Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Eudes ... · de entender o papel das redes...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP
Eudes Vitor Bezerra
Redes sociais na participação democrática: desafios contemporâneos na
efetivação dos direitos do e-cidadão
Doutorado em Direito
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP
Eudes Vitor Bezerra
Redes sociais na participação democrática: desafios contemporâneos na
efetivação dos direitos do e-cidadão
Doutorado em Direito
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito e do Estado sob orientação do Professor Doutor Alvaro Luiz Travassos De Azevedo Gonzaga.
São Paulo
2016
BEZERRA, Eudes Vitor Redes sociais na participação democrática: desafios contemporâneos
na efetivação dos direitos do e-cidadão - Programa de Estudos Pós-
Graduados em Direito / Eudes Vitor Bezerra. São Paulo, 2016. 183 f. Orientador: Prof. Dr. Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, 2016.
1. Filosofia do Direito. 2. Manifestação. 3. Redes Sociais.
4. E-cidadão. 5. Democracia. 6. Participação popular. I. Bezerra, Eudes
Vitor. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de
Estudos Pós-Graduados em Direito. III. Título.
EUDES VITOR BEZERRA
Redes sociais na participação democrática: desafios contemporâneos na
efetivação dos direitos do e-cidadão
Tese apresentada à Banca Examinadora – da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia do Direito e do Estado sob orientação do Professor Doutor Alvaro Luiz Travassos De Azevedo Gonzaga.
São Paulo, 24 de outubro de 2016.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________
Presidente: Professor Doutor Alvaro Luiz Travassos De Azevedo Gonzaga
____________________________________________________________________
Membro: Professor (a) Doutor (a): ______________________________________
____________________________________________________________________
Membro: Professor (a) Doutor (a): ______________________________________
____________________________________________________________________
Membro: Professor (a) Doutor (a): ______________________________________
____________________________________________________________________
Membro: Professor (a) Doutor (a): ______________________________________
São Paulo
2016
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Claudia Maria da Silva Bezerra, minha esposa e
eterna namorada, companheira de todas as horas, que acompanhou a incansável
luta pela conclusão do meu doutoramento. Aos meus filhos João Vitor de Souza
Bezerra; Vitor Raphael Simões Bezerra e minha amada filha do coração Catarina
Silva Ribeiro. Vocês foram, são e serão os propulsores para o “amanhã” em minha
vida. Aproveito a oportunidade para pedir, profundas e sinceras, desculpas por todo
o tempo que lhes furtei, além de meu agradecimento pelo carinho e amor
incondicional de todos vocês.
Aos meus amados pais, José Vitor Bezerra e Nair Morais Bezerra, por todo
amor e apoio. Minha irmã Vanessa Morais Bezerra, exemplo vivo de dedicação e
esforço e devoção à educação/ensino superior.
Agradeço a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
(CAPES) a bolsa de estudos concedida durante o período de abril de 2015 a
setembro de 2016.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a DEUS, o Grande Arquiteto do Universo...
Ao longo da vida tive Grandes Mestres, sendo certo que cada um deles
contribuiu direta ou indiretamente para o resultado desta pesquisa, assim, agradeço
a todos os Professores que contribuíram para o meu enriquecimento cultural ao
longo desse curso de Doutorado, em especial, ao meu Sublime Orientador
Professor Doutor ALVARO LUIZ TRAVASSOS DE AZEVEDO GONZAGA, pela
amizade, apoio, conversas e discussões no processo da elaboração desta tese. Pela
paciência e atenção, a você, Querido Mestre, serei para sempre grato – MUITO
OBRIGADO!!!
Agradeço, também, todos os Colegas de Doutorado da PUC/SP, bem como
todos os funcionários, em especial Sr. Rui de Oliveira Domingos e Sr. Rafael de
Araújo Santos.
Aos colegas de Coordenação e Gestão do Curso de Direito da Universidade
Nove de Julho - UNINOVE, por representarem o termo fraternidade: Clarice Moraes
Reis, Jean Eduardo Aguiar Caristina, Leandro André Francisco Lima, Sérgio
Henrique Ferreira e Terezinha de Oliveira Domingos. Agradeço, ainda, todas as
Bibliotecárias da UNINOVE, em especial, Taila Machado Guerra da Silva
Agradeço a todos os meus colegas de docência e faço na pessoa do
Professor e Amigo Doutor Marcelo Negri Soares, que muito me auxiliou na
conclusão desse trabalho, sempre com uma palavra amiga e excelentes sugestões.
Aos Professores e Amigos Anderson Nogueira Oliveira e Julio De Souza
Comparini, agradeço pelo auxilio e por dedicar parte de vossos tempos para ouvir,
sugerir e debater sobre os caminhos da elaboração da minha Tese.
Meu amigo, irmão e Doutorando Sérgio Pereira Braga, parceiro nessa
jornada. Meu amigo várias foram às horas de estudos, abdicação da família, amigos,
contudo, tudo ficou mais fácil com um irmão como você – obrigado por tudo!!! E
vamos juntos rumo ao Pós-Doutorado.
RESUMO
A presente tese visa demonstrar como as redes sociais, como novo instrumento de
participação democrática, influenciaram as manifestações atuais, bem como quais
são os desafios contemporâneos para efetivação dos direitos do e-cidadão.
Propendemos apresentar como a participação popular vem ocorrendo por intermédio
de novas formas e utilizando novas ferramentas tais como as “redes sociais”. Para
tanto, numa análise histórica, comparativa e bibliográfica, trata-se a presente de tese
de entender o papel das redes sociais no contexto de mudança, bem como quais os
desafios contemporâneos para a efetivação dos direitos do e-cidadão e da
ciberdemocracia. Propondo, ao final, a inclusão da disciplina “Cidadania e redes
sociais” no ensino médio, por meio de alteração da Resolução SE 81 de 16-12-2011,
do Estado de São Paulo, bem como a votação, aprovação e sanção do PLS nº
129/2010, que valida as assinaturas digitais nos projetos de lei de iniciativa popular,
como forma de diminuir a exclusão digital e fortalecer a participação democrática
pelas redes sociais.
Palavras-chave: Filosofia do Direito. Manifestação. Redes Sociais. Democracia. E-
cidadão. Participação popular.
ABSTRACT
This thesis aims to demonstrate how social networks as a new instrument of
democratic participation, influence current manifestations, events and what are the
current challenges for realization of the e-citizen rights. We intend to present as
public participation has taken place through new forms and using new tools such as
"social networks". Therefore, a historical, comparative and bibliographical analysis, it
is the thesis of this to understand the role of social networks in the context of change,
and which the contemporary challenges to the realization of the e-citizen rights and
Cyber Democracy. Proposing at the end, the inclusion of the subject "Citizenship and
social networks" in high school, through amendment of Resolution SE 81 of 16-12-
2011, the State of São Paulo, and the vote, approval and sanction of BS No
129/2010, which validates digital signatures in the popular initiative bills as a way to
reduce the digital exclusion and strengthen democratic participation through social
networks.
Keywords: Philosophy of Law. Manifestations. Social networks. Democracy. E-
citizen. Popular participation.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
BYOD - Bring Your Own Device (Traga seu Próprio Dispositivo - Tradução
livre)
CF - Constituição Federal
CCJC - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
CCT Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e
Informática
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
e.g. - exempli gratia
FIFA - Féderation Internationale de Football Associatino (Federal
International de Futebol)
MPF - Movimento Passe Livre
PJe - Processo Judicial eletrônico
PL - Projeto de Lei
PLS - Projeto de Lei do Senado
PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SE - Secretaria da Educação
WI-FI - Wireless Fidelity
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 MANIFESTAÇÃO, DEMOCRACIA E DES “ORDEM” .......................................... 15
1.1 Manifestações: Da comunicação à lógica ........................................................ 15
1.1.1 Manifestação: do pensamento a exteriorização ........................................ 19
1.1.2 Manifestação: A linguagem como instrumento para efetivação da
civilização ........................................................................................................... 22
1.2 Democracia ...................................................................................................... 23
1.2.1 Democracia na antiguidade ....................................................................... 24
1.2.2 Democracia na medievalidade .................................................................. 30
1.2.3 Democracia na modernidade .................................................................... 32
1.2.4 Democracia na contemporaneidade .......................................................... 36
1.2.5 A ciberdemocracia ..................................................................................... 40
1.3 Des “ordem” ..................................................................................................... 44
1.3.1 Ordenando uma ordem ............................................................................. 45
1.3.2 Desordem: ausência de ordem ou ordem em outra perspectiva ............... 50
2 DIREITO DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL ...................................... 56
2.1 Concepções bíblicas sobre o direito de resistência ......................................... 57
2.2 Direito de resistência na antiguidade ............................................................... 60
2.3 Direito de resistência na medievalidade .......................................................... 63
2.4 Direito de resistência no Renascimento: início da modernidade...................... 65
2.4.1 Direito de resistência no Antigo Regime: Thomas Hobbes e o absolutismo
........................................................................................................................... 66
2.4.2 Direito de resistência no Antigo Regime: John Locke ............................... 67
2.5 Direito de resistência: instrumento de aperfeiçoamento do Estado ................. 69
2.6 Direito de resistência e manifestação .............................................................. 72
2.7 Desobediência civil .......................................................................................... 75
2.7.1 Historicidade .............................................................................................. 75
2.7.2 Conceitos e características ....................................................................... 77
2.7.3 Desobediência civil no Brasil: alguns aspectos constitucionais ................. 80
3 REDES SOCIAIS ................................................................................................... 85
3.1 Revolução tecnológica ..................................................................................... 85
3.2 Conceitos ......................................................................................................... 88
3.3 Evolução histórica das redes sociais ............................................................... 90
3.4 Liberdade de manifestação na “era da informática” ......................................... 93
3.5 Geração Z: as redes sociais como nova forma de manifestação..................... 94
4 ANÁLISE DE CASOS EM QUE AS REDES SOCIAIS TIVERAM SUMA
IMPORTÂNCIA NA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA ......... 97
4.1 Flash Mobs: manifestações sociais apolíticas pelas redes sociais .................. 97
4.2 Smart Mobs: manifestações políticas pelas redes sociais ............................... 98
4.3 Primavera Árabe de 2011: redes sociais como elemento de revolução
democrática no Oriente Médio ............................................................................. 100
4.4 Redes sociais e as jornadas de junho de 2013 no Brasil ............................... 102
4.4.1 Os Black Blocs ........................................................................................ 108
4.4.2 Depois das jornadas de junho de 2013 ................................................... 111
4.5 Rolezinhos: manifestação de inclusão social dos jovens da periferia ............ 117
5 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DO E-
CIDADÃO ................................................................................................................ 120
5.1 E-cidadão ....................................................................................................... 120
5.2 Convocações de manifestações pelas redes sociais: participação política como
expressão da democracia ou desordem? ............................................................ 123
5.3 Exclusão digital como obstáculo à cidadania virtual ...................................... 128
5.4 Necessidade de instrumentos efetivos de participação do cidadão e da ciberdemocracia................................................................................................... 132
5.4.1 Proposta de alteração da Resolução SE 81 de 16-12-2011, do Estado de São Paulo.............................................................................................................133
5.4.2 Aprovação do PLS nº 129/2010..............................................................138
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 145
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 150
ANEXO.....................................................................................................................161
11
INTRODUÇÃO
As redes sociais como instrumento de participação democrática é uma forte
tendência da contemporaneidade, contudo, vários são os desafios para a efetivação
dos direitos do e-cidadão (no presente trabalho, consideramos e-cidadão como
sendo um cidadão contemporâneo, preocupado com as questões políticas e sociais,
interligado com vários outros cidadãos por meio da rede mundial de computadores e
que utiliza as redes sociais para expor seu ponto de vista, realizar e organizar
manifestos, sem, contudo, abandonar as praças públicas).
Para definirmos o processo evolutivo do e-cidadão, serão abordadas, neste
trabalho, a questão do direito de resistência, bem como a questão da desobediência
civil, transmutadas para “linguagem das ruas”, por meio das manifestações, eis que
não é tema exclusivo da nossa época e nem do Brasil. Do mesmo modo,
abordaremos a democracia que permeou todos os tempos e sempre alicerceou os
principais avanços civilizatórios. Para justificar o desenrolar do direito de resistência
e a desobediência, temos como certo que tais institutos sempre andaram de mãos
dadas com a democracia.
Sabemos que nos dias atuais as informações, manifestos ocorrem de forma
instantânea, principalmente pelo uso das redes sociais, que nesta contextualização
desempenha um papel fundamental para o processo democrático. Evidentemente,
após a Revolução Industrial e todo avanço tecnológico, propagou-se o avanço em
diversas áreas sociais, inclusive na comunicação entre as pessoas o que viabilizou
uma nova forma de participação democrática.
Contudo, foi com a revolução tecnológica, pelos idos da década de 70 do
século passado, que, de fato, a participação democrática alcançou um patamar de
transnacionalidade, com forte contribuição do capitalismo. Os avanços foram
tamanhos que chegamos à globalização a qual possibilitou a informação em tempo
real, ou seja, a revolução tecnológica propiciou outro aspecto, a forma de exercício
do direito de resistência, da desobediência civil e principalmente da participação
democrática, porquanto rompeu barreiras e viabilizou uma transformação ímpar na
vida em sociedade.
12
No Brasil, as manifestações de junho de 2013, denominadas “jornadas de
junho”, demonstraram o quanto a evolução tecnológica alavancou a participação
democrática, tendo em vista a velocidade e influência das redes sociais; todavia,
como toda mudança traz benefícios mas também deixa alguns gargalos, para nós, a
exclusão digital ganhou maior notoriedade.
Destarte, surgem algumas dúvidas, dentre tantas outras: 1) As “jornadas de
junho” de 2013 representaram um exercício da democracia ou apenas desordem?,
2) Qual o papel das redes sociais na participação democrática?, 3) Quais os
principais desafios contemporâneos na efetivação do e-cidadão?
Para responder a tais indagações, por meio do método hipotético-dedutivo e
com aporte na pesquisa dogmática e histórica, o presente trabalho busca
demonstrar que “a linguagem das ruas” (manifestações atuais) é fruto da evolução
do direito de resistência e da desobediência civil. Todavia, esse processo
participativo do cidadão ganhou novas formas e instrumentos, ou seja, as redes
sociais determinaram uma nova maneira de participação democrática, surgindo,
assim, o e-cidadão, ou seja, o cidadão que participa do processo democrático por
intermédio, também, das redes sociais e outras mídias digitais.
Desta feita, no primeiro capítulo, a abordagem será sobre manifestação,
democracia e desordem, com o escopo de entendermos o processo filosófico pelo
qual passamos como seres humanos nesses três aspectos. No que tange à
democracia, além da historicidade, traremos à baila a ciberdemocracia (a
ciberdemocracia refere-se às novas práticas de participação democrática/política
democrática que têm como ferramenta a internet, podendo ser denominada,
também, de democracia cibernética, democracia digital, democracia online e
democracia via redes sociais, todavia, na presente tese utilizaremos o termo
ciberdemocracia); abordaremos, também, a questão da des”ordem”, demostrando
outro viés sobre o termo.
No segundo capítulo, o direito de resistência e a desobediência civil serão os
institutos estudados. Num primeiro momento, esboçar-se-á o contexto histórico, com
intento de demonstrar que na infância dos povos já existiam formas de insurgência
em relação a atos considerados injustos. Posteriormente, o papel do direito de
resistência no aperfeiçoamento do Estado.
13
Logo após, trataremos da relação do direito de resistência e das
manifestações, com objetivo de fortalecer o entendimento apresentado na presente
tese de que a redes sociais desempenham importante papel na participação
democrática, bem como demonstraremos que as manifestações visam, via de regra,
se insurgirem contra o abuso de poder e opressão. Em ato contínuo, abordaremos
como as redes sociais atuam nas novas formas de resistência.
Já no terceiro capítulo, a questão histórica, conceitos e o papel que as redes
sociais vêm desempenhando na sociedade atual serão o tema central, sendo que
abordar-se-ão, também, a revolução tecnológica, a liberdade de manifestação na era
da informática e as novas gerações que transitam nas redes sociais, em destaque, a
“Geração Z” (considera-se “Geração Z”, na tese em tela, as pessoas nascidas sob o
advento da internet e do boom tecnológico, ou seja, as pessoas que nasceram nas
décadas de 80 e 90 do século passado).
O quarto capítulo tem como finalidade analisar alguns casos em que as redes
sociais tiveram suma importância, tais como: “flashmobs”; “smartmobs”; primavera
Árabe; “rolezinhos” e as “jornadas de junho de 2013”, para, assim, comprovar que
redes sociais influenciaram as manifestações ocorridas, ou seja, são as redes
sociais o mais recente instrumento de participação democrática.
No quinto e último capítulo, traçaremos o perfil do e-cidadão e o importante
papel das redes sociais na efetivação dos seus direitos. Com fulcro em superar os
desafios existentes para a efetivação dos direitos do e-cidadão, propomos a
inclusão, no 2º ano do ensino médio, de uma disciplina denominada “Cidadania e
redes sociais” como forma de combater a exclusão digital; para tanto, traremos uma
proposta de alteração da Resolução SE 81 de 16-12-2011, do Estado de São Paulo.
Não obstante, aduzimos, no citado capítulo, que o Projeto de Lei do Senado -
PLS nº 129 de 2010, que atualmente se encontra na Câmara dos Deputados (PL
7005/2013) aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania (CCJC), deve ser relatado, aprovado e sancionado, para assim efetivar
os direitos do e-cidadão, uma vez que o PLS nº 129 tem como fito acrescentar os §§
3º e 4º ao art. 13 da Lei n° 9.709/1988, viabilizando a validação das assinaturas
eletrônicas dos eleitores para os fins da subscrição da iniciativa popular de lei
prevista no caput, ao passo, que sugerimos a criação de uma petição online
pleiteando o andamento do PL.
14
Do exposto, concluiremos que as redes sociais desempenham papel
extremamente importante na participação democrática, contudo, as sugestões acima
buscam amenizar os desafios contemporâneos para a efetivação dos direitos do e-
cidadão que tem utilizado as redes sociais como forma de participação democrática;
no entanto, necessária se faz a efetiva democratização do acesso à rede mundial de
computadores, o que se dará por intermédio da inclusão digital.
15
1 MANIFESTAÇÃO, DEMOCRACIA E DES“ORDEM”
Neste capítulo, primeiramente, analisamos o processo evolutivo da
comunicação para entendermos as manifestações atuais, posteriormente, tratamos
da democracia/ciberdemocracia e, por fim, da des”ordem” com o intento de
entendermos o processo filosófico pelo qual passamos como seres humanos, antes
de adentrarmos as questões envoltas ao direito de resistência e desobediência civil.
1.1 Manifestações: Da comunicação à lógica
Como um dos elementos do tripé supracitado, a manifestação desempenha
papel fundante no processo civilizatório da raça humana. Neste capítulo, trazemos à
baila apenas argumentos do processo intelectual realizado pelo homem, para
exteriorizar seus sentimentos, suas ideias, ou seja, não debruçamos, sobre as
manifestações atuais, seja no Brasil ou no Mundo, mas, tão somente no processo
intelectual que realizamos para exteriorizar nossos pensamentos/sentimentos.
A comunicação sempre foi primeira condição para o desenvolvimento da raça
humana, tendo em vista que desde os primórdios da humanidade a comunicação
viabilizou ao homem expressar sentimentos, relacionar-se, receber e transmitir
informações, compartilhar tirocínios, bem como manifestar ideias. Este é um ponto
de grande importância para a presente tese, uma vez que sem a comunicação não
teríamos alcançado tantos avanços.
É sabido por todos, também, que, antes de manifestar suas ideias por
intermédio da linguagem, a raça humana se comunicava por meio de sinais, gestos,
expressões faciais e outros, sendo certo que, com o passar do tempo e com o
aumento dos povos, se fez necessário o aprimoramento da comunicação entre os
indivíduos, surgindo, assim, a fala (linguagem – maneira de exprimir-se).
Sandra Lúcia Lopes Lima, em relação à fala, aduz:
A fala é um sistema de sons articulados, cujo significado é estabelecido pelo grupo. Para chegar a ela foi preciso que a espécie humana tivesse atingido um desenvolvimento biológico, a nível de tamanho de cérebro, que nenhuma outra espécie jamais conseguira. Isso permitiu a capacidade de simbolizar e de fazer representações mentais, indispensáveis para a criação
16
da linguagem verbal. O uso da linguagem favoreceu os grupos que a desenvolveram no processo de seleção e conquistas culturais, responsáveis pela própria sobrevivência.1
Vários outros meios existiram para o processo civilizatório do homem, além da
comunicação, e.g., no período Paleolítico, também denominado como “Idade da
Pedra Lascada”, os homens criaram os utensílios de chifres de animais ou de rochas
com o intento de aprimorar a caça, bem como garantir a segurança do grupo.
Os historiadores chamaram o período inicial da vida humana de Idade da Pedra Lascada ou Paleolítico, um termo que significa ‘pedra antiga’. Mas o ser humano fez muito mais do que lascar pedra. Ele usou também o osso, fabricou ferramentas e armas eficientes, descobriu técnicas de caça e pesca, aprendeu a reconhecer vegetais comestíveis, produziu artes, construiu tendas etc. Por milhares de anos, pequenos grupos paleolíticos se espalharam por todos os continentes, lutando para suprir suas necessidades básicas de sobrevivência.2
Nesse período ocorreu, também, o desenvolvimento da pictografia3, as
atividades extrativas e outras, sendo que todas as rupturas que ocorreram foram
extremamente importantes para a civilização que chegamos hoje.
Sandra Lúcia Lopes Lima, assim escreve:
Os homens passaram a se fixar em determinados locais, de preferência próximos a rios, e a formarem agrupamentos maiores. A sedentarização foi o primeiro grande passo rumo à civilização. Passaram a construir habitações mais resistentes, a fabricar tecidos e objetos de cerâmica, a armazenar cereais e, posteriormente, a trocar excedentes.4
Com a evolução da comunicação, chegamos a um dado momento no qual
buscou-se organizar o pensamento e tal organização se deu por intermédio da
lógica.
A lógica surgiu com os gregos, e desde então se tornou um instrumento
utilizado para todos os empreendimentos humanos, principalmente no tocante à
linguagem, podemos dizer que foi a base para o homem construir os pilares da
civilização ocidental, e, após a sistematização do processo de comunicação, o
Estado se organizou politicamente, vindo, posteriormente, a elaborar um sistema
1 LIMA, Sandra Lúcia Lopes. História da comunicação. São Paulo: Ebart, 1989. p. 9. 2 RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2002. p. 29. 3 Representação através dos desenhos pintados nas paredes das cavernas, na qual eram registradas figuras que representavam o natural do mundo, em especial sobre as caçadas praticadas pelos homens. 4 LIMA, Sandra Lúcia Lopes. Op. cit., p. 10.
17
constitucional, para estabelecer direitos e deveres aos indivíduos de forma
ordenada, bem como criou uma administração guiada por regras lógicas,
características retiradas da civilização ocidental.
O pensamento lógico, considerado subjetivo, fundamenta-se na realidade
objetiva e se manifesta em todas as esferas da vida social, isto é, a lógica ofereceu à
civilização ocidental uma base para se estabelecer ordem e progresso.
A palavra “lógica” vem do grego “logos” e significa razão, uma maneira de
bem pensar segundo a cátedra de Fábio Ulhoa Coelho:
A lógica é uma maneira específica de pensar; melhor dizendo: de organizar o pensamento. Não é a única, nem é a mais apropriada para muitas das situações em que nos encontramos, mas tem a sua importância, principalmente no campo do direito. Os homens podem ter despertadas em sua consciência ideias isoladas, simples, como por exemplo, “choveu!”, “que desagradável essa atitude”, “estou com fome”, “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”. Na intimidade cerebral de cada um, essas ideias, despertadas por emoções, sensações, lembranças ou compreensão racional, surgem desvinculadas de quaisquer outras ideias. Não há pensamento propriamente dito, pois resulta de uma conjugação de ideias.5
Segundo Alaôr Caffé Alves, Aristóteles foi considerado o pai da lógica, o
primeiro pensador a sistematizá-la.
Antes de Aristóteles, a não ser a dialética de Platão, nada existe que mereça o nome de Lógica. Alguns autores consideram digna de menção a Lógica de Gotama, filósofo hindu. Mas esta, que não foi conhecida por Aristóteles; não constitui uma lógica científica. Assim, como ramo particular do saber, a Lógica é essencialmente uma criação do gênio grego. Aristóteles, o primeiro sistematizador da lógica, no Organon (nome dado por Diógenes Laércio), demostra que aproveitou as contribuições de seus predecessores: Parmênides, com sua teoria do ser, os Sofistas, com suas argumentações e opiniões; Demócrito que postulou a base do princípio de razão suficiente referente à causalidade; Sócrates, com seu método diretivo de perguntas denominado Maiêutica; e Platão com seu método dialético e classificação das ideias.6 (Grifos no original).
Aristóteles denominou sua lógica de “silogismo”, que significa ligação. Não
obstante, deu esse nome porque a lógica trata da ligação formal dos juízos feitos
pelo pensamento.
5 COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4. 6 ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5.ed. São Paulo: Quartier latin, 2011. p. 146.
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Silogismo é uma forma de análise que procura decompor em partes os
argumentos e as proposições de um argumento e seus termos.
“Organon” foi a denominação dada ao conjunto de seus escritos silogísticos,
palavra grega que significa “instrumento”. A lógica, portanto, é um instrumento para
se pensar corretamente, ou seja, a ferramenta do bem pensar, da qual afirmamos
que somente podemos pensar e falar sobre algo, porque existe a correlação entre a
linguagem e a lógica.
O processo de comunicação da raça humana passou, passa e passará por
diversas e constantes transformações, pois é a comunicação o meio pelo qual se
realiza o desenvolvimento civilizatório da raça humana e isso é devido à capacidade
que o ser humano tem de se comunicar por meio da fala.
Aristóteles7 afirmou que o homem foi o único, dentre os demais animais, que
recebeu o dom da fala pela natureza:
Como costumamos dizer, a natureza nada sem um propósito, e o homem é o único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, e outros animais a possuem (sua natureza foi desenvolvida somente até o ponto de ter sensações do que é doloroso ou agradável e externá-las entre si), mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto; a característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade.
Exercer a linguagem é papel de suma importância na evolução da raça
humana, sendo certo que nos dias atuais a linguagem oriunda das ruas tem
impactado vários setores da nossa sociedade, em especial na política nacional.
Nessa linha de pensamento, temos que o processo de comunicação teve
grande avanço com advento da lógica, porquanto, quando organizamos melhor
nossas ideias, o resultado é uma comunicação mais coerente, ou seja, mais
racional.
Nos dias atuais nos comunicamos de forma diversa de outrora, uma vez que
avanços tecnológicos têm possibilitado, cada vez mais, o acesso à comunicação e
por consequência a manifestação dos nossos pensamentos, principalmente pelo uso
das redes sociais; todavia, o processo que realizamos em relação ao pensamento
7 ARISTÓTELES. Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. p. 1253a.
19
ainda é o mesmo, ou seja, primeiro construímos um raciocínio e depois
exteriorizamos; assim, trazer a lume tal processo (do pensamento à exteriorização) é
de suma importância para a presente tese, mesmo sendo uma exteriorização por
intermédio da cibernética via redes sociais.
1.1.1 Manifestação: do pensamento à exteriorização
Inicialmente, cumpre salientar que o termo manifestação vem do latim
“manifestus”, “compreensível, claro, aparente, evidente”, formada por “manus”,
“mão”, mais “festus”, apanhado, agarrado, ou seja, manifestar representa algo que
exteriorizamos de forma compreensível para outrem ou até para nós mesmos.
Manifestação trata de uma ação humana que tem como fito revelar um
pensamento ou uma ideia, na qual o indivíduo se expressa publicamente, ou seja,
realizar um manifesto público por intermédio de um termo ou uma proposição.
Nesse diapasão, provar, demonstrar, defender ideias, apresentar razões é
argumentar, e, a argumentação ocorre por meio da manifestação que é a
exteriorização do pensamento.
Pensamento, por seu turno, é o produto do ato de pensar, conforme bem
ensina Alaôr Caffé Alves8:
Pensar é um ato que produz uma forma representativa bastante diferente da percepção e da imaginação. Aquele ato permite o acesso ao “sentido”, isto é, à significação das coisas e dos processos do mundo. O produto do ato de pensar é o pensamento, ou seja, um sentido normalmente considerado como “ideia” ou “conceito”, “preposição” e “raciocínio”.
Nessa esteira de raciocínio, é pertinente, então, explicar que antes da
manifestação (exteriorização do pensamento) realiza-se uma atividade mental, como
amplamente estudado pela lógica jurídica, ou seja, antes da exteriorização, de forma
até imperceptível, passamos pelo conceito do objeto/coisa, em ato contínuo
chegamos ao termo, quando relacionamos os termos, formamos um juízo que,
quando exteriorizado, denominamos proposição e, por derradeiro, quando
8 ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5 ed. São Paulo: Quartier latin, 2011. p. 28.
20
relacionamos dois ou mais juízos, chegamos ao raciocínio que tem como forma
exteriorizada a manifestação do pensamento. Vejamos o mencionado processo.
A primeira aferição, trata-se do Conceito9, é algo inteligível, ou seja, que diz
respeito à representação mental, geral e abstrata de um objeto ou conjunto de
objetos. Geralmente realizamos essa inferência10 por intermédio do conhecimento
geral que nos é passado no transcorrer da nossa vida, o que pode, por
consequência lógica, ter definições diferentes, tendo em vista a diversidade cultural.
O Termo (ou palavra11), por sua vez, é a expressão linguística (escrita ou
verbal) do conceito, ou seja, antes de manifestarmos qualquer coisa que seja nosso
subconsciente já realizou uma ilação.
Não obstante, não podemos olvidar que o “termo” ora esculpido não vincula
ao elemento logicamente indecomponível, que, para alguns pensadores, seria a
primeira operação do intelecto, eis que aqui usamos “termo” como expressão
gramatical do conceito, ou seja, sinônimo de “palavra”.
Nesse passo, uma vez definido “termo”, quando relacionamos, dentro de um
processo mental no qual afirmamos ou negamos a existência de relação entre
conceitos, chegamos a um processo que denominamos Juízo12, ou juízo de valor;
por realizarmos essa análise, estamos atribuindo um determinado predicado a um
determinado objeto (abstrato ou não).
O juízo, assim, encontra-se em nossa psique e quando decidimos
compartilhar a valorização dada com os demais indivíduos que compõem a
9 O conceito não se imagina, nem se percebe; ele é apenas inteligível, só se pode compreendê-lo. O conceito de justiça, por exemplo, não pode ser percebido ou imaginado; só pode ser pensado (compreendido) em seu sentido, como “algo” abstrato e universal que somente é possível entender-se como algo comum encarnado em todo e qualquer ato de justiça, por mais diferente que ele seja. In: ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5.ed. São Paulo: Quartier latin, 2011. p. 28. 10 Inferir é raciocinar, isto é, retirar conclusões de conhecimentos anteriores. 11 É preciso, além disso, considerar os signos de linguagem pelos quais se expressam os conceitos. Esses signos (palavras), como já acima dissemos, têm também formas universalizadas que nos permitem referenciar coisas diversas e semelhantes sob a mesma designação linguística, como, por exemplo, a palavra “homem” aplicada para designar Pedro, Paulo, Maria, etc. In: ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5.ed. São Paulo: Quartier latin, 2011. p. 28. 12 Julgar é afirmar ou negar um conceito (predicado) de outro conceito (sujeito), com a convicção da pertinência ou não dessa relação. Assim, se enunciarmos que “o caçador apanhou do leão” ou “a baleia não é um peixe” estaremos fazendo subliminarmente juízos (julgando) na medida em que aderimos ou estamos convictos (temos uma crença) a respeito da pertinência ou não dessas relações. In: ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5. ed. São Paulo: Quartier latin, 2011. p. 98.
21
sociedade na qual estamos inseridos, utilizamos a Proposição13, que é a expressão
linguística do juízo, ao passo que podemos aferir que o juízo não pode existir sem
sua expressão gramatical.
Dentro desse processo mental, até aqui explicitado, o que se visa, ao final, é a
formulação de um Raciocínio14, que nada mais é do que a organização mental que
nos permite chegar a uma conclusão por meio de proposições anteriores
(premissas), ou seja, é a forma como ordenamos nossos pensamentos, é uma
ordem intelectual.
Destarte, o raciocínio é fruto da nossa mente, sendo certo que depende de
um ato para que seja exteriorizado, e esse ato, essa ação denominamos de
manifestação que é a expressão linguística do raciocínio.
Este, via de regra, é o processo mental desde o conceito que damos aos
objetos até sua real exteriorização, que aqui chamamos de manifestação, isto é, a
manifestação é o meio pelo qual damos “vida” a nossas opiniões, nossos
pensamentos, nossos sentimentos, bem como a nosso pensamento racional.
Diante de tais argumentos, podemos sopesar que quantas boas ideias, boas
músicas, bons poemas, bons discursos, boas fórmulas não chegaram ao alcance de
todos, pois os pensadores, poetas, oradores, pesquisadores não exteriorizaram seus
pensamentos?
Outrossim, para muitos, o termo manifestação é sinônimo de protesto que, por
seu turno, etimologicamente, deriva do latim “protestari”, “declarar em público,
testemunhar, protestar”, formada por pro, “à frente”, mais testari, “testemunhar”, de
testis, “testemunha”.15
Todo e qualquer manifesto, protesto, seja escrito, falado ou por meio das
redes sociais, é um ato de exteriorização do pensamento humano que pode ser
desvinculado ou alienado a outra ideia.
13 As proposições são frases que podem ser consideradas verdadeiras ou falsas. 14 Raciocinar é inferir, é retirar conclusões de conhecimentos anteriores, assim, trata-se de uma operação intelectual pela qual o pensamento, a partir de uma ou mais proposições dadas anteriormente e relacionadas entre si, chega a uma conclusão que deriva das antecedentes. 15 Lista de palavras. Origem da palavra: site de etimologia. Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/pergunta/origem-de-protestar/>. Acesso em: 15 mar. 2016.
22
Nesse contexto, entendemos que a exteriorização do pensamento humano é
uma ferramenta para a efetivação da civilização e, por consequência lógica, a
concretização da democracia.
1.1.2 Manifestação: A linguagem como instrumento para efetivação da
civilização
A linguagem foi, é e será o caminho a ser trilhado para alcançarmos a efetiva
civilização da raça humana que, podemos dizer, está em constante transformação.
Desde a antiguidade até os tempos atuais, a linguagem é o mecanismo
utilizado pelo homem para o aprimoramento de suas relações interpessoais.
Linguagem é o centro do ser humano.
A linguagem é, pois, o centro do ser humano, quando considerado no âmbito que só ela consegue preencher: o âmbito da convivência humana, o âmbito do entendimento, do consenso crescente tão indispensável à vida humana como o ar que respiramos. Realmente o homem é o ser que possui linguagem segundo a afirmação de Aristóteles. Tudo que é humano deve ser dito entre nós.16
Tendo em vista que a linguagem é o instrumento utilizado pelo homem em
suas relações, podemos então afirmar que ela pode ser utilizada como um
instrumento de defesa ou de ataque, por exemplo, ocorre nas atuais manifestações,
pois cada lado, por intermédio da linguagem, defende seu ponto de vista, ataca a ala
oposta, contra-ataca a outra e vice-versa.
No âmbito político e jurídico, tem a linguagem papel primeiro, sendo o meio
capaz de atingir o objetivo, porquanto, quando bem utilizada, o orador consegue
convencer seu auditório, desde que queira persuadir e o auditório ouvir, pouco
importando a validade do argumento.
Sobre o tema Chaim Perelman17 diz:
A eficácia da argumentação, o fato de exercer sobre o auditório uma influência de maior ou menor importância, depende não apenas do efeito dos argumentos isolados, mas também da totalidade do discurso, da interação entre argumentos entre si, dos argumentos que acodem
16 GADAMER, Hans Georg. Verdade e método II: complementos e índice. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p. 182. 17 PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 180.
23
espontaneamente ao espírito de quem ouve o discurso. O efeito do discurso é condicionado notadamente pela ideia que o auditório faz do orador.
É a linguagem um dos principais meios de interação entre os indivíduos,
sendo, por consequência lógica, um dos principais instrumentos para a efetivação da
civilização da raça humana, tendo em vista que, por intermédio dela, o homem
consegue expressar suas ideias que influenciam o contexto social, político, no qual o
indivíduo está inserido.
Por meio da linguagem se configura a manifestação que desempenha papel
extremamente importante no desenvolvimento da humanidade, seja qual for sua
natureza (manifestação por signos, gestos, fala e outras formas).
Associada a tal assertiva, encontramos a democracia, que representa o
exercício da manifestação de pensamento.
O processo de comunicação viabilizou ao homem alcançar uma grande
ferramenta, denominada manifestação, exercida pela escrita e pela fala, seja qual for
o tempo ou meio de comunicação. Nos dias atuais, temos as redes sociais, como
grandes e importantes instrumentos para a evolução dos indivíduos.
Temos convicção que o processo de comunicação, que hoje tomou extensões
mundiais via redes sociais, corrobora, sem precedentes, com o implemento e
evolução do processo democrático, uma vez que democracia, como demonstramos
abaixo, é o governo do povo, que manifesta suas necessidades, suas vontades,
apolíticas ou políticas, sempre em nome do bem-comum para a comunidade à qual
se encontra vinculado.
1.2 Democracia
Ousamos dizer que a democracia teve, tem e terá extrema importância, seja
qual for o tempo ou lugar, pois é um dos pilares da convivência em sociedade,
porém, nunca antes, na história do Brasil, se utilizou tanto o termo democracia,
porquanto, tem sido empregado por todas as pessoas em todas as rodas, bem como
em todas as redes sociais, estruturando, assim, uma nova forma de participação
político-social e, principalmente, uma nova forma de participação democrática, por
intermédio do e-cidadão.
24
Os políticos, em especial, têm dado à democracia novas definições, eis que
falar em democracia virou “coqueluche”18. Todos os argumentos e falácias se
justificam na busca pela efetivação da democracia, numa tentativa sem igual de
estabelecer a tão sonhada igualdade entre todos os homens, fruto de uma
desigualdade sem precedentes, o que motivou milhares de brasileiros a se
organizarem pelas redes sociais e irem às ruas se manifestarem pelos mais diversos
motivos e causas, ou seja, os manifestantes utilizaram as redes sociais para
exercitarem a democracia.
Nesse sentido, a democracia, por si só, fomentaria elementos para várias
teses, devido a sua diversidade de entendimento e facetas. Para não sermos
repetitivos e não olvidarmos dos preceitos fundantes para a presente tese,
falaremos, num contexto aberto, sobre democracia, a fim de entendermos sua
origem e contextualização atual e assim podermos, posteriormente, concluir se a
linguagem advinda das ruas, nas últimas manifestações ocorridas no Brasil (a partir
de junho de 2013 até as atuais) representaram ato de desordem, exercício da
democracia, movimentos não democráticos ou uma nova forma de participação
política, utilizando as rede sociais como mecanismo de efetivação da democracia.
1.2.1 Democracia na antiguidade
Qualquer livro, tese, dissertação, artigo cientifico ou outro meio de
ensino/aprendizagem que fala sobre democracia, quando traz a lume a historicidade,
argumenta que a democracia surge com os gregos.
Surge, com isso, uma indagação, qual motivo volve os gregos a serem
considerados díspares dos outros povos da sua época? Acreditamos que a distinção
e distanciamento entre os gregos e os demais povos assentam-se na forma de
pensar. Porquanto, enquanto os gregos buscavam, especialmente na razão,
encontrar as respostas para suas indagações, os demais povos se apoiavam em
Deus para obter respostas para as suas inquietudes. Nessa toada, os gregos
encontram na política, pautados na razão, a solução para suas dificuldades, e,
18 Coqueluche significa: Objeto da preferência e/ou do entusiasmo momentâneo.
25
assim, criaram-se os primeiros sustentáculos de liberdade, desenvolvimento com
base na democracia, afastando-se, nesse contexto, dos outros povos.
Destarte, é importante entender o processo organizacional da civilização
grega. Sendo que as comunidades gentílicas individualizavam a agregação de
indivíduos por meio dos laços consanguíneos. Em idos do século VIII a.C, os grupos
passaram a ser mais intricados por meio de novas associações entre os genos,
surgindo, assim, alguns grupos, tais como a Fratria, as Tribos e os Demos, sendo
que estes grupos deram origem, posteriormente, às cidades-estados. Desse
enredo, mais tarde, as cidades-estados se transformaram em democracias,
enquanto outras se mantiveram oligárquicas.
Álvaro de Azevedo Gonzaga19, argumenta que as primeiras comunidades se
caracterizaram pela associação por consanguinidade:
No Período Homérico a civilização grega se organizava na forma de comunidades gentílicas que se caracterizavam pela associação de indivíduos através dos laços consanguíneos. Por volta do século VIII a.C, as comunidades passaram a ser mais complexas por meio de novas associações entre os genos, resultando em grupos como a Fratria, as Tribos e os Demos, que, mais tarde, deram origem às cidades-estados. Esse processo foi acompanhado de uma diferenciação de classes sociais que se protrai no tempo.
Resta evidente que, tendo surgido as comunidades pelos laços sanguíneos,
tal caraterística não eternizou, já que, com o passar dos tempos, surgiram outras
formas de associações mais intrincadas que deram origem às cidades-estados.
Essas formas de associações criaram grupos distintos dentro das cidades-
estados, formando as oligarquias, ao passo que algumas polis se transformaram em
oligarquias e outras em democracias.
Com o fortalecimento de certos grupos sociais, a maioria das cidades-estados da Grécia foi dominada, política e economicamente por esses grupos, formando assim, oligarquias. Algumas cidades-estados se transformaram em democracias, enquanto outras se mantiveram oligárquicas. Serão citados aqui os dois exemplos mais conhecidos, e talvez, os mais importantes, desses modelos de política: Esparta e Atenas.20
19 GONZAGA, Alvaro Luiz Travassos de Azevedo. O direito natural de Platão na República e sua positivação nas leis. 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 18. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/ 5640/1/Alvaro%20Luiz%20Travassos%20de%20Azevedo%20Gonzaga.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2016. 20 Ibidem, p.18.
26
As cidades-estados foram posteriormente transformadas em democracias,
sendo o “povo” composto apenas de pessoas com título (qualificação) de cidadão
ateniense, uma vez que escravos mestiços e mulheres não gozavam desse título.
Essa composição de pessoas, segundo Aristóteles, surge pelo simples fato de
o homem ser, por excelência, um animal social, conforme sua argumentação: “A
cidade é uma criação natural, e o homem é por natureza um animal social (...)”21.
A visão aristotélica aduz que, sendo o homem um ser social, seu próprio
instinto de sobrevivência fará com que ele se vincule a outros homens, surgindo a
convivência em sociedade.
A convivência em sociedade depende de uma organização, e, tal organização
na Grécia antiga se dava por meio de “constituição”.
Por “constituição” entendo a organização das várias autoridades, e em particular da autorizada suprema, que está acima de todas as outras. Mas é preciso deixar claro que em todos os casos, o corpo dos cidadãos é soberano; a constituição é a soma total da politeuma. Assim, nas constituições democráticas, o povo, ou demos, é soberano; nas oligárquicas, o é a minoria. E é isso que torna uma constituição diferente da outra: a composição do corpo de cidadãos. O mesmo critério pode ser aplicado às outras.22
Com a convivência estabelecida em sociedade, ou melhor, em cidades-
estados, surge também o termo cidadania; contudo, importa frisar que nem todos
eram cidadãos23, ou seja, a democracia na antiguidade galgou vários avanços,
entretanto era uma democracia excludente.
Alvaro de Azevedo Gonzaga afirma que somente homens, adultos e filhos de
pai e mãe atenienses poderiam ter direito político, eis que a democracia era
excludente:
Não devemos esquecer que a democracia de Clístenes, apesar de ter permitido o avanço econômico e político de Atenas, criando uma importante oposição com Esparta (que seria obscurecida durante muito tempo pela guerra com os persas) era excludente. Apenas homens, adultos e filhos de pai e mãe atenienses poderiam ter direito político, e esta era uma parcela mínima da população, deixando de fora os estrangeiros (metecos), mulheres e escravos.24
21 ARISTÓTELES. Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. p. 1253a. 22 ARISTÓTELES. Política: os pensadores. São Paulo: Nova Cultura. 1999. p. 221. 23 Na antiguidade nem todos eram considerados cidadãos, sendo excluídos os escravos, as mulheres, os menores e os estrangeiros. 24 GONZAGA, Alvaro Luiz Travassos de Azevedo. O direito natural de Platão na República e sua positivação nas leis.2011. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São
27
Em que pese à exclusão realizada na antiguidade não devemos julgar tal
como “antidemocrática”, já que devemos levar em conta a diferença cultural de cada
tempo.
A democracia grega não pode ser comparada às concepções presentes, eis
que várias foram as modificações políticas, sociais e econômicas que conceberam
expectativas para o aprimoramento e perspectiva de vida de uma sociedade,
principalmente no que tange à politização da polis, ou seja, desde que surgiu a ideia
de convivência nas cidades-estados surgiu, também, a ideia de democracia;
contudo, isso não ocorre da mesma forma nos dias atuais.
Nessas circunstâncias, a compreensão de democracia arcaica está
completamente distante em comparação aos dias contemporâneos, o que em regra
se explica pelo fato de que o sistema democrático ateniense jamais atenderia ou
supriria as necessidades que hoje se fazem presentes, assim, tal argumento
simplesmente se sustenta pela equidistância entre o quanto populacional do hoje
comparado ao quanto da antiguidade.
Norberto Bobbio argumenta que, para os antigos, a visão de democracia era
diferente, porque pensavam em uma praça onde os cidadãos tomavam as decisões:
Para os antigos, a imagem de democracia era completamente diferente: falando de democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembleia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. 25
Nessa contextualização, é certo que, mesmo tão equidistante das concepções
atuais, temos de reconhecer que o berço da democracia se deu na antiguidade.
Ou seja, democracia, então, tem sua gênese na antiguidade, precisamente na
Grécia Antiga e tem como definição “governo do povo”, conforme salienta Hans
Kelsen26:
O significado original do termo “democracia”, cunhado pela teoria política da Grécia antiga, era de “governo do povo” (demos = povo, Kratein = governo). A essência do fenômeno político designado pelo termo era a participação
Paulo, São Paulo, 2011. p. 18. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/ 5640/1/Alvaro%20Luiz%20Travassos%20de%20Azevedo%20Gonzaga.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2016. 25 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elieser, 2000b. p.372. 26 KELSEN, Hans. A democracia. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 140.
28
dos governados no governo, o princípio de liberdade no sentido de autodeterminação política; e foi com esse significado que o termo foi adotado pela teoria política da civilização ocidental.
A democracia não foi na antiguidade a única forma de governo ou a única
constituição, tendo em vista que a monarquia, a aristocracia e a politéia foram outras
constituições justas, segundo Aristóteles que assim aduziu:
Os nomes usuais para as constituições justas são: a) monarquia (quando um homem governa objetivando o bem comum); b) aristocracia (governo de mais de um, mas para poucos); c) politéia (governo exercido pela maioria dos cidadãos, para o bem de toda a comunidade)27.
Além de não ser a única forma de constituição, a democracia grega não era
plena, repisamos apenas que os cidadãos participavam do processo democrático,
isto é, boa parte da população não tinha direito de participar das decisões.
Contudo, mesmo não sendo a única forma de governo, entendemos ser a
democracia o melhor sistema, já que a Aristocracia, por exemplo, representava uma
forma de governo que optava apenas pelos melhores, ou seja, havia o “Governo dos
melhores”. Não obstante, oligarquia era o sistema de governo denominado “Governo
de poucos”, ou ainda, “Governo dos ricos”. Certamente, em ambas existe,
evidentemente, a exclusão dos menos favorecidos. Por isso, reafirmamos que,
mesmo não sendo a única forma de governo, entendemos ser a democracia o
melhor sistema.
A democracia viabilizou a participação popular (via cidadão) que, na
antiguidade, era o meio pelo qual se debatiam nas assembleias os rumos das polis,
e assim o faziam os cidadãos desprendidos de interesses, uma vez que buscavam o
bem-comum e a garantia dos direitos individuais.
Os direitos individuais, na Antiguidade Clássica, não são os mesmos se
comparados aos dias atuais, conforme aduz Acácio Vaz de Lima Filho:
É preciso salientar que na Antiguidade Clássica não conheceu os “direitos individuais”, como hoje os concebemos. E isto, pelo bom motivo de que, só com muito esforço, é possível falar de uma “esfera privada”, para esta época. Em função de inexistir, propriamente, uma “esfera privada”, não existia, nem na “Polis” nem na “Urbs”, uma “liberdade” contra ou em relação ao Estado.28
27 ARISTÓTELES. Política: os pensadores. São Paulo: Nova Cultura. 1999. p. 224. 28 LIMA FILHO, Acácio Vaz de. O poder na antiguidade: aspectos históricos e jurídicos. São Paulo:
29
Destarte, foi a democracia grega o melhor sistema de governo da época,
sistema esse adotado, ressaltando as peculiaridades de cada tempo, por maioria
dos países na contemporaneidade.
Contudo, importa lembrar, que a democracia grega foi além de um sistema de
governo, porque representou, também, o desenvolvimento de ideais filosóficos. Em
outras palavras, a democracia grega em sua proeminência, num contexto social,
propiciou um sistema governamental e os ideais filosóficos.
É certo, então, que a democracia vai muito mais além do que uma simples
forma de governo, ela representa uma filosofia de vida e o sistema de governo
democrático que, distinto dos demais sistemas de governo, conforme supracitado, é
um instrumento para a concretização do bem-comum.
Do exposto, afirmamos que a democracia adotada na antiguidade pode ser
compreendida como um sistema governamental pautado em ideais filosóficos,
oriundo do poder absoluto e autônomo do cidadão, que livremente manifestava seus
argumentos sobre a cidade sem obter vantagem ou privilégio nas assembleias,
porquanto, buscava-se apenas o bem-comum, ou seja, o debate sobre a democracia
formou-se sob o símbolo da busca da universalidade do bem-comum.
Leslie Lipson29 argumenta que os gregos antigos, quando falavam em
democracia, expunham em comum três aspectos: 1) contexto social; 2) sistema
governamental; e, 3) ideais filosóficos. Para Leslie Lipson, as características
democráticas fundamentais, tal como nos foram oferecidas por Heródoto, Tucídides,
Platão e Aristóteles são:
Contexto social
Governo pelos pobres.
Exploração pelos ricos.
Abolição da escravidão da dívida e das qualificações de propriedade para exercício de cargos.
Oportunidade para o talento individual, independentemente da posição de família ou riqueza.
Sistema Governamental
Deliberação e decisão públicas, por todos os cidadãos, resultando em governo da maioria.
Ícone, 1999. p. 79. 29 LIPSON, Leslie. A civilização democrática. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966, p. 51-52.
30
Maioria de cargos preenchida indiscriminadamente.
Todos os funcionários são responsáveis, Júris compostos por grande número de cidadãos.
Ideais Filosóficos
Igualdade.
Igualdade (= liberdade) de expressão; tomada negativamente como domínio da ignorância.
Liberdade e versatilidade; encaradas negativamente como licença e desordem.
Obediência à autoridade da lei e dos funcionários públicos.
Participação constante em atividades cívicas.
De tal modo, a democracia grega pautava no governo em que todos os
cidadãos participavam; com valorização social do homem; e, principalmente, com
ideais filosóficos, dentre eles a busca, que persiste até os dias atuais, pela
igualdade/liberdade.
Outro aspecto que podemos extrair é a asseveração do uso da palavra, da
retórica, como forma de efetivação da universalidade do bem-comum, sem
olvidarmos, como já afirmado, com suas limitações em decorrência da época.
Desta feita, a democracia se concretiza quando se tem por finalidade criar um
ambiente político com fulcro em resguardar os direitos dos cidadãos contra o
absolutismo e/ou totalitarismo do Estado, ou seja, é um sistema que, segundo
entendimento dos antigos, se regula no poder do “demos” ou do povo.
Por falar em absolutismos, na Era Medieval, as concepções gregas de
igualdade/liberdade deram espaço à crendice e ao posicionamento dos senhores
feudais; vejamos:
1.2.2 Democracia na medievalidade
Não compartilhamos da visão de que a medievalidade foi um dilatado período
sem estudos filosóficos, a ponto de algumas pessoas se reportarem a tal época
como “idade das trevas” ou ainda “longa noite de mil anos”, no qual apenas houve
pestes, perseguições religiosas.
31
Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga30 asseveram que, tenha
ocorrido mazelas de toda a sorte, tais como a peste negra e diversas guerras, não
podemos ignorar as realizações desse período”.
Em referência à idade média, Maria Leonor Xavier31 afirma que:
A idade média não é uma época menor da história da filosofia. Para o reconhecermos, basta recordar algumas das grandes obras estruturantes do pensamento ocidental, entre as quais algumas medievais. Por exemplo: tanto A República, de Platão, quanto A Cidade de Deus, de Agostinho, nunca deixaram de constituir referências para a filosofia política e a filosofia da história; A Metafísica, de Aristóteles, tornou-se uma referência clássica do pensamento metafísico, e a Suma Teológica, de Tomás de Aquino, tornou-se uma enciclopédia filosófica de incontornável referência na posteridade; por sua vez, A Divina Comédia, de Dante, para além de ser um retrato de época e uma síntese das culturas antigas e medieval, não deixa de ser uma obra de referência do pensamento ocidental para a meditação sobre o destino do homem. Deste modo, não só é plausível considerar legados marcantes obras antigas a par de obras medievais, como é incontornável a presença da Idade Média em obras proeminentes da posteridade.
Importante lembrar que, na idade média preponderaram, primeiro, as
influências da Igreja e logo depois as do feudalismo, ou seja, a crendice e o
posicionamento dos senhores feudais dominaram a era medieval.
A única instituição que permaneceu organizada era a Igreja Católica, a qual empreendeu a conversão e civilização dos bárbaros e conseguiu reunir todas as nações germânicas sob o comando de Carlos, rei dos francos que foi aclamado imperador romano-cristão e sagrado pelo Papa em Roma, no Natal do ano 800. Infelizmente, morto Carlos Magno, seus filhos partilharam o imenso império que cobria toda a Europa Ocidental. Começou então, em meio aos ataques dos vikings do norte e sarracenos pelo sul, o período de sobrevivência chamado de feudalismo, em a descentralização política atingiu o máximo grau possível e cada senhor de terra era rei absoluto sobre seus vassalos e servos.32
As concepções absolutistas da época medieval não deram espaço para
expansão da democracia, tanto que os governantes somente eram considerados
bons se adotassem as Escrituras sagradas, ou seja, a participação popular
30 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 199. 31 XAVIER, Maria Leonor. Questões de Filosofia na Idade Média. Lisboa: Colibri, 2007. p.15. 32 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 200.
32
(democracia) não era aceita, pois seria uma ameaça ao quanto proclamado por
Deus.33
Os gregos entendiam que era fundante a participação político-social do
cidadão, já o axioma medieval era o oposto. No entanto, o que de fato podemos
assegurar é que o legado do período medieval, no que tange à democracia, é muito
ínfimo ao ponto de não termos registros, entretanto, também, podemos assegurar
que as concepções da Idade Média não se ajustam à visão grega e nem à atual de
democracia.
Na verdade, o que se tem no período medieval, advinda das concepções
cristãs, é a constituição da liberdade interior do homem, o “encontro” do homem com
Deus, modificando brutalmente o diagnóstico sobre a questão da liberdade, a ponto
de termos um afastamento daquilo que, para os gregos, era sagrado, isto é, ocorreu
um afastamento do exercício da democracia.
Tal argumento sustenta-se pelo fato de a filosofia cristã ter como ênfase a
centralidade da “vida passiva” sobre a “vida ativa”, contrapondo o posicionamento
dos gregos que valorizavam o ato da palavra, da retórica como desenho de
realização da universalidade do bem-comum, o que ocorria com a participação do
cidadão.
1.2.3 Democracia na modernidade
O período denominado como “Modernidade”, “Idade Moderna” ou “Era
Moderna” tem início com o Renascimento, passando pelo Antigo Regime e pelo
Iluminismo e com término na Revolução Francesa de 1789.
Para analisar a evolução das instituições e do pensamento político da Idade Moderna, esse período foi subdividido em dois de nossa História mundial. A abertura dessa Idade se dá com o Renascimento, prolongando-se com o Antigo Regime e se finda na Revolução Francesa de 1978, quando inicia a Idade Contemporânea34.
33 A primeira questão que devemos abordar diz respeito ao que é, de fato, a filosofia medieval. Existe realmente um pensamento filosófico na Idade Média? Com efeito, a visão que, muitas vezes, temos desse vasto período histórico é sobremaneira negativa: idade das trevas, longa noite de mil anos, obscurantismo, pestes, perseguições religiosas, etc. Sendo a filosofia um tipo de conhecimento, cuja fecundidade não se coaduna com impedimentos ao livre exercício do pensamento, parece razoável indagar sobre a possibilidade de fazer filosofia no medievo. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 155. 34 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 205.
33
As ideias advindas da Idade Moderna, as quais colocam o homem como um
ser autônomo, autossuficiente e universal, que desassocia a centralidade da “vida
passiva” sobre a “vida ativa” predominante da era medieval, deram sustentáculos
para o racionalismo, porquanto, com a modernidade, o homem passa a mover-se
pela confiança de que, por meio da razão, pode atuar sobre a natureza e a
sociedade.
Um dos clássicos da Idade Moderna, na sua fase inicial, foi Nicolau Maquiavel
(1469-1527). Ele sustentou o absolutismo e utilizou o termo Estado para representar
o que antes era denominado República.
Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga35 argumentam que “O
Príncipe foi a cartilha de todos os reis absolutistas da época do autor e,
provavelmente, o livro de cabeceira dos ditadores contemporâneos”.
Contudo, Nicolau Maquiavel reconheceu que a luta contra liberdade não é
fácil, ao passo que recomenda ao Príncipe que quando for conquistar Estados
habituados a viver com suas próprias leis e em liberdade a melhor maneira para
preservar e conservar por intermédio de seus cidadãos36, ou seja, a liberdade não é
um ponto fácil de ser batida e somente existe liberdade onde às concepções
democráticas prevalecem.
O absolutismo de Nicolau Maquiavel não preponderou na modernidade e sim
a formação do Estado, ordem política, organização de nações, o liberalismo, uma
vez que a questão da liberdade foi um dos principais pontos da Idade Moderna.
No antigo regime, o quesito liberdade, defendido principalmente por John
Locke (1632-1704), deu margem à restruturação da democracia.
John Locke, de forma diversa de Thomas Hobbes, não possui uma visão
pessimista do estado de natureza tanto é verdade que afirma que o estado de
natureza confere ao indivíduo plenitude em relação à liberdade.
Embora o estado de natureza lhe dê tais direitos, sua fruição é muito incerta e constantemente sujeita a invasões porque, sendo os outros tão reis quanto ele, todos iguais a ele, e na sua maioria pouco observadores da
35 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 199. 36 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Capítulo V. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/ adobeebook/principe.pdf>. Acesso em: 16 out. 2015.
34
equidade e da justiça, o desfrute da propriedade que possui nessa condição é muito insegura e arriscada. Tais circunstâncias forçam o homem a abandonar uma condição que, embora livre, atemoriza e é cheia de perigos constantes. Não é, pois, sem razão que busca, de boa vontade, juntar-se com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para conservação recíproca da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”. O maior e principal objetivo, portanto, dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.37
Para John Locke, a propriedade é um termo lato que engloba terra, vida e
liberdade. No tocante à democracia, propriamente dita, John Locke apoia a
democracia representativa, argumentando que o legislativo tem o poder delegado
pelo povo, ou seja, tal democracia encontra-se adstrita ao poder dos representantes
eleitos pelo povo:
Em quarto lugar, o legislativo não pode transferir o poder de fazer leis para quaisquer outras mãos, pois, sendo apenas um poder delegado pelo povo, aqueles que o detêm não podem transferi-lo para outros. Somente o povo pode designar a forma de Estado, e o que se dá por meio de constituir o legislativo e indicar em que mãos ele estará. E, quando o povo tiver dito: “nós nos submeteremos e seremos governados pelas leis feitas por esses homens e sob tais formas” ninguém mais poderá dizer que outros homens farão leis para o povo; tampouco este pode ser submetido a lei alguma a não ser àquelas promulgadas pelos que foram escolhidos e autorizados por ele a fazer leis.38
John Locke apenas afirma que o poder emana do povo para o próprio povo e
o legislador não poder se fazer substituir sem autorização desse povo que o elegeu.
Vários outros grandes filósofos falaram sobre a liberdade e a democracia na
modernidade, tanto no Renascimento quanto no Antigo Regime; todavia, foi no
Iluminismo, no Século XVIII, que os direitos, até então, denominados naturais
transformaram em direitos do homem.
A Revolução Francesa (1789) foi um grande marco para o exercício da
democracia, foi essa revolução que motivou a derrocada da monarquia absoluta
(advinda do direito divino) para um governo laico. Todavia, importa lembrar que no
lapso temporal entre o final do século XVIII até a segunda metade do século XIX
ocorreram quatro revoluções na França (sendo a primeira denominada como
Revolução Francesa).
De certo modo, podemos considerar a Revolução Francesa como uma
espécie de “revolução industrial” que motivou uma profunda transformação
37 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2011. p. 84. 38 LOCKE, John. Coleção os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 150.
35
econômica, entretanto é mister advertir que essa transformação econômica ocorreu
paulatinamente e não somente com avanços, uma vez que alguns retrocessos se
deram.
Todavia, em que pese o moroso processo de desenvolvimento industrial
francês, as transformações econômicas marcaram a entrada da França no
capitalismo. O processo de desenvolvimento industrial que ocorreu, também, em
vários outros lugares e, em alguns, de forma mais célere que na França, sempre
provocou, no início, desemprego e precárias condições de vida para a classe
trabalhadora, porquanto os maiores interessados e beneficiados com o processo de
desenvolvimento industrial eram aqueles envoltos com a burguesia empresarial.
De tal modo, fica evidente que as concepções democráticas ligadas ao
liberalismo, encontravam-se adstritas aos ideais da burguesia empresarial, que não
se preocupava com os problemas sociais vividos pela classe trabalhadora, uma vez
que aqueles apenas visavam aos lucros, porque a forma de vida capitalista tem
como escopo a acumulação do capital tão somente.
Sem delongas, é sabido que aquilo que é favorável para a burguesia
empresarial, não é necessariamente favorável para classe trabalhadora e demais
grupos da sociedade.
Essa visão liberal voltada aos interesses burgueses, sem aplicação para a
questão social, não propiciou benefícios para os trabalhadores que abdicavam sua
força de trabalho em favor dos empresários.
Em outras palavras, os empresários estavam ficando cada vez mais ricos e,
por seu turno, os trabalhadores cada vez trabalhando mais e ganhado menos, o que
remonta à visão do soberano verso súdito, ou seja, com as condições de vida
malignalizada para os trabalhadores, quanto á “questão social” esquecida pelo
liberalismo burguês, alternativa não restou senão as revoltas populares, o propiciou
o surgimento de posicionamentos políticos como o “socialista” e, por consequência,
os sindicatos que tinham como fito lutar pelos direitos dos trabalhadores.
A Revolução Francesa, nesse caminho de transformações motivadas pela
procura de soluções para a questão social, foi apenas o ponto inicial, sendo que,
posteriormente, tivemos a Revolução Constitucionalista de 1832, depois a
Revolução Republicana de 1848 e, ainda, a Revolução Socialista de 1871.
36
A luta de classes trouxe uma nova forma de participação democrática, na qual
os socialistas entendiam que o poder político do capitalismo, decorrente do poder
econômico, não sustentava um processo democrático, porquanto, segundo os
socialistas, o capitalismo retrata a exploração do homem pelo homem.
Joseph Schumpeter asseverou que:
Os próprios socialistas (com exceção de uns poucos grupos sindicalistas) afirmavam ser os únicos e verdadeiros democratas, os vendedores exclusivos da mercadoria autêntica, que jamais deveria ser confundida com a falsificação burguesa.39
Resta, então evidente que as manifestações populares chegaram a outro
patamar pós Revolução Francesa, que tinha como lema Liberté, Egalité, Fraternité
(Liberdade, Igualdade e Fraternidade). Assim, com a Revolução Francesa, tivemos o
fortalecimento da democracia, num contexto que passa pela democracia moderna,
democracia liberal e democracia social.
Ante o exposto, a democracia que teve sua base na Grécia antiga passou
pela idade média e moderna, se mantém firme na pós-modernidade e é utilizada em
quase todos os países. Ressalvadas as divergências, é a forma de governo que
melhor atende aos anseios políticos e sociais contemporâneos, motivo pelo qual tem
suportado até os dias atuais os ataques daqueles que não coadunam com esse
ideal. Suporta, pois, a nosso ver, um modelo organizacional estável que viabiliza ao
cidadão a participação direta ou indireta nos rumos da comunidade/sociedade na
qual ele está inserido.
Outrossim, todo esse esplêndido passado de lutas, avanços e retrocessos
viabilizaram um debate aberto nos dias atuais sobre democracia. Assim, a
democracia contemporânea, ainda em constante transformação, teve seus pilares
reforçados pelos erros e acertos, ou avanços e retrocessos do passado.
1.2.4 Democracia na contemporaneidade
(...) é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o estado liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos.40
39 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 283. 40 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz
37
Conforme bem assevera Norberto Bobbio, democracia encontra-se,
intimamente, ligada à liberdade; à medida que seu exercício somente é possível num
Estado liberal que garanta os direitos humanos.
Vivemos nos dias atuais uma esquizofrenia no que tange ao estabelecimento
de um núcleo quando nos referimos à democracia, seja pela falta de conhecimento,
seja pelo uso inadequado da palavra, seja para defender interesses pessoais dos
políticos. Tanto que, para Joseph Schumpeter, a democracia é um método político
pautado num certo tipo de arranjo institucional. Ela não deve ser compreendida
como um fim em si mesmo.
A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição. 41
Alguns defendem que, nas democracias contemporâneas, o que dever ser
observado é a democracia representativa, em que as deliberações são tomadas de
forma coletiva, embora não sejam tomadas diretamente pelos cidadãos, são por
representantes eleitos para desempenhar tal finalidade.
Outros defendem que democracia deve ocorrer diretamente, revivendo o
pensamento na íntegra dos gregos, ou seja, tem-se a ideia de “governo do povo”
(demos = povo, Kratein = governo), no qual o Estado não pode limitar a participação
popular.
Joseph Schumpeter, por seu turno, defende que “a democracia moderna
cresceu passo a passo com o capitalismo e foi dele consequência42.” Observa,
ainda, que para o processo democrático obter resultado positivo nas nações
modernas e industriais, deve observar quatro condições43.
A primeira condição refere-se à “qualidade do material humano” de elevado
atributo que chega ao gabinete e ao parlamento, o que implica a disponibilidade de
um qualificado e bom número de dirigentes que devem ser escolhidos dentre a
e Terra, 1986. p. 20-21. 41 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 295. 42 Ibidem, 1961, p. 259. 43 Ibidem, 1961, p. 361-367.
38
população, preferencialmente aqueles que estiverem preparados e disponíveis para
a aptidão política. A segunda tem como foco limitar a abrangência efetiva da decisão
política, impondo restrições automáticas à atmosfera política, limitando, assim, a
máquina política.
Como terceira condição, Joseph Schumpeter estabelece o respeito à
necessidade de se ter à disposição uma burocracia bem treinada, de tradição,
dotada de força e de boa posição, para conduzir e ensinar os políticos que
encabeçam os ministérios. A quarta condição, por sua vez, trata do autocontrole
democrático, é o “autocontrole democrático”, no qual o método democrático só pode
funcionar se todos os grupos estiverem dispostos a aceitar as medidas
governamentais pautadas nas leis.
Nesse contexto, podemos concluir que, para Joseph Schumpeter, a
democracia é um método político, pautado num acordo institucional que visa a obter
decisões políticas. Tais decisões são realizadas por aqueles que adquiriram o poder
de decisão por meio dos votos da população, numa disputa competitiva, ou seja,
ocorre uma competição pelo voto livre para se estabelecer o governo aprovado pelo
povo.
Todavia, importa mencionar que a concepção supra, quando mal interpretada
pode acarretar uma confusão, e acreditamos que tal dissociação de pensamento, daí
porque falamos em “esquizofrenia”, ocorre em decorrência de má interpretação do
texto constitucional.
Nossa Constituição Federal de 1988 traz essa dubiedade em seu artigo 1º44,
quando determina que nossa República constitui-se em Estado Democrático e no
parágrafo único, do citado artigo, determina que “todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.
Ora, acreditamos que apenas estamos diante de um erro de hermenêutica,
44 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
39
uma vez que a democracia contemporânea, em especial a brasileira, é um sistema
em que as decisões são tomadas por intermédio dos representantes eleitos,
escolhidos pela população por meio do voto, contudo, em alguns casos, a própria
Constituição permite a participação popular, sem retirar a validade da democracia
representativa.
Nessa toada, Norberto Bobbio argumenta:
Enquanto hoje a eleição é a regra e a participação direta a exceção, antigamente a regra era a participação direita, e a eleição, a exceção. Poderíamos também dizer da seguinte maneira: a democracia de hoje é uma democracia representativa às vezes complementada por formas de participação popular direta; a democracia dos antigos era uma democracia direta, às vezes corrigida pela eleição de algumas magistraturas.45
Creditamos essa confusão à democratização da informação e o amplo acesso
às redes sociais que, às vezes, vêm destoadas de argumentos seguros que
viabilizem maior entendimento.
Não podemos, entretanto, olvidar que a democracia contemporânea se
produz, se arranja e se propaga por meio dos veículos de comunicação, perfazendo,
assim, a internet; as redes sociais e as mídias de massa têm um fundamental papel
político no processo democrático atual.
César Steffen, sobre o tema, elucida:
A democracia contemporânea é um sistema onde a decisão é tomada por representantes eleitos, escolhidos pela população através do voto. A democracia contemporânea se dá, se faz e se promove pela e através da midiatização devido à necessidade da ampla audiência que os processos e as redes midiáticas alcançam, tendo então o campo midiático um fundamental papel político nos processos democráticos. A mídia busca audiência para si, a política gera e usa essa audiência para construir seus efeitos, os especialistas auxiliam ou conduzem estas ações e fazeres dos atores político, a mídia pauta o processo e é pautada pela política, numa ampla conexão e cruzamento que faz as visibilidades da política e, assim, constrói as lógicas, formatos e processos da democracia contemporânea.46
Destarte, a democracia contemporânea apresenta como núcleo um
experimento de estabilização da relação, necessária, entre cidadãos e instituições,
45 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elieser, 2000b. p. 374. 46 STEFFEN, César. Midiocracia: uma nova face das democracias contemporâneas. 2010. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. p. 107.
40
ao passo que busca, restabelecer a conexão entre o povo e seus representantes,
com fulcro em convalidar o próprio processo democrático.
A constituição da democracia contemporânea ocorre pautada em elementos
que implicam a descaracterização do poder absoluto, seja de quem for.
Caroline Ferri, sobre o tema, relata que as teorias democráticas atuais
despersonificam a concepção de soberano, uma vez que faz uso do povo como
elemento central na formulação do poder:
As teorias democráticas contemporâneas se constituem a partir dos elementos que pressupõem a despersonificação do soberano e o consequente vazio do poder. Tais teorias, ao fazerem uso do povo como elemento central na constituição do poder, mitigam o conceito de liberdade enquanto participação popular (característico da antiguidade) em prol da liberdade individual (que inclui a própria escolha de não participar) como forma de mascarar o próprio paradoxo da soberania, mantendo assim viva a ideia de que na democracia o poder pertence ao povo.47
Ante todo o exposto, podemos concluir que a democracia contemporânea
exige um cidadão ativo que se envolva no campo da política via discussões,
debates, plebiscitos e referendos, isto é, por intermédio de instrumentos informais e
formais e, nesse contexto, entra a figura do e-cidadão, pois existe uma máxima que
sendo ausente o cidadão/e-cidadão no processo de constituição e desenvolvimento
da democracia, ela submerge em validade, alimentando meramente sua base
formal, o que não pode e não deve ocorrer.
1.2.5 A ciberdemocracia
Conforme acima esculpido, o que se busca é um cidadão/e-cidadão antenado
que contribua para a efetivação da democracia contemporânea, ao passo que a
esse cidadão/e-cidadão se exige que seja ativo no debate político, via debates e
discussões, plebiscitos e referendos, criando-se, assim, a ciberdemocracia.
47 FERRI, Caroline. A (in) compreensão do paradoxo da soberania popular na democracia contemporânea. 2012. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. p. 47
41
Nessa contextualização, a figura do e-cidadão torna-se imprescindível para a
efetivação do processo democrático, tendo as redes sociais importante papel nesse
feito.
Paulo Bonavides aduz que “no século XX a evolução não foi outra senão esta:
o estreitamento das possibilidades de participação efetiva do povo no processo
decisório.”48
Conforme é exposto no Capítulo 3 da presente tese, os avanços tecnológicos
foram e são de extrema importância para a concretização da democracia dos dias
atuais, avanços esses viabilizados pela revolução tecnológica.
Norberto Bobbio, quando traz à baila a democracia do futuro, já relatava a
importância da ciberdemocracia, em que pese ter utilizado o termo “meios
eletrônicos”:
Com relação às duas diferenças fundamentais entre democracia dos antigos e democracia dos modernos, sobre as quais falei até agora, pode-se timidamente prever que a democracia do futuro goza do mesmo juízo de valor positivo da democracia dos modernos, embora, retornando em parte, através da ampliação dos espaços da democracia direta, tornada possível com a difusão dos meios eletrônicos, à democracia dos antigos.49
Dessa feita, ciberdemocracia, via a democratização do acesso à internet e as
redes sociais, contribuiu, sem precedentes, para a criação de novas formas de
interação entre os membros da sociedade. A ciberdemocracia contribuiu, também,
para a interação do e-cidadão com o Estado.
Representa a ciberdemocracia uma nova forma de democracia que podemos
denominar como democracia cibernética, democracia digital, democracia online ou,
até mesmo, democracia via redes sociais, sendo que sua estruturação se dá via
rede mundial de computadores, num enredo transnacional, indo além das nossas
fronteiras territoriais, tanto que, quando dos manifestos ocorridos no Brasil, por
exemplo, a “jornada de junho” de 2013, simultaneamente ocorreram manifestos de
brasileiros espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Cesar Leandro de Almeida Rabelo,
sobre o tema, aduzem:
Democracia digital[3] também chamada de “democracia eletrônica”, “e-democracy” [4], “democracia virtual”, “ciberdemocracia”, “teledemocracia” dentre outras nomenclaturas vem se constituindo ao redor de algumas
48 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 478. 49 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elieser, 2000b. p. 382.
42
expressões-chave tais como: “internet”, “esfera pública”, “democracia”, “novas tecnologias”, “mundo digital” e “recursos web”. Referem-se às novas práticas para a política democrática, que emergem da uma nova infraestrutura tecnológica eletrônica proporcionada por computadores em rede e por um número grande de dispositivos de comunicação e de organização, armazenamento e oferta de dados e informações online.50
Entendemos que a ciberdemocracia oportuniza ampla participação
democrática por parte do e-cidadão que exercita a democracia por meio das
manifestações online, principalmente pelas redes sociais, influenciando,
efetivamente, nos atos do governo, contudo, o e-cidadão, se faz ouvir, também, nas
ruas.
Percebemos com o advento da cibernética, a fomentação de debates públicos
online, nos quais a participação é aberta a todos que têm acesso à internet,
oportunidade na qual podem expressar suas opiniões a respeito do assunto em
questão. Nesse ínterim, fica evidente a disparidade das mídias convencionais, tais
como jornais impressos, rádio, televisão, tendo em vista a ausência de qualquer
forma de censura precedente.
Outro fator evolutivo, advindo da ciberdemocracia, é a polarização instantânea
da liberdade de expressão frente à imediata circulação dos manifestos nas redes
sociais, e isso restou evidente nas últimas manifestações no Brasil, nas quais os
participantes, fazendo uso, por exemplo, de um celular com acesso à internet, de
dentro dos protestos, propagavam rapidamente os acontecimentos, assim, qualquer
pessoa, em qualquer lugar do mundo, bastando apenas o acessar a internet, teve
conhecimento dos acontecimentos de forma instantânea, fato ocorrido, também, na
Primavera Árabe em 2011.
Num certo ponto, essa nova forma de participação democrática chamada
ciberdemocracia nos faz retomar as percepções gregas, ou seja, trata-se de uma
forma de democracia direta como defendida pelos antigos, contudo, realizada uma
análise análoga, o e-cidadão tem, via redes sociais, a possibilidade de participar
diretamente do processo decisório, já que os manifestos impactam nos rumos
legislativos e decisórios do nosso país, demonstrando, assim, que a ciberdemocracia
50 VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; RABELO, Cesar Leandro de Almeida. A Participação da Sociedade Brasileira nas decisões do Governo a luz da Democracia Digital. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10708&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 20 ago. 2016.
43
é uma excelente ferramenta a favor da democracia participativa, divergindo, assim,
da concepção grega.
Os governantes, atentos às novas tendências envoltas na ciberdemocracia,
de pronto entenderam o ocorrido. O Brasil se antecipou em vários aspectos, por
exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral -TSE, sem soma de dúvidas, deu um grande
passo rumo à ciberdemocracia, por meio da urna eletrônica, que viabilizou o voto
eletrônico, que completará, nesse ano, 20 anos da sua primeira utilização, ou seja,
foi sem dúvidas uma grande percepção:
Em cinco meses, durante as eleições municipais de 1996, o projeto foi concluído. A urna eletrônica, criada pelo TSE, foi então licitada para fabricação. O objetivo era adquirir urnas capazes de registrar o voto de um terço do eleitorado, à época, próximo a 100 milhões de eleitores. As urnas adquiridas foram utilizadas em todo o estado do Rio de Janeiro, nas demais capitais dos estados e nos municípios com mais de 200 mil eleitores, totalizando 57 cidades no país.
Sob a presidência do Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, em 1996 foi iniciada a primeira votação eletrônica do Brasil. Nesse ano, um terço do eleitorado votou nas urnas eletrônicas.51
A democratização digital provocou, em várias esferas do Estado, a
necessidade de construir mecanismos para tornar o Governo, também, digital. O
TSE, acima mencionado, tem em seu portal eletrônico um link denominado
“transparência”52.
Outras instituições fazem uso do mesmo instrumento, no qual disponibilizam,
via site, questões atinentes ao interesse público, reforçando a democratização
digital, isto é, fomentam a ciberdemocracia em prol do e-cidadão, como ocorre na
Câmara dos Deputados, que, além da “transparência”53, tem um portal denominado
“E-democracia”54, disponível, também nas redes sociais (Facebook55; Youtube56;
Flickr57; e, Twitter58) além de várias “comunidades”.59
51TRUBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Informatização do voto. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/biometria-e-urna-eletronica/eleicoes>. Acesso em: 20 ago. 2016. 52TRUBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Transparência. Disponível em: <http://www.tse.jus.br /transparencia>. Acesso em: 20 ago. 2016. 53PORTAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS. Transparência. Disponível em: <http://www2.camara. leg.br/transparencia>. Acesso em: 20 ago. 2016. 54PORTAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS. E-democracia. Disponível em: <http://edemocracia. camara.gov.br/>. Acesso em: 20 ago. 2016. 55FACEBOOK. E-democracia. Disponível em: <https://www.facebook.com/e-Democracia-14961415 5088732//>. Acesso em: 20 ago. 2016. 56YOUTUBE. E-democracia. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/edemocraciacd//>. Acesso em 20 ago. 2016. 57 FLICKR. E-democracia. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/edemocracia/>. Acesso em:
44
O Senado Federal, também, tem instrumento semelhante, denominado de
“e-cidadania”60. A Presidência da República, igualmente, disponibiliza aos e-
cidadãos vários meios de acesso, seja via portal ou redes sociais.61
Em todos os portais e redes sociais, há a possibilidade de participação do e-
cidadão brasileiro por meio de enquetes, bate-papos, acesso às informações e
viabilidade de propostas de leis.
Todavia, não são somete flores, com o perdão do trocadilho, uma vez que a
exclusão digital é uma realidade que torna a ciberdemocracia, em parte, excludente,
assemelhando-se, mais uma vez, à concepção de democracia dos antigos e, além
disso, infelizmente, parcela significativa da população não tem interesse por
questões políticas e sociais, bem como não tem interesse pelo denominado “bem-
comum” do bom andamento do Brasil.
Não podemos olvidar, também, que, além dos gargalos acima mencionados,
temos que lembrar que a des”ordem” sempre foi associada aos idealistas que
propuseram, em qualquer tempo, a ruptura de um estado tirano, a ruptura de um
regime absolutista ou totalitário. Contudo, entender a des”ordem”, é ir além do muro
invisível que criamos sobre a ordem; entender a desordem é entender que nem
todos pensamos iguais, que a divergência faz parte de um processo evolutivo,
denominado civilização, ao passo que a des”ordem”, ou como defenderemos abaixo
a ordem vista por outro viés foi, é e será necessária para evolução da raça humana,
principalmente na era da ciberdemocracia.
1.3 Des “ordem”
As manifestações, consideradas ordeiras, recebem grande apoio da
população, independentemente da época. Nunca foi aceito o uso da força como
20 ago. 2016. 58 TWITTER. E-democracia. Disponível em: < https://twitter.com/Edemocracia>. Acesso em: 20 ago. 2016. 59PORTAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS. E-democracia. Disponível em: <http://edemocracia. camara.gov.br/comunidades#.V7jwtMVZ7rd>. Acesso em: 20 ago. 2016. 60 SENADO FEDERAL. E-cidadania. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ecidadania. Acesso em: 20 ago. 2016. 61 PORTAL DA LEGISLAÇÃO. E-cidadania. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/>. Acesso em: 20 ago. 2016.
45
forma de convencimento, e nos dias atuais não é diferente. Vivemos numa geração
que não tolera abusos, ou seja, desde tempos mais arcaicos, até os dias atuais, a
raça humana acredita que o convencimento deve ocorrer pelo argumento, pela
persuasão, tal afirmativa encontra respaldo na liberdade de expressão e no princípio
da legalidade, uma vez que não somos obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude da lei62.
A des“ordem”, por seu turno, pressupõe a não observância de uma dada
ordem pública. Segundo Nathaly Campitelli Roque, ordem pública pode ser mais
bem apreendida ao se considerar o direito como produto cultural, resultante das
influências do contexto sócio-político-econômico-histórico.63
É importante frisar que não abordaremos questões atinentes aos fatos atuais,
pois tais fatos serão esmiuçados em momento oportuno, entretanto, mister se faz
trazer à baila uma visão diferente sobre desordem, vejamos:
1.3.1 Ordenando uma ordem
Somos os únicos seres racionais, ou seja, o ser humano é o único que
desenvolveu o raciocínio, que, conforme acima esculpido, é a forma como
ordenamos nossos pensamentos, isto é, uma ordem intelectual.
Dessa forma, a ordem encontra-se em quase tudo, seja na organização das
ideias, das coisas, dos seres, do universo.
Entretanto, se fôssemos olhar a origem do termo, poderíamos afirmar que
Ordem64 vem do Latim ORDO, “arranjo de elementos feito conforme certos critérios”,
62 Constituição Federal, artigo 5º, inciso II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. 63 ROQUE, Nathaly Campitelli. A ordem pública e seu regime jurídico do direito processual civil as questões de ordem pública. Revista dos Tribunais | vol. 908/2011 | p. 263 - 291 | Jun / 2011, p. 268. A Autora ainda afirma que: “A ideia de “ordem” é questão que remonta ao início do conhecimento humano, presente desde a fase do conhecimento mitológico, sendo incorporado à filosofia então nascente. Foi tema dos pensadores pré-socráticos, de Platão, Aristóteles, Cícero, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino; dos pensadores renascentistas e iluministas, especialmente no pensamento de Emanuel Kant, sendo ainda questão dos pensadores modernos e pós-modernos (Morin, Luhmann, Habermas dentre outros). Já a ideia moderna de “público” decorre especialmente da contribuição romana, baseada no conceito de autoritas, e, embora abandonado na medievalidade, reaparece com os pensadores políticos do Renascimento e do Iluminismo. 64 Lista De Palavras. Origem da palavra: site de etimologia. Disponível em:<http:// origemdapalavra.com.br/site/pergunta/origem-de-ordem/>. Acesso em: 17 mar. 2016.
46
“exigência de disposição regrada de elementos, comando”, relacionado ao verbo
ORDIRI, “ordenar”.
De acordo com o Dicionário Brasileiro Globo, ordem é:
ORDEM (ó), s. f. Disposição metódica; arranjo das coisas classificadas segundo certas relações, conveniências, utilidades ou qualidades respectivas; qualidade daquele que é ordenado, metódico: é um funcionário que tem ordem; regularidade; tranquilidade; resultante de submissão às leis; conveniente disposição dos meios para conseguir fins; natureza; classe; categoria; artista de primeira ordem; mandado de autoridade superior; ato de mandar; prescrição imperativa; lei; boa administração; modo; jeito; maneira; sociedade (congregação) religiosa; classe ou hierarquia dos cidadãos; sacramento da igreja, (sacerdócio); classe de honra instituída por um soberano ou pelo governo para compensar o mérito pessoal: a Ordem do Cruzeiro; insígnia dessa classe; (arquit.) cada um dos sistemas clássicos de dispor as partes principais de um edifício: ordem jônica; publicação de leis; regulamento militar; (hist. nat.) divisão da classificação dos seres, intermediaria à classe e à família; ordem do dia: expediente prefixado dos trabalhos de cada dia ou de uma sessão. (Do lat. ordine).65
Já, segundo o Martim Pierre (dicionário jurídico), temos uma divisão de
ordem:
ORDEM CIVIL – Conjunto de leis e princípios que regem os interesses provados. ORDEM DO DIA – (Verb, Pol.) Relação do que será discutido no plenário naquele dia. ORDEM JURÍDICA – (Loc. Jurídica) É uma forma de ordem social mais ampla que o ordenamento jurídico porque é constituído por todos os controles sociais (direito, moral, educação, etc.).66
Não obstante, pautados no senso comum, podemos dizer que “ordem” é uma
condição em que tudo se encontra em um determinado espaço, conforme
determinados padrões previamente estabelecidos, seja pela natureza ou pelo
homem; contudo, levado a cabo, o termo “ordem” é de uma abstração sem
mensuração.
Nesse diapasão, imagine-se adentrando em um dado estabelecimento
comercial, e.g., um hipermercado, em que todos os mantimentos e utensílios
encontram-se empilhados, ao passo que do lado esquerdo encontram-se os
alimentos não perecíveis, no meio os alimentos perecíveis e no lado direito os
produtos de limpeza, eletrodomésticos e demais itens que compõem o
65 FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Globo. 44.ed. São Paulo: Globo, 1996. p. 442. 66 PIERRE, Martim. Dicionário Jurídico 2015: terminologia juridical e forense, brocados latinos. 7 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2015. p. 267.
47
estabelecimento. Todavia, indo a um concorrente, verificamos disposição totalmente
oposta, assim indago, qual ordem está correta?
Ora, o fato de um hipermercado dispor seus itens de forma diversa de outro
lhe garante o título de desordenado?
Veja, numa simples situação chegamos a um dilema, ou seja, em que
consiste a ordem? Como dizer qual ordem é correta? Assim, caso não tenhamos
uma noção sobre um padrão pré-estabelecido, em que estaremos pensando,
quando formos justificar qual a ordem dever ser observada.
Destarte, não existe certo ou errado, mas tão somente uma análise sobre a
organização ou disposição das coisas, sendo que tal organização/disposição só terá
eficácia quando o fito for alcançado.
Goffredo Telles Junior67 argumenta que a ordem advém de uma disposição,
vejamos:
Toda ordem, evidentemente, é uma disposição. Mas não é uma disposição qualquer. É uma certa disposição, uma disposição conveniente de coisas, sendo que a disposição só pode ser considerada conveniente quando alcança o fim em razão do qual ela é dada às coisas.
Os livros de uma biblioteca estão em ordem quando se acham dispostos de maneira a possibilitar o encontro de qualquer deles, no momento em que for procurado. Esta possibilidade é o fim para cuja consecução os livros são dispostos desta ou daquela maneira. Se tal fim é atingido, a disposição dos livros é conveniente, e os livros estão em ordem, o mesmo acontece com quaisquer cousas colocadas em ordem, ou seja, em disposição conveniente.
Qual seria a disposição correta? Ora, cada um organiza sua coisa, sua vida,
seu jeito de ser, conforme suas necessidades e pretensões. Entretanto sempre
buscamos determinar que nossa “ordem” deve prevalecer sobre as demais, isso é
devido ao egocentrismo, uma vez que o individualismo tem tomado cada vez mais
parte de nossas vidas, o “eu” sempre em primeiro lugar e a questão do que é ou não
“ordem” não é diferente.
Sabemos que ordem pressupõe a diversidade de coisas, ao passo que um
único objeto, um único corpo nunca será ordeiro ou desordeiro, nesse sentido,
continua Goffredo Telles Junior:68
É obvio que toda ordem requer coisas múltiplas, seres necessariamente
67 TELLES Júnior, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 3-4. 68 Ibidem, p. 5.
48
distintos uns dos outros (embora possam ser iguais uns aos outros). Não pode haver ordem onde não haja multiplicidade de coisas, multiplicidade de seres; onde não haja coisas ou seres distintos para ordenar, isto é, para relacionar uns com os outros e colocar em seus devidos lugares. “Não há ordem sem distinção”, disse Santo Thomaz de Aquino.
Nesse diapasão, a ordem depende da existência múltipla de coisas ou seres,
sendo que, quando não há multiplicidade, não há ordem. Assim, Goffredo Telles
Junior traz a lume que a “ordem compreende multiplicidade e unidade. E como, em
todas as ordens, a multiplicidade dos seres se submete à unidade do conjunto, toda
ordem implica dominação da unidade sobre o múltiplo”.69
Contudo, não é tão simples assim definir ordem. Edgar Morin70 aduz que a
ordem é composta de diversos níveis, sendo o primeiro nível voltado aos fenômenos
naturais, biológicos e sociais, vejamos:
Portanto, a definição de ordem comporta diversos níveis. O primeiro nível seria o dos fenômenos que aparecem na natureza física, biológica e social: a ordem se manifesta sob a forma de constância, de estabilidade, de regularidade e de repetição.
No segundo nível, o autor aduz que a determinação, a coação, a causalidade
e a necessidade levam à obediência no tocante às leis, que estas norteiam os
governados, ou seja, a obediência às leis encontra-se como núcleo do segundo
nível:
Depois, chegamos num segundo nível que seria o da natureza da ordem: a determinação, a coação, a causalidade e a necessidade que fazem os fenômenos obedecer às leis que os governam. Isso nos leva a um terceiro nível, mais profundo, no qual a ordem significa coerência, coerência lógica, possibilidade de deduzir ou de induzir, e, portanto, de prever. A ordem nos revela um universo assimilável pela mente que, correlativamente, encontra na ordem o fundamento de suas verdades lógicas71.
Edgar Morin elucida, no terceiro nível, que a consonância entre a ordem da
mente e a ordem do mundo propicia a racionalidade, sendo, então, a racionalidade o
caminho para se estabelecer e manter a ordem, bem como viabiliza ao homem
tornar-se senhor e dono da natureza:
69 TELLES Júnior, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5. 70 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 207. 71 Ibidem, 2005, p. 208.
49
Nesse terceiro nível, um nível profundo, a ordem se identifica com a racionalidade, concebida como harmonia entre a ordem da mente e a ordem do mundo. Podemos dizer, de algum modo, que há um pentágono de racionalidade no qual a ordem é um elemento-chave. O pentágono de racionalidade é constituído por cinco noções: ordem, determinismo, objetividade, causalidade e, finalmente, controle. O conhecimento das leis da natureza permite anunciar e controlar os fenômenos: com isso, encontramos a idéia fundamental de uma ciência cuja missão é tornar o homem senhor e dono da natureza, pela mente e pela ação.
O autor acredita que a ordem é o elemento-chave do pentágono de
racionalidade e expõe que a teologia, a mágica, a política lhe dão origem, todavia,
reconhece que a noção de ordem não é um simples conceito, porquanto envereda
pela metafisica e guarda traços da teologia:
Percebemos que esse pentágono de racionalidade fundamenta a idéia de ordem e se fundamenta nela. O curioso é que ele tem origem teológica, mágica e política. Whitehead disse o seguinte: “A ordem do universo é um conceito derivado da crença religiosa, na racionalidade do Deus, que pôs em movimento um universo perfeito para demonstrar sua onisciência”. E, ele acrescentou: “A crença na redução dessa ordem numa fórmula matemática deriva da visão pitagórica de que o mistério do universo é revelado através dos números”. Portanto, Whitehead colocou a origem teológica e mágica da idéia de ordem. Podemos acrescentar a ela uma origem política: a idéia de ordem universal desenvolveu-se no Ocidente no momento da soberania das monarquias de direito divino. Não quero anunciar aqui um determinismo sociológico estúpido que deduziria a idéia de ordem física da ordem política do monarca absoluto. A minha sugestão é que existe um indício, um fundo político da ordem monárquica, da ordem social por trás da idéia de ordem física. Não digo que a idéia de ordem física seja uma “superestrutura ideológica” de ordem política. Acho que a ordem política foi um meio de formação favorável para a ordem física. (...) De qualquer modo, acabamos de ver que a noção de ordem não é simples, que ela esconde embasamentos metafísicos e que esses guardam traços teológicos.72
O primeiro nível tange à ordem social que, para a presente tese, é tema caro;
contudo, os demais níveis viabilizam uma melhor análise para o entendimento da
ordem, ao passo que não podemos analisar os níveis isoladamente, como não
podemos analisar a ordem, ou seja, são vários aspectos que, juntos, concretizam
uma base firme para o entendimento da ordem e, por consequência lógica, para
desvendarmos a desordem.
Assim, o entendimento da ordem, que no contexto acima é algo que viabiliza
a previsibilidade, isto é, o comando, é de suma importância para entender a
72 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 209.
50
desordem, e, por consequência lógica, acarreta a aflição da incerteza diante do
incoercível, do imprevisível e do indeterminável.
Todavia, temos, também, que nos permitir analisar a desordem de um outro
ângulo, ou seja, uma ordem inversa à outra ordem. Assim, em alguns aspectos, a
desordem apenas existe, porque contraria o nosso ideal de ordem.
1.3.2 Desordem: ausência de ordem ou ordem em outra perspectiva
É muito comum utilizarmos a palavra desordem como sendo contraditória à
palavra ordem. Utilizamos tal contradição para referirmo-nos à ausência de uma
dada ordem que existe em um determinado lugar, ou seja, ocorreu em algum
momento o ajustamento sobre o que e como seria a ordem e, quando de sua
ausência, estaríamos num cenário de desordem, isto é, há coisas ou partes que
correspondem a um todo que deveriam estar organizadas em um determinado lugar
ou de uma maneira dada e não estão, porque alguma conduta humana ou fenômeno
natural contribuiu para sua desorganização.
Tal concepção de contrariedade não é de agora, tendo em vista que, na
antiguidade, os gregos denominaram o Universo de cosmos e não de caos.
A Filosofia ensina que o Universo é A DIVERSIDADE DAS COISAS HARMONIOSAMENTE ORDENADAS, DENTRO DA UNIDADE DO TODO. (sic) Os gregos chamavam o Universo de cosmos, palavra que significa ordem; não caos, palavra que significa ausência de ordem.73
Assim, poderíamos dizer que a desordem só existe, quando é estabelecido
um padrão de ordem; no entanto, como na ordem, a desordem também pode ser
classificada em níveis diferentes.
Edgar Morin argumenta que o primeiro nível, o fenômeno da desordem, é um
conceito-mala, uma vez que conglomeram irregularidades, as inconstâncias, as
instabilidades, as agitações, as dispersões, as colisões, os acidentes que podem
perturbar as regulações organizacionais:
73 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 6.
51
Tomemos a noção de desordem. Ela também comporta diversos níveis. Num primeiro nível do fenômeno, a desordem é um conceito-mala que engloba as irregularidades, as inconstâncias, as instabilidades, as agitações, as dispersões, as colisões, os acidentes — que se produzem tanto nos níveis i das partículas microfísicas, quanto no nível das galáxias bem como no nível dos automóveis, pois, cheguei do aeroporto de Genebra num táxi que bateu num outro carro. A desordem também contém desvios que podem perturbar as regulações organizacionais e, mais amplamente, ela diz respeito a qualquer fenômeno que acarrete ou constitua a desorganização, a desintegração, a morte. Enfim, onde há atividade de informação e de comunicação, a desordem é o barulho que parasita a mensagem, é o erro. Isso para o primeiro nível empírico de definição da desordem.74
Já no segundo nível, a eventualidade e o acaso são postos por Edgar Morin
como sendo o núcleo de todas as desordens, na qual a eventualidade e acaso
podem receber uma definição, sendo certo que tais elementos encontram-se
adstritos ao desconhecido, vejamos:
Posteriormente, há um segundo nível no qual aparece o ingrediente comum a todas essas desordens: a eventualidade e o acaso. A eventualidade e o acaso podem ser definidos. O matemático Chaitin mostrou que o acaso podia ser definido se comparado a um computador. Deriva do acaso toda sequência que não pode ser concebida a partir de um algoritmo e que necessita, então, ser descrita na sua totalidade. Thom usou o mesmo sentido para definir o acaso no seu artigo, no qual ele declarava guerra ao acaso: "O que não pode ser estimulado por nenhum mecanismo, nem deduzido por nenhum formalismo.75
Nesse contexto, o acaso é o eixo do terceiro nível, sendo que o autor o
responsabiliza como o vilão da desordem, uma vez que o acaso é irresponsável,
incoerente, ou seja, o acaso torna-se um contraponto à ordem, já que esta permite
uma previsibilidade e aquele, como dito, pressupõe o desconhecido, vejamos:
Nesse caminho, chegamos ao terceiro nível, onde o acaso nos priva da lei e do princípio para conceber um fenômeno. A partir de então, mergulhamos nas profundezas obscuras que, para alguns como Thom, são obscurantistas. Efetivamente, o acaso insulta a coerência e a causalidade; desafia o pentágono da racionalidade que acabei de definir. Ele aparece como irracionalidade, incoerência, demência, portador de destruição, portador da morte. E, já que a ordem é aquilo que permite a previsão, isto é, o domínio, a desordem é aquilo que traz a angústia da incerteza diante do incontrolável, do imprevisível, do indeterminável. Mesmo quando conseguimos dizer "No fundo, o acaso é só o encontro de séries deterministas", ainda assim a desordem e a incerteza aparecem nesse encontro. Se um vaso de flores, por motivos determinados, cai na cabeça de um transeunte que passa sob a janela de onde despenca o vaso de flor por motivos conhecidos, mesmo assim, trata-se de um acidente. Isso desorganiza a vida do indivíduo que, em vez de ir para o trabalho, irá para o
74 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 209. 75 Ibidem, p. 210.
52
hospital. A racionalização a posteriori que explica o acidente não elimina o acidente, isto é, seu caráter desorganizador, incerto e aleatório, numa existência organizada e na ordem urbana.76
Nessa esteira de pensamento, tudo que sai do seu eixo natural, tudo que
causa uma agitação desproporcional, tudo que perturbar as regulações
organizacionais causa um caos, ou seja, causa a desordem, motivada, via de regra,
pelo acaso.
Com efeito, a convivência em sociedade requer que cada indivíduo, que
compõe a sociedade, para atingir uma harmonia mínima para viver em paz, deve
abrir mão do individualismo em relação à ordem, para chegar a uma ordem comum.
Para tanto, os indivíduos que vivem em sociedade criam normas que têm o condão
de estabelecer um regramento mínimo para convivência, ou seja, estabelecem e
conceituam o que é ordem.
E essa imposição de como devemos viver em sociedade não é uma coisa dos
dias atuais, vejamos, por exemplo, quando Deus entregou os Dez Mandamentos,
antes falou sobre como propunha abençoar os filhos de Israel e advertiu-os a
respeito dos limites a serem respeitados, para, posteriormente, entregar os Dez
Mandamentos a fim de que o povo obedecesse, ou seja, foram estabelecidas dez
ordens que deveriam ser obedecidas, e, quando não observadas, geravam o caos,
isto é, a desordem, assim, toda vez que ocorresse o não cumprimento dos
mandamentos, estaríamos diante da ruptura da ordem.
Não obstante, temos uma concepção sobre desordem que, para a presente
tese, é de extrema importância, porquanto a desordem pode ser vista de um outro
ângulo, no qual deixamos a visão de desobediência em relação à ordem, para
olharmos a desordem como sendo uma ordem contrária a outra ordem.
Sobre o tema Goffredo Tellles Júnior77 salienta:
O problema da existência da desordem só pode ser resolvido se for colocado em seus devidos termos. Em verdade, ele não passa de um pseudoproblema. É um problema fundado num equívoco. A desordem não é o contrário da ordem, como se costuma pensar. Ela é, isto sim, uma ordem contrária a outra ordem.
76 Ibidem, p. 211. 77 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 7.
53
Goffredo Tellles Júnior afirma que foi Henri Bergson quem revelou a
verdadeira natureza da desordem, acredita aquele que este revelou que a questão
da desordem é apresentada com base em uma falsidade, uma vez que acredita que
a desordem na verdade é uma ordem não querida, ou ainda, uma ordem que
desagrada, prejudica e daí por diante, contudo, assegura que, na verdade, a
desordem é sempre uma ordem:
Bergson foi quem revelou a natureza verdadeira da desordem. Foi ele quem demonstrou a falsidade com que a questão da desordem é geralmente apresentada (Henri Bergson, A Evolução Criadora, Capítulo III; O Pensamento e o Movente, II e III). Desordem, disse ele, é o nome dado à ordem não desejada, não querida, não procurada. É o nome da ordem que desagrada, desgosta, decepciona, prejudica, infelicita, desola. Mas a desordem é sempre uma ordem, eis o que precisa ficar bem claro.78
Sustenta, ainda, que Henri Bergson demonstrou que tudo quanto o ser
humano chama de desordem, é sempre ordem, pois acreditava que a desordem
como contraponto à ordem, ou seja, a desordem como ausência de ordem seria algo
impossível, tendo em vista que a desordem, na verdade, representa uma ordem que
infelicita ou desola:
Bergson demonstrou que tudo quanto o ser humano chama de desordem é sempre ordem. Diz o filosofo que a desordem tida como ausência de ordem é impossível, por ser intrinsecamente contraditória. Ela há de ser, forçosamente, não a ausência, mas a presença de uma ordem, embora esta ordem desagrade, prejudique, infelicite. Na realidade, a ausência de uma certa ordem não é desordem, mas a presença de outra ordem.79
Na nossa compreensão, esta última percepção sobre desordem é a que
melhor define o sentimento dos dias atuais vistos nas principais manifestações no
Brasil, seja online, via redes sociais ou nas ruas, o que observamos não é desordem
e sim uma ordem que desagrada, que infelicita e prejudica. Essa concepção,
geralmente, é dada por aqueles que, de alguma forma, detêm o poder político em
suas mãos.
Não podemos confundir desordem com violência, pois a desordem, nesse
contexto, apenas expressa a contrariedade em relação a determinado ponto de vista
considerado correto pelo senso comum, ou seja, no mundo das ideias, já a violência,
78 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10. 79 Ibidem, p. 10
54
apenas para efeito de distinção, seria o uso da força física, da intimidação, da
coação psíquica ou moral, o que não pode e não deve ocorrer.
Diante de todo o exposto, resta evidente que o processo de comunicação foi,
é e será de suma importância para a evolução da humanidade. No início, foi a
possibilidade de comunicação, de manifestação de ideias, de troca de informações
que viabilizou ao homem conviver em grupo para melhor se defender e melhor
evoluir, posteriormente, conseguimos entender a estrutura do bem pensar, com o
uso da lógica, e, nos dias contemporâneos, utilizamos as redes sociais para
proliferar nossas ideias, nossos pensamentos, nossos manifestos e sempre, via de
regra, em nome da democracia ou em busca de sua efetivação.
Destarte, a democracia foi uma conquista da raça humana, por meio da
capacidade de comunicação, que, tendo a necessidade de conviver em grupo, teve
de estabelecer padrões para que essa convivência ocorresse de forma harmônica.
Surge, assim, a democracia – governo do povo – como mecanismo para a evolução
paritária dos cidadãos, respeitando as percepções de cidadão de cada tempo, até o
surgimento do e-cidadão, ou seja, o cidadão que, além das ruas, faz uso das redes
sociais, da internet para participar, ativa ou passivamente, do processo evolutivo da
democracia. Como ocorre em qualquer transformação ou em qualquer processo
evolutivo, temos sempre mais de uma ótica, mais de uma expectativa, e, com o
processo democrático não foi diferente, já que para alguns os idealistas não passam
de anarquistas que, na verdade, operam a desordem.
Nesse contexto, a desordem vem desde a infância dos povos lado-a-lado com
o processo de evolução da democracia, ao passo que quando se uniram em
sociedade os homens estabelecerem algumas regras (seja advinda da divindade ou
do senso comum dos homens), surgindo a desordem quando da não observância
dessas regras.
Pelos relatos históricos da humanidade, em vários momentos, prevaleceu o
caos, a guerra (Hobbes acredita que o homem em seu estado natural sem a direção
de um Estado civil, torna algoz do próprio homem – o homem é lobo do próprio
homem), em outros casos, vivenciamos o efetivo direito de manifesto, contudo,
pisoteado pelo tirano, governante, ou qualquer pessoa que estava no poder que,
para se manter no poder, atribuiu a justas manifestações a realização de ato
desordeiro, tão somente, para defender interesses particulares.
55
Não defendemos o não cumprimento das ordens, todavia as ordens impostas
pelos tiranos, pelos totalitários ou apenas para agradar anseios particulares podem
ser combatidas e tal ato de resistência ou desobediência civil não pode, de pronto,
serem qualificados como desordem.
Na verdade, desordem é um termo criado para refutar aquilo que afronta o
que consideramos como ordem, sem, contudo, darmos ao outro a possibilidade da
divergência, da não concordância, e isso ocorre desde sempre, sendo atemporal.
Assim, a des"ordem” é na verdade uma ordem em outra perspectiva, onde o
des“ordeiro” busca não somente convalidar seu ponto de vista sobre determinada
“ordem”, previamente estabelecida por/para conveniência de quem a constituiu,
sendo imputado a quem pensa contrariamente o “título” de desordeiro, quando na
verdade, apenas, expõe sua forma de pensar em disparidade com a do outro.
Nessa contextualização, no berço da humanidade, o ato de contrariar uma
ordem considerada injusta, em decorrência da não existência de respeito aos
direitos humanos, era em pequena monta, entretanto já existia e recebeu o nome de
direito de resistência, o que, com o passar do tempo, fora denominado
desobediência civil e, posteriormente, para nós, manifestações, principalmente por
meio das redes sociais.
Ou seja, a des“ordem” é fictícia na maioria das vezes, tendo em vista que
figura como mecanismos de defesa dos que se consideram ordeiro, é assim, uma
tentativa de invalidação do direito de resistência, da desobediência civil e das
manifestações.
Dessa feita, analisaremos, abaixo, o direito de resistência e a desobediência
civil, para, posteriormente, entrarmos nas atuais formas de manifestação, que, na
contemporaneidade, tem as redes sociais como grande aliada para propagação, de
forma instantânea e com alcances antes inimagináveis, da divergência em relação a
todas e quaisquer questões, mas principalmente aquelas que já eram objeto de
resistências na antiguidade, ou seja, forma política de modo de governar e as
exclusões das classes sociais.
56
2 DIREITO DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA CIVIL
A busca pela liberdade e igualdade é atemporal e sempre esteou os ideais
envoltos no direito de resistência e mais recentemente a desobediência civil.
A questão do direito de resistência e da desobediência civil, no presente
trabalho, transmutadas para “linguagem das ruas” por meio das manifestações,
ressalvada as especificidades de cada época e local, não são temas exclusivos da
contemporaneidade e nem do Brasil, ou seja, direito de resistência e desobediência
civil permearam por todos os tempos e sempre alicerceçaram os principais avanços
civilizatórios.
Na antiguidade Zenão de Eléia, quando capturado e torturado em praça
pública, por se voltar contra um tirano, se manteve fiel aos seus companheiros de
insurreição e não os delatou, e tal ato, que, na concepção do tirano, serviria para
amedrontar seus inimigos, motivou o espírito de liberdade da população, o que
acarretou a derrocada do tirano.
Na Antiguidade, viveu um homem de nome Zenão, nascido em Eléia. Os registros disponíveis da narrativa de sua morte fazem crer que ele foi um homem dotado de grande força moral. Tendo participado da organização de uma conspiração contra um tirano, foi capturado e submetido a tortura em praça pública, para que delatasse os seus companheiros de insurreição. Como não o fez, acabou sendo morto. Mas o espetáculo de sua tortura, montado para atemorizar os inimigos do tirano, produziu o efeito inverso. Segundo as crônicas, a extraordinária lealdade e força demonstrada por Zenão, perante a violência brutal que sofria, teriam despertado na população a consciência da necessidade de se libertar do tirano, seguindo-se, então, a sua deposição.80
O contraditório, a refutação, ou melhor dizendo, a resistência é peça fundante
para o desenvolvimento humano, no exemplo de Zenão, o povo voltou-se contra o
Tirano e a consequência foi a derrocada deste.
Na tese em tela, o direito de resistência, bem como a questão da
desobediência civil serão transmutados para “linguagem das ruas” por meio das
manifestações, entretanto é necessário, antes de adentramos na questão das
últimas manifestações ocorridas no Brasil (jornada de junho de 2013), debruçarmos
80 COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.
57
sobre o direito de resistência e a desobediência civil num contexto histórico, uma vez
que tais temas permearam por todos os tempos.
2.1 Concepções bíblicas sobre o direito de resistência
Segundo afirma Acácio Vaz de Lima Filho81, para os estudiosos do Poder, na
infância dos povos, as manifestações religiosas eram demasiadamente importantes.
O Direito de resistência sucede desde a antiguidade e nos manda a uma
reflexão bíblica a respeito do assunto. Oportuno mencionar que aqui trataremos a
bíblia num enredo apenas histórico, ou seja, não daremos um contexto de
religiosidade.
Em “Gênesis”, primeiro livro bíblico, tem-se a primeira desobediência82, na
qual Deus fala para Adão que ele pode comer os frutos de qualquer árvore do jardim
exceto os frutos da árvore do conhecimento. Contudo, Adão comeu o fruto dado por
Eva que foi aconselhada pela serpente83.
Adão e sua mulher resistiram ao ordenamento emanado por Deus, por
acreditarem que nenhuma consequência prejudicial lhes seria atribuída.
Como em toda e qualquer ordem, temos de analisar se ela foi derivada por
quem de direito e se produziu os efeitos esperados, ora, Deus disse que se do fruto
81 LIMA FILHO, Acácio Vaz de. O poder na Antiguidade: aspectos históricos e jurídicos. São Paulo: Ícone, 1999. p. 19. 82 E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. Gênesis 2:16-17. 83 Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. BÍBLIA SAGRADA. Gênesis 3:1-7. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/3>. Acesso em: 18 maio 2016.
58
Adão comesse, certo seria sua morte, contudo, não foi o que aconteceu, entretanto
foram eles expulsos do jardim do Éden.84
Algumas indagações poderiam ser formuladas a partir de tal passagem, no
intuito de saber se a expulsão do casal do jardim do Éden foi um ato injusto,
arbitrário, porque não dizer, sem fundamento jurídico, ou seja: Se Ele não queria que
isso acontecesse, por que colocou a tal árvore no meio do Jardim – e não fora dos
muros do Paraíso? Teria Deus cometido “omissão administrativa, porque, além de
colocar a árvore em lugar errado não a cercou com avisos, barreiras, deixando de
adotar os mínimos requisitos de segurança e expondo todos que passavam ao
perigo? Teria Deus cometido indução ao crime”: chamou a atenção de Adão e Eva
para o exato local onde se encontrava?
Resta evidente, que se Deus tivesse entre nós, isto é, no mundo
contemporâneo, provavelmente estaria interpondo recursos, apelos, rogatórias,
precatórias, mandados de segurança e liminares, uma vez que teria de explicar em
inúmeras audiências sua decisão de expulsar Adão e Eva do Paraíso, apenas por
transgredir uma lei arbitrária, sem nenhum fundamento jurídico: não comer o fruto do
Bem e do Mal.
Como diria Brás Cubas, personagem de Machado de Assis85, “natureza é às
vezes um imenso escárnio”, isto é, por que a árvore do Bem e do Mal estava no
meio do Jardim se não era para consumir seus frutos? Se não era para consumir
seus frutos por que a árvore Bem e do Mal estava no meio do Jardim? Adão e Eva,
certamente, reconheceram a ordem como inválida, pois impertinente, Deus colocou
a árvore no meio do Jardim e proibiu o consumo dos frutos.
Se fôssemos normatizar tal assunto, poderíamos nos apoiar no
posicionamento de André Luiz Freire86 sobre “existência (pertinência) e validade das
normas jurídicas:
84 O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. BÍBLIA SAGRADA. Gênesis 3:23. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/3>. Acesso em: 18 maio 2016 85 O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita? Tal era a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo ao voltar para casa, de noite, sem atinar com a solução do enigma. ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 44. 86 FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 33.
59
Caso se procure ser fiel aos termos adotados na lógica (deôntica) formal, de fato, validade significará relação de pertinência com o sistema. As proposições são válidas ou inválidas, conforme pertençam ou não ao ordenamento jurídico. Norma jurídica válida é norma jurídica existente; norma inválida não é norma jurídica, é norma que não faz parte do ordenamento jurídico.
Após a desobediência de Adão e Eva, falaremos, agora, da “resistência à
idolatria”, tema que é tratado no Livro de Daniel87, na passagem em que Sadraque,
Mesaque e Abednego se voltam contra a ordem advinda do Rei Nabucodonosor e
não se curvam diante da estátua de ouro colocada na planície de Dura, província da
Babilônia. Tal manifestação diante da estátua se revela uma não aceitação ao que
foi imposto pelo rei e assim o fizeram por julgarem a lei injusta e por não idolatrarem
outros deuses.
No livro de Jonas88, o direito de resistência se materializa na passagem em
que Jonas se recusa a obedecer ao Senhor que determinou que ele fosse para
Nínive. O argumento utilizado por Jonas para desobedecer ao mando foi que Nínive,
87 O rei Nabucodonosor fez uma estátua de ouro, cuja altura era de sessenta côvados, e a sua largura de seis côvados; levantou-a no campo de Dura, na província de babilônia. Então o rei Nabucodonosor mandou reunir os príncipes, os prefeitos, os governadores, os conselheiros, os tesoureiros, os juízes, os capitães, e todos os oficiais das províncias, para que viessem à consagração da estátua que o rei Nabucodonosor tinha levantado. (...) Há uns homens judeus, os quais constituíste sobre os negócios da província de babilônia: Sadraque, Mesaque e Abednego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste. Então Nabucodonosor, com ira e furor, mandou trazer a Sadraque, Mesaque e Abednego. E trouxeram a estes homens perante o rei. Falou Nabucodonosor, e lhes disse: É de propósito, ó Sadraque, Mesaque e Abednego, que vós não servis a meus deuses nem adorais a estátua de ouro que levantei? Agora, pois, se estais prontos, quando ouvirdes o som da buzina, da flauta, da harpa, da sambuca, do saltério, da gaita de foles, e de toda a espécie de música, para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz, bom é; mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro da fornalha de fogo ardente. E quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos? Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei Nabucodonosor: Não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e da tua mão, ó rei. BÍBLIA SAGRADA. Daniel 3:1-23. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/dn/3>. Acesso em: 18 maio 2016 (grifamos) 88 E veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até a minha presença. Porém, Jonas se levantou para fugir da presença do Senhor para Társis. E descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do Senhor. BÍBLIA SAGRADA. Jonas 1:1-3. Disponível: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/jn/1>. Acesso em: 18 maio 2016.
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capital de Assíria, representava um dos maiores e mais encarniçados inimigos de
Israel e por isso não iria até lá, tomando ele direção contrária89.
Além do velho testamento, acima esculpido, o direito de resistência, também,
pode ser encontrado no novo testamento. Em sua Epístola aos Romanos, Paulo,
que era um dos mais obedientes, se negou a acatar uma ordem que acreditava
injusta, atitude essa que significou uma verdadeira aclamação ao direito de resistir,
porquanto, Paulo queria mostrar aos judeu-cristãos de Roma que nenhuma lei pode
salvar, por melhor que fosse, uma vez que, segundo o apóstolo, somente Deus é o
caminho e salvação.90
Na visão do pregador, a lei nem sempre era justa e por isso a sua aceitação
plena, sem refutação, sem manifestação contrária, não garantiria a salvação mais
tão somente demonstraria obediência às leis do homem, que nem sempre seguiam
as leis de Deus.
Superada a reflexão bíblica, veremos a seguir que o caminho histórico do
direito de resistência que se inicia na antiguidade, passa pela Idade Média, chega à
modernidade e se faz extremamente presente nos dias atuais, assim, podemos
avalizar que tais “resistências”, exteriorizadas pelas manifestações, de fato,
alteraram os rumos políticos, econômicos, do processo civilizatório da humanidade.
2.2 Direito de resistência na antiguidade
O direito de resistência na antiguidade é dotado de características díspares
daquelas com que hoje deparamos, tanto que o Código de Hamurabi, há cerca de
89 É dessa passagem que surje o conto do Leviatã, no qual Jonas tenta fugir mais não consegue, pelo contrário, é forçado a encontrar-se consigo mesmo e com Deus; a experiência é feita dentro de uma angústia mortal, figurada pelo mar e pelo ventre do peixe. Daí o contexto que o Leviatã significaria o Monstro, mais o monstro necessário, posteriormente parafraseado por Hobbes na ideia de constituição do Estado, no qual era considerado, pelo absolutismo um mal, mais um mal necessário. 90 Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. BÍBLIA SAGRADA. Romanos 3:19-24. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/rm/3>. Acesso em: 18 maio 2016
61
dois mil anos antes de cristo, já previa a rebelião contra aquele governante que não
respeitasse os mandamentos e as leis, sendo que, no referido diploma, eram
invocadas as divindades para condená-ló a uma rebelião que não conseguisse
dominar.91
Convalidando o argumento supra, Arthur Machado Paupério92 aduz que o
direito de resistência encontra suas manifestações na Antiguidade.
Já Sócrates, considerado o pai da filosofia, foi um grande protagonista do
direito de resistência. Como bem destaca Martin Luther King, “até certo ponto, a
liberdade acadêmica é hoje uma realidade porque Sócrates praticou a
desobediência civil”.93
O que Martin Luther King nos indica, portanto, é que um dos atos inaugurais
mais marcantes do que depois se intitulou “desobediência civil” foi o ato de um
filósofo, e assim um ato de desobediência ligado às ideias, ao pensamento.
Trata-se, pois, antes de tudo, de uma questão de liberdade de pensamento e
de expressão. Retomemos o texto da Apologia de Sócrates, de Platão, no qual é
possível vislumbrar o posicionamento de resistência do filósofo, que, nem mesmo
ameaçado de morte pelo Tribunal, admite se curvar e deixar de fazer aquilo que a
razão, no caso, a razão divinamente inspirada, exortava-o a fazer:
Mas, se me absolvêsseis, não cedendo a Anito, se me dissésseis: Sócrates, agora não damos crédito a Anito, mas te absolveremos, contanto que não te ocupes mais dessas tais pesquisas e de filosofar, porque, se fores apanhado ainda a fazer isso, morrerás; se, pois, me absolvêsseis sob tal condição, eu vos diria: - Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós, e enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença, dizendo-lhe, como é meu costume: - Ótimo homem, tu que és cidadão de Atenas, da cidade maior e mais famosa pelo saber e pelo poder, não te envergonhas de fazer caso das riquezas, para guardares quanto mais puderes e da glória e das honrarias, e, depois, não fazer caso e nada te importares de sabedoria, da verdade e da alma, para tê-la cada vez melhor? E, se algum de vós protestar e prometer cuidar, não o deixarei já, nem irei embora, mas o interrogarei e o examinarei e o convencerei, e, em qualquer momento que pareça que não possui virtude, convencido de que a possuo, o reprovarei, porque faz pouquíssimo caso das coisas de
91 PAUPERIO, Arthur Machado. Teoria Democratica da Resistencia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 28. 92PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 93 KING, Martin Luther. “Letter from Birmingham Jail”. In: Herbert Storing What Country Have I? Political Writings by Black Americans. New York: St Martin’s Press, 1970. p. 117.
62
grandíssima importância e grande caso das parvoíces. E isso o farei com quem quer que seja que me apareça, seja jovem ou velho, forasteiro ou cidadão, tanto mais com os cidadãos quanto mais me sejam vizinhos por nascimento. Isso justamente é o que me manda o deus, e vós o sabeis, e creio que nenhum bem maior tendes na cidade, maior que este meu serviço do deus. Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados. Se, falando assim, eu corrompo os jovens, tais raciocínios são prejudiciais; mas se alguém disser que digo outras coisas que não essas, não diz a verdade. Por isso vos direi, cidadãos atenienses, que secundado Anito ou não, absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes.94
Com efeito, Sócrates, mesmo tendo conhecimento da ameaça de morte
afirmou que respeitava e amava os Cidadãos atenienses, mas obedeceria aos
deuses em vez de obedecer aos atenienses, afirmando, ainda, que enquanto
respirar e em posse de suas faculdades, não deixaria de filosofar.
Em Roma, o direito de resistência também se fez presente. Os plebeus, por
mais que trabalhassem e produzissem, eram excluídos de todas as prerrogativas da
cidadania romana, não tendo direito algum; desamparados, inclusive, pela Lei das
XII Tábuas, não podendo participar do culto aos deuses protetores de Roma, não
podiam sepultar seus mortos no mesmo local que os patrícios, o casamento entre
plebeus e patrícios era proibido dentre outras vedações. Com isso, o
descontentamento dos plebeus foi crescendo a ponto de eles se reunirem em
assembleias próprias (concilia plebis) para tomarem as decisões (plebiscita).95
Como não tinham seus direitos protegidos na Lei das XII Tábuas, os plebeus,
em forma de manifesto, ou seja, resistindo à lei injusta, retiraram-se da cidade e
acamparam no Monte Albano, deixando, assim, os patrícios com fome, pois eram os
plebeus que plantavam e colhiam os alimentos de toda comunidade.
Os direitos resguardados na Lei das XII Tábuas – Diz a lenda que, descontentes e insatisfeitos por não terem seus direitos resguardados na recém-promulgada Lei das XII Tábuas, todos os plebeus de Roma se retiraram da cidade, indo acampar no topo de uma das colinas vizinhas (o Monte Albano). Lá em cima montaram suas barracas e se negaram a retornar às suas atividades no comércio, na artesania e na agricultura
94 PLATÃO. Apologia de Sócrates, precedido de Êutifron (Sobre a piedade), e seguido de Críton (Sobre o dever). Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 88-90. 95 ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de Direito Romano. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 63.
63
enquanto seus direitos não fossem explicitamente contemplados na nova lei. Dizem alguns que eles pretendiam, mesmo, fundar uma outra cidade à parte. No início, tal fato não preocupou os patrícios, mas tão logo os alimentos começaram a escassear, eles passaram a sentir a ausência dos plebeus “grevistas”, uma vez que estes eram os únicos que sabiam plantar e colher os alimentos necessários a toda a comunidade. Com a fome batendo às suas portas, os patrícios resolveram atender às reinvindicações da classe plebeia. Foi então formada uma outra comissão de magistrados extraordinários e este segundo decenvirato – agora integrado por alguns plebeus – apresentou, um ano depois, mais duas tábuas, reconhecendo, desta feita, alguns dos direitos da classe plebeia.96
O direito de resistência foi utilizado e galgou bons frutos aos plebeus que aos
poucos foram conquistando seus direitos.
Fica evidente que o direito de resistência, mesmo em tempos que o respeito
aos direitos individuais era tão ínfimo, viabilizou avanços para a composição que
temos hoje, por isso entendemos que o hoje só pode ser para o amanhã se pautar
no ontem, isto é, a historicidade é um propulsor para dias melhores, pois
aproveitamos os bons exemplos e descartamos os não tão bons, como ocorreu na
medievalidade quando predominaram crendices e as concepções feudais, porém,
certamente, de onde conseguimos extrair ótimos referenciais, conforme o
entendimento supra.
2.3 Direito de resistência na medievalidade
Consoante esculpido no item 1.2.2, “na idade média preponderaram primeiro
as influências da Igreja e logo depois as do feudalismo, ou seja, a crendice e o
posicionamento dos senhores feudais dominaram a era medieval”.
Conforme Celso Lafer, foi Santo Tomás de Aquino, baseado no direito natural,
o primeiro grande teórico do direito de resistência. Segundo Celso Lafer97, a teoria
Tomista potencializa um direito de resistência, quando contempla uma reação, um
direito de revolução contra um regime tirano que ultrapasse o terreno da
reciprocidade existente entre governantes e governados e que desequilibre esta
relação.
96 ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de Direito Romano. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 65. 97 LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.188.
64
Para Maria Garcia98, algumas análises da obra de Santo Tomás de Aquino
entendem que ele reconhecia o direito de resistência partindo do pressuposto de que
o levante contra o tirano não chegava a constituir sedição, mas a resistência ou a
repressão da sedição.
Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga, quando falam sobre o
pensamento político medieval, conforme o posicionamento de São Tomás de
Aquino, reconhecem a possibilidade do direito de revolução dos súditos contra
monarcas:
A maior expressão do pensamento político medieval é São Tomás de Aquino, dominicano italiano (1225-1274), que escreveu do governo dos príncipes, obra em que, seguindo Aristóteles e Santo Agostinho, considera a monarquia a melhor forma de governo, mas não a monarquia absoluta dos Césares romanos e sim uma monarquia limitada pelo poder da Igreja, das cortes dos nobres, das universidades e das corporações de artes e ofícios, que reuniam os artesãos nas cidades europeias. É a chamada monarquia temperada. Chegava a admitir o direito de revolução dos súditos contra monarcas com tendências absolutistas ou anticatólicas. 99 (Grifos nossos).
O reconhecimento do direito de resistência, nesse contexto, apenas atendia
aos interesses da Igreja, isto é, era garantido aos cidadãos se insurgirem contra as
ordens do soberano que contrariassem os preceitos religiosos.
Importa frisar que, na era medieval, a resistência contra os governos tiranos
foi enorme, tendo gerado um antagonismo, ou seja, o dever de obedecer ao
soberano vinha ao mesmo tempo com a necessidade de resistir à tirania deste.
Assim, a questão da resistência deve ser vista além de um direito, porquanto,
era tida como uma obrigação para o cidadão, quando da violação do ordenamento
jurídico pelo soberano. No pensamento político da Idade Média, o direito de
resistência pode ser considerado como um direito natural de cada cidadão que podia
exercê-lo contra ordens injustas do monarca tirano.
Com efeito, a resistência na medievalidade deve ser vista como instrumento
para reestabelecimento da ordem jurídica, violada pelo soberano tirano.
Do exposto, cada tempo contribuiu sem igual para o pensamento atual. Na
verdade, as revoltas ou divergências, em regra, continuam as mesmas (com suas
98 GARCIA, Maria. Desobediência civil, direito fundamental. São Paulo: RT, 1994. p. 140. 99 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 200.
65
devidas ressalvas), o que de fato mudou foram os instrumentos, ou seja, na
antiguidade, os teatros e praças; na idade média, a arte teve grande destaque. Até
pouco tempo atrás o uso dos megafones e carros de som era o grande trunfo, já,
hoje, as redes sociais desempenham papel de extrema importância. Entretanto,
temos de passar, antes de falarmos sobre os dias atuais, pelo direito de resistência
na modernidade.
2.4 Direito de resistência no Renascimento: início da modernidade
Conforme mencionado no item 1.2.3. (Democracia na modernidade), a
modernidade tem marco inicial com o Renascimento, passando pelo Antigo Regime
e pelo Iluminismo e com término na Revolução Francesa de 1789.
No tocante ao Renascimento, Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um dos
principais pensadores, tendo como principal obra O Príncipe (escrito em 1505 e
publicado em 1515).
Nicolau Maquiavel teve como foco, em sua obra O Príncipe, estabelecer um
prontuário para conservação no poder a qualquer custo, ao passo que jamais
defenderia o direito de resistência. Todavia, no Capítulo IX – De principatu civili –
(Do Principado Civil), reconhece que um cidadão comum pode tornar-se príncipe
com o favor de seus concidadãos (denominado principado civil), bem como
reconhece que em toda cidade existem duas tendências diversas: 1) o povo não
quer ser oprimido pelos poderosos; 2) os poderosos desejam governar e oprimir o
povo. Desse antagonismo, surgem três efeitos nas cidades: 1) ou principado; 2) ou
liberdade; 3) ou desordem.
Porque em toda cidade se encontram estas duas tendências diversas e isso resulta do fato de que o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o povo: é destes dois anseios diversos que nasce nas cidades um dos três efeitos: ou principado, ou liberdade, ou desordem100.
Mesmo no renascentismo é noticiado o direito de resistência, e, em
conformidade com a presente tese, o exercício de tal direito gerou e gera dúvidas
sobre os resultados alcançados com as resistências, ou seja, a resistência propicia a
100 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/ adobeebook/principe.pdf>. Acesso em: 16 out. 2015.
66
liberdade (democracia) ou apenas a desordem? Não foi e nem é tarefa fácil
estabelecer as consequências do exercício do direito de resistência, uma vez que
ora são frutíferas, ora nem tanto.
Contudo, o exercício do direito de resistência viabilizou em todos os tempos o
contraditório, o pensar diferente e isso, sem dúvida alguma, propicia liberdade, mas
sabemos que liberdade sem limites causaria o caos. Assim, surge, pós-concepções
renascentistas, a necessidade de se firmar um pacto, ou seja, um contrato social e
isso surge no “Antigo Regime”.
2.4.1 Direito de resistência no Antigo Regime: Thomas Hobbes e o absolutismo
O absolutismo ganha força no antigo regime, período no qual alguns
defendiam que a realeza deveria ter poder absoluto, podendo fazer o que quisesse.
Thomas Hobbes (1588-1679), conhecido como o teórico do poder soberano,
desenvolveu sua teoria sobre o estado com fulcro no estado de natureza, com o
escopo primeiro de sugerir o refinamento do governo civil.
Para tanto, dispensou o elevado esforço teórico para convencer as
autoridades competentes de que esse arranjo do poder é necessário e fundamental,
para que se possam encaminhar as condições exigidas pelo progresso sócio-
econômico.
O teórico acreditava que deveria obter suas forças com base na riqueza e
prosperidade dos membros individuais da comunidade, para, assim, conseguir
saúde do povo por meio da justiça e das leis e contra a guerra civil.
Com isso é evidente que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de inspirar respeito a todos, eles estão naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens.101
Chegamos a dois pontos: 1) a questão central de Thomas Hobbes que é a
defesa do estado absolutista; 2) Thomas reconhece a existência da resistência.
101 HOBBES, Thomas. Coleção os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 104.
67
Contudo, Thomas Hobbes sustenta a ideia de que é melhor aos indivíduos
renunciarem a sua liberdade e direitos naturais em favor do soberano, para, com
isso, viverem em uma comunidade política “segura”, do que num estado de natureza
com total insegurança, até mesmo em relação ao máximo patrimônio do indivíduo,
sua vida.
Contrapondo o pensamento hobbesiano, com ideais liberais e que
sustentaram os direitos e garantias individuas que temos hoje, John Locke, foi, sem
sombra de dúvidas, um dos principais apoiadores do direito de resistência.
2.4.2 Direito de resistência no Antigo Regime: John Locke
Nas linhas que antecedem, apontamos a existência do direito de resistência
na antiguidade, na medievalidade e no início da modernidade, cuja uma visão era
mais absolutista (Renascimento); agora, trataremos de uma visão mais liberal sobre
tal instituto.
É necessário um olhar histórico sobre o direito de resistência, verificando
como os indivíduos manifestavam sua contrariedade em relação àquelas leis que
consideravam injustas. John Locke (1632-1704) é considerado como um dos
grandes filósofos adstritos ao direito de resistência.
Sustenta o filósofo que os indivíduos têm direitos naturais viventes antes
mesmo da instituição do estado civil, já que o Estado foi criado exatamente para
assegurá-los.
Para John Locke, o direito de resistência pode ser exercido, quando a lei
terminar a lei (porquanto começa a tirania); quando a lei for transgredida (se causar
prejuízos a terceiros); quando ocorrer abuso de autoridade (autoridade que excede
os limites da lei).
Complementa Rodrigo Suzuki Cintra que o direito de resistência ocorre, de
acordo com os ensinamentos de John Locke102 nos quatros últimos capítulos do seu
102 A doutrina do direito de resistência do povo contra o abuso de poder dos governantes é, ao lado da teoria da propriedade e da tolerância religiosa, um dos temas mais originais e influentes de toda a filosofia lockeana. Sua essência pode ser encontrada no fato de que os homens têm certos direitos naturais existentes antes mesmo da instituição do governo civil, que surge justamente para melhor garanti-los. O direito de resistência dos homens, em geral, aparece quando o governo se mostra
68
segundo tratado sobre o Governo, no exercício do direito de rebelião como sendo
um exercício do direito à revolução.
Onde a lei termina, começa a tirania, se a lei for transgredida para prejuízo de outrem; e quem tiver autoridade e exceder o poder que a lei lhe confere, e fizer uso da força que tem sob seu comando para impor ao súdito aquilo que a lei não permite, deixa assim de ser magistrado e, agindo sem autoridade, pode ser combatido, como qualquer outro homem que viole pela força o direito de outrem... Podem, então, as ordens de um príncipe sofrer oposição? Pode-se opor resistência a ele sempre que alguém se sinta prejudicado...103
Hannah Arendt104, citando os ensinamentos de John Locke, demonstra que a
evolução do direito de resistência encontra-se vinculada à ideia de que o poder que
foi proporcionado pelo indivíduo à sociedade não pode retornar ao indivíduo, eis que
permanece com a sociedade enquanto ela existir. E assim se posiciona:
É a verdade uma nova versão da antiga potestas in populo, com consequência de que, ao contrário das teorias anteriores sobre o direito à resistência, onde o povo só podia agir “quando estivesse preso por correntes”, ele agora tinha direito, ainda, conforme Locke, de “impedir” o acorrentamento.
O contrato social, do qual são signatários os indivíduos e a sociedade, implica
na existência de consentimento, ainda que não expresso, porquanto todos nascem
dentro de uma determinada sociedade, aderem e conferem consentimentos às
regras daquela sociedade, num contrato social ali estabelecido.
Toda vez que os autores responsáveis pela regulamentação das regras desse
contrato social não acolhem os anseios da sociedade, gera para alguns ou vários
indivíduos o direito de não concordar com um posicionamento arbitrário ou injusto,
sendo o direito de manifestação a válvula de escape no tocante ao exercício da
liberdade.
Arthur Machado Paupério, analisando o direito de resistência em John Locke,
observa: “o povo é, assim, soberano, pois não abdicou de todos os direitos que lhe
incapaz de atender ao direito de propriedade (entendida em lato sensu) do povo. CINTRA, Rodrigo Suzuki. Locke e o direito de resistência. Disponível em: <http://www.mackenzie. br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/artigos_2009/Rodrigo_Suzuki2.pdf. Acesso em: 19 jan. 2016 103 LOCKE, John. Coleção os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 152. 104 ARENDT, Hannah. Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 78.
69
são inerentes em favor de uma pessoa ou assembleia. Pelo contrato social, não de
despojou do poder, cujo o exercício apenas delegou”.105
John Locke foi, sem dúvida, um dos grandes nomes do direito de resistência e
do liberalismo. Ele coloca o indivíduo como detentor de poder sobre si mesmo,
sendo que o homem deve agir em prol do bem-comum para a sociedade, tendo o
direito de resistir contra o ato injusto, bem como contra a autoridade que comete
abusos.
Nessa toada, temos o direito de resistência, consoante o pensamento
lockeano, como um instrumento em favor da sociedade e como um instrumento para
o aperfeiçoamento do Estado.
2.5 Direito de resistência: instrumento de aperfeiçoamento do Estado
Na segunda metade do século XVI, a questão do direito de resistência ao
poder político voltou a tomar um lugar de destaque no debate público. Após um
período de concessões às ideias dos reformadores por parte da realeza francesa, a
década de 1540 foi marcada pelo início de duras perseguições.
Ínfima foi a resistência contra as perseguições num primeiro momento. Elas
foram respondidas com preces e resignações, conforme as orientações mais
ortodoxas dos primeiros líderes reformadores. No entanto, com o aumento das
perseguições em vários lugares da Europa, inclusive na França, alguns teólogos
luteranos começam a reconhecer a possibilidade de rebelião.
É certo que um dos argumentos mais difundidos desses teólogos
fundamentava-se num princípio de direito privado, segundo o qual e, em certas
circunstâncias, era legítimo repelir com violência força injusta, conforme
anteriormente exposto no item Direito de resistência na medievalidade. Assim,
defendiam que se o governante procedesse injustamente pela força, contrariando a
vontade divina e causando um dano irreparável, ele perdia a condição de magistrado
105 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática da resistência. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 59.
70
supremo e passava a ser um cidadão comum, podendo ser castigado, ou seja, era
permitido voltar-se contra o governante que não observasse as escrituras divinas.
João Calvino106 também passou a admitir a desobediência às ordens iníquas
das autoridades. Para defender o direito de resistência, ele sustentava-se no
contexto de que o poder político está necessariamente condicionado aos objetivos
estabelecidos pela vontade divina.
Nessas circunstâncias, se um governante desrespeitasse as condições
impostas por Deus ao exercício de seu poder, ele passava a ser um usurpador, e os
magistrados inferiores podiam resistir aos seus comandos, desde que fosse de
maneira grupal e estivesse previsto no ordenamento jurídico da comunidade política.
Norberto Bobbio107 argumenta que a importância de Locke na construção do
Instituto da resistência ganha enorme relevo se somado ao fato de ter sido um dos
principais mentores da estrutura estatal-burguesa, sempre enfatizando a liberdade e
a propriedade como valores máximos a serem postos contra o Estado.
Resta claro que, para Bobbio, no momento da passagem da sociedade civil,
os indivíduos cederam uma parcela de sua liberdade a um poder centralizado, que
teria a função de garantir um tranquilo uso da propriedade108 privada.
A razão pela qual as pessoas abandonam a liberdade natural e se refugiam
na sociedade civil consiste em compartilhar com todas as outras pessoas o desejo
de unirem-se para manter um estado de segurança, que conserve o direito natural
de propriedade que possuem. Assim, o consentimento dá legitimidade ao governo e
gera um grau de reciprocidade entre este e o povo, surgindo daí um contrato.
Assim sendo, se o governante não cumpre a função estabelecida pelo
contrato, os indivíduos estão livres da obrigação de obedecer às leis, podendo opor-
se às medidas governamentais, demonstrando, de pronto, que, com o passar dos
tempos, a forma de governar foi se aperfeiçoando e, muito desse aperfeiçoamento
se deve à resistência advinda do povo para com os governos injustos.
106 CALVINO, João. Instituição da religião cristã, IV, 20. In: Sobre a autoridade secular. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 126. 107 BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998. p. 239-246. 108 Conforme já salientado, a propriedade para Locke é termo lato, ou seja, engloba entre outros direitos a vida do próprio indivíduo.
71
O reconhecimento do direito de resistência se tornou um arrebatador
instrumento diante de condutas opressivas. Mas, sua possibilidade de atuação era
precária, pois exigia como principal requisito a expressão da vontade da maioria.
Maria Helena Diniz109 argumenta que surge o direito de resistência, quando
acontece a opressão irremediável
Quando houver abuso de poder para exercer opressão irremediável, surge o direito de resistência, que no sentido amplo, reconhece aos cidadãos, em certas condições, a recusa à obediência, a oposição às normas injustas, a resistência, a opressão e a revolução. Tal direito concretiza-se pela repulsa a preceitos constitucionais discordantes da noção popular de justiça; à violação do governante da ideia de direito de que procede o poder, cujas prerrogativas exercem, e pela vontade de estabelecer uma nova ordem jurídica, ante a falta de eco da ordem vigente na consciência jurídica dos membros da coletividade.
Norberto Bobbio argumenta que o direito de resistência ocorreu de forma
gradativa, contribuindo para o processo de constitucionalização:
Estado liberal e (posteriormente) democrático, que se instaurou progressivamente ao longo de todo o arco do século passado, foi caracterizado por um processo de acolhimento e regulamentação das várias exigências provenientes da burguesia em ascensão, no sentido de conter e delimitar o poder tradicional. Dado que tais exigências tinham sido feitas em nome ou sob a espécie do direito à resistência ou à revolução, o processo que deu lugar ao Estado liberal e democrático pode ser corretamente chamado de processo de constitucionalização do direito de resistência e de revolução.110
Maria Garcia, por seu turno, aduz que o direito é um instrumento político para
o aperfeiçoamento do Estado, porquanto, segunda-feira a autora, não havia ruptura
completa das instituições:
O direito de resistência apresentava-se com um “instrumento político” para o aperfeiçoamento do Estado, uma vez que não havia ruptura completa das instituições, mas tão somente a formação de novo poder legislativo ou, em outros termos, em Locke, o direito de resistência que, pela primeira vez, assume a forma de um requisito de cidadania, representava o método excepcional de modificações políticas, quando os processos institucionais
se mostravam insuficientes. 111
Nessa toada, podemos evidenciar que o direito de resistência retira o poder
do legislativo e devolve ao povo que tem o direito de instituir um novo legislativo,
109 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 102. 110 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 147-148. 111 GARCIA, Maria. Desobediência civil, direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 143.
72
demonstrando, sem delongas, que a resistência civil opera como instrumento político
e transformador, ou seja, atua como mecanismo de aperfeiçoamento do Estado.
Diante do exposto, percebemos que o direito de resistência age como
limitador do abuso de poder por parte do Estado ou daqueles que o governa, motivo
pelo qual entendemos que o direito de resistência é um instrumento de
aperfeiçoamento do Estado, porquanto viabiliza ao cidadão o integral exercício dos
direitos civis, sociais e políticos.
Assim, temos que o direito de resistência é o direito que se dispõe aos
cidadãos, em dadas condições, para repelir obediência às normas e ordens injustas,
bem como repelir a opressão, sendo certo que esse direito é um direito secundário
que tem como objetivo proteger um direito primário, como é o caso da liberdade, da
vida, da dignidade da pessoa humana.
Do exposto, o direito de resistência foi o embrião para o que hoje
denominamos de direito de manifestação, porquanto, o que observamos nas
manifestações atuais é, tão somente, a luta pela proteção dos direitos primários, isto
é, os manifestos visam proteger as liberdades, a vida, a propriedade, a dignidade da
pessoa humana e demais direitos primários, denominados, pela maioria, como
direitos fundamentais.
2.6 Direito de resistência e manifestação
Para Maria Helena Diniz112, o direito de resistência é uma forma diversificada
de manifestação contra o abuso de poder que exerce opressão irremediável.
Nessa toada, importante mencionar que nossa Constituição Federal não
reconhece, expressamente, o direito de resistência à opressão, mas permite o
reconhecimento de direitos e garantias decorrentes do regime por ela adotado, nos
termos do Art. 5º, § 2º.
Ressalta-se, por oportuno que, em que pese nossa Constituição Federal
consagrar a soberania popular, bem como a participação direta e indireta no
112 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 87.
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exercício do poder, os cidadãos se encontram cada vez mais excluídos do processo
de elaboração das leis.
Imprescindível se faz ressaltar que o direito de resistência possui diversas
conceituações, sendo considerado, inclusive, um direito atípico e que escapa ao
ordenamento jurídico, pois não constava da respectiva tipologia ou, de outra forma, é
um direito fundamental que não se encontra constitucionalmente registrado por meio
de sua especificação.113
Nesse sentido, entendemos que a resistência à opressão, expressada por
meio da desobediência civil, ou seja, por manifestações, constitui uma forma legítima
de participação direta do cidadão no exercício do poder, quando os processos
institucionais se mostram insuficientes.
Desse modo, podemos dizer que o direito de resistência, bem como a
desobediência civil podem ser reconhecidos como expressão de direito fundamental,
porquanto está de acordo com o regime democrático, fundamentado na cidadania
(Art. 1º, II, da Constituição Federal), bem como o exercício do poder conforme
parágrafo único do citado artigo, “Todo poder emana do povo que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, sendo,
então, o direito de manifestação uma efetivação do exercício do poder de forma
direta.
Assim sendo, falar sobre direito de resistência e desobediência civil, seria o
mesmo que estabelecer um paralelo entre a democracia e a desordem,
especificamente no tocante ao direito de manifestação que, a nosso ver, seria uma
forma de exercício direto do poder, conforme consagrado em nossa Constituição
Federal.
Bobbio conceitua e nos adverte sobre sua complexidade jurídica, afirmando
que juridicamente, o direito de resistência é um direito secundário, do mesmo modo
como são normas secundárias as que servem para proteger as normas primárias114
Surge, então, uma grande indagação: Seria o direito constitucional de
manifestação, num cenário atual, a consagração do direito de resistência e
desobediência civil como uma nova forma de participação política?
113 GOUVEIA, Jorge B. Os direitos fundamentais atípicos. Madrid: Notícias, 1995. p. 40. 114 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 95.
74
A nosso ver sim, porém, necessário se faz analisar a existência, ou não, de
limites no exercício do direito de manifestação, para, assim, estabelecermos se a
linguagem das ruas traduz democracia pura ou camuflada, ou, tão somente, um
estado de desordem por falta de controle do poder ou por manipulação de siglas,
partidos ou minorias que utilizam do direito de resistência e da desobediência civil
para desconstituir o poder estatal, de forma disfarçada.
Somos partidários de que a linguagem das ruas é de suma importância para a
efetivação da democracia, para a consagração do direito de resistência, todavia, o
excesso retira o foco do debate, coloca a desobediência civil como impasse de
convivência em sociedade o que ofusca a discussão sobre a aceitação ou não de
normas, atos, considerados injustos.
Nessa toada, temos que o direito de manifestação (linguagem das ruas), para
se legitimar, deve contar com o assentimento de seus autores e isso ocorre a partir
da conexão entre soberania popular (que exige entendimento mútuo) e os direitos
humanos (que permitem o agir orientado pelo interesse privado) e, portanto, a
dicotomia pública e privada. Ou seja, direito de resistência e desobediência civil são
atualmente reproduzidos, consagrados, por intermédio das várias manifestações que
ocorrem por todo o Brasil.
Por derradeiro, podemos concluir que o direito de resistência, visto em todos
os momentos da humanidade, como demonstrado na reflexão bíblica, se consagra
por intermédio do exercício do direito de manifestação, na qual a não aceitação, por
parte da população, a leis, atos, decretos e decisões impostas pelos governantes,
que, à luz do olhar dos resistentes, são considerados injustos. Nesse sentido, tal
direito é eticamente aceitável e justificável, desde que não se estabeleça um estado
de desordem, que possam ocorrer manifestações populares, porquanto, quando a
manifestação é realizada dentro do razoável, consagra o direito de resistência e
desobediência civil.
Como forma efetiva do direito de resistência, surge a desobediência civil,
dando ao cidadão ou a um grupo social a possibilidade de questionar, respaldado
por preceitos constitucionais.
75
2.7 Desobediência civil
A desobediência civil surge como uma forma de reformulação do direito de
resistência, sendo certo que o novo instituto nasce no final do século XIX e início do
XX, com esteio na ideia anárquica e libertária de Henry David Thoreau (1817-1862),
o qual sustentou que o direito de resistência evolui para a classe da desobediência
civil, que deu às classes minoritárias a possibilidade, quando oprimidas, de
enfrentarem o governo na busca de melhores condições.
Assim, figura a desobediência civil como evolução do direito de resistência.
Todavia, algumas características o diferem daquela, tanto que, para a maioria dos
doutrinadores o protesto individual ou coletivo deve ocorrer de forma não violenta.
Não visualizamos a desobediência civil apenas como meio de defesa das minorias,
acreditamos que todo e qualquer ato ou ordem injusta podem ser combatidos pelo
exercício da desobediência civil que, nesse contexto, assume papel fundante para o
manifesto democrático.
Nos atuais dias, a desobediência civil tem se propagado de forma até então
não vista na história dos povos, e essa propagação ganhou força por meio das redes
sociais que desempenham papel de suma importância nessa nova forma de
participação popular.
Assim sendo, a desobediência civil deve ser vista como direito básico,
contudo, aberto, dos cidadãos, o melhor dizendo, dos e-cidadãos. Nessa toada,
importa trazer a lume um pouco da historicidade e dos conceitos da desobediência
civil para, assim, entendermos o sentido das vozes advindas das ruas nas últimas
manifestações no Brasil e no mundo.
2.7.1 Historicidade
A desobediência civil é tida como uma forma evolutiva do direito de
resistência, utilizando, para tanto, as preciosas contribuições dos três clássicos
desobedientes Henry David Thoreau, Mohandas Karamachad Gandhi e Martin
Luther King.
76
No final do século XIX e início do XX, houve uma reformulação do direito de
resistência, no qual o direito de resistência evoluiu para a categoria de
desobediência civil, tendo em Henry David Thoreau, poeta e pensador americano,
seu maior teórico.
Henry David Thoreau aduz que por intermédio da desobediência civil a
minoria, quando oprimida, tinha a possibilidade de afrontar o governo na busca de
melhores condições. Segundo ele, o critério da maioria, no qual assenta a
democracia, deve ser refutado em razão de não necessariamente identificar o senso
de justiça. O motivo pelo qual se permite a maioria governar encontra-se justamente
na força física.
Para Henry David Thoreau 115:
A razão prática por que se permite que uma maioria governe, e continue a fazê-lo por um longo tempo, quando o poder finalmente se coloca nas mãos do povo, não é de que esta maioria esteja provavelmente certa, nem a de que isto pareça mais justo para a minoria, mas sim a de que a maioria é fisicamente mais forte.
O pensamento de Henry David Thoreau acabou por entusiasmar aquele que
seria o principal responsável pela independência da Índia e um fervoroso defensor
da desobediência civil: Mohandas Karamachad Gandhi.
A sugestão adotada por Gandhi, diferentemente de Henry David Thoreau,
previa a desobediência civil como uma ação coletiva, que ganhou relevo e tendia ao
sucesso, se realizada por um número expressivo de pessoas. Para ele, somente a
não violência, ahimsa, poderia ser uma política profícua na conquista das mudanças
necessárias em um mundo moldado sob a cultura da pouca tolerância e arbítrio116.
Celso Lafer117 argumenta que se conserva de ambos:
Em síntese, creio que se pode dizer que a desobediência civil no século XX, conserva de Thoreau o caráter predominantemente não-violento da resistência individual à opressão e à justiça, e de Gandhi a dimensão de uma ação de grupo, que se exprime através de uma resistência coletiva, afirmada eticamente através da convergência entre meios e fins.
115 THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 8. 116 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 200. 117 Ibidem, p. 200-201.
77
Outro emissário da desobediência civil foi o pastor americano Martin Luther
King que se valeu das técnicas de não violência em favor da luta pelos direitos da
população negra dos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60, época de intensa
segregação racial em hospitais, escolas e restaurantes.
Para Martin Luther King, o terreno do judiciário, exclusivamente, se fazia
insuficiente. Era necessária a construção de uma organização civil. Encontrou em
Henry David Thoreau e Mohandas Karamachad Gandhi a chave para montar um
movimento de resistência não violenta. Ele considerava que a desobediência civil
realizada em massa corresponde ao mais alto nível de protesto não violento.
Portanto, com Henry David Thoreau, Mohandas Karamachad Gandhi e Martin
Luther King, os três grandes nomes da desobediência, é que o direito de resistência
evolui para a desobediência civil. Destarte, temos que o primeiro destacava a
desobediência civil como mecanismo mais eficaz aos indivíduos e às minorias. Os
dois últimos depositavam, na maioria e na ação coletiva, a sua utilização. Todos,
porém, acreditavam que o exercício da desobediência civil deveria ocorrer de
maneira não violenta, bem como que tal exercício era um instrumento de
transformação social de base não arbitrária.
Devemos, então, entender que a desobediência civil deve ser vista como um
mecanismo indireto no qual o cidadão, de forma individual ou em coletividade,
resiste ao injusto, resiste à opressão sem, contudo, usar violência, participando,
dessa forma, efetivamente da construção de uma sociedade constituída por iguais
de forma justa e fraterna, que tem como escopo a busca da concretização do
princípio da humanidade.
2.7.2 Conceitos e características
Vários são os doutrinadores que debruçam sobre a desobediência civil. É
certo que a maioria utiliza o legado deixado por Henry David Thoreau, Mohandas
Karamachad Gandhi e Martin Luther King para estabelecer seus conceitos sobre o
assunto.
78
É sabido, que a desobediência civil surge com os preceitos extraídos do
direito de resistência, então, podemos dizer que a desobediência civil é a evolução
do direito de resistência.
Todavia, a centralidade da maioria dos conceitos é a justa contraposição,
realizada por uma ação ou omissão do cidadão, de forma individual ou em coletivo,
contra ordens e atos eivados em vícios, ou seja, atos ou ordem emanada por quem
de direito, contudo, sem observar os preceitos basilares de um estado democrático
de direito.
Nessa toada, é oportuno trazer à baila o que aduz John Rawls118, em sua
obra, “Uma Teoria da Justiça”, em que define a desobediência civil:
Como um ato político, não violento, consciente e, apesar disto, político contrário à lei, praticado com o intuito de promover uma modificação na lei ou práticas do governo.
Por sua vez, Jürgen Habermas119, argumenta que desobediência civil decorre
de atos de transgressão simbólica não-violenta contra decisões impositivas e
ilegítimas no entender dos protestantes:
Decorre de atos de transgressão simbólica não-violenta que “se auto interpretam como expressão do protesto contra decisões impositivas as quais são ilegítimas no entender dos atores, apesar de terem surgido legalmente à luz de princípio constitucionais vigentes”. Tais atos têm como alvo dois destinatários: Os mandatários políticos e suas decisões que mereçam revisão em face da crítica pública, bem como o sentido de justiça da maioria da sociedade (no sentido preconizado por John Rawls).
José Joaquim Gomes Canotilho120 argumenta que a desobediência civil é um
direito de qualquer cidadão que pode protestar individual ou coletivamente contra
uma grave injustiça.
Direito de qualquer cidadão, individual ou coletivamente, de forma pública e não violenta, com fundamento em imperativos ético-políticos, poder realizar os pressupostos de uma norma de proibição, com a finalidade de protestar, de forma adequada e proporcional, contra uma grave injustiça (Dreier). Trata-se, assim, de dar guarida constitucional ao “direito à indignação”,
118 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. p. 274. 119 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003b. v. II, p. 117. 120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 238.
79
procurando-se convencer a opinião pública de que ‘uma lei, uma política’ ou medidas de uma política’ são ilegítimas tornando-se a contestação pública destas plenamente justificada.
Maria Garcia121, conceituando a desobediência civil, elucida tratar-se de uma
resistência ou contraposição do cidadão em fase do ato de autoridade ofensivo à
ordem constitucional:
...forma particular de resistência ou contraposição, ativa ou passiva do cidadão, à lei ou ato de autoridade, quando ofensivos à ordem constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais, objetivando a proteção das prerrogativas inerentes à cidadania, pela sua revogação ou anulação.
Desobediência civil é, então, um direito posto a favor do cidadão, por meio de
uma ação ou de uma omissão, que exerce de maneira individual ou em coletivo
contra ordens e atos contaminados, isto é, atos ou ordem emanada por quem de
direito, contudo, sem observar os preceitos básicos de um estado democrático de
direito e desde que causem graves injustiças, preferencialmente, realizados sem o
uso da violência, para, assim, angariar o apoio popular.
No que tange às características, podemos dizer que a desobediência civil
deve apresentar: a) forma de resistência voltada contra ato ou ordem pública, b)
manifestação de forma individual ou coletiva de preferência sem o uso da violenta; c)
demonstração, de forma efetiva, da injustiça da lei, ou da ordem do ato
governamental; d) objetivo de transformar a questão jurídica e/ou política do Estado,
não sendo mais do que uma contribuição ao sistema político ou uma proposta para o
aperfeiçoamento jurídico.
Assim, a desobediência civil propõe a negação de uma parte da ordem
jurídica, ao pedir a reforma ou a revogação de um ato ou uma ordem oficial mediante
ações individualizadas ou coletivas de mobilização pública junto aos órgãos de
decisão do Estado.
Ante o exposto, a desobediência civil busca, por meio dos protestos, opor
resistência ao ato ou à ordem que não é justa, ou seja, busca-se o aperfeiçoamento
estatal, para, assim, poderem os indivíduos viver de forma harmônica.
121 GARCIA, Maria. Desobediência civil, direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 293.
80
2.7.3 Desobediência civil no Brasil: alguns aspectos constitucionais
Acreditamos que a desobediência civil, no comando constitucional brasileiro,
decorre da cláusula constitucional aberta, que admite outros direitos e garantias, e
dos princípios do regime adotado, consoante os termos descritos o artigo 5º, §2º da
Constituição Federal de 1988, uma vez que se liga aos princípios da
proporcionalidade e da solidariedade, os quais permitem manifestos contra atos ou
ordens que violem esses princípios de ordem pública e garantidos num estado
democrático de direito.
Encontra-se presente em nossa Constituição Brasileira, de forma implícita, um
direito de resistir à opressão que decorre da maneira como se constitui o poder. O
exercício do direito de resistência e da desobediência civil não tem como objetivo a
agitação da ordem vigente, ao contrário, tenta ser um instrumento de modificação
dessa ordem pelos mecanismos que esta estabelece, ainda que em uma fronteira
muito próxima da ilegalidade.
Podemos considerar a desobediência civil, tendo em vista ser uma forma de
evolução do direito de resistência, como um direito de caráter determinantemente
político, pois com a participação dos cidadãos e a influência da soberania popular
nos processos decisórios e de formação das vontades pública e estatal, não é um
Direito novo que se busca, mas sim a efetiva implementação dos ditames do Direito
que já existem.122
No momento contemporâneo, as redes sociais têm difundido o sentimento de
que podemos, enquanto membros da sociedade, nos posicionar de forma contrária
ao ato ou à ordem arbitraria ou ao que figure na contramão dos anseios sociais. Tal
assertiva somente se sustenta a partir da visão do e-cidadão que, de forma
instantânea, toma conhecimento dos atos ou ordens injustas (na visão de quem
protesta) que se insurge, via de regra por meio das redes sociais, contra esses atos.
Nessa toada, desobedecer ou resistir a uma lei injusta é não mais do que
reconhecer o próprio poder de vinculação. Mas é também reconstruir o próprio poder
das instituições quando acusa seus vícios e injustiças, de forma que, para
122 MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 86.
81
manterem-se vivas e legitimadas, terão de proceder pela inclusão dos valores
publicamente discutidos.
Os governantes não foram tão cobrados por seus atos e pelo andamento do
Brasil. Isso só ganhou proporções enormes, porque as pessoas encontram-se
“ligadas”, “conectadas” por intermédio das redes sociais, ao passo que, quando se
coloca em cheque a constitucionalidade de um comando instrucional, por exemplo,
não fica mais restrito às comissões, aos proponentes de uma ADIN, ADPF ou
qualquer que seja o mecanismo jurídico. Hoje, a transparência faz parte do nosso
dia a dia e os e-cidadãos encontraram na internet, nas redes sociais, uma arma para
impugnar a arbitrariedade, o abuso de poder e principalmente a corrupção.
Agora, quando se coloca em dúvida a constitucionalidade de uma lei, pela
desobediência civil, incita-se um debate, faz começar a discussão em torno de
valores que devem estar presentes para a consideração dessa constitucionalidade,
num nível muito abrangente, viabilizado pelas redes sociais, o que demonstra o
quanto é importante o seu papel na participação democrática, eis que viabiliza ao e-
cidadão mecanismos até outrora inexistentes.
Nos dizeres de Hannah Arendt123, a desobediência civil aparece quando um
número significativo de cidadãos se convence de que os canais normais para
mudanças já não funcionam e de que as queixas não serão ouvidas nem terão
qualquer efeito, ou então, pelo contrário, de que o governo está em vias de efetuar
mudanças, de se envolver e persistir em modos de agir, cuja legalidade e
constitucionalidade estão expostas a graves dúvidas.
Não se apresenta a desobediência civil como um mero organismo de ruptura,
mas antes, como um instrumento alternativo do exercício da cidadania, elemento
essencial para a participação e conservação da sociedade democrática, e isso tem
ocorrido no Brasil, de forma lato, principalmente, pela utilização da cibernética.
Assim, a desobediência civil é uma forma de cidadania ativa, que veicula a
capacidade de desobedecer às leis e às práticas injustas, que se justifica com maior
razão, no momento em que as instituições, criadas pela modernidade, se mostraram
ineficazes para desempenhar um controle sobre o poder arbitrário e sobre as leis
injustas.
123 ARENDT, Hannah. Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 79.
82
Temos, então, que as atuais manifestações, ocorridas no Brasil, representam,
em sua maioria, o exercício do direito de resistência e da desobediência civil, sendo
que todo e qualquer protesto tem como finalidade expor o inconformismo em relação
a uma dada situação, seja a não concordância com o atual governo ou apoio a ele.
Mas, até que ponto a desobediência civil pode ser considerada um ato de
participação política, ou seja, o cidadão que manifesta sua opinião se voltando
contra o ato/norma que ele considere injusto/a contribui efetivamente para o
aperfeiçoamento do sistema político?
Maria Garcia124, descrevendo sobre o pensamento de Hannah Arendt, aduz
que o verdadeiro conteúdo da liberdade não são as conquistas de igualdade, direito
de reunião, de petição, ou as liberdades que associamos aos governos
constitucionais. Isso constitui produto da libertação, mas não se confunde com o
conteúdo da liberdade, que significa participação nas coisas públicas ou admissão
ao mundo político.
Em junho de 2013, observamos centenas de milhares de brasileiros saírem às
ruas com o intento de protestar, num primeiro momento, contra os aumentos nas
tarifas dos transportes públicos (fato ocorrido em diversos Estados, Rio Grande do
Norte – Natal, São Paulo – Capital, e após para outras capitais), entretanto, tais
manifestos só ocorreram por vivermos sob a égide do comando constitucional,
decorrente da cláusula constitucional aberta, que admite outros direitos e garantias,
e dos princípios do regime adotado, consoante os termos descritos o artigo 5º, §2º
da Constituição Federal de 1988, bem como pela propagação possibilitada pelas
redes sociais.
Verifica-se que a população que apoiou tais manifestações, de forma
implícita, exerceu o que denominamos de desobediência civil, porquanto voltou-se
contra uma determinação estatal (num primeiro momento, contra os aumentos nas
tarifas dos transportes públicos).
Surgiu, com essas manifestações a figura do e-cidadão, ou seja, o cidadão
antenado, vinculado às redes sociais, mas que também vai às ruas expor seu ponto
de vista.
124 GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 241.
83
Nesse contexto de amplitude nacional, as manifestações receberam amplo
apoio da população, que foi convocada, reafirmando, principalmente por intermédio
das redes sociais, sendo que em 20 de junho de 2013, os protestos aconteceram
nas principais capitais, bem como em outras 120 cidades, reunindo cerca de 1,4
milhão de pessoas.125
No citado período (junho de 2013), durante as manifestações, acompanhamos
o surgimento dos Black Blocs126 que marcaram as manifestações com atos de
vandalismos e enfrentamento à polícia.
Com a situação fora de controle, por conta da interferência dos Black Blocs, a
população que, antes apoiava as manifestações e foram às ruas protestar contra a
violência e abusos cometidos pelo Estado (via polícia), começaram a refutar tais
atos, que, para muitos, não representava o exercício da democracia, mas somente
atos de violência e vandalismos, com isso, o apoio, anteriormente dado, foi
diminuindo.
Sobre o assunto, vejamos os comentários de José Murilo de Carvalho:
Todos assistimos, bestializados, a essa explosão coletiva de insatisfação. A perplexidade atingiu em cheio o mundo político, em especial o Partido dos Trabalhadores, que nunca deixou de se autopromover como responsável por um governo popular. Congresso e Executivo apressaram-se em declarar que estavam atentos ao clamor das massas e em propor reformas e iniciativas, algumas delas mais de seu próprio interesse do que do interesse das ruas, como foi o caso das propostas feitas pela presidente de
convocação de constituintes, plebiscitos e referendos. 127
Temos de lembrar que um dos primeiros resultados dessas manifestações foi
a redução, por parte dos Estados/Municípios, dos aumentos nas tarifas dos
transportes públicos.
Assim sendo, resta evidente que a desobediência civil pode ser considerada
um ato de participação política, tendo em vista o impacto causado no mundo político
pelas últimas manifestações, em especial as de 2013, acima mencionadas no Brasil.
125 VILLELA. Gustavo. Fatos históricos: junho de 2013. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/o-brasil-foi-as-ruas-em-junho-de-2013-12500090#ix zz45AUXI4GN>. Acesso em: 10 jun. 2016. 126 Os black blocs, via de regra, utilizavam vestimentas negras e máscaras, e suas participações nas manifestações ficaram marcadas pelos atos de vandalismo e pelas batalhas com a polícia. 127 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 19.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p. 8.
84
Diante de tal cenário, podemos asseverar que a participação popular é uma
das principais características da democracia atual, bem como do constitucionalismo
moderno, que ocorre, também, e a largos passos, por meio das redes sociais.
Desse modo, a desobediência civil que é um meio que permite ao cidadão/e-
cidadão bem como à sociedade intervirem diretamente nas instituições públicas e no
âmbito político pátrio, exercida por meio das manifestações, pode e deve ser
considerada um mecanismo de mudança social, uma vez que a participação popular,
cada vez mais, impacta no cenário político brasileiro, principalmente com o advento
das redes sociais.
85
3 REDES SOCIAIS
Neste capítulo, analisa o papel das redes sociais no contexto de mudança.
Expomos brevemente a revolução tecnológica, passando pela historicidade e os
principais conceitos, e, principalmente o papel que as redes sociais vêm
desempenhando na sociedade atual, especialmente no tocante às novas formas de
manifestações, uma vez que, “nunca antes na história desse país”, as redes sociais
galgaram tantas transformações e impactaram diretamente nos meios políticos.
3.1 Revolução tecnológica
Antes de adentramos às redes sociais, propriamente ditas, é importante
falarmos sobre o marco que revolucionou o mundo contemporâneo, ou seja, a
revolução tecnológica. Antes ainda, e por oportuno, importa lembrar que, antes
mesmo de falar em tecnologia, tivemos vários outros aspectos de suma importância
para o desenvolvimento civilizatório da humanidade, dentre eles, salientamos o
processo de comunicação, conforme mencionado no item 1.1.1 (Manifestação: Da
comunicação à lógica), que foi condição primeira para o desenvolvimento da raça
humana.
Tal assertiva se justifica tendo em vista que, por meio da comunicação, nós
humanos conseguimos expressar nossos sentimentos, nos relacionarmos,
recebermos e transmitirmos informações, compartilharmos conhecimentos, bem
como manifestarmos nossas ideias.
Na infância dos povos, a comunicação era extremamente precária, sendo que
a raça humana se comunicava por meio de sinais, gestos, expressões faciais e
outros. A fala foi o primeiro grande avanço do processo de comunicação, sendo
certo que o uso da linguagem favoreceu os grupos que a desenvolveram no
processo de seleção e conquistas culturais, responsáveis pela própria
sobrevivência128.
128 LIMA, Sandra Lúcia Lopes. História da comunicação. São Paulo: Ebart, 1989. p. 9.
86
Com o passar dos tempos, o homem foi se aperfeiçoando e consigo trouxe a
necessidade de aprimorar as formas de comunicação, e esse processo foi árduo,
uma vez que a democratização da comunicação é fato dos dias atuais.
As primeiras civilizações, estabeleceram uma codificação para transmitir e
receber conhecimentos na agricultura, aritmética. Nem todos tinham acessos a
esses conhecimentos129. Na antiguidade, os escribas130 eram os únicos possuidores
desses códigos. Com a advento do cristianismo, os códigos ficaram restritos aos
membros da Igreja. Na burguesia, a evolução da comunicação ficou voltada aos
homens das classes mais endinheiradas.
Esses paradigmas somente foram superados com a revolução industrial,
porquanto ocorre a necessidade de desenvolvimento da população por meio da
educação para a adaptação às novas tecnologias.
Assim, adentramos na revolução tecnológica:
O processo de comunicação, então, evoluiu passando pelos signos, sons;
indo para a palavra escrita; após, para a tipografia móvel; publicação em massa; e-
mail e para as famosas redes sociais.
129 Conforme mencionado no Item 1.2.1 – Na antiguidade nem todos eram considerados cidadãos, sendo excluídos os escravos, as mulheres, os menores e os estrangeiros, o mesmo aconteceu em relação à transmissão de conhecimentos, nem todos tinham acesso, o que, diga-se de passagem, ocorre até os dias atuais, contudo em menor escala, frente aos avanços tecnológicos que possibilitaram a democratização do acesso a informação. 130 Dicionário Bíblico: Escritor. Antes do cativeiro empregava-se esta palavra para significar a pessoa que tinha certos cargos no exército (Jz 5.14 – 2 Rs 25.19 – Is 33.18 – Jr 52.25) – e também se chamava escriba o secretário do rei, constituindo este emprego, junto das pessoas reais, uma alta posição (2 Sm 20.25 – 1 Rs 4.3 – 2 Rs 12.10). Na história judaica dos tempos mais modernos os escribas são os intérpretes ou copistas da lei. Esdras é descrito como ‘escriba versado na lei de Moisés’ (Ed 7.6) – e proclamavam os escribas os seus direitos, dizendo: ‘Somos sábios, e a lei do Senhor está conosco’ (Jr 8.8). Quando o povo começou a falar o aramaico, a língua hebraica lhes era familiar. Eram eles de profissão os estudantes da Lei, escrita ou oral, e no tempo de Jesus tinham de tal forma obscurecido a primeira com as suas explicações e adições que foram acusados pelo Divino Mestre de transgredir os mandamentos de Deus por causa da sua tradição, e de ensinar ‘doutrinas que são preceitos de homens’ (Mt 15.1 a 9 – Mc 7.7). A maior parte das vezes eles são mencionados juntamente com os fariseus, certamente pelo fato de mostrarem a mesma atitude para com a lei e o mesmo formalismo na vida religiosa (Mt 5.20 – 12.38 – etc.). Mas, embora os escribas possam, na maior parte das vezes, ter sido fariseus, não pertenciam todos eles àquela seita (*veja Mc 2.16 – Lc 5.30 – At 23.9). A sua influência é manifesta pelas suas estreitas relações com os principais sacerdotes e anciãos (Mt 16.21 – 20.18 – 26.3 – Mc 10.33 – 14.53 – At 6.12). Os ensinamentos de Jesus eram de tal modo opostos ao formalismo dos escribas, que não admira a sua hostilidade para com o nosso Salvador (Lc 5.30 – 6.7, etc.) – e essa hostilidade continuou a manifestar-se contra os apóstolos (At 4.5 – 6.12). – Disponível em: <http://biblia.com.br/dicionario-biblico/e/escriba/>. Acesso em: 11 mar. 2016.
87
Foi no Século XX, por volta da década de 70, que se deu o grande marco da
revolução tecnológica. Vejamos algumas datas importantes para entendermos a
evolução tecnológica131:
1965 - Lançados os primeiros satélites de comunicação. Inaugurada uma nova era na transmissão de dados eletrônicos. 1972 - Os discos laser são lançados revolucionando a indústria fonográfica. 1977 - Lançado nos Estados Unidos o primeiro telefone celular. 1990 - Lançamento do primeiro navegador de hipertexto para a Internet. Somente no ano seguinte o programa foi disponibilizado. 1999 - A Internet cresce no mundo todo em velocidade impressionante. Os arquivos de MP3 começam a ser usados e transmitidos pelas ondas da Internet. 2007 - A Apple lança seu primeiro Iphone. Tem início a Era dos Smartphones (híbrido de telefone celular e computador pessoal).
Todos esses acontecimentos possibilitaram uma amplitude nos meios de
informação, sendo que a revolução tecnológica excedeu limites antes inimagináveis
no que tange à democratização do processo de comunicação.
Aníbal Sierralta Ríos132 argumenta:
Para o direito e a democracia, a forma e a dimensão dos meios de informação são significativas não somente por sua estrutura empresarial, mas também pelos diferentes e diversos interesses que defendem e pelas formas como podem interferir na sociedade para impor esses interesses, afetando, assim, a cultura dos povos e também manipulando a história.
De fato, a revolução tecnológica mudou expressivamente os padrões culturais
relacionados à comunicação, mudando, também, a forma como as pessoas
manifestam suas insatisfações, pois voltam-se contra o injusto, insurgem-se com a
norma arbitraria.
Desse modo, o processo de comunicação que no embrião da civilização era
adstrito aos signos, sons, alcançou o advento da palavra escrita, desenvolvendo-se,
mais ainda, com a chegada da tipografia móvel, prosseguiu para a comunicação de
massa (jornais, rádios, televisão) e progrediu, como nunca, com a revolução
tecnológica, que podemos considerar o marco inicial para o surgimento, posterior,
131 SUA PESQUISA PONTO COM. Tecnologia e história da tecnologia. Disponível em: <http:/ /www.suapesquisa.com/tecnologia/>. Acesso em: 11 mar. 2016. 132 RIOS, Aníbal Sierralta. A revolução tecnológica dos meios de comunicação e os desafios do direito e da democracia. Revista Meritum, v. 7, n. 1, p. 305-353, jan./jun. 2012.
88
das redes sociais, e, por consequência lógica, foi o marco, também, para as novas
formas de manifestações e criação do e-cidadão.
3.2 Conceitos
O convívio em sociedade fez com que o homem evoluísse em relação à
comunicação social, fato esse primordial, porquanto o indivíduo necessitava realizar
relações de interação com outros indivíduos. Manifestamente, com o avanço da
tecnologia, toda comunicação com um grupo da sociedade foi facilitada, conforme
acima explicitado.
Mais, as pessoas desenvolvem a capacidade de se comunicar e interagir
umas com outras, toda vez que ocorre o avanço tecnológico, hoje, por exemplo, já
não é casual o uso de cartas, telegramas e ligações via o sistema de telefonia. A
primeira ligação ou o primeiro “alô”, via telefone celular133, era sonho de várias
pessoas, já nos dias atuais diz o brocardo popular que: “Em terra de WhatsApp
ligação é prova de amor”134, ou seja, os avanços tecnológicos transformam a forma
como nos relacionamos, como nos comunicamos e também como nos manifestamos
e participamos do processo democrático na era digital.
Tanto é verdade que, com o advento da internet, houve reconhecida
aceleração no processo de comunicação, de modo que novas ferramentas de
comunicação sempre apresentam grande destaque e crescimento na rede mundial
de computadores135, desde os primeiros meios, como o próprio correio eletrônico (e-
133 A primeira cidade brasileira a contar com telefonia móvel celular foi o Rio de Janeiro, em 1990. Posteriormente, em 1991, o sistema foi implantado também em Brasília e, depois disso, em Campo Grande, Belo Horizonte, Goiânia e São Paulo. Em novembro de 1993, a Telesp Celular lançou o primeiro sistema digital de telefonia celular e em 1997, foi inaugurada em Brasília a primeira operadora da banda B (concorrentes privadas ao monopólio estatal que existia até então): a Americel. A entrada de operadoras na banda B foi o pontapé inicial na abertura do mercado de telefonia móvel, possibilitada pela Lei Mínima (Lei nº 9.295, de 16 de julho de 1996). Disponível em: <GUIA DO CELULAR. História do celular no Brasil. Disponível em: <http://www.guiadocelular.com/2011/10/ historia-do-telefone-celular-no-brasil.html>. Acesso em 01 de set.de 2016. 134 Realmente não há dúvidas de que a internet e a tecnologia melhoraram as nossas vidas. Mas elas também pioraram. Quanto mais utilizamos os avanços da informática e nos habituamos ao processamento rápido da velocidade, mais nos robotizamos. Tornamo-nos as próprias máquinas. E os relacionamentos humanos são os que mais têm sofrido com essa transformação, principalmente as relações amorosas quando estão em seu início. BEDONE, Rebeca. Em terra de whatsapp ligação é prova de amor. Disponível em: <http://www.revistabula.com/5323-em-terra-de-whatsapp-ligacao-e-prova-de-amor/>. Acesso em: 11 mar. 2016. 135 CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Novas Ferramentas e Privacidade. Florianópolis: FUNJAB, 2013. p. 233-249.
89
mail). Ademais, com o advento das redes sociais, essas relações entre diferentes
pessoas tornaram-se mais comuns.
Impende ressaltar que existem outros instrumentos que podem ser
confundidos com redes sociais, por tais motivos, as pesquisadoras norte-americanas
Danahet Boyde e Nicole Ellison definem as Redes Sociais (Social Network Sites),
como:
(...) serviços baseados na web que permitem ao indivíduo construir um perfil público ou semi-público dentro de um sistema pré-formatado, onde se desenvolve uma lista de conexões com outros usuários, com os quais se compartilham informações e onde é possível ver e percorrer as listas de conexões desses outros usuários dentro do sistema. (Tradução livre). 136
As denominadas redes sociais digitais motivam uma interação social para
dentro do ambiente virtual. Nesse sentido, podemos defini-las como um conjunto de
sistemas digitais, utilizados por indivíduos de maneira não centralizada, o que
permite uma significante interação interpessoal, já que compartilham ideias,
divergências, fotos, vídeos, dentre outros conteúdos.
Mas, existem pesquisadores que realizam uma explicação mais extensiva do
que seriam “redes sociais”, pois, para estes, a definição seria apenas para qualquer
“site” que permite partilhar dados e informações, sendo estas de caráter geral ou
específico, das mais diversas formas (textos, arquivos, imagens fotos, vídeos).
Nesse sentido, segundo Danilo Doneda:
Existem ainda as redes sociais denominadas como impróprias, que seriam aquelas que funcionam como um apêndice de outro serviço ou ferramenta, gravitando e existindo em função deste. Estas redes impróprias podem oferecer um conjunto parcial das ferramentas típicas de interação encontradas nas redes sociais próprias, e podem ser mencionados como exemplos as redes sociais presentes em sites de comércio eletrônico (tais como o da Amazon.com, eBay ou o Mercado Livre) ou em sites que têm como objetivo primordial o intercâmbio de conteúdo e não propriamente a interação social mas que também cultivam suas próprias comunidades de usuários (tais como o Slideshareou o próprio YouTube).137
136 BOYD, Danahet; ELLISON, Nicole. Social network sites: Definition, history, and scholarship. Califórnia, 2007. Disponível em: <http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html>. Acesso em: 04 jun. 2013. “web-based services that allow individuals to construct a public or semi-public profile within a bounded system, articulate a list of other users with whom they share a connection, and view and traverse their list of connections and those made by others within the system”. 137DONEDA, Danilo. Reflexões sobre proteção de dados pessoais em redes sociais. Revista Internacional de Protección de Datos Personales. n. 1. Dezembro 2012. Disponível em: <http://habeasdatacolombia.uniandes.edu.co/wp-content/uploads/10_Danilo-Doneda_FINAL.pdf.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2014.
90
Ante essa assertiva, resta evidente que atualmente houve uma
transformação, com isso, deve-se atentar ao fato de que as redes sociais passaram
a ser também uma plataforma de utilização de aplicativos (jogos, utilitários) e de
comércio eletrônico (como é caso do YouTube, do Facebook), além da possibilidade
de criação de páginas institucionais e/ou pessoais.
Por tais causas, seria mais acertado conceituar as redes sociais como
espaços virtuais pré-estabelecidos que propiciam a interação de indivíduos e
instituições, por meio da composição de listas de relacionamento e o preenchimento
de informações nos perfis pessoais e páginas institucionais, bem como por meio de
aplicativos de informática.
Na grande maioria das vezes, a utilização das redes ocorre de forma gratuita,
todavia, a maioria das empresas oferecem seus préstimos em troca dos dados, e
esses dados são comercializados aos mais diversos setores da economia, ou seja,
os usuários inserem seus dados que são automaticamente processados para,
posteriormente, oferecerem publicidade personalizada e marketing de
relacionamento, destinados a pequenos produtores de programas de computador ou
artesanato, até bancos e montadoras de automóveis.
São as redes sociais os meios cibernéticos pré-estabelecidos que propiciam a
interação interpessoal, nas quais as pessoas inserem seus dados pessoais,
compartilham seus sonhos, frustações, realizações com outras pessoas conhecidas
ou não.
Do exposto, podemos afirmar que as redes sociais são um instrumento de
proliferação da comunicação que atingem de forma instantânea pessoas em todos
os lugares do mundo. São, também, um instrumento de participação popular nas
decisões dos governantes, tendo em vista que as manifestações se proliferam de
forma imediata e o alcance é sem precedentes, fazendo com que alguns
governantes revejam seus posicionamentos.
3.3 Evolução histórica das redes sociais
91
No século XIX, mais precisamente em 1971 aconteceu um passo formidável,
ou seja, o envio do primeiro “e-mail”. Sete anos depois ocorreu a criação do Bulletin
Board System (BBS), tecnologia essa que usava linhas telefônicas e um modem
para transmitir os dados, oportuno mencionar que o sistema foi criado por dois
entusiastas de Chicago, para convidar seus amigos para eventos e realizar anúncios
pessoais.
Passados outros sete anos, outro fato marcante acerca da evolução histórica
das redes sociais adveio, ou seja, em 1985 a America Online (AOL), passou a
fornecer ferramentas para que as pessoas construíssem perfis virtuais nos quais
podiam descrever a si mesmas e criar comunidades para troca de informações e
discussões sobre os mais variados assuntos. Anos mais tarde (mais precisamente
1997), a empresa implementou um sistema de mensagens instantâneas, o pioneiro
entre os chats e a inspiração dos “menssengers” utilizados atualmente.138
A “internet”, na virada do século, anos 2000, teve um aumento significativo de
presença na casa das pessoas e no trabalho. Com isso, as redes sociais
alavancaram uma imensa massa de usuários139 e a partir desse período uma
infinidade de serviços foram surgindo, como o Fotolog, que consistia em publicações
baseadas em fotografias acompanhadas de ideias, sentimentos.
O denominado Friendster é considerado como o primeiro serviço a ganhar o
status de “rede social”. Suas funções admitiam que as amizades do mundo real
fossem conduzidas para o espaço virtual. Esse meio de comunicação e socialização
atingiu 3 milhões de adeptos em apenas três meses — o que significava que 1 a
cada 126 internautas da época possuía uma conta nele.140
Em ato posterior, as redes sociais passaram a ser apreciadas de tal forma
pelos usuários, que se volveram como efetivas máquinas de captação de dinheiro, o
que impulsionou a criação, em 2004 do Orkut e Facebook.
138 TECMUNDO. A história das redes sociais como tudo começou. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/redes-sociais/33036-a- historia-das-redes-sociais-como-tudo-comecou. htm> Acesso em: 10 abr. 2013. 139 CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Novas Ferramentas e Privacidade. Conpedi/Uninove. Florianópolis: FUNJAB. 2013. p. 233-249. 140 TECMUNDO. A história das redes sociais como tudo começou. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/redes-sociais/33036-a-historia-das-redes-sociais-como-tudo-comecou.htm>. Acesso em: 10 abr. 2013.
92
Durante anos, o Orkut foi a rede social de propriedade da Google, mais
usada pelos internautas brasileiros, até perder sua posição em dezembro de 2011
para o Facebook, criação de Mark Zuckerberg.
Em que pese sua criação, data de 2004, criado dentro do campus da
Universidade de Harvard, o Facebook só atingiu a grande massa de usuários no ano
de 2006. De lá para cá, a rede social é sinônimo de sucesso e crescimento,
superando a incrível marca de 908 milhões de pessoas cadastradas e a marca está
avaliada em US$ 104 bilhões.141
Não obstante, temos, também, outra recente rede social a entrar nessa
complicada contenda, é o Google+, um dos mais novos serviços da enorme e
mundialmente reconhecida Google. Difundido oficialmente em 2011, esse serviço
tem por volta de 400 milhões de inscritos (somente 25% deles estão ativos).
Conquanto ainda esteja muito longe de assustar o líder do segmento, a Google não
tem poupado investimentos e esforços para que o seu produto cresça. Contudo, por
enquanto, ele ainda não vingou e o volume de informações compartilhadas pelo
Google+ ainda é relativamente baixo.
Em contemporânea pesquisa, publicada pela The Social Habbit, nos Estados
Unidos da América, dentre os norte-americanos entrevistados, que na época
utilizavam alguma plataforma de mídias sociais, 18% possuem um perfil
no Instagram, 94% no Facebook e 47% no Twitter.
Nessa toada, e para demostrar que o acesso a essas redes sociais é mais
constante que outras formas de socialização do cidadão, daqueles que possuíam um
perfil do Instagram 61% estiveram ativos pelo menos uma vez por dia, um nível de
adoção apenas ultrapassado pelo Facebook (84%). Em comparação, o Twitter está
em 55%, Google Plus 44% e o Pinterest com 52%.142
Ante o exposto, percebemos cada vez mais o surgimento dessas novas
redes sociais e deparamos com a necessidade de realizarmos sua melhor
compreensão sociológica e jurídica para se conseguir regular tais relações virtuais.
141 TECMUNDO. A história das redes sociais como tudo começou. Disponível em: <http:// www.tecmundo.com.br/redes-sociais/33036-a-historia-das-redes-sociais-como-tudo-comecou.htm>. Acesso em: 10 abr. 2013. 142 BUSINESS SOLUTION INTERNATIONAL. Dados recentes sobre a ascensão do “Instagram”. Disponível em: <http://www.bsi-brasil.com/blog/dados-sobre-ascensao-do-instagram-102101218/>. Acesso em: 03 jul. 2015.
93
3.4 Liberdade de manifestação na “era da informatica”
Com o surgimento da internet, é possível afirmar que a pulverização de dados
verdadeiros ou falsos sobre um determinado assunto ou pessoa, se tornou muito
mais fácil que outrora, permitindo-se a construção de uma biografia que pode
distorcer ou não a realidade dos fatos e a identidade das pessoas.
Sabemos que na atual era da cibernética, a manifestação de pensamento,
previsto no art. 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, ganhou proporções
inimagináveis, frente a quase completa eliminação de barreiras para a disseminação
da liberdade de manifestação.
Salientamos que os mecanismos de comunicação cibernéticos são
considerados como avanço da ciência e da tecnologia143, assim, reconhece-se a
necessária reengenharia do tradicional conceito de manifestação nos dias atuais.
Todavia, não podemos esquecer que a proliferação do direito de manifestação
por meio da internet não jogou por terra o outro preceito constitucional que vem
aliado ao direito de manifestação, ou seja, continua vedada a manifestação às
escuras, em outras palavras, é garantido o direito de manifestação, mais vedado o
anonimato.
O cidadão ou e-cidadão pode, caso queira, fazer das redes sociais sua forma
de “palanque virtual” de manifestação contra aquela norma, ato ou ordem que
considere injusto; no entanto, não pode se esconder atrás da cibernética e falar o
que bem pensa sem o condão da responsabilização, pois somos responsáveis pelos
nossos atos dentro ou fora do mundo virtual.
O que temos, efetivamente, é uma ausência de regulamentação, por parte do
Estado que, por sua vez, deve criar mecanismos de policiamento virtual, similar ao
que ocorre no “mundo real”, de modo que seja possível identificar e punir o usuário
que pratica delitos no ambiente virtual, ou seja, usuários que vão além do exercício
do direito de manifestar.
143 MAIN, Lucimara Aparecida; MORO, Maitê. Reputação da organização: gerenciamento de crise da imagem, como forma de garantir a função social e sustentabilidade financeira da empresa. Florianópolis: FUNJAB. 2014. p. 493-516.
94
Como mencionamos anteriormente, as empresas que administram as redes
sociais, buscam o lucro, ao passo que deve o Estado, também, criar mecanismos de
policiamento virtual e de responsabilização civil destinada às pessoas jurídicas.
Nessa esteira de pensamento, a criação de mecanismos estatais de
fiscalização e punição tanto para o indivíduo, quanto para as empresas que
administram as redes sociais, nos parece o melhor caminho para a efetivação da
democracia e o exercício da livre manifestação, sem, contudo, prejudicar terceiros.
3.5 Geração Z: as redes sociais como nova forma de manifestação
As redes sociais é de longe o melhor mecanismo de comunicação criado pelo
homem, não desprezamos a importância dos mecanismos anteriores, (telégrafo,
rádio, TV, telefones); contudo, podemos observar uma democratização por meio das
redes sociais.
A democratização ampla do acesso à internet alterou a forma com que as
pessoas interagem umas com as outras e, consequentemente, foram repensados os
métodos clássicos, até então desenvolvidos, para exercitar o direito de resistência e
a desobediência civil.
Presenciamos nos dias atuais o surgimento de uma nova geração. Certo é
que existe resistência entre alguns estudiosos em usar termos muito fechados para
definir povos, regiões ou gerações. Argumentam que definições simplificam os
problemas e que toda simplificação tende a tornar superficial o debate.
Contudo, existe outra corrente que defende a possibilidade de simplificar o
debate, no qual as definições têm o mérito de orientar as discussões. Acreditamos
mais acertada a segunda opção. Até pouco tempo atrás, revistas, livros e filmes
ainda falavam da Geração X, aquela que substituiu os yuppies dos anos 80. Essa
turma preferia a camisa de flanela e o bermudão à gravata colorida e ao relógio
Rolex, ícones de seus antecessores. Isso foi no início dos anos 90.
Posteriormente, surge a Geração Z, e a grande sacada dessa geração é
zapear. Daí o Z. Em comum, essa juventude muda de um canal para outro na
televisão. Vai da internet para o telefone, do telefone para o vídeo e retorna
95
novamente à internet. Também troca de uma visão de mundo para outra, na vida,
em questão de segundo, e na grande maioria, influenciados pelas redes sociais.
Mulheres e homens da Geração Z, em sua maioria, nunca conceberam o
mundo sem computador, chats, telefone celular, tablete. Por isso, são menos
deslumbrados que os da Geração Y com chips e joysticks. Sua maneira de pensar
foi influenciada desde o berço pelo mundo complexo e veloz que a tecnologia
engendrou.
Diversamente de seus pais, sentem-se à vontade quando ligam ao mesmo
tempo a televisão, o rádio, o telefone, música e internet. Outra característica
essencial dessa geração é o conceito de mundo que possui, desapegado das
fronteiras geográficas, fato esse possibilitado pelo difundido acesso às redes sociais.
Essa nova Geração não vislumbra a globalização como um valor adquirido no
meio da vida a um custo elevado. Aprenderam a conviver com ela já na infância.
Como informação não lhes falta, estão um passo à frente dos mais velhos,
concentrados em adaptar-se aos novos tempos.
Enquanto os demais buscam adquirir informação, o desafio que se apresenta
à Geração Z é de outra natureza. Ela precisa aprender a selecionar e separar o joio
do trigo. E esse desafio não se resolve com um micro veloz. A arma chama-se
amadurecimento. É nisso, afirmam os estudiosos e especialistas, que os jovens
precisam trabalhar. Como sempre.
Assim, podemos afiançar que nos dias atuais, não existe a menor
possibilidade de se falar em direito, sem se levar em consideração os avanços
cibernéticos e o impacto causado pelas redes sociais na vida das pessoas.
Uma grande evolução, advinda da Geração Z, foi a transformação na forma
como se convocam e se realizam as manifestações, fato esse que restou evidente
pelas últimas manifestações, políticas ou não, que ocorreram no Brasil.
Imaginava-se que a Geração Z ficaria atrás de um smartphone, atrás de um
computador, notebook ou tablet, que seria uma geração de nerds virtuais,
desapegados do mundo além-paredes dos seus quartos, contudo introduziram, via
redes sociais, uma nova visão sobre como as pessoas no século XXI podem
mobilizar outras. Essa mobilização ocorre via canais disponíveis na internet, por
exemplo, YouTube, e principalmente pelas redes sociais, sendo que no Brasil
96
Facebook, Twitter, Instagram têm se destacado e impulsionaram as últimas
manifestações.
Via de regra, os jovens utilizavam as redes sociais para mobilização,
convocação e realização das manifestações nas vias públicas, principalmente
aquelas de maior circulação, como ocorreu em diversas oportunidades na Avenida
Paulista (considerada o centro financeiro do país), na Cidade São Paulo/SP.
Nessa toada, tem-se que a Geração Z, via redes sociais, inflaram as
manifestações, uma vez que atingiram números antes nunca vistos em atos
populares/públicos no Brasil. Todavia, nem todas as manifestações propagadas
pelas redes sociais são de cunho político, uma vez que várias outras questões,
também, foram suscitadas nas redes sociais e motivaram manifestos públicos, que,
como ocorreram, a título de exemplificação veremos mais adiante, não eram de
cunho político, mas social.
97
4 ANÁLISE DE CASOS EM QUE AS REDES SOCIAIS TIVERAM SUMA
IMPORTÂNCIA NA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA
Atualmente, existem diversas formas de manifestações por meio das redes
sociais no Brasil e no mundo. Nesse caso, destacaremos abaixo algumas formas de
participação democrática que tiveram forte participação das redes sociais como:
flash mobs, smart mobs, primavera árabe, rolezinhos e jornadas de junho de 2013.
4.1 Flash Mobs: manifestações sociais apolíticas pelas redes sociais
“Multidões instantâneas”, apolíticas e lúdicas. Em breves palavras, seria essa
a conceituação de “Flashmobs”. Geane Alzamora e Renata Alencar argumentam
que a “Flash mobs” são catalisadas por “ações preparatórias”, pulverizadas na rede
e consolidadas no espaço urbano.
Um caminho possível para abordarmos as flashmobs no contexto dessas inquietações é percebê-las como um modo possível de construir uma experiência estética socializada, a qual é catalisada por “ações preparatórias” pulverizadas na rede e consolidadas no espaço urbano, por um grupo de indivíduos, configuradores de uma comunidade (dentre as muitas pelas quais transitam). 144
No mesmo sentido, André Lemos aduz que flasmobs são apolíticas e lúdicas:
As flash mobs são encontros muitas vezes sem outro objetivo senão a realização de uma manifestação relâmpago, como um happening ou uma performance. A organização do experimento se dá via e-mail, blogs e SMS. Essas manifestações-relâmpago, apolíticas, onde pessoas que não se conhecem marcam, via rede, locais públicos para se reunir e se dispersar em seguida, causando estranheza e perplexidade aos que passam começaram em Nova York e se espalharam pelo mundo.145
Assim, com a propagação das redes sociais, um fenômeno, mais um, dentre
tantos outros fenômenos, surge e transforma nosso dia a dia. Nos dias
144 ALZAMORA, Geane; ALENCAR, Renata. Flashmob: reflexões preliminares sobre uma experiência de rede. In: Anais do V Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19558-1.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2016. 145 LEMOS, André, Cidade digital: portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/137/1/Cidade%20digital.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2016.
98
contemporâneos, é comum as pessoas se associarem para realização de questões,
por exemplo, culturais e como acima mencionado apolíticas. Mesmo não
conhecendo uns aos outros, os indivíduos interagem por meios dos dispositivos
móveis.
Nesse contexto, as “multidões instantâneas” se formam por meio de avisos
que se espalham nas redes digitais, atingindo, pessoas em vários lugares com o
intento de se encontrarem, sendo que utilizam as redes como espaço de
organização e as ruas, por seu turno, como espaço de encontro.
André Lemos elucida que a primeira flasmobs ocorreu em agosto de 2003 em
São Paulo, na qual cerca de 80 pessoas, segundo a Polícia Militar, cruzaram a
avenida Paulista, próximo à rua Augusta, tiraram os sapatos e os bateram diversas
vezes contra o chão146.
Acreditamos que o os “rolezinhos” (maiores detalhes abaixo) são formas de
flasmobs “à brasileira”, na qual jovens, na grande maioria das periferias da Capital
Paulistana, se organizavam via redes sociais e se encontravam em parques e
shoppings.
É certo que nem toda manifestação tem cunho político e, nas flasmobs,
encontramos a confirmação dessa assertiva. Ao passo que vivemos uma nova
concepção com tais atos, porquanto realizados em todos os aspectos, sociais,
culturais e também políticos, sendo que, neste último caso, estaremos falando das
Smart Mobs.
4.2 Smart Mobs: manifestações políticas pelas redes sociais
As “Smart Mobs” em muito se assemelha às “flasmobs” quanto à forma de
organização, uma vez que as “Smart Mobs” versam sobre a possibilidade de
pessoas cooperarem umas com as outras, ou seja, em conjunto, mesmo não se
conhecendo uns aos outros. As pessoas que compõem “Smart Mobs” cooperaram
de forma nunca antes imaginável, tendo em vista que essas pessoas carregam
146 LEMOS, André, Cidade digital: portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/137/1/Cidade%20digital.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2016.
99
consigo dispositivos móveis que possuem tanto as capacidades de comunicação
quanto a de computação.
André Lemos, sobre o tema, citando Howard Rheingold (2002), aduz:
Smart mobs é o termo criado por H. Rheingold (2002) para descrever as “novas” formas de swarming usando tecnologias móveis como celulares, com voz e SMS, pages, internet sem fio, blogs, etc. Os objetivos são os mais diversos. Para Rheingold, as smart mobs “consist of people who are able to act in concert even if they don’t know each other. The people who make up smart mobs cooperate in ways never before possible because they carry devices that possess both communication and computing capabilities“ (Rheingold, 2002, p. xii). Casos de smart mobs “non sens” (flash mobs) e políticas já aconteceram ao redor do mundo. As mais impactantes foram as manifestações que agregaram pessoas por SMS nos protestos anti-globalização, nas Filipinas, e em Madri, pós atentado nos trens em 2004. Nesses casos, as trocas de mensagens SMS causaram o deslocamento de uma multidão para protestar, tendo como resultado a deposição do presidente Estrada, das Filipinas, e a derrota do partido da situação na Espanha. Embora não possamos atribuir as conseqüências políticas apenas à mobilização por tecnologias móveis, parece ser evidente que estas constituem-se como ferramentas importantes de mobilização.147
Nesse contexto, podemos considerar os “Smart Mobs” como agrupamentos
sociais arranjados por pessoas com aptidão para atuar de forma ordenada, mesmo
sem se conhecerem previamente, utilizando, para tanto, dispositivos eletrônicos,
conectados via Wi-Fi, ou seja, sem fios, à internet.
Ante o exposto, resta evidente que os e-cidadãos organizam suas
mobilizações via redes sociais para posteriormente irem às ruas manifestarem.
Existem, também, os manifestos apenas virtuais, nos quais os e-cidadão postam
seus pontos de vista (seus manifestos) sobre determinado tema, buscando sempre
apoio dos demais participantes das redes sociais, sem, contudo, convocá-los para
manifestos em vias públicas.
Quando falamos de manifestações políticas contemporâneas no Brasil, de
pronto lembramo-nos da “jornada de 2013”, entretanto, num contexto internacional,
importa lembrar da “primavera Árabe de 2011, o uso da internet e as redes sociais
não se restringiu a mostrar ao mundo a realidade do Egito, porquanto foram
utilizadas, também, como mecanismo de união nacional.
147 LEMOS, André. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão. Revista Razón y Palabra. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n41/alemos.html>. Acesso em: 11 ago. 2016.
100
4.3 Primavera Árabe de 2011: redes sociais como elemento de revolução
democrática no Oriente Médio
Em 2011, tivemos a oportunidade de conhecer a Praça Tahrir, no centro da
Cidade do Cairo-Egito, e de perto presenciarmos manifestações que explanavam a
ausência de expectativas para o futuro em um contexto de desemprego, miséria e
abandono estatal por parte do regime ditatorial instalado.
A população egípcia vivia marginalizada e sem esperanças, não restando
alternativa senão buscar por melhorias contra a condição de flagelo que vivia.
Poderíamos pensar, estamos vivenciando um fato histórico, e quando do
retorno para o Brasil falaremos aos nossos pares o ocorrido. Todavia, não
necessário se fez, porque o mundo inteiro tomou conhecimento, simultaneamente
aos acontecimentos, graças à utilização da internet e das redes sociais.
Tal assertiva é reforçada nos argumentos de Rogério Martins de Souza e
Débora Alves da Costa, que aduziram que a internet foi utilizada para informar e,
também, como forma de unir a população:
Durante os protestos no Egito, a internet não foi apenas usada como um meio de comunicação para informar ao mundo a situação em que o país se encontrava, mas também como um meio para que a população pudesse se unir. Mesmo com a tentativa do ex-presidente Mubarak de cortar o acesso à internet, os egípcios souberam usar as redes sociais para burlar a vigilância do poder. Um exemplo é o site de busca Google, que criou um sistema chamado “Speak to Tweet” para que eles pudessem usar o Twitter através de um sistema de voz. Este é apenas um exemplo de como a internet e as redes sociais foram usadas na Primavera Árabe.148
Aduzem, ainda, que a internet foi o meio de organização dos protestos para
que a população dos países árabes pudesse se expressar:
Durante as manifestações de rua, era comum encontrar imagens de pessoas segurando cartazes que faziam alusão à internet, nos quais o nome de alguma rede social era seguido de incitação à revolta nas ruas. A internet não foi a razão dos protestos terem se iniciado. Ela foi, sim, usada de maneira influente para que os protestos fossem organizados e as populações desses países árabes pudessem se expressar.149
148 SOUZA, Rogério Martins de; COSTA, Débora Alves da. A revolta digital: impacto das redes sociais da internet nos protestos de rua dos países árabes em 2011. Revista Cadernos da UniFOA, n. 19, ago. 2012. p. 37-44. 149 Ibidem, p. 37-44
101
Dessa forma, fica claro que a internet, e por consequência lógica as redes
sociais, podem e devem ser utilizadas para trocar informações, bem como viabilizar
as interações sociais. Certos, também, de que, quando bem utilizada, a internet
pode desconstituir governos ditatoriais e, de forma errada, fortalecê-los:
Isso nos mostra que a internet pode ser utilizada de outra maneira, além da troca de informações ou interações sociais. E preciso enxergar esse “poder” que a internet pode nos dar e usá-lo de maneira correta. Afinal, do mesmo jeito em que foi usada para derrubar governos ditatoriais, a internet também pode ser usada para fortalecê-los.150
A finalidade da Primavera Árabe, por meio dos protestos e manifestações, era
a busca ou luta em favor da democracia e pelo fim dos regimes ditatoriais. Sendo
que no Egito, o levante popular trazia como principal objetivo derrubar o ditador
Hosni Mubarak, que estava no poder há 30 anos.
Além do desemprego, miséria e abandono estatal por parte do regime
ditatorial instalado, acima mencionados, a carência de moradia, a repreensão à
liberdade de expressão, os altos índices de corrupção, a violência policial, dentre
outras mazelas fizeram com que o povo fosse às ruas e praças.
Uma data que ficou conhecida, mundialmente, foi 25 de janeiro de 2011, data
em que uma grande manifestação foi organizada no Egito. Tal manifestação foi
denominada “Dia da revolta”, sendo que em várias cidades egípcias milhares de
pessoas foram às ruas reivindicar seus direitos.
A internet e as redes sociais foram utilizadas pelos manifestantes para a
articulação e organização das manifestações, sendo que o Facebook e o Twitter,
tiveram importante papel na disseminação e fortalecimento das manifestações
populares conhecidas como “primavera Árabe”.
A propagação do movimento conhecido como Primavera Árabe, que completa um ano nesta quarta-feira (04/01), para toda a região do Norte da África e do Oriente Médio não teria sido possível sem os recursos e dispositivos proporcionados pelas redes sociais. A conclusão foi tirada de um relatório divulgado pela Dubai School of Government, que indica a importância de serviços como Twitter e Facebook na disseminação e fortalecimento das manifestações populares que, em última instância, se espalharam pelo mundo.151
150 Ibidem, p. 37-44 151 BORGES, Thassio. Redes sociais foram o combustível para as revoluções no mundo árabe. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/18943/redes+sociais+foram+o+ combustivel+para+as+revolucoes+no+mundo+arabe.shtml>. Acesso em: 11 ago. 2016.
102
Sem maiores delongas, as redes sociais foram, de fato, o grande combustível
para as revoluções denominadas de “Primavera Árabe”. Do exposto, conclui-se que
as redes sociais e a internet apenas viabilizaram a articulação e organização dos
manifestantes, sendo que a causa, como ocorre em quase todos os manifestos
dessa natureza é a busca por direitos fundamentais e sociais, ou seja, busca-se a
efetivação da democracia, motivo pelo qual afirmamos que as redes sociais
desempenharam, como elemento fundamental, importante papel na revolução
democrática no Oriente Médio.
No Brasil, os motivos que desencadearam a maioria dos protestos políticos
não estão tão longe daqueles ocorridos no Oriente Médio; entretanto, outros
protestos de inclusão social, também, ocorreram, como é o caso dos denominados
“rolezinhos”.
Do exposto, resta claro que a convocação para os protestos ocorreu via redes
sociais, em especial, Facebook e/ou Twitter, todavia, outra característica que
podemos extrair de comum em todos os protestos mundiais é a falta de lideranças e
de instituições representativas das classes sociais, por exemplo, igrejas, sindicados
e partidos políticos.
4.4 Redes sociais e as jornadas de junho de 2013 no Brasil
Junho de 2013 ficará para sempre marcado na história de nosso país,
incontestavelmente serão acrescentados aos livros de História desta nação, como
um dos movimentos de maior adesão e expansão, desde as Diretas Já, na década
de 80 e o Fora Collor em 1992, já que as manifestações se alastraram por todo o
país quase que simultaneamente, paralisando os grandes centros urbanos das
principais capitais.
Mais de um milhão de brasileiros das mais diversas classes sociais, raças,
credos saíram às ruas inicialmente num só clamor, já que a princípio a motivação
era a revolta da população pelo aumento abusivo dos transportes públicos, chamada
revolta dos vinte centavos, porém, em pouco tempo surgiram bramidos por
mudanças dos mais variados tipos, logo, outras bandeiras também foram
103
levantadas, como o combate à corrupção, a falta de educação, a falta de segurança,
o excesso de gastos com o evento esportivo da Copa do Mundo, entre outros.
Para entendermos as ‘jornadas de junho” de 2013 no Brasil, mister se faz
voltar no tempo e mencionar as primeiras manifestações, por causa do aumento
abusivo das tarifas dos transportes públicos, que surgiram em Salvador em 2003,
com a denominada “Revolta do Buzu”.
As revoltas de junho de 2013, desencadeadas pela luta organizada pelo MPL-SP contra o aumento das tarifas, não algo inteiramente novo. Para começar a compreender esse processo é preciso que voltemos a, no mínimo, 2003, quando, em resposta ao aumento das passagens, iniciou-se em Salvador uma série de manifestações que se estenderam por todo o mês de agosto daquele ano, que ficou conhecida como a Revolta do Buzu (...).152
Os manifestos iniciados em Salvador foram retratados em um documentário
que recebeu o nome do ato, ou seja, Revolta do Buzu de autoria de Carlos
Pronzato153. Documentário esse, utilizado em diversas cidades, o que possibilitou
maior amplitude sobre o transporte público, vindo a fomentar novos atos, como os
que ocorreram em 2004, “Revolta da Catraca”, em Florianópolis, 2006 em Vitória;
2011 Teresina; e, 2012, Aracaju e Natal e na cidade de Francisco Motao/SP,
oportunidade na qual os manifestantes viajaram de graça, uma vez que arrancaram
catracas e incendiaram a bilheteria.154
Entretanto, foi na cidade de São Paulo que as manifestações reuniram uma
quantidade, antes não vista, de manifestantes. Tais manifestações, posteriormente,
foram denominadas como “jornada de junho”. As manifestações envoltas nas
questões do transporte público contavam com a organização, via redes sociais, e
participação efetiva do Movimento Passe Livre (MPL155), sendo que os manifestos
152 MARICATO, Ermínia. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Carta Maior, 2013. p.14. 153YOUTUBE. Revolta do Buzu. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dQ ASaJ3WgTA>. Acesso em: 11 ago. 2016. 154 MARICATO, Ermínia. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Carta Maior, 2013. p.15-16. 155 MPL – Movimento Passe Livre é uma organização horizontal, suprapartidária, fundado em 2005 e existente em várias cidades, fruto do acúmulo das revoltas contra o aumento das tarifas do transporte público que ocorreram em 2003 em Salvador e, logo depois, em Florianópolis. Ver Leo Vinicius, A Guerra da tarifa. São Paulo: Faísca, 2005.
104
na Capital Paulista iniciaram-se no dia 06 de junho de 2013, após a prefeitura de
São Paulo, permitir um aumento de vinte centavos no valor da passagem de ônibus.
Dessa forma, a população revoltada com o aumento autorizado pelo poder
público e considerado por ela, abusivo, a partir de então decidiu tomar as ruas. Esse
momento é crucial para a formação do e-cidadão, porquanto os debates, as
convocações ganharam maior visibilidade e angariaram mais adeptos com o uso das
redes sociais, ou seja, as redes sociais romperam barreiras inimagináveis.
Cumpre lembrar que, inicialmente, as manifestações eram, repise-se, para
protestar contra o aumento abusivo das passagens, mas rapidamente foram
introduzidas outras demandas, a partir desse momento surgiu um novo discurso,
“Não é só pelos R$ 0,20”.
Outro contexto que precisa ser mencionado é o cenário internacional, que
teve várias insurgências populares a partir de 2008, respeitadas as particularidades
e conforme região da terra, mas sempre tendo a crise econômica, democrática ou
institucional como ponto central das insurgências.
Também, mencionamos o ocorrido nos Estados Unidos. É sabido por todos
que os Estados Unidos da América – EUA é a maior potência econômica mundial,
sendo que os acontecimentos econômicos ocorridos nos EUA impactam diretamente
quase todas as demais nações. Nos idos de 2008, ocorreu um colapso no sistema
de crédito interbancário americano, que teve como principais causas a quebra da
bolsa de valores, a crise das multinacionais e do mercado imobiliário. Tal crise
espalhou-se, rapidamente, por todo o mercado financeiro internacional,
desdobrando-se em uma crise econômica internacional.
Com um cenário tão caótico, os americanos perpetraram o surgimento de um
movimento conhecido como Occupy Wall Street156 que indagava o próprio sistema
capitalista e a acumulação de riquezas, tal movimento ocupou a principais vias de
Wall Street.
Os manifestantes expandiram seus protestos, buscando justiça econômica, e,
voltando-se contra a cobiça empresarial, a corrupção do sistema político e a
desigualdade, dentre outros temas. Importa mencionar que essas mobilizações e
156 OCCUPY WALL STREET. The and of protest: a new playboy for revolution from the co-creator of occupy wall street. Disponível em: <http://occupywallst.org/>. Acesso em: 28 jul. 2016.
105
protestos sociais foram além das fronteiras americanas, pois tomaram dimensões
globais a partir dos elementos regionais de cada lugar; contudo, a proliferação
somente foi possível em decorrência do uso da internet e das redes sociais, que
transformam manifestações regionais em transnacionais.
Conforme mencionado anteriormente, (Primavera Árabe de 2011: redes
sociais como elemento de revolução democrática no Oriente Médio), tivemos a
derrubada de ditaduras no Egito, o que se espalhou para Tunísia, Líbia e Iêmen.
Posteriormente, evolui para a Europa, principalmente, com o “movimento dos
Indignados” na Espanha, tendo ocorrido manifestações, também, em Portugal,
Grécia, e outros países. Já, aqui na América Latina, tivemos, no Chile, a luta contra
os cortes e privatização da Educação.
Vários foram os motivos das outras nações, mas da mesma forma que
ocorreu aqui no Brasil, a crise social, política, econômica e financeira, que motivou o
aumento significativo do desemprego em especial da classe mais jovem que se
configura como a “Geração Z”, sempre figuraram como pano de fundo das
manifestações.
Foi justamente a “Geração Z” que se organizou pelas redes sociais e foram às
ruas, portando cartazes, escritos à mão, sem uso de megafones ou carros de som,
na maioria dos protestos, que desencadeou um sentimento coletivo, repise-se, a
proliferação dos ideais defendidos pela “Geração Z” foram propagados pelas novas
formas disponíveis na rede mundial de computadores, ou seja, utilizaram as redes
sociais da internet, principalmente, – Facebook e Twitter, que viabilizaram a
disseminação viral para todo o mundo de forma instantânea.
Assim, como ocorreu mundo afora, no Brasil não foi diferente e uma das
principais características das manifestações brasileiras foi a convocação por meio de
redes sociais e a participação massiva de jovens universitários e de ensino médio,
que, em pouco tempo, ganharam o apoio de outras classes, especialmente, quando
o movimento começou a tomar as principais avenidas dos grandes centros
comerciais, principalmente, em São Paulo.
Com números de manifestantes, até então nunca vistos, o Governo de São
Paulo determinou que a polícia interviesse de forma mais enérgica. De tal modo que
a polícia militar, principalmente, passou a empregar métodos ostensivos e violentos
106
contra os manifestantes, o que tornou a cobertura midiática muito maior, o que
inflamou ainda mais a população a sair para as ruas. Conforme descreve Ermínia
Maricato:
Os atos que se iniciaram contra o aumento nas tarifas dos ônibus acabaram por levar centenas de milhares às ruas em São Paulo no dia 17 de junho de 2013, em solidariedade à ideia e repúdio à violência com a qual manifestantes e jornalistas haviam sido espancados e presos pela Polícia Militar dias antes, na quinta-feira, 13 de junho. Uma massa heterogênea, descontente, sob um guarda-chuva de uma pauta bastante concreta e objetiva. Que, dias depois, em 19 de junho, foi atendida após a revogação do aumento na tarifa dos transportes públicos informados pelo governador Geraldo Alckmin e pelo prefeito Fernando Haddad.
Uma manifestação de rua, dois dias antes, reunindo mais de 200 mil pessoas, acabou por mudar o perfil dos que estavam protestando em favor da redução da tarifa. O chamado, feito via redes sociais, trouxe as próprias redes sociais para a rua. Quem andou pela Avenida Paulista percebeu que boa parte dos cartazes eram comentários tirados do Facebook e do Twitter.157
Após as atrocidades cometidas pela polícia, que eram transmitidas online
pelas redes sociais, a grande mídia passou a dar maior cobertura às manifestações
e dessa forma em pouco tempo esse acontecimento sociopolítico ganhou a atenção
dos jornais de diversos países e, apoiados pelas redes sociais, alcançaram o mundo
por um todo, como outrora ocorreu na Primavera Árabe, acima esculpida.
Nessa toada, as manifestações tomaram proporções nunca imaginadas, pelos
governantes, pelos representantes políticos e até mesmo pelos próprios
manifestantes.
As jornadas de junho trouxeram um vigor novo ao cenário político do país, já
que provocaram novas formas de participação da sociedade na política, além de
novas formas de mobilização, por meio da utilização das redes sociais como uma
das principais ferramentas de convocação da massa, tornando a juventude, os
protagonistas desses manifestos.
Nós só testemunharíamos mais claramente a dimensão dessa revolução nos dias que viriam. A mudança nas comunicações foi uma das mais impressionantes que presenciamos nas ruas. Os celulares iriam ajudar a descrever a realidade partindo de variadas visões das pessoas que estavam nas ruas. Transformariam também todos os presentes em potenciais jornalistas. E mais. Cada dono de celular poderia virar protagonista de sua própria notícia, com os selfies em
157 MARICATO, Ermínia. Cidades rebeldes: passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Carta Maior, 2013. p. 112.
107
protestos colocados no dia seguinte na timeline do Facebook.158
As redes sociais tiveram papel fundamental nessa abrangência, pois diferente
de outras manifestações do passado, estas conseguiram atingir um público muito
maior em pouquíssimo tempo, já que eram convocadas por meio da criação de
páginas e canais de redes online, tornando, assim, a comunicação muito mais eficaz
e eficiente, ou seja, através de um canal de comunicação que independe do controle
das grandes mídias, as informações se propagavam em tempo real, alcançando boa
parte da população, já que grande parte dela está conectada às novas tecnologias.
Com isso, as manifestações ganharam força, entusiasmo e magnitude em todo o
país.
Assim sendo, as manifestações ocorridas em junho de 2013 no Brasil, criaram
a figura do cidadão que utiliza as redes sociais para expor, apoiar, refutar, impugnar,
ou seja, debater sobre os rumos das questões sociopolíticas da nossa nação e esse
cidadão antenado denominamos de e-cidadão, ou seja, um cidadão que além de
estar envolto nas novas tecnologias, também, vai às ruas.
Dessa forma, durante as “manifestações de junho” ou “jornadas de junho”, as
redes sociais tornaram-se ferramentas de mobilização cidadã, já que, sem sombra
de dúvidas, elas foram o principal catalisador para que os protestos tomassem as
proporções que tomaram.
Durante as manifestações pudemos perceber que não havia uma direção
única e tampouco lideranças de movimentos sociais já conhecidos no panorama
político e com elas, foi possível notar uma grande diversidade de pensamentos e
posições.
Uma característica importante desses protestos que se tornou uma marca, foi
o uso de cartazes feitos à mão, expondo as mais diversas reclamações e
reivindicações, grande parte delas extraídas das redes sociais, o que comprova a
variedade de pensamentos e posições sobre a realidade brasileira, bem como a
influência das redes sociais nessa nova forma de participação democrática.
Tantas reivindicações diferentes demonstram a insatisfação da população
com a forma de representação política, com a qualidade das políticas públicas e,
158 SOLANO, Esther. Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática Black Blocs. São Paulo: Geração Editorial, 2014. p. 43.
108
principalmente, com o comportamento dos representantes políticos, deixando clara a
necessidade de mudanças no cenário político do país. Faz-se urgente haver sintonia
entre as políticas públicas e as necessidades da população.
A partir das jornadas de junho, gerou-se, na população, maior cobrança pela
participação na política. Cada vez mais serão exigidos serviços públicos de
qualidade, bem como, ética e honestidade dos representantes políticos, e tal
transformação somente alcançou tamanho antes inimaginável por causa do uso das
redes sociais.
Contudo, além do abuso por parte da polícia, tivemos, também, abusos, sem
precedentes, causados pelos denominados Black Blocs. Apesar disso, os
“mascarados” não receberam apoio da população, muito pelo contrário, o que
significa a evolução da concepção sobre democracia por parte de boa parte da
população.
Ante o exposto, resta evidente que o e-cidadão, além de antenado e vinculado
às redes sociais, não coaduna, na sua maioria, com atos violentos, eis que buscam
a efetivação da democracia, já os Black Blocs, buscam, tão somente, a anarquia.
Vejamos alguns pontos sobre os Black Blocs a seguir:
4.4.1 Os Black Blocs
Entendemos que a “jornada de junho” foi o despertar para uma nova forma de
participação política e social. Surgiu a figura do e-cidadão, indivíduo adstrito às
redes sociais, na grande maioria apartidário, que busca concretizar a tão sonhada
igualdade por meio da democracia.
Todavia, tivemos na “jornada de junho”, além do surgimento do e-cidadão, o
reaparecimento dos Black Blocs, ou mascarados. Estamos certos de que, boa parte
dos mascarados, divergiu dos demais manifestantes, uma vez que empregavam
violência e táticas que não receberam apoio da população, vindo os próprios
manifestantes, em dado momento, refutar os atos dos Black Blocs anarquistas, não
podemos generalizar, e, não é essa nossa intenção, ou seja, apenas boa parte dos
mascarados.
109
Os Black Blocs ganharam ampla notoriedade no país com as “jornadas de
junho de 2013”, entretanto, importa frisar que essa tática não surgiu, e, não é tática
exclusiva do Brasil, porquanto, remonta o aparecimento de tais táticas no final do
século XX, com base na contracultura punk e de extrema esquerda ou
ultraesquerda. Teria aparecido em janeiro de 1991, na América do Norte, em
manifestação contra a Guerra do Golfo, vejamos o quanto elucida por Francis
Dupuis-Déri:
A tática dos black blocs se disseminou nos anos 90, sobretudo através da contracultura punk e de extrema esquerda ou ultraesquerda, via fanzines, turnês de bandas punks e contatos pessoais entre ativistas em viagens. Acredita-se que tenha surgido pela primeira vez na América do Norte em janeiro de 1991, durante manifestação contra a primeira Guerra do Golfo. O prédio do Banco Mundial foi alvejado e janelas foram quebradas.159
Já no Brasil, André Takahashi afirma que o primeiro sinal de propaganda
Black Bloc ocorreu no início dos anos 2000, durante o movimento denominado
“antiglobalização”, contra a Área de Livre Comércio das Américas:
O primeiro sinal de propaganda Black Bloc no país ocorreu no início dos anos 2000, durante o surgimento do movimento anticapitalista global (antiglobalização), mas foi descartado pelos ativistas autônomos da época por avaliarem a ação direta não violenta, manifestada principalmente nos 139 protestos contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), estrategicamente melhor para o cenário brasileiro. Anos depois essa opção pela ação direta não violenta combinada com trabalho de base, organização horizontal e uso intensivo da internet influenciou a criação do MPL e outros movimentos autônomos, como a Bicicletada, o Centro de Mídia Independente e o Rizoma de Rádios Livres.160
Em que pese, os Black Blocs tiveram seu embrião vinculado ao final do século
passado e somente em 2013, aqui no Brasil, se tornaram, efetivamente, conhecidos;
contudo, não restaram evidentes quais eram seus ideais e suas causas.
Nesse tocante, Jairo Costa, aduz que os objetivos dos Black Bloc são: a)
promover grandes prejuízos financeiros às empresas identificadas com o sistema
capitalista; b) participar de grandes batalhas, praticando o famoso bater e correr; c)
participar de ações contra o G8 (grupo dos 8 países mais ricos do mundo), vejamos:
159 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc. São Paulo: Veneta, 2014. p. 50. 160 TAKAHASHI, André. O Black Bloc e a resposta à violência policial. Revista Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-blackk-bloc-e-a-resposta-a-violencia-policial-1690.html>. Acesso em: 19 jun. 2016.
110
Um dos objetivos dos Black Bloc sempre foi promover grandes prejuízos financeiros às empresas identificadas com o sistema capitalista. Seus ativistas não hesitam em enfrentar diretamente as forças policias que veem como “o braço armado do capital”. Outra característica do Black Bloc é seu comportamento diante de grandes batalhas urbanas, movimentando-se concentrados, atacando e dispersando. Em outras palavras, praticando o famoso bater e correr. A tática dos Black Bloc acabou por conquistar os corações de milhares de ativistas mundo afora, sendo empregada nos mais diversos lugares, como em Chipas, no México, nas manifestações contra a invasão do Iraque, assim como as ações contra o G8 (grupo dos 8 países mais ricos do mundo).161
A tática Black Blocs, pós-junho de 2013, logrou diversos adeptos em nosso
país, a título de exemplificação, se utilizar a ferramenta de busca do Google – mais
conhecida como “dá um Google” – e digitarmos “Black Bloc Facebook Brasil”, temos
essa resposta: “Aproximadamente 1.340.000 resultados (0,33 segundos)”,162 isso,
por si só, já demonstra o quanto o assunto é comentado.
Encontramos no “Facebook” diversas páginas e comunidades dos Black
Blocs, temos, e.g., “Black Bloc Brasil”163; “Black Bloc SP”164; “Black Bloc RJ”165. Na
grande maioria das páginas e comunidades do Facebook, os Black Blocs se definem
como apartidários, contra o autoritarismo, contra o governo, se definem como
anarquistas; entretanto, não podemos generalizar.
Nem todos os participantes de Black Blocs são anarquistas autodeclarados. No Egito, por exemplo, podem ser ativistas políticos ou torcedores de futebol, ou fãs de bandas de heavy metal. Entretanto, como diz o professor Mark LéVine, a Tahrir [praça pública central no Cairo, que protagonizou ajuntamentos a partir de 2011 de milhares de pessoas contra o novo governo da Irmandade Mulçumana] continua sendo em muitos aspectos o símbolo das ideias de horizontalismo e auto-organização que estão no centro da teoria e da prática do anarquismo moderno.166
No Brasil não é diferente, ou seja, não podemos atribuir a todos os “Black
Blocs” a caricatura de anarquista, porém, os atos violentos remetem a essa
concepção.
161 COSTA, Jairo. A tática do Black Bloc. Revista Mortal, out. 2010, p. 10 162 GOOGLE. Black Bloc. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=blackk+bloc +facebook+brasil&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b&gfe_rd=cr&ei=_yi6V4DeIYeF8QeAy6yQCA>. Acesso em: 21 ago. 2016. 163 FACEBOOK. Black Bloc. Disponível em: <https://www.facebook.com/Blackk-Bloc-Brasil-3 53035154737576/>. Acesso em: 21 ago. 2016. 164 FACEBOOK. Black Bloc. Disponível em: <https://www.facebook.com/Blackk-Bloc-SP-18 3027485203077/>. Acesso em: 21 ago. 2016. 165 FACEBOOK. Black Bloc. Disponível em: <https://www.facebook.com/BlackkBlocRJ/>. Acesso em: 21 ago. 2016. 166 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Blocs. Trad. Guilherme Miranda. São Paulo: Veneta, 2014. p. 55.
111
Algumas medidas foram tomadas, por exemplo, no Estado de São Paulo foi
promulgada a Lei 15.556, de 29.08.2014, que com fulcro de garantir as liberdades
constitucionais de manifestação do pensamento (art. 5.º, IV) e de reunião, (art. 5.º,
XVI) proibiu o uso de máscara, ressalvando apenas a sua utilização em
manifestações e reuniões culturais incluídas no calendário oficial do Estado.
Proibiu, também, o uso de armas de fogo, armas brancas, objetos
pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos que contenham artefatos
explosivos e outros que possam lesionar pessoas e danificar o patrimônio público ou
particular, outrossim, condicionou a realização das manifestações e reuniões
públicas à prévia comunicação às Polícias Civil e Militar.
Em que pese a ausência de sanções para a violação das referidas restrições,
ficou previsto a atuação das Polícias Civil e Militar para a preservação da ordem
pública e social, da integridade física e moral dos cidadãos, do patrimônio público e
particular, além da fiel observância do cumprimento da norma.
É muito comum encontrar relatos, em especial nas redes sociais, de que a
violência policial alicerçou a disseminação descentralizada de uma “tática Black-
bloc”, como justificativa moral para tais atos, tendo seu início das “jornadas de junho
de 2013 no Brasil”.
4.4.2 Depois das jornadas de junho de 2013
As redes sociais desempenharam papel ímpar nas jornadas de junho de
2013, conforme elucidado anteriormente, eis que alastraram um sentimento de
solidariedade, de forma instantânea aos manifestantes paulistas, que motivou a
população de diversas cidades brasileiras a marcarem manifestações (Belém,
Brasília, Campinas, Curitiba, Fortaleza). Contudo, não ficaram as manifestações
somente envoltas na questão do abuso das tarifas dos transportes públicos,
porquanto, tal situação fez desabrochar outros desagrados contra os serviços
públicos, tais como educação e saúde, aliados aos gastos bilionários com os
Estádios da Copa do Mundo e isso ocasionou à ida de milhares de pessoas às ruas.
Tendo como base a causa primeira, ou seja, o aumento abusivo das tarifas
dos transportes públicos, o recuo por partes dos governadores e prefeitos,
112
demonstra que as “jornadas de junho de 2013”, foram compreendidas, já que
medidas foram adotadas, ou seja, foi a primeira resposta por parte dos governantes
aos manifestos ocorridos.
Marco Aurélio Nogueira afirma que o recuo dos governantes comprova a
força do movimento e, ao mesmo tempo, a fragilidade do sistema político brasileiro,
uma vez que argumenta:
O recuo dos prefeitos e governadores no caso das tarifas prova ao mesmo tempo a força do movimento e o despreparo do sistema político. Pode ser um exagero dizer isso, mas tudo leva a crer que será difícil que se consiga continuar a governar como antes. O silêncio dos políticos foi constrangedor.167
Tantos outros temas, além dos protestos envoltos no transporte público,
surgiram nas jornadas de junho de 2013, não tendo agenda prévia ou liderança, os
questionamentos referentes aos gastos com a Copa do Mundo de 2014, que
contrapunham aos gastos com as escolas, hospitais, gerando a carência de
qualidade, implicou uma insatisfação nos manifestantes os quais pediam, nas redes
sociais e em seus cartazes nas ruas, que fosse atribuído aos serviços públicos o
denominado “Padrão FIFA”. A corrupção, também foi tema recorrente das
manifestações, em especial, lá no início, o grito contra a PEC que retirava os
poderes de investigação do Ministério Público.
Desses manifestos, vários slogans surgiram, tais como “Não é por 20
centavos.”; “O Gigante Acordou.” Vem! Vem pra rua! Vem!”.
Os governantes deixaram de lado o silêncio que assolava a população e, no
dia 21 de junho de 2013, a presidente Dilma Rousseff, utilizando-se da rede nacional
de rádio e de televisão, realizou um pronunciamento168 de 10 (dez) minutos, que se
tornou o assunto mais discutido no Twitter.
O Discurso da presidente Dilma Rousseff se tornou rapidamente o assunto mais discutidos no Twitter. As hashtags #CalaABocaDilma e #TamoJuntoDilma assumiram o topo do Trending Topics Brasil, os assuntos mais comentados da rede social. As mensagens marcadas como #CalaABocaDilma tinham se tornado o assunto mais discutido Trending Topics mundial e o #TamoJuntoDilma sequer figurara entre os dez itens dessa mesma lista.
167 NOGUEIRA, Marco Aurélio. As ruas e a democracia. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. p. 71. 168 YOUTUBE. Pronunciamento Dilma Rousself. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=xETRrVw8rLI>. Acesso em: 25 maio 2016.
113
No grupo contra a presidente, as três principais críticas eram referentes à vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, a corrupção e ao fato de Dilma não ter feito nenhuma referência à PEC 37. Entre os apoiadores, os destaques foram em relação aos 100% da verba do Pré-sal para a educação, a reforma política e ao trecho em que Dilma lembrou as lutas contra a ditadura.169
Marco Aurélio Nogueira sobre o tema diz:
Reflexo claro disso foi o discurso de 21 de junho. Dilma foi firme, calma e equilibrada. Não anunciou nenhuma guinada para a esquerda ou para o centro. Se o discurso tiver de ser criticado, não é por ter sido moderado e tranquilizador, atento aos ruídos das ruas. Mas por ter sido vazio de propostas e ruim na comunicação. Por mostrar um governo que não sabe bem o que deve ser feito para dar um passo à frente.170
Várias outras tentativas de solucionar os problemas apontados na jornada
de junho foi tema de palanque político, todavia, em 2014, os jornais apontavam,
como herança das manifestações, a percepção de que as manifestações podem dar
resultados; o papel, sem igual, das redes sociais para articulação e engajamento das
pessoas, bem como a proliferação dos Black Blocs.
De maneira resumida, há três “heranças” dessa onda de protestos: a percepção da sociedade de que sua mobilização pode dar resultado, a capacidade de articulação e de engajamento das pessoas na rede social que pode chegar às ruas e a proliferação do uso das táticas black bloc em todas as manifestações a partir de então.171
A Copa do Mundo de Futebol foi motivo de manifestações Brasil afora, antes
e durante sua realização e, como dito, os manifestantes pediam nas redes sociais e
em seus cartazes nas ruas que fosse atribuído aos serviços públicos o denominado
“Padrão FIFA”. Contudo, mesmo diante de tanta adversidade no cenário pátrio,
frente às novas formas de manifestações promovidas pelas redes sociais, e grandes
protestos contra o megaevento esportivo, a Presidente Dilma se reelegeu na eleição
mais apertada da historia.172
Com o país divido, veja, por exemplo, a situação acima mencionada em
relação às eleições, as manifestações não cessaram, sendo que em 2015, em várias
169 TWITTER. Discurso. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/06/21 /interna_politica,410658/discurso-de-dilma-se-torna-o-assunto-mais-discutido-no-twitter.shtml>. Acesso em: 25 maio 2016. 170 Ibidem, p. 75. 171UOL. Manifestações de junho de 2013: Qual é o saldo dos protestos um ano depois? Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/manifestacoes-de-junho-de-2013-qual-e-o-saldo-dos-protestos-um-ano-depois.htm>. Acesso em: 25 maio 2016. 172 UOL. Eleições. Disponível em: http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/10/26/dilma-cresce-na-reta-final-e-reeleita-e-emplaca-quarto-mandato-do-pt.htm. Acesso em: 25 maio 2016.
114
cidades do Brasil, a população que tinha nas redes sociais uma grande ferramenta
de organização e captação de adeptos, foi para ruas pedir o fim da corrupção,
reclamou da situação econômica e defendeu o impeachment da presidente:
Uma multidão foi neste domingo, 15, às ruas para protestar contra a presidente Dilma Rousseff, dois meses e meio após ela dar início ao segundo mandato numa acirrada disputa com o PSDB, principal adversário político do PT. Os manifestantes pediram o fim da corrupção, reclamaram da situação econômica e defenderam o impeachment da presidente. Uma minoria falou em intervenção militar. O antipetismo foi a marca comum entre todos os grupos que decidiram protestar. Segundo o instituto Datafolha, essa foi a maior manifestação política registrada no Brasil desde o movimento das Diretas-Já, em 1984. Em São Paulo, a Avenida Paulista foi praticamente toda tomada. Grupos organizados discursaram de carros de som para um público predominantemente vestido de verde e amarelo. Políticos de oposição até participaram dos protestos, mas preferiram ficar à margem, sem comandar palavras de ordem. Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), principais adversários de Dilma em 2014, comemoraram a mobilização via rede social.173
Estávamos, sem dúvidas, diante de “dois Brasis” que representava uma
ordem social “desorganizada”, movida por indivíduos desencadeados, proprietários
de suas convicções.
Há dois Brasis hoje nas ruas, protestando e se manifestando. Não são somente dois blocos de posicionamentos políticos e ideológicos, ainda que isso esteja claramente presente. São também — e sobretudo — duas configurações de sociedade, expressões tanto de um mundo social que resiste agarrado a certas tradições e a certas “narrativas”, quanto de um mundo social que emerge impulsionado pela “novidade”, pela ausência de disciplina e por “narrativas pós-modernas”. Falando por metáforas: uma sociedade sólida ao lado de uma sociedade líquida, uma ordem social atada a organizações estruturadas à moda antiga — promotoras de comunidades mais “pesadas” — e uma ordem social “desorganizada”, individualizada, movida por enxames de indivíduos soltos, donos de suas cabeças, desagregados, que se reúnem por espasmos momentâneos, razões
flutuantes e lealdades erráticas.174
Esse cidadão, dono da sua consciência, desvinculado de bandeiras
partidárias, em sua maioria, demonstra transformação, causada pelas redes sociais,
ou seja, aquele cidadão alienado, por consequência da ausência de informação, deu
espaço ao e-cidadão que utiliza as redes sociais, para organizar e realizar
173JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO. Manifestações. Disponível em: <http://politica.estadao.com. br/noticias/geral,manifestacoes-contra-dilma-levam-multidao-as-ruas-do-pais,1651418>. Acesso em: 25 maio 2016. 174NOGUEIRA, Marco Aurélio. Os dois Brasis e as ruas. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/os-dois-brasis-e-as-ruas/>. Acesso em: 21 março 2016.
115
manifestos, que não se prende a falácias, já que é possível a averiguação da
informação que lhe é apresentada, que acredita nessa nova forma de participação
democrática via redes sociais e que se faz cada vez mais presente na
ciberdemocracia.
Tanto que os protestos não cessaram e, em 2016, presenciamos um Brasil
ainda divido, principalmente entre aqueles que defendiam o processo de
impeachment da presidente e aqueles que eram contrários, sendo que, em 13 de
março de 2016, ocorreu a maior manifestação no Brasil de todos os tempos.175
Em 12 de maio de 2016, a Presidente da República Dilma Rousseff foi
afastada temporariamente pelo Senado, e seu Vice, Michel Temer, assumiu
interinamente. Importa lembrar que o então Presidente da Câmara Eduardo Cunha
afirmou, em sua conta no Twitter, que acatou o pedido devido à voz das ruas:
Em seu Twitter, Cunha diz que acolheu o pedido devido à "voz das ruas". Atendendo ao pedido das ruas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolheu o pedido de #impeachment de @dilmabr pic.twitter.com/.176
Engana-se quem pensa que, com o afastamento da Presidente Dilma
Rousseff, as manifestações acabaram. Muito pelo contrário, tornaram-se cada vez
mais presentes em nossas vidas, sendo as redes sociais, nova forma de
manifestação, importante instrumento de transformação, trazendo, repise-se, novo
formato de participação política, pois o e-cidadão, conforme já mencionado, utiliza
das redes para pôr em voga sua opnião em relação aos rumos do nosso Brasil.
Importa lembrar que, tanto a Presidente afastada, quanto seus apoiadores
sempre defenderam que o processo pelo qual passou Dilma Rousseff tratou-se de
um evidente golpe.
No tocante ao golpe, em recente obra, Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo
Gonzaga, com maestria trazem à baila concepções sobre o tema e argumentam que
existe golpe de Estado: a) quando ocorrer tentativa de mudança de governo de
forma violenta ou não; b) não utilização da democracia; c) quando a articulação
afrontar normas previstas na Constituição:
175 FOLHA DE SÃO PAULO. Protesto. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com. br/poder/2016/03/1749528-protesto-na-av-paulista-e-o-maior-ato-politico-ja-registrado-em-sao-paulo.shtml>. Acesso em: 25 maio 2016. 176UOL. Política. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/12/02/ eduardo-cunha-impeachment.htm>. Acesso em: 25 maio 2016.
116
Em suma, pode-se dizer que existe um golpe de Estado quando: a) Há uma tentativa de mudança de autoridade Estatal ou governante, violentamente ou não; b) Por meio de via não democrática e excluindo a participação popular; c) Que se articula à revelia das normas constitucionais vigentes, no que tange à previsão de norma permissiva ou base fática ensejadora da consequência normativa. Destarte, nosso entendimento é que um golpe de Estado consiste em uma ruptura institucional que infringe o princípio democrático, assegurado pela
Constituição. 177
Ou autores não se referem ao ocorrido com a Presidente afastada, nem com
o Presidente afastado da Câmara dos Deputados, contudo retratam com
elevadíssima relevância para o momento atual concecpções sobre a “teoria do
golpe”, viabilizando ao leitor entendimento necessário para que tire suas próprias
conclusões sobre o processo de afastamente da chefa do executivo.
Acreditamos que “o depois das jornadas de junho de 2013” ainda não chegou
ao fim e não chegará tão rápido, tanto é verdade que, no início de agosto de 2016,
movimentos sociais organizaram, via redes socias, protestos contra o governo do
vice-presidente em exercício, Michel Temer.
Movimentos sociais e sindicais estão organizando dois atos em protesto contra o governo do vice-presidente em exercício Michel Temer a serem realizados na abertura das Olimpíadas, nesta sexta-feira (5); organização, que engloba entidades como UNE, CUT e MST, promete realizar o "maior escracho da história", além de pedir que a população grite "Fora Temer", após a execução do Hino Nacional e durante do pronunciamento do peemedebista; uma passeata pela sruas de Copacabana também está prevista para acontecer ao longo do dia.178
Durante a abertura das Olimpíadas, o Presidente em exercício, Michel Temer,
foi vaiado durante todo o seu pronunciamento, e cartazes de “Fora Temer”, iguais
àqueles que foram utilizados contra a Presidente Dilma “Fora Dilma", foram vistos
em quase todas as transmissões.
E, para regozijo daqueles que defendiam impeachment, e para desânimo
daqueles que acreditavam se tratar de um golpe, em 31 de agosto de 2016, por
sessenta e um votos favoráveis e vinte contrários, o Plenário do Senado aprovou o
impeachment de Dilma Rousseff179.
177 DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 295-296. 178 BRASIL 247. Movimentos sociais organizam protesto contra temer na abertura da rio 2016. Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/247362/Movimentos-sociais-organizam -protesto-contra-Temer-na-abertura-da-Rio-2016.htm>. Acesso em: 10 ago. 2016. 179 SENADO FEDERAL. Senado aprova impeachment de Dilma Rousseff. Disponível em:
117
O impeachmet da ex-Presidente Dilma Rousseff desencadeou uma nova onda
de protestos Brasil a fora, sendo, mais uma vez, utilizadas as redes sociais para
organização, bem como para protestar. O movimentos Frente Povo Sem Medo180 e
Frente Brasil Popular181 encabeçaram a nova onda de mobilização popular pelo
“Fora Temer”, exigindo “Diretas Já”.
Assim, resta evidente o poder de mobilização das redes sociais nessa nova
forma de manifestação, é, sem dúvidas, o principal legado que podemos afiançar
sobre o legado das jornadas de junho de 2016, ou seja, a efetivação do e-cidadão e
da ciberdemocracia, que ocorre pela redes sociais.
4.5 Rolezinhos: manifestação de inclusão social dos jovens da periferia
Após os burburinhos de 2013, deparamo-nos com diversas outras formas de
manifestações populares por todo o Brasil. Não sabemos, ao certo, se em
continuidade à “jornada de junho de 2013”, mas, certamente, impulsionadas pelo
grande alcance que tiveram.
Os motivos já não eram somente políticos, porquanto perceberam,
principalmente, os jovens – Geração Z – que as redes sociais é um excelente
instrumento para proliferação de manifestos de natureza diversas.
No final de 2013 e início de 2014, em especial na Cidade de São Paulo182,
tivemos a realização de vários manifestos populares organizados pelas redes sociais
<http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/09/senado-aprova-impeachment-de-dilma-rousseff>. Acesso em: 1 ago. 2016. 180 Frente Povo Sem Medo. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/1043663679060107/ Acessado em 5 agosto 2016. 181 Frente Brasil Popular. Disponível em: https://www.facebook.com/FrenteBrasilPopular/?fref=ts Acessado em 5 agosto 2016. 182 A primeira iniciativa a ganhar repercussão aconteceu no Shopping Metrô Itaquera, Zona Leste de São Paulo, em 8 dezembro. Algumas lojas fecharam com medo de saques e o centro comercial encerrou o expediente mais cedo. (...) Em 8 de dezembro, o “rolezinho” no Shopping Metrô Itaquera reuniu cerca de seis mil adolescentes, segundo a administração do centro comercial. Houve tumulto, a polícia foi acionada e o shopping fechou uma hora e meia mais cedo. Na época, pessoas que se identificaram como clientes e lojistas comentaram na página do Facebook do shopping que houve arrastão e furtos naquela noite de sábado. A administração negou a onda de furtos. Na época, o G1 apurou que três pessoas foram presas por roubo. (...)Eventos em 2014 O primeiro encontro deste mês de janeiro aconteceu no Shopping Tucuruvi, na Zona Norte, em 4 de janeiro. O tumulto fez com que o centro de compras encerrasse o expediente três horas mais cedo. Não foram registrados furtos ou prisões. In: G1. Conheça a história dos 'rolezinhos' em São Paulo. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/conheca-historia-dos-rolezinhos-em-sao-paulo.html>. Acesso em: 18 maio 2016.
118
e concretizados em shoppings, praças, parques públicos e outros espaços; tais
manifestos populares ficaram conhecidos como “rolezinhos”.
Desse modo, podemos definir os “rolezinhos” como sendo uma modalidade
de manifesto apolítico, formado por adolescentes que se ajustavam via redes sociais
para se encontrarem em shoppings, praças, parques públicos e outros espaços.
A revista Carta Capital publicou em 30/03/2014 entrevista realizada com o
coordenador da Juventude da prefeitura de São Paulo, Gabriel Medina. Alguns
trechos demonstram o caráter apolítico dos rolezinhos, vejamos:
Assunto da moda no começo deste ano, quando levaram milhares de adolescentes a se concentrar nos estacionamentos e praças de alimentação dos shoppings centers da cidade - foram 6 mil só no Shopping Metrô Itaquera - os rolezinhos mudaram de endereço. Mesmo sem a mesma atenção nos noticiários, seguem mobilizando a juventude, principalmente das periferias de São Paulo, em busca de diversão, cultura, consumo e ostentação.183
Podemos extrair, de fato, o caráter apolítico dos rolezinhos, bem como
podemos extrair o quanto as redes sociais têm influenciado nessas novas formas de
manifestos, no caso, cultural, ou para alguns a busca pela inclusão dos jovens das
periferias nos meios sociais.
Demonstrando em perfil, o Jornal Folha de São Paulo, publicou em
15/01/2014, reportagem intitulada – ‘Rolezinhos’ surgiram com jovens da periferia e
seus fãs –. Afirma o jornal que:
“Rolezinhos” são encontros marcados por redes sociais que atraem centenas de jovens a shoppings. Eles entram pacificamente nos locais, mas, depois, costuma promover correria assustando lojistas e frequentadores184.
Em todas as notícias realizadas sobre o tema em questão, e não foram
poucas, ao passo que todas as grandes mídias (escrita, televisiva, rádios e
principalmente pela internet) dispensam comentários, um núcleo se pode concluir,
ou seja, ou “rolezinhos”, são frutos das redes sociais, cujos participantes,
normalmente, tinham um perfil. Eram formados por jovens de baixa renda, na
183 MELO, Mariana. Rolezinhos migram do shopping para as praças em SP. Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/feitos-em-parques-rolezinhos-funcionam-como-estrategia-de-ocupacao-das-ruas-em-sao-paulo-6724.html>. Acesso em: 18 maio 2016. 184 FOLHA DE SÃO PAULO. ‘Rolezinhos’ surgiram com jovens da periferia e seus fãs. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1397831-rolezinhos-surgiram-com-jovens-da-periferia-e-seus-fas.shtml>. Acesso em: 19 maio 2016.
119
maioria negros, querendo se divertir. Por isso, afirmamos que, nas entrelinhas, o que
se buscava, de verdade, era a inclusão social.
Nesse contexto, Eudes Teotônio Rodrigues e Meire Aparecida Furbino
Marques aduzem:
Acontece que, tomando por base a sociedade brasileira, a população aumentou, a renda das famílias cresceu, o acesso aos meios de comunicação foi facilitado e, hoje, os encontros modernos se dão sob a forma de “rolezinhos”. Afinal, o que significa “rolezinho”? O termo, que tem provocado variadas interpretações, não é tão novo. O grupo “Mamonas Assassinas”, em meados de 1990, já o descrevia como um passeio para namorar, no novo local denominado Shopping Center, como diz a letra da música que tanto sucesso fez à época: (...) Tais encontros, marcados via internet, ganharam visibilidade social na medida em que o boom do crédito, a diminuição do desemprego e o crescimento da classe C, possibilitou que jovens até então desconhecidos da classe economicamente mais favorecida, requeressem seu lugar ao sol, ou melhor, ao shopping. Ou seja, os “rolezeiros são os filhos da classe C, do pequeno milagre econômico da segunda metade da década passada”. (BEGUOCI, 2014, p. 7) Se os ditos “rolezinhos” são aparentemente inofensivos, por que, então, os representantes dos Shoppings Centers têm buscado a tutela do Poder Judiciário para, defendendo seus direitos, obstar a realização dos “encontros” no interior do estabelecimento comercial?. 185
Do exposto, resta evidente que as redes sociais atingiram diversos nichos e
grupos sociais envoltos em questões políticas e apolíticas, bem como é a mais atual
forma de participação política; todavia, vários são os desafios contemporâneos para
a real efetivação dos direitos do e-cidadão, uma vez que a exclusão digital é uma
triste realidade a ser superada, bem como a validação das petições digitais.
Assim, no próximo capítulo falaremos sobre os principais desafios
contemporâneos para efetivação dos direitos do e-cidadão por intermédio das redes
sociais.
185 RODRIGUES Eudes Teotônio; MARQUES, Meire Aparecida Furbino. Os “rolezinhos” vistos à luz da constituição no estado democrático de direito. In: Conpedi. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=0ce68201e60fced9>. Acesso em: 18 maio 2016.
120
5 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DO E-
CIDADÃO
Vários são os desafios na contemporaneidade que enfrentam o e-cidadão,
dessa forma, para tratá-los, importa frisar que a internet há algum tempo deixou de
ser uma simples rede de computadores, tornou-se um novo ecossistema social tão
presente em nossas vidas que, atualmente, não nos imaginamos sem sua presença.
A facilidade e a velocidade de comunicação desse meio tornaram o acesso à
informação mais democrático, criando, assim, novas formas de relacionamentos,
deram voz àqueles que, de certa forma, eram excluídos, permitindo a integração
entre ideias e ideais, além de permitirem uma participação efetiva dos cidadãos na
discussão do cenário político do país, expondo suas necessidades, inquietações e
insatisfações por meio das redes sociais.
Nessa toada, no presente capítulo falaremos sobre o e-cidadão como retrato
do cidadão contemporâneo que vê nas redes sociais um forte instrumento de
efetivação da democracia. Todavia, alguns desafios precisam ser superados,
conforme adiante será esculpido.
5.1 E-cidadão
Com o advento da internet e das redes sociais, os fatores geográficos e
sociais deixaram de ser limitadores para o agrupamento e a discussão política.
Por intermédio da internet, as pessoas conseguem facilmente se agrupar por
interesses comuns, sejam eles ideológicos, políticos ou sociais, mesmo estando
geograficamente distantes ou sendo de diferentes grupos ou classes sociais. Essas
novas tecnologias da informação estão mudando, inclusive, as formas de
manifestações políticas da sociedade, fato já mencionado anteriormente, visto que
as últimas manifestações políticas ocorridas no Brasil foram principalmente
convocadas através das redes sociais.
121
Destarte, percebemos a formação, a transformação do cidadão para o e-
cidadão, que se deu pela democratização do acesso à rede mundial de
computadores, com marco inicial da revolução tecnológica.
Luciana Cristina de Souza aduz:
Defende-se a hipótese de que o exercício da capacidade da resiliência (e sua aplicação como princípio basilar do reconhecimento democrático) tanto enseja uma comunicabilidade de melhor qualidade entre a autoridade pública e a Sociedade Civil, quanto propicia a horizontalização das tomadas de decisão de interesse dos cidadãos. Após delinear o novo perfil da democracia no Brasil, explica-se o que é e como se aplica o princípio da resiliência estatal, considerando sua importante função para o ordenamento jurídico na atualidade tomando-se como exemplo a chamada e-democracia, ou democracia digital, meio de comunicação que tem crescido e se destacado na última década e pelo qual foram articuladas e convocadas muitas das recentes manifestações nacionais.186
Através da troca de informações entre os relacionamentos virtuais, o e-
cidadão foi se criando e, hoje, desponta como uma realidade, contudo, as redes
sociais, não retiraram do e-cidadão anseio pelas praças públicas, muito pelo
contrário apenas fomentou uma melhor organização e proliferação das convocações
para os manifestos em ruas, avenidas, parques, praças públicas.
Na verdade, as redes sociais possibilitaram uma comunicação transnacional o
que deixou, de certa forma, muito mais intensa as relações com aqueles com quem
mantemos, também, relações reais, do que com quem possuímos relacionamentos
apenas virtuais, porquanto, entendemos o e-cidadão como um indivíduo virtual mas
real, ou seja, utiliza as redes e também as ruas.
Entretanto essa realidade virtual, ainda, mesmo na atualidade, não é uma
realidade de todos, ao passo que um dos maiores impedimentos para a efetivação
plena do e-cidadão é a exclusão digital. Porém, essa realidade vem mudando
gradativamente com as ações implementadas pelo governo federal, além dos
programas de inclusão digital, criados nas esferas municipais e estaduais, há ações
fomentadas pela iniciativa privada, exemplo das lans house e por ONG’s espalhadas
por diversos estados, além de milhões de iniciativas voluntárias.
Para Manuel Castells, o desenvolvimento sem internet na era da participação
186 SOUZA Luciana Cristina de. Análise crítica da legitimidade do estado a partir da aplicação do princípio da resiliência. Direito, governança e novas tecnologias. CONPEDI/ UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara; Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/81s48682/0cO30v9hDfn0KKv1.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2016.
122
seria o equivalente à industrialização sem eletricidade na era industrial. Sustenta,
ainda, que, sem uma economia e gestão baseadas na internet, qualquer país tem
pouca chance de gerar os recursos necessários para cobrir suas necessidades de
desenvolvimento num terreno sustentável, sob todos os aspectos.187
Para melhor entendemos a figura do e-cidadão, temos de averiguar a
pirâmide criada por João Carlos Caribé188, baseada na Hierarquia das necessidades
de Maslow, que pode ser utilizada para descrever as necessidades que devemos
conhecer no decorrer do processo de inclusão digital bem como a construção do e-
cidadão.
Fonte: Caribé (2011)
O autor define cada um dos níveis, conforme abaixo exposto:
Conhecimento tecnológico – conhecimento técnico mínimo necessário para permitir o usuário utilizar um dispositivo computacional. Conexão, acesso – Esta segunda etapa está dentro dos objetivos de infraestrutura e acesso. Interação, participação – É o momento em que o usuário começa a interagir em mídias sociais, é o momento das descobertas que em geral são feitas com pares próximos – laços fortes. Estima, reconhecimento – O usuário já transita com facilidade no novo espaço e tornou-se de fato um integrante, um prosumer que produz e compartilha em busca de estima e reconhecimento.
187 CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.). A sociedade em rede: do conhecimento à ação política. Belém: Imprensa Nacional, 2005. p. 71. 188 CARIBÉ, J. C. Classes Populares. In: BRAMBILLA, Ana (org.). Para entender as mídias sociais. E-book, 2011. Disponível em: http://designices.com/wp-content/uploads/2011/04/paraentenderas midiassociais.pdf >. Acesso em: 18 ago. 2016.
123
Autorrealização – O usuário conseguiu produzir relevância junto aos seus pares, e dentro do seu nicho de atuação, é um ciber celebridade, conquistou respeito e admiração.189
Dessa forma, para que os objetivos da inclusão social, bem como a
efetivação do e-cidadão sejam atingidos, faz-se necessário muito mais do que o
simples acesso à internet ou o conhecimento técnico sobre ela, é imprescindível
entendermos como as relações entre os atores desse ecossistema social ocorrem,
ou seja, entender como se dá a relação entre os incluídos e a rede.
Fica evidente que o acesso à cibernética é fator crucial para que a exclusão
digital seja combatida e assim a participação política do e-cidadão seja plena.
Do exposto, podemos concluir que o e-cidadão é o indivíduo contemporâneo
preocupado com as questões políticas e sociais que está interligado com vários
outros indivíduos por meio da rede mundial de computadores e que utiliza as redes
sociais para expor seu ponto de vista, realizar e organizar manifestos, sem, contudo,
abandonar as praças públicas.
5.2 Convocações de manifestações pelas redes sociais: participação política
como expressão da democracia ou desordem?
A forma como o acesso à cibernética impactou nossas vidas é sem
precedentes. A ponto de podemos afirmar que não conseguimos mais viver sem o
uso das novas tecnologias, eis que foram vários os benefícios em todas as esferas
da vida humana.
Um dos principais benefícios, no que tange a relações interpessoais, foi as
redes sociais, que têm o condão de aproximar a pessoas, de viabilizar o dialogo, de
transmitir informações de forma instantânea num contexto transnacional, ou seja, as
redes sociais transpuseram barreiras antes inimagináveis, quer pela distância, quer
pelo idioma.
Várias são as redes sociais disponíveis aos indivíduos no ciberespaço, por
exemplo, o Facebook e o Twitter que, junto com as demais redes sociais, mudaram
a forma como nos comunicamos e como ocorrem as mobilizações sociais.
189 CARIBÉ, J. C. Classes Populares. In: BRAMBILLA, Ana (org.). Para entender as mídias sociais. E-book, 2011. Disponível em: http://designices.com/wp-content/uploads/2011/04/paraentenderas midiassociais.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2016.
124
Se antes a mobilização social levava dias, semanas ou até meses, com o
advento das redes sociais, as mobilizações sociais acontecem em fração de
segundo, tendo em vista a instantaneidade da comunicação, assim, as redes sociais
são grandes facilitadoras para a viabilidade de sincronização de pessoas
desconhecidas, ou não, mas em diferentes locais.
As novas mídias sociais como Facebook e Twitter mudaram o uso da expressão ‘mobilização social”. Essas mídias são grandes facilitadoras uma vez que sincronizam diferentes grupos espalhados num mesmo país ou no mundo, facilitam a coordenação das ações e ajudam a documentar o que está acontecendo. E por mais que questione o grau de ativismo destas redes estudos já apontam que as mídias sociais ao contrário de uma visão comum, estão expondo mais pessoas a questões humanitárias e sociais. As causas políticas talvez sejam a melhor forma de exemplificar os sucessos e os desafios que essas mídias sociais enfrentam e vão enfrentar. Os recentes levantes no mundo árabe foram marcados por mobilização que, no mínimo, foram facilitadas e antecipadas pelo uso das mídias sociais. Se num primeiro olhar, se vê o sucesso para entender as Mídias Sociais, o uso da internet, nas revoltas do Egito e da Tunísia, por outros, sabe-se também que a onda verde invadiu o twitter e o facebook durante a luta do povo Iraniano contra o governo autoritário que se virou contra eles, a partir do momento em que a revolta falhou e estas mesmas mídias servem hoje como banco de dados para a busca e a apreensão de pessoas por esse regime. Mais recentemente, o governo da Líbia, assim que percebeu a mobilização online, bloqueou a internet no país. Mas isto também não é uma novidade histórica e nem a primeira vez que regimes autoritários se apoderam dos meios de comunicação para manter seu poder.190
Temos, então, que as redes sociais ocupam papel central nas recentes
transformações que estamos presenciando, em especial, em relação aos rumos da
política, mas também, em todos os demais aspectos da vida social.
As tecnologias digitais ocupam um papel central nas profundas mudanças experimentadas em todos os aspectos da vida social. A natureza, motivos, prováveis e possíveis desdobramentos dessas alterações, por sua vez, são extremamente complexos, e a velocidade do processo tem sido estonteante. O advento da Internet trouxe diversas mudanças para a sociedade.191
Destarte, as redes sociais digitais podem ser utilizadas para vários fins,
como, por exemplo, para convocação de show, para um jogo, bem como para as
pessoas protestarem por um país melhor:
Com as redes sociais digitais, embora possam ser usadas para fins diversos – para convocação de um show de um artista qualquer, para assistir a um
190 BARRETO, Fernando. Mobilização Social. In: BRAMBILLA, Ana (org.). Para entender as mídias sociais. E-book, 2011. Disponível em: http://designices.com/wp-content/uploads/2011/04/paraentenderas midiassociais.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2016. 191 RECUERO, R. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. Disponível em: <http://www.ichca.ufal.br/graduacao/biblioteconomia/v1/recuero.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2016. p. 24.
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jogo etc., para protestar por um país mais justo – como ocorreu no país, vão se criando identidades que extrapolam o tempo e o território, pois as ações por elas desencadeadas extrapolam as fronteiras, fazendo-as cada vez mais fluidas no âmbito das redes virtuais, embora tenham esse caráter indiferente, ou seja, podendo ser usadas para fins diversos.192
A partir das jornadas de junho de 2013, além do surgimento do e-cidadão,
surgiram, também, os Black Bloc, ambos já mencionados anteriormente. Outro
fenômeno também aconteceu com as manifestações vias redes sociais (no próprio
ciberespaço ou organizadas nele), trata-se do uso dos partidos políticos e dos
próprios políticos, seja qual for a sigla, fazem das redes sociais para se
beneficiarem, por intermédio de falácias com promessas, engodos, maiormente com
o “juramento” da efetivação da democracia.
Dessa feita, a utilização das redes sociais, seja para manifestar ou para
realizar convocações de manifestações, como forma de participação política como,
e, por consequente, como expressão da democracia, trouxe benefícios que
sobrepõe os pontos negativos, todavia esses também existem:
Os pontos negativos das convocações para manifestação pelas redes sociais são: 1- Um fato negativo que está acontecendo de maneira cada vez mais intensa com as manifestações que ocorreram no país no período citado, diz respeito às práticas de engodo dos diversos partidos políticos que estão ludibriando, com suas ideologias, a sociedade. (...) 2- Outra característica é que os seus participantes nem sempre são membros de uma mesma cultura. 193
Em que pese a existência de pontos negativos, não podemos negar que foi
graças às redes sociais digitais mencionadas, que surgiu esses novos instrumentos
de comunicação, por meio dos quais as massas ergueram-se contra as iniquidades
civis.
As convocações por esses meios cibernéticos, tais como Facebook e Twitter
que transformaram a participação política como, e, por consequente, democracia,
principalmente pelo e-cidadão e por meio da ciberdemocracia, já que milhares de
192 SANTOS, José Erimar dos.; SANTOS, Valmaria Lemos da Costa. Geografia dos protestos e meio comunicacional: redes sociais digitais e manifestações populares. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais. Recife, v. 2, n. 2, 2013. Disponível em: <http://www.revista.ufpe. br/revistamseu/index.php/ revista/article/viewFile/50/92>. Acesso em: 18 ago. 2016. 193 SANTOS, José Erimar; SANTOS, Valmaria Lemos da Costa. Geografia dos protestos e meio comunicacional: redes sociais digitais e manifestações populares. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais. Recife, v. 2, n. 2, 2013. Disponível em: <http://www.revista.ufpe.br/revistamseu/index. php/revista/article/viewFile/50/92>. Acesso em: 18 ago. 2016.
126
manifestantes foram às ruas por meio de convocações, ocorridas via redes sociais,
aspirando, assim, novos espaços de efetividade da democracia e da cidadania, uma
vez que a cibernética permitiu transformações quanto à configuração de organização
social, sendo as redes sociais a arma das mobilizações ocorridas no país.
Como as redes sociais não fazem distinções, uma vez que o acesso é
irrestrito, podemos observar que os Black Blocs também fizeram das redes sociais
seus instrumentos de aparelhamento para suas táticas:
À medida que a violência do Estado era experimentada pelo corpo, captada por câmeras e smartphones, e denunciada nas redes sociais, cada vez mais manifestantes adotaram posições políticas radicais e aderiam à performance e indumentária peculiares à tática Black Bloc. Os pequenos danos ao patrimônio que teriam justificado a violência policial do início de junho multiplicaram-se à medida que um número crescente de jovens passava a vestir máscaras e engarjar-se em gestos iconoclastas de depredação de agências bancárias, prédios públicos, ônibus, viaturas e demais ícones do poder político e econômico.194
Ainda sobre o aparelhamento pelos Black Blocs via redes sociais, temos
que eles se organizavam/organizam principalmente via Facebook, todavia, utilizam
outras redes, também, pois através de marcação de protestos, posts que reforçam a
identidade BB:
Embora não seja um fenômeno novo, muito menos de raiz nacional, a atuação do Black Bloc no Brasil, até por não haver sites ou organização institucional formal, dá-se em boa parte via articulação no Facebook, através de marcação de protestos, posts que reforçam a identidade BB, relatos de manifestações etc. O cenário político em que eles atuam aponta para a emergência da compreensão de novas dinâmicas de atuação de movimentos sociais e de ativismo, que se utilizam das redes digitais. Entre as práticas e apropriações sociais da internet atualmente, o Facebook e outros sites de redes sociais são os mais utilizados no mundo. A ação de compartilhamento no Facebook ou a replicação de mensagens no Twitter, por exemplo, revelam um alargamento nas relações de contato, partilha ou interação entre os usuários, independente dos mesmos pertencerem a uma mesma rede social.195
Para alguns, os atos praticados pelos Black Blocs representavam apenas
desordem, frente à violência e táticas utilizadas, contudo, vamos analisar o quanto
posto por Esther Solano:
194 BEZERRA, Arthur Coelho; GRILLO, Carolina Christoph. Batalha nas ruas, guerra nas redes: notas sobre a cobertura midiática da violência em manifestações. Liinc em Revista. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 195 – 210, maio 2014. p. 200. 195 CARREIRO, Rodrigo. Black Bloc em ação: reforço de identidade e outras dinâmicas de ativismo no Facebook. Liinc em Revista, v. 10, n. 1, 2014, p. 63.
127
Às vezes os enfretamentos sociais são enfrentamentos semióticos, de categorias e símbolos. Afinal, quem tem o poder de definir é sempre que impõe sua visão das coisas. A linguagem sempre é uma opção política. Lembro-me da manifestação de 14 de setembro de 2013. Estávamos passando pela avenida Paulista, quando um dos adeptos do Black Bloc, com tom bastante severo, fez uma interpelação direta a um grupo de pessoas. Elas estavam sentadas num bar, olhando para rua, distraídas, leves, fotografando o protesto para, com grande possibilidade, colocar as imagens minutos depois na timeline do seu Facebook, continuando esse neurótico teatro cotidiano. Não nos vão acusar de rebeldes sem causa. Temos uma causa... Por que vocês se acomodam? Você que têm dinheiro, por que ficam aí? Seu silêncio é vandalismo. É que vocês vivem num mundo diferente? Parece que vocês estão vendo uma realidade diferente e não enxergam o que está acontecendo.196
Conforme elucidado no item 1.3.2 (Desordem: ausência de ordem ou ordem
em outra perspectiva), a des"ordem” é na verdade uma ordem em outra perspectiva,
onde o des”ordeiro”, busca tão somente convalidar seu ponto de vista sobre
determinada “ordem”, previamente estabelecida por/para conveniência de quem a
constituiu, sendo imputado a quem pensa contrariamente o “título” de desordeiro,
quando na verdade, apenas, expõe sua forma de pensar em disparidade com a do
outro.
Ou seja, pactuamos do entendimento de que as convocações de
manifestações pelas redes sociais representam uma nova forma de participação
política e a busca pela efetividade da democracia.
Igualmente, conforme bem relatou Esther Solano, defendem uma causa, que
eles acreditam ser a correta. Importa frisar que não concordamos com as táticas e o
aparelhamento utilizado pelos adeptos do Black Bloc, no entanto, não podemos
negar que eles também utilizam as redes sociais para, de alguma forma, efetivar a
democracia, ao passo que não os qualificamos como os propagadores da desordem,
contudo, a ausência de um diálogo mais aprofundado, bem como a ausência estatal
em diversos aspectos, motivou, motiva e motivará pessoas com pensamentos mais
radicais, e esse é mais um gargalo a ser enfrentado, ou seja, ouvir os radicais, pois
no processo democrático o “ouvir” desempenha papel tão importante quanto o
manifestar.
196 SOLANO, Esther. Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc. São Paulo: Geração Editoral. 2014. p. 103.
128
5.3 Exclusão digital como obstáculo à cidadania virtual
A questão da exclusão/inclusão digital não é tema apenas envolto nos
acontecimentos do agora, tendo em vista que “em 1992 foi inaugurado o primeiro
Telecentro da América Latina, na cidade de Brusque, em Santa Catarina”197,
demonstrando, assim, a preocupação dos nossos governantes com a exclusão
digital.
Importa frisar que somos uma pátria pioneira no tocante ao sistema de
votação, pois fomos os primeiros no mundo a utilizar o voto eletrônico (e-voting),
conforme anteriormente mencionado (verificar item 1.2.5 A ciberdemocracia), sendo
certo que em 2016 o uso da urna eletrônica fará 20 (vinte) anos, uma vez que sua
primeira utilização se deu na eleição de 1996.
Quatro anos após, mais precisamente no mês de outubro do ano 2000, foi
promulgado Decreto Legislativo que estabeleceu o “Governo eletrônico” que tinha
como objetivo formular políticas, estabelecer diretrizes, coordenar e articular as
ações de implantação do Governo Eletrônico, voltado para a prestação de serviços e
informações ao cidadão, que motivou a proliferação dos telecentros, programa que
representa uma forma de inclusão digital.
O decreto supra foi revogado pelo Decreto nº 8.638198 de 15, de janeiro de
2016, que instituiu a Política de Governança Digital, o que tornou, sem dúvidas, mais
abrangente a busca pela inclusão digital.
Contudo, e-cidadão e a ciberdemocracia, ainda, não atingiram um patamar
desejável, eis que máximo seria utopia. Em decorrência dessa realidade, temos que
reconhecer nem todos estão conectados, a rede mundial de computadores, e por
consequência as redes sociais, tornando a exclusão o grande filão que devemos
romper.
É sabido por todos que o acesso à informação possibilita a todo e qualquer
indivíduo o poder de obter, bem como difundir a informação recebida, ou seja,
197 DARELLI, Lúcio Eduardo. Telecentro como instrumento de inclusão digital para o e-gov brasileiro. Florianópolis: Telesc, 2003. p. 195. 198 BRASIL. Decreto 8.638 de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8638.htm#art15 Acessado em 20 de agosto de 2016.
129
quanto maior o acesso, maior a capacidade de discernimento sobre os assuntos,
ideias, ideologias e opiniões da atualidade.
É certo que a ausência de informação coloca o indivíduo no abismo da
ignorância, foi assim nos primórdios da civilização e não seria diferente nos dias
atuais, assim, a erradicação da exclusão digital é o melhor caminho para retirar o
indivíduo do precipício da ausência de conhecimento cibernético.
Ainda assim, é preciso uma forma de atuação no intuito da erradicação da exclusão digital. Menciona-se o foco da inclusão na profissionalização, capacitação e educação dos cidadãos ao ser entendido que, em relação aos projetos de inclusão: “Atualmente, estão cada vez mais reclamando a ampliação da cidadania, e assim começam a surgir com mais força os discursos voltados ao fomento da inteligência coletiva local ou nacional”. 199
A inclusão digital não é tarefa fácil num pais onde as desigualdades sociais
são tão alarmantes e com alto índice de analfabetismo, contudo, é possível.
Entendemos, assim, que o ponto fundamental encontra-se vinculado ao investimento
pelo poder público na educação, não bastando mero ingresso nas escolas, pois a
permanência é que, de fato, propiciará a paridade entres as pessoas.
Consoante os argumentos iniciais do subcapítulo, o Governo tem investido e
buscado a banir a exclusão digital, porém, muito longe de ser razoável e desejável, o
que por si só, torna a questão de extrema importância.
Deve-se consistir, então, as políticas públicas como o caminho para a
erradicação da exclusão digital, ou seja, pela inclusão se acaba com a exclusão.
Entretanto, não basta o simples acesso à cibernética, já que devemos utilizar as
novas tecnologias para melhorar as condições de vida da população, principalmente,
dos mais necessitados, para, assim, diminuir a disparidade na luta contra a exclusão
digital e viabilizar percursos que abrandem a distribuição de riqueza e
oportunidades, ou seja, buscar, além da igualdade material, a igualdade formal, a
igualdade de oportunidades.
Assim, ficar no debate de quem tem ou não acesso não resolverá a questão
da exclusão digital, porquanto de nada adianta ter acesso e não compreender a
extensão de melhorias que tal acesso possibilita na vida do ser humano.
Bernardo Sorj e Luís Eduardo Guedes, sobre o tema em questão, aduzem:
199 MOREIRA JUNIOR, Ronaldo Felix. A cidadania virtual e os obstáculos a sua efetivação. In: CONPEDI/ UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara, Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 44.
130
A exclusão digital não se refere a um fenômeno simples, limitado ao universo dos incluídos e excluídos, polaridade real mas que por vezes mascara seus múltiplos aspectos. A razão é simples: a oposição entre acesso e não acesso é uma generalização razoável quando se trata de serviços públicos ou de bens tradicionais de consumo intermediário. Para aferir a exclusão digital, contudo, o número de proprietários de computador ou de pessoas com acesso à Internet é uma medida primitiva demais, já que vários outros fatores devem ser considerados: o tempo disponível e a qualidade do acesso afetam decisivamente o uso da Internet; as tecnologias da informação e comunicação (daqui em diante usaremos o termo telemática) são muito dinâmicas e requerem constantes atualizações de hardwares, softwares e dos sistemas de acesso, que exigem um investimento regular por parte do usuário para não ficarem obsoletos; seu potencial de utilização depende da capacidade de leitura e interpretação da informação pelo usuário (no caso da Internet) e por sua rede social (no caso do e-mail). O valor efetivo da informação depende da capacidade dos usuários de interpretá-la. Informação só existe na forma de conhecimento, e conhecimento depende de um longo processo de socialização e de práticas que criam a capacidade analítica que transforma bits em conhecimento. Portanto, combater a exclusão digital supõe enfrentar a exclusão escolar.200
Edson Sadão Iizuka entende que a exclusão digital é uma forma de
radicalização do desenvolvimento desigual. Assevera que, sem acesso à internet, as
camadas menos favorecidas da sociedade serão cada vez mais marginalizadas:
A acentuação de um desenvolvimento desigual, com um aumento nítido na concentração de poder e renda, pode ser radicalizado ainda mais pela chamada exclusão digital. Esse é o raciocínio básico sobre a questão: sem o acesso e uso da internet, pode-se excluir ainda mais a população pobre e as camadas mais fragilizadas como os portadores de necessidades especiais, os idosos, os jovens, índios, entre outros. O termo exclusão digital ou divisão digital (digital divide) tem a sua origem em meados da década de 1990 com a publicação de um artigo de Jonathan Webber e Amy Harmon no jornal Los Angeles Times em 1995. A exclusão digital, por sua vez, parece remeter a uma compreensão de marginalidade, ou seja, algo que indica os que “estão dentro”, fazem parte do sistema econômico e social, e os que “estão fora”, à margem da sociedade. São duas percepções distintas e que devido a sua origem, digital divide (EUA) e exclusão digital (Brasil e América Latina), têm significados e “pesos” diferentes, pois carregam consigo não somente a definição de quem acessa e utiliza ou de quem não acessa e não utiliza as novas tecnologias, mas também uma visão e um conceito de sociedade. 201
Pode-se concluir, então, que a exclusão digital é um problema a ser superado
para a efetivação do e-cidadão e ciberdemocracia. Mas não é simples eliminar a
200 SORJ, Bernardo; GUEDES, Luís Eduardo. Exclusão digital: problemas conceituais, evidências empíricas e políticas públicas. Novos Estudos CEBRAP, n. 72, 2005. p. 101-117. 201 IIZUKA, Edson Sadão. Um estudo exploratório sobre a Exclusão Digital e as Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo. Dissertação. 2003. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2397/44687.pdf?sequence=2>. Acesso em: 21 ago. 2016.
131
exclusão digital, ainda mais em um país em desenvolvimento como é o caso do
Brasil.
Se citarmos o universo jurídico ou o universo do direito que é conhecido por
seu tradicionalismo, aqueles que não o conhecem a fundo poderiam, num primeiro
pensar, dizer que os indivíduos envoltos no direito estão alheios às questões da
cibernética.
Engana-se, no entanto, quem por ventura pensa assim, porque nos dias
atuais, não existe a menor possibilidade de se falar em direito sem se levar em
consideração os avanços tecnológicos. Tanto é verdade que o Processo Judicial
Eletrônico já é uma realidade no Brasil, e todos os novos processos, pelo menos nos
grandes centros, são distribuídos pelos portais dos Tribunais de forma digital.
A título de exemplificação, podemos citar o Tribunal de Justiça de São Paulo,
onde, todos os novos processos são digitais e os antigos estão sendo digitalizados.
São Paulo, metrópole brasileira, referência em desenvolvimento econômico, social e cultural no país. Tribunal de Justiça de São Paulo - maior da América Latina, com 360 desembargadores, mais de 2 mil magistrados de primeiro grau, quase 50 mil servidores, 20 milhões de processos e 23 mil novas ações todos os dias. O desafio a ser vencido até o fim de 2015 é proporcional ao tamanho da maior corte do Brasil: transformar em digital todo o Judiciário paulista. A partir da implantação do processo eletrônico nos 331 Foros do Estado, os novos processos serão obrigatoriamente digitais.202
Vejam, não estamos falando de qualquer Tribunal, mais sim do maior Tribunal
de Justiça da América Latina onde o tamanho, sem igual, poderia inviabilizar a
evolução, contudo, ocorreu de forma contrária, e hoje observamos um Tribunal
totalmente informatizado.
Oportuno lembrar que, quando do surgimento Processo Judicial Eletrônico,
vários foram os posicionamentos contrários, porém, não é de se espantar, tendo em
vista que qualquer que seja a ruptura traz o medo da mudança consigo.
Vejamos o quanto, exposto pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, a
propósito do Processo Judicial eletrônico (PJe):
O Processo Judicial eletrônico (PJe) é um sistema desenvolvido pelo CNJ em parceria com os tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do
202 TJSP. Cem por cento digital. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/CemPorCentoDigital/>. Acesso em: 27 jun. 2016.
132
Brasil (OAB) para a automação do Judiciário. O objetivo principal é manter um sistema de processo judicial eletrônico capaz de permitir a prática de atos processuais, assim como o acompanhamento desse processo judicial, independentemente de o processo tramitar na Justiça Federal, na Justiça dos Estados, na Justiça Militar dos Estados e na Justiça do Trabalho. O CNJ pretende convergir os esforços dos tribunais brasileiros para a adoção de uma solução única, gratuita para os próprios tribunais e atenta para requisitos importantes de segurança e de interoperabilidade, racionalizando gastos com elaboração e aquisição de softwares e permitindo o emprego desses valores financeiros e de pessoal em atividades mais dirigidas à finalidade do Judiciário: resolver os conflitos. A utilização do sistema exige a certificação digital de advogados, magistrados, servidores ou partes que precisarem atuar nos novos processos. 203
Não é demais afirmar que todos os sujeitos envolvidos no direito devem,
necessariamente, fazer uso das novas tecnologias sob pena de não mais atuarem
no mundo jurídico.
Temos de reconhecer que a exclusão digital não tem rosto, ao passo que
muitos são os operadores do direito que ainda não foram apresentados a essa nova
realidade. Nessa toada, os cursos jurídicos têm o papel de educar o acadêmico do
direito, de forma diversa de outrora, uma vez que as Instituições de Ensino Superior
voltadas à educação jurídica não podem, somente, formar pensadores, mas também
operadores, para tanto a utilização da cibernética é uma realidade e necessidade.
Do exposto, podemos concluir que a forma de ensinar mudou, como mudou,
também, a forma como exercemos a cidadania, pois chegamos a um momento
adstrito à cibernética e aos ciberespaços, tendo no e-cidadão e na ciberdemocracia
a esperança de um futuro mais transparente e ao alcance de todos, entretanto, a
exclusão digital é o grande obstáculo para a concretização dos direitos do e-cidadão
e da cidadania.
5.4 Necessidade de instrumentos para efetivação dos direitos do e-cidadão e
da ciberdemocracia
A democratização ampla do acesso às informações alterou as necessidades
203 CNJ. Processo judicial eletrônico. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/tecnologiada-informacao /processo-judicial-eletronico-pje>. Acesso em: 27 jun. 2016.
133
dos cidadãos em vários aspectos, mas a inclusão social, um ponto crucial, é
distanciada, cada vez mais, pela exclusão digital.
Entretanto, entendemos que a inclusão digital somente atingirá todos, por
meio da educação e não apenas por meio da compra de computadores, da
disponibilidade de espaços físicos, do acesso à internet, ou seja, não basta apenas
fomentar instrumentos e o mero ingresso nas escolas, é preciso possibilitar a
permanência, esta é que garantirá, de fato, a paridade entres as pessoas.
Além do ingresso e permanência nas escolas, fato preponderante para a
inclusão social, temos de efetivar mecanismos capazes de propiciar, também, a
inclusão digital. Entendemos que a escola desenvolve papel importante na rede de
relacionamentos que os jovens criam. Sabemos, também, que as novas tecnologias
são banais para alguns, enquanto que, para outros, é apenas um sonho.
Assim, aqueles que não dispõem de conhecimento mínimo sobre a
cibernética e não dispõem de acesso à rede mundial de computadores, às redes
sociais, acabam sofrendo Cyberbullying204 (trata-se de violência praticada contra
alguém por meio da internet, redes sociais).
Nesse diapasão, a conscientização é o melhor caminho a ser trilhado para a
efetivação do e-cidadão e da ciberdemocracia, sendo a inclusão digital um balizador
de oportunidades na contemporaneidade.
De tal modo, para promover maior acesso digital, cremos que o governo deve
promover, como disciplina básica do ensino médio, instrumento curricular que
viabilize o começo do fim da exclusão digital, ou seja, uma disciplina que aja como
propulsor para amenizarmos/eliminarmos a exclusão digital.
Não obstante, acreditamos que a aprovação do PLS nº129/2010 (que propõe
alterar a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, para estabelecer a possibilidade
de subscrição eletrônica para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular),
que atualmente se encontra na Câmara dos Deputados (PL 7005/2013) aguardando
Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC),
204 Na internet e no celular, mensagens com imagens e comentários depreciativos se alastram rapidamente e tornam o bullying ainda mais perverso. Como o espaço virtual é ilimitado, o poder de agressão se amplia e a vítima se sente acuada mesmo fora da escola. E o que é pior: muitas vezes, ela não sabe de quem se defender. Nova Escola. Cyberbullying: violência virtual. Disponível em: <http://novaescola.org.br/formacao/cyberbullying-violencia-virtual-bullying-agressao-humilhacao 567858.shtml>. Acesso em: 27 jun. 2016.
134
deve ser relatado, aprovado e sancionado, para, assim, efetivar os direitos do e-
cidadão.
Com essas duas ferramentas, acreditamos que, aos poucos, romperemos
algumas barreiras para a efetivação dos direitos do e-cidadão.
5.4.1 Proposta de alteração da Resolução SE 81 de 16-12-2011, do Estado de
São Paulo
Consoantes os termos do a artigo 205 da Constituição Federal da República
do Brasil de 1988205, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família,
que visa, além do pleno desenvolvimento da pessoa, ao preparo para exercício da
cidadania:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A concretização da educação deve ser realizada em regime de colaboração
pelas três esferas governamentais, ou seja, a União, os Estados e Distrito Federal e
os Municípios. Contudo, o ensino médio, conforme prescrito no §3º do artigo 211 da
CF206, fica a cargo dos Estados e do Distrito Federal, prioritariamente, cabendo a lei
ordinária, estabelecer as diretrizes básicas.
Nessa toada, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes
Básicas), regulamentando o disposto na CF dispõe, dentre vários outros preceitos,
que os conteúdos curriculares da educação básica observarão a difusão de valores
fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito
ao bem comum e à ordem democrática, consoante os termos do artigo 27, caput e
inciso I.
205 Além do artigo 205, o artigo 6º e os 206 a 214 da CF garantem o direito à educação, que, como sabido por todos, é um direito fundamental, exercido nas três esferas de governo – União, Estados e Municípios e tem como um dos objetivos precípuos preparar os indivíduos para o exercício da cidadania. 206 Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (...) § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
135
Não obstante, dispõe, também, em seu artigo 35, que o ensino médio terá
como finalidade a preparação básica para a cidadania e o aprimoramento do
educando como pessoa humana.
Já o artigo 36, §1º, determina que os conteúdos, as metodologias e as formas
de avaliação devem garantir ao educando, ao final do ensino médio, domínio dos
princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna, bem como
conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.
Nessa contextualização, é dever do Estado propiciar mecanismos capazes e
atuais, que viabilizem o pleno desenvolvimento do educando, bem como seu preparo
para o exercício da cidadania, para que a participação democrática seja mais
contundente e eficaz.
Já é reconhecida a utilização, difundida, dos aparelhos eletrônicos pelos
educandos, a grande questão, então, é saber se esse uso ocorre de forma correta,
quando se trata de participação democrática.
José Renato Nalini, Secretário da Educação do Estado de São Paulo, em
artigo publicado em seu Blog, no dia 06/09/2016, reconhece a força das redes
sociais, tanto que menciona que os youtubers precisam ser levados a sério, bem
como ser urgente a necessidade de liberação do celular para finalidades
pedagógicas:
Os youtubers precisam ser levados a sério. Eles constituem a grande novidade da Bienal do Livro de 2016. Eu os convoquei quando assumi a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para uma comunicação ágil e direta com o alunado – 4 milhões de estudantes da Rede Pública de São Paulo. São eles que o jovem ouve e segue e se quisermos alavancar a educação pública no Brasil, vamos ter de ouvir suas recomendações. É urgente a liberação do celular para finalidades pedagógicas. O ensino prelecional está sendo questionado em todos os ambientes. Se quisermos manter o aluno interessado em aprender, temos de usar a linguagem dele. A linguagem de seu tempo.207
Além do uso dos aparelhos para finalidades pedagógicas, entendemos que a
conscientização de um uso correto, em todas as searas, mas principalmente na
participação democrática dos educandos, é fator preponderante no cenário atual, em
207 NALINI, José Renato. Celular para ensinar. Disponível em: <https://renatonalini.wordpress.com/>. Acesso em: 08 set. 2016.
136
que as redes sociais são utilizadas em larga escala para organização e realização
de manifestos.
Não obstante, é notório que a participação democrática já não ocorre como
outrora, uma vez que a democratização ampla do acesso às informações alterou as
necessidades dos cidadãos em vários aspectos, mas a inclusão social é um ponto
crucial que é distanciada, cada vez mais, pela exclusão digital, ou seja, tem a escola
papel fundante de reverter tal assertiva.
Assim, a inclusão digital somente atingirá todos, por intermédio da educação,
não apenas com a compra de computadores e disponibilização de espaços físicos e
acesso à internet, uma vez que a escola deve ir além, deve demonstrar para o
educando o que é ser cidadão e como ele pode e deve participar do processo
democrático.
Com as inovações tecnológicas, a internet e o uso das redes sociais ocorrem
de forma tão acelerada que não podemos ficar para trás, sendo certo que o Estado
tem o dever de acompanhar tais inovações para propiciar a conscientização plena
do educando, tendo em vista que a educação é o melhor caminho a ser percorrido
para a efetivação dos direitos do e-cidadão.
Como o ensino médio cabe aos Estados e ao Distrito Federal, ficando sobre
sua competência baixar normas complementares para o seu sistema de ensino,
resta evidente que cabe a essas esferas promover mecanismos atuais que
acompanhem a nova realidade introduzida pela internet e pelas redes sociais,
especialmente no que tange às novas formas de participação democrática, repise-
se, ocorrem via internet e suas redes sociais.
Assim, é extremamente importante a inclusão de uma disciplina especifica
que trate sobre cidadania e redes sociais, com isso, o papel transformador
desempenhado pela educação atingirá patamares atuais atendendo anseios
contemporâneos.
Conforme anteriormente mencionado, os maiores protestos ocorreram no
Estado de São Paulo, tendo em vista tratar-se da capital econômica do país, sendo
em muitos aspectos, referência nacional. Assim, acreditamos que, se iniciada a
mudança de paradigma de ensino, introduzindo uma disciplina na 2º série do ensino
médio que, simultaneamente, trate de cidadania e redes sociais, produzirá
137
resultados ímpares e, certamente, os demais Estados da federação e o Distrito
Federal também adotarão medidas similares.
Para tanto, a presente tese, propõe, como forma de efetivação dos direitos de
e-cidadão, a inserção na grade curricular da 2º série do ensino médio disciplina
denominada “Cidadania e redes sociais”.
Destarte, propomos alteração na Resolução SE 81 de 16-12-2011, para incluir
disciplina denominada “Cidadania e redes sociais”, sendo que a minuta de
Anteprojeto de Resolução, bem como o Plano de Ensino, segue anexo à presente
tese. Almejamos, assim, análise adequada e que seja posta em prática a disciplina e
seu conteúdo. Contudo, de pronto, sugerimos a seguinte ementa:
Estado e Sociedade. Teoria Política. Cidadania, Cidadão e e-cidadão. Democracia e ciberdemocracia. Participação democrática. Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs). Hardware e Software. Noções de informática. Internet. Redes sociais. Direitos e deveres do e-cidadão (crimes digitais).
Em ato contínuo, sugerimos, a seguir, os objetos da disciplina bem como
prévia do conteúdo Programático:
OBJETIVOS: 1) Geral: Dotar o aluno de uma visão ampla e crítica de aspectos comuns à política, à cidadania e à democracia. 2) Específicos: a) Iniciar o educando na vida cidadã, propiciando os conceitos e fundamentos básicos da teoria política clássica e moderna; b) Proporcionar conhecimento básico de informática, internet e redes sociais; c) Proporcionar elementos para um posicionamento crítico face aos temas estudados; d) Disponibilizar relações com áreas afins e com a realidade e outras áreas de conhecimento; e) Discutir a configuração do Estado e democracia brasileira na contemporaneidade via redes sociais. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: 1) Cidadania: dos antigos aos modernos. 2) Cidadão e e-cidadão. 3) Cidadania: na contemporaneidade – o uso das redes sociais. 4) Democracia: dos antigos aos modernos. 5) Formas de democracia. 6) Ciberdemocracia. 7) Voto e urna eletrônica. 8) Revolução tecnológica e o desenvolvimento da cibernética 9) Noções básicas de informática. 10) Hardware e Software. 11) Editores de texto e planilhas eletrônicas. 12) Fundamentos e conceitos de redes de computadores. 13) Pesquisas na Internet. 14) Redes sociais. 15) Fundamentos e desafios contemporâneos do e-cidadão: incluir para excluir.
A disciplina sugerida deve ser apresentada na forma de aulas expositivas
acompanhadas de estudos de caso, teoria e prática das áreas estudadas,
138
preferencialmente em laboratórios de informática ou por intermédio do Bring Your
Own Device -“BYOD”208.
A interação entre alunos em discussões e debates deve ser incentivada pelos
docentes. O docente deve substituir a aula-monólogo por exposições dialógicas e
interativas, utilizando-se de tecnologias que se comunicam por entre as diferentes
mídias, promovendo reflexão e interpretação das fontes do Estado, Cidadania,
Democracia e da rede mundial de computadores, bem como fomentando a pesquisa
e a leitura.
As atividades práticas poderão ser obtidas através do desenvolvimento de
trabalhos que façam uso da criatividade, como o desenvolvimento de comunidades
em redes sociais, a criação de chats e fóruns de debate, de forma a colocar em
prática todo conteúdo aprendido.
Os educandos, via de regra, matriculam-se na 2º série do ensino médio com
16 (dezesseis) anos, idade está prevista na Constituição para o início do exercício
da cidadania e democracia representativa pelo voto, de forma facultativa,
justificando, assim, a escolha da 2º série do ensino médio, como momento
adequado para tal disciplina.
Nossa atual Constituição, considerada “Constituição Cidadã”, faculta o voto
para os maiores de 16 e menores de 18 anos.209 Para nós, o voto é um exercício de
direito, ou seja, direito subjetivo do cidadão do que o execre por um dever cívico e,
em busca da efetivação do processo democrático. Sendo que para aqueles que se
encontram com idade entre 16 e 18 anos, o voto é apenas facultado, entretanto,
acreditamos que se o jovem detiver conhecimento mínimo de cidadania, e da
ciberdemocracia, possa se definir como e-cidadão.
Com a alteração apresentada, acreditamos que efetivaremos direitos do e-
cidadão, uma vez que, por meio da educação, propiciaremos aos educandos (futuros
e-cidadãos) conhecimento e suporte para que estes escolham, bem como auxiliem
208 Que significa: “Traga seu Próprio Dispositivo”. (Tradução livre) 209 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei mediante. (...) II – facultativo para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. (Grifos nossos)
139
os rumos da nação, participando, efusivamente, do processo democrático, via redes
sociais.
Assim, resta evidente que acreditamos que a educação é o caminho a ser
trilhado para eliminarmos a exclusão digital, e, por consequência lógica, efetivarmos,
de maneira plena, o e-cidadão e a ciberdemocracia. Estamos certos de que existem
outros gargalos, contudo, sem educação nenhum outro será possível de ser
superado.
Ante o exposto, a elaboração do presente projeto, tem como foco num futuro
próximo, amenizar/eliminar a exclusão digital, e principalmente viabilizar melhor
formação ao e-cidadão, ao passo que esperamos seja a proposta de alteração
acatada e a disciplina sugerida posta em prática pela Secretária de Educação do
Estado de São Paulo.
5.4.2 Aprovação do PLS nº 129/2010
Hoje. 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou. (...).A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. (...)Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. (...) O enorme esforço admissionado pelas 61 mil e 20 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas relatadas e votadas no longo caminho das subcomissões até a redação final. (...) Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da democracia. É o clarim da soberania popular e direta tocando no umbral da Constituição para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais. O povo passou a ter a iniciativa de leis. (...) Foi a sociedade mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador. (...) A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja o nosso grito. Mudar para vencer. Muda Brasil."210 (Grifos nossos)
Acima parte do discurso do Presidente da Assembleia Nacional Constituinte
Deputado Ulysses Guimarães, quando da promulgação da Constituição Federal de
1988. Pelo discurso supra, podemos concluir, sem dúvidas, que a constituinte foi a
210 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Íntegra do discurso presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães (10' 23"). Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias /radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277-INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.-ULYSSES-GUIMARAES-(10-23).html>. Acesso em: 9 set. 2016.
140
maior participação social da história do Brasil, até então, em especial a participação
popular, já que foram “122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de
assinaturas”.
A grande indagação que se faz é: se naquela época as petições online ou a
subscrição eletrônica para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular
fossem aceitas, quantas propostas e quantas assinaturas digitais teriam ocorrido?
Sem pestanejar, certamente, poderíamos afirmar que o número de emendas
populares seriam, facilmente, 10 vezes mais, e em igual monta a quantidade de
assinaturas digitais.
Ocorre que no final da década de 80 do século passado, participação
democrática, de forma instantânea, promovida pelas redes sociais não era uma
realidade, contudo, nos dias atuais se faz presente, ou seja, hoje a tecnologia nos
permite participar do processo democrático de forma muito mais eficaz e rápida.
Contudo, faltam alguns instrumentos para que isso possa ser concretizado e,
assim, garantirmos mais direitos ao e-cidadão. A disciplina mencionada no item
anterior tem como fito viabilizar maior aprofundamento sócio-político para que os
direitos do e-cidadão e sua participação democrática sejam adequados e eficazes.
Nossa Constituição Federal, no seu artigo 1º, parágrafo único, prevê que
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”, ou seja, retrata a soberania popular,
por meio do exercício do poder, mas não somente através de representantes eleitos,
como também diretamente por meio de instrumentos de participação popular.
Tais instrumentos, estão previstos no artigo 14 da CF/88, são eles: I -
plebiscito; II - referendo; e, III - iniciativa popular. Vejamos:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.
A artigo 14, supramencionado, é regulamentado pela Lei nº 9.709, de 18 de
novembro de 1988. Norma essa que conceitua e estabelece diferenças entre os três
institutos previstos nos incisos do citado artigo.
141
O plebiscito e o referendo estão conceituados no artigo 2º da Lei nº
9.709/1988. Ambos são instrumentos de participação, contudo, o plebiscito é
convocado com anterioridade, e o referendo é convocado com posterioridade.
Ambos são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de
acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
O Inciso III do artigo 14 da Constituição Federal (III - iniciativa popular) foi
regulamentado pelos artigos 13 e 14 da Lei em referência. Todavia, o caput do artigo
13 define a forma com deve ocorrer a iniciativa popular:
Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. (Grifos nossos)
Num primeiro momento, um por cento do eleitorado nacional pode aparentar
uma pequena quantidade, entretanto, estamos falando em 146.470.911211, o que,
por sua vez, torna impossível o alcance dessas assinaturas, mesmo porque, deve
ser distribuída pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por
cento dos eleitores de cada um deles, ou seja, o preceito normativo encontra-se
ultrapassado frente às novas tecnológicas que temos disponíveis.
Nos dias atuais, as petições digitais ou petições online, junto com as redes
sociais, têm ganhado cada vez mais espaço. Tanto é verdade que os diversos
protestos populares nos últimos anos, conforme anteriormente citados (Primavera
Árabe, Occupy Wall Street, Jornadas de Junho), apresentam como ponto comum,
além da insatisfação dos indivíduos, enquanto cidadãos, em relação à classe
política, o uso das petições online, da internet e das redes sociais para organizar.
O uso dessas petições, da internet e das redes sociais, uma vez que todas as
manifestações citadas encontraram na internet, bem como nas redes sociais,
ferramenta significativa e inovadora que serviu para organizar e divulgar os protestos
e, ainda, uma ferramenta de publicação dos acontecimentos durante os eventos,
simultaneamente, o que, sem dúvidas, garantiu mais adeptos.
As petições online contribuíram, e muito, para o reconhecimento e
211 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatísticas do eleitorado – Consulta por região/UF/município. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/consulta-quantitativo>. Acesso em: 08 set. 2016.
142
fortalecimento das novas formas de participação democrática e a busca pela
efetivação dos diretos do e-cidadão. Elas são disponibilizadas por vários sites, que
viabilizam a qualquer e-cidadão criar e divulgar nas redes sociais suas próprias
petições online, bem como possibilitam a participação nas petições já existentes por
meio de assinatura digital.
Tais petições são uma tendência, tanto que sites governamentais, conforme já
mencionado, possibilitam a participação do e-cidadão no processo político.
Além dos sites governamentais, existem vários outros sites que possibilitam
as petições online, sendo que o Avaaz é, sem dúvida, um dos maiores, uma vez que
consta como mais de quarenta e três milhões de membros212. O Avaaz utiliza o
slogan: “O mundo em ação”. Sendo que, quando o indivíduo assina uma petição do
site, automaticamente, faz parte dos membros.
O Avaaz está disponível em vários países do mundo e em 16 idiomas
distintos. No Brasil, tem promovido grandes petições. A petição online “Pela
cassação do mandato de Eduardo Cunha”213 já atingiu 1.350.533 assinaturas
digitais, e a petição online “NOVAS ELEIÇÕES JÁ! #FORATEMER” já angariou
212.488214.
Em que pese a excelente iniciativa, bem como a possível pressão que tais
petições, certamente, causam nos políticos do nosso país, ela não é contemplada
com validade, porquanto inexistente norma que valide as petições online e suas
assinaturas digitas, o que, para nós, é mais um desafio a ser superado para a
efetivação dos direitos do e-cidadão.
Nessa toada, além da reforma supramencionada na Resolução SE 81/2011
da Secretária de Educação do Estado de São Paulo, um outro caminho seria a
votação, aprovação e sanção do Projeto de Lei do Senado de nº 129/2010, anexo à
presente tese, que tem, como finalidade, alterar a Lei nº 9.709, de 18 de novembro
de 1998, para estabelecer a possibilidade de subscrição eletrônica para
apresentação de projeto de lei de iniciativa popular.
212 AVAAZ. Membros. Disponível em: https://www.avaaz.org/po/. Acesso em: 08 set. 2016. 213AVAAZ. Pela cassação do mandato de Eduardo Cunha. Disponível em: <https://secure. avaaz.org/po/petition/Conselho_de_Etica_da_Camara_Pela_cassacao_do_mandato_de_Eduardo_Cunha/>. Acesso em: 9 set. 2016. 214 AVAAZ. Novas Eleições já! #foratemer. Disponível em: <https://secure.avaaz.org/po/brasil _fora_temer_loc/?slideshow>. Acesso em: 9 set. 2016.
143
O PLS nº 129/2010, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, tem por
objetivo acrescentar os parágrafos 3º e 4º ao art. 13, permitindo o uso de assinaturas
eletrônicas dos eleitores para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular e
determinando que os projetos que não alcançarem o número mínimo de assinaturas
tramitem na forma de sugestões legislativas.
A Senadora Serys Slhessarenko, em justificação apresentada ao PLS,
argumenta que o quantitativo exigido para apresentação dos projetos de iniciativa
popular inibe, e quase chega a inviabilizar, a mobilização em torno da apresentação
de projetos de iniciativa popular. Aduz, ainda, que o PLS visa sanar essa inibição,
bem como estimular a participação popular no que respeita à iniciativa legislativa.
Assim sendo, a Senadora Serys Slhessarenko propõe que seja permitido
contabilizar as assinaturas eletrônicas, coletadas pelos organizadores do movimento
ou pela própria Câmara dos Deputados, bem como direcionar os projetos que não
atinjam o percentual exigido ao processo legislativo. Conclui que a alteração
sugerida viabilizará o aumento da participação direta do cidadão e, ainda, contribuirá
para consolidar a legitimidade das instituições representativas no País.
No Senado Federal, o PLS ficou sob apreciação da Comissão de Ciência,
Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), tendo como Relator o
Senador Valdir Raupp. Em 2012, o Parecer favorável ao PLS, anexo à presente
tese, foi aprovado no Senado e em 2013215, foi encaminhado à Câmara onde
recebeu o número de Projeto de Lei 7005/2013, e aguarda, desde 2014, Parecer do
Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).216
Ante o exposto, como instrumento para efetivação dos direitos do e-cidadão,
acreditamos que a PLS nº 129 de 2010, atualmente PL 7005/2013, deve ter seu
parecer aprovado pela CCJC, para consequente votação de ambas as casas com
aprovação e posterior sanção. Para, assim, efetivar os direitos do e-cidadão, uma
vez que o PLS nº 129 acrescentará os §§ 3º e 4º ao art. 13 da Lei n° 9.709/1988,
viabilizando a validação das assinaturas eletrônicas dos eleitores para os fins da
subscrição da iniciativa popular de lei prevista no caput.
215 SENADO FEDERAL. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96813>. Acesso em: 9 set. 2016. 216 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/propos icoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=604 888>. Acesso em: 9 set. 2016.
144
Por derradeiro, propomos a criação de uma petição online, via site Avaaz
(sugestão de petição em anexo), como forma de pressionar os Deputados a
agilizarem o andamento do PL 7005/2013, e consequente aprovação, permitindo,
assim, a validação das assinaturas digitais/online/eletrônicas dos eleitores para
apresentação de projeto de lei de iniciativa popular, para a devida efetivação dos
direitos do e-cidadão.
145
CONCLUSÃO
Acreditamos que o e-cidadão vê a questão do direito de resistência, bem
como a questão da desobediência civil de forma ampla, tendo em vista o alcance
proporcionado pelas redes sociais. Assim, a linguagem das ruas, que antes ficavam
apenas nas ruas e atingia pouquíssimas pessoas, pois não ia além dos próprios
participantes das manifestações, tem ganhado, cada dia mais, a característica de
transnacionalidade e instantaneidade.
A democracia que permeou por todos os tempos e sempre alicerceou os
principais avanços civilizatórios, na contemporaneidade, recebe a denominação na
contemporaneidade, também, de ciberdemocracia, porquanto enxerga na internet e
redes sociais uma grande ferramenta de participação democrática.
Contudo, importa mencionar que a evolução inerente à
democracia/ciberdemocracia tem seus pilares fincados na concepção grega que
define democracia como “governo do povo”, em que pese as diferenças crucias em
relação às especificidades de cada época, não podemos olvidar seu nascedouro.
Temos de reconhecer que, seja na antiguidade, seja na medievalidade ou na
contemporaneidade, o processo evolutivo civilizatório, principalmente, por intermédio
da democracia, somente foi viável devido ao processo de comunicação. Processo
esse que possibilitou ao homem desenvolver uma significativa ferramenta
denominada manifestação, exercida pela escrita, pela fala, ou atualmente pelas
redes sociais, entretanto, seja qual for o tempo ou o meio de comunicação, o
processo de comunicação conduziu o homem até os dias atuais, ao ponto de
podemos denominá-lo de e-cidadão.
Importa lembrar, por oportuno, que expressamos nossos manifestos, escritos,
falados, por meio de um processo, primeiro de interiorização, depois de
exteriorização. Ou seja, o homem realiza um processo mental pelo qual estabelece
dados conceitos aos objetos e fenômenos e, posteriormente, estabelece uma
valoração (juízo de valor), para, assim, chegar à construção de uma proposição,
que, quando exteriorizada, cria o manifesto, isto é, a manifestação é o meio pelo
qual damos “vida” a nossas opiniões, nossos pensamentos, nossos sentimentos,
146
bem como a nosso pensamento racional, mediante um processo lógico de
comunicação.
Desse modo, o processo de comunicação que, no embrião da civilização era
adstrito aos signos e sons, alcançou, com o advento da palavra escrita, da tipografia
móvel, da comunicação de massa (jornais, rádios, televisão) da revolução
tecnológica, formas e ferramentas até outrora inimagináveis, haja vista que as
manifestações já não são realizadas como antigamente e isso é devido à forma
como o e-cidadão, via redes sociais, participa da ciberdemocracia.
Essa forma atual de manifestação, via redes sociais, contudo, só foi possível
com o advento da revolução tecnológica que deu ao homem a dimensão de
transnacionalidade sem, contudo, sair de trás de um computador, smartphone,
celular. Assim, podemos concluir que foi a revolução tecnológica o berço para as
redes sociais, e por consequência lógica para a instituição do e-cidadão e da
ciberdemocracia.
A internet e as redes sociais surgem, então, como grandes ferramentas, ao
alcance de todos, que transformaram a maneira de participação política, bem como
mudam a forma como o e-cidadão participa do processo democrático, sendo que a
internet e as redes sociais desempenham papal de mudança sem igual na história.
Nessa contextualização, podemos concluir que foi assim, com o uso
democratizado da internet e das redes sociais, que surgiu no Brasil e no mundo
novas formas de manifestações apolíticas e políticas, tais como “flashmobs”;
smartmobs”, desencadeando uma onda sem precedentes de manifestações, como a
Primavera Árabe, Occupy Wall Street e Jornadas de Junho. Sendo o ponto em
comum, entre elas, a utilização da internet e das redes sociais como principal aliado,
dando ao mundo notícias instantâneas dos ocorridos, o que acarretou apoio
internacional e derrocada dos sistemas ditatoriais (no caso da primavera Árabe).
No Brasil, não foi diferente, ou seja, a internet e as redes sociais
desempenharam importante papel em nossas manifestações, políticas ou não,
sendo que os eventos que mais se destacaram foram as jornadas de junho, de
cunho social-político e o “rolezinhos” de conotação cultural.
147
As jornadas de junho ficarão para sempre marcadas na história de nosso
país, como o movimento de maior adesão e expansão na atualidade, ou melhor, de
todos os tempos.
Vários foram os motivos que fizeram as pessoas irem às ruas, pessoas essas
em especial, vinculadas à denominada “Geração Z”. As manifestações foram
propagadas pelas novas formas disponíveis na rede mundial de computadores, ou
seja, manifestantes utilizaram a internet e as redes sociais, principalmente –
Facebook e Twitter, para organização e angariação de adeptos, o que viabilizou a
disseminação viral para todo o mundo de forma instantânea.
Das jornadas de junho, podemos extrair, como herança, a percepção de que
as manifestações podem dar resultados; o papel, sem igual, da internet e das redes
sociais para articulação e engajamento das pessoas, bem como a proliferação dos
Black Blocs. Estes com concepções anarquistas, também, utilizaram as redes
sociais para pulverização de suas táticas e a adesão de simpatizantes.
Além do legado acima, tivemos o afastamento definitivo da Presidente da
República e o afastamento definitivo do Preside da Câmara dos Deputados (ambos
tiveram seus mandatos cassados). Em ambos os casos, podemos perceber as
intervenções das vozes das ruas, ou seja, os manifestos deram resultados, para uns
positivos, para outros a concretização de um golpe.
Mas, sem dúvidas, o maior legado de todos esses manifestos, mundo afora,
foi a constituição do e-cidadão e da ciberdemocracia, ou seja, chegamos com a
internet e com as redes sociais à evolução da concepção de cidadão e de
democracia. No entanto, como todo processo de transformação gera a necessidade
de várias adaptações, temos de concluir que vários direitos do e-cidadão necessitam
de uma efetivação.
A exclusão, seja no processo democrático grego, seja na atualidade sempre
foi, é e será a grande barreira a ser rompida. Nos dias atuais, temos o e-cidadão
como uma realidade, contudo, uma realidade para poucos, eis que a exclusão digital
não permite a efetiva democratização da cibernética, o que inviabiliza direitos do e-
cidadão, ou seja, entendemos que a exclusão é um grande desafio a ser superado.
148
Concluímos, assim, que a internet e as redes sociais desempenham papel
importante, sem igual, na participação democrática, contudo são muitos os desafios
contemporâneos para a efetivação dos direitos do e-cidadão.
Dentre esses desafios, colocamos que a ausência de conhecimento e a
ausência de acesso à internet e às redes sociais – exclusão digital – para muitos
cidadãos, ainda é uma constante, ou seja, essa exclusão é a grande questão a ser
rompida. É sabido que existem outros desafios a serem superados, para tanto,
acreditamos que a educação é o melhor caminho a ser trilhado.
A solução, então, está na educação. Como forma de superar esses desafios,
propomos a inserção na grade curricular da 2º série do ensino médio da disciplina
“Cidadania e redes sociais”. Sabido por todos que não se resolverá tudo da noite
para o dia, no entanto, temos que dar o primeiro passo, e, esse primeiro passo deve
ocorrer por meio da educação como forma de inclusão digital e, por consequência
lógica, a eliminação da exclusão digital que é o maior desafio a ser superado para a
efetivação dos direitos do e-cidadão.
Destarte, propomos alteração na Resolução SE 81 de 16-12-2011 da
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para incluir disciplina “Cidadania
e redes sociais”, sendo que a minuta de Anteprojeto de Resolução, bem como o
Plano de Ensino, segue anexo à presente tese. Almejamos, com isso, análise
adequada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e posterior
alteração da Resolução SE 81/2011, para que seja posta em prática a disciplina e
seu conteúdo, concretizando o pontapé inicial rumo à exclusão digital e, por
consequência lógica, à efetivação do e-cidadão.
Propomos, também, a criação de uma petição online, via site Avaaz (sugestão
de petição em anexo), como forma de pressionar os Deputados a agilizarem o
andamento do PL 7005/2013, e consequente aprovação, permitindo, assim, a
validação das assinaturas digitais/online/eletrônicas dos eleitores para apresentação
de projeto de lei de iniciativa popular, para, assim, viabilizar a devida efetivação dos
direitos do e-cidadão.
De todo o exposto, concluímos que as redes sociais são mecanismos atuais
de participação democrática, bem como, que são vários os desafios
contemporâneos para efetivação do e-cidadão, mas acreditamos, sim, ser possível
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efetivar e garantir os direitos do e-cidadão. Afirmamos, também, que as
manifestações, organizadas pela internet/redes sociais e concretizadas em ruas e
praças públicas representaram um exercício da democracia e não uma des”ordem”,
já que des”ordem” é tão somente uma ordem não desejada. E nesse ínterim, temos,
repise-se, de reconhecer o papel transformador das redes sociais nessa nova forma
de participação democrática.
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TWITTER. E-democracia. Disponível em: < https://twitter.com/Edemocracia>. Acesso em: 20 ago. 2016. UOL. Eleições. Disponível em: http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/10/26/dilma-cresce-na-reta-final-e-reeleita-e-emplaca-quarto-mandato-do-pt.htm. Acesso em: 25 maio 2016. UOL. Manifestações de junho de 2013: Qual é o saldo dos protestos um ano depois? Disponível em: < http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/manifestacoes-de-junho-de-2013-qual-e-o-saldo-dos-protestos-um-ano-depois.htm>. Acesso em: 25 maio 2016. UOL. Política. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/12/02/ eduardo-cunha-impeachment.htm>. Acesso em: 25 maio 2016. VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; RABELO, Cesar Leandro de Almeida. A Participação da Sociedade Brasileira nas decisões do Governo a luz da Democracia Digital. Disponível em: < http://ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10708&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 20 ago. 2016.
160
VILLELA. Gustavo. Fatos históricos: junho de 2013. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/o-brasil-foi-as-ruas-em-junho-de-2013-12500090#ix zz45AUXI4GN>. Acesso em: 10 jun. 2016. VINICIUS, Leo. A guerra da tarifa. São Paulo: Faísca, 2005. XAVIER, Maria Leonor. Questões de Filosofia na Idade Média. Lisboa: Colibri, 2007. YOUTUBE. E-democracia. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/edemocraciacd//>. Acesso em 20 ago. 2016. YOUTUBE. Pronunciamento Dilma Rousself. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=xETRrVw8rLI>. Acesso em: 25 maio 2016. YOUTUBE. Revolta do Buzu. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dQ ASaJ3WgTA>. Acesso em: 11 ago. 2016.
161
ANEXOS
Anexo I: Resolução SE nº 81/2011 e Resolução SE nº 03/2014
Resolução SE Nº 81, de 16-12-2011
Estabelece diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental e do ensino médio nas escolas estaduais
O SECRETARIO DA EDUCAÇÃO, considerando a necessidade de adequar as matrizes curriculares da educação básica às diretrizes nacionais e às metas da política educacional, resolve:
Artigo 1º - A organização curricular anual das escolas estaduais que oferecem ensino fundamental e ensino médio desenvolver-se-á em 200(duzentos) dias letivos, com a carga horária estabelecida pela presente resolução.
Artigo 2º - O ensino fundamental terá sua organização curricular desenvolvida em regime de progressão continuada, estruturada em 9 (nove) anos, constituída por dois segmentos de ensino (ciclos):
I - anos iniciais, correspondendo ao ensino do 1º ao 5º ano;
II - anos finais, correspondendo ao ensino do 6º ao 9º ano.
Parágrafo único - As unidades escolares que ainda venham a manter, em 2012, a organização curricular seriada, deverão proceder aos ajustes necessários à organização anual ora estabelecida.
Artigo 3º - No segmento de ensino correspondente aos anos iniciais do ensino fundamental, de que trata o Anexo I desta resolução, deverá ser assegurada a seguinte carga horária:
I - em unidades escolares com até dois turnos diurnos: carga horária de 25 (vinte e cinco) aulas semanais, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 1.000 (mil) aulas anuais;
II - em unidades escolares com três turnos diurnos e calendário específico de semana de 6 (seis) dias letivos: carga horária de 24 (vinte e quatro) aulas semanais, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 960 (novecentas e sessenta) aulas anuais.
Parágrafo único - As aulas das disciplinas de Educação Física e de Arte, previstas nas matrizes curriculares dos anos iniciais, deverão ser desenvolvidas:
1 - com duas aulas semanais, por professor especialista na conformidade do contido no Anexo I, que integra esta resolução;
2 - com acompanhamento obrigatório do professor regente da classe e do Aluno/Pesquisador da Bolsa Alfabetização, quando for o caso;
3 - em horário regular de funcionamento da classe;
4 - pelo professor da classe, quando comprovada a inexistência ou ausência do professor especialista.
Artigo 4º - No segmento de ensino correspondente aos anos finais do ensino fundamental deverá ser assegurada a seguinte carga horária:
I - no período diurno, em unidades escolares com até dois turnos diurnos: carga horária de 30 (trinta) aulas semanais, sendo 6 (seis) aulas diárias, com duração de 50
162
(cinquenta) minutos cada, totalizando 1.200 (mil e duzentas) aulas anuais, conforme disposto no Anexo II que integra esta resolução;
II - no período diurno, em unidades escolares com três turnos diurnos, apresentando calendário específico e semana de 6 (seis) dias letivos: carga horária de 24 (vinte e quatro) aulas semanais, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 960 (novecentas e sessenta) aulas anuais, na conformidade do Anexo III desta resolução;
III - no período noturno: carga horária de 27 (vinte e sete) aulas semanais, com duração de 45 (quarenta e cinco) minutos cada, totalizando 1.080 (mil e oitenta) aulas anuais, sendo que as aulas da disciplina Educação Física deverão ser ministradas fora do período regular de aulas ou aos sábados, conforme dispõe o Anexo IV que integra esta resolução.
Artigo 5º - O ensino médio, desenvolvido em três séries anuais, terá sua organização curricular estruturada como curso de sólida formação básica que abre, para o jovem, efetivas oportunidades de consolidação das competências e conteúdos necessários ao prosseguimento dos estudos em nível superior e/ou à inserção no mundo do trabalho.
Parágrafo único - O ensino médio terá sua matriz curricular organizada:
1 - no período diurno: com carga horária de 30 (trinta) aulas semanais, sendo 6 (seis) aulas diárias, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 1.200 (mil e duzentas) aulas anuais, conforme dispõe o Anexo V desta resolução;
2 - no período noturno: com carga horária de 27 (vinte e sete) aulas semanais, sendo 5 (cinco) aulas diárias, com duração de 45 (quarenta e cinco) minutos cada, totalizando 1.080 (mil e oitenta) aulas anuais, observando-se que as aulas da disciplina Educação Física deverão ser ministradas fora do período regular de aulas ou aos sábados, conforme dispõe o Anexo VI que integra esta resolução.
Artigo 6º - Os cursos da modalidade de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, observada a organização semestral que os caracteriza, adotarão, respectivamente, as matrizes curriculares objeto dos Anexos IV e VI da presente resolução, exceto com relação às aulas de Ensino Religioso, de acordo com o contido na Resolução SE nº 21, de 29.1.2002.
Artigo 7º - O Ensino Religioso, obrigatório à escola e facultativo ao aluno, será oferecido aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, se houver demanda, na conformidade do que dispõe a Resolução SE nº 21, de 29.1.2002.
Artigo 8º - A Língua Espanhola, obrigatória à escola e facultativa ao aluno, será oferecida, fora do horário regular de aulas, a alunos da 1ª série do Ensino Médio, se houver demanda, de acordo com as disposições da Lei federal nº 11.161, de 5.8.2005 e da Resolução SE nº 5, de 14.1.2010.
Artigo 9º - As matrizes curriculares, constantes dos Anexos que integram esta resolução, deverão ser adotadas a partir do próximo ano letivo, em todos os anos e séries que compõem os ensinos fundamental e médio, respectivamente.
Artigo 10 - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário, em especial a Resolução SE nº 98, de 23 de dezembro de 2008.
Notas:
Res. SE nº 21/02, à pág. 98 do vol. LIII;
Res. SE nº 05/10, à pág. 108 do vol. LXIX;
Lei nº 11.161/05, à pág. 52 do vol. 32;
163
Revoga a Res. SE nº 98/08, à pág. 231 do vol. LXVI.
Alterada pela Res. SE nº 3/14.
ANEXO I * Matriz Curricular Básica Para o Ensino Fundamental Ciclo I – 1º ao 5º ano
Retificado de acordo com publicação no DOE de 28/12/2011 – Seção I – Pág. 50
ANEXO II - Matriz Curricular Básica Para o Ensino Fundamental
Ciclo II – 6º ao 9º ano - Período Diurno
164
*Ensino Religioso – Se não houver demanda acrescentar 1 (uma) aula para Matemática.
ANEXO III ** Matriz Curricular Básica Para o Ensino Fundamental
Ciclo II – 6º ao 9º ano - Período Diurno Três Turnos
* Ensino Religioso – Se não houver demanda acrescentar 1 aula para Língua Portuguesa.
** Retificado de acordo com publicação no DOE de 28/12/2011 – Seção I – Pág. 50
ANEXO IV - Matriz Curricular Básica Para o Ensino Fundamental
Ciclo II – 6º ao 9º ano - Período Noturno
165
*Educação Física deve ser oferecida no contraturno ou aos sábados. ** Ensino Religioso – Se não houver demanda, acrescentar 1 (uma) aula para Matemática.
ANEXO V - Matriz Curricular – Ensino Médio
Período Diurno
166
ANEXO VI ** - Matriz Curricular – Ensino Médio
Período Noturno
*A Educação Física deve ser oferecida no contraturno ou aos sábados.
** Retificado de acordo com publicação no DOE de 22/12/2011 – Seção I, pág. 23.
167
Resolução SE 3, de 16-1-2014
Altera dispositivos da Resolução SE 81, de 16-12- 2011, que estabelece diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental e do ensino médio
nas escolas estaduais
O Secretario da Educação, à vista do que lhe representou a Coordenadoria de Gestão da Educação Básica- CGEB,
Resolve:
Artigo 1º - O Anexo I, que integra a presente resolução, passa a substituir o Anexo I da Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011, abrangendo, em seus Subanexos 1 e 2, as seguintes matrizes curriculares:
I – no Subanexo 1: a Matriz Curricular – A, a ser implementada nas unidades escolares que darão continuidade, e nas unidades escolares inscritas em 2014, às aulas de Língua Inglesa – Early Bird, no 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental;
II – no Subanexo 2: a Matriz Curricular – B, a ser implementada nas unidades escolares que não oferecerão, em 2014, aulas de Língua Inglesa.
Artigo 2º - Os dispositivos da Resolução SE nº 81, de 16 de dezembro de 2011, abaixo relacionados, passam a vigorar com a seguinte redação:
I – o artigo 2º:
“Artigo 2º - O ensino fundamental terá sua organização curricular estruturada na seguinte conformidade:
I – nos anos iniciais, correspondendo ao ensino do 1º ao 5º ano;
II – nos anos finais, correspondendo ao ensino do 6º ao 9º ano.
Parágrafo único – Para efeito do regime de progressão continuada, os anos iniciais e finais do ensino fundamental serão organizados em 3 (três) ciclos de aprendizagem, na conformidade do que dispõe a Resolução SE n º 74, de 8 de novembro de 2013.” (NR);
II – o artigo 3º:
“Artigo 3º - Nos anos iniciais do ensino fundamental, deverá ser assegurada:
I – nas unidades escolares com até dois turnos diurnos, a carga horária de 25 (vinte e cinco) aulas semanais, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 1.000 (mil) aulas anuais;
II - em unidades escolares com três turnos diurnos e calendário específico com semana de 6 (seis) dias letivos, a carga horária de 24 (vinte e quatro) aulas semanais, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 960 (novecentas e sessenta) aulas anuais.
§ 1º - As aulas das disciplinas de Educação Física, de Arte e de Língua Estrangeira Moderna - Inglês deverão ser desenvolvidas com a carga horária
168
de 2 (duas) aulas semanais em cada disciplina, na conformidade da Matriz Curricular – A, constante do Subanexo 1 do Anexo I desta resolução.
§ 2º - As aulas das disciplinas, a que se refere o parágrafo anterior, serão ministradas, no horário regular de funcionamento da classe:
1. por professor especialista em cada disciplina, tendo acompanhamento obrigatório do professor regente da classe e, quando existente, também do Aluno/Pesquisador do Projeto Bolsa Alfabetização; ou
2. pelo professor regente da classe, quando comprovada a inexistência ou ausência do professor especialista.
§ 3º - Os conceitos, saberes e conhecimentos referentes aos componentes curriculares que integram as áreas de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas deverão ser trabalhados integralmente, por meio de projetos temáticos que serão objeto de orientação específica da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica - CGEB.” (NR).
Artigo 3º - Ficam acrescentados à Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011:
I - item 3 ao parágrafo único do artigo 5º:
“3 - no período diurno, em unidades escolares com três turnos diurnos, apresentando calendário específico e semana de 6 (seis) dias letivos: carga horária de 24 (vinte e quatro) aulas semanais, com duração de 50 ( cinquenta) minutos cada, totalizando 960 (novecentas e sessenta) aulas anuais.”; (NR)
II – o Anexo VII, que integra esta resolução.
Artigo 4º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.
ANEXO I
Subanexo 1 Matriz Curricular - A Ensino Fundamental - Anos Iniciais – 1º ao 5º ano
169
Subanexo 2 Matriz Curricular - B Ensino Fundamental - Anos Iniciais – 1º ao 5º ano
ANEXO VII Matriz Curricular – Ensino Médio – Três Turnos Período Diurno
170
Obs.: *As aulas de Educação Física poderão ser realizadas fora do período regular
de aulas. (Republicada por ter saído com incorreções).
Os Subanexos 1 e 2, do Anexo I, da Resolução SE 3, de 16.1.2014, publicada em 17.1.2014 e republicada em 21.1.2014 estão atualizados de acordo com retificação publicada no DOE de 25/1/2014 – Seção I, pág. 16.
Notas: Altera Dispositivo da Res. SE nº 81/11; Res. SE nº 74/13.
171
Anexo II: – Proposta Minuta Anteprojeto de Resolução
Resolução SE __, de _____ de 2016
Altera a Resolução SE 81 de 16-12-2011, que estabelece diretrizes para a
organização curricular do ensino fundamental e do ensino médio nas escolas
estaduais.
O Secretário da Educação, levando em consideração as novas formas de
participação democrática,
Resolve:
Artigo 1º - Alteração de artigo:
Os dispositivos da Resolução SE nº 81, de 16 de dezembro de 2011, abaixo
relacionados, passam a vigorar com a seguinte redação:
I – o artigo 5º:
“Artigo 5º - O ensino médio, desenvolvido em três séries anuais, terá sua
organização curricular estruturada como curso de sólida formação básica que abre,
para o jovem, efetivas oportunidades de consolidação das competências e
conteúdos necessários ao prosseguimento dos estudos em nível superior e/ou à
inserção no mundo do trabalho, consolidação e o aprofundamento da cidadania/e-
cidadania e da democracia/ciberdemocracia.
Artigo 2º - Acrescenta o artigo 8º A:
I – Artigo 8º A
“Artigo 8º A - A disciplina Cidadania e redes sociais, obrigatória à escola e
facultativa ao aluno, será oferecida, fora do horário regular de aulas, a alunos da 2ª
série do Ensino Médio, se houver demanda, preferencialmente em laboratórios de
informática ou por intermédio do Bring Your Own Device -“BYOD.
Artigo 3º - Alteração de anexo:
I - O Anexo I, que integra a presente resolução, passa a substituir o Anexo V
da Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011.
II - O Anexo II, que integra a presente resolução, passa a substituir o Anexo VI
172
da Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011.
Artigo 4º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando
revogadas as disposições em contrário.
ANEXO I - Matriz Curricular – Ensino Médio
Período Diurno
ANEXO II - Matriz Curricular – Ensino Médio
Período Noturno
173
Justificativa:
1) A Lei de Diretrizes Básicas – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
dispõe em seu artigo 27, caput e inciso I, que os conteúdos curriculares da educação
básica observarão a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos
direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática.
2) O diploma supra, dispõe, também, em seu artigo 35, que o ensino
médio terá como finalidade a preparação básica para a cidadania e o aprimoramento
do educando como pessoa humana.
3) Já o artigo 36, §1º, determina que os conteúdos, as metodologias e as
formas de avaliação devem garantir ao educando, ao final do ensino médio, domínio
dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna, bem
como conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.
174
4) É notório que a participação democrática já não ocorre como outrora,
não obstante, a democratização ampla do acesso às informações alterou as
necessidades dos cidadãos em vários aspectos, mais a inclusão social é um ponto
crucial que é distanciada, cada vez mais, pela exclusão digital.
5) Assim, a inclusão digital, somente atingirá todos por intermédio da
educação, não apenas com a compra de computadores e disponibilização de
espaços físicos e acesso à internet, uma vez que a escola deve ir além.
6) As inovações tecnológicas, a internet, o uso das redes sociais ocorre
de forma tão acelerada que não podemos ficar para traz e a conscientização é o
melhor caminho a ser percorrido.
7) Via de regra, os educandos matriculados no 2º ano têm 16 (dezesseis)
anos, idade prevista Constituição para o início do exercício da cidadania e
democracia representativa pelo voto.
8) Como o ensino médio cabe aos Estados e o Distrito Federal, ficando
sobre sua competência baixar normas complementares para o seu sistema de
ensino, resta evidente que o anteprojeto de Resolução se justifica.
9) O Estado de São Paulo, é visto como referência nacional, motivo pelo
qual uma vez introduzida tal preceito normativo, certamente os demais Estados
adotaram medidas similares.
Pelas razões supramencionadas e outras que podem vir a ser discutidas para
melhor elaboração do presente projeto espera-se que o tema obtenha análise
adequada se seja posto em prática.
São Paulo, ____ de ________ de 2016.
____________________
Proponente do Projeto
175
Anexo III: Proposta de Plano de Ensino
PLANO DE ENSINO - 2016
2ª Série – Ensino Médio
Disciplina: CIDADANIA E REDES SOCIAIS Código:
Posição da grade do curso: 2º série – Ensino
Médio Carga horária semestral: A definir
EMENTA:
Estado e Sociedade. Teoria Política. Cidadania, Cidadão e e-cidadão. Democracia e
ciberdemocracia. Participação democrática. Tecnologias Digitais da Informação e da
Comunicação (TDICs). Hardware e Software. Nocões de informática. Internet. Redes
sociais. Direitos e deveres do e-cidadão (crimes digitais)
OBJETIVOS:
1) Geral: Dotar o aluno de uma visão ampla e crítica de aspectos comuns à política, a
cidadania e democracia. 2) Específicos: a) Iniciar o educando na vida cidadã, propiciando os
conceitos e fundamentos básicos da teoria política clássica e moderna; b) Proporcionar
conhecimento básico de informática, internet e redes sociais; c) Proporciona elementos para
um posicionamento crítico face aos temas estudados; d) Disponibilizar relações com áreas
afins e com a realidade e outras áreas de conhecimento; e) Discutir a configuração do
Estado e democracia brasileira na contemporaneidade via redes sociais.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (PLANOGRAMA):
1) Cidadania: dos antigos aos modernos.
2) Cidadão e e-cidadão.
3) Cidadania: na contemporaneidade – o uso das redes sociais.
4) Democracia: dos antigos aos modernos.
5) Formas de democracia.
6) Ciberdemocracia, Ética e cibercultura.
7) Voto e urna eletrônica.
8) Revolução tecnológica e o desenvolvimento da cibernética
9) Noções básicas de informática.
176
10) Hardware e Software.
11) Editores de texto e planilhas eletrônicas.
12) Fundamentos e conceitos de redes de computadores.
13) Pesquisas na Internet.
14) Redes sociais.
15) Fundamentos e desafios contemporâneos do e-cidadão: incluir para excluir.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
ALVIM, Marcia Cristina de Souza. A educação inclusiva na Constituição Federal de 1988.
Revista Jurídica Logos, v. 4, p. 231-250, 2008.
ARISTÓTELES. Política: os pensadores. São Paulo: Nova Cultura. 1999.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. São
Paulo: Paz e Terra, 2012.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1986.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2013. [2010, 2006, 2005, 2001].
CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.). A sociedade em rede: do conhecimento à
ação política. Belém: Imprensa Nacional, 2005.
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência
política. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. – 10. ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
HABERMANS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de
Janeiro: Tempo brasileiro, 2003.
HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. Justiça e segurança na periferia de São Paulo:
os centros de integração da cidadania. São Paulo: IBCCRIM - Núcleo de pesquisa, 2003.
IIZUKA, Edson Sadão. Um estudo exploratório sobre a Exclusão Digital e as
Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo. Dissertação. 2003. Disponível
em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2397/44687.pdf?sequence=2>
LEVY, Evelyn. Democracia nas cidades globais um estudo sobre Londres e São Paulo.
177
São Paulo: Studio Nobel, 1997.
NALINI, José Renato. Blog do Renato Nalini. Disponível em:
https://renatonalini.wordpress.com/
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As ruas e a democracia. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira;
Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Possibilidades da Política. Blog – Disponível em:
http://marcoanogueira.blogspot.com.br/
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo
de Cultura, 1961.
METODOLOGIA DE ENSINO:
O professor deve substituir a aula-monólogo por exposições dialógicas e interativas,
utilizando-se de tecnologias que se comunicam por entre as diferentes mídias, promovendo
reflexão e interpretação do conteúdo, bem como fomentando a pesquisa e a leitura de obras
doutrinárias recomendadas.
METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO:
A definir...
178
Anexo IV: PROJETO DE LEI DO SENADO
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2010
Altera a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, para estabelecer a possibilidade de subscrição eletrônica para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 13 da Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º e 4º:
“Art. 13. .............................................................................................
.............................................................................................................
§ 3º Para fins do disposto no caput serão contabilizadas as assinaturas manuais e eletrônicas dos eleitores.
§ 4º Os projetos que não lograrem alcançar o número mínimo de assinaturas tramitarão na forma de sugestões legislativas.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Hoje a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, exige para os projetos de iniciativa popular a assinatura de 1% dos eleitores do País, distribuídos em pelo menos cinco Estados, com um percentual mínimo de eleitores em cada um deles. O eleitorado brasileiro provavelmente ultrapassa os 135 milhões de cidadãos, o que situa a exigência da Lei em algum ponto próximo a 1 milhão e 350 mil assinaturas.
179
A magnitude dessa exigência inibe, e quase chega a inviabilizar, a meu ver, a mobilização em torno da apresentação de projetos de iniciativa popular. Afinal, ao trabalho de coleta, é preciso acrescentar o trabalho, ainda maior, de controle dessas assinaturas, indispensável à prevenção da fraude.
Nas condições estipuladas pela Lei, portanto, um importante instrumento de participação direta do cidadão, consagrado na Carta de 1988, permanece pouco utilizado.
O presente projeto de lei procura sanar essa situação e estimular a participação popular no que respeita à iniciativa legislativa. Para tanto propõe:
a) permitir a contabilização de assinaturas eletrônicas, coletadas pelos organizadores do movimento ou pela própria Câmara dos Deputados; e
b) direcionar os projetos que não atinjam o percentual exigido ao processo legislativo, na forma de sugestões legislativas, sujeitos, portanto, ao mesmo rito que as propostas originadas de sindicatos, associações e organizações não governamentais.
A alteração da regra no sentido proposto permitirá o aumento da participação direta do cidadão em termos de iniciativa legislativa e contribuirá para consolidar a legitimidade das instituições representativas no País.
Sala das Sessões,
Senadora SERYS SLHESSARENKO
180
Anexo V: PARECER – PLS 129/201
PARECER Nº , DE 2012
Da COMISSÃO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO, COMUNICAÇÃO E INFORMÁTICA, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 129, de 2010, da Senadora SERYS SLHESSARENKO, que altera a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, para estabelecer a possibilidade de subscrição eletrônica para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular.
RELATOR: Senador VALDIR RAUPP
I – RELATÓRIO
Encontra-se sob apreciação da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) o Projeto de Lei do Senado nº 129, de 2010, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, que altera a Lei nº 9.079, de 18 de novembro de 1998, para estabelecer a possibilidade de subscrição eletrônica para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular. Após a manifestação desta Comissão, o projeto será analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em decisão terminativa.
O projeto acrescenta dois parágrafos ao art. 13 da Lei nº 9.079, de maneira a permitir a contagem das assinaturas eletrônicas de eleitores em projetos de lei de iniciativa popular e determinar a tramitação daqueles projetos que não alcançarem o número mínimo de assinaturas na forma de sugestões legislativas.
Na justificação, a autora lembra que a lei exige hoje a assinatura de 1% dos eleitores do País para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, distribuídos em pelo menos cinco Estados, com um percentual mínimo de eleitores em cada um deles. Como o eleitorado brasileiro ultrapassa os 135 milhões de eleitores, essa exigência importa hoje em mais de um milhão e trezentos e cinquenta mil assinaturas.
A autora aponta que coletar esse montante de assinaturas e controlar sua autenticidade constituem tarefas difíceis, que na prática inviabilizam um importante instrumento de participação direta do cidadão, consagrado na Constituição de 1988.
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A autora defende que a inclusão das assinaturas eletrônicas na coleta tornaria mais fácil o cumprimento da exigência legal e resultaria no incremento da participação popular em termos de iniciativa das leis. No mesmo sentido, afirma, caminha a segunda proposta objeto do presente projeto: as alterações que não lograssem chegar ao número de assinaturas exigido tramitariam na forma de sugestões legislativas.
Não foram apresentadas emendas ao projeto.
II – ANÁLISE
Nos termos do art. 104-C do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), compete à CCT opinar sobre proposições pertinentes ao grande tema da informática. O reconhecimento da validade das assinaturas eletrônicas enquadra-se nesse tema, razão pela qual o projeto sob exame integra o campo temático desta Comissão.
No que respeita ao mérito, cabe assinalar que a utilização cada vez maior de assinaturas eletrônicas constitui aspecto inescapável da tendência à informatização de processos e procedimentos que se verifica no mundo e no Brasil.
Tal tendência avança célere no universo comercial, onde um percentual cada vez maior das transações é efetuado por meio eletrônico. E avança também no âmbito das ações governamentais. Cabe mencionar, como exemplos no ordenamento legal recente sobre a matéria, a Medida Provisória nº 2002, de 24 de agosto de 2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras; a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que autorizou os tribunais a utilizar meios eletrônicos para executar e comunicar oficialmente atos processuais; e o Código de Processo Civil, que permite, em seu art. 154, o uso, por parte dos tribunais, de meios eletrônicos, desde que atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras.
Há instrumental tecnológico para garantir, portanto, a autenticidade das assinaturas eletrônicas, instrumental esse em processo de aperfeiçoamento acelerado, como quase tudo no campo da informática. Por essa razão, o projeto acerta ao não tratar de minúcias operacionais, que devem ser objeto de norma interna da Câmara dos Deputados.
É preciso considerar ainda as consequências do reconhecimento das assinaturas eletrônicas para fins de apresentação de projetos de lei de iniciativa popular. Nesse aspecto a mudança seria radical. Podemos afirmar que a iniciativa popular passaria de uma situação de quase inviabilidade, demonstrada pela quantidade mínima de projetos com essa origem já apresentados, para a viabilidade completa. O resultado previsível, como aponta a autora do projeto, será um incremento considerável na participação popular, a educação cívica dos eleitores e a consolidação da legitimidade das instituições democráticas.
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O mesmo resultado positivo teria a segunda mudança proposta. Hoje proposições de associações pequenas, com representação de interesses particulares, locais ou profissionais, são legítimas para originar sugestões legislativas. Como recusar igual legitimidade a proposições apoiadas por centenas de milhares de eleitores?
Considero, portanto, a proposta exequível, meritória, com efeitos benéficos de médio e longo prazo difíceis de estimar na perspectiva presente.
III – VOTO
Em razão do exposto, o parecer é pela aprovação do Projeto de Lei nº 129, de 2010.
Sala da Comissão, 13/06/2012
Sen. Gim Argello, Vice-Presidente, no exercício da Presidência
Sen. Valdir Raupp, Relator
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Anexo VI: Proposta de Petição online: