PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …...À Comadre Danta e o Compadre Ratinho conterrâneos...
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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
ANTONIA MARCIA ARAUJO GUERRA URQUIZO VALDIVIA
OS DESAFIOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO A ÁGUA NO
SEMIÁRIDO DA CAATINGA DO SERTÃO CENTRAL CEARENSE
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2012
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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
ANTONIA MARCIA ARAUJO GUERRA URQUIZO VALDIVIA
OS DESAFIOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO A ÁGUA NO
SEMIÁRIDO DA CAATINGA DO SERTÃO CENTRAL CEARENSE
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca
examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Serviço Social, sob orientação da
Professora Doutora Maria Carmelita
Yazbek.
SÃO PAULO
2012
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BANCA EXAMINADORA
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DEDICATÓRIA
Aos intelectuais orgânicos que contribuem para a
construção de uma outra história da
humanidade, sujeitos e sujeitas que expressam
indignação com a “esculhambação social”, e que
caminham pelas trilhas das possibilidades, como
os agricultores e agricultoras itatirenses, ao
procurar estratégias para superar a fadiga em
tempos difíceis no inesquecível amado sertão.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Francisco Eliseu Guerra (in memorian) e Antonieta de Araújo Guerra
(Dona Antonieta), por acreditarem e me incentivarem a buscar o conhecimento
cientifico enquanto ferramenta de transformação social.
As minhas filhas Marianinha e Vivi por cotidianamente serem solidárias com o meu
crescimento em todas as dimensões, meninas comprometidas com a vida e a esperança.
São simplesmente lindas e fraternas!
A minha amiga e companheirinha das minhas filhas Lili (Eliene dos Santos) Professora
Baiana que dedica parte da sua vida para nos ensinar a viver e a conviver. Sem ela era
impossível realizar não apenas este trabalho, mas a dinâmica da vida cotidiana.
Aos meus irmãos e familiares pelo convívio e solidariedade na prática, inclusive com a
construção desta pesquisa - Marcelo, Maria do Carmo, João Paulo, Pedro Paulo, Neula,
Dudu, Gabrielle, Ernando, Viviane, Lara, Yves, Valter (im memorian), Sandra, Roberto,
Rian, Sany e Rany.
À minha companheira política, professora Maria Stela Santos Graciani, coordenadora
do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC/SP, que me incentivou historicamente a
fazer serviço social e a seguir na pesquisa cientifica, bem como me oportunizou a
exercer a minha profissão por meio da formação, pesquisa, participação social e
sistematização do conhecimento.
A minha linda orientadora Maria Carmelita Yazbek, pela solidariedade na construção do
conhecimento, não tem igual, ela é mansa, firme, assertiva e comprometida com a
construção do conhecimento científico. Verdadeiramente ela acreditou não só no meu
projeto, mas, sobretudo na minha capacidade humana.
A coordenação da Pós Graduação do Serviço Social professora Raquel Raichelis e
professora Yazbek pelo sério trabalho e dedicação nessa coordenação ao incentivarem
os pesquisadores a publicarem seus conhecimentos e ao mesmo tempo lutarem para que
esses sejam dinamizados na prática social. Esta intencionalidade política toda a
diferença!
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As queridas professoras que fizeram parte da minha Banca de Qualificação Rosalina
Santa Cruz Leite, Mariângela Belfiore Wanderlei e Carmelita Yazbek ao acolherem
com tanto carinho a minha história de vida apresentada no memorial e também pelas
assertivas orientações que deram subsídios estruturais para a continuidade da
dissertação.
Aos meus professores que tive a oportunidade de conviver e aprender no período de
mestrado – Luiz Eduardo Wanderlei, Marco Aurélio Nogueira, Lucia Barroco, Maria
Lucia Rodrigues, Carmelita Yazbek, Mariângela Belfiore, Carola Carbajal Arregui; José
Paulo Neto; além das trocas e alegrias ao dialogar com Maria Lucia de Carvalho e
Maria Lucia Martinelli.
A Vânia e Carlos da Secretaria de Pós graduação em Serviço Social, pela paciência e
correria, são parceiros dos pesquisadores e orientadores garantem não somente os
prazos acadêmicos, mas o compromisso como parte fundamental para se alcançar o
sucesso na pesquisa.
À Comadre Danta e o Compadre Ratinho conterrâneos itatirenses, que muito me
ajudaram a colocar a lata d‟água na cabeça e a suportar tamanho peso na trajetória tão
longínqua – meus amigos e companheiros de Açude Chico Gomes.
Aos intelectuais orgânicos envolvidos nesta pesquisa, que contribuíram
significativamente para a realização de uma análise crítica e propositiva sobre a
construção do caminho em busca das águas – Claudia Guerra (Secretária Municipal de
Agricultura e Recursos Hídricos de Itatira), Antonio Saturnino – TIO (Associação dos
Usuários de Água e Esgoto de Lagoa do Mato) Antonio Anatércio (e todos os
presidentes que compõem a Federação das Associações Comunitárias do Município de
Itatira). O vereador Jacson Guerra e Ari Sales (Membros da Associação de Lagoa do
Mato – infelizmente dado o tempo exíguo de conclusão da pesquisa não foi possível
entrevistá-los “oficialmente”, conforme o previsto. No entanto, fiz conversas
articulatórias). Agradeço ainda pelas contribuições nas articulações para o
desenvolvimento desta pesquisa, o vereador Ci do município de Quixadá, o Padre
Arruda da Paróquia Menino Deus de Itatira, Maria Nazaré Sales (Subsecretária de
Saúde do Município de Itatita) e Bráulio Guerra Ex-secretário de Agricultura do
Município de Itatira.
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Ao Carlos Simão coordenador do Projeto Pingo D‟água, grande homem corajoso na luta
pela democratização do acesso a água no Sertão. Trouxe para a agricultura familiar uma
esperança viva e viável de irrigação comunitária, a partir da construção de poços
aluviários. Imprescindível Tecnologia Social no enfrentamento da seca do semiárido
nordestino.
Ao João da mata fotografo e pesquisador popular do sertão cearense, que me
“presenteou” um livro de 1914 de autoria do Dr. Arão e os três tomos da bibliografia de
Celso Furtado, leituras fundamentais no desenvolvimento da pesquisa.
Ao Dr. Antonio Claudio Ferreira Lima Ex-Secretário de Planejamento do Estado do
Ceará e José Alberto de Almeida do DNOCS/CE – muito contribuíram para que eu
tivesse acesso aos documentos oficiais relacionados à política da água.
As minhas amigas (profissionais e companheiras): Graziela Graciani, Juliana Graciani e
Analdeci Moreira pelo investimento histórico na construção de todos os aspectos da
minha vida. Mulheres porretas que não medem esforços para construir um outro mundo
possível.
Aos profissionais, companheiros (educadores) de NTC-PUC/SP que contribuíram
diretamente com a minha pesquisa de mestrado - Silvestre Rodrigues pela competência
nas discussões e sugestões teóricas, a Rosangela Eugenia pelo tratamento dos mapas,
Carla Casado pelas dicas artísticas, Sebastião Flavio e Rafael Werblowsky pelas
inúmeras traduções do inglês para o português. Aos profissionais; Denise Bastos, Vilma
Maciel, Carlos Dutra e Tiziu pelas correrias nas digitações e nos socorros quando o
computador “dava pau”. A Graça e ao Arnaldo pela solidariedade na prática, no sentido
mais amplo da palavra e a Berna pelos incentivos.
As meninas animadas e inteligentes do mestrado e doutorado que conviveram, parte de
suas vidas, embora que pequena, comigo – Janice, Elaine, Ana Paula, Maria Carolina,
Alessandra Genu, Luziene, Dora, Conceição, Maria José.
A Lucivania Sales por me ajudar a virar a noite digitando, além de fazer chás noturnos
para enfrentar o cansaço que tomava conta do corpo e da mente.
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Aos meus amigos Gustavo Cherumbine, Soares da Silva e Edilson Santana por me
levarem para a luta da socioeducação libertadora e também para a participação social,
principalmente na política da água.
Aos intelectuais orgânicos que construíram o Fórum da Cidadania do município de
Itatira: Raimundo Júnior (in memorian) Nazaré Sales, Bráulio Guerra, Carlos Simão, Zé
Galdino, Ari Sales, Vereador Eliseu, Zé Luis, Chico Jucá e Zé Humberto, todos foram
essenciais em prol da construção do caminho das águas.
Aos homens porretas da justiça cearense – Dr. Francisco Gomes Câmera (Promotor de
Justiça) e Dr. Duarte Pinheiro (Juiz de Direito) por exercerem as suas funções sociais
com competência, seriedade e transparência. Homens que lutam pela justiça não para o
povo, mas sim com o povo, para enfrentar a bandalheira da corrupção do dinheiro
público.
Ao professores do PROCAM-USP que muito favorecem a criação de espaços para a
produção científica e troca de saberes entre diversos pesquisadores do mundo – Dr.
Arlei Benedito Macedo, Ana Paula Fracalanza, Wagner da Costa Ribeiro e Pedro
Jacobi.
As instituições públicas ANA, DENOCS e COGERH, que me acessaram uma serie de
documentos necessários ao desenvolvimento desta pesquisa, sem nenhum tipo de
burocracia. Ao contrário, do que muitos pensam, essas instituições produzem em larga
escala conhecimento técnico-científico e colocam a serviço da pesquisa e da política
pública todo seu arsenal.
Ao CNPq por subsidiar esta pesquisa-ação, não somente financeiramente na medida em
que me possibilita acessar novos conhecimentos e culturas por meio de livros, revistas,
congressos, encontros e seminários.
A Fundação Banco do Brasil, especialmente ao Marcos Fadanelli Ramos que me
propiciou a contribuir com a construção do livro: “Educadores Sociais: a Importância da
Formação na Implementação de Tecnologias Sociais”. E também a Vanilza Cipriano
pela realização de um dos mais lindos e competentes projetos do Brasil - Projeto Olhos
N‟água.
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A força que nunca seca
Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mais do que o corpo dita
Que faz o equilíbrio cego
A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta
Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força que nunca seca
Pra água que é tão pouca.
Chico César/Vanessa da Matta
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LISTA DE SIGLAS
ANA Agencia Nacional das Águas
AUAELM Associação dos Usuários de Água e Esgoto de Lagoa do Mato
CAGECE Companhia de Água e Esgoto do Ceará
CAPES Coordenadoria Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CE Ceará
CMA Conselho Mundial da Água
CNRH Conselho Nacional dos Recursos Hídricos
COGERH Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
CONERH Conselho Estadual de Recursos Hídricos
CRH Conselhos de Recursos Hídricos
DNH Divisão Hidrográfica Nacional
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
ECO/92 Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
FACMI Federação das Associações Comunitárias do Município de Itatira
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FMA Fórum Mundial da Água
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
IOCS Instituto de Obras Contra a Seca
IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
LACEN Laboratório Central de Saúde Pública
NTC-PUC/SP
Núcleo de Trabalhos Comunitários da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo
OMM Organização Metereológica Mundial
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PMI Prefeitura Municipal de Itatira
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PUC Pontifícia Universidade Católica
PNRH Plano Nacional dos Recursos Hídricos
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PROCAM/USP Programa de Ciências Ambientais da Universidade de São Paulo
SIGERH Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos
SISAR Sistema de Abastecimento Rural
SMARH Secretaria Municipal de Agricultura e Recursos Hídricos
SNGRH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SP São Paulo
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
TC Tecnologia Capitalista
TS Tecnologia Social
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Distribuição das águas na Terra 46
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LISTA DE TABELA
Tabela 1 Distribuição da água doce superficial (Mundo, América e
Brasil)
47
Tabela 2 A distribuição de água no Brasil por Bacias e Sub-Bacias 48
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Biomas Brasileiros 38
Mapa 2 Desvios negativos e positivos de chuvas nas regiões
hidrográficas
44
Mapa 3 Situação hidrográfica do Estado do Ceará 49
Mapa 4 Situação hídrica do distrito de Lagoa do Mato – Itatira/CE 52
Mapa 5 Divisão Hidrográfica Nacional 60
Mapa 6 Comitês de Bacias Hidrográficas do Estado do Ceará 61
Mapa 7 Bacia Hidrográfica do Banabuiu 62
Mapa 8 Bacia Hidrográfica do Curu 63
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Reunião do Fórum de Cidadania do Município de Itatira/CE 21
Figura 2 Água compartilhada entre homens e animais 28
Figura 3 Mulher carregando água na cabeça e nos braços 36
Figura 4 Ciclo da água na Terra 42
Figura 5 Fotografia translunar da Terra em 7 de setembro de 1972 43
Figura 6 Abastecimento de carro-pipa em açude 51
Figura 7 Crianças e adolescentes em busca das águas 67
Figura 8 A guerra pela água na Bolívia 76
Figura 9 Carregamento de água em jumento 77
Figura 10 Mulher com crianças carregando água 87
Figura 11 Tecnologia Social: construção de poços aluviários 118
Figura 12 Tecnologia Social: sistema de abastecimento de água
comunitária
120
Figura 13 Cisterna do Programa “Água Para Todos” do Governo
Federal
121
Figura 14 Tecnologia Social: produção de frutas, a partir do sistema de
irrigação comunitário
130
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RESUMO
Esta dissertação traz importantes elementos constitutivos de análise crítica sobre
os desafios para a democratização do acesso à água potável no semiárido da caatinga do
sertão central cearense, ao defender veementemente que a “seca nordestina” (falta
d‟água) não é um fenômeno meramente ambiental, e sim uma das expressões cabais da
Questão Social.
Para isso, a Teoria Social Marxista embasa a estrutura do desenvolvimento
desta pesquisa, na medida em que coloca os conflitos pela água como inerentes ao
sistema capitalista. Tem em sua base a exploração e a dominação, tanto dos
trabalhadores como também de toda a riqueza natural.
A argumentação teórico-metodológica sobre o estudo em questão é sustentada
por diversos pilares, imprescindíveis para a construção desta dissertação desenvolvida
por meio de quatro capítulos:
1) CONJUNTURA POLÍTICA DA ÁGUA trata do histórico e distribuição da
água na Terra, bem como da gestão política da água, a partir dos comitês de bacias
hidrográficas, Fórum Mundial da Água e dos conselhos de recursos hídricos, além de
problematizar o papel atual do Conselho Mundial da Água na comercialização da água.
2) A ÁGUA ENQUANTO MERCADORIA NO SISTEMA CAPITALISTA
aborda as facetas do sistema capitalista na expropriação da água para torná-la
mercadoria e traz ainda a democracia capitalista da água, sobretudo a ofensiva do
projeto neoliberal na América Latina – “A guerra pela água e pela vida”.
3) A INVENÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO traz elementos para se
analisar a formação sócio-histórica do espaço brasileiro, especialmente a Região
Nordeste, resultado de pacto nacional numa intrínseca relação resistência-dominação;
campo-cidade e desenvolvimento-subdesenvolvimento; tempo-espaço. Discute ainda os
encontros e desencontros na “seca” nordestina, uma visão crítica sobre a
heterogeneidade do DNOCS.
4) O CAMINHO EM BUSCA DAS ÁGUAS apresenta a ética como parte
estrutural da dinâmica sócio-histórica, construída numa disputa de poder, configurada
pelos contraditórios interesses das classes sociais, além de socializar iniciativas contra-
hegemônicas tendo como perspectiva a democratização do acesso à água.
Considera-se ainda a importância desta pesquisa, não somente para o município
de Itatira/CE (terra natal da autora), ao colocá-lo como importante no cenário da
hidrografia nacional, mas para compor as discussões inerentes à contribuição do Serviço
Social na luta pela democratização do acesso à água.
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ABSTRACT
This dissertation presents in itself important components of critical analysis about the
challenge of democratization of the access to potable (drinkable) water at the seminar of
the central wild drought and arid region of caatinga, in the state of Ceará, when
defending with grate enthusiasm that the fact of “northeastern drought” (lack of water)
is not a simple environmental phenomenon but it is, in truth, one of the most complete
expressions (utterances) of the social question.
To this, the social Marxist theory, takes as base the structure of development of this
research the way that put the conflicts for water as part of the capitalist system. It is
based on the exploration and domination, either, from the employees and of the natural
richness.
The theorethical methodological argumentation about the present study is supported by
various pillars indispensable for the construction of this dissertation developed (divided)
into four chapters:
1) POLITICAL CONJUNTURE OF THE WATER
It deals with the historic and distribution of water on the earth (ground), and also, the
political management of the water, starting from the commitees of hydrographical
basins, the world forum of the water and of the counsels of hydric resources, beside of
problemize the current role of the world council of water in the commercialization of
the water.
2) THE WATER AS MARCHANDISE (COMODITY) IN THE CAPITALIST SYSTEM
It discusses aspects of the capitalist system in the expropriation of the water to
transform it into merchandise and yet exposes the capitalist democracy of the water,
mainly the offensive of the neo-liberal project in Latin America. “The war for water and
for the life”.
3) THE BRAZILIAN NORTHEAST INVENTION
It brings elements to analyse the socio-historical formation of the brazilian space in
special the north-eastern Region, resultant of a national pact in intrinsical resistence-
domination relation, country-city, and development-subdevelopment.; time space. It
discusses yet the agreements and divergencies, respecting the North-eastern drought
(seca) a critical vision about the heterogeneous condition of DNOCS.
4) THE WAY OF LOOKING FOR WATER
It shows the ethics as the structural part of the socio-historical dynamics emerged from
the dispute to power, configured by the conflicting interests of the social classes,
besides socialize antihegemonical, iniciatives, having as perspective the democratization
of the water. Jet this reseach is regarded, of importance, not, only for the municipality of
Itatira/CE (birth-place of the author) but, when taking in account the national
hydrographical scenary making part of the discussions inherent to the social-service
contribution, in the effort for the democratization of the access to water.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 20
CAPÍTULO I
1. CONJUNTURA POLÍTICA DA ÁGUA............................................... 37
1.1. Histórico da água na Terra......................................................................... 39
1.2. Distribuição da água na Terra.................................................................... 45
1.3. Gestão política da água.............................................................................. 53
CAPÍTULO II
2. A ÁGUA ENQUANTO MERCADORIA NO SISTEMA
CAPITALISTA........................................................................................
63
2.1. A água enquanto mercadoria...................................................................... 64
2.2. A democracia capitalista da água............................................................... 70
CAPÍTULO III
3. A (RE)INVENÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO.......................... 79
3.1. Formação política da Região Nordeste....................................................... 79
3.2. Caminho e descaminho no enfrentamento da “seca” nordestina................ 88
CAPÍTULO IV
4. O CAMINHO EM BUSCA DAS ÁGUAS.............................................. 93
4.1. Atuação social na esfera da política: tensão e possibilidade no
movimento resistência-dominação para a democratização do acesso a
água............................................................................................................
94
4.1.1. A importância da política............................................................................ 94
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4.1.2 Em defesa da democracia participativa...................................................... 99
4.2. A interlocução do saber técnico-científico com o saber popular: um
movimento ético-político imprescindível à democratização do acesso a
água............................................................................................................
102
4.2.1. Diferentes éticas na construção do conhecimento...................................... 103
4.2.2. A importância do intelectual orgânico....................................................... 107
4.3. Pressupostos da concepção de educação socioambiental numa
perspectiva sócio-histórica..........................................................................
112
4.4. A relevância de Tecnologias Sociais no enfrentamento da “seca” no
semiárido nordestino...................................................................................
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 121
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 131
GLOSSÁRIO.......................................................................................................... 138
ANEXOS................................................................................................................. 145
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INTRODUÇÃO
Enfim, achei que tinha chegado a hora
de fazer a minha grande viagem (...)
Passa por catinga e por serrotes;
por mata e cerrado,
por léguas de campos e alagados.
Dois rios se atravessam sempre secos no verão;
mas no inverno eles correm encachoeirados,
Essa é que era a referência importante (...)
(...) recuperar aquele chão que valia mais do que ouro,
com a sua água perene, com suas Terras frescas.
Trechos extraídos da obra Memorial de Maria Moura,
de Rachel de Queiroz
Esta dissertação de mestrado em Serviço Social, defendida na PUC/SP, traz
sistematizações que vão para além de cumprir exigências acadêmicas para a titulação de
mestre. Mostra, sobretudo, a paixão de uma intelectual orgânica, que se aproxima da
academia para melhor compreender as formas de injustiças que ocorreram na sua
trajetória de vida, sobretudo com a “falta de água” impondo à sua infância carregar lata
d‟água na cabeça por trajeto longínquo e, no auge da adolescência, o êxodo rural. Esta
condição lhe custou muito caro, na medida em que muitos dos seus direitos de criança e
adolescente foram violados.
Foi na formação em Serviço Social na PUC/SP (iniciada em 1994) que buscou
elementos profissionais (ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo) para
que, imbuída deste saber imprescindível, pudesse voltar a sua inesquecível Itatira/CE e
estabelecer diálogos com importantes segmentos sociais.
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Com este intuito, contribuiu com o movimento pela cidadania do município de
Itatira/CE, junto à Confederação das Associações Comunitárias, Ministério Público,
Conselho de Saúde, Políticos não corruptos, Poder Judiciário, Conselho de
Desenvolvimento Sustentável, com o apoio em especial dos cidadãos itatirenses e do
articulador da Política Regional do Governo do Estado do Ceará, que não aguentavam
mais os níveis de corrupção do Poder Executivo local. Portanto, resolveram criar o
Fórum da Cidadania (1997), que esta pesquisadora teve a honra de coordenar.
Figura 1– Reunião do Fórum da Cidadania do Município de Itatira/CE.
Fonte: Nazaré Sales de Oliveira. Acervo pessoal de Nazaré Sales de Oliveira, 1997.
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O Fórum da Cidadania discutiu várias problemáticas, mas destaca-se em
particular a luta pela água1, que se deu numa disputa de poder intensa: de um lado os
donos de empresas e políticos descomprometidos com o dinheiro público, que
teimavam em executar a obra de abastecimento de água de forma inadequada; de outro,
segmentos que integravam o Fórum da Cidadania denunciavam diversas mazelas
envolvendo a execução da obra de sede municipal. Esta disputa se configurou em
cenário público, o que permitiu debates populares de caráter ético-político, apontando
para os desafios da democratização do acesso à água. E graças às tentativas do Fórum
da Cidadania, o Governo do Estado do Ceará decidiu suspender a “obra ilegal” e criou
novos procedimentos para garantir a execução da obra, conforme estabelecido em
padrões previsto no projeto.
É neste contexto sócio-histórico que a formação profissional em Serviço Social
cria corpo e toma forma para a pesquisadora, pois “vê na prática” a importância do
movimento da práxis da Teoria Social apresentar como campo de mediação, que não se
dá apenas pelo conhecimento, mas também pela prática, que deve estar articulada com
princípios e valores de um projeto societário radical democrático, conforme indica o
atual Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais.
Portanto, a construção dessa dissertação “OS DESAFIOS PARA A
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À ÁGUA NO SEMIÁRIDO DA CAATINGA
DO SERTÃO CENTRAL CEARENSE” se realiza pelo movimento da práxis,
rompendo assim com a dicotomização entre teoria e prática – a teoria ainda é vista por
muitos como abstrata e a prática como campo de intervenção, apenas. Entretanto, uma
não se segura sem a outra: a teoria é a luz guiadora da prática, que é o espaço concreto
da ação, em que se imprimem convicções.
Outro fundamento ético da profissão basilar para o desenvolvimento desta
pesquisa foi a interdisciplinaridade, pois a análise crítica sobre os desafios para a
democratização do acesso à água se deu pela interlocução de saberes entre o Serviço
1 Diversas denúncias sobre a obra de abastecimento chegaram ao Fórum da Cidadania, das quais destacamos: canos usados fora do
padrão estabelecido no projeto; espessura e profundidade das canaletas, que não eram adequadas; atraso no pagamento dos
trabalhadores da obra; inexistência de um escritório local da obra, conforme previa o projeto; os poços artesianos não estavam dentro dos padrões estabelecidos no contrato, além da denúncia de subempreitagem da obra.
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Social com outras áreas do conhecimento, tais como: geologia, hidrologia, geografia,
economia, educação, sociologia, ciências políticas, antropologia, história, direito.
Nesse sentido Raicheles (2009: 377) defende que:
Ao contrário do que muitas vezes se considera, o trabalho
interdisciplinar demanda a capacidade de expor com
clareza os ângulos particulares de análise e propostas de
ações diante dos objetos comuns a diferentes profissões,
cada uma delas buscando colaborar a partir dos
conhecimentos e saberes desenvolvidos e acumulados
pelas suas áreas.
A “SECA” COMO UMA DAS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL2
Refletir a seca enquanto expressão cabal da Questão Social é negá-la como
sendo Questão Ambiental. Desta forma, é possibilitar uma análise crítica ante a disputa
pela água, especialmente no semiárido nordestino, pensado neste estudo não como
fenômeno isolado meramente ambiental, mas, sobretudo, dentro de uma dinâmica sócio-
histórica desencadeada pela hegemonia política do sistema capitalista.
Para aprofundar e justificar o debate em pauta, tem-se que conceituar antes de
tudo a terminologia Questão Social e Questão Ambiental. Para daí se intensificar a
discussão dos veios ideológicos e políticos, de como se deu e ainda se dá a invenção
enigmática da “seca” na região Nordeste.
2 QUESTÃO SOCIAL (NETTO, 2004:45-46) é concebida pelo desenvolvimento capitalista que produz,
compulsoriamente, a “questão social”. Portanto, a “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do
capitalismo.
Segundo Iamamoto (2004: 17), a “questão social” diz respeito ao conjunto das expressões das
desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do
Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria
atividade humana – o trabalho.
De acordo com Yazbek (2004:33), ao colocar a questão social [...], estou colocando a questão da divisão
da sociedade em classes, cuja apropriação da riqueza socialmente gerada é extremamente diferenciada.
Estou colocando em questão, portanto, a luta pela apropriação da riqueza social.
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A terminologia Questão Ambiental por si só se alimenta de concepções
conservadoras, na medida em que se coloca como matricial para responder aspectos
relacionados a impactos socioambientais. Com efeito, esta terminologia se apresenta
como categoria de análise da realidade socioambiental, o que contribui
significativamente para escamotear os conflitos de classes sociais, bem como no
encurtamento da análise crítica sobre o aviltamento socioambiental promovido pelo
modo de produção capitalista. Exemplo disso é a invenção social e política do famoso e
enigmático polígono das “secas” – o Nordeste brasileiro.
No campo de análise crítica, o que equivocadamente é chamada de Questão
Ambiental se configura apenas como uma das expressões cabais da Questão Social, pois
se trata da “falta de água” potável para as populações, problema que se atribui somente
a “secas” periódicas, e não à ausência de planejamento participativo integrado e a
democratização de investimento em tecnologias para captação de água de chuva,
extração de água subterrânea ou dessalinização de água salobra; e poluição das águas
subterrâneas e superficiais, dentre outros citáveis problemas socioambientais.
Para uma melhor compreensão, é imprescindível conceituar Questão Social, que
no pensamento de Netto (2004: 45-46) é concebida pelo desenvolvimento capitalista
que produz, compulsoriamente, a “questão social”. Portanto, a “questão social” é
constitutiva do desenvolvimento do capitalismo.
Para Iamamoto (2004: 17), a Questão Social diz respeito ao conjunto das
expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura,
impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da
produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho.
Acrescida da contribuição conceitual Yazbek ( 2004: 33) afirma que, ao colocar
a questão social [...], estou colocando a questão da divisão da sociedade em classes, cuja
apropriação da riqueza socialmente gerada é extremamente diferenciada. Estou
colocando em questão, portanto, a luta pela apropriação da riqueza social.
A partir da analise crítica sócio-histórica trazida pelos autores, é possível afirmar
que a terminologia Questão Ambiental, por mais crítica que venha a ser, ancora-se no
pensamento conservador. Quando essa terminologia aparece, por si só, se resume
equivocadamente como se fosse um “novo fenômeno”, e que este pouco tem a ver com
as contradições das classes sociais.
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25
Para Leff (2002: 62):
A problemática ambiental não é ideologicamente neutra nem é alheia
a interesses econômicos e sociais. Sua gênese dá-se num processo
histórico dominado pela expansão do modo de produção capitalista,
pelos padrões tecnológicos gerados por uma racionalidade econômica
guiada pelo propósito de maximizar os lucros e os excedentes
econômicos em curto prazo, numa ordem econômica mundial
marcada pela desigualdade entre nações e classes sociais.
Nesse âmbito, é preciso colocar a “questão ambiental” dentro de uma estrutura
sócio-histórica, podendo ser mencionada como uma das expressões perversas da
“questão social”, pois são inúmeras as mazelas socioambientais provocadas pela
(des)ordem do modo de produção do sistema capitalista.
Para muitos intelectuais, essa discussão central (Questão Social e Questão
Ambiental) trata-se apenas de um trocadilho de palavras, ou mais, de vaidades e de
empáfias acadêmicas, em que determinado pesquisador precisa se sobressair em relação
a outros para ter visibilidade na orla academicista. Mas atenção: no caso das questões
em debate, trata-se de categorias de análise da realidade, e se não enxergadas
criticamente, pode-se fortalecer um pensamento conservador com base alienadora, em
que se perca a noção do que é essencial – a “seca” como invenção histórica e política
demarcada por conflitos sociais e pela expropriação do capital pela riqueza natural e
pela riqueza social historicamente produzida.
CAMINHO PERCORRIDO
O desenvolvimento desta dissertação se realiza por meio da metodologia de
pesquisa-ação, definida por Thiollent (2007) ao dizer que este procedimento deve ser
utilizado quando os pesquisadores não têm intenção, apenas, de fazer levantamento de
dados ou de meros relatórios a serem arquivados, mas, ao contrário, querem que as
pessoas implicadas tenham “algo a dizer” e a “fazer”. Assim, os pesquisadores
pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados.
-
26
Assim, este trabalho é balizado pela metodologia de pesquisa-ação
fundamentada no pensamento de Thiollent (1996: 14), ao mencionar que a:
Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Para uma melhor compreensão do conceito de pesquisa-ação, devem-se buscar
as contribuições teórico-metodológicas de René Barbier e Michel Thiollent, conforme
indica Severino (120: 2008), ao definir que:
A pesquisa-ação é aquela que, além de compreender, visa intervir na
situação, com vistas a modificá-la. O conhecimento visado articula-se
a uma finalidade intencional de alteração da situação pesquisada.
Assim, ao mesmo tempo que realiza um diagnóstico e a análise de
uma determinada situação, a pesquisa-ação propõe ao conjunto de
sujeitos envolvidos mudanças que levam a um aprimoramento das
práticas analisadas.
Portanto, este trabalho se orienta numa perspectiva crítica e propositiva,
objetivando contribuir com a construção coletiva de um outro conhecimento, a partir da
interlocução do saber técnico-científico com o saber popular, propiciando, assim, novas
possibilidades que atentem para a importância de se discutir a água na esfera política,
inserida num cenário tenso e contraditório, configurado pela disputa entre os diversos
interesses das classes sociais.
Carece atentar-se para a metodologia utilizada neste trabalho, pois muitos
podem atrelar o exíguo espaço de tempo – 2 anos – com a efetividade da metodologia
em percurso, pesquisa-ação. Esta dúvida em relação ao processo metodológico foi
campo de estudo e até mesmo de preocupação em todos os espaços de orientação –
orientanda e orientadora e acrescido da pertinência do debate imprescindível na Banca
de Qualificação.
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27
Portando, o que guiou a determinação da metodologia foi o objetivo no qual se
deu o processo metodológico e os resultados construídos coletivamente, na medida em
que os procedimentos metodológicos propiciaram melhor compreensão da realidade,
bem como apontaram sugestões de intervenção tendo como perspectiva a
democratização do acesso à água no semiárido da caatinga do sertão central cearense.
Assim, os outros procedimentos metodológicos serviram de apoio para a
realização da pesquisa-ação, pois foram utilizadas a pesquisa participante, a pesquisa
bibliográfica, a pesquisa documental, a pesquisa de campo.
Nesta perspectiva é que se realizou este trabalho, que sem ser o único contribui
para a construção de novos rumos na caminhada coletiva com os diversos segmentos –
Subcomitê de Bacia Hidrográfica do Curu e do Banabuiú, Secretaria Municipal de
Agricultura Recursos Hídricos de Itatira/CE, Federação das Associações Comunitárias
de Itatira, Associação de Lagoa do Mato, Associação dos Usuários de Água e Esgoto de
Lagoa do Mato, Associação Comunitária de Contendas3, Associação de Lagoa do Mato
4
e conversa com o representante do projeto Pingo D‟água, que atua no Sertão Central,
dentre outros importantes atores sociais.
O objetivo da pesquisa é contribuir para a democratização do acesso à água
potável de qualidade no semiárido da caatinga do sertão central cearense, em especial
no município de Itatira/CE, a partir do envolvimento de distintos atores sociais5, que em
parceria com a pesquisadora são capazes de analisar as potencialidades e precariedades
da região, para juntos proporem sugestões de enfrentamento à “falta d‟água potável”,
num cenário tenso demarcado pela disputa de poder entre antagônicos interesses de
grupos sociais.
Este trabalho se desenvolveu a partir de diversos procedimentos metodológicos,
a saber: conversa telefônica; jantar político; envio de e-mail; reuniões; e roda de
conversa.
3 Associação Comunitária de Contendas – local rural onde nasci – sertão.
4 A Associação de Lagoa do Mato participou a partir de diálogos com o Ari Sales e uma conversa rápida
com o Jacson Guerra (em sua casa). Infelizmente não houve tempo hábil para entrevistá-los conforme
previsto no planejamento da pesquisa. Mas destaca-se o empenho e envolvimento dos participantes em
contribuir com este estudo. 5 Atores sociais – instituições, pessoas, movimentos sociais que podem integrar objetivos ou correlacionar
forças de acordo com seus interesses – uma das categorias de análise de conjuntura de Hebert de Souza
(Betinho),
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Estas estratégias possibilitaram a apresentação do projeto de pesquisa aos
participantes; identificação dos principais conflitos em torno da água no município de
Itatira, além do apontamento sobre os desafios para o enfrentamento do problema da
“falta de água potável”.
AVANÇOS E DESAFIOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À
ÁGUA
Figura 2 – Água compartilhada entre homens e animais
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=849728
O município de Itatira não participa oficialmente do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Banabuiú, sendo que a maioria de suas águas vão para
esta bacia.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp
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Disputa pelo abastecimento de água no distrito de Lagoa do Mato entre
duas associações comunitárias do município de Itatira: ALM –
Associação de Lagoa do Mato, AUAELM – Associação dos Usuários de
Água e Esgoto de Lagoa do Mato, SISAR e CAGECE.
Não há uma espécie de agenda pública no município para discutir
sistematicamente as disputas pela apropriação da água advinda do
entrave entre os distintos interesses de grupos sociais. Embora se
reconheçam algumas iniciativas em determinados momentos de “crise”
entre prefeitura, sociedade civil e outros órgãos públicos estaduais e até
nacional, que é o caso do Exército Brasileiro.
Conflitos entre CAGECE e proprietários de terras para a perfuração de
poços artesianos em cima da serra, pois existem duas “necessidades”
alegadas: o abastecimento de água na sede de Itatira exige
obrigatoriamente, por parte da CAGECE, a ampliação de poços para
suprir a carência de água, caso contrário o sistema de abastecimento
entrará em colapso. De outro lado, os proprietários de terra alegam que,
se abrirem poços para extrair águas subterrâneas em proporções altas,
poderá baixar significativamente a área de recarga de água da serra, o
que afetari, sobretudo a produção de banana-prata.
Acesso insuficiente à água potável pelos trabalhadores rurais, pois houve
reivindicação por parte das lideranças integrantes da Confederação das
Associações Comunitárias do Município de Itatira/CE junto ao Exército
Brasileiro, pedindo maior atenção para ampliar imediatamente a
distribuição de águas nas “Comunidades Rurais”, considerando que o
volume de distribuição estava sendo insuficiente para todas as famílias
inscritas no Programa Água para Todos.
O Sistema de Abastecimento de Água do distrito de Lagoa do Mato traz
dois problemas: não atende universalmente a demanda e ainda não
existem mecanismos sociais para integrar ao sistema aqueles que não
podem pagar pelos serviços. Ademais, existe alto consumo de água,
sobretudo pelas construções civis, irrigação, lava-rápido e desperdiço de
água no consumo doméstico.
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30
As cisternas construídas pelo Programa Água Para Todos do Governo
Federal se colocam fundamentais para compor ações de enfrentamento à
“falta de água” pela captação de água de chuvas, no entanto, o município
precisa considerar os seguintes aspectos: as cisternas deste programa
atendem apenas a zona rural; o número de cisterna é pouco, se
relacionado à demanda e este reservatório requer a captação de água de
chuva, o que nem sempre é sistemático devido à escassez de chuvas na
região.
Conflitos estabelecidos entre governo, empresas, movimentos sociais e
universidades, devido à “extração de urânio”, na medida em que a maior
jazida do Brasil de rochas fosfáticas encontra-se na região. E Itatira será
um dos municípios mais impactados, além das bacias hidrográficas que o
compõem.
Soterragem e erosão nas nascentes dos rios impactam diretamente na
vazão de água nas bacias hidrográficas do Curu e do Banabuiú, além da
diminuição da metragem de água nos principais açudes do município.
A falta de monitoramento sistemático no controle da qualidade da água é
um forte indicador para o abastecimento do município de Itatira, embora
se reconheçam esforços já realizados pela Secretaria Municipal de
Agricultura e Recursos Hídricos, em parceria com a CAGECE, ao
realizarem um estudo sobre a qualidade dos principais reservatórios de
água do município – Açudes João Guerra, Oiticica, Suçuarana e São
Joaquim.
Alta inadimplência da população em relação ao pagamento dos serviços
prestados no abastecimento de água pelo SISAR e pela AUAELM, o que
ocorre por dois aspectos: o baixo poder aquisitivo financeiro de alguns
usuários e pela não cultura de outros em pagar pelos serviços prestados.
A distribuição de água realizada por meio de carro-pipa, muitas vezes
chega nos reservatórios domésticos à deriva, sem controle sistemático de
qualidade no percurso de seu trajeto (do açude aos potes, filtros,
cisternas, tanques) ou tratamento adequado para o consumo humano.
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31
Embora também se reconheçam esforços para enfrentar este problema
por meio de ação feita em parceria entre PMI, Laboratório LACEM,
Exército Brasileiro e CAGECE.
Ampliação do Açude João Guerra e tratamento adequado de esgoto do
espaço urbano, para que não polua os mananciais.
Construção de aterro sanitário com tratamento adequado, além da
implantação de coleta seletiva.
Implantação efetiva do Projeto Caminho das Águas desenvolvido pelo
Governo do Estado do Ceará.
Construção da Adutora do Açude em Umari, no Município de Madalena,
para bombear água para o distrito Lagoa do Mato.
Estes avanços e desafios relacionados acima foram apenas aqueles
citados no decorrer da pesquisa, o que não significa a inexistência de
outros.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: OBSERVATÓRIO SOCIOAMBIENTAL DA
ÁGUA
A “falta de água” potável não ocorre apenas em Itatira/CE, mas também na
região, daí a necessidade de se agregar esforços para dar continuidade ao levantamento
de problemas e potencialidades, bem como construir intervenções socioambientais
participativas, pois a realidade em que se insere este problema é múltipla e complexa.
Esse problema se agrava ainda mais com o escamoteamento dos conflitos advindos dos
diversos interesses de grupos sociais, o que aparentemente nos levar a crer que todos os
nordestinos querem a democratização da água potável, independentemente de sua
condição social, o que é um equivoco no campo de análise, pois as contradições das
classes sociais geram, dentre outras coisas, o não acesso à água potável.
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Não existe um receituário pronto e acabado para se destacar com precisão o que
deve ser feito para se garantir a democratização do acesso à água potável. Pois este
objetivo não requer apenas uma forma de intervenção, ao contrário, impõe aos
governos, movimentos sociais, intelectuais, políticos, entidades sociais, uma certa
atenção para a incompletude de políticas públicas e tecnologias sociais aplicadas com
vistas a solucionar o problema. Em outras palavras, não existe “a boa”; o que existe são
ações que devem se integrar e serem repensadas a partir das peculiaridades de cada
hidrografia.
Portanto, este Trabalho de Mestrado, sem ser o único, vem contribuir para
integrar o movimento de avanços e desafios constituído historicamente pelo Estado do
Ceará, pois são muitas as contribuições deste Estado, inclusive no cenário nacional, ao
protagonizar a legislação estadual dos recursos hídricos, trazendo na sua gênese a
principiologia da Constituição Federal de 1988, acrescido do experimento da criação do
Comitê de Bacia Hidrográfica do Curu, além dos distintos movimentos sociais que
lutam incessantemente pela democratização do acesso à água, que sem serem os únicos,
pode-se citar – Pastoral da Terra e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,
além de organizações da sociedade civil que desenvolvem tecnologias sociais de alta
relevância para se enfrentar os problemas observados, como a ASA – Articulação do
Semiárido, que dentre outras lutas, propalou a campanha de “um milhão de cisterna”. E
pode-se citar também a importância do Projeto Pingo D‟Água, que traz como elemento
fundante a democratização da água do subsolo por meio da construção de poços
aluviários, para que os agricultores tenham acesso ao sistema de abastecimento de água
doméstica e também se possa potencializar, por meio de irrigação, a agricultura
familiar.
É nesse sentido que o processo participativo da construção desta pesquisa aponta
para a necessidade de se criar um espaço potencializador capaz de produzir mecanismos
políticos participativos a fim de socializar experiências desenvolvidas em tecnologias
sociais, apontar projetos para que sejam gestados no âmbito das políticas públicas;
promover ações integradas que tenham por objetivo central a democratização do acesso
à água no município de Itatira/CE, além de incentivar os diversos segmentos a participar
nos espaços democráticos de construção de políticas e fortalecer as reivindicações
coletivas, tais como:
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1. Potencializar a participação pública dos distintos atores sociais
envolvidos com a problemática da “falta de água”, para juntos pensarem
ações que enfrentem tal problema;
2. Criar um banco de dados vivo sobre a violação dos direitos
socioambientais, identificando o direito violado, o violador, o ator
violado, os procedimentos tomados, bem como as sugestões inerentes ao
enfrentamento do problema, dentre outros aspectos que podem integrar
um diagnóstico sobre a “falta de água potável”;
3. Promover debates públicos sobre os desafios para se democratizar o
acesso à água potável por meio de reuniões, seminários, oficinas,
encontros, de forma descentralizada e participativa.
4. Criar Grupos de Trabalhos (GTs) para fazer levantamento participativo
sobre a hidrografia local, das legislações existentes; experiências bem
sucedidas (do Estado ou da Sociedade Civil); e construir propostas
inovadoras capazes de apontar para a democratização do acesso à água
potável.
5. Divulgar as ações promovidas pelo coletivo por meio de publicações em
revistas, livros, jornais, apresentação de trabalhos em encontros,
seminários e conferências.
6. Dinamizar o “Fórum da Água” por meio da interlocução com Ministério
Público, Defensoria Pública, Judiciário, Executivo, Legislativo, ONGs –
Organizações Não Governamentais, Movimentos Sociais, Empresas,
Universidades, Fundações públicas e privadas, OSCIPs – Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público, Associações Comunitárias,
Sindicatos, etc.
7. Fortalecer o controle social da gestão das políticas públicas em relação à
água, acompanhando o orçamento público municipal, participando das
reunião dos conselhos municipais de recursos hídrico e de assistência
social (responsável pelo carro-pipa), promovendo debates com o prefeito
e suas secretarias, para contribuir com a feitura de projetos que visem a
democratização do acesso à água.
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8. Criar Comissões Descentralizadas, por distrito, bairro ou povoados
(comunidades) para integrar o OSA – Observatório Socioambiental da
Água.
9. Realizar Mostras Socioambientais envolvendo professores e estudantes
de escolas públicas e privadas, ou de projeto sociais para demonstrarem
aspectos relacionados à água.
10. Elaborar revistas em quadrinhos e panfletos sobre a importância da
hidrografia da Itatira no cenário do Ceará, enfatizando a importância de
cuidar.
11. Promover ações que integrem os diversos conselhos setoriais e de
direitos, políticas e movimentos sociais, tendo em vista a
intersetorialidade e integralidade de ações voltadas à garantia do acesso à
água.
12. Estudos e reaplicabilidades de tecnologias sociais que podem ser
apoiadas por diversos setores e organismos sociais.
13. Seminário Municipal Anual para socialização das ações descentralizadas,
avaliação dos trabalhos realizados e construção participativa de propostas
que integrarão as ações voltadas à democratização do acesso à água.
14. Dentre outros aspectos a serem discutidos e sugeridos pelos diversos
atores sociais do OSA.
A propósito, este instrumento precisa ser mais bem estudado e compreendido
dentro das forças locais, para daí se pensar no seu formato, ou seja, o OSA pode ser um
movimento social que agrega as diversas forças existentes, pode ser também uma
espécie de política pública ou um projeto de extensão universitária. O que mais importa
é que não perca sua essência, que é unir diversas forças imprescindíveis à
democratização do acesso à água.
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ESTRUTURA DO TRABALHO
Esta dissertação traz importantes elementos constitutivos de análise crítica sobre
os desafios para a democratização do acesso à água potável no semiárido da caatinga do
sertão central cearense, ao defender veementemente que a “seca nordestina” (falta
d‟água) não é um fenômeno meramente ambiental, e sim uma das expressões cabais da
Questão Social.
Para isso, a Teoria Social Marxista embasa a estrutura do desenvolvimento
desta pesquisa, na medida em que coloca os conflitos pela água como inerentes ao
sistema capitalista. Tem em sua base a exploração e a dominação tanto dos
trabalhadores como também de toda a riqueza natural.
A argumentação teórico-metodológica sobre o estudo em questão é sustentada
por diversos pilares, imprescindíveis para a construção desta dissertação desenvolvida
em quatro capítulos:
1) CONJUNTURA POLÍTICA DA ÁGUA trata do histórico e distribuição da
água na Terra, bem como da gestão política da água, a partir dos comitês de bacias
hidrográficas, Fórum Mundial da Água e dos conselhos de recursos hídricos, além de
problematizar o papel atual do Conselho Mundial da Água na comercialização da água.
2) A ÁGUA ENQUANTO MERCADORIA NO SISTEMA CAPITALISTA
aborda as facetas do sistema capitalista na expropriação da água, para torná-la
mercadoria e traz ainda a democracia capitalista da água, sobretudo a ofensiva do
projeto neoliberal na América Latina – “A guerra pela e pela vida”.
3) A (RE)INVENÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO traz elementos para se
analisar a formação sócio-histórica do espaço brasileiro, especialmente a Região
Nordeste, resultado de pacto nacional numa intrínseca relação resistência-dominação;
campo-cidade e desenvolvimento-subdesenvolvimento; tempo-espaço. Discute ainda os
encontros e desencontros na “seca” nordestina, uma visão crítica sobre a
heterogeneidade do DNOCS.
4) O CAMINHO EM BUSCA DAS ÁGUAS apresenta a ética como parte
estrutural da dinâmica sócio-histórica, construída numa disputa de poder, configurada
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pelos contraditórios interesses das classes sociais, além de socializar iniciativas contra-
hegemônicas, tendo como perspectiva a democratização do acesso à água.
Para uma melhor compreensão da situação da “falta d‟água no sertão”,
apresentam-se imagens do decorrer de todo o trabalho, com o objetivo de ilustrar por
meio da arte os diversos aspectos que englobam as vulnerabilidades socioambientais
vividas por grupos sociais que não detêm as condições financeiras para obter a água
potável de boa qualidade.
Figura 3 – Mulher carregando água na cabeça e nos braços
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=849728
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=849728
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CAPÍTULO I
1. CONJUNTURA POLÍTICA DA ÁGUA
Enfim, achei que tinha chegado a hora
de fazer a minha grande viagem (...)
Passa por catinga e por serrotes;
por mata e cerrado,
por léguas de campos e alagados.
Dois rios se atravessam sempre secos no verão;
mas no inverno eles correm encachoeirados,
Essa é que era a referência importante (...)
(...) recuperar aquele chão que valia mais do que ouro ,
com a sua água perene, com suas terras frescas.
Trechos extraídos da obra Memorial de Maria Moura,
de Rachel de Queiroz.
Discutir os desafios para a democratização do acesso à água no semiárido da
caatinga do sertão central cearense requer não apenas análise crítica da conjuntura
política, mas, sobretudo, reconhecer que a seca (falta de água) não é um fenômeno
meramente ambiental, e sim uma das expressões cabais da Questão Social.
Nesse sentido, a água precisa ser mencionada dentro de um cenário tenso,
configurado pelos diversos interesses sociais de manutenção do modo de produção
capitalista, que se dá pela expropriação das águas superficiais e subterrâneas a partir do
consumo, da contaminação causada pelos efluentes e da apropriação econômica da água
como mercadoria.
Além do contexto sócio-histórico, uma análise procedente da água pressupõe
também associar as peculiaridades de cada território, que se expressam pelos diversos
continentes, países, regiões geográficas, estados e municípios. Assim, é importante
caracterizar a região do semiárido brasileiro onde se realiza esta pesquisa, pois devido a
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sua vulnerabilidade e sustentabilidade hídrica, requer enfrentamentos dos problemas que
são causados por diversos fatores como: escassez hídrica superficial; monopólio
econômico e tecnológico de extração de águas subterrâneas, além da contenção das
águas superficiais pelos latifundiários, empresários e outros grupos de domínio
econômico da região, acrescido da ausência de políticas públicas que promovam a água
potável como elemento da sustentabilidade da vida humana e que assegurem a
biodiversidade do bioma – caatinga brasileira.
Mapa 1 – Biomas Brasileiros
Fonte: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/home.htm - Acesso em: 20 mar 2012.
Muitos são os elementos necessários para constituir esta complexa e multifacetada
análise sobre a conjuntura política da água. Contudo, neste capítulo se discutirão
aspectos relativos à distribuição da água; histórico do marco legal, social e político da
http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/home.htm
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água; forma de governança da água; vários usos da água; indicadores de qualidade da
água; e conflitos sociais relacionados a apropriação da água
De acordo com Vieira e Filho (2006: 489), pode-se observar que em determinadas
regiões como o semiárido, a disponibilidade e a escassez da água são fatores que geram
problemáticas, pois estas possuem características econômicas e se tornam mais
complexas e diferenciadas motivadas pela determinação do valor da água, assim como
seu uso, sua forma, sua oferta, seu nível de garantia, sazonalidade e situação climática.
1.1. Histórico da água na Terra
Para se compreender o histórico da água na Terra, partiu-se de sua origem por meio
de estudos e pesquisas geológicas, e eticamente é obrigatório dizer que o capítulo 1 do
livro Águas Doces no Brasil6, de autoria de Aldo Rebouças, deu subsídios a esta
discussão. A propósito, este autor é cearense e, sem sombra de dúvidas, foi um dos
maiores geólogos da humanidade, que dedicou incansavelmente sua vida acadêmica em
prol das grandes descobertas sobre a água na Terra.
Para Rebouças (2006: 8 e 9), foi a partir da década de 1960 que astronautas e
cosmonautas em órbita, ao olharem para o lugar onde vivem, distinguiram mares,
continentes e calotas de gelo em cada um dos pólos geográficos da Terra. Salienta-se
que os conhecimentos geológicos adquiridos nas décadas de 1960 e 1970 foram
superiores aos de duzentos anos anteriores da história das ciências geológicas.
Nesse sentido, Rebouças (2006: 9) afirma ainda que:
Ao longo da história geológica da Terra, as erupções
vulcânicas, associadas à “Tectônica de Placas7”,
lançaram na sua atmosfera grandes quantidades de
oxigênio (O), hidrogênio (H2) e gases como hidróxido de
6 REBOUÇAS, Aldo; BRAGA, Benedito; TUNDISI, José Galizia. Águas Doces no Brasil - Capital
Ecológico, Uso e Conservação. 3. Ed. São Paulo: Escrituras, 2006. 7 Tectônica de Placas é uma teoria da geologia que descreve os movimentos de grande escala que ocorrem
na litosfera terrestre.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoriahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Geologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Litosferahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Terrestre
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40
carbono (CO2), nitrogênio (N2), dióxido de enxofre (SO2)
monóxido de carbono (CO).
O oxigênio e o hidrogênio assim lançado, rapidamente
combinaram-se para dar origem ao vapor de água da
atmosfera. No começo, as temperaturas e pressões
reinantes na Terra só possibilitaram a ocorrência de água
na forma de vapor.
À medida que as temperaturas baixaram, os vapores de
água da atmosfera condensaram-se e formaram nuvens,
as quais foram atraídas pela gravidade e caíram na forma
de chuva, principalmente, na superfície da Terra. A água
que escoava pela superfície da crosta provocava erosão
das rochas, cujas partículas transportadas foram se
acumular e formar depósitos nas suas depressões. As
rochas mais antigas, formadas em ambientes
subaquáticos, datam de 3,8 bilhões de anos, indicando
que, pelo menos desde então, a água na forma líquida
existe na Terra. Assim, a “atmosfera” e a “hidrosfera”
foram formadas pelos gases expelidos pelos vulcões
associados à “Tectônica de Placas”
(...) Nesse processo, parte do CO2 contida nas rochas
fundidas é novamente lançada à atmosfera pelos vulcões.
O ciclo todo – ligando vulcão a erosão das rochas, a
bactérias do solo, a algas oceânicas, a sedimentação de
carbonáticos e novamente a vulcões – atua como um
gigantesco processo de realimentação, que contribui para
a regulação da temperatura da Terra (Lovelock, 1991).
Esses processos engendraram, certamente, as condições
propícias à existência de água na Terra nos três estados
físicos fundamentais – líquido, sólido e gasoso – e ao
desenvolvimento da vida.
Analisar a situação da água na Terra atualmente pressupõe pesquisar sobre
muitos elementos, inclusive aqueles de cunho político, a exemplo das drásticas
mudanças climáticas, advindas, sobretudo, do “aquecimento global”, traduzido pelo
aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto da superfície da Terra, que se
tem verificado nas décadas mais recentes.
A respeito desta intercorrência, que não é inesperada, o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estabelecido pelas Nações
Unidas e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988, em seu relatório mais
recente diz que grande parte do aquecimento observado durante os últimos 50 anos se
deve muito provavelmente a um aumento do efeito estufa, causado pelo aumento nas
concentrações de gases estufa de origem antropogênica (incluindo, para além do
http://pt.wikipedia.org/wiki/Oceanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Na%C3%A7%C3%B5es_Unidashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Na%C3%A7%C3%B5es_Unidashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Meteorol%C3%B3gica_Mundialhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1988http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_estufahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Gases_do_efeito_estufa
-
41
aumento de gases estufa, outras alterações como, por exemplo, as devidas a um maior
uso de águas subterrâneas e de solo para a agricultura industrial e a um maior consumo
energético que gera poluição).
Embora se concorde que o processo derivado da atividade humana tenha
impacto nas mudanças climáticas, o que afeta diretamente a distribuição e a qualidade
da água na Terra, é necessario atribuir a esse contexto a dinâmica social que
desencadeia tal processo. A ação humana não pode ser analisada em si, tampouco para
si, requer refleti-la num contexto sócio-histórico, em que a forma de produção do
sistema capitalista é, em sua gênese, predatória a outros sistemas, no caso específico ao
dos Recursos Hídricos, que por sua vez seus ecossistemas sustentam diversas formas de
vidas.
Assim, Leff (2002: 62) é categórico ao afirmar que:
“A problemática ambiental não é ideologicamente neutra
nem é alheia a interesses econômicos e sociais. Sua
gênese dá-se num processo histórico dominado pela
expansão do modo de produção capitalista, pelos padrões
tecnológicos gerados por uma racionalidade econômica
guiada pelo propósito de maximizar os lucros e os
excedentes econômicos em curto prazo, numa ordem
econômica mundial marcada pela desigualdade entre
nações e classes sociais”.
Com efeito, o aquecimento global “atual” não pode ser visto sem os principais
elementos constitutivos da sua engendragem político-ideológica, que se dá justamente
pela irresponsabilidade na emissão de gases8 liberados, principalmente pela combustão
de combustíveis fósseis – carvão, petróleo, gás natural –, que ocorre, sobretudo, com a
poluição industrial e automotiva e com o desflorestamento.
Como citado acima, na origem da água na Terra, pode-se perceber que o dióxido
de carbono é um dos compostos essenciais para regulação da temperatura na Terra,
8 Os gases, em particular o dióxido de carbono (CO2) emitido em grande quantidade, ocasionam o efeito
estufa na atmosfera, grande potencializador do aquecimento global.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Agriculturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Polui%C3%A7%C3%A3o
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42
processo esse propiciador da água nos três estados fundamentais – líquido, sólido e
gasoso –, bem como ao desenvolvimento da vida.
Figura 4 – Ciclo da água na Terra
Fonte: http://www.cprm.gov.br
No entanto, o modo de produção capitalista promove em grande escala o
consumismo exacerbado de produtos que emitem descontroladamente gases tóxicos na
atmosfera, contribuindo para impactar a fina camada de ozônio, protetora da radiação
ultravioleta.
http://www.cprm.gov.br/
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Figura 5 – Fotografia translunar da Terra em 7 de dezembro de 1972
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Bolinha_Azul - Acesso em: 21 mar 2012
Os efeitos do aquecimento global são os mais drásticos e inconvenientes para
toda a comunidade de vida existente no globo terrestre, entre os quais se pode citar o
forte aumento da temperatura no mundo inteiro, gerando vários impactos
socioambientais, como a diminuição a cada ano das geleiras e dos Alpes, que
literalmente estão desaparecendo; chuvas ácidas e elevação da temperatura nos oceanos
– e quando os oceanos ficam mais quentes, é possivel observar as grandes e irreparáveis
tempestades, denominadas furacões e tornados.
Rebouças (2004: 88) diz que durante a segunda metade do século XXI ocorrerá a
elevação do nível dos mares em cerca de 30 centímetros, mudanças nas correntes
marinhas e ventos, acumulação de neve e gelo nas calotas polares, aumento da
frequência das tempestades, extensão das epidemias e outros processos que afetam a
saúde das pessoas; alteração dos padrões de precipitações atmosféricas – chuvas,
neblina e neve, principalmente; alterações das terras encharcadas, pantanais, florestas e
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Bolinha_Azul
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outros ecossistemas naturais; variação de disponibilidade das águas doces, dentre outros
aspectos.
Mapa 2 – Desvios negativos e positivos de chuvas nas regiões hidrográficas
Mapa 9 – Anomalias de chuvas no Brasil
Fonte: Relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. Acervo, ANA, 2011. Legenda organizada
pela a autora.
Este emaranhado de consequências traz muitas transformações socioambientais,
pois milhares de espécies deixam de existir e outras poderão se reproduzir em grande
1. Desvios positivos nas Regiões Hidrográficas do Paraná, Atlântico Sul,
Uruguai, Atlântico Sudeste e Paraguai.
2.Desvios negativos nas Regiões Hidrográficas
Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico
Nordeste Ocidental e Parnaíba.
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quantidade, acrescido de milhões de pessoas vítimas desses impactos, tornando-se
desabrigadas pelas enchentes e alagamentos ou vulneráveis com a falta de água pela
estiagem de chuvas, dependendo de sua classe social.
Nesta perspectiva, Aldo Rebouças (2004: 88) continua sua análise ao afirmar
que não é possível, atualmente, se fazer uma previsão precisa dos efeitos da mudança
global nos climas da Terra. Grosso modo, pode-se esperar uma sensível expansão da
faixa de clima tropical e redução das faixas ocupadas pela agricultura de clima
temperado. Este fator é por demais preocupante em termos de produção de alimentos,
tendo em vista que os países correm o risco de perder a hegemonia agrícola para os
países da faixa tropical. Além disso, o processo de aquecimento global deverá ocasionar
a subida dos níveis dos mares, elevando os custos das obras de proteção em muitas
cidades costeiras.
Considera-se, portanto, que não se pode analisar a relação do ser humano com a
natureza, sem antes identificar a causa central da “esculhambação mundial”, que chega
a ser imoral, dos que detêm o poder do monopólio político e financeiro sobre a
expropriação da qualidade do ar, da água, das florestas, dentre outros recursos naturais
essencialmente relacionados à vida no Planeta Terra.
1.2. Distribuição da água na Terra
Embora se apresentem dados estatísticos sobre a distribuição da água na Terra,
pode-se afirmar que estas medidas não são estáticas, pois se alteram devido a diversos
fatores, dentre eles as mudanças climáticas, que a afetam significativamente.
Contudo, é notória a desigualdade da distribuição da água na Terra, na medida em
que 97,5% da água é salgada e apenas 2,5% é água doce. No entanto, desta “pequena”
quantidade de água doce, 68,9% localizam-se nas calotas polares ou geleiras; 29,9% são
subterrâneas; 0,9% se encontram em outros reservatórios; e 0,3% estão nos rios e lagos.
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Gráfico 1 – Distribuição das águas na Terra
Fonte: http://www.drm.rj.gov.br/index.php/projetos-e-atividades/subterraneas - Acesso em: 19 mar 2012.
A desigualdade na distribuição da água doce superficial na Terra se agrava ainda
mais quando analisada a partir dos continentes, pois 39,6% estão na América, 31,8% na
Ásia, 15% na África, 15% na Europa e 9,7% na Oceania. E somente o Brasil detém
13,7% de toda água doce do planeta Terra.
http://www.drm.rj.gov.br/index.php/projetos-e-atividades/subterraneas
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Tabela 1– Distribuição da água doce superficial (Mundo, América e Brasil)
Distribuição da água doce superficial no mundo
Àfrica 9,48%
Ásia 31,59%
Europa 6,79%
Oceania 5,61%
América 46,53%
Distribuição da água doce superficial no continente
americano
América do Norte 32,20%
América Central 6,50%
América do Sul 61,30%
Distribuição da água doce superficial no Brasil
Em relação ao continente americano 34,90%
Em relação ao mundo 13,70% Fonte: UNESCO, apud
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20070129082304_AAguaNoBrasilENoMundo.pdf -
Acesso em: 26 de jan 2012. Tabela organizada pela autora.
Ribeiro (2008: 24), em sua obra Geografia Política da Água, aponta que há
diversos estudos indicando para uma crise da água, principalmente por razões políticas.
A falta dessa substancia natural fundamental à vida em determinados locais poderia ser
resolvida por meio de uso de técnicas conhecidas de estocagem e reaproveitamento da
água. Porém, o que se vê é a poluição e degradação de corpos d‟água e aquíferos de
maneira crescente em escala internacional. O que recentemente era encarado como um
problema de países pobres, a falta de acesso a água de qualidade, passou a ser vista
como um problema mundial, dado que ela também se torna rara para países ricos.
Como se pode observar, o Brasil é privilegiado do ponto de vista da distribuição
da água na Terra e no continente americano. No entanto, também existem fortes
desigualdades na distribuição da água nas bacias hidrográficas brasileiras.
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20070129082304_AAguaNoBrasilENoMundo.pdf
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Tabela 2 – A Distribuição de água no Brasil por Bacias e Sub-Bacias Hidrográficas
Fonte: ANA, Embrapa e Pnuma, apud
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20070129082304_AAguaNoBrasilENoMundo.pdf
Acesso em: 26 jan 2012.
Além destes aspectos relativos à desigualdade na distribuição da água no Brasil,
também há outros elementos importantes constitutivos na análise sobre a conjuntura
política da água, pois há diferença no que diz respeito à demanda e disponibilidade de
água por microbacias hidrográficas. O Relatório realizado pela ANA - CONJUNTURA
DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL, de 2011, aponta que, das doze regiões
hidrográficas brasileiras, quatro se encontram com stress hídricos em relação à demanda
e à disponibilidade hídrica superficial, a saber: Bacias da Região Semiárida (baixa
disponibilidade de água); Bacia do Tietê (alta demanda para abastecimento urbano) e
Sub-Bacias das Regiões Uruguai e Atlântico Sul (demanda de água extremamente alta
para irrigação) – Anexo 1.
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/arquivos/20070129082304_AAguaNoBrasilENoMundo.pdf
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A análise sobre a distribuição e qualidade da água se intensifica ainda mais,
quando se coloca uma “lupa” para chegar mais perto da hidrografia estudada, como o
caso do semiárido da caatinga do sertão central cearense, que apresenta stress em
relação ao montante das bacias hidrográficas brasileiras. Devido a sua disponibilidade
hídrica, o sertão central cearense, em especial o município de Itatira/CE, se configura
como área vulnerável nesta conjunta, conforme demonstra o mapa a seguir.
Mapa 3 – Situação hidrográfica do Estado do Ceará
Fonte: http//portal.cogerh.com.br. Acesso em: 20 fev 2012. Ilustração do município de Itatira/CE.
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O Município de Itatira/CE apresenta séria criticidade na distribuição e qualidade
da água, pois seu abastecimento advém de reservatórios superficiais e subterrâneos, seus
rios são intermitentes e os principais açudes – João Guerra, Oiticica, Suçuarana e São
Joaquim – apresentam problemas em diferentes escalas na qualidade e quantidade da
água, de acordo com a estiagem de chuvas. Além dos poços artesianos, principal
manancial de abastecimento da sede municipal, passaram por stress hídrico em 2011, o
que ocasionou um colapso no abastecimento de água, pois ficou aproximadamente dois
meses sem abastecimento de água encanada. Acrescido ao fato de que esta água não é
100% doce, pois apresenta níveis consideráveis de salobridade. Seguramente, é possível
afirmar que quem consome esta água para beber é a população que não detém condições
econômicas para adquirir água de “boa” qualidade.
Outro agravante sobre o acesso à água potável no município de Itatira/CE é o
caso do distrito de Lagoa do Mato, que tem aproximadamente 8 mil habitantes e cuja
capacidade hídrica do seu principal reservatório – açude Oiticica – é de 901.782,32 m³,
que em 2010 disponibilizou apenas 28%9 de sua capacidade total. Ademais, o
abastecimento de água encanada não é universal aos habitantes, pois apenas pouco mais
da metade tem acesso ao abastecimento de água encanada. Além desta peculiaridade na
incapacidade do abastecimento, acrescem-se os diversos usos e até abusos, na medida
em que há muitas construções civis, irrigação, lava-rápidos e muito desperdício no
consumo da água.
Com efeito, para a outra parte significativa desta população, que fica excluída do
abastecimento de água – por falta, sobretudo das condições financeiras para pagar pela
prestação dos serviços –, há outras iniciativas para o enfrentamento do problema, como
exemplo a disponibilidade do acesso à água através do carro-pipa. Este vulnerabiliza
ainda mais o acesso à água potável, tendo em vista que a água muitas vezes chega aos
reservatórios domésticos à deriva, sem controle sistemático de qualidade no percurso de
seu trajeto (do açude aos potes, filtros) ou tratamento adequado para o consumo
humano.
9 Dados da capacidade e disponibilidade obtidos pelo Relatório de Análises de Alternativas Hidrológicas
para o Abastecimento de Água no Distrito de Lagoa do Mato, Município de Itatira, Estado do Ceará,
COGERH, 2010.
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Figura 6 – Abastecimento de carro-pipa em açude
Fonte: Alexander Koch. Acervo Projeto Pingo D‟água, 2005.
Contudo, reconhecem-se esforços estabelecidos entre Secretaria Municipal de
Agricultura e Recursos Hídricos de Itatira/CE, Exército Brasileiro, CAGECE –
Companhia de Água e Esgoto do Ceará e Laboratório LACEN, na realização de laudo
para assegurar os mínimos estabelecidos de qualidade da água para o consumo humano,
advinda desta forma de abastecimento.
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Mapa 4 – Situação hídrica do distrito de Lagoa do Mato – Itatira/CE
Fonte: Relatório de Análises de Alternativas Hidrológicas para o Abastecimento de Água no Distrito de
Lagoa do Mato, Município de Itatira, Estado do Ceará, COGERH, 2010.
O Relatório de Análises de Alternativas Hidrológicas para o Abastecimento de
Água no Distrito de Lagoa do Mato, Município de Itatira, Estado do Ceará, realizado
pela COGERH – Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, 2010, aponta que nos
últimos anos houve um crescimento acentuado da população de Lagoa do Mato, em
proporção fora do padrão da região, conforme estimativa do IBGE, que é de um
aumento médio de 2,5% ao ano. No entanto, o distrito atualmente apresenta uma
população de cerca de 8.000 habitantes, com base em cálculo nas ligações referentes ao
sistema de abastecimento administrado pelo SISAR (Sistema de Abastecimento Rural),
que informou a quantidade de 1951 ligações, com a justificativa de que a construção de
uma Indústria de Beneficiamento de Fosfato e Urânio na região polarizou em Lagoa do
Mato um aumento de população, ainda pelo fácil acesso relativo aos outros povoados
da região, inclusive à sede do município de Itatira/CE.
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Este estudo hidrológico foi imprescindível, na medida em que indicou
alternativa de construção de uma adutora no açude João Guerra para resolver o
problema, em curto prazo, do abastecimento do distrito de Lagoa do Mato, ainda que
em termos quantitativos. A médio e longo prazos, a solução é a utilização da adutora do
açude Umari, localizado no município de Madalena/CE, com a alternativa de derivação
para Lagoa do Mato, com uma vazão corrigida do projeto original para a realidade
populacional atual, a fim de complementar a demanda total e a localidade suprir seus
usos múltiplos de água.
1.3. Gestão política da água
Analisar a conjuntura política da água exige pensar estratégias relacionadas ao
“Estado Democrático de Direitos” a partir da construção do marco legal, social e
político sobre as águas do Brasil.
Mas a gestão das águas no Brasil não pode ser vista nem somente a partir dela,
tampouco meramente para ela, na medida em que são diversos os fatores sociopolíticos
(território, religião, hidrografia, política local e global, cultura e interesses econômicos
que geram disputa de poder) que implicaram na construção histórica da atual forma de
gestão das águas no Brasil.
Para melhor compreensão sobre esses conflitos entorno da gestão da água,
aprofunda-se esta temática nos capítulos II, III e IV deste trabalho, pois a água é
discutida no âmbito da (re)produção do sistema capitalista, sobretudo da sua ofensiva
em dominar a água como mercadoria, a partir do uso e do abuso da força estatal e pela
cooptação de grupos sociais, através de discursos e ações alienantes. São discutidas
também as iniciativas contra-hegemônicas que correlacionam forças, tendo como
perspectiva a democratização do acesso à água potável.
É nesse intrincado de correlações de forças, quase sempre desigual, que se
apontam os avanços e desafios históricos na construção dos marcos legais, sociais e
políticos no entorno da água. A propósito, toda e qualquer ação – técnica, popular,
cientifica ou profissional – que constitui este campo de gestão não é neutra nem
despretensiosa politicamente, pois exerce pressupostos ético-políticos de acordo com o
seu projeto societário, inclusive esta pesquisa.
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É nesta perspectiva que se apresenta a importância dos mecanismos
internacionais, nacionais, estaduais e municipais para a preservação e democratização
da água.
No âmbito internacional citam-se:
Conferencia Del Plata realizada em 1977: ação pioneira internacional, pois
envolveu muitos países para discutir temas relacionados à água. Para Ribeiro (2008),
esta Conferência foi importante, na medida em que integrou o primeiro ciclo das
grandes conferências da ONU, tais como Conferência de Estolcomo sobre meio
ambiente, de 1972; a de Bucareste, que tratou da população, de 1974; a de Roma, que
abordou a fome, também de 1974; a de Vancouver, sobre assentamentos humanos,
conhecida como Habitat I, de 1976; e as de Nairóbi, a primeira sobre desertificação, em
1977, e a segunda discutindo recursos energéticos renováveis, em 1979.
A resolução 35/18 de 1980 da Assembleia-Geral da ONU, declarou que o período de
1981 a 1990 seria a Década Internacional da Água, como forma de sensibilizar os
diferentes segmentos sobre a importância da água para o planeta Terra.
A década de 1990 foi marcada por importantes debates no entorno da água, talvez pela
efervescência dos movimentos sociais, que intensificavam lutas em prol da garantia dos
direitos. Assim, Ribeiro (2008: 78-110) menciona distintas ações em nível
i