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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL: Por uma compreensão da Função Social dos Contratos Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito

NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:

Por uma compreensão da Função Social dos Contratos

Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa

Belo Horizonte

2011

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Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa

NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:

Por uma compreensão da Função Social dos Contratos

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação stricto sensu em Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito Privado.

Orientador: Professor Doutor Leonardo

Macedo Poli

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Barbosa, Aline Santos Pedrosa Maia B238n Novo princípio contratual: por uma compreensão da Função Social dos

Contratos. / Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa. Belo Horizonte, 2011. 117f. Orientador: Leonardo Macedo Poli Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Contratos. 2. Democracia. 3. Estado de Direito. 4. Brasil. I. Poli, Leonardo

Macedo. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.4

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NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:

Por uma compreensão da Função Social dos Contratos

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação stricto sensu em Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais.

________________________________________________________

Professor Doutor Leonardo Macedo Poli (Orientador) – PUC Minas

______________________________________________________

Professora Doutora Taisa Maria Macena de Lima – PUC Minas

_____________________________________________________

Professor Doutor Rodolpho Barreto Sampaio Júnior - FDMC

Belo Horizonte, 25 de Abril de 2011.

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Dedico este trabalho ao meu querido esposo Leandro e nossa filha

Isabella, cuja chegada aguardamos ansiosos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela força para concluir este trabalho; ao Leandro, meu amor e

companheiro de todas as horas, pela torcida e encorajamento, elementos

indispensáveis para que eu pudesse chegar até aqui; aos meus pais e irmãs pelas

orações; ao professor Leonardo Macedo Poli, meu orientador; aos meus amigos da

Bernardes e Advogados Associados, pela cumplicidade.

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“Para combater os problemas que enfrentamos,

temos de considerar a liberdade individual um

comprometimento social.”

Amartya Sen

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RESUMO

O contrato é instituto que remonta ao Direito Romano, sendo importante instrumento

para a circulação de riquezas, possibilitando a troca entre as pessoas e fomentando

a economia. Trata-se, pois, de elemento fundamental para o desenvolvimento da

sociedade. Em sua concepção clássica, mais precisamente à época do Liberalismo

Econômico, o contrato apresentava contornos nitidamente individualizados,

prevalecendo o primado da liberdade e da autonomia da vontade, que legitimavam

sua formação. O intenso desenvolvimento econômico provocado pela Revolução

Industrial, bem como as crescentes desigualdades sociais e miséria de grande parte

da sociedade, provocaram uma nova postura institucional, na qual o Estado figurou

como interventor nas relações individuais, visando promover o bem-estar da

sociedade. A crise do sistema social, provocada pela ineficiência e burocracia,

proporcionou o surgimento de uma nova ordem, visando equilibrar as esferas

pública e privada por meio de um sistema inclusivo e garantidor das liberdades

individuais: o Estado Democrático de Direito. A teoria contratual, profundamente

influenciada por essas novas tendências, reconheceu o surgimento de nova

principiologia a informar as relações contratuais. O contrato passou a ser visto como

instrumento de promoção dos objetivos constitucionais. O nascimento dos novos

princípios, dentre eles o princípio da função social dos contratos, não invalidou os

clássicos já existentes, mas sim proporcionou a coexistência de várias funções

exercidas pelo contrato. Este novo princípio vem consagrar a teoria de que o

contrato não gera implicações somente para as partes que dele participam

diretamente, mas também desempenha funções sociais, econômicas e pedagógicas

na sociedade, sem ordem hierárquica ou de prevalência. Havendo conflito entre os

princípios do contrato, ou mesmo entre a importância das funções que ele

desempenha em determinado caso concreto, a decisão deve ser construída com

base em argumentos normativos postos pelo próprio ordenamento jurídico,

observando-se o mais adequado.

Palavras-chave: Função social; contrato; princípios; democracia.

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ABSTRACT

The contract is an institute dating back to Roman law, being an important instrument

for the circulation of wealth, enabling the exchange between people and promoting

the economy. It is therefore the key to the development of society. In a classic sense,

more precisely the period of economic liberalism, the contract had clearly outlines

individual, whichever is the primacy of freedom and autonomy, which legitimized their

training. The intensive economic development caused by the Industrial Revolution,

as well as rising social inequality and poverty of much of society, created a new

institutional approach, in which the state figured as intervenor in individual relations,

to promote the welfare of society. The crisis of the social system, caused by the

inefficiency and bureaucracy, allowed the emergence of a new order to balance the

public and private spheres through an inclusive system and guarantor of individual

liberties: the Democratic State. The contract theory, deeply influenced by these

trends, recognized the emergence of new principles, to inform the contractual

relationships. The contract was seen as an instrument to promote constitutional

objectives. The birth of the new principles, among them the principle of the social

function of contract, did not invalidate the existing classics, but provided the

coexistence of various functions performed by the contract. This new principle has

been devoted to the theory that the contract has implications not only for parties who

participate directly, but also performs social, economic and educational roles in

society, with no hierarchy or prevalence between them. If some conflict arises

between the principles of contract, or even between the importance of the roles it

performs in a particular case, the decision must be built based on normative

arguments made by the legal system, noting the most appropriate.

Keywords: social function; contract; principles; democracy.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 09

2. O CONTRATO – OBJETIVO E ELEMENTOS .............. ...................................... 11

2.1 Elementos constitutivos do contrato............ .................................................. 14

2.1.1 Elementos essenciais: subjetivos, objetivos e formais ............................ 15

3. OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ...................... ................................................. 17

3.1 Princípios clássicos........................... ............................................................... 17

3.1.1 Autonomia privada ........................... ............................................................. 18

3.1.2 A Liberdade contratual ...................... ........................................................... 24

3.1.3 Obrigatoriedade do contrato ................. ....................................................... 28

3.1.4 Relatividade dos efeitos contratuais ........................................................... 35

3.2 Princípios contemporâneos...................... ....................................................... 37

3.2.1 Princípio da Boa-fé objetiva ................ ......................................................... 40

3.2.2 Princípio do Equilíbrio econômico ........... ................................................... 43

3.2.3 Princípio da Função social dos contratos: bre ve introdução do problema

e da perspectiva clássica social .................. ......................................................... 44

4. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS................... ......................................... 49

4.1 Das diversas definições de função social dos co ntratos segundo a visão

clássica social ................................... ..................................................................... 49

4.2 Apontamento de outras funções do contrato, desc onsideradas na visão

clássica social – econômica e pedagógica .......... ................................................ 63

4.3 Críticas à visão clássica solidarista ......... ...................................................... 64

4.4 Função social dos contratos numa perspectiva de mocrática ..................... 72

4.5 Natureza jurídica da função social dos contrato s ......................................... 82

4.6 Aplicação do princípio da função social do cont rato ao caso concreto .. 101

5. CONCLUSÃO....................................... .............................................................. 108

6. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 111

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1. INTRODUÇÃO

O Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações à teoria dos contratos,

determinando em seu artigo 421 que “a liberdade de contratar será exercida em

razão e nos limites da função social do contrato”. (BRASIL, 2007)

Não existe disposição semelhante do Código Civil anterior, de 1916, sendo

uma novidade que tem provocado inúmeras discussões acerca de sua interpretação,

alcance e objetivo.

Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social afirma

que a proposta do legislador ao incluir três novos princípios na teoria contratual

clássica (função social, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual) seria auxiliar a

promoção da solidariedade social, condicionando a validade do contrato à utilidade

que o mesmo possa ter na consecução dos interesses gerais da sociedade.

Esta doutrina atribui as mudanças ao processo de constitucionalização do

Direito Civil, que implicaria na substituição do seu “centro valorativo”, antes fixado no

Código Civil e agora na Constituição da República. A solidariedade social se

sobreporia à liberdade individual.

Ocorre que, o que se tem observado é verdadeira tentativa de promoção de

certa justiça social e distribuição de renda por meio da autorização judicial ao

descumprimento contratual. Com efeito, foram apontadas inúmeras críticas às

decisões judiciais que, embasadas no pensamento solidarista, reduzem juros,

garantias e alteram unilateralmente condições antes pactuadas, gerando enorme

insegurança econômica.

Sim, uma das funções sociais do contrato é a de fomentar a economia,

promovendo o desenvolvimento da sociedade. Todavia, essas decisões judiciais

criticadas geram incentivos negativos na economia, muitas vezes prejudicando o

interesse social que diziam proteger.

Havendo grande confusão acerca da natureza jurídica e da aplicação do

princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação equivocada, como

mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que justamente busca

evitar, a missão do presente trabalho será, portanto, tentar esclarecer estas

questões obscuras, interpretando-se a função social sob uma perspectiva

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democrática e plural, sem desconsiderar as variantes e o contexto em que está

inserido o contrato.

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2. O CONTRATO – OBJETIVO E ELEMENTOS

Como bem explicitado por Emanuel Bouzon (2000) e Bruno Torquato de

Oliveira Naves (2007), na antiga Mesopotâmia já se encontra referência ao instituto

do contrato, com bastante simplicidade, é verdade, representando mecanismo de

regulação da “compra e venda, arrendamento e empréstimo a juros” (Naves, 2007,

p.230), disposto nas leis de Eshnunna.

Posteriormente escrito, o Código de Hamurabi também apresentava

“dispositivos semelhantes, regulamentando alguns contratos específicos, a

execução desses contratos, as taxas de juros cobradas, bem como o preço de

determinados serviços”. (Naves, 2007, p.231).

Percebe-se, desde a antiguidade, que o contrato, mesmo em sua forma mais

arcaica e simples, sempre esteve ligado à atividade econômica, proporcionando a

efetivação dos negócios e sendo importante mecanismo de evolução das

sociedades.

No entanto, foi o Direito Romano Clássico que estruturou o contrato, apesar

de não chegarem a formular uma teoria dos contratos, tendo por base o acordo de

vontades acerca de determinado objeto. O contrato e o pacto eram espécies do

gênero convenção.

“O contrato era a convenção que gerava obrigação e direito de ação, o pacto

era o acordo de vontades que produzia uma obrigação natural, não acompanhada

do direito de ação”. (Nader, 2006, p.8)

Segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves:

No direito romano arcaico, o contrato era o ato que submetia o devedor ao poder do credor. Em razão da forte presença de crenças religiosas, especialmente nos deuses domésticos, o cumprimento de um contrato era questão de honra e o vínculo jurídico era pessoal, levando o credor, em caso de inadimplemento, a atingir o corpo do devedor. No direito romano clássico, podemos perceber a utilização de três vocábulos para designar fenômenos semelhantes: convenção, contrato e pacto. Contratos eram convenções normatizadas e por isso protegidas pela via da actio. Três eram as espécies contratuais: a) litteris, que exigia inscrição no livro do credor (denominado codex); b) re, que se fazia pela tradição efetiva da coisa; e c) verbis, que se celebrava pela troca de expressões orais, como em um ritual religioso. Esses contratos tinham proteção judicial prevista pelo ius civile, podendo o credor reclamar via actio sua execução.

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Havia, no entanto, outra categoria de convenção, com finalidades semelhantes – o pacto. O pacto era um acordo não previsto em lei. Não exigia forma especial, nem era protegido pela actio. Durante a República Romana e o Alto Império Romano ( direito romano clássico), para os pactos mais freqüentes foi criada proteção judicial. Os pretores, por meio de seis editos, começaram a proteger os pactos mais freqüentes, o que acabou por erigi-los à categoria de contratos. Criou-se, então, uma nova espécie contratual – os contratus solo consensu – que envolviam venda, locação, mandato e sociedade. Para esses contratos bastava a emissão de vontade, sem nenhuma formalidade. Por fim, algumas constituições imperiais também concederam proteção a alguns tipos de pacto. (NAVES, 2007, p.231-232).

O Feudalismo com o relativo isolamento das cidades simplificou sobremaneira

a economia, representando o contrato a vinculação jurídica entre senhor e vassalo

(Naves, 2007, p.232). A evolução do direito canônico na Idade Média elevou a

vontade como fonte do direito contratual, sendo valorizada a palavra empenhada,

alçada à condição de lei. Houve, inclusive, resgate do Direito Romano Clássico,

sendo exigidas certas formalidades na celebração do contrato, visto como uma

obrigação moral. (Naves, 2007, p.233)

Posteriormente, com a ascensão do Jusnaturalismo, a obrigatoriedade do

cumprimento da obrigação contratual passou a ser a razão, e não a moral, pois “o

homem é senhor de seus atos, indivíduo autônomo, que não deve se submeter a

nenhuma autoridade exterior. Assim, o contrato seria a submissão a normas criadas

pelo próprio indivíduo, sendo, portanto, legitimada pela vontade das partes.” (Naves,

2007, p.233).

Veja-se que a vontade, o consenso, é fundamento do contrato desde a

antiguidade, permanecendo até a modernidade, quando passou a ser questionada

como critério de validade do mesmo, como se verá à frente.

Como visto, o Direito Romano estruturou o contrato, apesar de não chegarem

a formular uma teoria dos contratos, tendo por base o acordo de vontades acerca de

determinado objeto.

Os princípios clássicos da teoria dos contratos, desta forma, vêm da tradição

romana, como a necessidade da existência de um acordo de vontades (autonomia e

consensualismo), a criação de obrigações recíprocas para os contratantes

(relatividade), poder de recorrer à ação em caso de inadimplemento

(obrigatoriedade).

Analisando os conceitos de contrato, em geral iguais para toda a doutrina com

uma ou outra diferença mínima, este instrumento seria “a mais comum e mais

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importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras

repercussões no mundo jurídico”. (GONÇALVES, 2007, p.3).

O fundamento moderno do contrato seria a vontade humana em

conformidade com a ordem jurídica e sua finalidade maior seria instrumentalizar e

facilitar as relações econômicas, circulando riquezas.

Sua importância é fundamental para toda a sociedade, pois não haveria

crescimento, progresso e riqueza sem a circulação de bens materiais e imateriais

realizada e formalizada pelo contrato. O desenvolvimento das atividades sociais e

econômicas tornou o contrato corriqueiro e de aplicação generalizada. Qualquer

indivíduo contrata, seja de que grau de instrução, nível social ou padrão econômico

for.

O contrato, desta forma, é parte de uma realidade maior e um dos fatores de

alteração da realidade social, atuando como verdadeira alavanca de

desenvolvimento.

Esta representação do negócio jurídico se constitui por declaração de vontade

das partes e tem natureza essencialmente econômica, sendo que a lei fixa as

condições de formação e seus efeitos jurídicos, conferindo obrigatoriedade aos

termos pactuados pelas partes. Estas discutem seus direitos e deveres no

instrumento e individualizam o objeto a que ele se refere.

Desta forma, o que foi pactuado em conformidade e nos limites do

ordenamento jurídico se torna lei entre as partes, obrigando-as ao seu cumprimento,

com algumas exceções, como a aplicação da teoria da imprevisão.

As partes essencialmente participam dessa relação em igualdade jurídica, sob

pena de ser necessária a intervenção do Estado ou até mesmo decretação de

nulidade de algumas cláusulas ou do contrato por inteiro.

Segundo Nader (2006), os interesses dos contratantes são disciplinados nos

contratos por normas semelhantes àquelas integrantes do ordenamento jurídico,

porém com diferenças fundamentais. As normas jurídicas são abstratas e visam à

generalidade e universalidade, pretendendo alcançar o maior número de

destinatários possível, originando-se do poder público. Já as normas contratuais

tendem a ser mais concretas, apesar desse instrumento poder apresentar algumas

normas abstratas, e se originam de um ato de autonomia.

Em resumo, classicamente pode-se dizer que o objetivo do contrato seria

circular riquezas e promover o desenvolvimento econômico atendendo ao interesse

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de ambos os contratantes, sendo seu objeto o que foi pactuado livremente e

licitamente entre eles.

2.1 Elementos constitutivos dos contratos

Conforme salientado por Cezar Fiúza (2007, p. 254), contatos são negócios

jurídicos praticados por força das necessidades mais diversas, sejam elas reais ou

fabricadas. Devem, portanto, obedecer aos requisitos de existência e validade dos

negócios jurídicos.

Os elementos constitutivos dos contratos consistem em essenciais e

acidentais. Os elementos essenciais são aqueles que integram qualquer modalidade

de contrato, sob pena do negócio jurídico ser inexistente.

Desta forma, “a evolução permanente que se opera na tipologia dos

contratos, como resultado precípuo das mudanças sociais, não interfere nos

elementos essenciais”. (NADER, 2006, p. 17).

Neste sentido:

As transformações do contrato salientadas pela doutrina moderna, não se exercem quanto à existência de seus elementos essenciais, que são permanentes, mas em relação à influência das concepções filosóficas e dos fenômenos econômicos sobre a compreensão e conjugação desses elementos. (ESPÍNOLA apud NADER, 2006, p.17).

Elementos acidentais são aqueles inseridos nas cláusulas contratuais por livre

opção das partes. Estes são meramente dispositivos, constando na legislação e se

aplicando aos contratos quando as partes não excluírem sua incidência.

Os elementos essenciais são os mais importantes para este trabalho na

medida em que são permanentes, variando apenas de acordo com o tipo de

contrato, e não podem ser modificados pelas transformações que o instituto do

contrato vem sofrendo, sob o risco de se desvirtuá-lo.

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2.1.1 Elementos essenciais: subjetivos, objetivos e formais

Os elementos subjetivos dizem respeito aos sujeitos contratantes, sendo

quatro elementos segundo Maria Helena Diniz: “a) existência de duas ou mais

pessoas, [...] b) capacidade genérica das partes contratantes para praticar os atos

da vida civil [...], c) aptidão específica para contratar [...], d) consentimento das

partes contratantes.” (DINIZ, 2007, p. 17).

O primeiro elemento exige a participação de duas ou mais pessoas ocupando

distintamente o pólo passivo e o pólo ativo da relação, sendo impossível que um só

indivíduo contrate consigo mesmo.

O segundo elemento essencial subjetivo é a capacidade de fato das partes,

ou capacidade para os atos civis. Como qualquer negócio jurídico, deve observar o

disposto no art. 104, I, do Código Civil: “a validade do negócio jurídico requer agente

capaz.” As partes não podem enquadrar-se no 3º e 4º artigos do Código Civil, que

dizem respeito aos absolutamente e relativamente incapazes, segundo Maria Helena

Diniz (2007), sob pena do contrato ser nulo ou anulável.

O terceiro elemento existe quando o ordenamento jurídico impõe certos

limites à celebração de determinados contratos. Para estes casos, não basta a

capacidade de fato, sendo exigida, ainda, a legitimação para o ato, como nos casos

de venda de ascendente para descendente.

O quarto elemento é a declaração de vontade das partes ou consentimento. É

pela vontade que as partes expressam o desejo de celebrar o negócio,

determinando as condições e o objeto da convenção. Esta declaração deve ser

espontânea e sem vícios acerca da existência e natureza do contrato, seu objeto e

cláusulas que o compõem.

Segundo a doutrina de Paulo Nader (2006), os elementos essenciais objetivos

dizem respeito ao conteúdo e forma do contrato: objeto lícito, não podendo ser

contrário à lei, à moral, aos princípios de ordem pública e aos bons costumes.

O objeto deve ainda ser possível, ficando desobrigado aquele que se obrigou

a realizar coisa impossível, seja pela capacidade humana, seja porque não existe,

etc. Deve ser determinado ou determinável, contendo pelo menos a especificação

do gênero, espécie e quantidade, de modo que possa incidir a obrigação e, por

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último, o contrato deve ser economicamente apreciável, capaz de se converter em

dinheiro.

Os requisitos formais dizem respeito à apresentação dos contratos que deve

ser prescrita ou não defesa em lei. A regra é a liberdade de forma, comportando

algumas exceções nos casos de contratos em que a lei determina a realização de

alguma solenidade.

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3. OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

3.1 Princípios Clássicos

Analisando o contrato sob o paradigma do Estado Liberal, tem-se um

instrumento através do qual se realiza o intercâmbio econômico entre indivíduos,

traduzindo-se a autonomia da vontade como princípio supremo dos contratos,

determinando os efeitos e o alcance das convenções realizadas entre os

particulares.

Realçando a teoria do Estado mínimo, este paradigma tinha como base a

menor intervenção estatal possível nas relações privadas. O Estado seria, nessa

visão, um mal necessário com atuação restrita à garantia da ordem pública, cujo

objetivo era tão-somente manter a paz e a justiça.

Em virtude disso, surgiram as liberdades e garantias individuais, chamados

direitos de primeira geração, para proteger o indivíduo da atuação danosa do

Estado, sendo oponíveis a ele.

O Estado Liberal deveria evitar a perturbação da ordem, assegurando o livre

exercício das liberdades, colocando-se como poder de equilíbrio para prevenir e

corrigir conflitos individuais, não poderia interferir na esfera privada de cada um, sob

pena de praticar atos ilegais, cabendo resposta dos indivíduos através de remédios

processuais criados para este fim.

Era o Estado árbitro, não intervencionista na vida econômica e social, ou seja,

possuía uma atuação negativa, proporcionando a existência de relações jurídicas

fundadas numa igualdade formal e na lógica individualista.

Assim, como afirma Teresa Negreiros (2006), a modernidade foi marcada por

um movimento que tornava absoluta a vontade individual, em contraposição à

vontade do Estado, e, portanto, projetando aspectos antagônicos do princípio da

legalidade no direito privado (tudo o que não é proibido por lei é permitido) e no

direito público (tudo o que não for permitido por lei é proibido).

Segundo a teoria liberal, a propriedade privada é fundamento e símbolo da

liberdade, bem como sua circulação se dá pelo livre exercício da autonomia

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negocial. Daí a importância fundamental do contrato para aquela sociedade, pois é

através dele que circulam as riquezas e promove-se o crescimento dos Estados.

Em virtude dessa valorização da vontade individual, vista como elemento que

garantia o equilíbrio econômico e a prosperidade, os princípios clássicos contratuais

na teoria liberal eram assim concebidos: 1) liberdade contratual, 2) obrigatoriedade

do contrato (pacta sunt servanda), 3) relatividade dos efeitos contratuais. Estes

princípios, todos, estariam intimamente relacionados à autonomia, sendo a vontade

individual o seu fundamento de validade, representando a liberdade do homem de

criar normas para si mesmo, e cumpri-las exatamente por este motivo, somente

podendo ser as tais normas exigíveis daqueles que manifestaram a vontade de se

submeter a elas.

De acordo com esta doutrina liberal, a satisfação dos interesses individuais

tem como conseqüência certa a satisfação do interesse geral, de toda a sociedade,

numa concepção de que este último seria a soma dos primeiros.

Como afirma Humberto Theodoro Júnior, “sob o predomínio do Estado

Liberal, o contrato pode ser visto como fonte criadora de direito, ad instar da própria

lei (pacta sunt servanda), como v.g., afirmava Kelsen em sua noção positivista do

fenômeno negocial.” (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 34).

3.1.1 Autonomia privada

Indiscutível que o acordo de vontades é essencial ao contrato, pois este

nasce justamente do consenso. (Fiuza, 2007).

Segundo André Ruger e Renata de Lima Rodrigues, “o sentido originário da

palavra [autonomia], herdada da tradição, representa o poder de estabelecer por si,

e não por imposição externa, as regras da própria conduta”. (RUGER; RODRIGUES,

2007, p.4).

No âmbito do contrato verifica-se uma gama maior de possibilidades para o

exercício desta autonomia:

Além de jurídico, o contrato é uma instituição social cuja função serve para dar segurança aos agentes econômicos nas relações patrimoniais que entre si venham a ajustar. Essa função não encontra paralelo em qualquer

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outro instituto jurídico, nem pode ser absorvida por qualquer um deles. Seria possível, sem contratos, promover a regular e segura circulação de bens em uma dada sociedade? Sem contratos, a liberdade para dispor, livremente, dos próprios interesses ficaria prejudicada. (SZTAJN apud POMPEU, 2010, p. 406).

Percebe-se, ainda, que o contrato é importante instrumento para o exercício

da autonomia, estando intimamente relacionado ao desenvolvimento econômico da

sociedade, uma vez que promove segurança nas negociações.

A autonomia negocial (ela deriva da noção de autonomia privada, com designação exclusiva para o locus contratual) que promove o que se denominou de ajuste de condutas, possibilitando a troca entre particulares, é o núcleo deste instrumento chamado contrato. Ele então representa um conceito jurídico que recepciona no plano da existência um fato social composto pelas relações entre particulares que ajustam ou combinam os seus interesses. (POMPEU, 2010, p.406)

A liberdade contratual, princípio ser tratado logo em seguida, é uma das

expressões da autonomia privada.

Na doutrina liberal, a liberdade contratual:

[...] se apresentava em três grandes vertentes: na liberdade de celebrar ou não um contrato, na liberdade de escolher com quem contratar e na liberdade do estabelecimento das cláusulas que obrigariam as partes. (RUGER; RODRIGUES, 2007, p.4).

Importante ressaltar que a liberdade decorria essencialmente da autonomia

da vontade e era apenas formal. Ao Estado não caberia a intervenção na esfera da

vontade individual.

Levada às últimas conseqüências a liberdade apregoada no liberalismo

contribuiu para o alargamento da distância e desigualdade social entre as pessoas.

Desta forma, numa tentativa de solucionar essa questão surge o Estado Social,

essencialmente interventor, chamando a si o dever de regular as relações sociais de

forma mais concreta.

A autonomia passa, então, por mudança estrutural, não sendo mais

expressão da vontade individual, mas sim da vontade limitada pelo Estado, que

passou a determinar certas condutas aos indivíduos. Surge a necessidade de

observação dos bons costumes, da ordem pública, assim como do interesse social:

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Ordem pública é o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política e econômica da sociedade, numa certa fase de sua evolução histórica, e que, por isso, devem considerar-se imanentes no ordenamento jurídico que vigora para aquela sociedade, naquela fase histórica. [...] estes [princípios de ordem pública] não podem, de facto, provir da consciência pessoal e da ideologia individual do juiz, mas sim encontrar sempre um qualquer fundamento de direito positivo – ainda que não nesta ou naquela norma específica, mas na lógica inspiradora de um sistema normativo complexo. (ROPPO, 2009, p.179-180)

Os princípios de ordem pública estariam inseridos na Constituição, aplicando-

se às relações entre particulares. Expressão desses princípios seria o interesse

social. Assim, segundo este autor, os contratos que prejudicassem bens ou valores

fundamentais do indivíduo estariam contrariando a ordem pública, assim como

aqueles que ameaçassem o ordenamento constitucional do Estado, embaraçando o

funcionamento da administração pública. (Roppo, 2009).

Já os bons costumes seriam:

[...] aquelas regras não escritas de comportamento, cuja observância corresponde à consciência ética difundida na generalidade dos cidadãos e cuja violação é, portanto, considerada moralmente reprovável. Os contratos que atentem contra o bom costume dizem-se contratos imorais. (ROPPO, 2009, p. 185)

Portanto, a autonomia privada encontraria limitação nas normas de ordem

pública e bons costumes, limites fixados pelo Estado:

A autonomia privada não é um poder originário e ilimitado. Deriva do ordenamento jurídico estatal, que o reconhece e exerce-se nos limites que este fixa, limites esses crescentes, com a passagem do Estado de direito para o Estado intervencionista ou assistencial. (AMARAL, 2008, p.79)

Há autores como Naves (2007, p.238), que entendem não existir limitação da

autonomia privada, mas conformação de seu conteúdo relacional de forma

intrínseca, ou seja, a própria essência da autonomia, (relacional e principiológica)

conteria as suas limitações, inserida num horizonte histórico.

Não há como falar em autonomia se não existir uma perspectiva relacional,

considerando-se o outro. Apesar dessas considerações, grande parte da doutrina

considera a autonomia privada como uma limitação estatal à vontade individual.

Com o advento do Estado Social passou-se a defender a primazia do

interesse público sobre o interesse particular, com mitigação da autonomia, uma vez

que certos contratos representando negociação de bens essenciais passam a ser

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obrigatórios, ou seja, não haveria liberdade para escolher contratar ou não; ou

mesmo escolher com quem contratar, e ainda tornaram-se obrigatórias às partes

cláusulas ou deveres implícitos que não teriam sido diretamente pactuados em

cláusulas contratuais, como a boa-fé.

O princípio da boa-fé é um princípio ético-jurídico, uma diretiva básica e geral que orienta o intérprete na realização do direito. Isso dá-lhe significativa importância no campo da metódica jurídica, que reconhece a atividade criadora da jurisprudência e o papel que nela desempenham os princípios jurídicos. [...] seu conteúdo compõe-se de um dever de lealdade, que impede comportamentos desleais (sentido negativo) e de um dever de cooperação entre os contraentes (sentido positivo). (AMARAL, 2008, p. 83)

No entanto, o Estado Social se mostrou ineficiente e altamente burocrático,

provocando muitas vezes a “quebra” de países, em virtude do inchaço da máquina

estatal.

Não se critica, com a frase acima, a necessária limitação da autonomia

individual, especialmente com a inclusão dos deveres anexos das relações

contratuais, como a boa-fé. No tanto, deve-se ter em mente que a perspectiva do

Estado Social não funcionou, trazendo inúmeros problemas estruturais para a

sociedade. Ignorar tal fato é um retrocesso e consiste no mesmo equívoco do

Estado Liberal, que elegeu a liberdade como valor supremo.

Buscando uma síntese entre as perspectivas anteriores, Liberal e Social,

surge uma nova modalidade de Estado, regulador e não diretamente empreendedor,

que prima pela inclusão das minorias, não representadas pelo interesse geral,

anteriormente imposto, mas que coíbe o abuso de direito, conseqüência da

liberdade absoluta.

Este Estado inclusivo trouxe novamente modificações à noção de autonomia,

como bem salienta Roberta Elzy Simiqueli de Faria citando Daniel Sarmento:

Segundo Daniel Sarmento, não se pode, hoje, desvincular a liberdade política das liberdades individuais, tendo em vista que, sem um ambiente político em que as liberdades individuais estejam efetivamente garantidas, com opinião pública livre, tolerância e direito à diferença, a democracia não passará de um simulacro. Por outro lado, sem o governo da maioria e a responsabilidade política dos governantes exigidas pela democracia, os grupos instalados no poder facilmente fariam sobrepor seus interesses sobre os interesses dos governados. (SARMENTO apud FARIA, 2007, p.59)

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O Estado Democrático de Direito deve proteger a liberdade do indivíduo de

realizar seus próprios projetos, não impondo sua adesão a um projeto que não seja

o deles. Essa seria a noção de autonomia privada, como uma liberdade conferida

pelo ordenamento jurídico, podendo o indivíduo manifestar sua liberdade dentro de

um conteúdo e eficácia determinada, coibindo-se os abusos de direito, tão em voga

na época da liberdade absoluta da vontade.

A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. [...] Autonomia privada não se confunde com autonomia da vontade. Esta tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto aquela exprime o poder da vontade no direito, de modo objetivo, concreto e real. Por isso mesmo a autonomia da vontade é a causa do ato jurídico (CC, art.185) enquanto a autonomia privada é a causa do negócio jurídico (CC, art. 104), fonte principal de obrigações. (AMARAL, 2008, p.77-78)

Desta forma, tem-se que a autonomia da vontade conteria essencialmente

elementos da esfera íntima do indivíduo, elementos subjetivos e psíquicos

relacionados com seus desejos e com a faculdade de escolher, de maneira livre, os

atos a serem praticados para se alcançar o fim almejado, atendendo aos interesses

íntimos.

Por outro lado, a autonomia privada diz respeito a uma esfera pessoal de

atuação, delegada ao indivíduo pelo ordenamento jurídico, sendo conformada a

vontade às disposições do direito. Ou seja, delimita-se o espaço lícito para ação dos

sujeitos.

Rogério Monteiro Barbosa e Wellington Pereira (2010) criticam essa posição

como uma abordagem equivocada, que não coaduna com o paradigma do Estado

Democrático de Direito. Para esses autores, este entendimento de autonomia

privada encontra-se visivelmente enraizado no paradigma do Estado Social,

merecendo ser reconstruída com base na teoria discursiva de Habermas:

Como já mencionado, tem-se entendido que para autonomia privada, tal reconstrução e revalorização [deste princípio sob a perspectiva constitucional] passam pela conformação de seus atos pela ordem pública, substanciada pela dignidade da pessoa humana, que condiciona seus atos levando-os à valorização da pessoa humana. E ao serem tutelados pela Constituição, são, portanto, dirigidos à realização de interesses e funções que sejam política, econômica e socialmente úteis, sem excluir o aspecto individual, ponto fulcral da própria noção de autonomia. A reconstrução e revalorização da autonomia privada passa pela sua funcionalização. Por funcionalização do direito privado entende-se a

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análise de seus princípios, normas ou institutos em relação às outras ciências sociais, para melhor compreensão do fenômeno jurídico. [...] Esta interdisciplinaridade tem sido característica dos estudos contemporâneos, onde o jurista procura saber não só como o direito é feito, mas também para que serve. (BARBOSA; PEREIRA, 2010, p.315)

A crítica destes dois autores é a limitação da autonomia pela funcionalização

do direito que, segundo eles, direciona a utilidade dos institutos jurídicos para a

realização dos interesses gerais da sociedade, com a finalidade de promover o

desenvolvimento econômico e o bem-estar social.

Esta perspectiva não estaria de acordo com o Estado Democrático de Direito.

Do ponto de vista Liberal há proteção ao egoísmo individualista, que pode gerar

abuso de pode e de direito. Do ponto de vista Social há pressuposição de

congruência dos projetos de vida, com supremacia do interesse público sobre o

interesse individual.

A redefinição da autonomia privada com base no paradigma Social, a partir da

busca de realização de valores e interesses comuns e coletivos não se mostra viável

numa sociedade contemporânea pluralista. Neste sentido, válida a lição de Naves:

O risco de se adotar a idéia de valor ou utilidade social é desterrar o indivíduo em prol de uma pretensa coletividade, que nada mais é do que a posição de um pequeno grupo (ou mesmo de um grande grupo). A proteção da diferença é também a proteção daqueles que foram alijados do processo decisório. E quem determina qual é a utilidade social? (NAVES, 2009, p.305)

A autonomia privada, então, deve ser apreciada num contexto de respeito às

diferentes liberdades. Sendo intersubjetiva a construção da autonomia, não há

prevalência da vontade individual onipotente e, da mesma forma, não se afigura

legítima a argumentação que limite a autonomia privada em favor de interesses

coletivos ou funcionais, independentemente da existência de um processo

argumentativo que problematize a questão e que seja construído pelos seus

destinatários. (Barbosa; Pereira, 2010, p.324).

Segundo ensinamento de Francisco Amaral (2008, p.80), os princípios

contratuais decorrem imediatamente do princípio da autonomia privada, sendo

delineados a seguir.

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3.1.2 A Liberdade contratual

A liberdade contratual consiste no poder que as partes têm de estipular

livremente, da forma que melhor lhes aprouver, a disciplina de seus interesses. Este

princípio manifesta-se no poder de escolher contratar ou não, de escolher com quem

contratar e ainda sobre o que contratar, fixando o conteúdo do negócio.

Existe diferença entre liberdade contratual e autonomia da vontade, como

visto. Segundo Cláudia Lima Marques (2002) a autonomia da vontade era a pedra

angular do Direito, sendo que a concepção de liame contratual estava centrada na

idéia do valor da vontade como elemento principal e única fonte do contrato,

conferindo legitimidade para a criação de direitos e obrigações oriundas da relação

jurídica contratual.

Sob a ótica do Estado Liberal, superado o Estado Absoluto, surgiu o indivíduo

absoluto. Desta forma, não era aceitável que o Estado interviesse na esfera

particular. Qualquer tentativa neste sentido seria considerada arbitrária. “[...] a

proteção à liberdade incluiria, numa visão assim extremada, até mesmo a liberdade

de não ser livre.” (NEGREIROS, 2006, p. 16).

O Código Civil de 1916, por exemplo, tinha uma feição nitidamente

individualista, sendo que justiça significava o exato cumprimento das cláusulas

contratuais, que as partes de livre e espontânea vontade pactuaram.

Na concepção clássica, as regras contratuais compunham um quadro de

normas supletivas, interpretativas, para permitir assim como assegurar a plena

autonomia de vontade dos indivíduos, e a liberdade contratual.

A autonomia da vontade é intimamente ligada à livre iniciativa, princípio

consagrado do capitalismo, importantes para o desenvolvimento das relações

econômicas. Não poderiam ser obstaculizadas pelo Estado.

Assim, na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está ligada

diretamente à doutrina da autonomia da vontade e “ao seu reflexo mais importante,

qual seja, o dogma da liberdade contratual.” (MARQUES, 2002, p. 42)

Portanto, a vontade das partes, declarada ou interna, é o elemento principal

do contrato, representando não só a sua criação, mas também a legitimação sua

própria e de seu poder vinculante e imperativo.

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Segundo o princípio da autonomia da vontade, somente a vontade livre,

isenta de vícios ou defeitos, pode dar origem a um contrato válido, fonte de

obrigações e de direitos.

Nesse sentido, “a função da ciência do direito será a de proteger a vontade

criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes.”

(MARQUES, 2002, p.42).

Conforme, ainda, a doutrina de Cláudia Lima Marques (2002), é no direito

natural que se encontra a base do “dogma” da liberdade contratual, uma vez que a

liberdade de contratar seria uma das liberdades naturais do homem, podendo ser

restringida apenas pela vontade do próprio homem. Desta forma, as pessoas só

podem se submeter às leis que elas mesmas se dão:

A idéia de autonomia da vontade está estreitamente ligada à idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito. (MARQUES, 2002, p. 48)

Teresa Negreiros (2006) cita uma interessante notícia veiculada no jornal

Economist, edição de 13 de julho de 1850 na Inglaterra, cuja opinião era contrária ao

movimento sanitário da época, apresentando forte reação à Lei que tornava

compulsória a ligação das casas à rede de esgoto mediante o pagamento de tributo.

O jornal alegou, acerca das precárias condições de moradia e altos índices de

mortalidade, que:

[...] provêm de duas causas, as quais serão agravadas por estas novas leis. A primeira é a pobreza das massas que, se possível, será aumentada pela tributação imposta pelas novas leis. A segunda é que as pessoas nunca puderam cuidar de si mesmas. Elas sempre foram tratadas como servos ou crianças e tornaram-se imbecis principalmente com relação aos objetivos que o governo decidiu realizar por elas. [...] Há um mal pior que o tifo ou a cólera ou a água contaminada que é a imbecilidade mental. (OSER e BLACHFIELD apud NEGREIROS, 2006 P. 17)

Esta era a liberdade almejada pela época. Cada pessoa tem capacidade para

cuidar de si mesma, sem necessidade de se submeter às ordens do Estado.

A idéia da liberdade contratual preencheu importantes funções à época do

liberalismo. De um lado permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e

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livre no mercado, valendo-se das potencialidades da economia, baseada em um

mercado livre, o que acabou por criar a importante figura da livre concorrência,

assim como do poder auto-regulador do mercado.

Por outro lado, nesta economia livre e descentralizada, deveria ser

assegurada a cada indivíduo a maior independência possível para se “auto-obrigar”

nos limites que desejasse, podendo defender-se contra a imputação de outras

obrigações para as quais não tivesse manifestado sua vontade, principalmente das

intervenções estatais.

Por isso ganhou importância o consenso, a vontade do indivíduo. Desta

forma, o dogma da liberdade contratual “aparece intrinsecamente ligado à autonomia

da vontade, pois é a vontade, que, na visão tradicional, legitima o contrato e é fonte

das obrigações, sendo a liberdade um pressuposto dessa vontade criadora, uma

exigência, [...] mais teórica do que prática.” (MARQUES, 2002, p. 49)

As necessidades sociais cresceram e viu-se que esta liberdade apenas formal

não atendia aos anseios da sociedade. Era preciso limitá-la, ou antes conformá-la

com a nova ordem social, pois “a liberdade contratual ilimitada concedida às

concentrações de poder econômico possibilitadas por essa mesma economia [pós

guerra] conduziria a uma situação na qual a liberdade dos mais fortes se

transformaria na privação da liberdade dos mais fracos.” (WIEACKER, 2004, p.

631).

Como ensina Joaquim de Sousa Ribeiro (2003, p.100), a teoria clássica

contratual era classificada como formalista, uma vez que desconsiderava o fato de

as partes possuírem ou não a disponibilidade dos meios e condições para

efetivamente exercitar a sua liberdade. De tal entendimento conclui que a liberdade

contratual era garantida a todos “apenas como instrumento jurídico, como

oportunidade ou permissão de livre conformação de interesses”. (RIBEIRO, 2003,

p.101).

Antes mesmo do surgimento do Estado Social já se verificava uma mitigação

da liberdade contratual, uma vez que a produção e a contratação em massa

proporcionaram a criação de cláusulas contratuais gerais e contratos de adesão, a

fim de facilitar as operações econômicas, sendo o teor das normas contratuais

imposto por uma parte (economicamente mais forte) a outra parte (economicamente

vulnerável).

Segundo Francisco Amaral:

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Com as transformações da sociedade contemporânea, a idéia do social começa a prevalecer sobre a do individual, levando a uma intervenção crescente do Estado no domínio econômico, que suscita novos temas, o da função social e o do abuso de direito. (AMARAL, 2008, p.85)

O Estado intervencionista proporcionou a criação de mecanismos que, se não

eficientes para equilibrar a relação contratual, promovendo a igualdade material

entre os contratantes, serviram para mitigar o poder supremo da parte

economicamente mais forte, impedindo que a mesma se aproveitasse de certas

situações, especialmente nas contratações feitas a partir de contratos com cláusulas

pré-definidas:

No domínio contratual, a liberdade material não é, em regra, susceptível de uma directa garantia positiva: a invertenção não parifica posições de desigualdade, somente impede algumas das vantagens que a parte mais forte delas poderia oportunisticamente retirar. Como complexo normativo, o direito dos contratos não tem potencialidades para moldar ou restaurar as condições materiais de uma autonomia efectiva, mas apenas para as inscrever entre os requisitos do reconhecimento da liberdade contratual, extraindo conseqüências limitativas da sua não verificação. (RIBEIRO, 2003, p.107).

Exemplo desses mecanismos no Brasil é a Lei n. 8.078/90, conhecida como

Código de Defesa do Consumidor que, dentre outros, prevê a nulidade de cláusulas

abusivas, bem como a interpretação mais favorável ao consumidor, considerado a

parte vulnerável da relação de consumo.

Posteriormente, com a entrada em vigor do Novo Código Civil brasileiro, Lei n.

10.206/02, uma tentativa de limitação ou conformação do princípio da liberdade

contratual, como adiante se verá, foi a previsão normativa de uma função social

exercida pelo contrato que, segundo entendimento já descrito anteriormente, numa

perspectiva social, supostamente pretende subordinar o ato de contratar, assim

como as cláusulas contratuais, à consecução de justiça social. Tal pensamento

comporta reservas, como se verá, e não corresponde a uma perspectiva

democrática.

O princípio da autonomia privada tem, como pressuposto, a liberdade individual, que, filosoficamente, é a possibilidade de opção, como liberdade de fazer ou de não fazer, e sociologicamente, ausência de condicionamentos materiais e sociais. Do ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato não ordenado nem proibido por lei, e, de modo positivo, é o poder que as

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pessoas têm de optar entre o exercício e o não-exercício de seus direitos subjetivos. (AMARAL, 2008, p.78)

A liberdade contratual pode ser vista como uma das faces da autonomia

privada, que decorre, por sua vez, da liberdade individual. A autonomia privada tem

um âmbito maior de incidência, uma vez que não se limita às questões patrimoniais,

englobando as existenciais no universo jurídico, já que a pessoa tem poder para se

autodeterminar em uma ou outra área.

A liberdade individual, por sua vez, é o aspecto mais amplo de todos, uma vez

que não se insere apenas no campo jurídico.

Nas palavras de João de Matos Antunes Varela, pode-se conceituar e

diferenciar autonomia privada e liberdade contratual:

Uma coisa é, na verdade, a faculdade reconhecida aos particulares de fixarem livremente, segundo o seu critério, a disciplina vinculativa dos seus interesses, nas relações com as demais criaturas (autonomia privada). E outra coisa, embora estreitamente relacionada com essa, é o poder reconhecido às pessoas de estabelecerem, de comum acordo, as cláusulas reguladoras (no plano do Direito) dos seus interesses contrapostos (liberdade contratual), que mais convenham à sua vontade comum. (VARELA, 2000, p.226)

Em uma perspectiva democrática, a liberdade contratual não pode ser vista

como poder absoluto das partes de delinearem o negócio jurídico, desconsiderando

os efeitos que o contrato provoca no meio social, bem como as demais liberdades

por ela afetadas.

3.1.3 Obrigatoriedade do contrato

Este princípio determina que as estipulações feitas no contrato devam ser

cumpridas fielmente, sob pena de execução judicial contra o inadimplente.

Muito se discute acerca do fundamento da obrigatoriedade das avenças

contratuais. Numa definição bem simples, o contrato é um negócio jurídico onde as

partes, através da manifestação de vontade, disciplinam determinados efeitos,

buscando promover seus interesses.

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Na obra “Contrato como promessa” o autor Charles Fried (2008) afirma ter o

Direito contratual uma base moral, consubstanciada no princípio da promessa. O

Direito contratual, então, se fundaria na instituição moral primitiva do prometer. Este

autor explica a relação contratual no contexto do liberalismo econômico, onde a

autonomia da vontade é a máxima expressão da liberdade de um indivíduo.

Desta forma, se o indivíduo decide livremente comprometer-se a realizar algo

e faz uma promessa, gera legítimas expectativas na outra parte, devendo ser a

mesma, portanto, cumprida. Expressão do princípio “pacta sunt servanda”, sendo o

contrato lei entre as partes.

Charles Fried (2008) fundamenta que o princípio da promessa é fundado no

ideal liberal, que faz a distinção entre o que é o bem, que pertence à esfera das

aspirações e o que é correto, que estabelece os termos e limites dentro dos quais os

indivíduos se esforçam. O ideal liberal, nesta visão, permite que os indivíduos

tornem-se proprietários daquilo que conseguem, legando aos mesmos, também, os

fracassos e responsabilidades por seus autos, independentemente de

compartilharem ou não sua fortuna ou esperarem ajuda quando fracassarem.

Através da manifestação da vontade, o indivíduo possuiria uma gama

praticamente infinita de possibilidades para o próprio desenvolvimento, limitadas

apenas pela existência de outro indivíduo na relação. As demais pessoas não

podem ser “utilizadas” para consecução dos interesses de outrem por não estarem à

disposição deste, haja vista que possuem, igualmente, autoconsciência e

autodeterminação. Mas ninguém pode desenvolver-se sozinho. A saída para tanto,

segundo o Autor, foi a “descoberta moral de que os homens livres podem mesmo

assim servir livremente aos objetivos uns dos outros”, (FRIED, 2008, p. 10).

O grande dilema de Charles Fried consistiu em determinar como transformar

em não opcional uma conduta que geralmente seria opcional, ou seja, como

restringir a autonomia individual. Ele descobriu que o interesse individual, ou as

considerações utilitárias, não são suficientes para sustentar a convenção, pois o

promitente pode não estar mais interessado em cumpri-la quando chegar o

momento, se ela se mostrar inconveniente ou onerosa.

Na obrigação moral, o cumprimento da promessa não se baseia em

argumentos de utilidade, e sim no respeito à autonomia individual e na confiança.

Desta forma, um indivíduo estaria moralmente obrigado a cumprir suas promessas

porque intencionalmente invocou uma convenção cuja função é fornecer a base para

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que outra pessoa espere o desempenho prometido. É uma expressão do princípio

Kantiano de confiança e respeito, em que cada um age de forma que sua ação

possa ser universalizada.

Nos casos de descumprimento da promessa, o indivíduo responsável deverá

entregar o equivalente do desempenho prometido, medindo-se o ressarcimento pela

expectativa gerada. Percebe-se, portanto, que o princípio da promessa pode até

explicar a obrigatoriedade do contrato numa situação ideal. Entretanto, quando

confrontado com o descumprimento, em geral a obrigação é resolvida pela sanção,

perdas e danos e outros princípios ligados à responsabilidade civil. Não se pode

negar que algumas pessoas cumprem os contratos em razão da palavra dada, mas

também há outras que cumprem apenas em razão de outros motivos, especialmente

das sanções impostas. Se não fosse assim, não haveria necessidade de previsão de

multa contratual, pois as partes livremente cumpririam o pactuado.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2007), o contrato “é a mais comum e a

mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras

repercussões no mundo jurídico”. O contrato seria, para ele, fonte de obrigação, fato

que lhe dá origem.

Já Darcy Bessone de Oliveira Andrade afirma que:

É certo que, unanimemente, as legislações consagram a obrigatoriedade dos contratos. A própria uniformidade de regulamentação jurídica evidencia que não se trata de regra arbitrária, inserta em todos os códigos por simples coincidência. Qual seria, então, a sua razão? O problema pertence à Filosofia do Direito. (ANDRADE, 1960, p. 31).

Ele delimita oito tentativas para explicação do princípio da obrigatoriedade do

contrato, sendo eles: 1) A sociabilidade ou pacto social; 2) ocupação, posse ou

tradição; 3) abandono da própria liberdade; 4) interesse; 5) a consciência e a razão;

6) a vedação ao ato de causar prejuízo a outrem; 7) a veracidade, obrigação de

dizer a verdade; 8) liberdade de disposição da própria liberdade e respeito ao direito

do aceitante.

Afirma, também, que o fundamento da obrigatoriedade não está no

consentimento, na fusão de duas vontades, pois o ato jurídico também pode ser

formado unilateralmente. Sendo o contrato um negócio jurídico que pressupõe duas

ou mais vontades, a análise do contrato se decomporia em promessas unilaterais

obrigatórias, o que guarda consonância com a doutrina de Charles Fried. Mas, por

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que obriga a declaração de vontade? Darcy Bessone explica que a declaração deve

ser sempre obrigatória quando afetar interesses alheios, sendo imprescindível que o

seu cumprimento possa ser compelido.

Afirma, portanto, que a sanção é essencial à segurança das relações

jurídicas, pois quem é beneficiário de uma promessa deve poder contar com sua

execução. Alem disso, justifica a obrigatoriedade pela autonomia da vontade do

promitente, constituindo a promessa uma renúncia da própria liberdade.

O fato de encontrar-se previsto na grande maioria das legislações, senão em

todas, conforme salientou Darcy Bessone (1960), pode significar que o princípio da

obrigatoriedade do cumprimento dos contratos vem de um princípio moral.

Sobre a questão, Miguel Reale cita a teoria do mínimo ético, que consiste em:

[...] dizer que o Direito representa apenas o mínimo de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. A moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social. (REALE, 2009, p. 42)

Assim, o Direito não seria algo diverso da Moral, mas uma parte da mesma,

possuindo garantias específicas para o seu cumprimento. Ainda segundo Miguel

Reale (2009, p.44), “o ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra”.

Ou seja, só existe conduta verdadeiramente moral quando o indivíduo pratica

conscientemente, por convicção íntima, o que se encontra previsto na norma. O ato

moral é espontâneo, não pode ser objeto de coerção. Esta seria justamente uma das

principais diferenças entre o Direito e a Moral, a coercibilidade do primeiro.

O Direito seria “a ordenação coercível da conduta humana” (REALE, 2009, p.

48). As normas jurídicas podem ou não coincidir com as convicções morais de cada

um, devendo ser cumpridas em todos os casos, mesmo que não se concorde com

elas. Isso ocorre em razão da objetividade das normas jurídicas, ao contrário da

convicção subjetiva moral.

Nas palavras de Miguel Reale:

A validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma

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relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatários, é o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa nota diferenciadora, afirmando ser a Moral autônoma, e o Direito heterônomo. (REALE, 2009, p.49)

Acerca das características coercitivas do Direito, Miguel Reale ainda afirma que:

Durante muito tempo, os juristas, sob a influência da Escola Positivista, contentaram-se com a apresentação do problema em termos de coercitividade; em seguida, renunciaram à “teoria da coação em ato”, para aceitá-la em “potência”, ou seja, depois de verem o Direito como coação efetiva, passaram a apreciá-lo como possibilidade de coação, mas nunca abandonaram o elemento coercitivo. Este permaneceu como critério último na determinação do Direito. Podemos dizer que o pensamento jurídico contemporâneo, com mais profundeza, não se contenta nem mesmo com o conceito de coação potencial, procurando penetrar mais adentro na experiência jurídica, para descobrir a nota distintiva essencial do Direito. Esta é a nosso ver a bilateralidade atributiva. (REALE, 2009, p. 50)

Esta teoria da bilateralidade atributiva, conforme salienta Miguel Reale,

corresponde à “imperatividade atributiva” de Petrazinski, citado por ele. (Reale,

2009).

Segundo esta teoria, existem duas situações a ser consideradas: a primeira

quando nos dispomos a realizar algo por mera caridade, movidos pela solidariedade

humana, como no caso de dar esmolas a um necessitado que pede. Outra situação

advém quando o pagamento decorre de uma contra-prestação, como no caso de um

indivíduo que paga o deslocamento do taxista.

Na primeira situação, não há laço de exigibilidade, mas na segunda sim, pois

o taxista pode exigir o pagamento ante a prestação do serviço. Desta forma, “há

bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma

proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo.”

(REALE, 2009, p. 51).

Assim, nos enlaces contratuais “nenhuma pessoa deve ficar à mercê da outra,

pois a ação de ambas está subordinada a uma proporção transpessoal ou objetiva,

que se resolve numa relação de prestações e contraprestações recíprocas.” (Reale,

2009, p. 52).

João de Matos Antunes Varela (2006) demonstra que o termo “obrigação”

pode ser utilizado tanto na linguagem corrente, como na literatura jurídica, com

sentidos diversos, cabendo a distinção à ciência jurídica.

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Desta forma, a obrigação pode ser um dever jurídico, ou seja, uma

necessidade imposta pelo Direito às pessoas de observar certo comportamento,

expressa através de um comando. Não é simples conselho ou advertência, mas

exigência normalmente acompanhada de sanções. Segundo João de Matos Antunes

Varela:

Quando a ordem jurídica confere às pessoas em cujo interesse o dever é instituído o poder de disporem dos meios coercitivos que o protegem – quando, por outros termos, o funcionamento da tutela do interesse depende da vontade do titular deste – diz-se que ao dever corresponde um direito subjetivo. O direito subjetivo é o poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio ou alheio. O titular do direito subjetivo não é, assim, apenas um vigilante interessado do comportamento prescrito; é o árbitro ou o juiz da vantagem do funcionamento, em cada caso concreto, da tutela jurídica do dever, mesmo quando dela não possa dispor livremente (direitos indisponíveis). (VARELA, 2006, p. 53)

No âmbito do dever jurídico encontra-se o dever de prestação,

correspondente às obrigações. A possibilidade de exigir, então, o cumprimento da

obrigação, segundo este autor consiste no direito subjetivo conferido às partes,

contrapondo-se ao dever jurídico de efetuar a prestação. Não é apenas a promessa

que gera esse direito subjetivo, mas a previsão legal de que as obrigações devem

ser cumpridas, sob pena de execução forçada ou resolução em perdas e danos,

afetando o patrimônio da parte que descumpriu.

Cesar Fiúza (2002) faz uma breve digressão histórica acerca do fundamento

da obrigatoriedade, demonstrando que, para os jusnaturalistas, seria uma norma de

Direito Natural, baseando-se tanto no contrato social, quanto na própria natureza

humana.

Por outro lado, os utilitaristas encontram o fundamento do princípio da

obrigatoriedade contratual na conveniência de respeitar para ser respeitado. Já os

positivistas afirmam que o fundamento está no próprio Direito Positivo, vigorando o

princípio por estar previsto em lei.

Nas palavras de Fiúza (2002) Kant aduz que o fundamento encontra-se na

liberdade, sendo obrigatório porque as partes assim acordaram.

Entretanto, modernamente:

A obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos na Teoria preceptiva, segundo a qual as obrigações oriundas dos contratos obrigam não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à

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sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas conseqüências econômicas e sociais. A esfera contratual é espaço privado, em que as partes, nos limites impostos pela lei, podem formular preceitos (normas) para regular sua conduta. A obrigatoriedade contratual também se baseia no princípio da confiança. Baseado no valor social da aparência (Betti), o contrato vincula por razões sociais, ou seja, as partes têm que ter a segurança ou a confiança de que o contrato será cumprido, mesmo que à força. (FIÚZA, 2002, p. 365)

Desta forma, consoante disposto por Fried (2008), a vinculação das partes

passa pela questão da confiança gerada, que o ordenamento jurídico pretende

proteger, mas não se baseia simplesmente na promessa, tendo uma característica

objetiva.

Esta obrigatoriedade, numa perspectiva liberal, se explica segundo Maria

Helena Diniz, porque “o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao

ordenamento jurídico, constituindo verdadeira norma de direito, autorizando,

portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da

obrigação não cumprida segundo a vontade que a constituiu.” (DINIZ, 2006, p. 29)

Como conseqüência da auto-regulamentação dos interesses das partes

contratantes, surge a imperiosa necessidade de proteção da confiança que cada

uma das partes depositou no negócio estipulado.

E ainda, traz a idéia de que o contrato é intangível e imutável, admitindo

apenas algumas exceções como nos casos de caso fortuito ou força maior, ou ainda

se as partes o rescindirem voluntariamente.

Neste sentido:

Se o homem é livre para manifestar sua vontade e para aceitar somente as obrigações que sua vontade cria; fica claro que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia da superioridade da vontade sobre a lei. O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê-la, interpretá-la e reconhecer sua força criadora. O contrato, como diz o art. 1.134 do Código Civil francês, será a lei entre as partes. A própria lei, oriunda do Estado, vai buscar o seu poder vinculante na idéia de um contrato entre todos os indivíduos desta sociedade. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos. (MARQUES, 2002, p. 50)

Se o contrato foi realizado validamente, com a observância de todos os

requisitos essenciais e formais, tem força obrigatória para as partes, não podendo

ser alterados os termos nem mesmo judicialmente. Portanto, as partes não podiam

furtar-se ao cumprimento das obrigações, mesmo em razão de desequilíbrio sofrido

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em conseqüência de fatos imprevisíveis nas relações contratuais e que

acarretassem exploração de um sobre o outro.

A idéia clássica da força obrigatória dos contratos significa que, uma vez

manifestada sua vontade, as partes estarão ligadas por um contrato, que contém

direitos e deveres dos quais não poderão se desvincular, exceto por outro acordo de

vontades ou por motivo de caso fortuito e força maior.

Essa força seria reconhecida pelo direito e imposta ante a tutela jurisdicional,

pois ao juiz não caberia modificar e adequar à equidade a vontade das partes, pelo

contrário, nessa visão tradicional caber-lhe-ia respeitá-la e assegurar que fossem

atingidos os efeitos almejados pelas partes.

A doutrina moderna já aceita que este princípio não é absoluto como se

afirmava. Tudo conforme a interpretação cumulada com os princípios

contemporâneos acerca da equivalência das prestações e do equilíbrio contratual.

Certo é que o Poder Judiciário já vinha aplicando a teoria da imprevisão há

algum tempo, sob a justificativa de restabelecer o satus quo ante, ou seja, o

equilíbrio entre as partes.

Além disso, o contrato tem passado por profundas modificações, sendo

informado por três novos princípios: boa-fé objetiva, equilíbrio contratual e função

social dos contratos. Desta forma, não apenas a palavra e a confiança podem ser

consideradas fundamento da obrigatoriedade, tendo em vista que as implicações

sociais, os deveres anexos da boa-fé objetiva e a necessidade de equilíbrio material

entre prestação e contra-prestação trouxeram novos limites à vontade das partes,

vinculando o cumprimento dos contratos.

3.1.4 Relatividade dos efeitos contratuais

Segundo este princípio clássico, o negócio jurídico avençado não beneficia

nem prejudica terceiros, vinculando e gerando efeitos apenas para as partes

contratantes: res inter alios acta allis neque nocere neque prodesse potest1. Logo,

1 O que foi negociado entre as partes não pode prejudicar nem beneficiar terceiros.

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não tem eficácia em relação a terceiros e seu patrimônio, como ensina Maria Helena

Diniz (2006).

O contrato nasce de um acordo de vontades, assim, ninguém pode se

submeter à relação contratual se destarte não quiser ou se a lei não determinar.

Como qualquer instituto de Direito, tem suas exceções.

É coerente com o modelo clássico do contrato, pois confere a impressão de

que objetiva exclusivamente a satisfação das necessidades individuais daqueles que

o haviam celebrado.

O Código Civil brasileiro de 1916 previa em seu artigo 928 que: “A obrigação,

não sendo personalíssima, opera assim entre as partes, como entre seus herdeiros.”

(BRASIL, 1916)

Como corolário da autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos

fica limitada às pessoas que dele participaram, manifestando a sua vontade.

Assim, como a legitimidade do contrato era determinada pela vontade livre e

isenta de vícios e defeitos, quem não exprimiu essa vontade não poderia sofrer os

benefícios ou malefícios das determinações contratuais.

Esta visão vem sendo modificada, pois já se sabe que alguns contratos

podem atingir terceiros, direta ou indiretamente, que não façam parte deles. Além

disso, como ensina Carlos Roberto Gonçalves: “o princípio da relatividade dos

efeitos do contrato, embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo

reconhecimento de que as cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública,

não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes”.

(GONÇALVES, 2007, p.27)

O contrato é coisa percebida por outras pessoas que dele não participaram,

como explica Sílvio de Salvo Venosa (2007). Esse aspecto é bastante observado

nos contratos de consumo.

Existem inúmeras exceções a este princípio da relatividade como as

estipulações em favor de terceiro (artigos 436 a 438 do Código Civil de 2002),

convenções coletivas de trabalho, etc.

Além disso, Sílvio de Salvo Venosa explica que “esse princípio da relatividade

não se aplica tão-somente em relação às partes, mas também em relação ao

objeto.” (VENOSA, 2007, p. 345). Assim, o contrato sobre o bem que não pertence

às partes não atinge terceiros. (Esta regra também comporta exceções).

Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:

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O legislador atentou aqui para a acepção mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, como se ele tivesse existência autônoma, fora do mundo que o cerca. Hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. (PEREIRA, 2006, p.13)

Segundo a teoria clássica, em regra, as obrigações não podem ser opostas a

terceiros, nem por eles invocadas, como uma conseqüência lógica da necessária

manifestação de vontade a legitimar um contrato, pois, sem o consentimento válido,

não pode ter existência o ato jurídico e, por conseguinte, a obrigação em relação a

essas pessoas que na formação contratual não intervierem, é como se não existisse.

Desta forma, segundo Teresa Negreiros (2006), pode-se falar em um nexo de

causa e efeito estabelecido entre o princípio da autonomia da vontade e o princípio

da relatividade dos efeitos do contrato.

3.2 Princípios Contemporâneos

Na concepção tradicional de contato, a relação contratual seria obra de dois

indivíduos em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, que discutiriam

livremente e de forma individual as cláusulas de seu acordo de vontades.

A função social no modelo liberal “era implícita à própria idéia de liberdade

individual que se expressava na plenitude da autonomia”. (RÜGER; RODRIGUES,

2007, p.18)

No entanto, a liberdade individual ilimitada, assim como a igualdade apenas

formal converteu-se em arbitrariedade, entrando em colapso o sistema liberal.

Na sociedade de consumo estabelecida pela Revolução Industrial, pode-se

dizer que o comércio jurídico se despersonalizou, pois a empresa e mesmo o

Estado, pela sua posição econômica e atividades de produção e distribuição de bens

e serviços, começaram a constituir uma série de contratos no mercado.

São contratos de conteúdo homogêneo, mas concluídos com uma série ainda

indefinida de contratantes. Desta forma, por uma questão de economia e praticidade

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as empresas se propuseram a dispor antecipadamente de um esquema contratual,

oferecido à simples adesão dos consumidores.

Nesse tipo de contratos não havia, e ainda não há, a liberdade contratual de

definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o aderente apenas aceitá-lo

ou recusá-lo.

A profunda renovação do Direito Contratual deve-se a fatos como, nas

palavras de Cláudia Lima Marques, “o incremento da vida contratual, cada vez mais

intensa e estandardizada, a mudança de uma economia agrária em economia

industrial e capitalista, concentradora de riquezas e de poder, e a criação de uma

sociedade de consumo.” (MARQUES, 2002, p. 222).

O processo acelerado de acumulação de capital, bem como o aumento da

desigualdade social agravando os problemas sociais e a necessidade de proteção

ao consumidor passaram a exigir a intervenção estatal, mormente no que tange à

liberdade contratual, que já se encontrava limitada pelos contratos de adesão. Ao

contrário do que se acreditava, o dogma da liberdade contratual tornou-se uma

ficção: liberdade de uns e opressão dos outros, da mesma forma que a livre

concorrência não foi suficiente para conduzir a economia a resultados aceitáveis.

Assim, ficou evidente que o fenômeno da industrialização, conforme ensina

Cláudia Lima Marques (2002), e a massificação das relações contratuais,

especialmente através da criação dos contratos de adesão provocaram novos

questionamentos acerca da teoria contratual, pelos quais o conceito clássico de

contrato não mais se adaptava à realidade socioeconômica do século XX.

Além disso, o processo de democratização do Estado teve como

conseqüência a diversificação dos interesses, sendo objetivo da administração

pública procurar satisfazê-los.

Desta forma, manteve-se o regime de economia de mercado, porém sujeito a

algum dirigismo em busca de equilibrar os interesses. O Estado Social de Direito

assenta-se sobre um humanismo democrático, em substituição ao individualismo do

Estado Liberal. Após a “crise” também do Estado Social, conforme salientado,

provocada pelos excessos da interferência estatal, caíram por terra os postulados

que privilegiavam a vontade coletiva em detrimento da vontade individual.

Os ideais do Estado Liberal e aqueles do Estado Social pressupunham uma imanente tensão entre interesse público e interesse privado. Naquele, os interesses individuais sobrepunham-se aos demais e, ao Estado, cabia

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a manutenção da ordem para que os interesses privados pudessem ser satisfeitos. Já no Estado Social, havia uma concepção equivocada de que as pessoas deviam servir à sociedade política, como instrumento de interesses “maiores”. (NAVES, 2009, p.311).

Passou-se a questionar a classificação estanque de interesse público e

interesse privado, bem como a própria noção de interesse como situação jurídica.

Neste sentido, Naves cita com precisão Daniel Sarmento:

Portanto, o quadro que se delineia diante dos olhos é muito mais o de convergência entre interesses públicos e particulares do que o de colisão. Tal situação, repita-se, não constitui a exceção, mas a regra. Na imensa maioria dos casos, a coletividade se beneficia com a efetiva proteção dos interesses de seus membros da sociedade, razão pela qual se torna em regra impossível dissociar os interesses públicos dos privados. (SARMENTO apud NAVES, 2009, p.311).

Tais mudanças refletiram nos contratos e tiveram como conseqüência não o

abandono dos princípios clássicos contratuais, mas sim o acréscimo de outros,

visando à conformação dos antigos e sua adequação à nova realidade social.

O Estado Democrático de Direito, consagrado no país pelo marco da

Constituição da República Brasileira de 1988, inseriu no ordenamento jurídico pátrio

certos princípios voltados para a priorização crescente de normas públicas que

harmonizassem a esfera individual e a social. Desta forma, não mais se acredita na

supremacia do interesse público sobre o privado, mas sim, na harmonia entre os

dois.

Em que pese não ser modificada fundamentalmente a finalidade do contrato,

qual seja, a circulação de riquezas, a nova doutrina contratual tem defendido a

consideração do contrato como instrumento de promoção dos objetivos declarados

na Constituição da República, tais como proporcionar o desenvolvimento nacional,

construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais,

etc., emergindo nesse caso uma função social.

Segundo Habermas, “o Estado Democrático define que todo direito subjetivo

deve sua existência a uma ordem jurídica objetiva, que irá possibilitar e garantir a

integridade de uma vida autônoma, mas em comum, fundada em uma ordem de

coisas que tenham como vetor o mútuo respeito.” (HABERMAS, 1995)

Não há supressão da autonomia, uma vez que não se pode defender o

Estado totalitário, mas respeitando-se a necessária vida em comum, coíbe-se os

abusos de direito.

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Assim, a nova concepção do Direito Contratual não se limita à existência dos

três princípios clássicos mencionados, mas abrange ainda outros três, como registra

Antônio Junqueira de Azevedo citado por Humberto Theodoro Júnior (2004, p.4): “1)

princípio da boa fé objetiva, 2) princípio do equilíbrio econômico, 3) princípio da

função social dos contratos.”

A existência de novos princípios não eliminaria os antigos, mas acrescentaria

fundamentos éticos e funcionais necessários à criação e execução dos contratos.

Como será visto posteriormente, a pretensão de utilização de valores éticos no plano

da aplicação do Direito deve ser afastada, uma vez que a coerção, instrumento

imprescindível na consecução do direito, somente pode ser garantida pela

normatividade, estando os valores ligados ao plano de justificação apenas.

A Constituição da República, em artigo 1º, descreve como fundamento da

República, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Tais

valores representam interesses da coletividade, que devem ser representados por

direitos subjetivos, para fins de eficácia.

Desta forma, no paradigma do estado Democrático de Direito, a aplicação dos

princípios contratuais não deve ser feita com base numa escala de valores, nem

eleger um valor supremo, mas sim, considerando a normatividade dos princípios,

resolver eventuais conflitos pela adequação ao caso concreto. Deverá conciliar

princípios novos e clássicos, buscando respeitar os objetivos da República e seus

fundamentos.

A seguir serão tratados rapidamente os novos princípios contratuais, dando-

se ênfase apenas à função social dos contratos, objeto deste trabalho.

3.2.1 Princípio da boa-fé objetiva

É a consagração do entendimento de que não só o acordo de vontades obriga

as partes contratantes, mas sim, alguns “deveres paralelos” nas palavras de

Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 9), sendo estes últimos acessórios àqueles que

foram pactuados.

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O artigo 422 do Código Civil de 2002 dispõe: “Art. 422. Os contratantes são

obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios da probidade e boa-fé.” (BRASIL, 2007)

Neste sentido, difere-se a boa-fé subjetiva ou o estado de espírito do agente,

da boa-fé objetiva:

A boa-fé objetiva desliga-se completamente do elemento vontade, para focalizar sua atenção na comparação entre a atitude tomada e aquela que se poderia esperar de um homem médio, reticente (sic), do bom pai de família. O eixo da análise é deslocado. Enquanto na primeira modalidade o reconhecimento do animus nocendi é vital, na segunda desimporta. (USTARRÓZ apud THEODORO JÚNIOR, 2004, p.10).

Assim, ambos os contratantes devem agir segundo os costumes das

pessoas honestas. Segundo Teresa Negreiros, o princípio da boa-fé representa o

valor da ética, lealdade, correção, veracidade, com fundamento na Constituição

através da cláusula geral de tutela da pessoa humana e solidariedade social, em

que “o respeito ao próximo é elemento essencial de toda e qualquer relação

jurídica”. (NEGREIROS, 2006, p. 117).

Segundo Caio Mário, “a maior crítica que certamente se podia fazer ao

Código Civil de 1916 era a de que nele não se tinha consagrado expressamente o

princípio da boa-fé como cláusula geral”. (PEREIRA, 2006, p. 20).

Este princípio incide sobre todas as relações jurídicas da sociedade, sendo

de observância obrigatória, embora contenha um conceito jurídico indeterminado

que se concretiza apenas nas peculiaridades do caso concreto.

Apesar disso, a doutrina tem delineado contornos a este princípio,

parâmetros que permitem ao intérprete verificar sua existência ou ausência em cada

caso.

Estes parâmetros dizem respeito ao comportamento do agente em

determinada relação jurídica de cooperação, conforme ensina Caio Mário da Silva

Pereira (2006). Seu conteúdo são padrões de conduta que variam de exigências

conforme a necessidade do tipo de relação existente entre as partes.

Neste sentido, difere da boa-fé subjetiva que se qualifica como estado de

consciência da parte de estar se comportando conforme determina o ordenamento

jurídico ou não. Assim, a boa-fé subjetiva cria deveres negativos para as partes.

Já a boa-fé objetiva:

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Cria também deveres positivos, já que exige que as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas obtenham o proveito desejado. Assim, o dever de simples abstenção de prejudicar, característico da boa fé subjetiva, se transforma na boa-fé objetiva em dever de cooperar. (PEREIRA, 2006, p.21).

O princípio é elemento interpretativo, além de possuir função limitadora e de

criação de deveres jurídicos (acessórios) de equidade, razoabilidade e correção, em

prol do interesse social e da segurança das relações jurídicas.

Segundo Cláudia Lima Marques (2002), o princípio da boa-fé objetiva na

formação e execução das obrigações possui as seguintes funções:

A primeira é uma função criadora, seja como fonte de novos deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato ilícito, ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora, reduzindo a liberdade de atuação dos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e liberando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta. A terceira é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o que permite uma visão total e real do contrato sob exame. (MARQUES, 2002, p. 180)

Nesse sentido, os deveres anexos à boa-fé podem ser entendidos como

cooperação e respeito, conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações.

Significa fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa alheia,

consubstanciada em atitude de lealdade e cuidado que se costuma observar e que é

genuinamente almejada nas relações entre pessoas honestas.

A observância do princípio da boa-fé leva à necessidade do cumprimento

desses deveres mencionados, mesmo que não previstos expressamente no

contrato, mas que são deveres gerais de conduta em todas as relações sociais.

Ainda nas palavras de Cláudia Lima Marques:

Esses deveres nasceram da observação da jurisprudência alemã ao visualizar que o contrato, enquanto fonte imanente de conflitos de interesses, deveria ser guiado e, mais ainda, guiar a atuação dos contraentes conforme o princípio da boa-fé nas relações. Dever aqui significa a sujeição a determinada conduta, sujeição esta acompanhada de uma sanção em caso de descumprimento. (MARQUES, 2002, p. 184-185)

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Assim, apesar da nomenclatura “deveres anexos”, trata-se de obrigações a

corroborar que a relação contratual obriga não somente ao cumprimento da

obrigação principal, no caso a prestação objeto do contrato, mas também ao

cumprimento de várias outras acessórias, sob pena de sanção, e que devem ser

observados tanto na fase pré-contratual, como na contratual e na pós-contratual.

3.2.2 Princípio do equilíbrio econômico

A avença contratual entre as partes pressupõe que estas estejam em pé de

igualdade e possam de maneira igualitária discutir nas cláusulas, os direitos e

deveres que se originarão do que for pactuado. Havendo disparidade, não pode

haver liberdade e autonomia da vontade, princípio fundamental do contrato.

Desta forma, a ordem jurídica buscou, com a inclusão deste princípio no

ordenamento, concretizar a igualdade material das partes, não apenas formal como

prezava o liberalismo.

“[...] torna-se anulável o contrato ajustado por quem age sob premente

necessidade ou por inexperiência, obrigando-se a prestação manifestamente

desproporcional ao valor da prestação proposta.” (PEREIRA, 2006, p. 12).

Além disso, podem ocorrer fatores que tornem a prestação avençada lesiva

ou excessivamente onerosa para uma das partes. Mesmo que à época da

convenção a situação das partes fosse de equilíbrio, acontecimentos extraordinários

podem tornar a prestação excessivamente onerosa para uma parte e extremamente

vantajosa para a outra. Nestes casos, para se igualar prestação e contraprestação

restabelecendo o equilíbrio, a lei permite a revisão dos termos contratuais, ou

mesmo sua resolução. Este princípio encontra previsão no Código Civil, artigos 157

e 478:

Art. 157. Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação proposta. § 1º. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. §2º. Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. [...]

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Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a declarar retroagirão à data da citação. (BRASIL, 2007)

Como bem explica Teresa Negreiros, o “contrato não deve servir de

instrumento para que, sob a capa de um equilíbrio meramente formal, as prestações

em favor de um contratante lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do

outro contratante.” (NEGREIROS, 2006, p. 158). Tudo sob a ótica da do princípio

constitucional da igualdade substancial previsto no art. 3º da Constituição da

República de 1988, já mencionado, e da justiça social.

Neste sentido:

[...] o princípio do equilíbrio econômico incide sobre o programa contratual, servindo como parâmetro para a avaliação de seu conteúdo e resultado, mediante a comparação das desvantagens e encargos atribuídos a cada um dos contratantes. Inspirado na igualdade substancial, o princípio do equilíbrio econômico expressa a preocupação da teoria contratual contemporânea com o contratante vulnerável. Em face da disparidade de poder negocial entre os contratantes, a disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca. (NEGREIROS, 2006, p.159).

Essa tendência de avaliar o conteúdo e resultado do contrato se contrapõe

ao Direito Contratual clássico, onde se verificava a avaliação prevalente da fase de

formação, bem como da manifestação da vontade.

3.2.3 Princípio da função social dos contratos – br eve introdução do problema

e da perspectiva clássica social

O princípio da função social dos contratos está disposto no artigo 421 do

Código Civil de 2002: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e

nos limites da função social dos contratos.” (BRASIL, 2007), combinado com o

parágrafo único, do artigo 2.035, da mesma lei: “Nenhuma convenção prevalecerá

se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código

para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.” (BRASIL, 2007).

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Função quer dizer papel, desempenho, atuação, sendo uma determinação a

ser cumprida pela coisa.

Segundo César Fiúza (2007, p.262), os contratos possuem três funções

fundamentais: uma econômica, outra pedagógica e outra social. A função econômica

traduz-se pela atividade de circulação de riquezas, distribuição de renda e geração

de empregos; a função pedagógica do contrato transforma-o em instrumento de

educação do indivíduo para a vida em sociedade; e a função social seria uma

síntese das anteriores, um modo de promoção da dignidade da pessoa humana.

Social quer dizer relativo à sociedade. Logo, em uma primeira análise, pode-

se definir função social do contrato como o papel que ele desempenha relativo à

sociedade.

Em uma perspectiva “lato sensu”, dada a importância dos contratos para o

desenvolvimento da sociedade, poder-se-ia falar que a função social contém todas

as funções do contrato, inclusive a econômica. Numa perspectiva democrática, o

respeito à função social do contrato não poderia relevar as demais funções que o

mesmo desempenha, ante a importância social delas.

Não se pode falar em função social que descarta a função econômica do

contrato, ou a pedagógica. O contrato influencia um domínio externo ao dos

contratantes, atingindo todo o meio social, consistindo em seu importante

instrumento de modificação.

A justificativa para o presente trabalho consiste no fato da grande

indeterminação tanto da natureza jurídica, quando da eficácia deste princípio

contratual. Buscou-se analisar estas questões sob o referencial democrático,

ultrapassando-se a visão social do instituto, que tem sido confundida com uma

pretensa visão democrática:

Muito se tem dito e escrito sobre a função social do contrato. Ela vem a reboque da tendência da funcionalização inerente a toda situação jurídica subjetiva. É natural, como em qualquer campo da ciência ou da experiência, que a curiosidade do ser humano o instigue a desbravar o novo, o inusitado. O cuidado com o tema é justificado: o art. 421 do Código Civil de 2002 é uma cláusula geral de grande envergadura e confins ainda imprecisos. [...] Em tempos de abertura para o novo, a tendência da jurisprudência é a de empregar a função social do contrato como uma panacéia para os males do rigor contratual. Pablo Rentería assume que a grande dificuldade para o operador do direito “diz respeito à identificação de uma especificidade normativa para a função social do contrato, ou seja, de um conteúdo normativo que lhe atribua um escopo de aplicação próprio e efetivo.” (ROSENVALD, 2007, p.369)

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Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social,

afirma que a proposta, não só da função social do contrato, mas também dos

demais princípios recentes, é auxiliar na promoção da solidariedade social, na

medida em que o patrimônio deixaria de ser o eixo da estrutura social para se tornar

instrumento de realização da pessoa humana.

Nesta concepção, com a mudança da perspectiva de visão da autonomia

privada, todos os princípios contratuais que dela decorrem, como defendido por

Francisco Amaral em citação anterior, passam a ser ferramentas de justiça social.

Assim, “o exercício da autonomia privada em nossos tempos deve orientar-

se não só pelo interesse individual, mas também pela utilidade que possa ter na

consecução dos interesses gerais da comunidade.” (AMARAL apud THEODORO

JÚNIOR, 2004, p. 14).

A justiça social, neste caso, seria revelada nos deveres das partes com

relação à sociedade, tendo por superado aquele individualismo liberal em favor dos

interesses gerais de todos.

Teresa Negreiros, (2006), grande defensora de tal tese, atribui essas

mudanças ao processo de constitucionalização do Direito Civil, o que implicaria na

substituição de seu “centro valorativo”. Em lugar do indivíduo, surge a pessoa,

sobrepondo-se ao reino absoluto da liberdade individual a solidariedade social.

Segundo João Hora Neto (2006), na sociedade moderna buscar-se-ia a

realização de um contrato que leve em conta sua função social, ou seja, em que

pese desenvolver uma função de circulação e transferência de riquezas, realize

ainda um papel na sociedade que diz respeito à dignidade da pessoa humana e

redução das desigualdades, conforme os valores e princípios constitucionais.

Também explicita Maria Helena Diniz:

Ante o disposto no artigo 421, repelido está o individualismo, nítida é, como diz Francisco Amaral, a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Amputam-se, assim, os excessos do individualismo e da autonomia da vontade. Consagrado está o princípio da socialidade. O art. 421 é um princípio geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. (DINIZ, 2007, p. 24).

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Em contraposição a este pensamento, surgiram doutrinadores críticos dessa

função de promoção dos interesses coletivos e da justiça social, como Luciano

Benetti Tim. Para ele, “os defensores do solidarismo jurídico acreditam que, por meio

da funcionalização do Direito Privado, dominar-se-á o mercado, civilizando-o através

de normas jurídicas solidárias e justas.” (TIM, 2008, p.42)

Defende, ainda, que este pensamento se reflete nas decisões judiciais mais

recentes, em que os juízes servem-se das cláusulas gerais e conceitos jurídicos

indeterminados para intervir diretamente no contrato e na propriedade de uma forma

maléfica:

Infelizmente, não há evidências empíricas de que o Direito Privado (especificamente no âmbito empresarial) possa transformar a realidade econômica e social. Até agora, não existe nenhum estudo de campo que tenha demonstrado que as ações revisionais de leasing e de contratos bancários tenham contribuído para a diminuição de juros. Ao contrário, as evidências hoje são justamente ao contrário, ou seja, de que elas só fizeram os juros aumentar diante do aumento de risco de inadimplência e mesmo do tempo envolvido para a recuperação de ativos. Igualmente não existem levantamentos estatísticos de que decisões que desrespeitam o direito de propriedade contribuem para a redistribuição da renda. (TIM, 2008, p.43)

Grande parte da doutrina encontra-se presa ao paradigma do Estado Social

e através da aplicação do princípio da função social, busca incluir novas funções ao

ato de contratar, como reduzir as desigualdades sociais, e buscar a realização dos

interesses gerais da sociedade. No entanto:

[...] no âmbito dos contratos e da empresa, a sociedade não deixa de integrar o espaço público do mercado, podendo, neste sentido, ser considerada atentatória à função social do contrato uma decisão irracional do ponto de vista econômico que desarranje o mercado, ou seja, que tenda a gerar mais custos à sociedade do que benefícios. [...] Note-se que propositalmente alguns autores buscaram traçar uma irreal e contra-fática distinção entre o plano econômico e o plano social, esquecendo que as relações sociais são estabelecidas no mercado, e, em contrapartida, as relações de mercado são relações sociais. Nenhuma opção economicamente ruim pode ser socialmente boa. O desperdício de recursos não pode ser bom socialmente. (TIM, 2008, p.55)

A explanação feita até aqui mostra que, mesmo defendendo estar-se

argumentando sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, qualquer visão

que eleja um princípio ou função contratual suprema, seja social ou econômica, em

detrimento das demais, nada tem de democrática.

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Havendo grande confusão acerca da natureza jurídica e da aplicação do

princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação equivocada, como

mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que justamente busca

evitar, a missão do presente trabalho será, portanto, tentar esclarecer estas

questões obscuras, interpretando-se a função social sob uma perspectiva

democrática e plural, sem desconsiderar as variantes e o contexto em que está

inserido o contrato.

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4. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

4.1 Das diversas definições de função social dos co ntratos segundo a visão

clássica social.

Como já introduzido, a funcionalização dos institutos jurídicos do Direito

Privado tem suas raízes no Estado Social, criação de uma teoria solidarista que

remonta a Durkheim e suas definições de solidariedade mecânica e solidariedade

orgânica.

“A análise jurídica não deveria partir do direito subjetivo de uma pessoa, mas

sim da função que aquele direito desempenha no tecido social.” (TIM, 2008, p.58).

Segundo Luciano Tim, como o indivíduo é considerado parte da sociedade, sendo

esta última anterior ao primeiro, deve repartir os riscos com a coletividade,

buscando-se sempre uma divisão igualitária dos lucros e dos ônus. Esta seria a

razão do Estado assumir de forma direta certos papéis na economia, buscando

regular e diminuir as desigualdades.

Segundo Durkheim (2008, p.13), perguntar qual é a função de determinada

coisa seria investigar a que necessidade ela corresponde. Para ele, a vida em

sociedade pressupõe a existência de solidariedade, sendo o Direito um símbolo

visível dela. Ele faz distinção entre dois tipos de solidariedade, de acordo com a

classificação das regras jurídicas pelas sanções que a elas são aplicadas.

Neste sentido, existiriam dois tipos de sanção: a repressiva e a restitutiva. A

sanção repressiva diz respeito ao Direito Penal. As regras que o direito penal

sanciona exprimem, pois, as similitudes sociais mais essenciais, correspondendo à

solidariedade social que deriva das semelhanças:

Daí resulta uma solidariedade sui generis que, nascida das semelhanças, vincula diretamente o indivíduo à sociedade. [...] Essa solidariedade não consiste apenas num apego geral e indeterminado do indivíduo ao grupo, mas também torna harmônico o detalhe dos movimentos. [...] Por conseguinte, cada vez que entram em jogo, as vontades se movem espontaneamente e em conjunto no mesmo sentido. (DURKHEIM, 2008, p.78-79)

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Trata-se da solidariedade mecânica, que pretende a manutenção da coesão

social através das similitudes dos indivíduos.

Já a solidariedade orgânica corresponde ao direito cooperativo, vem da

divisão do trabalho e liga-se à definição de sanção restitutiva. Compreende, dentre

outros, o direito contratual, uma vez que “as relações aí regulamentadas são de uma

natureza totalmente diferente das precedentes; elas exprimem um concurso positivo,

uma cooperação que deriva essencialmente da divisão do trabalho.” (DURKHEIM,

2008, p.98).

Verifica-se que a solidariedade mecânica pressupõe o esforço comum dos

indivíduos, havendo iguais necessidades. A solidariedade orgânica, por sua vez,

pressupõe interesses comuns e interdependentes, relacionados à diversidade.

Do mesmo modo que as similitudes sociais dão origem a um direito e a uma moral que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras que asseguram o concurso pacífico e regular das funções divididas. [...] A divisão do trabalho não põe em presença indivíduos, mas funções sociais. Ora, a sociedade está envolvida no jogo destas últimas: conforme concorram regularmente ou não, ela será sadia ou doente. Portanto, sua existência depende delas, e tanto mais intimamente quanto mais forem divididas. (DURKHEIM, 2008, p.430)

Desta forma, a moral das sociedades organizadas pede:

[...] apenas que sejamos ternos com nossos semelhantes e que sejamos justos, que cumpramos nossa tarefa, trabalhemos para que cada um seja convocado para a função que pode desempenhar melhor e receba o justo preço de seus esforços. (DURKHEIM, 2008, p.430)

A divisão do trabalho gera, portanto, coesão social, já que os indivíduos

dependem uns dos outros, promovendo respeito à dignidade da pessoa humana.

Estas seriam as bases do pensamento solidarista, que direcionou os estudos e a

criação de normas jurídicas voltadas para a “proteção da sociedade” e a

funcionalização do direito contratual.

A funcionalização dos institutos jurídicos significa, então, que o direito em particular e a sociedade em geral, começam a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no tocante ao controle ou disciplina social, mas também no que diz respeito à organização e direção da sociedade, abandonando-se a costumeira função repressiva tradicionalmente atribuída ao direito, em favor de novas funções, de natureza distributiva, promocional e inovadora, principalmente na relação do direito com a economia. Surge, assim, o conceito de função no direito,

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ou melhor, dos institutos jurídicos, inicialmente em matéria de propriedade e, depois, de contrato. (BARBOSA; PEREIRA, 2010, p.315).

Menciona Nelson Rosenvald (2004) que, o Código Civil traz em seu bojo

essencialmente o princípio da socialidade. Para explicar esta expressão, adentra a

definição de direito subjetivo como o poder de um indivíduo, concedido pelo Estado,

de satisfazer seus interesses. Ele afirma que:

Nos dois últimos séculos, fortemente influenciados elo positivismo jurídico e individualismo liberal, os juristas compreendiam que a satisfação de um interesse próprio significava a busca pelo bem individual, pois a soma de todos os bens individuais consagraria o bem comum da sociedade. Os homens seriam individualmente considerados como uma realidade e a sociedade não passaria de uma ficção. Não se cogita de solidariedade, pois, a partir da vontade de cada indivíduo, seria possível alcançar a felicidade coletiva. (ROSENVALD, 2004, p.18).

Desta forma, os ideais de uma sociedade livre e igualitária consagrados pelo

liberalismo dos séculos XIX e XX defenderam um sistema jurídico fortemente

exclusivista, no qual existia espaço apenas para algumas classes como o

proprietário, o contratante e o marido/pai.

Os ordenamentos jurídicos posteriores, denominados sociais, perceberam

que ao conceder um direito subjetivo a alguém para satisfazer seus interesses,

deveriam estabelecer também condições, em prol da comunidade, para que a

satisfação pessoal não atrapalhasse as expectativas coletivas.

Consoante tal entendimento, percebe-se a busca de limitação ao exercício

dos direitos subjetivos, segundo Rosenvald (2004), que são dados pela própria

sociedade, sendo que, no momento em que se atingisse a harmonia entre a

autonomia da vontade e a solidariedade social, restaria conciliada a liberdade a uma

igualdade material e concreta.

O Código Civil de 2002 apresentaria um princípio de eticidade implícito em

suas normas. Contrapondo-se ao Código Civil de 1916, que abandonou os

questionamentos éticos, influenciado pelo formalismo jurídico, a nova legislação

apresenta a técnica das cláusulas gerais, transformando-se “o ordenamento privado

em sistema aberto e poroso, capaz de captar o universo axiológico que lhe fornece

substrato.” (ROSENVALD, 2004, p. 22).

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O Código Civil de 1916 servia às classes dominantes, com sua técnica

positivista de reduzir a ciência do Direito às emanações do direito positivo legislado,

conforme explica Rosenvald (2004).

Afinal, o ordenamento correspondia aos ideais burgueses, sendo os juízes

meros autômatos, apenas aplicando a norma ao caso concreto, sem qualquer

espaço para interpretação e criação do Direito.

Tal assepsia e neutralidade seriam perigosas, pois abririam um leque de

possibilidades para se cometer as maiores atrocidades e injustiças em nome do

Direito, como nos Estados fascistas e nazistas.

O horror cometido por estes Estados serviu para demonstrar aos demais

que existem valores que são intrínsecos à natureza humana, valores sociológicos e

filosóficos que influenciam profundamente o Direito e a idéia de justiça.

Surge, no pós-guerra, um movimento para constitucionalização do Direito

Civil, segundo o qual deve ser reconhecido o lugar hierarquicamente superior da

Constituição nos ordenamentos jurídicos de cada país, precedendo as leis

ordinárias. Destarte, qualquer controvérsia oriunda da aplicabilidade de normas deve

ser resolvida conforme os valores previstos na Constituição.

Na Itália se vê claramente o movimento, como exemplifica Perlingieri:

O conjunto de valores, de bens, de interesses que o ordenamento jurídico considera e privilegia, e mesmo a sua hierarquia, traduzem o tipo de ordenamento com o qual se opera. Não existe, em abstrato, o ordenamento jurídico, mas existem os ordenamentos jurídicos, cada um dos quais caracterizado por uma filosofia de vida, isto é, por valores e por princípios fundamentais que constituem a sua estrutura qualificadora. O ordenamento italiano constitui-se por leis e códigos que foram e são expressões de uma ideologia e de uma visão do mundo diversas daquelas que caracterizam a sociedade moderna, e, de qualquer modo, certamente diversas daquelas que estão presentes na Constituição da República. A questão da aplicabilidade simultânea de leis inspiradas em valores diversos (o Código Civil italiano, lembre-se, é de 1942: pertencia, portanto, ao ordenamento fascista; a Constituição, ao contrário, entrou em vigor em 1948) resolve-se somente tendo consciência de que o ordenamento jurídico é unitário. A solução para cada controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam. (PERLINGIERI, 2007, p.5)

Além disso, verificou-se um grande número de leis esparsas que surgiram

para disciplinar determinados aspectos da vida privada, ainda que num contorno

fragmentado, de forma que, para parte da doutrina, o Código Civil teria perdido sua

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posição centralizadora, restando o papel de norma unificadora do sistema às

Constituições. Chega-se a falar em movimento de descodificação, com o advento de

microsistemas normativos, cabendo ao intérprete a defesa da unidade do sistema

por meio da observância dos princípios constitucionais, uma vez que, agora, é a

Constituição que funda e une o ordenamento.

Da mesma forma, segundo Perlingieri (2007, p.11), não havendo norma

ordinária que discipline o fato, nada impede que a norma constitucional seja aplicada

diretamente ao caso.

A norma constitucional torna-se a razão primária e justificadora (e todavia não a única, se for individuada uma normativa ordinária aplicável ao caso) da relevância jurídica de tais relações, constituindo parte integrante da normativa na qual elas, de um ponto de vista funcional, se concretizam. Portanto, a normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como uma regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-a aos novos valores. (PERLINGIERI, 2007, p.12)

Nas palavras de Teresa Negreiros:

De fato, num tempo em que o muro a separar o Estado e a sociedade ainda estava de pé, as relações ditas privadas circunscreviam-se ao espaço normativo delimitado pelo Código. [...]. Tais relações [privadas] qualificavam-se como sendo aquelas que diziam respeito ao indivíduo e á sua liberdade, donde Savigny definir o Direito Privado como o “conjunto das relações jurídicas no qual cada indivíduo exerce a própria vida dando-lhe um especial caráter”. À Constituição caberia, ao invés, ordenar as relações públicas – definidas subjetivamente como as relações das quais participasse o Poder Público – e, em se tratando do indivíduo, protege-lo frente ao poder de império do Estado. (NEGREIROS, 2006, p.48-49).

Havia um paralelismo entre o Direito Civil e o Constitucional, na medida em

que se poderia falar de duas constituições, uma privada e uma pública.

Na proposta da teoria de constitucionalização do Direito Privado, este

paralelismo se transforma em convergência, pois as normas e princípios

constitucionais passam a atingir e regular as relações jurídicas de natureza civil

como família, obrigações, sucessões, etc.

Neste sentido, tem-se a opinião de Gustavo Tepedino citado por Teresa

Negreiros:

O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem

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princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. (TEPEDINO apud NEGREIROS, 2006, p. 50).

Segundo esses doutrinadores, não se pretende afirmar a supremacia da

coletividade sobre o indivíduo, porém seria necessária a harmonização do

componente social e individual, buscando justiça material, sem se desprezar as

garantias individuais.

É neste sentido que emergiria a função social dos contratos, não para

desvirtuar o instituto do contrato, mas para humanizá-lo, na medida em que seus

efeitos não gerariam conseqüências apenas entre as partes, mas atingiriam toda a

sociedade, sendo o contrato instrumento de justiça social, devendo promover o

desenvolvimento da pessoa humana.

Segundo Humberto Theodoro Júnior:

[...] proclamou-se, em termos genéricos, o compromisso de todo o direito dos contratos com a ideologia constitucional de submeter a ordem econômica aos critérios sociais, mediante a harmonização da liberdade individual (autonomia da vontade) com os interesses da coletividade (função social). (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 38)

O Estado Democrático da Direito valoriza o trabalho e a iniciativa privada,

pois através deles promove-se o desenvolvimento econômico que interessa a toda a

sociedade. Desta forma, as teorias da constitucionalização e despatrimonialização

do Direito Privado afirmam que, o que se busca é um desenvolvimento econômico

vinculado (subordinado) ao desenvolvimento social.

Veja-se que a despatrimonialização do Direito Privado é defendida com base

na suposta hegemonia, existente na Constituição, das situações jurídicas

existenciais sobre as situações jurídicas patrimoniais.

A jurisprudência dos valores constitui, sim, a natural continuação da jurisprudência dos interesses, mas com maiores aberturas para com as exigências de reconstrução de um sistema de “Direito Civil Constitucional”, enquanto idônea a realizar, melhor do que qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios constitucionais, uma indiscutida preeminência. [...] Com o termo, certamente não elegante, “despatrimonialização”, individua-se uma tendência normativa-cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo

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(superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores). Com isso não se projeta a expulsão e a “redução” quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e naquele civilístico em especial; o momento econômico, como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável. A divergência, não certamente de natureza técnica, concerne à avaliação qualitativa do momento econômico e à disponibilidade de encontrar, na exigência de tutela do homem, um aspecto idôneo, não a “humilhar” a aspiração econômica, mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da pessoa. (PERLINGIERI, 2007, p.32)

A visão acima descrita mostrou-se equivocada considerando-se

o paradigma que a justifica. Ou seja, apesar de citar o Estado Democrático de

Direito como fundamento para este argumento, a escolha “a priori” de valores

existenciais sobrepostos aos patrimoniais, ou mesmo a tentativa de subordinação de

um pelo outro se verifica característica do Estado Social.

Considerando esta premissa como base, toda a construção teórica brasileira

hodierna acerca da função social dos contratos tem sido feita numa perspectiva

puramente social, não democrática.

O Código Civil brasileiro, publicado em 2002, nas palavras de Miguel Reale

(2004), foi elaborado visando superar o formalismo e o individualismo do Código de

1916. Para tanto, utilizou-se de novas técnicas legislativas: as cláusulas gerais e

conceitos jurídicos indeterminados, que permitissem ao julgador uma maior

liberdade de interpretação da realidade jurídica, bem como facilitasse a adequação

entre Direito e realidade. Foram, ainda, inseridos ou destacados novos princípios

jurídicos:

Uma das novidades do Código Civil ora em vigor refere-se, efetivamente, à preferência por normas jurídicas abertas, ou seja, com conteúdo amplo, de modo a facilitar sua aplicação pelos operadores do Direito, advogados ou juízes. Essa orientação decorre do abandono do pandectismo que presidiu a elaboração do Código revogado, o qual, a exemplo do Código Alemão de 1900, prefere operar com categorias estritamente jurídicas, com reduzida referência a preceitos de caráter ético ou social. Percebe-se, em suma, logo nos primeiros meses de vigência da Lei de 2002, que esta exigia novas formas de interpretação jurídica, decorrente de seus pressupostos doutrinários, ou seja, aos princípios da eticidade, socialidade e operacionabilidade. (REALE, 2004, p.3)

Os princípios da eticidade, socialidade e operacionabilidade direcionaram,

então, a criação do novo Código Civil. A intenção foi retirar da letra da lei os

preceitos de caráter ético ou social, deixando as normas abertas, mas determinando

a sua interpretação com base nesses citados princípios informadores. Veja-se que

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surge uma nova dificuldade, reconhecida por Miguel Reale, acerca da necessidade

de se instituir novas formas de interpretação jurídica.

Ao contrário do que afirmou o renomado autor, a criação de normas jurídicas

abertas, com conteúdo amplo, nem sempre poderá ser vista como facilitadora de

aplicação pelos operadores do Direito.

Em primeiro lugar, em virtude da herança positivista e privilegiadora da

segurança jurídica, este motivo, por si só, já é um complicador da questão da

interpretação de uma cláusula aberta. Em segundo lugar, corre-se o risco de

banalizar um instituto jurídico, quando não se tem delineados os parâmetros de sua

aplicação.

Por tratar da função social dos contratos, dentre os princípios anteriormente

citados como informadores da interpretação das normas jurídicas elencadas no

Código Civil de 2002, o presente trabalho se aterá à questão da socialidade.

Apenas a título de exemplo, cita-se como modelo do princípio da eticidade a

inserção dos artigos 1132 e 4223, do Código Civil, restando explicitado por Miguel

Reale que “muito embora um direito pertença a uma pessoa, esta deve conciliá-lo

com os interesses de terceiros” e, como exemplo da operacionabilidade a própria

inserção das cláusulas gerais. (REALE, 2004, p.3)

Ao definir a socialidade, Miguel Reale (2004) discorre acerca da tentativa de

superação do caráter individualista do Código Civil de 1916, feito num contexto

social eminentemente agrícola, possuindo 80% da população vivendo no campo. Ele

afirma que, no presente momento, a mesma proporção de pessoas vive nas

cidades, o que teria provocado intensa modificação na mentalidade reinante, de

forma que o social predominaria sobre o individual. Como exemplo dessa

socialidade, cita o artigo 4214, do Código Civil de 2002, objeto deste trabalho.

Pelo teor da norma, verifica-se que se trata de conceito aberto, não restando

explicitado em todo o Código Civil de 2002 em que se basearia ou em que consistiria

essa função social do contrato, cabendo ao doutrinador e ao julgador a tarefa de dar

conteúdo à referida norma.

2 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. 3 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 4 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos.

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Desta forma, como bem lembrado por Adriano Augusto de Castro (2009, p.14-

15), no mesmo ano de publicação do Código Civil de 2002, antes mesmo de iniciada

a sua vigência (que se daria somente em 11 de janeiro de 2003), foram iniciados

estudos para interpretação e uniformização da aplicabilidade dos novos princípios.

Um exemplo a ser citado são as Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho

da Justiça Federal (CJF), tendo a primeira ocorrido em 12 e 13 de setembro de

2002. Nesta primeira jornada três enunciados trataram do artigo 421, do Código Civil

de 2002:

21 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. 22 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. 23 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. (CASTRO, 2009, p 15)

Na terceira jornada, realizada em 1º a 3 de Maio de 2004, foram elaborados

os seguintes enunciados:

166 - Arts. 421 e 422 ou 113: A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil. 167 - Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos. (CASTRO, 2009, p. 15)

Na quarta jornada de direito civil, realizada em 25 a 27 de outubro de 2006,

foram elaborados os seguintes enunciados:

360 – Art. 421: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes. 361 – Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. (CASTRO, 2009, p. 15)

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Como salientado por Adriano Augusto de Castro (2009, p.16), em uma

simples leitura dos enunciados acima citados observa-se a imprecisão da definição

do termo “função social do contrato”, ora tratado como cláusula geral, ora como

princípio, ora mecanismo de revisão judicial dos contratos, ora limitador da

autonomia contratual, sobrepondo-se a ele o princípio da dignidade da pessoa

humana.

A doutrina também está longe de definir os contornos da função social dos

contratos com profundidade. Flávio Tartuce (2007, p. 244) ensina que o

condicionamento da liberdade contratual à função social dos contratos, previsto no

artigo 421, do Código Civil de 2002, é criação brasileira, não havendo norma

correspondente no Direito estrangeiro, cabendo à doutrina pátria preencher seu

conteúdo, uma vez que este não foi desenvolvido no Direito comparado.

Para este autor a função social dos contratos tem dois sentidos: interno e

externo. “O sentido interno está relacionado às partes contratantes, enquanto o

sentido externo, para além das partes contratantes.” (TARTUCE, 2007, p.245).

Inclusive, a proposição do enunciado n. 360, da IV Jornada de Direito Civil do CJF

foi feita por ele.

O conceito dado por Flávio Tartuce para a função social dos contratos é:

“regramento contratual, de ordem pública, (art. 2.035, parágrafo único, do CC), pelo

qual o contrato deve ser, necessariamente, analisado e interpretado de acordo com

o contexto da sociedade”. (TARTUCE, 2007, p.248)

Para Teresa Negreiros, a função social dos contratos “[...] quando

concebida como um princípio, antes de qualquer outro sentido e alcance que se lhe

possa atribuir, significa muito simplesmente que o contrato não deve ser concebido

como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes, impermeável às

condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas.”

(NEGREIROS, 2006, p.206).

Já Humberto Theodoro Júnior entende que “ofende-se o princípio da função

social dos contratos quando os efeitos externos do contrato prejudicam injustamente

os interesses da comunidade ou de estranhos ao vínculo negocial.” (THEODORO

JÚNIOR, 2004, p.51).

Humberto Theodoro Neto combina uma definição pessoal com citação do

entendimento de Antônio Junqueira de Azevedo:

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É verdade que a função social demanda uma reinterpretação da relatividade dos efeitos contratuais ou, ao menos, uma composição entre os dois princípios, sempre que, em dada situação concreta, estiverem em confronto, pois o novo princípio revela “preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas”. (THEODORO NETO, 2007, p.75)

Para Carlos Roberto Gonçalves a função social dos contratos:

[...] tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contratantes. [...] constitui, assim, princípio moderno a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam. (GONÇALVES, 2007, p.5)

Segundo Caio Mário, a redação do artigo 421, do Código Civil de 2002:

[...] deve ser interpretada de forma a se manter o princípio de que a liberdade de contratar é exercida em razão da autonomia da vontade que a lei outorga às pessoas. O contrato ainda existe para que as pessoas interajam com a finalidade de satisfazerem os seus interesses. A função social do contrato serve para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. Considerando o Código que o regime da livre iniciativa, dominante na economia do País, assenta em termos do direito do contrato, na liberdade de contratar, enuncia regra contida no art. 421, de subordinação dela à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem pública, e atentando a que o contrato não deve atentar contra o conceito de justiça comutativa. (PEREIRA, 2006, p.13)

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, assim definem a função

social dos contratos:

Em um primeiro plano, a socialização da idéia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais. Nesse sentido, repercute necessariamente no trato ético e leal que deve ser observado pelos contratantes, em respeito à cláusula de boa-fé objetiva [...]. Em um segundo plano, o contrato é considerado não só como instrumento de circulação de riquezas mas, também, de desenvolvimento social. [...] Para nós, a função social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2006, p. 48).

E ainda Giselda Hironaka:

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Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura da concepção filosófico-socialista, deve restar esclarecido tal equívoco. Não se trata, sem sombra de dúvida, de se estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais, através da idéia-princípio, a um só tempo antiga e atual, denominada “doutrina da função social”. (HIRONAKA, 2000, p. 105)

A definição, segundo Gustavo Tepedino:

A rigor, a função social do contrato deve ser entendida como princípio que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV) – fundamentos da República – e da igualdade substancial (art. 3º, III) e da solidariedade social (art. 3º, I) – objetivos da República – impõe às partes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos. (TEPEDINO, 2009, p. 66)

Ressalta Nelson Rosenvald:

[...] atualmente as obrigações revelam uma função social, uma finalidade perante o corpo social. Para além da intrínseca função da circulação de riquezas, o papel das relações negociais consiste em instrumentalizar o contrato em prol de exigências maiores do ordenamento jurídico, tais como a justiça, a segurança, o valor social da livre iniciativa, o bem comum e, o princípio da dignidade da pessoa humana. [...] Aqui surge em potência a função social do contrato. Não para coibir a liberdade de contratar, como induz a literalidade do art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem Constitucional. (ROSENVALD, 2007, p.374)

Para este autor, a função social seria a própria ratio dos atos de autonomia

privada, não simplesmente como um limite externo e restritivo da liberdade do

particular, mas qualificando internamente a relação negocial, a partir de uma

investigação das finalidades empreendidas pelos parceiros por meio do contrato.

(Rosenvald, 2007).

Sem querer esgotar as definições existentes, verifica-se que os pontos

comuns tratam de uma suposta subordinação do interesse privado individual ao

interesse social, bem como a função de promover a justiça comutativa, limitação à

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autonomia privada e liberdade contratual, além de proteção aos interesses de

terceiros, direta ou indiretamente afetados pela relação contratual.

Alguns autores chegam a afirmar que existem duas funções sociais, uma

interna e outra externa à relação contratual, como Flávio Tartuce (2007) e Nelson

Rosenvald (2007).

O primeiro afirma que a eficácia interna da função social seria limitação à

autonomia privada, em busca da promoção da dignidade da pessoa humana,

citando como exemplos, dentre outros, a possibilidade de revisão do contrato em

caso de lesão, abuso de direito, revisão contratual em virtude de imprevisibilidade,

repúdio ao enriquecimento sem causa. No entanto, essa proteção caberia

perfeitamente na noção de boa-fé objetiva, que se verifica mais adequada no âmbito

interno da relação contratual.

Já a eficácia externa estaria ligada à limitação do princípio da relatividade

dos efeitos do contrato, citando como exemplo, dentre outros, a estipulação em favor

de terceiro e a tutela externa do crédito. No entanto, que a questão do abuso de

direito está ligada não somente à relação contratual entre as partes contratantes,

mas também aos efeitos externos do contrato, consistindo em proteção da

sociedade.

Nelson Rosenvald (2007) afirma que a função social interna do contrato

corresponderia à proteção da dignidade da pessoa humana e, mesmo havendo

observância do princípio da boa-fé objetiva na relação contratual, poderia ocorrer

violação ao princípio da função social. Para explicitar, cita como exemplos a

proteção da dignidade da pessoa humana, a exigência de correlação entre o

interesse perseguido na relação contratual e as exigências comunitárias previstas na

Constituição e a busca da igualdade material entre os contratantes.

Todavia tais argumentos não se sustentam, uma vez que encontram

proteção nos demais princípios informadores dos contratos, como a boa-fé objetiva e

o equilíbrio contratual. Apesar de reconhecer que [...] “o superdimensionamento da

função social do contrato – como de qualquer princípio – é pernicioso, pois acaba

por retirar-lhe a efetividade”, (ROSENVALD, 2007, p. 381) afirma ser necessário o

reconhecimento de uma função social interna à relação contratual, sob pena de

debilitar o sistema jurídico.

Reconhecendo que os valores jurídicos encontram-se protegidos, não se

vislumbra nenhuma lógica nessa constatação feita acima, a não ser o fato e o risco

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de se continuar inserindo novos contornos e significados ao princípio da função

social, de forma que possa se aplicar a qualquer situação, banalizando-o.

Por fim, a função social externa corresponderia ao ato de repensar o

princípio da relatividade dos efeitos contratuais, sendo visualizada em três situações:

“a) contratos que ofendem interesses metaindividuais ou o princípio da dignidade da

pessoa humana; b) contratos que ofendem terceiros; c) terceiros que ofendem

contratos.” (ROSENVALD, 2007, p. 386)

Voltando ao raciocínio inicial, as decisões judiciais também não diferem

muito destas definições de função social, muitas vezes aplicando-se o princípio

como argumento para justificar a possibilidade de descumprimento contratual ante a

impossibilidade financeira superveniente do contratante, ou mesmo para revisar

taxas de juros aplicadas, fixando-se judicialmente percentual inferior ao pactuado,

como exemplifica o trecho do acórdão abaixo:

[...] Importante registrar, ainda, que a perfeição de forma e parte no momento em que foi firmado o contrato não impede sua posterior revisão, tanto pela constatação do contratante de onerosidade excessiva, quanto pela sua impossibilidade financeira de continuar honrando com os compromissos assumidos, sendo tais condições supervenientes, imprevisíveis e excepcionais que possibilitam a revisão do pacto de financiamento, mormente para que sejam preservadas sua boa-fé, probidade e função social. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, 2009 – Ap. 1.0702.08.472415-3/001(1) Numeração Única: 4724153-04.2008.8.13.0702 Relator: Des.(a) OTÁVIO PORTES Data do Julgamento: 13/05/2009 Data da Publicação: 26/06/2009).

Ocorre que esta visão solidarista por vezes desconsidera, efetivamente, que o

contrato possui uma função econômica, assim como uma função pedagógica, que

também podem ser consideradas sociais, já que influenciam a sociedade. Lado

outro, também deve ser visto com reservas o pensamento segundo o qual o contrato

seria instrumento hábil para promover a justiça social.

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4.2 Apontamento de outras funções do contrato, desc onsideradas na visão

social clássica – função econômica e pedagógica

Função diz respeito ao papel que alguém ou algo desempenha em

determinadas circunstâncias. Tem ligação com a idéia de finalidade, ou, como afirma

Durkheim, (2008), a qual necessidade determinada coisa corresponde.

Neste sentido, o contrato possui várias funções que desempenha no meio

social, não se podendo eleger apenas uma delas como hierarquicamente superior.

Contrário a este pensamento, tem-se de um lado a doutrina clássica solidarista,

como visto, e de outro lado uma doutrina mais liberal, voltada exclusivamente para a

função econômica do contrato que, segundo estes autores, seria o mais importante

e precípuo papel deste instituto.

Para Humberto Theodoro Júnior (2004), por exemplo, o único objetivo do

contrato seria o de promover a circulação de riqueza, pressupondo sempre que as

partes tenham interesses diversos e opostos que serão harmonizados pela “saída

negocial”.

“Fazer incidir a função social do contrato no terreno da promoção da

igualdade das partes leva o problema para um dilema ou até mesmo para uma

contradição insuperável”. (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 45). Isso porque nem

sempre os interesses individuais são idênticos, não havendo qualquer problema na

constatação deste fato, desde que não haja abuso por uma das partes.

Aliás, o grande objetivo do Estado Democrático de Direito seria a proteção

desses interesses nem sempre convergentes. Nas palavras de Judith Martins Costa:

O sentido da quebra da unidade legislativa está em que não é mais possível acomodar, num mesmo e harmônico leito, todos os interesses, porque não há apenas um único sujeito social a ser ouvido, não há mais um sujeito comum, como aquele desenhado na esteira da revolução francesa pelo princípio da igualdade, abstrata, frente à lei. (COSTA, 2000, p.281)

Além disso:

O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a estrutura que, geometricamente desenhada como um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais completa tradução na codificação oitocentista. Hoje a sua inspiração, mesmo do ponto de vista da

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técnica legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. (COSTA, 2000, p.285)

Outra função do contrato seria a pedagógica, citada por César Fiúza (2007)

que diz respeito ao papel de instrumento educador do indivíduo na sociedade. Ora,

como mecanismo de alteração do meio social, a contratação é um dos maiores

exemplos da necessidade da vida em comum e do respeito ao outro. Sem o “outro”

não há relação contratual e, ocorrendo abuso, tem-se desequilíbrio social.

Por outro lado, como afirmado por este mesmo autor, a função econômica

está contida na função social, uma vez que é através da circulação de riquezas que

a sociedade se desenvolve.

Com estas considerações, verifica-se, portanto, a necessidade de delinear

contornos mais nítidos da função social dos contratos, bem como as peculiaridades

de se tratá-la como cláusula geral ou como princípio, e ainda, de se analisar a

questão sob a ótica do Estado Democrático de Direito, que é inclusivo e pluralista.

Ou seja, o contrato possui várias funções, dentre elas a função social, sendo que a

visão democrática do instituto contratual não pode ser focada em apenas uma

função, ou não deveria ser escolhida a função principal, ou mais importante.

4.3 Críticas à visão clássica solidarista

Contrapondo-se à visão solidarista, alguns doutrinadores começaram a

questionar qual seria a função do contrato, chegando à conclusão inafastável de que

a visão social não estaria levando em conta uma das características principais do

contrato, que seria o fomento da economia.

Entra em foco a perspectiva da análise econômica das relações privadas,

como mais um ângulo da interpretação jurídica, cuja importância deve ser

considerada. Este é o entendimento de Renata Guimarães Pompeu:

O que se quer dar ênfase no presente texto é que a noção de contrato como realidade jurídica deve sempre considerar a operação econômica que lhe subjaz, pois assim tornará mais consistente o arcabouço legal do direito dos contratos. (POMPEU, 2010, p.403)

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Como visto, a doutrina solidarista tem considerado como função social a

possibilidade e legitimidade do Estado intervir nas relações entre contratantes,

limitando a liberdade contratual e, a fim de promover igualdade e justiça social, rever

cláusulas contratuais. Luciano Benetti Tim esclarece:

Parte significativa dos autores pesquisados entende a função social como a expressão, no âmbito dos contratos, dos ditames da “justiça social” próprios do Welfare State. Trata-se do fenômeno denominado de “publicização” ou “socialização”, ou mesmo de “constitucionalização”, do Direito Privado, em razão do qual institutos tradicionalmente de Direito Civil – como o contrato, a propriedade, passam a ser orientados por critérios distributivistas próprios do Direito Público. (TIM, 2008. p.70)

Os argumentos a favor dessa concepção “socialista” partem do pressuposto

de que é a função social que “torna o contrato um fenômeno transcendente dos

interesses dos contratantes individualmente considerados”. (NEGREIROS, 2006)

A força obrigatória do contrato resultaria não da vontade, mas da lei,

submetendo-se a vontade à satisfação de escopos não consubstanciados somente

no mérito particular de quem a emitiu, mas também à satisfação de uma função

social.

Nas palavras de Teresa Negreiros:

A afirmação da lei como fundamento da força obrigatória de todo e qualquer contrato implica funcionalizá-lo aos valores para cuja realização ele passa a servir de instrumento. É nesta ótica que o novo Código Civil determina, como visto acima, que a liberdade de contratar seja exercida “em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421). O poder jurígeno reconhecido à vontade individual não é, pois, originário e autônomo, mas derivado e funcionalizado a finalidades heterônomas. (NEGREIROS, 2006, p. 231)

Segundo essa concepção, a liberdade permanece, pois persistem seus

espaços abertos, mas esta liberdade é consentida (pela lei), de forma que não

define o sistema privado, por si só.

E, sendo a lei o fundamento dessa força obrigatória do contrato, como

conclui Teresa Negreiros, “tal força obrigatória encontra a sua razão de ser nos fins

visados pelo Direito em geral: justiça social, segurança, bem comum, dignidade da

pessoa humana.” (NEGREIROS, 2006, p. 231).

A força vinculante do contrato, fundada na lei, passa a estar funcionalizada à

realização das finalidades traçadas pela ordem jurídica, tratando-se de objetivos

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previstos constitucionalmente que devem ser perseguidos tanto pelo Estado, como

pela sociedade.

Luciano Tim acrescenta:

O princípio da função social é visto, neste quase-consenso, como uma limitação do princípio da liberdade contratual [...] considerado individualista. A função social do contrato garantiria a preponderância dos interesses coletivos frente aos interesses individuais. Isso significa, na prática, (embora nem todos os autores citados concordem) a proteção da parte mais fraca na relação contratual, que, muitas vezes, não manifestaria sua vontade livremente, mas sucumbiria ao maior poder de barganha da parte economicamente mais forte. Para os autores analisados, isso significaria redistribuir o resultado econômico do contrato entre os contratantes. Portanto, trata-se de um modelo de concepção de contrato, em qualquer um dos âmbitos de análise aqui descritos, que supõe fictícia a liberdade contratual, sendo mais correto falar em submissão, quando o poder econômico desequilibra o poder de barganha entre as partes. Significaria também identificar legítimos interesses de terceiros (portanto, estranhos ao contrato) serem tutelados (interesses difusos e coletivos). Daí a necessidade de reequilíbrio das partes pelo Estado. (TIM, 2008. p.70)

Como anunciado por Luciano Tim, a intenção de realizar justiça distributiva

no âmbito contratual é perigosa, e pode ter efeitos diversos do pretendido.

Baseando-se nos conceitos acima descritos, a jurisprudência tem permitido

o descumprimento de cláusulas contratuais, ou mesmo a revisão contratual fora dos

casos de lesão, da teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, gerando

insegurança nas relações contratuais e, por conseqüência, no mercado.

Decio Zylberstajn (2005) cita que, embora a teoria econômica tenha

ignorado os contratos por muitos anos, esta situação tem mudado, sendo os

economistas influenciados por Ronald Coase, passando a perceber que as

transações econômicas não são reguladas exclusivamente pelo sistema de preços,

mas também pelos mecanismos lastreados nos contratos.

Ou seja, os riscos de inadimplência, a tendência das decisões judiciais, os

custos de transação, tudo isso influencia a economia e as taxas de juros, não

apenas a oferta e a procura.

A economia baseia-se em conceitos de eficiência (PIMENTA, 2007), ou seja,

trabalha suas decisões buscando o maior lucro, tendo o menor custo possível. Para

tanto são analisados os riscos da operação.

Segundo Decio Zylberstajn:

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[...] um contrato significa uma maneira de coordenar as transações, provendo incentivos para os agentes atuarem de maneira coordenada na produção, o que permite planejamento de longo prazo e, em especial, permitindo que agentes independentes tenham incentivos para se engajarem em esforços conjuntos de produção. A teoria da escolha contratual prevê que os contratos poderão variar em termos de eficiência, conforme o seu desenho defina incentivos para os agentes atingirem objetivos predefinidos. Os arranjos institucionais (contratos) somados ao ambiente institucional definirão diferentes mecanismos de incentivos, assim como os remédios para o não cumprimento das promessas. (ZYLBERSTAJN, 2005, p.104).

Verifica-se, portanto, que as decisões judiciais, ao permitirem o

descumprimento contratual em busca de uma justiça distributiva, geram incentivos

negativos na economia, muitas vezes inviabilizando certos tipos de contratação, pelo

aumento de seu custo. Fatalmente o mercado tentará se reorganizar, evitando

certos tipos de contratação, ou mesmo inserindo no custo da transação os riscos da

inadimplência, onerando toda a sociedade, como remédio para o seu não

cumprimento.

Zylberstajn (2005) afirma que, de acordo com a teoria contratual da nova

economia institucional, a escolha de certo tipo de contrato para se realizar um

negócio é feita com base na soma de certas variáveis, como as previsões legais; a

capacidade de coerção do poder judiciário, do descumprimento contratual e o

surgimento de mecanismos privados para garantia dos agentes envolvidos na

contratação.

Assim, a escolha de arranjos contratuais alternativos dependerá de razões

de eficiência, sendo preferencialmente escolhidos aqueles que oferecerem

incentivos e mecanismos de solução de disputas mais eficientes. Fala-se de questão

estratégica.

O contrato, sendo um elemento fundamental, que oferece amparo à troca e

às relações econômicas de um modo geral, deve ser analisado sob as perspectivas

acima descritas, pois o ato de contratar é custoso, gerando efeitos diretos sobre o

desempenho econômico.

Como afirma Eduardo Goulart Pimenta:

Ainda que, do ponto de vista fático, seja possível que um bem ou um serviço seja inteiramente produzido ou distribuído exclusivamente por uma pessoa e por seus recursos materiais, essa operação econômica se revelará certamente mais eficiente – ou seja, mais lucrativa e menos dispendiosa – se efetuada a partir do esforço conjunto e dos recursos

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materiais de diferentes pessoas, cada qual responsável por uma cadeia produtiva. (PIMENTA, 2007, p. 292)

Os contratos têm, então, uma grande importância para o desenvolvimento

da economia, pois são instrumentos que permitem a circulação de riquezas,

oferecendo amparo às trocas e relações econômicas de modo geral, permitindo que

cada indivíduo produza segundo suas aptidões e negocie com outros indivíduos os

demais bens que necessita para o seu desenvolvimento. Assim a sociedade evolui.

Não se pode deixar de considerar que o contrato é celebrado no ambiente

de mercado. Luciano Tim (2008) inclusive sugere que não se pode pensar no todo

social, numa relação contratual, sem considerar o mercado como um fato social,

uma parte integrante da sociedade.

Deve-se considerar que, apesar de efetuar diversas previsões acerca da

dignidade da pessoa humana, da solidariedade e justiça social, a Constituição da

República de 1988 também consagrou os princípios da ordem econômica, prezando

pela liberdade e livre concorrência, dentre outros.

Como visto, a doutrina brasileira afirma que o Código Civil de 2002 trata a

função social como um limitador da liberdade contratual. Entretanto, esta concepção

teria sido concebida no paradigma de um Estado Social que se revelou ineficiente,

tendo a doutrina e jurisprudência começado a desenhar o significado da norma

insculpida no artigo 421, do Código Civil de 2002, como prevalência de interesses

coletivos sobre os individuais.

Como visto acima, esta não é a melhor interpretação do artigo 421, do

Código Civil de 2002, uma vez que não nos encontramos mais sob a perspectiva do

Estado Social, mas sim do Estado Democrático de Direito.

[...] trata-se, originalmente, de criação dos solidaristas ou dos defensores do Estado Social [...], os quais romperam com o paradigma individualista do modelo jurídico-liberal das codificações oitocentistas por acreditar que a análise jurídica não deveria partir do direito subjetivo de uma pessoa, mas sim da função que aquele direito desempenha no tecido social. [...] O Direito Social (ao contrário do Liberal) é uma nova forma de perceber a relação entre o todo e a parte (grupo e indivíduos) no seio da sociedade (um “novo contrato social”). Com efeito, segundo o modelo “welfarista”, no Estado Social, o grupo tem existência autônoma e não se confunde com o Estado, mas a ele se adiciona. Como a sociedade antecede ao indivíduo, este último passa a ter alguns deveres derivados da repartição ou da socialização do risco com a coletividade; algo essencialmente solidário, fundado na concepção de justa distribuição dos ônus e dos lucros sociais,

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funcionando o Direito Social como um equilíbrio entre interesses conflitantes das pessoas. (TIM, 2008, p. 59)

Segundo esse paradigma social, as normas jurídicas devem prever

comportamentos, estimulando formas obrigatórias de cooperação e solidariedade

entre a comunidade, viabilizando a pacificação social. Nesse modelo, há intensa

regulação do contrato, com várias formas de intervenção estatal na autonomia

privada dos contratantes, cabendo ao Estado, em situações de conflito, transformar

a realidade social egoísta, buscando o ideal de “justiça social”. (TIM, 2008).

Conforme salienta este mesmo autor:

[...] o ideário solidarista exige uma nova racionalidade jurídica, caracterizada por uma maior abstração das normas jurídicas (normas programáticas na maioria das vezes), justamente para dar espaço ao juiz para resolver os conflitos sociais, cada vez mais complexos, diante de uma sociedade cada vez mais especializada e funcionalizada. [...] racionalidade dirigida à redistribuição dos benefícios do capitalismo para com os menos favorecidos, protegendo, através da lei, os fracos – em síntese, uma racionalidade essencialmente material e não formal. (TIM, 2008, p. 62)

A adoção desse direito contratual, próprio do Estado Social, não é coerente,

todavia, com a presente realidade, o Estado Democrático.

Lênio Luiz Streck traz a seguinte definição de Estado Democrático de

Direito: “[...] o Estado Democrático de Direito faz uma síntese das fases anteriores,

agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as lacunas das

etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da

modernidade”. [...] (STRECK, 2009, p. 37)

A busca pela igualdade material entre as partes, que influi na liberdade das

mesmas é essencial na democracia. No entanto, justificar o descumprimento do

contrato com base na hipossuficiência de uma parte, aplicando-se o conceito comum

de função social, pode trazer inúmeros prejuízos à sociedade, e ao bem comum que

se buscou proteger.

A autorização judicial para descartar certas regras previstas em contratos

bancários, por exemplo, em benefício da parte que contestou o contrato por meio de

um processo, na verdade, está servindo não ao bem comum e social, mas sim ao

interesse privado daquele indivíduo considerado hipossuficiente, uma vez que a

decisão judicial faz coisa julgada inter partes.

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Ao contrário, tal decisão prejudica o meio social em flagrante incentivo

negativo, uma vez que o mercado encontrará outros meios para se resguardar dos

futuros riscos que essas decisões provocam, aumentando taxas de juros, requisitos

para concessão de crédito, etc. Nas palavras de Luciano Tim:

Em uma perspectiva econômica, ainda que não se renuncie à preponderância do interesse social, essa tese de utilização de critérios distributivos ou de Direito Público aos contratos, (espaço privado) não faz sentido, pois acaba confundindo o interesse coletivo com a parte mais fraca (que muitas vezes espelha um interesse individual e não coletivo), ou mesmo com a redistribuição dos benefícios econômicos do contrato entre as partes arbitrariamente, descurando da autonomia privada. Nem sempre aquele interesse social significa interferir no contrato em favor de uma das partes. Ao contrário, exemplos recentes no mercado de crédito dão conta de que a interferência estatal no acordo entre as partes pode favorecer a parte mais fraca no litígio e prejudicar a posição coletiva, ao desarranjar o espaço público do mercado que é estruturado em expectativas dos agentes econômicos. (TIM, 2008. p.68)

No mesmo sentido, a lição de Renata Guimarães Pompeu:

Pretende-se esclarecer que a conduta que promove interesse próprio nem sempre recusa, rejeita ou prejudica interesse comum, bem como a conduta que afirma considerar o bem-estar social nem sempre auxilia no desenvolvimento de todos. (POMPEU, 2010, p.408)

Portanto, a pretensão de proteção do hipossuficiente na relação contratual,

da dignidade da pessoa humana, do interesse social, muitas vezes não se revela

eficaz na realidade, ante a utilização do princípio da função social de forma

equivocada, sem atentar para a inafastável característica econômica do contrato,

bem como do meio em que está inserido: o mercado.

Ou seja, a teoria solidarista não considera todas as variáveis que

influenciam a aplicabilidade das normas jurídicas.

Outro ponto que merece destaque é a suposta supremacia do interesse

público sobre o interesse individual. Historicamente se verifica que esta concepção

tem vínculo com os estados fascistas e nazistas, que justificavam seus atos com

base no bem comum. Nas palavras de Enzo Roppo:

[...] a loucura do individualismo e do liberalismo de ora em diante não tem mais espaço no direito alemão (Hans Frank), e que a esta deve substituir-se a rígida subordinação da liberdade e da iniciativa autônoma do indivíduo às exigências e aos interesses da comunidade nacional (a comunidade dos alemães de raça ariana), e aos seus desígnios de potência e de domínio. A velha imagem do contrato, construída sobre a idéia de liberdade individual

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e de igualdade jurídica como reflexo da igualdade natural entre os homens, devia desaparecer: os homens (e os povos) são naturalmente desiguais, e esta desigualdade entre superiores e inferiores deve ser sancionada pela lei (legislação racial); o contrato não pode ser expressão da liberdade do indivíduo e meio para a satisfação dos seus interesses particulares, mas deve constituir instrumento para a realização do bem comum da nação alemã; e aos juízes do Reich era confiada a tarefa de valorar – com amplíssima margem de discricionaridade – se cada contrato era conforme a um tal bem comum, que em concreto de resumia e se fazia coincidir com a vontade do Führer, elevada assim a sumo critério de valoração jurídica. (ROPPO, 2009, p.55)

Espantosamente verifica-se a coincidência de vários termos e intenções no

texto acima compilado com os argumentos utilizados pela teoria solidarista dos

contratos. E em que pese a tentativa de justificar a teoria com base no advento da

Constituição da República e do Estado Democrático de Direito, o que se verifica é

um retrocesso aos valores de utilidade, eticidade e interesse apregoados pelo

Estado Social.

Tal posicionamento denota inúmeros riscos, como se passa a demonstrar.

Naves ressalta bem a natureza jurídica dos interesses:

Interesses são valores, isto é, elementos sociais, econômicos, religiosos e políticos ligados à utilidade que desempenham na vida das pessoas. São fatos e não normas e, como tais, podem fazer parte do conteúdo da norma jurídica, mas não são elementos jurídicos que podem incidir no caso concreto. Dizer que interesses públicos nada mais são do que os “valores fundamentais” ou “primordiais” do ordenamento já demonstra muito bem sua localização no mundo da Moral. Para que um dado valor seja primordial, deve ele prevalecer “a priori” sobre os demais valores. Assim o ordenamento é tratado como um conjunto de valores hierarquizados de antemão e aplicados segundo uma prevalência subjetiva, já que o ordenamento não deixa expressa essa ordem de predominância axiológica. (NAVES, 2009, p. 309)

“A noção de interesse foge, muitas vezes, da seara da normatividade. As

normas jurídicas são oriundas de vários interesses.” (NAVES, 2009, p. 308). Ou

seja, os interesses influenciam a elaboração das normas, o processo legislativo, mas

não seriam elementos jurídicos.

Este autor ainda afirma que, embora o ordenamento jurídico contenha

ferramentas voltadas à proteção de certos interesses, no momento da aplicação do

Direito não são considerados elementos legítimos, apenas os elementos normativos

o são.

Assim, o risco de elevar um valor à categoria de modo de solução de

conflitos permitiria que a decisão judicial se pautasse na subjetividade, ante a

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existência de uma gradação de preferências. Ora, não se pode considerar, em uma

sociedade pluralista e que respeita as minorias, um valor não expresso por uma

situação jurídica de direito subjetivo ou demais categorias existentes no espaço

normativo tais como deveres jurídicos, direitos potestativos, sujeição, faculdade,

ônus e poder, (Naves, 2009, p. 309-310), mais importante que outro ao se

fundamentar uma decisão judicial.

4.4 Função social do contrato numa perspectiva demo crática

O Estado Liberal, fruto da racionalização defendida pelo Iluminismo, trazia

como traço principal a idéia de que o poder Estatal não pode ser exercido

indiscriminadamente em todas as esferas da vida de um indivíduo, especificamente

no âmbito da economia e da vida privada.

Desta forma, seria essencial limitar o poder do Estado, de forma que

restassem garantidos os direitos à vida, à liberdade, à segurança. Tais direitos

seriam caracterizados como “naturais”, não dependendo da outorga da coletividade

ou do governo. Teriam como pressuposto a imagem de contrato social como origem

da sociedade.

A idéia de direitos naturais, bem como do contratualismo, estava intimamente

ligadas à posição individualista amparada pelo Iluminismo.

Neste paradigma, o Estado é visto como “mal necessário”, tem função mínima

de garantir a segurança e a possibilidade de crescimento dos indivíduos.

A liberdade liberal era caracterizada pela segurança nas relações privadas,

garantia de que os direitos do indivíduo não seriam feridos pelo Estado. Uma

atuação negativa.

Conforme salientado por Francisco Amaral (2003), “a sociedade moderna

(séculos XVIII-XIX) era o mundo do individualismo, da segurança e da certeza do

direito, da igualdade formal, da razão e das liberdades individuais”.

O individualismo exacerbado e a igualdade apenas formal tão em voga à

época tiveram como conseqüência um colapso econômico e a necessidade de

reestruturação do Estado. Surge o Estado Social, a fim de garantir direitos básicos

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de sobrevivência dos indivíduos como saúde, previdência, moradia, trabalho, enfim,

os direitos sociais.

O Estado Social, ao contrário do liberal, acresceu inúmeras funções à

instituição, tomando para si aquelas consideradas essenciais ao desenvolvimento do

indivíduo como pessoa e cidadão. Surge como resposta às conseqüências

indesejáveis da Revolução Industrial.

Neste novo paradigma cabia ao Estado um papel ativo de gerenciador da

crise como agente econômico, provedor de insumos essenciais à economia, com

objetivo de construir uma rede de proteção “absoluta” para o cidadão com a criação

de políticas públicas voltadas ao bem-estar da população. Os reflexos dessas

políticas logo foram sentidos com o endividamento dos Estados e a precariedade

dos serviços públicos, que não conseguiam atender a toda a população,

especialmente nos países mais pobres.

Foi a época, também, de ditaduras populistas, com ênfase em discursos

paternalistas e medidas de grande intervenção na economia.

Segundo Francisco Amaral:

A ele [Estado Liberal] sucedeu o Estado Social de Direito, nascido com a primeira guerra mundial, caracterizado pela tendência intervencionista no domínio econômico, além da garantia não só dos direitos e liberdades fundamentais como também dos direitos econômicos, sociais e culturais. Seu principal objetivo era a consecução do bem-estar social, donde ser também conhecido pela designação de Estado do bem-estar, ou ainda Estado Assistencial, Estado Industrial. Distinguia-se pela preocupação com a igualdade substancial em vez da formal, do Estado de Direito, e pela solidariedade e a intervenção do Estado na economia, absorvendo atividades econômicas dos particulares e desenvolvendo os serviços públicos. (AMARAL, 2003, p. 72-73)

A partir da década de 1970, percebe-se uma crise no “welfare state”, que

critica a lógica do dirigismo estatal. Nas palavras de Daniel Sarmento:

O Estado havia se expandido de modo desordenado, tornando-se burocrático e obeso, encontrava enormes dificuldades para se desincumbir das tarefas gigantescas que assumira. A explosão de demandas reprimidas, gerada pela democratização política, tornara extremamente difícil a obtenção dos recursos financeiros necessários ao seu atendimento. Por outro lado, o envelhecimento populacional, decorrente dos avanços na medicina e no saneamento básico, engendrou uma perigosa crise de financiamento na saúde e na previdência social – pilares fundamentais sobre os quais se assentara o Estado Social. (SARMENTO, 2006, p. 195)

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Para este autor, pode-se afirmar, em síntese, que no Estado Liberal, estando

os direitos fundamentais concebidos como limites à atuação estatal e estranhos às

relações entre particulares, as relações privadas se dariam entre partes iguais, que

deveriam gozar de plena autonomia para determinar e regular seus próprios

interesses. Nesta concepção, o Código Civil era visto como o centro do sistema do

Direito Privado.

No Estado Social, ante a cristalina desigualdade entre particulares,

representada pela opressão do mais forte sobre o mais fraco, o ordenamento

jurídico passa a disciplinar relações econômicas e privadas, surgindo a Constituição

como norma jurídica efetiva e não apenas diretriz política.

Ao Estado Social sucedeu o Estado Democrático de Direito. Apesar de conter

algumas características do Estado Social, como a solidariedade e a igualdade

substancial, dele difere pela forma de legitimação das normas e decisões estatais,

bem como da crítica à supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

O Estado Democrático de Direito, como o próprio nome diz, busca tratar as

questões de forma participativa com a sociedade, garantindo o direito das minorias e

da diversidade. É a consagração da soberania popular num discurso de inclusão.

Nas palavras de Francisco Amaral, o Estado Democrático de Direito se

caracteriza pela “institucionalização da convergência da democracia e do socialismo,

superando o neo-capitalismo próprio do Estado Social de Direito. A República

Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.” (AMARAL,

2003, p. 73)

Para José Afonso da Silva a democracia é:

[...] meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, democracia não é mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história. (SILVA, 1997, p. 126-127).

No Estado Democrático de Direito os indivíduos têm ciência de que

dependem uns dos outros, sendo a solidariedade fundamental para a integração

social. No entanto, também busca proteger as diferentes liberdades fundamentais,

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com proteção das minorias. Desta forma, necessária é a reconstrução dos “modelos

de compreensão dessa realidade” (AMARAL, 2003, p. 73).

No Estado Democrático de Direito a Constituição torna-se a base

hermenêutica de interpretação de todo o ordenamento jurídico, legitimando-se nas

escolhas feitas pela sociedade.

Como ensina Naves, “é certo que a funcionalização dos contratos exerce

papel de grande relevância nessa transformação, desde que entendida como

garantia de “iguais liberdades fundamentais” no interior da relação jurídica

contratual. (NAVES, 2009, p. 304)

Tendo o contrato mais de uma função, conforme se viu, sendo que todas

poderiam ser englobadas na função social, pelo princípio democrático não se deve

escolher uma delas como mais importante, e que se sobrepõe às demais. Neste

sentido as palavras de Leonardo Macedo Poli:

[...] é imprescindível que se esclareça a razão da adoção, neste estudo, de uma concepção pluralista da funcionalidade do direito subjetivo ao invés de se adotar uma concepção monista em que uma de suas funções prevaleça sobre as demais. Essas concepções monistas parecem ser defendidas por grande número de civilistas brasileiros, provavelmente influenciados, inicialmente, pelo texto constitucional e, posteriormente, pelo texto do atual Código Civil que se referem, respectivamente, à necessidade do exercício do direito de propriedade e do direito contratual, em conformidade com a função social. Uma interpretação comumente defendida tem sido a de que a menção expressa à função social nos referidos textos poderia ser entendida como uma hierarquização das funções do direito subjetivo que alçaria sua função social a um patamar soberano em relação às demais, que seriam preteridas diante daquela. Seria a redenção do paradigma social garantida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Esse entendimento parece recair no mesmo equívoco que o ordenamento jurídico buscou corrigir. A interpretação clássica do direito privado preteria as demais funções do direito subjetivo em prol de sua função econômica. (POLI, 2007, p. 322)

Se a idéia do Código foi justamente evitar o individualismo, suplantando o

paradigma liberal, a escolha de nova concepção pautada na socialidade,

hierarquizando-a e colocando-a em posição de primazia contraria o princípio

democrático do Estado de Direito, modificando-se apenas os atores, mas

permanecendo o palco.

Como bem ensina Leonardo Macedo Poli, (2007) a interpretação da função

social deve ocorrer de forma inclusiva. É a garantia de que a mesma será inserida

no discurso, assim como as demais funções do contrato: pedagógica e econômica.

Uma vez que a sociedade é democrática, não se deve impor a prevalência de uma

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função sobre as demais. Assim, para uma adequada interpretação do caso concreto,

a aplicação da função social deve considerar a função econômica e a função

pedagógica do contrato.

Humberto Theodoro Júnior (2004) ensina que a função social da

propriedade se delineou a partir da teoria do abuso do direito, artigo 186, do Código

Civil, na qual há a previsão de que, sendo abusiva e ilícita a finalidade para a qual se

utiliza o bem, esta se torna incompatível com as finalidades tanto econômicas como

sociais.

O direito de propriedade, antes visto como a mais absoluta concepção do

domínio e liberdade do indivíduo, passou a ser analisado e inserido num contexto

social.

O caput do artigo 1228, e seus §§ 1º e 2º, do Código Civil, dispõem:

Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. §2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (BRASIL, 2007)

Nesta linha de raciocínio, Humberto Theodoro Júnior (2004) afirma que a

falta de um poder direto sobre a coisa, no que tange às obrigações pessoais

nascidas do contrato, dificulta a definição da função social que também a ele se

imputa.

Afinal, o contrato é uma obrigação pessoal, o credor tem o direito de exigir

uma prestação do devedor e apenas dele, na maioria dos casos. Por isso é

considerado um direito relativo. Assim, só se poderia pensar em função social do

contrato na medida em que dessa convenção surgissem efeitos externos, não

somente para as partes, mas abrangendo todo o meio social.

Embora os efeitos do contrato não sejam tão nítidos como aqueles advindos

do direito de propriedade, não se pode negar que refletem na sociedade, uma vez

que são instrumentos para realização de diversas transações responsáveis pelo

desenvolvimento social. Conclui-se, portanto, que os contratos têm uma clara função

na sociedade.

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Em razão da generalidade do disposto no artigo 421, do Código Civil,

existem vários conceitos de função social. Uma primeira dificuldade na interpretação

surge do fato de que, para a doutrina, ainda não se tem esclarecida a natureza

jurídica da função social do contrato. Adriano Augusto de Castro expõe:

Tomando-se os enunciados do CJF como esforço interpretativo feito para “tentar explicar o sentido e o alcance das disposições do novo Código” [...], interessante se torna perceber ser o citado art. 421 do Código Civil um dos dispositivos que mais recebeu atenção. [...] Desse primeiro esforço hermenêutico, praticado por aplicadores do Direito – magistrados federais -, percebe-se nitidamente a imprecisão do conceito da “função social do contrato”. Seria ela “cláusula geral” (enunciados 21, 22), “princípio” (enunciado 360), garantia constitucional (enunciado 23), novo arcabouço teórico do instituto contratual (enunciado 167) ou mecanismo de revisão judicial do seu conteúdo por diversas hipóteses não necessariamente vinculadas à dignidade da pessoa humana (enunciados 166, 361)? (CASTRO, 2009, p 15-16).

Humberto Theodoro Júnior (2004) afirma que a função social seria um

princípio e que não se confunde com o princípio da boa-fé objetiva, pois o primeiro

aborda a liberdade contratual em seus reflexos sobre terceiros e não apenas entre

os contratantes. Já o segundo princípio se restringiria ao relacionamento constituído

entre os sujeitos do negócio jurídico.

Para Caio Mário da Silva Pereira, “a função social do contrato, portanto, na

acepção mais moderna, desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo

podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade.” (PEREIRA,

2006, p.14).

Neste trabalho considerou-se a função social como um princípio contratual,

balizando a interpretação do instituto nos casos concretos.

O reconhecimento da inserção do contrato no meio social e da sua função

como instrumento que influencia a vida das pessoas, bem como a ausência de

contornos definidos para aplicação do princípio da função social dos contratos aos

casos concretos delega, portanto, à doutrina e jurisprudência a tarefa de analisar

sua presença difusa no ordenamento jurídico, levando em consideração os

princípios informativos da ordem econômica e social delineados pela Constituição,

além das características precípuas do contrato, bem com suas demais funções.

Também para este trabalho considera-se a existência de uma função que se

caracteriza pela externalidade dos efeitos do contrato, cabendo ao princípio da boa-

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fé objetiva e do equilíbrio contratual a tutela e a proteção dos direitos subjetivos

internos à relação contratual.

O princípio da função social do contrato está relacionado ao princípio

clássico da relatividade dos efeitos do contrato que determina o isolamento da

relação contratual, atingindo seus efeitos apenas com relação aos contratantes, não

podendo ser utilizado como justificativa para o descumprimento de cláusulas

contratuais.

O princípio clássico liberal da relatividade delimita o âmbito da eficácia do

contrato. A doutrina explica que o principal efeito do contrato é criar um liame

obrigacional entre as partes contratantes. A este liame, a lei confere obrigatoriedade,

por isso diz-se que o contrato faz lei entre as partes. Esta força vinculante é

equiparada à lei.

Além da limitação referente aos efeitos do contrato, existe ainda a limitação

quanto ao objeto. O credor só pode exigir do devedor o que foi expressamente

pactuado no contrato, nem mais, nem menos.

Como visto acima, em termo de mercado, é justamente em relação aos

efeitos de uma relação contratual alcançando terceiros que se pode falar em função

social do contrato, não havendo que se falar em função social interna à relação

contratual. Ao contrário, a função social interna, na verdade, diz respeito à boa-fé

objetiva e ao equilíbrio contratual, princípios que devem ser observados pelos

contratantes.

O princípio da função social, assim como os demais princípios

contemporâneos, é norma geral de cunho constitucional que passou a se incorporar

ao contrato, por força de lei.

Desta forma, não somente as cláusulas contratuais obrigam as partes, mas

também o conteúdo normativo destes princípios.

A idéia central da relatividade encontra fundamento na liberdade contratual.

Se não houvesse essa manifestação de vontade, o liame contratual não poderia se

formar em relação à pessoa, desta forma, numa perspectiva liberal, o contrato

geraria efeitos somente entre as partes contratantes, não prejudicando nem

beneficiando terceiros por não participarem da relação. “Ninguém pode ser obrigado

a executar uma prestação resultante de um contrato do qual não é parte, e que um

terceiro não pode pretender-se credor de uma obrigação que não foi contraída em

face dele.” (THEODORO NETO, 2007, p. 38).

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Segundo Humberto Theodoro Neto:

O século XX, contudo, introduziu na organização do Estado Democrático a preocupação com o dado social. O indivíduo, a pessoa humana, não deixou de ser o principal alvo de tutela do direito. Reconheceu-se, no entanto, que como ser gregário, sua dependência da sociedade era natural e inevitável, tornando necessário reconhecer que, a par dos interesses individuais, existiam outros interesses que pertenciam ao grupo de que dependia o indivíduo para desfrutar os próprios direitos individuais em plenitude e segurança. (THEODORO NETO, 2007, p. 65)

Desta forma, forma-se a consciência de que qualquer objetivo social, que

tutela o bem-estar coletivo, necessita do amparo de uma estabilidade econômica e

jurídica na relação entre os indivíduos, transformando-se o contrato em um dos

instrumentos de realização do projeto constitucional, assim como ocorreu com a

propriedade. Veja-se que no contexto democrático o contrato deve ser analisado

inserido em um horizonte histórico.

Pois bem, o contrato não é considerado apenas como instrumento de

circulação de riquezas, mas também de desenvolvimento social. Ocorre que todo

desenvolvimento deve ser sustentado, racionalizado e equilibrado.

Assim, a limitação do princípio da relatividade dos efeitos contratuais pela

função social do contrato seria atentar para seus efeitos sociais, econômicos e

ambientais, pois, como aceitar como válido e chancelar um negócio que, apesar de

atender aos seus pressupostos formais de validade, desrespeite leis ambientais ou

pretenda fraudar leis trabalhistas? Muito menos se pode admitir um contrato que

viole a livre concorrência, as leis de mercado ou a defesa do consumidor.

Neste sentido:

É verdade que a função social demanda uma reinterpretação da relatividade dos efeitos contratuais ou, ao menos, uma composição entre os dois princípios, sempre que, em dada situação concreta, estiverem em confronto, pois o novo princípio revela preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas. Enquanto isso, de maneira oposta, o princípio da relatividade isola a relação contratual, circunscrevendo seus efeitos aos contratantes. (THEODORO NETO, 2007, p.75)

Muito embora em um primeiro momento tenha-se pensado que a função

social representaria um princípio de garantia para uma parte dentro da relação

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interna em face da outra, pressupõe-se, de forma oposta, uma repercussão dela no

mundo externo.

É importante tecer algumas considerações acerca do significado de “parte” e

“terceiro”. Segundo Teresa Negreiros (2006), no âmbito da teoria clássica

voluntarista, parte é o indivíduo que se vincula ao contrato por uma manifestação de

vontade, sendo terceiros todos os outros, ou seja, uma definição por exclusão.

Nestes termos, terceiros não são:

[...] quaisquer pessoas alheias ao acto do negócio, mas sim apenas aqueles que possam ter adquirido ou vir a adquirir outros direitos idênticos ou de diferente natureza, mas conflituantes, sobre as mesmas coisas que já são objecto dum direito análogo por parte de outras; neste caso, estas segundas dizem-se partes do negócio e as primeiras, terceiros em sentido estrito. (MONCADA apud NEGREIROS, 2006, p.222).

A doutrina moderna francesa, nas palavras de Teresa Negreiros (2006),

busca definir partes como pessoas submetidas ao efeito obrigatório do contrato por

efeito de sua vontade ou da lei. Essa conclusão de que o fundamento legal da força

obrigatória dos contratos repercute na interpretação do princípio da relatividade, na

medida em que desloca a vontade do centro da teoria contratual e conduz à

necessidade de se analisar o efeito relativo do contrato à luz dos novos princípios,

dentre eles a função social.

O terceiro se relaciona com o conteúdo do contrato de duas formas,

segundo Teresa Negreiros (2006): sendo vítima de um dano provocado pelo

inadimplemento de uma obrigação originária de um contrato do qual ele não

participa diretamente; ou quando o terceiro contribui para o inadimplemento da

obrigação assumida pelo devedor. Pode nestes termos, ser vítima ou ofensor do

contrato.

“Ofende-se o princípio da função social dos contratos quando os efeitos

externos do contrato prejudicam injustamente os interesses da comunidade ou de

estranhos ao vínculo negocial.” (THEODORO JÚNIOR, 2004, p.51).

Além disso, pode-se concluir também que o princípio da função social do

contrato é violado sempre que a decisão judicial autorize o descumprimento de

cláusulas contratuais, justificada na proteção de pretenso interesse social, com base

em argumentos valorativos e desconsiderando a realidade social e econômica em

que a avença foi pactuada.

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Cite-se, ainda, como exemplo de contratos que não obedecem ao princípio

da função social aqueles que promovem dominação de mercado e afrontam a livre

concorrência, bem como os contratos consumeristas que apresentam propaganda

enganosa, etc.

Sobretudo, deve-se levar em conta que a função natural do contrato é a

circulação de riquezas. Neste sentido, verifica-se a existência de função social no

próprio mercado e, desta forma, a interpretação do princípio da função social deve

levar em conta todas as peculiaridades, bem como os resultados que poderá causar,

e que atingirão toda a sociedade.

É preciso salientar que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não exerceu plenamente a sua liberdade contratual.5 (ALVIM apud THEODORO JÚNIOR, 2004, p.100)

Como já exposto, embora o contrato tenha uma função social, não tem

função de assistência social. O instituto tem finalidade econômica a realizar, que não

pode ser preterida ou ignorada pelo legislador nem pelo magistrado aplicador da lei.

Deve-se, desta forma, garantir a proteção de todas as funções do contrato,

especialmente em virtude de que o seu conjunto forma a função social que o mesmo

desempenha. Não se pode, querendo regular a função natural do contrato, suprimi-

la, sob pena de se destruir o instituto ou desvirtuar seus objetivos.

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

O contrato pode ser invalidado por ofensa aos limites da função social. Não pode, entretanto, ser transformado pela sentença, contra os termos da avença e ao arrepio da vontade negocial, em instrumento de assistência social. Impossível é determinar que se preste gratuitamente o que se ajustou oneroso. Nem tampouco se admite exigir, pelo mesmo preço, prestação maior ou diversa do que se contratou. Isto equivaleria a um confisco dos valores econômicos a que o contratante tem direito, segundo a ordem econômica tutelada pelo sistema constitucional vigente. (THEODORO JÚNIOR, 2004, p.102).

5 ALVIM, Arruda, et al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 72.

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Função social, função econômica e função pedagógica do contrato não se

anulam nem substituem, mas sim devem existir conjunta e harmoniosamente. A

função econômica do contrato está inserida na sua função social.

4.5 Natureza jurídica da função social dos contrato s

A doutrina civil moderna trouxe para a teoria clássica do Direito Contratual

certos princípios e conceitos denominados cláusulas gerais. São conceitos abertos e

indeterminados que devem ser preenchidos pelo juiz, na análise do caso concreto.

Estas cláusulas foram adotadas com a finalidade de resolver a questão da

defasagem entre o direito positivo e a realidade. Consistem em uma técnica

legislativa fruto da evolução do pensamento de que os Códigos não poderiam conter

toda a disciplina de determinado ramo do Direito, de forma completa e absoluta.

Miguel Reale (2004, p.4), afirmou que a maior contribuição e objetivo do

novo Código Civil, publicado em 2002, seria superar o manifesto caráter

individualista do Código de 1916.

O Código de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua tinha espírito oitocentista,

como preleciona Judith Martins Costa, consistindo em uma concepção de “sistema

como ordem e unidade interna, dotado de pretensão da completude ou plenitude

legislativa” (COSTA, 2000, p.259):

A pretensão da plenitude, a preocupação com a segurança, certeza e clareza (no sentido de precisão semântica) que marcam a obra de Beviláqua não permitiriam espaço para a inserção de cláusulas gerais. [...] A imutabilidade é considerada a primeira e fundamental característica de uma legislação civil, ao lado da pretensão de plenitude, que a completa. [...] [Assim] o raciocínio jurídico e, por extensão, a interpretação de normas jurídicas amarram-se fortemente ao contido no texto da lei, ponto de referência exclusivo do jurista, o qual entende ter por missão deduzir passivamente os dados que lhe são transmitidos pela vontade da lei ou pela vontade do legislador, realizando a operação de subsumir um determinado ato, fato ou relação jurídica em uma ou outra determinada qualificação normativa também já previamente delimitada. (COSTA, 2000, p.267-268)

No entanto, as mudanças políticas e econômicas ocorridas em meados do

século XX, em tempo relativamente curto, tornando o sistema pós-guerra

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socialmente complexo, assim como o desenvolvimento da tecnologia, a alteração

das formas de produção, todas elas consistiram em impulso para o questionamento

de um ordenamento jurídico fechado, que não possuía mais a capacidade de

abranger todas as situações jurídicas necessárias, advindas dessas mudanças.

A necessidade de aperfeiçoamento do sistema, bem como de obter-se uma

resposta para as atuais necessidades da sociedade culminou na criação de uma

técnica legislativa nova, segundo a qual o Código seria um referencial legislativo,

sendo inseridas nele normas de cunho aberto, cujo conteúdo poderia ser alterado

pelo juiz, de acordo com o caso concreto.

Assim:

[...] as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo. (COSTA, 2000, p.274)

O conceito formulado por Judith Martins Costa restou assim descrito:

Estas normas buscam a formulação de hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Em outros casos, verifica-se a ocorrência de normas cujo enunciado, ao invés de traçar punctualmente a hipótese e suas conseqüências, é intencionalmente desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de valores, princípios, diretrizes e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas normas: são as chamadas cláusulas gerais. (COSTA, 2000, p.286)

Analisando o conceito acima, entende-se que mesmo as cláusulas gerais,

dotadas de conceitos jurídicos indeterminados, devem possuir uma moldura, mesmo

que vaga. Não se discute acerca da evidente vantagem trazida pela inserção de

cláusulas gerais no ordenamento jurídico, uma vez que são instrumento hábil para

manter o texto legal atualizado, já que é impossível a tarefa do legislador de

supostamente prever todas as situações jurídicas possíveis e normatizá-las.

No entanto, como bem delineado pela autora acima citada, mesmo as

cláusulas gerais devem ter um mínimo de parâmetros de aplicabilidade, ou vaga

moldura, sob pena não de se cair em insegurança jurídica (termo este bastante

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criticado atualmente), mas sim de se banalizar a aplicação do instituto. Afinal, o que

serve para tudo e todos, na verdade não serve para ninguém.

A questão simplesmente da segurança jurídica é controvertida. Ora, toda

norma, por mais fechada e literal que seja a sua construção, é passível de

interpretação. A segurança que se espera das relações e decisões judiciais é aquela

possível, considerando-se principalmente a pluralidade em que se vive. Judith

Martins Costa fala que vive-se atualmente o “mundo da insegurança”:

Hoje vive-se, diversamente, no “mundo da inseguraça”. Esta não reside apenas na circunstância da multiplicidade dos textos legais que abalaram a estrutura codificada, mas fundamentalmente, da impossibilidade de manter-se, no universo em que vivemos, a integridade lógica do sistema. (COSTA, 2000, p.276)

No entanto, um mínimo de segurança é necessário para evitar o caos:

[...] entre as principais necessidades e aspirações das sociedades humanas encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança jurídica, para atingir seus objetivos e até mesmo para sobreviver. (DALLARI, 1980, p.26)

Judith Martins Costa (2000, p.287) afirma que o exemplo paradigmático de

cláusula geral veio do Direito alemão, com a previsão no parágrafo 242, do BGB, de

referência à necessidade do devedor cumprir a obrigação que lhe é devida com

observância da boa-fé e dos costumes do tráfego jurídico, sendo tal proposição

extremamente criticada à época (1896). No entanto:

A utilização da cláusula geral da boa-fé mostrou-se particularmente frutífera na jurisprudência alemã do pós-guerra, por forma a permitir a construção ou o desenvolvimento, no direito obrigacional, dos casos de exceptio doli, da inalegabilidade de nulidades formais, de culpa na formação dos contratos (culpa in contrahendo), de abuso da posição jurídica, de modificação das obrigações contratuais por alteração superveniente das circunstâncias. Serviu ainda para evidenciar a complexidade do conteúdo da relação obrigacional e seu intrínseco dinamismo. (COSTA, 2000, p.292)

Assevera a autora que a prática foi posteriormente estendida a diversos

outros países, tornando os códigos mais recentes permeados de cláusulas gerais, a

exemplo do brasileiro.

Ocorre que, como bem observado por Antônio Junqueira de Azevedo, a

forma utilizada no Código Civil de 2002 é ultrapassada:

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[...] verificamos que o grande problema que afinal surgiu depois de se resolver a mudança, saindo daquela rigidez da lei geral e abstrata para todos, e atribuindo poder ao juiz, foi a perda de uma certa segurança jurídica. Aquela espécie de arbitrariedade entregue às autoridades não foi o ideal na vida prática. Então, procurou-se caminhar para dar algum conteúdo àqueles conceitos vagos. [...] No caso do Projeto de Código Civil, infelizmente não há essas diretrizes. O Projeto limita-se a dizer que os contratantes devem comportar-se segundo a boa-fé. Os Códigos modernos trazem as diretrizes. (AZEVEDO, 2002).

A Constituição brasileira de 1988, elogiada pelos autores que pregam a

supremacia das cláusulas gerais, também traz conceitos indeterminados em seu

conteúdo. No entanto, a exemplo dos modernos Códigos, como analisou Rodolpho

Barreto Sampaio Júnior (2008), apresenta as balizas necessárias para a correta

aplicação daquelas normas. A título de exemplo pode-se citar a previsão do artigo

188 da Constituição da República, que estabelece a função social da propriedade.

Logo em seu parágrafo segundo explicita que a propriedade cumpre sua função

social quando atende às especificações do plano diretor. Resta restringida, portanto,

a discricionariedade do magistrado, sem que fosse necessário abrir mão da cláusula

geral.

A Constituição da República de 1988 previu em seu texto a função social da

propriedade. No entanto, não deixou o conceito, nem a aplicação do princípio sem

direcionamento. Pelo contrário, em técnica jurídica avançada, deu contornos à

cláusula geral que contém este princípio, indicando o direito básico a ser protegido,

a função ou necessidade a ser suprida pelo titular do direito e, por fim, a sanção que

visa garantir essa função do direito. (NAZARA, 2008, p.69).

O artigo 5º, inciso XXII, da Constituição da República, ao assegurar o direito de propriedade, afirma que o mesmo deve ser exercido segundo a sua função social. O mesmo texto constitucional de 1988, agora nos artigos 182, § 2º e 186, indica ao titular da propriedade imobiliária urbana que a sua função social será obtida quando o uso, gozo e disponibilidade do domínio estiverem adequados às normas de ordenação da cidade descritas no plano diretor, bem como elucida ao dono da propriedade rural que seu fim social será atingido quando a propriedade for exercida de modo produtivo. Em derradeiro, o constituinte criou meios de coação aos titulares da propriedade urbana e rural com vistas a que estes não descurassem da função social a que as mesmas se destinam, impondo, por exemplo, a desapropriação do imóvel rural, por interesse social, quando a produtividade for baixa ou inexistente, bem como a desapropriação do imóvel urbano para fins urbanísticos. Neste exemplo, vislumbra-se de modo solar a técnica de funcionalização de um direito subjetivo segundo os três estágios apontados. (NAZARA, 2008, p.69)

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Está disposto na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXII e XXIII:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos:

[...]

XXII. é garantido o direito de propriedade;

XXIII. a propriedade atenderá sua função social. (BRASIL, 2007)

Encontra-se previsão constitucional acerca da função social da propriedade

também no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, comprovando que não só

se exige que a propriedade atenda a sua função social, como a eleva à categoria

dos princípios informadores da ordem econômica.

Este princípio é mais simples de se visualizar do que a função social dos

contratos, pois é intrínseco o efeito do exercício de um direito real sobre o meio

social. Além disso, a Constituição da República de 1988 trouxe diretrizes para

aplicação da função social da propriedade, que não se vê no Código Civil.

O direito real estabelece uma relação entre o titular e a coisa, e ao mesmo

tempo uma relação de abstenção que se opera erga omnes. Trata-se de uma

obrigação de toda a sociedade de não interferir na coisa objeto do direito. Esse

direito envolve concretamente os interesses sociais, como afirma Venosa (2007),

pois a propriedade só pode ser analisada como entidade social e jurídica, só pode

ser definida com relação às outras propriedades.

Neste sentido, a exemplo da Constituição da República de 1988, o

“aperfeiçoamento da técnica legislativa das cláusulas gerais inviabiliza que o

julgador aplique, por exemplo, a sua própria noção de função social ao caso

concreto”. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)

O Legislador contemporâneo não se restringiu à criação de preceitos, mas

utilizou com freqüência de alguns expedientes que se destinam a fixar valores a

serem respeitados no cumprimento das normas que compõem o ordenamento

jurídico, conforme explica Humberto Theodoro Júnior, (2004).

Estas normas não prescrevem uma certa conduta, mas sim definem

parâmetros hermenêuticos, servindo como ponto de referência no momento da

interpretação, oferecendo os critérios normativos.

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Como visto, os limites às determinações das cláusulas gerais seriam

conferidos pela jurisprudência, tendo o juiz um papel fundamental na interpretação

dessas normas e sua aplicação ao caso concreto.

Em virtude desta mentalidade, muito se tem discutido acerca do papel do

juiz no processo e ainda o poder criativo e normativo que estar-se-ia concedendo ao

judiciário.

O Código Civil de 1916, não se pode negar, tinha uma feição individualista,

consagrando a primazia da vontade. Por conseguinte, a justiça era alcançada no

cumprimento exato das cláusulas contratuais que foram acordadas em liberdade

pelas partes.

Esse sistema colocava o legislador num papel de suprema imaginação e

auto-suficiência, buscando prever todas as situações que poderiam ser alcançadas

pela norma ou existir no mundo concreto. O objetivo era regular qualquer

circunstância, privilegiando-se a lei acima de tudo, sendo o juiz mero aplicador da

norma através da subsunção ao caso concreto, tendo pouca ou nenhuma atividade

criadora.

Ocorre que os problemas enfrentados pela sociedade da época eram, e

ainda são por demais imprevisíveis para que se pudesse ter a soberba de imaginar

que seria possível abranger toda a gama de casos concretos na lei.

Segundo Thomas Kuhn citado por Antônio Junqueira de Azevedo6 (2007), o

mundo intelectual caminha por mudanças de paradigmas, sendo que o paradigma é

o modelo de solução que uma determinada área das ciências utiliza para a solução

dos problemas. É um padrão segundo o qual as decisões para a resolução dos

conflitos e problemas são tomadas, ou mesmo a interpretação que se dá a esses

eventos.

Os problemas mudaram, mudou-se o paradigma, restando superadas as

deliberações do sistema fechado do Código Civil de 1916.

Nas palavras de Francisco Amaral:

Enfim, no que a experiência jurídica privada possa oferecer como subsídio à disciplina dos conflitos que a pós-modernidade suscita, só podemos dizer que a criação de soluções jurídicas para tais problemas passa pela compreensão da complexidade da nova sociedade, que exige a superação dos modelos e paradigmas ainda vigentes, próprios da modernidade. [...]

6 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1975.

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Quanto às fontes do Direito, a sua tradicional doutrina deve evoluir para a substituição do modelo absoluto e exclusivo do princípio da legalidade pela idéia das fontes como mecanismos institucionais, democraticamente estabelecidos. (AMARAL, 2003, p. 77)

O Código Civil de 2002 adotou, conforme mencionado, o modelo de

cláusulas gerais como técnica legislativa. Cláusulas gerais “nada mais são do que

normas jurídicas legisladas, incorporadoras de um princípio ético orientador do juiz

na solução do caso concreto, autorizando-o a que estabeleça, de acordo com aquele

princípio, a conduta que deveria ter sido adotada no caso.” (HENTZ, 2004).

A justificativa para a criação de um modelo aberto, como visto, está no fato,

apregoado a partir do advento do Estado Social, de que o Direito é um sistema

aberto, flexível e dinâmico, consentindo que o juiz tenha um grau maior de

discricionariedade nas decisões dos casos concretos, valendo-se, inclusive, de

conceitos existentes em diversas áreas como sociologia, economia, biologia, etc.,

que possam contribuir para uma solução justa do caso concreto.

João Hora Neto (2006), admite que a cláusula geral é um instrumento

hermenêutico indispensável, à disposição do julgador, na consecução do ideal de

justiça social. Segundo este autor, a cláusula geral é uma formulação legal de

grande generalidade, abrangendo o largo espectro de casos que possam existir.

Segundo Antônio Junqueira de Azevedo (2007) o paradigma do positivismo,

do juiz autômato, foi ultrapassado. O paradigma seguinte trazia o Estado

intervencionista, que usava os conceitos jurídicos indeterminados, ou cláusulas

gerais, conferindo primazia a quatro princípios: função social, boa fé, ordem pública

e interesse público.

A problemática enfrentada pelos estudiosos desse paradigma consistia

justamente em tentar determinar o conteúdo dessas normas, pois elas seriam vazias

do ponto de vista axiológico.

Segundo esse autor, o paradigma do juiz, do Estado intervencionista,

também foi ultrapassado por um novo: o paradigma do caso concreto e da

Constituição. Isso também em virtude de uma “fuga do juiz”, ou seja, cada vez mais

a sociedade procura resolver os conflitos do dia a dia extrajudicialmente, invocando

a Constituição e outras soluções como a arbitragem. Desta forma, ainda na visão de

Antônio Junqueira de Azevedo (2007), o projeto do Código Civil, cujas previsões são

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repletas de cláusulas gerais, estaria no paradigma já ultrapassado, ao contrário da

legislação alienígena.

Em que pese essa não ser a discussão do presente trabalho, tal

controvérsia merece atenção, à medida que influencia profundamente a aplicação do

princípio da função social do contrato.

Uma outra crítica desse autor está no fato de que a própria Constituição da

República traz as diretrizes para a aplicação do princípio da função social, mormente

no que tange à propriedade privada, como já visto. E é verdade. Nos artigos 182 e

186 a Constituição da República prevê e delimita o que ela considera como função

social, tanto da propriedade urbana, quanto da propriedade rural.

Desta forma, falhou o Código Civil que traz apenas um jogo de palavras

retórico, sem dar diretriz alguma ao aplicador da norma, nem à própria sociedade,

tornando difícil a compreensão do que seria o conteúdo das cláusulas gerais, assim

como seus limites.

O papel do juiz nesse cenário deve ser adequado a tais mudanças.

Realmente seria viável conferir tamanho poder interpretativo e criador aos

magistrados, sob pena de serem proferidas decisões de cunho essencialmente

subjetivo, provocando insegurança, ou ainda aproximando o modelo judiciário

brasileiro ao “common law” existente nos Estados Unidos da América?

Citados por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, dois votos proferidos por

Ministros do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no EResp 319997,

comprovam os riscos da concessão de poderes ilimitados aos magistrados.

Transcreve-se abaixo o trecho do voto do Ministro Francisco Peçanha Martins:

O arbítrio não é regra seguida no Judiciário livre no Estado Democrático de Direito brasileiro. Demais disso, ainda não temos a Súmula vinculante com força obrigatória. O juiz só está obrigado a aplicar a lei consoante os ditames da sua consciência. Tenho para mim que a nova redação do art. 557 e parágrafos é inconstitucional. Tenho trabalhos publicados sobre o tema e não me convenci do acerto da decisão tomada pela maioria, tanto mais após conhecer a opinião do eminente processualista brasileiro Barbosa Moreira, em "Temas de Direito Processual", Sétima Série, pág. 83, onde inquina de inconstitucional decisão proferida pelo STF no Ag.Rg. no RE nº 227.030, comentando-a sob o título "Lei nº 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz". Livre para divergir, continuarei na defesa das minhas opiniões pouco importando como pensa ou quer o Leviatã. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2003)

Na mesma esteira, o trecho do voto do Ministro Humberto Gomes de Barros:

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Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2003).

Verifica-se, portanto, que a concessão de ampla discricionariedade ao juiz

pode não ser a resposta que a sociedade moderna procura, uma vez que, conforme

visto acima e bem destacado por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, (2008), o

recurso foi julgado sendo rejeitadas posições doutrinárias com base em argumentos

de consciência e investidura legal, e não em fundamentos jurídicos.

Não se está, (é bom repetir), insurgindo contra o uso das cláusulas gerais,

mas sim contra a utilização dessas normas segundo um modelo ultrapassado, como

critica Antônio Junqueira de Azevedo (2002), que não delimita critérios de aplicação

do seu conteúdo:

Com esses quatro conceitos [ordem pública, função social, interesse público e boa-fé], o juiz poderia decidir o que bem entendesse, ou seja, podia declarar: isso não pode valer, porque vai contra a ordem pública, ou Esse contrato entre “a” e “b” fere a função social. Entretanto, ninguém definia ordem pública, função social, boa-fé, nem interesse público; e este último seria o pior, porque continua a vigorar até hoje com o mesmo caráter vago. Leio muito em petições de advogados, até em artigos de doutrina, que o interesse público prevalece sobre o privado. A frase não diz absolutamente nada, porque não é verdade. Às vezes a dignidade humana, que é interesse privado, tem de prevalecer sobre o interesse público. Então, não é tão simples assim. (AZEVEDO, 2002).

Na linguagem da economia, está-se diante de um “trade-off”, ou seja, na

lição de Gregory Mankiw (2005) para obter alguma coisa que se deseja, em geral

deve-se abrir mão de outra coisa que também se gosta. Assim, devem ser

analisados os riscos, custos e benefícios de se restringir a segurança em prol da

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atualização da legislação, ou a que nível se pode reduzi-la e alcançar o melhor

resultado possível.

Certo é que a moderna dogmática jurídica, conforme mencionado, superou a

idéia de que as leis possam sempre ter uma solução adequada e justa para cada

caso. Nesse sentido, “a objetividade possível do direito reside no conjunto de

possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece.” (BARROSO, 2006, p.

9)

A cláusula geral oferece inúmeras possibilidades de interpretação possíveis

para o magistrado e, conforme salientou AMARAL (2003), há uma perda crescente

da importância da certeza e da segurança jurídica em favor do primado da justiça,

outro valor fundamental.

Além de ser um ato de conhecimento, a aplicação do direito é também um

ato de vontade, pois o aplicador deve escolher dentre as possibilidades

interpretativas mesmo quando está diante de normas mais “fechadas”.

Nesse aspecto entra a concepção de que o direito privado está intimamente

influenciado pelo direito constitucional, pois é na Constituição que o aplicador da

norma encontrará os limites em que exercerá suas escolhas e seu senso de justiça.

Assim, com relação ao problema levantado por Antônio Junqueira de

Azevedo e mencionado acima, apesar de o Código Civil de 2002 não traçar as

diretrizes para o juiz na aplicação da função social ao caso concreto, tal omissão

deve ser suprida pela importância da Constituição, bem como do direito

constitucional, que ditará os limites que devem ser observados, além do

ordenamento jurídico como um todo, utilizando-se também a legislação especial e

esparsa para se chegar aos parâmetros de aplicação de determinada cláusula geral.

Com relação a este fato, é imperioso registrar que a Constituição brasileira

tem como principal fundamento a dignidade da pessoa humana, sendo que alguns

doutrinadores chegam a elevar este preceito a um superprincípio.

Se, no século XIX, o Código Civil desempenhou a função de normatizar as

relações jurídicas entre particulares, a partir do pós-guerra a Constituição passou a

ser o elemento unificador do ordenamento jurídico, contendo princípios e valores a

condicionar todos os ramos do Direito.

No entendimento de Judith Martins Costa (2000, p.315), há substancial

diferença entre cláusula geral e princípio, apesar de existir respeitável doutrina com

entendimento diverso:

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[...] a equiparação entre princípios jurídicos e cláusulas gerais decorre, fundamentalmente, da extrema polissemia que a ataca o termo “princípios”; as cláusulas gerais não são princípios, embora na maior parte dos casos os contenham, em seu enunciado, ou permitam a sua formulação. O conceito de princípio no direito é polissêmico e polêmico, pesadamente carregado de história. [...] Na raiz da polêmica e da polissemia estão a determinação de sua natureza (isto é, o que são os princípios, se constituem ou não normas jurídicas), os modelos lingüísticos que podem seguir em cada ordenamento e a delimitação de suas funções. (COSTA, 2000, p.316)

Em que pese as diversas definições colocadas pela autora em sua obra,

para o presente trabalho será considerada a definição de princípio em Ronald

Dworkin como norma jurídica.

Claudio Luzzatti citado por Judith Martins Costa explicita:

[...] na estrutura dos sistemas jurídicos, os princípios são aquelas normas que vêm consideradas pelo legislador, pela doutrina e pela jurisprudência como fundamento (em um dos sentidos deste termo) de um conjunto de outras normas, já emanadas ou ainda a serem emanadas (aí os chamados princípios programáticos). (LUZZATTI apud COSTA, 2000, p.320)

Desta forma, Judith Martins Costa (2000, p.323), considera que as cláusulas

gerais contêm princípios, mas com eles não se confundem, uma vez que estes

últimos podem ser implícitos ou explícitos e as cláusulas gerais somente podem ser

explícitas. Por outro lado, segundo a autora, não existiria cláusula geral que não se

remeta a outros espaços do ordenamento jurídico, ou a valores, Standards jurídicos

ou extrajurídicos, ao contrário dos princípios.

Por fim, a diferença entre cláusulas gerais e conceitos jurídicos

indeterminados, conforme preceitua Judith Martins Costa (2002, p. 325) traduz-se no

fato de que, apesar de ambos terem alto grau de vagueza semântica, as primeiras

remetem-se a instâncias valorativas meta ou extrajurídicas e os conceitos

indeterminados remetem-se às regras ordinárias de experiência para se precisar o

seu conteúdo. Além disso, continuando em sua explanação, a autora afirma que,

enquanto na aplicação dos conceitos indeterminados o caso é de subsunção, a

partir do momento em que, pela experiência, se determina se o fato é típico, na

aplicação das cláusulas gerais há criação do direito, concorrendo o juiz ativamente

para formulação da norma.

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Ante a definição acima descrita, verifica-se que a cláusula geral do artigo

421, do Código Civil, contém o princípio da função social direcionado às relações

contratuais.

A função social do contrato é, em si, um princípio jurídico, padrão que deve

ser observado, com respaldo na busca pela justiça, influenciando a interpretação do

conteúdo do contrato e sua aplicação.

Como já exposto, o maior problema de aplicação do princípio da função

social do contrato prevista no artigo 421, do Código Civil, encontra-se no conteúdo

indeterminado desse dispositivo, que tem gerado as mais diversas interpretações

por parte dos tribunais e estudiosos do Direito, muitas vezes sendo utilizado o

conceito de função social como fundamento para promoção de paternalismo e

assistencialismo. Este equívoco gera incentivos negativos e promove insegurança

no mundo econômico, prejudicando o desenvolvimento social.

Apesar de ser vistos com certa controvérsia, aqueles que defendem a

utilização de conceitos indeterminados, como Miguel Reale (2004), exaltam a

“esperteza” da criação de um dispositivo elástico, que poderá evoluir com o Direito.

Como visto, a aplicação do princípio da função social pode entrar em conflito

com a autonomia privada e o princípio da relatividade dos efeitos contratuais.

Para análise do conflito entre princípios, deve-se primeiro entender as

teorias acerca da diferenciação entre princípios e regras.

O Direito é uma ciência que incorpora e concretiza valores do cotidiano da

sociedade ao longo do tempo, relacionando-se com a dinâmica social de duas

maneiras, na explicação de Maurício Godinho Delgado (2001), criando, ou seja,

antecipando normas de conduta e interpretando a ordem jurídica.

Nessa relação, os princípios cumprem papel fundamental, pois compõem o

ordenamento, atuando de forma decisiva no ajustamento do direito à vida social,

pois molda a interpretação da regra jurídica.

Importante frisar que, após a consolidação do Estado Democrático de

Direito, os princípios gerais do direito passaram por um processo de

constitucionalização, transformando-os em princípios constitucionais.

Em primeiro lugar, é certo que na doutrina existe diferenciação entre regras

e princípios. Segundo Marcelo Campos Galuppo (1998), essa distinção é antiga,

sendo discutida por Norberto Bobbio, Del Vecchio, Betti etc.

Para eles,

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Inicialmente, os princípios seriam “normas mais gerais”, que valeriam ou para todo um ordenamento, ou para toda uma matéria, ou para todo um ramo do direito. Em segundo lugar, seriam normas fundamentais (ou de base) do ordenamento jurídico. Em terceiro lugar, seriam normas diretivas, no sentido que indicariam a orientação ético-política em que um determinado sistema se inspira. [...] Em quarto lugar, seriam normas indefinidas, que comportam uma série indefinida de aplicações. [...] E finalmente seriam normas indiretas, ou seja, normas que não seriam atuáveis se outras não lhes precisassem o que se deve fazer para as atuar ou normas cuja função precipuamente construtiva e conectiva consiste em determinar e reassumir o conteúdo da norma. (GALUPPO, 1998)

Esses autores procuravam solucionar a problemática acerca da

normatividade dos princípios, bem como sua operatividade jurídica. Ocorre que este

questão já foi superada, restando a discussão acerca do conflito entre princípios e

sua aplicação.

Alexy citado por Galuppo (1998) elaborou teorias acerca da diferenciação

entre regras e princípios, sendo que estes seriam espécies do gênero norma.

Para tanto, criticou as antigas teorias mencionadas, demonstrando que a

diferença entre princípios e regras não é quantitativa, mas qualitativa. Assim, não

seria o maior ou menor grau de generalidade e abstração que diferenciaria essas

categorias normativas.

Uma norma, para Galuppo (1998) é o significado de um enunciado que diz

que algo deve ser. Elas expressam necessariamente modalidades deônticas:

mandado, proibição e permissão.

Portanto, como as regras e os princípios expressam algo que deve ser,

juridicamente, ambos devem ser entendidos como normas jurídicas.

A teoria tradicional utilizava como critério de diferenciação o critério

quantitativo da generalização crescente. Ocorre que, como explica Galuppo (1998),

a generalidade não é uma causa, mas quando muito uma conseqüência do conceito

e não diferencia essencialmente as duas categorias, apesar de que os princípios

geralmente possuem um maior grau de generalização. Para tanto, cita como

exemplo o princípio federativo, que não seria generalização de nada.

Desta forma, chegou-se à seguinte conclusão conceitual:

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus,

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e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também jurídica. [...] De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. [...] Os princípios não contêm mandados definitivos mas somente prima facie. Do fato que um princípio valha para um caso não se infere que o que o princípio requer deste caso valha como resultado definitivo. Os princípios apresentam razões que podem ser ultrapassadas por outras razões opostas. [...] Totalmente distinto é o caso das regras. Como as regras exigem que se faça exatamente como nelas se ordena, contêm uma determinação do âmbito de possibilidades jurídicas e fáticas.7 (ALEXY apud GALUPPO, 1998)

Assim, nenhum princípio goza de primazia perante outro. Um conflito entre

princípios jurídicos existe quando, aplicadas de forma separada, as normas

principiológicas levam a resultados diferentes e incompatíveis.

Segundo Marcelo Campos Galuppo, “exatamente por isso a solução do

conflito entre princípios difere do conflito de regras: é que este último tem existência

em abstrato, enquanto conflito entre princípios só tem existência, e portanto solução,

no caso concreto.” (GALUPPO, 1998)

Duas regras em conflito, em geral, não podem ser ao mesmo tempo válidas,

mas os princípios conflituosos, ao contrário, não deixam de ser ambos válidos. Quer

dizer apenas que eles não podem ser aplicados na mesma intensidade ou

contemporaneamente.

A questão pode ser assim explicada:

Quando dois princípios entram em colisão [...], um dos princípios tem que ceder ante o outro. Mas isso não significa declarar inválido o princípio que não teve curso, nem que haja de se introduzir no princípio que não teve curso uma cláusula de exceção. Ao contrário, o que acontece é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada de forma inversa. (ALEXY apud GALUPPO, 1998)

A resolução de conflitos de regras, portanto, se dá na dimensão da validade,

e o de princípios na dimensão de peso.

Superada a questão acerca da impossibilidade de existirem princípios

absolutos, bem como a impossibilidade da alegação de invalidade de um em

detrimento de outro, resta a análise do melhor método para solução da colisão.

7 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

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Segundo ensina Marcelo Campos Galuppo (1998), a ponderação, concebida

por Alexy, refere-se a qual dos interesses possui maior peso no caso concreto. Certo

é que os princípios não são absolutos, nem podem ser considerados inválidos em

situação de conflitos, razão pela qual a sua colisão pode ser solucionada através do

método da ponderação.

O método da ponderação busca indicar quais as condições sob as quais um

princípio precede a outro num determinado caso concreto.

Há conflito entre princípios quando estes dão soluções diversas ao mesmo

caso, de forma incompatível ou contraditória. Certo é, também, que a definição dos

limites da aplicação de determinados princípios pelo poder judiciário encontra

fundamento na Constituição da República de 1988.

A pergunta que surge levanta questionamentos acerca de como são

tomadas as decisões pelo judiciário, como se chega ao resultado da determinação

da precedência de um princípio sobre o outro, e ainda em que grau um princípio

poderia ser preterido em razão de outro.

Para muitos, a ponderação levaria, nas palavras de Marcelo Campos

Galuppo (1998), a um grau muito elevado de discricionariedade pelo judiciário,

promovendo-se insegurança jurídica ao abrir um vasto leque de possibilidades de

interpretações subjetivas e decisionistas.

A resposta de Alexy a esse confronto é que o procedimento de ponderação

de princípios jurídicos deve ser racional, sendo que, apesar de possibilitar decisões

diferentes, esse método limita ou estabelece condições racionais para as decisões.

Desta forma:

Uma ponderação é racional se o enunciado de preferência a que conduz puder ser fundamentado racionalmente. Desta maneira, o problema da racionalidade da ponderação conduz à questão da possibilidade da fundamentação racional de enunciados que estabeleçam preferências condicionadas entre valores ou princípios opostos. (ALEXY apud GALUPPO, 1998, p. 139)

Galuppo (1998) esclarece, ainda, que o tribunal constitucional alemão tende

a levar em conta a formulação de uma regra constitutiva de ponderações expressa

nos seguintes termos: “Quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de

um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro”.

(GALUPPO, 1998, p. 139)

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Esta seria a “lei da ponderação”, segundo a qual o peso dos princípios não é

determinável em si mesmo ou de forma absoluta. Mas pode-se falar apenas em

pesos relativos aos outros princípios, bem como aos prejuízos pelo descumprimento

destes no caso concreto.

Neste sentido:

Nas ponderações, por exemplo, entre o princípio de liberdade de imprensa e de segurança externa, trata-se não exatamente de quão grande é a importância que alguém concede à liberdade de imprensa e à segurança externa, mas de quão grande é a importância que se deve conceder a elas no caso concreto, o que implica que um grau muito reduzido de satisfação ou uma afetação muito intensa da liberdade de imprensa em benefício da segurança externa só é admissível se o grau de importância relativa da segurança externa for muito alto. (ALEXY apud GALUPPO, 1998, p. 140)

Desta forma, buscando a racionalidade do método, Alexy formulou uma “lei

de colisão”, segundo a qual havendo uma tensão entre princípios no caso concreto,

formula-se uma regra que determina, naquele caso ou nos demais que tenham os

mesmos contornos fático-normativos, a otimização de um dos princípios.

Assim, seria possível estabelecer um critério que vincularia a ponderação a

uma teoria da argumentação jurídica racional, podendo-se estabelecer, inclusive,

relações de prioridade importantes para a decisão de outros casos.

É muito importante bosquejar parâmetros e standards para estes casos de colisão, com o objetivo de fornecer pautas que possam estreitar as margens de discricionariedade judicial, ampliando a segurança jurídica, e estabelecendo critérios para o controle social e a crítica pública das decisões jurisdicionais proferidas neste campo. (SARMENTO, 2006, p. 271)

De acordo com essa doutrina, os princípios jurídicos são vetores centrais

que proporcionam estruturação lógica do ordenamento jurídico, são expressões de

valores superiores. Os princípios vinculam-se entre si, não admitindo considerações

independentes ou auto-suficientes. Desta forma, no caso concreto, os princípios

admitem balanceamento de valores e interesses, em busca de harmonização.

A ponderação de princípios exige que o resultado seja orientado em direção

à promoção dos valores superiores da ordem constitucional, sintetizados na idéia da

dignidade da pessoa humana.

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Esse método não se trata de simplesmente dar primazia a uma norma em

prejuízo de outra, mas sim alcançar um grau de efetivação otimizada, mediante

permissões mútuas, preservando-se o máximo de cada um, na medida do possível.

Essa efetivação otimizada quer dizer que nenhum dos princípios pode ser

restrito ao ponto de atingir o seu “núcleo essencial”.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:

Um princípio tem um sentido e alcance mínimos, um núcleo essencial, no qual se equiparam às regras. A partir de determinado ponto, no entanto, ingressa-se em um espaço de indeterminação, no qual a demarcação de seu próprio conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete. Um exemplo é fornecido pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Além de não explicitar os comportamentos necessários para realizar a dignidade da pessoa humana – esta, portanto, é a primeira dificuldade: descobrir os comportamentos – poderá haver controvérsia sobre o que significa a própria dignidade a partir de um determinado conteúdo essencial, conforme o ponto de observação do intérprete. (BARROSO; BARCELOS, 2006, p. 341)

Essa característica dos princípios é que permite sua adaptação ao longo do

tempo, a diferentes realidades. À vista do caso concreto, o intérprete deve fazer

escolhas fundamentadas, demonstrando o fundamento racional a legitimar sua

atuação.

Cada um dos elementos deverá ser considerado na medida de sua

importância e pertinência para o caso concreto de modo que, ao fim, todos possam

ser percebidos, ainda que algum se destaque sobre os demais.

Ana Paula Barcellos e Luiz Roberto Barroso destacam três etapas do

processo de ponderação que devem ser consideradas:

Na primeira etapa, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. [...] Na segunda etapa, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. [...] Na terceira etapa, [...] fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa. [...] Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais. (BARROSO; BARCELLOS, 2006 p. 347)

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O problema relacionado a essa técnica de interpretação decorre da ausência

de referências materiais para a valoração ser feita, conforme salientado por

BARROSO e BARCELLOS (2006).

No estágio atual, a ponderação não atingiu ainda o padrão desejável de

objetividade, dando lugar a ampla discricionariedade, embora os esforços de Alexy

acerca da argumentação racional serem válidos como solução para o controle de

legitimidade das decisões.

Coura (2004) procura demonstrar o erro ao se pretender interpretar normas

jurídicas levando-se em conta sua valoração, já que devem ser tomadas em seu

sentido deontológico.

Segundo este autor:

Enquanto valores correspondem a preferências intersubjetivamente compartilhadas, relacionando-se a bens e interesses que em coletividades específicas são considerados relevantes e que são realizados gradualmente mediante ações dirigidas a determinados objetivos ou finalidades; normas legítimas obrigam seus destinatários igualmente, sem exceção, a cumprir as expectativas generalizadas de comportamento, valendo-se de um código binário, e não gradual. (COURA, 2004, p. 436)

A atividade jurisdicional norteada por valores desconsidera a diferença entre

a aplicação e concepção do direito, contemplando o status de uma legislação

antagonista e desconsiderando que o ponto de vista normativo deve predominar

sobre qualquer outra intenção ou objetivo conjeturado na atividade jurisdicional, que

não deve ser o meio para que o conteúdo teleológico ingresse no direito.

É importante salientar a posição de Alexandre de Castro Coura:

Afirmou-se que o processo se criação das normas, que permite considera-las válidas, possibilita a consideração de diversos argumentos, entre os quais encontram-se argumentos morais, éticos e pragmáticos. Contudo, esse processo complexo articula-se por meio de uma racionalidade que requer que os direitos legitimamente estabelecidos passem a ser concebidos, segundo Ronald Dworkin, como “trunfos” que podem ser usados, no discurso jurídico de aplicação normativa, contra argumentos de política, ou seja, contra argumentos não jurídicos, como os exclusivamente éticos, morais ou pragmáticos, que não podem, no momento da decisão judicial, ser inseridos, tomados ou elevados à condição da Direito. (COURA, 2004, p. 440)

Desta forma, os princípios possuem uma “força justificatória” maior que os

valores, sendo que estes últimos devem ser analisados em razão de outros valores,

caso a caso. Na análise de valores, não há padrão racional, pois eles variam

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subjetivamente, produzindo avaliações judiciais arbitrárias e muitas vezes

irrefletidas.

Os direitos devem ser concebidos numa visão deontológica e não axiológica,

para que as decisões acerca do conflito entre princípios não passe por uma análise

(questionável) de custo-benefício, conforme salienta Alexandre de Castro Coura

(2004).

Acerca do sopesamento de princípios Habermas afirma:

No interior de um campo de validação como esse, o direito se apresenta diante de seus destinatários, assim como antes, munido de uma reivindicação de validação que exclui uma pesagem dos direitos segundo o modelo da ponderação de ‘bens jurídicos’ precedentes ou menos importantes. A maneira de avaliar nossos valores e a maneira de decidir o que ‘é bom para nós’ e o que ‘há de melhor’ caso a caso, tudo isso se altera de um dia para o outro. Tão logo passássemos a considerar (por exemplo) o princípio da igualdade jurídica meramente como um bem entre outros, os direitos individuais poderiam ser sacrificados caso a caso em favor de fins coletivos; no caso de uma colisão, deixaria de ocorrer o ‘recuo’ de um direito em relação a outros, sem que ele tivesse que perder com isso sua validade. (HABERMAS, 2002, p. 356)

Para essa doutrina, o caráter deontológico dos princípios não pode ser

comprometido, mesmo quando dois princípios se apresentem, num caso concreto,

como concorrentes ou conflitantes.

Assim, recorre-se à técnica da adequação, pois, não se deve sopesar

valores, mas sim examinar, prima facie, as normas que são aplicáveis ao caso e

encontrar a que seja mais adequada a ele, num verdadeiro “juízo de

adequabilidade”.

Neste sentido, adequabilidade seria a verificação da validade de um juízo

singular, que deriva de uma norma válida, de forma que seja totalmente preenchido

pelo sentido. A relação entre os comandos deontológicos, concorrentes em um

primeiro plano, pode alterar a cada caso concreto, porém, sujeitando-se a uma

condição de coerência do sistema normativo, que possibilita uma resposta correta

para cada situação de aplicação, conforme ensina Coura (2004).

Desta forma, segundo a técnica da adequação, o exame de normas

controversas pelo judiciário:

deve ser realizado de forma a reafirmar a relevância dos pressupostos comunicativos e condições procedimentais do processo legislativo democrático, a fim de que a abordagem da jurisdição constitucional,

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especialmente no que se refere à questão da afirmação de sua legitimidade, possa ser considerada adequada ao Estado Democrático de Direito. (COURA, 2004, p. 444)

Para tanto, os juízes devem decidir de acordo com o ordenamento jurídico

vigente, ao invés de utilizar argumentos meramente valorativos ou morais, sob pena

de se gerar incerteza quanto ao Direito, devendo as decisões ser apresentadas

consistentes e racionalmente aceitáveis, coerentes com o Direito e aplicadas

adequadamente a cada situação normativa.

4.6 Aplicação do princípio da função social do cont rato ao caso concreto

Analisadas as questões acerca da definição de princípios e a diferença

destas espécies normativas em relação às regras, bem como a existência de colisão

entre o princípio da função social dos contratos e a autonomia privada (que implica

na colisão com o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e da liberdade

contratual), cumpre analisar como se dá a solução para este conflito, assim como

qualquer conflito entre os princípios contratuais tradicionais e os modernos.

Como restou salientado que a função social do contrato diz respeito aos

efeitos externos que a relação contratual causa na sociedade, o conflito mais

aparente entre princípios contratuais seria a função social X a relatividade dos

efeitos contratuais.

O estudo do princípio da função social do contrato, acerca do qual a relação

contratual produz efeitos no mundo social que não podem ser ignorados pela teoria

contratual, visa a verificar de que modo se dá a interação entre tal princípio e os

demais princípios clássicos, especialmente a relatividade dos efeitos contratuais

que, em sentido oposto, determina o isolamento da relação contratual, atingindo

seus efeitos apenas com relação aos contratantes.

O princípio da relatividade delimita o âmbito da eficácia do contrato. Não

havia, no Código Civil de 1916, um dispositivo que expressamente determinasse que

o contrato fosse ineficaz perante terceiros. Esta eficácia relativa era deduzida do

artigo 928.

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A doutrina explica que o principal efeito do contrato é criar um liame

obrigacional entre as partes contratantes. A este liame, a lei confere obrigatoriedade,

por isso diz-se que o contrato faz lei entre as partes. Esta força vinculante é

equiparada à lei.

Como qualquer princípio, a relatividade não é absoluta, comportando

exceções e ainda sofrendo limitações em razão dos novos princípios que vieram

integrar a moderna teoria dos contratos.

É imprescindível tratar da relevância social e econômica dos contratos para

valorar a necessidade de sua tutela no meio social e não somente entre as partes.

Desta forma, não bastam aqueles pressupostos formais e ainda a

obediência aos princípios clássicos contratuais, na medida em que a convenção

atinge a sociedade e não apenas as partes que a pactuaram.

No caso do terceiro prejudicado pelo inadimplemento de obrigação

contratual, a doutrina clássica chegaria à conclusão de que, pelo princípio da

relatividade, ele não teria legitimidade para pleitear indenização em face da parte

inadimplente. Desta forma, “a responsabilidade pela inexecução das obrigações

contratuais é um dos ‘efeitos’ do contrato e, como tal, não pode alcançar terceiros

não contratantes”. (NEGREIROS, 2006, p.233).

A doutrina moderna, porém, tem admitido a flexibilização do princípio da

relatividade, levando alguns a admitir que, em determinado âmbito e circunstância, a

responsabilidade contratual pode alcançar terceiros, lesando seu patrimônio através

do descumprimento de obrigação objeto de contrato que não tenha participado.

Exemplos: 1) Possibilidade de ajuizamento de ação de indenização contra a

seguradora, em caso de acidente de automóvel, pela vítima do acidente, o que já se

tem admitido nos tribunais. 2) Nos casos de responsabilidade do fabricante em face

do consumidor, apesar de não haver entre eles vínculo contratual.

Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, citado por Teresa Negreiros (2006),

associa a relativização do princípio da relatividade com a massificação e a

despersonalização das relações de consumo.

Cumpre, agora, analisar a questão inversa, a propósito da responsabilidade

de terceiro que contribui para o descumprimento de obrigação originária de contrato

do qual ele não seja parte.

Segundo o exame de Teresa Negreiros (2006) acerca da matéria, excluindo-

se as hipóteses em que o terceiro “ofensor” atinge diretamente a coisa devida, ou o

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devedor, de forma que este não possa, contra a sua vontade, adimplir a obrigação,

cumpre observar a violação do crédito alheio provocada por outro contrato.

Cite-se como exemplo a responsabilização de distribuidoras de combustíveis

que celebram contratos com postos vinculados a outra distribuidora em termos de

exclusividade.

Na concepção contratual clássica, de acordo com a doutrina de Teresa

Negreiros (2006), a eficácia do contrato estaria cingida à relação entre devedor e

credor, não podendo o terceiro ser responsabilizado em virtude de outro contrato.

Para tanto, invoca-se a figura do “abuso de direito”. Davi Monteiro Diniz,

citado por Teresa Negreiros, explica que:

A explicitação do dever geral de não violar os bons costumes, presente no artigo 187 do Código Civil, auxilia a rigorosa condenação de atos emulativos, embasando a responsabilização extracontratual de terceiro que dolosamente provoca, instiga ou auxilia o inadimplemento de direito de crédito, objetivando causa prejuízo ao titular. O crédito de natureza contratual participa deste esquema de responsabilização, revelando patrimônio efetivamente lesado em decorrência de ilícito delitual.8 (DINIZ apud NEGREIROS, 2006, p. 254)

Quando o terceiro age com o objetivo específico de prejudicar, a

responsabilização torna-se um problema de abuso de direito, não se relacionando

especificamente com a relativização. A conclusão de Teresa Negreiros (2006) é de

que tanto em casos de abuso de direito, quanto em casos em que o propósito não

seja especificamente o de prejudicar, desde que o terceiro conheça previamente a

incompatibilidade entre os “sucessivos ajustes”, o contrato por ele celebrado com o

devedor estará em desacordo com o princípio da função social da liberdade de

contratar.

A função social, assim como o abuso de direito são fundamentos para a

responsabilização do terceiro.

Nas palavras de Fernando Noronha:

A verdade é que em toda essa matéria o que está em causa é a medida da autonomia que é atribuída (ou reconhecida) às pessoas. Tanto o efeito relativo do contrato, como a própria liberdade contratual só têm valor na precisa medida em que a autonomia privada é relevante, por razões de ordem econômica e social.. (NORONHA, 1994, p. 120)

8 DINIZ, Davi Monteiro. Aliciamento no contrato de prestação de serviços: responsabilidade de terceiro por interferência ilícita em direito pessoal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 27, p. 82-92, jan-fev 2004.

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Assim, quanto maior a importância se conferir ao princípio da autonomia

privada em detrimento dos novos princípios do Direito Contratual, menos se admitirá

a responsabilização do terceiro pelo descumprimento de um contrato do qual não

seja parte, ou seja, para o qual não haja consentido.

Desta forma, os princípios interagem e se limitam reciprocamente, sendo

que a função social traduz o declínio do subjetivismo individualista que caracterizava

o modelo liberal.

Sendo conceito aberto, a interpretação da função social deve se pautar por

certos parâmetros, na tentativa de evitar que o poder discricionário conferido ao

magistrado seja utilizado para proferir decisões baseadas em simples opções de

consciência, ao invés de jurídicas.

São essas decisões simplistas que, muitas vezes, permitem o

descumprimento contratual por uma parte, com a justificativa cunhada no bem

comum e na função social. Decisões desse tipo geram insegurança dos agentes

econômicos nas instituições, aumentando os custos da contratação e prejudicando a

economia e o próprio cidadão.

Portanto, deve ser visto com ressalva o “benefício” da utilização de

conceitos indeterminados, criando-se mecanismos para, ao menos, delimitar o

campo de atuação do instituto, como já existem na Constituição da República de

1988, e nos Códigos modernos estrangeiros.

Desta forma, deve ser verificado de onde surgirão os parâmetros para a

decisão, uma vez que não se pode deixar ao livre alvedrio do magistrado, pelas

razões já expostas.

No presente caso, como afirmado, não existindo indicação na própria

legislação civil, deve-se buscar o sentido na Constituição, que formulou a teoria da

função social da propriedade com base no abuso de direito.

Essa, a nosso ver, deve ser a solução para o problema da aplicação da

função social. Não se trata de promover assistencialismo ou diminuir as

desigualdades sociais. Essa não deve ser uma função do contrato, sob pena de

inviabilizá-lo e prejudicar toda a sociedade.

Neste sentido ensina Rodolpho Barreto Sampaio Júnior:

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Inquestionavelmente, a sua interpretação meramente gramatical torna admissível entender que a contratação passa a ter um novo requisito de validade, consistente na observância à função social do contrato. Esse elemento se somaria à capacidade do agente, à licitude e determinação do objeto e à observância à forma legalmente prescrita para ser reputado válido pelo ordenamento jurídico. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)

Na perspectiva solidarista, somente quando celebrado em prol da sociedade

é que o contrato seria objeto de tutela jurídica. Vejamos o que afirma Maria Celina

Bodin de Morais, citada por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior:

[...] seus conteúdos se tornam complementares: regulamenta-se a liberdade em prol da solidariedade social, isto é, da relação de cada um, com o interesse geral, o que, reduzindo a desigualdade, possibilita o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos membros da comunidade. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)

No entanto, como afirmou Judith Martins Costa em doutrina já citada neste

trabalho, atualmente não há como se falar em proteção ao interesse geral, uma vez

que a sociedade plural possui vários interesses, devendo todos eles ser protegidos.

Por outro lado:

Há grande erro em se afirmar que o interesse social sobrepõe-se ao interesse particular. Este é integrante daquele e, não raras vezes, estar de acordo com o interesse social é satisfazer o particular. Não devemos descaracterizar o contrato como instrumento de realização privada, mas impedir que seja meio egoísta de se sobrepor à parte mais fraca. (NAVES, 2007, p.248).

Além disso, conforme preleciona Bruno Torquato de Oliveira Naves (2007,

p.236), somente se terá autonomia numa perspectiva relacional, pressuposto da

socialidade e intersubjetividade. Desta forma, a proteção da autonomia também é

necessária para proteção do social:

[...] há um interesse social de tutela do direito subjetivo individual como forma de se manter o equilíbrio social. O direito subjetivo é instrumento social de proteção dos interesses individuais, assim, há o interesse social de garantir a eficácia do instrumento. Nesse ponto, vale ressaltar a necessidade de se fazer uma inversão substancial no conceito de função social, uma vez que sua principal finalidade é de preservar o interesse individual e não de subjugá-lo, como se tem pregado. O conflito aparente entre ambos, nos casos em que o interesse individual não é reconhecido por ter sido exercido fora de seus limites, não se deve ao fato de o interesse individual ter sido subjugado ou preterido, mas do fato de que, naquele caso, não há interesse individual legítimo a ser tutelado – abuso não é uso. A noção de que função social teria como principal finalidade a supressão do interesse individual parece ser uma distorção baseada em

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uma falsa noção de segurança jurídica, em que para se evitar o abuso de poder dever-se-ia aceitar o abuso de direito. (POLI, 2007, p.331)

Na relação contratual as partes não são o único centro de interesses

relevante, desta forma, não há nos sujeitos contratantes um poder absoluto,

devendo o direito de contratar ser exercido dentro dos limites que lhe legitimam, ou

seja, fora das circunstâncias em que se configuraria abuso.

O artigo 187 do Código Civil assim dispõe: “também comete ato ilícito o

titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos

pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (BRASIL,

2007)

Desta forma, o contrato somente será válido quando exercido de acordo

com seu fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes.

Segundo Leonardo Macedo Poli, acerca dos direitos autorais:

[...] não se pode mais considerar que os princípios aplicáveis ao Direito Autoral se encontrem exclusivamente na legislação autoral. A necessidade de unidade do sistema jurídico faz com que as regras de Direito Autoral sejam interpretadas dentro do contexto principiológico em que se inserem, à luz dos princípios gerais da propriedade intelectual, do Direito Civil e do Estado Democrático de Direito. O princípio aplicável ao caso concreto de direito autoral não estará, portanto, necessariamente contido na LDA, mas pode estar na lei de propriedade industrial, no Código Civil ou na Constituição Brasileira, por exemplo. (POLI, 2007, p. 323.)

Trazendo a explicação para o contexto do presente trabalho, verifica-se que

os limites e parâmetros de aplicação da função social devem considerar as normas

previstas na Constituição, no Código Civil e demais leis especiais, não podendo ser

utilizados em uma decisão judicial apenas argumentos provenientes da consciência

e valores individuais do magistrado:

[...] a decisão na democracia juridicamente institucionalizada não pode preterir os direitos fundamentais. Nesse sentido, enquanto elementos legitimadores da decisão judicial, não são apenas instrumentos constitucionais de construção hermenêutica, mas também limites da atividade interpretativa. [...] faz-se necessária a transição da concepção de Estado como entidade para a concepção de Estado como espaço processualmente demarcado à discursividade: produção, recriação e aplicação dos direitos positivados. Para tanto, os fundamentos jurídicos do Estado de Direito não podem ser vistos como meros valores ou “ideário de artifícios para decisões prodigiosas”, mas como princípios normativos, “meios lógico jurídicos positivados no instrumento constitucional” que não podem ser preteridos pela faticidade da atividade jurisdicional. (POLI, 2007, p.326)

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Desta forma, a construção da decisão nos casos de conflitos entre

princípios, deve ser feita a partir do problema posto, ou do caso concreto, atentando-

se para os efeitos que produzirá na sociedade:

A análise particularizada no contrato impede, muitas vezes, perceber a globalidade do “negócio” celebrado. A venda a baixo preço (contrato) pode objetivar a eliminação de um concorrente (negócio) e transformar-se em ilícita à luz da regulamentação da concorrência. (LORENZETTI, 1998, p. 541)

A aplicação do princípio da função social pode relativizar a aplicação do

princípio da relatividade dos efeitos do contrato e da autonomia privada, sendo

instrumento para coibir o abuso de direito, devendo ser analisadas na decisão as

conseqüências que a mesma trará para a sociedade.

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5. CONCLUSÃO

As características básicas, informadoras do contrato, remontam à

época do direito romano, sendo que, basicamente, o contrato pode ser definido

como acordo de vontades opostas, realizado em conformidade com o ordenamento

jurídico, com o fim básico de circulação de bens materiais e imateriais, adquirindo,

modificando ou extinguindo relações jurídicas de natureza patrimonial, configurando

fonte de obrigações. É instrumento fundamental para o progresso e desenvolvimento

da sociedade, consistindo em fator de alteração da realidade social.

Os princípios clássicos contratuais alcançaram grande importância no Estado

Liberal, definindo seus contornos pelo dogma da liberdade máxima, ligando-se a

este todos os outros. A vontade, como elemento principal do contrato, representava

não só a sua criação, como também sua própria legitimação, bem como seu poder

vinculante e imperativo.

A mudança do paradigma, provocada pelas crescentes necessidades sociais,

e pela consciência de que os modelos clássicos não mais atendiam aos anseios da

sociedade, teve como conseqüência uma nova postura institucional que refletiu

sobre a teoria do contrato. O Estado passou a intervir mais na economia, numa

tentativa de promover o bem-estar social.

Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social afirma

que a proposta do legislador ao incluir três novos princípios na teoria contratual

clássica (função social, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual) seria auxiliar a

promoção da solidariedade social, condicionando a validade do contrato à utilidade

que o mesmo possa ter na consecução dos interesses gerais da sociedade.

Esta doutrina atribui as mudanças ao processo de constitucionalização do

Direito Civil, que implicaria na substituição do seu “centro valorativo”, antes fixado no

Código Civil e agora na Constituição da República. A solidariedade social se

sobreporia à liberdade individual.

Ocorre que, a tentativa de promoção de certa justiça social e distribuição de

renda por meio da autorização judicial ao descumprimento contratual, muitas vezes

tem se mostrado como defesa de interesses particulares e não sociais. Com efeito,

foram apontadas inúmeras críticas às decisões judiciais que, embasadas no

pensamento solidarista, reduzem juros, garantias e alteram unilateralmente

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condições antes pactuadas, gerando enorme insegurança econômica para a

sociedade.

Uma das funções sociais do contrato é a de fomentar a economia,

promovendo o desenvolvimento da sociedade. Todavia, essas decisões judiciais

criticadas geram incentivos negativos na economia, muitas vezes prejudicando o

interesse social que diziam proteger.

Objetivando esclarecer a grande confusão acerca da natureza jurídica e da

aplicação do princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação

equivocada, como mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que

justamente busca evitar, a conclusão do presente trabalho é que a função social do

contrato é um princípio jurídico, informando a criação e interpretação das relações

contratuais.

Conclui-se, ainda, que o contrato possui várias funções: social, econômica e

pedagógica, podendo o seu conjunto, numa perspectiva lato sensu, ser englobado

por uma função social maior. É inegável a importância do contrato para a sociedade.

Sendo as três funções parte de uma perspectiva maior e, considerando o

paradigma do Estado Democrático de Direito, conclui-se que não pode haver

preponderância, a priori, se uma sobre as outras, cabendo ao juiz determinar a

solução mais adequada no caso concreto.

Conclui-se, ainda, que numa perspectiva stricto sensu, a função social do

contrato se relaciona diretamente ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais,

bem como à doutrina do abuso de direito, sendo este o seu conteúdo normativo a

ser considerado em caso de conflito com os demais princípios contratuais.

Os contratos têm uma grande importância para o desenvolvimento da

economia, pois são o instrumento que permite a circulação de riquezas, oferecendo

amparo às trocas e relações econômicas de modo geral. A interpretação equivocada

do princípio da função social tem levado muitos julgadores a serem coniventes e

aceitarem o descumprimento contratual, sob a justificativa de promoção do bem

comum.

Todavia, as decisões judiciais, ao permitirem o descumprimento contratual,

geram incentivos negativos na economia, muitas vezes inviabilizando certos tipos de

contratação, pelo aumento de seu custo. Fatalmente o mercado tentará reorganizar-

se, evitando certos tipos de contratação, como remédio para o seu não

cumprimento.

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Existem limites ao exercício dos direitos subjetivos decorrentes da própria

convivência em sociedade, é verdade, nas, considerando-se como pressuposto o

modelo democrático, e ainda as várias funções do contrato (social, econômica e

pedagógica), não há que se escolher e elevar à categoria de superioridade apenas

uma delas. Da mesma forma, não há que se considerar a função social

hierarquicamente superior aos demais princípios contratuais, devendo a decisão

judicial, em caso de conflito, ser construída com base em parâmetros postos pelo

próprio ordenamento jurídico, de acordo com o caso concreto.

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