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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARLENE HARGER ZIMMERMANN A BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO: CONTRIBUIÇÕES PARA UM CUIDADO MAIS HUMANIZADO CURITIBA 2006

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARLENE HARGER ZIMMERMANN

A BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO:

CONTRIBUIÇÕES PARA UM CUIDADO MAIS HUMANIZADO

CURITIBA 2006

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MARLENE HARGER ZIMMERMANN

A BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO:

CONTRIBUIÇÕES PARA UM CUIDADO MAIS HUMANIZADO

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação, do Programa de Pós-Graduação, nível de Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, na Linha de Pesquisa: Teoria e Prática da Educação Superior. Orientadora: Profa. Dra. Pura Lúcia Oliver Martins.

CURITIBA

2006

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Para: - meu marido Dalton César, pelo apoio, compreensão, incentivo e por suas contribuições

neste trabalho.

- minhas filhas Marina e Elisa pela paciência que tiveram, pela compreensão e por todos os

momentos de ausência física e afetiva que esta caminhada exigiu.

- meus pais Arno e Lutzi, pelo grande incentivo que recebi desde a escolha da profissão até

os dias atuais. Pelas incansáveis orações que sempre fizeram por mim, principalmente para

que mais esta etapa se cumprisse em minha vida.

- aos colegas docentes Enfermeiros e alunos dos cursos de Enfermagem em que atuo, por

participarem ativamente desta conquista, contribuindo com suas experiências de vida.

- a todos os colegas do Mestrado em Educação, pela riqueza das experiências que me

fizeram ampliar o olhar do conhecimento.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e por ter-me possibilitado a realização deste trabalho,

inspirando e guiando-me em todos os momentos.

À Professora Doutora PURA LÚCIA OLIVÉR MARTINS, orientadora e amiga, pelo

grande conhecimento partilhado, pela paciência, compreensão, incentivo e carinho.

Pela forma humanizada com que me acolheu durante toda esta trajetória, ajudando-

me, de maneira incansável, a desvelar este caminho do conhecimento.

À Professora Doutora Neuza Bertoni Pinto , pelo seu carinho e pelas contribuições

realizadas para que este trabalho pudesse se tornar realidade.

À Professora Doutora Maria de Lourdes Rocha de Lima , pela generosidade com

que me acolheu, pelas orientações e sugestões dadas, que contribuíram de forma

indelével para esta pesquisa.

Às Enfermeiras Lídia Dalgallo Zarpellon e Maria Dag mar da Rocha , amigas

queridas, colegas de profissão e parceiras de mestrado que partilharam comigo

momentos inesquecíveis. Incentivaram-me a continuar lutando por uma Enfermagem

mais humanizada, através de seus exemplos de vida profissional.

À amiga enfermeira Luciene Regina Sowek, que não mediu esforços para auxiliar-

me neste desafio. Pelas palavras de ânimo e da certeza da vitória. Pelo exemplo de

acreditar em uma Enfermagem, que apesar das contradições, é o que realiza o

nosso viver.

À Susana Soares Tozetto , pedagoga amiga, que me incentivou a adentrar na

academia, acompanhando toda minha trajetória até aqui. A quem agradeço o

incentivo e a ampliação do meu olhar como enfermeira docente.

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RESUMO

“A Bioética na formação do profissional Enfermeiro: contribuições para um cuidado mais humanizado”, é um estudo que tem como objetivo geral analisar a contribuição da Bioética para a formação do profissional Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. A partir da ótica dos alunos e docentes do curso de Enfermagem analisar a contribuição da Bioética na formação do profissional Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. Esse estudo focaliza a bioética no curso de Enfermagem para uma assistência humanizada tendo, como método teórico, o materialismo histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. Para a realização dessa investigação, foi efetuada uma revisão da literatura buscando na história, a evolução da Enfermagem e do seu ensino no Brasil. São sujeitos desta pesquisa, alunos e docentes do curso de Enfermagem de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, Paraná. A coleta de dados foi feita por meio da técnica do Grupo Focal, cujos resultados foram analisados com o auxílio da Análise de Conteúdo de Bardin, tendo como categorias de análise: a) condições objetivas de trabalho; b) humanização/humanizador; c) dicotomia teoria/prática. A pesquisa revelou que: a) A Bioética assume importante papel na formação do profissional Enfermeiro. Ela contribui para um cuidado mais humanizado e oportuniza ao Enfermeiro o repensar de sua prática. A preocupação com uma formação humanizada se manifesta ao longo dos cursos, ora pela postura de alguns professores, ora pela abordagem em diferentes disciplinas. b) Há necessidade de humanizar os docentes na relação docente/discente. c) A humanização assume certa complexidade na sua definição e operacionalização, devendo envolver todos os segmentos da comunidade. O estudo apontou, também, alguns caminhos para a formação do profissional enfermeiro.

Palavras-chave: Humanização. Formação. Enfermeiro. Bioética

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ABSTRACT

“The Bioethics in the formation of the professional Nurse: contributions for a more humanitarian care”, that has as general aim to analyze the contribution of the Bioethics for the formation of the professional nurse in a more humanitarian care. This study wants to analyse the contribution of Bioethics in the formation of the professional nurse in a humanitarian care from the view of the Nursing students and to verify, the conception of humanitarian care and its materialization in the practice from the view of the professional Nurses. This study focuses the bioethics in the nursing course for a humanitarian assistance, focusing as theoretical reference, the historical-dialectical materialism. In order to achieve this inquiry, a revision of literature was effected searching in history, the Nursing evolution and its education in Brazil. Students and professors of the Nursing course of two Institutions of Superior Education of Ponta Grossa city, Paraná, are involved in this research. The data was got by the Focal Group technique, and the results had been analyzed with the aid of the Bardin Content analysis, dividing the results in categories such as: a) objective conditions of work; b) humanitarianism/humanitarian activity; c) dichotomy theory/practice. The research revealed that: a) The Bioethics assumes important role in the formation of the professional Nurse. It contributes for a humanitarian care and allow nurses to rethink their practices. The concern about a humanitarian activity appears during the academic formation, showed in the professors’ attitudes, or it can be showed in different subjects. b) It is necessary to humanize the professors in the relationship between teacher/student. c) The humanitarianism assumes certain complexity in its definition and implantation, and it is necessary to consider the involvement of all community segments. The study presented, also, some ways for the formation of the professional nurse. Key-words: Humanitarianism. Formation. Nurse. Bioethics.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10 CAPÍTULO I ......................................... .....................................................................25 HISTÓRIA DA ENFERMAGEM, DO SEU ENSINO E SUA RELAÇÃO COM A PRÁTICA SOCIAL..................................... ...............................................................25 1.1 HISTÓRIA DA ENFERMAGEM E DO SEU ENSINO NO MUNDO E A

PARTICIPAÇÃO DE FLORENCE NIGHTINGALE...............................................26 1.2 HISTÓRIA DA ENFERMAGEM E DO SEU ENSINO NO BRASIL ......................40 CAPÍTULO II ........................................ .....................................................................51 A BIOÉTICA E SUA RELAÇÃO COM O CUIDADO HUMANIZADO N A SAÚDE ...51 2.1. TECNOLOGIA, TECNOCIÊNCIA E A BIOÉTICA ..............................................52 2.2 A BIOÉTICA E O CONTEXTO SOCIAL ..............................................................52 2.3 A HUMANIZAÇÃO ..............................................................................................58 2.4 A ÉTICA KANTIANA NA BIOÉTICA E NO SEU ENSINO ...................................63 2.4.1 A ética através da história .............................................................................63 2.4.2 O pensamento ético de Immanuel Kant .......... .............................................65 2.4.3 Pensamento ético de Kant e a Bioética........ ................................................67 2.4.4 Kant na pedagogia e no ensino da Bioética .... ............................................68 3.1 O CAMINHO PERCORRIDO ..............................................................................73 3.2 Sobre a técnica do Grupo Focal (GF) .................................................................75 3.3 Participantes do Grupo Focal: algumas considerações ......................................76 3.4 Planejamento do Grupo Focal.............................................................................77 3.4.1 Equipe ....................................... ......................................................................78 3.4.2 Orçamento .................................... ..................................................................78 3.4.3 Grupo........................................ .......................................................................78 3.4.4 Conteúdo..................................... ....................................................................80 3.4.5 O ambiente e os recursos utilizados .......... ..................................................80 3.4.6 Convite ...................................... ......................................................................81 3.4.7 Cronograma ................................... .................................................................82 3.4.8 Condução da sessão (grupo Focal de Alunos) ... ........................................83 3.4.8.1 Organização da sala de dinâmica: ................................................................83 3.4.8.2. Acolhimento dos sujeitos da pesquisa:.........................................................84 3.4.8.3 Técnica para descontração e para eleição do pseudônimo. .........................84 3.4.8.4 Explanação sobre a técnica ..........................................................................84 3.4.8.5 Assinatura da lista de presença e leitura e assinatura do Termo de Consentimento livre e esclarecido.............................................................................85 3.4.8.6 Apresentação dos participantes ....................................................................85 3.4.8.7 Início das perguntas norteadoras e finais:.....................................................85 3.4.8.8 Síntese dos principais temas abordados.......................................................86 3.4.8.9 Agradecimentos da pesquisadora .................................................................86 3.4.9 Condução da sessão (Grupo Focal de Professoras)........................................86 CAPÍTULO IV........................................ ....................................................................88 CONTRIBUIÇÃO DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONA L ENFERMEIRO PARA UMA ASSISTÊNCIA HUMANIZADA......... ...........................88 4.1 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE TRABALHO........................................................90 4.1.1 Pressão exercida (colegas da equipe/instituiç ão).......................................90

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4.1.2 Dificuldades em relação ao contexto social ... .............................................92 4.2 HUMANIZAÇÃO / HUMANIZADOR ....................................................................92 4.2.1 Múltiplos olhares sobre a Humanização ........ ..............................................93 4.2.2 Universos da Humanização..................... ......................................................97 4.2.3 Humanização e a Formação ..................... .....................................................99 CAPÍTULO V......................................... ..................................................................110 CONCEPÇÃO DE ASSISTÊNCIA HUMANIZADA E SUA CONCRETIZ AÇÃO NA PRÁTICA ......................................... .................................................................110 5.1 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE TRABALHO......................................................112 5.1.1 Pressão exercida (colegas da equipe/instituiç ão).....................................112 5.1.2 Dificuldade em relação ao contexto social .... ............................................114 5.2 HUMANIZAÇÃO/HUMANIZADOR ....................................................................116 5.2.2 Universos da Humanização..................... ....................................................119 5.2.3 Humanização e Formação ....................... ....................................................121 5.3 DICOTOMIA TEORIA/PRÁTICA .......................................................................128 UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA...NOVO PONTO DE PARTIDA..........................136 APÊNDICES ...........................................................................................................150

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa não é um resultado individual, mas está intimamente

ligada a circunstâncias e pessoas com quem foram partilhadas idéias, olhares,

momentos, leituras e discussões, que foram tecendo assim esta produção, bem

como, ampliando o meu olhar de pesquisadora através da reflexão da Enfermagem1

na sua totalidade.

Considerando a minha formação em Enfermagem, a decisão em

cursar mestrado na área da Educação deu-se em função das atividades que vêm

sendo por mim desempenhadas na formação de profissionais Enfermeiros,2

associadas às reflexões que se formaram durante a minha trajetória de atuação na

área. Essa experiência permitiu-me visualizar que a formação inicial assume grande

importância no panorama das intervenções, objetivando a melhoria da assistência

de Enfermagem, ou seja, um cuidado humanizado. Adentrar na área da Educação

foi de grande significância. Desvelou-se um conhecimento que vem ao encontro das

inquietações que assolam a Educação em Enfermagem.

Este trabalho pretende trazer à tona algumas reflexões sobre a

formação do profissional Enfermeiro no que se refere à humanização dos cuidados

realizados pelo mesmo. Ao revisitar a história da Enfermagem, sob o olhar de

apreensão das condições objetivas de trabalho, compreende-se a dicotomia

instalada na atualidade em relação ao desenvolvimento técnico-científico e à

prestação do cuidado humanizado. Deparei-me com uma profissão que sofreu

diversas transformações e que vem acompanhada de contradições que são

vivenciadas no cotidiano. A Enfermagem desenvolve-se numa teia, como todas as

instituições sociais. Os aspectos políticos e sociais exerceram e exercem grande

influência em toda sua trajetória histórica bem como no seu cotidiano.

1Enfermagem: uma disciplina profissional que adota uma perspectiva teórico-filosófica, característica das ciências sociais humanas, que tem finalidade prática e social e é executada através de um processo de trabalho compartilhado entre os membros da profissão e que acontece em um sistema que é de natureza interdisciplinar (NEVES, 2002, p. 81). Enfermagem: abrange diferentes categorias de trabalhadores, com diferentes níveis de instrução: o enfermeiro, o técnico de enfermagem e o auxiliar de enfermagem (GERMANO, 1985, p. 10). 2Neste trabalho far-se-á uso do termo ENFERMEIRO, gênero masculino, por opção própria tendo em vista a profissão ser exercida por homens e mulheres com predomínio destas em relação ao número de enfermeiros atualmente no Brasil.

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A Bioética,3 sendo uma das áreas do conhecimento humano que

mais vêm crescendo nos últimos trinta anos em todos os quadrantes da terra, e por

causa de seu importante lugar na sociedade contemporânea (PESSINI, 1997), vem

ao encontro do resgate da dignidade humana, enaltecendo a valoração da vida, num

cenário onde o sistema capitalista ganha expressão supervalorizando o “ter” sobre o

“ser”. Nesse espaço aparece a Enfermagem, na qual o cuidado humano ganha

expressão, sendo este considerado o cerne da profissão.

Desde os primórdios da humanidade, o ser humano, quando

assolado pela doença, foi atendido e cuidado por outro indivíduo. Esse legado se

perpetua até os dias atuais.

O verbo cuidar denota atenção, cautela, desvelo e zelo. Representa

mais que um momento de atenção. Na realidade é uma atitude de preocupação,

ocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o ser cuidado.

A história, por sua característica dinâmica, tem mostrado que o

cuidado dispensado aos doentes sofreu modificações ao longo do tempo no que se

refere à pessoa do cuidador (aquele que cuida). Familiares, escravos, membros da

Igreja, senhoras viúvas e ricas da sociedade, realizavam cuidados aos doentes. Nos

primórdios do cristianismo, através da instituição do diaconato, nasce a Enfermagem

como um serviço organizado; (SILVA, 1989) passando então ela a dispensar os

cuidados para aqueles que deles necessitavam.

A assistência é a razão de ser da Enfermagem, a pessoa é o cerne

da profissão do Enfermeiro, e o cuidado humano a sua expressão de trabalho. Este

sofre divergências na forma como é executado pelos profissionais da área de saúde.

Os princípios fundamentais, conforme o Código de Ética dos Profissionais de

Enfermagem, salientam o compromisso com a saúde do ser humano.

De acordo com Neves,

o desenvolvimento teórico do cuidar em enfermagem iniciou na década de 50 com Madeleine Leininger quando passou a defender as concepções de que o cuidado é uma necessidade humana essencial e cuidar é a essência da enfermagem e um modo de alcançar saúde, bem estar e a sobrevivência das culturas e da civilização (NEVES, 2002, p. 79).

3 Termo que designa um estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais. (SGRECCIA. MANUAL DE BIOÉTICA, 1996)

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Na execução do cuidado torna-se importante a associação de

conhecimentos técnico-científicos acrescidos de uma abordagem humanística4.

Nesta percepção, concordo com Watson quando aborda que o humanismo engloba

e se preocupa com a compreensão e avaliação das metas e experiências, as

diferenças individuais e suas singularidades (WATSON 1988 apud WALDOW, 1995,

p. 14).

Quando me reporto à formação do profissional Enfermeiro, recorro à

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) a qual propõe

alterações curriculares que possibilitem a formação de Enfermeiros críticos e

reflexivos, aptos a atuar em diferentes situações da realidade brasileira. Daí vê-se a

importância de formar profissionais com esse perfil, que tenham suas ações

pautadas em princípios éticos e humanitários. Portanto, um ser pensante,

humanista, possuidor de uma visão do ser humano e do mundo que o rodeia.

No entanto, o ensino de Enfermagem, em geral, tem se ocupado de

formar profissionais com conhecimentos científicos e habilidades técnicas, ficando o

atendimento humanizado a desejar, ou seja, sua formação inicial está centrada nos

aspectos do saber fazer em detrimento do ser. Reafirmo esse pensamento com as

palavras de Saupe que diz:

A pedagogia tecnicista, a partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, está muito presente ainda no ensino da enfermagem (SAUPE, 1998, p. 156).

A divisão do conhecimento e do trabalho acarreta como

conseqüência a visão compartimentada do homem. O tecnicismo dificulta a

visualização, pelos profissionais Enfermeiros, do paciente como um ser único,

dotado de autonomia e com necessidades individuais que transcendem o

conhecimento científico e a habilidade técnica. O profissional Enfermeiro necessita

ter domínio e competência no manejo das máquinas, porém, compreender o doente

em sua totalidade, individualizar seu tratamento, valorizar seus temores, problemas

e necessidades, são aspectos de grande importância, muitas vezes esquecidos,

4 Entende-se por abordagem humanística a abordagem precedida do respeito ao doente em que a pessoa do doente assume valoração acima da doença que o acomete.

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nem sempre levado em consideração. Decisões importantes são tomadas em

relação ao paciente5 sem ao menos lhe dirigirem a palavra ou um olhar.

De acordo com Fortes:

O respeito à pessoa humana é um dos valores básicos da sociedade moderna, fundamentando-se no princípio de que cada pessoa deva ser vista como um fim em si mesmo e não somente como um meio (FORTES, 1998, p. 13).

Todo ser humano, quando na posição de paciente, deve ser tratado

em virtude de suas necessidades de saúde.

Com o crescente aumento das especializações e da evolução

técnico-científica, ocorre um afastamento progressivo do profissional em relação aos

seus pacientes, tornando a relação entre eles cada vez mais impessoal e

despersonalizada. Percebo também que esse progresso resultou numa

fragmentação do conhecimento sobre as patologias e conseqüentemente, na

visualização do ser como um todo. Na área da saúde, essa fragmentação é

cotidianamente realizada. Verifico que os pacientes são tratados e conhecidos

através de suas patologias, órgãos, um caso, dificultando o atendimento integral

humanizado, com abrangência biopsicossocial e espiritual.

Na área da saúde, mais precisamente na Enfermagem, a

humanização torna-se tema central, tendo em vista que as atividades de

Enfermagem estão intimamente relacionadas à dignidade6 do ser humano,

impregnadas de consideração pelo semelhante, amalgamadas pelo cuidar ético,

pois é um serviço prestado ao ser humano.

Em contrapartida, o momento atual é cerceado de mudanças cada

vez mais rápidas e complexas, advindas do progresso vertiginoso que ocorre no

mundo e no qual o ser humano se encontra inserido. O progresso é bem vindo,

porém, conflitos surgem principalmente no campo da ética, trazendo reflexos ao ser

humano. Sampaio (2004, p. 30) colabora dizendo que “estamos vivendo uma crise

global profunda, onde o vazio existencial e afetivo favorece a miséria, a violência, a

corrupção, o medo, resultado da fragilidade das relações e dos valores humanos”.

5 Paciente: neste trabalho será utilizado este termo para designar seres humanos que necessitam de cuidado de outros seres humanos em qualquer fase do seu ciclo vital e do ciclo saúde-enfermidade (HORTA, 1979, p. 3). 6 Dignidade: palavra originária do latim dignitate, significando honradez, honra, nobreza, decência, respeito a si próprio (FIGUEIREDO, 2006, p. 374).

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Esse pensar vem ao encontro do que se pretende com esta

pesquisa, ou seja, repensar a formação do profissional Enfermeiro, na qual a

Bioética tenha atuação, contribuindo para revitalizar as relações entre os seres, cujo

cuidado constitui o vínculo entre eles.

Minayo (2000) expõe que nada pode ser intelectualmente um

problema se não tiver sido, num primeiro momento, um problema da vida prática.

Diante dessa afirmação e do exposto anteriormente, considero importante ressaltar

a minha trajetória como profissional Enfermeira, tendo em vista que fui responsável

pela seleção do tema desta pesquisa. Em minha experiência profissional de mais de

duas décadas, atuei no cuidado de pessoas doentes, e como docente na formação

de novos profissionais Enfermeiros, dentro e fora do âmbito hospitalar, inclusive no

acompanhamento de alunos em estágio nas Unidades de Terapia Intensiva. Nestas

Unidades, percebi que tanto alunos como profissionais Enfermeiros apresentavam

dificuldades em perceber o paciente como um ser humano possuidor de valores,

com suas crenças, seus medos. Isto me permitiu fazer uma profunda reflexão sobre

a atuação do Enfermeiro, bem como visualizar lacunas em sua formação inicial, não

do ponto de vista técnico, mas sim em relação à pessoa humana.

Pude conviver por dez anos, de forma muito próxima, com pessoas

portadoras de problemas renais graves, necessitando realizar tratamentos

substitutivos (diálise ou transplante) para continuarem vivas. Durante extenso e

prolongado contato com pacientes e seus familiares, vivenciei importantes situações

onde o relacionamento interpessoal (enfermeira/paciente/família), a visualização do

paciente na sua integralidade e a humanização foram “ferramentas” indispensáveis

para o cuidado, traduzindo-se em benefício para a melhoria da saúde do doente.

Ao assumir a disciplina semestral de Deontologia e Legislação

Profissional de Enfermagem no Curso de Enfermagem de uma Instituição de Ensino

Superior na cidade de Ponta Grossa, PR; solicitei à coordenadora do curso um

possível desmembramento do conteúdo programático, tendo em vista que muitos

temas eram compatíveis com a Bioética, ou seja, a ética aplicada. Após avaliações,

foram realizadas mudanças. Tanto a disciplina de Bioética em Enfermagem como a

de Ética Profissional ficaram com uma carga horária de 36 horas aula. Nesta última

são abordados temas pertinentes aos aspectos legais do exercício profissional do

Enfermeiro.

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Durante as aulas, em relação à interação professor-aluno, notei que a

visualização do aluno como um todo; seus valores e limitações, o respeito a sua

individualidade e a valorização de suas vivências, contribuem significativamente

para a aprendizagem. Penso que essa vivência, em âmbito universitário, possa

servir de referencial para uma futura atuação profissional, permeada pelo respeito,

pelas atitudes humanizantes e pela visualização do todo.

Diante dessa trajetória de vida, ficou muito claro que, no desempenho

da prática profissional do Enfermeiro, a humanização da assistência lhe é cobrada,

porém, a sua efetivação ainda é uma conquista a ser realizada. Diante disso,

surgiram alguns questionamentos. Por que os Enfermeiros prestam uma assistência

do cuidado deficitária no aspecto “humanização”? Existe alguma relação desse

comportamento com os aspectos históricos da profissão? Como está sendo

abordado o cuidado interpessoal na formação? O Enfermeiro tem dado devida

importância às relações interpessoais com seus pacientes? Está sendo trabalhada,

na graduação, a visualização do paciente como um ser possuidor de autonomia? De

que maneira essa situação poderia ser melhorada? Seríamos capazes de construir

um mundo mais humano com a ajuda da Bioética?

Senti então a necessidade de buscar novos caminhos para ajudar na

formação do Enfermeiro. Penso que necessário se faz realizar implementações na

graduação que auxiliem a formar um profissional crítico, capaz de refletir sobre seus

atos, bem como perceber e respeitar o paciente com a dignidade que lhe é devida,

visualizando-o como pessoa em toda a sua integralidade.

Afirmar que a formação inicial pretende resolver todos os problemas

na atuação do Enfermeiro é no mínimo pretensiosa, mas tenho clareza de que uma

boa formação7 na academia contribui para profissionais críticos e reflexivos no

mercado de trabalho, em estreita articulação com a prática profissional desenvolvida

hoje, favorecendo, assim as mudanças humanísticas que se fazem necessárias.

Desta forma considera-se o tema: “Contribuições da Bioética na formação do

profissional Enfermeiro para um cuidado mais humanizado” relevante, tendo em

vista que diante dos progressos científicos e tecnológicos que a humanidade tem

acompanhado nos últimos tempos, urgente se faz que tenhamos profissionais da

área de saúde que visualizem o doente como sujeito e não como objeto. Que

7 Entendo por boa formação, formar o Enfermeiro não só tecnicamente competente, mas também possuidor de valores humanos baseado em uma postura filosófica voltada ao cuidado humanizado.

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valorizem o doente em detrimento da doença, levando em consideração sua

singularidade, seu momento, seu contexto, sua individualidade.

Desta forma, tomei como objeto de estudo desta pesquisa, o ensino

da Bioética na formação do profissional Enfermeiro procurando investigar (através

de professores e alunos) se este tem contribuído para um cuidado mais

humanizado, tendo em vista a importância, bem como a necessidade que se verifica

no contexto atual, de uma formação do profissional Enfermeiro pautada em valores

humanos.

A minha prática profissional, associada às reflexões provenientes da

Bioética, na qual a dignidade humana e o respeito à vida são altamente valorizados

e onde foi encontrado referencial teórico para postulados que vivenciei enquanto

enfermeira assistencial e formadora; foram os responsáveis por este

questionamento: Estaria o ensino da Bioética na Enfermagem contribu indo na

formação do profissional Enfermeiro para prestar um cuidado mais

humanizado?

As indagações continuaram: De que maneira estaria a preocupação

com o atendimento humanizado presente nos cursos de Enfermagem hoje? Como

isto se expressa no Projeto Político Pedagógico dos cursos? Como se concretiza na

prática?

Tomando como objeto de estudo o ensino da Bioética na formação

do profissional Enfermeiro para um cuidado mais humanizado, recorro a teses,

dissertações, artigos, ao Conselho Nacional de Educação bem como ao Projeto

Pedagógico de Cursos de Graduação em Enfermagem das instituições

selecionadas. Procurei levantar subsídios para a contextualização do referido objeto

realizando um levantamento da temática escolhida.

Entendo que diante dos avanços científicos e tecnológicos na área da

saúde, grandes desafios serão enfrentados pelos indivíduos num futuro próximo,

principalmente os profissionais da saúde, verificando-se, portanto, no momento

atual, a necessidade de orientação do pensar e do agir ético, priorizando a dignidade

humana, a subjetividade e a solidariedade no contexto social.

Essa preocupação para atender as exigências da sociedade,

encontra-se retratada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação

em Enfermagem, instituídas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) através da

Resolução nº. 3, de 7 de novembro de 2001, cujo art. 4º, trata das competências e

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habilidades gerais de que devem ser dotados os profissionais Enfermeiros. O inciso I

do referido artigo, intitulado “Atenção à Saúde”, aborda que:

[...] Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo (BRASIL, 2001).

Também se exige do profissional Enfermeiro uma formação de

competências e habilidades específicas que constam no art. 5º da mesma

Resolução, onde destaco:

XIII - assumir o compromisso ético, humanístico e social com o trabalho multiprofissional em saúde;

XXIII - gerenciar o processo de trabalho em enfermagem com princípios de Ética e Bioética, com resolutividade tanto em nível individual como coletivo em todos os âmbitos de atuação profissional (BRASIL, 2001).

Percebo a importância de citar alguns incisos do art. 14, os quais

referem que a estrutura do Curso de Graduação em Enfermagem deverá assegurar:

VI – a definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber, o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constitui indispensáveis à formação do Enfermeiro;

VIII – a valoração das dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno e no enfermeiro atitudes e valores orientados para a cidadania e para a solidariedade (BRASIL, 2001).

Diante do que está posto, pode-se constatar que a Bioética, a

valoração das dimensões éticas e humanísticas, a utilização de estratégias

pedagógicas que articulem os saberes do profissional, entre eles o saber ser e a

aprender a viver juntos, estão presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais.

Na tentativa de contextualizar meu objeto de estudo, lanço também

um olhar sobre os Projetos Didático - Pedagógicos dos Cursos de Enfermagem das

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Instituições de Ensino Superior “Lâmpada” e “Verde Esmeralda8”, da cidade de

Ponta Grossa. O interesse estava em verificar de que forma os Projetos

Pedagógicos abordavam a formação humanizada do profissional Enfermeiro numa

assistência humanizada.

No Projeto Didático-Pedagógico do curso de Enfermagem da

Instituição de Ensino Superior “Lâmpada”, a proposta sinaliza uma ação pedagógica

na assistência de Enfermagem Humanizada, dispondo a formação de um

profissional com uma visão generalista, humanista, crítica, reflexiva e responsável.

Um Enfermeiro, cujas ações sejam pautadas em princípios éticos e bioéticos, não se

encerrando suas ações com o ato técnico, mas sim com a resolução dos problemas

de saúde.

Percorrendo as disciplinas que permeiam a grade curricular,

visualizei, nas disciplinas de Antropologia Filosófica, Psicologia da Educação,

Psicologia Hospitalar, Ética Profissional, Enfermagem em Saúde da Criança e do

Adolescente, Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental e Bioética em Enfermagem,

essa perspectiva do cuidado humanizado bem como da atuação do profissional

pautada em princípios éticos.

Na grade curricular desse projeto encontro a disciplina de Bioética

presente. Há uma preocupação em formar profissionais, que ao atuarem na

sociedade, sejam possuidores de ações norteadas por princípios éticos e bioéticos,

nos quais os mesmos concorram para uma assistência de Enfermagem

humanizada.

No Projeto Didático-Pedagógico do curso de Enfermagem da

Instituição de Ensino Superior “Verde Esmeralda”, observo a mesma proposição

quanto à formação do Enfermeiro voltado para uma assistência mais humanizada.

Percebo uma ênfase no domínio de conteúdos científicos, técnicos, éticos e

humanistas. Esse Projeto não contempla em sua grade curricular a disciplina de

Bioética, ficando as reflexões pertinentes ao assunto restritas à disciplina de

Fundamentos de Enfermagem I.

8 Nome fantasia atribuído às Instituições de Ensino Superior do Paraná investigadas, salvaguardando a identidade por princípios éticos. Em Enfermagem, a lâmpada é um símbolo utilizado pela precursora da enfermagem (Florence Nightingale) e o verde esmeralda é a cor designada pelo Conselho Federal de Enfermagem para a enfermagem.

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Nessa disciplina há uma abordagem de assuntos pertinentes à

Bioética. No entanto, há uma diluição desta ética aplicada. Sua centralidade está na

ética da ação profissional referenciada pelo Código de Ética e pela Lei do Exercício

Profissional.

Não visualizei outras abordagens, na grade curricular, sobre temas

que objetivassem reflexões para uma assistência humanizada do cuidado.

Ao realizar um levantamento das pesquisas elaboradas na área de

interesse, recorro à internet (lilacs, scielo, medline), bem como a bibliotecas e

setores específicos como Comitê de Bioética. Saliento que houve dificuldade na

aquisição de material pela escassez de literatura relativa às temáticas: Enfermagem,

Bioética, formação, humanização.

Diante das minhas indagações, enquanto pesquisadora,

principalmente em relação ao ensino da Bioética levando a uma possível

humanização da assistência, encontrei realidades diversas. Certifiquei que no Peru o

ensino, as discussões dos assuntos relativos à Bioética são uma constante, há mais

de uma década nos cursos de Enfermagem. No VI Congresso Mundial de Bioética

(2002) foi lançado um CD Room: El CD Room para la enseñanza de la Bioética, com

intuito de auxiliar o ensino. Encontrei na Asociación Peruana de Facultades y

Escuelas de Enfermaría um artigo intitulado Enfermería: formación ética para las

vidas (1999), que aborda os fundamentos de uma proposta pedagógica para a

formação ética e bioética das futuras Enfermeiras e Enfermeiros do Peru, que são

resumidos como uma ética para a vida.

Atravessando o oceano, pude perceber que, além do Peru, também

Portugal possui em suas faculdades o ensino da Bioética, como se pode confirmar

no artigo O Ensino da Bioética nas faculdades de Medicina Portuguesas (SILVA,

2003), que apresenta a gênese do ensino da bioética nas faculdades de medicina

daquele país. Dá-se particular relevo aos estudos de humanização em medicina,

iniciados há duas décadas.

Já no Brasil, encontrei ensaios dessas reflexões em cursos de

Instituições de Ensino Superior como Medicina e Enfermagem, como também em

Escolas de nível secundário. No levantamento realizado, a distribuição geográfica

aponta para locais onde essas reflexões aconteciam há mais tempo, como em Porto

Alegre, Brasília, São Paulo e Londrina. Mais precisamente nos cursos de

Enfermagem, as discussões referentes à temática Bioética, estão em fase

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embrionária, porém, o importante é que esse novo olhar já permeia algumas

instituições. A humanização na formação do profissional Enfermeiro ainda é algo a

ser conquistado, como se verificou no artigo intitulado Humanização do atendimento

em saúde: conhecimento veiculado na literatura brasileira de Enfermagem

(CASATE; CORRÊA, 2005). É um estudo qualitativo que analisa a produção

científica sobre “Humanização em saúde /Enfermagem”, compreendendo quais as

concepções sobre a humanização vêm se configurando. Neste estudo foi realizado

um levantamento bibliográfico de 42 artigos de 1950 até 2002 cujo resultado foi de

que a temática é pouco abordada na formação. Diante desse contexto, motivei-me

para dar andamento a esta pesquisa podendo contribuir para diminuir esta lacuna

que se faz presente na formação do profissional Enfermeiro.

Na contextualização do objeto de estudo, saliento que me deparei

com pesquisas que abordam o tema de Bioética sem alusão à humanização, ou

seja, sem uma preocupação com a mesma. Como exemplo, cito a Tese A bioética e

sua presença na educação para a saúde (FIGUEROA, 1998), em que a autora

procura valorizar a importância de condutas profissionais que favoreçam a prática da

bioética nas ações educativas, especialmente o respeito pela livre vontade do

usuário, porém, não faz referência à humanização e tão pouco à discussão da

temática Bioética na formação do profissional.

Entretanto, apesar de não abordar a relação da Bioética no viés da

humanização, encontrei um importante avanço no artigo: A relação Ética e trabalho

em saúde no processo de formação do Enfermeiro, em que a autora faz alusão ao

ensino da ética/bioética na graduação de Enfermagem, considerando a necessária

articulação dos conteúdos e referenciais norteadores da reflexão ética/bioética com

as experiências práticas de ensino.

No artigo Como conciliar humanização e tecnologia na formação de

enfermeiras/os (MEYER, 2002), a autora discute a incorporação do tema da

humanização do cuidado no contexto da Enfermagem brasileira, sem, contudo, fazer

alusão à Bioética.

Pude constatar em Tealdi, 1993, no seu artigo: Enseñar la bioética

como nuevo paradgima a los profesionales de la salud, outro avanço. Essa pesquisa

aborda a necessidade de ensinar a Bioética na formação dos profissionais de saúde,

o que poderia ajudar, segundo a autora, em um verdadeiro estado de consciência

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dos princípios bioéticos, em uma melhor e muito mais humana e solidária atenção

aos pacientes nos centros de saúde assim como a seus familiares.

A mesma visualização percebi no artigo Bioética em la educación

para la salud: componentes essenciales em enfermería (MASALAN, 2002), em que

a autora destaca a necessidade de valorizar a Bioética no contexto da educação

para a saúde, considerando os componentes essenciais para a Enfermagem na

tarefa de humanizar a atenção na saúde.

No trabalho realizado por Gomes (1996) o autor vê a necessidade de

que se inicie uma formação ética do profissional da área nas disciplinas básicas. Um

curso teórico de introdução à bioética, a ética aplicada ao ambiente do ensino e

relativa ao respeito ao cadáver, aos mestres, animais de experiência e até à postura

acadêmica.

Observei também que na maioria dos cursos de graduação em

Enfermagem, o conteúdo da disciplina de Ética Profissional se restringe à

deontologia (estudo de deveres), não atendendo a um dos objetivos primordiais da

educação que é o desenvolvimento de comportamento moral nos alunos. O

comportamento moral é movido por valores interiores da pessoa, não pelo

conhecimento da norma e/ou o medo à punição advinda dos processos éticos. Em

relação a este prisma, pude notar um avanço.

Diante das leituras efetuadas, percebo que há uma tendência em

substituição da ética deontológica pela Bioética vislumbrando um novo horizonte no

cuidado.

Em relação à importância do ensino da Bioética, Pessini;

Barchifontaine (1997), salientou que se torna urgente introduzir nos currículos de

formação dos profissionais da saúde a disciplina de Bioética. Já Selli (2002)

ressaltou que não é mais possível desconsiderar a Bioética nas ciências biomédicas,

principalmente, na Enfermagem. Neves (1996) diz que a Bioética designa uma nova

disciplina, que recorre às ciências biológicas para melhorar a qualidade de vida do

ser humano, permitindo ao homem participar desse processo.

Neste breve levantamento dos estudos pertinentes a essa questão,

verifiquei que há determinados avanços nos quais o ensino da Bioética é uma

constante há décadas. Algumas pesquisas relatam a Bioética na formação, sem

relacionar com a humanização. Outras abordam a humanização fora do contexto da

Bioética. Outras ainda vêem a importância de se ter a Bioética na formação, com

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alusão à humanização da assistência, colocando que esta é “como uma seiva” no

Curso de Enfermagem. Por seu turno, os trabalhos que relacionam Bioética –

formação – humanização não abordam necessariamente a Bioética enquanto

disciplina, e se alguns o fazem, não abarcam esta relação da Bioética na formação

do profissional Enfermeiro objetivando a humanização.

Assim sendo, meu questionamento sobre a contribuição da Bioética

na formação do profissional Enfermeiro para prestar uma assistência mais

humanizada persistiu. Nessa perspectiva, os trabalhos não avançam, daí

reafirmando novamente a importância deste estudo.

Tendo como objetivo geral analisar a contribuição da Bioética para a

formação do profissional Enfermeiro em um cuidado humanizado, e como objetivos

específicos: analisar, a partir da ótica dos alunos do curso de Enfermagem, a

contribuição da Bioética na formação do profissional Enfermeiro em um cuidado

mais humanizado e verificar, a partir da ótica dos profissionais Enfermeiros, a

concepção de cuidado humanizado e sua concretização na prática; esse estudo

focaliza a Bioética no curso de Enfermagem para uma assistência humanizada.

Diante da dicotomia entre o desenvolvimento técnico-científico e a

despersonalização, desvalorização do homem como pessoa, lancei um olhar ao

docente Enfermeiro e para o acadêmico de Enfermagem, verificando neste processo

de formação a contribuição da Bioética em Enfermagem no que se refere à

realização de um cuidado humanizado, fornecido ao paciente pelo profissional em

questão.

Partindo do pressuposto que o conhecimento científico faz uso de

metodologias para captar a realidade, optei pelo método histórico-dialético, numa

abordagem qualitativa. Sendo, professores e alunos, sujeitos historicamente

constituídos, inseridos num contexto social, importante se faz o estabelecimento de

um enfoque metodológico que se relacione à necessidade de obter uma

aproximação com sujeitos que desvelem a essência de suas vivências e

experiências, possibilitando a captura das perspectivas dos participantes, buscando

entendê-los numa totalidade concreta. Gadotti (2003, p. 25) vem em meu auxílio

dizendo que: “o pressuposto básico da dialética é que o sentido das coisas não está

na consideração de sua individualidade, mas na sua totalidade, em que tudo tem

que ver com tudo, nada é isolado”.

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Este trabalho compõe-se de cinco capítulos. No primeiro encontram-

se os aspectos históricos da profissão de Enfermagem, considerando que essa

prática social é historicamente constituída e que a formação deste profissional

possui repercussões que atravessam o tempo e eclodem na atualidade. Focalizando

o sistema econômico capitalista e seus reflexos na história da Enfermagem e no

momento atual, esse capítulo apresenta também a trajetória do ensino de

Enfermagem, trazendo ao leitor uma visualização dos obstáculos percorridos, o

progresso realizado, e os desafios hoje ainda presentes na formação deste

profissional.

O segundo capítulo faz alusão à Bioética como ética aplicada e sua

relação com o cuidado na saúde. Essa conceituação remete a discussões sobre a

humanização na sociedade e o ensino nas áreas de saúde. Tais discussões, em

geral, foram permeadas com o modelo biomédico de educação instalado, com a

tecnociência e tecnologia no mundo e com os dilemas éticos enfrentados pelo

mundo atual.

Compõe o terceiro capítulo o caminho metodológico percorrido para

aquisição do conhecimento gerado. Utilizo como metodologia o método histórico-

dialético, numa abordagem qualitativa. Faço menção à técnica de coleta de dados

selecionada, o Grupo Focal, onde a entrevista e a observação encontram-se

inseridas, como instrumentos privilegiados para a consecução da técnica. Pela sua

natureza qualitativa, esta técnica está sendo largamente utilizada no campo da

Saúde quando se tem como objetivo obter informações de como as pessoas

pensam, sentem ou agem em relação a determinado tópico. Ao realizar Grupo Focal

de alunos e professoras do curso de Enfermagem, pude obter respostas pertinentes

às minhas indagações como também se desvelaram horizontes nunca antes

vislumbrados.

Estão contidas no quarto e quinto capítulos as análises dos dados

obtidos nesta pesquisa, onde realizei inferências pertinentes aos objetivos traçados.

A contribuição dos sujeitos da pesquisa, acadêmicos e docentes, foi de suma

importância. Para análise dos dados me apoiei em Bardin, na Análise do Conteúdo.

Definida esta como um conjunto de técnicas de análise de comunicações, com o

objetivo de obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos

às condições de produção/recepção destas mensagens (BARDIN, 1977).

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À guisa de conclusão, levantei alguns pontos que me permitem

ampliar a compreensão do objeto de estudo, bem como apontar caminhos para

outros trabalhos que podem vir a ser objeto de futuras pesquisas.

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CAPÍTULO I

HISTÓRIA DA ENFERMAGEM, DO SEU ENSINO E SUA RELAÇÃO COM A PRÁTICA SOCIAL

“A história da Enfermagem ocorre paralela à própria história da profissão, sofrendo influências dos princípios que fundamentam seus marcos conceituais, dos objetivos que

sustentam ou embasam a criação de suas várias entidades, enfim, das próprias lutas ideológicas que se travam a partir de diferentes concepções de mundo presentes na sociedade

e que repercutem na prática profissional das enfermeiras”.

Enfermeira Raimunda Medeiros Germano

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1.1 HISTÓRIA DA ENFERMAGEM E DO SEU ENSINO NO MUNDO E A PARTICIPAÇÃO DE FLORENCE NIGHTINGALE

Para melhor entender o papel do Enfermeiro necessita-se ter

compreensão da Enfermagem como prática social historicamente determinada. As

práticas de saúde, bem como a educação, não se dão de forma isolada. Encontram-

se num contexto mais amplo, no qual as relações sociais e políticas são fatores

determinantes, exercendo repercussões diretas sobre a Enfermagem. Daí a

importância de focar o olhar nos aspectos históricos e em sua evolução.

Conhecendo o ontem poderemos entender melhor o hoje e assim construir o

amanhã.

De acordo com Figueiredo:

A enfermagem é uma profissão de amplas atividades e abordagens, não podendo ser entendida apenas pela virtude da técnica, mas sim da prática científica, social, política, econômica, estética e ética que culmina numa arte de cuidar (FIGUEIREDO, 2005, p. 2).

Ela vem se desenvolvendo através dos séculos e notadamente é

possuidora de características tais como arte, ciência e ideal. Na arte, dão-se ênfase

à estética, à intuição e à criatividade. Enquanto ciência, a experiência, a observação

e a validação tornam-se os pilares básicos para a Enfermagem. O ideal da profissão,

no dizer de Paschoal, Mantovani e Polak (2002, p. 7): “é a sua valorização, que

imprime respeito, o orgulho e a dignidade daqueles que a praticam”.

Possui ligação intrínseca com o cuidado. A necessidade de cuidado

advém, na maioria das vezes, de situações em que a saúde sofreu abalos, cedendo

lugar à doença. Esta, por sua vez, sempre esteve associada ao homem desde a vida

sobre a terra, em suas tentativas de lidar com ela da melhor forma que conhecia. A

doença era temida e suas conseqüências percebidas no desenvolvimento dos

grupos, quer pela mortalidade quer pela incapacidade para a luta na conquista de

territórios.

Nos primórdios, o espírito de servidão, entendido como inclinação

natural de doação e auxílio ao próximo, conduzia o trabalho da Enfermeira. Somente

mais tarde, com a aquisição do conhecimento científico, a profissão ganha o status

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de ciência. Ciência esta que, agregada à arte do cuidado ao ser humano, tem

atraído muitos, que encontram nela motivo de realização pessoal.

Para se poder compreender a atuação da Enfermagem na sociedade

moderna, mister se faz conhecer a história da civilização, a luta pelo combate da

doença e relação desses fatores com a evolução da Enfermagem.

Têm-se na Enfermagem os modelos religioso, vocacional e

profissional, sendo que no capitalismo o modelo religioso é substituído pelo

vocacional. Nesse pensar, Almeida e Rocha contribuem dizendo:

O modelo religioso de enfermagem emerge no mundo cristão, atravessa a Idade Média e vai se defrontar com o século XIX, e com a ascensão da burguesia e sua instalação como classe social dominante, que dará o significado de arte ou vocação à prática de enfermagem, para tornar possível o treinamento de alguns agentes. Portanto, no capitalismo o modelo religioso é substituído pelo vocacional (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 45).

A Enfermagem ganhou o status de profissão somente no século XIX,

sendo até então constituída por uma prática rudimentar desestruturada. Suas

origens revelam que, inicialmente, as mães foram as primeiras Enfermeiras da

família. Os povos primitivos atribuíam a responsabilidade aos espíritos e as forças

sobrenaturais para tudo aquilo que não conseguiam explicar. Isso incluía as

doenças. Para eles, a doença era um castigo de Deus, e os espíritos diabólicos os

responsáveis por trazerem conseqüências maléficas para o corpo. Portanto, para

combatê-las recorriam aos sacerdotes ou feiticeiros, que, por sua vez, preparavam

fórmulas mágicas e remédios caseiros, assumindo as funções de Médico,

Farmacêutico e Enfermeiro. Tais serviços não eram sistematizados, mas sim,

realizados de forma empírica e intuitiva.

A história revela que, em seus primórdios, a Enfermagem e a

Medicina estavam extremamente ligadas ao Cristianismo, que via os pobres e

enfermos como objetos de benevolência. Relação esta que se perpetua até hoje,

com manifestações na prática social da Enfermagem.

Os que atuavam nessa profissão eram pessoas ligadas à Igreja que

procuravam salvar sua alma, salvando assim a alma do doente através do cuidado.

A Enfermeira, na pessoa da religiosa, executava o cuidado mediado pelo modelo

religioso (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 37).

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De acordo com Paixão (1979, p. 35), a influência da Igreja se fez

presente na saúde nos séculos IV e V: “grande número de bispos tinham

conhecimento de medicina, o que os colocava duplamente em condições de

organizar e orientar a assistência [...] período de grande florescimento de hospitais”.

Com o advento do cristianismo, os princípios de fraternidade, amor ao próximo e

doação foram difundidos pela Igreja, trazendo repercussão para a Enfermagem

como se verificará adiante.

O advento dos mosteiros9 incentivou a criação dos conventos

femininos sob direção das abadessas que, além de tarefas cotidianas, exerceram

influência no progresso dos hospitais e nos cuidados dispensados aos doentes. Os

monges e monjas da Idade Média tornaram-se os Enfermeiros da sociedade

ocidental.

No século XIII, a degradação moral, a corrupção dos costumes e a

decadência da fé suscitaram no coração de Francisco de Assis uma mudança

radical de vida, levando-o a desapegar-se de todo bem material e viver na pobreza,

sob a misericórdia divina. São Francisco de Assis fundou as ordens religiosas

masculina e feminina, sendo que esta última destinava atenção especial aos

doentes, fornecendo-lhes medicamentos e realizando curativos.

Observei que, no decorrer da história, muitos nomes surgiram com

atividade voltada para o auxílio dos pobres e doentes. Dentre eles, Santa Isabel de

Hungria e Santa Catarina de Siena que pertenciam à nobreza, sendo esta última de

grande expressão na profissão. Segundo Paixão (1979, p. 43): “seu nome deve ser

guardado pelas Enfermeiras como uma das mais perfeitas realizadoras de seu

ideal”.

Ao vislumbrar a história da humanidade percebi as influências que o

gênero, a religião e os aspectos sócio-econômicos exerceram na formação da

Enfermeira, sendo o espírito de abnegação e de servidão fator relevante que não

pode deixar de ser salientado na compreensão da trajetória da Enfermagem.

A influência religiosa também se fez presente dentro da Medicina

quando, na Idade Média, surgiram as primeiras Universidades na área, nas quais o

ensino era exclusivamente exercido por Ordens Religiosas e pelo clero (PAIXÃO,

1979).

9Pequenos núcleos de homens virtuosos que se reuniam para estimular a viver o cristianismo na sua perfeição, estabelecidos, porém, em regiões desertas. (PAIXÃO, 1979, p. 36)

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Concomitantemente com a Igreja, as transformações econômicas e

políticas também tiveram expressiva influência na Enfermagem. De acordo com

Medeiros e Tavares (1997), com a queda da sociedade feudal, a filosofia religiosa

deixou de atender os ideais da nova sociedade. Com a aceitação do lucro e da

riqueza, ou seja, com o advento do capitalismo, e as conseqüentes perdas de

domínio e poder por parte da Igreja, os princípios religiosos foram abandonados.

Essa transformação se fez refletir na Enfermagem, pois mesmo com

o progresso da Medicina e o surgimento dos hospitais, estes passaram, a partir do

séc. XIII, a ter em seu interior pessoas não religiosas (os seculares). O fato da

expulsão dos religiosos dos hospitais trouxe para a Enfermagem um período crítico.

A Enfermagem, ora exercida com exclusividade pela Igreja, sofreu repercussão

imediata em sua prática no momento em que a Igreja foi abalada em seus alicerces,

com a queda do fervor e espírito cristão. Com o fechamento dos monastérios e

abadias, a assistência gratuita fornecida se extinguiu. Os poucos hospitais que

permaneceram com suas portas abertas representavam verdadeiros depósitos. Para

que os doentes não ficassem sem assistência, foi necessário o recrutamento de

pessoas que ocupassem o espaço deixado pelas religiosas. Devido à baixa

remuneração e desorganização, quem se apresentava para assumir essa função

eram aqueles de condição social baixa e de valores morais a desejar. Nessa época,

serviços de Enfermagem passaram a ser executados por mulheres sem qualificação

moral que não conseguiam emprego nas indústrias. Executavam trabalhos variados,

entre eles o cuidado ao doente, em troca de salários baixos (SILVA, 1989). O tipo

comum da Enfermeira era da bêbada, desordeira, mulher de má vida. Muitos

doentes preferiam morrer nas suas casas. Paixão reafirma esse fato, quando nos diz

que, nessas condições, os doentes mais pobres, enquanto tivessem alguém para

cuidar deles em suas próprias casas, mesmo mal alimentados e desprovidos de

conforto, recusavam-se a ir para um hospital (PAIXÃO, 1979).

Essas pretensas Enfermeiras deixavam os doentes morrerem

abandonados e, além disso, ainda extorquiam gorjetas. Carlos Dikens retrata esse

tipo de “enfermeira” ignorante e sem ideal em seu livro “Martin Chuzzlewit” (PAIXÃO,

1979).

Como conseqüência, a imagem do trabalho da Enfermagem passa a

ser refletido na sociedade como uma função de pouco valor, menosprezado,

desempenhado por mulheres de categoria inferior (MEDEIROS; TAVARES, 1997).

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A queda da qualidade e quantidade de pessoas que atendiam os

doentes suscitou uma reforma religiosa. Surgem os nomes de Lutero (Alemanha) e

Calvino (Suíça) que avançam nessa reforma, tendo como objetivo a separação da

Igreja de Roma.

Diante desse cenário e para tomar as providências para a reforma

dos costumes, formou-se o Concílio de Trento (1545-1563), onde a questão da

assistência também recebeu especial atenção. Foram elaboradas recomendações

aos bispos para a organização, manutenção e fiscalização dos serviços hospitalares,

dando assim continuidade à atuação da Igreja sobre os enfermos e seu cuidado,

favorecendo o surgimento de numerosas organizações religiosas dedicadas à

Enfermagem. É nesta data, séc. XVI, que surge São Camilo de Lellis,10 cujo nome é

lembrado na Enfermagem contemporânea pelo auxílio espiritual e profissional que

dispensava aos doentes.

No séc. XVII na França, São Vicente de Paulo destaca-se pela sua

dedicação aos pobres e doentes com obras planejadas e adiantadas para a época,

(PAIXÃO, 1979). Foi fundador de instituições de caridade, entre elas: O Instituto das

Filhas da Caridade, que elevaram a Enfermagem a níveis jamais alcançados

anteriormente. São Vicente de Paulo estabeleceu dois pontos de imenso valor: a

liberdade de ação de suas filhas e a instrução que lhes era dada. Deviam saber ler e

escrever, além de aprenderem os rudimentos da arte da Enfermagem. Além disso,

essas instituições possuíam um programa de ética em relação a atitudes com

médicos e doentes. Para os esclarecimentos científicos, São Vicente recorreu ao

auxílio dos médicos.

Essa iniciativa católica teve repercussão em Paris, na Irlanda, na

Austrália, etc. Em 1836, em Kaiserwerth, na Alemanha, o pastor luterano Theodor

Fliedner e sua esposa Frederika fundam o Instituto das Diaconisas (FONSECA,

2002). Essas congregações religiosas e institutos eram os únicos locais onde se

dava preparo moral à Enfermeira e uma relativa formação científica e técnica.

Porém, apesar da inexigência dos votos de suas seguidoras, possuíam um número

reduzido de pessoas treinadas para oferecer atendimento aos doentes (PAIXÃO,

1979).

10Fundador da Ordem hospitaleira dos Camilianos. Canonizado em 1746. Padroeiro (desde 1930) dos enfermeiros e enfermeiras (ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 1086).

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A Enfermagem estruturou-se como profissão num determinado

momento histórico e numa sociedade determinada. A Enfermagem Moderna11, ou

profissional, tem origem na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, período

em que esta passava por um processo de desenvolvimento econômico-capitalista

conhecido como Revolução Industrial.

Com o capitalismo, o corpo passa a ser expressão máxima,

considerado como força de trabalho. Todavia as condições precárias de saúde da

classe trabalhadora da Inglaterra e a pesada jornada de trabalho imposta

repercutiram na saúde do trabalhador, constituindo ameaça à produção. Diante

desse fato, o governo passa a preocupar-se com a saúde da população, garantindo

condições para que a produção e o lucro se tornassem efetivos (MEDEIROS;

TAVARES, 1997). Nesse pensamento cito Almeida e Rocha que dizem:

A Medicina do capital comanda esta tarefa e para melhor desempenhá-la utiliza-se do Hospital, transformado agora no principal instrumento de recuperação da saúde. Nele destaca-se a importância do trabalho de Enfermagem para a realização dos objetivos da Medicina do capital (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 11).

Torna-se então necessário treinar o pessoal de Enfermagem para

atendimento hospitalar, espaço este, destinado à recuperação da saúde, objetivando

a continuidade do plano social-econômico em expansão, bem como disciplinar a

conduta da Enfermeira, a fim de diminuir os efeitos negativos do hospital, regulando

assim o modo de vida segundo o capitalismo.

Na origem da Enfermagem moderna, a preocupação não recai sobre

os instrumentos de trabalho que permitirão prestar o cuidado, mas sim, sobre o

disciplinamento. Este se tornará o responsável pela sistematização das técnicas de

Enfermagem. O saber da Enfermagem é delineado em relação ao que rodeia o

paciente, como o ambiente, a ventilação, a limpeza, etc. (ALMEIDA; ROCHA, 1989,

p. 48).

Importante citar que nessa época, o trabalho de Enfermagem é

comandado pela técnica disciplinar, dentro de uma hierarquia de poder, com o

objetivo de auxiliar o trabalho do médico. Desse modo, o espaço hospitalar passa a

ser visto como um local adequado para a cura dos doentes.

11O termo “Enfermagem Moderna” refere-se ao ensino de enfermagem sistematizado, com base em princípios científicos, iniciado por Florence Nightingale no século XIX (RIZZOTTO, 1999, p. 1).

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Nesse cenário surge Florence Nightingale. Filha de família abastada

inglesa, nascida em Florença (Itália) em 1820. Possuía cultura e idéias incomuns

para sua época. Conhecia o grego e o latim, além de falar diversas línguas. Estudou

artes, matemática, filosofia, história, política e economia. Considerada precursora da

Enfermagem Moderna, foi responsável pela sua institucionalização e pela divisão

técnica em seu interior. Meyer (1995, p. 69) afirma que “a institucionalização da

Enfermagem, significou, basicamente, disciplinar a conduta do pessoal hospitalar e o

ambiente do doente”.

Em Waldow (1995, p. 48), encontramos que “a enfermagem foi

entendida por Nightingale como uma arte e uma ciência que requer uma educação

formal, organizada e científica”. Nightingale, através de suas experiências, foi levada

a acreditar que a Enfermagem necessitava de treinamento, pois não bastavam a

inteligência e a intuição feminina, como era a convicção daquela época (LIRA;

BONFIM, 1898, p. 8). Leopardi contribui com essa afirmação, dizendo:

A questão teórica na profissão nasce com Florence Nightingale, quando ela apresenta suas reflexões e diz que a natureza da Enfermagem é diferente da medicina e que, portanto, é necessário estudar e estruturar as maneiras de fortalecer nos indivíduos suas potencialidades naturais para que, por sua própria força, se opere a cura. Com esta preposição, ela afirma a importância de um trabalho dirigido por conhecimentos gerais e específicos que toda enfermeira deve ter (LEOPARDI, 1999, p. 8).

Como nos diz Paixão (1979, p. 67), “seus dotes eram excepcionais,

sua visão muito larga, encarando o problema com horizontes mais amplos e o

preparo de enfermeiras em bases mais científicas”. Tinha bondade extrema,

capacidade de trabalho, organização invejável, observação afinada e espírito crítico.

Preocupada com as péssimas condições de assistência dos hospitais

ingleses, visitou instituições de saúde da Europa, tais como Alemanha, Áustria e

Itália. Viagens estas que permitiram a ela visualizar como era a Enfermagem

exercida nesses locais, fornecendo assim subsídios para melhorias no setor. Deram-

lhe também experiências, que foram úteis por toda sua vida, conforme relatado em

uma de suas obras, Notas sobre Enfermagem. (NIGHTINGALE, 1859).

Nessa obra, Nightingale salienta a importância do meio ambiente

(ventilação, luz, calor, dieta, silêncio, condições sanitárias), do repouso e da higiene

na recuperação da saúde, bem como a importância que as atividades de

Enfermagem exercem sobre o binômio saúde-doença. O que se verifica é que

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Nightingale dava ênfase às cores, às flores, às crianças e animais como valor

terapêutico. A sua visualização envolve a totalidade, onde a soma das partes possui

o caráter de resolutividade em se tratando de doença.

Fonseca (2002), ao realizar uma leitura genereificada (relativo a

gênero) da obra de Florence Nightingale, Notas de Enfermagem, faz alusão a essa

tarefa no mundo dos negócios, reformando hospitais militares de campanha,

administração sanitária do exército, participando também de elaboração de políticas

internas e externas. A mesma autora relata que esta obra de Nightingale foi escrita

com o propósito de reforçar os papéis femininos, muito valorizados no século, que

constituiu a base histórica para a consolidação do capitalismo, nos quais o trabalho

das mulheres, de produção e de reprodução da força de trabalho, constituía a base

material.

Desde a infância, Nightingale demonstrava interesse pelos enfermos,

o que a fez querer trabalhar no hospital aos 24 anos. Porém, sua mãe a proibiu

devido à situação vigente nesses estabelecimentos de saúde ingleses, onde dois

grupos de pessoas atendiam aos doentes: um formado por religiosas católicas e

anglicanas e outro de pessoas sem educação e sem moral, geralmente prostitutas,

com grande índice de embriaguez (PAIXÃO, 1979). Essa resistência de sua família

fundamenta-se quando se toma conhecimento do ambiente dos hospitais do século

XIX: malcheirosos, asquerosos e superlotados (LIRA; BOMBIM, 1989).

Em 1851, já com 31 anos, Nightingale conseguiu autorização para

realizar estágio de três meses em Kaiserwerth, na Alemanha, que possuía 100 leitos

hospitalares e um serviço reconhecido pela moralidade.

Nessa Instituição, Nightingale percebeu a necessidade de estender

às muitas jovens, o benefício daquela formação, bem como a de ampliar o quadro

de pessoal no atendimento aos doentes.

De 1854 a 1856, com a guerra da Criméia, conflito este de russos e

franceses contra os ingleses, Nigtingale, sabendo que aos soldados feridos ingleses

faltavam cuidados de Enfermagem, ofereceu ao Ministro da Guerra seu serviço.

Juntamente com 38 voluntárias dirigiu-se à Base Militar de Scutari, no Estreito de

Bósforo, com o objetivo de reorganizar os Hospitais Militares, lotados com 4.000

feridos (Fonseca, 2002). Pela sua tenacidade, destacou-se na administração desses

hospitais de guerra e na humanização da assistência aos soldados. Introduziu

equipamentos de banho, água corrente, serviços de lavanderia, cozinha, laboratório,

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aquisição de roupas, suprimento de medicamentos, material de recreação, um

programa de reserva de material, bem como, assistência para familiares dos

soldados. Com a ajuda das esposas dos soldados montou um quadro de pessoal

para a lavanderia. Com as reformas empreendidas, viu a mortalidade baixar de 42%

para 2%, no espaço de seis meses. Essa experiência tornou Nightingale convicta de

que a Enfermagem requer treinamento bem planejado (LIRA; BOMFIM, 1989).

Não bastando o cuidado diurno, Nightingale ainda reunia forças para

dar atendimento aos doentes no período noturno, com auxílio de uma lâmpada, o

que a faz conhecida até os dias atuais como a “Dama da Lâmpada”.

Permaneceu nesse local até o fim da guerra. Retornando ao seu

país, recebeu do governo inglês e do povo um prêmio de 40 mil libras, com o qual

pode atingir seu objetivo, de fundar em 9 de julho de 1860, a primeira escola de

enfermeiras. Ficava no St. Thomas Hospital e era voltada para o ensino de alunas

nas práticas de Enfermagem relativas à atividade hospitalar e visitas domiciliares

(MEDEIROS; TAVARES, 1997).

Importante relembrar que na metade do século XIX, o trabalho na

Enfermagem era realizado por mulheres de má vida, desordeiras e bêbadas,

exigindo de Nightingale grande esforço para transpor obstáculos. No entanto,

suscitou a grande reforma sócio-político-sanitária, deflagrada primeiramente em seu

país e posteriormente pelo mundo afora (WALDOW, 1995).

Ao fundar a escola de Enfermagem, Nightingale preconizou como

requisitos essenciais, para a admissão das alunas, um mínimo de condições

educacionais e um máximo de elevação moral. O ingresso nessa instituição era

rigoroso: entre mil a duas mil candidatas anuais, somente quinze a trinta estudantes

eram selecionadas. Permaneciam as estudantes, como internas, em alojamentos do

hospital, por três anos. Lira e Bomfim relatam atividades realizadas pelas alunas.

As aulas diárias eram acompanhadas por estágios práticos onde realizavam curativos, extração de estilhaços, arrumação de camas, medicação contra dores, auxílio às cirurgias, limpeza das enfermarias, além de adquirir conhecimento sobre técnicas (LIRA; BOMFIM, 1898, p. 9).

Nightingale possuía a ambição de reformar a Enfermagem em sua

pátria e no mundo inteiro, por meio de novas e numerosas escolas. Essa sua

ambição foi criando vulto com o ingresso de jovens educadas, cultas e de elevada

posição social. Cuidava Nightingale da seleção das candidatas, fazendo com que a

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Enfermagem se tornasse uma profissão honrosa. Nota-se que as bases da reforma

dessa profissão assentaram-se sobre o controle da moral. Esses aspectos fazem de

Nightingale, pioneira e renovadora da Enfermagem, elevando a categoria e

preparando as enfermeiras com bases mais científicas.

Alguns dos pontos essenciais na concepção de educação de

Enfermeiras, estabelecidas por Nightingale foram:

1º) Direção da escola por uma enfermeira, e não por médicos, como se fizera até então nos pequenos e raros cursos dados nos hospitais.

2º) Mais ensino metódico, em vez de apenas ocasional, através da prática.

3º) Seleção das candidatas sob o ponto de vista físico, moral, intelectual e de aptidão profissional (PAIXÃO, 1979, p. 73).

O curso de Enfermagem tinha duração de três a quatro anos. Nele se

formavam duas classes de profissionais: as nurses e as lady nurses.

A contribuição de Nightingale para o desenvolvimento da

Enfermagem constitui-se fato inegável. Porém, provavelmente pelo reflexo da

Revolução Industrial, responsabiliza-se a mesma pela divisão técnica da atividade

profissional, através das funções exercidas pelas nurses e a lady nurse. Aquelas

pertencentes à classe social inferior, “recebiam formação gratuita, moravam no

hospital e dedicavam-se integralmente a ele, recebendo salários” (MEYER, 1995, p.

70). O trabalho era assistencial, manual, ou seja, exerciam o cuidado de forma direta

aos pacientes. Já as lady nurses, de classe social mais elevada, custeavam seu

próprio estudo, moravam na escola, detentoras de saber técnico mais aprofundado.

Realizavam supervisão das atividades exercidas pelas nurses, além das atividades

de ensino, ou seja, um trabalho intelectual. Ninghtingale “incorporou os parâmetros

capitalistas de racionalidade e eficiência na forma de divisão do trabalho,

reproduzindo, no interior dos hospitais e da equipe de Enfermagem, a divisão social

do trabalho” (RIZZOTTO, 1999, p. 29). Almeida e Rocha também fazem comentários

a respeito dessa fragmentação dizendo:

Internamente reproduz a divisão social das classes através da divisão técnica do trabalho que separa as atividades gerenciais daquelas dirigidas ao cuidado direto, marca que caracterizará a enfermagem no seu desenvolvimento futuro: a instituição de relações de dominação/subordinação entre seus agentes (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 11).

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Nesse pensamento, Meyer intervém dizendo que dessa forma,

legitimou-se a hierarquia e a disciplina no trabalho de Enfermagem e materializaram-

se as relações de dominação, reproduzindo-se na profissão não só as relações de

gênero vigentes, mas também as relações de classe (MEYER, 1995, p. 70).

Silva (1989) salienta que o trabalho das lady nurses era valorizado

socialmente, pois detinham o saber da Enfermagem. Em contrapartida, as atividades

realizadas pelas nurses não eram reconhecidas, mas sim desprestigiadas.

Transportando para a atualidade, tem-se no lugar das nurses, as

Auxiliares e Técnicas de Enfermagem. Ocupando o lugar das lady nurses

encontramos os Enfermeiros, que exercem atividades de supervisão, de

administração da assistência, de ensino e de pesquisa.

Importante salientar que as lady nurses foram as responsáveis pela

propagação da Enfermagem pelo mundo, através da difusão do sistema

nightingaleano.

A Inglaterra, além de ter sido o berço da Enfermagem moderna,

ainda o foi na organização da classe, cujas enfermeiras se opuseram aos médicos e

administradores hospitalares, que não aceitavam essa liberdade profissional. Diga-

se de passagem, que as lutas entre a classe dos Enfermeiros e dos médicos

persistem na atualidade, em que a Enfermagem, enquanto profissão liberal

detentora de autonomia que lhe é conferida legalmente, ainda luta por seu espaço

de atuação.

Na Inglaterra, a Sra. Bedford Fenwik funda a Associação Inglesa de

Enfermeiras (1887), o Conselho Internacional de Enfermeiras e o Britain Journal of

Nursing.

A difusão do Sistema Nightingale, sistema de ensino voltado para a

capacitação e melhoria do atendimento de Enfermagem, estendeu-se por toda a

Inglaterra e pelos Estados Unidos, de onde se propagou para Áustria, países

escandinavos, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Holanda, Bélgica, Suíça,

Grécia, Portugal, Espanha, Ásia e África, China, Índia, Irã, Israel, Ásia, Síria,

Oceania, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Uruguai, Venezuela

e Brasil (PAIXÃO, 1979). Enfim, para o mundo todo.

Uma dos reflexos do sistema Nightingale foi o trabalho realizado por

Henri Durant, que, apoiado nas idéias de Nightingale, criou a Cruz Vermelha, em

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1859, com o objetivo de dar assistência aos soldados feridos em guerra (LIRA E

BOMFIM, 1898).

Em 1875, o Hospital Geral de Montreal (Canadá) pediu a Nightingale

auxílio para reformar sua Enfermagem. Nos Estados Unidos, as religiosas iniciaram

diversas escolas com a adoção desse sistema inovador. Em New Haven (1879),

publica-se o primeiro livro norte-americano para alunos de Enfermagem. Na França,

houve tentativa da classe médica na criação de escolas de enfermeiras, porém por

não terem compreendido a função da enfermeira-chefe dentro do hospital,

fracassaram. A Itália teve em Nápoles, em 1896, sua primeira escola de

Enfermagem, que lentamente expandiu-se por todo território italiano.

No início do século XX até a década de quarenta,

predominantemente nos Estados Unidos, desenvolveu-se a Enfermagem funcional,12

onde o número de escolas multiplicou-se rapidamente para acompanhar o rápido

crescimento dos hospitais, trazendo como conseqüência a formação das

enfermeiras num ensino técnico desprovido de cientificidade, “uma vez que o

interesse maior não era o crescimento intelectual das estudantes, mas sim torná-las

rápidas e eficientes no atendimento do doente” (MEYER, 1995, p. 72). Almeida e

Rocha contribuem enfatizando que:

As técnicas de enfermagem e os procedimentos executados para a prestação do cuidado enfatizavam a economia de tempo e movimento a fim de dar conta das inúmeras tarefas hospitalares, (...) e a possibilidade do controle, feito por enfermeiras, do grande número do pessoal de enfermagem subalterno que terá de ser utilizado nos hospitais (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 49).

Simultaneamente a isso, o aumento do número de hospitais e de

internações fez crescer grandemente a demanda pelos cuidados de Enfermagem,

ampliando a assistência desprovida de qualificação, onde a ênfase às técnicas

ganha expressão, sobressaindo o desempenho de tarefas e procedimentos em

detrimento do doente. As tarefas na Enfermagem são designadas de acordo com

sua complexidade e nível de competência do pessoal. Tal prática foi influenciada por

F.W.Taylor13, que visava implantar a racionalidade e eficiência nas fábricas, com

12O termo “Enfermagem Funcional” refere-se à prática da enfermagem na qual o foco da atenção são as tarefas e os procedimentos. (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 52) 13F.W.Taylor: responsável pelo conceito de gerência publicada em 1910, num esforço de trazer a racionalidade e eficiência para o trabalho das fábricas. A teoria sobre a gerência era baseada na premissa de que gerentes são

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menores gastos (MEYER, 1995). Em relação ao hospital há uma perseguição da

racionalidade econômica, maior produção e menos gastos.

A mesma autora salienta aspectos importantes deste momento

histórico, com repercussão para a Enfermagem atual:

a) rigidez de treinamento com intuito do alcance das metas de produtividade e eficiência;

b) hierarquia e as relações de poder são ampliadas com a crescente divisão técnica do trabalho e os discursos de gerência científica;

c) acentuação da característica técnica do fazer em enfermagem; d) ênfase à destreza e à habilidade manual;

e) descrição organizada e minuciosa dos procedimentos que pretende conferir um caráter profissional concretizando assim sua passagem do domínio privado para o público (MEYER, 1995, p. 73).

Após a Segunda Guerra Mundial, há uma mudança do pensamento

americano no que se refere ao trabalho da Enfermagem, sofrendo este

transformação da modalidade funcional (trabalho por tarefas) para a modalidade do

trabalho em equipe, tendo em vista deslocar o foco de atenção que estava centrado

nas tarefas, para o paciente, ou seja, nas suas necessidades. Almeida e Rocha

(1989, p. 63) contribuem dizendo “que é elaborado e caracterizado o trabalho em

equipe, procurando também dar cunho científico ao trabalho e humanizá-lo, assim

como humanizar o cuidado ao paciente”. Esse aspecto tem conotação positiva,

quando a ‘pessoa’ do paciente é salientada, denotando uma preocupação com o

aspecto da humanização do atendimento fornecido.

Aqui percebo também influência do modo como o trabalho era

organizado nos ambientes fabris no modo de atuação do cuidado em Enfermagem.

Um trabalho em equipe e sob influência do capitalismo. Nesse pensar, Almeida

contribui dizendo:

Nas empresas americanas, onde a acumulação e reprodução ampliada do capital foram realizadas, o fator humano começa a ter status. (...) em que as formas de regulamentação da força de trabalho do operário, efetuada por via autoritária direta (esquema Taylor-Fayol), cedem lugar a sua exploração de forma indireta: pela manipulação do operário por especialistas, os quais, por sua vez são instrumentos manipulados pela direção das empresas. (...)

pessoas capazes de pensar e planejar; o operário era visto como uma pessoa que necessitava de supervisão cerrada e constante direção (BESWETHERIK, 1979, p. 18 apud ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 52).

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sempre perseguindo o aumento da produtividade com a redução de custos (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 64).

Na década de 50, surge a preocupação em organizar os princípios

científicos que devem nortear a prática da Enfermagem, buscando-se

fundamentação para as técnicas de Enfermagem desenvolvidas. Proposta esta

encabeçada por educadores da América do Norte, após estudo de cinco anos. Até

então, a mesma era vista como não científica e suas ações baseadas na intuição.

(ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 58)

Florence Ninghtingale, atuando na segunda metade do séc. XIX,

deixa o seu nome não somente na história da Enfermagem como também na história

da humanidade, pois segundo Castro apud Paixão (1989):

Ela reformou não só hospitais militares de campanha, mas também, e de modo considerável, a administração sanitária do exército; participou da elaboração de políticas internas e externas, atuou com expert em assuntos sanitários, tornando-se uma autoridade em problemas indianos e, lançou bases da enfermagem como profissão para todo o mundo (CASTRO, apud PAIXÃO, 1989, p. 4).

Na concepção de Nightingale (1989, p. 6), ser enfermeira “é executar

o trabalho conforme seu próprio elevado conceito do que é certo e o melhor mesmo

para o doente, não apenas cumprir ordens, mas para sua própria satisfação”.

Para ela “Enfermagem”, palavra que usava “por falta de outra

melhor”, deveria significar o uso apropriado de ar puro, iluminação, aquecimento,

repouso, limpeza, silêncio e dieta adequada com o mínimo dispêndio de energia do

paciente, de modo a mantê-lo nas melhores condições possíveis para que a

natureza nele pudesse agir. Para Ninghtingale, o ambiente exercia importante fator

para o restabelecimento do paciente, devendo este ser deixado em condições

favoráveis para fornecer auxílio adequado. Com ela é possível verificar a mudança

no cuidado de Enfermagem, passando este de uma finalidade religiosa para o

controle do meio ambiente do paciente. Daí tem-se a disciplina que é o elemento-

chave desse processo e que é incorporada pela Enfermagem a fim de normatizar e

regulamentar toda a vida do hospital (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 41). Sobre esse

aspecto, cito Foucauld que diz:

É preciso individualizar e distribuir os doentes em um espaço onde possam ser vigiados e onde seja registrado o que acontece; ao mesmo tempo se modificar o ar que respiram a temperatura do meio, a água que bebem, o

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regime, de modo que o quadro hospitalar que os disciplina seja um instrumento de modificação com função terapêutica (FOUCAULD, 1981 p.102).

Hoje o sentido da Enfermagem está limitado e passou a significar

pouco mais que administração de medicamentos, verificação de sinais vitais,

realização de curativos. Acreditava Nightingale que, observar com profundidade e

descrever com propriedade, confere à Enfermagem um novo caráter intelectual e

científico e, tudo que requer observação, empenho e perseverança constituem uma

boa Enfermagem.

1.2 HISTÓRIA DA ENFERMAGEM E DO SEU ENSINO NO BRASIL

Ao voltar o olhar para o passado enfocando a institucionalização da

Enfermagem no Brasil, percebo a dinamicidade dos fenômenos. Nada é imutável,

pelo contrário, a evolução se configura gerando suas tendências para o hoje.

Abordando sobre a história da Enfermagem no Brasil, verifico uma

estreita ligação entre a mesma e as transformações ocorridas no sistema econômico

do país.

Ao longo da história, evidencia-se que a Enfermagem evoluiu de uma

prática espontânea, pragmática, intuitiva, caritativa, para uma profissão de saber,

arte, ciência (ARGERAMI; CORREA, 1989 apud SPINDOLA; MOREIRA, 1999).

Antes de 1500, o cuidado aos doentes no Brasil se fazia pelos

nativos indígenas, onde os feiticeiros e pajés ganham destaque.

No Brasil colonial, o serviço de saúde era executado pelos jesuítas,

que passam a manter enfermarias próximas aos colégios que fundavam. Faziam-no

de forma caritativa e gratuitamente. Com destaque a José de Anchieta, missionário

destemido e ativo, não se limitando à catequese, exercendo atuação como

professor, médico e Enfermeiro, acudindo as necessidades do povo. Em seus

escritos há relatos da medicina empírica no uso de antídotos contra venenos de

cobras e o uso de plantas medicinais. Uso de talas de casca de árvores, ligaduras

de cipó, ventosas de chifre de boi (PAIXÃO, 1979). Lira e Bomfim (1989, p. 18) citam

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que “Anchieta dedicou-se especialmente ao estudo das plantas e ao preparo de

medicamentos, chegando mesmo a fazer pesquisas sobre a saúde dos índios”.

Em 1543, verifica-se no Brasil a fundação da primeira Santa Casa de

Misericórdia14, em Santos, sendo o atendimento realizado por religiosos, auxiliados

por voluntários e escravos. Paixão (1979, p.104) relata que “havia senhores que

alugavam escravos peritos em Enfermagem para servirem no cuidado aos doentes

particulares”. Qualquer pessoa poderia realizar o cuidado dos doentes e após

pequena experiência, tornar-se-ia prático. A pouca exigência para o desempenho,

no Brasil, das funções atribuídas aos Enfermeiros, deve-se ao fato da falta de

divulgação dos conhecimentos científicos que remontam essa época, como também

da falta de visão do que era a Enfermagem.

No relato histórico consta o nome de Francisca de Sande, baiana,

primeira voluntária de Enfermagem no Brasil, no século XVII, a qual improvisava

hospitais durante as epidemias e não media esforços nas despesas para auxiliar os

doentes pobres (PAIXÃO, 1979).

As Santas Casas foram abertas em diversos lugares do Brasil tais

como, Rio de Janeiro (1852), São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Angra dos

Reis, sendo os estabelecimentos entregues às religiosas que chegavam ao país.

Essas Santas Casas funcionavam como albergues, acolhendo os pobres e órfãos.

Até esse período, a assistência de Enfermagem é praticada pelos jesuítas, pajés,

curandeiros e voluntários. Sobre o hospital, Foucault assim se expressa:

O hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. (...) O personagem ideal do hospital, até o séc. XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo (FOUCAULT, 2005, p. 101).

No século XIX, 1832, as escolas de Medicina surgem no Brasil,

sendo estabelecidas no Rio de Janeiro pela necessidade premente, pois são raros

os brasileiros que conseguiam obter seus conhecimentos no continente europeu.

Em relação às funções de enfermeira, estas permaneciam relegadas

ao plano doméstico ou religioso, sem nenhum caráter técnico ou científico.

14Tipo de casa de caridade então comum em Portugal e, sob outros nomes diversos, em muitos outros países, que inclui hospitais e recolhimentos para pobres e órfãos. (PAIXÃO, 1979, p. 103).

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Quando da Guerra do Paraguai, no século XIX, as enfermeiras do

Hospital Real de Guarnição da Corte foram enviadas para locais de campanha,

sendo solicitado às irmãs de caridade que ocupassem o lugar dentro dos hospitais.

Nessa guerra tem destaque a figura de Anna Nery, que voluntariamente dedicou-se

à ajuda dos feridos juntamente com as irmãs vicentinas, nos hospitais de campanha,

recebendo o título de “mãe dos brasileiros” e de “grande irmã da caridade leiga”. De

acordo com Germano (1985, p. 25), “a ideologia da Enfermagem desde seus

primórdios, e, em particular, a de Anna Nery, para os brasileiros, significa

abnegação, obediência, dedicação”. Isso marcou indelevelmente a profissão.

A constituição da Enfermagem profissional no Brasil sofreu grande

influência da sociedade brasileira em transformação, do avanço econômico e das

mudanças sociais. No campo político (Proclamação da República, Revolução de

1930); no campo econômico (crise do ciclo do café e a aceleração do processo

industrial) e no campo social (urbanização, imigração e os movimentos sociais)

(RIZZOTTO, 1999).

Após a Proclamação da República, a Enfermagem passa a ser

prática institucional. Os hospitais tinham como objetivo tratar dos doentes vítimas

das longas viagens por mar e dos militares. Esses imigrantes vieram ao Brasil

inicialmente para desempenhar atividades agrícolas. Porém, com a crise na

agricultura, deslocaram-se para as cidades, aumentando assim a população urbana.

Sobre essa situação, Minayo (2000, p. 78) contribui dizendo: “A modernização

capitalista se traduziu na internacionalização acelerada do capital, industrialização e

urbanização também aceleradas, fortes migrações do campo para a cidade”.

A aglomeração de pessoas em precárias condições de vida facilitou a

proliferação de doenças infecto-contagiosas, agravando o quadro de saúde, o que

provocou medidas urgentes para salvaguardar a imagem do país no exterior. Nesse

intuito, acordos entre o governo e as Santas Casas foram realizados.

Em relação a esse pensar, Rizzotto, em sua dissertação, denuncia

que:

A falta de segurança no trabalho, as péssimas condições de vida e a falta de assistência à saúde acabaram levando os trabalhadores a reivindicarem por melhores condições sociais, pois a crise sanitária existente no País não tinha como fator principal as epidemias, mas sim o processo de urbanização acelerado, as péssimas condições de trabalho e os baixos salários impunham aos trabalhadores e suas famílias condições subumanas de vida (RIZZOTTO, 1999, p. 18).

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Pelas grandes epidemias (febre amarela, varíola, hanseníase,

tuberculose, sífilis) o país se vê assolado. As exportações são prejudicadas pelas

péssimas repercussões, fazendo com que o Estado se preocupe em controlar a

saúde pública. Singer, analisando essa questão diz que:

Os serviços de saúde surgem, portanto, essencialmente como serviços de controle das contradições entre os interesses individuais dos membros das várias classes sociais e o interesse do sistema social como um todo, no que se refere à prevenção das doenças contagiosas (...) com a função de impor normas coletivas de conduta visando a Saúde Pública (SINGER In RIZZOTO, 1999, p. 20).

A Enfermagem passa a ser profissão institucionalizada importante

para atender a esta nova visão de saúde, que era cuidar do saneamento e

habitação, principalmente nos portos e cidades, devido às doenças transmissíveis

que dificultavam as transações econômicas, prejudicando assim o país. Essa

afirmação é contraditória. Rizzoto afirma que a institucionalização da Enfermagem

Moderna no Brasil serviu muito mais para atender ao avanço da Medicina hospitalar,

eleita como núcleo da prática médica no modo de produção capitalista, do que para

instaurar uma assistência de Enfermagem voltada para a Saúde Pública15

(RIZZOTTO, 1999, p. 5).

As tentativas de ensino na Enfermagem no Brasil remontam de 1880,

com a criação da Escola Alfredo Pinto no Rio de Janeiro, vinculada ao hospital

psiquiátrico, onde médicos ministravam curso de dois anos. De acordo com Fonseca

(2002), o ensino de Enfermagem foi instituído oficialmente no Brasil em 1890 com a

criação da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras, composta por

docentes médicos, e tendo como objetivo formar pessoal para trabalhar junto ao

Hospital Nacional de Alienados.

Na década de vinte, o progresso da biologia, da fisiologia, da

microbiologia, etc., trazem repercussões para a Saúde Pública e outro local

desponta como espaço para se desenvolver: o hospital. Isso provoca abandono

progressivo das medidas preventivas e de caráter coletivo, migrando-se para uma

atenção curativa e de aspecto individual. Isto exigiu um número maior de pessoal de

Enfermagem para compor a equipe hospitalar (RIZZOTTO, 1999). Portanto, há uma

passagem visível do modelo sanitarista para o Modelo Biomédico. De acordo com

15Saúde Pública compreendida como práticas de saúde preventivas e de atenção primária, realizadas fora do campo hospitalar e vinculadas ao Estado. (RIZZOTTO, 1999, p. 1)

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Rizzotto (1999, p. 6), “este desenvolvimento da Enfermagem Profissional no Brasil

esteve condicionado, desde a sua origem, aos interesses do desenvolvimento

econômico capitalista, à visão liberal da sociedade e aos rumos tomados pela

Medicina”.

O hospital passa de uma instituição de abrigo a marginalizados para

morrer a um centro de cura, que necessita quadro de pessoal com preparo técnico-

científico adequado para a demanda. Na estrutura hospitalar, a Medicina assume a

coordenação e o direcionamento da assistência à saúde, o que vinha ao encontro do

pensamento capitalista, que necessitava do corpo como força de trabalho. A

Enfermagem, por sua vez, ocupa um novo espaço, socialmente valorizado,

amenizando o passado de degradação em que foi constituída. Em contrapartida,

torna-se função de auxiliar do médico, submissão esta advinda de sua própria

história (RIZZOTTO, 1999).

Podemos dizer que a Enfermagem propriamente dita, surge no

Brasil na década de vinte, sofrendo influência direta do modelo de Florence

Nightingale, que se originara nos hospitais europeus e se desenvolvera nos

hospitais americanos. Modelo este trazido pelas enfermeiras americanas no que se

refere à assistência e ao ensino, como veremos adiante.

Como diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, Carlos

Chagas, preocupado com a situação de saúde vigente no país, solicita a presença

de enfermeiras americanas para auxiliar. Com isso, pode-se afirmar que o

desenvolvimento da Enfermagem no Brasil recebeu grande influência do modelo

americano de Enfermagem, através da formalização, com a Fundação Rockfeller.

Auxílio este para organizar o serviço de saúde. De acordo com Galleguillos e

Oliveira (2001, p. 466), “a Fundação Rockfeller tinha objetivos bem definidos para a

América Latina: criar condições sanitárias adequadas ao desenvolvimento

capitalista”.

Em 1921, chega ao Rio de Janeiro um grupo de enfermeiras

visitadoras iniciando um curso intensivo sob a direção da Sra. Ethel Parsons,

denominado de “Missão Técnica”, encarregada de estudar a situação da

Enfermagem no Brasil e apresentar ao governo brasileiro recomendações para o

programa que iria ser adotado (PAIXÃO, 1979).

Após o diagnóstico efetuado sobre a situação da saúde brasileira, foi

criado o Serviço de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde. No Rio de

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Janeiro, em novembro de 1922, foi criada a Escola de Enfermeiras do Departamento

Nacional de Saúde Pública (DNSP), cuja atividade iniciou-se em 1923. Essa escola

mais tarde passou a ser denominada de Escola Anna Nery, pelo decreto

presidencial de 31 de março de 1926, em tributo à brasileira Anna Nery, pelos

serviços prestados como voluntária na Guerra do Paraguai (RIZZOTTO, 1999). Toda

a atividade desenvolvida pela escola ocorreu sob supervisão de enfermeiras norte-

americanas, treinadas de acordo com o modelo de Florence Nigthingale.

Além da supervisão, o que se verifica é que o ensino de Enfermagem

estava centrado no modelo americano de “alto padrão”, reproduzindo desta maneira

a divisão de classes existentes na sociedade, preocupado com questões internas da

profissão, marcado pelo preconceito, elitismo e autoritarismo, convergentes com as

políticas do governo para a saúde e à educação (GERMANO 1985).

Adentrando na análise curricular do primeiro Programa de Ensino

implantado pela escola de Enfermagem, verifica-se que o objetivo da mesma era

formar enfermeiras voltadas para atuação na área hospitalar, satisfazendo assim

uma parcela restrita da população (RIZZOTTO, 1999, p. 48).

Esses primeiros currículos de Enfermagem previam, no seu esquema

geral, um número considerável de disciplinas da área biológica, conforme o modelo

americano de currículo, cuja influência ainda se verifica em nosso país.

A primeira diretora dessa escola foi Miss Clara Louise Kienninger,

tendo início o curso em 19 de fevereiro de 1923, com 14 alunas e duração de 28

meses. Em 19 de junho de 1925, recebiam estas o diploma (PAIXÃO, 1979). Após

sucessivas diretoras americanas, o Brasil teve a sua primeira diretora brasileira:

Raquel Haddock Lobo, sendo a pioneira da Enfermagem moderna entre nós.

Em alguns estados como São Paulo e Minas Gerais, iniciavam-se

cursos para Visitadoras Sanitárias, procurando desta forma sanar a ausência de

enfermeiras diplomadas. As alunas oriundas desse curso foram as primeiras

pessoas a serem preparadas para trabalhar com Saúde Pública no Brasil.

Neste trilhar sobre a história da Enfermagem e do seu ensino no

Brasil é importante salientar a criação, em 1926, da Associação Brasileira de

Enfermagem (ABen), cujo primeiro nome foi Associação de Enfermeiras Diplomadas,

tendo como fundadoras as alunas das primeiras e segundas turmas da Escola de

Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, incentivadas pelas Sras

Ethel Parsons e D. Edith Fraenkel (PAIXÃO, 1979).

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Melo (1986) apud Medeiros e Tavares (1997) afirma que, a partir da

criação da Escola de Enfermagem do DNSP, o trabalho da Enfermagem já nasce

dividido, pois as enfermeiras advindas da classe alta atuavam na supervisão e

ensino da equipe de Enfermagem. Trabalho este considerado superior em oposição

ao trabalho manual desenvolvido por outros membros da equipe.

A influência americana também foi visível na mística do autoritarismo

e da dureza como sinônimos de competência e de respeito, que a Enfermagem

brasileira absorveu da experiência americana. Positivamente, a influência americana

abriu novos campos para a Enfermagem, o que foi sentido pelo sensível aumento da

demanda por enfermeiras qualificadas.

A partir de 1930, o Brasil passa por um período difícil devido aos

acontecimentos políticos. É o período do Estado Novo, antidemocrático. Ocorre o

declínio da prática sanitária e com ela o Departamento Nacional de Saúde Pública.

O interesse da política de Saúde Pública, associado ao desenvolvimento do

processo de industrialização, volta-se para o cuidado individual, com ênfase no

cuidado médico.

As enfermeiras continuam atuando no ensino e na Saúde Pública e,

os hospitais, a empregar religiosos e serviçais como pessoal dominante no exercício

da prática da Enfermagem hospitalar. Permanece o exercício da profissão sem

treinamento sistematizado. O aprendizado se dá na própria prática, em que as mais

velhas ensinam as mais novas.

Reportando-me à educação, em 15 de junho de 1938, o decreto

20.109 estabeleceu a Escola Ana Néri como padrão no Brasil. Foi a primeira escola

do Brasil integrada em Universidade (PAIXÃO, 1979).

Os anos 40 e 50 marcam a consolidação da Enfermagem

profissional. Os anos após a II Guerra Mundial marcam intenso desenvolvimento

científico e tecnológico na área da saúde e, para a Enfermagem, isso significará o

abandono das práticas baseadas na “intuição e na experiência,” substituindo-as por

conhecimentos baseados na área médica (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p.12).

Também devido à guerra, o desenvolvimento urbano e industrial é

estimulado. Com isso, as cidades e indústrias crescem demasiadamente. Muitos

saem do campo para morar na cidade, crescendo também o número de assalariados

urbanos. É criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) através do acordo

entre Brasil e Estados Unidos, cujo objetivo era prestar atendimento aos

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trabalhadores na extração de borracha, que estavam sendo dizimados pela malária

e febre amarela. Era grande interesse nesse produto durante a guerra.

Os trabalhadores passaram a exigir uma medicina curativa e

hospitalar, ao mesmo tempo em que havia um grande crescimento da indústria

hospitalar. Esse novo hospital, com novas tecnologias, precisava de pessoal auxiliar

capacitado, que soubesse trabalhar com os novos aparelhos, equipamentos e

medicamentos. Nesse pensar, Paixão relata que:

O crescente progresso da profissão, maior atenção dada aos problemas de saúde, estudos atentos dos variados graus de dificuldade e responsabilidade no cuidado aos doentes, além de outras causas, levaram membros dos mais competentes na profissão a pensar na formação de um grupo auxiliar (PAIXÃO, 1979, p. 130).

Além da necessidade de pessoal qualificado para as atividades

hospitalares, cito Almeida e Rocha (1989, p. 55), que assim se expressam: “inclui-se

aqui o desenvolvimento de uma hierarquia hospitalar, baseada nos princípios do

taylorismo,16 de divisão do processo de trabalho em componentes menores

possíveis e pagando com isso menos para os trabalhadores”.

Ampliam-se, desta forma, as áreas de atuação da Enfermagem, bem

como a necessidade de qualificação e melhor desempenho, É período que legitima o

pessoal Auxiliar já existente. Através da Lei 795 de 6 de agosto de 1949 (SANTOS

et al. 1997, p.122), são criados oficialmente os cursos de Auxiliar de Enfermagem e

regulamentadas as escolas de nível superior já existentes no país. Estes cursos

continuam sendo realizados, principalmente pelas atendentes da rede básica de

saúde e do hospital, cabendo às enfermeiras a supervisão e administração dos

mesmos.

Em 1955, a Lei 2604 de 17 de setembro (SANTOS et al. 1997, p.29),

regula o exercício da Enfermagem profissional, oficializando a divisão de trabalho

manual e intelectual, ou seja, a divisão do trabalho em categorias tais como:

Enfermeiros, Auxiliares, Técnicos, Atendentes e Práticos de Enfermagem.

Essa divisão de trabalho manual e intelectual gera conflitos dentro da

equipe, tendo em vista que o trabalho manual é mais cansativo e pesado, a jornada

de trabalho maior e o salário menor. Os Enfermeiros assumem posições de gerência

16Taylorismo: Teoria advinda de F.W.Taylor onde a gerência era baseada na premissa de que gerentes são pessoas capazes de pensar e planejar; o operário era visto como uma pessoa que necessitava de supervisão cerrada e constante direção. (BESWETHERIK, 1979, p. 18 apud ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 53)

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dos serviços atendendo aos interesses da instituição. Pensando sobre essa divisão

do trabalho manual e intelectual e sua relação com o capitalismo cito Martins que

diz:

É, portanto, característica do modo de produção capitalista a separação entre trabalho manual e o trabalho intelectual, cujo sentido último está em legitimar a desvalorização do trabalho, controlar o processo de produção; enfim, retirar do trabalhador a autonomia, o controle do processo, assegurando, assim, a exploração que está na raiz do processo de acumulação, fim último do capitalismo (MARTINS, 1993, p. 169).

A Lei deixa claro que o Enfermeiro é responsável pelo trabalho

intelectual (pensar) e os Auxiliares e Técnicos, pelo trabalho manual (fazer).

Os anos 60 e 70 marcam a ampliação e expansão da Enfermagem

profissional. Com a necessidade de mão de obra hospitalar surgem outras

categorias como o atendente de Enfermagem, que pelo baixo custo supera a

quantidade dos Auxiliares de Enfermagem. Medeiros e Tavares relatam que:

Isto reflete o funcionamento do capitalismo, no setor saúde, exigindo um número maior de trabalhadores sem qualificação e uma pequena parcela de portadores de saber profissional (MEDEIROS; TAVARES, 1997, p. 283).

Essa situação possui repercussão nos dias atuais, acarretando a

indefinição do perfil do Enfermeiro.

A partir da década de 60, é estimulada a expansão dos serviços de

Saúde Pública (atenção primária à saúde) destacando-se o crescimento da

utilização dos Auxiliares e Atendentes de Enfermagem e das Agentes de Saúde para

prestar serviços à população carente. Aqui se tem uma questão social importante: tal

prática visa fazer diminuir as tensões sociais, fazendo com que o povo não fique tão

agitado e não exija a assistência que não tem. Simultaneamente, visa racionalizar os

gastos do setor saúde, tendo em vista que é mais barato pagar profissionais desta

categoria de Enfermagem do que profissionais formados.

Com a criação do curso de Auxiliar de Enfermagem, paulatinamente

verificou-se uma lacuna entre as atividades elementares exercidas pelos Auxiliares e

as de maior complexidade, exercidas pelos Enfermeiros, que não era preenchida

satisfatoriamente por nenhuma categoria. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional n° 4024 de 20/ 2/1961 (SANTOS et al. 1997), abre horizontes para a

formação de técnicos nas mais variadas profissões. Em 1966, surge o Técnico de

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Enfermagem, aprovado pelo Conselho Federal de Educação no parecer n° 171.

(SANTOS et al. 1997).

A divisão das categorias dentro da Enfermagem tornou-se fértil

campo para conflitos referentes às delimitações das funções exercidas pelo

Enfermeiro como também para a identificação do seu perfil. Essa situação se vê

agravada após as décadas de 50 e 60, quando as escolas preparavam seus alunos

com o objetivo de exercerem a gerência, porém, muitas vezes eles exerciam o

cuidado direto.

Na década de 70, a Medicina passa por um intenso avanço

tecnológico e é nesse mesmo período que a previdência entra em crise, acentuando

a dicotomia entre saúde pública preventiva e assistência médica curativa. A

formação dos Enfermeiros passa pela pós-graduação dos mesmos, envolvendo-os

nas pesquisas e produção científica do conhecimento (MEDEIROS; TAVARES,

1997).

Os anos 80 marcam a ascensão da Enfermagem através da

intelectualização. Na década de 80, entra em declínio o sistema previdenciário e,

com a Reforma Sanitária, resultado da VIII Conferência Nacional de Saúde, o

Enfermeiro é requerido no trabalho individual e coletivo, atendendo integralmente e

promovendo a saúde no seu aspecto geral (MEDEIROS; TAVARES, 1997).

Para a Enfermagem, esse momento é um marco, posto que, de certa

maneira, oficializa-se a divisão técnica do trabalho, ficando a cargo do Enfermeiro as

funções de gerência, supervisão, ensino e pesquisa.

Lançando um olhar sobre a história da Enfermagem no Brasil,

observo que ela, enquanto prática social sofre as determinações históricas da

sociedade. Isso leva à afirmação de que a Enfermagem não pode ser mais encarada

como “arte e devoção” ou “manifestação de caridade”. O desenvolvimento da

Enfermagem deve ser estudado como resultado, não de esforços individuais, mas

de relações econômicas, políticas e ideológicas do setor saúde com a sociedade.

Ao encerrar este capítulo, saliento a importância dos aspectos

históricos e sua evolução, que possibilitam ao profissional fazer inferências no seu

cotidiano, realizando implementações que possam construir o hoje, pautado na

visualização e compreensão dos fatos de ontem. Muitos problemas vividos hoje pela

Enfermagem têm sua raiz num passado remoto e se reproduzem no presente.

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Refletir sobre a Enfermagem enquanto prática social e historicamente

constituída torna-se importante para a discussão dos novos caminhos, que

necessitam ser percorridos por essa profissão, plena de contradições e de desafios.

Neste momento histórico em que vivemos, coloco em discussão a

humanização e percebo que a Bioética pode contribuir para o cuidado mais

humanizado.

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CAPÍTULO II

A BIOÉTICA E SUA RELAÇÃO COM O CUIDADO HUMANIZADO N A SAÚDE

“Devemos avançar de uma ciência eticamente livre para outra eticamente responsável: de uma tecnocracia que domina o homem para uma tecnologia que esteja a serviço da

humanidade do próprio homem”.

Hans Kung

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2.1. TECNOLOGIA, TECNOCIÊNCIA E A BIOÉTICA

Nas últimas décadas, um grande desenvolvimento da ciência e da

tecnologia17vem se fazendo presente no contexto mundial, trazendo inovações,

benefícios, realizando transformações em praticamente todas as áreas.

A sociedade contemporânea está assentada sobre a supremacia do

consumismo, sendo a aquisição material a mola propulsora, regendo atos e

decisões. Como resultado, pode-se dizer que as pessoas que dispõem de poder de

compra obtêm vantagens em relação a outras, gerando divisão social.

A área da saúde não é imune a esse processo. O poder financeiro

reflete-se em seu cotidiano, gerando questionamentos quanto à conduta dos

profissionais em relação ao atendimento no cuidado da saúde. Instituições de saúde

assumem esse pensar, proporcionando forma de tratamento, acesso à instituição, à

internação, e ao atendimento de forma diferenciada, favorecendo assim a

hegemonia vigente.

A vida, valor supremo do ser humano passa a objetizar-se, (tornar

objeto), tornando-se a tecnociência18 maximizada num processo de fragmentação,

de desvalorização, de desconstrução do indivíduo. Isso gera uma transformação do

profissional de Enfermagem em relação ao cuidado, principalmente na prática

hospitalar, separando “cada vez mais o profissional do cuidado mais efetivo e

afetivo” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 372).

Nesse pensar, a Bioética vem como instrumento auxiliar do

profissional de saúde, ao relacionar a ética com a ciência e a tecnologia, na tentativa

do resgate da dignidade do ser humano, do respeito à vida e da proteção à pessoa.

Ou seja, a “bioética, deve ser incorporada como valor e preceito por todos e

principalmente pelos cuidadores” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 376).

2.2 A BIOÉTICA E O CONTEXTO SOCIAL

17Define-se tecnologia como o conjunto de instruções ou de habilidades necessárias para a produção de bens e serviços. (FIGUEIREDO, VIANA, 2006, p. 388) 18Define-se tecnociência a conciliação entre a técnica e a ciência, num processo de integração. (VI CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA E I CONGRESO DEL MERCOSUR, Foz do Iguaçu, 2005)

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As transformações ocorridas no mundo através do Iluminismo

Filosófico, da Revolução Científica e Industrial, são a razão de ser do paradigma

tecnicista, que durante muito tempo tem influenciado o pensamento humano

(RODRIGUEZ, 2003. p. 55). O mundo, a partir de Newton, foi compreendido como

uma máquina perfeita, criando uma formulação matemática para a concepção

mecanicista da natureza.

Descartes ressaltava o papel do sujeito, baseando seu método na

dúvida, na divisão, na indução e na revisão. Para Descartes, a razão é quem oferece

o critério de verdade. A concepção racional, reducionista, especializada, simplificada

e fragmentada do mundo, encontrada no racionalismo cartesiano, leva à separação

do sujeito-objeto (RODRIGUEZ, 2003, p. 56).

Esse paradigma cartesiano possui repercussões no cotidiano. Sua

herança se manifesta em muitas áreas. Sob a sua influência vê-se a predominância

do racionalismo científico, uma divisão do conhecimento em disciplinas e

especializações cada vez mais numerosas. Além da fragmentação do saber,

percebe-se que estamos inseridos numa civilização do ter, onde se elevam os

valores materiais, com predomínio do individualismo e fragmentação dos aspectos

psíquicos do homem, tratando-o somente como um ser biológico. Nesse

pensamento cito Minayo:

A concepção positivista da ciência universal, atemporal e isenta de valores conduzindo os rumos da humanidade, na área da saúde foi sendo problematizada por um debate teórico e ideológico que engajou questões tanto de cientificidade dos postulados vigentes como da ética de investigação científica (MINAYO, 2000, p. 59).

No século XX, a humanidade pôde acompanhar o desenvolvimento

técnico-científico concomitantemente com a dicotomia entre a ciência e a ética, entre

o agir moral e o agir técnico, gerando um assustador processo de desumanização.

Segundo Cardoso (1995), o homem atual separou a razão do sentimento, a ciência

da ética, a utilidade da felicidade. Perdeu-se a percepção da realidade como um

todo.

O progresso técnico-científico, nos últimos 50 anos, foi notório.

Trouxe para a humanidade inúmeros benefícios, porém, em relação a valores, o

efeito foi contrário. A humanidade sofre as conseqüências do condicionamento

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materialista, mecanicista e reducionista, que estão implícitas no paradigma

cartesiano.

Surge a Bioética a partir da pressão de fatos históricos, reveladores

de práticas de pesquisa, das quais estava ausente qualquer parâmetro de

consideração do ser humano. Nasce como resposta da cultura contemporânea às

implicações morais das tecnologias biomédicas, sendo o ser humano referência

central de suas reflexões.

Na área da saúde, as progressivas especializações geraram

dificuldade da visão global do paciente, com sua história pessoal, na sua totalidade

de existência. O profissional de saúde passou a visualizar o paciente como doença

em detrimento do doente. Observa-se a ênfase da denominação “caso”, “número”,

havendo uma despersonalização do sujeito envolvido. O paciente encontra

dificuldade em sentir-se como ator principal, como sujeito autônomo, possuidor do

direito de decidir sobre seu tratamento, seu diagnóstico, ou seja, alguém que

participa das decisões. Nessa concepção, a palavra e o diálogo são suprimidos.

Nesse pensar, Pessini e Barchifontaine (1997, p. 161) assim se expressam: “a

relação médico-paciente se desagrega e começa a imperar na medicina a tecnologia

(adoração da técnica)”. A abordagem reducionista da medicina faz o médico ver a

saúde como mero funcionamento mecânico do organismo, perdendo de vista o

paciente como ser humano.

Segundo Moraes (2001), a visão mecânica separa os indivíduos de

seus relacionamentos, não reconhecendo a importância do contexto em que estão

inseridos, gerando um individualismo exagerado, onde prevalece o egocentrismo

humano. Observa-se também a ausência de ética e de solidariedade onde os

significados do amor e da compaixão são perdidos.

Diante dessa desagregação, percebe-se que a ciência está exigindo

uma nova visão de mundo, diferente, não fragmentada. Daí a necessidade de unir

as partes deste homem “esfacelado”, para alcançar uma visão de totalidade: corpo e

espírito, ciência e ética.

Focando essa dissociação entre ciência e ética, urgente se faz um

repensar do conhecimento, uma busca de benefícios e da garantia da integridade do

ser humano, tendo como norteador o princípio da dignidade humana. De acordo com

Oliveira (2000, p. 61), ӎ fundamental que lutemos para substituir o enfoque

tecnológico pelo humanitário na medicina”. Uma reinserção, como Weil (1993, p. 48)

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afirma: “do conhecimento a serviço dos valores éticos: reintegração dos altos valores

éticos, introdução do conceito de bioética na ciência”.

O termo Bioética originou-se a partir de janeiro de 1971, quando o

biólogo e oncologista Rensselaer Potter, publicou o livro: “Bioética: a ponte para o

futuro”. (NEVES, 1996, p.8). Potter diagnosticou o perigo que representa para a

humanidade a separação entre o saber científico e o saber humanista.

Etimologicamente significa ética da vida. Palavra formada por dois vocábulos de

origem grega: bios (vida) e ética (costumes, valores relativos a determinado

agrupamento social, em algum momento de sua história). Em junho de 1971, André

Hellegers, obstetra, usou o termo Bioética para aplicar a ética na medicina e nas

ciências biológicas. (NEVES, 1996, p.8).

Segundo Pessini e Barchifontaine (1997, p. 30), “bioética é o estudo

sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde,

enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais”. Ela

refere-se a assuntos gerais da saúde, indo da pesquisa à qualidade do atendimento

nas instituições.

A Bioética, segundo Schrammm é:

Disciplina específica da Filosofia Moral que visa o estudo sistemático dos aspectos morais ou éticos implicados pela conduta humana consistindo na aplicação dos saberes da Ciência da Vida e da Saúde ao mundo da vida, em particular, à vida humana (SCHRAMM, 2001, p. 32).

A Bioética não se coloca contrária ao desenvolvimento técnico-

científico, porém, vê a necessidade do estabelecimento de limites para salvaguardar

a garantia do respeito à dignidade humana, realizando, com isso, reflexões para

identificar valores e normas que guiem o agir humano. Importante salientar que a

Bioética deve prevalecer sobre a técnica, a tecnologia e ciência, permeando toda a

prática do profissional.

No sistema econômico vigente, no qual o capitalismo visa a uma

produção cada vez maior e em menor tempo, objetivando o lucro, a preocupação

com o ser humano ganha expressão. Como exemplo, cito as pesquisas envolvendo

seres humanos, a fertilização in vitro, a clonagem, às células troncos, etc. O lucro

objetivado gera uma competição desmedida. Nesse pensar, Figueiredo; Viana

contribuem dizendo (2006, p. 380): “Se o critério do ato humano é o lucro, as

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violações monstruosas da dignidade humana são inevitáveis e, nesse sentido,

necessita-se da Bioética para guiar a relação entre ciência, tecnologia e vida.”

Ela busca compreender o contexto que envolve o ser humano, sua

vida, saúde, morte. Também as tecnologias que instrumentalizam a vivência

humana, haja vista as importantes repercussões para a qualidade de vida.

Encontram-se dentro da Bioética princípios e normas que, segundo

Silva (1998), são: a autonomia, entendida como o direito à liberdade; o respeito ao

ser humano considerado como fim (em Bioética recebe o nome de beneficência) e a

justiça, isto é, a eqüidade de todos os indivíduos inscritos no reino da humanidade.

Resumidamente, esses princípios são definidos como: o da

autonomia relacionado à dignidade humana; o da beneficência, à compreensão dos

limites e às possibilidades da relação entre o bem e o mal e o da justiça, a

distribuição eqüitativa (FIGUEIREDO; VIANA, 2006).

Em relação aos modelos teóricos propostos para a Bioética, existem

diversos, que estão alicerçados em diferentes enfoques filosóficos, ou seja, os

chamados paradigmas. Entre eles encontra-se o paradigma antropológico ou

perspectiva personalista humanizante, que é baseado em uma filosofia humanista e

globalizante, tendo como referência o conceito de pessoa. Segundo Oliveira (2000,

p.104), o paradigma antropológico “é uma antropologia filosófica que se empenha na

compreensão do homem na totalidade de sua realização como pessoa, que toma o

homem na singularidade de sua individualidade e na universalidade de sua

humanidade”. Sgreccia (2000) afirma que necessária se faz uma união entre

biologia, antropologia e ética.

Podem-se registrar três marcos na história da Bioética no Brasil,

sendo eles: a) em 1993, a publicação pelo Conselho Federal de Medicina da

primeira Revista de Bioética; b) em 1996, a criação do CONEP (Comissão Nacional

de Ética em Pesquisa) envolvendo seres humanos; c) em 2004, a inauguração do

primeiro mestrado stricto sensu em Bioética em São Paulo.

Há uma estreita ligação da Bioética com a humanização. Pessini e

Barchifontaine afirmam que a Bioética busca, de maneira especial, humanizar o

ambiente de clínicas e de hospitais e, em particular, promove os direitos do paciente

para exercer uma sadia liberdade e terminar seus dias com uma morte digna

(PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p. 42).

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Em relação ao ensino, a Bioética é uma disciplina reconhecida

praticamente em todos os cursos da área de saúde e na maioria dos cursos de

ciências humanas das universidades européias, norte-americanas e italianas. Em

relação ao Brasil, Oliveira contribui dizendo que:

No Brasil ainda não é uma disciplina “autônoma”, embora muitas faculdades de medicina e algumas de filosofia dediquem a bioética uma carga horária mínima. É uma área de estudo que está consolidada, e sua institucionalização é uma realidade (OLIVEIRA, 2000, p. 14).

A mesma autora faz referência ao segundo grau como momento mais

apropriado para o início das reflexões Bioéticas, bem como a necessidade de

criação, pelo governo brasileiro, de programas de educação em Bioética (PEB) para

os cursos de nível superior e os de pós-graduação (OLIVEIRA, 2000).

Isso posto, denota-se que a educação assume então, um papel

fundamental, tendo em vista a necessidade de formação do profissional Enfermeiro

numa visão humanizada, com a contribuição das reflexões da Bioética, em que os

valores: pessoa, dignidade e individualidade ganham expressão, dispondo o

conhecimento a serviço dos valores éticos.

Precisa-se desenvolver no aluno a intuição, a criatividade, a

sensibilidade e o sentimento, para que o mesmo possa perceber a realidade do

outro. Sob esta ótica, o profissional reconhece o paciente como cidadão, valoriza a

sua autonomia em relação ao tratamento, trabalha na recuperação e promoção da

saúde das pessoas, trata o doente da doença e não simplesmente a doença do

doente.

Nesse cenário, entendo que o Enfermeiro deverá desempenhar sua

função, orientado para transformações, buscando o resgate dos valores humanos,

com vistas à melhoria da qualidade de assistência prestada ao paciente,

proporcionando-lhe maior satisfação, através do respeito da individualidade,

integralidade e dignidade, sendo suas ações pautadas em princípios éticos, morais e

humanísticos.

Sgreccia coloca que há uma relação entre o momento operativo da

Bioética com os valores e a vida ética.

A Bioética se torna operativa ao passar à medicina: é no momento operativo que se desenvolve a vida ética e se realizam os valores. Essa operacionalização, quando conduzida de acordo com a coerência entre e

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competência específica e a consciência dos valores, torna ética a ação em si e contribui para o enriquecimento do ser pessoal, tanto do profissional como do doente, bem como da sociedade (SGRECCIA, 2002, p. 201).

Dessa forma, a consciência dos valores assume importância em

relação ao desenvolvimento da vida ética. Por conseguinte, quanto mais rica for à

consciência de valores, tanto mais atenta e sensível será a consciência do

profissional, possibilitando então uma assistência humanizada e integral.

2.3 A HUMANIZAÇÃO

O relacionamento estabelecido entre paciente e Enfermeiro ganha o

nome de relacionamento assistencial, sendo este a base da prática da Enfermagem.

Para que esse relacionamento se efetive são necessários alguns fatores como:

empatia, respeito mútuo, clima de confiança, sinceridade, etc.

Na área da saúde, mais precisamente na Enfermagem, a

humanização torna-se tema central, tendo em vista que a prática do cuidado em

Enfermagem se estabelece entre seres humanos. Um que presta cuidado e outro

que necessita do mesmo. Contudo, Silva (2004, p. 26) diz que: “o cuidado humano é

uma das habilidades mais difíceis de ser implementadas, justamente porque as

pessoas possuem limiares diferentes de sensibilização”.

Quando despojado de sua saúde, os indivíduos têm seus aspectos

emocionais envolvidos, tendo em vista que além do desconhecido em relação ao

futuro de sua doença, encontram-se em um ambiente não propício, sob a

responsabilidade de uma equipe de saúde, longe de seus familiares e muitas vezes

tratados como se não tivessem individualidade e identidade própria.

Sendo profissional da saúde, pergunto: o que é humanizar o

atendimento? O que é humanizar a Enfermagem? É modificar os ambientes? É

uniformizar os funcionários? É abolir camas ou macas nos corredores? É implantar

serviço de voluntariado? É aumentar o número de ambulâncias?

Humanização consiste no ato de humanizar, que é produto do ser

humano, é tornar humano, dar estado ou condições de homem, humanar. Também

pode ser compreendido como tornar benévolo e benigno (REMEN, 1993).

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Humanizar é estar com o paciente numa atitude de escuta, de ajuda, de

preocupação com seu restabelecimento.

Por assistência humanizada entende-se o esforço de tratar o

paciente com respeito às suas necessidades pessoais, considerando sua autonomia

nas escolhas, de se sentir aceito, de ser escutado, compreendido. Constrói-se assim

a dignidade humana, que está fortemente associada ao referencial de assistência

humanizada. Daí a necessidade da humanização ser individualizada (SANTOS,

2004).

Observar e respeitar o ser humano que estamos assistindo, em suas

várias interfaces, ou seja, seu medo, seu pudor, sua individualidade, suas emoções,

são as estratégias de humanização do cuidado.

Porém, o que observo hoje, é que a pessoa quando acometida pela

doença, deixou de ser o centro das atenções e foi instrumentalizada em função de

um determinado fim. Existem ambientes tecnicamente perfeitos, mas, desprovidos

de ‘calor humano’. Hoje é evidenciada a coisificação (tornar coisa, objeto) das

pessoas e sacralização das coisas, portanto, uma inversão de valores (PESSINI,

BERTACHINI, 2004).

Diante desse panorama, justifica-se a necessidade de políticas de

humanização. O Brasil possui alguns programas voltados para essa temática. O

Programa Nacional de Humanização dos Serviços de Saúde, lançado em 24 de

maio de 2000, é um deles que, de acordo com Pessini, Bertachini:

Tem como proposta reduzir as dificuldades encontradas durante o tratamento, favorecer a recuperação da comunicação entre a equipe de profissionais da saúde e o usuário, incluindo família, diante do momento de fragilidade emocional do paciente (PESSINI; BERTACHINI, 2004, p. 2).

Outro projeto é o Programa de Humanização do Pré-Natal e

Nascimento, de 1º de junho de 2000, tendo como objetivo assegurar a melhoria do

acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência

ao pré-natal e o puerpério (PESSINI; BERTACHINI, 2004).

O terceiro projeto sobre essa temática, é a de Humanização no

Programa de Saúde da Família, de 1994, implantada pelo Ministério da Saúde. O

enfoque está voltado para a atenção integral do indivíduo e família, através de ações

desenvolvidas nas unidades de saúde, no domicílio e na própria comunidade

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(PESSINI; BERTACHINI, 2004). Esse projeto solicita uma equipe multidisciplinar, na

qual a presença do Enfermeiro é indispensável.

Defronta-se com a humanização pragmática da assistência (que vê a

dignidade em termos de atuação humana – voltada para o ser humano que atua,

produz, pensa e realiza) e a humanização personalística (na qual a dignidade está

estruturada em “ser humano”, antes do que ”fazer coisas humanas”) (SANTOS,

2004).

O cuidado humanizado exige do profissional a união de percepção,

conhecimento, empatia, alteridade e respeito pela dignidade e pela autonomia,

sendo este direito de quem está sendo cuidado: de ser lembrado que é um ser

humano. Ser humano este que se distingue dos demais pela sua capacidade de

reflexão e imaginação, caracterizando-o como um ser único, autêntico e individual.

De acordo com Pessini; Barchifontaine (1997, p. 11), “conhecimento e competência

técnico-científica são imprescindíveis, mas tem que estar sempre junto com

humanismo”. Nas ações de Enfermagem deve ser maximizado o homem e

minimizada a doença, desta forma sobressaindo o valor pessoa em detrimento da

doença.

A procura de visualização do ser humano como sujeito, e não objeto

de sua história dá ênfase à humanização que, na Medicina, consiste no

reconhecimento da dignidade de pessoa em todo ser humano, indo do momento da

concepção até sua morte, tendo a consciência de sua espiritualidade e imortalidade

(SGRECCIA, 2002).

A tecnologia e a técnica estão presentes na vida moderna e afastá-

las da ciência não é possível. Importante que se façam reflexões sobre a relação

que estas estabelecem entre si e a ciência, no desenvolvimento da humanização,

nas relações que permeiam o ser humano em seu estado de saúde ou de doença.

Voltando meu olhar para a história da Enfermagem, assinalo que esta

teve grande repercussão na operacionalização da humanização que ora abordo.

Nas primeiras décadas do século XX, os instrumentos e técnicas de Enfermagem

foram concebidos com a atuação não voltada para o doente, mas sim para o

procedimento a ser executado, ou seja, as tarefas e os procedimentos assumem

maior ênfase. Esse processo, além de perpetuar-se até os dias atuais, pode ser

considerado um dos fatores inerentes à valorização da técnica em detrimento da

pessoa.

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A tecnologia tem sido um dos grandes fatores de afastamento na

relação Enfermagem – paciente, tendo em vista sua despersonalização e a perda de

sua individualidade, privacidade, subjetividade e singularidade.

Na humanização, a autonomia do paciente deve ser respeitada,

sendo esta considerada como a capacidade do indivíduo de autogovernar-se, de

decidir sobre seu tratamento. As instituições de saúde despojam o indivíduo de suas

vestes na mesma proporção que assumem unilateralmente as decisões sobre o seu

tratamento. Nesse pensar, cito Leopardi (1999, p. 132) que expressa: “seres

humanos são livres e se espera que se envolvam em seu próprio cuidado e nas

decisões sobre sua vida”. Portanto, as atitudes do profissional de Enfermagem em

relação à forma do atendimento no cuidado precisam ser repensadas. É necessário

que o paternalismo seja superado.

Todo ser humano, na posição de paciente, deve ser tratado em

virtude de suas necessidades de saúde e não como meio para a satisfação de

interesses de terceiros, da ciência ou dos profissionais de saúde. É necessário,

portanto, que as ações e os serviços de saúde sejam orientados no sentido de

humanizar suas práticas (FORTES 1998).

Quando um profissional da saúde se aproxima do doente, ele está se

aproximando de uma pessoa e este corpo não é objeto de intervenção, mas sim um

sujeito autônomo, livre, responsável, consciente, possuidor de valores morais,

culturais e espirituais, membro de uma família e inserido em uma sociedade.

Segundo Sgreccia (2002, p. 127) “em todo ato médico e em toda intervenção na

corporeidade não poderá deixar de estar presente esta riqueza e esta ligação: é ato

de uma pessoa sobre outra pessoa com a mediação corpórea”. Daí a necessidade

dos profissionais de saúde serem pessoas reflexivas, humanas e com visão integral.

Em se tratando de profissionais da saúde (talvez profissionais da

“doença”, pela ênfase no cuidado da doença), concorda-se com Aguiar apud

Rodriguez (2003, p. 66) quando assim se expressa: “A aplicação do reducionismo ao

campo da saúde alimenta a crescente especialização dos médicos, processo que

tem como conseqüência a fragmentação dos pacientes em órgãos e sistemas”. Essa

crescente fragmentação possui repercussões em vários âmbitos, sendo o cuidado

de Enfermagem humanizado afetado por ela.

O cuidado de Enfermagem possui em sua estrutura o conhecimento,

que é o saber de Enfermagem corporificado em um nível técnico (instrumentos e

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condutas), e relações sociais específicas, visando ao atendimento das necessidades

humanas (ALMEIDA; ROCHA, 1989).

Essas necessidades humanas abrangem os aspectos biológicos,

psicológicos e sociológicos, em que a interação Enfermeiro – paciente assume vital

importância. Verifica-se, na prática, a fragmentação do cuidado, sendo este

“subdividido e realizado por tarefas e procedimentos, sem centrar-se no paciente, ou

seja, um mesmo paciente é assistido por vários elementos da Enfermagem”.

(ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 33, 34) Na prática, o cuidado ainda é executado de

forma parcelada, ou seja, um Auxiliar de Enfermagem verifica os sinais vitais, outro

arruma o leito, um terceiro administra a medicação prescrita pelo médico, ficando o

Enfermeiro responsável pela supervisão desse atendimento.

Muitas atividades são desenvolvidas sem que haja um processo de

reflexão associado ao fazer na Enfermagem. Essa divisão de tarefas faz com que a

assistência fique parcelada e o paciente perca o referencial sobre o responsável

pelo atendimento. Dificulta-se, com isso, a integralidade do atendimento ao paciente,

acarretando transtornos em relação à humanização.

O diálogo, instrumento fundamental entre o ser cuidador (aquele que

cuida) e o ser cuidado, assume grande importância na área de saúde,

principalmente na área de Enfermagem, tendo em vista que seus profissionais

permanecem em tempo integral com o paciente. O diálogo é possuidor de valores de

informação e de terapêutica. O Enfermeiro necessita aliar aos conhecimentos

técnicos científicos de sua prática diária, a comunicação entre os seres participantes

da relação de cuidado, tendo em vista que essa interação é fundamental na

recuperação do bem-estar do ser humano. Porém, essa comunicação deve ser

adaptada às características de seu interlocutor, ou seja, as palavras precisam estar

impregnadas das condições necessárias para que o paciente compreenda a

mensagem proferida. Assim pode-se deduzir que o cuidado humanizado manifesta-

se também na forma como a informação é fornecida, devendo ter caráter simples,

inteligível, verdadeiro e leal, a fim de promover segurança, confiança, facilitando na

resolução do problema instalado.

A utilização da linguagem técnica pela equipe de Enfermagem não

deve ser utilizada inadvertidamente junto ao paciente, posto que pode provocar

imagens fantasiosas em relação à sua patologia, gerando confusão e ansiedade.

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Em se tratando de assistência humanizada no viés do ensino da

Bioética, considero importante trazer pensamentos de Immanuel Kant, que vêm ao

encontro da abordagem que estou realizando nesta pesquisa. Sua contribuição é

notória. É um dos filósofos que mais se aproxima dos aspectos concernentes à

Bioética, à humanização, ao valor inegável que se deve dar ao homem, sendo este

não tratado como meio, mas como fim em si mesmo.

2.4 A ÉTICA KANTIANA NA BIOÉTICA E NO SEU ENSINO

Escrever sobre a ética inserida no contexto da saúde, isto é, ética

aplicada, não é uma tarefa fácil, haja vista a complexidade dos temas: ética, saúde e

ética aplicada. A ética vem permeando a história da humanidade e seus

questionamentos tornam-se molas propulsoras na tentativa de compreensão do agir

humano.

Diante de fatos ocorridos na humanidade, onde o agir humano foi

contra o próprio homem, reflexões se fizeram necessárias, dando surgimento à

Bioética, uma ética aplicada à humanidade e, no campo da saúde, uma ética para

nortear o agir humano nas questões a ela inerentes.

Quando me deparei com a ética de Immanuel Kant, surgiu o seguinte

questionamento: Qual a interferência do pensamento kantiano na Bioética? Que

relações possui com o ensino da mesma? Para responder, necessário se faz uma

incursão da ética através da história, tecendo um panorama da mesma e suas

implicações com o mundo pós-moderno.

2.4.1 A ética através da história

a) Ética antiga e medieval: A ética é entendida como disciplina filosófica, tendo seu

começo com a própria filosofia, datada do séc. VI a.C. O termo ética originou-se do

vocábulo grego ethos, que significava assentamento, vida comum (Ilíada, de

Homero). Posteriormente adquiriu outros significados como hábito, caráter, modo de

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pensar. Aristóteles formou o adjetivo ético para designar uma classe particular de

virtudes humanas e a Ética como ciência que estuda essas virtudes. De acordo com

Vasquez (2000, p. 25), ethos e mos (moral em latim), “caráter” e “costume”,

assentam-se num modo de comportamento que não corresponde a uma disposição

natural, mas que é adquirido ou conquistado por hábito. Em Roma, ethos é similar a

mores, traduzido como costume, caráter. Os romanos formaram da palavra mores, o

adjetivo moralis (moral, relativo a costumes). O desenvolvimento do pensamento

ético nessa época faz alusão a nomes como Demócrito, Protágoras, Sócrates,

Antístenes, Platão, bem como os estóicos e epicuristas. Ética, na qual os problemas

políticos e morais são objetos de atenção. A busca da felicidade estava no centro

das preocupações éticas. Em Platão verifica-se a procura do bem, utilizando a

contemplação das idéias. A virtude ganha expressão e sua prática (areté) se traduz

na coisa mais preciosa para o homem. A ética de Platão tem como referência a

polis, sendo este o terreno próprio da vida moral. De acordo com Germano (1993, p.

25), Aristóteles (384-322 a.C.) destaca-se, nesse período, pelo fato de a ética

assumir um caráter de disciplina filosófica sistematizada. Na época medieval

sobressaem-se os nomes de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, em que a

relação entre ética e cristianismo ganha expressão, procurando identificar a moral

com a vontade divina e, desta forma, identificando-a como uma ética teocêntrica.

b) Ética moderna e contemporânea : devido às mudanças na ordem social,

econômica, espiritual e política, também há uma nova concepção ético-filosófica na

época moderna, procurando correlacionar as normas sociais e as necessidades

espirituais. Ética Antropocêntrica, na qual nomes como Descartes, Hobbes, Spinoza,

Maquiavel ganham expressão. Porém, foi a filosofia de Kant (1724-1804) que alterou

radicalmente a ética moderna. A universalidade da moral para todos os seres

racionais faz a dicotomia da visão cristã feudal de homens bons e maus. Adiante,

faremos alusão a essa ética, que tem suas repercussões no mundo contemporâneo.

Outro filósofo, Hegel não pode deixar de ser elencado nesse período,

haja vista suas contribuições relativas à história filosófica da liberdade, tema este

central do seu pensamento.

Quando discorro sobre a ética contemporânea, acerca do

pensamento ético atual, devo incluir nomes como Kierkegaard, Marx, Nietzsche,

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Freud, Gramsci e Sartre. Os filósofos da época indagaram: O que é o homem? Para

Marx (ser econômico), em Heidegger (existência, ser existente), Freud (ser

libidinoso) e em Sartre (ser livre).

No dizer de Vasquez, de acordo com a orientação geral que segue o

movimento filosófico, desde Hegel até os nossos dias, o pensamento ético também

reage:

a) contra o formalismo e o universalismo abstrato e em favor do homem concreto (...)

b)contra o racionalismo absoluto e em favor do reconhecimento do irracional do comportamento humano(...)

c) contra a fundamentação transcendente (metafísica) da ética em favor da procura da sua origem no próprio homem (...) (VÁSQUEZ; 2000 p. 285).

Com essa afirmação visualizo o desafio atual em relação ao

pensamento ético e os diferentes rumos nos quais se orientam a doutrina

contemporânea no campo da ética.

2.4.2 O pensamento ético de Immanuel Kant

Kant define a ética como a ciência das leis da liberdade, aceitando

também que se a compreenda como a teoria dos costumes. Seus imperativos

(mandamentos da razão) categóricos ou mandamentos absolutos podem ser:

técnicos (pertencentes à arte), pragmáticos (pertencentes ao bem-estar) e morais

(pertencentes à livre conduta em geral, aos costumes)

Para Kant, a questão moral básica diz respeito à motivação, daí a

formulação do imperativo categórico: “Age só segundo máxima tal que possas ao

mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 2005, p. 1). Portanto,

antes de executar uma ação, necessário se faz que se reflita se a máxima que

pretendo seguir é digna de ser universalizada. De acordo com o filósofo prussiano, o

homem é legislador de si mesmo e todos os homens são fins em si mesmos. Posso

dizer com isso que o homem, para Kant, assume figura central, pois sendo ele

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sujeito cognoscente (consciência moral) dá a si mesmo a sua própria lei. Ele é

criador e está no centro tanto do conhecimento quanto da moral.

Em sua obra Crítica da razão prática, Kant afirma que:

Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral não só no propósito que por meio dela se quer alcançar, mas na máxima que a determina; não depende, pois, da realidade do objeto da ação, mas meramente do princípio do querer segundo o qual tal ação foi praticada (KANT, 2005, p. 27).

Portanto a moral, para ser validada, necessita do imperativo

categórico “tu deves” (o dever), que deve ser precedido pela razão. Percebo que a

ética de Kant é uma ética deontológica, na qual o agir se dá pelo dever, amor ao

dever pelo dever, obediência à lei pela lei.

Levanto o seguinte questionamento: Quando uma ação é

considerada moral? Perez (2001, p. 29) responde dizendo: “para que uma ação seja

considerada moral, a determinação da mesma deve conter o espírito (ou força da

lei)”. Portanto, a lei exerce poder sobre a vontade, que por sua vez incide contra as

inclinações dos impulsos sensíveis dos sujeitos.

Na Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e

posteriormente na Crítica da razão prática (1788), noto como o filósofo proíbe

degradar o ser humano ao papel de mero instrumento, conforme se depreende do

segundo imperativo categórico: “Age de tal maneira que possas usar a humanidade,

tanto em tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como

fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 2005, p. 59). Verifico aqui o conteúdo

humanista deste pensamento onde, o respeito pela dignidade do ser humano tem

grande expressão. Nesse pensar, cita-se Valls quando afirma:

Convém lembrar que a ética de Kant não proíbe tratar os homens como meios, mas sim, proíbe que se trate a humanidade, em nós ou nos outros meramente como meio e não ao mesmo tempo como um fim em si (a doutrina da dignidade humana) (VALLS, 2004, p. 152).

A ética Kantiana é uma ética formal e autônoma, quer dizer, ela deve

ser aplicada a todos os homens, independente de sua posição social. A autonomia

que é conferida ao homem é fundamental em seu pensar, tendo em vista que para

haver um comportamento moral, necessário se faz que esteja atrelada a um sujeito

autônomo, livre, ativo e criador. A autonomia proposta por Kant está diretamente

relacionada com a razão.

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A liberdade, em Kant, deverá ser procurada fora do campo da

experiência e da razão teórica, portanto, na razão prática, onde se é possível pensar

a liberdade e reivindicá-la para o sujeito moral. Esse sujeito moral, no plano das

decisões éticas, pode escolher e optar atuando assim como causa livre. Suas ações

podem ser remetidas à sua liberdade, a algo que não atue determinadamente, mas

que pode iniciar absolutamente uma série de ações. Daí, a importância da

autonomia do sujeito nas suas decisões morais.

2.4.3 Pensamento ético de Kant e a Bioética

Na história verifica-se, a partir do Iluminismo, o papel preponderante

da autonomia no pensamento ético. Kant procurou defender a autonomia do sujeito

bem como um conceito ilimitado de respeito por essa autonomia. Kant (2005, p. 66)

afirma que “a autonomia é, pois, o fundamento da dignidade da natureza humana e

de toda a natureza racional”.

Na perspectiva de Kant, o homem não deve ser tratado como meio,

mas, só e somente só, como fim em si mesmo. Afirma o filósofo que não podemos

dispor do homem para mutilar, degradar ou matar (KANT, 2005, p. 60). Projetando

esse pensamento para a Bioética, deve-se evitar a utilização de um doente para o

“bem da sociedade” ou para experiências médicas injustificadas. Uma pessoa não

pode ser considerada um mero objeto de satisfação dos nossos interesses ou

desejos. Não pode, portanto, ser manipulada ao nosso bel prazer. Isso também

inclui a responsabilidade que assume a equipe de saúde no atendimento do

paciente, bem como orienta pesquisadores, indicando limites, não atentando contra

a essência da pessoa.

O respeito pela dignidade do ser humano, visualizada no pensamento

ético de Kant, ganha expressão na atualidade, tendo em vista que o cerne da

Bioética é o ser humano e seus valores morais. Os profissionais da saúde que

realizam pesquisas clínicas devem contemplar esse imperativo de Kant. Ao

executarem pesquisas sem que, após o devido esclarecimento, haja o

consentimento do pesquisado, estarão tratando o sujeito como mero objeto e não

um fim em si mesmo.

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O pensamento Kantiano sugere que a clonagem seria considerada

por Kant como moralmente proibida se o clone não fosse respeitado como um fim

em si mesmo e concebido como mero meio de fornecer órgãos no futuro.

2.4.4 Kant na pedagogia e no ensino da Bioética

A educação familiar, o ambiente e a escola exerceram na vida de

Kant influências marcantes sobre seu caráter, bem como sobre suas idéias e

doutrinas. A dignidade e o valor da natureza humana são frutos desse passado

vivenciado por Kant, sendo dever do homem produzir em si a moralidade (KANT,

2004).

Diante dos questionamentos propostos pelo filósofo da Prússia, ou

seja: O que podemos fazer? O que devemos fazer? O que podemos esperar?

Deparo-me com certa dificuldade em fornecer respostas. Porém, baseando-me em

seu próprio ensinamento, procuro trazer algumas reflexões. De acordo com Markl

(2002, p. 36), Kant lembra da importância do método crítico, ou seja, “verificar a

confiabilidade do conhecimento e educar os homens para explorarem de forma

metódica e disciplinada, a verdade ou pelo menos procurarem compreender

fielmente a realidade que nos é acessível”. Importante então que o homem tenha

seus conhecimentos fundamentados em bases confiáveis, tendo então a capacidade

de elaborar apreciação correta de seus juízos e de seu agir, fazendo uso de muita

prudência e humildade.

O dever, no que se refere ao fazer, tomando como base o processo

educativo, refere-se à busca incessante do processo da aquisição do conhecimento.

Através do conhecimento é que se pode exercer a dignidade.

Sobre a educação, Kant afirma: “O melhor meio de compreender é

fazer, o que se aprende mais seguramente é o que se aprende por si mesmo”.

Acreditava Kant que a educação tem relação direta com o melhor desenvolvimento

da natureza humana. Em sua obra Sobre a Pedagogia, Kant afirma que o homem é

a única criatura que precisa ser educada (KANT, 2004, p. 11). Dessa afirmação é

possível inferir que o homem, além da necessidade de cuidados, possui também

necessidade premente de formação, sendo esta, de acordo com Kant, aquela que

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compreende a disciplina e a instrução. Kant colocava a educação como condição

necessária para o homem se tornar verdadeiro homem, a educação como

responsável direta pela sua formação moral. Confirma-se esse pensar em seu dizer

“Ele é aquilo que a educação dele faz” (KANT, 2004).

Ao reportar-me ao ensino da Bioética, faço alusão às reflexões de

Kant no que concerne à visualização da perfeição da natureza humana melhorada

através do processo educativo, projetando em uma perspectiva futura da felicidade

da espécie humana. O ensino da Bioética vem contribuir com essa perspectiva

quando visualiza a necessidade de educar para que o homem tenha condições de

contribuir com a felicidade, numa universalização. Devido ao poder que lhe é

conferido, o homem tem a condição de, através de seu agir moral, trazer a felicidade

ou até mesmo a destruição para a espécie humana.

Em seu pensamento, Kant (2004, p, 19) afirma: “a educação é uma

arte cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações”, e ainda:

Somente pode surgir um conceito da arte de educar na medida em que cada geração transmite suas experiências e seus conhecimentos à geração seguinte, a qual lhes acrescenta algo de seu e os transmite à geração que lhe segue (KANT, 2004, p. 21).

Recordo aqui os ensinamentos que as gerações passadas nos

forneceram. Atrocidades foram realizadas pelo homem contra a sua própria

natureza, através de abusos experimentais em seres humanos, dando surgimento

ao Código de Nuremberg, com objetivo de nortear pesquisas. Fatos estes que

suscitaram discussões mundiais, gerando a elaboração de normas que guiassem o

agir humano na tentativa de que tal desumanização não mais se repita. Visualizo

então como as palavras de Kant ressoam na atualidade, e como o ensino da

Bioética ganha força e expressão hoje. Assim a educação deve visar a benefícios,

não somente em curto prazo, mas principalmente para que as ações educativas

tenham reflexos na construção de um futuro melhor. No ensino da Bioética é

manifestada a preocupação que se deve ter com toda a biosfera habitada pelo

homem.

Kant lembra que através da educação o homem deve ser

disciplinado, tornar-se culto, prudente e moral, sempre voltado para os bons fins,

que devem ser universais.

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Segundo nos lembra Kant, a educação necessita ser apoiada em

princípios, perdendo assim seu caráter puramente mecânico. Esse critério vem ao

encontro dos conteúdos ministrados na disciplina de Bioética, uma vez que esta;

como já visto, tem como fundamento princípios tais como: autonomia, beneficência,

não-maleficência, justiça. Todos servem ao conjunto da ética, procurando levar em

consideração os seus diversos campos de atuação. Manifesta-se aqui a importância

do princípio da universalização, pelo seu uso freqüente no campo da ética médica,

na pesquisa e experimentação em seres humanos.

No mundo contemporâneo, experimenta-se uma inversão de valores

morais que, por sua vez, são o fundamento da ética. Diante do espantoso

desenvolvimento tecnológico e científico percebe-se que o ser humano foi perdendo

seu valor e sua posição central de sujeito historicamente constituído. Parece ter

havido gradativamente uma espécie de perda de humanização. O dinheiro, o lucro e

o poder assumem grande valor na sociedade contemporânea.

Quando se olha a ciência, verifica-se que o próprio conhecimento

científico se torna um valor a ser perseguido, ficando muitas vezes o homem

paralelo a ele, ou seja, produz-se o conhecimento simplesmente para se ter mais

conhecimento, ou mesmo que dele apenas se usufrua o lucro financeiro.

Urgente se faz que o ser humano seja recolocado no centro da

problemática de valores. Daí a importância da educação, precisamente a da

Bioética, haja vista que ela favorece as relações mútuas entre os homens, levando-

os a preservar seu bem mais precioso – a vida. Nesse sentido, as reflexões da

Bioética no processo educativo contribuem para um conhecimento pautado em

valores e princípios éticos que ajudam o homem a conduzir o seu agir dentro de uma

moral-prática.

Nesse contexto, a educação envolve uma relação com o mundo dos

valores. A dimensão ética do bem não pode esquivar-se do processo e da finalidade

educativa, mas deve estar voltada para a promoção do homem. Homem este

possuidor de autonomia, valores, crenças, experiências e medos. Portanto, um ser

singular, único. Daí a necessidade que se impõe do respeito à pessoa humana, não

a subjugando à qualidade de objeto, como já dizia Kant.

Na universidade, observa-se a preocupação dos docentes em formar

pessoas habilitadas técnica e cientificamente para o mercado de trabalho em

detrimento da formação pessoal, pautada em valores éticos e morais. Não se pode

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perder de vista o ser humano enquanto ser individual e coletivo. Daí a importância

da formação de valores através da Bioética, em que a pessoa é vista como sujeito

moral, investida de um valor absoluto que se expressa pela sua dignidade,

insubstituível.

Diante dessas reflexões, em que Kant enaltece a educação, a

autonomia e o valor do ser humano, percebo que a Bioética pode auxiliar a

compreensão desses aspectos ao assumir a humanização como um valor a ser

perseguido para que a humanidade encontre ressonância entre o ter, o ser e o

saber. Isso justifica a ênfase dada, pelo presente estudo, da importância do ensino

da Bioética na formação do profissional Enfermeiro, com o objetivo de tornar o

cuidado mais humanizado.

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CAPÍTULO III

O PERCURSO METODOLÓGICO

“O método qualitativo de pesquisa, opção metodológica que se mostra cada vez mais utilizada na Enfermagem, oferece a possibilidade de alcançar as respostas para questões

particulares que envolvem o cuidado e a assistência de enfermagem”.

Neide de Souza Praça.

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3.1 O CAMINHO PERCORRIDO

No intuito de tornar o conhecimento obtido adequado a um modelo

acadêmico, cuja sistematização é requisito para transformá-lo em ciência, foi

necessário utilizar-me de critérios que dessem cientificidade às minhas

interrogações.

Nas leituras realizadas, observei que para ser reconhecido como

científico, o discurso necessita ser lógico, coerente, sistemático e, sobretudo, ser

bem argumentado, distanciando-se de outros conhecimentos como senso comum,

sabedoria, ideologia (DEMO, 2000, p. 26).

Dentre as metodologias que o conhecimento científico faz uso para

captar a realidade, optei pelo método histórico-dialético, numa abordagem

qualitativa. Triviños (1987, p. 51) esclarece que o materialismo histórico é: “a ciência

filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da

sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens”.

Os sujeitos foram professores e alunos inseridos num contexto social.

Importante se faz o estabelecimento de um enfoque metodológico que se relacione à

necessidade de obter uma aproximação com sujeitos que desvelem a essência de

suas vivências e experiências, que possibilite a captura das perspectivas dos

participantes, buscando entendê-los numa totalidade concreta. Gadotti (2003, p. 25)

vem em meu auxílio dizendo : “o pressuposto básico da dialética é que o sentido das

coisas não está na consideração de sua individualidade, mas na sua totalidade, em

que tudo tem que ver com tudo, nada é isolado”.

O método histórico-dialético possibilita uma crítica às questões

intrínsecas da profissão de Enfermagem, pois ela está articulada com a totalidade

das realidades sociais, econômicas e políticas. Em relação ao método, dialético,

Minayo complementa dizendo que:

Os princípios da especificidade histórica e de totalidade lhe conferem potencialidade, para, do ponto de vista metodológico, apreender e analisar os acontecimentos, as relações e cada momento como etapa de um processo, como parte de um todo (MINAYO, 2000, p. 13)

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Fazendo uso dessa abordagem pude reconhecer as contradições

existentes na realidade da prática da Enfermagem e de como a totalidade se torna

premente na compreensão e na discussão de novos rumos para a profissão.

Em relação ao método dialético, Gadotti (2003, p. 24-27) faz

inferência aos princípios gerais da Dialética sendo eles:

a) Tudo se relaciona (princípio da totalidade);

b) Tudo se transforma (princípio do movimento);

c) Mudança qualitativa (princípio da mudança qualitativa);

d) Unidade e luta dos contrários (princípio da contradição).

Esse mesmo autor, ao referir-se ao princípio da contradição, aborda

que ela é a essência ou a lei fundamental da dialética, pois a transformação das

coisas só é possível devido às forças opostas que estão no interior das mesmas,

tendendo simultaneamente à unidade e à oposição (GADOTTI, 2003, p. 27).

Perante a realidade complexa e emergente que está posta, faz-se

necessária a utilização de metodologias qualitativas. De acordo com revisões

bibliográficas que efetuei, verifiquei que a abordagem qualitativa tem sido a opção

metodológica que vem sendo cada vez mais utilizada nas pesquisas em Educação e

em Enfermagem. De acordo com Merigui, essa abordagem oferece a possibilidade

de alcançar as respostas para questões particulares que envolvem o cuidado e a

assistência da Enfermagem, desvendando assim, os aspectos subjetivos da

experiência humana no processo de saúde (MEREGUI, 2003).

Esta pesquisa encontra ressonância com o dizer de Meregui, pois se

busca obter conhecimentos e possíveis respostas sobre a relevância do ensino de

Bioética na formação do profissional Enfermeiro.

No dizer de Minayo (1999, p. 21), a pesquisa qualitativa trabalha com

o universo dos significados, dos motivos, dos valores, das aspirações e das atitudes,

correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos, bem

como, dos fenômenos os quais não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis.

Para que pudesse ser operacionalizada a pesquisa, após a

aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa, dei seqüência à coleta de

dados selecionando, como instrumento, a técnica do Grupo Focal (GF), onde

entrevista e observação encontram-se inseridos. Sobre a observação cito Martins

(2004, p. 87), quando afirma que esta: “utiliza os sentidos na obtenção de

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determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas

também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”.

Fiz uso da técnica do Grupo Focal, porque, no âmbito das

abordagens qualitativas em pesquisa social e no campo da saúde, esta vem sendo

cada vez mais utilizada. Os sujeitos participantes da pesquisa encontram no Grupo

Focal liberdade de expressão, que é favorecida pelo ambiente, levando a uma

participação efetiva. Também ajuda o fato de o foco principal ser um tema de

conhecimento e interesse de todos, facilitando as relações e interações.

No dizer de Gatti (2005, p. 9), ao se fazer uso da técnica do Grupo

Focal, “há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas

também em como elas pensam e por que pensam”. Daí, a importância de utilizar

essa técnica na pesquisa. Sendo os sujeitos artífices da história, sofrendo influência

do meio social, mister se faz desvelar este “como” e “porquê” pensam, na busca de

novas compreensões, de novo “olhar” no caleidoscópio da ciência, que apresenta

para nós sempre novas possibilidades e até mesmo com surpresas.

Ao se reportar ao Grupo Focal como técnica para coleta de dados,

faz-se menção de que ele é utilizada quando se quer compreender diferenças e

divergências, contraposições e contradições (GATTI, 2005). Nesse pensamento, o

método dialético ganha força, tendo em vista que a contradição é a mola propulsora

para o desvelamento do real, da apreensão do real.

3.2 SOBRE A TÉCNICA DO GRUPO FOCAL (GF)

Essa técnica é empregada há muito tempo. Mencionada

primeiramente como técnica de pesquisa em marketing nos anos de 1920. Foi

introduzida nas ciências sociais, por R. Merton, em 1950, com o objetivo de estudar

as reações das pessoas à propaganda de guerra. Pertence à categoria mais geral

de pesquisa aberta ou não estruturada, visando colocar as respostas do sujeito no

seu próprio contexto (MINAYO, 2000, p. 109). Grupo Focal é uma técnica que

integra, discute, avalia o tema proposto, sendo flexível e dinâmico, pois, na primeira

etapa dos trabalhos são realizadas atividades de descontração, cujo comportamento

pode envolver o grupo durante a reunião.

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Em relação à importância desta técnica, cito Minayo,

O grupo focal consiste numa técnica de inegável importância para se tratar das questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população (MINAYO, 2000, p. 129).

De acordo com Debus, Grupo Focal é uma das principais técnicas de

investigação, que se apropriou da dinâmica de grupo, permitindo a um pequeno

número de participantes ser guiado por um moderador qualificado, procurando

alcançar níveis crescentes de compreensão e aprofundamento de um tema em

estudo (DEBUS, 2004, p. 3).

Giovanazzo (2001) explicita a finalidade do Grupo Focal, sendo este

apropriado quando o objetivo é explicar como as pessoas consideram uma

experiência ou uma idéia e, durante a reunião, possam ser obtidas informações

sobre o que as pessoas pensam ou sentem ou ainda sobre a forma como agem.

Diante desses pensamentos, acredito que esta técnica vem ao

encontro do objeto de pesquisa, haja vista que o relato das vivências e experiências

dos acadêmicos e professores é fundamental para a captação do real por eles

vivenciado. Através da interação que ocorreu nos grupos, pude verificar a força que

o componente histórico exerce sobre a Enfermagem enquanto profissão, e como o

contexto social influencia a tomada de decisão destes.

Autores relatam sobre a técnica, informando que a mesma deve ser

composta por 8 a 12 elementos. Quanto maior o grupo, maior a possibilidade de

haverem conversas paralelas, o que certamente influenciará negativamente nos

resultados.

3.3 PARTICIPANTES DO GRUPO FOCAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Em relação à seleção dos participantes do GF, privilegia-se a escolha

segundo alguns critérios, conforme o problema em estudo, e desde que possuam

características comuns que os qualifiquem para a discussão da questão focal

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(GATTI, 2005). Também convém assinalar que os participantes devem ter vivência

com o tema a ser discutido, propiciando riqueza na troca de informações.

Nesta pesquisa, a referida técnica foi realizada com dois grupos

distintos: um de docentes e outro de alunos. O primeiro composto por sete docentes

do Curso de Enfermagem, de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de

Ponta Grossa, no estado do Paraná.

Para compor o grupo de alunos, selecionei oito universitários da

Instituição de Ensino Superior “Lâmpada”. Quanto aos critérios para a seleção

desses sujeitos considerei: Alunos matriculados no curso de Enfermagem matutino

ou noturno; que já tivessem atuação na área de Enfermagem; que cursaram a

disciplina de Bioética em Enfermagem (terceiro período); que fossem alunos da

instituição “Lâmpada”, pelo fato de que nela, a disciplina de Bioética integra a grade

curricular. Considerei importante o que esses alunos tinham a dizer sobre a face

humanizadora da Bioética na formação do profissional Enfermeiro em um cuidado

mais humanizado.

Para composição do Grupo Focal de docentes, selecionei os

seguintes critérios: enfermeiras docentes que atuassem na Instituição “Lâmpada”;

enfermeiras docentes que atuassem na Instituição “Verde Esmeralda”; que tiveram

ou não participação na disciplina de Fundamentos de Enfermagem I e/ou Bioética

em Enfermagem.

3.4 PLANEJAMENTO DO GRUPO FOCAL

De acordo com revisão de literatura, o Grupo Focal necessita de

prévio planejamento em que aspectos inerentes ao andamento dos trabalhos

necessitam ser contemplados. As decisões referentes ao mesmo foram tomadas

quinze dias antes do convite formulado. Nesse planejamento (Apêndice A) fiz alusão

à equipe, ao orçamento, ao grupo, ao conteúdo, à seleção do local e coleta de

dados, ao convite, ao cronograma e à condução da sessão. A seguir abordarei cada

item em particular, pela importância que possuem.

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3.4.1 Equipe

A equipe de trabalho na realização do Grupo Focal foi composta de

uma enfermeira, no papel de Moderadora, um psicólogo, como Observador, uma

acadêmica de Enfermagem, como Auxiliar de Pesquisa (GF de alunos), uma

enfermeira, como Auxiliar de Pesquisa (GF de professoras), e eu, como

pesquisadora e também observadora, estando presente na execução de todo o

processo.

3.4.2 Orçamento

Como toda pesquisa, esta também denotou gastos que foram

custeados pela pesquisadora. No orçamento (Apêndice B) foram contemplados

custos com equipamento, material de expediente, coquetel e diversos.

3.4.3 Grupo

A realização desta técnica contou com a participação do moderador,

do observador e do auxiliar de pesquisa como elementos importantes para o

sucesso desejado. A função do observador é registrar, o que se torna um fator

indispensável para o enriquecimento das análises. Chianca apud Gatti (2005)

recomenda que o observador divida o processo de observação em três etapas a

saber: abertura, em que o observador se coloca de forma a registrar o mais

fielmente possível todas as informações; o desenvolvimento, no qual o grupo

começa a se posicionar frente ao tema a ser desenvolvido e; o fechamento, quando

o grupo começa a formular uma síntese dos fenômenos ocorridos.

Diante disso, convidei um colega docente, que é psicólogo, com

atuação no ensino do Curso de Enfermagem da Instituição “Lâmpada”, para auxiliar

nas anotações durante o desenvolver da técnica. Penso que esse profissional possui

habilidades importantes, próprias de sua profissão, tais como a da observação, o

que vem ao encontro do que se pretendeu com a pesquisa. O convite foi realizado

primeiramente pelo telefone e foi prontamente aceito. Posteriormente, fiz a entrega

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do mesmo pessoalmente. O psicólogo teve participação como observador nos

Grupos Focais de alunos e de professoras.

No Grupo Focal, a observação ganhou grande significado, pois foi

através das palavras, gestos, silêncio, tom de voz, da expressão fisionômica que a

essência pôde ser captada. Desta forma procurei, além de ver, examinar como esta

se manifesta.

Quanto à função do moderador, em todas as leituras que foram

efetuadas, os autores foram unânimes em concordar com o papel preponderante

que exerce. É dele a responsabilidade pelos encaminhamentos e direcionamentos

necessários, bem como o incentivo na participação de todos os componentes do

grupo, para que se aprofundem as discussões, possibilitando a revelação de novos

aspectos e novos olhares, relativos ao tema.

No GF, o que ganha grande significado são as interações que se

estabelecem entre os membros. As respostas das perguntas feitas pelo moderador

ficam em segundo plano. Essas interações é que possibilitam a captação de

significados. No dizer de Gatti (2005, p. 9), “o grupo focal permite emergir uma

multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de

interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios,

poderiam ser difíceis de manifestar”.

O moderador da discussão deve ter o máximo de cuidado de não

emitir opiniões particulares, de concordar ou não com as colocações realizadas

pelos participantes, de se posicionar perante as idéias do grupo. Enfim, sua atuação

se baseia em realizar encaminhamentos pertinentes ao tema focado e atentar para a

participação de todos na discussão, criando condições para que as interações

aconteçam.

Para exercer o papel de moderadora no GF, convidei uma colega

enfermeira, mestre, com atuação em um Órgão de Saúde do Estado do Paraná,

também docente no Curso de Enfermagem da Instituição “Lâmpada. Como

características aponto a liderança, visão grupal e boa interação com os sujeitos da

pesquisa. Ela teve participação nos Grupos Focais de alunos e de professoras. O

convite foi realizado primeiramente pelo telefone, e foi prontamente aceito.

Posteriormente realizei a entrega do mesmo pessoalmente.

A atuação da moderadora foi considerada como de baixo

envolvimento, isto é, a moderadora tinha o controle dos tópicos a serem discutidos e

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da dinâmica da discussão, porém, seu papel se restringiu a fazer a discussão

progredir sem fazer comentários diretivos.

Durante o transcorrer das atividades propostas é importante a

presença do auxiliar de pesquisa, pois tem como funções evitar a distração dos

participantes e facilitar o transcorrer de todo o percurso programado. Através de

contato telefônico, convidei a assumir esse encargo uma acadêmica de

Enfermagem, a qual prontamente aceitou e no dia seguinte, realizei a entrega do

convite em sua residência. Ela teve atuação no Grupo Focal de alunos. Para o grupo

de professores fiz o convite a uma colega Enfermeira que é docente da Instituição

de Ensino Superior “Verde Esmeralda” que também de imediato aceitou o convite

realizado.

Nesse planejamento, estabeleci que fosse feita uma reunião única

dos Grupos Focais de professoras e de alunos.

3.4.4 Conteúdo

Em relação ao conteúdo elaborei um roteiro de entrevista contendo

questões do tipo: introdutória, de transição, chave, final, resumo e de fechamento.

Esse roteiro das questões pertinentes ao grupo focal de alunos e de professoras,

encontra-se no Apêndice E.

Saliento que estas perguntas norteadoras do grupo, ficando sob

encargo da moderadora sua condução, auxiliando desta forma na progressão e no

enriquecimento da reunião.

3.4.5 O ambiente e os recursos utilizados

Para que esta técnica tenha êxito, é muito importante que se dê

atenção ao ambiente onde ocorrerá a reunião do Grupo Focal. Este deve estar livre

de barulho, de situações de permitam a distração, ser confortável, agradável,

preferencialmente que seja um local diferente do cotidiano dos participantes da

pesquisa e de fácil acesso.

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O uso desta técnica necessita de recursos, tais como gravação e/ou

filmagem das falas, o que requer um ambiente silencioso, já mencionado.

O ambiente deve permitir o manuseio de cadeiras. A melhor maneira

de dispô-las é em forma de “U” ou circular, possibilitando assim a visualização, pelo

moderador e pelo observador, de todos os participantes, bem como de cada

membro do grupo entre si.

O ambiente escolhido, um salão de festas de um condomínio,

adequou-se perfeitamente aos requisitos citados.

As cadeiras foram dispostas ao redor de mesas centrais, ficando os

participantes em forma de círculo com a possibilidade de visualização de todos entre

si. A moderadora, a auxiliar de pesquisa e eu também estávamos presentes neste

círculo. O observador optou em permanecer fora do círculo, atrás dele para poder

visualizar com maior facilidade, e levantar-se em determinados momentos para

anotações mais fiéis sem perturbar demasiadamente a pesquisa em questão

(Apêndice F).

Recorri à gravação como recurso auxiliar. Três gravadores foram

posicionados em espaços diversos sobre a mesa para a captação da voz, facilitando

a transcrição posterior. Os participantes da pesquisa foram comunicados e avisados

que a sessão seria gravada, não havendo nenhuma objeção ao fato. Os gravadores

foram ligados no início da reunião, com intervalo entre eles de aproximadamente 3

minutos, cada um, fazendo com que no momento de troca das fitas dois gravadores

continuassem em operação. Isso fez com que não houvesse interrupção ou perda

de parte das conversas entre as trocas de fitas.

3.4.6 Convite

Inicialmente elaborei uma lista de potenciais participantes que iriam

ser convidados a participar das sessões. De acordo com Freitas; Oliveira (1998, p.

11)“, esta lista deve levar em consideração os objetivos da pesquisa, a consideração

das possíveis contribuições destas pessoas ao objetivo da pesquisa e as

características das pessoas”.

Posteriormente realizei contato telefônico com esses prováveis

participantes, verificando a possibilidade e a aceitação. Chamou-me a atenção que

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os alunos ficaram lisonjeados com o convite. Alguns confirmaram sua presença no

momento do convite e outros o fizeram posteriormente, pois dependiam da

possibilidade de troca de plantão em seus locais de trabalho.

Quanto ao convite realizado para os docentes, as dificuldades foram

maiores. Duas professoras contatadas por telefone não deram retorno. Tive que

repetir as ligações para obter resposta. Deu-me a impressão de falta de interesse

e/ou de compromisso com o material ou com o tema proposto.

Consecutivamente realizei a entrega dos convites para os alunos e

professoras em seu local de trabalho e/ou residência. O convite (apêndice D)

contém o objetivo do encontro, o tema a ser abordado, o local, data e hora, assim

como telefones para contato com a pesquisadora. Nele saliento ainda a importância

da participação de cada um.

Por motivo de segurança, no dia anterior ao evento, fiz contato com

os participantes, fazendo-os lembrar-se do compromisso bem como confirmando

suas presenças. Porém, isso não foi suficiente para garantir o número de

participantes previstos para a composição do grupo. Uma das docentes não

compareceu por encontrar-se acamada. Sua presença não foi substituída, ficando o

grupo composto por sete docentes. O Grupo Focal de alunos obteve cem por cento

de presença.

No momento da entrega dos convites, percebi que alguns

demonstravam inquietação, curiosidade, ansiedade com os aspectos inerentes,

principalmente, à técnica, sendo para todos algo desconhecido. Uns preocupados

com o tema, queriam fazer uso de literatura para maior subsídio. Orientei que não

era necessário, visto que o objetivo da pesquisa era a contribuição pessoal sobre o

assunto.

A moderadora e o observador não possuíam conhecimento da

referida técnica, o que foi sanado com entrega de material bibliográfico com

posterior discussão. Reunimo-nos previamente para discutir a técnica, em que as

dúvidas foram sanadas. Pela forma com que os trabalhos transcorreram, percebi

que eles dominaram o assunto.

3.4.7 Cronograma

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Dentro do cronograma estabelecido, não houve necessidade de

realizar modificações de datas. As reuniões ocorreram num intervalo de quinze dias.

Num primeiro momento foi realizado o Grupo Focal de alunos, posteriormente o de

docentes.

O cronograma foi assim definido: planejamento, condução e análise.

A elaboração do planejamento exigiu duas semanas que incluíram a seleção da

temática dos participantes, a divisão das atividades e a metodologia de trabalho. A

condução constituiu-se do recrutamento dos participantes exigindo uma semana.

Para análise dos dados (transcrição e tratamento dos dados), detive-me cerca de 40

dias.

3.4.8 Condução da sessão (grupo Focal de Alunos)

Primeiramente farei menção à condução da sessão no Grupo Focal

de alunos e posteriormente a das docentes.

Para dar andamento às reuniões realizei um roteiro de atividades do

Grupo Focal (Apêndice E) com o objetivo de cumprir todos os passos. Procurei

desta forma, situar a equipe de trabalho (observador, moderador, pesquisadora e

auxiliar de pesquisa) promovendo, assim, diminuição da ansiedade para obter os

melhores resultados possíveis. Esse roteiro será explanado devido sua importância

na coleta de dados com a técnica do Grupo Focal.

3.4.8.1 Organização da sala de dinâmica:

O ambiente foi composto por duas mesas agrupadas, doze cadeiras

ao redor, três mesas auxiliares, uma mesa grande, onde foram dispostas figuras

diversas e um balcão, onde foi servido o coquetel.

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3.4.8.2. Acolhimento dos sujeitos da pesquisa:

À medida que os sujeitos da pesquisa e a equipe de trabalho foram

chegando ao local, um coquetel aguardava-os, proporcionando descontração e

interação entre os membros além de um gostoso café da manhã. Durante o tempo

de descontração foi entregue crachá individualizado. A auxiliar de pesquisa solicitou

o preenchimento de dados dos sujeitos da pesquisa contendo: nome, endereço,

cidade, telefone, e-mail, profissão, local de trabalho, tempo de atuação na profissão

e período em que se encontra na faculdade de Enfermagem.

3.4.8.3 Técnica para descontração e para eleição do pseudônimo.

No terceiro momento orientei os participantes da pesquisa para

elegerem uma gravura que se aproximasse da resposta à questão: Como você se

sente como acadêmica (o) hoje? Figuras diversas foram dispersas sobre a mesa

para que cada participante elegesse uma. Após a escolha, solicitei que colassem em

papel próprio e escrevessem um pseudônimo que traduzisse o significado do

desenho escolhido. Nas mesas auxiliares estavam dispostos canetas, cola e papel

(Apêndice G).

3.4.8.4 Explanação sobre a técnica

Posteriormente à eleição da gravura e ao preenchimento do

pseudônimo, os participantes escolheram seus lugares à mesa de forma aleatória.

Tomando a palavra, a moderadora apresentou-se dando as boas vindas, agradeceu

a presença de todos e do auxílio que davam para a execução desta pesquisa. Fez

também a apresentação do observador e da auxiliar de pesquisa esclarecendo aos

acadêmicos a função que estes teriam no Grupo Focal. Inicialmente realizou uma

breve apresentação dos tópicos de discussão, uma abordagem sobre a técnica e

seu objetivo, a orientação à utilização do gravador, e orientação sobre a dinâmica do

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trabalho (importância de todos participarem, de evitar as conversas paralelas, evitar

dispersão, por exemplo, levantar das cadeiras, etc.). Por último, a moderadora

apresentou o tema focal da reunião, ou seja, a humanização na formação do

profissional Enfermeiro, sob a ótica dos alunos.

3.4.8.5 Assinatura da lista de presença e leitura e assinatura do Termo de Consentimento livre e esclarecido

Os participantes assinaram a lista de presença contendo nome,

pseudônimo, profissão e tempo de atuação. Na seqüência, a moderadora fez a

leitura do Termo de Consentimento (Apêndice H), cujo preenchimento e assinatura,

pelos sujeitos da pesquisa, deram-se em seguida.

3.4.8.6 Apresentação dos participantes

A moderadora solicitou que se fizesse a apresentação de cada

participante, em que dados como nome, local onde trabalha, período que está na

faculdade, profissão e tempo de atuação, bem como pseudônimo eleito fosse

partilhado com o grupo. As apresentações foram de forma seqüencial, iniciando-se

pela esquerda da moderadora, o que foi livremente decidido pelo grupo. Os

participantes foram denominados pelos seguintes pseudônimos, no intuito de

salvaguardar sua identidade: Dificuldade, Guerreira, Abertura, Contente, Capaz,

Realizada, Realizada II e Realizado.

3.4.8.7 Início das perguntas norteadoras e finais:

Após a apresentação de cada participante, a moderadora deu início

às perguntas norteadoras. Estando a discussão ocorrendo já em torno de uma hora,

deram-se início as perguntas finais.

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3.4.8.8 Síntese dos principais temas abordados

A moderadora realizou a síntese do que havia sido abordado

solicitando que cada um fizesse uma colocação sobre o tema, algo esquecido que

ainda pudesse contribuir no fechamento das discussões. Todos falaram,

contribuindo sobremaneira com a pesquisa.

3.4.8.9 Agradecimentos da pesquisadora

No momento final, tomei a palavra e agradeci a presença de todos,

inclusive da equipe de trabalho, que prontamente se colocou à disposição.

A reunião do grupo focal de alunos teve duração de 2 horas e 30

minutos com o comparecimento de todos. Os acadêmicos agradeceram muito o fato

de terem sido escolhidos, dizendo que desconheciam a técnica e que se sentiram

‘importantes’ por poderem contribuir com a pesquisa. Para eles, foram momentos de

grandes reflexões e de uma visita ao passado, quando revivenciaram situações

acadêmicas e profissionais.

Posteriormente, iniciei a transcrição dos dados que exigiram tempo e

material. Neste Grupo Focal foram utilizadas vinte laudas para a transcrição e três

para o relato das observações.

3.4.9 Condução da sessão (Grupo Focal de Professora s)

Para dar andamento à pesquisa, realizei, como no grupo focal de

alunos, um roteiro de atividades (Apêndice A) para nortear os trabalhos com os

docentes. A reunião ocorreu no mesmo local do Grupo Focal de alunos, com um

coquetel recepcionando os colegas. Evitando repetições desnecessárias, farei

referência somente a alguns pontos que foram específicos deste Grupo Focal. Os

demais tópicos trabalhados foram idênticos ao Grupo Focal de alunos. Na equipe

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de trabalho houve mudança na auxiliar de pesquisa, sendo esta uma colega

docente.

Para a eleição do pseudônimo das professoras utilizou-se a técnica

da Estrela, de autoria de Lopes (2000, p. 59). As participantes da pesquisa foram

orientadas a escolherem uma mensagem escrita numa estrela. Ela estava com

pontas dobradas e a mensagem escrita em seu interior. Foram distribuídos copinhos

contendo água. A estrela foi colocada neste copo com as pontas dobradas viradas

para cima. Devido à umidade, com o passar dos segundos, as pontas se abriram

possibilitando a leitura. Solicitou-se então às docentes que diante da mensagem,

escolhessem a palavra que mais as marcaram. A palavra escolhida pelas

participantes foi utilizada como pseudônimo (Apêndice G).

Esta reunião teve igual duração a do grupo focal de alunos, isto é, 2

horas e 30 minutos. As professoras agradeceram o convite e expuseram que outros

momentos como estes deveriam ser repetidos devido à importância das reflexões

sobre a formação e que eles se fazem necessários acontecer esporadicamente.

Na seqüência dei início à transcrição dos dados que denotaram

tempo e material. Nesse Grupo Focal de professoras, foram utilizadas vinte e quatro

laudas para a transcrição e também três para o relato das observações.

Deixo aqui registrado, às contribuições da moderadora com suas

inferências, que aconteceram em momento posterior à realização do grupo focal.

Após parte do material transcrito, reuni-me com a mesma para análise dos dados.

Ela teceu comentários quanto à participação heterogênea do grupo de alunos.

Houve necessidade de incentivar a fala de alguns acadêmicos, tendo em vista o

monopólio da conversa assumida por outros. No grupo focal de professoras a

participação foi homogênea. Salientou a riqueza da técnica como instrumento para

melhorar as relações interpessoais, bem como, proporcionou visita ao passado de

cada profissional, inclusive ao seu. De acordo com ela, houve interação e grande

crescimento para todos. O envolvimento dos participantes foi notório, pois a

abordagem do tema focal, a humanização, é inerente a prática individual dos

envolvidos.

Neste capítulo procurei descrever o caminho percorrido para a coleta

de dados desta pesquisa, como também a opção metodológica, salientando os

passos realizados. A humanização na formação do profissional Enfermeiro foi o

assunto focalizado nos dois Grupos Focais.

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CAPÍTULO IV

CONTRIBUIÇÃO DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONA L ENFERMEIRO PARA UMA ASSISTÊNCIA HUMANIZADA

“ Para ser humano, é preciso emocionar... e bater palmas se a platéia não se interessou e seguir esta paixão quando todos dela fogem. Ser Enfermeiro é uma escolha, não

há de ser submissão”.

Autor desconhecido

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Neste capítulo será analisada a contribuição da Bioética para a

formação do profissional Enfermeiro em um cuidado humanizado pela ótica dos

alunos, bem como a concepção de assistência humanizada e sua concretização na

prática.

Para efeito deste estudo, alunos do curso de Enfermagem, de uma

Instituição de Ensino Superior tornaram-se sujeitos da pesquisa. De um universo de

trezentos e quarenta e nove alunos do curso de Enfermagem matutino (196 do

período matutino e 153 do noturno) da Instituição “Lâmpada” selecionei oito, através

dos critérios que já foram explanados anteriormente. Duas alunas do quinto período

noturno, duas alunas do sexto período diurno, duas alunas e um aluno do sétimo

período diurno, e uma aluna do oitavo período diurno.

No quadro abaixo apresento dados obtidos no grupo focal de alunos.

QUADRO 1 – RESULTADO DO GRUPO FOCAL DE ALUNOS

Nome Pseudônimo Profissão/Onde trabalha Tempo atuação

P. G.H. Dificuldade Técnica - Laboratório 10 anos

A.C.M. Guerreira Técnica - Instituto Saúde 11 anos

T.W.S. Contente Técnica - Hemepar 28 anos

M.Z.S. Abertura Técnica - Hospital B.J. 4 anos

M.M.S. Capaz Auxiliar - Assist.Médica 20 anos

R.B. Realizada Técnica - Hospital B.J. 3 anos

D.D.S. Realizada II Auxiliar - Hosp. Criança 9 anos

R.P. Realizado Auxiliar - Nefromed 5 anos

Fonte: a autora

Como se vê, na escolha do pseudônimo, que foi de caráter individual,

três participantes, ao responderem à pergunta sobre como se sentiam como

acadêmicos, expressaram que estavam realizados. Como duas acadêmicas

escolheram o mesmo pseudônimo, optei por identificar uma delas como Realizada II.

O outro participante que também escolheu o mesmo pseudônimo, permaneceu

como Realizado, por ser do sexo masculino.

Dos oito participantes, cinco são Técnicas de Enfermagem e três

Auxiliares de Enfermagem. Todos possuem ocupação em diversas áreas da saúde.

Esse foi um dos critérios estabelecidos na escolha dos sujeitos da pesquisa.

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É relevante destacar o tempo de atuação que os escolhidos possuem

na área de Enfermagem. Todos com mais de três anos, quatro com mais de 10 anos

e um com 28 anos de profissão. A experiência na área confere à pesquisa um

caráter importante, pois a vivência certamente contribuiu para a riqueza do que foi

explanado.

Os dados levantados e analisados a partir da ótica dos participantes,

possibilitaram a definição de categorias de análise. Sobre a análise, Minayo (2000,

p. 75) contribui dizendo: “Não podemos conhecer uma coisa a não ser decompondo-

a, para a seguir recompô-la, reconstruí-la e reagrupar suas partes. Análise e síntese

são inseparáveis, mas para sintetizar com êxito é preciso analisar”. Pelas

recorrências apresentadas, os dados obtidos foram agrupados nas seguintes

categorias: condições objetivas de trabalho, humanização/humanizador e dicotomia

entre teoria e prática. O objetivo foi organizar para facilitar a análise.

4.1 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE TRABALHO

Quando analisei a fala dos alunos, encontrei múltiplos aspectos tais

como: a humanização, as condições de trabalho e as dificuldades. Notória é a

percepção da aflição que os envolve quando abordam sobre sua futura atuação na

função de Enfermeiros. Para fins didáticos, achei melhor realizar uma subdivisão da

categoria ‘condições objetivas de trabalho’ em: pressão exercida e dificuldades em

relação ao contexto social.

4.1.1 Pressão exercida (colegas da equipe/instituiç ão)

O que chama a atenção é que os futuros Enfermeiros sofrem pressão

de sua própria categoria, tanto de Auxiliares como de Técnicos de Enfermagem.

Encontrei nestas falas a confirmação deste fato. Dificuldade disse que “ser

enfermeira pelo que deu para perceber até agora não é nada fácil, quer dizer, é

muito difícil ser enfermeira. Além da parte teórica, além da prática, é muito

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complicado”. Guerreira relatou: “o que eu noto assim, é a parte dos colegas né, que

são Auxiliares iguais a eu .O colega quando te vê, parece que vai devorar a gente

como se a gente fosse um sanduichão enorme, que a gente sabe tudo porque faz

faculdade. Eles te testam e tão perguntando. (...) e o medo que eu tenho de ser

enfermeira, eu conhecer o pessoal da área de saúde, conheço muita gente né? Eu,

como enfermeira depois, será que vou conseguir controlar esse pessoal? Será que

eles vão me respeitar? Eu tenho medo dessas coisas sabe? Eles não te dão valor

que você têm sabe? Você ta sabendo, você está demonstrando e eles sempre estão

desmerecendo a gente. Eu me sinto assim; um verdadeiro sanduíche. Sempre estão

me testando”.

Essa fala expressou a situação das relações profissionais dentro da

Enfermagem, cheia de dissabores e competições. Nakamae (1987) lembra que

esses degraus na profissão, longe de corresponderem às exigências técnicas, antes

atendem aos interesses capitalistas de economia de mão-de-obra. Sobressaiu-se o

capitalismo quando a profissional mencionou o sentimento de ser testada, de ser

“devorada”. Isso porque a situação econômica do Enfermeiro é melhor, quando

comparada aos demais membros da equipe de Enfermagem, gerando obviamente

situações de inveja. Outro fator a ser lembrado é a questão do conhecimento que o

Enfermeiro possui. Daí o fato de “Eles te testam e tão perguntando”. Sobre isso, cito

Nakamae, quando diz:

O enfermeiro ao deter o monopólio do saber no terreno da enfermagem, exerce papel dominante face aos demais profissionais dessa área, colocados estes do lado dos que não sabem ou se supõe não saberem (NAKAMAE, 1987, p. 85).

Percebi também que diante das reflexões proporcionadas pela

faculdade, a aluna possui um outro olhar, onde o capital possui importância. Porém,

ao que me parece, este assume uma desvalia em relação ao valor humano e à vida.

Por isso a recomendação que no decorrer da fala aparece: “Falo pra todo mundo; a

faculdade tá lá. Vão buscar conhecimento. Não sei por que não vão”.

O controle exercido pelas instituições de saúde é notório quando

Realizado assim se expressa: “Quando você se percebe cliente é que você vê como

é difícil ter só meia hora para visitar a pessoa na UTI, e você trabalha ali e sabe,

mas é uma coisa. Você tem meia hora e só entra dois. Se entrar dois não tem como

um sair e entrar o outro nem que seja por cinco minutos.”

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4.1.2 Dificuldades em relação ao contexto social

Os alunos, sujeitos da pesquisa, são acadêmicos de uma Instituição

particular e trabalham para poder custear seus estudos. Isso acarreta transtornos e

dificuldades de operacionalização, ora de aspecto financeiro, ora de cansaço pela

dupla ou tripla jornada, considerando que a maioria dos profissionais de

Enfermagem é do gênero feminino, sobrecarregando as funções executadas pelas

mulheres. As falas demonstram como esse fato tem repercussão para os alunos do

curso de Enfermagem. Dificuldade comentou que: “encontrei muita dificuldade.

Além da parte familiar, parte profissional, como a gente já trabalha por causa do

horário e também como acadêmica. É muito complicado”. Guerreira corroborou

afirmando “tenho dificuldade enorme pra poder continuar as aulas”. Este mesmo

pensamento norteia o pensamento de Contente, relatando que “eu tô feliz por eu

conseguir estar quase no final da faculdade com a dificuldade financeira, dificuldade

também porque daí a gente faz transtorno de vir, não só eu ter que mudar de

horário, mas dos outros funcionários que trabalham junto, daí a gente faz mudança

de funcionários, troca de horário, então toda essa dificuldade pra mim enfrentar

esses anos todos lá na faculdade.” Realizada I abordou sua dificuldade associada

ao ambiente de trabalho dizendo: “Muitas vezes eu...fico sobrecarregada, acho que

não vou conseguir. Estou muito cansada por trabalhar numa ala que é bem

estressante, a UTI. (...) adoro minha profissão embora muito sobrecarregada, as

vezes com família, situação financeira.”

Pode-se somar a este fato, as questões sociais em relação ao

capitalismo, onde a produção, o lucro e a força de trabalho ganham expressão

dominando todas as áreas, inclusive a de saúde.

4.2 HUMANIZAÇÃO / HUMANIZADOR

Como segunda categoria de análise para a obtenção do objetivo

específico da pesquisa; optei pela humanização e seus aspectos, haja vista ser este

o tema central das discussões do Grupo Focal. Novamente optei por subdividir a

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categoria ficando assim estabelecido: múltiplos olhares sobre a humanização,

universos da humanização e humanização e a formação.

Atualmente a humanização é amplamente discutida em várias áreas

de atuação, onde o ser humano se faz presente. Dentro do ambiente acadêmico, ela

se encontra ora sendo abordada pelo corpo discente, ora pela administração ou pelo

corpo docente.

4.2.1 Múltiplos olhares sobre a Humanização

Verifiquei que a definição de humanização assume diversas

conotações, como se pode confirmar através das seguintes manifestações.

Guerreira assim se expressou: “Eu acho que humanização é você sentir ele, no

olhar dele saber a carência que ele tem. Você não tratar a doença dele, você olhar

ele como uma úlcera. (...) mas a cabecinha dele como é que tá? Aquele cheiro fétido

da úlcera. Como é que ele está se sentindo com aquele cheiro. Será que alguém

perguntou pra ele?”. Um dos princípios da Bioética é a alteridade, cujo fundamento

é colocar-se no lugar do outro. Esse ”sentir ele” vem ao encontro do pensamento de

Monte que diz:

Humanizar significa tratar os pacientes como gente, respeitá-los como sujeitos de dignidade especial e senti-los como pessoas potencialmente iguais a nós próprios; ou seja, simplesmente respeitar a pessoalidade e a dignidade inerentes aos seres humanos (MONTE, 2002, p. 7).

Na busca da humanização da atenção à saúde, são essenciais as

atitudes que marquem o respeito pelo usuário, merecendo destaque o respeito

devido a cada pessoa, como por exemplo, chamá-la pelo próprio nome e não

fazendo uso de pseudônimos impessoais como ‘mãezinha’, ‘tia (o)’, ‘vozinho’,

‘vozinha’, ‘meu filho’, e outros estigmatizantes como ‘o aidético’, ‘o tuberculoso’, o

‘desnutrido’, ‘o da úlcera’.

Guerreira continuou: “humanização é um conjunto e pra mim a

humanização está em primeiro lugar, você procurar saber olhar o outro. Se você não

sabe olhar diferente, não adianta quatro anos de faculdade, fazer especialização,

fazer um mestrado e continuar cuidando da doença e não do paciente”.

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Esse pensamento expressa que o conhecimento científico por si só,

adquirido na academia, despojado de elementos que permitam reflexões profundas,

não é suficiente para se obter um cuidado humanizado. Questões como às relações

que se dão entre Enfermeiro/paciente, respeito entre colegas da equipe, valor

humano no cuidado, devem ser abordados na academia sob pena de se continuar

“cuidando da doença e não do doente”.

Relatou ainda que “(...) Humanização ta ligada com educação”.

Realizado comentou que “as atitudes de humanização são atitudes simples. (...)

Humanização você tem ou não tem, porque eu acho já no início nasce com ela ou

traz de casa. Se você não traz, eu acredito que você não tem como adquirir isso.

Não é uma habilidade como você puncionar uma veia”. Abertura referiu-se à

humanização como “a gente deve valorizar a dor do paciente, a queixa dele.

Humanização é deixar confortável, escutar o que ele quer falar. (...) A gente precisa

estar sempre aberta a escutar a queixa do paciente, ver o olhar da pessoa, o que ele

quer expressar para a gente né? Então eu aprendi que a humanização é ‘olha pra

mim, me escuta (...)”. Verifico nesses pensamentos a importância que a

comunicação não-verbal assume em relação ao cuidado humano. Muitas vezes o

olhar, o sorriso, a escuta, o toque, o silêncio, a presença, são instrumentos

necessários e em muitas circunstâncias o “melhor remédio” para o restabelecimento

do paciente.

Para que a pessoa enferma receba a atenção necessária, com vistas

ao seu bem estar, é necessário que o cuidado seja provido de cientificidade e

espírito humanitário. Importante que o Enfermeiro forneça adequadamente

informações e esclarecimentos e que esteja consciente de que o seu papel inclui

respeito à individualidade de cada pessoa. Seus hábitos, crenças, cultura, etc.

Sobre o contato, acrescento que o olhar nos olhos facilita o

desenvolvimento de uma relação de confiança, demonstrando que o Enfermeiro,

naquele momento, está mais interessado no cliente do que em qualquer coisa, além

de demonstrar atenção (PAULA, 2004).

Eu, enquanto pesquisadora e enfermeira, com a experiência que

minha trajetória dentro da profissão proporcionou, entendo que a Enfermagem é

feita de pequenas coisas, de atos simples que assumem grande conotação, de

atitudes e gestos que traduzam a preocupação com o restabelecimento do paciente.

Da presença ao lado do doente, não corporal somente, mas sim em atitude de

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prontidão, de preocupação, de desvelo, de valorização da singularidade do paciente,

daquele que necessita do cuidado. Em resumo, como disse Abertura “para mim são

as pequenas coisas que o paciente quer”. E outro pensamento que lanço é que a

forma de atendimento é que faz a diferença. Um grande conhecimento científico

deverá ser amalgamado com aspectos do “ser” Enfermeiro, fazendo assim a grande

diferença no atendimento.

Penso que se faz necessário valorizar o infinitivo “estar com” o

paciente do que somente “falar do” paciente. Este com conotação de cuidado

distante da ‘pessoa’ do paciente, aquele denotando aproximação, preocupação,

interesse.

A fala de Abertura continua: “humanização eu considero que a gente

deve acolher a todos (...) a gente deve ter o cuidado em tratar com a pessoa e se a

gente não se cuida, a gente vira apenas uma técnica, vai puncionar, colocar soro, vê

se ta gotejando, mas as vezes.não se dá nem conta de olhar no rosto da pessoa(...)

então, pra isso exige uma abertura”.

Enfocando o cuidado humanizado com a individualização que lhe é

pertinente, apóio-me em Figueiredo; Viana (2006, p. 375) quando relata que: “só o

ser humano é dotado de sensibilidade, de sentir-se a si e sentir pelo outro, e desta

forma, torna-se um ser singular, único”. As técnicas devem ser executadas com a

preocupação de um cuidado ético, ou seja, com a visualização do indivíduo como

um todo. O desempenho do cuidado é similar ao desempenho de atividades numa

fábrica onde a qualidade efetuada tem primazia sobre a produção em massa.

Qualidade aqui, refere-se à dignidade, à alteridade, à beneficência e à autonomia

vivenciadas. Figueiredo contribui afirmando:

A técnica consiste no aperfeiçoamento do objeto exterior ao indivíduo (...) o cuidado consiste em uma atitude de desvelo e preocupação com o próximo e pode ser compreendido como uma busca da perfeição da conduta humana, a qual, na enfermagem, situa-se na realização correta e responsável de um dado procedimento com o devido consentimento do outro, para o outro e com o outro (FIGUEIREDO, VIANA 2006, p. 382).

As crenças também ganham significado quando se aborda sobre

humanizar os cuidados. Verifiquei isso na fala de Contente dizendo que é

importante “ser avaliado também as crenças dele também. Tem paciente que gosta

de levar seu livrinho, sua Bíblia”. Em relação à assistência dirigida ao ser humano,

Leopardi afirma:

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...constitui-se de atendimento ao sujeito de si mesmo, de atenção ao seu direito à privacidade, respeito às suas crenças, enfim, de criação de normas e rotinas dirigidas à integralidade do indivíduo que, por alguma circunstância, em algum momento de sua vida, submete-se à assistência de saúde (LEOPARDI, 1999, p. 139).

Realizada apontou que a UTI precisa de melhorias neste sentido,

quando afirma que: “dentro de uma UTI a humanização, eu não sei se é porque o

paciente está em coma, que ele não vai ver, que ele não vai ouvir que ele não vai

fazer nada, a humanização é muito precária. [...] Eu acho que isso é muito

desumano, ali é muito desumano mesmo”. Dificuldade interveio dizendo “o que

você tem que fazer: dar uma atenção melhor, ir lá explicar, ter paciência com aquele

familiar”.

Contente abordou outro aspecto da humanização quando disse:

“falta muito mesmo, do entendimento da parte da humanização. Mesmo no hospital

a pessoa fica retornando, retornando”. Nesse relato, o conceito de humanização

assume a conotação de resolutividade dos casos. O programa do Ministério da

Saúde, HumanizaSUS19, tem esse intuito onde a resolução das situações no

atendimento ganha expressão, evitando que haja retornos desnecessários,

oferecendo assim um atendimento/tratamento humanizado.

Já, Dificuldade expôs seu pensamento sobre humanização dizendo

que “a recepção tua com o paciente, influencia muito o tratamento”. A afirmação

procede. O relacionamento interpessoal entre Enfermeiro–paciente é fator

preponderante para o estabelecimento de vínculos que, por sua vez, são

necessários para recuperação dos agravos ou, no caso de atenção primária, para a

prevenção de enfermidades.

Entendo que este tema realiza dialeticamente um repensar sobre a

forma de interpretação dos atos permitindo mudanças de concepção em prol da

humanização. Capaz expressou essa idéia quando disse: “Até pouco tempo achava

que ser humano, tratar as pessoas humanamente seria tratar da maneira que eu

gostaria de ser tratada. De pouco tempo pra cá que comecei a analisar que não é, o

verificar isto eu gosto você pode não gostar. Então realmente é preciso conhecer o

que a outra pessoa gosta, o que agrada a pessoa”. Realizado II, na mesma linha de

19HumanizaSUS: política nacional de Humanização do Ministério da Saúde, tendo como proposta priorizar o atendimento com qualidade e a participação integrada dos gestores, trabalhadores e usuários na consolidação do SUS (BRASIL, 2004).

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pensamento, afirmou que: “Então você percebe isso e daí você repensa bastante,

você reflete muito nas tuas atitudes né, como profissional”.

Diante deste pensamento, cito Zagonel (2005) que, em palestra

efetuada para Enfermagem, disse: ”a relação enfermeira-paciente é dialética, pois

ao voltar-se para mim mesmo, encontro o outro e ao voltar-se para ele é necessário

que eu me volte sobre mim mesmo”.

A humanização do cuidado perpassa pela arte da Enfermagem, e

tratar bem o ser humano é arte de saber amar. Esses pensamentos são, com

propriedade, expostos no poema abaixo, de autoria de Ermelina, profissional Auxiliar

de Enfermagem.

Humanizar

Quero ser humana, para perdoar.

Quero ser sempre pronta, para o bem alcançar.

Quero ser um laço, para poder desamarrar.

Quero ser uma ponte, para uma vida salvar.

E com o ser humano

Com carinho tratar.

Ter um objetivo, um sonho para carregar.

Carinho e dedicação

Para um bom trabalho realizar.

E, entre o céu e a terra

Os mistérios poder desvendar

Tratar bem o ser humano

É a arte de saber amar.

4.2.2 Universos da Humanização

A humanização torna-se importante no desenvolvimento de todo

trabalho e deve permear universos como a administração, a coordenação, a família,

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o próprio profissional. Este último, no caso da Enfermagem, é essencial no

atendimento humanizado do paciente. O próprio paciente, que nesse quebra-cabeça

imenso, possui sua parcela de atuação. Nesse pensar, cito as seguintes falas:

Abertura relatou que: “Eu penso que a gente tem que ser diferente na humanização

consigo mesmo, com a equipe de trabalho; saber conversar, saber valorizar a

equipe”. Já Dificuldade fez menção ao aspecto pessoal da humanização quando

disse: “acho que não pode pensar só no cliente, porque eu também posso ser

cliente, então se você não cuidar um pouco de você, você não tem capacidade pra

cuidar do paciente. (...) Hoje eu tenho certeza que tenho que cuidar do paciente

primeiro, ver ele como um todo com ela falou, mas tem que cuidar de você primeiro,

senão você não vai cuidar bem do outro“(...) Se eu não estou bem, eu não vou

conseguir tratar bem o paciente(...) então, começa a gente a ter que tratar a cabeça

da gente pra poder cuidar do paciente”. Esse pensamento volta-se ao cuidador. Há

necessidade de ter consciência de que não somos diferentes das outras pessoas.

Também somos seres humanos que atendem outros seres humanos, passíveis de

situações de sofrimento, cansaço, estresse e que sofrem diante de atitudes não

humanizadas daqueles que estão sob nossos cuidados. Guerreira expressou isso

quando citou: “às vezes o cliente não tem um pingo de humanização, ele não

entende ou ele não é educado e daí atinge a gente também sabe”.

Santos afirma que:

Estaremos exercendo uma profissão mais humanizada em nós mesmos, na qual seremos vistos como seres singulares e humanos, sem negar nossas necessidades de cuidados e sem deixar de cuidar de nós mesmos (SANTOS, 2004, p. 30).

Necessita-se estar atento para cuidar do próprio cuidador

(autocuidado) antes do cuidado com o outro. Esse problema praticamente não é

discutido dentro das universidades e a Enfermagem, exposta aos riscos de ordem

emocional, física, biológica, ambiental e psíquica, vê-se desprovida dessa reflexão

tão pertinente à profissão. Alterações no ritmo de sono e demais funções fisiológicas

são comuns aos Enfermeiros, em virtude de excesso de trabalho, do ambiente

estressante e dos horários irregulares. A prática e o ambiente de Enfermagem

provocam mal-estar e até adoecimento dos profissionais que de um modo geral, têm

recorrido aos serviços de saúde mental. A literatura tem mostrado que cresce o

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número de agravos psíquicos, medicalizações, suicídios de médicos e Enfermeiros,

porteiros de hospitais etc.

Realizada II percebeu a humanização inerente a todo ambiente de

trabalho: “Eu penso que humanização não é só ali no paciente. Você tem que ter um

trabalho humanizado desde lá de quem faz a limpeza de dentro do hospital até o

cliente. (...) Você tem que ter um trabalho humanizado com a família dele”. Nesse

pensamento, Realizada assim se expressou: “eu acho que humanização... precisa

ser trabalhado em equipe, do começo ali da equipe, da coordenação” Essas falas

expressam uma visão da humanização que contempla o todo, o universo em que se

insere o indivíduo, percorrendo das instâncias administrativas às curativas.

Humanizar é um processo de vivência que permeia todas as atividades do local e

das pessoas que ali trabalham. Deve-se fornecer ao paciente um tratamento digno

de pessoa humana, individualizando sua assistência, visualizando sua integralidade,

respeitando e valorizando suas características. Nesse sentido, cita-se Guéra (2004,

26) que diz:

A humanização é um processo que envolve todos os membros da equipe. Neste processo devem ser envolvidos profissionais de todos os setores, direção e gestores da instituição, além de formuladores de políticas públicas, conselhos profissionais e entidades formadoras (GUÉRA, 2004, p. 26).

4.2.3 Humanização e a Formação

Nesta subcategoria analisei aspectos inerentes à humanização,

enfocando a formação, a partir dos relatos dos sujeitos da pesquisa.

Neste contexto, Realizada acredita que é possível ter uma formação

voltada para humanização: “é nas disciplinas, não só ética e na bioética que foi

falado, outros professores também trabalharam bastante voltado na humanização”.

Tem como preceito que possui humanização pelo “fato de você ter educação” E que

“na formação acadêmica o que você aprende são os limites”. Abordou também que

“é preciso você parar e pensar e ver o que você está fazendo, se a tua atitude está

correta [...] às vezes você tem que mudar a tua maneira de pensar [...] às vezes é

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preciso você estar dentro de uma sala de aula, ouvir uma pessoa experiente, ouvir a

opinião dos outros para você tentar mudar ou mudar”.

Essa fala deixa clara a importância do processo de reflexão na

formação. Momentos devem ser oportunizados durante a vida acadêmica, para que

esse processo ocorra, contrapondo vivência pessoal com novos conceitos.

Corroborando com esse pensamento cito Dificuldade que assim se expressou; “a

formação ela contribui nessa questão da humanização na forma da reflexão”. Um

processo de construção, desconstrução e de reconstrução constante que aprimore o

humano.

A partir desses dados, pode-se inferir que a formação acadêmica

contribui para a humanização, num processo onde a reflexão ganha destaque. O

resultado do aprimoramento repercute na vida dos acadêmicos. Na fala de

Guerreira notei isso quando disse “é incrível a diferença que faz. E as pessoas

notam a diferença em você. Eu como Auxiliar, eles falam: nossa, fizeram lavagem

cerebral em você lá? O que é que fizeram com você?” Dificuldade corroborou com

este pensamento, dizendo que “é o caso da gente aprimorar nossa educação”.

Ante os pensamentos expostos sobre a formação humanizada,

concluo que ela tende a permear todo o processo de formação, ou seja, em toda

grade curricular do curso de Enfermagem, não ficando apenas ao encargo da

Bioética ou da Ética Profissional, as questões inerentes à humanização. Abertura

contribui dizendo “eu acredito que tanto a psicologia, tanto a bioética, a ética, tudo

faz com que a gente se lapide bem numa forma mais científica, não assim tão

vulgar”. Guerreira assim referiu-se: “desde o primeiro período se fala em

humanização e até agora se fala. [...] foi em ética, foi em farmacologia.”. Contente

complementou: “políticas de saúde também”. Realizada: “Cada matéria vem

disseminando um pouquinho de humanização. Até última agora, Saúde do Adulto,

foi falado bastante. O professor falou muito de humanização. Acho que a faculdade

toda vem dando esse curso de humanização, de pouquinho em pouquinho”.

Notei também a importância dada à sistematização de um ensino

pautado na problematização, onde a construção do conhecimento acontece

coletivamente, proporcionando ao aluno uma aprendizagem significativa. Há

também a necessidade de atitude de abertura ao novo e acolhimento da pessoa do

outro no processo relacional entre os seres humanos, possibilitando, com isso, um

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crescimento. O ser humano nunca se encontra totalmente concluído em seu

aprendizado.

Na formação, os limites ganham expressão, pois de acordo com o

relatado, o sujeito adquire aspectos da humanização em sua educação familiar.

Como disse Realizada: “você já veio com tua formação de tratar bem as pessoas,

mas aprende a ter os limites, eles te ensinam a dar os limites pra você”.

Realizado corroborou com esse pensamento afirmando que

“educado todos são (...) eu acredito até que o ambiente possa deixar uma pessoa

melhor, (...) mas aquela base de educação, de humanização, ela já tem que ter.

Talvez não seja o modelo que se espera, daí talvez tenha que lapida-la um pouco.

Concordo que é possível trabalhar isso na formação, só que a base ele já tem. (...)

ela já vem do berço”.

Vejo que a humanização antecede à academia. Tem início na família.

O papel da escola é “lapidar” esse aprendizado que a educação familiar forneceu.

Sendo assim, a formação acadêmica assume uma função primordial. Através dos

processos de reflexão, procura-se prover a necessária “lapidação”, aperfeiçoando a

humanização iniciada na família. A fala de Realizado veio ao encontro desse

pensamento quando afirmou: “Conseguir trabalhar isso eu acho possível, tanto que

aconteceu comigo. Estas atitudes são pelo menos essas reflexões de pensar nessas

pequenas coisas que fazem grande diferença”. Dificuldade disse “então, eu acho

que a vida acadêmica, nossa, como ela ajuda”.

Ao reportar-me sobre o processo de formação, volto meu olhar para a

universidade. Sua importância é fundamental na formação intelectual, crítica,

autônoma, reflexiva, política e ética do aluno. Deve ser pautada em valores como

justiça, liberdade, respeito, responsabilidade, solidariedade, amor. Portanto, uma

formação humana. Concordo com Sobrinho quando afirma:

Formação humana plena comporta várias dimensões: técnica, política, social, enfim, tudo o que tem a ver com o desenvolvimento material e espiritual do indivíduo e da sociedade. A educação, para ser completa, tem que interferir sobre todas essas dimensões (SOBRINHO, 2002, p. 19).

A formação humana é citada pelo aluno como sendo muito relevante,

conferindo-lhe uma visão ampliada do cuidado, na qual pacientes, familiares e a

Enfermagem constituem um amálgama de interações.

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Por meio das interações chega-se a empatia, cuja essência consiste

em perceber o que as outras pessoas sentem sem que elas o digam. Quando existe

a conexão com o paciente através da empatia, as prioridades e importâncias

traçadas no cuidado tornam-se comuns às prioridades e importâncias do próprio

paciente (SANTOS, 2004).

Partindo do pressuposto que a universidade é a casa do saber

espera-se que a mesma seja o centro de desenvolvimento do espírito crítico e

científico. Almeja-se que os estudantes se tornem cidadãos críticos e ativos. Por

isso, os professores devem estar sempre atentos, envidando constantes esforços

para serem agentes transformadores, eficazes na formação desse espírito. O

pensamento de Realizada 2 vem ao encontro dessa idéia quando exprime: “ter

consciência de que ela está ali para poder ajudar, não veio da faculdade só com os

conhecimentos, mas deve passar estes conhecimentos para os colegas também,

para os funcionários da instituição”. Quer dizer, socializar o conhecimento, gerando

uma sociedade mais justa e humana.

Nessa categoria, também foram consideradas as sugestões que os

alunos propuseram em relação à humanização e à formação. De acordo com

Guerreira “acho que tinha que ter carga horária maior na bioética, dentro da

faculdade, tem tanto pra se aprender, pra se falar sabe?”. Realizada completa: “eu

achei que foram poucas horas, deveria ter sido mais, daí, infelizmente a professora

teve que correr um pouco a matéria e poderia ter sido dada mais devagar”.

Sobre esse pensar deixo registrado que as disciplinas de Ética e

Bioética não dispõem de uma carga horária condizente nas grades curriculares,

dadas a necessidade e importância que os temas assumem no cotidiano do

profissional Enfermeiro. É uma constatação que vem sendo relatada em diversos

momentos por profissionais Enfermeiros. A atuação da Enfermagem atende um

mercado determinado onde os interesses de lucro jamais poderiam sobrepor-se à

dignidade da pessoa humana. Todavia não é interessante que os profissionais de

Enfermagem realizem reflexões, promovam mudanças. A acomodação é, em certo

sentido, desejada pelo sistema capitalista. Oliveira (apud Germano 1985, p. 57) diz:

”A prática dos profissionais de saúde é pautada por uma falta de clareza sobre a

existência de dois projetos na sociedade (conservação/transformação), daí se

observar um alto grau de alienação”.

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A segunda sugestão dada pelos alunos no Grupo Focal foi a

diminuição do número de alunos em campo de estágio proporcionado assim melhor

qualidade de ensino e, consequentemente, melhor aprendizado. No dizer de

Abertura isso aparece como: “Então, eu acho que estágio de oito, de nove alunos a

professora não pode atender individual cada um porque cada um tem uma

dificuldade diferente”. Aqui se aborda também a individualidade do ensino, levando-

se em consideração que cada um tem suas particularidades, sua singularidade, que

no mundo do conhecimento precisam ser valorizadas. Isso também é humanização.

A pesquisa também desvelou a necessidade premente de humanizar

os docentes na relação docente/discente. Realizada confirma isso na seguinte

afirmação: “Acho que tem que ter na faculdade, com os professores, uma aula de

humanização”. Dificuldade corrobora com este pensamento: “acho que não

trabalhar só a gente, mas os professores também” Continua citando que estes estão

“despersonalizados, quer dizer: ele te dá um abraço e ao mesmo tempo vem com

voz agressiva depois altera, depois carinhoso. Não é só um professor, são vários”.

Questiona-se então: que dicotomia é esta? Há algum transtorno psicológico? Por

que os docentes têm este comportamento? Sentem-se ameaçados pelo discente?

Acredito que precisam ser ouvidos, o que demandaria uma outra pesquisa. No

momento, o que infiro é que o corpo docente também necessita de elementos de

reflexão que auxiliem na visualização de que o aluno é, assim como os professores,

uma ‘pessoa’ com medo, angustiada, estressada, limitada. Nesse sentido,

Dificuldade diz: “a gente precisa trabalhar os dois lados. (...) Os professores

também, acho que eles poderiam trabalhar um pouco com eles procurando entender

nosso lado, porque eles começam a reprovar com uma simples falta. Ele fica

chateado porque o aluno faltou, mas ele estava doente!”.

Em situações de estágio, o aluno sofre muito com o comportamento

dominador do docente sendo que, por vezes, sente-se tão inferiorizado e

ridicularizado que o estágio passa a se tornar um tormento e não um momento de

aprendizado. Certamente a forma como é trabalhada a transposição do

conhecimento na prática repercute nos alunos. Por vezes, pode ocasionar traumas

de dimensões nem imaginadas pelo formador. Importante lembrar que o formador

precisa colocar-se no lugar do aluno. Deve lembrar as dificuldades que vivenciou

quando se viu, pela primeira vez, diante de um paciente grave e teve que atuar,

prestando o devido cuidado. Faz-se necessário efetivar no cotidiano de professores

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e alunos a concretização do princípio da alteridade, o que significaria um melhor

aprendizado e melhor relacionamento entre ambos. Certamente também traria

benefícios para todos, para o aprendiz, para o formador e para as pessoas que

receberão os cuidados.

Analisando a questão da Licenciatura Plena e sua efetivação na

prática, Realizado , assim se expressa: “porque se estufa tanto o peito pra dizer que

temos um curso de licenciatura plena que é muito mais que o bacharelado, pelo

menos é essa a visão que eu tenho e que eles procuram passar; no fim não dão

importância a Prática de Ensino”. E ainda faz um apelo (...) “se o diferencial do curso

é a Licenciatura Plena, então vamos dar uma atenção melhor para a Prática de

Ensino”.

A contradição se manifesta quando Realizado diz: “se você não levar

isso pra tua vida, você não tem porque fazer licenciatura, então poderia ser

Bacharelado já que Prática de Ensino dão pouca importância assim, que é passível

de ser colocado quando se acha uma brecha. Então eu acho que isso é uma

contradição”.

Continuando a análise, farei algumas abordagens sobre a

contribuição do Ensino da Bioética na vida do acadêmico e profissional de

Enfermagem. Realizada II relata: “Um dia eu comentei com a professora Marlene

que eu aprendi muito com ela tanto em ética como bioética. [...] Modifiquei muito

meu comportamento dentro do meu trabalho depois que eu tive a matéria dela.

Consegui ter uma visão do todo, de como tratar uma pessoa.” Corroborando com

esta fala pode-se inferir que o agir em saúde deve refletir a maneira de o profissional

ser, pensar, sentir e atuar devido sua autonomia e liberdade que lhe são próprias

(FIGUEIREDO, 2006).

Guerreira afirma “acho que melhorei bastante. Desde o ano

passado eu to aplicando. Acho que tenho muito pra aprender e... vou tentar sempre

estar melhorando cada vez mais”. Realizado confirma dizendo: “Acho que, depois

que passamos pela disciplina de Bioética e de Ética Profissional, a minha vida

mudou muito. (...) não só como profissional inclusive como pessoa também. (...) foi

muito presente depois que eu passei por esta disciplina”

Figueiredo (2006, p. 378) reafirma esse pensamento sobre a Bioética

dizendo que ela “é o instrumento necessário para subsidiar o modo de agir do

profissional de saúde”.

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Realizado ainda afirma que em relação à Bioética “a matéria

contribuiu muito para minha formação até pessoal por causa da reflexão. Foi em

bioética que nós aprendemos essa questão mais humana, questões não palpáveis

que não é uma técnica, é uma coisa abstrata. Em bioética e ética que isso se tornou

mais presente. Na bioética você viu o todo mesmo, assim como que circunda todo

este mundo e todos estes profissionais” A Bioética procura compreender o ser

humano, a sua vida, sua saúde, sua morte, e todas as tecnologias que

instrumentalizam sua vivência para o melhor viver (FIGUEIREDO, 2006). A reflexão

é enfocada como algo importantíssimo que precede a ação, cerceada da virtude da

prudência. Nesse pensar, Guerreira contribui dizendo: “Acho que tem que saber

ouvir, refletir para depois você agir. Não só ouvir e sair fazendo. Tem quem parar,

refletir para depois poder dar resposta e você poder agir”.

Dificuldade afirmou que: “Tivemos a disciplina de Bioética que

reforçou para gente a humanização e fez a gente pensar: nossa, eu fiz isso como

fizeram comigo, eu já fiz isso às vezes por pressa, por descuido ou por raiva de não

chamar outro colega meio preguiçoso para te ajudar. Então você vai lá meio sozinho

puxar o paciente da cama. Ele levou aquele soco que não precisaria ter levado”.

O acadêmico de Enfermagem, ao participar ativamente da disciplina,

projeta em sua vida os fatos narrados/comentados em sala de aula. Daí procede à

afirmação de que a sala de aula é um grande laboratório, onde a teoria entrelaça-se

com a prática, traduzindo-se em um aprendizado que acompanhará o futuro

profissional no desenvolver de suas ações.

A Bioética como ciência, vem neste momento em que a humanidade

vivencia uma desvalorização da vida e da dignidade do homem, auxiliar, através de

reflexões pertinentes sobre assuntos muito polêmicos, a equacionar os aspectos

éticos desenvolvidos, de difícil resolução. As reflexões possibilitam a elaboração do

pensamento crítico, muito importante para a atuação do profissional da saúde, em

especial do Enfermeiro. Em relação às reflexões, Abertura diz: “reflexões que

ajudam a gente a mudar, ter uma visão diferente a respeito do respeito à vida”.

Ainda em relação à formação, os alunos sinalizaram o que

consideram importante para ajudar o futuro profissional Enfermeiro a realizar

atividades que envolvam um cuidado humanizado. O princípio da alteridade ganha

expressão quando Realizado assim diz: “ele colocar-se no lugar do paciente

sempre”. Abertura lembra uma postura de mudança, iniciando por si própria: ”nós

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que temos que começar a mudar”. As situações, depois de refletidas, são

internalizadas, num processo de desconstrução e reconstrução.

Mizukami, sobre isso contribui dizendo:

A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudanças e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica (MIZUKAMI, 1986, p. 43).

Já Realizada lembrou que a educação continuada no relacionamento

interpessoal da equipe de trabalho é muito importante, e não devemos nos omitir

nesse processo. Diz ela: “saber a forma de colocar a ética, a bioética para as outras

pessoas que não têm (...) acho que tem que ser falado dentro da unidade onde a

gente trabalha, sobre a humanização. Falar com jeito para eles pensarem melhor e

mudarem o seu jeito de ser”. Contente complementa: “acho que os funcionários têm

que cobrar um do outro, conversar, não ter medo de conversar”.

Em suma, os alunos abordam que as atividades que envolvam um

cuidado humanizado imprescindem de reflexões do próprio agir. Nesse contexto

estão inseridos a alteridade, o cuidado com o outro e a importância de realizá-lo em

equipe. A soma dos esforços operacionalizada em um cuidado humanizado

beneficia paciente e equipe que o assiste, gerando a satisfação do dever cumprido.

4.3 DICOTOMIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Nesta terceira categoria, aspectos da humanização são abordados

em relação a sua efetivação no trabalho realizado. Guerreira assim se expressou

“Humanização tá ligada com educação, humanização ta ligada lá na minha casa,

então por que lá no meu trabalho eu não fiz? Se todos nós erramos, porque nós

erramos e estamos errando? Hoje quando a gente for trabalhar a tarde nós vamos

errar. É uma coisa nossa de dentro. (...) de noite faço reflexão e fico pensando: meu

Deus do céu, mas eu fiz aquilo? Coisa que eu falo que jamais eu ia fazer, de repente

eu fiz aquilo. Aquilo de lá veio de berço, meus pais me educaram. Porque eu fiz

aquilo naquela hora?”

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Neste pensar, visualiza-se na fala de Dificuldade os conflitos que o

profissional possui diante de suas atitudes: “Tem pacientes que eu não sei se não fui

culpada por ele ter ido a óbito, por delitos que eu fiz coisas que... que era errado. O

mesmo sentimento tem Guerreira: “Muitos pacientes eu poderia ter cuidado melhor,

dar uma assistência melhor [...] a gente não sabe se um deles foi a óbito por causa

da gente. Por que antigamente não tinha Enfermeira supervisionando a gente, então

aquilo que você fazia tava bom. Não tinha para quem perguntar. Quem auxiliava a

gente eram os médicos. Eles ficavam mais próximos da gente”.

Sobre a fala da aluna quando se referencia aos médicos que

estavam mais próximos para auxiliar, é oportuno salientar que vejo aqui uma

inversão de papéis. O profissional Auxiliar de Enfermagem surgiu com o objetivo de

“auxiliar” o profissional Enfermeiro, que dele necessitava. Para conseguir

desempenhar suas funções, delegava ao Auxiliar de Enfermagem tarefas de menor

complexidade. Hoje, em algumas instituições, onde o Enfermeiro já não se faz

presente realizando o cuidado, o médico assume esse papel, tornando-se então

referencial para o Auxiliar de Enfermagem. Com o passar dos anos o Enfermeiro

não se ocupa tanto das funções de assistência, da efetivação do cuidado, mas sim

do gerenciamento de uma empresa (que são as instituições de saúde). Estas

necessitam de controle de gastos e de supervisão. O Enfermeiro acaba entrando em

conflito porque não era isto que o havia levado a realizar um curso de quatro anos.

As contradições continuam. Não que as funções administrativas sejam de menor

importância. Porém, o fato é que o cuidado realizado aos pacientes tornou-se função

quase exclusiva de Auxiliares e de Técnicos de Enfermagem. Cito Almeida e Rocha

quando explicitam que:

O desenvolvimento dos serviços de saúde fez-se principalmente à custa da absorção de pessoal auxiliar, envolvido diretamente no cuidado ao paciente, mão-de-obra de custo mais barato (ALMEIRA; ROCHA, 1989, p. 13).

Para o sistema é interessante que as atividades sejam exercidas

pelos profissionais de nível médio, mas isso traz para a população e para os

próprios Enfermeiros repercussões importantes. Uma delas é o questionamento

social da necessidade de formação do profissional Enfermeiro. Para a comunidade

intra e extra-hospitalar esse profissional não é reconhecido como tal. Quem é

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reconhecido e chamado pelo nome de Enfermeiro são justamente os Técnicos e

Auxiliares de Enfermagem.

Outro aspecto importante é que cuidar de pessoas doentes não é

algo simples e nem fácil em virtude da complexidade do ser humano. Há

necessidade de profissionais constantemente capacitados por uma educação

continuada. Somente assim, ouviremos menos afirmações como esta de

Dificuldade: “Que hoje que estou estudando e vejo que é totalmente diferente o que

deveria ter sido feito. Uma imprudência que você não tem noção que era errado”.

Muitos serviços negligenciam o cuidado, deixando as tarefas a

encargo de pessoas que não possuem conhecimento adequado e que atuam sem

supervisão.

A efetivação da humanização no trabalho necessita de

complementaridade, ou seja, o trabalho na área da saúde precisa ser realizado

através de uma equipe que tenha como pressuposto alcançar os mesmos objetivos.

Na fala de Capaz esta dicotomia é visualizada quando disse: “Sozinho a gente não

consegue. [...] eu acho que aos poucos isso vai se infiltrando e acaba dando certo

porque sozinha é complicado. Quando você entra, você começa, mas quando a

equipe toda vai do outro lado você sempre acaba cedendo né? É complicado, acho

que precisa realmente ser trabalhado um bom tempo para que isso realmente

funcione”. A humanização será tanto mais efetiva quanto maior for o número de

pessoas inseridas nas discussões a ela pertinentes. Por isso, é que o início de tais

discussões deve ocorrer já no ensino de primeiro grau. Essa questão foi tema de

discussão no Congresso Brasileiro de Bioética em Foz do Iguaçu, em setembro de

2005.

A humanização assume aspectos subjetivos. Faz os profissionais

repensarem, questionarem suas condutas na busca de respostas para o conflito

entre o saber e o fazer. Se eu sei o que é humanização, porque não tenho atitudes

humanizantes? Guerreira expressou isto na seguinte fala: “Eu fico triste sabe, com

essa história da humanização. (...) que humanização todos nós temos, porque a

gente não põe em prática? Às vezes eu fico me perguntando sabe, me revolta”.

Realizada II fez menção, em sua fala, da revolta que sente diante da

dicotomia entre o falado e o realizado, abordando as condições internas de trabalho

que não acolhem o empregado numa atitude humanizante: “As vezes você se

revolta porque dentro do local de trabalho eles falam bastante de humanização, mas

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quando o funcionário está precisando ele não é tratado neste sentido”. Continuando

seu pensamento, fez menção à atuação do profissional na prática do cuidado com o

cliente onde “infelizmente a gente deixa de lado, a gente não trata como pessoa, a

gente trata como objeto de trabalho”.

Dificuldade expressou bem o conflito vivenciado entre o saber e o

fazer, dizendo: “É muito complicado, a gente tem uma noção da coisa e chega lá e

ver totalmente diferente... Você aprendeu uma coisa diante da tua prática e você

chega lá e não é aquilo”. Diante dessa afirmação, questiono: Como aproximar o real

das instituições ao ideal ensinado na academia? Como aproximar o ideal ensinado

ao real enfrentado nas instituições de saúde? Como articular a teoria e a prática?

Ainda hoje, a pedagogia está às voltas com este problema: a integração entre

pensamento e ação. A revalorização da ação, quer dizer, a dialética ação–

pensamento, pensamento-ação, constitui o caminho que conduz à educação integral

do homem (PILLETI, 1995 apud SAUPE, 1998).

Os aspectos inerentes ao fazer são também de responsabilidade do

próprio profissional. Ele unir o saber com o fazer. Conscientizar-se e fazer o certo,

partindo do pressuposto de que é sujeito livre e autônomo. Dificuldade disse: “para

as pessoas se conscientizarem e fazerem o certo, não fazendo tudo ao contrário do

que aprende”.

Este capítulo se constituiu da análise da temática da humanização na

formação do profissional Enfermeiro, sob a ótica discente. Igualmente, a Bioética

pôde ser analisada e correlacionada com os aspectos da formação. Verificou-se que

ela assume importante papel na formação humana do profissional Enfermeiro.

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CAPÍTULO V

CONCEPÇÃO DE ASSISTÊNCIA HUMANIZADA E SUA CONCRETIZ AÇÃO NA PRÁTICA

“O grande desafio dos profissionais da saúde é cuidar do ser humano na sua totalidade, exercendo uma ação preferencial em relação a sua dor e seu sofrimento, nas

dimensões física, psíquica, social, espiritual com uma competência tecnocientífica e humana”.

Luiz Antônio Bettinelli .

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Neste capítulo serão analisadas: a contribuição da Bioética para a

formação do profissional Enfermeiro em um cuidado humanizado pela ótica dos

docentes; a concepção de assistência humanizada e sua concretização na prática.

Convidei professoras de duas Instituições de Ensino Superior do

Estado do Paraná para participarem da pesquisa. Selecionei oito, utilizando os

critérios que já foram explanados anteriormente. Quatro Enfermeiras docentes da

Instituição de Ensino Superior “Lâmpada” e quatro enfermeiras docentes que da

Instituição de Ensino “Verde Esmeralda”. Uma das docentes da Instituição

“Lâmpada” não pôde comparecer por estar acamada.

Para resguardar a identidade dos sujeitos foram utilizados os

seguintes pseudônimos: Felicidade, Firmeza, Responsável, Determinada, Conquista,

Humana e Amor.

No Quadro 2 apresento dados obtidos do grupo focal das docentes

enfermeiras:

QUADRO 2 - RESULTADO DO GRUPO FOCAL DE DOCENTES ENFERMEIRAS

Nome Pseudônimo Instituição Tempo atuação

R.B Felicidade ‘LÂMPADA’ 13 anos

G.R. Firmeza ‘LÂMPADA’ 9 anos

V.L.M. Responsável ‘LÂMPADA’ 23 anos

A.C. Determinada ‘VERDE ESMERALDA’ 9 anos

M.D.R Conquista VERDE ESMERALDA’ 10 anos

L.D.Z Humana VERDE ESMERALDA’ 18 anos

A.B.S. Amor VERDE ESMERALDA’ 26 anos

Fonte: a autora

Em relação à eleição do pseudônimo, que foi de caráter individual,

percebeu-se que, desta vez não houve repetições. A utilização de pseudônimos,

tanto dos participantes quanto das instituições, objetivou salvaguardá-las de

qualquer informação que pudessem expô-las.

Lançando um olhar em relação ao tempo de atuação percebe-se que

todas são enfermeiras com grande experiência na Enfermagem (vinte e seis anos) e

no mínimo de nove anos. Duas delas atuam na área há mais de vinte anos. A

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experiência na área confere à pesquisa um caráter importante, pois a vivência

certamente contribuiu para a riqueza do que foi explanado.

Os dados levantados possibilitaram a definição de categorias de

análise utilizadas para a organização. São as mesmas utilizadas na análise dos

dados obtidos sob a ótica dos alunos.

5.1 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE TRABALHO

5.1.1 Pressão exercida (colegas da equipe/instituiç ão)

Quando se fala sobre humanização do atendimento, muitos aspectos

vêm à tona. Um deles é a importância da individualização do atendimento. Normas,

regras e determinações devem ser conciliadas com a singularidade de cada

paciente, sua situação pessoal, necessidades e vontades. Isso exige prudência. Os

serviços carecem de normas institucionalizadas para o bom andamento do

atendimento. Porém, a rigidez muitas vezes desumaniza e precisa ser flexibilizada

de acordo com a situação. Nesse sentido, Firmeza expressou que “a gente

estabelece na área de saúde metas, então meu paciente tem que receber

medicação no horário, o curativo tem que ser feito desse jeito e daí eu esqueço de

perguntar se é isso que ele quer.” O fato de que as coisas “têm que ser feito desse

jeito” devem ser questionadas pelo Enfermeiro. Por que devem ser feitas assim?

Onde está a minha autonomia enquanto profissional? A quem interessa que as

coisas sejam feitas dessa forma?

Na prática, percebo que as atitudes provenientes da autonomia do

sujeito, quando não conhecidas pelos profissionais de saúde, tomam uma conotação

de absurdo, de desconcertante. Algo fora dos parâmetros internos

institucionalizados no qual o Enfermeiro vem se aplicando ao longo dos anos sem a

necessária reflexão. O resultado é a geração de dissabores nas relações entre

empregado/empregador e entre Enfermeiro/paciente e, além disso, de situações de

estresse advindas de pressões da instituição onde se trabalha. Visualizo aqui o

princípio da dialética que é o do movimento, onde tudo se transforma, nada é

imutável e tudo se relaciona, conferindo à totalidade grande importância.

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Nesta subcategoria também se colocam as questões objetivas de

trabalho, no que se refere ao quadro de pessoal. A falta do número adequado de

funcionários gera sobrecarga de atividades. Nesse sentido, Felicidade expressou-

se: “é difícil, lhe é cobrado tem que fazer... tem que fazer...”. Essa pressão imposta

pelo sistema que recai sobre a equipe, aumenta o estresse. A Enfermagem é a

segunda profissão com o maior número de casos desta patologia. Sobre este

pensar, cito Rodrigues:

A vida das pessoas está mais agitada, seus desafios cada vez maiores requerem que inúmeras solicitações sejam vencidas a cada instante. (...) O stress, atualmente faz parte de nossas vidas porque as exigências do mercado requerem que produzamos debaixo dessa grande pressão (RODRIGUES, 2001, p. 204).

Amor, com uma visão de coordenadora de curso, contribui dizendo

que: “por outro lado nós somos, temos aquela questão de que na enfermagem nós

não queremos ver erros, que não possam admitir erros. E enquanto supervisora, nós

estamos ali com muito rigor pra esse atendimento”. Aqui ganha expressão a

“cobrança”, sentida pelo Enfermeiro no desempenho de suas funções relacionadas

com o cuidado da vida de outrem, ou seja, a responsabilidade legal que este

assume. Cito Favareto (2005, p. 34), quando diz: “o enfermeiro, querendo ou não,

tem uma parte de responsabilidade na assistência ao paciente e por este motivo,

deve estar sempre atento às ações que são realizadas pela sua equipe”. Ele deve

estar sempre vigilante para evitar casos de negligência, imprudência ou até, nesse

caso, de imperícia durante o exercício profissional. Porém, como ser humano que é;

não está imune a erros. Será responsabilizado, principalmente quando houver danos

a terceiros. O número de processos éticos na área de Enfermagem tem crescido nos

últimos tempos. Entre outras, a função de supervisão do Enfermeiro, visa coibir este

aumento. Tudo isso faz aumentar o rigor, muitas vezes, em detrimento da

humanização.

Responsável fez alusão ao sentimento de impotência vivido pelo

Enfermeiro em relação a outros membros da equipe multidisciplinar: “Nós temos um

monte de coisas que nós somos impotentes. Aí é o médico, uma hegemonia eterna

dentro da saúde. Tudo tem que se adaptar em volta dele. É o diretor, o

administrador”. Diante dessa afirmação, cito Minayo:

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Na prática médica e suas relações com a sociedade, o positivismo se manifesta: (...) Na dominação corporativa dos médicos em relação aos outros campos do conhecimento, adotando-os de forma pragmática; no tratamento subalterno dado aos outros profissionais da área (enfermagem, assistentes sociais, nutricionistas, etc...) (MINAYO, 2000, p. 49).

Conquista contribui com a pesquisa quando se referiu ao

relacionamento em equipe. “E ao mesmo tempo a gente percebe que os

profissionais, eles realmente, não é só da enfermagem, muitos momentos há

conflitos entre equipe porque o meu pensar difere do outro que está ali. Isto forma

uma situação tão difícil!”. O relacionamento interpessoal interfere no cuidado

humanizado, repercutindo em todos os envolvidos. Para que este cuidado seja

concretizado, é necessário que a humanização permeie por toda a equipe

multidisciplinar.

5.1.2 Dificuldade em relação ao contexto social

O atendimento à saúde sofre repercussões de forma direta do

contexto social. No dizer de Firmeza isso se manifesta quando realça que as

condições de trabalho são sine qua non para a humanização “e que eu preciso ter

um máximo de clientes para poder atender, ter material”. No sistema econômico-

social vigente há uma lacuna entre o que deveria ser e o que é. Isso gera conflitos

que muitas vezes atinge o profissional de saúde. Normalmente, no sistema de saúde

brasileiro, são precárias as condições que lhe são oferecidas para que desempenhe

seu papel. A falta de recursos humanos e de material assume grande importância.

Há uma sobrecarga de atendimentos, gerando estresse no Enfermeiro e sua equipe.

Várias instituições dão preferência para a contratação de profissionais de

Enfermagem menos dispendiosos (Auxiliares e Técnicos de Enfermagem). A equipe

de Enfermeiros fica defasada, gerando sobrecarga e comprometendo a qualidade do

atendimento oferecido. Daí, a necessidade urgente do Enfermeiro questionar sua

atuação e condições de trabalho. Em relação à saúde do trabalhador, Minayo

acrescenta:

Definir categorias e programas centrados na segurança do trabalho e no combate a doenças profissionais, questionar as condições gerais de

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produção, do ponto de vista dos interesses das classes trabalhadoras, exige afrontar forças econômicas e políticas dominantes (MINAYO, 2000, p. 190).

Neste pensar, Felicidade salientou: “como é que você quer que teu

funcionário atenda de uma forma humanizada se falta agulha, se ele tem que usar

um aparelho que não funciona”. Amor complementou dizendo: “Algumas vezes agir

desta forma, pensar de como desejaria de ser assistido, vai demandar mais tempo

pra assistência, mas daí pense quantos pacientes essa pessoa teria pra assistir ao

mesmo tempo? Ela tem uma unidade inteira quase pra assistir. Duas pessoas no

plantão noturno pra dar assistência pra um setor inteirinho dentro de um hospital.”

Esses aspectos atingem de forma direta a qualidade do atendimento. Portanto,

exige-se do profissional de Enfermagem, que reflita sobre essa sua prática. Como

solucionar esses problemas de contexto social, promovendo melhorias no cuidado.

Urge que participem de associações de classes, que se mobilizem, que ampliem

seus estudos, que se unam aos demais colegas da profissão. O problema é de

grande amplitude, envolvendo o Sistema Único de Saúde brasileiro e as políticas

públicas. As condições de trabalho necessitam ser reavaliadas, pois são em grande

parte responsáveis também pela qualidade do cuidado oferecido. São como já

afirmadas, condições sine qua non para a concretização da humanização na área da

saúde.

Humana disse: “A Saúde Pública tem todo um fazer e toda uma

assistência voltada para a manhã e a tarde fica ociosa”. De maneira geral os

horários são impostos obedecendo a um critério de normatização, impondo ao

usuário regras que nem sempre são as mais recomendadas para determinadas

situações. O estabelecimento de horários para o atendimento, por exemplo, em

vários locais, visa somente a interesses de terceiros, menosprezando-se

necessidades individuais e comunitárias. Sabe-se que durante o período vespertino,

os médicos estão em seus consultórios, fazendo com que o atendimento das

unidades de saúde não se estenda além das 16h00min. Importante se faz que mais

Enfermeiros tenham percepção deste fato, para que possam suscitar mudanças.

Sobre isso Conquista, referindo-se ao contexto social, afirmou: “aí a gente percebe

que na realidade nós trabalhamos pra um sistema, um sistema político social que

nós estamos inseridos. Ele determina que nós temos que começar tal horário e

terminar tal horário.(...) estamos num mundo neo-liberal em que o retorno, o

resultado não é bem essa questão. São outros fatores por detrás”.

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5.2 HUMANIZAÇÃO/HUMANIZADOR

5.2.1 Múltiplos olhares sobre a humanização

Nesta segunda categoria, no Grupo Focal de docentes, a

humanização assume vários olhares. Firmeza abordou que “trabalhar na área da

saúde exige que a pessoa valorize o ser humano, que ele valorize a vida”. Continuou

sua fala inferindo que a desumanização “é a não valorização do outro enquanto ser

humano” E ainda: “você está vendo o outro como fonte de lucro, como uma parte de

teu trabalho, como um órgão, como uma técnica, e não como um ser humano.”

Para que ocorra o atendimento humanizador no pensamento de

Firmeza é necessária uma somatória de fatores tais como a formação e as

condições sociais para operacionalização do cuidado, “mas acho que tem um

terceiro lado junto, de peso igual, que seria a essência da pessoa”. Neste pensar, a

essência se traduz em princípios, na educação adquirida pelo processo de formação

no seio da família, manifestada pelos indivíduos e suas atitudes no cotidiano.

Outro aspecto que sobressai é a individualidade no atendimento. Na

área da obstetrícia, Firmeza exemplificou dizendo: “parto humanizado é você

respeitar a vontade dela, seja em qualquer área, seja em qualquer clínica em que

for” Nesse pensar, a Bioética vem ao encontro do resgate do direito dos pacientes.

Os pacientes têm direito de participar das decisões que envolvam sua saúde e

recuperação. Têm direito a uma autonomia que lhes permitam opinar sobre o

tratamento e que suas vontades sejam respeitadas. Sobre isso, Firmeza afirmou:

“nós nos sentimos donos do paciente” exemplificando: “eu vou trocar, eu vou fazer

na hora que eu puder, eu não posso fazer o curativo agora porque tenho outras

coisas pra fazer. Então a gente se sente dono do paciente. A gente não pergunta

primeiro. A gente faz e ainda acha que ele tem que agradecer por a gente estar

fazendo. A gente acha que está fazendo um favor, muito contrário. Então a gente

tem que começar a colocar o paciente em primeiro plano”.

Esse paternalismo que emerge desses pensamentos é ainda muito

comum nos profissionais de saúde, de maneira geral. Foucault adverte sobre a

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questão do poder e do disciplinamento que acontece também dentro do hospital

dizendo:

É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade que através deles são diferenciados e sancionados. (...) No coração do processo de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam (FOUCAULD, 1977, p. 165).

Outro prisma da humanização, abordado por Humana é “colocar-se

no lugar do outro... (...) é perceber este teu paciente, este teu cliente, este teu

doente”. Essa reflexão permite ao profissional repensar suas atitudes, que muitas

vezes não vão ao encontro do que os serviços oferecem.

Salientou também Humana que o princípio da alteridade é

necessário para a efetivação do cuidado humanizado dizendo: “não tem como fazer

algo humanizado e fazer uma assistência humanizada, tratar o meu próprio aluno,

meu próprio colega sem me colocar no lugar do outro”. Para Humana, esse é o

critério que baliza suas ações, pois, ao colocar-se no lugar do indivíduo, tenta ter a

percepção do que mais convém a ele. Essa é uma atitude de humanização.

O cuidado humanizado assume conotação de escutar e individualizar

o tratamento, de valorizar o querer do outro. Neste pensamento cito Amor que

disse: “se eu vou atender de uma forma humanizada, implica em que vou explicar

para ele, que eu vou escutá-lo. Acho que humanização é escutar o indivíduo

principalmente. Eu vou perguntar se o cliente quer acompanhante ou não, eu vou

dar tempo para ele pensar, para ela decidir o que ele quer”. Evidencio, nesta fala, o

princípio da autonomia que é colocado em prática, na qual o paciente torna-se

sujeito ativo de seu tratamento. O profissional Enfermeiro tem sua parcela de

contribuição neste processo. Sobre isso, Horta afirma que:

A percepção individual de si mesmo é afetada pela doença, como a liberdade, a independência, a privacidade e a auto-estima. Quando a enfermeira faz o paciente participar do seu plano de cuidados, ela está obedecendo ao princípio de conservação, procurando manter íntegros os mecanismos de defesa biológicos fundamentais do indivíduo (HORTA, 1979, p. 13).

Os múltiplos olhares sobre a humanização abrangem a totalidade do

ser. Conquista salientou isso quando disse: “os nossos clientes não querem só

realmente o curativo, é muito além, porque o homem é um todo: corpo, mente e

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alma”. Ao ser atendido, o ser humano necessita que sejam considerados, pelo

profissional da saúde, aspectos emocionais e psicológicos, e não somente

fisiológicos. As ações, na prática, ganham ressonância quando amalgamadas da

visualização do indivíduo em sua totalidade. Nesse pensamento, cito Minayo:

Incluindo os dados operacionalizáveis e junto com o conhecimento técnico, qualquer ação de tratamento, de prevenção ou de planejamento deveria estar atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige (MINAYO, 2000, p. 16).

Conquista também se referiu sobre a forma de execução do cuidado

com o paciente, isto é, como este cuidado transcende às nossas atitudes, quando

abordou: “Então, ele percebe através de cada um de nós como que nós fazemos o

cuidado com ele”. A técnica executada pelo Enfermeiro é acompanhada de fatores

subjetivos inerentes ao cuidado. O paciente tem percepção da forma como este

cuidado é feito, com desvelo, com rapidez, com atenção ou com carinho. Cito Bittes-

Junior,1997 apud Costenaro; Lacerda, que contribuem afirmando:

Aprender a fazer o cuidado de ser humano para ser humano é uma ação contínua para os profissionais de enfermagem, e “tão importante quanto o cuidar é estarmos atentos aos efeitos que o cuidado produz nos pacientes” (BITTES-JUNIOR, 1997 apud COSTENARO; LACERDA, 2002, p. 31).

Portanto, o paciente percebe se o profissional está preocupado pelo

seu restabelecimento, ou se está sendo considerado apenas ‘mais um’. Em muitas

ocasiões da prática, o paciente evita chamar o Enfermeiro para prestar atendimento

ou sanar dúvidas, porque tem a percepção de que está atrapalhando o serviço.

Percepção esta, originada de experiência negativas anteriores.

Responsável, do ponto de vista de sua área de atuação, a pediatria,

abordou a humanização nos seguintes aspectos: atuação do funcionário na

recreação, as acomodações da mãe ao lado do berço da criança e as modificações

do ambiente. Sobre isso, relatou: “pintar tudo, colorir tudo. (...) ter sala pra essas

crianças poderem brincar”. A humanização, para Responsável, também se verifica

através do cuidado realizado com a criança. Disse: “vai fazer curativo de queimado?

Tem que ter bala, pirulito. Você tem que agradar e o que a criança gosta é doce.

Tem criança que não chora. Sabe que até esquece? Além do efeito da liberação da

endorfina com o açúcar, (...) é a questão de ela saber que tem alguém te dando

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alguma coisa. (...) Acho que isso é humanização também. Você melhorar um pouco

esse tipo de coisa e a Enfermeira tem que conhecer isso”.

Devido à hospitalização o ser humano perde a liberdade, a

independência, a privacidade e a auto-estima. No caso da criança, seus objetos de

uso pessoal fazem muita falta; como também os animais de estimação. Sobre isto

Responsável assim se expressou: “tive até que vir mandar trazer cachorro pra

mostrar pra criança na janela. A criança mudou, era o que ela mais queria”. Essa

percepção do Enfermeiro, inerente aos aspectos subjetivos do tratamento, é

primordial. A iniciativa, a coragem e perseverança para humanizar o cuidado, são

atitudes que fazem do Enfermeiro um profissional reconhecido e valorizado. Aqui,

visualizo a integração do conhecimento científico com aspectos éticos e

humanísticos, imprescindíveis para o cuidado humanizado.

Conquista comentou que já houve um progresso importante: “A

gente percebe que alguns médicos já têm essa preocupação de saber o nome do

doente, de respeitar, de pedir um biombo, etc.” São atitudes de valorização e

visualização do paciente como ‘pessoa’ no processo saúde-doença. Diz ela ainda

que “há profissionais que estão ali há muito tempo, já estão com muitos vícios, já

estão acostumados a fazer as coisas daquela forma”. Porém, dentro de todo este

contexto, as mudanças também são percebidas no próprio profissional que

questiona sua prática. Sobre isso, Conquista exemplificou dizendo: “Mas, eu

percebo que a maioria de nós, que estamos aqui, (...) a gente... não quer mais que

nosso aluno seja um excelente técnico. A gente quer colocar nele, desde o primeiro

ano, estes aspectos éticos, humanos”. Percebo a preocupação do docente, não

somente com a formação de um profissional habilidoso tecnicamente, mas também,

com visão ampliada no trato com o ser humano. Na formação, salientou Conquista,

“existe a preocupação de que os aspectos éticos e humanos sejam abordados

desde o início do curso de Enfermagem”.

5.2.2 Universos da Humanização

Do mesmo modo que no Grupo Focal de alunos, neste, de

professores, a humanização é abordada sob vários universos. Um deles refere-se a

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aspectos intrínsecos do profissional, que deve anteceder ao cuidado de terceiros.

Antes de humanizar precisamos ser humanizados. Neste pensar, Determinada

enfocou, “humanização, pra mim deve vir de dentro“ Firmeza contribuiu dizendo:

“ela tem que ser para ele poder ensinar. Eu só ensino aquilo que eu sou”. Diante

dessas falas, infiro: nossos atos transcendem nossa subjetividade.

Como já foi afirmado, humanizar não é tarefa fácil. Precisa ser

vivenciada por todos os envolvidos no cuidado, sejam eles pacientes, a família, a

equipe de saúde e a sociedade. Na percepção de Determinada, há uma

constatação de que “nós não temos humanização entre a equipe”. Isso demanda

grande esforço do profissional Enfermeiro que, sendo responsável por sua equipe,

tem a tarefa de operacionalizar essa vivência entre os seus, para que então se

efetive na prática o cuidado dispensado aos pacientes. De acordo com

Determinada: “há necessidade da preocupação, do coleguismo, do

companheirismo” vivenciado dentro da equipe. E continuou dizendo: “ a

humanização é muito abordada num aspecto de humanização com o cliente externo,

ficando a humanização com o cliente interno, aluno, colega de trabalho; a desejar”.

A humanização, de acordo com Pessini; Bertachini (2001) pressupõe considerar a

essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade de construção de um

espaço dentro das instituições de saúde, onde haja legitimação do humano das

pessoas envolvidas (gripo meu).

O funcionário necessita ser valorizado, humanizado para poder

prestar um bom cuidado de Enfermagem. Determinada fez um paralelo entre o

cuidado e o cuidador: “eu acho muito difícil você chegar a atender uma pessoa de

maneira adequada se você deixou teu filho doente em casa, se você não está bem.

Ninguém te perguntou se você está bem”. Essa afirmação demonstra que o

processo de humanização é também interno, ou seja, deve permear toda a equipe,

cabendo ao Enfermeiro a função de proporcionar soluções adequadas, cabíveis para

cada situação.

Quando se abordam os universos da humanização, visualizo que os

aspectos administrativos contribuem no processo. Nesse sentido, Amor colocou

que: “às vezes a gente encontra funcionários em função errada na saúde pública,

(...) funcionário que não poderia estar naquele setor, que não tem paciência com as

pessoas que chegam ali. (...) falta visão pra quem administra aquela unidade.

Colocar em outro local... Inclusive seria humanização com ele”.

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Outro universo no qual a humanização é lembrada é com o passado

do profissional que repercute em suas atitudes. Amor fez referência a esse aspecto

em sua fala: “Então é histórico na enfermagem essa posição de mando, de rigidez e

nós não perdemos até hoje”. De acordo com ela, essas atitudes manifestam-se no

cotidiano da enfermeira e do docente, principalmente na formação do aluno. A

rigidez com que o profissional Enfermeiro foi formado repercute em suas ações.

Saliento, também, que a humanização é feita também de pequenos

atos como Firmeza mesmo disse: “É avisar que vai acender a luz. É o bater a porta

antes de entrar. Às vezes não toma tempo. Às vezes, não toma mais tempo que se

você fazer o mesmo procedimento que você tomaria se você não fosse”.

5.2.3 Humanização e Formação

Quando a humanização é vista pela via da formação, surgem vários

aspectos a serem abordados. Um deles é que, independentemente do grau de

instrução, os aspectos humanos devem constar da formação. Outro é que a

essência, o temperamento do indivíduo, assume papel preponderante. Firmeza tem

esse pensamento e exemplificou dizendo: “acho muito difícil o funcionário que

espanca o seu filho, fazer uma faculdade completamente humanizada, chegar lá e

não ser agressivo com o paciente”.

Na formação do profissional, necessário se faz que a humanização

seja abordada, discutida, trabalhada e vivenciada pelos docentes e alunos, de

maneira a fornecer subsídios para a sua aplicação prática. Quando os professores

falam da humanização normalmente se reportam à formação que tiveram. O tema

não era trabalhado. Essa lacuna repercutiu e ainda repercute na vida profissional.

Diante desse pensamento, Responsável contribuiu dizendo: ”Trinta anos atrás a

gente não conseguia ver esse lado, dentro da nossa formação”. Determinada

enfocou: “humanização, pra mim deve vir de dentro. Como é que eu vou trabalhar

isso, a humanização com o cliente externo se nós não fomos humanizados. Nós não

tivemos essa formação de humanização. Nós não temos humanização entre a

equipe. (...) Então acho muito difícil você dar aquilo que você não tem. (...) eu sinto

que não fui preparada para fazer um trabalho mais humano. Fui preparada pra

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aprender a administrar uma injeção, fazer uma escala. Nós não trabalhamos com a

morte, nós não trabalhamos com vida, nós não trabalhamos com o sofrimento a

ponto de preparar os alunos para que encarem este problema que a gente está

encontrando no nosso dia a dia no nosso trabalho”. Amor complementou: “Aí eu

aprendo que eu não posso levar para o hospital os problemas da minha casa e do

hospital pra minha casa. O que eu sou? Robô ou gente? Que forma humanizada eu

fui preparada para atuar? Daí eu vou trabalhar no hospital (...) vou para uma unidade

de terapia intensiva, trabalho com morte todos os dias. Não tenho um suporte pra

isso. Escuta... que enfermeira é essa? Sabe, é difícil. Você é formada desse jeito.

(...) Nós que temos dificuldade em sermos humanos com nossos alunos, como é

que eles serão com os pacientes?”. Firmeza disse: ”Muitas coisas que eu aprendi

sobre humanização não foi na faculdade, porque lá saí uma Técnica de Enfermagem

melhorada. Quando eu me formei não existia humanização no parto”.

Vejo então, diante dessas manifestações, que o Enfermeiro, como os

demais profissionais, não é alguém pronto e acabado. Dialeticamente falando, o

Enfermeiro vivencia o princípio do movimento, onde tudo se transforma. Há

necessidade constante de aprimoramento. É muito importante que o profissional

tenha percepção do dinamismo da vida e, com seu trabalho, dê continuidade à

construção de melhorias. Na fala de Determinada, isso é expresso: “eu sinto que

faltou e com isso eu tento mudar. A visão que eu passo para os alunos é essa

mudança. Tem que aprender a fazer direitinho, tem, mas você tem que fazer com

amor, você tem que fazer com respeito de uma maneira mais humana possível”.

Ela ainda afirmou que: “a gente prepara os alunos tecnicistas e

mecanicistas”. Determinada tem a percepção de que ”estamos tentando mudar”.

Felicidade , que trabalha essencialmente com a parte técnica da profissão, disse: “A

grande preocupação minha com essa disciplina é não tornar o aluno tecnicista. (...)

Então está sendo cobrado a técnica, mas também esta questão humana, para não

acabar perdendo isso. Falo então do preparo do paciente, conversar com ele antes,

explicar antes de realizar a técnica, na linguagem que ele possa entender”.

Felicidade expandiu a visão e, nesta concepção, inseriu também a humanização

entre os acadêmicos, quando disse: “Não só a parte técnica, também com

dinâmicas, porque eles depois vão para o estágio e vão trabalhar junto lá. A questão

do relacionamento, procurando tornar um grupo mais unido, que se ajudem. A

importância de trabalhar com todos, porque isso vai precisar na vida profissional”.

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Considero de extrema relevância essas iniciativas que envolvem o relacionamento

interpessoal. Os alunos devem compreender que a união, a solidariedade e o

companheirismo são aspectos importantes de humanização. Dinâmicas de união

contribuirão para ajudá-los a formar, no futuro, equipes unidas. Na Enfermagem

hoje, a desunião, a falta de colaboração, a inveja, a individualidade estão ainda

muito presentes. Fruto da história da profissão, da divisão de classe, da falta de

visão ampliada.

Dimensões do aprendizado referentes à formação do Enfermeiro

foram citadas por Firmeza: “Os alunos tem que ter uma capacidade técnica, tem

que ter uma capacidade no conhecimento científico e tem que ter uma humanidade,

uma sensibilidade”. Considero importante essa afirmação. Vejo a humanização do

cuidado inserida dentro da disciplina. Ter percepção da realidade é um grande

passo para mudanças. Há necessidade de associar, como uma rede, os aspectos do

saber, do fazer e do ser profissional. Ter consciência do perfil que se tenta formar no

aluno do curso de Enfermagem, para atender a comunidade, é muito importante.

Diante dessas reflexões, questiono: O projeto político-pedagógico é do

conhecimento de todo o corpo docente? Há necessidade de um grande trabalho de

reflexão, de revisão, a fim de que se possam realizar modificações pertinentes nesse

âmbito? Os docentes têm conhecimento do perfil do profissional de Enfermagem

que querem formar? As instituições formadoras têm interesse de que seu corpo

docente seja detentor deste saber?

Um fator que vem contribuir com esta visão mecanicista e tecnicista é

a própria condição imposta pelos meios de comunicação. Determinação sobre isso

abordou: “hoje o mundo é muito mecânico. Os alunos não lêem mais, não viram as

páginas dos livros, tudo na internet. Então ficou tudo mais prático”.

Analisando ainda, a contribuição dos professores na formação dos

alunos, no curso de Enfermagem, Determinação salientou: “cada professor deve

contribuir falando dentro da sua disciplina, colocando a humanização dentro da

mesma. Não há necessidade de ter uma só disciplina. (...) cada um se preocupando

com a sua, mas trabalhando isso dentro de cada matéria, dentro de cada dia de

aula, em cada encontro, você pode estar trabalhando isto aos pouquinhos”. Humana

fez menção de sua atuação na disciplina de Fundamentos de Enfermagem na

questão da humanização, dizendo: “Tentei trabalhar esta disciplina sempre em cima

da problematização. (...) Como os assuntos são polêmicos (aborto,

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homossexualismo, morte), fiz com que esse aluno, desde o primeiro ano, ele tente

entender e aceitar a opinião do outro. Isso foi um ponto bem forte da disciplina e

acho que teve sucesso”. Já, Conquista, que também atuou na referida disciplina,

deu sua contribuição dizendo: “precisei trabalhar qual é a função do Enfermeiro, a

questão do sigilo, a questão do respeito profissional, o trabalho em equipe”. Percebo

que essa disciplina é ministrada de forma a contribuir com os assuntos ético-

profissionais. Ao que parece, os bioéticos carecem de maior enfoque.

Firmeza disse: “Todos temos a mesma obrigação de estar

ensinando ética, de estar ensinando a ser ‘humano’, a ser sensível, a valorizar o ser

humano”. Humana, sobre isto, contribuiu dizendo: “vai depender do professor que

está trabalhando de estar abordando esse assunto, não de uma forma... Ah!

Humanizar é isso, ser ético é isso... mas de uma forma espontânea”. Através

dessas falas, verifico que está se propondo a humanização na formação do

Enfermeiro, através da interdisciplinaridade. Trata-se de promover a integração de

diversas disciplinas, a fim de possibilitar a aquisição de um saber unitário e

articulado. Porém, o que deveria ser, o que é obrigação, ainda são realidades não

contempladas de forma unânime por todo o corpo docente, como esta pesquisa está

apontando.

As abordagens inerentes à humanização no curso de Enfermagem,

parecem ser insipientes, esporádicas, individuais e até isoladas. Não possuem

caráter de uniformidade e de totalidade. Sobre isso, Firmeza afirmou: “a

humanização acontece de forma isolada. Um exemplo ou outro a gente vê. Mas

acho que a grande maioria, de forma isolada. Quando um professor acredita nisso,

ele passa. Não é uma filosofia do curso”. O problema apontado demonstra a

necessidade de mudanças nos projetos político-pedagógicos, o que somente

ocorrerá se houver realmente interesse na formação do profissional crítico, reflexivo,

ético e com atitudes humanizantes em relação ao cuidado com terceiros.

Por outro lado, existem avanços relativos à formação humanizada.

Eles podem ser conhecidos através da fala de Conquista: “Eu percebo que todas as

profissionais estão se preocupando. No curso de Medicina, na PUC, saiu uma turma

que o ensino deles não é o ensino tradicional. Na UEL, tem a questão da

problematização,( ...) ainda sobrepõe o ensino tecnicista, mas já temos escola em

que o ensino está voltado para questões de resgatar a humanização, todos estes

princípios que faltam. (...) Mesmo que nós saibamos que não é total de todas as

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escolas que ainda não perceberam essa temática, mas aos poucos nós estamos

percebendo com o trabalho com os alunos que já está presente. Isso vai, a

tendência é ampliar, é relevante”.

Nesse mesmo pensar, Responsável contribuiu dizendo: “eu acho

que é gratificante, nós como docentes, até sentir isso em questão da humanização.

A gente trabalha, tem toda essa formação, mas acho que nós estamos passando

alguma coisa. (...) Tem alguns professores que devem estar enfatizando muito que

deve estar ficando na formação deles isso. Então, eu sinto isso como um fator

positivo”. Sobre o mesmo tema, Amor expressou: “Dentro do nosso curso tem

pessoas que são mais voltadas para a humanização do que outras. (...) Noto pelas

conversas que nós temos, pela forma de preparar até o conteúdo da disciplina, pela

conversa que a gente tem com os alunos. Inclusive a humanização na forma de dar

aula. (...) Então, eu observo, que existem professores que estão mais abertos para

ensinar o aluno de forma mais humanizada e isso vai refletir no cuidado sim”.

Diante desse panorama, dificuldades são visualizadas. Enfermeiros

têm manifestado sua insatisfação diante do que está posto. Para o aluno, essas são

situações importantes, onde são oportunizadas reflexões que propiciam o

crescimento. Responsável sobre isso disse: “Falta um monte de coisas. Em relação

à equipe, ao sistema. Da impressão que às vezes, a gente se sente impotente, mas

em relação ao que eu posso fazer! (...) Quero mostrar pro aluno tudo isso. (...) Mas

tem o outro lado positivo do crescimento”.

Ainda, em relação às mudanças, Amor fez referência ao curso de

Enfermagem dizendo: “esse processo das mudanças de metodologias dos cursos,

teve muita resistência. Então são poucos os professores que adotaram, lutaram e

brigaram, brigas imensas. E foram anos de amadurecimento pra que isso pudesse

acontecer. O resultado é que é muito bom”. Sinalizo aqui, que o aspecto cultural está

envolvido no processo de mudança, no qual comportamentos e atitudes têm

relevância. Isso demanda tempo, perseverança e paciência para que se efetive. Aqui

também verifico a riqueza do trabalho em equipe. Docentes unidos em busca de um

ideal, voltados para melhorias, porque acreditam na esperança de um futuro melhor,

onde a Enfermagem brilhe pelo atendimento humanizado. Ainda há que se caminhar

muito nesse sentido.

Quando analiso a humanização no viés da formação, não posso

deixar de salientar que já é comum encontrar abordagens sobre o tema inseridas

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nos Trabalhos de Conclusão dos Cursos de Enfermagem. A Enfermagem é uma

disciplina baseada em filosofia, teoria, prática e pesquisa (LEOPARDI, 1999).

Humana afirmou: “Tem monografias que eles estão abordando este assunto. A

gente vê alguém abordando Bioética, alguém abordando a humanização. Fui

orientadora de duas alunas que abordaram uma assistência humanizada na coleta

do preventivo do câncer. (...) a gente vê que o aluno está resgatando e que ele está

vendo isso sabe? (...) a gente percebe isso na formação. Foi bastante evidente”.

A temática da humanização parece ser um fato real, possui

expressão e presença dentro dos cursos de Enfermagem. Em relação às

monografias realizadas, fiz um levantamento, nos dois cursos desde sua

implantação. Convém lembrar que, de acordo com Responsável : “quando o título

não está puxando para humanização, (...) está dentro do texto”. Abaixo, cito

monografias cuja temática foi a humanização.

- Humanização da Assistência de Enfermagem ao cliente do Programa de Saúde da

Família.

- Assistência de Enfermagem humanizada no puerpério.

- Humanização da assistência de Enfermagem no pré-operatório.

-A relevância da humanização frente à equipe de Enfermagem e ao

acompanhamento pediátrico.

- Humanizando a coleta do preventivo do colo uterino.

- O papel do Enfermeiro na promoção do relacionamento interpessoal na equipe de

Enfermagem.

- Humanização de Enfermagem em clientes com HIV-AIDS em fase terminal.

- Humanização no centro cirúrgico: comportamento e respeito da equipe de

Enfermagem frente o paciente no trans-operatório.

- Ação do Enfermeiro de urgência e emergência na prática da triagem humanizada.

Noto que a humanização perpassa as diversas áreas da

Enfermagem, tais como pediatria, doenças infecto-contagiosas, centro cirúrgico,

clínica cirúrgica, urgência e emergência, puerpério, programa de saúde da família

etc. Isso demonstra que a humanização tende a permear, como uma seiva, o ensino

da Enfermagem, em suas mais diversas expressões.

Um dado que considero extremamente importante e que esta

pesquisa mostrou, foi o ganho que a cidade e os profissionais Enfermeiros obtiveram

com a presença dos acadêmicos de Enfermagem. Lembro aqui que, até quatro anos

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atrás, esse curso não era oferecido por nenhuma faculdade dos Campos Gerais. Na

fala de Humana, ela comentou sobre essa importante mudança: “Acho que Ponta

Grossa ganhou muito com o acadêmico, porque a partir do momento que eles estão

indo pra campo de estágio, o serviço melhorou muito na assistência de enfermagem.

Porque ele provocou o profissional que está lá na assistência da Saúde Pública a

irem busca e a procurar. Porque a presença do aluno no estágio fez uma revolução.

(...) Vi alunos que fizeram uma mudança na sala de puericultura, humanizaram. (...)

Esse acadêmico para Ponta Grossa só veio contribuir na melhoria da assistência.”

Humana também se reportou aos Enfermeiros: “o aluno só trouxe benefícios, (...) ele

veio a contribuir até pra nós. A gente sentiu a necessidade e ir em busca, de

crescimento”. Responsável complementou dizendo: “Eu acho que a tendência é

essa. Quem está se formando, está chegando lá e está exigindo. Se a enfermeira

está lá vinte anos e nunca exigiu aquilo, começa essa exigência. Eu acho que isso

tende a mudar”. Este ganho a que as docentes se referem, não foi somente para a

cidade, mas inclui os profissionais de Enfermagem que necessitaram atualizar-se.

Exigiu mudanças, reflexões, pois novas idéias surgiram. Resistência também houve,

mas ela se faz necessária para o crescimento.

Humana continuou sua fala em relação aos acadêmicos afirmando:

“Eles estão saindo com uma visão mais crítica, mais apurada nestes termos éticos,

humanos e mesmo deste espaço de criar estas possibilidades, esta criatividade de

mudar o ambiente, de melhorar”.

Ao terminar a análise desta categoria, deixo assinaladas as ações

que as docentes consideram importantes para ajudar o futuro profissional a realizar

um cuidado humanizado. Humana citou: “eu tenho tentado durante a docência,

sempre deixar claro para o aluno que para ele prestar uma assistência humanizada,

em qualquer atividade que ele for fazer, ele tem que se colocar um pouco no lugar

do outro. Para sentir o que o outro está sentindo, como ele gostaria de ser tratado,

como ele gostaria de ser ouvido, como ele gostaria de ser percebido. Porque a partir

do momento que ele começa a sentir isso, ele vai ter uma postura diferente nessa

assistência que ele vai dar.” Firmeza completou: “É a gente despertar no aluno, a

valorização do outro enquanto ser humano, enquanto sujeito. Sujeito que decide ser

humano, que sente que tem família, que não é só um corpo. (...) para isso nós

precisamos trabalhar com eles. Eles precisam trabalhar com eles próprios, para que

ele possa ter essa consciência despertada dentro dele. Porque mesmo que não

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tenha seringa, eu posso ser humana. Mesmo que eu esteja cuidando de vinte

pacientes, eu posso ser humana”. Determinada , além de citar ações para os

acadêmicos, fez uma avaliação de suas dificuldades, apontando o passado, quando

disse: ”Todos nós temos certa bagagem capaz de transmitir isso para o próximo,

nossos alunos, para que eles possam adquirir seus próprios conhecimentos. E

através dessa orientação que a gente passa, através da vivência que nós já tivemos,

que possam melhorar. Que eles não passem por que nós passamos. Aprender com

tanta dificuldade, aprender com tanto erro”.

5.3 DICOTOMIA TEORIA/PRÁTICA

Analisando esta terceira categoria, a humanização aparece na prática

como sendo algo ainda utópico, um sonho, algo a ser conquistado. Algo que

demanda esforço, perseverança, como um longo caminho a ser percorrido.

Conquista vê a humanização como algo complexo: “acho muito complexa essa

questão de humanização. Na fala de Firmeza, com sua experiência na área da

obstetrícia, isso fica claro quando disse: “eu ainda sonho com o parto humanizado,

com a valorização da paciente, com a valorização do neném. (...) ainda quero mudar

o mundo. (...) nessa área você querer mudar é um grande caminho a percorrer, mas

eu ainda acredito nisso”. Percebo que essa docente enfermeira tem clara percepção

do que é e do que deveria ser. Essa consciência é um passo importante, é a mola

propulsora para mudanças.

No dizer de Determinada , a humanização assume conotação de algo

polêmico necessitando ser assimilada internamente, ou seja; “as pessoas têm que

começar a viver humanização para passar isso para frente”.

Amor percebe a efetivação do cuidado humanizado na prática

quando se reportou aos alunos sobre a atuação no cuidado em campo de estágio: “a

gente vê os ganhos dos nossos alunos, quando a gente consegue mostrar para eles

que por, exemplo, nas unidades de saúde não tem lençol para uma mulher se cobrir

na hora que ela vai fazer uma coleta de preventivo. E daí a gente tem aventais

descartáveis e a gente leva o nosso e deixa lá e não vê mais uma mulher coletando

preventivo sem pelo menos usar um dos nossos lençóis e aventais descartáveis,

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porque nossos alunos introjetaram que é um absurdo uma mulher ficar nua

enquanto está sendo examinada”. Apesar de ser o cuidado humanizado algo que

demanda esforço e exige perseverança, verifico que ele acontece através de

atitudes simples, que, por sua vez, podem ser de grande valia para a pessoa que

está sendo cuidada. Referindo-se ao cuidado humano, Leopardi diz:

O processo de vida envolve várias dimensões complementares (biológica, psicológica, afetiva, social, cultural, ética, política). No entanto, ao se sujeitarem temporariamente à instituição de saúde, os indivíduos expõem toda a sua fragilidade e se os profissionais da área da saúde não avaliarem à sua competência técnica, a perspectiva humanística, a situação vivida por esse sujeito pode ser ainda, mais dolorosa (LEOPARDI, 1999, p. 139).

Em relação à prática do cuidado humanizado, percebo progresso

quando faço comparação do passado com os tempos atuais. Responsável, com

sua experiência na pediatria, confirmou isso dizendo: “Eu sempre tento analisar o

que evoluiu. (...) A criança era tratada sem retirar do berço, (...) os pais não podiam

visitar, (...) a criança era arrancada dos braços da mãe, ficava trancada na

enfermaria. (...) Então hoje, de você ter um monte de coisas: ter recreação, ter

brinquedo”. Apesar do processo penoso e demorado para se constituir a

humanização, em alguns lugares já há evidentes sinais de vitória.

Para a institucionalização do cuidado humanizado, ao Enfermeiro

cabe um papel preponderante. Muitas vezes, terá que travar lutas intensas para

mostrar aos administradores a necessidade de mudanças, bem como os benefícios

que estas trarão para o paciente, para a família, para a equipe da saúde e para a

instituição. Nesse pensamento cito Responsável, quando abordou sobre o

Enfermeiro na pediatria: “A enfermeira tem que, faz parte do plano dela, determinar

alguém pra brincar com a criança. (...) Na hora que ela põe sua escala, tem que ter

um funcionário determinado. (...) Recreação é uma atividade de enfermagem em

pediatria. (...) Tem que ter uma cadeira, no quarto, para mãe deitar, ela vai ficar junto

o dia inteiro. (...) uma sala tem que ser para as crianças saírem da enfermaria e

brincarem”.

Essa luta protagonizada pelo Enfermeiro é necessária na

concretização de mudanças para melhorias no atendimento. No dizer de

Responsável: “então são coisas assim que você, às vezes, tem que brigar, (...) e

nós como enfermeiras temos este papel”. As mudanças na práxis do Enfermeiro

ocorrem devido ao processo de transformação do pensamento sobre esta mesma

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práxis. Minayo (2000) afirma que a transformação de nossas idéias sobre a

realidade e a transformação da realidade caminham juntas.

Foi também salientado que há uma dicotomia entre o saber e o fazer,

de difícil operacionalização. Sabe-se como as coisas deveriam ser realizadas,

porém, assim não ocorrem. Firmeza, em sua fala, afirmou isso dizendo “que a gente

vê que deveria ser o que é muito diferente da realidade”.

Aqui há um grande questionamento: porque a realidade se mostra

desta forma? Como fazer para que os conhecimentos adquiridos através de uma

sistematização possam ser colocados em consonância com a prática vivida?

Aproprio-me das palavras de Almeida citando que:

Trata-se de uma crise (ruptura ou dissociação entre a prática, o domínio institucional e o saber) que exige a tomada de consciência do significado atual da Enfermagem profissional, a sua inserção no projeto capitalista da saúde, as imposições derivadas da estrutura dos serviços de saúde, etc. (ALMEIDA; ROCHA, 1989, p. 15).

Vejo a necessidade de fazer alusão à história da Enfermagem para

poder analisar o problema. Na evolução da profissão, através do tempo, houve

várias modificações na maneira de trabalhar. O cuidado primeiramente era realizado

individualmente, depois em equipe. O trabalho em equipe deslocou a função do

Enfermeiro da execução direta para a gerência e/ou supervisão.

O fato de o trabalho ser realizado por várias pessoas faz que o

Enfermeiro elabore o plano assistencial a ser executado por sua equipe. Para ter

informações sobre o paciente, delega as funções do cuidado a Auxiliares e Técnicos

de Enfermagem que lhe darão subsídios para implementar o plano assistencial por

ele organizado. Há aqui uma fragmentação do trabalho, com a concepção separada

da execução (ALMEIDA; ROCHA 1989, p. 65). Os Auxiliares de Enfermagem

assumem o cuidado possibilitando aos Enfermeiros a ocupação de cargos de

direção. Como se percebe, o trabalho na Enfermagem é parcelado em tarefas,

procedimentos e responsabilidades diferentes, assumidos por elementos diferentes

da mesma equipe.

Essa divisão técnica expressa a estrutura de classes da sociedade

capitalista. A divisão técnica aumenta a destreza dos procedimentos, diminuindo

custos, mas também:

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enquanto a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem, e, enquanto a subdivisão da sociedade pode fortalecer o indivíduo e a espécie, a subdivisão do indivíduo, quando efetuada com menosprezo das capacidades e necessidades humanas, é um crime contra a pessoa e contra a humanidade (BRAVERMAN , 1893, p. 72 apud ALMEIDA E ROCHA, 1989, p. 70).

A fragmentação do trabalho faz com que aqueles que detêm maior

conhecimento teórico (os Enfermeiros) não são os executores do serviço. Já os que

executam (Técnicos e Auxiliares) acabam tendo uma maior prática, porém sem o

devido conhecimento teórico.

Então, percebe-se uma dicotomia onde os saberes são divididos,

hierarquizados. Alguns elementos da equipe dominam a concepção do trabalho e

outros a execução, ou seja, uma dicotomia entre o saber e o fazer, entre a teoria e a

prática. Nesse pensar, recorro a Nakamae que diz:

A divisão técnica no âmbito da enfermagem, sobredeterminada pela divisão social do trabalho, fez do enfermeiro o detentor do saber da enfermagem e o agente encarregado do controle da eficácia (capitalista) do trabalho dos subalternos (NAKAMAE, 1987, p. 113).

No capitalismo, o trabalho intelectual dos Enfermeiros é mais

valorizado que o manual executado pelos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem.

Sobre os Auxiliares de Enfermagem, Almeida diz:

Seu trabalho está mais voltado para o lado do trabalho manual. Apesar do seu trabalho não ser produtivo, ele é o mais explorado pelo capital, tendo sua jornada de trabalho muitas vezes duplicada devido seu pequeno salário. É ele que realiza o trabalho mais cansativo e pesado na Enfermagem (ALMEIDA, ROCHA, 1989, p. 80).

As questões referentes à concretização do cuidado humanizado são

motivo de conflitos, de sofrimento para o Enfermeiro pois, como disse Conquista :

“eu, enfermeira há dez anos atuando, isso me traz muito sofrimento, porque há

momentos que a gente até pensa em deixar o ambiente hospitalar em decorrência

de você perceber que eu estou praticando uma assistência que não tenho condições

de abordar, acompanhar todos os pacientes, então eu não estou sendo humana”.

Conquista continuou dizendo: “Na minha realidade, que trabalho no hospital, em

que muitas vezes eu fico frustrada porque em vez de eu estar cuidando do doente,

aprendendo, se inteirando com ele, (...) 70% do meu horário de serviço eu estou

comprando briga, (...) briga oculta, aquele jeitinho e tal pra conseguir que o paciente

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tenha assistência melhor. (...) é o tempo que eu estou deixando de cuidar do meu

doente, que estou brigando”. Fica claro aqui que o discurso sobre o cuidado

humanizado muitas vezes não está em sintonia com o sistema vigente. Nessas

manifestações, percebo que o profissional tem percepção do que deveria ser feito,

porém, a sobrecarga de atividades, predominantemente de caráter gerencial, não

permitem estar ao lado e “acompanhar todos os pacientes... eu não tenho condições

de assistir como eu deveria”. Isto gera conflitos e sofrimentos. Diante desse quadro,

concordo com Sowek quando afirma:

“Ao mesmo tempo que a (o) enfermeira (o) sabe que seu papel, sua função primordial, reside na atenção integral, ou “eqüidiversa”‘ao homem sadio ou doente, ela também é forçada, impelida pelas instituições a responder por uma gama de atividades que a distanciam de seu objetivo principal. (...) A (o) enfermeira (o) sente-se, então dividida, pressionada a cumprir ordens vindas do médico e da administração, e que nem sempre coincidem com a vontade do cliente” (SOWEK, 2000, p. 208).

Conquista continuou: “quando você sai daquele horário de serviço,

você fica se perguntando: ‘mas a gente busca todos esses elementos pra melhorar o

cuidado humano e aí eu saí do hospital e não consegui fazer nem 50%’.”.

Novamente a contradição do que deveria ser do que realmente é. O profissional

expressa um dever moral de realizar o atendimento humanizado, contudo, para sua

concretização encontra muitas dificuldades.

Ainda sobre o sofrimento vivenciado em relação à efetivação da

humanização na prática, cito Responsável que disse: “Era proibido a mãe entrar,

somente no horário de visita. Quando internava a mãe não podia entrar no corredor.

Era tirado do braço da mãe a criança gritando. Então, aquilo pra mim...eu cansei de

chorar de ver aquelas coisas. Não me conformava”. No dia-a-dia a realidade se

mostra diferente dos discursos sobre a humanização. O fato de o profissional

vivenciar situações de desumanização, não raras vezes acabam servindo de

estímulo para grandes empreendimentos. Exemplo disso foi o que ocorreu com

Responsável, que depois de muitas brigas conseguiu implantar um ambiente de

trabalho mais humanizado.

Diante das dificuldades, o Enfermeiro necessita de ‘injeções de

ânimo’, que o incentivem a buscar um cuidado humanizado. Responsável, sobre

isso, afirmou “parece até meio desanimador e de vez em quando a gente precisa de

uma injeção de ânimo assim e ver que tem coisas positivas”.

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Outra contribuição valiosa para a pesquisa refere-se às atitudes do

docente, enquanto formador. Aqui a humanização aparece também como uma

grande dicotomia. Novamente, sua prática é contrária ao seu discurso. Amor

abordou o assunto dizendo: “Como é que eu ensino humanização na escola, se eu

professora sou extremamente exigente com meu aluno, se ele não pode errar uma

vírgula. (...) como é que nós corrigimos os nossos trabalhos. Trabalhos que nós

pedimos, corrigimos as provas. Qual o grau que nós temos de exigência? Então,

como é que nós humanizamos esta relação com o nosso aluno já na correção dos

trabalhos e das provas? (...) Na hora em que nós sabemos que nossos alunos estão

sobrecarregados de tarefa, nós ainda damos um trabalho hoje pra entregar daqui a

quatro dias para tentarmos melhorar a nota. Felicidade confirmou:” questionei a

falta dela na aula de curativo e mandei ela fazer um trabalho de curativo para

amanhã” Amor deu continuidade a sua fala: “É final de ano. Será que eles vão

passar a noite acordados pra poder fazer isso daí? Acredito que não. Mas também

eles têm que dormir não é? (...) E quanto ao aluno que trabalha, como é que é essa

situação? E nós ouvimos dos nossos alunos essa queixa de forma muito grande”.

E Amor continuou: “Você nota a exigência dura, rígida tanto em sala

de aula, quanto em hospital ou unidade de saúde. É aquele professor que tem a

exigência de um curso de graduação como se o aluno estivesse já no curso de

mestrado. (...) Existem professores extremamente rígidos em termos de técnica,

esquecendo que o aluno vem de um evoluir. Diante dessas colocações importantes

e profundas, questiono: Quantos docentes refletem sobre suas ações? Reafirmo: a

prática, na Enfermagem, tem início em sala de aula e não somente quando o aluno

se desloca para o estágio. O docente assume sua prática durante suas aulas, no

contato com os alunos. Suas atitudes permeiam as relações. Essa realidade

necessita ser trabalhada, refletida e mudada se quisermos contribuir para uma

formação humanizante do profissional de saúde. As interações iniciam-se no espaço

acadêmico e perpetuam-se adiante. Felicidade contribuiu com esse pensamento:

“Se fala sobre humanização, mas na prática, não trata daquela forma”.

Na fala de Conquista , identifico novamente a dicotomia entre a teoria

e a prática. Em sua fala disse: “o aluno tinha uma idéia de que o enfermeiro, o papel

dele é de supervisão e direção. (...) aí, precisei trabalhar bem qual é a função do

Enfermeiro. (...) que o enfermeiro, para saber cuidar de um doente ele tem que tocar

no doente e que nunca vou delegar uma função se eu não sei fazer”. Essa

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percepção de que o aluno tem a respeito do papel do Enfermeiro é motivada pela

atuação deste no meio hospitalar. O gerenciamento e a supervisão são ações que

absorvem integralmente o tempo que este profissional dispõe. Como já dito, o

cuidado direto ao paciente acaba não acontecendo. Daí, não só o acadêmico, como

também, a sociedade em geral, identifica que o papel desempenhado pelo

Enfermeiro resume-se nestes dois fazeres.

Ainda abordando a dicotomia teoria/prática, Conquista também

disse: “A gente pensa que sai da faculdade e resolve o mundo, que aquilo ali é

difícil, mas pra ele não vai ser.” Esta dificuldade teoria/prática continua sendo motivo

para grandes questionamentos. O que fazer para maior aproximação entre o

discurso e a operacionalização? Penso que mudanças ocorrerão, a partir de um

efetivo trabalho de equipe do corpo docente, discente e da comunidade. Que cada

elemento que compõe este grande quebra-cabeça, tenha o mesmo objetivo e lute

para alcançá-lo.

O problema gera um processo de reflexão em muitos profissionais.

Conquista vivencia isso e comentou: “Eu me acho, pelo menos 30% das vezes, que

sou desumana com o funcionário que está cuidando. Com meu aluno pela forma que

eu conduzo. Então a gente está se autoavaliando e eu sinto que há momentos que

eu faço o procedimento que eu não consegui nem dizer uma boa tarde, um bom dia.

Então tem horas, que eu sinto que fui desumana com o cuidar do ser humano”. O

processo de avaliação é um instrumento importante, pois quem deseja crescer,

necessita autoavaliar-se e submeter-se à avaliação de terceiros. Se mais

profissionais tivessem esta atitude, poderia ser que tivéssemos um crescimento

importante.

Finalizando este capítulo, considero conveniente assinalar as

sugestões que foram apontadas pelas professoras do curso de Enfermagem sobre o

tema. Uma das docentes citou que o que cabe a nós é a responsabilidade de

despertar a consciência de alunos e demais Enfermeiros, incluindo os assistenciais,

para a questão de humanização.

Há a necessidade de se criar a cultura da humanização, dentro da

área profissional, sendo cada um, executor de sua parte.

Sobre as Instituições formadoras, foi questionado: de que forma elas

poderiam contribuir, considerando que existem professores que não estão tão

voltados para a humanização, de que haja crescimento tanto de alunos como de

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professores? O Grupo Focal de professoras, ora formado, conforme salientado,

poderia contribuir com os Enfermeiros da cidade incluindo os das escolas de

Enfermagem, através da educação continuada.

Outro elemento que as professoras abordaram são as condições

necessárias que poderiam auxiliar na humanização. Por exemplo, um horário

específico, um incentivo de disponibilidade, principalmente em relação ao

atendimento de alunos.

Neste capítulo procurei analisar, através da contribuição das

professoras do curso de Enfermagem que participaram do Grupo Focal, a temática

da humanização na formação e sua concretização. Sugestões foram apontadas

objetivando melhorias do corpo docente, discente e profissionais Enfermeiros da

comunidade, no que tange à humanização do cuidado dispensado ao paciente.

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UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA...

NOVO PONTO DE PARTIDA...

“Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito... Não somos o que deveríamos ser, mas graças a Deus, não somos o que éramos”.

Martin Luther King

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O objetivo deste estudo foi analisar a Bioética no currículo do curso

de Enfermagem, verificando a contribuição desta para a formação do profissional

Enfermeiro em um cuidado humanizado. A pesquisa revela que essa preocupação

se manifesta ao longo do curso, ora pela postura de alguns professores, ora pela

abordagem em diferentes disciplinas. Então o estudo se amplia e analisa a

presença/ausência dessa preocupação na formação do profissional Enfermeiro nas

instituições analisadas.

Com as diversas leituras, discussões e reflexões, durante a

realização deste trabalho, percebi um crescimento, uma visualização diferenciada

daquela do início da caminhada. As reflexões que ocorreram nesta trajetória

permitem-me tecer algumas considerações sobre o objeto de estudo “a contribuição

da bioética na formação do profissional enfermeiro em um cuidado humanizado”,

como também sobre aspectos referentes ao processo de formação deste

profissional.

No decorrer da caminhada, os questionamentos foram constantes.

Agora no término, outras perguntas surgem, mostrando que os fatores da história

são dinâmicos. Dialeticamente estamos num constante processo de ir e vir, de

contradições, de interação com uma totalidade, que progride pela união de

contrários.

Esta pesquisa evidenciou que a humanização assume certa

complexidade na sua operacionalização e na sua definição. Deve a mesma envolver

todos os segmentos da comunidade seja ela intra ou extra-hospitalar.

Na formação, a humanização foi evidenciada como uma preocupação

por vários docentes. As manifestações demonstraram que ela permeia o currículo da

Enfermagem. Além disso, a humanização perpassa por aspectos pessoais

antecedentes à formação sistematizada, bem como, por questões culturais como o

paternalismo.

A educação, enquanto processo dialético movido pela contradição, é

portador de “fermento de transformação”, o que possibilita acelerar a crítica da

situação na qual ela aparece (SAUPE, 1998). Diante desta afirmação e devido ao

sistema social vigente, há um reconhecimento, por parte de docentes e alunos, da

existência de uma dicotomia entre o querer fazer e o que se faz. As condições

objetivas de trabalho levam o profissional de Enfermagem a um conflito que se

expressa no seu cotidiano, quando presta o cuidado na área da saúde.

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A formação dos docentes de Enfermagem ocorreu de forma

fragmentada e com ausência de alguns fatores. Entre eles, a reflexão da execução

do cuidado e o executar técnico maximizado em detrimento do cuidado humanizado.

Daí há necessidade de implementações em relação à humanização dos mesmos,

sendo este um caminho apontado, nesta pesquisa. Importante se faz também,

oportunizar reflexões ao corpo docente e discente, sobre aspectos éticos e sociais

da atuação do Enfermeiro no mercado de trabalho. Percebo que há necessidade de

formar Enfermeiros que aprendam a pensar, sejam críticos. Isso denota um corpo de

professores que, além do conhecimento científico e técnico, disponham-se a pensar,

questionar, criticar, duvidar; suscitando possibilidades quanto ao seu fazer. Aspectos

éticos e humanísticos necessitam estar amalgamados neste conhecimento a ser

partilhado, bem como no relacionamento entre docente-discente.

A fragmentação não ocorre na profissão somente em nível de

operacionalização, mas na própria classe, a divisão do trabalho traz repercussões

importantes como tensões e conflitos. A divisão torna-se ferramenta necessária para

manter os interesses do sistema social capitalista vigente, onde sempre se visa à

diminuição dos custos. Essa situação é muito mais uma resposta às necessidades

colocadas pelo mercado de trabalho do que como opção profissional.

O presente estudo indica que a Enfermagem necessita de

profissionais que reflitam a sua atuação, que busquem a integração dentro da

classe, que alarguem seus horizontes, visualizando o mundo que os cercam. Faço

então o seguinte questionamento: estará o Enfermeiro assegurado de sua

permanência no mercado de trabalho tendo em vista que, na grande maioria das

vezes o cuidado é efetuado pelo Auxiliar de Enfermagem? Para tanto, necessário

se faz oportunizar, na formação, um processo de aprendizagem de argumentação e

do enfrentamento. Não para a acomodação e a passividade, como o que atualmente

se evidencia.

Continuo meu pensamento apontando para outro questionamento: o

que cada um de nós pode contribuir para que o trabalho na Enfermagem seja mais

integrado e, conseqüentemente, seja mais humanizado no cuidado com o paciente?

É preciso pensar sobre a humanização e repensar nossas atitudes. Na pesquisa,

constatei profissionais que estão nesse caminho, o que considero um progresso.

Na introdução deste trabalho lancei o seguinte questionamento:

Seremos capazes de construir um mundo mais humano com a ajuda da Bioética?

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Esta pesquisa mostrou que as reflexões trazidas pela Bioética, durante a formação

do profissional Enfermeiro, podem sim, trazer benefícios, auxiliando na

concretização da humanização do atendimento prestado.

O ensino da Bioética no curso de Enfermagem é uma ferramenta de

auxílio, principalmente porque propicia o desenvolvimento da reflexão. Permite ao

aluno visualizar a necessidade e importância do atendimento humanizado aos

pacientes. Quando as pessoas interiormente assimilam a necessidade de

mudanças, a concretização torna-se mais fácil e provável.

O aluno sinaliza a Bioética como instrumento para a humanização e

que esta se operacionaliza com atitudes próprias, advindas de um processo

reflexivo. Este opera no cotidiano sensíveis mudanças, necessárias para um

atendimento de qualidade, em que a humanização ganha expressão.

A dignidade da pessoa humana é ponto chave da humanização. A

visão de que todas as pessoas são dotadas de sentimentos, vontades e crenças que

precisam ser respeitadas, é condição para a humanização. Ficou claro na pesquisa

que esta consciência vem ocorrendo. Provavelmente não no ritmo desejado.

Condicionamentos culturais e pessoais, dificuldades estruturais dificultam o

processo. Talvez o exemplo mais eloqüente do crescimento dessa consciência seja

a dicotomia entre a teoria e a prática, tão enfatizada nos Grupos Focais. Fica claro

nos depoimentos o conflito vivenciado pelos profissionais Enfermeiros, que ao terem

consciência de seu dever de humanizar o cuidado, sentem-se impotentes diante das

dificuldades objetivas de trabalho. Entendo que as dificuldades estruturais

(fragmentação, divisão, sobrecarga de trabalho, etc.) e culturais (paternalismo,

submissão, etc.) somente serão vencidas à medida que cresça ainda mais a referida

conscientização.

Embora o crescimento da conscientização possa ser fomentado nos

mais diversos ambientes, o da academia é de importância fundamental. O caminho

é longo, mas não impossível.

A Enfermagem é uma profissão possuidora de implicações

científicas, tecnológicas e artísticas. É uma arte cujo fundamento é o conhecimento

científico, auxiliada pelos recursos tecnológicos. Constitui-se de uma profissão

antiga com acenos para um futuro que espera de seus profissionais algumas

mudanças; talvez da postura, de visualização, de reflexões que levem esta profissão

ao reconhecimento que lhe é devido.

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Espero que este trabalho possa auxiliar Enfermeiros e educadores a

refletirem sobre sua prática. Que os aspectos éticos e humanísticos estejam

inseridos nesta práxis, construindo assim uma sociedade mais humana, onde a

dignidade do homem e o respeito à vida prevaleçam num constante esforço da vida

em sociedade.

Tenho ciência que este material não se encontra acabado, mas sim é

um lugar de chegar e partir. O desejo de seguir buscando assume relevância nestas

idas e vindas. Continuar seguindo é a meta que proponho tendo em vista que,

dialeticamente, tudo se transforma nada é imutável.

Finalizo este trabalho com um pensamento de Gandhi, o qual vem ao

encontro do meu pensar: “A alegria está na luta, no esforço e no sofrimento que a

luta envolve, e não na vitória em si”.

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APÊNDICES

APÊNDICE A - PLANEJAMENTO DO GRUPO FOCAL .........................................151

APÊNDICE B - ORÇAMENTO DO GRUPO FOCAL...............................................153

APÊNDICE C - PERGUNTAS PARA O GRUPO FOCAL .......................................155

APÊNDICE D - CONVITE .......................................................................................157

APÊNDICE E - ROTEIRO DE ATIVIDADES...........................................................159

APÊNDICE F - AMBIENTE .....................................................................................161

APÊNDICE G - ESCOLHA DO PSEUDÔNIMO (GRUPO FOCAL DE ALUNOS) ...164

APÊNDICE H - ESCOLHA DO PSEUDÔNIMO (GRUPO FOCAL DE

PROFESSORAS)............................................................................173

APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO......................................................175

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APÊNDICE A - PLANEJAMENTO DO GRUPO FOCAL

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PLANEJAMENTO DO GRUPO FOCAL

ASPECTOS CONSIDERAÇÕES Equipe Moderadora : Enfermeira L.S.

Pesquisadora : Marlene Harger Zimmermann Observado r: Psicólogo A.O. Auxiliar de pesquisa : Aluna S.

Orçamento R$215.00(coquetel; crachás, fotocópias, lembrança, fita, etc) Moderadora Enfermeira Mestre: L.S.

Nível de envolvimento : alto Grupo Tamanho : 8 pessoas

Número de moderadores : 1 Composição: alunos do curso de Enfermagem do CESCAGE que atuam na área da saúde (enfermagem) Número : uma reunião única Critérios de seleção dos participantes : exerçam atividade profissional e tenham cursado a disciplina de Bioética em Enfermagem.

Conteúdo Roteiro de entrevista : definição da temática definição das questões

Seleção do local e coleta de dados

Sala: salão de festas do Edifício Mon Blanc (Xavier da Silva, 440), em Ponta Grossa, PR. Gravação : uso de três gravadores portáteis.

Convite Será realizada lista dos possíveis participantes com número de telefone. Posteriormente, será realizado previamente pela pesquisadora, contato telefônico com os alunos. Após o aceite em participar da pesquisa, será entregue o convite pessoalmente pela mesma.

Cronograma Planejamento: duas semanas com tempo de duas horas onde foram trabalhados: a temática, os participantes, divisão das atividades, metodologia de trabalho. Condução : uma semana: recrutar os participantes a realizar a reunião. Transcrição: quatro semanas: transcrever, tratar os dados e realizar primeiras análises.

Condução da sessão Lista com o material a ser utilizado nas reuniões Coquetel no início da sessão e entrega dos crachás aos participantes. Atividade de descontração dos participantes e eleição do pseudônimo Apresentação da técnica (Grupo focal) Apresentação dos participantes Desenvolvimento da temática Síntese final Agradecimentos

Análise Transcrições : responsável: pesquisadora e auxiliar de pesquisa. Tratamento dos dados : responsável: pesquisadora. Análise: responsável: pesquisadora, utilizando a técnica de análise de conteúdo.

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APÊNDICE B - ORÇAMENTO DO GRUPO FOCAL

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ORÇAMENTO PARA A PESQUISA

Para a pesquisa serão utilizados: a) Equipamento : Valor 3 gravadores portáteis (não terão custo devido empréstimo) 8 pilhas alcalinas R$ 7,10 b) Material de expediente: Valor 16 crachás R$ 8,00 4 fitas cassete de 90 minutos R$ 15,00 8 canetas pilot color R$ 4,50 16 envelopes tamanho médio para convites R$ 5,20 100 folhas de papel A4 R$ 5,00 1 tubo cola de 50gr R$ 1,70 1 cartucho de tinta preta remanufaturado R$ 25,00 c) Coquetel: Valor 6 refrigerantes R$ 11,40 Salgados R$ 25,00 Doces R$ 18,50 d) Diversos Valor 16 chocolates (lembrança para sujeitos da pesquisa) R$ 22,00 1 lembrança para moderadora R$ 15,50 1 lembrança para observador R$ 18,00 1 lembrança para auxiliar de pesquisa R$ 14,00 20 telefonemas R$ 20,00 ________________________________________________________________ Total R$ 215,90

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APÊNDICE C - PERGUNTAS PARA O GRUPO FOCAL

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PERGUNTAS PARA O GRUPO FOCAL DE PROFESSORAS

1) Fale um pouco sobre sua experiência profissional como enfermeira e docente. 2) O que você entende por assistência humanizada? De que forma que ela se

concretiza na prática? 3) E na formação do enfermeiro como ela acontece durante o curso? Ela está

presente durante o curso? Em que momento? Em uma disciplina, nas várias disciplinas? Como um tema transversal?

4) Os professores que trabalham com você abordam aspectos que envolvem a humanização na realização de atividades práticas e/ou teóricas na formação do profissional enfermeiro? Como?

5) Ao trabalhar com a disciplina de Bioética e/ou Fundamentos de Enfermagem quais foram os pontos fundamentais que você abordou? Por quê?

6) Para ajudar o futuro profissional a realizar atividades que envolvam um cuidado humanizado, o que você considera importante?

7) Após este período de discussão, nós gostaríamos que cada uma de vocês fizesse uma declaração final sobre o tema formação humanizada do enfermeiro.

8) Para finalizarmos, vocês poderiam nos dizer se nós esquecemos de abordar algo ou se vocês têm algum conselho para nos dar?

PERGUNTAS PARA O GRUPO FOCAL DE ALUNOS

1) Fale um pouco sobre sua experiência como profissional e acadêmico de enfermagem.

2) O que você entende por formação humanizada, no curso de Graduação em enfermagem?

3) Os professores do curso de graduação em enfermagem demonstram interesse e preocupação com os aspectos que envolvem a humanização na realização de atividades práticas e/ou teóricas? Como?

4) E na formação do enfermeiro como ela acontece durante o curso? Ela está presente durante o curso? Em que momento? Em uma disciplina, nas várias disciplinas? Como um tema transversal?

5) A disciplina de Bioética em Enfermagem pode contribuir para uma assistência humanizada? De que forma?

6) Para ajudar o futuro profissional a realizar atividades que envolvam um cuidado humanizado, o que você considera importante?

7) Em sua opinião está presente no curso de enfermagem a preocupação com o atendimento humanizado?

8) Após este período de discussão, nós gostaríamos que cada um de vocês fizesse uma declaração final sobre o tema formação humanizada do enfermeiro.

9) Para finalizarmos, vocês poderiam nos dizer se nós esquecemos de abordar algo ou se vocês têm algum conselho para nos dar?

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APÊNDICE D - CONVITE

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CONVITE PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA

Estou realizando uma pesquisa sobre a Contribuição da disciplina de Bioética na formação do profissional enfermeiro para um cuidado humanizado. Esta pesquisa é uma das etapas da dissertação do Mestrado em Educação realizado na PUC-PR. Convido você para fazer parte do grupo focal, sendo este um método de coleta de dados muito utilizado nas pesquisas da área da saúde. Sua participação é muito importante para a realização desta dissertação. Será mantido sigilo das informações obtidas. Agradeço a sua colaboração. Aguardo você para a reunião do grupo que acontecerá no dia 19 de novembro (sábado), às 09h00min no seguinte local: Rua Xavier da Silva, 440, apto 11. Salão de Festas. Edifício Mon Blanc (Ponta Grossa - Centro). Perto da UEPG. Marlene Harger Zimmermann Pesquisadora

Fone: 3243-8819 / 91021274

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APÊNDICE E - ROTEIRO DE ATIVIDADES

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ROTEIRO DE ATIVIDADES DO GRUPO FOCAL

LOCAL: Salão de Festas do Edifício Mon Blanc DATA: 19/11/05 INÍCIO: ................. TÉRMINO:....................

1) Organização da sala e da dinâmica 2) Acolhimento dos sujeitos da pesquisa: a) elaboração de crachá, b) preenchimento de dados dos sujeitos da pesquisa 3) Técnica para descontração e para eleição do pseu dônimo. 4) Explanação sobre a técnica a) breve apresentação dos tópicos de discussão b) o que vem a ser a técnica, c) utilização do gravador, d) importância de todos participarem, e) evitar conversas paralelas f) desligar celular g) orientar sobre local dos sanitários e que serão servidos lanches durante a

técnica. 5) Função do: Orientador: integrar o grupo e manter as discussões do tema central. Observador: terá uma postura neutra e fará os registros de forma mais fiel possível. 6) Objetivo : reflexões referentes ao tema humanização na formação do

profissional enfermeiro, sob o ponto de vista dos acadêmicos. 7) Assinar Lista de presença

8) Assinar Termo de consentimento livre e esclareci do

9) Apresentação dos participantes a) nome, b) período e turno que estuda c) local onde trabalha d) profissão que possui e) tempo que está na área de enfermagem. 10) Início das perguntas norteadoras. 11) Início das perguntas finais

12) Síntese dos principais temas abordados

13) Agradecimento (entrega de brinde).

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APÊNDICE F - AMBIENTE

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APÊNDICE G - ESCOLHA DO PSEUDÔNIMO (GRUPO FOCAL DE ALUNOS)

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APÊNDICE H - ESCOLHA DO PSEUDÔNIMO (GRUPO FOCAL DE PROFESSORAS)

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APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu,______________________________________, RG nº__________________,

estou sendo convidada (o) a participar de um estudo denominado: “A Bioética na formação do profissional enfermeiro: contribuições para um cuidado mais humanizado?”, cujo objetivo é verificar a contribuição da disciplina de Bioética na formação do profissional enfermeiro em um cuidado humanizado.

Sei que para o avanço da pesquisa a participação de voluntários é de fundamental importância. Caso aceite a participar desta pesquisa, participarei de reuniões onde serão realizadas reflexões sobre aspectos da formação do profissional enfermeiro bem como sua prática.

Estou ciente de que as reuniões serão gravadas e seus resultados, bem como a minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome, ou qualquer outro dado confidencial, será mantido em sigilo. A elaboração final dos dados será feita de maneira codificada, respeitando o imperativo ético da confidencialidade.

Estou ciente também de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, sem sofrer qualquer dano.

A pesquisadora envolvida com o referido projeto é a enfermeira e docente Marlene Harger Zimmermann com quem poderei manter contacto pelos telefones: 3243-8819 ou 9102-1272. Estão garantidas todas as informações que eu queira saber antes, durante e depois do estudo.

Li, portanto, este termo, fui orientada (o) quanto ao teor da pesquisa acima mencionada e compreendi a natureza e o objetivo do estudo do qual fui convidada (o) a participar. Concordo, voluntariamente em participar desta pesquisa, sabendo que não receberei nem pagarei nenhum valor econômico por minha participação.

___________________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa ___________________________________ Assinatura do pesquisador