido princípio da isonomia. Como se não bastassem as inúmeras vantagens processuais de que dispõe o Estado, a regra da devolução oficial o coloca em situação manifesta e injustamente mais cômoda, além de apoiar-se no falso pressuposto da incapacidade profissional, do desleixo ou mesmo da corrupção generalizada entre seus procuradores. (grifo no original).

Afinal, em sentido contrário, urge mencionar que o Tribunal Regional

Federal da 3ª Região, aos 09/11/1995, por seu Pleno, editou a Súmula (tradicional)

n. 10, no sentido de que: “O artigo 475, inc. II, do CPC (remessa oficial) foi

recepcionado pela vigente Constituição Federal.”238 O dispositivo legal citado é

alusivo à redação genuína: “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo

234 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civi l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 171. 235 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o código de process o civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. p. 45. 236 TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e processo – regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 56. 237 GIANNICO, Maurício. Remessa obrigatória e o princípio da isonomia. Revista de Processo , São Paulo, v. 28, n. 111, jul./set. 2003. p. 59. 238 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Súmula n. 10. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/NXT/gateway.dll/bibjur/jur/jur96/agosto/trf300055749.xml?fn=document-frameset.htm&f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve>. Acesso em: 21 abr. 2013.

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efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: (...); II – proferida contra

a União, o Estado e o Município; (...).” Atualmente, i. é, após a Lei Ordinária Federal

n. 10.352/2001, refere-se ao inc. I. Porém, compartilhando entendimento de Cândido

Rangel Dinamarco239: “Infelizmente, um prestigioso tribunal já sumulou a tese de que

“o art. 475, II, do Código de Processo Civil foi recepcionado pela vigente

Constituição Federal” (Súmula 10 TRF-3ª Reg.).” Por assim dizer, em que pese à

súmula (não vinculante) do TRF-3, entende-se pela inconstitucionalidade do instituto

do reexame compulsório, diante das ilações até então lançadas neste trabalho.

Noutro paradigma, de um modo geral, é cediço que muitas das vezes o

Poder Judiciário julga de acordo com a conveniência política (e não jurídica) estatal,

o que não é difícil de perceber, porquanto, “para efeito da repercussão geral, será

considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista

econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das

partes” (art. 322, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal240). Frise-se o termo “político”.

Daí porque equivocam-se aqueles que elevam o Poder Judiciário,

enquanto instituição, à condição de justiça. Não são sinônimos. Justiça é um valor e

não um órgão judicante. Claro que objetiva-se, no Poder Judiciário, efetivar os

valores da igualdade e da justiça, previstos no preâmbulo constitucional pátrio. Mas,

por vezes, a desigualdade e a injustiça imperam na “Casa da Justiça”.

Para José Renato Nalini241:

O valor justiça, quando campeia a injustiça sob as mais inesperadas de suas exteriorizações, passa a ser sobrevalorizado. Em busca da justiça é que o homem se entrega à jurisdicidade, frenética tentativa de obter o justo mediante utilização do processo e concorrido acesso ao Judiciário. A frustração para muitos decorre do fato de que o direito é mera possibilidade de resposta moral e, por isso mesmo, abriga a potencialidade de resposta imoral à pretensão de justiça. (grifos no original).

Do mesmo modo, também não se pode equivaler o termo lei ao de justiça.

A lei é um mero instrumento e não um valor. Logo, a lei (lato sensu) pode ser

considerada injusta.

239 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127. 240 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Regimento interno. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Maio_2013_versao_eletronica.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2013. 241 NALINI, José Renato. Justiça. São Paulo: Canção Nova, 2008. p. 120-121.

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Portanto, segundo Alaôr Caffé Alves242:

Por isso, ao pensar na Filosofia do Direito, tenho que refletir até que ponto o Direito não tem determinada função exatamente para manter as coisas como estão, exatamente para manter e consagrar ideologicamente as linhas de preservação disso que está aí. Há interesses de preservação e interesses de mudança. Então, é preciso entender que o próprio Direito implica também contradições e conflitos. Não do Direito em si, mas dos homens que fazem o Direito, porque o Direito não faz nada por si mesmo, só os homens fazem o Direito, só os homens criam o Direito, realizam o Direito, praticam o Direito. Eles criam o Direito segundo seus interesses, segundo o sistema em que estão inseridos: um sistema social que, vemos claramente, é profundamente desigual e injusto.

Enfim, a justiça (valor) se encontra num nível elevado, crítico, e os

demais, apenas intermediário, técnico, institucional.

Referindo-se à concepção humanística do direito, aduz Paulo Nader243:

“No Estado Democrático de Direito, fundado no respeito à ordem constitucional e

onde os direitos fundamentais da pessoa são proclamados, o comum é a legislação

guardar sintonia com o valor justiça.”

Mas, noutro contexto, Milton Paulo de Carvalho244 e Ruy Martins

Altenfelder Silva lembram que:

Quando se quer atender a interesses do Estado (lícitos ou ilícitos), abandonam-se os princípios garantidores dos direitos individuais, fortalecem-se os poderes do juiz e restringe-se a atividade das partes mediante a imposição de fórmulas.

Por via de consequência, enquanto persistir no ordenamento jurídico

brasileiro o instituto da remessa necessária, o Estado (e não a coletividade)

continuará sendo o único beneficiário de um processo desigual quanto ao tratamento

das partes, sendo-o também injusto e moroso.

Porém, ressalve-se que, hodiernamente, o processo civil deve estar

pautado na efetividade, paradigma da década de 1990, consagrado no art. 5º, inc.

LXXVIII, da CRFB/1988, como também na igualdade, enquanto instrumental da

justiça (valor).

242 ALVES, Alaôr Caffé. As raízes sociais da filosofia do direito – uma visão crítica. In: ______ et al. O que é a filosofia do direito? Barueri: Manole, 2004. p. 92-93. 243 NADER, Paulo. Filosofia do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 86. 244 CARVALHO, Milton Paulo de; SILVA, Ruy Martins Altenfelder. Poderes e deveres dos juízes. Folha de S. Paulo , São Paulo, 8 out. 2012. Seção Tendências/Debates, p. 3.

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Para Francisco Barros Dias, o duplo grau de jurisdição obrigatório245:

Como se vê, trata-se de instituto criado em priscas eras, o qual não guarda similar nos ordenamentos jurídicos alienígenas e servia para dar guarida a um processo inquisitorial. Somente sob esse ângulo, já se pode constatar que a sua senelidade aliada à sua origem autoritária e unilateral do provecto processo das inquisições, seriam suficientes para extirpá-lo, por completo, de nosso ordenamento jurídico, o qual exige, nos dias atuais, um processo em que a bilateralidade da audiência é o seu ponto maior, e a celeridade são exigências que a sociedade reclama da Justiça. (...) Além dos vícios apontados, quanto à sua origem, a remessa obrigatória afronta outros princípios técnico-jurídicos como o da efetividade, da celeridade, da economia processual, da igualdade entre as partes, da instrumentalidade, do juízo natural; porém, devemos destacar, por ser de grande utilidade prática, o fato de ser um instituto que transforma o julgamento de primeiro grau numa atividade absolutamente inútil e desprezível.

Idêntico posicionamento é o de Rafael Sérgio Lima de Oliveira246,

segundo o qual:

o reexame necessário ofende a duração razoável do processo porque é uma medida dispensável se comparada com o fortalecimento da Advocacia Pública, instituição eleita constitucionalmente como meio adequado para a proteção do interesse público personificado nas pessoas jurídicas de direito público interno em juízo.

Tal também o é de Rodrigo José Filiar247, para quem:

tem-se um processo civil arcaico, antiquado e extremamente formalista que não serve de instrumento para se conceber uma efetiva prestação jurisdicional e, consequentemente, a tutela dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

Doravante, é o que se deve trilhar, até mesmo para congratular uma

venturada e necessária boa fé processual, em oposição à natureza protecionista do

Estado, de modo a extirpar uma vantagem indevida deste em face de seu oponente

(particular) na ação judicial, cuja isonomia deve reinar dentro de uma configuração

245 DIAS, Francisco Barros. A busca da efetividade do processo. Revista de Processo , São Paulo, v. 25, n. 97, jan./mar. 2000. p. 217-218. 246 OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. O reexame necessário à luz da duração razoável do processo: uma análise baseada na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. Curitiba: Juruá, 2011. p. 207. 247 FILIAR, Rodrigo José. Efetividade da jurisdição: fundamento para um processo civil socialmente inclusivo. Âmbito Jurídico , Rio Grande, ano 13, n. 80, set. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8019>. Acesso em: 9 abr. 2013.

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processual democrática. Enfim, não há que se admitir vanglória à Fazenda Pública

sob tal contexto (duplo grau de jurisdição obrigatório).

2.7 Lex suggestione

Para João Baptista Herkenhoff248: “Temos também afirmado que o

sistema legal encerra contradições. Cabe aos juristas comprometidos com as lutas

do povo encontrar e realçar essas contradições, buscando utilizá-las em proveito das

grandes multidões empobrecidas.” Mas, papel primordial cabe ao jusfilósofo ao

analisar a problemática social e solucioná-la – pelo menos tentar – teoricamente sob

um contexto valorativo, mormente considerada a igualdade e a justiça.

Logo, partindo da análise e interpretação do direito posto, anseia-se

estabelecer soluções jurídico-políticas que, de certa forma, possam contribuir, na

prática, para um aprimoramento da legislação ordinária, e, em contrapartida,

fomentar o teor científico que a própria ciência do Direito possibilita, visando

concretizar os valores da justiça e da igualdade nas relações jurídicas, e, em

especial – e em atenção ao tema central desta pesquisa doutoral: o duplo grau de

jurisdição obrigatório –, nas decisões judiciais, de modo a sedimentar jurisprudências

em harmonia com a vontade popular.

Pelo dito, evidentemente, o estudo dogmático, necessário para uma

melhor compreensão do objeto em pauta (in casu, o art. 475 do CPC), faz alavancar

novas concepções nos meios acadêmicos, transformando o Direito (como ciência

em constante evolução e desraigado de injustiças) no instrumento de realização

social, o qual somente se instaura pela acepção concreta do processo legislativo

constitucionalmente democrático e eminentemente justo, mormente sob o anelo de

um processo que realmente venha espraiar a bem-aventurada justiça.

Ademais, a norma jurídica, no caso, a lei infraconstitucional, deve

caracterizar a generalidade, de forma que a isonomia (garantia constitucional) em

seus sentidos formal e material seja isenta de privilégios e prerrogativas processuais

a entes litigantes, desincumbindo o magistrado de função que não lhe é afeta, i. é,

248 HERKENHOFF, João Baptista. Direito e utopia. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 40.

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no que concerne à remessa necessária da sentença para rejulgamento pelo tribunal

de origem, a fim de surtir, em caráter definitivo, seus jurídicos e legais efeitos.

Espera-se que o Estado, através de seus agentes públicos, garanta

paridade de armas aos litigantes, deixando de condicionar formalidades legais

excessivas (recursos ou outros meios de impugnação), protelatórias à garantia ágil e

eficaz ao exclusivo detentor do direito, corroborando, assim, o verdadeiro sentido de

justiça.

Se assim o for, estará enraizada em nosso ordenamento jurídico a

adequada atividade isonômica que a sociedade pretende ver garantida não só

textualmente, mas também na prática de atos, fazendo-se extremamente necessária

neste terceiro milênio, o qual deverá ser marcado pela abertura político-jurídico-

filosófica do Estado de Direito Democrático, em contraposição aos regimes

antidemocráticos, inquisitivos, que se fizeram prevalentes até então (séc. XX).

Ora, o ser humano, por ter o espírito de mudança, imune não está ao erro.

Porém, a incessante busca pelo aprimoramento certamente incidirá em uma melhor

compreensão do bem comum, obtendo, satisfatoriamente, o equilíbrio entre a suas

necessidades e o bem-estar social.

O ativista do Direito, que se preocupa em dar soluções aos problemas

existentes, contribui, em última análise, para o crescimento do país (sociedade –

interesse público primário), dignificando a expressão fraternal da cidadania.

Referente ao reexame compulsório do provimento jurisdicional (art. 475

do CPC), uma vez dogmatizada a sua estrutura-matriz, eis que analisados

precipuamente o histórico, a legislação comparada, o objeto, a natureza jurídica, o

conceito, os efeitos, as implicações do direito e da filosofia (valores justiça e

igualdade), além da análise crítica efetivada neste tópico 2 da tese apresentada,

impõe-se a devida complementação da teorética pura, através de soluções que

embasarão em outro contexto a sedimentação da práxis, alicerçada, não obstante,

pelo dogmatismo.

Sabe-se, segundo Hans Kelsen249, que o Direito se assenta, também, no

denominado princípio da construção escalonada da ordem jurídica, porquanto se

249 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Título original: Reine rechtslehre. p. 309.

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observa o Direito em seu constante movimento e processo de renovação, ou seja,

da sua autocriação.

Dessa forma, vislumbra-se um futuro, a se iniciar pelo presente, e com

ênfase na novel manifestação e protesto popular no Brasil (iniciado em junho de

2013), aonde os anseios do povo devam ser categoricamente respeitados, no real

sentido e teores isonômicos, conjunturados na esfera de um Estado de Direito

Democrático, com vistas a corrigir, sobremaneira, e, por exemplo, a arbitrariedade

que é praticada e impingida em desfavor da parte adversa (particular) da Fazenda

Pública, sob o espectro do processual civil.

Nesse ínterim, diante do estudo dogmático, complementado, ora pelo

aspecto político, acerca do instituto do reexame compulsório dentro do ordenamento

jurídico brasileiro (diante da sistemática do art. 475 do Código de Processo Civil),

sugere-se a seguinte minuta:

PROJETO DE LEI DO CONGRESSO NACIONAL Nº ..., DE 201 4

Acrescenta seção à Lei Ordinária Federal

n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –

Código de Processo Civil, referente ao

reexame da sentença por interesse

público primário, e dá nova redação ao

artigo 475.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º É acrescentado ao Livro I, Título VIII, Capítulo VIII, da Lei Ordinária

Federal n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, a Seção III,

sob a rubrica “Do Reexame da Sentença por Interesse Público Primário”, e seu art.

475 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Seção III

Do Reexame da Sentença por Interesse Público Primário

Art. 475. O Ministério Público, observado o disposto no art. 82, inciso III,

segunda parte, desta Lei, requererá o reexame da sentença proferida contra

a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, as respectivas autarquias

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e fundações de direito público e o consórcio público na modalidade de

associação pública, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da intimação da

referida decisão, desde que haja ofensa ao interesse público primário

evidenciado pela natureza da lide (patrimônio público e erário).

Parágrafo único. Interposto o requerimento mencionado no caput deste

artigo, o juiz, após o juízo de admissibilidade diferido, decidirá sobre o

mesmo, declarando o(s) efeito(s) em que o recebe, e ordenará a remessa

dos autos ao tribunal, haja ou não recurso voluntário das partes.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

(...)

Sala das Sessões,

NOME DO PARLAMENTAR

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CONCLUSÃO

Chega-se ao ápice da reflexão, das ideias próprias que foram geradas

pelos conhecimentos absorvidos, figurando-se, como já dizia Ruy Barbosa250, em um

“transformador reflexivo de aquisições digeridas”.

A teoria jurídica, enquanto sistema de enunciados normativamente em

vigor (por exemplo, o art. 475 do Código de Processo Civil), traduz relevância

axiológica, eis que contempla (ou busca contemplar) a justiça, de tal modo que

presente tanto nas normas jurídicas quanto nas proposições jurídicas, em virtude do

reconhecimento jurídico coletivo (doutrina e jurisprudência tribunalícia) em

determinado tempo e específica sociedade.

Incumbe, pois, ao jurista (cientista) interpretar o direito (realidade), a fim

de construir o sistema jurídico, mormente emitindo juízos descritivos sobre a norma

jurídica, com método lógico e eficaz, cujo telos é a resolução dos conflitos das

pessoas em sociedade.

Tais conflitos – entre o social, o estatal e o privado –, existentes na figura

do reexame compulsório do provimento jurisdicional, devem ser solucionados com

prudência, sendo crucial o papel do jusfilósofo, porquanto visa propiciar uma

sociedade mais justa.

Decerto também que, no caso concreto, restará ao Poder Judiciário,

ultima ratio, julgar as causas processuais inerentes à Fazenda Pública (versus o

particular, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas ou de personificação anômala), e

que deverá ser (instituição) e estar (através de seus membros) isento de

parcialidade, mas também imbuído com conteúdo de justiça (valor) e realizar esta

efetivamente.

Nesse diapasão, o reexame compulsório do provimento jurisdicional resta

analisado na concatenação entre a norma (vigência), o fato (eficácia) e o valor

(fundamento), isto é, nos contextos da epistemologia, da culturologia e da

deontologia, respectivamente.

250 OLIVEIRA, Ruy Barbosa de. Oração aos moços. Leme: Edijur, 2006. p. 30.

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De origem lusitana, o instituto do reexame compulsório surgiu por Lei

processual penal, datada de 12 de março de 1355, atinente aos denominados feitos

das injúrias, com o fito de corrigir o rigor do princípio dominante e os exageros

introduzidos no processo inquisitório, consubstanciando em apelação à Corte do

Rei.

Ademais, a então figura da apelação ex officio do Direito Reinol, manteve-

se nas Ordenações Afonsinas (1500-1514), Manuelinas (1514-1603) e Filipinas

(1603-1916), de tal maneira que eram aplicáveis, teoricamente, no Brasil.

Sob o ponto de vista do direito processual civil brasileiro, a primeira

referência normativa sobre a apelação ex officio se conjunturou através do art. 90,

de Lei de 4 de outubro de 1831, referente aos feitos da Fazenda Nacional,

especificamente quando a sentença de primeira instância fosse contrária ao erário

público.

Por conseguinte, a apelação ex officio fundamentou os códigos

processuais estadualizados (por exemplo, o de Minas Gerais em 1922 e o de São

Paulo em 1930), restando insculpido no Código de Processo Civil de 1939, por

intermédio do art. 822, o qual previa sua aplicação: a) às sentenças que

declarassem a nulidade do casamento; b) às sentenças que homologassem o

desquite amigável; c) às sentenças proferidas contra a União, o Estado-Membro ou

o Município.

Posteriormente, no Código de Processo Civil de 1973, o reexame

compulsório deixou de ser considerado recurso, inovando-se no capítulo “da

sentença e da coisa julgada”, exigindo-o da sentença: a) que anulasse o casamento;

b) proferida contra a União, o Estado-Membro e o Município; c) que julgasse

improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

Inclusive, caso o juiz de direito, independentemente de haver ou não apelação por

ato voluntário da parte vencida, não remetesse os autos ao tribunal, o presidente

deste, poderia avocá-los.

Atualmente, a redação do art. 475 do Código de Processo Civil encontrou

guarida na Lei Ordinária Federal n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, donde se

observa que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão

depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, o Estado-

Membro, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de

direito público, inclusive aquela que julgar procedentes, no todo ou em parte, os

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embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Logo, o juiz de direito

deverá ordenar a remessa dos autos ao tribunal competente, haja ou não a

interposição do voluntário recurso de apelação, sob pena de não o fazendo, o

presidente do tribunal avocá-los. No entanto, não se aplica o disposto no referido

dispositivo legal adjetivo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de

valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de

procedência dos pedidos exarados nos embargos do devedor na execução de dívida

ativa do mesmo valor, inclusive quando a sentença estiver fundada em

jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste

Tribunal ou do tribunal superior competente.

No direito estrangeiro, e especificamente em alguns países da América do

Sul (Chile, Colômbia, Equador e Venezuela) está prevista em seus códigos

processuais a figura do reexame compulsório do provimento jurisdicional sob a

nomenclatura de “consulta”. Já no continente europeu e nos Estados Unidos da

América, referido instituto não mereceu destaque na processualística civil, mas vige

em alguns países do mundo no campo do processo penal.

Sabe-se que o reexame compulsório, no ordenamento jurídico brasileiro,

tem como objeto de análise as sentenças definitivas (art. 269 do Código de Processo

Civil) e terminativas (art. 267 do mesmo diploma legal).

Já a sua natureza jurídica é controversa. Porém, entende-se que seja

condição de reanálise compulsória de provimento jurisdicional, de tal modo que seja

síntese (condição suspensiva ex lege) em relação à tese genuína (recurso) e

antítese da posição majoritária (condição de eficácia da sentença), sendo esta última

a hodiernamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Logo, conceitua-se o duplo grau de jurisdição obrigatório (reexame

compulsório, remessa necessária, remessa oficial etc.) como sendo a condição de

rejulgamento compulsório do provimento jurisdicional prolatado em primeira instância

pela superior, visando à produção de seus jurídicos e legais efeitos em caráter

definitivo, tão logo ocorra o trânsito em julgado do decisum.

Quanto aos efeitos do reexame compulsório: a) obstativo, no sentido de

obstar ao trânsito em julgado da sentença, atinente aos casos previstos no art. 475

do Código de Processo Civil; b) liberativo, em virtude de um sistema da pluralidade

de graus de jurisdição; c) translativo-proibitivo, de modo que transfere ao tribunal a

competência para rejulgar os pedidos insertos pelas partes, consubstanciados na

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sentença, e, por via de consequência, proibindo-se a reformatio in pejus da Fazenda

Pública; d) suspensivo, eis que suspende a eficácia da sentença, impedindo a

formação da coisa julgada; e) substitutivo, ante a substituição da decisão de primeiro

grau pelo acórdão.

No novel Projeto de Código de Processo Civil, a remessa necessária, não

obstante objeções iniciais contrárias (por exemplo, efetivadas pela Comissão de

Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto do NCPC e também por

parlamentares através de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional),

persistirá no ordenamento jurídico pátrio, prevendo: “Está sujeita ao duplo grau de

jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a

sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as

respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no

todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública; III –

que, proferida contra os entes elencados no inciso I, não puder indicar, desde logo, o

valor da condenação. § 1º Nos casos previstos neste artigo, ultrapassado o prazo

sem que a apelação tenha sido interposta, o juiz ordenará a remessa dos autos ao

tribunal; se não o fizer, deverá o presidente do respectivo tribunal avocá-los. Em

qualquer desses casos, o tribunal julgará a remessa necessária. § 2º Não se aplica o

disposto neste artigo sempre que o valor da condenação, do proveito, do benefício

ou da vantagem econômica em discussão for de valor certo inferior a: I – mil salários

mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II –

quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal e as respectivas

autarquias e fundações de direito público, bem assim para as capitais dos Estados;

III – cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias

e fundações de direito público. § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo

quando a sentença estiver fundada em: I – súmula do Supremo Tribunal Federal ou

do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal

Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; III

– entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de

assunção de competência; IV – entendimento coincidente com orientação vinculante

firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em

manifestação, parecer ou súmula administrativa.”

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Notem-se relevantes diferenças entre os textos do vigente Código de

Processo Civil e do NCPC. No atual CPC, não se aplica o art. 475, caput, inc. I e II e

§ 1º, quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não

excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, consoante prevê o § 2º, ao passo em

que no NCPC, também não se sujeitará ao duplo grau de jurisdição obrigatório,

sempre que o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem

econômica em discussão for de valor certo inferior a: I – 1.000 (um mil) salários

mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II –

500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados-Membros, o Distrito Federal e as

respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim para as capitais

dos Estados-Membros; III – 100 (cem) salários mínimos para todos os demais

municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. Logo, percebe-

se que houve significativa majoração do quantum em salários mínimos como teto

para se efetivar ou não a remessa necessária. Outra diferença reside no fato de que

o atual CPC, no § 3º do art. 475, dispõe apenas que não se aplica o seu caput, inc. I

e II e § 1º, quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do

Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior

competente. Porém, no NCPC, ampliam-se as hipóteses aonde não haverá a

remessa necessária, ou seja, quando a sentença estiver fundada em: I – súmula do

Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido

pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento

de casos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de

demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – entendimento

coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio

ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Tangencialmente à sociedade, se o direito positivado (por exemplo, o art.

475 do Código de Processo Civil) tem por objetivo básico regular o convívio das

pessoas, a sua existência é aspecto primordial à análise-fim da própria norma

jurídica, a qual sempre deve idealizar a concretização da justiça com plena

satisfação social.

Então, diante do caráter conflituoso das relações humanas, as normas

jurídicas visam pacificar as celeumas, em que pese ao duplo grau de jurisdição

obrigatório possibilitar um privilégio processual à Fazenda Pública, e, por via de

consequência, tornar-se uma lei antiética por evidente desvio de padrão.

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Nesse desiderato, evidencia-se a Sociologia Jurídica, apta a estudar o

direito como fato social. Questiona-se, pois, a realidade sociojurídica. Investiga-se o

comportamento humano diante da norma jurídica. Analisa-se o ser (e não o dever-

ser).

Por tal razão, sob o aspecto da culturologia jurídica, o duplo grau de

jurisdição obrigatório (art. 475 do CPC) o é eficaz, porquanto a norma jurídica está

sendo cumprida por seus destinatários, até porque, via de regra, as normas de

direito processual civil, enquanto normas jurídicas de direito público são cogentes e

de aplicação obrigatória.

Ontologicamente, e prima facie, o duplo grau de jurisdição obrigatório

apenas existe em razão da presença do Estado (Administração Pública direta e

indireta), daí porque estabelece o vigente art. 475, inc. I, do Código de Processo

Civil: “sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o

Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público”.

Entretanto, não obstante a presença da Fazenda Pública, a finalidade do

duplo grau de jurisdição obrigatório é meramente a coletividade, isto é, o interesse

público primário. É, pois, a coletividade o ser em evidência, aquela a quem o Estado

(lato sensu) – inclusive, por intermédio do Ministério Público – deve proteger,

mormente o patrimônio e o erário público.

Ainda, sob o viés da ontologia, emerge-se o acesso à jurisdição, a fim de

possibilitar “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII), sendo cediço que o duplo grau de jurisdição

obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil) acaba por ser um entrave

burocrático no sistema legal, arrastando as lides por longos anos, e um privilégio à

Fazenda Pública.

Tal privilégio deve ser extirpado. Atualmente, há inquestionável

aparelhamento jurídico-institucional do Estado, através da Advocacia-Geral da União

e das Procuradorias-Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além

de inúmeros advogados contratados (p. ex. consultoria e assessoria jurídicas) para a

defesa judicial ou extrajudicial da Administração Pública (lato sensu) enquanto

pessoa jurídica de direito público.

Ademais, nas ações judiciais afetas ao reexame compulsório, nas quais

as partes, que devem estar isentas de privilégios ou prerrogativas, entende-se que o

magistrado deve tratá-las isonomicamente, igualdade esta fundada na

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procedimentalidade equânime, de tal modo que profira, com imparcialidade,

provimento jurisdicional (sentença), o qual poderá ser submetido à segunda

instância, seja por impetração voluntária de recurso da parte vencida, ou, mediante

requerimento do Ministério Público (na função de custos legis) – solução harmônica

–, mas nunca por extensão de atribuição anti-isonômica, isto é, remessa necessária

de sua própria decisão judicial.

Categoricamente é inadmissível que no Estado de Direito Democrático, o

Estado-Administração (jurisdicionados fazendários), alegando o interesse público

secundário, utilize-se do Estado-juiz para remeter ex officio a sentença monocrática

à instância superior, em absoluto detrimento da parte não estatal (jurisdicionados

ordinários, i. é, os particulares), configurando, destarte, uma atuação assimétrica

com a parte hipossuficiente, em uma relação jurídica processual, a qual deveria ser

constantemente isonômica.

Igualmente é contraproducente alegar presunção de erro do julgado

somente quando a Fazenda Pública for condenada – e não quando o particular

assim o for –, em nítida artimanha estatal legal (art. 475 do CPC) para ganhar tempo

e impedir a execução contra si (art. 730 do CPC).

Partindo-se também do pressuposto de que o Estado está devidamente

aparelhado para valer-se habilmente representado em juízo, não há motivos para

que o Ministério Público atue em ação judicial – com interesse meramente

patrimonial – quando for parte a Fazenda Pública, questão, aliás, prevista no art. 5º,

inc. XV, da Recomendação n. 16/2010, do Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP), que dispõe sobre a atuação dos membros do Parquet como órgão

interveniente no processo civil.

No entanto, por prevenção, e à luz do art. 127, caput, da CRFB/1988, c/c

o art. 1º, caput, da Lei Ordinária Federal n. 8.625/1993, entende-se que, por

substituição à famigerada participação do magistrado, que é parte (Estado-Juiz), e a

fim de congratular uma imparcialidade processual, sob o contexto do duplo grau de

jurisdição obrigatório, impõe-se a efetiva participação do Ministério Público, órgão

imparcial, nato e defensor do interesse público primário (objeto), aliás, em harmonia

com o disposto no art. 82, inc. III, segunda parte, do Código de Processo Civil,

tangencialmente à natureza da lide (defesa do patrimônio público, do erário – bens

jurídicos tutelados), sendo imperioso intervir, obrigatoriamente, como custos legis, a

fim de, necessariamente, verificar a observância do princípio da legalidade (lato

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sensu) – devido processo legal substantivo – e impedir a concretização de ameaça

ou lesão dos aludidos patrimônio público e erário, sem prejuízo de outras ações (por

exemplo, ação civil pública e ação de improbidade administrativa), inclusive sob

pena de nulidade (arts. 84 e 246 do Código de Processo Civil).

Nesse ínterim, torna-se aplicável a lei da ponderação, visando à solução

concreta mais justa, em patente eunomia na relação processual triangular, que deve

ser coesa, com tratamento imparcial pelo Estado-Juiz, fomentando igualdade às

partes litigantes (interesses estatal e privado), e com efetiva participação ministerial.

Por outro lado, questiona-se acerca do art. 475 do Código de Processo

Civil ser ou não norma jurídica (in)válida. O dispositivo legal em verificação, vigente,

refere-se a Lei Ordinária Federal, qual seja: a de n. 10.352/2001, tendo sido

observado o devido processo legislativo, à luz do art. 84, inc. III e IV, da CRFB/1988.

No entanto, o destacado art. 475 do Código de Processo Civil – norma

jurídica (regra) ordinária federal – encontra objeção frente ao princípio-valor da

igualdade, este previsto também como norma jurídica na CRFB/1988, através do art.

5º, caput, primeira parte – igualdade formal –, e inc. XXXVII – igualdade material

(jurisdicional). Urge, pois, a denominada antinomia jurídica.

Por assim dizer, tratando-se de antinomia própria de direito interno,

resolve-se pelo critério hierárquico, pelo qual a norma jurídica superior (art. 5º, caput,

primeira parte, e inc. XXXVII, da CRFB/1988) prevalece sobre a norma jurídica

inferior (art. 475 do Código de Processo Civil), porquanto lex superior derogat legi

inferiori.

Na relação jurídico-processual deve haver igualdade de condições entre

as partes litigantes, de tal sorte que a almejada justiça seja contemplada,

inadmitindo-se privilégios.

Estabelecidas tais premissas, e levando-se em consideração que uma

norma jurídica é juridicamente válida se promulgada por órgão competente, segundo

a forma prevista, e também se não infringe um direito superior, sob análise deste

último requisito, não é forçoso dizer-se que o art. 475 do Código de Processo Civil o

é inválido.

Especificamente quanto às colisões entre os princípios constitucionais do

duplo grau de jurisdição obrigatório e o da igualdade, torna-se aplicável o

sopesamento, de modo a dar prevalência ao princípio da igualdade, até porque o

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simples ato de se pretender a igualdade entre as partes em juízo já é suficiente para

demonstrar sua relevância.

Quanto à afronta do reexame compulsório aos valores da justiça e da

igualdade, ei-la patente, apesar de ser intolerante, em pleno século XXI, manter-se

no ordenamento jurídico brasileiro um instrumento de feição inquisitória, datado de

1355, e apto a gerar injustiça e desigualdade processuais.

Sendo assim, o duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de

Processo Civil) infringe o preâmbulo constitucional pátrio, o qual destaca “a

igualdade e a justiça como valores supremos”.

É sabido que o direito tem por finalidade a consecução da justiça, sendo

da natureza humana o ideal do justo, e a igualdade fundamentalmente o signo da

democracia.

Logo, está-se diante de uma norma jurídica injusta.

Ademais, na atualidade, o instituto do reexame compulsório, além de

injusto, também o é inútil, até porque desprestigia e desconfia da sentença proferida

pelo juiz de direito, de tal modo que esta somente gerará efeitos definitivos no

mundo fenomênico após rejulgamento pelo tribunal competente. Também é um

instrumento de denegação da justiça, constituindo-se num entrave ao pleno e efetivo

acesso à jurisdição, de modo a frear a duração razoável do processo, possibilitando

a famigerada morosidade processual.

Nesse diapasão, não resta dúvida de que o remessa necessária já

deveria ter sido extirpada do ordenamento jurídico brasileiro, por razões óbvias: a)

enseja injustificado privilégio processual à Fazenda Pública; b) sedimenta a

desigualdade processual; c) falta relevância social.

Porém, lamentavelmente, o Projeto de Lei do Novo Código de Processo

Civil, em trâmite perante o Congresso Nacional, mantém a remessa necessária no

ordenamento jurídico pátrio, em que pese maiores restrições em relação ao vigente

dispositivo legal (art. 475 do CPC/1973).

Insta também estabelecer que o art. 475 do Código de Processo Civil é

um dispositivo legal inconstitucional, até porque o simples fato de se considerar uma

norma jurídica inválida já é suficiente para entendê-la como tal. Maior razão por sê-lo

injusto – sendo cediço que a lei é um mero instrumento, não um valor –, ao passo

em que sacramenta uma desigualdade processual entre as partes em litígio, in casu,

a Fazenda Pública e o particular.

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Frise-se, afinal, que urge estagnar, no seio da norma jurídica brasileira,

meios eficazes, que, com justeza e tempestividade, autentiquem a solução do litígio

de forma isonômica, em resposta jurisdicional categoricamente imparcial, imune de

fragmentos antidemocráticos, eis que coube ao Estado, dentre outras, a nobre

função de exercer a jurisdição, através de seus magistrados, em especial

cumprimento a Lex Fundamentalis, instituída pelo poder constituinte originário, cujo

detentor é o povo, o qual grita pelo ideal da igualdade e o valor da justiça.

Ex positis, enaltecida a tríade das qualidades jurídicas (validade, eficácia

e justiça), até que haja a efetiva revogação do instituto do reexame compulsório do

ordenamento jurídico brasileiro, sedimenta-se uma lex suggestione, em cuja

construção teórica que lhe dá sustentáculo (cf. item 2.6.3 desta tese doutoral),

invoca-se a participação do Ministério Público, como custos legis, nas causas em

que a sentença proferida for contrária aos entes federados (União, Estados, Distrito

Federal e Municípios), às respectivas autarquias e fundações de direito público e aos

consórcios públicos na modalidade de associação pública, desde que haja ofensa ao

interesse público primário evidenciado tão somente pela natureza da lide (patrimônio

público e erário).

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