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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Administração José Ricardo de Paula Xavier Vilela O LÍDER E A LIDERANÇA: Uma Investigação Orientada pela Dialética Negativa de T. W. Adorno Belo Horizonte 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Administração

José Ricardo de Paula Xavier Vilela

O LÍDER E A LIDERANÇA:

Uma Investigação Orientada pela Dialética Negativa de T. W. Adorno

Belo Horizonte

2012

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José Ricardo de Paula Xavier Vilela

O LÍDER E A LIDERANÇA:

Uma Investigação Orientada pela Dialética Negativa de T. W. Adorno

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Administração da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutor em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Moreira Carvalho

Neto.

Coorientadora: Profª. Drª. Rita Amélia Teixeira

Vilela.

Belo Horizonte

2012

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Caixa baixa

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Vilela, José Ricardo de Paula Xavier

V699l O líder e a liderança: uma investigação orientada pela dialética negativa de

T. W. Adorno / José Ricardo de Paula Xavier Vilela. Belo Horizonte, 2012.

470f. : il.

Orientador: Antonio Moreira Carvalho Neto.

Coorientadora: Rita Amélia Teixeira Vilela

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração.

1. Liderança. 2. Teoria crítica. 3. Ideologia. 4. Dialética. 5. Adorno, Theodor

W., 1903-1969. I. Carvalho Neto, Antonio Moreira. II. Vilela, Rita Amélia

Teixeira. III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Administração. IV. Título.

CDU: 658.012.4

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José Ricardo de Paula Xavier Vilela

O LÍDER E A LIDERANÇA:

Uma investigação orientada pela dialética negativa de T. W. Adorno

Tese apresentada ao Programa de pós-graduação em

Administração da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutor em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Moreira Carvalho Neto – PUC Minas

Coorientadora: Profª. Drª. Rita Amélia Teixeira Vilela – PUC Minas

Profª. Drª. Ana Paula Paes de Paula – CEPEAD UFMG

Prof. Dr. Anderson Sant‟Anna – FDC/PUC-Minas

Prof. Dr. Fábio Vizeu

Prof. Dr. Francis Kanashiro Meneghetti – Universidade Positivo

Belo Horizonte, 11 de dezembro de 2012

Belo Horizonte

2012

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AGRADECIMENTOS

Algumas pessoas são responsáveis por contribuições tão importantes durante o

desenvolvimento do referencial teórico que apenas a sua citação no transcurso do texto estará

longe de fazer justiça à importância e relevância de sua contribuição.

Este foi o caso do Prof. Dr. Eduardo Silva Neves, cujas orientações tornaram possível

a compreensão de vários dos aspectos da obra de T.W. Adorno que não são de compreensão

fácil ou imediata por um leitor que não possua sólida base filosófica.

No texto, a sua contribuição muitas vezes acabou ficando referenciada ao autor

original, o que não faz justiça à frequência de sua contribuição. Deve-se destacar que também

o acesso à obra de muitos dos autores que ajudam a compreender a obra de T.W. Adorno não

teria sido possível sem a sua orientação e referência.

Também não posso deixar de agradecer aos meus orientadores. Em primeiro lugar,

pela autonomia concedida. Mas também – e principalmente – por terem acreditado em cada

fase do projeto, de modo especial naquelas nas quais ele não era mais do que uma

possibilidade.

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Atribuído a Charles M. Schultz.

(original em inglês não localizado).

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RESUMO

Esta pesquisa, de caráter qualitativo e baseada em um estudo de caso, utilizou como base

teórica a dialética negativa de T.W. Adorno, com o objetivo conceituar a liderança para um

grupo composto por 16 líderes em atividade e 17 líderes que estavam afastados desses papéis,

em uma rede de organizações de caráter associativo, de um grupo profissional específico.

Utilizando entrevistas individuais, foram investigados o conceito de liderança para os

indivíduos envolvidos, bem como as suas histórias relacionadas com o tema; e, aplicando uma

escala de personalidade para os 33 indivíduos que atenderam aos critérios de seleção, foram

investigados os fatores que compõe as suas personalidades. Também foram acompanhadas

reuniões e assembleias das organizações cujos líderes estavam envolvidos na pesquisa, e

realizada uma análise de material de comunicação desses grupos. Não foi possível identificar

algum aspecto na história do entrevistado que pudesse ser considerado um diferenciador entre

os grupos de líderes ativos e inativos, mas pôde-se constatar que os indivíduos que assumem o

papel de líderes em determinado grupo social possuem características de personalidade

semelhantes – características essas que não devem ser as mesmas para todos os grupos

sociais. Foi possível concluir que em grupos sociais nos quais o líder é escolhido por aqueles

que são os liderados, a cultura do grupo – entendida como seus valores, crenças e sua

realidade simbólica – pode orientar as características de personalidade a serem identificadas

nos indivíduos com maior possibilidade de serem escolhidos como líderes desses grupos.

Tensionando os achados com a teoria, foi possível identificar interesses que, para os

indivíduos do grupo escolhido, poderiam justificar a assunção do papel de líder. Esses

interesses, em conjunto, justificam o enquadramento do construto liderança como uma

ideologia, a qual pode ser melhor compreendida quando os diversos conceitos identificados na

composição do construto são expostos na forma constelatória, permitindo identificar um

universal a partir da investigação realizada com os particulares apresentados. Também foi

possível concluir que a abordagem do objeto social a partir de uma visão negativamente

dialética, como proposta por T.W. Adorno, pode ser útil para propiciar acesso ao

conhecimento de um objeto complexo, de modo especial quando esse objeto é expressão de

ideologia, como são muitos os objetos de pesquisa que envolvem relações

sociais, encontrados na pesquisa empírica em administração.

Palavras-chave: Liderança. Teoria crítica. Ideologia. Adorno. Dialética negativa.

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ABSTRACT

This qualitative research, based on a case study, had as its theoretical basis the Negative

dialectics of T.W. Adorno, and aimed to answering the question of what is leadership. A

group of 16 leaders in activity and 17 leaders who were not playing this role anymore was

selected in a network of organizations, which were associative in character, and of a specific

professional group. Using interviews, the leadership concept was investigated through their

stories related to the topic; and, using a personality scale for all 33 individuals who met the

selection criteria, their personalities factors were also investigated. During the period of

research, meetings of the organizations whose leaders were involved in the research were

attended, and communication material were collected. Nothing identified in the history of the

interviewee which could be considered a differentiator between groups of active and retired

leaders, but it was noted that individuals who were playing the role of leader in this particular

social group had similar personality traits – although these traits should not be the same for all

social groups. This led to the conclusion that in social groups where the leader is chosen by

those who are led, the group culture – understood as their values, beliefs and symbolic aspects

– could be a guide to what personality traits should be identified in individuals most likely to

be chosen as leaders of these groups. Comparing these findings with the theory, it was

possible to identify some reasons to be interested in playing the role of leader, for individuals

of this chosen group. These interests, together, points to leadership as a social construction

and an ideology, which can be better understood when the various concepts identified in the

composition of these construct are exposed as constellation, allowing to identify something

universal with these chosen individuals. It was also possible to conclude that the approach

from a negative dialectic point of view, as proposed by T.W. Adorno, can be a useful tool for

providing knowledge about a complex object, especially when this object is the expression an

ideology, as is the case of many objects involved in social relationships, as are the ones found

in empirical research of management.

Keywords: Leadership. Critical theory. Ideology. Adorno. Negative Dialectics

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A – Amabilidade

ALQ – Authentic leadsership questionnaire

ASNP – Atividades sociais não profissionais

ASP – Atividades sociais profissionais

C – Concordo

CF – Concordo fortemente

CGF – Cinco grandes fatores

CMS – Critical management studies

CRP – Crítica da razão pura

D – Discordo fortemente

DA – Diretório Acadêmico

DCE – Diretório Central dos Estudantes

DP – Desvio-padrão

E – Extroversão

GP – Grupo político

GR – Grupo religioso

GS – Grupo social

H0 – Hipótese nula

Ha – Hipótese alternativa

IE – Inteligência emocional

ISF – Institut für Sozialforschung

MBA – Master of Business Administration

MMPI – Multiphasic Personality Inventory

N – Neuroticismo

No – Neutro

NEO-Pi-R – Revised Neo Personality Inventory

NERHURT – Núcleo de Estudos em Recursos Humanos e Relações de Trabalho

Ƞ x – Grupo de dados

Pág. – Página

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSE – Pesquisa social empírica

PT – Partido dos Trabalhadores

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PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

TAT – Teste de Apercepção Temática

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Tipologia de problemas, poder e autoridade.......................................... 155

FIGURA 2 - Resultados do NEO-PI-R como fornecido pelo programa....................

FIGURA 3 - Integrando diversos aspectos do conceito..............................................

FIGURA 4 - Abrindo o conceito a partir dos interesses relacionados com os

conceitos que compuseram a constelação.............................................

266

403

425

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Comparação entre líder e liderança a partir de quatro dimensões

escolhidas............................................................................................

162

QUADRO 2 - Três tipos de narcisismo, formas de liderança que assumem e seus

modelos para decisão..........................................................................

188

QUADRO 3 - Comparação dos elementos relacionados às três dimensões do

poder....................................................................................................

222

QUADRO 4 - Comparativo de características dos entrevistados mais citados como

líderes e como não líderes...................................................................

321

QUADRO 5 - Comparativo de características de três líderes inativos, citados como

sendo exemplo de líderes...................................................................

326

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Distribuição dos dois grupos por idade................................................. 275

TABELA 2 - Estatística descritiva para as idades...................................................... 275

TABELA 3 - Resultados das comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R para

os dois grupos........................................................................................

277

TABELA 4 - Distribuição de frequências: razões para se manter afastado................ 281

TABELA 5 - Distribuição de frequências: razões para se manter afastado com

itens agrupados....................................................................................

282

TABELA 6 - Resultados das comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R para

os dois grupos......................................................................................

282

TABELA 7 - Distribuição de frequências: a liderança nos papéis de presidente ou

em estruturas hierárquicas...................................................................

284

TABELA 8 - Os cinco domínios do NEO-PI-R: os cinco líderes com mais

presidências e a revisão de Judge et al. (2002)...................................

286

TABELA 9 - Comparação dos cinco domínios do NEO-PI-R para os cinco líderes

que nunca assumiram presidências.....................................................

286

TABELA 10 - Comparação dos cinco domínios NEO-PI-R: os que mais

assumiram e que nunca assumiram presidências................................

287

TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois

grupos..................................................................................................

289

TABELA 12 - Distribuição de frequência das características da liderança para os

dois grupos..........................................................................................

293

TABELA 13 - Comparação entre as frequências dos itens II eVII, e III e IX da

Tabela 12.............................................................................................

293

TABELA 14 - Organização dos itens das tabelas 15 e 16 por conjuntos com

características próximas......................................................................

295

TABELA 15 - Resultados das comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R para

os dois grupos.....................................................................................

296

TABELA 16 - Organização dos itens da Tabela 12 por conjuntos de tipo de

liderança..............................................................................................

297

TABELA 17 - Distribuição de frequência das características dos líderes citadas

pelos dois grupos – Itens I a XII.........................................................

298

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TABELA 18 - Distribuição de frequência das características dos líderes citadas

pelos dois grupos: itens XIII a XXIII.................................................

298

TABELA 19 - Organização dos itens das tabelas 17 e 18 por conjuntos com

características próximas......................................................................

299

TABELA 20 - Distribuição de frequências: o que a liderança não é.......................... 300

TABELA 21 - Distribuição de frequências: dúvidas ao conceituar a liderança......... 300

TABELA 22 - A liderança é exercida na estrutura ou é característica de indivíduo.. 302

TABELA 23 - Distribuição de frequências: a liderança é algo nato ou pode ser

aprendida.............................................................................................

303

TABELA 24 - Distribuição de frequências: se o entrevistado se considera um líder. 305

TABELA 25 - Distribuição de frequências: percepção de sacrifício ou

“exploração”........................................................................................

308

TABELA 26 - Distribuição de frequências: modo como assumiu os papéis de

liderança..............................................................................................

314

TABELA 27 - Os domínios do NEO-PI-R para os dois líderes mantidos na

liderança por demanda........................................................................

315

TABELA 28 - Distribuição de frequências: motivação para assumir papéis de

liderança..............................................................................................

318

TABELA 29 - Distribuição de frequência de exemplos de liderança......................... 320

TABELA 30 - Distribuição de frequência de exemplos de não liderança: apesar de

estarem exercendo este papel..............................................................

320

TABELA 31 - Comparação dos domínios NEO-PI-R para os indivíduos citados na

rejeição de liderança............................................................................

323

TABELA 32 - Faceta (A5) nos sete entrevistados rejeitados como liderança........... 330

TABELA 33 - Distribuição de frequências: influência familiar para a história de

liderança..............................................................................................

332

TABELA 34 - Cinco domínios do NEO-PI-R dos dois líderes com influência

materna de liderança...........................................................................

334

TABELA 35 - Distribuição de frequências: vivência familiar com atividade

político-partidária................................................................................

335

TABELA 36 - Distribuição de frequências: posição do entrevistado entre os

irmãos..................................................................................................

336

TABELA 37 - Distribuição de frequências: lideranças entre os irmãos..................... 337

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TABELA 38 - Distribuição de frequências: liderança entre os irmãos do

entrevistado.........................................................................................

338

TABELA 39 - Distribuição de frequências: início do relato de sua história como

liderança..............................................................................................

339

TABELA 40 - Comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R: início do relato na

infância x na vida profissional............................................................

341

TABELA 41 - Distribuição de frequências: fator que, na vida escolar, pode ter

contribuído para a liderança...............................................................

342

TABELA 42 - Comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R: ações que

diferenciam e características não identificadas...................................

343

TABELA 43 - Distribuição de frequência das características da liderança para os

dois grupos..........................................................................................

344

TABELA 44 - Distribuição de frequência na liderança estudantil para os dois

grupos..................................................................................................

346

TABELA 45 - Distribuição de frequências relacionadas às atividades associativas

profissionais........................................................................................

347

TABELA 46 - Distribuição de frequências relacionadas às atividades associativas

de caráter não profissional..................................................................

347

TABELA 47 - Domínios de personalidade dos líderes e a percepção de sacrifício... 396

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SUMÁRIO1

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................

1.1 O tema, o objeto de investigação, o problema e os objetivos da pesquisa.....

19

21

1.2 Sobre a estrutura do texto.................................................................................. 25

2 A TEORIA CRÍTICA, ADORNO E A PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA..... 27

2.1 Influências identificadas sobre o pensamento de Adorno............................... 34

2.1.1 Influências iniciais: a aproximação com o pensamento de Walter Benjamin. 35

2.1.2 Algumas aproximações com a sociologia de Max Weber................................ 36

2.1.3 A tradição crítica de Kant a Hegel, a crítica em Nietzsche e a obra de Freud. 39

2.1.3.1 Kant e a crítica da razão............................................................................... 40

2.1.3.2 A influência do pensamento de Hegel......................................................... 54

2.1.3.3 A influência da psicanálise de Sigmund Freud no pensamento de

Adorno........................................................................................................................

58

2.1.3.4 Algumas influências identificadas em Friedrich Nietzsche....................... 61

2.1.4 A teoria crítica: de Karl Marx a Max Horkheimer......................................... 63

2.1.4.1 Karl Marx: a crítica da economia política.................................................. 64

2.1.4.2 Friedrich Pollock: controvérsia sobre o colapso e a teoria do bloqueio.. 67

2.1.4.3 Max Horkheimer: o bloqueio da ciência, teoria crítica e a crítica ao

Esclarecimento.....................................................................................................

68

2.1.5 Campos caracterizados pelo distanciamento................................................... 76

2.2 A pesquisa social empírica................................................................................. 85

2.2.1 Algumas peculiaridades da pesquisa social empírica em Adorno.................. 86

2.2.2 Adorno e a pesquisa empírica em administração............................................ 94

2.2.3 A dialética negativa como o fundamento para a pesquisa empírica............... 101

2.2.3.1 A justificativa da terminologia “dialética negativa”.................................. 102

2.2.3.2 O conceito, a contradição e o especulativo.................................................. 106

2.2.3.3 As dialéticas entre sujeito-objeto e particular-universal, e o primado do

objeto.....................................................................................................................

109

1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico

assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil

desde 2009. E foi formatado de acordo com o Padrão PUC Minas de Normalização, 2011.

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2.2.3.4 A interpretação e sua relação com a história, com o progresso e com a

liberdade....................................................................................................................

118

2.2.3.5 A crítica imanente como um método para lidar com a ideologia............. 123

2.3 A personalidade, na ótica de Adorno................................................................ 129

2.3.1 Tipos e síndromes.............................................................................................. 132

3 O LÍDER E A LIDERANÇA................................................................................ 136

3.1 Abordagens tradicionais de liderança............................................................... 137

3.2 A nova liderança.................................................................................................. 142

3.2.1 A liderança transacional................................................................................... 143

3.2.2 A liderança transformacional...........................................................................

3.2.3 A liderança transformacional, no contexto organizacional............................

3.2.4 A liderança carismática....................................................................................

148

149

150

3.2.5 A nova liderança e a cúpula organizacional.................................................... 150

3.3 O conceito de liderança, de acordo com o mainstream.................................... 151

3.3.1 Diferenças entre liderança, gestão e comando................................................ 152

3.3.2 A efetividade da liderança como um aspecto do conceito............................... 155

3.3.3 A liderança autêntica........................................................................................ 157

3.3.4 O desenvolvimento da liderança....................................................................... 160

3.4 Abordagens contemporâneas e emergentes da liderança................................ 162

3.4.1 Abordagens cuja orientação estaria melhor caracterizada como

funcionalista................................................................................................................

3.4.1.1 Liderança e cultura .......................................................................................

163

165

3.4.1.2 Lideranças compartilhada e distribuída ....................................................

3.4.1.3 A liderança e os modelos de competências, a autoliderança e o

“coaching” .................................................................................................................

3.4.1.4 Liderança e influência social ........................................................................

168

171

173

3.4.1.5 Teoria da complexidade e liderança ........................................................... 174

3.4.1.6 Abordagens que consideram os diversos níveis nas relações de liderança 177

3.4.2 A psicologia do líder ......................................................................................... 179

3.4.2.1 O líder na visão de Freud .............................................................................. 180

3.4.2.2 Líder e narcisismo ......................................................................................... 187

3.4.2.3 Liderança e identificação ............................................................................. 190

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3.4.2.4 Liderança e emoções .....................................................................................

3.4.3 A personalidade do líder ...................................................................................

192

194

3.4.3.1 O conceito de personalidade ........................................................................ 195

3.4.3.2 A escala NEO-PI-R ....................................................................................... 199

3.4.4 Abordagens de liderança que consideram as características da

personalidade .............................................................................................................

3.4.6 Liderança emergente, sua relação com a personalidade e com a

inteligência .................................................................................................................

203

211

3.4.7 A personalidade do liderado .............................................................................

3.5 Abordagens críticas e pós-estruturalistas da liderança ..................................

213

215

3.5.1 Liderança e história de vida ...........................................................................

3.5.2 Relações de liderança e relações de poder ......................................................

217

219

3.5.3 Abordagens críticas – buscando algumas contradições nos modelos de

liderança .....................................................................................................................

3.6 A ideologia da liderança .....................................................................................

226

237

4 METODOLOGIA.................................................................................................. 243

4.1 Critérios para a seleção das unidades empíricas de investigação.................. 249

4.2 Estratégias para a coleta dos dados................................................................... 253

4.2.1 Abordando o indivíduo: as entrevistas e a escala............................................ 254

4.2.2 Abordando as relações de liderança................................................................. 260

4.3 Estratégias para o preparo e a análise dos dados............................................ 261

4.3.1 Preparo e análise das entrevistas...................................................................... 262

4.3.2 Preparação dos dados da escala NEO-PI-R.................................................... 265

4.3.3 Preparação dos demais documentos................................................................. 267

5 PREPARO, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO MATERIAL....................... 271

5.1 A caracterização dos dois grupos...................................................................... 274

5.1.1 Características de personalidade nos dois grupos........................................... 276

5.1.2 Outras características dos indivíduos relevantes para a diferenciação dos

grupos.........................................................................................................................

278

5.2 O conceito de liderança....................................................................................... 292

5.3 Aspectos familiares e sociais relacionados com a liderança............................ 330

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5.4 Ocorrências na história do indivíduo indutoras para a liderança.................. 338

5.5 Material de reuniões........................................................................................... 348

5.5.1 Anotações da participação em assembleias e reuniões do quadro social........ 348

5.5.2 Anotações nas participações das reuniões de um grupo de lideranças.......... 352

6 DISCUSSÃO........................................................................................................... 356

6.1 O conceito de liderança....................................................................................... 359

6.1.1 A formulação do conceito................................................................................. 360

6.1.2 Liderança e relações de poder.......................................................................... 369

6.1.3 Liderança e interesses....................................................................................... 377

6.1.4 Liderança e divisão social do trabalho............................................................. 388

6.1.5 A integração dialética dos diversos aspectos relacionados ao conceito.......... 399

6.2 O líder no grupo social estudado....................................................................... 404

6.2.1 História de vida e liderança.............................................................................. 404

6.2.2 Personalidade e liderança................................................................................. 411

6.3 Outros aspectos apresentados na teoria que não foram observados na

pesquisa......................................................................................................................

419

7 CONCLUSÃO........................................................................................................ 426

7.1 Considerações sobre o método e limitações da pesquisa .................................

7.2 Considerações finais............................................................................................

432

437

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 439

APÊNDICE A............................................................................................................. 459

APÊNCIDE B ........................................................................................................ 461

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19

1 INTRODUÇÃO

A motivação para a elaboração desta tese teve o sua origem no resultado da pesquisa

empírica realizada para a dissertação de mestrado do mesmo autor (VILELA, 2008). Naquela

pesquisa, o uso de uma escala de personalidade baseada na escala F de Adorno et al (1982)

evidenciou um fenômeno, mas não possibilitou uma explicação para os achados. Surgiu então

a necessidade de encontrar outros meios para compreender o que estava por trás dos dados

que se referiam ao objeto de pesquisa – no caso, os indivíduos que exerciam o papel de lideres

tanto em empresas de associação de capital como naquelas de associação de pessoas – as

cooperativas.

Mas, como abordar esse objeto – em outros termos, qual seria a pergunta apropriada

para orientar o desenho de uma pesquisa que rompa o “invólucro” desse objeto? A teoria

crítica, que está na base da pesquisa que deu origem à escala F – e, por extensão, da pesquisa

sobre o autoritarismo em diretores de empresas e de cooperativas – pareceu ser, nesse

primeiro momento, uma primeira pista para orientar a pergunta sobre o objeto.

As leituras realizadas para a fundamentação teórica da dissertação haviam revelado a

existência de uma confusão, por parte de muitos autores, entre os “estudos críticos” e a Teoria

Crítica. Foi a partir de uma leitura cuidadosa da história e dos autores que estão na origem do

critical management studies (CMS), no contraponto com a Teoria Crítica, na forma proposta

pelos autores relacionados com o Institut fur Sozialforchung (ISF) de Frankfurt, que foi

possível fazer a primeira escolha: considerando os fundamentos da pesquisa anterior, e a

proposta de abordagem empírica do objeto social – que será apresentada no referencial teórico

– que o autor escolheu como fundamento para a tese o ISF, e não os CMS, ainda que

reconhecendo a importância desses últimos para o contraponto com o mainstream.

Mas o ISF não é algo homogêneo, como será discutido no capítulo 2. Pelas próprias

características do que defende, ele preserva algo da diversidade dos seus componentes.

Considerando que a pergunta desta tese está ligada à pesquisa anterior, o autor naturalmente

escolhido como fundamento teórico foi para esta tese foi Theodor W. Adorno: em primeiro

lugar, por já estar na base teórica da pesquisa da dissertação; e em segundo lugar, por haver

uma linha de pesquisa na área da educação, tanto no Brasil2 como na Alemanha

3, que utiliza

2 Entre os quais podem ser citados os Profs. Drs. Antonio Álvaro S. Zuin, da UFSCar, Bruno Pucci da UNIMEP,

Newton Ramos-de-Oliveira da UNESP, e a Profª. Drª. Rita Amélia Vilela, da PUC Minas. 3 A lista seria ampla, mas, vale citar as principais referências conhecidas no Brasil; Ulrich Oevermann do

Departamento de Sociologia da Universidade de Frankfurt e Andreas Gruschka e sua equipe de pesquisa no

campo a Sociologia da Educação, também da Universidade de Frankfurt.

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Adorno como fundamento para a abordagem empírica – o que poderia facilitar o acesso a uma

metodologia (ou, a procedimentos metodológicos) para a realização da pesquisa.

Bem, não foi tão simples: Adorno não deixou nenhum “Tratado sobre pesquisa social

empírica”, ou qualquer obra semelhante. O problema com a metodologia de pesquisa empírica

que utiliza Adorno como fundamento é que ela está dispersa em toda a obra de Adorno –

ainda que ela possa ser encontrada, de modo mais organizado, nas aulas nas quais Adorno

aborda o tema, entre as décadas de 1950 e 1960 (ADORNO, 1971, 1986a, 2006, 2008a,

2008b, 2001a, 2001b). Mas também não se pode esquecer que a obra Authoritarian

personality, trás vários capítulos sobre considerações metodológicas, muitos dos quais

escritos pelo próprio T. Adorno. Além disso, entre os pesquisadores da área de educação, há

um consenso de que muitas pistas metodológicas (tanto em termos de procedimento quanto de

interpretação) foram deixadas por T. Adorno na Dialética negativa –uma vez que, por ser

uma de suas últimas obras, T. Adorno acaba reunindo nela o que melhor expressa o seu

pensamento naquele momento. Certo é que Adorno não procura, em suas obras de análise

social, amparar-se em procedimentos de pesquisas tradicionais – para interpretar a realidade

coloca como desafio superar o conhecimento estabelecido confrontando o que “parece ser”

com as possibilidades de “ser” explorando as condições em que a realidade investigada ou

questionada se constitui. Esse exercício fica evidente na obra Dialética do Esclarecimento,

produzida em parceria com Horhkeimer ( ADORNO, 1985).

Em 2009, o autor desta tese teve a oportunidade de se encontrar com o Prof. Dr.

Andreas Gruschka, da Universidade de Frankfurt, que desenvolve um trabalho empírico

importante discutindo a educação na atualidade – ver GRUSCHKA, (2009) – durante uma

visita que o Prof. Gruschka realizou ao grupo de pesquisa coordenado pela Profª. Drª. Rita

Amélia Vilela, da PUC Minas – quando apresentou a proposta desta tese. De modo resumido,

foram as seguintes as impressões do Prof. Gruschka – aqui transcritas de forma não literal, a

partir das anotações da conversa: “você vai precisar de muita teoria: vai precisar de teoria para

ter uma pergunta clara, fundamentada na teoria crítica de Adorno, que te oriente na

abordagem da pesquisa; e de teoria sobre o objeto de pesquisa, para tensioná-la com os seus

achados empíricos”.

Esta orientação deixou claro, naquele momento em que a tese estava dando os seus

primeiros passos, que a tese teria um primeiro obstáculo a superar: seriam necessários dois

capítulos de referencial teórico – um para discussão do objeto, e outro para apresentar os

fundamentos do pensamento de Adorno para a abordagem empírica do objeto social.

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Todo um primeiro momento da tese foi dedicado a organizar essa parte da teoria. Para

isto, foi necessária a participação do autor em aulas do programa de pós-graduação em

filosofia da UFMG, a realização de um “Seminário sobre teoria crítica e pesquisa social

empírica”, patrocinado pelo Núcleo de Estudos em Recursos Humanos e Relações de

Trabalho (NERHURT) da PUC Minas e conduzido pelo Prof. Dr. Eduardo Neves Silva, do

Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFMG, além da participação no grupo de

pesquisa da Profª. Drª. Rita Amélia T. Vilela, do programa de pós-graduação em educação da

PUC Minas.

Sentiu-se a necessidade de realizar uma pergunta mais específica sobre o tema – uma

pergunta que pudesse ajudar na expressão de contradições existentes no tema. Para isso, o

caminho mais seguro parecia ser o de delimitar de forma clara o tema, para dele chegar a um

tópico que se enquadrasse em uma proposta de crítica imanente, e para do tópico chegar ao

objeto de investigação. A ideia era a de que, apenas após ter sido definido o objeto, seria

possível formular adequadamente a pergunta.

Apresenta-se, então, o trajeto perseguido.

1.1 O tema, o objeto de investigação, o problema e os objetivos da pesquisa

Como foi visto, o que motivou a pesquisa foi a diferença observada em um aspecto

ligado ao comportamento dos líderes, diretores de empresas e de cooperativas (VILELA,

2008). O fato de estar ligado ao comportamento – o qual é expressão da personalidade –

apontava para uma investigação que teria que levar em consideração os indivíduos – os

líderes.

Mas, não existe líder sem liderado – ou seja, o sentido de estudar o comportamento do

líder está na relação de liderança. O que quer dizer que o tema a ser abordado não deveria

envolver, isoladamente, nem o líder, enquanto indivíduo – uma vez que ele só vai ser definido

como tal em uma relação – e nem a liderança, enquanto processo – uma vez que esse processo

não ocorre sem os indivíduos – mas os dois: o líder e a liderança. Este seria, então, o tema.

Dentro do tema, era preciso ainda delimitar o objeto, de modo a propor uma

abordagem que pudesse contribuir para a expressão das contradições deste objeto. Pela forma

como a contradição era apresentada por Adorno – que será detalhada no capítulo 2 – estava

claro que a contradição não deveria ser buscada fora do objeto – por exemplo, no contraponto

entre líder e liderado – mas dentro do objeto mesmo. Ou seja, não era a contradição do líder,

ou da liderança, mas a contradição no líder e na relação de liderança.

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Uma forma considerada apropriada para esta abordagem foi a de estudar as relações de

liderança dentro de uma rede de organizações de um campo profissional. Isto porque, em uma

rede de organizações que possuem objetivos diferentes, mas dentro de um mesmo campo

profissional, indivíduos que são os líderes de uma organização serão os liderados em outra

organização que tenha outro objetivo. Assim, seria possível em uma rede de relacionamentos

como esta, possibilitar a expressão de contradições existentes em um mesmo indivíduo, que

exerce papéis diferentes, considerando diferentes momentos em relação à rede – a contradição

no mesmo indivíduo, quando este é visto sob diferentes aspectos do espaço ou, em outras

palavras, quando ele é líder mas também é liderado.

Além disso, nessa rede de organizações de um campo profissional também seria

possível observar as contradições existentes no fato de que alguns indivíduos que hoje estão

apenas no papel de liderados, já terem exercido também o papel de líderes nestas mesmas

organizações, em um momento no qual muitos dos indivíduos que hoje exercem o papel de

líder, estavam no papel de liderados. Seria a contradição observada no mesmo indivíduo em

diferentes tempos das relações de rede.

Nesse ponto, foi preciso organizar uma primeira revisão da literatura sobre o tema, já

levando em consideração o objeto de investigação. Primeiramente, foram reunidos todos os

artigos disponíveis de uma revisão recente do grupo de pesquisa sobre liderança, do já citado

NERHURT. Durante a leitura desses primeiros artigos, foram sendo separados aqueles

identificados como os mais citados pelos autores, os livros textos clássicos e aqueles

identificados como sendo os mais importantes para a organização conceitual do tema – por

exemplo, os que relacionavam personalidade e liderança. Além disso, foram revisados todos

os artigos publicados nos periódicos The leadership quarterly e Leadership, de 2005 até o

último número disponível – uma vez que esses foram os periódicos identificados não só como

aqueles onde se encontravam o maior número de artigos citados sobre o tema, mas também

em função de possuírem volumes temáticos, os quais foram muito úteis para a revisão,

quando se tratava de aspectos específicos no tema (por exemplo, carisma e liderança, ou

efetividade e liderança, entre outros).

Para organizar a revisão – e apenas com essa finalidade – buscou-se enquadrar os

artigos aproximadamente em um dos campos do quadro de referência de Burrell e Morgan4

4 A partir de duas dimensões independentes – as que envolvem, de um lado, a sociologia da mudança radical x

sociologia da regulação, e de outro, o objetivismo x subjetivismo – Burrell e Morgan (2008) propõem um

modelo de quatro paradigmas, dentro dos quais se pode localizar as diversas linhas de pensamento utilizadas na

abordagem do campo que envolve a teoria social. São eles: O “funcionalista” (objetivismo + sociologia da

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(2008) – uma vez que essa foi a forma utilizada por alguns dos autores para organizar revisões

de literatura. O que se percebeu nesta revisão foi que a grande maioria dos artigos sobre a

liderança está dentro do mainstream, de orientação funcionalista, discutindo e pesquisando o

líder e a liderança a partir de pressupostos desenvolvidos desde as primeiras décadas do

século XX; existe uma quantidade menor de artigos críticos, publicados principalmente a

partir de década de 1980 – a maioria dos quais pode ser enquadrada dentro dos paradigmas

radical estruturalista e radical humanista, muitos dos quais publicados por autores que podem

ser enquadrados dentro do que ficou conhecido como CMS. Poucos autores dentro desse

último grupo propuseram uma abordagem dialética para o tema, chegando mesmo a citar

Adorno. Por fim, existe um grupo que não se enquadra entre os funcionalistas, mas que, eles

mesmos, não se reconhecem como críticos, e que podem ser enquadrados entre os

denominandos como interpretacionistas, ou social construcionistas, e que foram enquadrados

dentro do paradigma interpretacionista. Não seria o momento aqui de apresentar esses autores,

mas buscou-se explicitar essa divisão no capítulo 3, quando da exposição da teoria sobre o

líder e a liderança.

Esse resultado não foi uma novidade nesta tese. Em um dos trabalhos consultados,

Fernandes e Vaz (2010) apresentaram a sua revisão de 44 artigos publicados no Academy of

Management Journal, entre 1995 e 2008, na qual os autores também identificaram uma

predominância do paradigma funcionalista – 40 de 44 artigos analisados, com os quatro

restantes enquadrados dentro do paradigma interpretacionista (FERNANDES; VAZ, 2010).

Talvez pelas características editoriais do periódico consultado, não foi encontrado nenhum

artigo que se pudesse enquadrar nos campos radical humanista e estruturalista.

Deve-se observar aqui também que, durante a revisão da teoria, a percepção do autor

da tese era a de que muito do que estava sendo abordado fazia todo sentido, como argumento

– tanto o de autores mais funcionalistas, como o dos mais críticos. Ao tensionar a teoria com

sua experiência pessoal, foi observado que a experiência do autor como líder e como liderado

nas suas relações de liderança, comportava as contradições apresentadas na teoria, podendo

ser lida, ao mesmo tempo, por óticas que, na teoria, se negavam. Essa percepção ajudou na

compreensão da linha na qual a pesquisa deveria ser conduzida: a pergunta orientadora da

pesquisa deveria ser formulada de modo a propiciar a expressão das contradições no objeto de

investigação.

regulação); o “interpretacionista” (subjetivismo + sociologia da regulação); o “radical humanista” (mudança

radical + subjetivismo); e o “radical estruturalista” (mudança radical + objetivismo).

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Para o líder, essa contradição poderia ser percebida não só no seu discurso, mas

também nas comparações entre discursos. Para atingir esse objetivo, a observação das

relações dentro de uma rede de organizações – e não em uma organização, como têm sido

conduzidas muitas das pesquisas neste campo – poderia ser uma forma de indução destas

percepções, pois, como já foi dito, em uma rede um indivíduo que exerce o papel de líder em

uma organização pode ocupar o papel de liderado em outra.

Entretanto, se o que se desejava é oferecer condições para a expressão de contradições

internas, no ser líder, seria necessário também investigar o objeto em diferentes momentos de

uma rede de organizações, em não em apenas um momento (o da pesquisa). A forma que se

encontrara para isso foi a de, dentro desta rede de organizações, investigar não apenas os seus

líderes atuais, mas também pessoas que já foram os seus líderes, mas que hoje estão, naquela

rede, no papel de liderados.

É considerando todo este contexto que deve ser estruturada a pergunta que tem como

finalidade explicitar o problema proposto para a tese.

Inspirado pelo esquema proposto por Salomon (2006), e resumindo alguns dos passos que

foram dados até aqui, tem-se a seguinte sequência para se chegar à pergunta que vai dar

expressão ao problema proposto para esta tese:

a) O tema: os líderes e a liderança.

b) O tópico do tema: os líderes e sua liderança vistos em uma rede de organizações.

c) Objeto de investigação: os líderes e sua liderança em uma rede de organizações de

caráter associativo de um grupo profissional específico.

d) O problema: considerando o objeto de investigação, qual é o conceito de liderança

para esse grupo de indivíduos?

e) A hipótese: não há hipótese, uma vez que, na abordagem proposta por Adorno não se

deve partir de uma visão que tenha o potencial de conformar o objeto.

Para Adorno, como vai ser apresentado no capítulo 3, a teoria é uma “hipótese

figurada” – e não, como propõe o positivismo, uma “instância legítima” (a qual, por isso

mesmo, não admitiria contradições). Ela não só pode fornecer os insights para o que deve ser

pesquisado, como também deve ser criticamente tensionada com os achados empíricos. A

teoria não será “simplesmente uma hipótese a ser refutada ou confirmada”, mas sim algo de

onde derivar “questionamentos concretos no plano da investigação, que logo caminhassem

por seus próprios pés” (ADORNO, 1995b, p. 168-169).

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O questionamento, nesse caso, é o apresentado como o problema de pesquisa.

Serão os seguintes os objetivos que se pretende alcançar com essa tese:

A) Objetivo Geral

Identificar o que é o “ser líder” e o que é “a liderança” para o objeto de investigação.

B) Objetivos específicos

a) Utilizar uma metodologia de investigação, orientada pela Dialética negativa de T. W.

Adorno, que lance mão de múltiplos procedimentos, considerados adequados para

penetrar a opacidade do objeto a ser investigado;

b) buscar identificar contradições nos conceitos de líder e de liderança, para esse objeto;

c) submetendo os conceitos de líder e de liderança a uma crítica imanente, procurar

explicitar o que revelam esses conceitos

1.2 Sobre a estrutura do texto

No texto Der essay als form (ADORNO, 1984), publicado pela primeira vez em 1958,

Adorno apresenta as razões pelas quais considerava o ensaio como a melhor estrutura de texto

para a comunicação científica, no contexto da abordagem do objeto social.

A questão é que este estudo não é apenas uma comunicação científica. Existe uma

estrutura de texto mais ou menos esperada para uma tese, e romper com essa estrutura é algo

que, ainda que possível – dependendo apenas de acordos estabelecidos com os orientadores –,

pode trazer dificultadores adicionais para quem escreve.

Decidiu-se, então, manter o texto basicamente na terceira pessoa e seguindo a

sequência geral na forma: introdução; referencial teórico; metodologia; achados; discussão;

conclusão. A estrutura final do trabalho ficou da seguinte forma:

No capítulo 2, apresenta-se a teoria sobre o líder e a liderança, não isoladamente o

líder ou a liderança, mas ambos, uma vez que a pesquisa tem o seu foco não apenas no

indivíduo, mas nas relações que ele estabelece com outros líderes e com os liderados. Aqui, o

tema é abordado como um dado da realidade – o que efetivamente ele é –, considerando-se as

diversas óticas, tanto das linhas mais funcionalistas como daquelas mais críticas, para já

começar a apresentar, a partir daí, algumas das contradições no conceito. Ele é conduzido com

base no modo como veio se desenvolvendo no tempo.

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O capítulo 3 descreve os fundamentos teóricos para as ideias de Adorno. É uma

“teoria sobre a teoria” – pode-se arriscar chamá-la de uma metateoria para a tese –, a qual, de

modo geral, utilizando conceitos da Dialética negativa de Adorno (2009), representaria o lado

“racionalmente negativo” para o âmbito deste trabalho. Neste capítulo, busca-se seguir uma

sequência que vai da identificação das influências exercidas por outros autores sobre o

pensamento de Adorno para algumas das categorias de sua obra que foram consideradas de

importância para a pesquisa – com foco especial na abordagem empírica do objeto social.

Apesar de haver uma sequência a ser seguida, para ser consistente com a proposta (talvez se

pudesse dizer, estética) do autor, pode ser percebido no texto um modelo que não segue uma

lógica sequencial fechada, mas que aborda as questões mais relevantes para a pesquisa

empírica de modo mais “constelatório”, onde um mesmo tema-chave – por exemplo, o

“positivismo”, ou a “contradição” – vai ser visto sob óticas diferentes, em momentos

diferentes do texto, dependendo do cenário no qual será abordado.

Os procedimentos metodológicos para obtenção dos dados são relatados no capítulo 4.

Os dados obtidos são organizados no capítulo 5 e submetidos a uma primeira análise,

enquanto são apresentados.

No capítulo 6 realiza-se a análise mais aprofundada dos dados, associada com a sua

discussão.

Por fim, a conclusão, capítulo no qual se vão pontuar alguns aprendizados propiciados

pelo estudo – envolvendo não somente o aprendizado sobre o objeto, mas também sobre o que

foi aprendido com a utilização do método. O que se busca é a organização dos tópicos mais

importantes relacionados à pesquisa atual, sugerindo também algumas das possibilidades

abertas para investigações futuras.

Uma das contribuições intencionadas para este estudo é utilizar a Dialética negativa

de T. Adorno não como fundamento para análises de caráter ensaístico ou teórico, mas para a

abordagem empírica mesmo do objeto social. Mais especificamente, no caso da pesquisa

realizada, propiciar que o objeto – o líder e as relações de liderança – que tem sido abordado

ou por meio de metodologias positivistas ou por autores cuja metodologia crítica está mais

identificada com os paradigmas radical humanista ou estruturalista seja versado a partir da

utilização de uma metodologia que busca preservar a verdade existente nas outras, mas que o

faz suprassumindo-as em uma nova compreensão do objeto.

Em outros termos, o que se pretende saber é, com essa metodologia, procurar dizer

algo além daquilo que está conceitualmente estabelecido a respeito da liderança. Em outras

palavras, buscar uma resposta para a seguinte pergunta: o que é mesmo a liderança?

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2 A TEORIA CRÍTICA, ADORNO E A PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA

Platão, que foi o primeiro a instaurar a Matemática como modelo metodológico,

ainda emprestou, no começo da filosofia europeia da razão, forte ênfase ao momento

qualitativo da razão, no momento em que reconheceu à separação os mesmos

direitos que à síntese. [...] A meta cognitiva mesmo da Estatística é qualitativa, a

quantificação não passa de seu meio. [...] De acordo com a grande Lógica,

quantidade é “ela mesma uma qualidade”. Ela guarda sua relevância no quantitativo;

e o quantum retorna à qualidade (ADORNO, 2009, p. 44-45).

Adorno e a teoria crítica em geral são muito utilizados como base teórica para estudos

de natureza também teórica ou ensaística. Para o leitor menos avisado, isso pode propiciar a

impressão de que a pesquisa de fundamento frankfurtiano não poderia utilizar dados

empíricos e que seria impróprio utilizar esse tipo de referencial para o desenho e condução de

pesquisas que exijam trabalho de campo.

A razão para esse tipo de impressão pode ser encontrada não em autores de tradição

positivista, mas em uma crítica dirigida de forma especial a Adorno e Horkheimer por outro

autor da tradição frankfurteana, que foi Habermas (1987a). Nessa crítica, Habermas (1987a)

afirma terem esses autores abandonado o projeto inicial de pesquisa interdisciplinar que deu

origem ao Institut für Sozialforchung (ISF) nos anos 1920-1930 e de terem enveredado numa

linha de análise discursiva sobre a vida social, que teria resultado em um discurso metafísico,

do qual o projeto do ISF procurava se afastar (DUARTE, 2003).

Entre muitos dos pesquisadores da administração, essa crítica tem sido reforçada pela

identificação de Habermas como o porta-voz legítimo dos frankfurteanos. Considerado

herdeiro de Adorno e Horkheimer, com quem trabalhou na Universidade de Frankfurt, é

reconhecido por vários autores como pertencendo a uma terceira geração do que ficou

conhecido como a Escola de Frankfurt (FREITAG, 2004). Em sua Teoria da Ação

Comunitativa (HABERMAS, 1987c) Habermas afirma que falta à produção de Adorno e

Horkheimer do pós-guerra uma sustentação empírica. Daí que uma leitura de Adorno

orientada pelas críticas de Habermas pode dificultar a compreensão da perspectiva empírica

que está presente nos seus trabalhos.

Essa concepção equivocada tende a desconsiderar toda a produção de orientação

sociológica presente em diversos projetos liderados por eles, em que se pode constatar a

realização de pesquisas empíricas desde os anos de fundação do ISF, ainda em Frankfurt

(WIGGERHAUS, 2006). O que se vai mostrar é que o projeto de trabalho empírico

interdisciplinar nunca foi abandonado e que estudiosos atuais de Adorno reforçam a

ancoragem empírica também em seus trabalhos analíticos-interpretativos, entre os quais a

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Dialética do esclarecimento e a Dialética negativa, e nos textos pontuais sobre a Indústria

Cultural e sobre a música (OEVERMANN, 2004). Esse projeto é reconhecido e enfatizado

por estudiosos sérios das obras de Adorno e Horkheimer, tais como Oskar Negt (1995) e

Gehard Schweppenhauser (2003).

O trabalho de pesquisa empírica em Adorno não se desenvolve apenas na prática da

investigação sociológica, mas deu origem a vários textos nos quais Adorno aborda de forma

direta a sua compreensão sobre o tema. Esses textos serão utilizados, de modo a procurar

romper com a noção errônea existente na academia e estabelecer as bases conceituais para o

desenvolvimento da presente pesquisa.

Não é tarefa fácil a proposta de apresentar o pensamento de um autor que, de acordo

com Claussen (2008), foi o “último gênio” do século XX. Para buscar atingir esse objetivo, a

primeira delimitação – expressa já no título deste capítulo – diz respeito aos aspectos de seu

pensamento que serão importantes para a realização e interpretação dos achados da pesquisa

proposta. O que, ainda assim, se apresenta como uma tarefa gigantesca.

Para enfrentar essa tarefa, será necessário, em primeiro lugar, discorrer sobre os

fundamentos filosóficos e sociológicos de Adorno (que, no caso desse autor, se confundem),

sem o que não seria possível compreender o seu conceito de pesquisa empírica (NEGT, 1995;

SCHWEPPENHAEUSER, 2003).

Mas, para o adequado entendimento desses fundamentos, será preciso percorrer um

trajeto que vai das influências de outros autores sobre o pensamento de Adorno até chegar a

algumas de suas categorias básicas, a partir das quais se pode ter acesso à sua visão do mundo

como algo que pode ser compreendido. A dificuldade imposta para esse percurso pode se

constituir, talvez, no motivo de ser Adorno tão pouco utilizado em nossas investigações

empíricas – ou pior, no fato de que, quando o é, por ser mal compreendido ele é

frequentemente mal empregado – num campo que, tão sujeito a segmentações de abordagem,

resiste à utilização de autores que possuem fundamentos tão complexos.

Não é possível atrelar o pensamento de Adorno a uma teoria entre as muitas que se

ocupam dos problemas semelhantes aos que ele dedica sua obra. O que se encontra, em geral,

são aproximações e afastamentos que Adorno estabelece com a obra desses outros autores

(SILVA, 2006). Daí a necessidade de se ter conhecimento mínimo a respeito dos autores em

relação aos quais sua obra se aproxima ou distancia.

Para Jay (1988), uma descrição que queira ser fiel ao pensamento de Adorno deve

fazê-lo a partir da utilização de duas das metáforas que este empregava, com a finalidade de

dar conta da dialética entre as dimensões subjetiva e objetiva, particular e universal e histórica

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e natural dos fenômenos da realidade complexa. Essas são as metáforas de “campo de força” e

de “constelação” (JAY, 1988).

A “constelação” é uma categoria que, tradicionalmente, é apresentada como um

empréstimo tomado a Walter Benjamin5 – que a utiliza pela primeira vez na introdução de

Origem do Drama Barroco Alemão (BENJAMIN, 2009). Para Nobre (1998) ela foi, de fato,

tomada de empréstimo a Max Weber (1904-2006b)6.

Silva (2006) comenta a possível relação entre Adorno e Weber, sob esse aspecto:

A primeira referência a uma possível relação entre Adorno e Weber sob esse aspecto

foi feita por Rose que, em 1978, pôde dar atenção a uma passagem da Dialética

negativa e notar que, entendida como categoria sociológica, a constelação se

comporta como os tipos ideais weberianos. Embora Rose não chegue a desenvolver

tudo o que essa passagem comporta, sua nota nos conduz a uma série de excelentes

trabalhos, sobretudo o de Thyen, que descortinam o horizonte até então insuspeito –

porque pouco frequente em sua obra – da influência sociológica definitiva que

Weber exerce sobre Adorno, segundo o modo e função das categorias sociológicas

(SILVA, 2006, p. 81).

O uso do termo constelação na obra de T. Adorno não envolve a ideia de “conjunto

de”, mas algo muito além disso. De acordo com Silva (2006):

[...] identifica-se a atribuição de modos variados à ideia de constelação, que talvez

possamos aqui reconstruir segundo três passos analíticos, inevitavelmente

imbricados: 1) “constelação” descreve uma propriedade teórica ou um modo de ser

do pensamento, aproximando-se bastante do que vimos ser o sentido dos modelos;

2) “constelação” é um aspecto concreto ou modo de ser da coisa, o que nos remete

ao enigma que o objeto representa para o pensamento identificante; 3) “constelação”

é uma forma que desafia a intenção sistemática da teoria, princípio de composição

que dá visibilidade ao antissistema. De imediato, note-se que enquanto os dois

primeiros passos recuperam aquele princípio do “duplo relacionamento” sugerido

por Bonß consistindo, assim, na constelação como procedimento, o terceiro passo

remete à questão do estilo de Adorno e sua composição no ensaio. O

reconhecimento dos dois primeiros passos configura, sem dúvida, a mais comum

abordagem do problema. Ela é fundamentalmente correta uma vez que não

desconsidera o sentido primário do termo constelação, a saber, sua dupla remissão

aos aspectos conceitual e coisal (SILVA, 2006, p. 75-76).

Ou seja, considerando os três passos, é constelação de conceitos e de objetos. Como

observa Silva (2006):

5 “As ideias são para os objetos o que as constelações são para as estrelas. Isso quer dizer, em primeiro lugar, que

elas não são nem seus conceitos nem suas leis. Elas não contribuem para o conhecimento do fenômeno e de

forma alguma este último pode ser o critério com o qual se julga a existência das ideias. O significado do

fenômeno para as ideias está confinado aos seus elementos conceituais” (BENJAMIN, 2009, p. 34). 6 “Como é natural, toda constelação individual que a astronomia nos „explica‟ ou prediz só poderá ser

causalmente explicável como consequência de outra constelação, igualmente individual, que a precede”

(WEBER, 2006b. p. 46).

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Enquanto procedimento, a constelação apresenta-se como um feixe de propriedades

teóricas e aspectos concretos, o que nos permite afirmar que ela responde

positivamente àquela primeira condição implicada por essa utopia: ela expõe

diagnósticos e objetos à medida que compreende justamente a dinâmica de

coordenação desses elementos (SILVA, 2006, p. 83).

Relacionando as heranças benjaminiana e weberiana de constelação, para Silva (2006):

se os dois primeiros aspectos envolvidos na ideia de constelação são uma herança

benjaminiana e se referem ao “duplo relacionamento” sugerido por Bonß – “uma

construção de constelações que permitem tornar visível o objeto em constelações” –,

que aqui recobre o que chamamos de procedimento metódico, o terceiro desses

aspectos, que envolve entender tanto a articulação entre a atividade de compreensão

e o princípio de composição, como a realização desse princípio em um modo de

exposição do pensamento, pode ser remetido à reconstrução por Adorno da categoria

weberiana de tipo ideal (SILVA, 2006, p.82).

Segundo Nobre (1998), “constelação” é uma categoria que não apenas não admite

definição, como também é refratária a qualquer tratamento teórico que pretenda isolá-la de

suas configurações concretas. A ideia de conhecimento como constelação se refere a um

conhecimento que pretende salvar o objeto, o particular. É a formulação do ideal do

conhecimento a ser alcançado por meio do conceito – instrumento inevitável do pensamento –

de forma a produzir uma crítica que não elimina, mas que transforma o conceito, envolvendo

algo mais próximo do modelo, o qual, por sua vez, é apresentado como a alternativa ao

sistema (TIBURI, 2005).

São muitas as alusões de T. Adorno ao que ele pretende com a ideia de constelação.

Como exemplificação, separa-se abaixo um trecho da Dialética negativa onde o autor aborda

mais extensamente o que pretende apresentar com essa ideia:

[...] não se progride a partir de conceitos e por etapas até o conceito superior mais

universal, mas esses conceitos entram em uma constelação. Essa constelação

ilumina o que há de específico no objeto e que é indiferente ou um peso para o

procedimento classificatório. [...] As constelações só representam de fora aquilo que

o conceito amputou no interior, o mais que ele quer ser tanto quanto ele não o pode

ser. [...] O conhecimento do objeto em sua constelação é o conhecimento do

processo que ele acumula em si. Enquanto constelação, o pensamento teórico

circunscreve o conceito que ele gostaria de abrir, esperando que ele salte, mais ou

menos como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não apenas por meio de

uma única chave ou de um único número, mas de uma combinação numérica

(ADORNO, 2009, p. 140-142).

O conceito de “campo de força” é apropriado para ser usado nesse primeiro momento,

quando se busca o diálogo que estabelece com outros autores. Essa é uma metáfora retirada da

Física e se refere à resultante das atrações e repulsões a que estão submetidos os fenômenos

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complexos, que representam o dinamismo e as transformações aos quais estão submetidos

esses fenômenos (JAY, 1988).

Nas palavras de Adorno, campo de força é “algo dentro do que os conceitos abstratos

que entram em conflito uns com os outros e constantemente se modificam realmente se

colocam como forças vivas” (ADORNO, 2001a, p. 4), citando o sistema kantiano como

exemplo da atuação desse “campo de forças”:

[...] um sistema como o de Kant, que para todas as intenções e aparências parece

uma totalidade coerente, que se mantém coeso em uma totalidade dedutiva, é na

realidade um campo de força, o qual só pode ser apropriadamente entendido se se

conhecer as forças que estão associadas em um tipo de fricção produtiva [...]

(ADORNO, 2001a, p. 27).

Essa metáfora permite esclarecer a coexistência em Adorno de orientações teóricas

que ele simultaneamente recusa, resgata e reconcilia – como indicado por um trecho do

aforismo Criança com a água do banho da Mínima moralia: “se quiséssemos agir

radicalmente, de acordo com isso, extirparíamos também com o falso tudo o que é

verdadeiro” (ADORNO, 1993a, pp. 36-37).

A partir dessa metáfora, e de acordo com Jay (1988) e Duarte (2004), o pensamento de

Adorno gravita em torno de um campo de força cujos componentes principais são:

a) As influências que recebeu do seu meio social: do modernismo estético, da formação

de sua consciência em um meio marcado pelo declínio do conservadorismo cultural

mandarinesco e do impulso judaico de seu pensamento que, apesar de não ser

marcante, não pode ser desconsiderado no cenário da Alemanha nazista;

b) a tradição crítica, passando pelo idealismo alemão, principalmente Kant e Hegel, e

chegando ao materialismo dialético de Marx. Em relação a todos esses autores,

devem-se observar as aproximações e distanciamentos considerados importantes para

a compreensão de seu pensamento e que, em seus aspectos mais relevantes, serão

discutidos mais à frente;

c) a sociologia de Max Weber (2006a), que é responsável por algumas aproximações

muito importantes – de modo especial as que envolvem as questões de valor para o

cientista, a neutralidade axiológica e os conceitos de composição e de constelação para

a abordagem do objeto social. Mas essa é uma linha que também determina alguns

distanciamentos, uma vez que Weber foi, por várias vezes, caracterizado por Adorno

(2008b) como um autor que se orienta por fundamentos positivistas;

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d) a psicanálise de Freud, que exerce influência muito importante desde os primeiros

momentos do ISF, determinando mais aproximações do que distanciamentos;

e) o positivismo – de modo especial o positivismo lógico do círculo de Viena – e que

nesse caso é responsável por posições de distanciamentos;

f) a ontologia, de modo especial a apresentada na filosofia de Heidegger, que merece de

Adorno quase que todo um capítulo da Dialética negativa e que também nesse caso é

responsável mais por distanciamentos do que por aproximações.

Para além dessas influências gerais, aqui caracterizadas pelo “campo de força”, o que

se observa na literatura sobre a sua obra é uma tendência a tentar enquadrá-la em construtos

como os da “Escola de Frankfurt” ou do “marxismo ocidental”. Para Silva (2006) esses

estudos ou terminam por se constituir em simplificações grosseiras – o que, em desacordo

com a complexidade de seu pensamento, mais confunde do que esclarece – ou no que foi

chamado de “estudos de ocasião”, que buscam uma continuidade de sua obra, estabelecida em

torno da Dialética do Esclarecimento. Esses últimos, justamente por buscarem a continuidade

de seu pensamento, tendem a desconsiderar um elemento central na obra de Adorno – objeto

de discussão posterior neste trabalho –, que é o da negatividade (SILVA, 2006).

Existe uma segunda linha de estudos que, se contrapondo à tese da continuidade, tem

como oponente principal não autores de fora da tradição teórico-crítica, mas justamente o já

citado Habermas. Esses estudos buscam caracterizar uma ruptura na obra de Adorno, marcada

de modo especial pela distância entre a Dialética do Esclarecimento e a Dialética negativa,

acentuando os diferentes modelos de teoria crítica, que se constroem segundo diagnósticos do

tempo. Estes, por sua vez, estão baseados na existência de um núcleo temporal de verdade

(SILVA, 2006). O significado desses conceitos ficará mais claro no desenvolvimento

posterior que será realizado sobre os fundamentos da teoria crítica da sociedade.

Por fim, há uma terceira linha – cuja exposição pode ser encontrada em Nobre (1998)

– que identifica já no jovem Adorno o modo de pensamento que, muito marcado pelo contato

com Walter Benjamin, estabelece as linhas gerais do que, ao longo de sua trajetória

intelectual, vai se transformando e vai sendo reelaborado, resultando em um pensamento que

apresenta algo de continuidade e algo de ruptura. A essa linha Silva (2006) chamou de

coerência em fragmentos.

De acordo com Silva (2006):

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Não há dúvida de que é possível encontrar uma abundante coleção de argumentos,

imagens, termos e referências a se repetir em textos diversos, o que faz saltar aos

olhos uma unidade inegável. Acresce a isso que a reiterada uniformidade estilística –

a artificialidade na construção de frases, a abundância de parataxes, elipses e

quiasmos, a insurgência repentina de conceitos – se pensada conjuntamente com a

dependência radical entre conteúdo e modo de exposição, desdobrada por Adorno de

modo decisivo ao longo de sua produção intelectual, reforça a impressão da mais

pacífica continuidade. No entanto, um olhar atento ao detalhe, ao contexto

específico, mostra que os materiais de que se faz a teoria, os conceitos, nunca

recebem uma definição que não seja sujeita a correções – não nomeadas, mas

presentes – se é que alguma vez chegam a receber definições no sentido rigoroso do

termo (SILVA, 2006, p. 31).

A presente pesquisa toma como base teórica os autores que se enquadram nessa

terceira linha de estudos, baseado na ideia de que:

A atualização – necessária porque constitutiva – do pensamento de Adorno

dependeria da negação de seus momentos, realizada em vista de um novo

diagnóstico do tempo, pautado pela atenção à concreção histórica. Tal processo

condena, em última instância, tanto a tradição interpretativa da continuidade (que

sustenta um Adorno sistemático e, assim, perde de vista seus momentos), como a

tradição interpretativa da ruptura (que embora atenta à ideia de modelos sucessivos

de teoria crítica, tende a não considerá-los segundo sua possibilidade) (SILVA,

2006, p. 38).

Considerando, então, essa linha, pode-se dividir o pensamento de Adorno, a partir do

diagnóstico do tempo presente, em três grandes momentos: o momento de aproximação entre

o seu pensamento e o de Walter Benjamin; o momento do distanciamento de Walter

Benjamin, no final da década de 1930, e a aproximação entre o seu pensamento e o de

Horkheimer, expresso principalmente na obra conjunta Dialética do Esclarecimento; e a

produção da maturidade, representando um afastamento de Horkheimer e expressa em suas

obras tardias, especialmente a Teoria Estética e a Dialética negativa.

O afastamento de Horkheimer, como ensina Silva (2006), pode ser identificado na

diferença na nota de edição dos Três estudos sobre Hegel, comparando-se o texto da edição

de 1957 com o da edição de 1963: em 1957, o editor justifica a abdicação de referências

isoladas pelo fato de que “o pensamento filosófico do autor e de Max Horkheimer é um”; já

na de 1963, a mesma justificativa é dada pelo fato de “o pensamento filosófico de ambos ser

responsável pelas interpretações relevantes”.

O que fica evidenciado nessa diferença entre textos é que:

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Na distância entre afirmar que o pensamento é uno e afirmar que as interpretações

relevantes são devidas a uma unidade de pensamento mede-se o afastamento entre

ambos: no primeiro caso estamos ainda em plena vigência do projeto comum, no

segundo estamos no momento seguinte, em que a coincidência de posições já não

garante unidade de projeto (SILVA, 2006, p. 120).

Esse momento também marca uma revisão de expectativas teóricas de Adorno, que

pode ser caracterizado pela:

Necessidade de elaborar “um conceito transformado de dialética”. Para dizer

claramente: se esse conceito “transformado” ainda pede por elaboração, então não se

trata mais daquele conceito que Adorno havia desdobrado ao lado de Horkheimer na

Dialética do esclarecimento. Portanto, do mesmo modo que se dera com Benjamin,

essa segunda demarcação se segue do afastamento entre as posições teóricas de

antigos colaboradores, de uma reconstrução programática, e se apoia em uma

revisão de expectativas (SILVA, 2006, p. 121).

Quais são essas expectativas deverá ficar mais claro quando for discutida a obra de

Adorno, fornecendo-se as indicações para o modelo crítico que deve orientar essa pesquisa – a

Dialética negativa.

Na sequência, e com a intenção de facilitar a compreensão do modelo crítico

representado pela Dialética negativa, buscam-se caracterizar alguns dos aspectos

considerados os mais relevantes e que são encontrados nos autores citados como fazendo

parte do campo de força, em torno do qual gravita o pensamento de Adorno.

2.1 Influências identificadas sobre o pensamento de Adorno

O percurso a ser percorrido neste item é o seguinte: considerando que o período de

parceria com Walter Benjamin é tido como tão importante que não só marca todo um período

de pensamento, como estabelece algumas linhas que serão perseguidas até a maturidade, esse

momento será inserido naqueles aspectos mais relevantes. O segundo momento, que é mais

extenso, caracterizado pelo afastamento de Benjamin e aproximação com Horkheimer, será

estudado a partir da ótica da teoria crítica. É aí que será incluída a pesquisa social empírica. O

terceiro momento, definido pela produção de maturidade a qual pode ser caracterizada, para

fins desta tese, pela produção da obra Dialética negativa, será o último a ser abordado.

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2.1.1 Influências iniciais: a aproximação com o pensamento de Walter Benjamin

A influência exercida por Benjamin é tão importante para o início da carreira de

Adorno, que Nobre (1998) delimita uma de fase de seu pensamento, que chamou

benjaminiana: essa fase vai de 1927, antes do que não se detectava qualquer influência em

seus textos, a novembro de 1934 quando, em uma carta a Benjamin, Adorno escreve que as

divergências ali expostas “surgem pela primeira vez desde que entramos em contato” (cartas

de Adorno, NOBRE, 1998). A partir desse momento, ainda que não haja ruptura, vai

acontecendo uma demarcação progressiva de seu pensamento, que toma forma bem definida

em uma carta de agosto de 1935, quando Adorno critica o ensaio de Benjamin “Paris, capital

do século XIX” (NOBRE, 1998).

Dentro do período de influência, Adorno escreve frequentemente sobre um “programa

filosófico comum”, cujas bases podem ser encontradas em três obras de Benjamin: o livro

Origem do drama barroco alemão, o ensaio Sobre as afinidades eletivas de Goethe e a versão

de 1929 do projeto das Passagens. Na verdade, o que Nobre (1998) sublinha é que esse foi

um período de transição no pensamento de ambos, marcado pelo contato com a obra de Marx

– o que acaba sendo também o motivo das divergências de posições (NOBRE, 1998).

O impacto da obra de Benjamin sobre Adorno fica registrado em uma de suas palestras

de início de carreira, “A ideia de história natural” (JAY, 1988). Esse é um tema retomado na

Dialética negativa, em que Adorno faz uma referência explícita à influência do pensamento

de Benjamin sobre os conceitos ali tratados (ADORNO, 2009). Daí que, de acordo com Nobre

(1998), é muito importante se conhecer as discussões travadas entre os dois na década de

1930, pois é o conteúdo dessas discussões que ilumina toda a obra tardia de Adorno.

Nobre (1998) cita o livro que Rudolf Speth escreve sobre o jovem Benjamin, no qual

afirma que seria no ensaio As afinidades eletivas de Goethe que surgiria o que ficou

conhecido posteriormente como teoria crítica. Nobre (1998) também menciona os textos

anteriores à década de 1930, em que Benjamin faz a crítica à Aufklärung (o esclarecimento),

acusando-o de mitologia. O conceito de mito passa, desde então, a permear toda a obra de

Benjamin em oposição ao conceito de verdade – por exemplo, para Benjamin, querer

compreender a vida da sociedade segundo princípios da natureza é um mito (NOBRE, 1998).

E esse é um tema retomado por Adorno de forma contundente na Dialética do esclarecimento

(ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

Nas cartas a Benjamin, Adorno se refere também a um modelo de “crítica imanente”

que é compartilhado por ambos. Nobre (1998) identifica em uma passagem do prólogo da

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Origem do drama barroco alemão (BENJAMIN, 2009) uma possível referência benjaminiana

a essa crítica – importante no contexto desta pesquisa, uma vez que a “crítica imanente”

tornou-se um método de abordagem do objeto social em Adorno.

Outra questão que faz parte das preocupações teóricas de Adorno e que também já se

encontra na Origem do drama barroco alemão diz respeito ao conceito. Nobre (1998) traduz

essa discussão afirmando que o que ela busca é:

Encontrar um caminho entre o realismo e o idealismo, de não atribuir ao conceito

nem o papel de absorver inteiramente o objeto nem o de classificar as singularidades

meramente segundo o que têm em comum, pois em ambos os casos perde-se

justamente a especificidade do objeto (NOBRE, 1998, p. 84).

A partir de 1934 verifica-se intensificação da correspondência, que é atribuída à

situação adversa na Alemanha, mas que, segundo Habermas, poderia ter sido por preferência

pela mídia escrita mesmo (NOBRE, 1998). Uma discussão detalhada sobre o tema foge ao

interesse deste trabalho, mas pode-se abstrair como um ponto comum de discussão a

utilização de categorias marxistas na fase benjaminiana conhecida como materialista. O

momento em que essa discordância se torna mais aguda ficou registrado em uma carta de

novembro de 1938, quando Adorno, entre outras coisas, observa a Benjamin que ele “se

proibiu os seus mais argutos e frutíferos pensamentos por um tipo de censura prévia segundo

categorias materialistas (que não coincidem de forma aguda com as marxistas)” (ADORNO,

apud NOBRE, 1998).

A admiração pelas ideias do mestre, entretanto, não deixa de exercer influência sobre a

obra mais tardia de Adorno, o que pode ser constatado pelas inúmeras referências à sua obra

em trabalhos posteriores – como no capítulo “Caracterização de Walter Benjamin”, em

Prismas (ADORNO, 1962), nas várias referências a Benjamin em suas conferências reunidas

em History and Freedom (ADORNO, 2006), mas, principalmente, e de modo especial, na

Dialética negativa (ADORNO, 2009).

2.1.2 Algumas aproximações com a sociologia de Max Weber

Uma influência que foge da linha aqui desenhada diz respeito à sociologia de Max

Weber – que não tem sido considerada por muitos dos autores que escrevem sobre a teoria

crítica. De acordo com Jay (2008, p. 324), “Horkheimer sempre fora um interessado leitor de

Weber”, tendo adotado em alguns de seus escritos análises basicamente weberianas.

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Para Weber, o fato social é externo e todos os indivíduos socializados no mesmo

processo não o identificam como fato externo – o que permite uma análise empírica,

positivista, que independe do sistema de crença ou do estado mental do investigador. Mas

reconhece que se estivéssemos em sociedades diferente, talvez o indivíduo tivesse outro

comportamento – seria possível ser objetivista em ciências sociais no sentido de

independência de estados mentais, mas não em termos de sistemas de crenças. Esse sistema

de crenças fornece modos distintos de compreensão para os sujeitos, que assim adotam

estruturas distintas a partir das quais eles significam o mundo (WEBER, 2001).

O fato é fato não por ser independente de condicionalidades, mas justamente por ser

condicionado. A verdade, dessa forma, tem núcleo temporal – não porque ela é relativa a

tempos históricos, mas porque o que se pode dizer da verdade diz respeito a tempo histórico.

O tipo ideal proposto por Weber (1999) busca elucidar as condicionalidades não recorrentes

em relação aos fatos – aquilo que é não recorrente no fato.

O objeto da sociologia é o conjunto de coisas que é estático para os indivíduos, porque

é móvel na perspectiva do todo – é a historia que articula o sistema, que parece estático para o

indivíduo, mas que para a história é dinâmico. O conceito de valor, de acordo com Weber

(2001), deve cuidar de duas perspectivas: valor como algo válido – aquilo que pode ser

contemplado com o título de verdadeiro – e o valor como algo valioso, que está de acordo

com um enunciado moral. Weber já intui que o cientista social, por ser agente social, não

consegue separar situação de fato e valor. A solução que ele encontra para isso é a

neutralidade axiológica (WEBER, 2001). O método então é algo que deve servir para separar

o valor para o indivíduo do valor que é de cunho social.

Uma forma de observar as consequências da visão weberiana sobre Adorno pode ser a

partir de suas próprias observações apresentadas em seus cursos de Sociologia nas décadas de

1950 e 1960 (ADORNO, 2008a; ADORNO; HORKHEIMER, 1977a).

Nessas aulas, Adorno afirma que tanto a neutralidade axiológica como a questão dos

valores, conforme Weber (2001), são a expressão de uma reificação, uma vez que o termo

“valor” penetra nas ciências sociais pela economia, tomando emprestado desta o sentido que é

aplicado àquela. Para Weber (2001), a neutralidade axiológica seria produzida pelo seu

método porque ele permitiria, com a sua aplicação, dizer o que é importante para mim e o que

é importante para a sociedade. Seria somente a partir daí que seria possível perguntar sobre o

que é verdadeiro – que é diferente do que é relevante.

Adorno e Horkheimer (1977a) mostram que a polêmica da sociologia positivista foi

dirigida não só à filosofia especulativa da sociedade, mas também às principais categorias da

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sociologia que a antecederam e que ela pretendeu eliminar estabelecendo como postulado que

se deve ficar apegado aos dados e se ater a campos bem delimitados de investigação. Mas a

consequência de uma sociologia que se pretenda “isenta de valores” – como postulada por

Max Weber – é que o elemento “crítica” acaba por ser eliminado da investigação empírica.

Hegel, Marx, Nietsche e Freud desconfiam que algo foi perdido com a separação de

coisas de fato e de valor: será que existiria realmente uma delimitação desse tipo?

Essa separação pode ter impedido a realização da filosofia – utilizando um termo que

Adorno emprega na Dialética negativa. Para Marx, parecia que os problemas da Filosofia

nada teriam a ver com o mundo7. Nessa separação algo foi perdido, para o que a ciência não

consegue dar uma resposta: é possível ordenar o mundo – ou, dito em outros termos, é

possível tornar um mundo um lugar melhor? Assim, ciências humanas e naturais têm as

mesmas características em termos de questão de fato e de valor? Os métodos devem ser os

mesmos para as duas?

É certo que métodos diferentes podem dar expressão às mesmas estruturas

fundamentais da sociedade – por exemplo, ao se examinar as determinações do “tipo ideal” de

capitalismo. Comparando-se a sociedade da sociologia de Weber com a da teoria marxista –

contra a qual Weber se posiciona –, podem-se identificar inúmeros momentos de atributos

comuns às duas como categorias fundamentais, como forma equivalente. O decisivo nesse

caso não é o núcleo idêntico, mas as configurações nas quais esses momentos se apresentam –

em grande medida momentos teóricos – na relação entre as quais há uma diferença.

O que Marx percebe é que, em ciências humanas, a solução de questões de fato deve

envolver questões de valor. Assim, à Filosofia caberia reconhecer a vinculação entre os dois

tipos de questão. A forma como as pessoas descrevem o comportamento do mundo

econômico gera comportamentos humanos. Os objetos, que são mercadorias, podem ser vistos

como questões de fato; mas o homem não deveria ser visto como mercadoria – uma questão

de valor. Para Marx, a diferença está em que o trabalho humano tem elasticidade: se há uma

convergência entre valor de uso e valor de troca para todas as mercadorias, no caso do homem

o que se percebe é uma divergência entre as duas – que é a fonte do lucro.

Mas adiantou-se um pouco aqui na discussão: antes de chegar a Marx, será preciso

passar primeiro pelo idealismo alemão. Inicialmente, a intenção é recuperar, em seus aspectos

mais relevantes, o que foi significativo nas filosofias de Kant e Hegel para o desenvolvimento

da Dialética negativa. Como o foco é o pensamento de Adorno, a discussão será realizada a

7 Veja-se, como exemplo, o texto que Marx escreve em resposta à Filosofia da miséria, de Pierre Proudhon:

Marx (1976).

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partir das apresentações feitas por Adorno mesmo – de modo especial, a partir das obras

Kant‟s Critique of Pure Reason (2001) e Hegel: three studies (1993a).

Em complemento, também será tratado de forma geral no que diz respeito às

aproximações e distanciamentos em relação às obras de Freud e Nietzsche. Serão

apresentados alguns dos aspectos mais significativos referentes à influência exercida por

Marx (e pelo materialismo dialético) para o desenvolvimento da teoria crítica, como um todo,

e para Adorno particularmente.

Por fim, serão apresentados os aspectos teóricos mais relevantes para o

desenvolvimento do ISF, de maneira especial o trabalho de Friederich Pollock a partir do final

da década de 1920 e os textos de Horkheimer, tanto o de 1932, Observações sobre ciência e

crise, como o texto manifesto de 1937, Teoria tradicional e teoria crítica, considerado por

muitos autores como o texto que funda a teoria crítica (NOBRE, 2008).

2.1.3 A tradição crítica de Kant a Hegel, a crítica em Nietzsche e a obra de Freud

No alemão, como em português, a palavra crítica possui uma raiz em comum com a

palavra crise. Sua origem é grega: kritikós, com o sentido de capaz de julgar, de decidir, de

pensar, de discernir – ou a faculdade de pensar, o discernimento, a crítica e o julgamento. Ela

tem uma conexão com o verbo krinó – que significa separar, decidir, distinguir, discernir – e

com krisis, eós, que está na origem da palavra crise, em português.

Não deixa de ser interessante aqui pontuar que o sentido do termo crise tem sua

origem na história médica, como “o 7º, 14º, 21º ou 28º dia que, na evolução de uma doença,

constituía o momento decisivo, para a cura ou para a morte” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p.

872). É esse o significado quando é dito que “a situação do paciente é crítica”. Compreender

essa raiz comum faz todo o sentido na compreensão da teoria crítica.

No pensamento filosófico ocidental, o autor destacado como responsável pelo início

da tradição crítica foi Kant, de forma que os autores posteriores devem se referir a ele ou

concordando e dando continuidade ao seu pensamento ou discordando e partindo para uma

outra visão diferenciada. Em um caso ou no outro, a referência é o pensamento de Kant.

Não é proposta deste capítulo – nem competência do autor – realizar aqui uma história

da filosofia ou do idealismo alemão. O que se pretende é chegar à teoria crítica e dela ao

pensamento de Adorno e à sua proposta de abordagem empírica do real. Para tanto, e pelas

razões apresentadas, parte-se do pensamento de Kant.

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Para que o objetivo proposto não seja perdido e pela sua centralidade na discussão,

Kant será abordado a partir das aulas de Adorno sobre A crítica da razão pura (ADORNO,

2001a). Será realizada, portanto, de modo um pouco mais detalhado, uma vez que será

necessário recuperar algumas categorias apresentadas por Kant para se fazer a crítica a Hegel.

A abordagem sobre Hegel também deve utilizar como núcleo da discussão os três

estudos que Adorno realiza sobre esse autor (ADORNO, 1993b), além dos vários comentários

existentes em outras aulas e outros textos seus. Entretanto, considerando a importância que

Hegel vai exercer sobre o materialismo dialético e sobre a teoria crítica em geral, a discussão

aqui vai demandar abordagens realizadas também por outros autores. A estrutura da

discussão, entretanto, será um tanto diferente da realizada para Kant: aqui se pretende indicar

os tópicos que são relevantes para as aproximações – e distanciamentos – realizados por

Adorno e que estão na base da concepção de uma Dialética negativa.

As influências exercidas por Nietzsche também serão apresentadas de modo mais

pontual, na forma de tópicos. E para se ganhar em objetividade, serão abordadas a partir de

discussões realizadas por autores que se dedicaram ao tema.

Já a psicanálise freudiana, em função de sua importância teórica tanto para a própria

teoria crítica como para esta pesquisa, será discutida de modo um pouco mais extenso. Além

das referências frankfurteanas, o tema será abordado a partir, principalmente, de Rouanet, que

se dedicou a essa interface em sua obra, a Teoria crítica e psicanálise (ROUANET, 1989).

Passa-se então aos autores da tradição crítica.

2.1.3.1 Kant e a crítica da razão

Kant está no fundamento dos pensadores que formarão o núcleo em torno do qual

gravita o pensamento de Adorno. Daí a importância de se detalharem os aspectos mais

significativos de seu pensamento. Esse detalhamento será conduzido a partir das aulas de

Adorno sobre a Crítica da razão pura (CRP) (ADORNO, 2001a), ministradas durante o

primeiro semestre de 1959.

A importância dessa obra de Kant como fundamento para o pensamento de Adorno

está expressa em uma observação que Adorno faz no contexto de uma discussão sobre a

impossibilidade de uma ontologia do ser, tanto em sua versão idealista como na materialista:

A razão de eu fazer um esforço tão grande é que, se posso dizer assim, o que está em

jogo aqui são os fundamentos de uma posição filosófica que eu pessoalmente abraço

e que, acredito, posso expor em conexão com essas reflexões sobre Kant

(ADORNO, 2001a, p. 158).

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O momento histórico de Kant é o início da Era Moderna, podendo-se identificar no

seu texto características próprias da racionalidade burguesa – a prudência, a correção e um

tipo específico de humanidade. Acontece nesse momento com Kant o que ocorre com um

autor que fala por uma classe no momento em que ela está determinando seus próprios ideais:

ele ultrapassa os horizontes de seus próprios interesses e passa a falar como representante de

toda a humanidade. O termo “espírito do mundo”, utilizado por Hegel no momento seguinte,

exemplifica o que ocorre na percepção de quem se propõe a falar por uma classe emergente.

A racionalidade moderna é responsável por dois aspectos importantes da filosofia de

Kant: uma forte confiança nas ciências naturais matemáticas, graças às quais a ciência reúne

um corpo de conhecimentos suficiente para satisfazer a ideia de “verdade absoluta”; e a

natureza autorreflexiva da razão, que permite refletir sobre a própria razão, fornecendo uma

relação do que se pode ou não conhecer e estabelecendo os fundamentos da experiência – do

conhecimento da natureza – que delimita o que não deve ser ultrapassado.

Ou seja, a própria razão é objeto de reflexão para Kant. Essa razão não é vista como

absoluto, mas algo que vai atuar como sendo uma autoridade crítica. Além da razão pura,

Kant também aborda a razão empírica – ou os julgamentos envolvidos com a experiência – e

os julgamentos metafísicos, que são aqueles que dizem respeito à parte crítica, ou negativa, da

crítica da razão pura. Por fim, Kant avalia os julgamentos da filosofia prática, que são aqueles

julgamentos que estabelecem ligação entre todas as formas de razão.

Na interconexão entre esses reinos, que Kant ora aproxima, ora contrasta, percebe-se

uma distinção, que pressupõe um elemento de identidade, a qual possibilita a esses reinos se

colocarem uns contra os outros. Esse elemento é a razão, ou o cânone de proposições

codificadas na lógica tradicional, baseada nos princípios de identidade e da contradição – as

quais pressupõem que, entre dois julgamentos contraditórios, apenas um é verdade no espírito

da lógica aristotélica.

As distinções entre as diversas formas de razão são derivadas da aplicação de uma

mesma razão a objetos diferentes: à matéria sensível, às intuições puras, à experiência

sensível e à lógica formal. Uma característica sua importante está no fato de que ela pode

refletir sobre a sua possível relação com outros objetos – ela pode fazer uma declaração com

autoridade sobre a sua própria relação com os objetos.

Apesar do pressuposto kantiano de que a razão pura não pode ser concebida de outra

forma do que fazendo parte de um sistema – o que exclui o que não é idêntico ao sistema –,

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Kant também tinha a consciência de um “bloqueio”8: a consciência de que a unidade que recai

no conceito da razão, por estar em um sistema, não pode resumir aí toda a história, em função

do conceito da natureza de “dado” das condições transcendentais.

Para Kant, como para o positivismo, conhecimento especulativo é sinônimo de

metafísica. Daí que, já na introdução à CRP, Kant levanta o questionamento sobre a

possibilidade da metafísica.

Na forma como foi conduzido, esse questionamento pode ser desdobrado em dois:

como é possível a metafísica como disposição natural?; e como é possível a metafísica como

ciência? O que leva a uma terceira pergunta: qual é a motivação para esses questionamentos?

A motivação pode ser identificada no fato de a razão se ver compelida a fazer

algumas perguntas que ela mesma não é capaz de responder. A metafísica, dessa forma, não

seria mais do que a razão abordando-se de modo absoluto – a razão, que vê no seu uso a

garantia da verdade, independentemente dos materiais sobre os quais ela trabalha.

O termo metafísica é utilizado por Kant em sua obra com três sentidos:

a) Em primeiro lugar, ela é entendida como filosofia, em contraste com as questões mais

restritas afeitas às ciências particulares;

b) em segundo lugar – e esse é o sentido mais específico utilizado pela CRP – metafísica

é algo que se relaciona com a experiência de modo negativo, como a soma de todo o

conhecimento que está além da experiência: é o transcendente ou aquilo que

transcende os limites do que pode ser fornecido pela experiência;

c) o termo também pode ser usado como um ponto focal a partir do qual se pode ter uma

compreensão da CRP – algo como o tempo, para a filosofia de Heidegger.

Para entender como Kant busca responder às duas perguntas anteriores, Adorno

começa por sua visão das partes nas quais Kant teria dividido a CRP: uma primeira, que

chamou de positiva, envolvendo a estética transcendental, a analítica transcendental, e o

sistema de todos os princípios; uma segunda, que na sua visão seria o lado negativo,

envolvendo a dialética transcendental e o Apêndice sobre a anfibolia dos conceitos de

reflexão. É nessa segunda parte que ele lida com as contradições nas quais a razão se vê

envolvida, quando conduzida por seu curso livre, sendo dedicada à metafísica, uma vez que

Kant iguala os problemas metafísicos às contradições com as quais a razão deve lidar e que

8 A noção de bloqueio para a teoria crítica será abordada mais à frente, ao se discutir as contribuições de Pollock

e de Horkheimer para a estruturação de seus fundamentos.

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podem ser resolvidas pela razão. Entre as duas está a base para distinção de todos os objetos

em geral em Fenoumena e Noumena, que é a transição que Kant faz para a dialética.

A razão produz proposições sobre o mundo a partir de julgamentos sintéticos a priori9,

tirando-os de formas puras sem medi-los contra algo que não seja a razão humana. Isso

significa dizer que as ideias metafísicas, cuja validade absoluta Kant está desafiando, não

passariam de hipostasia10

humana, em função de serem os homens racionais. No

esclarecimento11

, o pensamento crítico pretende eliminar a ilusão de que a razão possa

produzir o absoluto a partir de si própria – ou, dito de outra forma, de que o homem, como ser

cognitivo, é o absoluto.

Por estar condenada a seguir suas próprias leis, independentemente de ser levada a

essas contradições, a razão era vista, até Kant, como algo um tanto negativo. Foram os seus

sucessores, a partir de Hegel, que transformaram o que Kant chamou de dialética, com

conotações negativas, em algo positivo, justamente por causa de sua inevitabilidade. A

dialética passou a ser considerada, a partir de Hegel, como o método para descobrir a verdade

e, simultaneamente, como a verdade se revelando.

Mas, voltando às perguntas norteadoras para a CRP: na primeira pergunta, sobre

“como é possível a metafísica como disposição natural?”, que se refere à condição de

necessidade que leva a razão à metafísica, por disposição natural Kant quer dizer que a razão,

seguindo seu próprio caminho, vai sempre em frente, transcendendo suas condições finitas –

daí a necessidade de se postular uma fronteira como causa última, um ser absoluto no qual

tudo está ancorado. Na outra questão, a de “como a metafísica é possível como ciência?”, a

qual se refere à validade das proposições metafísicas, os critérios propostos por Kant são,

como na ciência, os de testabilidade e o de ausência de contradições. Utilizando esses

critérios, Kant admite que sua filosofia está na linha divisória entre a ciência e a filosofia.

9 Julgamento é uma união entre sujeito e predicado, realizado por uma cópula. Um objeto que corresponde a um

sujeito deve ter algum predicado que é diferente do sujeito. Esses predicados podem ser sintéticos ou analíticos.

O conceito, no predicado, pode ou não agregar algo ao conceito do sujeito ou estar contido no conceito do

sujeito. Se o conceito agregar algo novo – ou um julgamento ampliativo –, aí se têm julgamentos sintéticos. Se

não, e o predicado é apenas uma repetição implícita no conceito do sujeito, têm-se julgamentos analíticos – que

apenas explicitam o que já está contido no sujeito. Geralmente, julgamentos analíticos são tautologias. Todos os

julgamentos analíticos são a priori; e pelo fato de não serem propriamente julgamentos, mas tautologias, não

podem ser refutados. Já os julgamentos sintéticos podem ser tanto a priori como a posteriori. Julgar se um juízo

é sintético ou analítico pode ser problemático: por exemplo, o conceito de que um corpo é pesado pode ser

sintético no campo da matemática, mas analítico no campo da química (ADORNO, 2001a). 10

Hipóstase: nas visões moderna e contemporânea, é um equívoco cognitivo, que se caracteriza pela atribuição

de existência concreta e objetiva (existência substancial) a uma realidade fictícia, abstrata ou meramente restrita

à incorporalidade do pensamento humano (HOUAISS; VILLAR, 2001). 11

O termo Aufklärung, que pode ser traduzido como “Iluminismo”, é traduzido aqui, como nas demais partes

desta tese, como “esclarecimento” em função do sentido que Adorno pretende marcar com a utilização do termo

– como está exposto na tradução da Dialética do Esclarecimento (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

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Para Kant, a metafísica não passa de um resíduo12

, aquilo que foi deixado pelas

disciplinas científicas, entre conhecimentos, declarações, teses e proposições, as quais não

puderam ser dissolvidas no conhecimento científico. E esse resíduo é julgado de acordo com

critérios retirados das ciências – aqueles de testabilidade e de ausência de contradições –, uma

vez que esses critérios conferem à ciência validade incontestável.

Para Kant, as mesmas condições subjetivas que tornaram as ciências naturais possíveis

são as que tornam possível a metafísica – bem dentro do espírito do esclarecimento. Para

tanto, para ser considerada uma ciência, a metafísica deveria ter suas proposições

apresentadas como julgamentos sintéticos a priori. Se não for assim, essas proposições

simplesmente não poderiam existir.

Na parte negativa da CRP, Kant demonstra que proposições trancendentes13

levam a

contradições. Para os sucessores de Kant essas contradições, que aparecem no conflito entre a

experiência e o absoluto, são, na verdade, o meio no qual aquilo que entendemos como

conhecimento é constituído. Daí que as contradições em Hegel não são vistas como algo de

fora, mas sim algo que está absorvido nas coisas, as quais descobrem seu próprio movimento

nas contradições contidas na própria situação que propicia a sua existência.

Pode-se argumentar aqui que o transcendental é o que torna possível a multiplicidade

dos indivíduos empíricos individuais. Este é o ponto no qual se diz que a dialética está

fundada na filosofia de Kant: como justificar falar em universalidade se o ponto de partida for

o individual? E, por outro lado, se o ponto de partida for a multiplicidade e não as conexões

entre o imediatamente dado entre as consciências individuais, não se estaria pressupondo o

12

“In Kant metaphysics is actually no more than a residue” (ADORNO, 2001a, p. 40). 13

Transcendente: significa ir além. Em Kant, o termo possui três significados, utilizados em momentos

diferentes: (i) a medida da proposição não está em seus termos, mas no que é visto de fora dele (p.ex., em uma

crítica transcendente um conservador critica um autor sob o ponto de vista de sua visão conservadora. Essa é

uma transcendência lógica); (ii) um conceito epistemológico – o ser, que é diferente da consciência, que está

além da consciência. É a diferença entre a coisa-em-si e a consciência, através da qual essa coisa pode ser

conhecida; (iii) a metafísica mesma: o que se encontra quando se vai além das possibilidades de experiência,

fazendo julgamentos sobre temas absolutos (liberdade, imortalidade, a essência do ser, etc.).

Transcendental, para Kant, será todo questionamento relacionado a julgamentos sintéticos a priori – ou, toda

investigação de conceitos básicos, ou, as formas básicas de tipo conceitual ou intuitivo, que permitem à razão

realizar julgamentos sintéticos à priori – que são aqueles julgamentos que independem da experiência.

Assim, o uso Kantiano de transcendental se relaciona com aquele terceiro significado de transcendente (em

oposição à experiência, o que independe dela). Mas transcendental diz respeito ao que é anterior à experiência (o

que a torna possível, como atributo da razão), contrastando com dogmatismo metafísico (transcendência da

experiência, algo que vai além da própria mente). O transcendental transcende a experiência, mas não possui

nenhuma verdade absoluta – sua verdade se relaciona com a experiência possível. Não é um conceito que se

opõe, ou que está além dos seres humanos, mas que é um atributo da consciência humana. Essa é uma esfera que

não é nem a da lógica formal (que se ocupa do conhecimento possível dos objetos) nem a dos conteúdos do

conhecimento (não pressupõe esses conteúdos, mas a possibilidade de tê-los), ficando então no campo

intermediário entre a psicologia e a lógica – o do conhecimento a priori. Esse é um tipo de conhecimento válido

independentemente da experiência, e que se mantém válido para experiências futuras (ADORNO, 2001a).

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que se quer provar, ou seja, um mundo subjetivo. Em outros termos, não se estaria

pressupondo o que deve ser constituído – a sociedade e a realidade empírica?

Adorno (2001a) capta uma contradição também no pensamento de Kant: o seu ponto

de partida é o dado; mas Kant admite que o que é imediatamente dado é originado em um

mundo externo que me afeta. A razão disso é que o que Kant realiza é uma análise formal;

mas se a análise não fosse mais do que forma – ou se todo o conhecimento estivesse submerso

no objeto –, não haveria mais do que uma gigante tautologia.

Kant prefere aceitar a contradição de que, se de um lado nada sabemos da coisa em si

– pois as coisas são constituições nossas –, de outro nossos afetos nascem da coisa ela mesma

– o que introduz a noção do não idêntico ou do elemento no objeto que é mais do que

simplesmente mente ou razão.

É nessa contradição que está toda a questão da dialética, na ponderação de que a

relação entre identidade e não identidade representa os dois lados do esclarecimento: de um

lado, o esclarecimento quer eliminar o dogmatismo epistemológico, que assume que algo

existente pode não passar pelo escrutínio da razão; mas, de outro, estão os limites impostos ao

que é feito pelos seres humanos, ou seja, que os produtos humanos não devem se confundir

com a realidade objetiva, mas devem ser cônscios de si como algo interno aos seres humanos

– e por isso mesmo, limitados. É no momento em que a razão se restringe e faz dessa restrição

o sujeito de sua preocupação que ela adquire o potencial de se voltar contra si mesma,

começando a considerar a razão sob uma ótica negativa.

A delimitação desses campos, estabelecida por Kant, apresenta alguns problemas para

Adorno (2001a): como a razão pode se criticar? Essa crítica não envolveria, em si, um

preconceito? Quando julga a possibilidade de falar sobre o absoluto, ela já não está fazendo

isso?

Para responder a essas perguntas, é necessário localizar o pensamento de Kant na

história da filosofia ocidental. O seu pensamento se encontra no mainstream da filosofia

ocidental, desde Platão, tirando deste alguns dos seus pressupostos – como o de que as ideias,

mesmo as relacionadas a questões humanas, devem conter o mesmo conteúdo de verdade que

possuem as proposições da Geometria. O modelo kantiano é similar, sendo o seu método o

que a epistemologia moderna chamaria de método redutivo: se deixarmos de lado o que é

sensorial, efêmero e transitório, pressupõe-se que o que resta é indispensável e absolutamente

seguro. Nesse sentido, os julgamentos sintéticos a priori são aqueles que restam quando se

extrai do conhecimento tudo o que não veio da experiência – são, portanto, os julgamentos

que não desaparecem ou não mudam com a experiência. A questão aqui, posta pelos pós-

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kantianos, em especial Hegel e Nietzsche, é se a verdade assim produzida não estaria

relacionada ao método de produzi-la.

Outro conceito importante para Kant é o de verdade absoluta – aquela que se mantém

inalterada com o tempo. Para Kant, julgamentos sintéticos a priori não são necessariamente

atemporais. Ele percebe que o tempo é condição necessária do conhecimento. Mas também

infere a passagem do tempo como um tipo de defeito, algo que o conhecimento que tem

autoridade deve evitar.

Essa ideia, que relaciona o pensamento de Kant à tradição filosófica – a de que nada

novo é produzido, mas sim é derivado de algo já existente – está para Adorno relacionada ao

pensamento burguês – que aqui deve ser entendido não de modo pejorativo, mas

fenomenológico, em termos de história do pensamento, e que se refere ao medo da diferença,

do que não foi isolado pela teia de nossos conceitos e que, portanto, nos assusta quando é

encontrado – e é o que relaciona a verdade ao que é permanente.

O pressuposto da inferioridade da experiência, para Kant, relaciona-se ao momento

histórico do pensamento, que postula a separação do trabalho mental e braçal. Daí o

pressuposto de que os julgamentos sintéticos a priori devem estar livres de qualquer tipo de

experiência. O problema desse pressuposto kantiano, para Adorno (2001a), é que esses

julgamentos sintéticos a priori estão cheios de elementos que são derivados da experiência e

dos quais nada se pode saber sem o recurso da experiência.

O que Kant tem de original em relação aos seus antecessores é a concepção de que os

julgamentos sintéticos a priori não são dados, mas sim objeto de reflexão, caso se queira dizer

algo acerca de sua validade. Nesse sentido, a crítica, para Kant, vai implicar que a verdade é

suposta tendo como base os critérios positivos de validade das ciências naturais. O passo

seguinte, dado por seus sucessores, implicou que a prática da crítica pode produzir ou gerar ou

criar o que a razão crítica pode expressar como verdade particular, finita e limitada. E essa

reflexão sobre o conhecimento para testar sua validade é algo que Kant divide com o

empirismo – principalmente o de Hume. A forma de verdade em Kant, que ultrapassa a mera

lógica, pode ser, então, referida à filosofia de Leibniz, temperada com o sal do ceticismo

inglês de Hume (ADORNO, 2001a).

O que não se encontra em Kant é o que Adorno (2001a) chama de ceticismo

metafísico – um ceticismo dirigido ao caráter absoluto dessas verdades. A verdade com a qual

Kant se preocupa tem como pressuposto uma validade para todos os tempos. Mas, para

Adorno (2001a), elas são apenas os princípios supremos que tornam a experiência possível, e

não verdades que estão separadas dessas experiências. Se a crítica da razão pura é, de um

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lado, para Adorno (2001a), a tentativa de salvar a ontologia em uma base subjetivista, ela é,

por outro lado, uma análise que não se estende ao campo da consciência concreta. Daí ela

pressupor um elemento de experiência – sugerindo, inclusive, que ela constitui a experiência.

Dizer que a novidade da crítica da razão pura está na reflexão da razão sobre si mesma

é localizar a “revolução copérnica” de Kant nessa reflexividade. A verdade mostra seu valor

se examinando e descobrindo em si elementos constitutivos a partir dos quais algo como um

conhecimento objetivo e universalmente valido, seja possível. E aqui não é apenas a virada

subjetivista que é crucial – essa já tinha acontecido nas filosofias empírica e cética, bem como

nos grandes racionalistas. O novo aqui é que a objetividade, ou a validade do conhecimento

como tal, é criada passando-se pela subjetividade, pela reflexão nos mecanismos de

conhecimento, suas possibilidades e seus limites. Aqui, o sujeito se torna, se não o criador,

pelo menos o garantidor da subjetividade. Essa é a tese definitiva da Crítica da razão pura.

Onde se localiza a distinção entre Kant e os idealistas? A resposta é que, enquanto

Kant situa a unidade da realidade existente na consciência, ele também se recusa a gerar algo

de fora da consciência. Ou: em Kant é fortemente desenvolvida a ideia de que a consciência

de um objeto não pode ser totalmente reduzida ao seu conceito – o objeto e o sujeito não

podem se colapsar um no outro.

Para Adorno (2001b), o idealismo não deve ser visto como um tipo de pensamento que

foi superado pelo materialismo, pois ele considera que:

O idealismo deve ser falso quando entendido como um sistema abstrato, um

esquema de conhecimento que se coloca de uma vez para sempre. Mas insisto que

ele é indubitavelmente verdadeiro como índice de um estado específico da

autoconsciência do espírito e ao mesmo tempo como um estado mediado na história

do pensamento, ou seja, um que não se opõe ingenuamente à realidade, um tipo de

pensamento sem precedentes (ADORNO, 2001b, p. 136).

O conceito de coisa para Kant é o da “lei (uma vez que as coisas estão

necessariamente conectadas umas às outras) das aparências possíveis”. Em Hume essas

regularidades são empíricas e a objetividade é contingente – ou é subjetiva, dependendo da

natureza mais ou menos acidental da organização da psiqué. Mas, para Kant, essas leis são

tais que sem elas não seria possível conceber uma consciência unificada – ou experiência da

realidade – daí o conhecimento objetivamente válido da natureza e da realidade, que Kant

chama de realismo empírico.

Em termos de julgamento sintético a priori, estamos falando de idealismo, de algo que

surge exclusivamente na mente – ou cuja objetividade está enraizada na mente. Mas também é

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um realismo empírico, no sentido de que o entrelaçamento dessas condições transcendentais

com os dados da realidade leva à constituição do mundo que nos rodeia.

Isso leva ao próximo passo para compreender Kant: como localizar a sua filosofia

entre o realismo e o nominalismo? Significa buscar responder se, para Kant, conceitos são

arbitrariedades do pensamento ou se existe algo no conceito que corresponda a algo na coisa.

Dito de outra forma, o que se quer saber é se o conceito tem uma base na coisa mesma.

O ponto de partida de Kant é o nominalismo. Ele rejeita o realismo conceitual que

prevaleceu desde o fim da Idade Média. Em outros termos, para Kant os conceitos são apenas

produtos do pensamento. O conceito de síntese – reunir em uma unidade ideias dispersas –,

que está no fundamento da CRP, é o nominalismo levado à última abstração: para Kant, não

apenas os conceitos, mas tudo o que pode ser discutido com sentido é consequência da

atividade mental, da subjetividade.

Ideias são tão naturais para nós como o são as categorias. Mesmo as ideias que não

nascem da experiência, como as ideias de mundo, alma e imortalidade, que também são

categorias, mas com a diferença que esse tipo de categoria é transcendente – uma categoria

aplicada para além do reino da experiência. É aqui que Kant começa a estabelecer uma

ligação entre o realismo e o nominalismo.

Mas a radicalidade do nominalismo kantiano o deixa no limiar no qual suas

considerações acabam por levá-lo a um ponto onde elas se voltam contra si mesmas: Kant

será o primeiro a perceber que a relação do universal com o particular é dialética – apesar de

Adorno (2001a) observar que essa abordagem dialética se estabelece na CRP contra a vontade

do próprio Kant. O que ocorre é que, de um lado, Kant vê a objetividade conceitual do

mundo, a constituição da experiência, como uma questão de síntese e, portanto, de

subjetividade. Mas, de outro lado, essa síntese subjetiva só pode se dar com base em um tipo

particular de conceito.

A síntese em Kant não tem o mesmo sentido que em Hegel (de solução da

contradição), mas o de reunião de muitas coisas em uma unidade, a qual pode ser entendida

como a consciência do self. Essa é uma premissa metafísica em Kant que ele herda da tradição

filosófica e que, em sua filosofia, concorre com o Iluminismo (ou, com o esclarecimento).

Essa unidade não é algo que seja produzido na consciência, mas que aflora da consciência.

No seu conceito de síntese, conceitos que existiriam em si mesmos são reduzidos ao

pensamento que os produz – o que introduz a ideia de que o conhecimento é mediado. A

síntese é o que sobrevive na esfera da consciência imanente: ela é o não tautológico,

representando a ideia de que o conhecimento deve conhecer mais do que a si mesmo. Mas

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como para Kant nosso mundo é um mundo autoconstruído – o mundo das trocas, das

mercadorias, das relações reificadas, que se apresenta para nós com uma fachada de

objetividade – permanece em Kant certa tautologia do conhecimento: como sujeitos que

conhecem, no fim o que conhecemos é apenas a nós mesmos. Fica claro que Kant estava

consciente do problema do conhecimento como tautologia – se tudo o que é sabido não passa

de uma razão que conhece, o que se tem não é um conhecimento real, mas um reflexo da

razão.

Kant apresenta um processo tortuoso no qual três esferas fundamentais tomam

emprestado, umas das outras, para poder sobreviver e para garantir que os dois reinos

antagônicos – os da lógica e da intuição – possam se manter juntos. O primeiro elemento do

processo é o da síntese, que retira da lógica a ideia de unidade e de coerência que foram

derivadas da ideia de não contradição. A síntese aqui significa que as ideias foram reunidas de

modo a não se contradizer umas às outras, satisfazendo o requerimento de composibilidade e

de compatibilidade mútuas. O segundo elemento, tomado da Psicologia, envolve a atividade e

a temporalidade, que se relacionam com a possibilidade de realização. É a partir desse

empréstimo que se podem estabelecer relações entre as esferas da lógica e da intuição, pois, se

não houvesse essa afinidade entre os dois, não haveria como conceber o modo como as

intuições podem ser subssumidas pelos conceitos. O último empréstimo veio da metafísica: a

demanda de validade absoluta (ADORNO, 2001a).

Categorias lógicas ou formas de intuição não possuem existência real – são apenas

conceitos de reflexão que se seguem às reflexões que somos obrigados a realizar referentes ao

transcendental. Mas não se poderá encontrar alguma forma de existência que corresponda a

essas categorias ou formas de intuição. A isso, associado a descobrir o coração da

transcendência, segue-se que o “espírito”, o “eu penso”, que é o termo final da CRP, se torna

uma entidade, um absoluto – se realmente for a precondição de tudo o que existe.

Foram seus sucessores, Fichte e Hegel, que hipostasiaram o conceito de espírito. A

CRP se transformou em uma metafísica que, voltada para o sujeito, pretende salvar a

transcendência, colocando sua existência no coração da subjetividade (ADORNO, 2001b).

A distinção que Kant faz entre a aparência e a coisa em si lembra que o conhecimento

subjetivo não é todo o conhecimento – ainda que a noção de coisa em si nada acrescente ao

que eu posso conhecer do objeto. Para Kant, o dado imediato, aquilo que aparentemente é

recebido de fora, não contém apenas a forma da intuição, mas também pensamento – a

síntese: a união de elementos dispares em uma intuição definida.

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Para Adorno (2001a), ocorre na filosofia de Kant o mesmo que com as ciências

naturais as quais, para conseguir um real domínio do mundo, tiveram que renunciar à tentativa

de ganhar um conhecimento à parte do que é acessível à organização e conformação humanas.

No caso das ciências naturais, o seu desenvolvimento possibilitou acentuada expansão do

conhecimento a partir de experimentação, classificação e intervenção subjetiva, utilizando

como único critério o fato de que ela funciona – ou seja, renunciando a qualquer tentativa de

se pronunciar sobre o que realmente são as coisas da natureza. Para isso, elas combinam uma

atitude de derrota em relação à meta de investigação com uma atitude de triunfo em relação

ao que podem descobrir.

A alergia que Kant demonstrava frente ao empírico – ou ao que não era pura essência

– ressurgiu na atualidade com o desenvolvimento das ciências positivas. O que Kant tem em

comum com o positivismo é a insistência na natureza finita do conhecimento e a rejeição da

metafísica como uma extravagância. Mas a atmosfera envolvida em seu jeito de pensar é

antipositivista: para Kant, o conhecimento é ilusório, pois quanto mais perto ele chega de seu

objeto, mais ele o conforma à sua própria imagem, distanciando-se dele. Essa é uma ideia

alheia ao positivismo – como também o é a ideia de que possa haver um bloqueio do

conhecimento: atendo-se aos fatos positivos, às realidades dadas, o positivismo espera

alcançar todo o conhecimento possível.

A ciência ainda é o modelo para Kant. Mas agora que ela está sob a égide do bloqueio

– o fato de que o conhecimento nos fornece o fenômeno, não o noumeno. Mas Kant não

mantém a consistência lógica dos positivistas, que aderem ao que é dado, suas formas e

interconexões. Ele procura transcender a limitação imposta pelo fenômeno – apesar de que

não se pode dizer que Kant transcende o esclarecimento. Para Adorno (2001a), em Kant a

ambiguidade do pensamento esclarecido chega ao ápice, atingindo uma situação antinômica:

de um lado, o pensamento esclarecido aspira a uma utopia – o de tornar a razão real; de outro,

ele volta seu olhar crítico ao conceito de razão, restringindo sua validade, retirando do

estabelecimento da utopia o absoluto.

É a isso que Adorno (2001a) chama de “bloqueio kantiano” ou de “espaço

intransponível entre reinos diferentes” e que pode ser apresentado da seguinte forma: a

sociedade universalmente mediada, determinada pela troca e marcada por uma alienação

radical, nos nega o acesso à realidade. As duas esferas do conhecimento – o entendimento (o

conhecimento válido relacionado à experiência) e a razão (o conhecimento de ideias) –

indicam direções diferentes e não podem ser reconciliados, mesmo se reconhecermos que o

logos humano é o mesmo para os dois casos.

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Apesar da proibição que Kant estabelece no início da CRP – a de que não se deve

tentar derivar proposições de ligação do pensamento puro, exceto se elas estiverem ligadas à

experiência –, o que ele faz é justamente o que ele proíbe: ele constrói algo a partir do

pensamento puro, estipulando algo que não é fornecido pela experiência, pelo mundo

fenomênico, uma vez que não há fenômeno que possa sustentar o uso de categorias ou a

unidade da consciência ou as puras intuições de espaço e tempo como ele requer de todo ato

cognitivo que aspira a ser algo mais que formal. O caminho escolhido por Kant é aquele

construído por conceitos puros: ele busca, pelo pensamento puro, o que deve ser pensado se a

experiência é possível – só que esse tipo de dedução é proibida por ele.

Para Adorno (2001a), são aporéticos os conceitos que chegam a um ponto em que

nenhum conteúdo ou intuição pode ser descoberto como correspondente a um pensamento e,

por essa razão, o pensamento deve progredir além de seu conteúdo possível de modo a

alcançar um significado coerente e internamente consistente – como os números imaginários

da Matemática, que não existem no mundo natural, mas que foram criados para atender a uma

necessidade lógica. É um movimento que pode ser chamado de especulativo, o movimento

especulativo do conceito, pela filosofia que sucedeu Kant.

Na CRP, Kant chega a uma aporia que contém uma confissão de falha das intenções:

não é possível reconciliar diferentes postulados que avançaram simultaneamente – o de

preenchimento pela intuição, de modo que se possa pronunciar proposições que tenham

sentido e, de outro lado, o postulado de pura aprioridade, de modo a que não escoe para o

reino da mera experiência. Para Adorno (2001a), isso salienta o que há de profundo em Kant:

de um lado, do ponto de vista do positivismo, equivalentes ou correlatos objetivos não podem

ser encontrados para o que ele chama de transcendental. Mas de outro lado, a construção do

edifício de sua teoria é governado pela força coercitiva à qual o pensamento não pode resistir.

Ou seja, é uma filosofia que colide com os dados objetivos, mas que é inteiramente coerente,

dentro dos seus próprios termos.

Mas Kant tinha que enfrentar a questão de como o conhecimento pode se adaptar ao

que ele conhece, pois se o conhecimento quer ter autoridade, ele deve estar adaptado ao seu

material. O conceito deve conter algo representado no objeto; deve, de alguma forma, ser

influenciado pelo material a ser percebido. Não é o conceito que deve conformar o objeto ou

lidar arbitrariamente com ele, mas ele deve se constituir de modo a corresponder ao objeto. Só

que o conceito é fruto de um processo de classificação arbitrária no qual se isola um aspecto

entre muitos e baseia a definição nessa característica, que supõe fixar o conceito.

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A crença de que o objeto deve coincidir com o sujeito, de que o objeto seja o sujeito, é

ela mesma falsa, conforme Adorno (2001a). E o preço a ser pago é que todo conceito assim

criado é inadequado e vai acabar por demandar outro conceito para esclarecê-lo. Nesse

sentido, a epistemologia vai parecer com o indivíduo que, para tapar um buraco, tem que

cavar outro.

Se os conceitos do entendimento são livres de qualidades intuídas e se as intuições

estão livres de conceitos, pode-se questionar como intuições e conceitos podem vir juntos – o

que significa questionar como se conceber a situação na qual o conhecimento se conforma ao

objeto, via conceito do que é dado. É nesse ponto que Kant busca resolver o problema de

como o não idêntico, ou o elemento não subjetivo dentro da subjetividade pode se fazer sentir:

na teoria kantiana da cognição, o mundo, em sua objetividade, é produto da minha

subjetividade. Seres humanos são sujeitos em seu mundo – e não apenas objetos.

Adorno (2001a) também chama a atenção para a alienação implícita na noção de que

existe algo lá que eu não conheço, sendo esse um aspecto inseparável da reificação – ainda

que em nível mais baixo do que a reificação presente no realismo ingênuo, uma vez que esse

tipo de idealismo de Kant vê o mundo mais como um processo do que como algo fixo.

A reificação é uma função da subjetivação – quanto mais subjetivação existe, maior a

reificação –, pois graças ao processo de subjetivação os polos de conhecimento são separados

de modo mais intenso: quanto mais é inserido no sujeito, mais o sujeito constitui o

conhecimento como tal, os fatores determinantes são retirados do objeto e mais os dois reinos

vão divergir: a subjetivação (dissolução do mundo na atividade do sujeito) e reificação

(objetivação do mundo como algo contrastado com o sujeito) (ADORNO, 2001a). O

crescimento da subjetivação e da reificação expressa a antinomia da sociedade burguesa,

graças à qual a racionalidade do mundo só avança: os seres humanos criam o mundo à sua

imagem e o mundo se torna cada vez mais a imagem deles.

Kant, em toda a sua obra, opõe a consciência individual à consciência social, na

mesma proporção que o acidental e o particular se opõem à necessidade e suas leis – o

universal que opera por meio de regras. E ele chega a esse sujeito abstraindo-se da

multiplicidade de todos os sujeitos. Como uma consciência única não pode ter mais do que

está nela, nada se pode afirmar sobre sua universalidade. Daí ter-se que partir de uma

multiplicidade de consciências.

Universalidade, para Kant, são todos os elementos individuais, tomados como

unidades conceituais, que contém as características do conceito e que podem ser incluídas no

conceito. Os universais, assim, são abstrações que têm a intenção de construir a unidade da

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consciência, mas que só tem sentido se não contiver a totalidade da coisa que ela abstrai –

senão, ela seria apenas uma repetição da coisa particular. Sua validade tem que se relacionar

com a coisa da qual ela abstraiu, o que implica que só onde existe uma consciência empírica

pode-se falar de uma consciência transcendental. Kant trata disso na CRP no capítulo em que

aborda as anfibolias – a confusão entre uma abstração e a coisa da qual ela foi abstraída.

Um ponto que Adorno (2001a) questiona em Kant é a existência de um primeiro

princípio absoluto. Não haveria um constituens14

separado de um constitutum15

, mas esses

dois elementos se produzem um ao outro de uma forma que pode ser determinada, mas que

não pode reduzir um no outro. Dito de outro modo, não há mundo sem um sujeito

transcendental, um “eu penso” que acompanha minhas representações – o sujeito empírico

também é parte desse mundo, portanto, também constitutum, e não automaticamente

constituens.

Considerando a insolubilidade dessa contradição como provada, a única inferência que

se pode tirar é a de que se deve renunciar à tentação de reduzir cada um dos polos no outro.

Isso quer dizer que se deve abandonar o princípio de um primeiro princípio absoluto, ao qual

todo conhecimento possa ser reduzido – o que implica a impossibilidade de uma ontologia.

O que o idealismo pós-kantiano faz é trazer à consciência o que Kant já tinha feito:

acabar com a diferença entre a lógica transcendental e a lógica dialética ou com a diferença

entre reflexão e especulação. Adorno (2001a) confere importância a isso por considerar que

toda teoria do conhecimento se vê envolvida nesses conceitos aporéticos e em movimentos

dialéticos desse tipo. Pois toda teoria do conhecimento deve resolver problemas como o de

identidade e não identidade, sujeito e objeto, mudando toda a ênfase para o sujeito e

derivando todo o conhecimento apenas da análise do sujeito.

Uma filosofia como a de Kant enfrenta o paradoxo de que, quanto mais insiste em ser

crítica, mais ela fomenta o pensamento acrítico. Isso é o oposto do que fez Hegel, que

proclamou que o mundo é racional, mas que, para isso, teve que utilizar o conceito de

dialética – a natureza mediata do existente – o que deu a Hegel um elemento mais radical de

crítica do que em Kant. Hegel pode ser considerado como uma variação do projeto kantiano

de que “caminho crítico que sozinho está aberto” para a proposição de que “o caminho

dialético sozinho é que está aberto” (ADORNO, 2001a).

A distinção entre sujeito e objeto é histórica e, portanto, passível de ser determinada

historicamente em suas várias fases. É na fenomenologia do espírito que Hegel aborda a ideia

14

O constituinte, o que constitui. 15

O constituído.

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de que o problema sujeito-objeto deve ser tratado de modo a não permitir que esses dois

elementos se oponham do modo estático e inflexível – e o elemento de mediação recíproca é

aqui historicamente estabelecido. Hegel equaciona historicamente essa relação: a história é

interpretada por ele como a determinação do sujeito e objeto, de modo diverso do momento

anterior, que os considerava entidades constantes e imutáveis. Esse movimento só foi possível

para Hegel porque esses dois elementos fluíram para um terceiro, que ele chamou de absoluto

– a partir do que eles puderam ser reconciliados na identidade.

Como foi visto anteriormente, uma diferença marcante entre Hegel e Kant é que, para

Hegel, as contradições não são vistas como algo de fora, mas sim algo que está absorvido nas

coisas, as quais descobrem seu próprio movimento nas contradições contidas na própria

situação que propicia a sua existência.

Para se compreender o impacto que essa concepção vai determinar para o pensamento

de Adorno, abordam-se os aspectos mais significativos da filosofia de Hegel.

2.1.3.2 A influência do pensamento de Hegel

Para comparar a relação do pensamento de Adorno com o de Hegel, de modo especial

os aspectos nos quais Hegel se contrapõe a Kant, deve-se consultar as críticas realizadas por

Hegel à filosofia de Kant, a maioria das quais pode ser encontrada na introdução da

Fenomenologia do espírito (1999), Essa obra, de acordo com Held (1980), foi crucial para o

desenvolvimento de muitas das ideias de Adorno – tanto em concordância como em oposição.

É nessa obra que Hegel aborda a ideia de que o problema sujeito-objeto deve ser tratado de

modo a não permitir que esses dois elementos se oponham de modo estático e inflexível, mas

que sejam reciprocamente mediados.

Mas também é nessa obra que Hegel desenvolve algumas das ideias contra as quais

Adorno se posiciona – de modo especial, a de que a realidade não pode ser apreendida apenas

a partir de um ponto de vista e a de que é inaceitável que o pensamento, sendo um tipo de

práxis historicamente condicionada, pode apreender todo o movimento da história universal

(HELD, 1980).

Considerando a extensão e a profundidade da obra de Hegel, deve-se considerar que

uma abordagem que esgote o tema foge completamente dos objetivos deste estudo. Assim,

para ganhar em objetividade, serão citados apenas alguns dos aspectos da filosofia de Hegel

que podem ser considerados como os mais relevantes para a compreensão do pensamento de

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Adorno – a partir, de modo especial, de Held (1980) e Nobre (1998), mas recorrendo-se,

sempre que possível, ao próprio texto de Hegel. São eles:

a) Hegel rejeita o pressuposto de que se dispõe dos conceitos dados e que é equivocado

pressupor que o significado dos conceitos seja universalmente conhecido. Pelo

contrário, os conceitos devem ser produzidos;

b) Kant, na Crítica da razão pura (1983), afirma a separação absoluta entre o

“fenômeno” e a “coisa em si”. Não se fazendo essa distinção, podem-se tomar as

coisas no sentido único de “coisas em geral”. Para Hegel, se essa separação fosse

absoluta, o conhecimento de que o conhecimento é limitado não seria possível. Daí

colocar-se em discussão a coincidência entre a identidade da coisa em si e a identidade

da razão;

c) a razão, para Hegel, na forma como foi apresentada por Kant, teria um uso que é

próprio de uma filosofia que permanece no nível do entendimento. Para Adorno, esse é

o mesmo erro que vai ser cometido pelo positivismo, com o qual a filosofia de Kant

tem algo em comum;

d) para Kant, a objetividade do objeto era imanente – não em relação à consciência

comum, mas em relação à consciência transcendental. Para Hegel, essa diferenciação

não existe, pois toda consciência transcendental é consciência comum que se

ultrapassa;

e) para Hegel, a experiência da autoconsciência não é uma experiência originária, como

também não o são a separação entre sujeito e objeto, do idêntico e do diferente, da

ideia e do real. E o saber é a relação que a consciência estabelece com algo que ela

distinguiu de si própria – e que, por isso mesmo, permanece presa à própria distinção.

Nessa linha, a consciência é, para si mesma, o seu conceito;

f) pela mesma razão, nós não dispomos de conceitos como os de objetivo, subjetivo,

verdade, etc., mas os produzimos. Também é a consciência que distingue o momento

do saber do momento da verdade, as quais, por serem constituintes da mesma

natureza, não são totalmente excludentes – a investigação será uma comparação da

consciência consigo mesma;

g) como a filosofia crítica de Hegel tem na experiência o único terreno possível para o

conhecimento, a totalidade da experiência recai na subjetividade (HEGEL, 1999).

Objetivo seria o que independe do sujeito, que continua sendo apenas o pensamento,

separado por um abismo intransponível da coisa em si. O que se encontra não é a

objetividade, mas a objetividade na forma de subjetividade. De acordo com Nobre

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(1998), o que Hegel afirma é que “o projeto kantiano do pensamento que investiga a si

mesmo só pode ser levado a cabo se essa investigação for pensada como autolimitação

e não como reconhecimento de um limite que lhe é imposto exteriormente” (NOBRE,

1999, p. 123-124);

h) para Hegel (1995), uma definição será correta se concorda com o que está em nossa

consciência do objeto da definição. O conceito não é determinado em si ou para si,

mas é uma pressuposição, que é critério, padrão e medida de correção.

Nesse sentido, no adendo ao §172 da Enciclopédia das ciências filosóficas, vê-se que:

Exatidão e verdade são muitas vezes consideradas sinônimos na vida corrente; e por

isso se fala com frequência da verdade de um conteúdo, quando se trata apenas da

simples exatidão. Essa, em geral, diz respeito somente à concordância formal de

nossa representação com seu conteúdo. [...] Ao contrário, a verdade consiste na

concordância do objeto consigo mesmo, isto é, com seu conceito (HEGEL, 1995, p.

307).

Para Hegel, é na dialética que o pensamento determina os seus limites e abstrai suas

carências. Sua compreensão de como se dão os momentos da dialética está sumarizada na

Enciclopédia (HEGEL, 1995), nos parágrafos 79 a 83.

Sumarizando o que está exposto, para Hegel a lógica, segundo a forma, tem três lados

– que não são três partes, mas três momentos de um todo (INWOOD, 1997):

a) O lado abstrato ou do entendimento. Aqui, o pensamento fica na “determinidade fixa e

na diferenciação dela em relação a outra determinidade”16

. A identidade é o princípio

desse lado (A é A e, portanto, A não é B). Aqui, o pensamento apreende cada objeto

como determinado e, logo, diferente de outro;

b) o lado dialético ou negativamente-racional: é o próprio suprassumir-se17

de tais

determinações finitas e seu ultrapassar para suas opostas (HEGEL, 1995, § 81). Aqui,

o pensamento apreende as contradições internas ao objeto do entendimento. Usando o

exemplo de Hegel do adendo ao § 81: “o homem é mortal e considera-se então morrer

como algo que tem sua razão de ser apenas nas circunstâncias exteriores; e, conforme

16

Determinidade: é o que qualifica a coisa em relação a ela mesma (A é A).

Determinação: é o que qualifica a coisa também em relação às outras coisas (A não é B) (BOURGEOIS, 2000).

O concreto, para Hegel, é a “síntese de múltiplas determinações” (HEGEL, 1995). 17

Suprassunção – do alemão Aufheben, em tradução aceita por um grande número de autores, ocorrida

inicialmente para o francês, e só depois para o português. É um neologismo que pretende traduzir uma noção

que, para Hegel, envolve simultaneamente suprimir-conservar e elevar – daí a dificuldade de se encontrar um

termo na tradução para o português (INWOOD, 1997). O sentido é de que, numa suprassunção, o conceito

anterior é superado, mas não descartado, porque ele continua a fazer parte do novo conceito, apenas num

patamar superior na sua compreensão.

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esse modo de considerar, são duas propriedades particulares do homem: ser vivo e

também ser mortal”. Trata-se da diferença da coisa em relação a si mesma;

c) o especulativo ou positivamente-racional. Apreende a unidade das determinações em

sua oposição. É o afirmativo que está contido em sua resolução e em sua passagem

para a outra coisa (HEGEL, 1995, § 82). Aqui, a identidade é retomada, pois a

diferença captada pelo dialético é afirmada. O momento dialético, relacionando o

entendimento ao especulativo, torna-se a mediação entre os dois. Retornando ao

exemplo, entre o ser e o não ser, o que se tem é o vir-a-ser.

Hegel diferencia “juízo negativo” do que é “negativamente-racional”: no juízo

negativo, não há uma negação total, pois o sujeito do juízo se relaciona ao predicado de forma

positiva. No exemplo de Hegel, quando se diz que a rosa não é vermelha, o que se nega é a

determinidade do predicado. Mas a esfera do universal (a cor) é conservada – a rosa não é

vermelha, mas é de outra cor. Na esfera do universal, o juízo é positivo (HEGEL apud

NOBRE, 1998). É uma negação inconsciente de sua positividade. Essa é uma observação que

terá importância posteriormente nesta pesquisa, quando se discutir as observações de Adorno

sobre algumas posições críticas, que não são dialéticas (ainda que, às vezes, se coloquem

como tal), mas que, em sua estrutura, podem ser consideradas positivistas.

Para Adorno (2009), o impulso original da dialética está na desigualdade entre o

conceito e o conceituado. Perder de vista essa noção é correr o risco de eliminar o que há de

crítico na dialética. Quando Hegel faz da negatividade um momento a ser suprimido, ele a

transforma em positividade – fazendo do positivo o absoluto. Para Adorno, o saber que

concorda com o objeto é aquele que se comporta negativamente em relação a ele (NOBRE,

1998).

De acordo com Adorno (2009):

A qualificação da verdade enquanto comportamento negativo do saber que penetra o

objeto – ou seja, que suprime a aparência de seu ser-assim imediato – soa como o

programa de uma dialética negativa enquanto o programa do saber “que corresponde

ao objeto”; o estabelecimento desse saber enquanto positividade, contudo, abjura

esse programa. [...] aplainar uma vez mais por meio da identidade a contradição,

expressão do não idêntico, significa o mesmo que ignorar o que essa contradição diz,

retornar ao pensamento puramente dedutivo (ADORNO, 2009, p. 139).

Um ponto do pensamento de Adorno que expressa uma discordância inegociável com

Hegel diz respeito ao sistema hegeliano – na verdade, a sistemas em geral. Para Adorno, por

trás da ideia de sistema está o desejo de controle do mundo. Essa é uma ideia que veio do

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Iluminismo (ou esclarecimento) e que foi tornada ainda mais aguda com o capitalismo. A

maioria dos sistemas se apresenta perseguindo o objetivo de abraçar o todo, não tolerando

deixar qualquer coisa de fora. Com isso, as várias dimensões qualitativas do objeto podem

desaparecer dentro do sistema – além do fato de que a busca da totalidade no sistema traz,

dentro de si, o germe dos sistemas totalitários (ADORNO, 2009; ADORNO;

HORKHEIMER, 1985).

O pensamento de Hegel está na base das formulações dos jovens hegelianos de

esquerda, entre os quais se encontra Karl Marx. No entanto, antes de prosseguir na tradição

crítica que vai desaguar no materialismo dialético de Marx, será necessário abordar dois

outros autores que também podem ser enquadrados na tradição crítica e que terão muita

importância para as pesquisas e formulações que serão desenvolvidas pelo ISF: Freud e

Nietzsche.

2.1.3.3 A influência da psicanálise de Sigmund Freud no pensamento de Adorno

Freud foi outro autor considerado muito influente para o pensamento de Adorno e

Horkheimer. Segundo Rouanet (1989), “a leitura frankfurteana de Freud é tão especial que a

psicanálise acaba se transformando num capítulo da teoria crítica” (ROUANET, 1989, p. 99).

Horkheimer foi um dos primeiros a reconhecer sua importância, tendo inclusive se

submetido a sessões de psicanálise entre 1928 e 1929 com um ex-aluno de Freud. Também

incentivou a criação do Instituto de Psicanálise de Frankfurt, que se tornou o primeiro a

funcionar em uma Universidade na Alemanha (DUARTE, 2004).

Adorno tinha pela psicanálise um interesse teórico, nunca tendo se submetido a

sessões. Desde muito cedo (época de seu trabalho de habilitação acadêmica), procurou

abordar a teoria psicanalítica sob o ponto de vista da filosofia alemã. Duarte (2004) comenta

também que em todos os seus trabalhos importantes da década de 1920 existem referências à

psicanálise.

De acordo com Rouanet (1989), para melhor entender as influências do marxismo e do

freudismo sobre o trabalho teórico do Institut für Sozialforschung, é preciso começar por

confrontá-lo com o movimento freudo-marxista das décadas de 1920 e 1930.

O objetivo desse movimento pode ser sumarizado num argumento de Emil Lorenz,

apresentado em 1919 na conferência “Zur Psychologie der Politik” (para uma psicologia da

política):

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A dominação e a exploração não precisam de nenhuma explicação psicológica.

Somente quando perguntamos quais os mecanismos psíquicos, independentes de

qualquer instância externa de poder, que levam a maioria oprimida a sujeitar-se à

sua situação, a comprazer-se nela, a esquecer a origem de sua escravidão, a ignorar

seu protagonismo histórico, a tornar-se patriótica – somente então precisamos da

psicologia (LORENZ apud ROUANET, 1989, p. 15).

Justificando a aproximação de Freud com Marx, Bernfeld (apud ROUANET, 1989)

definiu a psicanálise como “ciência da história psíquica do indivíduo e da humanidade”.

Fenichel (apud ROUANET, 1989) explicita melhor essa ideia, dizendo que a psicanálise, por

ser uma ciência empírica, não pode estar em contradição com o marxismo: é materialista como

o marxismo (pois seu substrato é a biologia), mas também é histórica (pois seu método é o

desvendamento biográfico do indivíduo) e é dialética (pois sua essência é o conflito – Ego

versus Id, libido do objeto versus libido narcisista, Eros versus Tânatos, etc.). Além disso, para

Fenichel, tanto a psicanálise como o materialismo histórico são ciências desmistificadoras, ou

seja, suspeitam da veracidade dos fenômenos ostensivos, procurando interpretá-los como

resultantes de forças que estão ocultas (ROUANET, 1989).

Dois autores importantes no início dos debates freudo-marxistas na década de 1920

foram Wilhelm Reich e Erik Fromm. A criação do Institut für Sozialforschung em 1929 – do

qual participaram – facilitou a circulação das ideias desses autores, estando a psicanálise

presente nos estudos do Instituto desde os seus primeiros momentos, ali representada pelos

trabalhos dois dois autores.

Deve-se notar que Horkheimer, tanto em sua aula inaugural como no prefácio e num

ensaio do primeiro número da revista publicada pela escola, o Zeitschrift für Sozialforschung

(Revista de pesquisa social), menciona a necessidade de um estudo metódico sobre os escritos

envolvendo a vida psíquica. O Zeitschrift für Sozialforschung empreende uma revisão dos

artigos de Freud, Jung e de outros psicólogos, tendo sido Erick Fromm o membro da equipe

designado para o trabalho de integração da obra de Freud com a “teoria crítica da sociedade”

(WIGGERSHAUS, 2006).

Fromm, que de início era membro apenas do Instituto Psicanalítico, não só trabalhava

em estreita associação com o Institut für Sozialforschung, como acabou por se filiar a ele. Foi

Fromm quem dirigiu a pesquisa do Instituto sobre padrões de autoridade na classe operária e

também foi ele o autor da parte psicológica de um estudo importante do ISF, publicado em

1936, já na fase do exílio em Paris: os “Estudos sobre autoridade e família” (Studien über

Autorität und Familie) (ROUANET, 1989).

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A pergunta que conduzia os trabalhos dos freudo-marxistas durante a grande depressão

dos anos 1930, época na qual ainda não se podia observar o que se poderia chamar de

assimilação dos operários ao sistema capitalista, era: “como é possível que a classe operária

pense e aja contra os seus próprios interesses?” A psicanálise foi, então, considerada um

instrumento adequado no auxílio para a explicação do que seria uma ação irracional da classe

operária: se uma realidade materialmente opressora impunha uma política revolucionária, a

ideologia, por outro lado, tentava neutralizar esses impulsos. A questão era: por que uma

vitória tão fácil da ideologia sobre a realidade? Essa resposta o marxismo clássico não podia

fornecer (ROUANET, 1989).

O uso da psicanálise para esses fins implicava, entretanto, dois riscos inaceitáveis para

Adorno e Horkheimer: sociologizar categorias psicanalíticas, como aconteceu no revisionismo

psicanalítico, motivo, inclusive, da ruptura de Adorno com Erick Fromm; e integrar a

psicanálise na Sociologia, como foi tentado por Talcott Parson (2010).

Ambas as tentativas foram interpretadas como uma busca totalitária de dissolver o

particular no universal. Da mesma forma, o uso terapêutico da psicanálise era visto com

preocupação, uma vez que o seu objetivo é fazer o indivíduo funcionar dentro da ordem

existente – num conceito de saúde que Adorno (parodiando Kierkegaard) chamava de

Gesundheit zum Tode (saúde mortal) (ROUANET, 1989).

Não obstante, são muitos os pontos em comum entre a psicanálise e a teoria crítica. A

partir de Rouanet (1989), pode-se dizer que, em conjunto, eles representam um mesmo estilo

de pensar, por possuírem em comum:

a) Um mesmo pressuposto epistemológico: a denúncia ao positivismo. Ao contrário do

positivismo, a psicanálise não concebe o seu objeto como um dado, mas como um

produto da História; a neurose é um todo estruturado, e não um conjunto de sintomas

isolados; e o processo patológico se situa na interface entre o individual e o cultural.

Os fatos como se apresentam são vistos como epifenômenos que remetem a outras

realidades, que devem ser interpretadas a partir de um método hermenêutico. E a

compreensão dessa estrutura implica a possibilidade de sua transformação. O método

psicanalista, como um todo, implica a negação de dois dos critérios de verdade

positivistas: o da conformidade de uma proposição com as leis da lógica e a sua

aferição pelo princípio da verificabilidade;

b) uma mesma metodologia de investigação do seu objeto – a crítica imanente. Para

Freud, um sonho ou um sintoma não devem ser analisados pelo que têm de irracional,

mas pelo que podem revelar em seu momento de verdade. Também a racionalização,

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processo no qual o indivíduo busca uma explicação lógica e coerente (ou moralmente

aceitável) para suas ações, sentimentos ou ideias, que têm seus verdadeiros motivos

não percebidos, pode ajudar a esclarecer semelhança metodológica entre a psicanálise

e a teoria crítica: a racionalização está para a psicanálise assim como a ideologia está

para a cultura. A racionalização e a ideologia são compostas de uma parte de verdade e

uma de mentira – dependendo se a veracidade da proposição é julgada à luz da

realidade ou de sua função psicodinâmica. Tanto a hermenêutica psicanalítica como a

crítica imanente são possíveis como método de acesso à verdade justamente a partir da

ilusão, como esta se apresenta na realidade;

c) um mesmo postulado filosófico: o princípio da não identidade. Em Freud, o princípio

da não identidade é mais evidente na tese da impossibilidade de reconciliação entre os

interesses do indivíduo e os da civilização (FREUD, 1987b). As tensões observadas

entre o que chamou de Tanatus e Eros (pulsões de amor e de morte) se colocam em

uma dialética muito mais próxima da Dialética negativa de Adorno do que daquela

estruturada nos moldes hegelianos, assumindo a posição de recusa a uma síntese.

Como a teoria crítica, a psicanálise, por assumir que seu objeto deve ser disperso,

renuncia à pretensão de um sistema fechado.

Ainda de acordo com Rouanet (1989):

O princípio da não identidade, comum às duas teorias, só pode ser compreendido sob

o pano de fundo da utopia de uma identidade tendencial. Utopia objetiva de um

mundo em que o desejo e a realização possam se encontrar e utopia sistemática de

uma ciência cujos conceitos sejam integralmente adequados a seus objetos e cujas

partes se integrem num saber unificado. E ao mesmo tempo, utopia só verdadeira na

medida em que permanece utópica: pois qualquer tentativa de concretizá-la seria

infiel à radicalidade de sua visão. Tal realização, no plano da práxis, redundaria

numa capitulação ao Iluminismo, que se apresenta como utopia realizada

(ROUANET, 1989, p. 115).

Essas três características levaram Rouanet (1989) a afirmar que, mais que instrumentos

de investigação, a psicanálise teria impregnado a teoria crítica (ainda que inconscientemente)

com as características de um modo de pensar que são centrais ao pensamento de Freud.

2.1.3.4 Algumas influências identificadas em Friedrich Nietzsche

Duarte (2004) considera Nietzsche uma influência mais problemática em Adorno, uma

vez que, no início do século XX, era considerado uma espécie de pensamento oficial da

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direita alemã (inclusive dos nazistas, que se apropriaram, de modo deturpado, de conceitos

nietzschinianos, como o de “übermensch” – homem superior). Em função dessa história,

Nietzsche foi considerado por algum tempo inapropriado para filósofos que tentavam

consolidar um pensamento de esquerda mais ligado às questões da sociedade de massas.

Apesar de um posicionamento negativo em relação a Nietzsche por parte de

Horkheimer e Adorno no início do ISF, esse posicionamento foi se modificando no transcurso

da década de 1930, sendo que nos últimos anos da década já se pode observar, por parte dos

dois, uma posição bem mais favorável em relação a esse autor (DUARTE, 2004). No entanto,

e da mesma forma que foi observado para outros autores, pode-se identificar em Adorno,

principalmente em sua obra da fase de maturidade, aproximações e afastamentos em relação

ao pensamento de Nietzsche.

Para Held (1980), Nietzsche pode ser considerado a fonte para muitos dos

desenvolvimentos posteriores de Adorno – em paralelo com a rejeição de muitas outras de

suas ideias. Entre as que podem ser referência para Adorno, citam-se:

a) O ceticismo de Nietzsche em relação a todos os valores e ideias tidos como certos e

legítimos;

b) o seu comprometimento com a revisão e transformação de valores e conceitos;

c) a rejeição de Nietzsche pelo idealismo, pelas noções de autossuficiência da mente, por

ideas que sugiram a inferioridade do “não eu” e pelo pensamento que só pode se

expressar em sistemas;

d) as considerações de Nietzsche de que o mundo está em estado de contínua mudança e

desenvolvimento, de que a realidade é processo, é um vir-a-ser, o qual é uma

invenção, uma autodenúncia, um superar-se. E que, para compreender um mundo

desses, o apropriado seria um método que fosse adequado a uma estrutura dinâmica;

e) a noção de que a realidade não pode ser explicada em referência a estados finais e

metas nem pode ser acessada a partir de um ponto de vista único – pode-se dizer que

seu método de fazer e responder perguntas se ligava ao fato de que ele não identificava

um critério definitivo ao qual apelar;

f) Adorno (2009) considerava a recusa de Nietzsche à deferência ao conceito de

especulativo como um ponto de virada no pensamento ocidental;

g) Adorno e Nietzsche tinham uma crítica semelhante às crenças, ideias e modos de

pensar motivada pela mesma forma crítica de considerar a sociedade e a natureza

como algo que é conhecido – ambos buscavam examinar, ainda que de modo

diferente, os modos como a realidade é construída e representada. Ambos buscavam

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63

mostrar o modo falacioso de interpretar a realidade, expondo os fatos que foram

negligenciados.

A despeito de todas essas concordâncias, também foram vários os temas de

incongruência entre os dois. O mais evidente foi o da falta de preocupação de Nietzsche por

questões econômicas e sociais. Mas Adorno também não aceita a ideia de que todas as

crenças possuem a mesma validade se estiverem fundamentadas em algum desejo ou

necessidade (como apresentado por Nietzsche em Vontade de poder). E também rejeita seu

conceito não racionalista de realidade, além de sua noção de verdade (HELD, 1980).

Entretanto, seja influenciando positivamente ou desencadeando motivos para

discordância, o pensamento de Nietzsche foi certamente considerado por Adorno – o que é

comprovado pelas inúmeras citações de Nietzsche em sua obra.

Tendo passado por esse outro tipo de abordagem crítica representada por Freud e

Nietzsche, pode-se retornar à tradição crítica que, a partir de Kant e Hegel, deu origem ao

materialismo dialético de Marx e que terá impacto fundamental nas produções do ISF.

2.1.4 A teoria crítica: de Karl Marx a Max Horkheimer

A teoria crítica da sociedade está envolvida, de um lado, com a forma como Kant vai

resolver o problema da filosofia, como foi visto anteriormente: a partir das discussões sobre a

metafísica, o estabelecimento do que se pode e do que não se pode saber. Mas também utiliza

parte do legado do marxismo: o que diz respeito a como a teoria pode lidar com o mundo real.

Em se tratando desse legado de Marx, apesar de sua interface com o idealismo alemão

– e, de modo especial, com Hegel, já que os trabalhos de Marx estavam identificados com o

grupo de intelectuais que era conhecido pelo nome de “jovens hegelianos de esquerda” –,

Horkheimer identifica aqui um modo de proceder que vai orientar, desde o início, os trabalhos

do ISF (HORKHEIMER, 1937-1980).

Em termos muitos gerais, pode-se sumarizar dizendo que, no materialismo histórico, a

existência de um cerne temporal de verdade possibilita o diagnóstico do tempo presente. Esse

diagnóstico pode ser interpretado de forma a conduzir a um prognóstico ou a tendências que

modificam o objeto e que sinalizam o que deve acontecer (para onde parece que vamos?). Se

o prognóstico não se realiza, de acordo com a teoria, pode ser identificado um bloqueio. Esse

bloqueio deve levar à realização de um novo modelo teórico.

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Marx reconheceu, a partir da teoria econômica, o que Horkheimer (1937-1980)

revelou como o primeiro bloqueio (ainda que essa denominação só ocorra no contexto do

ISF). Nunca houve tanta produção de alimentos, entretanto, ainda continua a existir muita

fome. O que Marx faz é um movimento de recuo em relação à economia clássica, indicando

que um enunciado seu deixa de cumprir o que seria teoricamente esperado.

O que marca a teoria crítica, porém, é o reconhecimento de que, ainda que se entenda

o importante legado de Marx, o seu prognóstico não se realizou. No contexto do ISF, Pollock

é o autor responsável por identificar, pela primeira vez, o bloqueio – nesse primeiro caso,

relacionado à teoria de Marx – em um diagnóstico do tempo presente, que era outro tempo em

relação ao tempo histórico do diagnóstico de Marx: o bloqueio relacionado ao fato de que o

prognóstico marxiano não se realizou. Não é por outro motivo que a Dialética do

esclarecimento – como pode ser lido no início do prefácio – é dedicada por Adorno e

Horkheimer (1985) a Pollock.

Em 1932 Horkheimer publicou o artigo Observações sobre ciência e crise

(HORKHEIMER, 1932-1990). Nesse artigo, ele discute como a ciência deve ler a crise,

detectando outro bloqueio – aquele causado pelo positivismo: a primazia do método sobre o

objeto de investigação impede que o cientista questione sobre questões de valor e questões de

fato, nos moldes do que foi apresentado por Max Weber (2001).

Em 1937, Horkheimer uniu os dois bloqueios – o de ordem econômica, identificado

por Pollock, com o de ordem científica, identificado por ele em 1932 – na publicação da

teoria tradicional e teoria crítica (HORKHEIMER, 1937-1980). Esse texto é percebido por

muitos como sendo o manifesto de fundação da teoria crítica – com o que, aliás, Horkheimer

não concorda: ele considera que esse movimento é muito anterior a ele, tendo iniciado com

Marx, cabendo a Horkheimer apenas nominá-lo, confrontando-o com o que ele chamou de

teoria tradicional (NOBRE, 2008).

A fim de orientar a teoria, pretende-se pontuar os aspectos mais significativos da obra

dos autores aqui citados, no que for considerado importante para a adequada compreensão dos

fundamentos da teoria crítica, alicerce da obra posterior de Adorno, a ser utilizada nesta

pesquisa.

2.1.4.1 Karl Marx: a crítica da economia política

Não é o caso de se fazer aqui uma resenha da obra de Marx – tarefa ampla demais para

os objetivos deste capítulo. Mas não se pode deixar de registrar aqueles aspectos que foram os

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mais importantes na influência para os trabalhos do Institut für Sozialforshung (ISF) como um

todo e de Adorno em particular. Alguns dos aspectos mais específicos de sua obra, que fazem

interface com a de Adorno, serão abordados em outros trechos, ainda neste capítulo, na parte

das discussões aos quais esses aspectos devem se referir.

Marx foi, sem dúvida alguma, uma influência decisiva para o desenvolvimento da

“teoria crítica da sociedade”. Horkheimer nunca foi filiado ao partido comunista, mas seu

interesse pela obra de Marx foi anterior à sua indicação para direção do ISF, tendo se

intensificado a partir daí. A Teoria tradicional e teoria crítica (HORKHEIMER, 1937-1980)

foi, inclusive, uma homenagem aos 60 anos de publicação de “O capital” (DUARTE, 2004).

Quanto a Adorno, Duarte (2004) enfatiza que algumas de suas influências neo-

hegelianas eram também marxistas, de modo que ele se formou em um ambiente intelectual

que se pode chamar de neomarxista (ou na tradição heterodoxa do pensamento marxista

ocidental), representada, após a Primeira Guerra Mundial, por autores como Georg Lukács e

Karl Korsch. Deve-se pontuar que essa foi uma influência que tanto teve sua continuidade

como foi minada pela teoria crítica da sociedade.

O materialismo histórico foi, para a teoria crítica, o meio de passagem da crítica para a

História, funcionando como uma ferramenta da crítica, e não como um sistema de

pensamento, como era utilizado por marxistas ortodoxos da época. O Marx que é trazido para

a Escola de Frankfurt é o Marx teórico, herdeiro do idealismo alemão – como vai ser

apresentado em algumas das abordagens de Adorno – e não o economista (ASSOUN, 1989).

Também não se deve perder de vista o fato de que, quando da criação do ISF por Felix

Weil, chegou-se a considerar dar-lhe o nome de Institut für Marxismus (Instituto para o

Marxismo) e que o seu primeiro diretor, Carl Grünberg, foi um dos primeiros professores de

uma Universidade alemã que se declarava abertamente marxista (ASSOUN, 1989).

Para Adorno, o marxismo foi apreendido pela ideia do todo não verdadeiro, numa

dialética que Assoun (1989) chama de atonal, que experimenta a negação como a única

determinação verdadeira – o que dificultou a sua articulação com a parte materialista do

materialismo dialético. O materialismo não é suprimido, mas só se mantém a partir do lado

negativo no jogo dialético (ASSOUN, 1989).

Para Held (1980), Marx exerce sobre Adorno uma influência muito importante, no

sentido de fornecer um modelo para o seu método: o procedimento crítico, usado por Marx,

que já havia se mostrado eficaz para desvendar a ideologia burguesa.

Marx (1983) demonstrou, em O capital, que os efeitos da troca e do fetichismo podem

se dissolver a partir de uma análise das condições sob as quais os conceitos e as coisas

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existem e se desenvolvem (ADORNO; HORKHEIMER, 1977a). Em sua análise, ele mostra

que o conceitual é imanente à realidade e que o conceito, que busca capturar a coisa, produz

uma ilusão, que é imanente à visão de mundo burguesa, a qual foi criada pelo processo de

troca de mercadorias.

A análise marxiana da fetichização vai ser muito utilizada por Adorno e Horkheimer

(1977a), de modo especial na discussão sobre a criação e a manutenção do pensamento que

relaciona o objeto com o sujeito, evidenciada pelo processo de troca a partir do qual o

fenômeno social é reificado e as coisas inanimadas são tratadas como se tivessem a qualidade

do social.

Mas Adorno (1993b) também via na obra de Marx muito do idealismo que ele buscava

negar. De acordo com Nobre (1998), na tentativa de compreender Marx como o “ambíguo

herdeiro do idealismo”, Adorno (1993b) começa o seu estudo sobre Hegel com a seguinte

abordagem sobre Marx:

Quando Hegel não mais opõe o engendrar e o realizar na matéria como desempenho

subjetivo, mas os vê nos objetos específicos, na realidade material concreta, ele

chega perto do mistério que está por trás da apercepção sintética e a tira da mera

hipótese arbitrária do conceito abstrato. O mistério, entretanto, não é outro que o

trabalho social. Nos manuscritos econômico-filosóficos do jovem Marx, descobertos

em 1932, é que isso foi reconhecido pela primeira vez (ADORNO, 1993b, p. 17-18)

Assim, pode-se dizer que, do ponto de vista conceitual, existem outros dois aspectos

da filosofia marxista que merecem atenção, pois serão importantes na abordagem de Adorno:

primeiro, como visto, Marx (1983) traz à luz o substrato que está oculto na filosofia de Hegel:

o que Hegel chama de “espírito” Marx vai chamar de “trabalho social”; e também denuncia a

congruência entre conceito e realidade quando aborda a infinitude ilusória do capital.

Esse aspecto será retomado, na Dialética negativa, na discussão sobre o especulativo,

na seção 3.5.2 (B). Mas pode-se dizer que o materialismo dialético de Marx é um ponto

simultaneamente de convergência e de divergência entre Marx e Adorno. Para Nobre (1998),

a divergência mais importante está na afirmação, por parte de Adorno, da tese da

predominância da dominação sobre o processo de troca.

Como é sabido, os estudos de Marx (1974,1983) sobre o capital voltavam-se para o

caráter historicamente limitado do capitalismo. Nessa proposição surgem as teorias sobre a

crise e o colapso do capitalismo – que não foram propostas por Marx, mas que exerceram

papel fundamental nos debates econômicos na Europa do início do século XX.

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67

A partir desse debate surgiu Friedrich Pollock, objeto de estudo do próximo item e que

foi um autor da maior importância para o desenvolvimento dos primeiros passos da teoria

crítica.

2.1.4.2 Friedrich Pollock: a controvérsia sobre o colapso e a teoria do bloqueio

Como foi visto, o colapso do capitalismo foi interpretado como uma consequência

natural das contradições por ele geradas. Entretanto, entre 1896-1897, um autor chamado

Eduard Bernstein, que tinha sido muito próximo de Engels, publicou dois artigos na revista

Die Neue Zeit, na qual sugeriu que as modificações ocorridas no capitalismo no final do

século XIX alteraram o sistema econômico e que essa alteração atenuaria as contradições do

capitalismo de forma que o socialismo passaria a ser o resultado de uma transição pacífica, e

não mais do colapso do capitalismo (RUGITSKY, 2008).

Pollock, amigo de infância de Horkheimer, era economista, sociólogo e filósofo e

esteve vinculado desde o seu início ao ISF, onde se dedicava a temas econômicos. Assim, a

crise do capitalismo de 1929 suscitou naturalmente um questionamento para pesquisadores

com a orientação de Pollock: as teorias marxistas podiam explicar com fidelidade o que

ocorreu com a economia mundial em 1929?

Após se debruçar sobre todos os dados reunidos para a pesquisa e abandonando o

pressuposto teórico do colapso, Pollock concluiu que, do ponto de vista econômico, não era

necessária a substituição de um sistema por outro. Naquele momento, a política já

determinava os rumos da economia, por uma série de adaptações sofridas entre os atores

econômicos: havia acordos entre sindicatos e patrões; indivíduos em posições mais avançadas

dos trabalhadores estavam afinados com regulamentações jurídicas que mantinham o status

quo; os países se especializaram em diferentes produções; e o capital já estava concentrado

em grandes conglomerados financeiros, e não mais na produção, como nos primórdios do

capitalismo.

Assim, o modo de ser capitalista mudou: não é a economia que determina a política,

mas a política é que influenciava nos rumos da economia. O resultado de suas investigações já

era conhecido por Horkheimer, mas só foi publicado em 1941 (POLLOCK, 1941-1982),

sendo, de longe, o seu trabalho mais conhecido. Para sua fundamentação utilizou o debate

econômico sobre a planificação e a teoria geral de Keynes, discutindo as transformações

sofridas pelo capitalismo no século XX, para o que chamou de capitalismo de Estado. Nesse

artigo, Pollock não aborda modelos socialistas e capitalistas, mostrando apenas que existem

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duas possibilidades para o capitalismo de estado: a democrática e a totalitária (RUGITSKY,

2008).

Do ponto de vista teórico, para os trabalhos do ISF, o avanço alcançado por Pollock

diz respeito ao que Horkheimer e Adorno denominaram posteriormente de teoria do bloqueio:

faz-se o diagnóstico do tempo presente, a partir do que se chamou de cerne temporal de

verdade ou a verdade que pode ser encontrada a partir das condições históricas existentes no

momento do diagnóstico; considera-se o pressuposto teórico, por exemplo, o pressuposto de

que a razão deve orientar a ação humana para uma emancipação dos constrangimentos,

naturais ou humanos – ideia reelaborada por Habermas a partir da década de 1960; o próximo

passo é identificar por que a teoria não se realizou ou qual seria a causa do bloqueio (NOBRE,

2008).

Passa-se ao próximo autor, Max Horkheimer, que foi o responsável pela formulação

do que é entendido como teoria crítica.

2.1.4.3 Max Horkheimer: bloqueio da ciência, teoria crítica e a crítica ao esclarecimento

Como foi apresentado no subitem anterior, o período de produção conjunta com

Horkheimer é tão importante que pode ser utilizado para delimitar uma fase do pensamento de

Adorno. Por isso mesmo, abordar aqui toda a produção de Horkheimer que trouxe

consequências para a obra de Adorno é uma tarefa que foge ao escopo desta tese.

O que se pretende apresentar aqui são apenas alguns marcos na produção de

Horkheimer que podem ser considerados significativos para o desenvolvimento posterior de

Adorno no que diz respeito aos temas que devem ser tratados na tese. Obras que derivaram de

pesquisas como os Estudos sobre autoridade e família (HORKHEIMER, 2001) que

desenvolveu com Erick Fromm e que forneceram fundamentos para pesquisas como

Authoritarian personality (ADORNO et al., 1982) não serão abordadas, uma vez que

envolvem uma linha de investigação diversa do assunto do presente estudo.

Feitas essas ressalvas, são três os momentos significativos da obra de Horkheimer para

a interface com o pensamento de Adorno, de nosso interesse. São eles:

a) O primeiro, como já foi apresentado, está no fato de que se Pollock é considerado o

que primeiro identificou um bloqueio em relação ao que apresentava a teoria no

campo da economia, Horkheimer detectou o segundo bloqueio, nesse caso relacionado

ao campo da ciência, expresso no texto Observações sobre ciência e crise, publicado

em 1932 (HORKHEIMER, 1932-1990);

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b) o segundo, mais preocupado com a tendência positivista nas ciências sociais,

Horkheimer publicou em 1937 no seu ensaio Teoria tradicional e teoria crítica,

lançando os fundamentos da teoria crítica da sociedade (HORKHEIMER, 1937-1980);

c) por fim, em 1947, Horkheimer publicou, em associação com Adorno, a Dialética do

esclarecimento (ADORNO; HORKHEIMER, 1944-1985), obra dedicada pelos dois a

Pollock e que buscava, como motivação inicial, “descobrir por que a humanidade, em

vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova

espécie de barbárie” – como apresentado no seu prefácio.

O que se pretende aqui é apenas pontuar alguns dos aspectos mais significativos, os

quais terão importância para os desenvolvimentos posteriores de Adorno.

A) Observações sobre ciência e crise

O que Horkheimer apurou é que a ciência, como parte das forças produtivas da

sociedade – como já havia sido postulado pela teoria marxista –, também é um meio de

produção, na medida em que está formulada em métodos de produção e que se apresenta

como um meio de gerar valor.

Mas, na medida em que o conhecimento que ela gera desempenha um papel na

enunciação da verdade, a fecundidade do conhecimento deve ser imanente à ciência, e não se

conformar a considerações extrínsecas – como as necessidades de uma indústria específica.

Deve-se lembrar que a veracidade de um juízo difere de sua importância.

A separação entre teoria e prática é um processo histórico. E na situação histórica

envolvida no momento em que o texto foi escrito – a primeira metade do século XX – as

descobertas científicas já compartilhavam com as forças produtivas a discrepância entre o seu

alto grau de desenvolvimento e sua aplicação às reais necessidades da humanidade.

A razão crítica era desacreditada, na medida em que não é necessária à indústria. No

entanto, se de um lado as descobertas científicas tinham uma aplicação útil na indústria, por

outro elas fracassavam diante do processo social, o que causou a trivialização de método e

conteúdo. E, na medida em que o interesse por uma sociedade melhor, que existia no início do

esclarecimento, foi substituído pelo empenho em eternizar o presente e não em fomentar um

futuro, um elemento desorganizador se apoderou da ciência.

Surgia na ciência, como já podia ser visto nos anos 1930, uma dupla contradição: se

cada um de seus passos era fundado em uma base de conhecimento, o mais importante é que a

definição de sua tarefa não só não tinha fundamentação teórica, como estava entregue à

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arbitrariedade. Se, de um lado, a ciência se empenhava em conhecer relações cada vez mais

abrangentes, por outro ela era incapaz de entender a relação abrangente mais importante para

ela mesma, que era a sociedade.

A crise da ciência está atrelada à crise geral da sociedade. E a compreensão dessa crise

da ciência dependeria da teoria correta sobre a situação atual da sociedade; pois a ciência,

como função social, reflete no presente as condições da sociedade.

Essa foi a maneira como foi formulado o segundo bloqueio, relacionado à função

emancipadora da ciência como fruto da razão que, desde Bacon e os enciclopedistas, deveria

ser a responsável por livrar os homens de toda ideologia – no sentido de falsa consciência.

B) Teoria tradicional e teoria crítica

Em função da importância deste texto para os desenvolvimentos posteriores do que

ficou conhecido como Escola de Frankfurt, suas ideias mais importantes serão sumarizadas a

seguir, buscando manter-se o mais próximo possível da sequência original do argumento,

como desenvolvido por Horkheimer (1937-1980).

A primeira discussão de Horkheimer (1980) diz respeito ao conceito de teoria. Na

terceira máxima de seu método, Descartes (1983) propõe a extensão do método dedutivo da

Matemática para todas as ciências, deduzindo intelectualmente a ordem do mundo numa

conexão de deduções intelectuais. Depois dele, as proposições mais gerais dependem da

posição filosófica do lógico: para John Stuart Mill (apud HORKHEIMER, 1937-1980) seriam

os juízos empíricos, as induções; para a fenomenologia, as intelecções evidentes; e na lógica

axiomática, as estipulações arbitrárias. De qualquer forma, qualquer que fosse a corrente, a

exigência fundamental a ser satisfeita por um sistema teórico é o de estarem as suas partes

conectadas ininterruptamente e livres de contradição (HORKHEIMER, 1937-1980).

Esse conceito tradicional de teoria visa a um sistema de sinais puramente matemáticos.

As operações lógicas são racionalizadas a um ponto que, pelo menos em grande parte das

ciências naturais, a formação de teorias tornou-se uma construção matemática. O que se

discute é que se nas ciências humanas esse modelo poderia ser aplicado sem problemas. As

pesquisas sociológicas quantitativas, como as das Universidades anglo-saxônicas, são

exemplos desse modelo – mais próximo da produção industrial – e bem diferentes do trabalho

envolvendo ponderações sobre conceitos fundamentais, como na sociologia alemã do início

do século XX. Para esse último grupo, a teoria deve surgir do manuseio crescente do material,

não se devendo esperar no curto prazo exposições teóricas de grande alcance, pois tanto a

fecundidade dos nexos encontrados como sua aplicação aos fatos vai depender da conexão da

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teoria com os processos sociais reais – como ocorreu no caso da aceitação da teoria de

Copérnico (HORKHEIMER, 1937-1980).

Para Horkheimer (1937-1980), são os positivistas os que mais levam em consideração

o entrelaçamento do trabalho teórico com a vida da sociedade. Só que a teoria por eles

produzida não considera que a ciência participa da divisão social do trabalho ou que a vida

social seja uma totalidade do trabalho de várias profissões, entre as quais a do cientista. A

aparente autonomia em sua produção científica decorreria apenas da ilusão de liberdade que

possuem os sujeitos econômicos na sociedade burguesa.

Uma diferença significativa entre as ciências sociais e as humanas está no fato de que

se o mundo pode parecer para o indivíduo algo em si, ele na verdade é apenas o produto da

práxis social geral. Os fatos que os sentidos nos fornecem são historicamente formados tanto

em relação ao objeto percebido quanto ao próprio órgão de percepção. Ambos não são

naturais, mas são conformados pela atividade humana. A existência da sociedade não é

resultado de uma espontaneidade consciente de indivíduos livres, mas de uma oposição entre

eles. O cientista vê essa realidade social e seus produtos como algo externo, enquanto o

cidadão mostra o seu interesse por essa sociedade a partir de seus escritos políticos, sua

filiação a organizações, pela participação em eleições, sem buscar unir as coisas – exceto pela

interpretação ideológica dos fatos (HORKHEIMER, 1937-1980).

Contrapondo-se a esse pensamento, que Horkheimer (1937-1980) chama de

tradicional, o pensamento crítico é aquele que busca superar a tensão entre, de um lado, a

consciência dos objetivos, espontaneidade e racionalidade, que são inerentes ao indivíduo, e,

de outro, as relações no processo de trabalho. O pensamento comum, ao se voltar sobre si,

reconhece como necessidade lógica o Ego que julga autônomo e, em oposição, é convicto de

ser a expressão não problemática da coletividade. O pensamento crítico vai se opor tanto a

um isolamento do indivíduo, como à generalidade de indivíduos – o sujeito é considerado

determinado em seus relacionamentos com outros indivíduos e com grupos. Ele não é nem

um ponto isolado – como na filosofia burguesa –, nem um ponto onde coincidem sujeito e

objeto – como no idealismo.

Se a teoria crítica se restringisse a formular as representações próprias de uma classe,

não seria diferente da ciência tradicional, cujos conteúdos psíquicos são típicos de um grupo

social – ou seja, ela se transformaria em psicologia social. A função de uma teoria crítica

ficaria mais clara quando o teórico e a sua atividade são considerados uma unidade dinâmica

com a classe dominada, de forma que a exposição das contradições não seja a expressão de

uma situação histórica, mas um fator de estímulo e transformação. O confronto entre setores

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progressistas de uma classe – os indivíduos que exprimem a sua verdade, aí incluídos os seus

teóricos – e o resto da classe se estende num processo de efeitos recíprocos, no qual a

consciência se desenvolve (HORKHEIMER, 1980).

O resultado do conhecimento produzido pelas diversas disciplinas nos ramos

particulares do conhecimento é o que constitui a consciência geral. Mas os interesses do

pensamento crítico também são universais, apesar de não serem universalmente reconhecidos,

justamente por serem críticos frente ao presente. O seu sentido não está na manutenção da

estrutura social atual, mas em sua transformação, aparecendo para o pensamento dominante

como subjetiva, especulativa, parcial e inútil, justamente por contrariar o modo de pensar

existente – cujo interesse está na perpetuação do passado.

Ela se diferencia da utopia por ser mais propriamente uma imagem de futuro, que

nasce da profunda compreensão do presente. E também está em contradição com o conceito

de espírito, no qual se baseia a noção de intelligentsia, como se vê em Mannheim (2004). Para

a crítica, não existe nem teoria da sociedade, nem sociólogo generalizador que não tenham

interesses políticos (HORKHEIMER, 1980).

As diferenças entre o pensamento tradicional e o crítico resultam de diferenças na

estrutura lógica do pensamento. Para a teoria tradicional, as proposições definem conceitos

universais que devem abranger todos os fatos em um campo, sendo os fatos casos isolados,

exemplares. Também não existem diferenças cronológicas: se no conhecer individual pode

existir alguma ordem cronológica nessas relações, elas não ocorrem do lado dos objetos.

Já a teoria crítica começa com abstrações de categorias, como estas se apresentam no

momento. Ela parte de conceitos genéricos, relacionados à vida social concreta – como

mercadoria, valor, dinheiro –, mas considerando o processo entre a sociedade e a natureza, o

período histórico da sociedade, a sua busca de autopreservação, etc. Essas concepções, que

nascem da análise histórica, estão dirigidas para o futuro. A introdução de novos conceitos

não é consequência de dedução, como na teoria tradicional, mas eles são retirados do conjunto

do conhecimento que se encontra tanto na ciência como na experiência histórica.

Os passos isolados do pensamento na teoria crítica devem seguir o mesmo rigor das

deduções da teoria tradicional, podendo transformar-se em juízos hipotéticos universais ou

particulares e serem utilizados como na teoria tradicional, mas sem a presunção de que

correspondam à verdade. Ou seja, se do ponto de vista da necessidade lógica, as duas

estruturas teóricas são semelhantes, elas diferem quando se passa da necessidade lógica para

as necessidades das próprias coisas, do desenrolar dos fatos.

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73

O pensamento crítico pode gerar hostilidade e resistência, devido ao medo

inconsciente de que esse pensamento faça parecer, como equivocada e supérflua, uma

acomodação à realidade que foi conseguida com muito esforço. E quem está em risco levanta

suspeita contra qualquer tipo de autonomia intelectual. Qualquer enunciado científico sem

referência nas categorias usuais ou em formas mais neutras como a Matemática são acusadas

de “teóricas demais”. O problema aqui é que a relação que a positividade tem com a

submissão ameaça tornar insensíveis à teoria os grupos mais avançados da sociedade

(HORKHEIMER, 1980).

Estas são, em linhas bem gerais, os aspectos mais importantes apresentados por

Horkheimer (1937-1980) como um manifesto, na caracterização das diferenças entre as

teorias tradicional e crítica.

C) A Dialética do esclarecimento18

São as seguintes as características do esclarecimento que devem ser consideradas aqui

para a compreensão de conceitos que serão muito utilizados posteriormente por Adorno:

A primeira característica é a de que o esclarecimento é totalitário. Para o

esclarecimento, o processo já está decidido de antemão. Veja-se uma incógnita, numa

equação, que se supõe conhecida antes da introdução de qualquer valor. Ao identificar a

verdade com a Matemática, o esclarecimento considera que está se distanciando do mito e o

procedimento matemático torna-se, então, o ritual aceito do pensamento. Ao reduzir o

pensamento à Matemática, ele reconhece que o mundo é sua própria medida, o que tem por

preço a subordinação da razão ao dado imediato. O conhecimento do dado – que se realiza no

social, histórico e humano – é abandonado ou admitido como sendo apenas as relações

espaço-temporais, superficiais e abstratas. O aprisionamento do mundo no número mantém o

pensamento preso no imediato e, dessa forma, o pensamento regride à mitologia. Ou seja,

para fugir do mito, a ciência acaba por se transformar em mito.

Esse é um tipo de pensamento que transfere para o positivismo – como Horkheimer já

havia apresentado na Teoria tradicional e teoria crítica – a responsabilidade de dizer o que

tem sentido a ciência investigar. Só existe, ou acontece, o que puder ser representado pela

lógica formal. E as mesmas equações estão presentes tanto na troca mercantil como na justiça.

18

O termo alemão, Aufklärung, poderia ser traduzido como Iluminismo, remetendo a um momento da história

das ideias. Mas, segundo o tradutor para o português, o termo esclarecimento traduz não apenas o significado

histórico-filosófico que, em Kant, significa, além da emancipação intelectual da ignorância e da preguiça de

pensar por conta própria, também uma posição crítica em relação ao que é inculcado nos “intelectualmente

menores” por seus “maiores”, mas também é uma tradução que está de acordo com uma expressão comum em

alemão, que se traduz por esclarecimento mesmo.

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Nesse trajeto, renuncia-se ao sentido, substituindo o conceito pela fórmula, e a causa pela

regra e pela probabilidade. O que é heterogêneo vai ser comparado por redução a grandezas

abstratas e o que não puder ser reduzido a números vai ser transferido para a literatura de

ficção.

O instinto é colocado no mesmo campo do mito, como superstição. Só que o que o

mito pretendia é o mesmo que pretende o esclarecimento: relatar, denominar, dizer a origem,

explicar. Desta forma, o esclarecimento deixa de ser relato para se transformar em doutrina.

Seu comportamento para com as coisas é o mesmo do ditador para com os homens: só os

reconhece na medida em que pode manipulá-los, para dominá-los.

A segunda característica relaciona-se ao fato de que a magia e a ciência visam fins.

A forma de perseguir os fins é que é diferente para os dois casos: enquanto a magia o busca

pela mimese, a ciência o busca pelo distanciamento. A confiança na possibilidade de dominar

o mundo pela magia é substituída pela dominação realista pela ciência. Antes, os fetiches

estavam sob a lei da igualdade, agora a igualdade é que se torna um fetiche.

No mito, o signo se confunde com a imagem – como nos hieróglifos. Mas é como

signo que a palavra chega à ciência e a ciência torna-se um sistema de signos que, destituídos

de intenção, transcendem o sistema. A natureza não vai ser mais influenciada pela assimilação

– o que é próprio do mito –, mas será dominada por meio do trabalho.

Os símbolos assumem na ciência a expressão de fetiche. A ciência, em sua forma

dedutiva, reflete hierarquia e coerção, correspondendo sua ordem lógica às relações da

realidade social, com a divisão do trabalho servindo à autoconservação do dominado, o que

agrega os membros da sociedade na realização do todo, com poucos subjugando muitos. E

essa unidade de dominação se sedimenta nas formas de pensar. O esclarecimento começa

destruindo símbolos e evolui para destruir conceitos que não puderem ser matematizados.

As mercadorias perdem o seu caráter puramente econômico, uma vez transformadas

em fetiche, e as agências da produção em massa e da cultura por ela criada servem para

inculcar no indivíduo os comportamentos normalizados como os únicos naturais, decentes e

racionais, o qual a partir daí se determina como elemento estatístico.

A terceira característica, como a Odisseia já é testemunho da dialética do

esclarecimento. O canto da Odisséia, no qual Ulisses se encontra com as sereias, discute a

sedução de se deixar levar pelo que passou e emancipar-se pelo sofrimento. As sereias

ameaçam, com a promessa do prazer, a ordem patriarcal e Ulisses responde com duas formas

de resistência: uma, que indica aos companheiros tapar os ouvidos e remar com todas as

forças, como a civilização faz com os trabalhadores (anular os sentidos, para que nada

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atrapalhe o trabalho); e a outra, que indica para si (o senhor que faz os outros trabalharem),

que é escutar amarrado ao mastro. A sedução das sereias só pode ser contemplada, como

acontece com a arte. Chefes como Ulisses renunciam a participar do trabalho, enquanto os

companheiros não podem desfrutar do trabalho, que é feito sob coação e com os sentidos

fechados.

O desenvolvimento da máquina se converte em desenvolvimento do maquinário de

dominação, a adaptação do poder ao progresso envolve o progresso do poder e o pensamento

vai se limitando ao pensamento que ordena (nos dois sentidos – dá ordens e organiza). Ao

limitar o pensamento à organização e administração – como se vê nos dirigentes de empresas

– o espírito torna-se aparelho da dominação e do autodomínio. Quanto mais complicada e

refinada a aparelhagem social, econômica e científica, tanto mais empobrecidas as vivências

de que o senhor é capaz. Mediado pela sociedade, os homens se reconvertem naquilo contra o

que se voltou a evolução da sociedade: seres genéricos, massificados, governados pela força.

A “indústria cultural” é a quarta característica. Este é outro conceito utilizado pela

primeira vez na Dialética do esclarecimento, mas que pautou muitas das discussões

posteriores de Adorno. O termo é usado em substituição à “cultura de massa”, com a intenção

de tirar qualquer conotação de algo que surge espontaneamente da arte popular e que

atenderia de fato a uma demanda popular. O conceito de indústria cultural é bem distinto

disso: ela desenvolve produtos adaptados ao consumo das massas, ao mesmo tempo em que

determina esse consumo em seus diversos ramos que se se somam para constituir um sistema,

visando à integração deliberada de seus consumidores.

Atuando sobre a consciência e o inconsciente das pessoas, a indústria cultural faz com

que as massas passem a ser um elemento acessório da máquina. O consumidor aqui não é “o

rei” que ela quer fazer crer, mas seu objeto. Seu princípio orientador é o da comercialização, e

não o de seu conteúdo, transferindo a motivação de lucro para criações do espírito.

A autonomia da obra de arte, que nunca existiu de forma pura, vê-se praticamente

abolida pela indústria cultural. Aqui, ela não é também uma mercadoria, mas apenas uma

mercadoria: procura o cliente para lhe vender o mundo; transformando o mundo em

mercadoria, ela vende o mundo “pronto”.

O termo indústria diz respeito a uma padronização e à racionalização da distribuição,

com formas industriais de racionalização do trabalho. De um lado, ele se aproxima dos

processos técnicos próprios da indústria, mas de outro mantém as normas e a produção

individual. O conceito de técnica na indústria cultural só tem em comum, em relação às obras

de arte, o nome, que diz respeito apenas à sua lógica interna de produção. Seu suporte

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ideológico reside no fato de ela se eximir de tirar as consequências de seus produtos, vivendo

como parasito da técnica extra-artística de produção de bens materiais.

A indústria cultural é um instrumento da ideologia, na intenção de fornecer aos

homens, num mundo caótico, critérios para sua sustentação. Mas, se o argumento usado é o de

que ela não pretende ser arte, ainda assim ela é ideologia: a indústria cultural é um meio de

formação de consciência entre seus consumidores.

A importância da indústria cultural para a psiqué das massas pede uma reflexão sobre

sua legitimação. Há certa indulgência entre intelectuais que a consideram algo inofensivo e

democrático, além de útil como aliviadora de tensão. Só que, além de pobre, o que é

produzido segue um padrão conformista na substituição da consciência dos indivíduos.

Sua função é de ordem ou difusão de normas, sem que essas se justifiquem diante da

consciência. As ideias de ordem inculcadas são as que mantêm o status-quo, aceitas sem

análise e objeção, renunciando à dialética – com o que o conformismo substitui a consciência.

São obras que, apresentando conflitos como se fossem os seus, só os resolvem na

aparência, uma vez que não possibilitam a sua solução nas próprias vidas dos indivíduos. O

que elas apresentam não são nem regras para uma vida feliz nem uma arte de responsabilidade

moral, mas uma exaltação à conformação ao estabelecido. A consciência sofre regressão. Na

intenção de adaptar um filme à mente de uma criança de 11 anos, ela faz de um adulto uma

criança de 11 anos.

Feita essa breve revisão das ideias caracterizadas pela aproximação com o pensamento

de Adorno, o próximo passo diz respeito aos campos caracterizados pelo distanciamento.

2.1.5 Campos caracterizados pelo distanciamento

Se para a maioria dos autores vistos até este ponto é possível encontrar mais

aproximações do que distanciamentos, o mesmo não ocorre para dois campos do pensamento:

o positivismo – aqui se referindo principalmente ao positivismo lógico e no Círculo de Viena

– e a ontologia, de modo especial aquela que está representada pelo pensamento de

Heidegger. Aborda-se cada um desses campos separadamente.

A) O positivismo

Adorno, como os demais frankfurteanos, tinham certo desdém em relação ao

positivismo, pois para eles:

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O positivismo não conseguiu reconhecer o poder ativo e constitutivo da

subjetividade na criação do mundo (ou, mais precisamente, da parte do mundo a que

damos o nome de história, cultura e sociedade); assim, foi cúmplice de uma política

passiva e contemplativa, que aceitava o mundo como uma realidade acabada, uma

“segunda natureza” (JAY, 1988, p. 55).

Para os efeitos dessa discussão, que não pretende esgotar o tema, mas apenas pontuar

o que é mais significativo para a compreensão da abordagem social empírica proposta por

Adorno, um meio mais direto para explorar um tema tão vasto pode ser a consulta ao debate

ocorrido entre Adorno e Popper no Congresso da Sociedade de Sociologia Alemã de 1961 em

Tübingen.

O debate foi motivado pelas dificuldades na comunicação, em Sociologia, de visões

tão diversas relacionadas ao positivismo e à dialética, de forma especial no pós-guerra. Karl

Popper foi convidado a expor suas ideias, pelo lado do positivismo – apesar de não aceitar a

ligação de suas ideias com o positivismo do círculo de Viena – cabendo a Adorno representar

a Escola de Frankfurt, numa réplica que teve como ponto de partida a dialética. Esse debate

deu origem a várias réplicas e tréplicas entre representantes das duas linhas, envolvendo tanto

Adorno e Popper como outros defensores dos dois lados – como Carnap, pelo lado do

positivismo, e Habermas, pelo da dialética.

Por mais que o debate tenha sido produtivo, para os efeitos desta pesquisa é suficiente

destacar mais especificamente o posicionamento de Adorno, mais bem explicitado em um

texto bem posterior ao debate, denominado Introdução à controvérsia sobre o positivismo na

sociologia alemã (ADORNO, 1980). Não é o caso de se fazer uma resenha do texto aqui, mas

de buscar nele aspectos que sejam de nosso interesse, com o cuidado de utilizar passagens e

trechos de forma a se manter fiel à ideia original que se procura veicular.

A visão de Adorno (1980) está fundamentada, sobretudo, na afirmação dos positivistas

em possuir um rigoroso conceito de validade científica, o que não seria observado pelos

dialéticos, cujo pensamento seria marcado pela especulação. O primeiro problema, então, é

com o conceito de especulação para os positivistas, o qual estaria longe do conceito hegeliano

de autorreflexão crítica do entendimento apresentado anteriormente, envolvendo o uso da

razão, estando, para os positivistas, mais de acordo com o conceito popular do pensar fútil e

sem compromisso – o que é justamente o oposto da ideia hegeliana de especulação.

A primeira consequência importante da divergência de compreensão desse conceito

está na divergência em relação ao papel da contradição para a dialética e para o positivismo.

Para o positivismo, a investigação científica deve buscar eliminar todas as contradições –

objetivo este que, para Adorno (1980), acaba por levar a uma contradição profunda e

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inconsciente de si, pois, ao se buscar retirar todas as projeções subjetivas do investigador, o

que acaba restando é apenas uma razão instrumental subjetiva: quando um pesquisador

positivista afirma que a ciência deve estar fundada apenas no que se pode comprovar

empiricamente, ele entra em contradição com o fato de que não existe qualquer base empírica

que sustente essa afirmação (ou, pela lógica, essa sentença é autocontraditória: se só o

empírico é verdadeiro, essa sentença – que não é empírica, é uma ideia – será falsa).

Para Adorno (1980), fatos são os fenômenos sociais singulares. Esses fenômenos não

são idênticos à totalidade social, ainda que se considere que a totalidade não existe para além

dos fatos. É a interpretação dos fatos que conduz à totalidade – sem que essa seja um fato. E,

na medida em que a totalidade é a síntese das relações sociais dos indivíduos, ela também é

aparência e, portanto, ideologia. Se aos fenômenos se aplica o critério de verificabilidade,

pode-se constatar que não é possível verificar dependência do fenômeno social em relação à

totalidade.

Atrás do conceito de totalidade está uma atividade básica da sociedade, que é a da

troca de mercadorias, sendo que é pela redução dos homens a agentes e portadores dessa troca

que se realiza a dominação dos homens pelos homens – como foi proposto por Marx no

primeiro volume de “O capital” (MARX, 1983). A conexão disso com a totalidade se

configura à medida em que todos são obrigados a se submeter à lei abstrata da troca,

independentemente de serem subjetivamente conduzidos por um “afã de lucro” (ADORNO,

1980).

O positivismo não pode experimentar a totalidade, pois os dados coletados por seus

pesquisadores são reunidos de modo superficial. Mas a dialética, compreendendo o sujeito

como algo que é, em si, social, não considera a aparência do sujeito social como algo

transcendental. O que a dialética pode verificar é que, como a sociedade é composta de

sujeitos funcionalmente conectados, a possibilidade de seu conhecimento por sujeitos vivos é

mais plausível do que para as ciências naturais, em que o objeto não humano deriva sua

objetividade das categorias abstratas. Ou seja, é por ser humana que a sociedade se dá a

conhecer pela experiência imediata que dela temos, pelo fato de existirmos socialmente. Já o

objeto das ciências naturais – no qual o positivismo quer transformar o objeto social – só se

dá a conhecer mediado por categorias, as quais são criadas pelos homens com a finalidade de

compreendê-lo.

A sociedade é, por isso, ao mesmo tempo inteligível e ininteligível. É inteligível

porque a experiência imediata oferece uma situação na qual o sujeito se reconhece. É por essa

razão que a sociologia weberiana está centrada no conceito de racionalidade: Weber (1999)

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procurava no tipo ideal a igualdade entre sujeito e objeto, que pudesse permitir o

conhecimento do objeto. Já a racionalidade objetiva da sociedade identificada por Marx – a

troca de mercadorias –, por ter uma dinâmica autônoma, a afasta da razão lógica, uma vez que

o que se torna autônomo deixa de ser inteligível (ADORNO, 1980)

Uma consciência aberta a essa constituição antagônica da sociedade – da contradição a

respeito da coexistência da racionalidade e da irracionalidade na sociedade – tem que partir

para a crítica da sociedade apenas com os meios racionais (lembrando que, na dialética

hegeliana, é a razão o segundo momento, o negativo, que aborda o que é dado de forma

imediata pelo entendimento). A dialética, procurando ultrapassar o véu que a ciência ajuda a

tecer, impede que coisas irredutíveis se reduzam a um conceito; ela rejeita a identidade entre

conceito e conceituado.

Como foi visto, Weber sustentava a ideia de que os interesses extracientíficos são

exteriores à ciência e que os dois devem ser bem distinguidos – a diferença entre a coisa de

valor e a coisa de fato. O que se vê é que, se de um lado, interesses pretensamente científicos

buscam neutralizar o prolongamento de interesses extracientíficos; de outro, o instrumental

científico fornece o cânone do que é científico e os meios para responder às perguntas, as

quais têm sua origem fora da ciência (ADORNO, 1980). Essa dicotomia pode ser percebida

também pelos positivistas, que constatam a divisão que ocorre em seu pensamento quando

falam de modo científico e quando falam extracientificamente, mas usando a razão.

Para o positivismo, o pré-científico não é apenas o que não passou pelo trabalho

autocrítico da ciência (como afirmava Popper, 1978), mas também aquilo que existe de

racionalidade e experiência, mas que é excluído pelas determinações instrumentais da razão.

Para Adorno, entretanto, uma ciência que não acolhe impulsos pré-científicos condena-se à

indiferença, pois tão certo como sem disciplina não haveria progresso da ciência, também é

certo que o excesso de disciplina paralisa os órgãos do conhecimento. E quanto mais a ciência

se enrijece dentro de um escudo protetor, mais aquilo que foi proscrito como pré-científico se

constitui em refúgio de conhecimento relevante. Citando Wittgenstein, Adorno (1980) lembra

que o paradoxo é a testemunha de que a ausência de contrariedade não pode ser a última

palavra para o pensamento consequente.

O que é crítica também é compreendido de modo diverso para dialéticos e positivistas:

para Popper, ela significa “puro mecanismo de confirmação provisória de proposições

universais da ciência”, que procura a unanimidade do conhecimento e não a legitimação da

coisa conhecida; para Adorno, a crítica é “o desdobramento das contradições da realidade

efetiva através do conhecimento desta” (ADORNO, 1980, p. 225). No entanto, a razão crítica

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é a mesma: crítica não é apenas lógica, mas sempre também é conteúdo, que confronta

conceito e coisa conceituada. O uso da linguagem na crítica não visa apenas a uma autocrítica,

como em Popper, mas, principalmente, a crítica da coisa.

Ater-se aos fatos exige que a crítica não proceda apenas de modo argumentativo, mas

examine como as coisas efetivamente se passam. O argumento não é constituído pelo óbvio

(como para Popper), mas necessita de análise crítica. A argumentação é questionável se supõe

a lógica discursiva frente ao conteúdo. Popper, vislumbrando a objetividade da ciência na

objetividade do método crítico, diz que “os meios lógicos auxiliares da crítica são objetivos”.

Entretanto, quando uma sentença sobre um tema social apresenta contradições, por exemplo,

quando diz que o sistema social libera e escraviza forças produtivas, é a análise teórica que se

apresenta em condições de analisar essa contradição no contexto estrutural da sociedade, não

eliminado a contradição, mas interpretando-a (ADORNO, 1980, p. 226).

Contra a crítica ao objeto, o cientificismo se defende apelando para a neutralidade

social da ciência. Mas, para Popper, é errôneo supor que a objetividade da ciência depende da

objetividade do cientista. Ele considera que o que se pode designar por objetividade científica

repousa apenas na tradição crítica (na sua visão de crítica) que, a despeito de todas as

resistências, possibilita criticar um dogma vigente, gerando uma questão social de crítica

recíproca, de uma amistosa e hostil divisão de trabalho, de cooperação e confronto. Essa é,

para Adorno (1980), uma visão que coincide com o modelo liberal de reunião em torno de

uma mesa para negociar um acordo.

Mas as formas de cooperação científica não são tão simples: elas possuem infinito

grau de mediação social – desde mecanismos de acesso à carreira à conformação do senso

comum. O partidarismo fica evidente no método aprovado. Veja o caso de pesquisas

tautológicas, como as de opiniões de massa e a da administrative research (o sentido desta

última será explorado mais à frente).

Pretendendo a objetividade, a Sociologia não deve se contentar com o fato de que seja

objetiva somente na aparência. Ao mesmo tempo em que cientificistas criticam os dialéticos

como metafísicos sonhadores, eles também deixam de ser realistas, pois o apego às técnicas

operacionalmente ideais podem distanciá-los das situações nas quais está o que deve ser

investigado. Conduzida, no apego à metodologia, pela intenção de tornar problemas falseáveis

em univocamente decidíveis, a ciência acaba se atrofiando quando encontra alternativas como

a supressão de variáveis ou dos outliers, abstraindo do objeto e, dessa forma, transformando-o

(ADORNO, 1980).

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A interpretação deve exercer um papel central em uma ciência como a Sociologia. Ela

é “a fisionomia social do que se manifesta” (ADORNO, 1980, p. 232). Interpretar para

Adorno é perceber a totalidade nos traços dos dados sociais, apresentando a totalidade que

“é”, e não uma síntese de operações lógicas. Daí ser instrumento científico fundamental para

acessar a totalidade. Para Adorno (1980), interpretar é o contrário do sentido subjetivo, pois o

processo e a ordem social não são compreensíveis a partir do sujeito. A disciplina do

pesquisador demanda tanto um alto grau de exatidão da observação empírica, quanto a força

da teoria que inspira a interpretação e, graças a ela, se modifica. Daí a importância da teoria

para a interpretação. Os positivistas também podem concordar com isso, mas a Sociologia não

pode ser encarada como uma outra ciência qualquer, pois nela o sujeito do conhecimento

também é objeto. A substituição da sociedade como sujeito pela sociedade como objeto

constitui a consciência coisificada da Sociologia (ADORNO, 1980).

A verdade em Sociologia exige a admissão de que a sociedade, como sujeito e como

objeto, é e não é a mesma coisa. Atos objetivadores da sociedade conduzidos pela ciência

acabam por eliminar o que faz com que ela não seja apenas objeto, deixando dúvidas sobre

sua objetividade cientificista – coisa que é difícil de ser reconhecida pelos positivistas, pois

eles têm como máxima a ausência de contradição.

São nessas questões, na linha do que foi apresentado anteriormente por Horkheimer

(1937-1980) em seu manifesto sobre a teoria tradicional e teoria crítica, que Adorno (1980)

traça a diferença entre a teoria crítica e a sociologia positivista: a teoria crítica, apesar da

experiência de coisificação (e mesmo ao exteriorizar essa experiência), se orienta pela ideia

da sociedade como sujeito, enquanto a sociologia positivista aceita a coisificação, repetindo-a

em seus métodos e perdendo a perspectiva na qual a sociedade se revela.

Esse tipo de abordagem pode ser observada desde Comte e é hoje reproduzida, por ser

possível a extensão ao todo do controle de situações e de campos sociais singulares, pela

utilização dos métodos rigorosos da ciência positiva. Uma dificuldade para os positivistas,

entretanto, estará no que não está inteiramente contido nas coisas e que, por isso, para ser

acessado, depende da linguagem, a qual, quanto mais se adapta aos estados das coisas, mais se

distancia do seu significado (ADORNO, 1980).

Se, de um lado, o singular não é o verdadeiro, também o todo não o é. A verdade está

na articulação dessa relação. A Sociologia não teria muito a ver com a relação meio-fim

perseguida subjetivamente pelos agentes, mas muito mais a ver com as leis que se realizam

por meio e contra essas intenções. Um conceito dialético seria a essência social que cunha os

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fenômenos, que neles se manifesta e se oculta, determinando os fenômenos – e não uma lei

geral, no entender cientificista positivista (ADORNO, 1980).

Tendo-se a ênfase sobre o singular, uma formulação dialética das leis sociais se

concretiza considerando-se o histórico. A determinação dialética do singular como algo ao

mesmo tempo particular e universal altera o conceito de lei social que sai da forma “sempre

que... então” passando para “dado que... é preciso”, uma vez que momentos singulares já

contêm uma conformidade a leis provenientes da estrutura social e não são apenas produto de

sua síntese científica. A teoria dialética se recusa a contrastar o conhecimento histórico e

social como algo individual: o pretensamente individual encerra em si um particular e um

universal e a distinção de ambos tem caráter de falsa abstração (ADORNO, 1980).

Para Adorno (1980), tomadas rigorosamente, as teses de Popper são inibidoras do

pensamento científico. A proposição de Popper de que “o que existe são os problemas e as

tradições científicas” conflita com a compreensão mais apropriada de que a matéria científica

é um conglomerado de problemas e de tentativas de solução, além de definir o método das

ciências sociais como o das ciências naturais. Postula-se que o que está no âmbito da

Sociologia pode ser decomposto em problemas singulares – o que não pode ser feito sem

descaracterizar o objeto. Também, a estrutura de hipótese testável é de difícil transposição

para as ciências sociais, pois as leis sociais são incomensuráveis para o conceito de hipótese.

E os fatos sociais não são previsíveis como os fatos das ciências naturais: são contraditórios e

são irracionais.

Adorno (1980) cita a obra de Freud como exemplo: a partir do estudo de reduzido

número de casos consegue-se uma generalização sem a qual a Sociologia não teria sido capaz

de evoluir no século passado, sendo discutível se a transformação da psicanálise em hipóteses

faria justiça ao seu conhecimento. Também levando em conta o que foi discutido

anteriormente sobre a “indústria cultural”, para Adorno (1980) o pesquisador que se

desenvolveu sob as condições da indústria cultural tem sua formação comprometida, o que

interfere em sua aptidão e vontade para discernir, precisando por isso apelar para a regra do

jogo cientificista.

Os críticos positivistas da dialética exigem modelos de procedimentos sociológicos

que, apesar de não constituídos de acordo com as regras empiristas do jogo, façam sentido. A

questão aqui estaria no que é o critério de sentido. Adorno (1980) questiona se seria possível,

por exemplo, chegar à escala F da Authoritarian personality se o critério utilizado fosse o

positivista. Para ilustrar o que seria uma posição positivista relacionada à pesquisa, cita o que

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ouviu de um pesquisador acadêmico: “os senhores estão aqui para fazer pesquisa, não para

pensar” (ADORNO, 1980, p. 245).

O positivismo é, para Adorno (1980), o puritanismo do conhecimento: o que o

puritanismo efetua na esfera moral, o positivismo realiza nas normas do conhecimento. O

ideal de um sistema dedutivo e completo, que nada deixa de fora, constitui a expressão da

vida reduzida à lógica. A experiência regulamentada dos positivistas anula a experiência,

eliminando na intenção o sujeito que experimenta. A consciência coisificada se instala de

antemão no pensamento que não possua o aval da evidência. Para Adorno (1980), a segurança

do positivismo se assemelha à pretensa segurança que os zelosos da autenticidade têm na

teologia, advogando uma teologia em que não creem.

De acordo com Adorno (1980), a teoria de Popper ainda é melhor do que o

positivismo mais ligado ao círculo de Viena, pois não insiste na neutralidade de valores, como

na sociologia alemã desde Weber. Buscando a neutralidade de valores, a pesquisa sociológica

peca contra o critério de relevância – como apresentado por Popper. Para Adorno (1980),

valor e neutralidade de valor não estão separados, mas inter-relacionados, citando como

exemplo a obra de Weber sobre a ética protestante, cuja intenção se associa à sua crítica feita

à doutrina marxista de supra e infraestrutura, e chamando a atenção para o fato de que mesmo

um positivista como Durkheim declarava que a razão cognitiva e valorativa é a mesma.

Da mesma forma que a teoria dialética não apaga a neutralidade de valores, mas, antes,

preserva-a subssumindo-a si em conjunto com o oposto, também assim ela se comporta com o

positivismo como um todo. Dialética é mediação, não um ser-em-si, o que lhe impõe a

obrigação de não pretender qualquer verdade dos fatos.

B) A crítica à ontologia, pela ontologia de Heidegger

As discussões que Adorno trava com a ontologia heideggeriana são a expressão de

uma ideia bem anterior, comum à primeira geração de frankfurteanos – a qual também está na

raiz das discussões com o idealismo alemão – e que diz respeito à recusa da noção de

identidade (do sujeito com o objeto).

Em sua primeira emigração, quando Adorno foi para a Inglaterra, ele passou um

período em Oxford, onde retomou seu interesse por Husserl e pela fenomenologia. Foi nesse

período que começou a escrever o que foi posteriormente publicado sob o título de Sobre a

metacrítica da teoria do conhecimento (ADORNO, 1970). Nessa obra Adorno trata a

fenomenologia de Husserl como o melhor exemplo da decadência do idealismo burguês,

interpretando o fato de Husserl insistir em não considerar a ordem histórica em sua busca por

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uma verdade universal transcendental como consequência da crise histórica da burguesia

europeia.

Na mesma linha, Adorno liga a ânsia de Heidegger, ex-aluno de Husserl, pela

restauração da abertura do homem ao ser, ao desejo de Husserl de descobrir fundamentos

filosóficos e princípios primeiros de caráter transcendental (JAY, 1988). Entretanto, o que,

segundo Adorno, foi pior em Heidegger em relação a Husserl foi a sua intenção de

transformar a sua investigação epistemológica em uma ontologia – justificando ter Adorno

dedicado toda a primeira parte da Dialética negativa (2009) para a discussão ontológica e,

dentro desta, mais especificamente, da ontologia heideggeriana.

Neste capítulo, o que Adorno pretende é realizar uma crítica imanente da ontologia

dominante na Alemanha. Wiggerhaus (2006) tenta resumir a polêmica entre Heidegger e

Adorno, dizendo que:

Atrás de sua ontologia havia objetivamente o interesse por um pensamento que se

distinguia qualitativamente da ciência, da epistemologia e da lógica e que buscava o

essencial: que conseguia penetrar fora da imanência da consciência

(WIGGERHAUS, 2006, p. 628).

A questão que estava no âmago da discussão referia-se à concepção do ser em

Heidegger, pela qual:

A mediação era, por assim dizer, ampliada até se transformar numa objetividade sem

objeto, uma transcendência transitiva, representava para Adorno uma deformação

ontológica da realidade dialética que o ente, aliás, o sujeito, pressupunha como

constituindo o constituído que era a facticidade. Segundo ele, Heidegger havia

tentado exprimir estruturas dialéticas numa forma não dialética (WIGGERHAUS,

2006, p. 627).

Uma discussão detalhada da filosofia de Heidegger foge ao escopo deste trabalho.

Mas, pode-se dizer, pelo exposto por Wiggerhaus (2006), que o aspecto que aqui mais

interessa e que está no núcleo da discussão de Adorno (2009) sobre a ontologia heideggeriana

diz respeito à relação sujeito-objeto. Esse tema será abordado mais à frente, no âmbito das

categorias e modelos de que trata a Dialética negativa.

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2.2 A pesquisa social empírica

Afinal, pelo trajeto percorrido até o momento, o que se poderia dizer que Adorno

propunha: uma abordagem filosófica do real ou uma metodologia de análise social? O que se

procura demonstrar neste capítulo é que eram simultaneamente essas duas coisas.

Deve-se lembrar que, na primeira fase da Escola de Frankfurt, Adorno era um filósofo

cujo objeto estava na análise social, mas que, ao voltar para Frankfurt vindo dos Estados

Unidos, assumiu a cadeira de Sociologia, com a qual trabalhou a partir de fundamentos

filosóficos (JAY, 2008; WIGGERHAUS, 2006).

Esse entrelaçamento entre as duas disciplinas não é novo na Escola de Frankfurt: ao se

estudar a evolução dos seus trabalhos, pode-se observar que a preocupação em desenvolver

trabalhos de investigação empírica da sociedade vem dos seus primórdios. Horkheimer, que

como foi visto tinha formação filosófica, já em seu discurso de posse deixou clara a forma

como pretendia conduzir as pesquisas do Institut für Sozialforschung, reportando a

“necessidade de interpenetração progressiva entre a filosofia e as ciências particulares,

defendendo também a importância de um filósofo estar à frente de um empreendimento de

pesquisa empírica meticulosamente planejado” (DUARTE, 2003, p. 16).

A proposta, desde o início, foi desenvolver pesquisas sociais que resgatassem

elementos filosóficos do marxismo, associando-os às ciências humanas “burguesas” – aí

consideradas a psicanálise, além de tópicos da sociologia de Max Weber –, a fim de que

pudessem se organizar para os desafios daquele momento presente. O diagnóstico mostrava

uma modificação do capitalismo, de concorrencial, como no momento histórico do

diagnóstico feito por Marx, para “monopolista”, como acontecido já no início do século XX.

Mas, o que se procura mostrar nesta seção é que a pesquisa social empírica sempre foi

uma parte muito importante dos trabalhos dos frankfurteanos, em geral, e de Adorno em

particular.

Para se atingir esse objetivo, inicialmente apresenta-se o conceito de pesquisa

sociológica em Adorno para, em seguida, descrever os projetos de pesquisa empírica, tanto

quantitativas como qualitativas, por ele conduzidas.

O que se pode registrar também é algo que diz respeito à estrutura do texto. Muitos

dos temas a serem tratados já foram, de um modo ou de outro, avaliados quando se discutia

ou as bases filosóficas do pensamento de Adorno ou em algumas das discussões anteriores

referentes à teoria crítica e à discussão com o positivismo.

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Pode-se dizer que essa estrutura de texto é a expressão do procedimento constelatório,

no qual um objeto que faz parte de uma constelação com outros objetos pode, mudando-se um

pouco a mirada, tomar parte em uma constelação com outros objetos – ainda que alguns

possam ser comuns a muitas.

Passa-se então ao que, para os efeitos deste estudo, é uma das partes mais importantes

deste capítulo, que é o relato sobre a pesquisa social empírica para T. Adorno

2.2.1 Algumas peculiaridades da pesquisa social empírica em Adorno

De acordo com Wiggerhaus (2006), ao retornar para a Alemanha no início da década

de 1950, e a partir de sua experiência em pesquisa social nos Estados Unidos, T. Adorno

assumiu atividades de teórico da pesquisa sociológica: “o ponto alto de seus estudos tratava

da relação entre pesquisa sociológica empírica e conceitual de teorias sociológicas, em última

análise, portanto, sobre o projeto de uma pesquisa sociológica empírica crítica”, sendo projeto

seu “lançar a pesquisa sociológica empírica no sentido lato contra as especulações guiadas

pelas ideologias” (WIGGERHAUS, 2006, p. 487-489), lançando-se contra o modelo vigente

do que se denominava pesquisa social empírica – as pesquisas de opinião e os estudos de

mercado, que ele vai chamar de administrative research.

No intuito de escapar da ideologia, as pesquisas deveriam se utilizar de instrumentos

que pudessem se completar, abrangendo simultaneamente os aspectos objetivo e subjetivo do

objeto. E para deixar bem claros os diversos aspectos relativos ao que Adorno considerava

relevante na pesquisa social empírica, essa questão está subdividida em quatro itens: o

primeiro, sobre a singularidade do objeto de pesquisa; a seguir, serão descritos o método de

modo geral e o lugar que ocupam os procedimentos qualitativos e quantitativos; por fim,

como a teoria e a dialética participam do método.

A) Sobre a singularidade do objeto

Para Adorno (1977b), a diferença entre a tradição filosófica que avalia a sociedade

desde Platão e Aristóteles até Hegel e o que Comte chamou de Sociologia é encontrada não só

na sua concepção, mas também no método. A novidade em Comte foi a busca de

conformidade da Sociologia a vínculos causais regulares, no método que ele chamou de

“positivo” – a exemplo do que ocorre nas ciências naturais – o qual deveria se circunscrever

aos dados, estabelecendo uma relação positiva com o existente, fosse ela boa ou má, ou seja,

sem levar em conta considerações de valor.

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O resultado, para Adorno (1977b, p. 22), foi uma sociologia suspeita, pois a ciência

“só pode ser mais do que a simples duplicação da realidade no pensamento se estiver

impregnada de espírito crítico”, o que, como já foi visto, significa confrontar a coisa com seu

próprio conceito, com a finalidade não só de livrar a observação da superficialidade, mas

também – o que, para a ciência, seria ainda mais grave – da falsidade.

De acordo com Adorno e Horkheimer (1985), a limitação da sociologia positivista se

manifesta quando ela quis buscar ser uma ciência nos moldes das ciências naturais. Como as

ciências naturais se constituíram no processo de dominação da natureza, a sociologia

positivista reivindicaria, em relação à sociedade, o mesmo poder de controle e domínio que as

ciências naturais reivindicam em relação à natureza. Nesse tipo de sociologia, a busca de leis

essenciais não seria objeto da maioria das investigações empíricas, uma vez que essas só

podem ser alcançadas a partir de uma reflexão crítica sobre seus resultados.

Na ciência positivista, mesmo aqueles que, como Popper, defendem uma atitude

crítica para o cientista, o fazem na busca de uma unanimidade do conhecimento, e não a

legitimação da coisa conhecida, que é a finalidade da crítica defendida por Adorno. Na

pesquisa social empírica defendida por Adorno, refletir sobre os princípios é tão necessário

quanto conhecer os resultados. E isso inclui a reflexão sobre si mesma, conduzida sobre seus

métodos e sobre os modelos de seu trabalho – uma vez que o que se revela empiricamente na

pesquisa social é muitas vezes apenas o epifenômeno – como no caso da pesquisa de opinião.

Como em pesquisa social o objeto da Sociologia e o sujeito conhecedor se confundem,

Adorno (2008a) refere que, a partir da visão kantiana apresentada, em sociologia é possível

conhecer o objeto a partir de seu interior, ao contrário do que acontece na Física Nuclear ou

na tabela periódica. Daí que esse tipo de objeto vai precisar de uma abordagem diferente

daquela demandada pelos objetos das ciências naturais – o que vai determinar uma diferença

tanto no método como nos objetivos da pesquisa.

Daí se precisar discutir com mais detalhe as questões de método e objetivos.

C) Método e objetivos da pesquisa

Custa-me renunciar à suspeita de que a crescente exatidão dos métodos da

sociologia empírica, por irrefutáveis que sejam seus argumentos, muitas vezes

maniata a produtividade científica (ADORNO, 1995a, p. 166)

A pesquisa social não deveria ter um método único: para Adorno (2008a), uma

diferença importante entre as escolas positivista e a de Frankfurt em relação à pesquisa

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empírica está mais na concepção de que o método em Sociologia não deve separar de modo

instrumental o objeto, como postula o positivismo, mas sim adequá-lo aos objetos.

Como o desenvolvimento de métodos próprios da ciência possibilitou grande avanço

nas ciências naturais, isso acabou por determinar certo grau de fetichismo na ciência

envolvendo o próprio método. Só que, no caso da Sociologia, que tem que lidar com

conceitos como reificação, fetichização e ideologia, a ciência deveria fornecer, se quiser

escapar da falsidade, além do método para refletir sobre os objetos, a incorporação nesse

método de uma reflexão sobre si mesma e sobre sua relação com os seus objetos.

Esta é, como foi visto no capítulo anterior, uma das diferenças mais importantes entre

as sociologias da Escola de Frankfurt e a positivista: a característica essencial da Escola de

Frankfurt é a busca por não sucumbir ao fetichismo do método, próprio de “uma Sociologia

que não pretende ser algo além de Sociologia”19

. Com seus métodos imanentes e nexos de

fundamentação, a ciência positivista acaba por se converter em fim em si mesma, sem

referências ao objeto do qual deveria se ocupar (ADORNO, 1977b; 2008a).

Tanto Adorno (2008a) quanto Horkheimer (2007) atribuem esse apego ao método ao

medo ou à insegurança intelectual. Considerando que o ideal da metodologia é o tautológico –

ou seja, o conhecimento tem determinação operacional, apresentando um resultado que

corresponde às exigências próprias do método –, só serão produtivos os conhecimentos que

puderem ultrapassar esse caráter tautológico-instrumental. Disputas metodológicas costumam

esconder divergências sobre conteúdos e se perdem numa discussão que se esgota no método.

O que Adorno (2008a) chama de “sensatez racional metodológica” é ponderar

rigorosamente todos os aspectos relevantes de cada caso. Isso inclui a ponderação de que

resultados qualitativos, que parecem individuais, encontrados em questões sociológicas como

opiniões arraigadas, comportamentos, atitudes e ideologias, por serem socialmente mediados,

extrapolam os indivíduos. Por isso mesmo, isso pode justificar a inclusão de momentos

quantitativos – que podem revelar opiniões, ideologias e o senso comum – aos qualitativos.

São sociais fatos que a sociologia empírica atribuiria aos indivíduos, mas que, ao

serem remetidos à Estatística, podem ser generalizados, de modo que o que é aparentemente

específico pode adquirir um valor mais geral do que poderia parecer ao olhar ingênuo

(ADORNO, 2008a). Quando os objetivos do conhecimento são claros, esse tipo de

conhecimento pode ajudar a estabelecer uma racionalidade orientada para os fins. Isso inclui

as questões referentes à amostra, a qual, para se atingir determinado objetivo, poderia, em

19

Termo usado por Erwin Scheuch no Congresso de Sociologia de 1968 em Frankfurt (ADORNO, 2008a, p.

246).

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alguns casos, ser de algum modo escolhida pelo pesquisador que, para esse fim, poderia

abandonar alguns fetichismos metodológicos (amostra aleatória, etc.).

O método deve ser desenvolvido a partir do assunto, e não o contrário. Como

exemplo, Adorno (2008a) cita a produção das escalas “Guttman”, “Thurstone” e “Likert”20

(1961): a “Guttman”, que apesar de ser um avanço metodológico sobre as mais antigas na

busca de minimizar ambiguidades expressas pelas respostas, acaba tendo como desvantagem

diminuir a fecundidade das informações obtidas. Já a escala F que Adorno desenvolveu em

Authoritarian Personality (ADORNO et al., 1982) teve como vantagem justamente a

ambiguidade de algumas perguntas, possibilitando “acertar várias moscas em um só golpe”

(ADORNO, 2008a, p. 189): a eliminação de ambiguidades, se, por um lado, aumenta a

confiabilidade da escala e a confiança no item, por outro reduz a riqueza de conhecimentos

passível de ser retirada de sua avaliação.

Essa é uma discussão que pede uma abordagem voltada mais diretamente para a

questão da estatística em pesquisa social empírica como realizada pelo ISF – tema que tem

originado muita confusão e controvérsia no seu entendimento, e que por isso merecerá uma

abordagem específica.

C) O papel das pesquisas qualitativas e quantitativas para Adorno

Adorno e Horkheimer (1977a) acreditam que muitos dos debates contra a aplicação

dos métodos científicos desenvolvidos para investigação da natureza às ciências humanas

pecaram por não levarem em consideração a “naturalidade” que é conferida pela sociedade

aos objetos das ciências sociais. As características desses objetos são derivadas do

racionalismo utilitário humano ou, como denominou Horkheimer (2007), da racionalidade

instrumental, o que não significa que eles sejam nem racionais, nem humanos, ainda que

sejam úteis.

Esse é um tipo de racionalidade que tende a transformar o que é humano em mais um

objeto da natureza, sendo que a responsabilidade dessa transformação retirada do homem é

transferida para a ciência que o estuda. Daí que, segundo Adorno, “a falta de humanismo dos

20

Escala de Guttman: é um exemplo de escala chamada de “cumulativa” – nela, os itens da escala se relacionam

entre si, de modo que a resposta favorável a um item deve ter resposta que seja coerente com os itens anteriores.

Foi elaborada de modo a se poder inferir as respostas parciais do resultado final da escala.

A escala de Thurnstone: é um exemplo de escala chamada de “diferencial” – nela, a posição dos itens tem uma

ordenação que é previamente determinada, que leva em conta as medianas de atribuição de significado dos itens.

A mediana do item assinalado é interpretada como sendo a indicação de sua posição numa escala de atitude

favorável-desfavorável em relação ao objeto. A escala Likert: é um exemplo de escala chamada de “somatória” –

nela os indivíduos respondem a cada item especificando o grau de acordo ou desacordo com o item apresentado.

Tem como finalidade uma tentativa de quantificação de uma posição de acordo ou desacordo.

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métodos empíricos é mais humana que a interpretação humanista do que não é humano”

(ADORNO; HORKHEIMER, 1977a, p. 127). Wiggerhaus (2006) relaciona essa última

afirmação à insatisfação que Adorno demonstrava quanto ao resultado de algumas pesquisas

empíricas conduzidas pelo ISF na década de 1950, já na Alemanha, dizendo que “as pessoas

estudadas permaneciam como objetos que, mesmo mais tarde, só eram encarados como

objetos pelos esclarecimentos dados pela pesquisa e por suas utilizações” (WIGGERHAUS,

2006, p. 491).

A ideia de validade estatística da amostra está ligada, para Adorno (2008a), a um

comportamento cego das pessoas – algo que se poderia considerar discutível, num momento

quando pessoas emancipadas pudessem decidir conscientemente em função de seu desejo.

Para Adorno sempre existirá a possibilidade de os homens manterem a sua capacidade de

formar livremente a sua opinião quando eles estão em meio a relações que não conseguem

distinguir. Esse seria o ponto no qual a “lei dos grandes números” encontraria os seus limites.

A construção de modelos estatísticos válidos na atualidade chegou a um ponto tal que

permite, à ciência positivista, considerar ser suficiente seguir os critérios por ela estabelecidos

para se ter a garantia de “idoneidade” dos resultados. Entretanto, pode-se considerar que a

aplicação de um modelo rigoroso a problemas para os quais o método é inadequado, ou

incompatível, pode produzir resultados errados ou absurdos. Ou seja, a estatística deveria

servir mais para controlar do que para gerar concepções, as quais deveriam nascer, em geral,

de estudos mais profundos de casos particulares (ADORNO; HORKHEIMER, 1977a).

Adorno (2008a) reconhece que o dado quantitativo é mais confiável. Mas também

entende que, para se obter os números, é preciso renunciar à diferenciação dos instrumentos

de pesquisa que forneceriam conhecimentos detalhados mais produtivos. Nesse sentido, o

método qualitativo pode produzir coisas mais fecundas. A questão é que os métodos

qualitativos podem nos colocar diante de outro problema: os resultados obtidos por esses

métodos podem ser generalizados ou apenas se sustentam em casos particulares?

A resposta está na ponderação de que a sociologia empírica perde em especificidade

pela generalização estatística, pois no detalhe pode aparecer algo decisivo acerca do

universal que escapa à generalização. Daí ser fundamental complementar os levantamentos

estatísticos com estudos de casos. A quantificação funcionaria, assim, apenas como meio para

discernir o qualitativo, ou seja, a ligação entre os métodos estatísticos e sua aplicação deve ser

feita utilizando-se elementos cognitivos qualitativos (ADORNO, 1980, 2008a).

O exemplo de Adorno encontra em sua própria experiência na pesquisa da

Authoritarian personality:

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Já no planejamento, tínhamos previsto compensar o perigo da mecanização implícita

nos trabalhos quantitativos mediante estudos de casos qualitativos complementares.

A aporia de que o apurado de forma puramente quantitativa raras vezes alcança os

mecanismos genéticos profundos, mas que, com a mesma facilidade, pode ser

negada aos estudos qualitativos a possibilidade de generalização e, portanto, a

validade sociológica objetiva, procuramos superá-la utilizando toda uma série de

técnicas (ADORNO, 1995a, p. 163).

Mas, se Adorno (2008a) considera superficial a ideia de que a “ciência é medida”, ele

também atenta contra uma atitude de superioridade em relação aos métodos qualitativos pois,

como já foi visto anteriormente, para se investigar a vida social contemporânea padronizada,

os métodos padronizados não só podem expressar de modo mais fiel essa situação, como

podem também ser o instrumento mais adequado para entendê-la e descrevê-la.

O método de pesquisa “análise de conteúdo” também é um exemplo do que se está

tratando. Na forma como foi conduzida por Harold Lasswell – autor que já foi abordado no

capítulo anterior – na década de 1920 nos Estados Unidos, a partir da análise da propaganda

inimiga durante a Primeira Guerra, e com caráter basicamente quantitativo, o método tinha

por intenção abordar todo o tipo do que se chamou de “formação espiritual” (textos, filmes,

etc.).

De modo sumário, o objetivo era, tendo escolhido temas para estudo, enumerar entre

eles temas mais específicos que o constituíam, averiguando o peso relativo de cada um dos

temas individuais. Os detalhes do procedimento foram publicados em um ensaio intitulado

Why be quantitative?21

, o que estimulou a resposta de um pesquisador alemão, Siegfried

Krakauer (1952), em um artigo no qual defendia procedimentos qualitativos para a análise de

conteúdo.

Essa é uma discussão que Adorno (2008a) aconselha que não pode ser superada nos

termos de que uma é a certa e a outra a errada, devendo ser conduzida em relação ao objeto a

ser analisado. No caso de Lasswell, o método basicamente quantitativo estava totalmente

apropriado à publicidade. Mas, mesmo Lasswell, para desenvolver os seus procedimentos

quantitativos, precisou de um momento qualitativo – no caso, enumeração das categorias.

Por outro lado, quanto mais diferenciadas e autônomas forem as “formações

espirituais” a serem investigadas, tanto mais sem sentido se torna, para Adorno (2008a), uma

análise puramente quantitativa. O que seria importante neste caso seria o aprofundamento na

análise do material específico:

21

Esse ensaio está disponível no capítulo 3 de Lasswell e Leithes (1949).

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O conteúdo social de formações organizadas e diferenciadas em si mesmas só pode

ser apreendido mediante a análise de seu sentido, em vez de se vincular de algum

modo esse sentido de antemão ao seu efeito, que possivelmente nada tem a ver com

o conteúdo em si. Aqui se encontra o que precisa ser elaborado e que é

sociologicamente relevante: o conteúdo. Esse só é apreendido por uma análise

imanente, a qual, entretanto, deve-se acrescentar também a análise dos efeitos, ou

seja, a descoberta dos efeitos de tais formações (ADORNO, 2008a, p. 221-222).

Como exemplo em suas próprias pesquisas, Adorno (2008c) cita o trabalho que deu

origem ao livro As estrelas descem à terra:

Empreguei o procedimento qualitativo, embora não tenha recusado calcular a

frequência, pelo menos grosso modo, dos truques básicos que se repetiam no

material escolhido que abarcava um lapso de dois meses. Entre as justificações do

método quantitativo, conta-se o de que os produtos da indústria cultural estão

planejados, eles mesmos, desde pontos de vista como que estatísticos. A análise

quantitativa mede-os com sua própria medida (ADORNO, 1995a, p. 172).

Com essas observações chega-se ao próximo passo conceitual relacionado à pesquisa

empírica, que diz respeito à dialética como método e como a teoria se relaciona com ela.

D) A importância da teoria e a dialética como método

Defendendo a dialética como método de pesquisa empírica da sociedade, Adorno

(2008a) afirma que a sua função é unir os dois momentos contrapostos, inferidos a partir da

sociedade: de um lado, sua opacidade e ausência de inteligibilidade; e, de outro, o seu caráter

redutível ao que é humano e, portanto, compreensível. O erro do positivismo é não evoluir

para essa compreensão, ficando preso na ingenuidade do dado imediato ou, recuperando

Hegel, no primeiro momento da dialética, que é o do “entendimento”.

Mas, talvez um dos diferenciais mais importantes na pesquisa empírica para Adorno

reside no fato de que, para propiciar um julgamento equilibrado, a pesquisa, além de superar

seus preconceitos, deve estar fundada em teoria: para Adorno e Horkheimer (1977a) não é

possível uma investigação social empírica sem teoria.

Essa teoria, no entanto, deve ser admitida como “hipótese figurada”, e não como

“instância legítima”. É com a teoria que os dados obtidos devem ser tensionados, de modo

que do tensionamento possam emergir as contradições – ou o segundo momento da dialética

hegeliana ou o momento negativo que Adorno identificou em Kant.

Voltando à sua experiência de produção da Authoritarian personality, para Adorno:

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O mérito que, porventura, tenha a Authoritarian personality não consiste na absoluta

precisão das análises positivas, nem nos índices quantitativos, senão, antes de mais

nada, em sua problemática, a qual está perpassada por um interesse social essencial e

se move no marco de uma teoria que antes não tinha sido aplicada a investigações

quantitativas (ADORNO, 1995a, p. 167).

Christie e Jahoda (1981), em uma obra que foi crítica em relação a vários aspectos

metodológicos da pesquisa conduzida por Adorno et al. (1982), questionaram a circularidade

de que a teoria pressuposta por instrumentos de investigação estava sendo validada pelos

mesmos instrumentos, ao que Adorno (1995a) respondeu:

Nunca consideramos a teoria simplesmente como hipótese e sim sempre como algo

em certo sentido independente; daí que tampouco pretendêssemos provar ou refutar

a teoria pelos resultados, mas sim exclusivamente derivar dela questionamentos

concretos no plano da investigação, que logo caminhassem por seus próprios pés e

demonstrassem certas estruturas psicológico-sociais correntes [...] Esses problemas

metodológicos, formulados todos eles segundo o modelo hipótese-prova-conclusão,

motivaram posteriormente minha crítica filosófica ao conceito científico

convencional do absolutamente primeiro (ADORNO, 1995a, p. 168-169).

Citando o resultado de outra pesquisa conduzida por Adorno e outros membros do

grupo, o “Child Study”, que também utilizou as categorias do Authoritarian personality, o

surgimento de alguns resultados inesperados possibilitaram a Adorno a conscientização de:

Aalgo daquilo que Robert Merton, desde outro ponto de vista, identifica uma das

justificações mais importantes das pesquisas empíricas, a saber: em maior ou menor

medida, qualquer achado, uma vez posto, pode ser explicado teoricamente, mas

também o seu contrário. Em poucas ocasiões tenho experimentado tão vividamente

como então a legitimidade e necessidade de uma investigação empírica que responda

realmente aos problemas teóricos (ADORNO, 1995a, p. 170)

Na sociedade, tendências essenciais, como certos desenvolvimentos políticos, não

atuam de maneira uniforme ou, dito de outra forma, segundo amostragem estatística, mas de

acordo com interesses mais poderosos e com a eficácia de ação de quem consegue fabricar a

opinião pública. É por isso que uma teoria da sociedade é necessária para a adequada

interpretação do que vai sendo descoberto pela pesquisa empírica (ADORNO;

HORKHEIMER, 1977a).

Como a pesquisa social não tem suas raízes no que se poderia chamar de cultura

universal, ela acaba por se aproximar muito mais do pragmatismo norte-americano, que

adapta as técnicas de investigação a objetivos comerciais e administrativos. O resultado seria

uma ciência que oferece saber de domínio e não saber de cultura.

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A sociologia empírica, quando influenciada pelo que chamou de administrative

research22

, termina por se desenvolver de modo unilateral, na medida em que forma o seu

potencial apenas para assegurar informações úteis, deixando os aspectos que possuem

implicações críticas tratados de forma precária. Essa limitação reside no fato de que esse tipo

de conhecimento pressupõe teoria, sem a qual não se tem instrumentos para pôr em questão

esse saber de domínio. Acontece que a teoria é pobre na administrative research.

Muitas das diferenças entre as pesquisas empíricas em Sociologia, relativas tanto ao

método como ao resultado, podem ser evidenciadas pelas diferenças entre a administrative

research e pesquisa empírica sociológica de cunho mais crítico, como têm sido realizadas no

campo da administração. Por estar no campo da pesquisa a ser realizada nesta tese, esse tema

necessitará ser mais bem trabalhado.

2.2.2 Adorno e a pesquisa empírica em administração

No curso das discussões com Lazarsfeld (1941), com quem Adorno trabalhou durante

os primeiros anos de sua permanência nos Estados Unidos, ficou claro haver duas concepções

inconciliáveis da Sociologia: de um lado, a que constata fatos sociais, preparando-os e

disponibilizando-os para posicionamentos administrativos de qualquer ordem – o que Adorno

caracteriza como administrative research –; e, de outro, a investigação crítica da comunicação

dos achados.

A diferença entre as duas não estaria apenas nos fins: uma considera o tratamento dos

homens como objeto (veja-se o exemplo da indústria cultural, que busca saber como arranjar

seus programas, para maximizar sua comercialização), enquanto a outra insiste no potencial

da sociedade como sujeito. É da primeira visão a reivindicação de poder pela Sociologia, a

totalização da reivindicação administrativa da sociedade – o que implica tudo, menos uma

posição de neutralidade, como preconizado pela ciência positivista (ADORNO, 2008a).

O que Adorno denomina “administrative research” pode ser assim caracterizado:

Quando não se dispõe de poder, quando a resignação domina, os investigadores

limitam-se, voluntariamente, já que as informações sobre o mercado são muito

apreciadas nesses períodos, a determinar que uma tarefa previamente fixada – por

exemplo, a venda de uma mercadoria, a influência que se deseja obter sobre

determinado grupo humano, etc. – seja resolvida com a máxima eficácia e em

condições econômicas perfeitas (ADORNO; HORKHEIMER, 1977a, p. 129).

22

O termo será utilizado aqui muitas vezes em inglês, pois essa é a forma como Adorno o utilizava no original,

tendo sido mantido assim por seus tradutores para o português em muitas de suas obras. Quanto ao termo,

Adorno não se lembra “se foi Lazarsfeld quem cunhou esse conceito ou se fui eu em meu assombro diante de um

tipo de ciência diretamente orientada para o prático, coisa para mim insólita” (ADORNO, 1995a, p. 142).

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Podem-se esperar interesses divergentes na aplicação prática da ciência social,

dependendo do que pretende a sociedade em seu momento histórico: mudar a sua estrutura ou

apenas eliminar um inconveniente. Essa última é a função da “administrative research”, em

que o que se quer saber é, por exemplo, o que vende mais ou que método de produção é mais

eficiente. Essa é a razão pela qual os métodos em ciência social empírica se prestam com tanta

facilidade a servir aos interesses da manipulação social. Sem poder e tendo a pesquisa sido

contratada como encomenda de alguém com a finalidade de responder às perguntas que o

contratante deseja, e não outras, os investigadores limitam-se a garantir que algo que foi

previamente fixado – a venda de uma mercadoria, a identificação da influência exercida sobre

determinado grupo, etc. – seja resolvido com eficácia, e apenas isso (ADORNO, 2008a).

O que se tem estudado são setores delimitados da estrutura social. E o estudo de

objetos retirados do contexto social exclui o tratamento da sociedade como totalidade, daí o

caráter de informação gerada, útil apenas para fins administrativos, na forma como tem sido

realizada e que Adorno experimenta já na década de 1940 nos Estados Unidos (ADORNO,

1995a; ADORNO; HORKHEIMER, 1977a).

Mas esse tipo de investigação social empírica, observada na administrative research,

não precisaria se comportar como um campo distinto da Sociologia, pois, como foi visto na

seção anterior, nada impede que uma investigação que se ocupe de opiniões, motivações e

comportamentos subjetivos também possa se ocupar de fatos objetivos da sociedade. A

questão é que esse tipo de investigação se comporta mais como um método do que como um

setor do conhecimento – e, como foi visto na discussão sobre a polêmica com o positivismo,

como método, os papéis dos critérios de quantificação, de verificabilidade, falsidade e de

repetição devem ser repensados nesse tipo de pesquisa (ADORNO; HORKHEIMER, 1977b).

Adorno não considerava a Sociologia uma ciência humana: as suas questões não são

questões de consciência ou do inconsciente, mas sim as que envolvem, além do conflito entre

o homem e a natureza, as das formas objetivas de socialização. Por isso, o objeto da pesquisa

social empírica deveria ser especulações guiadas pela ideologia, usando, para isso, além da

“pesquisa de opinião”, métodos que pudessem ajudar a elucidar também o lado subjetivo da

sociedade. Ou seja, as pesquisas de opinião só teriam sentido se estudassem as relações entre

processos econômicos, psiquismo e cultura (ADORNO, 2008a), pois:

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Sabemos que os homens de que tratamos permanecem, desde então, homens com

sua capacidade de formar livremente sua opinião e com sua espontaneidade quando

são integrados a relações que eles próprios não conseguem distinguir, e sabemos que

a lei dos grandes números tem seus limites com esse elemento espontâneo e

consciente (ADORNO apud WIGGERHAUS, 2006, p. 491).

O esforço de Adorno (2008a) na defesa da pesquisa social empírica (PSE) se

concentrava nos pontos em que ela significava mais do que técnicas sutis de entrevistas,

considerando que ela já havia elaborado por si mesma, e com o auxílio da psicanálise, os

métodos graças aos quais ela poderia superarar a superficialidade – como os questionários

indiretos, os testes, as entrevistas em profundidade e a discussão em grupo.

Adorno (1982) demonstra isso, na prática, usando como exemplo a pesquisa que

realizou em associação com outros pesquisadores de Berkeley, Estados Unidos, a qual deu

origem à escala F, que será apresentada com mais detalhe no capítulo sobre a personalidade e

os fundamentos psicossociológicos do seu desenvolvimento.

A visão de Adorno sobre a prática da PSE será tratada em dois momentos importantes

para a sua experiência nesse campo: aquele que envolveu as pesquisas realizadas nos Estados

Unidos da América e as pesquisas realizadas na Alemanha, quando da reinstalação do ISF na

década de 1950.

A) Adorno e a pesquisa social empírica (PSE) nos Estados Unidos da América

Em seu relato sobre as pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Adorno (1995a)

manifesta o seu primeiro estranhamento relacionado a uma objeção muito ouvida por ele, em

resposta a alguns de seus textos teóricos: “onde está a evidência?” – o que, para ele, traduzia

uma demanda por demonstrações de ordem estatística.

Mas também lhe chamou a atenção o fato de que o contrato de seu primeiro projeto

tinha estipulado que o sistema comercial norte-americano, com seus pressupostos sociais e

econômicos e consequências socioculturais, não poderia ser o objeto da análise. No

andamento da pesquisa e em suas palavras, “ninguém me pedia teorias medulares sobre a

relação entre música e sociedade; esperavam de mim informações utilizáveis” (ADORNO,

1995a, p. 145). Para tanto, empregava-se um “círculo metodológico” em que a reificação

cultural deveria ser capturada com o uso de métodos reificados.

Também digno de nota foi a observação de que o pesquisador norte-americano não se

permitia fazer inferências sobre as observações, nem registrar impressões baseadas no senso

comum, se estas não estivessem fundadas nos dados, sob o risco de que elas fossem

consideradas simples especulações: “a educação universitária produzira nele o efeito de

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incapacitá-lo para considerações que não estivessem respaldadas por fatos estritamente

observados e registrados”, o que levou Adorno a considerar que “o ceticismo frente ao

indemonstrado pode transformar-se na proibição do pensar” (ADORNO, 1995a, p. 151). Para

essa discussão, Adorno (1995a) recupera a ideia de especulação em Hegel, o qual:

Pôs a maior ênfase em que o pensamento especulativo não é algo absolutamente

diverso do que costuma chamar-se sã razão humana, do “common sense”, e sim que

consiste essencialmente em sua autorreflexão e autoconsciência crítica [...] Quem,

como eu faço, vai tão longe na crítica do “common sense”, deve cumprir a exigência

simples de ter “common sense” (ADORNO, 1995a, p. 177).

Como discutido por Adorno (1995a), muitas das conclusões a respeito de métodos de

pesquisa empírica em Sociologia ou sobre uso de metodologias qualitativas ou quantitativas,

como apresentadas na seção anterior, são fruto de sua experiência com os trabalhos nos

Estados Unidos. Em suas palavras, “somente nos Estados Unidos experimentei deveras o peso

do que significa empiria, por mais que, desde cedo, me guiasse a consciência de que o

conhecimento teórico fecundo só é possível em estreito contato com seus materiais”

(ADORNO, 1995a, p. 177-178). E acrescenta que:

Na forma do empirismo transportado à praxis científica nos Estados Unidos, eu tive

de aprender que a amplitude total, não regulamentada, da experiência, vê-se

reduzida pelas regras de jogo empiristas a limites mais estreitos que aqueles que

impõem o próprio conceito de experiência. Depois de tudo aquilo, não seria a

expressão mais falsa do que estou a imaginar a de uma espécie de restituição da

experiência, contra seu arranjo empirista. Tal foi, não por último, junto com a

possibilidade de prosseguir na Europa as minhas próprias tarefas antes estorvadas e

a de contribuir um pouco ao esclarecimento político, o motivo de meu retorno

(ADORNO, 1995a, p. 178).

Abre-se espaço para a próxima discussão, referente às pesquisas conduzidas na

Alemanha, quando da reinstalação do ISF em Frankfurt, na década de 1950.

B) Adorno e a pesquisa social empírica na Alemanha na década de 1950

A proposta de Adorno, na reinstalação do ISF, era então, como ele defendia, lançar a

pesquisa empírica contra as especulações guiadas pela ideologia. O exemplo do ele que

pretendia é apresentado por Wiggerhaus (2006) da seguinte forma:

Se depararmos, sob o manto de qualquer pretensa autoridade da Sociologia como

ciência humana, com o enunciado de que o homem que qualificamos de rural e

recalcitrante a toda inovação técnica ou social devido à sua mentalidade

fundamentalmente conservadora ou sua “atitude”, não ficaremos satisfeitos com tais

explicações [...] mandaremos, por exemplo, ao local, entrevistadores que gozem da

confiança dos camponeses com a missão de aprofundar as questões [...] (ADORNO

apud WIGGERHAUS, 2006, p. 489).

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Também havia a intenção do ISF de publicar obras sociológicas norte-americanas, em

função da constatação de que:

A maioria dos especialistas, como dos não iniciados, não está a par da contribuição

dos sociólogos norte-americanos ao pensamento e à teoria sociológicos e não

percebe também que, nos Estados Unidos, como aliás em toda parte, a teoria e a

pesquisa sociológicas são estreitamente dependentes uma da outra e influenciam-se

mutuamente (ADORNO apud WIGGERHAUS, 2006, p. 515).

Mas o ISF passava por dificuldades financeiras naturais naquele reinício. Se logo após

o retorno para a Alemanha, em 1950, Horkheimer pôde recusar uma encomenda realizada

pelo grupo empresarial Hoechst, em 1954 ele enfrentou numa situação financeira na qual se

viu compelido a aproveitar a oportunidade de uma outra encomenda, dessa vez feita pela

Mannesmann. O grupo do ISF praticamente não tinha experiência em sociologia empresarial,

mas Horkheimer aceitou o encargo, de um lado como desafio, mas também muito pressionado

pela necessidade de obter recursos para o ISF (WIGGERHAUS, 2006).

Por parte da Mannesmann, a pesquisa teve que ser realizada sob forte pressão de

prazos. A diretoria da empresa procurava resposta para a seguinte pergunta: “o que pensa e o

que quer o pessoal de nossa empresa e por que pensa e quer assim”? Ou seja, a diretoria

queria ser informada do clima social e dos fatores que eram decisivos nesse clima. Queria

conhecer as causas profundas, fundamentos conceituais e raízes sentimentais da formação das

opiniões, pois julgava que a partir daí a pesquisa poderia ser utilizada para resolver os

problemas da empresa – o que para o ISF era um tema promissor, por sua orientação

metodológica, pois, como foi visto anteriormente, em seu programa constava a ambição de

penetrar a superfície das opiniões (WIGGERHAUS, 2006).

A metodologia usada foi a seguinte:

a) 15 entrevistadores experientes entrevistaram 1.172 operários e empregados, escolhidos

por amostragem aleatória entre os mais de 35.000 empregados;

b) contramestres ou representantes do pessoal eram informados pela direção pouco antes

da entrevista e convocados para um local reservado das fábricas, onde ocorriam as

entrevistas, que se compunham de declarações orais individuais de aproximadamente

50 minutos, seguidas da aplicação de um questionário;

c) depois, assistentes do ISF organizaram discussões em grupo envolvendo 539

participantes. Para essas discussões, o estímulo fundamental eram pontos considerados

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importantes para a satisfação ou insatisfação nas fábricas, retirados de uma pesquisa

preliminar realizada com os trabalhadores, usando-se um questionário;

d) o rascunho do relatório foi entregue à presidência da sociedade em janeiro de 1955 e

em junho de 1955 foi entregue o relatório principal (WIGGERHAUS, 2006).

A questão mais importante foi saber, de uma lista de oito, quais seriam os fatores mais

importantes para os empregados. Para determinar a importância de diferentes fatores para a

atitude dos empregados para com a fábrica e, num segundo momento, o ambiente da empresa

que se procurava conhecer, procedeu-se de forma indireta, pois as pessoas interrogadas não

eram consideradas capazes de indicar diretamente os fatores decisivos de sua atitude para com

a fábrica.

Foram feitas perguntas específicas, como “há um trabalho que você preferiria

realizar?”, na parte relativa à atitude para com o cargo, usando-se respostas positivas e

negativas como critério de satisfação ou insatisfação em cada setor.

A expectativa que Adorno tinha para o estudo era combinar a análise quantitativa dos

resultados das entrevistas de uma amostra considerada representativa com a análise qualitativa

dos relatórios das discussões de grupo, visando à psicologia profunda, como realizado na

Authoritarian Personality.

Entretanto, no relatório, Wiggerhaus (2006) observa que só se percebiam vestígios da

teoria crítica na introdução, chamada de Problemática, que trazia claramente a marca de

Adorno. Nela, mostrava-se uma consciência aguda das graves limitações do estudo,

explicando que faltava uma análise dos personagens-chave (diretor e principais executivos) e

de suas opiniões. Também chamava a atenção para a dimensão histórico-social que foi

desprezada pelo estudo no que diz respeito à ideia de representação dos assalariados por

pessoas qualificadas (no contexto do tema da cogestão) e para a tendência a uma apatia, nos

pontos em que não se encontra uma situação democrática historicamente estabelecida

(WIGGERHAUS, 2006).

O capítulo “Observações metodológicas” desse estudo indicava que, graças ao contato

imediato com a pessoa interrogada, o entrevistador dispunha também de impressões globais

cujo único defeito era o de resistirem à eliminação do fator constituído por sua subjetividade.

E, num raciocínio com a marca de Adorno, explicava que “é precisamente a capacidade total

de reação subjetiva do entrevistador que se torna, aqui, um „instrumento de pesquisa‟ que é

ainda o mais adequado a seu objeto imponderável em sua dinâmica e sua complexidade, a

relação com a fábrica” (WIGGERHAUS, 2006, p. 527).

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A questão era que as entrevistas foram confiadas a 15 pesquisadores que, ao final,

apenas indicavam sua impressão geral quanto ao grau de cooperação do entrevistado,

qualidade do contato, sinceridade das respostas, dedicação à empresa do sujeito interrogado e

à intensidade da atividade sindical. Mas quanto ao grau com que a “inteira capacidade de

reação subjetiva” dos “assistentes” do ISF encarregados de conduzir as discussões em grupo

melhorava os resultados, o relatório nada citava.

Adorno não completa os estudos empíricos críticos com que sonhava. Em um

manuscrito de 1957, Teamwork in der Socialforschung (equipe de trabalho em pesquisa

social), ele radicaliza a autocrítica da pesquisa sociológica empírica, entre a qual e a crítica ele

via dois elementos dissociados e incompatíveis na prática. Em suas palavras:

Quem conhece a prática da pesquisa social por ter ele próprio trabalhado nela foi

obrigado a observar que, na área dessas pesquisas, o teamwork não pode ser

substituído pelo trabalho do erudito isolado à moda antiga. Os one man studies são

sempre dúbios e a maior parte trabalho de amadores (WIGGERHAUS, 2006, p. 531)

Segundo Wiggerhaus (2006), Adorno sabia que quem quisesse ser levado a sério por

seus colegas não poderia dispensar controles que só são possíveis com o teamwork – como o

inventário ou a classificação dos dados de acordo com as categorias que acompanham a

opinião, para diminuir a subjetividade. Mas a um preço muito alto, pois, segundo Adorno:

Não só as continências individuais desaparecem nesse processo de eliminação, mas

também tudo o que o indivíduo refletiu e adquiriu como compreensão objetiva do

processo e que desaparece no processo de abstração, que reduz vários indivíduos à

fórmula de uma consciência comum que apaga as diferenças específicas

(WIGGERHAUS, 2006, p. 531).

A questão estava no fato de que, se o responsável pela pesquisa tentasse reunir ao final

tudo o que forneceu de pessoal no início e que se perdeu durante o processo institucionalizado

da pesquisa, a relação com os dados seria irremediavelmente rompida e as suas reflexões

seriam sem fundamento, podendo ser no máximo toleradas como hipóteses para outros

estudos – que provavelmente não surgiriam. Em suas palavras:

A falta, sempre lamentada, de pessoas capazes de concluir com êxito a redação final

dos estudos não se explica por uma ausência de dons literários. Um relatório desse

tipo não é uma questão de prática literária, mas exige a compreensão completa da

pesquisa. O problema reside antes na aporia: tal relatório final deve apresentar uma

espécie de sentido do conjunto, ao passo que o sentido imanente do método sobre o

qual tudo se baseia é precisamente a negação desse sentido de conjunto, e a

decomposição em pura factualidade. Presta-se, pois, uma homenagem puramente

verbal à teoria, porque o objetivo da tendência imanente da research não é chegar a

uma teoria por meio dos fatos (WIGGERHAUS, 2006, p. 531-532).

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Essas observações de Adorno são muito importantes para este estudo, uma vez que

uma tese é normalmente o trabalho de um autor isolado. Mas a solução deve ser buscada em

Adorno mesmo.

Segundo observa Wiggerhaus (2006), a consequência da ruptura de Adorno com a

PSE foi fazer o que se pudesse fazer sozinho ou, dito de outra forma, trabalhar na teoria. Mas,

em que tipo de teoria e como se precaver de cair em pura especulação? Foi por isso muitas

vezes acusado por sociólogos positivistas norte-americanos.

A resposta veio dois anos depois, quando Adorno iniciou a redação da Dialética

negativa (2009), na qual se volta para a tese de que os fatos importantes se escondem diante

da abordagem empírica. Sua crítica estava voltada para a pesquisa estabelecida, e não para o

projeto de uma pesquisa sociológica empírica crítica, que lhe daria os meios para se

concentrar na teoria filosófica sem deixar de insistir na necessidade de uma pesquisa de

campo para a sociologia crítica. É por isso, então, que se deve buscar, nessa obra, a Dialética

negativa, as pistas para a pesquisa empírica.

É o que se procura fazer em seguida, ainda que, ciente das limitações de compreensão

impostas por uma obra filosófica da maturidade, se necessite utilizar de outras obras nas quais

Adorno busca tornar compreensíveis as suas ideias para alguma plateia ou da referência a

outros autores que já se dedicaram especificamente à obra.

2.2.3 A Dialética negativa como o fundamento para a pesquisa empírica

Em face da possibilidade concreta da utopia, a dialética é a ontologia do estado falso

(ADORNO, 2009, p. 18 – grifo do autor da tese).

Não é tarefa fácil escolher o que é relevante para a apresentação, no conteúdo de uma

obra densa como a Dialética negativa, sem correr o risco de deixar o tema fragmentado. Mas,

para a finalidade desta pesquisa, e considerando a centralidade da obra dentro do seu

pensamento, esse esforço não pode ser negligenciado. O que se precisa encontrar são os

critérios para a abordagem.

Existem várias ideias que são próprias da obra, mas que por sua anterioridade histórica

no pensamento de Adorno foram tratadas em outros momentos deste capítulo – como foi o

caso de conceitos como os de campo de força e constelação. Também existe o contraponto

entre o pensamento de Adorno com autores, como Heidegger e os fenomenólogos, o que

também já foi feito – ainda que sumariamente, uma vez que essa discussão é considerada

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muito mais um acerto de contas entre Adorno e a filosofia do que propriamente algo que

tenha relevância na abordagem empírica do objeto social.

Para se ganhar em concisão sem perder em conteúdo, decidiu-se utilizar aqui as aulas

que o próprio Adorno ministrou sobre o tema em 1965 (ADORNO, 2001b; 2006; 2008a),

além dos tópicos apresentados na introdução e na parte II da Dialética negativa (conceitos e

categorias), sem deixar de considerar as escolhas de tópicos feitas por autores que são

considerados referência na obra em nosso meio – como Nobre (1998) e Tiburi (2005).

Também foram de fundamental importância as orientações de aula do Prof. Dr. Eduardo

Silva, muitas das quais podem ser encontradas em sua tese de doutoramento (SILVA, 2006).

A seguir, serão apresentados os tópicos identificados como os mais relevantes para a

compreensão da Dialética negativa de Adorno. Em primeiro lugar, buscar-se-á a justificativa

de Adorno para a sua dialética como negativa – no contraponto com a dialética hegeliana, que

ele chama de positiva. Após, serão apresentadas algumas das categorias fundamentais para a

compreensão da Dialética negativa.

Para a apresentação das categorias, e em congruência com o pensamento de Adorno,

decidiu-se apresentá-las como fazendo parte de constelações ou grupos de categorias que,

apesar de possuírem cada uma um sentido em si mesmas, se relacionam entre si com o que se

poderia chamar de um sentido adicional.

Não é pretensão deste trabalho esgotar aqui o assunto de uma obra da complexidade da

Dialética negativa, mas tão somente registrar o que se considerou fundamental para a

compreensão do pensamento de Adorno naquilo que se constitui como fundamento tanto no

desenho da pesquisa no qual se baseou esta tese quanto na interpretação dos achados obtidos

na investigação. Esses aspectos, segundo o entendimento do autor, diferenciam uma pesquisa

baseada na dialética negativa de uma pesquisa que utiliza a metodologia habitual de

investigação positivista – ainda que se considere crítica.

2.2.3.1 A justificativa da terminologia “dialética negativa”

De acordo com Adorno (2008a), dialética não é um construto arbitrário ou uma

posição filosófica, mas um tipo de pensamento. É o oposto de um mero ponto de vista

filosófico – o que não é suficiente para torná-lo um ponto de vista. O termo grego coincidia

mais ou menos com epistemologia e lógica, mas era mais geral.

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No sentido de contradição, a dialética existe em duas versões: a idealista, que pode ser

vista como o apogeu da especulação idealista, a partir de Kant, mas da qual Hegel é o

exemplo mais acabado; e a materialista, da qual Marx é o melhor exemplo.

Considerando a forma dialética de pensar e, nela, o componente de contradição, não

teria toda dialética um elemento de negatividade, sendo o termo “negativa” uma tautologia?

Adorno (2008a) considera que não, chamando a atenção para o fato de que a dialética

hegeliana, pela forma como conduz os seus procedimentos, pode ser considerada positiva.

Isso porque Hegel liga o conceito de negatividade à subjetividade – podendo sua filosofia ser

chamada de idealismo objetivo.

A positividade de sua dialética está expressa na ideia de que a negação de uma

negação deve originar algo de positivo, o que, numa representação gráfica como na

aritmética, seria algo como (-) x (-) = (+). Adorno (2008a) lembra que, em sua Filosofia do

direito, Hegel defende realidades positivas contra a negatividade de apenas pensar

subjetivamente, dependendo apenas de si (daí o direito positivo).

Um dos aspectos relevantes da filosofia de Hegel é a sua natureza dinâmica – suas

categorias surgiram historicamente e por isso estão sujeitas a mudanças. A despeito disso, seu

aparato conceitual tem muito de imutável, de constante – o que se volta contra as intenções de

sua própria filosofia.

Por um lado, Hegel destruiu a ilusão kantiana do ser-em-si, mostrando que o sujeito é

um aspecto da objetividade social, inferindo disso o fato de que, lidando com a subjetividade

abstrata, os aspectos sociais se mostram mais fortes e prevalecem na sua objetividade. Mas a

crítica a Hegel, que justifica a formulação de uma dialética negativa, começa com a pergunta:

é essa objetividade realmente o fator maior? Ela não permaneceria – como o que Hegel

mesmo reprovava – pura externalidade, um coletivo coercitivo? E isso também não

significaria uma regressão do sujeito, que só recentemente na história humana ganhou sua

liberdade, à custa de muito esforço e dor?

Esse mecanismo prende a subjetividade e o pensamento numa objetividade que se

opõe a eles. Devido a essa dependência do que se poderia chamar de lógica dos fatos, que leva

a um triunfo da objetividade, não é óbvio o porquê de tal mecanismo significar que essa

objetividade sempre deveria estar com a razão.

Por tudo isso, Adorno (2008a) não admite que a negação da negação seja

automaticamente positiva. Ele percebe que o que predomina no grande público é um ideal de

positividade abstrata, que existe a convicção de que o positivo é positivo em si mesmo, sem

que ninguém se pergunte: o que é ser visto como positivo? Ninguém também se pergunta se é

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uma falácia considerar o existente como positivo – no sentido do que existe, adornado (que

seja perdoado o chiste) pelos melhores, maiores e aprováveis atributos.

O termo positivo possui hoje essa ambivalência linguística: significa o que é dado,

postulado, está lá – como ao se referir ao positivismo como a doutrina que se atém aos fatos.

Mas também se refere ao bom, ao ideal, ao aprovável – o que faz muita gente considerar

desejável uma “crítica positiva”. Ou seja, uma das funções do termo “dialética negativa” é o

desejo mesmo de se afastar da fetichização do positivo. Em termos dialéticos, pode-se dizer

que o que aparece como positivo é essencialmente o negativo ou a coisa a ser criticada. E esse

é o motivo essencial para a concepção e nomenclatura da Dialética negativa.

O conceito de positividade é fruto do pensamento moderno, que torna a crítica suspeita

– a despeito de seu conteúdo. Mas é falso e superficial tanto restringir um fenômeno às

atitudes dominantes de positividade, como em relação à negatividade. Os conceitos, no

pensamento moderno não são mais medidos de acordo com seu conteúdo, mas são isolados,

de modo a se poder considerar as atitudes em relação a eles, sem se preocupar com o

conteúdo de verdade daquilo a que eles se referem. Daí o problema de posições críticas

contra-hegemônicas, que propõem como adequadas a ruptura com o atual, criando apenas

uma nova positividade – como pode ser encontrado em alguns autores de orientação marxista.

Quando a mente não possui significados predeterminados inquestionáveis e

substanciais, ela tende a compensar fetichizando conceitos que ela produz, transformando em

absoluto o que ela criou. O valor do negativo está na resistência a esses hábitos de

pensamento, pois é a esse ter algo fixo, dado e inquestionável que o pensamento deve resistir.

A negatividade, nesse sentido, converge para o que Hegel chamava de negação determinada –

ela confronta conceitos com seus objetos e objetos com seus conceitos.

Ou seja, a negatividade em si é sem sentido, uma vez que se em si um conceito que só

existe no contexto, para outros se transforma em seu oposto, uma má positividade – o que é

indefensável. O conceito de positivo não tem validade em si, mas em relação a algo que é

afirmado ou negado. O que se vê é que, devido aos valores emocionais que ele adquiriu, ele é

retirado do âmbito no qual tem validade e é transformado em algo independente e absoluto,

em medida de todas as coisas. Essa é uma tendência que vem da consciência reificada, de

deixar paralisados todos os conceitos do mundo e fetichizá-los (ADORNO, 2008a).

Nos termos de Adorno (2008a), o segredo da dialética hegeliana é que todas as

negações que contém devem culminar num sentido positivo, em sua proposição dialética de

que “o real é racional”. É esse o ponto que parece a Adorno indefensável: o fato de se poder

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reconhecer a totalidade como racional, na irracionalidade de seus componentes constitutivos;

o fato de se poder declarar a totalidade como significativa – ou cheia de sentido.

Para Adorno (2008a), a sugestão positiva de que o real é racional (ou seja, que tem

sentido) não é admissível. Essa é uma negação de Hegel, que ficou expressa em um de seus

aforismos mais conhecidos. “O todo é o não verdadeiro” (ADORNO, 1993b, p. 42).

O termo dialética negativa tem, assim, a finalidade de clamar pelo contrário do que

propõe a dialética hegeliana. Para Adorno (2008a), os termos teoria crítica e dialética

negativa teriam o mesmo sentido. Para ser mais exato, a diferença entre os dois estaria no fato

de que o termo teoria crítica apela para lado subjetivo do pensamento – a teoria –, enquanto a

dialética negativa se refere não apenas ao pensamento (o processo), mas à realidade (a coisa)

que é por ele afetada. Daí se constituir em um arcabouço conceitual mais adequado à pesquisa

empírica.

Sobre a síntese, ideia à qual Adorno (2008a) resiste, ele observa que não é um termo

muito encontrado em Hegel. Mesmo se considerando a tríade dialética em Hegel (tese-

antítese-síntese), pode-se perceber que a síntese tende a tomar a forma da tese, uma vez

postulada, reafirmando-se dentro da antítese. Encontrada a identidade dos dois conceitos

contraditórios – pelo menos, a que é defendida na antítese –, segue-se uma reflexão, o que os

coloca como idênticos.

Mas é claro que eles também não são idênticos. A negação da negação é o

reconhecimento de que, juntando os dois termos opostos, o pesquisador, de um lado, se curva

a uma necessidade implícita neles e, de outro, comete contra eles uma violência que tem que

ser retificada. Se ela pode ser caracterizada como um pensamento que se movimenta para

frente, também é um movimento para trás, que incorpora aquilo do que quer se distanciar. Se

a síntese é a expressão da não identidade da tese e da antítese, implica que ela não é muito

diferente do conceito de dialética negativa de Adorno. Só que essa pequena diferença tem

grandes implicações em larga escala (ADORNO, 2008a).

A partir dessa defesa de uma dialética que, diferentemente da hegeliana, é negativa,

pode-se passar a algumas das categorias que estão nela contidas. As categorias que Adorno

apresenta não estão apresentadas de forma sistemática, estanques ou em pares dialéticos,

como pretendem alguns autores – inclusive no campo da administração, buscando

operacionalizar os conceitos de Adorno em pesquisas empíricas, como no exemplo, no Brasil,

de Batista-dos-Santos, Alloufa e Nepomuceno (2010).

Talvez fosse mais apropriado se falar em constelações de categorias e de conceitos.

Nas palavras de Adorno (2006):

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O fato de que devemos utilizar toda uma série de definições – a ideia de liberdade

em Hegel ou a tese de Marx da luta entre as forças de produção e das relações de

produção são exemplos óbvios – mostra que a história é uma constelação que só

pode ser apreendida com a ajuda de uma teoria filosófica elaborada, e não através da

sua redução a conceitos individuais ou a pares de conceitos (ADORNO, 2006, p.

87).

Por razões didáticas ou em um texto cujo objetivo é didático, é preciso, muitas vezes,

cometer certa violência ao conjunto para conseguir abordar os conceitos de modo

compreensivo. Entretanto, para não cometer uma violência muito grande, aqui se buscará

abordá-los em forma de constelações de conceitos.

A primeira constelação escolhida relaciona-se justamente à tríade da lógica hegeliana.

Para essa abordagem, o conceito equivale ao entendimento e a contradição ao racionalmente

negativo. Mesmo sabendo que em Hegel a especulação é o que leva à síntese, esta será aqui

abordada no sentido que foi conferido por Adorno.

2.2.3.2 O conceito, a contradição e o especulativo

A filosofia tradicional seria impensável sem que se considerasse o conceito como

imutável e a sua capacidade de definir a verdade do mutável. O que a dialética negativa

pretende é se libertar dessa necessidade.

Para Adorno, todo primeiro é, na verdade, posterior, por já ter sido pensado. Adorno

sabe que o pensamento só se estrutura e se organiza no que é pensado. Este, entretanto, não

deve se confundir com o real, que não deve ser reduzido ao pensável (TIBURI, 2005). Mas

Adorno (2009, p. 13 – grifo nosso) sabe que “pensar significa identificar” e que a

“contradição é o não idêntico sob o aspecto da identidade”. A inter-relação que existe entre os

conceitos não deve ser compreendida como ligação de um conceito ao outro, mas como uma

mediação que ocorre dentro dos conceitos: “[...] o exercício de se fazer uma ponte (entre duas

partes) não cria uma ligação entre as duas partes, mas deve estabelecer uma mediação por

dentro delas mesmas” (ADORNO, 2006, p. 133). Daí não ser possível abordar um desses

aspectos sem considerar o outro – de onde se iniciar pelo conceito de mediação.

A primeira noção que se deve ter é que:

A rigor não existe nada entre o céu e a terra – ou propriamente na terra – que não

seja mediado pela sociedade – até mesmo o seu contrário aparentemente extremo, a

natureza e o conceito de natureza, encontra-se mediado pela necessidade de domínio

da natureza e, por essa via, pela necessidade social (ADORNO, 2008c, p. 169).

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107

Para o próprio conceito, a mediação é essencial: o conceito é a mediação do imediato

– uma ideia que só faz sentido em relação ao que é contraposto ao conceito, o imediato. É o

saber sobre o conceito e sobre os limites de tal saber. O conceito de imediato designa o que

não pode ser retirado do conceito (esse entendido nos termos de Hegel). A mediação não

significa absorver tudo nela, mas postula que aquilo que é mediado é algo que não se deixa

absorver; enquanto o imediato representa um momento que não precisa de conhecimento

(mediação) (ADORNO, 2009).

A ideia é que a mediação entre o que é e o que aparenta, entre conceito da coisa e a

coisa, não é, como propõe a fenomenologia, a subjetividade no objeto, mas se dá por meio da

objetividade. Como tanto na fenomenologia de Husserl como no idealismo todas as

mediações acontecem pelo lado do sujeito, eles não conseguem conceber o momento da

objetividade no conceito senão como algo imediato (ADORNO, 2009).

O que medeia os fatos não deve ser um mecanismo subjetivo que previamente os

concebe e forma, mas a objetividade que existe por trás daquilo que o indivíduo pode

experimentar. Aquilo que se conhece como julgamento subjetivo na verdade tem a ver com o

senso comum. É a supremacia do que é objetivado entre os sujeitos – o mesmo que os impede

de se tornarem sujeitos – o que inviabiliza o conhecimento do objetivo (ADORNO, 2009).

Sendo o conceito a mediação do imediato, passa-se ao conceito e dele à dialética entre

o conceito e a contradição – uma vez que o processo dialético, em Adorno, vai começar pelo

conceito (o que, em Hegel, significava iniciar pelo entendimento – como foi mostrado

anteriormente).

A) O conceito e a contradição no conceito

Definição é entendida, por Adorno (1995a), da seguinte forma:

Definir é o mesmo que capturar – objetividade, mediante o conceito fixado, algo

objetivo, não importa o que isso seja em si. Daí a resistência de sujeito e objeto se

deixarem definir (ADORNO, 1995a, p. 182).

Como pontuou Nobre (1998), na Dialética negativa Adorno (2009) se refere à

dialética como sendo a “ontologia do estado falso”. Deve-se entender o “estado falso” como o

estado de identidade entre o conceituado e o conceito. Nesse sentido, a contradição:

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É o indício da não verdade da identidade, da dissolução sem resíduos daquilo que é

concebido no conceito. Todavia, a aparência de identidade é intrínseca ao próprio

pensamento em sua forma pura. Pensar significa identificar” (ADORNO, 2009, p.

12-13 – grifo nosso).

A identidade é uma “ilusão necessária”, recuperando uma ideia kantiana. Só que, ao

contrário de Kant (1983), que a considera “natural”, Adorno (2009) tem a ilusão não só como

não natural, mas como algo que é radicalmente histórico. Ou seja, se de um lado ela é

necessária, por outro ela é também contingente – já que histórica (NOBRE, 1998).

A contradição, ou “o indício da não verdade da identidade” (ADORNO, 2009, p. 12),

vai se ocupar com o que existe no objeto que ficou fora do conceito – o seu excedente, nos

termos propostos por Silva (2006).

A preocupação com a contradição não é nova no pensamento ocidental: vem dos

gregos a preocupação com os padrões de raciocínio, que poderiam ser transformados em leis

enunciáveis. Para isso, Aristóteles codificou os silogismos e Euclides a geometria. Mas

também os gregos já haviam identificado que, em algumas situações, a utilização correta da

lógica não livra o pensamento de contradições (HOFSTADER, 2001).

O exemplo clássico é o “Paradoxo de Epimênides”: Epimênides foi um cretense que

declarou que “todos os cretenses são mentirosos”. É uma formulação semelhante à de uma

sentença como “esta afirmação é falsa” ou a de que “eu estou mentindo nesse momento”.

Todas essas sentenças são consideradas autocontraditórias23

.

Apesar de bem conhecidos, o enfrentamento dos paradoxos dependia do

desenvolvimento do raciocínio axiomático – algo que não foi conseguido até o século XIX,

quando a descoberta de geometrias não euclidianas se constituíram num desafio à ideia de que

a Matemática estuda o mundo real. Na mesma época, os lógicos ingleses George Boole

(1815-1864) e Augustus de Morgan (1806-1871) avançavam na codificação de raciocínios

dedutivos. Em todos os seus esforços encontrava-se a orientação de deixar claro o que se

entende por “demonstração” – algo que deve ser realizado dentro de sistemas fixos de

proposições (HOFSTADER, 2001).

Concomitantemente, Cantor (1845-1918) desenvolvia a teoria dos conjuntos a qual,

pouco após seu desenvolvimento, já revelava alguns paradoxos – num momento em que a

Matemática acabava de se recuperar dos paradoxos relativos à teoria dos limites. O paradoxo

mais famoso da teoria dos conjuntos é o de Russell, que pode ser explicado da seguinte

forma: parece que a maioria dos conjuntos não era membro de si próprio (o conjunto de

23

São consideradas autocontraditórias aquelas proposições nas quais a contradição só surge quando ela se reflete

sobre si mesma.

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professores da PUC não é um professor da PUC; o conjunto que contém apenas o Presidente

da República do Brasil não é o Presidente da República do Brasil).

De novo, o problema surge quando a proposição se inclui. São conjuntos que se pode

chamar de “relativamente comuns”. No entanto, existem alguns conjuntos que podem se

incluir: o conjunto de todos os conjuntos; o conjunto de tudo o que não é o Presidente da

República do Brasil, etc. São os que se denominam “autodevoradores”. Portanto, pode-se

concluir que existem apenas dois tipos: o conjunto de conjuntos “relativamente comuns” e o

conjunto de conjuntos “autodevoradores”.

Nesse caso, o conjunto de conjuntos “relativamente comuns” seria “relativamente

comum” ou “autodevorador”? Nem um, nem outro – ambas as escolhas levam a um paradoxo

(HOFSTADER, 2001).

Uma variante do paradoxo de Russell, o “paradoxo de Grelling”, é composta de

adjetivos: os adjetivos em duas categorias, os que são autodescritivos – como “pentassílabo”,

“esquisitezíssimo”, usando os exemplos de Hofstader (2001) – e os que não são – ou os “não

autodescritivos” como “dissílabo” ou “esquisito”, para se estar na mesma categoria de

adjetivos. Mas, como a palavra “não autodescritivo” é um adjetivo, a que categoria ele

pertence? Novo paradoxo...

Para tentar banir da lógica, da teoria dos conjuntos e da teoria dos números as

autorreferências – as que levam aos paradoxos –, Bertrand Russell e Alfred North Whitehead

desenvolvem a Principia mathematica, publicada entre 1910 e 1913. A ideia – de forma aqui

muito superficial – foi desenvolver uma hierarquia na linguagem, uma metalinguagem em que

a referência em cada nível da linguagem só poderia ser feita em um nível específico.

Assim, se se considerar em Epimênides que “todo cretense é mentiroso” e que

“Epimênides é um cretense”, uma das sentenças deve estar em um nível hierárquico superior

ao outro para fazer sentido. Como, nesse caso, isso não é possível, as duas sentenças são

consideradas “sem sentido” – ou elas não podem ser formuladas em um sistema baseado em

uma hierarquia de linguagens. Tem-se aqui então o objetivo da Principia mathematica:

derivar a Matemática da lógica e, portanto, sem contradições (HOFSTADER, 2001).

Mas, para se ter certeza de ter atingido os objetivos, seria preciso demonstrar que toda

a Matemática estava contida dentro dos métodos delineados por Russell e Whitehead (ou seja,

que eram completos) e que eles eram autocoerentes (ou livres de contradições)

(HOFSTADER, 2001).

Mas, como explicar um raciocínio usando o mesmo raciocínio?

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O desafio foi enfrentado pelo matemático Kurt Gödel. Gödel percebeu que uma

afirmação da teoria dos números poderia se referir a uma afirmação da teoria dos números –

ou até à própria teoria dos números. Em seu trabalho “sobre proposições formalmente

indecidíveis em Principia Mathematica e sistemas correlatos”, desenvolveu em sua

proposição IV o que ficou conhecido como Teorema de Gödel: “a cada classe k, coerente com

w e recorrente, de fórmulas, correspondem signos de classe r recorrentes, de tal modo que

nem v Gen r nem Neg (v Gen r) pertencem a Flg (k) (sendo v a variável livre de r)”. Ou, em

uma paráfrase realizada por Hofstader (2001) para facilitar a compreensão por quem não é

matemático, “todas as formulações axiomáticas consistentes da teoria dos números incluem

proposições indecidíveis”; ou, ainda, dito de outra forma: “essa afirmação da teoria dos

números não tem qualquer demonstração no sistema de Principia Mathematica” – sendo o

Principia mathematica o sistema fixo de raciocínio ao qual a palavra “demonstração” se

refere. O que Gödel revela é que “a demonstrabilidade é uma noção mais fraca que a verdade,

qualquer que seja o sistema axiomático envolvido” (HOFSTADER, 2001, p. 18-20).

Com esses exemplos, pode-se avaliar que mesmo a lógica linear, que busca a

eliminação das contradições (como já havia sido discutido anteriormente, no debate entre

Adorno e Popper), que é utilizada como fundamento para o raciocínio no positivismo, tem

dificuldade na tentativa de atingir o objetivo de eliminar todas as contradições no pensamento

científico.

Saindo da lógica matemática e entrando no campo da filosofia analítica, essa questão

foi abordada por vários autores, entre os quais se inclui Habermas (1987b), no que foi

denominado de autocontradição performativa ou pragmática. Não cabe aqui uma discussão

pormenorizada do tema, mas interessa saber qual seria a solução para uma crítica que se inclui

sem cair em uma contradição performativa.

Neste caso, a proposta – por exemplo, para sair de um paradoxo como o de

Epimênides, de que “todos os cretenses são mentirosos”, dito por um cretense – está na

distinção de diversos níveis lógicos ou cognitivos, como foi feito no Principia Mathematica:

o nível da declaração e o nível da metalinguagem ou da declaração que se refere à declaração.

Esse princípio é reconhecido por Adorno na Dialética negativa, criticando o argumento

utilizado por quem confunde a negação universal de um princípio com sua elevação à

afirmação, sem levar em consideração o lugar que cabe a ambos (ADORNO, 2009). Mas

como aceitar a contradição ou incorporá-la sem buscar eliminá-la?

A dialética de Hegel é uma forma de enfrentar as contradições. Tem mais a ver com a

forma, como Hegel mesmo expressou, que o conceito se move em direção ao seu oposto – o

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não conceitual. Mas essa é uma contradição no conceito, e não entre conceitos. Adorno

propõe como termo alternativo a “lógica da desintegração” (que é o nome do tema do 1º

trabalho individual realizado por Adorno).

A natureza contraditória do conceito, como relatado até aqui, pode ser vista então da

seguinte forma: o conceito entra em contradição com o que ele se refere; ele é menos que o

que refere – visto que é um conjunto de características do que define, mas não todas – e mais

do que refere – e por ser a soma de características pode indicar em casos individuais alguma

característica que o indivíduo não tem.

Para o pensamento dialético, para o qual a contradição é central, o que é necessário é a

estrutura do conceito e sua relação com a coisa que ele conceitua. Uma sociedade

antagonística – como é visto pela teoria crítica – não é uma sociedade com contradições ou a

despeito de suas contradições, mas uma sociedade devido às suas contradições.

Adorno (2008a) não se diz tão malicioso a ponto de odiar todas as definições e rejeitá-

las. Ele apenas acredita que as definições estão mais bem colocadas no movimento do

pensamento do que como uma introdução a ele. A definição que ele busca quer usar o

conceito para alcançar além do conceito – o que quer dizer que, mesmo depois de renunciar

ao idealismo, a filosofia não pode se ver livre da especulação.

Esse, então, é o próximo tema a ser abordado.

B) O especulativo e a intuição em Adorno

O especulativo, em Adorno (2008a), difere do especulativo em Hegel, que se relaciona

com a tese da identidade. Ele pode ser entendido, de forma bem mais simples, como algo mais

próximo do senso comum do termo: a ideia de que se deve continuar pensando de forma

motivada. Não cegamente, mas de forma motivada, consistente, ultrapassando o ponto no qual

o pensamento é suportado pelos fatos.

Para Adorno (2008a), existe o risco de pensar que falar de especulação em filosofia

seria “contrabandear pela porta dos fundos o idealismo que foi ejetado pela porta da frente”

(ADORNO, 2008a, p. 95). Entretanto, mesmo um pensador como Marx, que representou o

extremo oposto do idealismo, não podia deixar de ser especulativo. Aliás, positivistas e

críticos habituais de Marx o atacam justamente como um pensador especulativo ou até mesmo

como um metafísico.

Existem elementos especulativos em Marx a partir dos quais se pode ver claramente o

que se quer dizer quando se fala que uma filosofia que é não idealista em princípio pode não

dispensar o elemento de especulação (ADORNO, 2008a). Por exemplo, Marx mantém a

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distinção entre essência e aparência, que é especulativa, uma vez que, por definição, essência

não é um fato, algo que se possa tocar, mas algo que transcende todos os fatos.

A ideia de natureza objetiva do processo social total e da totalidade que envolve toda a

sociedade também não é imediatamente dada. E a ideia de um processo social objetivo que

tem prioridade sobre qualquer sujeito, de uma totalidade que compreende não apenas todos os

seres humanos, mas todos os atos sociais individuais, é uma premissa implícita em toda a

filosofia marxiana. Entretanto, não é um dado imediato que não seja possível se mover de

dados imediatos para esses conceitos se referindo a eles ou abstraindo deles. Ainda assim,

esses conceitos em Marx têm funções reais. Com essas observações, o que Adorno (2008a)

pretende é chamar a atenção para o quanto elementos especulativos estão entranhados em uma

filosofia cujas intenções básicas são materialistas.

Mais do que um idealismo, Adorno (2008a, p. 96) fala de uma metafísica em Marx – a

“metafísica das forças de produção”. Essa é uma ideia que significa que Marx atribui caráter

absoluto às energias produtivas dos seres humanos e à sua extensão à tecnologia, o que é

congruente com a ideia de espírito criativo e com o conceito kantiano de “apercepção

original”. Mas não somente Marx: uma metafísica pode ser vista também na proposição de

Engels de que “a liberdade se refere a fazer conscientemente o que é necessário”, o que só

tem sentido se o que se entende por necessário, o “espírito do mundo”, o desenvolvimento das

forças de produção, for um a priori (ADORNO, 2008a, p.97).

A especulação, em Adorno (2008a), está ligada à ideia de “experiência intelectual”.

Aqui, o conceito de experiência contém um elemento de tendência empiricista – apesar de ser

necessário ficar claro que, em Adorno (2008a), o conceito de experiência intelectual está

muito longe do conceito trivial de experiência. Pois o conceito de dado, que é canônico para a

filosofia empiricista, baseado na experiência sensível (dado sensível) não tem validade para a

experiência intelectual ou a experiência de algo que é intelectualmente mediado.

O conceito de experiência intelectual sempre contém a possibilidade do que se pode

chamar de espiritualização do mundo (ADORNO, 2008a). Trata-se de um modo reflexivo de

comportamento, que é possível somente na forma de um processo de sublimação levada tão

longe quanto possível, ou seja, não baseada em fatos brutos, mas que coloca os fatos em seu

contexto e em seu significado próprio.

Tendo experiências intelectuais que vão além da mera experiência sensível imediata,

fica-se tentado a transformar o objeto de experiência em algo espiritual e a justificá-lo. O tipo

de experiência intelectual esperada pela dialética negativa, concebida como autocrítica e

autorreflexiva, deve ser particularmente crítica nesse ponto – o que quer dizer que deve estar

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alerta para corrigir tendências a espiritualizar seus objetos, tendência que acompanha sua

própria metodologia, como foi apresentado no capítulo sobre Adorno e pesquisa empírica.

A questão é que os conceitos especulativos estão sujeitos à falibilidade. Quando se

busca elementos que não se possui a priori e sobre os quais o pensamento não tem poder

autorizado, estamos na esfera do incontrolado e sob o tabu do conceitual. A razão

especulativa – aquela que vai além da ordem conceitual do dado positivo, já apropriado –

necessariamente deve possuir um elemento irracional que agride o conhecimento seguro que

ele já possui (ADORNO, 2008a).

Mas, para Adorno (2008a), não há racionalidade sem um elemento intrínseco de

irracionalidade. Ao se postular esse elemento de irracionalidade, o risco está em ele se

transformar ou em algo autônomo ou mesmo absoluto, que se degenera em ilusão e mentira.

Isso representa o que na Dialética do esclarecimento foi chamado de “elemento mimético” –

aquilo que ocorre quando as pessoas e a consciência se fazem idênticas ao que difere deles.

Seria tarefa da filosofia se apropriar, em favor do conceito, do elemento de

identificação com a coisa (o elemento mimético) e não da identificação da coisa, como

acontece habitualmente no conceito. Esse elemento já está presente, não conceitualmente, na

instância mimética que foi herdada pela arte, o que traz o potencial fazer do elemento estético

algo essencial, e não apenas algo acidental, para a compreensão do real (ADORNO, 2008a).

É interessante notar como o tabu colocado no elemento mimético tende a se estender à

intuição – a ponto de, segundo o relato de uma experiência que teve Adorno (2008a), um

arquipositivista ter dito com orgulho que nunca teve uma intuição. Na comunidade científica

positivista, a intuição é vista no status de preconceito: se se tem uma intuição a respeito de

algo e não se consegue manter a mente aberta para investigá-lo, pode-se considerar que já se

sabe de antemão aquilo que se quer investigar.

Existe uma polarização estéril entre, de um lado, o método de dedução lógica – do

qual nada mais se retira do que já estava no começo – e, de outro lado, certo culto à intuição

por ela mesma, que a desqualifica, uma vez que as intuições envolvidas não são adequadas

para as tarefas que lhes foram conferidas (ADORNO, 2008a).

Deve-se ter claro que intuições podem não passar de um elemento na confusão do

pensamento e não algo merecedor de atenção particular. Como saber se ela será merecedora

de atenção? É pelo fato de que elas devem se manter de pé sozinhas. Quando se tem uma

intuição, deve-se investigá-la cuidadosamente para ver se ela se aplica ou não ao que se

intenta (ADORNO, 2008a).

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Associações não são a verdadeira intuição seminal, mas justamente o contrário, pois,

aderindo ao problema, a intuição se aparta do problema em vez de colocá-lo todo à luz. Pode-

se dizer que, se um modo de pensar não pode ser dissuadido de usar a intuição como um de

seus componentes, ele então deve formular uma crítica rigorosa à intuição – que não a deve

proscrever, mas se certificar de que sua precisão e relevância podem ser controladas

(ADORNO, 2008a).

Para Adorno (2008a), a eliminação da intuição pode privar o pensamento das

qualidades que o qualificam como pensamento em primeiro lugar. Daí a importância de não

se considerar esse elemento de intuição como algo qualitativamente diferente de outros modos

de cognição. O insight que ilumina o pensamento, que às vezes parece um relâmpago, não

deveria ser comparado a um raio que vem do alto, mas a um rio ou fluxo de água que flui no

subsolo por longas distâncias e que, de repente, vem à superfície e que fica lá, dando a ilusão

de ter sido repentino porque nós não sabemos onde ele estava. Dito de outra forma, seriam

cristalizações de um conhecimento inconsciente.

Esse primeiro conjunto de objetos – o conceito e a especulação que nos permitem

encontrar a contradição no conceito – também pode ser abordado sob a ótica das relações

dialéticas entre o sujeito e o objeto e entre o particular e o universal.

Daí, então, se passa ao que se poderia considerar como sendo uma outra constelação.

2.2.3.3 As dialéticas entre sujeito-objeto e particular-universal, e o primado do objeto

Essas categorias serão abordadas aqui reunidas sob um mesmo subtítulo, na ideia de

que, mesmo sabendo que cada uma delas tem vida própria, elas possuem uma inter-relação

que permite tratá-las em um conjunto que, por sua vez, tem sentido.

O que as categorias aqui reunidas possuem em comum de mais significativo é a

centralidade que desfrutam no pensamento de Adorno. O capítulo Sobre sujeito e objeto da

obra Palavras e sinais: modelos críticos 2 (ADORNO, 1995a) é, inclusive, considerado por

muitos como uma apresentação da ideia central da Dialética negativa24

.

O fio condutor para a abordagem ou de mediação entre essas categorias pode ser

identificado na discussão sobre o objeto, já que, de acordo com Jay (1988), a filosofia de

Adorno foi essencialmente uma “filosofia da consciência”, voltada para o problema de como

os sujeitos se relacionam com os objetos no mundo atual e como poderiam vir a se relacionar

24

Anotações de aula do Prof. Dr. Eduardo Neves Silva, no curso sobre a Dialética negativa, ministrado no

segundo semestre de 2011 no programa de pós-graduação em Filosofia da UFMG.

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em um outro mundo futuro possível – ideia essa que pode explicar, inclusive, a razão de seu

desdém em relação ao positivismo.

Passa-se então ao primeiro tema.

A) Sobre as dialéticas entre o sujeito e o objeto e o primado do objeto

A separação entre sujeito e objeto é real e aparente: verdadeira, porque no domínio

do conhecimento da separação real consegue sempre expressar o cindido da

condição humana, algo que surgiu pela força; falsa, porque a separação que veio a

ocorrer não pode ser hipostasiada nem transformada em invariante (ADORNO,

1995a, p. 182).

Há um trecho na Mínima moralia de Adorno (1993a) interessante para a introdução da

dialética entre o sujeito e objeto. É como se segue:

O que a verdade objetivamente é permanece algo bastante difícil de determinar [...]

Para tanto, há critérios que de início são suficientes. Um dos mais confiáveis é

objetar a alguém que uma certa afirmação é “subjetiva demais”. Se se faz valer isso,

ainda mais com aquela indignação onde ecoa a harmonia enfurecida de todas as

pessoas razoáveis, então se tem motivo para ficar satisfeito consigo mesmo por

alguns segundos. Os conceitos de subjetivo e objetivo foram completamente

invertidos. O que se chama de “objetivo” é o lado não controverso pelo qual

aparecem as coisas, seu clichê aceito inquestionavelmente, a fachada composta de

dados classificados, em suma: o que é subjetivo; e o que as pessoas chamam de

“subjetivo” é o que rompe com tudo isso, o que entra na experiência específica de

uma coisa, dispensa os juízos convencionados sobre isso, colocando a relação com o

objeto no lugar da resolução majoritária daqueles que sequer o contemplam, quanto

menos o pensam, em suma: o que é objetivo (ADORNO, 1993a, p. 59-60).

A discussão de Adorno com o idealismo e a fenomenologia diz respeito a essa questão

da separação entre sujeito e objeto. Adorno (1995a) reconhece que não há como pensá-los

senão como separados, mas a falsidade dessa separação se manifesta no fato de que ambos se

medeiam: o objeto é mediado pelo sujeito, mas também o sujeito é mediado pelo objeto.

No idealismo o sujeito (transcendental) ou constrói o mundo objetivo a partir de um

material não qualificado – como foi visto em Kant – ou simplesmente o engendra – como em

Fichte. Este é um sujeito que não passa de uma abstração do sujeito singular vivente. Se

considerado como homo economicus, cujas relações têm seu modelo na troca (de

mercadorias), esse sujeito se aproxima do sujeito transcendental (ADORNO, 1995a).

O sujeito empírico, nesse sentido, é como algo ainda não existente – ele se constitui.

Assim, o sujeito, que seria a origem dos objetos, fica objetificado – como propõe Kant para o

sujeito transcendental. O indivíduo particular deve ao universal a possibilidade de sua

existência – uma vez que ele é um sujeito social, o que é uma condição universal (ADORNO,

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1995a). A confrontação entre o sujeito e o objeto no realismo ingênuo, como pode ser visto no

positivismo, é historicamente necessária e, portanto, não vai desaparecer num ato de vontade.

O primado do sujeito, dessa forma, acontece atendendo ao interesse subjetivo da liberdade,

algo necessário na visão de mundo da burguesia porque constitutivo desta.

A primazia do objeto significa que o sujeito é objeto (pois é socialmente constituído),

mas o será num sentido distinto do que se entende por objeto, pois, só podendo ser conhecido

pela consciência, ele também é sujeito – a mediação, que é a consciência, se refere ao

mediado. A “primazia do objeto”, nesse sentido, é em relação ao sujeito, comprovada pelo

fato de que o objeto altera qualitativamente as opiniões da consciência reificada (ADORNO,

1995a).

Mesmo a ciência da natureza, quando olha “por cima do muro que ela mesma ergueu,

vislumbra uma pontinha do que não está de acordo com suas decantadas categorias”

(ADORNO, 1995a, p. 190), com um potencial para abalar o subjetivismo. Mas como a

primazia do objeto necessita da reflexão subjetiva, a subjetividade conserva aqui o seu

momento – ao contrário do que ocorre no materialismo primitivo.

De acordo com Maar (2006), com a tese da primazia do objeto Adorno pretende

substituir a tese idealista da supremacia do sujeito para a constituição do objeto. Para Adorno

e Horkheimer (1985), os pressupostos idealistas apresentariam um nexo com a reificação, a

partir do conceito, o que traria como consequência o afastamento do sujeito do conhecimento

do objeto. Enquanto a tese do primado do sujeito encontra seu limite no sujeito

transcendental, a do primado do objeto busca reabilitar a objetividade do sujeito empírico,

real, possibilitando a esse sujeito uma apreensão mais aprofundada do objeto (MAAR, 2006).

Considerando a primazia do objeto, se o que se deseja é alcançá-lo, as suas

determinações, ou qualidades subjetivas, não devem ser eliminadas: se o sujeito tem um

núcleo de objeto, as qualidade subjetivas do objeto também constituem um momento do

objetivo – o objeto só é algo enquanto determinado (pelo sujeito). Um objeto supostamente

puro ou sem acréscimos do pensamento ou da intuição é reflexo de subjetividade abstrata

(ADORNO, 1995a).

Para a fenomenologia, nada se pode saber, a não ser por intermédio do sujeito

cognoscente. Mas a subjetividade deve ser entendida como a configuração do objeto e a ilusão

como o encantamento do sujeito em seu próprio fundamento de determinação. Na

fenomenologia, a ilusão é necessária, já que ela reflete o ofuscamento irresistível que, pela

falsa consciência, o sujeito produz e da qual é integrante (ADORNO, 1995a).

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A ideia de identidade do objeto com o sujeito, como apresentado pela fenomenologia,

muda a absolutização de um sujeito para outro, aparentemente antissubjetivista e suposto

cientificamente objetivo, que é o reducionismo. Mas, se se prestar atenção, o que conta para a

objetividade de um pensamento que é orientado pelo lucro não é a coisa mesma – visto que a

coisa se perde naquilo que ela rende para alguém. Ou seja, para Adorno (1995a), o

conhecimento deveria ser orientado não pelo que é modificado nas relações de troca, mas pelo

que se oculta por trás das operações de troca. Mas, se de um lado o objeto não é algo posto

pelo sujeito, de outro também não é um resíduo desprovido de sujeito. A objetividade só pode

ser descoberta pela reflexão sobre cada nível da história e do conhecimento, sobre o que a

cada momento se considera sujeito e objeto e sobre as mediações destes, sendo

inesgotavelmente proposto (ADORNO, 1995a).

A chave para o sujeito no conhecimento é a experiência, não a forma. O esforço do

conhecimento é a violência contra o objeto: o ato se aproxima do conhecimento quando o

sujeito rasga o véu ideológico que ele tece em torno do objeto, o que só é possível quando se

confia na própria experiência. O sujeito é agente, não constituinte do objeto. Liberado do

encanto subjetivo, o objeto deveria ser o não idêntico – muito próximo da “coisa-em-si”

kantiana – apreensível a partir da autocrítica do subjetivo. A pretensão de supremacia do

sujeito sobre o objeto engana o sujeito sobre aquele: como não idêntico, o objeto é tanto mais

afastado do sujeito quanto mais o sujeito constitui o objeto. Eliminado o momento subjetivo,

o objeto se desfaria, como ocorreria também com os momentos fugazes da vida subjetiva. Ou

seja, o objeto nada é sem o sujeito (ADORNO, 1995a). Nesse processo circular de

identificação, que termina por não identificar mais do que a si mesmo, o pensamento

identificador que quer igualar todos os desiguais é próprio de um pensamento totalitário,

historicamente determinado pela ameaça que representa a natureza (ADORNO, 2009).

A unidade do que existe sob os conceitos universais é diferente do particular que foi

conceituado. O conceito é, para ele mesmo, o seu negativo, tirando o negativo que não se

deixa denominar (de imediato) e o substitui pela identidade. É aqui que a dialética atua. Como

o particular não pode ser determinado sem o universal, por meio do qual ele é identificado, ele

acaba por não ser idêntico a si mesmo (ADORNO, 2009).

A polaridade entre sujeito e objeto aparece como uma estrutura não dialética, algo que

não pode ser unificável. Mas o sujeito nunca é só sujeito, nem o objeto só objeto. Contra uma

tendência totalizante do pensamento, é preciso insistir criticamente em sua dualidade. Mas,

devido à disparidade que existe no conceito de mediação, a forma como o sujeito aborda o

objeto é diferente da forma como o objeto o faz para o sujeito – o objeto só pode ser pensado

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118

por meio do sujeito, mas diante do sujeito é sempre outro. Mas a constituição do sujeito faz

dele também um objeto. E, se de um lado não é possível abstrair o objeto do sujeito (pertence

à subjetividade ser objeto), por outro é possível esvaziar o sujeito do objeto (não pertence à

objetividade ser sujeito) (ADORNO, 2009).

O que seria, então, para Adorno (2009), o “primado do objeto”?

O primado do objeto significa o progresso da diferenciação qualitativa daquilo que é

mediado em si, um momento da dialética que não se acha para além dela, mas se

articula nela. [...] O primado do objeto só é alcançável em uma reflexão subjetiva e

em uma reflexão subjetiva sobre o sujeito. [...] O primado do objeto enquanto algo

que é mediado por si mesmo não rompe a dialética do sujeito e do objeto. [...]

Apesar do primado do objeto, a coisidade do mundo também é uma aparência. [...]

Por meio da passagem para o primado do objeto, a dialética torna-se materialista. O

objeto, a expressão positiva do não idêntico, é uma máscara terminológica

(ADORNO, 2009, p. 158-160, 165).

Mas, na abordagem do objeto, a superação do dado imediato, que pode revelar o que o

objeto é – e não o que aparenta ser –, só pode se dar por um processo de interpretação.

Essa será, então, a estrela mais importante da próxima constelação.

2.2.3.4 A interpretação e sua relação com a história, com o progresso e com a liberdade

Interpretação é a crítica ao fenômeno que chegou a um ponto de paralisia; consiste

em revelar o dinamismo que está encerrado nele, de modo que o que surge como

uma segunda natureza pode ser visto como sendo história. Por outro lado, a crítica

assegura que o que evoluiu perde sua aparência como mera existência e se revela

como um produto da história. E isto é, em essência, a crítica marxista (ADORNO,

2006, p. 135).

A partir dessa definição, vê-se que Adorno relaciona a interpretação com a história – é

com base na interpretação que o que parecia natural passa a ser histórico, enquanto o que é

histórico passa a ser natural, devido à sua transitoriedade, destruindo a ilusão do imediato pela

dissolução de sua aparência de naturalidade, para que ele não se degenere em ideologia. Isso

requer, para a adequada compreensão da interpretação, que se discuta a história e sua relação

com a natureza.

Mas, como Hegel descreveu a história como sendo o “progresso na consciência da

liberdade” (HEGEL apud ADORNO, 2006, p. 138) e como, para Kant, a filosofia do

progresso da história medeia necessidade e liberdade, para complementar a compreensão

desse conjunto de categorias algo deve ser dito também a respeito do progresso e da

liberdade.

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119

Para Adorno (2006), a interpretação ajuda a romper com a existência superficial; ela

promete – talvez assegure – que o que existe não é a realidade última, melhor dizendo, que o

que existe não é apenas o que ele diz ser. Interpretar significa tornar-se cônscio dos traços que

indicam para além da existência, a partir do insight na transitoriedade e nas falhas e

falibilidade da existência comum.

A fonte de satisfação da interpretação está na recusa em se manter cego pela aparência

do imediato (o entendimento, em Hegel), desvendando o processo pelo qual o que é se

transforma no que é, para que a sua aparência possa ser transcendida. E, ao mesmo tempo, ela

também se relaciona com a capacidade da mente em manter seu autocontrole, em face da

tristeza que surge ao se contemplar o passado. A fonte desse prazer vem do fato de que o

fenômeno sempre significa algo diferente do que ele realmente é (ADORNO, 2006).

Para Adorno (2006), o modelo de interpretação pode ser encontrado no entrelaçamento

que existe entre a história e a natureza. Em suas palavras:

[...] este entrelaçamento de natureza e história deve, em geral, ser um modelo para

todo procedimento interpretativo em filosofia. Pode-se quase dizer que ele fornece o

cânone que possibilita à filosofia adotar uma postura interpretativa sem cair em pura

aleatoriedade. [...] Interpretação e crítica vêm juntas em um nível profundo. Isso

explica por que eu acho uma bobagem se pedir para que primeiro se compreenda

uma coisa para só depois a criticar. Pois, como os processos de compreensão e

interpretação envolvem negação, a consciência da entrega imanente de um

fenômeno está de acordo com a visão crítica do que o mundo fez com ele25

(ADORNO, 2006, p. 133-134).

No modelo crítico apresentado pela Dialética negativa, é a negatividade da história

natural que é capaz de dizer o que o fenômeno foi, em que se transformou e o que ele será. É

ela que retém a vida possível do fenômeno em oposição à sua existência atual. Daí se

necessitar discutir um pouco mais a relação da história com a natureza.

A) A história da natureza e a natureza da história

Este foi um tema com o qual Adorno se ocupou desde o final da década de 1920. Em

palestra proferida na época, escrita, de acordo com Jay (1988), sob o impacto da obra de

Benjamin (2009), denominada A ideia de história natural, Adorno já apresenta muitos dos

pontos essenciais desenvolvidos posteriormente na Dialética negativa.

Adorno resume a relação entre história e natureza na seguinte frase:

25

“[...] do que o mundo fez com ele” – É uma referência muito citada por Adorno de um verso de Karl Kraus:

“como eu faço para encontrar o segredo de novo?/ Ele me foi roubado./ O que foi que o mundo fez conosco!/ Eu

me viro, e o lilás floresce de novo” (em tradução livre, sem a estrutura de poema, feita pelo autor desta tese).

Schrieften (1989, p. 289).

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[...] a natureza está presente na história como algo transitório [...] De outro lado,

podemos também dizer que a história está presente na natureza como algo que

evoluiu e é transitório. [...] como esses dois aspectos estão indissoluvelmente

ligados, toda interpretação também está posta – e eu acredito que qualquer um que,

como eu, enfatiza o ponto de vista da interpretação e crítica imanentes se obriga a se

abster de fetichizar essa imanência. [...] O que significa descobrir o elemento do

devir, ou do ter sido, naquilo que evoluiu (ADORNO, 2006, p. 135).

Vem do idealismo a noção ingênua de que a história é construída em blocos. Adorno

está mais próximo da ideia apresentada por Benjamin (1994) em Sobre o conceito de história,

de que os fatos não se distribuem ao longo do tempo, como ideias eternas e imutáveis. Na

verdade, os fatos possuem um núcleo de tempo dentro deles ou eles cristalizam o tempo

dentro de si – o núcleo temporal de verdade, já apresentado anteriormente. O que é chamado

de ideia, na verdade, é esse núcleo de tempo cristalizado no fenômeno individual e que só

pode ser decodificado pela interpretação.

Visto dessa forma, pode-se dizer que a história é descontínua, representando a vida

permanentemente interrompida. Mas como esse processo é repetitivo, e porque a vida se adere

a esses fragmentos, a despeito de sua unidade superficial enganosa, a interpretação da história

(ou, a sua construção) adquire o formato de totalidade. Mas, ao mesmo tempo, a história

detecta nesses fragmentos traços de possíveis desenvolvimentos, que se mostram em oposição

ao que a totalidade parece mostrar. A consciência dessa descontinuidade vem de mãos dadas

com a dúvida crescente sobre a possibilidade de compreender a história como uma revelação

unificada da ideia (ADORNO, 2006).

Geralmente a estrutura da história baseia-se no pressuposto de que uma ideia particular

percorre a história em sua inteireza e que os fatos é que se aproximam dela. A tarefa da

filosofia dialética da história é manter em mente duas concepções, que se contrapõem a esse

pressuposto. São elas: a da história universal e a da descontinuidade. Não uma ou outra coisa,

mas as duas simultaneamente: a história é contínua na descontinuidade (ADORNO, 2006).

A maneira de retirar a história universal da ideia de história que Adorno (2006)

apresenta é incluir os fatos da história que surgem em seu curso, sem enfatizar o lado não

idêntico – pois, ao enfatizar o não idêntico, confirma-se o curso da história que ignora os

destinos individuais. Para Adorno (2006), os particulares históricos são, constantemente,

vítimas do curso da história. Mas esse curso só é possível porque esses particulares se tornam

inflexíveis, querendo ou não – o que significa que os particulares merecem a totalidade na

qual eles se encontram.

Em Hegel, a natureza entra em questão apenas como a base natural, geográfica ou

eventualmente antropológica para a história. Assim, o que se conhece como história natural

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estaria mais ligado à composição interna dos elementos da natureza junto com os elementos

da história na história (ADORNO, 2006).

No texto Sobre o conceito de história, Benjamin (1994) aborda o progresso como algo

que não está relacionado a avanços em habilidades e conhecimentos das pessoas, mas sim no

processo histórico de progresso da humanidade como um todo. Adorno baseia-se nesse texto

para a sua discussão do progresso, nesse contexto de história como algo relevante para a

interpretação. É o que se vê na sequência.

B) O progresso e a liberdade

Esta é uma categoria que, para Adorno, tanto “engloba todo o problema da filosofia da

história como cria a ponte que a liga à teoria da liberdade” (ADORNO, 2006, p. 138).

O conceito de progresso resiste a um exame mais profundo, desfazendo-se assim que

se começa a especificar o que progride e o que não progride: quanto mais se insiste na

investigação, menos sobra do conceito. E o que Adorno (2006) observa é que quem buscar

uma definição muito precisa corre o risco de destruí-la.

A questão é que não há algo na realidade que possa cumprir a promessa inerente à

palavra progresso que, no entender de Adorno, pode ser resumida de forma muito simples

como: as pessoas não terem razão para o medo ou não haver qualquer catástrofe iminente no

horizonte. E essa definição não se enquadra no que se tem desenhado para a humanidade.

Como Adorno e Horkheimer (1985) mencionaram na Dialética do esclarecimento, o

progresso tecnológico representa, em termos mais amplos, o domínio da natureza, o que

contém em si o potencial para realizar justamente o contrário da definição de progresso de

Benjamin (1994): o potencial de o progresso inibir o progresso.

Nessa mesma obra, Adorno e Horkheimer (1985) concluem que todos os seres vivos

estão, ou parecem estar, sob o efeito de um encanto. E, discorrendo sobre a liberdade

(ADORNO, 2006), Adorno define a liberdade como a fuga desse encanto ou a construção do

caminho que nos leva para fora desse encanto – o que permite pensar na liberdade mais como

uma tendência do que como um dado de qualquer tipo. Ou, dizendo de outra forma, a

liberdade não existe como uma determinação positiva (no sentido hegeliano), não existe como

uma coisa, mas é algo a ser criado.

Deve-se compreender que a liberdade é uma categoria histórica, o que significa que

não há como se conceituá-la de modo definitivo, como queriam os filósofos, e que ela não

somente é determinada como é também modificada pela história – veja-se o que significava a

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liberdade para os gregos ou o que significa ainda hoje para as sociedades totalitárias – o

privilégio de poucos.

O problema entre o determinismo e a liberdade não foi objeto de discussão até o

século XVII, cuja questão foi abordada principalmente por Spinoza e John Locke. Isso

significa que as questões referentes à liberdade – como a liberdade interior ou a liberdade dos

seres humanos – surgem associadas à emancipação da burguesia, interessada na liberdade

frente às restrições e dependências impostas pelo feudalismo.

Em seus esforços para dominar a natureza, a burguesia necessitou de um processo

progressivo de racionalização como instrumento de domínio. E o “desencantamento” do

mundo, tornando-o mais científico, é uma ameaça mortal à liberdade. Assim, a burguesia

chega à tendência dicotômica entre postular a liberdade – e, para isso, olhar para o passado – e

restringir a liberdade, especialmente nas demandas que ultrapassem a ordem burguesa

(ADORNO, 2006).

Para sair da concepção de liberdade, como criada pela burguesia, Adorno (2006)

avalia a liberdade a partir da ideia hegeliana de uma “segunda natureza”, conceito que

envolve a totalidade do que foi aprisionado pelos mecanismos sociais e racionais – os quais

são indistintos – de forma que nada mais se apresenta, adquirindo, assim, o aspecto de algo

natural – no sentido de dado, de existente – e que é por isso convertida na única realidade.

Nesse sentido, a liberdade não é algo que se deva compreender como sendo puramente

individual, pois isso seria uma abstração do cenário no qual nos encontramos, de seres sociais,

fora do qual a ideia de liberdade simplesmente não tem sentido. Para Adorno (2006), quanto

mais o processo de socialização se difunde sobre cada aspecto das relações humanas e

interpessoais, menos possibilidade há de se recuperar as origens históricas do processo e mais

irresistível a aparência externa do social como algo natural. E a adaptação dos seres humanos

ao que é determinado pela sociedade apenas indica ausência de liberdade.

Se o que se pretende é atualizar o conceito, Adorno (2006) sugere que o que se deve

perguntar é no que a liberdade se transformou, e no que ela deve se transformar no futuro,

uma vez que tomá-la como dado é reduzi-la a um clichê. Lidar com os conceitos que

compõem a constelação do que se compreende como liberdade significa lidar com outras

categorias que estão entrelaçadas com ela – e o panorama mais diretamente relacionado a isso

é o da negação da liberdade, como exemplificado pelos campos de concentração: se

Auschwitz acontecer de novo, é porque a liberdade não existe, no sentido de responsabilidade

moral, que só é possível em uma sociedade livre, a qual, para Adorno (2006), só pode ser

concebida como uma sociedade que não produza nazistas.

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Em nossa sociedade, são comuns as situações nas quais alguma instituição delega a

alguém responsabilidades, sem fornecer a autoridade para impor sua vontade no exercício de

controle, no âmbito do que se é responsável. Entretanto, só se pode falar em responsabilidade

no sentido de poder exercer influência nas áreas onde se tem autoridade.

Essa é a antinomia que pode fornecer o insight para a confusão que existe no mundo

real: se a liberdade parece algo subjetivo, esse insight permite observar o quão dependente a

liberdade é de realidades objetivas. Considerando-se a forma como se compreende as relações

sociais objetivas hoje, pode-se dizer que a possibilidade de tornar a ideia de liberdade em uma

realidade é algo que deve ser buscado, e o locus onde isso deve acontecer é nas relações de

produção (ADORNO, 2006).

Daqui se tira uma pista para a interpretação dos dados obtidos na pesquisa empírica,

referente às definições apresentadas no capítulo anterior, a respeito da liderança, associado ao

que foi visto aqui, em relação à liberdade, entendida historicamente como uma criação da

sociedade burguesa: o fato de que as definições de liderança envolvem, de alguma forma, a

influência exercida por um indivíduo sobre outros, em um ambiente de relações sociais.

Mas ainda resta um aspecto a ser tratado, deixado por último por se constituir em um

método de lidar com o objeto e que, justamente por seu caráter metodológico, é tão

importante nesse âmbito, onde o que se vai realizar é uma pesquisa empírica: a crítica

imanente. Esse é o tema da próxima seção.

2.2.3.5 A crítica imanente como um método para lidar com a ideologia

Rouanet (1989) caracteriza a crítica imanente como “a interseção metodológica entre a

teoria crítica e a psicanálise, dizendo que ambas procedem segundo uma crítica imanente do

seu objeto” (ROUANET, 1989, p. 103). Sua tensão dialética se dá com a crítica que Adorno

(1962) chama de crítica transcendente, presente, por exemplo, na sociologia do conhecimento

– daí a sua crítica contundente à sociologia da cultura de Mannheim (2004) – na qual o objeto

pretensamente poderia ser visto de uma posição de fora da cultura, como se o observador

pudesse dessa posição avaliar o objeto social sem estar inserido na sociedade. Adorno chama

esse pensamento de “topológico”: um pensamento que situa o objeto, mas não capta sua

essência. Ele tem afinidade com sistemas paranoicos que evitam o contato com o objeto.

As raízes da crítica imanente estão na tradição hermenêutica de Schleiermacher e

Dilthey que tem como base, de um lado, o reconhecimento de que o crítico de uma cultura

está firmemente embebido da cultura que deseja criticar e, de outro, a admissão de que

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justamente o fato de estar na cultura é que pode deixar o crítico em situação de vantagem para

criticar os valores dessa cultura (ADORNO, 1962). Fazer crítica imanente é tratar esses

valores como ideologias, pois essa é uma crítica que leva a sério “o princípio segundo o qual a

falsidade não reside na ideologia em si, mas em sua pretensão de corresponder à realidade”,

buscando, “através da análise da forma e do sentido desses fenômenos, a contradição existente

entre a sua ideia objetiva e a sua pretensão” (ADORNO, 1962, p. 26).

É por isso que, antes de abordar como a crítica imanente pode ser usada contra a

ideologia, será preciso primeiro abordar a ideologia, na visão de Adorno e Horkheimer.

A) A ideologia: na visão de Adorno e Horkheimer

A ideologia já não é mais um invólucro, mas é a imagem mesma, ameaçadora, do

mundo (ADORNO; HORKHEIMER, 1971, p. 204).

Seguindo os passos de Adorno e Horkheimer (1971), para explicitar o conceito de

ideologia que será operacionalizado na pesquisa, deve-se percorrer o movimento histórico do

seu desenvolvimento, a partir da ideia de uma falsa consciência.

De acordo com os autores, a condição de constituição do conceito foi posta no final do

século XVI, a partir dos manifestos antidogmáticos de Francis Bacon, em sua luta contra os

ídolos – ou preconceitos coletivos – que já naquele momento pesavam sobre a sociedade

burguesa incipiente e dos quais o “espírito” deveria se libertar. Nesse primeiro momento, o

foco estava na tutela exercida pela Igreja sobre os indivíduos. O que Bacon preconizava era

que, apesar dos homens necessitarem das palavras para se associarem, estas são atribuídas às

coisas sem um cuidado especial, o que permite que denominações inadequadas possam

confundir o intelecto.

Adorno e Horkheimer (1971) criticam essa compreensão da ideologia por duas razões.

Primeiro, pela atribuição do engano à natureza constitutiva do homem, sem considerar as

condições materiais e históricas que o determinaram, o que pode ser usado para justificar uma

dominação que tenha como fundamento essa condição – como o fez Hobbes, discípulo de

Bacon. Segundo, porque, ao se atribuir as aberrações à nomenclatura ou a uma inadequação

lógica, essas ficam ligadas aos sujeitos e à falibilidade humana, e não à condições postas pela

sociedade.

A teoria da falsa consciência de Bacon foi retomada no século XVII pelos

enciclopedistas, de modo especial Helvécio e Holbach, quando declararam que os

preconceitos atribuídos por Bacon aos homens, em geral, cumprem a função social de manter

a injustiça e dificultar a construção de uma sociedade racional. A ideologia nesse momento foi

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retirada do conjunto da sociedade e reposicionada na distribuição estatística de certas

opiniões, que são engendradas pelos poderosos – ainda que Helvécio já tivesse colocado o

foco da análise nas necessidades objetivas da sociedade: “nossas ideias são consequência

necessária da sociedade na qual vivemos” (HELVÉCIO apud ADORNO; HORKHEIMER,

1971, p. 187).

A escola francesa chamou de ideólogos os estudiosos das ideias, sendo um dos

maiores nomes dessa escola Destutt de Tracy, um autor ligado ao empirismo filosófico. Para

de Tracy, não interessava, como a outros dessa escola, apenas as condições de validade dos

juízos. Ele buscava unir à observação dos conteúdos da consciência os fenômenos ideais, de

modo a decompô-los, como se fossem objetos das ciências naturais. O que de Tracy

procurava é a origem das ideias nos sentidos, o que as colocam a um passo da concepção da

necessidade social de todos os conteúdos da consciência (ADORNO; HORKHEIMER, 1971).

Os ideólogos buscavam organizar o mundo, a partir do domínio da razão, em proveito

dos homens, a partir do pressuposto liberal do equilíbrio harmônico das forças sociais, que se

poderia observar quando cada um age de acordo com os seus próprios interesses: ou seja,

bastaria pôr ordem à consciência para se ordenar a sociedade.

Mas essa análise não era irreconciliável com os interesses do poder – ao contrário do

que julgou Napoleão Bonaparte26

–, pois ela se fazia acompanhar de um momento técnico-

manipulativo, posteriormente explorado pelo positivismo que lhe sucedeu. Não só os

conceitos foram utilizados por quem fazia as leis, com a finalidade de garantir a ordem

desejada, como também já se percebia que o correto conhecimento das ideias poderia ser

utilizado para dominar os homens (ADORNO; HORKHEIMER, 1971).

Como os elementos conceituais da ideologia fazem parte de um momento histórico no

qual a sociedade industrial ainda não estava desenvolvida, não se colocava em dúvida, à

época, que a liberdade seria obtida com a realização da igualdade civil. Também se deve

considerar que, quando estão em ação relações de poder simples e imediatas, não se pode falar

propriamente de ideologia: esta pressupõe a experiência de uma condição social que se tornou

problemática e que é percebida como tal.

26

Napoleão, “[...] apesar de tudo o que vinculava a sua ditadura à emancipação burguesa, levantava contra os

ideólogos a mesma acusação de dissolução da sociedade que depois acompanhou, sempre, como uma sombra, a

análise social da consciência. Com uma linguagem tingida elementos tipo Rousseau, valorizava precisamente os

momentos irracionais [...]”. Mesclando “[...] o direito natural da Revolução Francesa com a posterior fisiologia

da consciência, fica claro, de qualquer modo, que pressagiava, em qualquer análise da consciência, um perigo

para o positivo, que lhe parecia melhor cuidado e garantido com o coração” (ADORNO; HORKHEIMER, 1971,

p. 191).

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Uma teoria racional do sistema monárquico que identificasse a sua irracionalidade

soaria como crime de lesa majestade. Assim, uma crítica ideológica como a confrontação da

ideologia com sua verdade íntima só é possível se a ideologia tiver um elemento de

racionalidade, de onde a crítica possa tirar elementos. Em seu sentido estrito, a ideologia só

pode ocorrer onde as relações de poder não são transparentes, mediatas e, nesse sentido,

atenuadas (ADORNO; HORKHEIMER, 1971).

De fato, ideologia é justificação. Quando o comunismo soviético estava vivo, o

conceito de ideologia era utilizado naqueles países para atacar o pensamento rebelde,

enquanto do lado capitalista o conceito foi desgastado pelo “mercado científico”, retirando

dele todo seu conteúdo crítico e de verdade. Para teóricos como Wilfredo Pareto, qualquer

produção cultural foi transformada em ideologia – aliás, nesse sentido, levada às últimas

consequências, a teoria de ideologia em Pareto pode desaguar em mera psicologia

(ADORNO; HORKHEIMER, 1971).

Com Mannheim (2004), a ideologia se transforma em um ramo da sociologia do

conhecimento. Desta forma, toda forma de conhecimento, seja falso ou verdadeiro, deve ter

demonstrado seu condicionamento social. A falsa consciência hoje é algo cientificamente

adaptado à realidade – adaptação esta que é realizada pela indústria cultural.

Segundo os autores:

Para resumir em uma só frase a tendência imanente à ideologia da cultura de massas,

seria necessário representá-la em uma paródia do ditado “converta-se naquilo que

és”, como duplicação e justificação ultravalidadora da situação já existente, a qual

destruiria toda perspectiva de transcendência e de crítica (ADORNO;

HORKHEIMER, 1971, p. 204).

Para Adorno e Horkheimer (1971), a doutrina da ideologia sempre teve a função de

fazer o “espírito” se lembrar de sua fragilidade. Chegam a afirmar que a consciência, como

definida por Hegel, só sobrevive se assumir a crítica da ideologia. Para eles, “só se pode falar

com sensatez de ideologia quando um produto espiritual surge do processo social como algo

autônomo, substancial e dotado de legitimidade” (ADORNO; HORKHEIMER, 1971, p. 201).

O prognóstico que apresentam é, ao mesmo tempo, otimista e sombrio, uma vez que:

Justamente porque a ideologia e a realidade correm desta maneira uma para a outra;

porque realidade dada, à falta de outra ideologia mais convincente, se converte em

ideologia de si mesma, bastaria ao espírito um pequeno esforço para libertar-se do

véu desta aparência onipotente, e isso com quase nada. Entretanto, esse esforço

parece ser o mais difícil de todos (ADORNO; HORKHEIMER, 1971, p. 205).

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A partir dessas observações, pode-se perceber que o conceito de ideologia pode ser

tratado de modo muito diverso, dependendo da escola ou linha de pensamento envolvida. É

por isso que se faz aqui a opção para o conceito de ideologia a ser utilizado para a

interpretação dos dados da presente pesquisa por esse aqui apresentado, definido por Adorno

e Horkheimer (1971), chamando-se a atenção para os seguintes pontos abordados:

a) A ideologia só pode ocorrer quando as relações de poder não são transparentes;

b) ideologia é justificação;

c) a ideologia refere-se a um “produto espiritual” que surge do processo social como algo

autônomo, substancial e dotado de legitimidade;

d) mais do que um véu que esconde a realidade, a ideologia se confunde com a realidade.

Passa-se, então, à crítica imanente e como ela pode ser usada contra a ideologia.

B) A crítica imanente: e o seu uso conta a ideologia

De acordo com Nobre (1998), para Adorno a crítica imanente:

Não significa a comparação do conceito com o conceituado em vista de sua unidade

(atual ou potencial), mas a não identidade de conceito e conceituado em vista da

ilusão necessária de sua identidade real. Com isso, entre outros, a “crítica imanente”

está obrigada a acolher dentro de si propriamente o elemento material do

conceituado que não pode ser absorvido pelo conceito [...] essa apropriação da ideia

de crítica imanente é, na verdade, um modelo de apropriação de conceitos

hegelianos e marxistas que alcança longe: “ideologia”, por exemplo, passa a ser

agora naturalização da ilusão necessária de identidade. E “imanência”, por sua vez,

só pode ser lida como o conjunto de “posições de identidade” que perfazem a série

completa do espírito sobre o pano de fundo da não identidade de ser e pensar, de

modo que “crítica imanente” é, de fato, uma comparação de conceito e conceituado,

mas sem que algum dos termos possa ser a medida do outro (NOBRE, 1998, p. 175).

A diferença básica entre uma crítica total e a crítica imanente está no fato de que a

total perdeu a perspectiva do que está desagregado em relação ao todo, enquanto a imanente

sabe-se outra em relação ao objeto que critica e faz um esforço para chegar nesse objeto. A

crítica total que seria uma “investida contra o mundo que não passou por uma

autoaveriguação acerca de seus próprios processos e implicações, seria crítica cega” (TIBURI,

2005, p. 40).

A crítica imanente buscada por Adorno é autorreflexiva, em que o elemento criticado

deve servir de espelho para que a crítica não se torne ideológica, defendendo seus próprios

interesses e escondendo o componente de verdade do que é criticado – usando o aforismo 22

da Mínima moralia, uma crítica que não joga fora a criança junto com a água do banho

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128

(ADORNO, 1993a, p. 36-37). Em outros termos, é uma autorreferência negativa ou que

afirma o que a crítica não é em relação ao objeto, visto que uma crítica positiva seria aquela

que anula o que foi dito sobre o objeto. Seu caráter emancipatório está na possibilidade da

crítica de olhar para si, sem compaixões ideológicas e aceitando, na busca pela verdade, a sua

própria derrota (TIBURI, 2005).

Uma crítica absoluta, que está incluída na lógica não dialética, é fruto de um

pensamento totalizante, que parte do pressuposto de que existe um princípio que define todas

as coisas. A crítica imanente, sendo autorreflexiva, é não totalitária, pois é crítica de si

mesma. Ela é um tipo de crítica reativa, uma vez que surge como consequência das

contradições do objeto que critica (TIBURI, 2005).

A filosofia de Adorno rompe com o elemento de autossobrevivência do pensamento

que o aproxima da ideologia ou o tornaria uma ideologia. Para Adorno, a ilusão e sua verdade

se entrelaçam. Caberia então à crítica imanente a tarefa de investigar a relação da ideologia

com a verdade, e não a sua relação com os interesses de classe. Daí sua relação tão próxima

com a psicanálise: é justamente pelo fato da verdade do inconsciente estar presente no nível

manifesto (ainda que deformada pela censura) que se pode desvendar seu conteúdo latente – o

que faz do conteúdo manifesto o entrelaçamento da mentira com a verdade. Em psicanálise, a

ilusão é sempre a realização de um desejo, e por isso ela é verídica (ROUANET, 1989).

Entretanto, segundo Nobre (1998, p. 162), “a ilusão socialmente necessária, por sua

vez, encontra o seu limite no fato de que ela não é capaz de fornecer legitimação para sua

existência, a não ser a sua própria existência de fato”. Ela é, “para a vida imediata dos

homens, o ens realissimum27

” (ADORNO, apud NOBRE, 1998). A crítica, do mesmo modo

que a dialética, é a autoconsciência de um cenário em que é difícil ver as coisas como elas

realmente são. Não é possível que ela apareça sozinha, sem ajuda ou provocação.

Uma diferenciação cabível entre a ideologia e o conteúdo inconsciente é que, como foi

visto, para Adorno (1962) ideologia é justificação, ou seja, pressupõe ou a experiência de uma

situação social que é problemática – e sabida como tal –, mas que deve ser defendida, ou a

ideia de justiça, sem a qual não seria possível a apologia e na qual se baseia o modelo de

intercâmbio de equivalentes. Esta última ideia baseia-se no fato de que em relações de poder

mais simples e imediatas não há ideologia propriamente dita, podendo ser utilizada a

argumentação e a lógica discursiva, que contêm em si um elemento de igualdade e de anti-

hierarquia (ADORNO, 1962). A crítica ideológica – a confrontação da ideologia com sua

27

O que realmente existe, em tradução livre do autor da tese.

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verdade – só é possível se houver na ideologia um elemento de racionalidade que possa ser

utilizado pela crítica. Daí a dificuldade de se estabelecer uma crítica nesses moldes a sistemas

totalitários, como o nazismo, ou o absolutismo monárquico. Em sentido estrito, as ideologias

exigem relações de poder não transparentes, mediatas e, por isso, mais atenuadas.

Com Mannheim (2004) a ideologia, mantida sob o conceito de falsa consciência, de

véu que se interpõe entre a sociedade e a compreensão de sua natureza transforma-se em

matéria acadêmica na sociologia do conhecimento. Todo conhecimento deve ter demonstrado

o seu condicionamento social. A doutrina da ideologia serve para demonstrar a fragilidade do

espírito. Mas a falsa consciência socialmente condicionada atual não é mais espírito objetivo,

é algo adaptado à sociedade, mediante os produtos da indústria cultural. E a sociologia, nesse

contexto, contribui com os estudos dos meios de comunicação de massas, voltados para o

mercado, dedicando-se às reações de consumidores e às interações de consumidores e

produtores (ADORNO, 1962).

2.3 A personalidade, na ótica de Adorno

Não nos tornamos ariscos em relação à Psicologia, mas sim lhe outorgamos em

nosso projeto o valor que lhe correspondia como um momento da explicação. Mas

nunca duvidamos da primazia dos fatores objetivos sobre os psicológicos. Ativemo-

nos à ideia, a meu ver plausível, de que, na sociedade contemporânea, as instituições

e tendências objetivas de desenvolvimento adquiriram tal predomínio sobre as

pessoas individuais, que estas se transformam, aliás em medida visivelmente

crescente, em funcionários da tendência que se impõe sobre suas cabeças.

Dependem cada vez menos de sua própria maneira de ser consciente e inconsciente,

da sua vida íntima. Entretanto, de muitas maneiras, a explicação psicológica, assim

como a psicológico-social dos fenômenos sociais tem-se convertido em um tipo de

imagem encobridora ideológica: quanto mais os homens são dependentes do

conjunto do sistema, quanto menos são capazes de transcendê-lo, tanto mais se lhes

inculca, desproposital e propositalmente, que tudo dependeria deles (ADORNO,

1995a, p. 160).

Os estudos sobre a personalidade são consequência da preocupação dos frankfurteanos

com o problema da ideologização. Já na década de 1930, Horkheimer (2001) realizou um

estudo empírico com a finalidade de investigar esse problema. Percebe-se, em sua parte

teórica, uma forte influência dos estudos dos freudo-marxistas28

, mas sem a rigidez de

28

Movimento que acontece na Alemanha, entre as décadas de 1920 e 1930, que buscava entender o motivo do

comportamento social irracional dos indivíduos oprimidos pelo sistema econômico. Justificavam a proximidade

dos dois campos pelo fato de ser a psicanálise a “ciência da história psíquica do indivíduo e da humanidade” e

que, por ser uma ciência empírica, não estaria em contradição com o marxismo: é materialista como o marxismo,

pois tem como seu substrato a Biologia; também é histórica, pois seu método é o desvendamento biográfico do

indivíduo; e é dialética, pois sua essência é o conflito – Ego versus Id, libido do objeto versus libido narcisista,

Eros versus Tânatos, etc. (ROUANET, 1989, p. 17).

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resultados que os caracterizava, mencionando a ideologia de forma dialética. Para

Horkheimer, ideologias nascidas em cenário de repressão não seriam necessariamente

repressivas e a interiorização da cultura – que equivaleria à introjeção da violência – também

poderia significar a introjeção de impulsos e tendências emancipadoras (ROUANET, 1989).

Nesse espírito, a família, mediadora da introjeção no indivíduo dos valores da

sociedade tanto poderia mediar a modelação de estruturas para o sistema de dominação, como

poderia funcionar como uma reserva de intimidade, um anteparo entre o indivíduo e a

sociedade. Horkheimer, semelhante a Hegel, considerava que a família proporciona um

ambiente afetivo, sendo o local onde os indivíduos são valorizados por si mesmos, ao

contrário de outros momentos da vida social, regidos pelos valores da troca mercantil, nos

quais os indivíduos são unidades do processo econômico (ROUANET, 1989).

As generalizações desenvolvidas a partir desses primeiros estudos são transpostas para

a investigação empírica, com a finalidade de enriquecer a teoria. O produto final mais

importante nesse segundo momento foi publicado com o título de Authoritarian personality

(ADORNO et al., 1982).

Conhecer os fundamentos teóricos utilizados por Adorno et al. (1982) na pesquisa que

deu origem à Authoritarian personality é interessante, uma vez que eles diferem, em alguns

aspectos, das visões de personalidade citadas no capítulo anterior. A pesquisa foi orientada

pela hipótese de que as convicções sociais, políticas e econômicas do indivíduo formam um

padrão coerente, que são a expressão de traços de camadas profundas da sua personalidade.

Ela foi desenhada para buscar uma resposta às seguintes perguntas principais:

a) Se existe um indivíduo potencialmente fascista, como ele é?

b) O que acontece para que pensamentos antidemocráticos se desenvolvam?

c) Quais são as forças constituintes dentro da pessoa?

d) Se essa pessoa existe, quão comum é sua existência em nossa sociedade?

e) E se ela existe, quais foram os determinantes para o seu surgimento e qual será o curso

de seu desenvolvimento?

A premissa é de que o que o indivíduo diz em público, o que diz quando se sente livre

de críticas, o que ele pensa, mas não ousa dizer ou pensa, mas não admite pensar, ou o que se

dispõe a pensar ou fazer quando estimulado, tudo isso em conjunto é concebido como fazendo

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parte de uma estrutura única. Para se compreender essa estrutura, é necessária uma teoria da

personalidade como um todo.

Na teoria que conduziu a pesquisa, a personalidade é tida como uma organização de

forças mais ou menos estável do indivíduo que o ajudam a responder a várias situações na

vida, explicando certa consistência no comportamento de uma pessoa, mas deixando claro que

não se deve confundir o comportamento com a personalidade: a personalidade está por trás do

comportamento, dentro do indivíduo (ADORNO et al., 1982).

A expressão dessas forças da personalidade depende não só da sua prontidão em uma

situação, mas também de outra(s) prontidão(ões) que possa(m) a ela se opor. As forças da

personalidade que são inibidas estão em um nível mais profundo do que aquelas que imediata

e consistentemente se expressam em um comportamento aberto. E quais seriam essas forças?

Para responder a essa pergunta, é necessário compreender qual das teorias de

desenvolvimento da personalidade foi utilizada. Como foi visto, a definição de personalidade

não é uma tarefa fácil, sendo objeto de debate entre especialistas até os dias atuais. Por ser um

conceito central em Psicologia, o tema é extenso, tendo sido abordado a partir de várias

teorias, baseadas ou na observação clínica ou em experimentos controlados em laboratório,

como apresentado no capítulo anterior (DAVIDOFF, 2001).

Como consequência do desenvolvimento teórico sobre o tema realizado pelo ISF,

associado à linha teórica dos pesquisadores aos quais se associou Adorno em Berkeley,

Califórnia, a definição escolhida para a Authoritarian personality envolveu basicamente a

teoria freudiana, que sofreu modulações impostas pelas concepções dos frankfurteanos.

Em sua concepção final, as forças que envolvem a personalidade seriam necessidades

que variam de indivíduo para indivíduo em qualidade, intensidade, modo de gratificação,

objetos ao quais está ligada e também com as suas interações com outras necessidades,

formando padrões de harmonia ou de conflito (ADORNO et al., 1982).

Nessa visão, a personalidade seria determinante das preferências ideológicas – ainda

que ela não seja a determinante final. Longe de ser algo fixo que se recebe de início e

permanece inalterada durante toda a vida, a personalidade evolui sob o impacto do ambiente

social, não podendo ser isolada da totalidade social na qual ocorre. E, de acordo com a teoria

que conduziu a pesquisa, os efeitos das forças ambientais na modulação da personalidade

seriam tão mais profundos quanto mais cedo na história do indivíduo elas ocorrerem – de

modo especial, aquelas que acontecem na vida familiar da criança (ADORNO et al., 1982).

Mas, apesar de ser produto do ambiente social do passado, após se desenvolver, ela

não será um mero objeto no ambiente vivencial. O que se desenvolveu foi uma estrutura no

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indivíduo, algo capaz de uma ação autoiniciada e de seleção no ambiente social em relação

aos vários estímulos recebidos. Mas é uma estrutura “plástica”, formada por padrões espaciais

de interconexão de sinapses de neurônios, como comprovado por estudos neurológicos

recentes, que mostraram que alterações anatômicas podem se fazer corresponder por

alterações também na personalidade (DAMÁSIO, 2000).

Apesar de modificável, a personalidade é frequentemente muito resistente a uma

mudança fundamental – o que explicaria a consistência do comportamento em diversas

situações, de tendências ideológicas em face de fatos contraditórios e condições sociais

radicalmente alteradas e o porquê de as pessoas, em uma mesma situação sociológica,

possuírem diferentes, ou mesmo conflitantes, visões dos aspectos sociais (ADORNO et al.,

1982).

2.3.1 Tipos e síndromes

Este é um capítulo do Authoritarian personality que foi escrito apenas por Adorno

(1982). Considerou-se interessante apresentá-lo aqui, em seus aspectos mais gerais, em

função do fato de que nesse capítulo Adorno explicita, de certa forma, a sua visão da dialética

entre o universal e o particular em um tema de pesquisa empírica que, no caso, vai envolver a

personalidade.

No capítulo anterior, quando o objeto de pesquisa – a liderança – foi conceitualmente

descrito, em alguns pontos foi feita uma referência a tipos definidos na literatura do

mainstream. É preciso que esse tipo de relato esteja congruente com a abordagem sociológica

empírica proposta por Adorno. Por esta razão, considerou-se importante apresentar aqui o

significado de uma classificação tipológica de indivíduos, na ótica de Adorno, para

demonstrar que não há inconsistência teórica nesta pesquisa quando da realização desse tipo

de avaliação.

Adorno (1982) não vê o uso de tipos e síndromes para a caracterização de indivíduos

como algo sem problemas, pois, além do fato de essa caracterização nunca ser capaz de captar

o único, as generalizações apresentam ainda os problemas de não possuírem validade

estatística, além de não serem capazes de oferecer ferramentas heurísticas produtivas. No caso

da personalidade, ela apresenta, em geral, para Adorno (1982), problemas, como:

a) Na teoria dinâmica geral da personalidade, percebe-se uma tendência a “forçar o

buraco”, transformando traços que são altamente flexíveis em características estáticas,

quase biológicas, negligenciando o impacto de fatores sociais e históricos;

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b) a tipologia moderna, em contraste com a dos temperamentos, tem origem na

psiquiatria – com Kraepelin e Lombroso – e vem da necessidade de uma classificação

patológica que facilite diagnóstico e prognóstico, para fins de abordagem terapêutica,

sendo assim algo de difícil aplicação para os indivíduos normais;

c) os tipos mistos sempre desmentem os construtos originais puros;

d) Adorno (1982) considera, ainda, que a crítica é um impulso humano natural contra a

submissão de indivíduos a classes preestabelecidas – como ocorreu no Nazismo.

Desta forma, pesquisas preocupadas com o preconceito devem ter cuidado especial

com a questão da tipologia, pois elas podem indicar, inclusive, uma mentalidade

“estereopatica29

”, própria do caráter fascista.

Mas Adorno (1982) também defende a possibilidade de uma tipologia que não seja

estática nem biológica, mas dinâmica e social, visto que a divisão social por classes afeta o

indivíduo que participa dessas relações. Durkheim (2008) mesmo já havia demonstrado como

a ordem social hierárquica permeia atitudes, pensamentos e comportamentos individuais,

formando “classes psicológicas” de indivíduos. Nesse sentido, a relativa rigidez de altos e

baixos escores em escalas de personalidade deve refletir a rigidez na qual nossa sociedade

tende a colocar os indivíduos em dois ou mais campos opostos.

A crítica a uma tipologia não deve desconsiderar o fato de que muitas pessoas nunca

foram “indivíduos”, no sentido da filosofia do século XIX. Um processo social padronizado,

opaco e que sobre-enfatiza o poder deixa aos indivíduos pouca liberdade de ação e diminui as

possibilidades para uma verdadeira individuação. Os tipos são possíveis porque nosso mundo

é tipificado e, por isso, produz diferentes “tipos” de pessoas. É com a identificação e denúncia

dos traços estereotipados do homem moderno que se pode desafiar a tendência a uma

classificação que busca envolver toda a sociedade (ADORNO, 1982).

A construção de tipos psicológicos não apenas tenta ordenar a confusão observada no

mundo real, mas é também uma forma de conceituar a diversidade, para que se possa chegar à

melhor compreensão da realidade. O afastamento do fatual, na tentativa de se aproximar do

significado psíquico (como Freud assim o compreendeu) envolve generalizações que

transcendem o caso único, implicando a identificação de certos núcleos ou síndromes

regulares que se aproximam da ideia de tipos. Deve-se considerar que há certo grau de

“tipologia” em toda teoria psicológica (ADORNO, 1982).

29

Trata-se de um neologismo. O autor desta pesquisa entende o termo como significando uma estereotipia

(formação de uma ideia preconceituosa a respeito de alguém) de caráter patológico.

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Para Adorno (1982), a ideia de individualismo, bem como a categorização desumana

dos indivíduos, representa o véu ideológico de uma sociedade desumana, cuja tendência à

subordinação de tudo se revela também na classificação das pessoas. Mas, no seu estudo,

havia também uma outra razão pragmática que justificava a busca de padrões de

comportamento: o fato de que a ciência deveria prover a sociedade com armas contra a

mentalidade fascista.

Para a classificação usada na pesquisa da Authoritarian personality, o grupo de

pesquisadores usou os seguintes critérios (ADORNO et al., 1982), que são aqui citados,

porque podem ser orientadores para uma classificação da qual se precise lançar mão na

pesquisa da tese:

a) Não classificar seres humanos em tipos estatísticos claros, nem em tipos ideais (no

sentido que eles seriam suplementados por misturas). A classificação só faria sentido

quando um número de traços e disposições de conjunto viesse a contexto, trazendo

unicidade de significado. Eles foram considerados cientificamente mais produtivos se

integrassem traços, de outra forma dispersos, em continuidades significativas,

evidenciando a interconexão de elementos que estão juntos em uma “lógica” (em

termos de compreensão psicológica de uma dinâmica interna). Não se permitiu uma

subordinação mecânica de traços sob o mesmo tipo. O critério para isso foi não

considerar os desvios como sendo acidentais, quando confrontados com traços

“genuínos”, mas sim reconhecê-los como significativos, em termos estruturais;

b) a tipologia deve ser crítica, no sentido de que deve envolver a tipificação do homem

como uma função social: quanto mais rígido, mais deve o tipo mostrar as marcas do

carimbo da sociedade. A maior dicotomia da tipologia é: a pessoa é padronizada e

pensa de forma padronizada ou ela é realmente individualizada e se opõe à

padronização na esfera da experiência humana. Esse aspecto deve ser um

diferenciador para os altos e baixos escores: visto de perto, quanto mais tipificados,

mais os baixos escores devem expressar potencial fascista desconhecido dentro de si;

c) os tipos devem ser produzidos para uso pragmático, o que quer dizer que diferenças de

caráter individual deverão ser desconsideradas. Isso torna essa tipificação

conscientemente superficial. Essa simplificação pode ser obtida integrando critérios

sociológicos aos construtos psicológicos, como identificações de grupo, metas sociais,

atitudes e padrões de comportamento. Torna-se, então, facilitado, pelo fato de se ter

identificado que categorias clínicas se relacionam a atitudes sociais, possibilitando a

integração das duas.

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A tipologia deve ser organizada para estar adequada aos dados empíricos, uma vez que

o material não existe num espaço vazio, mas é estruturalmente predeterminado pelas

ferramentas – o questionário e esquemas de entrevistas.

Um aspecto muito importante a ser lembrado é que categorias derivadas da teoria

psicoanalítica ficam limitadas pelo fato de os indivíduos não terem sido “analisados” e que

essas categorias devem se concentrar em aspectos significativos para a teoria psicoanalítica,

em detrimento de outros padrões psicologicamente significativos. No caso desta tese, isso diz

respeito principalmente a algumas categorias que serão apresentadas na seção 3.4.2.1,

utilizadas para orientar algumas das análises e discussões dos dados, nos capítulos 5 e 6.

Antes, entretanto, será preciso apresentar o objeto de pesquisa, na forma como tem

sido compreendido pelo mainstream – compreensão essa que vai influenciar o próprio

aprendizado sobre o objeto – buscando também apontar algumas das contradições nele já

identificadas pela literatura. Será a partir desse contraponto que se buscará realizar uma

discussão crítica sobre a evolução do conceito, discussão essa que terá como consequência a

apresentação da liderança na ótica da ideologia.

Esse será o “fio condutor” que orientará o desenvolvimento do próximo capítulo.

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3 O LÍDER E A LIDERANÇA

Da mesma forma que em outros modelos de ciência, a linguagem usada para discutir

a liderança consiste em termos descritivos específicos que são cunhados para regular

a disciplina, copiando ou representando um paradigma particular – termos como

liderança transformacional, liderança servidora, liderança carismática, e liderança

estratégica. Cada um desses termos descritivos perpetua o paradigma dominante,

indicando alguma variação do modelo industrial de liderança (BARKER, 2001, p.

471).

O objetivo deste capítulo é buscar caracterizar o objeto de investigação da pesquisa.

Por ter experiência com o grupo social escolhido para investigação em sua práxis30

– o que,

como foi visto no capítulo anterior, é item fundamental para se fazer crítica imanente –, o

autor da tese sabe que, neste grupo, ainda que as relações liderança se renovem, após a sua

emergência, o ser líder e a própria liderança costumam ser aprendidos em cursos de MBAs e

na literatura de management31

– fato que será confirmado na pesquisa – os quais, em sua

grande maioria, se conduzem pelo que é discutido dentro do mainstream. São esses os

aprendizados que modulam os comportamentos e as expectativas, organizando as ações e as

conversas sobre a liderança. Se a pesquisa busca conhecer o objeto a partir das contradições

no conceito, é do conceito que se tem do objeto que se deve partir – e esse conceito tem sido,

pelo menos no discurso, fortemente influenciado pela literatura do mainstream.

Mas também não se pretende, nesta revisão, ficar preso a uma única linha de

abordagem. Para organizar as informações relevantes sobre o campo no qual está inserido o

objeto de pesquisa, pretende-se realizar uma revisão histórica envolvendo não apenas o modo

como a liderança tem sido compreendida pelo mainstream, acrescentando também outras

visões, críticas ou alternativas, que “conversem” com o mainstream – visões estas que, por

suas características, podem ajudar a revelar algumas de suas contradições.

O termo “campo” aqui utilizado se refere ao fato de que, para muitos dos autores

consultados sobre a teoria e pesquisa em liderança, esse é o melhor termo para caracterizá-la.

Hunt (1999, p. 132), por exemplo, defende que a liderança é “um campo com várias escolas,

modelos e abordagens”. Explorar esse campo exige, assim, repassar as escolas, modelos e

30

A práxis é usada aqui em seu sentido aristotélico, e não como é entendida no marxismo: é a atividade mesma,

concreta, que se opõe à reflexão meramente teórica. 31

O termo management será utilizado no original, pois desta forma ele expressa melhor as práticas e os saberes

que estão envolvidos em seu uso – o gerenciamento científico, orientado por valores veiculados prioritariamente

pela literatura gerencial anglo-saxã.

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abordagens mais importantes que têm orientado a pesquisa dos autores que, no século XX, se

interessaram pelo tema.

Para organizar o campo, algumas classificações têm sido propostas. A escolhida para

conduzir a teoria desta tese toma por base, inicialmente, a proposta de Bryman (2009), pelo

fato de ser esta frequentemente a citada por autores que necessitam organizar a discussão em

uma linha histórica, dentro do mainstream.

De modo geral, Bryman (2009) divide as escolas, modelos e abordagens em dois

grandes momentos. O primeiro, o que reúne as abordagens que são chamadas por outros

autores – como Hunt (1999) – de tradicionais. Esse primeiro momento inclui três abordagens

principais: a do traço pessoal, a do estilo e a contingencial. O segundo momento foi o que

Bryman (2009) denominou de “nova liderança”, que inclui as lideranças transformacional e

transacional, a reconceituação das lideranças carismática e visionária e novos modelos como o

de liderança dispersa (ou distribuída). A esse último momento podem-se também associar

outras abordagens que normalmente não são incluídas pelos autores sob o título de “nova

liderança”, mas desenvolvem-se dentro do mesmo corte temporal, estabelecendo com as

anteriores algum tipo de afinidade, e que são aquelas que levam em consideração a cultura

(organizacional, local, nacional, etc.).

Mas a discussão a ser conduzida neste capítulo acrescenta à classificação de Bryman

(2009) algumas outras abordagens – ainda que temporalmente coincidam com as da “nova

liderança”. Essas são: a) as que estão incluídas, de modo genérico, sob o título de críticas e

pós-estruturalistas; b) aquelas que levam em consideração categorias propostas pela

psicanálise de Freud; c) as abordagens que mais recentemente retomaram as características de

personalidade do indivíduo como um fator a ser considerado nas análises.

Esta é, de modo geral, a sequência que se busca seguir neste capítulo.

3.1 Abordagens tradicionais de liderança

O que ela realmente é não é assim tão importante como o é a questão de se ela

funciona, se ela cria ordem, unidade ou aumenta a performance e a efetividade da

organização (KELLY et al., 2006, p. 183).

O historiador inglês Carlyle defendeu que “a história do mundo era a biografia dos

grandes homens” (CARLYLE apud JUDGE et al., 2002, p. 765). Essa citação é identificada

por Judge et al. (2002) como a motivação para a primeira tendência observada nos estudos

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sobre liderança, voltada para se pesquisar os atributos daqueles que eram chamados de

“grandes líderes”.

Ainda segundo Judge et al (2002), o estudo identificado como o mais antigo nessa fase

inicial das investigações sobre traços de personalidade e liderança foi conduzido por Terman,

em 1904. Mas a partir da década de 1920 podem-se encontrar vários outras obras importantes

nessa linha. Bernard (1926) é uma destas obras, citado pela maioria dos autores que fizeram

uma revisão histórica do tema – como Bass (1990) e Hogan et al (1994), para citar dois

exemplos. Com um trabalho desenvolvido no campo da Psicologia social, o autor busca

explicar a liderança a partir de características inatas no indivíduo, as quais poderiam

diferenciá-lo dos seus seguidores, e Cowley (1931). Esse último autor realizou, na década de

1930, revisão dos trabalhos conduzidos nessa linha até então, concluindo que “a abordagem

dos estudos sobre liderança tem sido, e talvez devam sempre ser, conduzidos por intermédio

do estudo dos traços” (COWLEY, 1931, p. 144).

O que se pensava nesse momento era que os grandes líderes nasciam para serem

líderes e que esse tipo de indivíduo não podia ser “criado”. A ideia motivadora da pesquisa

era a de que, se características inatas existiam e podiam ser identificadas, bastaria procurar

pessoas com essas características que se teria uma boa chance desse indivíduo apresentar um

bom desempenho como líder.

Os aspectos examinados nessa fase foram divididos por autores como Horner (1997) e

Bryman (2009) em três grandes grupos:

a) Aspectos físicos – como a altura, o tipo muscular e a aparência;

b) habilidades – como a inteligência e a habilidade de conduzir o discurso; e

c) os que se referem à personalidade do indivíduo (introversão/extroversão,

autoconfiança, conservadorismo, etc.).

Muitos dos autores consultados – entre os quais se encontram também Horner (1997) e

Bryman (2009) – reconhecem o trabalho de Stogdill (1948) como o principal marco para o

fim desta primeira linha de pesquisas. Nesse trabalho, Stogdill (1948) questiona o resultado

de toda pesquisa realizada no campo até aquele momento, pois, ainda que algum estudo

tivesse encontrado algo que pudesse ser considerado significativo, sempre era identificado

algo que impedia a confirmação dos achados. Como será visto mais à frente, essa linha é

retomada principalmente na década de 1980, com autores como Lord, De Vader e Alliger

(1986), entre outros cujos trabalhos serão revisados nesta pesquisa, nesse segundo momento

com foco basicamente nas características de personalidade – ainda que questões como a

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inteligência e a habilidade de conduzir o discurso também voltem a ser consideradas por

alguns.

A abordagem de traços pessoais chamou a atenção dos pesquisadores para os tipos de

pessoas que se tornam líderes, motivando um segundo tipo de abordagem: a que leva em

consideração o comportamento do indivíduo. A ideia aqui era saber o que os líderes bem-

sucedidos fazem, e não mais como eles são ou como se apresentam para as pessoas. Essa linha

ficou conhecida como abordagem do “estilo” de liderança ou comportamental.

Os líderes são estudados, nesse momento, no contexto das organizações. A origem

dessa abordagem encontra-se em dois trabalhos importantes, nos quais o foco já recaía sobre

os executivos das organizações: o de Tead (1929) e o de Chester Barnard (1938), este último

conduzindo a discussão a partir do papel do executivo como tomador de decisões e

coordenador da vida organizacional. Mas as pesquisas mais conhecidas na literatura,

conduzidas sob a ótica do estilo do líder, ocorreram nos Estados Unidos, nas universidades de

Ohio e de Michigan – com resultados confirmados por pesquisas em outras universidades

norte-americanas –, principalmente entre as décadas de 1930 e 1950.

Na Universidade de Michigan, o foco estava na identificação de comportamentos de

líderes que estariam mais centrados ou na pessoa do trabalhador ou na atividade produtiva. E

na Universidade de Ohio, a linha principal de investigação envolvia a aplicação de

questionários a liderados – inicialmente em organizações militares – com foco principal em

dois componentes do comportamento do líder: a) as estruturas de iniciação – ou como o líder

estabelecia sua relação com os demais membros do grupo, definindo os padrões de

organização das relações como a comunicação e os procedimentos – que se relacionavam com

o estilo no qual o líder define claramente o que e como os subordinados devem executar algo;

b) as estruturas de consideração – ou nas relações interpessoais de amizade, confiança e

respeito do líder para com os membros do grupo. As principais conclusões foram que as de

consideração se associavam a mais satisfação no trabalho pelos liderados, enquanto as de

iniciação se relacionavam a melhor desempenho (ainda que com o custo de piorar o moral do

grupo).

No entanto, os resultados mais importantes dessas pesquisas voltadas para o

comportamento do líder foram, de um lado, desenvolver a noção de que a liderança poderia

ser ensinada e, de outro, a ampliar o foco das atividades em questão, que deveria se dirigir

tanto para as atividades que eram orientadas para as pessoas como para as tarefas (HORNER,

1997).

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140

Na linha do estilo da liderança encontram-se alguns trabalhos importantes no

desenvolvimento posterior das pesquisas e da teoria sobre o campo. Alguns merecem ser

citados.

O trabalho de Likert (1961) que, a partir da aplicação de uma escala com a finalidade

de mensuração quantitativa, buscou identificar padrões de comportamentos para os gerentes

de alta produção;

O trabalho de Blake, Shepard e Mouton (1964), que desenvolveram um modelo

baseado no comportamento, semelhante ao desenvolvido em Ohio e Michigan, no qual

identificaram atributos para a composição do que denominaram grid gerencial: uma

orientação para pessoas e outra mais voltada para a “entrega” (ou resultado), sendo que

posteriormente acrescentaram a variável flexibilidade, a qual poderia interferir na expressão

dos atributos anteriores.

McGregor (1973) foi outro autor cujo trabalho foi desenvolvido na linha

comportamental. Utilizando a motivação como variável para análise, ele propôs o que ficou

conhecido como teorias X e Y. O pressuposto da teoria X era que, por serem naturalmente

preguiçosos, egoístas e resistentes à mudança, os indivíduos deveriam ter suas ações

controladas e conduzidas por um líder; já o pressuposto da teoria Y – a defendida por

McGregor (1973) – era de que os indivíduos tendem a ser responsáveis, competentes e

criativos e uma liderança baseada nisso tenderia a criar um ambiente de trabalho participativo,

que predispõe ao desenvolvimento individual e a melhores resultados organizacionais.

A ideia de um estilo de liderança influenciou os trabalhos até a década de 1960,

quando foi incorporada por uma terceira linha de abordagem, que já vinha se desenvolvendo

na década de 1950 nos estudos organizacionais: a abordagem contingencial – ainda que o

interesse já possa ser identificado antes da década de 1950, com os trabalhos de Kurt Lewin

(1947) e de Lewin, Lippitt e White (1939), autores considerados pioneiros na exploração

dessa relação.

Na linha contingencial, os pesquisadores buscavam a interação entre os traços e o

estilo de comportamento – na forma como desenvolvido pelas duas correntes anteriores –,

associado à ideia de que, para ser mais eficiente, não somente o estilo dos líderes, mas

também a situação e as características dos liderados deveriam ser levadas em consideração

(HOLLANDER; JULIAN, 1969).

Uma primeira adaptação empírica da proposta de Lewin para a literatura sobre

liderança foi realizada por Fiedler (1967), cujo trabalho busca caracterizar a efetividade do

líder a partir de duas variáveis: o estilo de liderança – como desenvolvido pelos autores que o

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antecederam – e a condição de predisposição da situação ao exercício de influência. Esta

última foi definida a partir de uma combinação de fatores, como as relações pessoais do líder,

sua posição na estrutura de poder e a estrutura da tarefa.

Uma das consequências consideradas das mais importantes do trabalho de Fiedler

(1967) foi dar início às discussões e às pesquisas sobre a adequação da liderança a uma

determinada situação, a qual seria a mais apropriada ao estilo do líder em questão. Essa visão,

sim, que, do ponto de vista dos estudos organizacionais, se adequa à teoria contingencial que

se desenvolvia naquele momento (HORNER, 1997).

Como desenvolvimentos posteriores fundados na abordagem contingencial, citam-se:

Dansereau, Graen e Haga (1975), que propõem, a partir de uma abordagem diádica, a Teoria

da troca entre líder e liderado, buscando explicar o relacionamento entre os dois, envolvendo

ganhos mútuos, parceria ou comprometimento; e Hersey e Blanchard (1986), que se

interessam pelos estilos de liderança, no espectro democrático/autoritário, identificando três

estilos básicos: o democrático, o autocrático e o tipo laissez-faire.

Nesse aspecto, também os liderados passam a integrar a pauta de investigação, tendo

sido desenvolvidas várias abordagens a partir de diferentes visões da inter-relação entre

líderes e liderados. Alguns dos exemplos mais importantes são:

a) A teoria “path-goal”, de House e Mitchel (1974), que propõe que os líderes devem

ajudar os liderados a desenvolverem comportamentos que os ajudem a atingir metas

desejadas. A efetividade da liderança ficaria na dependência do tipo de tarefa (se a

satisfação que ela determina é intrínseca ou extrínseca) e do nível de autonomia e de

motivação dos liderados;

b) a teoria de Vroom e Yetton (1973), que busca descrever o que os líderes deveriam

fazer para serem mais efetivos, dependendo do grau de envolvimento dos liderados no

processo de tomada de decisões;

c) a “teoria do intercâmbio líder-liderado”, de Graen (1976), que aborda a relação líder-

liderado a partir da relação do líder com dois grupos diferentes de liderados, que ele

chamou de in-group e out-group;

d) um imbricamento entre as pesquisas envolvendo liderança e os estudos sobre a

motivação (HERZBERG, 1964; VROOM, 1964), cujo foco também sai das

características pessoais do líder e das situações para levar em conta os aspectos que

dizem respeito aos liderados. O que esses autores concluem é que a preocupação

principal do líder deveria ser a criação de um ambiente em que as pessoas possam se

sentir envolvidas e comprometidas com o seu trabalho.

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142

Apesar de todo o avanço conceitual, Pfeffer publicou, em 1977, um artigo no qual

discute a insuficiência dos estudos até então realizados, pontuando principalmente a

ambiguidade do conceito de liderança, questionando a efetividade do líder no desempenho das

organizações e a irrelevância dos critérios de seleção no processo sucessório. Na mesma

época, Zaleznik (1977) levantava uma preocupação, muito significativa para aquele momento

do desenvolvimento do campo, que era a diferenciação entre a liderança e o que se entende

por gestão (ou administração, gerência ou qualquer outro termo com sentido correlato).

É nesse ponto que surge uma nova linha de abordagem e pesquisa, que foi chamada de

“nova liderança” e que será apresentada na sequência.

3.2 A nova liderança

A expressão “nova liderança” foi cunhada para categorizar diversas abordagens sobre

a liderança que pareciam tratar de temas similares, mas que apresentavam importantes

diferenças entre si. A despeito das diferenças, no conjunto elas descortinam um modo novo de

conceituar e pesquisar sobre a liderança, quando comparadas com os modelos apresentados

anteriormente (BRYMAN, 2009).

Como foi visto, algumas das ideias que vão se desenvolver nesse novo momento já

podem ser percebidas em trabalhos anteriores, como os de Zaleznik (1977). Mas o estímulo

mais significativo para a mudança no rumo da conceituação e pesquisa deriva da publicação

do trabalho de Burns (1978) sobre a liderança política – seguido pelo de Bass (1985), para o

campo dos estudos organizacionais.

Burns publicou seu trabalho em 1978 como resultado dos seus estudos sobre

movimentos políticos, revolucionários e ideológicos no século XX. Nessa obra, Burns (1978)

conclui que os líderes sempre acabam escolhendo uma de duas formas de conduzir as relações

de liderança, as quais foram por ele chamadas de lideranças transformacional e transacional.

Bass (1985, 1997) publicou o seu trabalho na década seguinte, a partir da proposta de

Burns (1978), só que desenvolvendo uma abordagem teórico-empírica mais voltada para os

estudos em organizações, chamada de paradigma transacional-transformacional (BASS,

1985). Por ter mudado o foco para as organizações, a proposta de Bass (1985) acabou sendo

um pouco diferente da de Burns (1978): enquanto para Burns (1978) a liderança

transformacional envolve uma troca mutuamente enriquecedora entre líder e liderado, em

Bass (1985) ela significa dar suporte aos seguidores para aumentar a sua performance,

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utilizando-se de métodos que podem variar de uma motivação que esteja baseada em um

relacionamento de caráter carismático à atenção individualizada para com os seguidores.

Como o objeto de pesquisa aqui está mais de acordo com o tipo de liderança descrito

por Burns (1978) – a liderança política –, esse autor não pode deixar de ser consultado para

uma primeira classificação geral sobre as diversas formas de organizar as relações de

liderança. Bass (1985) será retomado posteriormente, por se constituir na base para as demais

abordagens voltadas para os estudos em organizações, também importantes para este trabalho.

A classificação de Burns (1978) está fundamentada no propósito da liderança. O autor

parte de um princípio diferente da visão mais corrente – aquela que vê a liderança como um

indivíduo, fazendo com que os outros realizem o que de outra forma eles não fariam – para

uma visão na qual o processo de liderança envolveria um indivíduo que induz outro(s) a agir

em direção a metas que representam tanto os valores e motivações, que são tanto os seus

próprios, como também os do líder. Nessa visão, as metas e as necessidades dos seguidores

devem ser inseparáveis das do líder (BURNS, 1978).

São essas metas e necessidades que vão colocar líderes e liderados em uma interação a

qual, como já se disse, deve tomar duas formas básicas: uma que define a liderança que ele

chama de transacional; e outra, que ele chama de transformacional. Essa ligação funcional

também faz da liderança um processo moral, uma vez que há um compromisso entre as

partes, baseado no compartilhamento de valores, motivos e metas (BURNS, 1978).

Apesar de funcionalmente inseparáveis, líderes e liderados não são a mesma coisa para

Burns (1978): os líderes diferenciam-se na relação por serem aqueles que criam as ligações

que permitem as trocas e as comunicações com os liderados, tendo, caracteristicamente, não

só mais habilidade na detecção das motivações alheias, como também detendo o papel mais

importante na manutenção do relacionamento. Além disso – e talvez seja essa a diferença

mais importante –, os líderes deveriam conduzir os desejos, necessidades e as motivações

alheias como se fossem as suas próprias.

Apresentam-se, a seguir, ainda que de modo sumário, as características mais

significativas de diferenciação entre os dois tipos principais propostos para as relações de

liderança: o transacional e o transformacional.

3.2.1 A liderança transacional

É um tipo de liderança encontrado nas situações em que uma pessoa toma a iniciativa

de contatar outras, com a intenção de intercambiar valores – que podem ser tanto de natureza

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econômica como política ou psicológica (por exemplo, troca de bens por dinheiro, de votos

por representação ou de hospitalidade por disposição a escutar queixas alheias).

Cada parte reconhece a outra como uma pessoa cujo poder está nos recursos ou

atitudes que possuem. O processo de barganha é consciente, sendo que o relacionamento não

se estende para além do objeto que é de interesse mútuo (BURNS, 1978).

O que é característico nesse tipo de liderança são os valores de meios (em contraponto

aos valores de fins, como vai ser observado na liderança transformacional). São valores como

a honestidade, a responsabilidade, a integridade e o honrar os compromissos, sem os quais a

liderança transacional não pode funcionar (BURNS, 1978).

Ela pode ser observada nas seguintes formas:

A) O líder de opinião

É um tipo de liderança mais comumente visto nas democracias ocidentais do que em

regimes autoritários. Na visão de Burns (1978), a opinião pública é um campo em que líderes

e liderados “transacionam gratificações mútuas no mercado político” – o que a aproxima da

teoria sociológica da troca. A diferença está no fato de que a transação origina

relacionamentos curtos –, pois não se pode repetir uma troca de forma idêntica – o que leva as

duas partes a buscar outros tipos ou outros níveis de gratificação.

Se a transação no gabinete do político é clara, no campo da opinião pública ela é

menos tangível e mais “psíquica”: o líder se comunica com o seguidor, esperando deste uma

resposta que, por sua vez, fomenta outras iniciativas do líder. O apelo envolve o que seriam as

motivações do liderado, o qual, a partir de sua resposta, levanta novas expectativas, que são

exploradas pelo líder – mantendo, dessa forma, o processo de transação.

Esse tipo de transação pode ser aplicado apenas a uma parte do sistema de formação

de opinião, uma vez que o processo de socialização do indivíduo tende a estabelecer limites

para a sua visão. Os valores que são compartilhados pelos indivíduos procuram se reforçar em

sociedades mais fechadas – originando visões etnocêntricas e mesmo paranoicas em relação a

outras. Somente forças que conseguem se ligar às fontes de opinião podem conseguir romper

essas barreiras. A televisão seria uma dessas forças.

São três os tipos de liderança de opinião:

a) No mais visível, o líder tem objetivos maiores (ideológicos, de carreira ou de interesse

próprio) e busca mobilizar o maior número de pessoas em função desses objetivos;

b) um segundo tipo pode ser encontrado entre os que controlam os meios de

comunicação e que, por terem o poder de editar notícias, montarem a primeira página

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145

do jornal ou escolherem o que e como será veiculado em um telejornal de âmbito

nacional, representam importante papel na formação da opinião pública;

c) O terceiro envolve o que pode ser chamado de “líder de opinião transacional”, que faz

a mediação entre a mídia de massa e o público. É um tipo de liderança ubíqua, que

pode ser encontrado tanto no taxista como no dono do botequim da esquina ou em

qualquer outra pessoa cuja posição na sociedade lhe facilite essa intermediação.

Políticos autoritários conhecem bem a importância dessas pessoas e, em geral, as usam

em seu benefício.

Por outro lado, existem três tipos de público sobre os quais atuam esses líderes:

a) O mais ativo é constituído por pessoas relativamente interessadas por política, cientes

de que existe uma competição entre as lideranças políticas, que são pelo menos um

pouco ativas em partidos ou grupos políticos e que estão atentas aos resultados das

eleições e à efetividade das ações governamentais;

b) Um segundo grupo, menos ativo, tem razoável noção em relação às pessoas mais

públicas e têm condições (e muitas vezes o fazem) de entrar em um debate político;

c) e um terceiro grupo, que não tem qualquer interesse por política, não participa de

qualquer atividade política, mas que tem o potencial de atentar (ou mesmo participar)

para assuntos políticos se estimuladas por líderes habilidosos – principalmente em

momentos mais traumáticos como depressões econômicas, guerras, crises internas, etc.

(BURNS, 1978).

De qualquer forma, os dois aspectos importantes no seu desenvolvimento envolvem

uma interação e um conflito. As contradições que surgem daí dizem respeito à dualidade entre

o seu próprio interesse e um interesse mais coletivo. Essa contradição é menos evidente

quando o líder de opinião representa grupos menores, mas cresce à medida que ele passa a

abarcar grupos maiores e mais heterogêneos, pela dificuldade de reunir uma opinião pública

que suporte suas ambições, sem correr o risco de entrar em conflito com ela.

Uma das estratégias utilizadas por esses líderes é a de organizar uma base larga de

seguidores, pois, como foi visto, uma liderança de tipo heroica deve se caracterizar pela

ausência de conflito. Uma estratégia alternativa é mobilizar o suporte de determinada classe

socioeconômica, o que parece uma solução fácil, já que a maioria das sociedades se divide em

classes que possuem interesses conflitantes. E uma terceira estratégia é a utilização de um

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partido político cujo simbolismo e cuja máquina existem para ativar e estabilizar a opinião

pública.

B) O líder de grupo: pequenos grupos e burocratas

Desde a pesquisa sobre psicologia de grupo realizado por Freud (1987d), que será

objeto de estudo mais à frente, sabe-se que a liderança é fundamental para a manutenção da

coesão do grupo e que este se desorganiza, podendo vir a desaparecer com a sua ausência.

Grupos pequenos são caracterizados pela interação entre membros, com senso de

obrigação mútua e com forte tendência à conformidade entre os membros, originando

algumas das organizações mais sólidas, duráveis e bem estruturadas da sociedade. Os líderes

aqui emergem do grupo, possuindo algumas características: são agentes do grupo, são

criações e são prisioneiros do grupo, sendo também os membros mais conformados deste,

além de estarem no centro de sua estrutura de comunicação (BURNS, 1978).

Mas na liderança transacional também se observa intensificação de conflitos do grupo,

os quais têm origem na afiliação dos seus membros com outros grupos. As forças internas do

grupo podem produzir conflito quando as externas estão em equilíbrio ou neutralizadas. Nesse

caso, são as mudanças nas necessidades do grupo que costumam alterar tanto a composição da

liderança como as relações entre os membros, modificando tanto a autoestima do grupo como

a estima acordada entre os membros. E quanto mais estimado pelos outros, tanto maior a

possibilidade de ter sucesso no reconhecimento de sua liderança. Ainda, quanto mais

capacidade tiver o líder para satisfazer as necessidades dos membros, tanto mais capital

político ele deve acumular (BURNS, 1978).

Já numa burocracia, as características da liderança são opostas às encontradas nos

pequenos grupos e entre líderes transacionais: enquanto os pequenos grupos se organizam

espontaneamente, as burocracias são decisões conscientes de organização de recursos e

pessoas para se atingir determinados objetivos; a liderança nos pequenos grupos, ao contrário

daquelas das burocracias, são maldefinidas, conflitantes e sujeitas a mudanças no grupo; os

objetivos nos pequenos grupos são maldefinidos e sujeitos a mudanças; ao contrário das

burocracias, a liderança em pequenos grupos não é hierárquica; ela obtêm suas qualidades de

recursos obtidos do próprio grupo, e não de estruturas formais ou legais, como nas

burocracias. No conjunto, pode-se considerar que as características da liderança na burocracia

são antitéticas àquelas definidas para as lideranças, tanto as transformacionais como as

transacionais (BURNS, 1978).

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147

C) A liderança partidária

Pode-se dizer que geralmente a liderança partidária é transacional, mas com

significativo potencial transformacional: os partidos fazem os líderes a partir de sua estrutura,

mas também convertem seguidores em líderes a partir dos conflitos surgidos entre suas

fileiras. E, para atingir seus objetivos, criam líderes cujo poder individual pode ser pequeno,

mas cujo poder coletivo os transforma mais em subordinados do que em controladores dos

seguidores.

O poder dos partidos está na capacidade de seus líderes identificarem e conduzirem os

desejos, necessidades e expectativas dos seguidores (atuais e potenciais), sejam eles

personalidades conhecidas ou obscuras. Sua fonte de conflito mais importante não está entre

partidos rivais ou entre rivais dentro dos partidos, mas entre os líderes do partido e líderes do

mesmo partido com posições no governo (BURNS, 1978).

D) A liderança legislativa

A estrutura da legislatura em países “livres” é o locus clássico da liderança

transacional, baseada em respostas recíprocas de líderes as quais são conduzidas por sua

percepção de necessidades, desejos, expectativas e valores daqueles que representa, em

conflito com outras. Tipicamente, aqui ela funciona como uma praça de comércio, em que

interesses e metas pessoais são harmonizados a partir de técnicas clássicas de negociação e de

reciprocidade, guiadas por valores de confiança, tolerância e de integridade. É por isso que, na

legislatura, não é possível exercer uma liderança transformacional (BURNS, 1978).

E) A liderança executiva

É um tipo de liderança indispensável em situações de crise e efetiva quando se

pretende atingir metas específicas e limitadas. Mas existem vários fatores que são inibidores

para esses líderes: perda de controle e direção dentro da estrutura de liderança; o peso

contínuo de compromissos, metas e motivos conflitantes; os limites próprios do processo

executivo; a limitação de tempo nas estruturas executivas, associado à incapacidade dos

líderes de conseguir recursos ideológicos e políticos fora do sistema (BURNS, 1978).

Essa liderança pode ser vista como ao mesmo tempo comum e incomum: comum, por

ser encontrada no dia-a-dia em grupos que perseguem metas comuns, podendo ser observada

em pais, professores, colegas de alguma atividade, pregadores e políticos; e incomum, pois

muitas das ações atribuídas à liderança não só não são frequentemente vistas (por ex., atos

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ligados à oratória, à manipulação e às ações coercitivas e autoritárias), como também podem

não estar efetivamente ligadas ao que se poderia considerar como liderança genuína.

3.2.2 A liderança transformacional

É um tipo de liderança que surge quando uma ou mais pessoas se comprometem com

outras pessoas de forma que tanto os líderes como os seguidores se elevam mutuamente para

atingirem níveis mais altos tanto de motivação como de moralidade. O poder está ligado ao

suporte mútuo para se atingirem propósitos comuns. O relacionamento pode até ser moralista

(como em caso de líderes religiosos), mas ele é em si moral, uma vez que eleva o nível de

conduta e as aspirações tanto do líder quanto do liderado (BURNS, 1978).

Os valores envolvidos nesse tipo de liderança são os de fins – como a justiça, a

liberdade ou a igualdade, podendo ser observados basicamente em quatro diferentes situações:

a) A liderança intelectual (ou a ideia como um poder moral): existem muitos exemplos

na história: a liderança exercida na França do século XVIII por pessoas influenciadas

pelo pensamento dos filósofos – como Robespierre, filho intelectual de Montesquieu e

influenciado por pensadores como Rousseau, e os enciclopedistas e demais autores do

Iluminismo. Também é exemplo a liderança dos filósofos ingleses do século XVII,

como Locke e Hobbes, na defesa da liberdade do indivíduo contra o poder do governo;

b) a liderança reformista: segundo Burns (1978), líderes de verdade – aqueles que

ensinam e aprendem com seus seguidores – desenvolvem-se a partir das experiências

adquiridas no dia-a-dia, sendo a liderança reformista a que fornece mais exemplos de

líderes que desenvolvem suas melhores habilidades com a experiência. Alguns

exemplos seriam os de Bismarck, na Alemanha, e Roosevelt, nos Estados Unidos;

c) liderança revolucionária: mais do que outros tipos de liderança, a revolucionária é

essencialmente coletiva, dependendo (mais do que no caso do líder reformista) de

movimentos, partidos e organizações políticas e daí as grandes diferenças nas

revoluções, dependendo do contexto no qual ocorrem. Exemplos óbvios aqui seriam

os de Martinho Lutero e a Reforma Protestante, Danton, Marat e Robespierre na

Revolução Francesa, Lenin e a Revolução Russa e Mao Tse Tung na Revolução

Chinesa. A discussão dos detalhes do comportamento da liderança em cada uma

dessas revoluções foge ao escopo deste trabalho;

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d) heróis e ideólogos (ou a liderança carismática): o herói estaria incluído no que Max

Weber chamou de líder carismático. Com o termo, Weber se refere a uma dádiva

divina – sem que ele explicasse se essa dádiva pertencia apenas ao indivíduo,

independentemente da sociedade na qual ele está inserido ou se ela dependeria do seu

reconhecimento pelos seguidores do líder para existir. Daí a sua compreensão permitir

diferentes significados: o de uma qualidade mágica, um laço emocional entre líder e

liderado, uma dependência das massas pela figura paterna ou, ainda, o pressuposto

popular de que o líder é poderoso, onisciente e virtuoso.

Considerando a impossibilidade de se recuperar o seu sentido inicial, Burns (1978)

define a liderança heroica ou carismática como sendo:

Uma crença no líder, que está fundamentada apenas em sua pessoa,

independentemente da existência de capacidades já demonstradas ou de experiência

e de resultados; é a fé na capacidade do líder superar obstáculos e crises; a prontidão

para garantir ao líder o poder para superar as crises; é o suporte de massa, que é

expresso diretamente ao líder – em votos, aplausos, cartas, apertos de mão – e não

por outros intermediários ou por instituições (BURNS, 1978, p. 244).

Assim, a liderança heroica não está baseada em algo que a pessoa possua, mas em um

tipo de relacionamento que acontece entre o líder e o liderado. O que o líder oferece é uma

solução simbólica para os conflitos internos e externos. Daí esse tipo de liderança possuir

como uma de suas características mais importantes a ausência de conflito entre as partes. São

líderes que costumam emergir em sociedades que enfrentam crises profundas. Os exemplos

mais óbvios seriam os de grandes líderes religiosos, como Moisés, Jesus Cristo e Maomé.

3.2.3 A liderança transformacional, no contexto organizacional

A partir da abordagem de Burns (1978) e de sua adaptação ao contexto organizacional

realizada por Bass (1985), Bass e Avolio (1994) propuseram que a liderança transformacional

seria caracterizada por envolver quatro componentes:

a) a motivação inspiracional, que envolve a criação e a apresentação de uma visão

atraente de futuro;

b) a influência idealizada, que envolve comportamentos como sacrificar-se em benefício

do grupo, dar exemplos pessoais e demonstrar altos padrões éticos;

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c) a consideração individualizada, que significa fornecer suporte, encorajamento e

coaching para os seguidores;

d) o estímulo intelectual, que envolve comportamentos que devem ajudar a aumentar a

consciência dos problemas por parte dos seguidores, estimulando-os a enxergá-los a

partir de novas perspectivas.

Yukl (2002) modificou um pouco a classificação, propondo dividir a liderança em dois

grandes grupos: o primeiro, envolvendo uma liderança transacional e controladora, que

basicamente envolve a troca de recompensas para que o liderado se conforme ao demandado;

e o segundo representado pelas lideranças transformacional e carismática, em que se observa

por parte do liderado a modificação de seus valores e prioridades, de modo que eles se

motivem a atuar acima das expectativas.

Segundo Graen e Uhl-Bien (1991), mesmo considerando que muitas das relações de

liderança tenham início no modo transacional e controlador, para ser efetiva32

a liderança deve

se tornar transformacional – daí o grande foco da pesquisa contemporânea em liderança estar

nos tipos transformacional e carismático. E isso demanda um esclarecimento sobre o que se

entende por liderança carismática.

3.2.4 A liderança carismática

Para melhor compreensão da liderança nesse grupo, os autores buscaram caracterizar a

liderança carismática de modo diverso em relação à liderança transformacional – ainda que

muitos as abordem em conjunto. Vista de modo apartado, ela pode ser caracterizada por ser

uma linha que visa compreender a influência exercida pelo líder a partir de sacrifícios e da

busca de objetivos difíceis, desenvolvendo o conceito de carisma a partir do que foi proposto

por Weber (1999; 2001). Entre os pioneiros dessa linha, encontram-se os trabalhos de Conger

(1989), House (1977) e Shamir, House e Arthur (1993).

A teoria tem sugerido que os líderes carismáticos podem ser distinguidos por uma

série de características. Ehrhart e Klein (2001) reuniram na literatura quatro características,

que são as têm sido mais regularmente associadas à liderança carismática. São elas: a

comunicação, pelo líder, de suas altas expectativas de performance; a demonstração de

32

O conceito de efetividade da liderança também será discutido à frente, na seção 2.3.2.

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151

confiança na capacidade dos liderados em atingirem metas; assumir riscos calculados, que se

opõe ao status quo; e a articulação de uma visão de futuro baseada em valores.

3.2.5 A nova liderança e a cúpula organizacional

Para Bryman (2009), a abordagem da nova liderança trouxe consigo o risco de

concentrar a atenção de modo excessivo na cúpula organizacional. De acordo com o autor:

Mesmo que uma mudança de orientação no estudo da liderança de organizações para

o estudo de liderança em organizações seja um antídoto para os estudos anteriores,

normalmente em escalas menores e no âmbito de grupo, pode-se argumentar que a

mudança no foco foi muito radical e gera o risco de ter muito pouco a dizer sobre a

maioria dos líderes. Em segundo lugar, como nas fases pioneiras da pesquisa, a nova

liderança tem pouco a dizer sobre os processos informais de liderança, apesar do uso

de estudos de caso qualitativos que têm crescido em popularidade em razão do seu

grande potencial. Por outro lado, as abordagens quantitativas, por exemplo, o

trabalho de Bass, costumam repetir a tendência em focar os líderes formalmente

designados. Terceiro, tem havido poucas análises situacionais. A tendência a exaltar

as virtudes da liderança transformacional e outros modelos da nova liderança cria o

risco de retorno a um pensamento universalista (BRYMAN, 2009, p. 266).

Essa observação de Bryman (2009) merece ser cuidadosamente explorada. Para tanto,

o que se pretende é:

a) Explorar o sentido da “mudança de orientação no estudo da liderança de organizações

para o estudo de liderança em organizações”. Será, então, necessário discutir o próprio

conceito de liderança e as suas interfaces com os conceitos de gestão e de comando;

b) uma vez caracterizado o conceito com o qual se pretende trabalhar nesta tese, parte-se

para as abordagens contemporâneas e emergentes sobre a liderança, mas que ainda

estão posicionadas no mainstream;

c) por fim, será realizado um apanhado de abordagens que coincidem temporalmente

com as da nova liderança, mas que se caracterizam por seu conteúdo mais crítico.

Com os estudos nessa linha pretende-se superar algumas das limitações identificadas

por Bryman (2009), além de abrir caminho para menções que possam facilitar a expressão

das contradições próprias do conceito, o que é um pressuposto teórico da abordagem

proposta para este estudo e que será o objeto de discussão do próximo capítulo.

Mas, por enquanto, volta-se ao conceito de liderança.

3.3 O conceito de liderança, de acordo com o mainstream

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152

O grau de diversidade ao qual a liderança vai se referir deve ficar restrito. O que não

ocorre, uma vez que o discurso acadêmico sobre liderança se refere a um largo

espectro de fenômenos diferentes. A liderança é tipicamente definida em termos

gerais. A ambição é a de dizer algo que seja relevante para cenários bem diversos.

[...] Essa diversidade significa que uma definição coerente com aspirações universais

deve nos dizer pouco em termos da riqueza e complexidade do fenômeno ao qual ela

supostamente se refere (ALVESSON; SVENINGSSON, 2003b, p. 361).

Stogdill (1948, 1950), autor responsável por uma das mais extensas revisões sobre o

tema, a qual ainda hoje é considerada um dos trabalhos de referência sobre liderança, afirma

que “existem tantas definições de liderança quanto pessoas que tentaram cercar o conceito”

(BASS, 1990, p. 7). Também de acordo com Bennis e Nanus (1988), a academia teria

produzido, somente até a década de 1980, mais de 350 definições do termo liderança.

Mas, antes de procurar uma definição, será preciso primeiramente estabelecer um

conceito de liderança, delimitando os campos onde há interface com outros conceitos. Um

esforço razoável de demarcação conceitual vem sendo tentado por vários autores, de modo

especial a partir da década de 1970. E um dos autores que têm sido citados como sendo dos

primeiros a se preocupar com essa demarcação foi Zaleznik (1977).

Zaleznik (1977) referia uma das preocupações mais significativas naquele momento

do desenvolvimento do campo, que estava na diferenciação entre a liderança e o que se

entende por gestão (ou administração, gerência ou qualquer outro termo com sentido

correlato). Por isso, o primeiro passo do esforço conceitual a ser empreendido para esta

pesquisa visa apresentar como o mainstream tem estabelecido essa diferenciação e como tem

buscado classificar os diversos tipos de liderança.

3.3.1 Diferenças entre liderança, gestão e comando

Bennis e Nanus (1988) fazem um contraponto entre liderar e administrar: para os

autores, o termo liderar deve ser entendido no sentido de “influenciar, guiar em direção,

curso, ação e opinião”, enquanto administrar deve ser compreendido como “realizar, assumir

responsabilidades e conduzir”. O mesmo contraponto é feito por Barker (1997): “a função da

liderança é criar mudança, enquanto a função da administração é criar estabilidade”

(BARKER, 1997, p. 349).

Barker (2001) vê no uso do termo liderança, aplicado a qualquer indivíduo que esteja

no topo de uma hierarquia, o mesmo equívoco de se usar o termo “clássico” para qualquer

música sinfônica ou de câmara executada por uma orquestra. Daí a confusão frequente entre

líder e gestor.

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153

As atividades consideradas como próprias da liderança foram enumeradas por vários

autores. Cita-se aqui, como exemplo, a relação proposta por Yukl, Wall e Lepsinger (1990),

por ser mais abrangente, contando 14 itens (alguns trabalhados em dupla, por envolverem

atividades semelhantes ou complementares): planejar e organizar, resolver problemas,

esclarecer, informar, monitorar, motivar, reconhecer, dar suporte, dar consultoria, gerenciar

conflitos, organizar grupos, fazer network, delegar, desenvolver e recompensar.

Como se pode ver, existe importante interface entre muitas dessas atividades citadas e

a atividade gerencial. Fica clara, então, a necessidade de se fazer uma demarcação conceitual

que seja capaz de captar melhor as características do que se quer estudar.

Karl Weick (1993) tenta resumir essa diferenciação, propondo que uma característica

da atividade do gerente é buscar resolver problemas, utilizando as soluções que em situações

semelhantes no passado já funcionaram, enquanto a do líder seria encontrar novos caminhos

para o conhecido ou caminhos frente ao desconhecido.

A divisão de Weick é problematizada por Grint (2005), considerando que um fator-

chave para a diferença está na complexidade envolvida para a resposta a um problema, uma

vez que algo já ocorrido pode não ter tido solução adequada e que uma situação interpretada

como complexa também poderá se constituir em um dificultador para a imposição da vontade

de um líder (tanto em uma persuasão como na dominação).

A partir desse questionamento, Grint (2005) propõe uma tipologia que relaciona a

incerteza sobre a solução do problema ao nível de necessidade de colaboração para sua

solução. Por ser uma abordagem cujo esforço resulta em apropriada delimitação de campos, o

que pode ajudar na delimitação do objeto da pesquisa, ela será apresentada aqui

sumariamente. Basicamente, Grint (2005) relaciona o tipo de problema ao tipo de exercício de

poder. Para a tipologia de problemas, ele se baseia em Rittell e Webber (1973), para quem o

problema, que é algo socialmente construído, pode ser dividido em três tipos:

a) Problema domesticado: pode até ser um problema complicado (muitas variáveis), mas

ele pode ser resolvido por atos unilineares, pois provavelmente já ocorreu e em

determinado ponto ele é resolvido. A incerteza é limitada e o que se necessita são

processos que levem à sua solução. A ação envolvida é a relacionada à gestão;

b) problema espinhoso: é um problema complexo (e não apenas complicado), pois pode

envolver não somente muitas variáveis, mas também variáveis desconhecidas. Nesse

sentido, é um problema original, cujas soluções aparentes costumam gerar outros

problemas. Não admite solução unilinear e não há uma resposta que se possa

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154

considerar como “certa” ou “errada”. Como envolve alto grau de incerteza, é o tipo de

problema que está associado a uma ação de liderança;

c) problema crítico: como o nome sugere, envolve uma crise: é autoevidente e admite

pouco tempo para a tomada de decisão. A ação frequentemente é autoritária, no que se

pode chamar de uma ação de comando (no sentido militar mesmo). Ou seja, mesmo

que aquele que toma a decisão tenha internamente algum nível de incerteza quanto à

propriedade da decisão, essa incerteza não se torna aparente aos seguidores.

Em outras palavras, é o problema socialmente construído que legitima o tipo de

autoridade. O mesmo indivíduo (ou grupo) pode variar a sua ação, dependendo de como o

problema (às vezes, o mesmo problema) é percebido (GRINT, 2005).

A noção de poder “duro” ou “brando” Grint (2005) toma de Nye (2004), para quem o

poder “duro” representa o exercício tradicional de poder – coerção, força física e dominação –

implicando o seu exercício de modo assimétrico, e não por meio de ideias. Em contraponto,

“brando” é o poder exercido por influência, pelo discurso, que são derivados da legitimidade e

da atração, e que envolve valores. Em outros termos, é o tipo de poder mais apropriado para o

exercício da ideologia (GRINT, 2005).

Grint (2005) utiliza, ainda, Etizioni (1964) para a distinção entre diferentes

conformidades, que ele denominou de coercitivas, calculadas e normativas, dependendo de

como são exercidas nas organizações: a “coercitiva” é aquela praticada em organizações totais

(como prisões e exércitos); a “calculada”, a exercida em organizações “racionais”, como nas

empresas, de modo especial, que apresentam uma estrutura burocrática; e a “normativa”, que

em atividade em organizações onde os valores são compartilhados, como em associações em

geral (clubes, sindicatos, associações profissionais, etc.).

Associando essas conformidades à tipologia de problemas, Grint (2005) relaciona os

problemas críticos à conformidade coercitiva, os domesticados à conformidade calculada e os

espinhosos à normativa. Dessa forma, quanto mais o tomador de decisão definir o seu

problema como “espinhoso” e interpretar seu poder como normativo (ou brando), tanto mais

difícil será sua tarefa. Além disso, quanto menos certeza do que fazer, mais forte será a

tendência do tomador de decisões de buscar apoio coletivo. E, ainda, quanto mais alto o grau

de sutileza necessário para obter sucesso na solução do problema, tanto maior deverá ser a

evolução do comando para a gestão e para a liderança.

Esta foi uma divisão que atendeu bem ao que foi proposto por muitos dos autores que

trabalharam com a liderança. Khaleelee e Wolf (1996), por exemplo, em sua investigação

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155

sobre como a experiência de vida impacta a personalidade, com consequências para a

liderança, partem do princípio de que:

Liderar envolve ser capaz de conceber uma visão, possuindo autoridade, energia e

clareza para comunicar a visão e perseverança para sustentar o programa de trabalho

necessário para trazer essa visão para a realidade. Para isso, o líder deve ser capaz de

suportar suas próprias incertezas e as incertezas dos outros [...] A administração é

mais previsível. Ela é uma ciência, não uma arte. Ela envolve planejamento, análise

e lógica (KHALEELEE; WOLF, 1996, pp. 5-6).

A tipologia de Grint (2005) está sumarizada na Figura 1.

Figura 1 - Tipologia de problemas, poder e autoridade

Fonte: adaptado de Grint (2005).

Para Kelly et al. (2006), a própria busca do conceito de liderança, utilizando a

classificação de Rittel e Webber (1973), já seria, em si, uma função que poderia ser

enquadrada no “problema espinhoso”. Ou seja, o esforço realizado por Grint (2005) ajuda a

organizar o campo, mas está longe de esgotar o problema. Ela pode ajudar a diferenciar

algumas ações que são comumente confundidas com o que se deve entender por liderança,

mas não fornece instrumentos adicionais para a compreensão dos diversos aspectos

envolvidos nesse conceito, que é complexo.

Busca-se então explorar outros aspectos que estão envolvidos no conceito. Dois pontos

que ultimamente têm sido muito utilizados para a caracterização da liderança são: a

efetividade da liderança e a emergência da liderança. Pela importância que têm assumido nas

Incerteza sobre a

solução do problema Problema

“Espinhoso” LIDERANÇA

Fazer

perguntas

GESTÃO

Organizar

processos

Problema

“Domesticado”

COMANDO Fornecer

respostas Problema

“crítico” Necessidade de

solução colaborativa

Normativa

Poder “brando”

Coercitiva

Poder “duro”

Calculada

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156

pesquisas mais recentes, merecem ser mais bem explorados na conceituação da liderança,

antes de se prosseguir com as abordagens mais atuais.

3.3.2 A efetividade da liderança como um aspecto do conceito

De acordo com Kotter (1988, p. 16), se a liderança é “o processo de mover um grupo

(ou grupos) de pessoas e uma mesma direção usando (prioritariamente) meios não

coercitivos”, a liderança efetiva – que alguns poderiam chamar de “boa” liderança – poderia

ser caracterizada como sendo o “processo de mover as pessoas numa direção que está

genuinamente de acordo com seus interesses de longo prazo” (KOTTER, 1988, p. 17).

Para Erickson, Shaw e Agabe (2007), se os autores abordam o que se entende por

liderança efetiva, coincidindo com o que chamam de boa liderança, como se poderia

caracterizar uma má liderança? Seria o simplesmente o oposto? Nesse caso, quais

características definiriam esse oposto? Ou seria a ausência de traços e de comportamentos

relacionados à boa (ou efetiva) liderança? Poderia ainda estar relacionada a outras dimensões

totalmente diferentes dessas anteriores?

Para buscar a resposta a essas perguntas, o caminho a ser percorrido aqui é aquele que

discute a liderança efetiva. Northouse (2007) identifica quatro componentes centrais ao

fenômeno da liderança, que devem ser considerados em sua definição: a liderança (i) é um

processo que (ii) envolve influência, que (iii) ocorre dentro de um contexto de grupo e que

(iv) envolve atingir um objetivo. Uma liderança assim caracterizada e que atinge o(s) seu(s)

objetivo(s) poderia ser considerada uma liderança efetiva.

De acordo com Hogan, Curphy e Hogan (1994), enquanto uma boa liderança se

associaria a uma boa performance e àsatisfação dos liderados, a má liderança estaria

relacionada à alta rotatividade de pessoas, insubordinação, sabotagem e simulações de doença

– no que vários autores abordaram sob o título de resistência ao poder.

Esses autores sugerem que uma boa liderança deve envolver persuasão do liderado, e

não a sua dominação, e que só se deveria falar em liderança no caso de as pessoas “adotarem

voluntariamente, por um período de tempo, os objetivos do grupo como sendo os seus

objetivos” (HOGAN; CURPHY; HOGAN, 1994, p. 493 – grifo nosso). Em outros termos,

aquele que exerce o poder a partir da dominação tem o poder, mas não é um líder.

Hogan Curphy e Hogan (1994) exemplificam as consequências da boa e da má

liderança com o que ocorreu na corrida ao Polo Sul, com duas expedições conduzidas

simultaneamente por noruegueses liderados por Roald Amundsen e por ingleses liderados por

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157

Robert Scott: enquanto os noruegueses atingiram o objetivo e voltaram para casa, a má

condução do grupo inglês lhes custou não só o fracasso, mas a vida.

Os mesmos autores, discutindo a relevância do tema, citam Hitler e Stalin como

exemplos de lideranças que produziram, como consequência, o sofrimento de muitos – mas

negligenciando o fato de que, pelo menos no caso de Hitler, essa foi uma liderança eleita, a

partir de um processo de persuasão do liderado. Ou seja, quando a discussão é realizada a

partir da noção de liderança como “boa” ou “má”, o que se tem não é apenas mais uma

questão conceitual – uma vez que não parece haver dúvidas quanto ao fato de Hitler ter sido

um líder –, mas uma questão de valor.

Esse aspecto envolvendo questão de fato e questão de valor em pesquisa social

empírica será abordado no próximo capítulo, a partir das definições feitas por Max Weber

(2001). Ele envolve algo que, apesar de estar incluído no objeto de investigação, depende do

sujeito, do investigador. E essa é uma questão muito relevante para as discussões sobre

liderança, pois se deve considerar que as necessidades do indivíduo nem sempre (ou talvez

raramente) são congruentes com as necessidades da organização.

Nesse sentido, pode-se discutir se a efetividade do líder em influenciar o grupo em

relação aos objetivos da organização pode se relacionar à sua efetividade no desenvolvimento

do liderado, como proposto pela liderança transformacional. Assim, ao se falar em boa ou má

liderança, deve-se perguntar para quem ela será boa ou má? Ou seja, um líder efetivo, sob o

ponto de vista da organização, pode ter colaborado para dificultar a identificação e a busca

dos objetivos que seriam próprios do indivíduo, de acordo com sua história pessoal – ou seja,

pode não ser efetivo, sob a ótica da liderança transformacional (BARKER, 2001).

Ainda no conceito de liderança efetiva, uma outra questão pode ser levantada: haveria

alguma relação entre a efetividade do líder e o fato dele ser um líder autêntico?

Como foi visto, é a efetividade em fazer com que uma pessoa ou grupo de pessoas

atinja determinado objetivo o que vai definir, para muitos autores, uma relação de liderança.

Entretanto, de acordo com Michie e Gooty (2005), um dos maiores desafios do líder autêntico

estaria em lidar com o conflito entre ser eficiente, nos termos do que foi discutido na seção

anterior, e ser ético.

É com base, então, nesse conflito, que será necessário definir-se o que é um líder

autêntico.

3.3.3 A liderança autêntica

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158

A teoria sobre a liderança autêntica vem sendo desenvolvida a partir do início da

década de 2000, em uma visão que envolve a interseção entre três campos: a liderança, a ética

e a psicologia positiva – esta última sob o ângulo do comportamento organizacional.

Na definição de Harter (2002, p. 382), a autenticidade pode ser caracterizada pelo

indivíduo que a possui, o qual deve “ter as suas próprias experiências, sejam elas

pensamentos, emoções, necessidades, preferências ou crenças, processos que são obtidos pela

determinação em se conhecer” bem como “agir de acordo com o verdadeiro self, expressando-

se de modo consistente com os seus sentimentos e seus pensamentos interiores”. A partir

dessa definição, Luthans e Avolio (2003, p. 243) definiram a liderança autêntica como:

Um processo derivado tanto das capacidades da psicologia positiva como de um

contexto organizacional altamente desenvolvido, que resulta em uma maior

autoconsciência e comportamentos positivos autorregulados, tanto da parte dos

líderes como dos liderados, fomentando um autodesenvolvimento positivo.

Os autores caracterizaram ainda o líder autêntico como sendo aquele que apresente

intenções transparentes, procurando manter a coerência entre seus valores, seus

comportamentos e suas ações, além de ter desenvolvida a capacidade moral de realizar

julgamentos morais despojados de interesse próprio. Para estar de acordo com essas

características, ele deve ser um indivíduo “confiante, esperançoso, otimista, jovial, moral e

ético, orientado para o futuro e que prioriza o desenvolvimento da liderança nos seguidores. O

líder autêntico é verdadeiro consigo mesmo e seu comportamento visível transforma ou

desenvolve nos seguidores a liderança” (LUTHANS; AVOLIO, 2003, p. 243). Além disso, os

autores também propuseram que o que se espera de um líder autêntico é que ele seja capaz de

sacrifício de seus interesses próprios em favor do interesse coletivo.

Ilies, Morgeson e Nahrgang (2005), utilizando outra definição de autenticidade

baseada em conceitos como bem-estar e o “valor da vida”, propuseram um modelo de

autenticidade calcado em quatro componentes básicos: autoconsciência, processamento não

enviesado, comportamento e ação autênticos e uma autêntica orientação relacional. É uma

visão que tem como fundamento a noção de autenticidade multicomponente, como

desenvolvida por Kernis (2003).

O que Kernis (2003) salientou é que, ao se atingir a autenticidade, o indivíduo também

atinge níveis “ótimos” de autoestima, pois quando se conhece e se aceita – aí incluídas as suas

forças e fraquezas – ele apresenta um nível estável de autoestima. Isso o deixaria livre de

algum viés defensivo, o que possibilita relações mais abertas, transparentes e com mais

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159

proximidade do que ocorreria com outras pessoas, além de comportamentos que poderiam

refletir mais consistência entre suas crenças, valores e ações.

A efetividade desse tipo de liderança também deveria ter, como consequência, uma

sensação de bem-estar eudaemonico33

, o qual pode ser identificado tanto por parte dos líderes

como dos liderados, pelas seguintes características: expressividade pessoal, autorrealização,

autodesenvolvimento, fluxo de experiências, autoeficácia e autoestima. O processo pelo qual

os líderes influenciariam positivamente os liderados ocorreria por: identificação do liderado

com o líder e com a organização, contágio das emoções positivas, modelo positivo de

comportamento, autodeterminação de suporte e trocas sociais positivas (ILIES;

MORGESON; NAHRGANG, 2005, p. 377).

A essas definições, mais voltadas para aspectos identificados com a psicologia social,

foram acrescidos outros dois componentes preconizados por Avolio (2004), Avolio e Gardner

(2005) e Gardner et al. (2005), que são o foco no desenvolvimento e a existência de um

componente moral inerente. O resultado final da caracterização realizada por Gardner et al.

(2005) ficou mais próximo da definição de líder transformacional de Burns (1978) em alguns

aspectos: o pré-requisito de possuir alto padrão moral e os objetivos voltados para fins – no

caso de Gardner et al. (2005), os de justiça e liberdade.

A partir dessas características, os autores ofereceram instrumentos para desqualificar

como não autênticos os líderes cujo comportamento pode ser identificado com um caráter

mais narcisista, como foi caracterizado por Kets de Vries (1990), e será apresentado à frente.

Revisando a literatura sobre a liderança autêntica, Shamir e Eilam (2005)

identificaram alguns elementos que eram comuns à maioria dos autores consultados: os

líderes autênticos eram descritos como possuidores de autoconhecimento e ponto de vista

pessoal, o que poderia refletir clareza em seus valores e suas convicções; e eles também eram

descritos como sendo altamente identificados com o seu papel de líder, expressando-se por

meio da representação desse papel e agindo com base em seus valores e convicções.

Walumbwa et al. (2008) buscaram integrar essas diversas perspectivas, definindo o

que seria o construto “liderança autêntica”, com a finalidade de desenvolver um questionário

– o Authentic leadsership questionnaire (ALQ). A definição proposta foi a seguinte: liderança

autêntica é um padrão de comportamento que deriva de, e promove, tanto capacidades

psícológicas positivas como um clima ético positivo, fomentando mais autoconsciência, a

33

Eudaemonismo: doutrina defendida por vários filósofos gregos, apresentada por Aristóteles na sua Ética a

Nicômaco como sendo a felicidade como princípio e que, segundo Houaiss e Villar (2001, p. 1273), “considera a

busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual, seja coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais,

julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade”.

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internalização de uma perspectiva moral, processamento de informações equilibrado e

transparência relacional da parte dos líderes no trabalho com os seguidores, fomentando o

autodesenvolvimento positivo (WALUMBWA et al., 2008, p. 96).

Esse questionário está baseado na teoria sobre a liderança autêntica, de modo especial

a identificar quatro dimensões teóricas para o construto, abandonando perspectivas mais

filosóficas como as de Shamir e Eilam (2005) – que não levam em consideração os valores e

convicções, como fez a maioria dos outros autores.

Uma vez validado, a intenção seria poder utilizá-lo em pesquisas nas quais se tenha a

intenção de mensurar os resultados de relações de liderança baseadas nesse construto.

3.3.4 O desenvolvimento da liderança

Segundo Bryman (2009), a mudança da abordagem do traço pessoal para a do estilo

trouxe consigo uma implicação prática: se o comportamento pode ser modificado, a ênfase,

antes colocada na seleção dos líderes, muda para a possibilidade de treinamento dos

indivíduos. Desde então, são vários os métodos que têm sido propostos para treinar e

desenvolver a liderança, dada a importância que isso tem representado para muitas das

organizações – em algumas delas, ele chega a ser responsável pelo maior volume de recursos

empregados para os programas de treinamento e desenvolvimento (ARDICHVILI;

MANDERSCHEID, 2008).

Mas, para Barker (2001), treinar o líder para o exercício de uma liderança efetiva deve

implicar o conhecimento do que se quer obter como resultado do treinamento – em outros

termos, significa responder à pergunta: qual é o objetivo da liderança, o liderado ou a

organização? As dificuldades nesse sentido podem ser antecipadas pelo título de um de seus

artigos: “Como podemos treinar líderes se nós não sabemos o que é liderança?” (BARKER,

1997).

A questão é que, considerando os inúmeros modelos de liderança hoje disponíveis, são

também muitas as propostas disponíveis na literatura para esse fim – donde a necessidade de

dar alguma organização para esse campo, para que a discussão tenha algum proveito.

A literatura voltada para o desenvolvimento da liderança pode ser enquadrada, em

geral, em dois grandes grupos: a funcionalista e a construcionista – sendo que esta última

pode ser diferenciada da social-construtivista (CARROLL; LEVY, 2010).

Um dos primeiros trabalhos de desenvolvimento identificados na literatura, que foi o

de Conger (1992), pode ser classificado facilmente no primeiro grupo – pelo modo como é

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161

conduzido, ele assume a forma de fornecimento de “know-how”, em que os participantes são

instrumentalizados a trabalhar consigo e com os outros “em nome da liderança” (CARROLL;

LEVY, 2010, p. 217). A metodologia proposta por Cacioppe (1998) – um modelo de sete

estágios, com avaliações após cada estágio – também pode ser inserido nesse grupo.

Autores da linha construcionista tendem a trabalhar em um quadro de

“desenvolvimento duradouro” que lida basicamente com a construção de identidades, que é

interna ao indivíduo (CARROLL; LEVY, 2010). Mas haveria ainda uma terceira linha, que

poderia ser diferenciada desta última chamando-a de socioconstrucionista, que leva em

consideração o processo que ocorre durante os relacionamentos.

A proposta de Day (2001) estaria nesse terceiro grupo. Considerando a liderança um

processo social por meio do qual ela é percebida como o efeito das relações entre líder e

liderado, Day (2001) refere que desenvolver a liderança significa desenvolver as habilidades

interpessoais do líder – que podem depender de suas habilidades pessoais, mas que não é a

mesma coisa. Já o desenvolvimento do líder é um processo orientado para desenvolver

habilidades associadas ao papel que o indivíduo desempenha. Processos de desenvolvimento

de líderes e de liderança são, por isso, boas oportunidades para marcar essas diferenças. Para

explicitar a diferença entre os dois conceitos, o Quadro 1, adaptado de Day (2001), faz uma

comparação a partir de quatro dimensões escolhidas.

Quadro 1 - Comparação entre líder e liderança a partir de

quatro dimensões escolhidas

DIMENSÃO

LÍDER

LIDERANÇA

TIPO DE CAPITAL Humano Social

MODELO Individual

Poder pessoal

Conhecimento

Confiabilidade

Relacional

Compromisso

Respeito mútuo

Confiança

COMPETÊNCIA Intrapessoal Interpessoal

HABILIDADES Compreensão de si mesmo

Consciência emocional

Autoconfiança

Autoimagem acurada

Autodireção

Autocontrole

Fidedignidade

Responsabilidade

Adaptabilidade

Consciência social

Empatia

Orientação para o atendimento

Consciência política

Habilidades sociais

Construção de vínculos

Orientação para equipes

Catalisação de mudanças

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162

Automotivação

Iniciativa

Compromisso

Otimismo

Gerenciamento de conflitos

Fonte: Adaptado de Day (2001).

Nessa mesma linha, Olivares, Peterson e Hess (2007) enfatizam que:

Embora desenvolver o líder baseado no indivíduo seja algo necessário para a

liderança, isso não é suficiente. A liderança requer que o desenvolvimento pessoal

esteja integrado e entendido no contexto dos outros, dos sistemas sociais e das

estratégias, missões e metas organizacionais (OLIVARES; PETERSON; HESS,

2007, p. 79).

Em outras palavras, desenvolver o líder e a liderança são dois processos distintos –

ainda que relacionados – que, para ocorrerem de modo efetivo, demandam primeiramente

uma resposta para o que tem sido perseguido em todo este capítulo: o conceito de liderança.

Tendo explorado até aqui os diversos aspectos que têm sido utilizados pelos autores

para buscar estabelecer o conceito da liderança, já se pode continuar a discutir algumas das

menções mais contemporâneas e emergentes – ainda no mainstream.

3.4 Abordagens contemporâneas e emergentes da liderança

A despeito dos sinais de um incipiente desafio ao tipo de análise conduzida pelo

mainstream em torno do final da década de 1970, mais de 130 livros publicados na

década seguinte reforçaram a mensagem convencional e ortodoxa de que “a

liderança é basicamente fazer o que o líder quer que seja feito”. Esse reforço

continuado do foco tradicional de estudos é estranho, se forem considerados os

importantes esforços de reconfiguração de todo o campo da liderança (GRONN,

2002, p. 423).

Na fase mais recente da evolução das pesquisas surgiram várias linhas de investigação

que ainda são usadas em muitas das abordagens atuais. Serão abordadas de modo mais

detalhado a seguir, pois de alguma forma poderão ser utilizadas como fundamento na

discussão dos resultados encontrados nesta pesquisa empírica.

Para facilitar a abordagem, as linhas contemporâneas serão separadas em dois grandes

grupos:

a) As que levam em consideração a cultura, a teoria da complexidade, as competências, a

autoliderança e as que partem do princípio de que qualquer abordagem que busque se

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163

aproximar da realidade deve levar em consideração os diversos níveis a partir dos

quais as relações de liderança se expressam;

b) as que possuem como foco principal a subjetividade e que por isso mesmo são

derivadas de teorias que envolvem, ou a psicanálise freudiana ou as demais teorias que

tomam por base a personalidade.

Um fundamento que pode ser utilizado para essa divisão reside em que, para

classificar os trabalhos no mainstream, um instrumento útil é o esquema de referência dos

paradigmas sociológicos, conforme Burrell e Morgan (2008)34

. Nesse esquema, o líder pode

ser compreendido, de forma bem geral, a partir de duas linhas principais: o indivíduo racional

da modernidade, possuidor de uma consciência que fundamenta os seus pensamentos, suas

escolhas e seus atos e dono de sua subjetividade, como é visto pelas sociologias de orientação

mais funcionalista; ou o sujeito que se define a partir das relações que estabelece com o outro,

como foi estabelecido pela psicanálise freudiana (FREUD, 1987a; 1987b; 1987c; 1987d;

1987e), em uma visão adotada também pela sociologia de orientação mais interpretacionista

(mas que, dependendo da forma de tratamento, também poderia se inserir no paradigma

estruturalista).

Dependendo da escolha adotada para a compreensão do indivíduo, sua abordagem em

uma relação de liderança pode mudar substancialmente – e as duas devem ser consideradas

aqui, uma vez que serão utilizadas por diferentes autores que conduzem pesquisas na

atualidade.

3.4.1 Abordagens cuja orientação estaria melhor caracterizada como funcionalista

O primeiro conjunto a ser mencionado é aquele identificado com as linhas mais

funcionalistas. Aqui não é tarefa simples definir, entre as diversas teorias relacionadas à

liderança, o que é história e o que é contemporâneo, uma vez que, como Gronn (2002)

apresenta na epígrafe desta seção, novos aportes teóricos não significam necessariamente uma

mudança na direção da abordagem do tema. Frequentemente, observam-se teorias

abandonadas sendo retomadas, às vezes modificadas à luz de alguma abordagem recente.

Em análise realizada por Hunt (1999) da produção acadêmica até o final da década de

1990, o autor identifica insatisfação com os dois binários, o líder-liderado e o liderança-

34

Já apresentado na nota 3, à pg. 22

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164

seguidores, basicamente ou no que diz respeito à concepção individualista da liderança e do

lidercentrismo ou o seu oposto, com a antiliderança.

Gronn (2002) faz um apanhado de como vários autores buscaram lidar com esses

incômodos. Em relação ao lidercentrismo, foram identificados quatro tratamentos básicos:

revitalizando a noção de seguidor, em função da complementaridade dos dois construtos;

buscando abolir a categoria de seguidor, promovendo experiências de rotação de liderança;

simplesmente abandonando a ideia de seguidor; focando apenas o comportamento do

seguidor, baseado no fato de que os líderes seriam literalmente dependentes dos seus

seguidores.

Já no tocante ao individualismo, o foco voltou-se para os aspectos carismático e

transformacional da liderança. Alguns exemplos identificados foram:

a) Que, em contraste com a liderança carismática, a transformacional teria uma expressão

coletiva e que esses modelos, estando muito focados no indivíduo, se esquecem de

que, dependendo do indivíduo, essas lideranças tanto podem trazer benefícios como

prejuízos;

b) autores como Yukl (1999) discutem se essa visão de líder visionário não estaria

ultrapassada, tendo os seguidores migrado para uma visão que identifica os resultados

como produtos de esforços coletivos no lugar da ideia de uma criação de um indivíduo

isolado. Também nessa linha existe o questionamento sobre se seria apropriado

considerar que a maior parte do comportamento das pessoas poderia estar ligada a algo

que o líder faça (GRONN, 1995).

Em relação à antiliderança, um dos primeiros autores a se posicionar nessa linha foi

Argyris (1979), considerando que o conhecimento em liderança era aditivo e não cumulativo,

devendo se conectar à prática da liderança se quisesse ser útil e abandonando esse campo de

pesquisas. Nesse mesmo caminho, Calder (1977) via a liderança apenas como um rótulo para

o que se conhece como influência interpessoal, à qual se agregaria o construto privilégio, o

que, de acordo com Pfeffer (1977), seria reforçado pelos efeitos simbólicos das cerimônias e

dos processos de seleção e iniciação.

Já na década de 1990, quando já eram propostas ideias como autoliderança, substitutos

de liderança e lideranças compartilhada e distribuída, Shamir (1999, p. 51) menciona uma

dicotomia entre situações em que há uma liderança identificada, que ele denomina como

“forte”, descrita como possuidora de “influência social desproporcional. Nessa influência, a

parte que exerce forte influência sobre as outras (o líder) pode ser identificada”,

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165

diferenciando-se daquelas que chamou de “fracas”, em que são identificadas as ações

coletivas sem liderança. Alternativa foi proposta por Miller (1998), de abandonar a categoria

de seguidores e transformando a organização em um processo de negociação entre líderes.

No Brasil, Fernandes e Vaz (2010) revisaram 44 artigos publicados no Academy of

Management Journal no período entre 1995 e 2008, detectando “grande predominância do

paradigma funcionalista, presente em 40 dos 44 artigos analisados, sendo que somente os

quatro restantes podem ser categorizados no campo teórico interpretativo” (FERNANDES;

VAZ, 2010, p. 160). Os autores apuraram também forte concentração nos estilos

transformacional, transacional e carismático (16 artigos), tendo ainda a metade de todos os

artigos feito referência aos estudos de House, o que mostra importante influência da

perspectiva situacional nos trabalhos publicados naquele periódico (FERNANDES; VAZ,

2010).

Entretanto, e considerando os fundamentos metodológicos determinados para esta

pesquisa, interessam aqui perspectivas que se poderia chamar de emergentes, uma vez que

exploram o campo, mas não se pode dizer que tenham definido um novo paradigma teórico.

É nesse sentido que, voltando um pouco na sequência histórica que vinha sendo

desenvolvida no item anterior, será abordada uma linha que teve o seu início na década de

1980, mas que ainda hoje exerce influência sobre muitos pesquisadores – que é a da cultura.

Pretende-se explorar, ainda que de modo sumário, outras referências encontradas na

literatura mais contemporânea, como as que exploram o modelo de competências, a teoria da

complexidade, autoliderança, a liderança como coaching e as abordagens que reconhecem que

a liderança deve ser tratada considerando-se os diversos níveis nos quais se dá a relação entre

líderes e liderados.

3.4.1.1 Liderança e cultura

Autores como Edgar Schein (1985), em sintonia com as teorias organizacionais

vigentes na década de 1980, entenderam que, para ser efetivo, o líder deve levar em

consideração a cultura organizacional. As variáveis de análise passam a considerar os

aspectos relativos às relações entre indivíduos, como valores, poder e expectativas criadas.

Nessa linha, uma importante função do líder seria gerenciar a cultura, estabelecendo

uma direção estratégica explícita, comunicando essa direção e definindo qual é a visão e quais

são os valores da organização (BARON, 1995). O líder passa a ser visto, então, como aquele

que deve interpretar e dar sentido ao que ocorre na organização (WEICK, 1993) ou aquele

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166

que deve ter uma visão sobre para onde deve se dirigir a organização (BENNIS; NANUS,

1988). Para Nanus (1992), líderes são indivíduos caracterizados por possuírem – e

compartilharem – uma visão, num processo que faz com que os envolvidos se sintam como

parte de um grupo. E essa visão teria como finalidade criar sentido.

Para cumprir esse objetivo, deve-se entender o papel central representado pelos mitos,

os quais são compreendidos como “valores culturais encapsulados em forma narrativa”

(BURTIS; DOUGLAS; POND-BURTIS, 2001, p. 56). De acordo com esses autores:

Mitos são narrativas culturalmente compartilhadas para descrever um aspecto

importante da cultura ou seus valores, fornecendo um instrumento normativo, ou

cálculo, de “verdade” para aqueles que estão dentro da cultura, ajudando a

conformar valores, crenças e a realidade simbólica (BURTIS; DOUGLAS; POND-

BURTIS, 2001, p. 55).

Esses autores procuram fazer um resumo das funções mais importantes do mito,

reunindo-as em dois grupos principais: eles ajudam a coconstruir sentidos compartilhados, ao

indicar se a narrativa deve ser vista como “verdade” pelos membros da cultura, incluindo a

própria percepção de problema, a qual é possibilitada pela lente que é fornecida pelo mito; e

os mitos dão sentido ao que não pode ser sustentado racionalmente. Nesse aspecto, eles

justificam normas e instituições de uma cultura e dão suporte a algumas mudanças.

Como muito da visão apresentada pelo líder traz consigo um potencial para mudança,

os mitos podem ser utilizados para autorizar esse tipo de visão, como também a mudança a ela

relacionada. Por sua importância na relação líder-liderado, Burtis, Douglas e Pond-Burtis

(2001) reúnem algumas características da visão do líder, as quais serão aqui sumarizadas:

a) Ela é um processo comunicativo. Apesar dos autores consultados por Burtis, Douglas

e Pond-Burtis (2001) concordarem com esse aspecto da visão do líder, essa

comunicação pode acontecer de duas formas diferentes: uma comunicação direta da

visão do líder para o grupo, como é inferido pela maioria dos autores; mas ela também

pode ser parte de um processo de comunicação sinérgica do líder com o grupo que,

assim, constroem a visão conjuntamente;

b) a sua comunicação por um indivíduo é um facilitador para a percepção deste como

líder (NANUS, 1992). Na verdade, muitos autores no mainstream dos estudos sobre

liderança consideram que “comunicar uma visão” é um dos papéis mais importantes

exercidos por um líder;

c) uma terceira característica da visão é que a sua força aumenta durante uma crise;

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167

d) a de que a visão implica valores, os quais funcionam como verdades culturais. Aqui se

deve lembrar que é nos mitos que estão reunidos os valores de uma cultura;

e) outra característica é que a visão deve ser baseada na realidade do grupo – lembrando

que essa realidade é uma construção social do grupo e que, portanto, carrega consigo

muito de simbólico (ou seja, ela não é necessariamente lógica ou “objetiva”);

f) uma sexta característica da visão é a de que ela está ligada a um futuro, o qual deve ser

diferente da condição presente;

g) A última característica é a de que ela intensifica o sentido da vida e das atividades do

grupo (BURTIS; DOUGLAS; POND-BURTIS, 2001).

Sob outra ótica, mas ainda de acordo com a ideia do líder como aquele que confere

sentido, Manz e Sims (1991) preconizaram o que chamaram de superliderança – que seria

mais bem compreendida como sendo uma autoliderança. Esses autores realizaram uma

revisão da produção acadêmica até a década de 1990, chegando a uma visão de liderança

como processo, como sendo o ápice do desenvolvimento de noções que partiram do

indivíduo, mas que chegam na relação entre indivíduos na cultura organizacional, como numa

compreensão da natureza complexa e de interdependência da liderança.

Drath e Palus (1994), num trajeto também derivado da administração de cultura,

também enfatizam a teoria da liderança como um processo. Esses autores não consideram os

líderes como indivíduos que estão envolvidos com os seus seguidores, mas como membros de

uma comunidade de prática – aqui definida como “pessoas reunidas em torno de um

empreendimento comum, compartilhando a mesma história e, por isso, certos valores,

crenças, modos de falar e de fazer as coisas” (DRATH; PALUS, 1994, p. 4).

Dessa forma, a liderança seria uma ferramenta da qual as pessoas lançam mão, muito

mais com a finalidade de “produzir sentido” do que de tomar decisões ou de influenciar

pessoas. Ela não seria a única maneira de produzir sentido – esse poderia ser produzido, no

nível do indivíduo, pelo aprendizado e por outros meios de desenvolver o Ego, e no nível

coletivo, pela linguagem, arte, sistemas de conhecimento, em outros termos, pela cultura. A

diferença entre a liderança e esses outros meios está na possibilidade de sua utilização em

uma comunidade de prática (DRATH; PALUS, 1994).

Por ser vista como um “gerenciamento da cultura”, pode-se levantar a questão sobre as

possíveis modificações que a liderança deve sofrer de acordo com o panorama cultural. Com a

finalidade de investigar esse aspecto, Bass (1997) realizou uma pesquisa empírica na qual

concluiu que não foi encontrada uma sociedade na qual não tenha havido alguma forma de

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168

expressão da liderança, ainda que a forma de sua ocorrência tenha sido afetada pela cultura de

onde ela ocorre.

Ainda que modulada pela cultura, Bass (1997, pp. 131-132) cita cinco regularidades

(ou, como denominou, universais, definidos como conceitos universalmente aplicáveis) nas

relações líder-liderado que transcenderiam as culturas. São eles:

a) O universal simples: a partir da observação de que em qualquer grupamento humano

há um líder cujo sucesso é percebido como sendo o mesmo, independentemente de ser

uma empresa norte-americana ou num exército grego;

b) o universal variforme: que são regularidades influenciadas pela cultura: enquanto nos

Estados Unidos da América as empresas são chefiadas por um único executivo, na

Alemanha um diretor técnico e um comercial dividem a autoridade e as

responsabilidades:

c) o universal funcional, que é um universal entre variáveis: em qualquer lugar, um líder

que evita responsabilidades e se esquiva dos deveres é percebido como inefetivo e

desagradável pelos seguidores. Bass especifica melhor esse universal, chamando-o de:

universal variforme funcional (em que se constata correlação positiva entre o carisma

atribuído ao líder e a satisfação dos liderados com ele) e o universal sistemático

comportamental: é uma teoria que explica os resultados do tipo “se... então” entre

culturas e organizações.

Segundo Bass (1997), o modelo transacional-transformacional produz relacionamentos

que são mensuráveis para aplicação em tal teoria. O autor apresenta no artigo o resultado da

aplicação de um questionário em várias culturas, cujo resultado demonstraria que, apesar das

variações de ordem cultural, o conceito envolvendo liderança transacional-transformacional

estaria mantido.

Entretanto, deve-se chamar a atenção para o fato de que aproximadamente 98% de

toda a teoria envolvendo a liderança foi produzida nos Estados Unidos da América – estando,

assim, marcada pelas especificidades daquela cultura (HOUSE; ADITYA, 1997).

Trabalhos mais recentes referentes aos modelos de liderança compartilhada e

distribuída colocam em questão algumas dessas conclusões de Bass (1997). Esses trabalhos

serão apresentados a seguir.

3.4.1.2 Lideranças compartilhada e distribuída

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169

Não é necessário que um indivíduo execute todas as funções essenciais da liderança,

mas que um conjunto de pessoas possa realizá-las coletivamente. Algumas funções

da liderança (como tomar decisões importantes) podem ser compartilhadas por

vários membros do grupo, algumas podem ser designadas para alguns membros

individuais, e uma função particular pode ser executada por indivíduos diferentes em

momentos diferentes. Ações de liderança de um líder individual são muito menos

importantes do que a liderança coletiva exercida por membros da organização

(YUKL, 1999, p. 292-293).

A ideia de uma liderança distribuída não é nova. Ela data da década de 1950, com os

trabalhos do teórico australiano Gibb (1954), mas foi negligenciada até sua recuperação, na

década de 1980, por Brown e Hosking (1986).

Gronn (2002) comenta o tema na ótica da divisão do trabalho, que é, segundo ele, a

fonte das relações de poder na sociedade e nas organizações. Está implícita na divisão do

trabalho a dualidade integração-diferenciação, que demanda formas diferentes de

interdependência e coordenação, as quais estão na origem dos diversos padrões de

distribuição da liderança. E identifica duas visões diferentes para uma distribuição de

liderança:

a) Visão numérica (ou múltipla), de acordo com Miller (1998), que parte do princípio de

que pessoas em pontos diferentes da organização (telefonista, recepcionista, o

vendedor, etc.) representam a organização para o mercado e espelham o mercado para

a organização, permitindo que se chegue ao ponto de que todos os componentes da

organização sejam líderes em algum estágio do processo;

b) visão holística, em consonância com Gibb (1954), em que a ação é vista como

conjunta, em lugar da visão de agregado – como na anterior. Nesse caso, podem ser

identificados ainda três modelos, que podem representar estágios diferentes em um

processo de institucionalização. Em todos os casos, identifica-se o que Gronn (2002)

denominou de agência conjunta, que pode ocorrer ou por sinergia entre os membros

ou por influência recíproca exercida entre eles. Os três modelos são:

(i) modelos colaborativos, como descritos por Spillane, Halverson e Diamond (2000),

em um contexto de escola e que nascem espontaneamente nos processos de

trabalho. A liderança aqui está na interação entre vários líderes, de modo que a

prática da liderança está “dispersa” pelo âmbito social da organização,e pode se

evidenciar tanto em situações programadas (p. ex., nas reuniões regulares), como

em não programadas (p. ex., crises). O processo pode ser originado de uma ou mais

pessoas (diferentes, em diferentes situações) as quais, por motivações de ordem

pessoal, dão o primeiro passo, desencadeando o processo subsequente;

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170

(ii) modelos intuitivos, que seriam a consequência das relações de proximidade entre

colegas. Exemplos deste modelo foram descritos por autores como Fondas e

Stewart (1994);

(iii) formas mais estruturadas e institucionalizadas, com exemplos desse modelo

descritos por Greenleaf (1977), que observou um grupo de líderes encabeçados por

“um entre iguais”, no lugar de estruturas hierarquizadas.

Deve-se considerar que as descrições dessas formas mais distributivas de liderança

foram descritas em universidades, laboratórios de pesquisas, clínicas médicas, consultorias,

escritórios de advocacia, conjuntos de música, empresas de softwares ou de trabalho

informatizado em rede – apenas para citar alguns exemplos. São formas de trabalho que

implicam algum nível de interdependência, no sentido de que as responsabilidades tanto

podem se superpor como podem se complementar. Os padrões de coordenação das atividades

envolvidas são diferentes, entre formas mais ou menos explícitas, dependendo da atividade,

como descrito por Gronn (2002).

Os tipos de sinergia que Gronn (2002) chamou de agência conjunta e que serão

importantes para sustentar esse tipo de liderança podem ser obtidas de:

a) Hierarquia cruzada, em que as sinergias vão depender de negociações sobre os limites

de papel, nas quais elas podem ser dinamicamente expandidas ou limitadas. Os fatores

que mais comumente estão envolvidos no sucesso dessas negociações envolvem

valores comuns, temperamentos complementares e experiências prévias de

colaboração;

b) amizade, que determina sinergias não contratuais;

c) credibilidade, que vão determinar para as relações algo próximo do que se encontram

nas relações matrimoniais saudáveis;

d) paridade de relações cujo exemplo citado pelo autor é de um conjunto de música de

câmara, como grupo de trabalho autogovernado e interdependente;

e) separação de poderes, em que se cria o que foi chamado de “domínio pluralístico” ou

vários agentes perseguindo objetivos diferentes em relacionamentos fluidos, o que

gera tensões qualitativamente diferentes das anteriormente relatadas – principalmente

quando se disputam limites ambíguos. Os exemplos dessa situação podem ser vistos

em diferentes departamentos de pesquisa em universidades, clínicas de uma estrutura

hospitalar, entre várias outras instituições de caráter semelhante – veja-se, como

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171

exemplo, o trabalho de Buchanan (2007), sobre esse tipo de distribuição da liderança

no contexto de uma organização do setor de saúde.

Gronn (2002) identifica uma implicação desse tipo de liderança, que é o fato de que

ela não admite a confusão entre liderar e administrar (ou gerenciar), o que poderia gerar uma

confusão entre divisão de trabalho e divisão de direitos. Além disso, por implicar modelos em

que o espaço de ação é flexível, também entra em conflito, por exemplo, com o modelo de

competências, que será discutido na sequência.

3.4.1.3 A liderança e os modelos de competências, a autoliderança e o “coaching”

Essas três linhas têm em comum o fato de estarem ainda no foco de muitos autores

contemporâneos, apesar de exibirem aspectos que as vão diferenciar de modo muito

significativo. Por essa razão, serão relatadas em subitens separados.

A) O modelo de competências

Essa ótica é derivada da linha que advoga a gestão de pessoas nas organizações a

partir de uma abordagem baseada em competências. A ideia é fazer uma ligação entre as

competências exigidas pela organização e por seu modelo de negócios com aquelas nas

pessoas. Para tanto, autores como Cacioppe (1998) têm defendido que para se atingir um

desempenho mais elevado dos líderes, a identificação de competências nos indivíduos seria

tão importante que reforçam o desenvolvimento de padrões de competências.

De acordo com Sant‟Anna (2010), apesar das dúvidas quanto à origem e ao conceito

de competências, ela é “comumente sublinhada como uma característica ou um conjunto de

características ou requisitos – saberes, conhecimentos, aptidões, habilidades – indicados como

condição capaz de produzir resultados e/ou solução de problemas” (SANT‟ANNA, 2010, p.

201). Em relação à liderança, as competências referem-se à mobilização de múltiplas

capacidades, reunidas a partir de pesquisa com diversos trabalhos realizados até 2002, como:

Visão empreendedora, paixão, integridade, confiança, curiosidade, ousadia, visão de

futuro, domínio da mudança, aprendizado previdente e contínuo, iniciativa, domínio

da interdependência, responsabilidade, saber ouvir, respeito pelos seguidores,

proatividade, capacidade de priorização, otimismo, capacidade de sinergia,

orientação para o serviço, ter uma vida equilibrada, vulnerabilidade, discernimento,

consciência do espírito humano, coragem nos relacionamentos, senso de humor,

amplitude, conforto com a ambiguidade, presença, capacidade de lidar e motivar

pessoas, capacidade de conquistar e manter a confiança, coragem e perseverança,

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172

ascendência, domínio, afirmação, adaptabilidade e flexibilidade de abordagem

(SANT‟ANNA, 2010, p. 204).

Mesmo considerando onde se insere o líder, existe uma importante linha de discussão

que afirma que essas competências não devem se restringir à esfera profissional, mas que

devem envolver toda a vida do indivíduo, incluídas aí a sua formação pessoal, a educacional e

sua experiência profissional (BITENCOURT, 2002).

Tem sido discutida a pertinência de se incluir ou não os aspectos relativos à

personalidade, diferenciando competências soft – que incluiriam a personalidade, valores e

estilos de liderança – de competências hard – as que estão relacionadas às habilidades

específicas para uma função (NUNES, 2010). A discussão aqui envolve a caracterização de

personalidade, se algo nato ou adquirido, de forma a ser ou não passível de desenvolvimento.

Os pressupostos relativos à personalidade, nesta pesquisa, serão abordados mais à frente, no

subitem 2.1.5.

B) A superliderança (ou autoliderança) e o coaching

De acordo com Mainz e Sims (1991), na “superliderança” o líder confere poder ao

liderado ensinando-os como liderar a si mesmo, o que propiciaria uma divisão de poderes

entre líderes e liderados. Os autores introduzem um modelo de sete passos para se atingir a

superliderança, que é baseado em uma participação orientada, na qual os líderes vão

conformando o comportamento dos liderados dentro do que seria um comportamento

“desejado” para se atingir esse tipo de liderança. Nesse sentido, a superliderança tem grande

proximidade com outro modelo – o da autoliderança.

A autoliderança foi descrita como sendo “o processo pelo qual a pessoa se dirige e se

motiva a se comportar e a realizar algo, de uma forma que foi por ela desejada”, e que

consiste em “uma variedade de estratégias interligadas dirigidas à autoconsciência, à volição,

à motivação e ao comportamento do indivíduo” (GEORGIANA, 2007, p. 570).

Ela foi caracterizada por Markham e Markham (1995) da seguinte forma:

Em síntese, a aplicação de técnicas de autogerenciamento tende a permitir aos

empregados uma significativa autoinfluência que visa como completar a tarefa para

se chegar a um padrão (que é definido pelo sistema), enquanto a autoliderança se

dirige ao que deve ser feito e ao seu porque, associado ao como fazê-lo

(MARKHAM; MARKHAM, 1995, p. 344 – grifos no original).

Sua origem é a motivação por realizações, que teve por inspiração a psicologia de

metas. O foco aqui estava no aprendizado e no autodesenvolvimento do indivíduo, como

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173

opostos à simples demonstração de habilidades, o que foi mais recentemente refinado na

separação entre aproximação e esforço de evitação, na tentativa de compreender o

comportamento relevante para a competência. São técnicas que foram estudadas e

desenvolvidas em países ocidentais industrializados e que, por envolver características que

são sensíveis a diferenças culturais, pode haver alguma diferença nos resultados da aplicação

dessas técnicas em pessoas advindas de culturas muito diversas (GEORGIANA, 2007).

Esses conceitos estão muito próximos do que se entende por líder “coach”. A ideia de

uma liderança voltada para o desenvolvimento de potenciais do próprio líder, os quais devem

resultar em aumento de performance do grupo por ele liderado, relaciona-se diretamente com

a superliderança de Mainz e Sims (1991), associado a uma ótica que a liga à programação

neurolinguística. Isso pode ser comprovado em outros autores, também na década de 1990,

como Flaherty (1999), Howard (1995) e Whitmore (1992). Por proporcionar uma

metodologia bem funcionalista, mais facilmente aplicável a cursos de “treinamento e

desenvolvimento de liderança”, tem feito algum sucesso entre executivos. Não será detalhada

aqui por fugir do objetivo proposto para esta pesquisa.

3.4.1.4 Liderança e influência social

São basicamente três as perspectivas que levam em consideração a influência social

exercida pelo indivíduo como fontes de liderança:

a) A teoria da troca entre líder e liderado (LMX) – cujo foco está no líder como um ponto

de ligação entre o liderado e os recursos que fluem a partir da hierarquia. Nesse caso, a

relação é crítica, porque alguns entre os supervisionados – os identificados como

pertencendo ao in-group – podem ser premiados com mais confiança e oportunidades

do que outros. A influência observada aqui é “específica da díada”, mas visa à

influência que o indivíduo pode exercer para além dessa díada (SPARROWE;

LINDEN, 1997, 2005). A percepção por outros membros dessa preferência do líder

pode se constituir em fonte de reputação para o indivíduo envolvido nessa preferência;

b) a perspectiva de network – que tem se tornado mais importante na medida em que as

estruturas organizacionais vão se tornando mais achatadas e flexíveis. Nesse caso, é a

composição dos contatos informais da rede de relacionamentos do indivíduo a

responsável por colocá-lo em condições de identificar oportunidades estratégicas – de

modo especial se esses contatos não possuem relacionamento uns com os outros

(SPARROWE; LINDEN, 1997, 2005). Nesse caso, mesmo aqueles que se presumem

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174

ter amizade com pessoas poderosas acabam por gozar da reputação de serem os mais

efetivos (KILDUFF; KRACKHARDT, 1994). Aqui, a estrutura de relacionamentos

informais pode ser tanto facilitadora como dificultadora para a troca de recursos

valiosos – como informação estratégica e suporte social;

c) a integração das duas perspectivas, proposta por Sparrowe e Linden (2005). Essa

perspectiva parte do princípio de que a teoria LMX envolve indivíduos que participam

de rede de relacionamentos informais cuja estrutura deve ser compreendida até para se

compreender os processos de diferenciação dos relacionamentos entre os líderes e

aqueles que são considerados do in-group. É uma perspectiva que traz a vantagem

complementar às insuficiências apresentadas pelas duas outras.

A ideia aqui é de que indivíduos que possuem mais acesso à informação estratégica,

em função de uma relação privilegiada com o líder, também se encontrarão em melhor

posição para trocas com membros de outros grupos. Por outro lado, sua posição entre

relacionamentos com indivíduos estratégicos de outros grupos poderia explicar algo da

relação diferenciada com seu líder (SPARROWE; LINDEN, 2005). O impacto desse tipo de

influência nas relações de liderança pode ser visto no trabalho apresentado por Brass (1984).

Nessa terceira perspectiva, um importante conceito é o de apadrinhamento, no sentido

de que membros apadrinhados pelo líder podem se beneficiar dos mesmos relacionamentos

deste. Sob a perspectiva das relações informais, é um processo no qual liderados ganham a

confiabilidade e a legitimidade necessárias para obter os benefícios de sua rede de

relacionamentos sociais. São relacionamentos baseados em confiança, a qual, por isso mesmo,

facilita o intercâmbio de recursos valiosos a partir de mecanismos que encorajam a

cooperação e punem o comportamento oportunístico. Esses laços também facilitam a

circulação de informações sobre a confiabilidade de outros indivíduos. As relações aqui

podem evoluir para relações recíprocas fortes em tríades, baseadas em confiança

(SPARROWE; LINDEN, 2005).

3.4.1.5 Teoria da complexidade e liderança

Velhas teorias sobre liderança, gestão e administração estão contidas na linguagem

newtoniana e no positivismo lógico das antigas ciências físicas que não são

consistentes com as novas ideias sobre a natureza da realidade e da vida (BARKER,

2001, p. 471).

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175

O que há de interessante na teoria da complexidade para esta pesquisa? Basicamente o

fato de que ela parece estar em contradição com muitos dos fundamentos da racionalidade

ocidental – como a teoria da entropia –, afirmando que a ordem é livre. No caso da liderança,

o pressuposto a partir do qual se trabalha a racionalidade ocidental é de que resultados

eficientes dependem de coordenação top-down e planejamento racional, que implica uma

força externa, com acúmulo de energia, para conformar resultados organizacionais desejados.

A teoria da complexidade não nega esse pressuposto, mas afirma, para além dele, que a ordem

também pode ser influenciada por forças autogeradas (UHL-BIEN; MARION, 2008).

Segundo Barker (2001), o problema de se estudar processos sociais contínuos e

complexos está no fato de considerar que um fenômeno contínuo é composto de vários

elementos conceituais, considerando que cada incremento conceitual do fenômeno tem

começo e fim e que esses elementos possuem limites bem definidos que os separam. Não se

considera, com esse pensamento, a complexidade do todo com as inúmeras interconexões

existentes entre aquilo que seriam os elementos conceituais incrementais. A liderança, como

nós a experimentamos, é um desses processos contínuos.

Barker (2001) identifica dois erros principais em uma classificação de liderança, como

as de Bass (1990) ou de Burns (1978): o pressuposto de que a análise de uma série de eventos

de um processo equivale à análise do processo contínuo e o pressuposto de que as ações de

um indivíduo identificado como um grande líder é o efeito, cuja causa são as muitas vontades

individuais a ele relacionadas. Esses erros seriam consequência do uso de métodos empíricos

positivistas, que buscam relações unívocas de causa-feito e que só devem levar em

consideração os fenômenos que puderem ser observados pelo pesquisador.

Autores consagrados pelo prêmio Nobel, como Ilya Prigogine (1996) e Murray Gell-

Mann, descobriram que a ordem pode ser criada dissipando energia (contra a segunda lei da

termodinâmica, que afirma que a ordem é criada acumulando energia): sistemas tensos e

desestabilizados repentinamente liberam energia, criando uma nova e inesperada ordem –

como em um micro big-bang. Por fim, afirmam que em situações como as relações sociais,

que envolvem interações dinâmicas e de interdependência, o futuro é menos previsível do que

nossas equações pareceriam afirmar.

Uhl-Bien e Marion (2008) chamam a atenção para três características importantes de

sistemas complexos:

a) A interação entre os seus elementos: sistemas complexos, ao contrário dos

complicados, não podem ter seus componentes individuais separados, uma vez que

esses componentes estão em interação dinâmica. Apesar de lidar com networks, não é

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176

seu objeto o modo como as pessoas lidam umas com as outras em redes, mas a forma

como mecanismos dinâmicos emergem de interações adaptativas de vários agentes;

b) o processo dinâmico no qual as coisas mudam e emergem no tempo. A mudança é,

assim, uma característica do comportamento complexo;

c) a habilidade para se adaptar ou para estabelecer mudanças que ajustem respostas

sistêmicas ou individuais a pressões. A resposta de um indivíduo interage e se adapta

às respostas de outros, o que resulta em uma resposta que é local, mas que cria

capacidade de adaptação para o todo.

O que se chama aqui de um comportamento organizacional complexo se refere a

mudanças emergentes, caracterizadas por ocorrerem de modo não linear, a partir da interação

e interdependência de seus elementos, de modo imprevisível, em movimentos autocatalíticos

e dinâmicos. O resultado de interações complexas em organizações seriam ideias inovadoras,

soluções de problemas, novos insights ou novas maneiras de ver coisas antigas.

A liderança nesse contexto poderia ser a responsável por propiciar as condições para

que esse tipo de ambiente pudesse surgir, considerando que muitos dos problemas enfrentados

pelas organizações são complexos e, por isso, dificilmente resolvidos por decisões top-down

(UHL-BIEN; MARION, 2008).

Essa visão contrasta com a que vê o líder como aquele que pode se colocar fora do

sistema e, a partir dessa posição, formula uma visão de futuro, dá sentido ao que deve ser

feito, buscando o consenso entre os liderados. Na teoria da complexidade, a fonte da

criatividade está no sistema, nas interações que ocorrem entre os indivíduos e grupos de

indivíduos dentro das organizações ou sistemas sociais, as quais não podem ser controladas

(muitas vezes nem conhecidas) pelo líder.

Overman (1996) propôs o que chamou de “administração quântica”, que leva em

consideração a física do caos e que muda o foco da administração em relação aos modelos

atualmente conduzidos: na energia, e não na matéria; no porvir, e não no ser; nas

coincidências, e não nas causas; no construtivismo, e não no determinismo; e em novos

estados de consciência. Enquanto os sistemas caóticos são administrados considerando a

experiência, a liderança nesses sistemas não pode estar associada a alguma forma de controle

deliberado ou metas previamente determinadas.

Nesse sentido, o líder não é considerado o único influenciador na organização, pois

muitas das ideias mais produtivas teriam sua origem de dentro para fora, e não de cima para

baixo de algum sistema social. Talvez, uma função importante do líder seria dar significado

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177

aos padrões emergentes e fornecer os elos para esses padrões de modo a fortalecer as

conexões entre os membros da organização. O líder, nesse cenário, deveria ter seu foco menos

em controlar o futuro do que em permitir a emergência de futuros produtivos (DOURADO,

2010).

Também a partir da teoria da complexidade pode-se questionar a premissa de que

líderes eficazes têm como função minimizar os conflitos e manter a ordem na organização,

uma vez que “qualquer organização é, simultaneamente, ordem e desordem, qualquer

organização necessita, ao mesmo tempo, de continuidade e mudança, de normas e de

liberdade, de controle e de autonomia, de tradição e de inovação, de ser e de devir”

(DOURADO, 2010, p. 56).

Para Barker (2001), o contexto real que deveria ser considerado nas ações de liderança

envolve:

a) A liderança está mais relacionada a sistemas caóticos e em transformação; portanto, o

controle não é algo adequado a esses sistemas;

b) o panorama no qual ocorrem as relações de liderança é do tipo dissipativo – ou seja,

conhecer o sistema não significa conhecer os seus elementos;

c) o contexto da liderança é irreversível: é progressivo e não repetitivo;

d) o nível mais alto de ordem no processo de liderança é percebido por poucos indivíduos

ou mais provavelmente por nenhum;

e) a liderança, como a ordem percebida, surge do sistema;

f) microssistemas, como as organizações ou como os próprios líderes, intercambiam

energia com o ambiente, e não podem ser percebidos fora do macrossistema.

Nesse tipo de ambiente, caos e complexidade não são problemas a serem resolvidos,

mas os mecanismos de evolução, adaptação e renovação a serem utilizados pela liderança

(BARKER, 2001, p. 489).

3.4.1.6 Abordagens que consideram os diversos níveis nas relações de liderança

Harter, Ziolkowski e Wyatt (2006), em artigo provocador, identificam o fato de que a

diferença linguística existente entre os termos líderes e seguidores pressupõe, para o líder, a

existência de uma individualidade psicologicamente autônoma, o que determinaria, para uma

análise das relações, a separação das psicologias individual e social. O papel do indivíduo,

para essa relação de liderança, seria central.

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178

O líder é conceituado por Penteado (1978) como uma “pessoa que vai à frente para

guiar ou mostrar o caminho ou que precede ou dirige qualquer ação, opinião ou movimento”

(PENTEADO, 1978, p. 1). A partir dessa definição, o autor chama a atenção para duas

imagens nela contidas: ela evidencia um atributo que é do indivíduo – o de se destacar em seu

grupo, e a influência que exerce sobre outros, o que indica os aspectos relacionais da liderança

e, portanto, as abordagens de grupo (ou, no mínimo, diádicas). O que não fica claro na

primeira imagem é se o destaque do indivíduo em relação ao grupo acontece por motivações

de ordem pessoal ou se é socialmente determinada.

Yammarino e Bass (1991), Yammarino et al (2005) e Yammarino, Dansereau e

Kennedy (2001) foram responsáveis pelas revisões mais citadas referentes à abordagem da

liderança considerando os seus múltiplos níveis. Yammarino, Dansereau e Kennedy (2001)

comparam o estudo da liderança com a história dos cegos a quem se pede para descrever o

elefante. A proposta que fazem é a de se reconhecer que a liderança é um fenômeno que pode

ser abordado sob múltiplas perspectivas, pois ocorre em múltiplos níveis – de modo

esquemático, nos níveis do indivíduo, no de díades (que envolve apenas a relação entre o líder

e o liderado), o do grupo e o da coletividade. Cançado (2010), ainda que admitindo a

existência desses múltiplos níveis, opina que essa divisão deve ser considerada didática, pois,

na prática, deve-se lembrar que há uma inter-relação complexa entre eles.

Dependendo do nível envolvido, Yammarino, Dansereau e Kennedy (2001)

identificam, na literatura, diferentes conceitos para o tema. Após realizar revisão desses

diversos conceitos, concluem que: ao se ignorar uma das perspectivas, a visão sobre liderança

pode ficar distorcida; deve-se considerar as múltiplas dimensões do fenômeno, ou seja, de que

o líder deve estar envolvido, muitas vezes simultaneamente, em ações diferentes como as de

prover uma visão, aumentar a autoestima do liderado, sem descuidar das tarefas e dos

relacionamentos entre os indivíduos, além de se responsabilizar por orientar as atividades em

função dos valores e da missão da organização; o líder não deve se esquecer de que a base de

sua liderança são as pessoas que, como tal, possuem seus próprios processos humanos – de

afeto, cognição, de valores, adesão a normas, etc.; e, por fim, os líderes devem ter ciência do

impacto causado por seus atos sobre os diversos elementos envolvidos, como a estruturação

de equipes, a participação dos indivíduos nas decisões, a satisfação no trabalho, a

performance, o absenteísmo, etc. (YAMMARINO; DANSEREAU; KENNEDY, 2001, p.

162).

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179

3.4.2 A psicologia do líder

Os psicólogos sabem há muito tempo que medidas de habilidade cognitiva e de

personalidade normal, entrevistas estruturadas, simulações e centros de avaliação

podem predizer razoavelmente bem o sucesso da liderança (HOGAN; CURPHY;

HOGAN, 1994, p. 494).

Se para os cientistas políticos uma questão fundamental nas relações humanas é “quem

vai governar?”, como psicólogos, Hogan, Curphy e Hogan (1994, p. 493) sugerem que a

questão deveria ser modificada para “quem deveria governar?”. Com isso, os autores estão

chamando a atenção para o fato de que as pessoas estão frequentemente enfrentando a questão

da identificação do potencial de liderança nos indivíduos, seja durante as eleições para os

cargos do Executivo ou do Legislativo, seja na substituição de cargos em organizações, como

os de presidentes de empresas ou reitores de universidades, para citar dois exemplos.

Barker (2001) informou que, normalmente, quando se define a liderança, essa

definição é feita a partir de características do líder – e não da liderança. Nas definições

apresentadas anteriormente, esse aspecto pode ser facilmente constatado. Daí que, desde os

trabalhos iniciais sobre a liderança, procurou-se identificar no líder traços de personalidade

característicos que justificassem a liderança.

Em função das dificuldades encontradas em se considerar apenas características de

personalidade, desconfiou-se de que algo mais, como o contexto no qual ocorre a liderança,

poderia também ser um fator relevante. O autor considerado pioneiro em considerar o âmbito

na pesquisa organizacional foi Kurt Lewin (1947) e a primeira adaptação da proposta de

Lewin para os estudos sobre liderança foi desenvolvida por Fiedler (1967), no modelo de

contingência discutido anteriormente, que considerava que o estilo do líder se relacionava

com uma característica individual, que se pode atribuir à personalidade do indivíduo, a qual

deveria se encaixar na situação adequada.

Uma segunda adaptação foi a teoria path-goal, no modelo de contingência, na qual

House e Mitchell (1974) informam que os líderes mudam de estilo de acordo com a situação.

Mas a partir da década de 1980, nos modelos envolvendo liderança transacional-

transformacional, o contexto começa a ser esquecido para retornar em abordagens híbridas,

envolvendo os traços de personalidade dentro de várias situações empíricas (LIM;

PLOYHART, 2004; ZACCARO; KEMP; BADER, 2004).

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180

Kets de Vries (1990) considera que a adequada caracterização do que é a liderança não

dispensa uma análise das dimensões cognitivas e afetivas dos líderes, numa abordagem que

põe a personalidade do indivíduo em tensão com o seu comportamento e com o cenário social

em que a relação de liderança é estudada.

A psicologia interacional, desenvolvida em meados da década de 1970 por autores

como Endler e Magnusson (1976), considerava que situação e pessoa se influenciavam

mutuamente. Essa ideia foi trazida por autores como Schneider (1983) para o campo dos

estudos organizacionais, tendo sido considerada por vários outros como um tratamento

bastante apropriado para estudos sobre liderança (LINDEN; ANTONAKIS, 2009).

Um exemplo do que essa abordagem justificaria pode ser visto em Linden e Antonakis

(2009): situações que eles chamariam de “fortes”, como no caso militar, é a situação que se

sobressai ao comportamento do líder, enquanto em situações que chamaram de “fraca”

podem-se constatar mais facilmente variações de comportamento.

Considerando ser esse aspecto ainda relevante na literatura contemporânea sobre a

liderança, o que se vai fazer agora é uma discussão que tem o indivíduo como unidade de

análise. Essa discussão pode ser dividida em duas grandes linhas: aquelas cujas categorias são

derivadas diretamente da teoria psicanalítica de Freud – e que envolvem, a maioria, trabalhos

de caráter qualitativo – e as que têm como foco a personalidade do indivíduo – as quais

envolvem, prioritariamente, pesquisas de caráter quantitativo.

3.4.2.1 O líder na visão de Freud

Nesta seção, o que se pretende é, a partir da obra original de Freud, de modo especial

da obra Psicologia de grupo e análise do Ego (FREUD, 1987d), explorar os autores

contemporâneos cujo tratamento empírico tem por fundamento as pistas deixadas por Freud.

O foco aqui está no que ocorre, no nível inconsciente, entre indivíduos envolvidos em

relações que se pode caracterizar como sendo de liderança.

Freud (1987d) começa por analisar expressões mais primitivas dessa relação, tomando

por base autores reconhecidos à sua época, que já haviam escrito algo antes dele sobre o tema.

Inicialmente, descreve essa relação em seu aspecto mais primitivo, como pode ser observado

no comportamento da massa, que foi relatado de modo mais sistematizado no século XIX por

Gustave LeBon (LE BON, 1895; 1916).

O que LeBon identifica inicialmente é que, em grupos efêmeros, os indivíduos

formam uma unidade que manifesta o que ele chamou de “caráter médio”, que tem como uma

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181

de suas características mais evidentes a intensificação das emoções e certa inibição do

intelecto – tal como pode ser visto em grupos humanos primitivos.

Freud (1987d) apresenta três as causas para o aparecimento desse tipo de caráter:

a) No grupo, o indivíduo é colocado em condições que lhe permitem se livrar de

repressões de seus instintos inconscientes;

b) pode haver o que chamou de “contágio”, fenômeno de ordem hipnótica em que o

indivíduo sacrifica o seu interesse pessoal ao coletivo, sendo esse um efeito dos

membros do grupo, uns sobre os outros;

c) a “sugestionabilidade”, fenômeno também hipnótico que explica, inclusive, o

contágio, mas que vem de outra fonte que não dos outros membros do grupo.

O grupo é crédulo e aberto a influência. Quem desejar produzir um efeito sobre o

grupo não necessita de argumentação lógica, mas apenas de atos – como os de exagerar ou de

repetir sempre a mesma coisa (FREUD, 1987d). Como consequência, o grupo será tão

intolerante quanto aberto à autoridade – dependendo do tipo de influência que está sendo

exercida sobre o grupo. Também sob a influência da sugestão, o grupo tanto pode dar

expressão aos instintos primitivos dos indivíduos, como pode ser capaz de elevadas

realizações, voltadas para um ideal.

Le Bon (1916) partiu do princípio de que se, de um lado, qualquer grupo de seres

vivos se organiza instintivamente sob a influência de um líder, a quem procura obedecer, por

outro, o líder também deve, por suas características pessoais, se ajustar ao grupo. Freud

(1987d) acrescenta que, nesse tipo de grupo, a influência exercida pelo líder se dá a partir de

ideias nas quais o líder deve acreditar fanaticamente. Ao poder exercido pelo líder – e por

suas ideias – Freud (1987d) chama de “prestígio” – que seria algo que despertaria um

sentimento como o da “fascinação” da hipnose e que pode ser reconhecível por sua

capacidade de evocar a sugestão.

Como foi visto, essa primeira menção tem como objeto grupos efêmeros. Para estudar

grupos mais organizados, cujo comportamento é diverso do descrito por Le Bon (1916),

Freud busca os fundamentos na obra de McDougall (1920), para quem, para que uma

multidão constitua um grupo, deve haver uma emoção comum aos indivíduos. Quanto mais

elevado o número de indivíduos com a mesma emoção, maior será a influência por ela

exercida.

Para que surja esse grupo com um nível mais alto de organização, seriam cinco as

condições identificadas por McDougall (apud FREUD, 1987d): deve haver continuidade de

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182

existência do grupo; cada membro deve formar uma ideia do grupo de forma a desenvolver

com ele uma relação emocional; o grupo deve estar em interação com outros grupos; esse

grupo deve ter tradições, costumes e hábitos que determinem as relações entre seus membroso

grupo deve ter uma estrutura.

Para estudar esse tipo de grupo, Freud (1987d) utiliza os exemplos da Igreja e do

exército. Nos dois casos, existe o pressuposto de haver um cabeça – Cristo para a Igreja, o

comandante no exército – que dedicaria a todos os componentes do grupo um “amor” de igual

tamanho. É dessa ilusão que depende a coesão do grupo. O grupo assim formado pode

momentaneamente substituir a sociedade, que é para o indivíduo socializado em uma cultura a

detentora da autoridade (FREUD, 1987a). É em consequência da percepção dessa função de

substituição que o indivíduo percebe não ser prudente se opor ao grupo, mas sim obedecer a

essa nova autoridade.

Identificados esses dois tipos básicos de organização grupal, Freud (1987d) crítica

tanto Le Bon como McDougall por não terem dado a devida importância ao líder na

psicologia do grupo: se no grupo o indivíduo deve estar ligado por laços libidinais aos demais

membros do grupo, de outro lado deve estar também ligado ao líder. Essa dupla ligação deve

servir para explicar tanto a falta de liberdade do indivíduo no grupo que está ativo, como a

desagregação do grupo em situações de pânico – situação na qual os laços mútuos se rompem,

um medo desproporcional toma conta do indivíduo e ele passa a se preocupar apenas consigo,

não acatando mais as ordens superiores. Esse medo, no pânico, não pode ser explicado pela

intensidade do perigo – o mesmo grupo poderia enfrentar perigo até maior – mas apenas pelo

rompimento dos laços emocionais. A perda do líder ou o surgimento de suspeitas contra ele

são exemplos de fatores que podem gerar o pânico nos indivíduos do grupo.

O próximo passo, então, será estudar as diferenças entre grupos que possuem líder em

relação àqueles que não os têm, orientado pelo seguinte questionamento: pode o líder ser

substituído por uma abstração, ou seja, por uma ideia?

Para essa discussão, Freud (1987d) lança mão de seu conceito de narcisismo35

. Aqui

ele lembra que toda relação íntima e duradoura – como a que ocorre na família ou na amizade

– contém um misto de amor e hostilidade, que não são percebidos em função da repressão. Já

nas aversões que as pessoas demonstram contra estranhos, o que se identifica é apenas a

expressão do amor a si mesmo – ou do narcisismo. Na formação de um grupo, e enquanto ele

persistir, essa intolerância, própria do narcisismo, deve desaparecer, o que só pode ocorrer se

35

Amor que o indivíduo tem por si mesmo. Os autores que utilizam o narcismo como fundamento para estudar a

liderança serão abordados no item 2.4.2.2. Para mais informações sobre o tema, ver Freud (1987c).

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183

o indivíduo estabelece laços libidinais com outras pessoas. E o mecanismo para explicar o

desenvolvimento desses laços emocionais é o da identificação36

.

A identificação é uma expressão muito primitiva de laço emocional com outra pessoa.

Ocorre, por exemplo, no complexo de Édipo, quando o menino se identifica com o pai – quer

ser como ele e tomar o seu lugar em tudo. Ou, de forma regressiva, quando o Ego estabelece

um vínculo com um objeto de libido por introjeção (por exemplo, quando um filho começa a

apresentar o mesmo sintoma – tipo uma tosse – que o pai). Mas a identificação também pode

ser vista quando determinado Ego percebe uma qualidade comum (ou uma analogia) em

relação a outro Ego que não é objeto de seu instinto sexual. Nesse último caso, quanto mais

importante essa qualidade, mais bem-sucedida pode vir a ser a identificação.

Segundo Freud (1987d), o laço mútuo entre os membros de um grupo é uma

identificação desse último tipo. Mas essa qualidade comum deve ser encontrada em algum

lugar no grupo. Freud (1987d) suspeita de que ela esteja na natureza do laço que o indivíduo

estabelece com o líder, acrescentando, ainda, que, para que a compreensão do que ocorre

entre os indivíduos nessa relação fique completa, deve-se levar em consideração também um

outro fator – que é a idealização.

A idealização é um conceito que pode ser compreendido utilizando-se, como exemplo,

o amor sexual. Se os impulsos sexuais são reprimidos, pode-se ter a ilusão de que o objeto

será amado por seus méritos espirituais, e não sexuais. Nesse caso, parte importante da libido

narcisista transborda para o objeto: nós o amamos devido às perfeições que desejamos para o

nosso Ego e que aqui buscamos adquirir indiretamente, de modo a satisfazer nosso

narcisismo. O Ego aqui se torna mais despretensioso e o objeto mais sublime e precioso,

como que consumindo o Ego num mecanismo que fica ainda mais exacerbado no amor que

não pode ser satisfeito, pois, nesse caso, o objeto do amor toma o lugar do ideal do Ego.

Feitas essas definições, o próximo passo é estabelecer a diferença existente entre a

identificação e a fascinação (ou servidão). Para Freud (1987d), na identificação o Ego se

enriquece com o objeto, ele o introjeta em si mesmo. O objeto então é perdido, sendo

novamente erigido dentro do Ego, que se altera segundo o modelo do objeto. Na fascinação

(ou servidão), o objeto é mantido: Ego se empobrece e se entrega ao objeto. Daqui à hipnose é

somente um passo: existe a mesma sujeição humilde para com o objeto amado, o mesmo

debilitamento de iniciativa – o hipnotizador se coloca no lugar do ideal do Ego.

36

A identificação é um dos mecanismos utilizados por alguns autores como fundamento para se compreender o

fenômeno da liderança, como será apresentado mais à frente, no item 3.4.2.3.

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184

Já se está, então, em condições de entender a fórmula libidinal do grupo que tem um

líder, mas que, por ausência de uma organização forte, não pode adquirir características de um

indivíduo primitivo (como ocorre nos grupos transitórios apresentados por Le Bon): “um

grupo primário desse tipo é um certo número de indivíduos que colocaram um só e o mesmo

objeto no lugar de seu ideal do Ego e, consequentemente, identificaram-se uns com os outros

em seu ego” (FREUD, 1987d, p. 126).

Uma última questão referente ao grupo transitório, como descrito por Le Bon, ainda

precisa ser resolvida: por que alguns aspectos desses grupos, como a diminuição da

capacidade intelectual, o aumento das reações emocionais, a incapacidade de moderação,

entre outros, possuem características regressivas enquanto nos grupos organizados, como os

descritos por Mac Dougall, esses aspectos podem ser bem controlados?

Para solucionar esse problema, deve-se retomar a discussão sobre a sugestão na qual o

papel do líder não é mais importante do que aquele representado pelos indivíduos, que vão

exercer influência mútua uns sobre os outros. O porquê disso Freud (1987d) busca em Trotter

(1916), na descrição que esse autor faz do instinto gregário, que existe tanto nos animais

como nos homens, mas que no homem envolve o grupamento humano mais geral no qual ele

passa toda a sua vida: a sociedade, que lhe fornece a sua base psicológica.

Essa é uma explicação que dispensa a necessidade da existência de um líder. Deve-se,

então, procurar entender melhor como isso ocorre.

Para Freud (1987d), o sentimento social “baseia-se na inversão daquilo que a princípio

constituiu um sentimento hostil em uma ligação de tonalidade positiva, da natureza de uma

identificação” e que “essa inversão parece ocorrer sob a influência de um vínculo afetuoso

comum com uma pessoa fora do grupo” (FREUD, 1987d, p. 131). Para exemplificar essa

afirmação, Freud cita um grupo de mulheres apaixonadas por um músico que, em vez de se

digladiarem umas com as outras por ciúmes, consideram que, diante de seu número e da

impossibilidade de alcançarem individualmente o objetivo de seu amor, renunciam a ele,

prestando homenagem ao seu “amado” em ações comuns.

Volta-se, então, às associações estáveis, como descritas por McDougall (p.ex., a Igreja

e o exército). Deve-se lembrar que a premissa aqui é a de que todos os membros devem ser

amados da mesma maneira por uma pessoa – o líder – e que a exigência de igualdade deve

envolver todos os membros, exceto o líder. Essa observação muda a afirmação de Trotter de

que o homem é um animal gregário para a de que o homem é um animal de horda – ou seja, o

homem é uma criatura individual, numa horda conduzida por um líder. As características

observadas então por Le Bon – a diminuição da ação consciente, a predominância da

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afetividade e das emoções, o foco de pensamento e sentimento em uma direção e a tendência

a execuções imediatas – podem ser explicadas com a regressão a um estado mental primitivo,

que para Freud (1987e) corresponde ao estado mental existente na horda primeva37

.

Na horda primeva, os membros do grupo estavam sujeitos a vínculos, como os que são

vistos em membros dos grupos de hoje – à exceção do pai, que era livre. Os atos e

pensamentos do pai eram fortes e independentes: sua vontade não dependia de outros. Freud o

compara, no passado, ao Übermensch, que Nietzsche projetava para o futuro: “não necessita

amar ninguém mais, pode ser de uma natureza dominadora, absolutamente narcisista,

autoconfiante e independente” (FREUD, 1987d, p. 134).

A partr do impedimento imposto aos filhos na satisfação de impulsos sexuais, o pai

primevo os forçava ao estabelecimento de laços emocionais para com ele e uns para com os

outros – ou seja, forçava-os à psicologia de grupo. Aquele que era tornado seu sucessor – em

geral, um filho que havia sido membro do grupo – também recebe a possibilidade de

satisfação sexual sem adiamento, o que terminava com os impulsos sexuais que nele estavam

inibidos, permitindo ao seu narcisismo elevar-se até o nível mais alto possível.

Voltando um pouco, ao início da discussão, quando se afirmou que na formação dos

grupos foram identificadas a sugestão e a hipnose como as forças que a explicavam, deve-se

lembrar que, naquele momento da discussão, a sugestão havia ficado sem explicação. As

observações de agora, referentes à horda primeva, entretanto, podem se constituir em uma

pista para a explicação da sugestão, em sua relação com a hipnose. Pois na hipnose, o que se

imagina é que o hipnotizador detenha a posse de um poder misterioso, que despoja o sujeito

de sua vontade. Um dos métodos para se obter isto é poe meio do olhar – e era a visão do

chefe o que era insuportável para os primitivos, como mais tarde ocorreu com a visão da

divindade para os mortais.

Para Freud (1987d) existem dois tipos básicos de indução hipnótica, os quais no fim

apresentarão o mesmo efeito: um, do tipo persuasor e tranquilizador, que é modelado na mãe;

o outro, do tipo ameaçador, que é derivado do pai.

Reunindo todas essas observações em uma conclusão, Freud (1987d) relaciona o líder

com o pai primevo temido, que é o ideal do grupo, dirigindo o Ego no lugar do ideal do Ego.

Chega-se aqui, então, ao indivíduo nos grupos que compõem a sociedade atual.

Na sociedade, cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos, acha-se

ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do Ego segundo

37

Para mais informações sobre a horda primeva ver Totem e tabu (FREUD, 1987e).

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os modelos mais variados. Cada indivíduo, portanto, partilha de numerosas mentes grupais –

as de sua raça, classe, credo, nacionalidade, etc. –, podendo também se elevar sobre elas, na

medida em que possui um fragmento de independência e originalidade. Essas formações

grupais estáveis e duradouras, com seus efeitos constantes e uniformes, são menos notáveis

para um observador do que são os grupos rapidamente formados e transitórios, a partir dos

quais LeBon traçou seu esboço psicológico do caráter da mente grupal (FREUD, 1987c). Ou

seja, o indivíduo abandona seu ideal de Ego, substituindo-o pelo ideal de grupo, corporificado

pelo líder. Mas isso não acontece com a mesma intensidade sempre, e em muitos casos os

dois ideais ainda podem se confundir, permitindo ao Ego manter o seu narcisismo. Nesse

caso, a seleção do líder fica muito facilitada: basta que ele apresente características que

forneçam a impressão de mais força e de mais liberdade de libido. Os outros membros do

grupo são arrastados ou por sugestão ou pela identificação (FREUD, 1987c).

Com isso, podem-se compreender as diferenças nas relações estabelecidas dos

indivíduos no grupo, entre si e com o líder, para os três grupamentos humanos básicos: os

transitórios, os organizados e estáveis e os grupos maiores, que se inter-relacionam com

outros grupos, como na sociedade.

Essa é, em linhas gerais, a visão de Freud (1987c) sobre o tema. Mas não se pode aqui

deixar de lembrar um questionamento feito por ele, que fica sem solução: a distinção entre os

grupos com e sem líderes, com a possibilidade de que grupos nos quais uma ideia possa tomar

o lugar do líder não seriam esperados no processo de evolução das sociedades. Em suas

palavras:

Teremos de nos interessar, acima de tudo, pela distinção existente entre grupos que

possuem um líder e os grupos sem líder. Teremos de considerar se os grupos com

líderes talvez não sejam os mais primitivos e completos, se nos outros uma ideia,

uma abstração, não pode tomar o lugar do líder (estado de coisas para o qual os

grupos religiosos, com seu chefe invisível, constituem etapa transitória) e se uma

tendência comum, um desejo, em que certo número de pessoas tenha uma parte, não

poderá, da mesma maneira, servir de sucedâneo [...] Surgiria então a questão de

saber se o líder é realmente indispensável à essência de um grupo e outras ainda,

além dessa (FREUD, 1987c, p. 111).

Como a teoria psicanalítica exerceu grande influência nos desenvolvimentos

relacionados à compreensão do sujeito durante todo o século XX – tanto as que as utilizam

como fundamento, quanto aquelas desenvolvidas em oposição à sua visão –, o tema foi

abordado aqui, antes que se pudesse explorar as linhas de investigação que levam em

consideração, primordialmente, a subjetividade, tanto dos líderes como a dos liderados.

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187

A partir daqui há condições de avaliar algumas das abordagens empíricas sobre a

liderança – primeiramente, as que lançam mão da própria teoria psicanalítica, para, após,

explorar as abordagens que têm como fundamento os aspectos que vão envolver os traços de

personalidade.

3.4.2.2 Líder e narcisismo

Retoma-se aqui a citação do texto de Freud sobre a sua concepção do que seriam as

características do pai primevo: “não necessita amar ninguém mais, pode ser de uma natureza

dominadora, absolutamente narcisista, autoconfiante e independente” (FREUD, 1987d, p.

134).

De acordo com Kets de Vries (1990, p. 8), “o narcisismo é, muitas vezes, a força

condutora alimentando o desejo de obter um cargo de liderança”. Daí a importância de se

conhecer esse tipo de indivíduo. Rouanet (1989, p. 131) também afirma que “o líder é a

projeção narcisista dos atributos que o indivíduo massificado ambiciona ter e que lhe são

negados pela realidade”.

Freud (1987c) escreveu, em 1931, um artigo para tratar do que chamou de “tipos

libidinais”, buscando organizar a multiplicidade de características observadas nos indivíduos.

Entre os tipos apresentados, destaca-se para os fins desse artigo o narcísico, que foi

caracterizado da seguinte forma:

Não existe tensão entre o Ego e o Superego (na verdade, se predominasse esse tipo,

dificilmente se teria chegado à hipótese de um Superego), e não há preponderância

de necessidades eróticas. O principal interesse do indivíduo se dirige para a

autopreservação; é independente e não se abre à intimidação. Seu Ego possui uma

grande quantidade de agressividade à sua disposição, a qual também se manifesta na

presteza à atividade. Em sua vida erótica, o amar é preferido ao ser amado. As

pessoas pertencentes a esse tipo impressionam os outros como “personalidades”; são

especialmente apropriadas a atuarem como apoio para os outros, a assumirem o

papel de líderes e a darem um novo estímulo ao desenvolvimento cultural, ou a

danificarem o estado de coisas estabelecido (FREUD, 1987c, p. 226).

Esse tipo de indivíduo tem sido abordado por vários autores desde então, entre os

quais se destaca Kernberg (1979, p. 33), que afirma que “porque as personalidades narcisistas

são frequentemente motivadas por necessidades intensas de poder e de prestígio a assumir

cargos de autoridade e de liderança, os indivíduos dotados dessas características se encontram

muitas vezes nos altos cargos de liderança”.

Kets de Vries faz um apanhado mais completo desse tipo, afirmando que:

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188

Os narcisistas sentem que devem confiar em si próprios mais do que nos outros, para

saciar suas necessidades. Estão persuadidos de que não podem confiar no amor ou

na lealdade de ninguém. Acreditam ser autossuficientes mas, no seu íntimo,

ressentem-se de um sentimento de perda e de vazio. Para fazer face a esses

sentimentos, e talvez para mascarar sua insegurança, os narcisistas preocupam-se em

estabelecer sua competência, seu poder, sua beleza, seu status, seu prestígio e sua

superioridade. Paralelamente a isso, os narcisistas desejam que os outros partilhem

da autoestima que eles próprios têm de si mesmos e que satisfaçam suas

necessidades. O que espanta no comportamento dessas pessoas é a exploração dos

outros. Os narcisistas vivem na ilusão de que eles devem ser servidos, de que seus

desejos têm preferência sobre os dos outros. Acreditam merecer atenções

particulares (KETS DE VRIES, 1990, p. 8).

A partir de sua experiência clínica, de Kets de Vries (1990) subdivide os indivíduos

narcísicos em três tipos, os quais, em uma visão funcionalista, variariam do que chamou de

mais patológico ao mais funcional.

O Quadro 2 apresenta um resumo da visão proposta por Kets de Vries (1990), a qual

não será detalhada aqui por fugir do objetivo da pesquisa, mas que fica registrada para o caso

de comparação durante a análise e discussão dos dados.

Quadro 2 - Três tipos de narcisismo, formas de liderança

que assumem e seus modelos para decisão

Narcisismo reativo Narcisismo autoilusório Narcisismo construtivo

TIPO DE LIDERANÇA

Transformadora Transacional Transformadora e

Transacional

- Só tolera os bajuladores

- Tirano cruel

- Ignora as necessidades

dos subordinados

- Tem raiva da crítica

- Prefere subordinados

não críticos

- Diplomata

- Considera subordinados

como instrumentos

- Fere-se com críticas

- Meritocrático

- Inspirador

- Desempenha o papel de

mentor

- Aprende algo da crítica

Tomada de decisão

• Projetos espetaculares,

importantes e arriscados

• Não consulta ninguém

• Esmaga os opositores

• Utiliza-se de bodes-

expiatórios

• Não admite derrota

• Conservador, pouco

inclinado ao risco, muito

prudente

• Consulta gente demais

• Indecisão

• Consulta muito para

coletar informações, mas é

independente na tomada de

decisões

• Dirigido interiormente

Fonte: adaptado de Kets de Vries (1990).

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189

A respeito da idealização, Rouanet (1989) faz uma ponderação que a liga tanto ao

narcisismo como à assimilação da pessoa do líder à imagem do pai:

A idealização, como se sabe, é o processo pelo qual o indivíduo atribui a um objeto

qualidades de perfeição que o próprio sujeito não se sente capaz de alcançar.

Confrontado com ideais excessivamente exigentes, o sujeito não tem alternativa

senão investi-los num objeto externo e, em seguida, identificar-se com ele. A

idealização é uma forma de narcisismo: o objeto idealizado é parte do próprio

sujeito, e amá-lo significa amar-se a si mesmo. A relação entre a massa e o Führer

segue esse padrão. O líder é a projeção narcisista dos atributos que o indivíduo

massificado ambiciona ter e que lhe são negados pela realidade. O chefe onipotente

é a imagem da impotência do indivíduo e o reflexo dos seus ideais de onipotência.

Ao fazer do líder o seu ideal, o indivíduo massificado ao mesmo tempo em que se

ama a si próprio (em sua imagem fictícia de força) reprime o que nele não merece

ser amado (a realidade da fraqueza) (ROUANET, 1989, p. 130-131).

Mas, como compatibilizar a realidade da sua fraqueza com os seus ideais de

onipotência no processo de identificação? Rouanet (1989) apresenta a seguinte solução:

Mas a identificação narcisista com o líder exige que este se pareça com a massa dos

seus seguidores. Nem toda a libido narcisista extravasou-se no objeto; parte continua

aderindo ao Ego do indivíduo. Por isso, o líder deve ser ao mesmo tempo onipotente

e banal, Super-homem e homem da rua [...]. Para que o indivíduo se reconheça no

líder, o líder tem que se assemelhar ao indivíduo. A identificação da massa ao líder é

obtida pelo líder através da técnica de identificar-se parcialmente com a massa. O

líder é um “great little man”, incomensuravelmente forte pela coragem com que luta

por seus ideais, mas não tão forte a ponto de criar uma barreira intransponível entre

si mesmo e a massa (ROUANET, 1989, p. 130).

O que Rouanet (1989) afirma ajuda a compreender lideranças como as de Luis Inácio

Lula da Silva, Barack Obama e Margareth Tatcher. Além disso, levanta a possibilidade de que

um indivíduo que expresse traços de personalidade mais autoritários tenda a projetar38

para

seus líderes esses mesmos traços. O que significa que, se chamado a escolher um líder em

determinada situação, ele pode tender a escolher pessoas nas quais identifique esses traços.

Esse pode ser um dos mecanismos para explicar os achados da pesquisa pelo autor

desta tese, na qual, utilizando uma escala de autoritarismo baseada na escala F de Adorno, os

líderes escolhidos por meio de um processo político eletivo, por indivíduos integrantes de

sociedades cooperativas, apresentaram níveis bem mais altos de autoritarismo, quando

comparados com a liderança de empresas escolhidas por currículo, indicação ou

conhecimento pessoal (VILELA, 2008).

38

Projeção: “No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no

outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo „objetos‟ que ele desconhece ou recusa nele

[...] o sujeito atribui a outros as tendências, os desejos, etc. que desconhece em si mesmo: o racista, por exemplo,

projeta no grupo desprezado as suas próprias falhas e as suas inclinações inconfessadas” (LAPLANCHE;

PONTALIS, 1992, pp. 374, 375).

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190

Os aspectos levantados por Rouanet (1989), envolvendo inter-relacionamento entre

narcisismo e identificação, abrem caminho para se explorar melhor esse aspecto, também

apresentado anteriormente por Freud (1987f), que é o da identificação.

3.4.2.3 Liderança e identificação

Como foi visto, a identificação é uma expressão muito primitiva de laço emocional

com outra pessoa, que pode ser vista, em sua forma regressiva, na introjeção ou quando um

indivíduo percebe uma qualidade comum (ou uma analogia) em relação a outro indivíduo que

não é objeto de seu instinto sexual. É pela identificação que o indivíduo internaliza e

incorpora crenças, valores e atitudes, num mecanismo que é fundamental para o

estabelecimento de vínculos sociais, os quais devem se constituir por: definição de sua

filiação a uma categoria social; distinção e prestígio dos valores e práticas de seu grupo,

comparados com outros semelhantes; fatores associados à formação psicossocial do grupo.

Esse conjunto afeta e é afetado pela relação do indivíduo com o grupo e com o líder (DAVEL;

MACHADO, 2001).

Erik Erickson (1980) refere que, durante as diversas etapas da vida, são vários os

modelos perseguidos pelos indivíduos no processo de definição de identidade. É a síntese

dessas múltiplas identificações durante o ciclo de vida que vai variando de acordo com os

grupos aos quais o indivíduo se vincula e com as diversas necessidades manifestadas nos

diversos momentos da vida, o que constitui a identidade do indivíduo.

De acordo com Lord e Brown (2001), o autoconceito é dinâmico e multifacetado.

Forças em vários níveis – traços de personalidade, relações diádicas e cultura organizacional –

influenciam no estabelecimento do autoconceito, ativando níveis de identidade em momentos

diferentes. Nesses níveis, o de relações diádicas se relaciona com o comportamento do líder, o

qual detém a capacidade de ativar diferentes níveis e aspectos do self do liderado – por

exemplo, enfatizando similaridades entre colegas, o líder pode aumentar a ativação de

identidades coletivas, inibindo as identidades no nível individual.

Segundo Hogg e Terry (2000), as relações sociais evoluem em um processo de

categorização, em que o eu é assimilado nos protótipos do grupo, e de despersonalização, em

que o autoconceito e a percepção dos outros sobre o indivíduo mudam. O eu é afetado por

essa atividade de identificação, até que o indivíduo atinja certo grau de autonomia, num

decurso que persiste com o indivíduo refazendo a sua identidade nas diversas etapas de seu

desenvolvimento.

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191

De acordo com Davel e Machado (2001), a identificação se relaciona com:

a) Segurança psicológica – as pessoas copiam para resolver suas inconsistências

emocionais;

b) afiliação – necessidade de se perceber como membro de um grupo, para vencer o

isolamento social;

c) autovalorização – busca-se copiar alguém cujo comportamento se julga importante

para a construção de um autoconceito positivo;

d) significado – quando se busca referências de valores a fim de dar um propósito à

própria vida.

Os argumentos apresentados por Sarsur (2010) na discussão sobre a identidade entre

líder e liderado são de que a identidade do líder atrai o liderado, fazendo com que os líderes se

tornem modelos a serem seguidos, servindo como referência de sucesso, suprindo

necessidades e interesses e ajudando o liderado em sua inserção no grupo. E também que há

uma influência mútua mantida entre líder e liderado, sendo que o liderado se espelha na

identidade do líder – o que supõe uma relação de mão dupla, com influência mútua entre líder

e liderado. O nível de influência mútua não seria de igual intensidade, havendo mais

identificação por parte do liderado do que por parte do líder: se o processo de construção de

identidade do liderado é fortemente influenciado pelo líder, o líder, por sua vez, deve buscar

outras fontes para estabelecer o processo de alteridade que suporta a permanente reconstrução

de sua identidade (SARSUR, 2010).

Nessa linha, de acordo com Rouanet (1989), e a partir do que se discutiu anteriormente

referentemente ao narcisismo, pode-se dizer que:

A relação indivíduo-líder é assim um jogo de espelhos, um vaivém entre rosto e

imagem, cópia e modelo, em que não se sabe o que é real e o que é reflexo e em que

a identificação do indivíduo ao líder parece representar a outra face da identificação

do líder ao indivíduo. Mas tal impressão seria falsa, pois a interação não é aleatória,

e sim orientada; o desfecho desse jogo de identificações é previsível e corresponde à

identificação com o líder e, através dele, com o sistema de forças sociais que ele

representa (ROUANET, 1989, p. 132).

Como foi visto tanto no narcisismo como nos processos de identificação, as emoções

estão envolvidas na sua gênese. Desta forma, discute-se na sequencia alguns dos autores que

têm buscado investigar essa relação.

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192

3.4.2.4 Liderança e emoções

Quando pensamos em líderes e na liderança, uma multidão de imagens vem à

cabeça, muitas vezes coloridas de reações emotivas. Alguns líderes fazem nascer um

sentimento de força, de poder e de responsabilidade. Outros evocam as forças do

terror, a perseguição e a destruição. Nossas percepções da ''bondade'' ou da

"maldade" de um líder são refletidas nos epítetos que lhes damos: Akbar, o Grande;

ou Ivan, o Terrível (KETS DE VRIES, 1990, p. 6).

O debate que envolve o contraponto entre a racionalidade da ação do indivíduo nas

organizações e as emoções não é novo: deve-se lembrar que, já na década de 1940, Simon

(1945) questionava a racionalidade do tomador de decisões nas organizações. E Zaleznik

(1977), em um dos primeiros artigos que buscam a diferença entre o líder e o gestor, observa

que:

Frequentemente escutamos falar dos líderes em termos ricos de conteúdo emotivo.

Os líderes suscitam fortes sentimentos de identificação e de diferenciação ou de

amor e de ódio. Nas estruturas dominadas por um líder, as relações humanas

aparecem frequentemente agitadas, intensas e às vezes desorganizadas. Uma tal

atmosfera intensifica as motivações individuais e produz resultados inesperados

(ZALEZNIK, 1977, p. 74).

Autores que têm abordado a efetividade da liderança transformacional e carismática,

como Bass e Avolio (1994), Burns (1978) e Conger (1989, 1991), identificam a origem dessa

acentuada efetividade justamente na capacidade do líder em envolver emocionalmente seus

liderados.

Goleman (1995) reporta que as características descritas para o que chamou de

inteligência emocional (IE) relacionam-se positivamente com a efetividade da liderança, ainda

que não tenha descrito a que tipo de liderança se referia – como o fizeram Hogan, Curphy e

Hogan (1994), que consideraram as emoções um fator motivacional primordial para as

lideranças carismática e transformacional.

Fambrough e Hart (2008), em artigo crítico envolvendo a inteligência emocional e

liderança, fazem revisão sobre como as emoções foram abordadas em se tratando das

organizações a partir dos anos 1980. Identificaram Hochschild (1983) como uma das

pioneiras em levantar a questão, seguida pelo movimento em favor do positivo – o positive

organization scholarship – que Fineman (2006) relaciona com a teoria Y de McGregor

(1960). É nesse movimento se inclui a IE, identificada como uma nova fonte para o

desenvolvimento de lideranças na literatura não acadêmica.

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193

Megerian e Sosik (1996) identificaram, nos trabalhos envolvendo emoções e liderança,

dimensões da personalidade que poderiam estar relacionadas à IE. Assim também Stogdill

(1974), que detectou as dimensões de sociabilidade, autoconfiança e controle emocional, ou

Hogan, Curphy e Hogan (1994), que reconheceram a sociabilidade, estabilidade emocional,

conscienciosidade e amabilidade como dimensões diretamente relacionadas à efetividade do

líder. Daí os autores ressaltarem que são os traços de personalidade que, conformando o

comportamento do líder, poderiam influenciar na sua efetividade.

Em artigo crítico, Zeidner, Matthews e Roberts (2004) compararam os diferentes

modelos de IE que foram, ao fim, divididos em dois grandes grupos: um, baseado em

habilidades, e o segundo, em traços ou misto. Para mensurar a IE nas características próprias

do primeiro grupo, Caruso, Mayer e Salovey (2002) elaboraram uma escala. Como ela não se

relacionou com alguma escala de personalidade, a IE foi considerada pelos autores um

construto diverso da personalidade. Para o segundo grupo, Lyusin (2006) introduziu uma

abordagem que envolvia medir a frequência de comportamentos particulares, com a

identificação de sua ocorrência em diversas situações.

O modelo de Goleman (1998) é operacionalizado a partir do que chamou de

competências emocionais. Vários autores tentaram desenvolver escalas que mensurassem as

dimensões propostas por Goleman, mas os resultados não têm sido satisfatórios,

provavelmente por serem desenvolvidas para mensurar as categorias e domínios próprios de

cada autor (FAMBROUGH; HART, 2008).

Quanto às emoções, outro aspecto a ser abordado, considerado significativo por Freud

(1987d), diz respeito à sedução. Como foi apresentado anteriormente, Freud (1987d)

estabelece relação direta entre sedução e hipnose. Essa, no entanto, não foi uma relação muito

explorada na literatura de liderança posterior a Freud. O que se encontra são mais indagações

do que investigações propriamente ditas. O que se busca reunir são algumas dessas

abordagens, ainda que se saiba que elas não pretenderam ser conclusivas.

Mais do que focar na dialética entre controle e resistência – que será vista mais à

frente, nas abordagens mais críticas sobre a liderança –, Collinson (2005, p. 1427) acredita

que os pesquisadores necessitariam compreender “como, por que e com quais consequências

os seguidores se conformam, consentem ou se mantêm comprometidos com suas

organizações e com seus líderes”.

Calas e Smircich (1991) também chamam a atenção para o fato de que o sucesso do

líder está em sua capacidade de sedução do liderado, sem aprofundar na exploração dessa

característica do líder.

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194

Uma característica de muitos líderes enfatizada por Kets de Vries (1990), de modo

especial aqueles identificados como carismáticos, é a de despertar emoções muito primitivas

em seus seguidores por meio de manipulação de símbolos que são significativos para estes.

De acordo com esse autor, “os seguidores, quando estão „sob o charme‟ de certos tipos de

líderes, sentem-se, muitas vezes, fortes e orgulhosos ou então impotentes e profundamente

dependentes” (KETS DE VRIES, 1990, p. 7).

Também se percebe em muitos dos seguidores desse tipo de líder um comportamento

do tipo regressivo. Nas palavras do autor:

Alguns seguidores podem escolher um líder idealizado, "onipotente", que responde

às suas necessidades de dependência. Isso pode levar a uma suspensão destrutiva de

suas faculdades racionais. Essa influência hipnótica pode igualmente conduzir ao

sacrifício do bem comum em proveito da loucura pessoal. As atividades ligadas às

tarefas podem ser suplantadas por rituais de adulação. A forma tende a substituir o

conteúdo quando o seguidor vira um peão passível de manipulação (KETS DE

VRIES, 1990, p. 7).

Gabriel (1997) também discorre em seu trabalho sobre os fundamentos para afirmar

que o líder mantém controle psíquico sobre o liderado.

O que se percebe aqui é a recuperação da discussão que leva em consideração aspectos

da personalidade tanto do líder quanto do liderado. Volta-se, nesse momento, ao que motivou

os primeiros trabalhos sobre o líder, no início do século XX, que são as dimensões da

personalidade do indivíduo que poderiam ser facilitadores para o estabelecimento de relações

efetivas de liderança.

Por sua importância para a teoria e para esta pesquisa, a personalidade do líder será

tratada em seção específica.

3.4.3 A personalidade do líder

Como foi visto na história das pesquisas sobre liderança, os estudos que envolveram

aspectos relativos à personalidade do líder sempre tiveram papel importante, a começar pela

teoria dos traços, que foi a primeira teoria historicamente mais significativa para esses estudos

no campo. Mas, ao se observar a evolução histórica das abordagens, pode-se constatar que

mesmo nos desenvolvimentos posteriores envolvendo os estilos de liderança e a teoria

contingencial, os aspectos relativos à personalidade do líder nunca foram totalmente

abandonados. O que se percebe é uma tentativa de aprimoramento com acréscimos teóricos.

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195

De acordo com Salter et al. (2009), a pesquisa envolvendo a teoria dos traços e

liderança tomou novo vigor após a publicação do modelo de liderança de Bass e Avolio

(1994), cuja proposta demandou estudos sobre a percepção dos seguidores sobre a liderança.

Bass (1990), no seu Handbook, questiona se haveria traços distintivos para os líderes e, caso

existam, quais seriam. O autor chegou a sugerir que a identificação de traços de personalidade

relacionados à liderança transformacional fosse utilizada, inclusive, como um indicativo da

universalidade desses traços para toda a humanidade.

Revisão das publicações que envolviam liderança e personalidade foi feita por Judge

et al. (2002). A partir do que encontraram, os autores concluíram que:

Fica claro que há uma sobreposição de traços identificados pelos revisores. Por

exemplo, a autoconfiança só não aparece em duas revisões; e outros traços

(ajustamento, sociabilidade e integridade) surgem em múltiplas revisões. Por outro

lado, apesar de alguma concordância, as revisões não são abertamente consistentes

(JUDGE et al., 2002, p. 765).

Ao se fazer revisão atualizada das pesquisas contemporâneas sobre o tema, o que se

constata é que são inúmeros os autores que continuam fazendo referência à personalidade,

nesse momento interessados tanto pela personalidade de líderes como pela de liderados.

Assim, não há como negligenciar esse aspecto do tema em um trabalho que se proponha a

conhecer esse objeto a partir do próprio objeto.

Mas esse não é tema simples, motivando debates ainda hoje, mesmo no campo da

Psicologia. Por isso, antes de apresentar as linhas de pesquisa que têm levado em

consideração a personalidade nos estudos sobre liderança, será necessário relatar, ainda que

de modo sucinto, o conceito de personalidade a ser utilizado para operacionalizar a pesquisa –

incluindo aqui também a visão do ISF sobre o tema, uma vez que, como será apresentado no

próximo capítulo, é a partir desse corte epistemológico que é desenhado o estudo e que sua

interpretação é conduzida.

3.4.3.1 O conceito de personalidade

Por ser um conceito central em Psicologia, o tema personalidade é extenso, tendo sido

abordado a partir de várias teorias, baseadas ou na observação clínica ou em experimentos

controlados em laboratório. Em termos gerais, pode-se resumir que os debates em torno da

personalidade giram, ainda hoje, em torno de quatro variáveis: as duas primeiras são o

individual e o social, ou seja, se a personalidade depende principalmente de fatores

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196

individuais (como a hereditariedade), se depende primordialmente de fatores sociais, ou ainda

se seria uma mescla dos dois; as duas outras se referem a ser a personalidade uma estrutura

estável ou se ela pode ser modificada no transcurso da vida.

Para ajudar a conduzir esse raciocínio, citam-se aqui apenas as principais teorias da

personalidade, com foco nas características que as diferenciam umas das outras, como

descrito por Davidoff (2001).

A) Teorias psicodinâmicas

Partem do pressuposto de que a personalidade desenvolve-se à medida que os

conflitos psicológicos são resolvidos, geralmente na infância. Sua ênfase está nos motivos,

nas emoções e em outras forças internas. Seus principais representantes são:

a) Sigmund Freud, que defendia que a personalidade é moldada pelas primeiras

experiências, enquanto as crianças passam por fases que ele denominou de

psicossexuais. Ao final das três primeiras fases (oral, anal e fálica), por volta dos cinco

anos, Freud acreditava que a essência da personalidade estava formada. Após período

de latência de cerca de cinco anos, tem início a última fase, que ele denominou de

genital, quando a personalidade adquire sua estrutura final;

b) Carl G. Jung, cuja contribuição mais importante para a teoria da personalidade foi a

noção de inconsciente coletivo. Para Jung, as pessoas são o resultado de uma mescla

da história individual com experiências que são compartilhadas com toda a

humanidade. Essas experiências, guardadas em cada pessoa em forma de imagens que

ele denominou de arquétipos, influenciam as expectativas e o comportamento.

Durante a vida do indivíduo, o seu relacionamento com esses arquétipos vai

modulando o que se manifesta como personalidade;

c) Alfred Adler, que ressaltava a importância das forças sociais e conscientes.

Sentimentos de inferioridade são centrais na estruturação da personalidade,

identificando em cada ato psicológico o que ele chamou de luta pela superioridade,

que a iria desenvolvendo;

d) Karen Horney, que, como Adler, enfatizou o contexto social no desenvolvimento da

personalidade. Para ela, as soluções encontradas para a hostilidade que todo jovem

desenvolveria contra seus pais seria o motor do desenvolvimento de sua

personalidade;

e) Erik Erikson, para quem a personalidade se forma à medida que as pessoas passam por

oito fases psicossociais, havendo em cada qual um conflito a enfrentar e resolver. É no

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197

processo que envolve a solução desses conflitos que a personalidade vai se

estruturando.

Os teóricos baseados na teoria psicodinâmica usam vários instrumentos para acessar a

personalidade do indivíduo. Os principais são:

a) Entrevistas: é a mais comum. O método oferece insights durante a interação do

paciente com o entrevistador, relacionados a aspectos pessoais e privados da

personalidade. Tem a desvantagem de estar sujeito à manipulações e interferências dos

entrevistados e de depender de habilidades e tendências pessoais do entrevistador.

Esse foi um dos métodos utilizados como complemento no desenvolvimento da escala

“F” de autoritarismo por Adorno et al (1982);

b) testes projetivos: como os teóricos psicodinâmicos acreditam que as pessoas projetam

no mundo suas percepções, emoções e pensamentos, esses testes foram concebidos

para revelar esses conteúdos inconscientes. Assim, se for apresentado algo de

conteúdo ambíguo para o paciente, ele irá utilizar seus recursos para interpretá-lo,

revelando facetas escondidas de sua personalidade. Os testes projetivos mais

comumente utilizados são o teste de Rorschach, no qual as pessoas devem dizer o que

veem ao examinar 10 borrões de tinta; os testes de completar sentenças, quando a

pessoa é solicitada a completar fragmentos de sentenças; os testes de desenhos e

figuras, em que características pessoais são inferidas a partir de desenhos realizados

pelo examinado; e o Teste de Apercepção Temática (TAT), que envolve a invenção de

histórias, com base na observação de algumas figuras dadas.

B) Teorias fenomenológicas

Partem do princípio de que as pessoas estão continuamente atribuindo significados às

informações que adquirem, os quais estão sempre relacionados às suas experiências. Seu

principal representante é Carl Rogers, que, embora supusesse que a personalidade seria

modelada pela hereditariedade e pelo ambiente, considerava que os limites das pessoas (que

são autoimpostos) geralmente podem ser ampliados.

A mensuração da personalidade, na perspectiva fenomenológica, utiliza basicamente

entrevistas gravadas e testes de personalidade chamados “Técnica Q”. Esse teste é

classificado como “objetivo”, no sentido de que seus resultados, ao contrário dos testes

projetivos, independem de quem o administra ou analisa.

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198

C) Teorias behavioristas

Sua característica principal é a ênfase em rigorosos métodos científicos, incluindo

estudos com animais de laboratório. Afastam-se das outras linhas, pois, enquanto aquelas

procuram qualidades internas duradouras, os behavioristas se preocupam com ações

observáveis em situações específicas.

Um de seus teóricos mais importantes, B.F. Skinner, considerava a personalidade uma

ficção. As pessoas infeririam características que são subjacentes às ações dos outros, o que

estaria presente apenas aos olhos do observador. Mesmo aceitando que o comportamento

fosse um produto de forças genéticas e ambientais, Skinner enfatizava as explicações do

comportamento pelo condicionamento.

O estudo da personalidade nessa linha é feito tipicamente com experimentos e

observações de caráter quantitativo, que são realizados em alto número de indivíduos.

D) Teorias disposicionais, com dois representantes: as teorias dos traços e a dos tipos

Os traços referem-se a características singulares que incluem temperamento,

motivação, ajustamento, capacidade e valores. Seu principal representante, Raymond Catell,

coletou 18.000 palavras que descreviam pessoas, posteriormente reduzidas para 200 ao se

retirarem as repetições, e as submeteu a uma análise fatorial, identificando 16 grupos de

traços que foram considerados como dimensões básicas da personalidade. Esses traços seriam

relativamente estáveis durante a vida, parecendo estar relacionados à herança genética,

funcionando como blocos de construção da personalidade.

Os tipos referem-se à classificação de pessoas em categorias de personalidade, com

base em diversos traços relacionados. Ou seja, enquanto os traços seriam pequenas partes da

personalidade, os tipos seria toda a personalidade. Ainda nessa linha, William Sheldon e

colaboradores procuraram ligar o tipo físico à personalidade.

Entre os testes utilizados para mensurar a personalidade nessa linha, o mais importante

e um dos mais amplamente utilizados até hoje é o Minnesota Multiphasic Personality

Inventory (MMPI), que avalia uma série de características pessoais com ênfase em distúrbios

e anormalidades. Várias escalas para medir diferentes aspectos da personalidade foram

derivadas do MMPI. Uma limitação do teste é a sua necessidade de validação com a mudança

do contexto social e após períodos mais longos de tempo.

Entre as diferentes teorias de personalidade, Flores-Mendoza (2007) realça que a

maioria dos trabalhos científicos utiliza a teoria dos traços, enquanto os livros-textos usam

predominantemente as psicodinâmicas. O motivo mais provável dessa diferença parece estar

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199

no fato de que a teoria dos traços utiliza exclusivamente métodos quantitativos – que são os

preferidos para a realização de pesquisas cientificas – o que não acontece com as outras.

A escala a ser empregada na pesquisa também está enquadrada nesse grupo, que tem

como fundamento a teoria dos traços. Busca-se, a partir de agora, caracterizar os aspectos

mais importantes para a compreensão dessa escala para o argumento da pesquisa realizada.

3.4.3.2 A escala NEO-PI-R

Para McCrae (1982), traços de personalidade não constituem comportamentos ou

soma de comportamentos, mas “disposições globais e abstratas que resumem as tendências,

estilos e preferências dos indivíduos. Suas inferências requerem consideração do significado

do comportamento quanto às metas, motivos e valores da pessoa” (MCCRAE, 1982, p. 301).

Os métodos utilizados para esse tipo de investigação são os questionários, testes objetivos e as

histórias de vida.

O Revised Neo Personality Inventory (NEO-PI-R) está classificado entre os

questionários. Seu desenvolvimento teve início na década de 1970, a partir de modelos

desenvolvidos anteriormente e que eram os mais aceitos na comunidade científica – de modo

especial o modelo dos cinco grandes fatores (CGF), ou Big Five, como era conhecido na

literatura. O nome vem dos três primeiros domínios envolvidos no questionário – N

(neuroticismo), E (Extroversão) e O (abertura para experiências – openness) – acrescido de PI

(personality inventory). Na década de 1980 são reconhecidos os outros dois domínios – a

amabilidade (A) e a conscienciosidade (C).

Na década de 1990, foram também desenvolvidas escalas para mensurar as facetas de

cada um desses domínios, quando a escala passou então a se chamar NEO-PI-R (FLORES-

MENDOZA, 2007). A escala completa é composta de 240 itens, que avaliam 30 facetas que

se organizam em cinco dimensões (ou em seis facetas por dimensão).

A versão original foi traduzida inicialmente para o português de Portugal em 2000,

tendo sido essa versão adaptada à população brasileira para a produção da escala usada nesta

pesquisa. Essa última versão foi analisada e validada, sendo hoje a oficial no Brasil – e,

portanto, a que foi aplicada aos pesquisados neste estudo, como será detalhado no capítulo 4,

dedicado à metodologia utilizada na pesquisa.

Os resultados mais importantes, apresentados por Costa Jr. e McCrae (1988, 2007),

foram:

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200

a) Validade: (i) critérios externos - “em geral, esses dados trazem evidências positivas de

validade ao NEO-PI, uma vez que as associações estão próximas das encontradas em

estudos correlacionais do NEO-PI com variáveis de critério semelhantes aos da versão

americana” (COSTA JR.; MCCRAE, 2007, p. 70); (ii) validade convergente e

discriminante: “pode-se concluir que as evidências positivas de validade convergente-

discriminante dão suporte interpretativo aos construtos medidos pelas escalas do

NEO-PI-R (COSTA JR.; MCCRAE, 2007, p. 69).

b) Normatização: “[...] as escalas N, E e O têm distribuição praticamente normal. As

escalas A e C desviam ligeiramente da distribuição normal. O maior desvio ocorreu na

escala de amabilidade, na qual os escores tendem a se acumular mais à direita, com

pico mais elevado ao redor da média. Entretanto, esses índices indicam que, em geral,

a distribuição normal pode ser assumida (COSTA JR.; MCCRAE, 2007, p. 74).

c) Precisão e consistência: “todos os coeficientes dos fatores estão acima de .80 e,

portanto, podem ser considerados bastante adequados. [...] Pode-se concluir, portanto,

que as escalas do NEO-PI-R apresentam níveis adequados de precisão” (COSTA JR.;

MCCRAE, 2007, p. 70).

De modo muito sucinto, os domínios serão apresentados a seguir. Como cada domínio

possui seis facetas, estas serão também nominadas, sendo o seu significado apenas muito

sumariamente apresentado, pois não estão no foco da análise do material de pesquisa em

apreço. Todas as definições foram retiradas de Costa Jr. e McCrae (2007), já que esse é o

texto oficial de apresentação da escala. São eles: neuroticismo, extroversão, abertura a

experiências, amabilidade e conscienciosidade.

(N) Neuroticismo: contrasta ajustamento ou estabilidade emocional com o

neuroticismo (mau ajustamento). O núcleo desse domínio está na tendência a experimentar

afetos como medo, tristeza, vergonha, raiva, culpa e nojo. Indivíduos com altos escores nesse

domínio são propensos a apresentar ideias irracionais e de terem pouca habilidade para

controlar seus impulsos e lidar com o estresse; já os que apresentam resultados baixos tendem

a ser emocionalmente estáveis, calmos e capazes de enfrentar situações estressantes sem se

aborrecerem ou se perturbarem. As facetas, junto com o que representam, são as seguintes:

a) Ansiedade: relacionada a tensão, medo, sensação de apreensão e grande preocupação;

b) raiva/hostilidade: tendência a vivenciar a raiva como frustração e amargura;

c) depressão: diferenças individuais normais na experiência de um afeto negativo;

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201

d) embaraço/constrangimento: emoções relacionadas à vergonha e embaraço (é

semelhante àtimidez e à ansiedade social);

e) impulsividade: inabilidade de controle de anseios e ímpetos (não deve ser

confundidocom espontaneidade, ousadia e rapidez na tomada de decisões);

f) vulnerabilidade: suscetibilidade ao estresse e às agressões psicológicas.

(E) Extroversão: os traços mais importantes são os de sociabilidade, assertividade,

busca de excitação e estímulos. Escores altos são encontrados em pessoas alegres e bem

dispostas e o domínio também se relaciona a interesse por empreendedorismo. Já os escores

mais baixos são de mais difícil caracterização – talvez mais como ausência de extroversão do

que introversão. Também não há relação com introspecção e reflexão (estas últimas irão se

relacionar com o próximo domínio, o de abertura a experiências). As facetas aqui são:

a) Acolhimento caloroso: relaciona-se a afeto e amizade. É a mais próxima do domínio

A;

b) gregarismo: preferência pela companhia de outras pessoas, estimulação social;

c) assertividade: refere-se a dominância, liderança e independência (não deve ser

confundida com agressividade verbal);

d) atividade: agilidade, vigor, energia e necessidade de movimento;

e) busca de sensações: busca de excitação e estimulação;

f) emoções positivas: tendência a experienciar emoções positivas como alegria,

amor,animação.

(O) Abertura a experiências: os elementos desse domínio envolvem a imaginação

ativa, sensibilidade estética, atenção aos próprios sentimentos, preferência por variedade,

curiosidade intelectual e independência de julgamento. Os escores desse domínio estão pouco

relacionados à educação ou medidas de inteligência, mas há relação com aspectos da

inteligência, como o pensamento divergente – um aspecto que se relaciona com a criatividade.

Suas representatividades são:

a) Fantasia: imaginação vívida, vida fantasiosa ativa;

b) estética: grande apreciação de harmonia, gosto por diversas formas de arte e beleza;

c) sentimentos: receptividade após próprios sentimentos e emoções (tem a emoção como

parte importante da vida);

d) ações variadas: disposição para atividades diferentes e para o conhecimento de novos

lugares e situações;

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202

e) ideias: curiosidade intelectual, não apenas dos próprios interesses, mas também

abertura e disposição a considerar ideias novas (até mesmo as não convencionais);

f) valores: prontidão a rever valores (sociais, familiares, políticos, religiosos).

(A) Amabilidade: assim como a extroversão, essa é uma dimensão que se relaciona às

tendências interpessoais. É uma predisposição a se sensibilizar com a situação dos outros, a se

colocar no lugar deles – o que pode resultar em um comportamento de complacência. Os

aspectos e o que representam são:

a) Confiança: disposição a acreditar na honestidade e nas boas intenções dos outros;

b) franqueza: relaciona-se à própria sinceridade e à lealdade para com a verdade;

c) altruismo: preocupação ativa com o bem-estar dos outros; demonstração de

generosidade e disposição para a assistência a quem necessita de ajuda;

d) complacência: considera as reações aos conflitos interpessoais; tendência a deferir em

favor dos outros, evitando situações de ruptura;

e) modéstia: humildade, modéstia e pouca vaidade (não é baixa de autoestima);

f) sensibilidade: simpatia, compaixão, preocupação com o humano das questões sociais.

(C) Conscienciosidade: o autocontrole (que pode estar relacionado a um N alto)

também pode se relacionar a processos mais ativos de organização, planejamento e condução

de tarefas. Escores mais altos nessa dimensão pode se associar à escrupulosidade. Compõe as

facetas:

a) Competência: percepção de que é capaz, sensível, prudente e efetiva;

b) ordem: atitudes de organização, planejamento, preparação, metodismo;

c) senso do dever: cumprimento de obrigações sociais, morais ou éticas;

d) esforço por realizações: tendência a aspirar a altos níveis e atitudes para alcançá-los;

e) autodisciplina: habilidade de iniciar tarefas e conduzi-las até o fim,

independentemente de tédio, fastio ou outras distrações (não confundir com

impulsividade);

f) ponderação: tendência a pensar e deliberar cuidadosamente, antes de agir.

A versão brasileira da escala é apropriada para indivíduos com mais de 18 anos, mas

não há normas para pessoas com mais de 60 anos – o que limita a interpretação para as

pessoas desse grupo, e envolveu quatro indivíduos na pesquisa. O nível de instrução deve

corresponder a, no mínimo, o ensino médio completo e não deve ser aplicado a pessoas com

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203

alterações de consciência e julgamento (como em psicoses e demências) ou do nível

intelectual (como no retardo mental) (COSTA JR.; MCCRAE, 2007, p. 76).

Para a interpretação podem se utilizadas tanto a avaliação simples – observando-se

traços diferentes de modo isolado – como interpretações mais complexas, que vão depender

de mais conhecimento e experiência por parte do avaliador. Neste trabalho, pelo tipo de

abordagem utilizada, será utilizada a avaliação simples39

.

A princípio, serão considerados apenas os domínios para as comparações. Entretanto,

em função de aspectos relacionados ao que foi discutido na seção 2.4.2.2, uma das facetas

será utilizada também para as comparações: a modéstia, da amabilidade.

Nas ponderações sobre as facetas, apresentadas no manual do Neo-Pi-R (COSTA;

MCCRAE, 2007), encontra-se a seguinte observação referente à faceta modéstia, da

amabilidade: “baixos escores acreditam que são pessoas superiores e podem ser consideradas

presunçosas e arrogantes pelos outros. A falta patológica de modéstia é parte da concepção

clínica de narcisismo” (COSTA; MCCRAE, 2007, p. 85-86 – grifo nosso).

Em função desse aspecto, ela será utilizada nas discussões que envolvam o narcisismo.

3.4.4 Abordagens de liderança que consideram as características da personalidade

Como foi visto na seção conceitual, Khaleelee e Wolf (1996, p. 5) acreditam que o

diferencial do líder reside no fato de ele “ser capaz de suportar suas próprias incertezas e as

incertezas dos outros”. Essa resiliência é algo que é desenvolvido com a maturidade. De

acordo com a teoria psicoanalítica, a capacidade de tolerar a incerteza está muito ligada ao

desenvolvimento emocional da infância – como apregoa Melanie Klein (1946).

No seu artigo com o estudo de dois casos, os autores buscam demonstrar:

As demandas e frustrações da experiência de vida contribuem para o

desenvolvimento de mecanismos de defesa que vão influenciar a personalidade. A

natureza desses mecanismos de defesa afeta a capacidade do indivíduo em se manter

estável sob estresse e de tolerar as incertezas, o que é algo exigido pelas posições de

liderança (KHALEELEE; WOLF, 1996, p. 10).

Judge et al. (2002), em sua revisão sobre a personalidade e liderança, identificaram as

cinco dimensões abordadas pelo Neo-Pi-R como as mais adequadas para as pesquisas sobre

liderança. Em relação a cada uma, os autores se posicionaram:

39

Sob a responsabilidade de psicóloga que faz parte do grupo de pesquisa do NERHURT, regularmente inscrita

no Conselho Regional de Psicologia.

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204

Quanto ao neuroticismo: a revisão realizada por Bass (1990) mostrou que em quase

todos os estudos havia relação entre a autoconfiança – que está ligada a baixo neuroticismo –

e a liderança. Outra revisão, realizada em 1977 por Hill e Ritchie (apud JUDGE et al., 2002),

sugeriu que a autoestima – outro indicador de baixo neuroticismo – seria um fator preditivo

para a liderança. Além disso, Hogan, Curphy e Hogan (1994) apresentaram evidências de que

indivíduos neuróticos teriam menos probabilidade de serem percebidos (emergência) como

líderes.

Em se tratando da extroversão: na revisão de Bass (1990), os resultados da relação

entre a extroversão e a liderança foram inconsistentes. Mas no trabalho dos autores

responsáveis pelo Neo-Pi-R (COSTA; MCCRAE, 1988) a extroversão está fortemente

relacionada à liderança social. De acordo com Hogan, Curphy e Hogan (1994), a extroversão

estaria relacionada ao fato de ser percebido como líder. Outro autor citado por Judge et al.

(2002) - Gough (1990) - também encontrou que as duas facetas mais importantes da

extroversão – dominância e sociabilidade – também se relacionavam à classificação do

indivíduo como líder, tanto própria como por parte de outros. Como resultado, Judge et al.

(2002) entendem que a extroversão deva se relacionar tanto à emergência como à efetividade

da liderança – embora seja mais forte a relação com a emergência;

No tocante à abertura: na revisão de Bass (1990), a originalidade – uma marca da

abertura – encabeçava a lista. Para Yukl (2002), a criatividade – também uma faceta da

abertura – é uma das habilidades esperadas do líder. Assim, também a abertura deve estar

positivamente relacionada tanto à emergência quanto à efetividade da liderança.

Na amabilidade: para Bass (1990), a disposição para cooperação tende a se relacionar

à liderança. Mas indivíduos agradáveis tendem a ser modestos e a modéstia excessiva não é

um traço esperado para o líder (BASS, 1990). A necessidade de afiliação, que também é

considerada um aspecto da extroversão, foi negativamente relacionada à liderança por Yukl

(2002). Assim, para Judge et al. (2002), há evidências ambíguas sobre a relação da

amabilidade com a liderança.

A respeito da conscienciosidade: na revisão de Bass (1990), “a competência para

tarefa resulta em esforços para liderar, o que deve provavelmente resultar em sucesso para o

líder, efetividade para o grupo e em reforço de tendências” (BASS, 1990, p. 109). Como a

conscienciosidade está positivamente relacionada ao desempenho da tarefa, ela deve se

relacionar à efetividade do líder. Além disso, como indivíduos conscienciosos são mais

persistentes e como a persistência está relacionada à liderança, Jugde et al. (2002) acentuam

que a conscienciosidade está positivamente relacionada à efetividade da liderança.

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205

Na revisão conduzida na literatura publicada até o ano 2000, Judge et al. (2002)

identificaram que: a extroversão foi o domínio com a maior correlação com a liderança; a

amabilidade mostrou a correlação mais fraca; as demais facetas mostraram correlação

positiva, menos intensa que a extroversão; e o neuroticismo não foi um bom preditor de

liderança na análise multivariada.

Os autores concluíram:

Depois da extroversão, a conscienciosidade e a abertura a experiências foram os

correlatos mais fortes e consistentes com a liderança. A conscienciosidade foi o

segundo correlato mais forte com a liderança e, na análise multivariada (utilizando

correlações N-ponderadas), foi o maior preditor de liderança em duas de três

regressões. A consciensiosidade foi mais fortemente relacionada à emergência de

liderança do que à efetividade da liderança; as atividades de organização de

indivíduos conscienciosos (por exemplo, tomar notas, facilitar processos) podem

permitir que esses indivíduos emerjam como líderes. Dos cinco grandes traços, a

abertura a experiências é o mais controverso e menos entendido (JUDGE et al.,

2002, p. 773).

A investigação de Judge e Bono (2000) teve o intuito de relacionar alguns traços de

personalidade, expressos no modelo dos cinco fatores, com a liderança transformacional. As

hipóteses investigadas eram de que a extroversão, a abertura a experiências e a amabilidade

estariam positivamente relacionadas à liderança transformacional, enquanto o neuroticismo se

relacionaria negativamente a esse tipo de liderança. Como resultado, apuraram que, das cinco

dimensões, a amabilidade foi a que se relacionou de modo mais intenso à liderança

transformacional, apesar de a extroversão e a abertura a experiência também terem mantido

relação estatisticamente significativa. No entanto, em todas as três dimensões as correlações

foram de baixa magnitude. O neuroticismo e a conscienciosidade não mostraram qualquer

relação, positiva ou negativa, com a liderança. Os resultados revelaram que essas dimensões

da personalidade não parecem predizer bem a liderança transformacional em um indivíduo.

3.4.5 Liderança, personalidade e participação política

Como o estudo empírico conduzido na pesquisa desta tese envolveu líderes de

organizações de caráter associativo – e que, por esse caráter, costumam ser escolhidos com

base em um processo político –, não se pode deixar de apresentar pesquisas que tiveram como

foco essa associação entre os aspectos de personalidade e a liderança escolhida por processo

político.

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Entre diversas linhas de abordagem possíveis, e para se manter a consistência teórica

da pesquisa, foi feita a escolha por autores ou que estivessem identificados com os

frankfurteanos ou que tivessem sido por eles citados (seja pelo tipo de metodologia, seja pelo

tipo de abordagem e de resultado alcançado) – de modo especial, os que tenham sido

mencionados por T. Adorno.

Um autor que se enquadra nos critérios apresentados é Harold Lasswell (1963), que

tanto consta da bibliografia da Authoritarian personality (ADORNO et al., 1982) como foi

citado em algumas das aulas de introdução à sociologia, proferidas por Adorno (2008a).

Na década de 1930, Lasswell (1963) realizou uma pesquisa com a finalidade de

entender o percurso político de alguns líderes a partir de suas histórias de vida. Sua

dificuldade inicial foi o local onde obter histórias de vida que deixassem de lado os

convencionalismos, com informações que fossem recolhidas e organizadas por especialistas

nas influências sociológicas, psicológicas e somáticas que atuam sobre o indivíduo. A escolha

recaiu sobre instituições psiquiátricas, pela forma como as informações eram recolhidas por

um corpo multidisciplinar de especialistas.

As informações foram obtidas tanto diretamente do examinado, em várias fases de

evolução de sua vida médica, como por intermédio de seus parentes – além de incorporar

outros documentos importantes como cartas, desenhos, pinturas ou outras produções plásticas.

Segundo o próprio autor, Lasswell (1963) não teve com esse trabalho o propósito de mostrar

que os políticos seriam insanos. Seu objetivo principal foi mostrar o perfil de

desenvolvimento de diferentes homens públicos, sendo o patológico algo de secundário na

pesquisa.

Para atingir o objetivo traçado, começa por desenvolver uma tipologia baseada em

termos que retira da linguagem popular, complementado por tipos delineados por estudiosos

da cultura, buscando um termo comum entre as duas descrições. Faz ainda uma distinção para

o uso do termo “político” nos sentidos “institucional” e “funcional”, dependendo do contexto

de seu uso, ainda que considere que as contribuições ao entendimento de um sentido

terminam por influenciar o entendimento do outro.

A partir da visão funcional, ele identifica o líder político como sendo um indivíduo

que está presente em qualquer lugar onde as vontades estejam em conflito, o que implica que:

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Manifestações intensamente políticas da sociedade não estão confinadas aos

funcionários do governo e aos partidos, mas envolvem firmas bancárias, fábricas,

serviços de distribuição, organizações eclesiásticas, associações e sociedades

profissionais. É possível que indivíduos mais agressivos, mais ávidos de poder, na

sociedade moderna, encontrem seu caminho nos negócios e fiquem fora das

legislaturas, dos tribunais, da administração pública e do serviço diplomático. Se

isso é verdade, o estudioso das personalidades políticas encontrará seu objeto mais

interessante em J.P. Morgan & Cia, U.S. Steel Corporation, políticos empregados,

educadores ou médicos (LASSWELL, 1963, p. 56).

Os “tipos” construídos por Lasswell se assentam numa base tríplice de relações:

a) O tipo que chamou de nuclear, fundado no conceito de “homem de poder”, que leva

em consideração o político como sendo aquele cujo valor principal é a busca pelo

poder. A essência de seu poder é entendida como a capacidade, e habitualmente a

vontade, de impor aos outros seus próprios valores, como motivos permanentes ou

transitórios. Esse “homem de poder” pode ser diferenciado nos tipos “administrador”,

“agitador” e “teórico”, cada um dos três subdivididos entre “especializados” ou

“múltiplos”;

b) os tipos chamados correlacionais, que são encontrados a partir de referências dos tipos

nucleares a situações específicas (como, por exemplo, se o exercício de poder se

relaciona a uma estrutura hierárquica);

c) a de tipo evolutivo é desenvolvida a partir do lugar destinado ao homem político nos

principais sistemas caracteriológicos modernos, subdividida entre duas polaridades em

cada dimensão: sexualidade (masculino, feminino), psicomotilidade (sádico,

masoquista), emocionalidade (hiper ou hipoemotivo), moralidade (moral, imoral),

intelectualidade (superior, inferior) e elementos acessórios (altruísta, egoísta)

(LASSWELL, 1963).

Usando a teoria de desenvolvimento da personalidade a partir de Freud, Lasswell

(1963) criou uma fórmula que sumariza a sua visão de desenvolvimento do homem político,

expressa da seguinte forma:

p } d } r = P

Sendo:

P = homem político

p = motivos privados: organizados em relação à sua constelação familiar e ao seu Ego;

d = deslocamento dos motivos privados e objetos familiares para os objetos públicos;

r = racionalização do deslocamento, como se dando em função do interesse público;

} equivalendo ao termo “é transformado em”.

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Para Lasswell (1963), p é comum a todos os homens. O que diferencia o político é d e

r. A pergunta, então, seria: de que dependem o deslocamento e a racionalização?

A resposta é que a seleção de certos objetos públicos depende do “acidente histórico”

que o ambiente do indivíduo lhe oferece nas fases críticas de seu desenvolvimento. Pode-se

predizer que há mais políticos em famílias com tradição política, mas essa conclusão é

simplista e não explica muita coisa.

O que Lasswell procurou descobrir foi “a diversidade de circunstâncias motivadoras

que levam o indivíduo a adotar, rechaçar ou modificar modelos de atos e palavras que lhe são

oferecidos em seu ambiente” (LASSWELL, 1963, p. 84). A ideia aqui se refere aos aspectos

motivadores, como apresentado na teoria contingencial de liderança.

Após a sua pesquisa com estudo de casos, divididos inicialmente por suas “relações

nucleares” (administrador, agitador e teórico), Lasswell (1963) conclui que as interpretações

de fatos observados, em termos de tendências, podem se dividir em cinco classes principais,

que dependem da natureza da relação entre a situação postulada e a terminal (ocorrida) e são:

a) Aproximação ou realização de metas que são comunicadas pelo sujeito: pode-se

confiar em alguém que diz que vai tomar um trem, se o vemos correndo em direção à

estação;

b) graus de aproximação de acontecimentos subsequentes que são realmente observados:

a solicitude de alguém pela saúde e bem-estar dos mais necessitados de seu município

é compreendida pela sua subsequente campanha a candidato a deputado;

c) os acontecimentos da personalidade são a reiteração de situações terminais que já

haviam sido observadas: ficar na cama depois de acordar pela manhã, sempre que

existem problemas a serem enfrentados, pode ser interpretado como a reativação de

um impulso psíquico anterior de ficar quieto e esperar ser atendido por alguém;

d) acontecimentos da personalidade podem ser aproximações de acontecimentos

terminais “normais”, observados na categoria cultural ou biológica do indivíduo;

e) acontecimentos da personalidade podem ser interpretados em função de uma situação

terminal “extrema” para os membros da espécie ou de uma cultura: os atos de alguém

podem ser vistos como uma aproximação do suicídio, homicídio ou incesto.

Genericamente falando, a investigação dos componentes inconscientes do “agitador”

mostrou para um grupo a tendência a obter satisfação na condução de amplos auditórios em

função de sua necessidade de obter afeto e respeito e, para outro, uma motivação na

necessidade de condenar o outro, considerando condenação como a aplicação de uma norma,

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proclamando e denunciando o afastamento desta, em uma visão entre o justo e o injusto. Essas

pessoas são vistas pela investigação psicoanalítica como impulsionados pela culpa, para a

qual buscam alívio a partir de mecanismos como a projeção sobre outros de características

suas que rejeita (LASSWELL, 1963).

Já os “administradores” foram considerados ávidos de gratificação por parte dos

outros. A predileção do tipo “burocrata” pela rotina estava ligada à sua luta interna por

controlar impulsos destrutivos. No tipo mais orientado aos negócios, foi evidente a orientação

primordial para ganhar dinheiro, alimentando seus negócios privados com os ganhos no

governo. Na análise de sua personalidade ficava evidente que sua motivação era orientada

para consolidar sua segurança pessoal e de sua família. Além de afeto e respeito, lhes

importava o bem-estar, alcançado pela saúde, segurança e conforto (LASSWELL, 1963).

No caso do “teorizador”, o peso maior estava no conhecimento e na capacidade.

Observou-se que muitos desses indivíduos haviam enfrentado muitas frustrações quando

muito jovens. E, em alguns casos, a motivação para o poder estava na superfície e tomava a

forma de apego a um político sobre o qual o sujeito esperava exercer influência.

Lasswell (1981) estende a sua abordagem em um trabalho posterior, no qual discute os

resultados do trabalho de Adorno et al. (1982). Nesse trabalho, o autor observa criticamente

que, em The Authoritarian Personality, não se estudou o comportamento político dos sujeitos,

por não contar em sua amostra com a elite ativa dos partidos, “deixando uma lacuna entre a

concepção de personalidade autoritária e a demonstração de que tais fatores de personalidade

exercem importante efeito seletivo na escolha de papéis de interesse particular aos cientistas

políticos” (LASSWELL, 1981, p. 203).

Seria plausível considerar que o sujeito autoritário, sendo pessoa centrada no poder –

como descrito na The Authoritarian Personality –, em períodos de crise venha a desempenhar

papéis de liderança na sociedade e que, “se essa hipótese for verificada em pesquisas futuras,

a concepção de personalidade autoritária contribui muito para refinar o modelo teórico de

homo politicus a ser investigado” (LASSWELL, 1981, p. 204).

Baseando-se nas hipóteses da The Authoritarian Personality, Lasswell (1981) elabora

uma teoria sobre a origem e o desenvolvimento da personalidade centrada no poder, tentando

explicar a ligação entre personalidade e participação política, definida como aquisição e

exercício de papéis no processo social.

Para esse autor, o “incidente que precipita o desenvolvimento de uma pessoa centrada

no poder” é dado pelo conceito de “experiência de privação”, entendida como privação de

valores – afeição, poder, respeito, riqueza, bem-estar, etc –, semelhante à hipótese de Frenkel-

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210

Brunwik (uma das autoras de The Authoritarian Personality), que tinha como hipótese que

perdas sérias de qualquer um dos valores do indivíduo poderia estar na origem das defesas.

Dessa forma, circunstâncias traumatizantes, como determinadas perdas (como, por exemplo, a

de status social), originam uma defesa ativa, a menos que as privações sejam tão grandes que

destruam completamente a autoconfiança (CARONE, 1995).

O que Lasswell (1981) verificou foi que, na história de países que possuem

instituições democráticas, os líderes políticos têm o poder como uma coordenada ou valor

secundário, em comparação com outros valores como respeito (popularidade), retidão

(reputação de servidor do bem comum) e riqueza (um meio de vida, o foco é em enriquecer).

Essa hipótese de Lasswell (1981) está de acordo com os resultados obtidos em outra

pesquisa, que utilizou a escala F de Adorno para analisar a liderança política nas forças

armadas (HOLLANDER, 1954). Nessa pesquisa, contrariamente às expectativas do autor,

numa instituição onde os princípios de autoridade e hierarquia não podem ser questionados –

as Forças Armadas –, os indivíduos não autoritários foram preferidos aos autoritários como

líderes. Não se registrou conexão necessária entre a síndrome autoritária (traço de

personalidade, como definido em The Authoritarian Personality) e o “autoritarismo” ou

comportamento autoritário como exercício da autoridade de lideranças políticas, educacionais,

militares, etc.

Hollander (1954) também faz outro achado interessante: ao contrário do que ele

esperava para uma instituição militar, os indivíduos que foram considerados pelos

pesquisados como sendo as melhores lideranças foram justamente os que apresentaram

índices mais baixos de autoritarismo, expresso pela escala F, tanto para os pesquisados que

apresentaram índices “altos” como “baixos” em autoritarismo pela mesma escala. Ou seja, o

grau de autoritarismo do pesquisado não interferiu no resultado, que foi a escolha de líderes

menos autoritários.

Esse resultado, entretanto, não está em conformidade com o encontrado em outra

pesquisa realizada pelo autor desta tese (VILELA, 2008; VILELA; CARVALHO NETO;

LOPES, 2010). No presente estudo, aplicando-se uma escala de autoritarismo baseada na

escala F, indivíduos escolhidos para exercerem cargos na diretoria de empresas apresentaram

nível de autoritarismo inferior ao dos que exerciam cargos de nível gerencial. No entanto, os

escolhidos para exercerem cargos de diretoria em cooperativas – portanto, lideranças

políticas, escolhidas através do voto – expressaram nível de autoritarismo não só superior ao

dos indivíduos de nível gerencial das mesmas cooperativas, como também superior a todos os

demais (gerentes e dirigentes de empresas). Ou seja, o tipo de liderança – “político”, para

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211

diferenciar do tipo que Lasswell denominou de “administrador” – interferiu no resultado da

pesquisa.

Em trabalho com estudantes, Mussen e Wyszinski (1952) avaliaram a relação entre

autoritarismo e participação política, traçando perfis psicológicos de indivíduos ativos e

apáticos politicamente. Como resultado, concluíram para os politicamente ativos que:

Uma das características marcantes do indivíduo politicamente ativo é o seu esforço

de autocompreensão, sua consciência, exame e aceitação de suas emoções e

sentimentos, incluindo os de inadequação e inferioridade. Sua consciência e

orientação sociais ficam aparentes em sua ênfase na oferta de amor e contribuição

social, respeito pelos direitos e sentimentos alheios e admiração por cientistas

sociais e líderes políticos liberais (MUSSEN; WYSZINSKI, 1952, p. 80).

Já o politicamente indiferente foi descrito como alguém que:

Parece ser geralmente passivo, insatisfeito e geralmente ameaçado e embora dê

evidências de ser fundamentalmente hostil, não aceita seus impulsos hostis. Ao

contrário, parece ser completamente submisso e não desafiador contra autoridades,

rígido e incapaz de desfrutar de experiências emocionais profundas. Ele enfatiza

valores convencionais como obediência, boas maneiras e etiqueta social. Em

conformidade com convenções sociais, recusa a se tornar cônscio de sentimentos

profundos e submissão, tudo isso podendo ser instrumentos que ajudam indivíduos

apáticos a lidar com suas inseguranças básicas, no que ele identifica como um

ambiente ameaçador (MUSSEN; WYSZINSKI, 1952, p. 80).

Os autores acrescentaram que não existiam diferenças significativas entre os dois

grupos quanto ao etnocentrismo, antissemitismo e fascismo potencial, indiscriminadamente

ocorrendo em qualquer espécie de ideologia ou orientação política. E ressalvam que o estudo

apenas utilizou escalas para medir predisposição e potencialidades autoritárias, sendo que

seria necessário uma outra avaliação do comportamento efetivo nesse sentido, o que poderia

ainda revelar diferenças significativas entre os dois grupos (CARONE, 1995).

3.4.6 Liderança emergente, sua relação com a personalidade e com a inteligência

Hogan, Curphy e Hogan (1994, p. 496) exploram esse tema no contexto em que

levantam a seguinte pergunta: por que escolhemos líderes tão ruins?

Na visão dos autores, escolhe-se mal porque, apesar das pesquisas sobre características

dos indivíduos que podem favorecer a liderança, elas são pouco utilizadas. E a simples

percepção de que um indivíduo teria um “jeito de líder”40

resultaria em falhas na efetiva

40

Tradução livre para leaderlike.

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212

atuação no papel de liderança em cerca de 50 a 60% das vezes. Daí se tratar do tema

emergência de liderança e liderança implícita no âmbito da percepção para a liderança

potencial.

As características de personalidade identificadas como facilitadoras para a liderança

podem ser observadas nas pesquisas relacionadas a duas categorias: a liderança emergente e a

liderança implícita. Mas os próprios autores têm dúvidas sobre se isoladamente apenas a

aferição de características de personalidade poderia ser utilizada como um bom preditor de

sucesso da liderança (HOGAN; CURPHY; HOGAN, 1994).

Já na primeira edição da hoje clássica obra de Stogdill (1974), em 1948, esse autor

fazia referência a características de personalidade que poderiam ser consideradas facilitadores

para a emergência da liderança em vários tipos de grupos não estruturados – entre os quais se

citam a extroversão, a sociabilidade, ambição, responsabilidade, integridade, autoconfiança,

controle emocional e de humor, diplomacia e disposição à cooperação. E, de acordo com

Hogan, Curphy e Hogan (1994), em sua revisão de 1974, as características de personalidade

apresentadas por Stogdill (1974) já podiam ser facilmente enquadradas no modelo de cinco

dimensões, que é o utilizado neste trabalho.

Autores que usaram outras escalas chegaram a conclusões semelhantes. Entre eles,

destacam-se: o trabalho de Gough (1990) que, com a aplicação do Inventário Psicológico da

Califórnia, identificou que as escalas de dominância, capacidade de status, sociabilidade,

presença social, autoaceitação, realização por meio da independência (relacionada com

estabilidade emocional) e empatia correlacionavam-se positivamente com a emergência da

liderança em grupos de discussão sem líderes; o de Zacaro et al. (2004), que mostrou que a

capacidade de controlar emoções estaria positivamente relacionada à emergência da liderança;

e a metanálise de trabalhos anteriores, realizada por Lord, De Vader e Alliger (1986), para

estimar as correlações entre traços de personalidade e a emergência de liderança, o qual

revelou correlação de 0,50 entre inteligência e emergência de liderança.

Já a teoria sobre a liderança implícita é apresentada inicialmente no trabalho de

Hollander e Julian (1969). O pressuposto aqui é o de que pessoas com certas características

pessoais – relacionadas a inteligência, personalidade ou valores – poderiam ser vistas por

outras como podendo ser líderes, quando essas características são congruentes com as noções

preconcebidas dessas pessoas sobre como deve ser um líder. De acordo com Hogan, Curphy e

Hogan (1994), muitos desses atributos preconcebidos também podem ser identificados no

modelo de cinco dimensões.

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213

Ilies, Gerhardt e LE (2004), investigando liderança emergente, realizaram metanálise

sobre a relação entre habilidade, traços de personalidade e a emergência da liderança e

estimativas comportamentais da possibilidade de que esses traços tivessem alguma influência

genética.

3.4.7 A personalidade do liderado

Os pesquisadores, já entre as décadas de 1980 e 1990, começaram a mudar o foco na

abordagem das relações de liderança, antes colocado apenas no líder, para incluir também os

liderados. Dois autores pioneiros nessa linha foram Lord (1985) e Lord, De Vader e Alliger

(1986), em suas pesquisas voltadas para o processamento de informações pelas pessoas, e

Meindl (1995) e Meindl, Ehrich e Dukerich (1985), que em sua perspectiva fundada no

construcionismo social propuseram o que chamaram de “romance da liderança”, numa

abordagem que o autor mesmo chamou de “centrada no liderado”41

. Ainda na década de 1990,

Sogunro (1998) salientou:

A ênfase está rapidamente mudando da ideia de que a efetividade da liderança é

influenciada unilateralmente por características da personalidade do líder para a

noção de que a efetividade da liderança é influenciada bilateralmente pela dinâmica

das características de personalidade tanto do líder quanto dos membros do grupo

(SOGUNRO, 1998, p. 26)

O motivo apresentado pelo autor é o mais óbvio: não existe liderança sem liderado(s).

O que se observa em muitos dos trabalhos realizados, nesse momento já na perspectiva

da liderança transformacional como sugerida por Bass (1985), é a detecção da necessidade de

examinar o papel da personalidade do seguidor na percepção do líder como transformacional

e na aceitação desse estilo de liderança (SCHYNS; FELFE, 2006).

Considerando que as lideranças transformacional e carismática são frutos de um

processo de relacionamento entre líder e liderado (GARDNER; AVOLIO, 1998) e que, por

isso, é a percepção do liderado que diz algo sobre o líder, alguns autores resolveram explorar

os aspectos de personalidade relativos do liderado, que poderiam influenciar nessa relação –

uma vez que a percepção pode ser influenciada por características individuais de quem

percebe.

Alguns dos primeiros autores a enfrentar o tema sob a ótica teórica, ainda na década de

1990, foram Klein e House (1998) – nesse momento com foco na liderança carismática. Os

41

Tradução livre de “follower-centric theory”.

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214

autores trabalhavam com três hipóteses: a de que os seguidores de líderes carismáticos

deveriam ser vulneráveis ou estariam buscando uma direção ou um sentido psicológico para a

vida – o que foi chamado de seguidores “fracos”; também poderiam se sentir confortáveis,

compatibilizando-se com o estilo do líder – o que seriam seguidores “fortes”; ou, ainda, havia

a possibilidade de que não diferissem de seguidores de líderes não carismáticos (KLEIN;

HOUSE, 1998, p. 5).

Motivados por essas questões, Ehrhart e Klein (2001) realizam uma pesquisa empírica

para testar alguns dos pressupostos para o comportamento do liderado, como têm sido

apresentados na literatura:

a) Os liderados vão diferir em resposta a um mesmo comportamento do líder – o que é

conhecido desde a teoria path-goal de House e Mitchel (1974);

b) preferências e reações a diferentes tipos de líderes baseiam-se em atração de

similaridades (de atributos e valores do líder) e necessidade de satisfação, quando o

indivíduo percebe que os líderes vão responder às suas necessidades;

c) as preferências por determinado estilo de liderança podem predizer a sua resposta ao

trabalhar com aquele tipo de líder;

d) a descrição e avaliação de seu líder constituem um preditor de resultados

organizacionais (como satisfação do empregado, intenções e efetivação de turn over e

performance, como se sabe desde Bass (1990).

De acordo com Schyns e Felfe (2006), existem evidências para se considerar que

seguidores que percebem características no líder que classificariam como transformacional

devem ter com esse líder algumas características em comum, como:

a) O líder como protótipo do grupo, como pode ser encontrado no trabalho de Hogg

(2001): proposta que pode ser resumida dizendo-se que líderes que possuem atributos

de personalidade que podem ser considerados prototípicos da personalidade dos

membros do grupo exercem mais influência sobre esse grupo do que outros líderes

exerceriam. Ideia que Schyns e Felfe (2006, p. 524) sumarizam do seguinte modo:

“seguidores individuais que percebem seu líder como prototípico – ou, nesse contexto,

seria mais apropriado dizer representativo – deles próprios perceberão mais a liderança

carismática ou transformacional”. Esse aspecto foi testado em um estudo empírico

conduzido por Salter et al. (2009), cujo resultado revelou significativa relação entre

respondentes afiliados a partidos políticos e a classificação da liderança

transformacional realizada por questionário;

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215

b) de acordo com Meindl (1995), a percepção de carisma é contagiosa: o que quer dizer

que a percepção de um pode contagiar a percepção de outros. Ou, conforme Schneider

(1998), seguidores com personalidade semelhante tendem a concordar mais em sua

percepção sobre o líder do que seguidores com características de personalidade muito

diferentes. O carisma, desta forma, se espalharia do líder para membros do grupo e no

grupo entre os seus membros;

c) para Watson, Hubbard e Wiese (2000), indivíduos tendem a ver os outros como

similares a si mesmos. A partir desse pressuposto, Schyns e Felfe (2006) inferem que

seguidores que possuem características de personalidade em comum com líderes

transformacionais devem perceber ainda mais a liderança transformacional em seus

líderes.

A partir desses três modos propostos de influência de percepção, os autores

conduziram uma investigação que obteve o seguinte resultado: seguidores com altos níveis de

extroversão na escala Neo-Pi-R tendem a perceber líderes que também possuem essa

característica de personalidade – a qual, como foi visto na seção anterior, relaciona-se

positivamente à liderança transformacional – como sendo líderes transformacionais. O

resultado foi apresentado da seguinte forma: “nesta amostra também foi confirmada a

observação do efeito da personalidade dos seguidores na percepção da liderança

transformacional” (SCHYNS; FELFE, 2006, p. 532). Isso traz, como implicação prática, que

o conhecimento de que a percepção de um estilo de liderança está submetido a um viés

relacionado à personalidade pode ajudar os líderes a entender certas reações de seus liderados.

Judge et al. (2002) conduziram metanálise para estudar a relação entre traços de

personalidade e satisfação com o trabalho, identificando relação negativa com o neuroticismo

e positiva com a extroversão e abertura a experiências.

Smith (1996, p. 200) também defende a ideia de que, para serem bem-sucedidos, os

líderes “devem prestar muita atenção às situações nas quais a opção mais efetiva é a de seguir

– não porque a hierarquia determina que eles obedeçam, mas porque um bom desempenho

requer que eles dependam das capacidades e insights de outras pessoas”.

3.5 Abordagens críticas e pós-estruturalistas da liderança

Liderança é uma defesa social cujo foco central é reprimir necessidades

desconfortáveis, emoções e desejos que emergem quando as pessoas esforçam-se

por trabalhar juntas (GEMMILL; OAKLEY, 1992, p. 114).

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216

De acordo com Zoller e Fairhurst (2007), o fato de o tema liderança ser abordado no

mainstream na ótica gerencial tem como consequência atribuir a esse construto uma

característica individualista de crença no poder isolado de um indivíduo (GRONN, 2002). A

consequência natural é adotar-se uma ótica de efetividade gerencial, e não de uma crítica

social.

Chen e Meindl (1991) já haviam chamado a atenção para o fato de que a liderança,

como construto social, tem sua compreensão modulada pelas interações sociais, estando por

isso aberta às forças institucionais que criam e disseminam informações sobre negócios.

Considerando a mídia de massa como um fator poderoso para conformar o mundo

social, influenciando a forma como os indivíduos percebem o mundo, determinado o que é

importante discutir, transmitindo informações e conhecimento e reforçando ou modificando

crenças existentes, ela adquire importante papel na construção da realidade social – e,

consequentemente, da ideologia (CHEN; MEINDL, 1991).

Para Ford (2010), a literatura sobre liderança tem utilizado esse conceito como uma

forma de panaceia, com potencial de resolver vários dos problemas das organizações. Existe

uma aceitação acrítica de que o que as organizações precisam é de líderes mais eficazes, sem

que se possa ter ideia do que isso significaria na prática. O que a autora se ressente é da falta

de abordagens críticas que utilizem abordagens interpretativas levando em consideração

experiências individuais, relações de poder, além das questões de gênero – que incluem o que

chamou de “pressupostos masculinos de atributos de liderança” (FORD, 2010, p. 49). E,

como um corretivo para essa situação, propõe priorizar pesquisas qualitativas que levem em

consideração o contexto.

Apesar de boa parcela das teorias sobre liderança afirmar que não existe a liderança

sem o liderado, e que mais importante do que estudar o líder seria o estudo da relação entre

líderes e liderados, Collison acredita que os pesquisadores do mainstream continuam

trabalhando a partir de pressupostos funcionalistas, concentrando as pesquisas nas pessoas de

líderes efetivos e bem-sucedidos, no sentido dos resultados organizacionais a eles atribuídos.

Com esse pressuposto, eles desconsideram o relevante papel que o liderado pode exercer no

processo.

O problema, para Collinson (2005), é que muitos dos autores que reconhecem a

insuficiência e a parcialidade dessa visão acabam por adotar um tipo de abordagem que

mantém o dualismo, mudando apenas o polo, sugerindo, como fizeram autores como Meindl

(1995), focar-se no seguidor.

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217

As ponderações que partem do pressuposto de que existe convergência entre os

interesses de líderes e de liderados tendem a desconsiderar que os mecanismos de controle

utilizados por líderes e as relações assimétricas de poder são manifestações não problemáticas

da estrutura de autoridade. E que a resistência seria algo de anormal ou de irracional nessas

relações (COLLINSON, 2005).

A relação entre liderança e o exercício de poder não passou despercebida por autores

funcionalistas. Bennis e Nanus (1988), por exemplo, ao estudarem as mais de 350 definições

de liderança produzidas pela academia até a década de 1980, identificaram, em comum a

todas elas, estreita correlação entre os conceitos de liderança e poder, mas não avançaram,

como fez Gordon (2002, 2010), no reconhecimento de que os antecedentes que marcam o

panorama histórico das relações de poder são cruciais para a compreensão das relações de

liderança.

Smircich e Morgan (1982) também discutem como os líderes exercem o controle a

partir do “gerenciamento de sentido”, mecanismo do qual se utilizam para retirar poder dos

liderados.

3.5.1 Liderança e história de vida

Os líderes ou criam sua própria história ou usam as histórias que já existem na

cultura [...] aprimorando-as ou revisando-as de algum modo. Se os líderes querem

ser efetivos, eles devem incorporar a história de suas próprias vidas. Líderes contam

histórias sobre muitas coisas, mas a história essencial é aquela que (re)define a

identidade dos membros da audiência (GARDNER, 1996, p. 112).

Para Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005, p. 17), a narrativa presume que “o que uma

pessoa sente, pensa e age forma um “sistema de significados” que permite a ela analisar e

interpretar a realidade de modo a conceder-lhe um significado pessoal” e que as narrativas

não devem ser um registro de fatos, mas “um sistema de concessão de significado, que

confere sentido à massa caótica de percepções e experiências da vida” (JOSSELSSON apud

SHAMIR; DAYAN-HORESH; ADLER, 2005, p. 17).

Ainda segundo Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005, p. 17), compreender a vida em

termos de uma história coerente “implica iluminar algumas partes e participantes e ignorar ou

esconder outras. Isso não significa que narradores de histórias de vida mentem

deliberadamente, apesar de fazê-lo ocasionalmente”. Essas histórias expressam a identidade

do narrador, a qual resulta da relação entre a experiência e a história organizada da

experiência. A identidade seria então o produto das histórias que foram criadas, contadas,

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218

revisadas e recontadas durante o percurso da vida. O narrador, nesse processo, não somente

narra, mas justifica. Uma outra implicação importante desse processo é que, na narrativa,

tanto o início da história indica o fim, como o fim se relaciona com o princípio (SHAMIR;

DAYAN-HORESH; ADLER, 2005).

Mas não é apenas a própria história o que deve ser contado pelo líder: frequentemente

ele se utiliza de histórias existentes na cultura, pois as histórias mais eficazes são as simples,

uma vez que, de acordo com Gardner (1996), mentes com pouca escolaridade não toleram

sutilezas, ambiguidades, paradoxos e relativismos. É provavelmente nesse aspecto que se

assenta a diferença entre o que Gardner (1996) chamou de líderes diretos e líderes indiretos.

Os líderes indiretos seriam aqueles que criam algo – produtos ou teorias – que afetam de

modo significativo a vida das pessoas, como fizeram Einstein ou Steve Jobs, mas cuja história

é sofisticada e que, por isso, vão exercer a sua influência nos meios em que a expertise é um

pressuposto importante. Já os líderes diretos têm o seu discurso fora das fronteiras das

disciplinas, falam a plateias mais numerosas, mais heterogêneas e menos educadas e por isso

devem ter um discurso mais simples. Para esse autor, somente em situações pontuais

discursos com alto nível de complexidade, como o de Mahatma Gandhi, atingem plateias mais

extensas.

Em relação à história da própria vida, espera-se que sejam narrativas construídas para

explicar como se desenvolveu o papel representado pelo líder e o seu autoconceito, que inclui

sua identidade, o que, em geral, envolve também a história de seu autodesenvolvimento. Essa

narrativa poderia, segundo Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005), desempenhar uma série de

funções que a teoria prevê para o líder. Entre elas:

a) Facilitar, para o liderado, a percepção de traços da personalidade do líder;

b) também seria a partir dessa narrativa que o líder poderia acumular o que Hollander

(1958) chamou de “créditos idiossincráticos”, o que, segundo o autor, seria um tipo de

capital social que permitiria ao líder estabelecer mudanças, desafiando normas e

crenças do grupo;

c) expectativas sobre o líder podem influenciar a sua relação com liderados e essas

podem ser criadas tanto pelas primeiras interações como por informações que

precedem o relacionamento entre ambos – as quais podem incluir narrativas sobre sua

vida pregressa;

d) como foi visto na seção sobre liderança e cultura, uma função prevista para o líder é o

gerenciamento de sentidos, realizado a partir da manipulação dos símbolos – o que

pode ser conseguido por meio de suas narrativas;

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219

e) o fato de que os líderes precisam se perceber como tal, sua identidade é algo

importante no papel que irão exercer (GARDNER; AVOLIO, 1998) e a narrativa é um

meio eficaz de se conseguir essa identidade.

Gronn (2005) chama a atenção para alguns riscos da abordagem recomendada por

Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005), se o contexto não é levado em consideração, uma vez

que este, além de ser considerado o veículo de posicionamento de um fenômeno que lhe

confere significado, também é tido como o modo de se capturar a sua contingência. Isso

significa que sua verossimilhança depende de atributos preexistentes, de onde o fenômeno

retira o seu sentido.

A questão do contexto apresentada por esses autores remete a situações que levam em

consideração mais do que a psicologia do indivíduo e as relações de liderança. Elas serão

apresentadas no próximo item, sob o título genérico que pretende agrupar várias correntes

diferentes, mas que possui em comum o que se poderia nominar como abordagem crítica.

3.5.2 Relações de liderança e relações de poder

Segundo Northouse (2007), a liderança é uma relação de poder que ocorre entre líder e

liderado; e, de acordo com Hersey e Blanchard (1986), líderes que sabem como usar o poder

são mais efetivos do que aqueles que não sabem.

Um autor que faz uma revisão interessante sobre o tema nesta ótica é Braynion (2004).

O que pode ser percebido na consulta ao seu trabalho – bem como nas entrelinhas de vários

outros que não estabelecem uma relação tão direta –, é que existe evidente interface entre os

estudos desenvolvidos sob a ótica das relações de liderança e aqueles desenvolvidos com base

nas relações de poder, a tal ponto que muitas vezes se chega a questionar se não se está

falando de uma mesma coisa.

Para conduzir essa análise, será realizado, em primeiro lugar, breve apanhado a

respeito da evolução dos conceitos sobre as relações de poder, para proceder-se a uma

discussão em relação ao que já foi desenvolvido neste capítulo sobre a evolução do

pensamento quanto às relações de liderança.

Apesar do tema ter sido tratado no Ocidente desde os gregos, Clegg (2002) apreende

em Hobbes e Maquiavel42

as duas principais bases históricas alternativas, uma vez que, ao

42

Maquiavel escreve, em uma cidade, Florença, que não pertencia a uma nação unificada, e o faz na posição de

um explorador do poder que lhe recusou um emprego e o desprezou. Já Hobbes era o conselheiro de um

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220

contrário de seus antecessores, a menção ao problema por esses dois autores foi analítica e

empiricamente orientada. Só que o trabalho de Hobbes, por ter surgido um século depois do

de Maquiavel, já de acordo com o pensamento moderno, foi mais facilmente assimilado como

o mais adequado à interpretação dos problemas do mundo moderno, permanecendo no

mainstream da concepção moderna de poder. Foi Hobbes quem introduziu o termo “agência”,

relativo à situação em que um agente causa a ação de outro agente, ação esta que, de outro

modo, não ocorreria. Seu modelo tem uma visão de poder que dirige a nossa atenção para

agentes individuais que agem intencionalmente, o que evidencia o ethos modernista dessa

noção, cujas raízes remontam às metáforas retiradas da mecânica de Galileu43

.

Hume e Locke desenvolveram suas noções de poder a partir de Hobbes, de modo que

o modelo de poder mecanicista, causal e atomista, hoje o mais difundido, é fruto do modelo

de “agência”, que usa as mesmas metáforas usadas por Hobbes, Locke e Hume, ainda que

com vocabulário um pouco modificado (BALL, 1978).

No século XX houve evolução dos estudos sobre o tema. Para efeito didático, e

seguindo Clegg (2002), o progresso desses estudos pode ser assim dividido em duas etapas:

Na primeira etapa, o poder nas elites: inicialmente, autores como o italiano Mosca

(apud CLEGG, 2002) criticava o que consideravam problemas políticos insuperáveis na

implementação da democracia, com a convicção de que em qualquer sociedade uma elite deve

governar. Michels (1968), outro fundador da teoria da elite, tinha na organização o foco

motivador para produzir um argumento funcionalista para um governo da elite e da

burocracia, contra os ideais de democracia e do governo participativo. Ainda nessa linha,

outro autor importante foi Pareto (1935), para quem o poder seria um “meio circulante”

conduzido pelas elites, que estariam divididas em duas partes: uma mais conservadora, que

ele comparava a um leão, capaz de estabilizar a sociedade, mas que estava sujeita a se tornar

presa da outra parte, mais inovadora, esperta e estrategista, que ele comparava às raposas.

Após retirar o conservador de sua posição de elite, a raposa se tornaria um novo leão.

Hunter (1953) produziu o estudo de mais significado entre as elites, tornando-se

referência para os estudos críticos subsequentes. Sua pesquisa empírica foi desenvolvida a

partir de uma amostra não aleatória, escolhida entre pessoas que tinham acesso às elites (como

jornalistas, líderes de grupos de interesses, executivos, etc.) que produziram uma lista das

pessoas que eles consideravam mais influentes, denominadas por Hunter de “elite política da

Monarca de uma nação britânica recém-unificada, que mantinha o controle estatal de uma entidade cultural e

religiosa, donde a sua concepção estar baseada no conceito de soberania (CLEGG, 2002). 43

Hobbes trata o poder em termos mecânicos, como bolas de bilhar, com a diferença de que o homem pode

escolher onde ou com quem ele vai “colidir” ou mesmo se não prefere permanecer imóvel.

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221

comunidade”. O foco era a identificação de elites governantes, cujo poder vinha de sua

visibilidade. Nunca ficou claro o que era poder nesse estudo, mas partiu-se do pressuposto de

que um perfil produzido por pessoas que estavam em posição de saber quem detinha o poder

teria muitas chances de ser acurado.

Na segunda etapa, Dahl (1957) propõe o desafio aos defensores do modelo da elite

governante questionando se o modelo suporta a evidência empírica ou se seria apenas uma

doutrina metafísica polêmica. Partindo de um exemplo empírico de alguém que pretende

mudar o fluxo do trânsito em uma rua, comparando o resultado da atuação de um homem

comum com o de uma autoridade de trânsito, ele desenvolve o conceito de poder como “A

tem poder sobre B na extensão em que ele consegue com que B faça algo que ele de outro

modo não faria” (DAHL, 1957, p. 203). Dessa definição, pode-se tirar que:

a) O poder é uma relação entre atores (indivíduos, grupos, governos ou outros agregados

humanos);

b) é introduzida uma nomenclatura que se torna convencional nas discussões sobre o

poder, em termos de “A tendo poder sobre B”;

c) ele nota que o poder de A sobre B possui o que ele chama de uma origem, uma base,

conceituada em termos de recursos passíveis de exploração de A frente a B e expressa

por: meios ou instrumentos de poder (dinheiro, medo, amor, etc.); quantidade de poder

(em forma probabilística); por um limite da extensão ou do escopo do poder de A

sobre B (nem tudo o que B possa fazer cai no escopo do poder de A, mas apenas uma

extensão específica de coisas) (DAHL, 1957).

Uma crítica ao modelo de Dahl, que leva em consideração o fato de a ação de B poder

ou não corresponder à intenção de A, foi feita por Bertrand Russel (1986), afirmando que “A

tem mais poder do que B se ele atinge mais efeitos intencionados do que B”.

Essa ideia de ligar o poder à intenção não era nova, já existindo em Max Weber, que

identificava a intenção como “vontade” e definia o poder, numa estrutura de dominação,

como “a probabilidade de um ator em uma relação social estar em posição de impor a sua

vontade, a despeito de resistência e independente do fundamento dessa probabilidade”

(WEBER, 1999).

Wrong (1979) redefine o poder, a partir de Russell, como “a capacidade de algumas

pessoas produzirem efeitos intencionados e previstos em outras pessoas” (WRONG, 1979, p.

2), acrescentando a Russell o critério da efetividade.

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222

Mas os autores mais críticos ao modelo de Dahl (1957) foram Bachrach e Baratz

(1962), num modelo que eles chamaram de “processo da não tomada de decisão”, no qual “A

devota energia para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais. Nesse

modelo, o escopo do processo político que é levado à consideração pública fica limitado

apenas àqueles itens que são comparativamente inócuos para A” (BACHRAC; BARATZ,

1962, p. 948). Essa limitação de escopo pode ocorrer de três formas:

a) Os mais poderosos podem não atentar ou não ouvir as demandas dos menos

poderosos. E se elas chegarem à agenda política, podem ser anuladas por comitês e

investigações infindáveis ou por cooptação;

b) B antecipa a oposição de A e não estabelece a questão;

c) criando viés na situação, de forma a que os interesses dominantes controlam valores,

crenças e opiniões de grupos menos poderosos, de modo não só a determinar se

algumas demandas devem ser expressas, como a impedir mesmo que sejam sequer

consideradas. Com essa visão, Bachrach e Baratz (1962) pretendem iluminar o que

seria uma segunda face do poder que a ortodoxia de Dahl não permitiria enxergar.

Lukes (1974) radicaliza a teorização de Bachrach e Baratz em uma abordagem

“dialética” do problema, que ele chama de “radical”, centrada nos “interesses” que a motivam

e que acrescenta ao modelo o que ele chama de uma “terceira dimensão”.

O Quadro 3 sumariza as diferentes visões desses três autores.

Quadro 3 - Comparação dos elementos relacionados às três dimensões do poder

ELEMENTOS 1ª DIMENSÃO 2ª DIMENSÃO 3ª DIMENSÃO

Objeto da

análise

Comportamento Interpretação da ação

intencional

Teorização

avaliativa sobre

interesses da ação

Decisões concretas Não decisões Agenda Política

Assuntos em geral Assuntos potenciais Assuntos potenciais

e gerais

Indicadores Conflito aberto Conflito encoberto Conflito latente

Campo da

análise

Preferências políticas

reveladas na

participação política

Preferências políticas

estão incorporadas em

queixas “subpolíticas”

Relação entre

preferências

políticas expressas e

os “interesses reais”

Autores

principais

Dahl (1957) Bachrach e Baratz (1962)

Wrong (1979)

Lukes (1974)

Fonte: adaptado de Clegg (2002, p. 90).

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223

Posteriormente, Giddens (1979) desenvolveu sua própria noção de poder, a que

chamou de “teoria da estruturação”, em que o poder é visto como a “capacidade de atingir

resultados”. Seu foco estava no relacionamento entre a ação e a estrutura, um problema

central para Lukes (1974), cuja visão Giddens (1979) criticava por manter o dualismo entre

estrutura e agência.

Enquanto Lukes (1974) entendia essa relação como dialética, Giddens (1979) refutava

a ideia de que era uma relação que acontecia entre coisas distintas, um “dualismo”. Ela seria,

antes, uma “dualidade” na qual poder e estrutura se interpenetravam. A isso ele denominava

“dualidade da estrutura”: a agência humana produzia a estrutura, que passava a servir como

condição para reproduzir a agência humana, num processo contínuo. Dito de outra forma, o

poder é definido em termos de agência, que é definida em termos de ação que, por sua vez, é

definida como poder (GIDDENS, 1979).

Nem Lukes nem Giddens resolveram de forma satisfatória a relação entre a agência e a

estrutura nos estudos sobre o poder. Para ambos, a perspectiva da agência permanece. Em

Lukes, a agência predomina como resultado de um relativismo moral. Em Giddens, a

predominância se assenta no pressuposto ontológico em favor da agência e num

posicionamento contra a preocupação com a estrutura (CLEGG, 2002).

Tentando superar a discussão voltada para o indivíduo e a estrutura, muito do debate

que se seguiu focou as formas como a ideologia opera a partir das concepções de hegemonia,

em que o conceito de ideologia envolve dois aspectos: a sugestão de que muito da sociologia e

do marxismo atuais foram caracterizados pela tese desnecessária de uma “ideologia

dominante”; e que, em lugar de se pensar ideologia e hegemonia como um estado da mente,

seria melhor considerá-las como um conjunto de práticas primariamente provenientes do

discurso, que procura privar as indefinidas possibilidades de elementos significantes e suas

relações (CLEGG, 2002).

A crença nesse segundo aspecto deriva da perspectiva pós-estruturalista, encorajada

particularmente pelo trabalho de Foucault sobre o poder disciplinar (FOUCAULT, 2007a), no

qual ele explicitamente põe fim a qualquer concepção de ideologia – gerando debates

acirrados entre marxistas e foucaultianos. Mais recentemente, outros pesquisadores em

sociologia da ciência foram além, utilizando os insights do pós-estruturalismo em uma

abordagem da sociologia do poder, incluindo a discussão sobre “circuitos de poder”: o poder

seria mais bem visualizado não como tendo duas faces ou três dimensões, mas como um

processo que pode perpassar distintos circuitos de poder e de resistência (CLEGG, 2002).

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224

Do outro lado do debate, ainda na década de 1980, encontravam-se autores como

Mintzberg (1983) que, sob uma orientação funcionalista, abordavam o poder na perspectiva da

autoridade. Para esse autor, a autoridade é o poder formal ou “legítimo”, que está revestido em

um ofício ou posição, sendo que a pessoa que o possui pode transferi-lo (ou delega-lo) para

outra pessoa. Nesse aspecto, ela se diferencia a autoridade da ação política, constituída na luta

tanto para alcançar como para escapar do poder na organização, e que teria como objetivo

deslocar o poder legítimo, exercendo um poder que Mintzberg (1983) chama de “ilegítimo”.

Essa autoridade, para Mintzberg (1983), teria origem no que chamou de “coalisão

externa” da organização: pessoas influentes que possuem o poder “legítimo”, como os donos

ou o governo, que delegam a autoridade ao executivo principal, em geral por meio de um

intermediário como o conselho de administração. A partir e para abaixo do executivo

principal, é estruturada a cadeia de autoridade (hierarquia) através da qual ele delega alguns de

seus poderes formais (MINTZBERG, 1983).

Os “subordinados” também exerceriam influência, mas, tendo objetivos próprios para

alcançar, possuiriam um grau de compromisso com a organização que seria menor do que o do

executivo principal. A função do executivo seria então a de conseguir uma integração entre os

objetivos organizacionais e os das pessoas, a ser implementado pela diretoria através de uma

“coalisão interna”. Para exercer sua autoridade, o executivo principal (em alguns casos, com

os diretores) desenha a estrutura, estabelece o sistema de recompensas e utiliza dois sistemas

formais de controle do comportamento: um pessoal, outro burocrático (MINTZBERG, 1983).

Na visão funcionalista, ao transformar poder em autoridade, o exercício da influência é

modificado de forma sutil, mas com consequência econômica: o exercício da autoridade pelo

poder “legítimo”, por ser “esperado, desejado e aceito” envolveria menos custos e menos

esforços para ser mantido, enquanto as consequência do exercício do poder que foi chamado

de “ilegítimo” poderia incorrer em custos para a organização (MINTZBERG, 1983).

A visão apresentada até aqui pode ser complementada pelo que Clegg (2002) chamou

de estruturas superficial e profunda do poder: a superficial seria facilmente identificada –

organograma, nome do cargo, etc; já a profunda envolve constrangimentos mais dificilmente

detectados – como os códigos de comportamento, ou o caminho das ordens dentro da

organização.

As abordagens que identificam a liderança com o exercício do poder tendem a deixar o

líder no exercício de um papel bem diverso daquele proposto pelos autores que discutem as

lideranças carismática e autêntica – alguém que tem uma visão que outros devem seguir. Ele

seria muito mais um porta-voz da organização ou do estado, tendo como função básica

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225

garantir que os indivíduos internalizem normas de cuja constituição não participaram, de

modo a cumprir os interesses das organizações que os líderes representam. O líder, nesse

sentido, seria tanto produto como produtor desta estrutura de poder (BRAYNION, 2004).

Conhecer essas diferentes abordagens sobre o poder vai ajudar a estabelecer a ligação

entre as discussões sobre o poder e as relações de liderança, para daí se chegar à ideologia.

Segundo Gordon (2002), as abordagens realizadas desde o início dos estudos sobre liderança,

passando pelos traços comportamento, estilo, contingência, até o modelo que Bryman (2009)

chamou de “Nova Liderança”, têm como base a relação líder-liderado. Nesse tipo de relação,

o líder é colocado em posição de privilégio, por possuir habilidades naturais ou por atributos

adquiridos que o torna “superior” ao liderado – sem o que eles não poderiam ser “seguidos”.

A superioridade do líder é vista pelos teóricos dessa linha como “natural” e “não

problemática”. Como consequência, entendem o líder como aquele que tem voz – é o líder

quem estabelece a visão e quem dá o sentido, o que é feito por meio do discurso, que silencia

a voz dos liderados. A análise de relações de poder por pesquisadores dessa linha é vista como

desnecessária, dadas as características “naturais” da liderança. Não é por outra causa que o

exercício de poder pelos “liderados” é tratado como disfuncional por Mintzberg (1983),

referindo-se a ele por termos como resistência e “poder ilegítimo” (GORDON, 2002).

A liderança chamada de “dispersa” por Bryman (2009), que envolve os tipos descritos

principalmente após a década de 1990, aí incluídas a superliderança de Manz e Sims (1991), a

autoliderança (UHL-BIEN; GRAEN, 1998), a liderança como processo (KNIGHTS;

WILLMOTT, 1992) e a liderança distribuída (GRONN, 2002), têm em comum o que se pode

chamar de “descentralização da liderança”, que envolve diferentes modos de dar voz àqueles

identificados nos modelos mais tradicionais como sendo os liderados.

Nesses modelos, a dispersão da liderança tira o foco do líder – e da relação líder-

liderado – e o reposiciona no processo. O poder, nesses casos, tende a ser ignorado, ainda que

autores como Clegg (2002) e Foucault (2007a; 2007b) tenham mostrado que os códigos

históricos constituídos para organizar o comportamento social – o que Clegg (2002) chamou

de “estruturas profundas” – mantêm os padrões históricos e socialmente construídos de

comportamento dos indivíduos em relação ao poder, dificultando atingir completamente o

objetivo proposto por esses modelos de liderança. Ou seja, o que é suposto pela teoria nessas

abordagens pode não ser atingido na prática: justificados pelo discurso de divisão de poder e

controle, os detentores dominantes de poder podem continuar a exercer o seu poder por meio

de uma rede formada por indivíduos que, para esse fim, são chamados de “autolíderes”

(GORDON, 2002).

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226

Não é preciso nem realizar um esforça para tentar se definir por uma posição ou outra,

já que num o noutro caso, a relação entre poder e liderança é negada, e no outro é ignorada.

Ou seja, nos dois casos o que pode ser percebido é o véu ideológico que busca esconder um

aspecto do real. O que deve ser entendido, então, é a ideologia da liderança.

Mas, para chegar nesse ponto da discussão, que é nuclear para a o tipo de abordagem

proposta para esta tese, um último passo será necessário: apresentar algumas das abordagens

mais críticas, que de alguma forma evidenciaram algumas das contradições presentes nos

diversos modelos apresentados pelo mainstream. É o tema da próxima seção.

3.5.3 Abordagens críticas – buscando algumas contradições nos modelos de liderança

Apesar de experimentarmos a liderança como um processo social contínuo, no qual

ora se é líder, ora liderado, os estudos de liderança em organizações têm sido conduzidos, em

sua maioria, utilizando abordagens mais funcionalistas, isolando-se um evento ou uma série

limitada destes, como se tivessem um começo e um fim, e analisando-os com o pressuposto

de relação causa-efeito – o que, para autores como Barker (2001), não corresponde ao que

ocorre no processo social real. Além disso – o que talvez seja o mais grave –, os valores do

pesquisador, que motivaram sua pesquisa e que modulam a sua percepção, não são

considerados nem como parte do processo, nem como parte da análise.

Autores identificados com a linha de pesquisa que ficou conhecida como critical

management studies têm, desde a década de 1980, buscado perspectivas alternativas ao

funcionalismo. Em um primeiro momento, estudos críticos como os conduzidos nas décadas

de 1980 e 1990 tendiam a focar, basicamente, os processos de controle e dominação. Mais

recentemente, pode ser percebida uma tendência dos estudos derivarem para temas como a

resistência. Uma proposta mais realista talvez devesse levar em consideração a relação

dialética, complexa e contraditória da dinâmica entre o controle e a resistência. E, para tal,

Mumby (2005) aconselha a visão dialética proposta pela Dialética negativa de Adorno

(2009), associada a uma abordagem organizacional como a recomendada por Benson (1977).

Para Gemmill e Oakley (1992), da forma como são conduzidas hoje, as relações de

liderança levam a um sentimento de “desamparo aprendido”, que teria como função produzir

pessoas que demonstrassem um comportamento robotizado – comportamento esse que tanto

pode ser observado nos liderados como nos líderes. Neste último caso, seria o modelo de

liderança orientado por competências que se encarregaria de modular o comportamento – daí

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esses modelos terem se tornado objeto de críticas por autores não identificados com o

mainstream, como será apresentado ainda nesta seção.

Por fim, existem os autores cujo trabalho visa desmistificar o discurso sobre a

liderança, investigando o que é realmente feito pelos indivíduos no papel de líder,

classificando a liderança como uma atividade banal.

A fim de organizar o conhecimento produzido por autores que lançaram um olhar

sobre a liderança a partir dessas óticas, serão discutidas na sequencia algumas dessas

abordagens, uma vez que foi a partir de seus estudos que muitas das contradições existentes

nas linhas mais identificadas com o mainstream podem ser encontradas.

Para facilitar a caracterização daquilo que acentuam, e do que divergem, elas serão

apresentadas em itens separados. Ao final, o que se pretende é reunir elementos suficientes

para, em associação com o que foi apresentado na discussão anterior sobre a relação entre

liderança e o poder, realizar uma ultima discussão sobre a ideologia da liderança, uma vez que

esse é o aspecto nuclear, dentro desta linha teórica escolhida, para a análise dos dados.

A) Liderança e resistência

O termo resistência é uma metáfora que, como outras nos estudos organizacionais, foi

retirada das ciências naturais – mais especificamente da Física newtoniana, que postula que a

toda ação corresponde uma reação contrária, de intensidade semelhante (FLEMING, 2005) e

que é muito utilizada pelo mainstream na política organizacional – veja-se, como exemplo, a

obra de Mintzberg (1983). Essa metáfora dispõe o exercício de poder e a resistência a ele

como polos diferentes de forças, o que não estaria de acordo com autores como Foucault

(2007a; 2007b), que as vê como forças que se interpenetram, nem com autores dialéticos,

como Adorno (2009), que as vê como aspectos de uma mesma coisa.

Em pesquisa social, o dissidente típico normalmente é um líder de opinião (ver

classificação de Burns, no item 2.1). Já na literatura organizacional, o tema tem sido tratado

na academia como “gerenciamento da discórdia” e a liderança, confundida com a gestão, deve

lidar com o que seriam formas ilegítimas de poder (HARDY; CLEGG, 1996). Zoller e

Fairhurst (2007), entretanto, conceituam a resistência como uma forma potencial de liderança.

De acordo com Hardy e Clegg (1996), a liderança tem sido tratada na literatura crítica,

junto com a cultura e a estrutura, como formas de dominação, tendendo a desviar as pesquisas

para a estrutura e não para as relações entre os indivíduos – numa abordagem que seria, como

foi visto no capítulo 2.1, a mais apropriada para o tema.

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228

Nas formas tradicionais, a resistência era apenas um ato de rebelião aberto e

organizado. Para os mecanismos de controle baseados na identidade, os estudos acadêmicos

tiveram que se voltar para outras formas, mais cotidianas e mais subjetivas, de resistência ao

domínio gerencial. Esse tipo de resistência não é visto como efeito de antagonismo estrutural

ou de interesses de classe, mas como o contingente de táticas que podem ter algum nível de

sucesso em desafiar os mecanismos de controle baseados em identidade. Entre elas, citam-se a

ironia, o humor, a sexualidade, as estratégias de consumo e o cinismo (FLEMING, 2005).

B) Uma crítica aos modelos de superliderança e autoliderança

A superliderança de Manz e Sims (1991), segundo Gordon (2002), não leva em

consideração algumas contradições produzidas pelo modelo. Ao procurar conduzir os

liderados para um padrão “desejado” de comportamento, não fica claro quem deseja o

comportamento proposto. Fatores culturais na organização referentes à história sobre como as

relações entre líderes e liderados foram estabelecidas para aquele grupo também não são

considerados. Desta forma, pode-se supor que os liderados possam escolher, como melhor ou

“desejado”, os comportamentos que estejam de acordo com as expectativas históricas (e

culturais) dos superiores daquela organização. Também se deve lembrar que as organizações

não se constituem em sistemas sociais equitativos, o que significa que, nelas, pessoas em

posição de dominância, a quem é dado voz, estão em melhores condições de conformar a

realidade, produzindo sentido e “verdade”.

C) A dialética da liderança

Mumby (2005) critica o fato de os estudos sobre poder e resistência ainda trabalharem

de modo dicotômico, adotando modelos que colocam os dois polos em oposição binária, com

foco ou nos processos de controle ou nos de resistência. Ao adotar o polo dominante como

aquele que conforma a relação, os autores que adotam esse modelo acabam por marginalizar o

polo oposto, reificando o polo dominante e subssumindo o outro.

Para Smircich e Morgan (1982, p. 258) a liderança é algo que acontece “no processo

durante o qual um ou mais indivíduos obtêm sucesso em conformar e definir a realidade de

outros”. Mas Fairhurst (2001) aponta que, ao contrário do que prelecionam aqueles autores, o

sentido criado pelo líder na verdade seria coconstruido em um intercâmbio dialético que

envolve, inclusive, a contestação por parte do liderado.

Bresnen (1995) realizou uma pesquisa qualitativa com executivos, que buscava

compreender o que as pessoas queriam dizer ao falar sobre a liderança. Analisando os

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resultados, o autor concluiu que os enfoques radical humanista e estruturalista não

conseguiam lidar com os aspectos relacionados às interpretações subjetivas e à questão da

agência, tão caras aos indivíduos entrevistados. Foram registrados muitos pontos de

convergência na leitura desenvolvida por pesquisadores de visões mais funcionalistas,

sugerindo, ainda, que abordagens mais interpretacionistas poderiam lidar melhor com as

interações complexas entre os níveis social e psicológico. Sua proposta para trabalhos futuros

envolve “explorar áreas de proporcionalidade entre os diferentes paradigmas atualmente

utilizados na pesquisa em liderança” (BRESNEN, 1995, p. 511). Apesar de não ter

apresentado um desenho claramente dialético para a sua pesquisa, ele não está longe da forma

de investigação que é objetivo desta tese.

D) A crítica ao modelo de competências

O esforço desenvolvido para definir liderança se justifica na busca do exercício de

controle e regulação das identidades dos indivíduos nas organizações (FORD, 2010). São,

assim, instrumentos autorregulatórios e de automonitoração, desenvolvidos para que os

indivíduos, no papel de líderes, possam se considerar autônomos, autorregulados e proativos.

Tendo sido definidas as competências, o indivíduo é alimentado com um arsenal de

vocabulários e de modos de comportamento que o manipulam, influenciando-o e

constrangendo-o no processo de formação de sua identidade.

Hollenbeck et al (2006) identifica algumas contradições nos pressupostos que

envolvem o modelo de competências para a liderança. Segundo os autores, esses pressupostos

não são verdadeiros, pois não existe um único conjunto de características que se aplicam a

todos os líderes eficazes e essas características não são independentes entre si, nem em

relação ao contexto. Além disso, os tipos de competências detectados em gerentes seniores

não representam o melhor modelo para se pensar o problema. E basear o sistema de recursos

humanos no modelo de competências não significa que, como consequência, ele

necessariamente será mais eficaz. Um dos fatos para o qual esses autores chamam a atenção é

que, no mundo empírico, líderes eficazes são diferentes entre si. E, talvez mais importante do

que possuir algumas competências, é a forma como o indivíduo as mobiliza e utiliza

(HOLLENBECK; MCCALL JR.; SILZER, 2006).

Modelos como o de competências, que apresentam uma lista de comportamentos que

devem ser aprendidos e praticados por aqueles que quiserem ser líderes bem-sucedidos,

produzem, como resultado, apenas a normalização dos comportamentos. Esse tipo de modelo,

para a liderança, tende a desenvolver uma homogeneidade de comportamento para o líder,

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com a finalidade de manutenção do modelo hegemônico desejado pelas organizações para o

modelo atual de negócios. Para assumir a identidade de líder, existiriam comportamentos a

serem adotados tanto por gestores como por pessoas cuja posição na organização envolve uma

expectativa de comportamento, esperado para os que exercem papel de líderes (FORD, 2010).

Nessa linha, discutindo contradições que podem ser identificadas em ações que

buscam a normalização do comportamento, Sant‟anna (2010) faz uma análise iluminada pela

perspectiva de poder de Michel Foucault. A perspectiva desse ultimo autor passa, falando

muito resumidamente, das investigações arqueológicas sobre a organização disciplinar – cuja

finalidade última seria a normalização dos indivíduos para que funcionem de acordo com as

regras estabelecidas, pelo poder disciplinar (o qual é exercido sobre o corpo) – para chegar a

um outro poder, não disciplinar (ainda que inclua o anterior), representado pela biopolítica e

que é exercido sobre a população. O elemento comum aos dois tipos de poder é a norma.

Avaliando os atributos de competência exigidos do líder, como exposto, e comparando

com a noção de normalização, como identificado por Foucault, o que se observa é que, ao se

comparar os atributos gerenciais normais exigidos hoje – ou, os encontrados na parte central

da curva de Gauss – com os exigidos no passado, pode-se observar uma tendência à

incorporação hoje, pelos gerentes, de atributos que estavam no passado nas pontas da curva e

que antes eram exigidos apenas dos líderes (SANT‟ANNA, 2010).

Entretanto, ainda que as duas pontas da curva de Gauss tendam a diminuir nesse

processo, sempre haverá uma pequena parte cuja aquisição deve se tornar objeto de desejo

para as organizações – e que será o fator de diferenciação entre o líder e o gerente. Ou seja,

uma contradição nítida no modelo é que, se o que se espera do líder é o que foge do

tradicional – ou do que foi normalizado –, o desafio estaria em desenvolver ou encontrar

indivíduos cujos atributos deveriam estar justamente fora do que se espera serem atributos

tradicionais de competência (SANT‟ANNA, 2010).

É nesse sentido que, para o autor:

Não obstante as contribuições de programas e ações em torno do construto da

competência, em especial nas tratativas de incorporações de novos conhecimentos,

habilidades e atitudes, antes típicas de posições de primeira escala das organizações

[...] desvelam-se, no entanto, limitações notadamente quanto aos limites que tais

abordagens impõem à incorporação e gestão de perfis de liderança, propriamente

ditos, limitando-se à normalização e ao controle de perfis típicos de posições

gerenciais, impedindo o desenvolvimento de modelos de liderança e a construção de

contextos capacitantes favoráveis a seu exercício e capazes de respostas mais

efetivas aos desafios do atual contexto dos negócios e das organizações

(SANT‟ANNA, 2010, p. 214).

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O que está de acordo com as críticas dos autores anteriormente apresentadas sobre o

modelo de competências para a liderança.

E) O discurso sobre a liderança

Kelly (2008) enfatiza que a razão dos estudos sobre liderança terem derivado da sua

relação com o discurso foi a insatisfação com os resultados obtidos com o estudo dos traços

de personalidade e os referentes ao estilo, aí incluídas teorias e métodos de obtenção de dados

visíveis e calculáveis.

O embrião dessa mudança pode ser visto na “teoria da atribuição”, de Calder (1977),

na qual o autor busca separar os métodos adotados pelos indivíduos na construção de sua

percepção sobre a liderança no trabalho de pesquisa, e sua utilização de teorias prontas e o faz

com foco no papel da linguagem nessa construção. Alguns anos depois, Smircich e Morgan

(1982) mudaram o foco para a liderança como um conceito socialmente construído no

processo de elaboração de sentido entre líder e liderado. Contribuíram para essa linha os

trabalhos de Gronn (1982, 1995) e de Gronn e Ribbins (1996) sobre a separação entre a

linguagem e a ação, na realização de um trabalho interpretativo de caráter etnometodológico.

Ainda na década de 1970, Ponty (1978) defendeu que a confusão envolvendo a

compreensão do termo liderança se relaciona à familiaridade que se tem com o fenômeno:

Será que fomos mal-orientados pela existência de um termo único em nossa língua

para achar que ele reflete uma realidade uniforme? Gregory Bateson afirmava que

nossa língua é orientada por coisas e que fica empobrecida quando ela necessita

pensar sobre, descrever ou falar de relacionamentos [...] Será que nossa insistência

em um termo único “liderança” diz respeito à nossa familiaridade ou experiência

com ele? (PONTY, 1978, p. 88).

O intuito de Ponty (1978) é de que a liderança seja considerada um conjunto de jogos

de linguagem que são produzidos a partir da ação que a envolve – ou seja, o sentido é dado

pelo uso – e que podem ser utilizados de modos diferentes em situações particulares.

Sob essa terminologia encontram-se as abordagens que, segundo Fairhurst (2009),

envolvem perspectivas que se poderiam classificar como social construcionistas: aquelas que

partem do princípio de que a linguagem não representa a realidade, mas a constitui; que a

comunicação não é transmissão de informação, mas construção e negociação de significados.

Nessa perspectiva, os atores envolvidos com a liderança tanto podem ser receptores

disciplinados de significado como agentes de transformação, sendo que, nesta última situação,

eles podem tanto cocriar o contexto como conformar outras realidades sociais – como a

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232

identidade e a legitimidade –, dependendo de como o contexto é construído com base no

discurso. O que importa nessa linha de pesquisa é o discurso mesmo, como está organizado e

o que está fazendo. A pergunta adequada para esses pesquisadores seria “o que o discurso está

fazendo?”, e não “o que o discurso está representando?” (FAIRHURST, 2009).

Pesquisadores da linha discursiva geralmente são orientados por problemas. A

pergunta inicial motivadora costuma envolver mais o como do que o por que motivador das

pesquisas positivistas. A ideia de produzir um conhecimento generalizável para eles não é

relevante – o que os deixa mais à vontade para considerar o contexto com suas bases

históricas, políticas e culturais (FAIRHURST, 2009).

Ford (2010) observa que a conotação dada pelos discursos sobre liderança

frequentemente toma a forma do masculino, competitivo, agressivo, controlador,

individualista, autoconfiante, o que significa que as pesquisas que buscam responder sobre a

importância da liderança nas organizações a fazem nesse arcabouço conceitual – o que é

reafirmado por Barker (2001) – sem perceber a contradição existente nesta postura.

Para Mumby (2005), autor já apresentado anteriormente na “dialética da liderança”:

Uma análise dialética do discurso deve focar menos em identificar o significado dos

discursos particulares e mais nas batalhas interpretativas entre discursos e práticas.

As análises exploram como os atores sociais tentam “emendar” os significados de

modo e resistir e/ou reproduzir as relações existentes de poder (MUMBY, 2005, p.

24).

Segundo Shaw (2010), a narrativa é uma forma de buscar a autenticidade, fundamento

da liderança autêntica, já apresentada, a qual, para o autor, relaciona-se à busca da unidade do

indivíduo ou a acabar com algum gap existente entre a autoidentidade e os comportamentos

manifestados na materialidade dos atos. Isso faz com que a liderança autêntica deva

necessariamente derivar da reprodução de narrativas universais para se manter na

materialidade – aqui entendida não só como experiência corpórea, mas também como quadro

sociocultural que fornece os paradigmas que dará o sentido para a experiência corpórea.

F) A liderança como atividade banal, e o “romance” da liderança

O trabalho que a “liderança” realiza na organização da vida diária usualmente não é

tão importante quanto as teorias e os conceitos que foram preparados pelo

pesquisador (KELLY et al., 2006, p. 184).

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233

O fato de a liderança ser teorizada, tanto no mainstream como na literatura crítica,

como algo extraordinário – exercício de poder, gerenciamento da cultura, estabelecimento de

visão, metas e objetivos, entre outras características – define-a como um fenômeno que não é

observável no dia-a-dia da organização, que transcende o ordinário e, portanto, o mundo

experimentado pela prática da atividade real.

Em função disso, “os que foram designados líderes em nosso campo de pesquisa

acham que devem se enquadrar nessas noções imaginárias de liderança, demonstrando que

são fortes, poderosos, carismáticos e agentes positivos de mudança e melhoria” (KELLY et

al., 2006, p. 183).

Uma contradição identificada por Alvesson e Sveningsson (2003a) é que a literatura

sobre liderança normalmente trata como insignificantes a maioria das atividades do dia-a-dia

que são efetivamente exercidas por líderes, tais como pedir ou dar informações, resolver

problemas práticos ou técnicos, administrar, conversar amenidades, fofocar, ouvir as pessoas

e criar um clima ameno de trabalho.

Habitualmente, os líderes são retratados como grandes comunicadores, que mais falam

do que ouvem. As pesquisas desses autores, entretanto, têm mostrado que, em muitos casos, o

sentido da liderança estaria muito mais nessas ações mundanas do que nas ações heroicas

frequentemente retratadas na literatura. E afirmam, a partir dos seus achados, que: “nossa

impressão geral é a de que é difícil se dizer algo sobre a possibilidade de existência de

liderança na grande maioria das organizações e das situações de gestão” (ALVESSON;

SVENINGSSON, 2003a, p. 377). Nas entrevistas com os líderes, o que Alvesson e

Sveningsson (2003a) apuraram foram relatos ambíguos e contraditórios, que pareciam se

esquivar de capturar o conceito.

Kelly (2008), por outro lado, verifica é que a liderança pode ser identificada em

“reuniões para discussão de orçamento ou com equipes de trabalho ou em contar anedotas, em

conversas de café ou fazer discursos, lidar com reclamações, enviar e-mails, abrir

correspondência e, de modo geral, dar conta do trabalho comum do dia-a-dia” (KELLY, 2008,

p. 770).

Mesmo autores como Bennis e Nanus (1988), consonantes com a literatura

funcionalista, ao final de sua pesquisa não foram capazes de identificar as características da

liderança indicadas pelo senso comum. Pelo contrário, as contradições nos achados podem ser

utilizadas para caracterizar como mitos muitas das afirmações que apresentam a liderança

como algo fora do comum. Entre esses mitos, citam-se:

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234

A liderança é uma característica rara entre os indivíduos: Bennis e Nanus (1988)

consideraram essa ideia completamente falsa. Se, de um lado, um grande líder pode ser algo

tão raro como o é um grande pintor ou grande desportista, por outro todas as pessoas teriam

um potencial para o exercício da liderança, como o teriam também para pintar ou para praticar

um esporte. Existem hoje em nossas sociedades milhões de papéis de liderança e todos esses

postos estão preenchidos. Além disso, pessoas que são líderes em determinadas organizações

são pessoas comuns em outras de que participam. Assim, as oportunidades para o exercício da

liderança são abundantes e ao alcance da maioria das pessoas.

Os líderes são natos e não podem ser feitos, como pretendia a teoria dos traços:

Bennis e Nanus (1988) também reconhecem nessa ideia uma mistificação, pois, segundo

inferiram, as maiores competências detectadas nos líderes podem ser aprendidas e os “dotes

naturais” relacionados à liderança podem ser melhorados. O processo de aprendizado pode

não ser simples, mas é possível, como é possível aprender a ser pai, amante, bem como vários

outros papéis sociais que são exercidos sem que se tivesse desempenhado antes.

Os líderes são carismáticos: os achados empíricos de Bennis e Nanus (1988) mostram

que alguns são, mas que a maioria não é. Entre as pessoas investigadas havia altas e baixas,

comunicativas e introvertidas, bem e malvestidas. Em resumo, nada havia em suas aparências

físicas, personalidades ou estilo – como foi buscado nas pesquisas iniciais sobre a liderança –

que as diferenciasse de seus seguidores. O carisma poderia ser mais um resultado do que um

efeito na relação líder-seguidor.

A liderança é encontrada na cúpula da organização: também foi falso. Segundo

Bennis e Nanus (1988), quanto maior a organização, mais alto o número de papéis de

liderança, formais ou não, a serem exercidos por seus empregados.

O líder controla, dirige, impulsiona e manipula: de acordo com Bennis e Nanus

(1988), a liderança é habitualmente muito mais uma concessão de poder do que o seu

exercício. Líderes costumam traduzir intenções em realidade, utilizando metas para o

alinhamento das energias individuais.

A ideia de que a liderança também pode ser vista como uma atividade banal é próxima

da ideia do “romance da liderança”, apresentada por Meindl, Ehrich e Dukerich (1985).

Segundo esses autores:

Como observadores e como participantes das organizações, nós podemos ter

desenvolvido visões altamente romantizadas e heroicas da liderança [...] Um dos

principais elementos dessa concepção romantizada é a visão de que a liderança é um

processo organizacional central e a força primária no esquema de eventos e

atividades organizacionais [...] Essa “romantização” é sugerida nos comentários

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feitos por vários analistas sociais e organizacionais que observaram a estima, o

prestígio, carisma e heroísmo ligados a várias concepções e formas de liderança

(MEINDL; EHRICH; DUKERICH, 1985, p. 79).

O contraponto na visão romanceada da liderança está em atribuir toda a

responsabilidade do que ocorre nas organizações – sucessos e fracassos – à liderança.

Mudando a ótica da liderança para a visão a partir do liderado, Meindl (1995) se refere

ao romance da liderança como uma construção e representação dos seguidores – o que

significa que o comportamento dos liderados é muito mais conformado por suas próprias

concepções do que por traços de comportamento próprios do líder.

G) A relação entre a liderança e o tédio ou “aborrecimento”

Carroll, Parker e Inkson (2010) realçaram, durante análises de discurso de líderes em

programas de desenvolvimento, que quando eles discutiam as motivações de carreira, muitas

vezes o termo “aborrecimento” era utilizado em contraponto a desafio e à criatividade na

carreira – o que foi inesperado para os autores que definiam os líderes como imunes ao

aborrecimento.

A questão que as autoras se propuseram foi a de tentar caracterizar o aborrecimento ou

como emoção – em que ela traz conotações de apatia, insatisfação e indiferença – ou sensação

– a qual pode trazer consigo um potencial de dar sentido, de fornecer insights em processos de

reflexão, construção e aprendizado, os quais costumam acompanhar a prática da liderança.

Considerando, em concordância com Gemmill e Oakley (1992), que o fastio e a falta

de sentido costumam ser experimentados como o resultado de um sistema social defeituoso,

pode-se considerar o aborrecimento uma construção social como as outras que erigimos na

interpretação de nossas vidas e que são dependentes da cultura (CARROLL; PARKER;

INKSON, 2010).

O aborrecimento pode estar associado a aspectos negativos ou positivos. Os negativos

podem se relacionar a: temporariedade – percepção de trajetórias sem futuro, desenlace

previsível, percepção de suspensão, estagnação ou desaceleração do tempo ou, ainda,

sensação de eterna recorrência; e algo trivial ou mais sério – neste último caso, associado à

desintegração social ou ao comportamento desviante. Mas também se pode associar a

aspectos positivos, como um ímpeto para realizações, uma fonte de energia ou a calmaria que

precede a mudança, o conflito e a criatividade (CARROLL; PARKER; INKSON, 2010).

A percepção de algo como positivo ou negativo está ligada à autoconsciência, que é

algo com o qual autores como Day (2001) relacionam à liderança.

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236

No contexto organizacional, o fastio tem sido abordado nos cenários de trabalho

repetitivo e rotineiro, algo que causa insatisfação e baixo desempenho e que pode estar

relacionado, de modo genérico, aos gaps entre a expectativa e a vida experimentada. O

pressuposto é o de que ele é algo comum e indesejável, sendo função dos administradores

eliminá-lo ou mitigá-lo.

As autoras afirmam que a literatura sobre liderança normalmente foca os “picos” da

experiência (inspiração, visão, direção) sem considerar o potencial oferecido pelos “vales”

para a reflexão e a melhoria. Líderes sem pausa e reflexão apresentam potencial de

empobrecimento.

H) Crítica às abordagens empíricas puramente quantitativas em liderança

De acordo com Bryman (2009), as linhas de abordagem de liderança envolvendo a

cultura organizacional e aquelas classificadas sob o título genérico de Nova Liderança criaram

as pesquisas em liderança (mesmo os do mainstream), antes de cunho basicamente

quantitativas, a demandarem o uso de métodos qualitativos.

Entretanto, como o próprio Bryman (2009) chama a atenção, o papel tipicamente

atribuído às pesquisas qualitativas na ciência positivista é o de explorar o campo, produzindo

hipóteses que deverão ser verificadas por pesquisas quantitativas posteriores, mantendo para a

quantitativa posição de destaque.

Outro aspecto a ser considerado é que, no mainstream, “o uso combinado da pesquisa

quantitativa e qualitativa ainda é bastante incomum nos estudos da liderança” (BRYMAN,

2009, p. 276). Além disso, considerando o modo como as relações de liderança são vistas nos

modelos da Nova Liderança, Bryman (2009, p. 276) sublinha que “a pesquisa qualitativa está

muito mais apta a abordar essas questões abertas requeridas por essas novas abordagens”.

A linha de pesquisa adotada neste trabalho está de acordo com essas ponderações de

Bryman (2009). Mas faz a opção por outra linha de abordagem qualitativa a qual, na ótica do

autor, teria o potencial de tratar mais adequadamente um tema que, de acordo com alguns dos

autores mais críticos apresentados, pode ser a expressão da reificação de uma ideologia. Daí

ser necessária ainda uma ultima abordagem, que leve em consideração especificamente a

relação da liderança com a ideologia.

3.6 A ideologia da liderança

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237

Considerando, como apresentado na seção 2.2.3.5, que a crítica imanente é uma forma

proposta por T. Adorno para lidar com a ideologia, o que será abordado nessa seção é o

núcleo em torno do qual deverá girar a discussão dos achados.

Como se pode perceber nas seções anteriores, nas quais se buscou caracterizar o

desenvolvimento do tema para o mainstream, toda revisão realizada sobre o tema data o seu

início no princípio do século XX. Mesmo nas situações nas quais foram utilizados exemplos

de figuras históricas – religiosas, como Moisés, Jesus Cristo e Maomé, ou militares, como

Alexandre Magno e Napoleão Bonaparte, entre outros – esses “líderes” foram identificados

como tal a partir de critérios que foram sendo estabelecidos no transcurso das discussões do

século XX.

O que significa o conceito não pode ser aferido levando em consideração o referencial

sociocultural do momento histórico das figuras citadas: se essas pessoas estivessem em ação

hoje seriam consideradas o que é identificado como líder. Mas, como eram identificadas,

então, pelos membros de seus grupos sociais? A sensação que se tem, durante a leitura de

muitos dos autores em questão, é de que estão dizendo: “ora, é óbvio que essas pessoas são

exemplos de líderes”! Mas, a partir do que foi apresentado na seção 2.2.3.5, não é difícil

perceber que, se há um lugar apropriado para resguardar a ideologia, esse lugar é no óbvio.

Foi no contexto da revisão da literatura, orientada pela pergunta da tese – o que é

liderança? – que chamou atenção um questionamento feito por Kelly et al (2006):

Buscando compreender o que há de tão “especial” no líder e na liderança, como

diferenciar a boa da má, o problema da solução, o que permanece largamente

inexplicado é como a liderança emerge como uma palavra, um conceito, ou uma

prática observável, que possa ser empregada no mundo da prática” (KELLY et at,

2006, p.184).

Este questionamento motivou a investigação sobre a origem do termo em português.

De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa (2001), o primeiro registro

do termo “líder” em português é encontrado, aproximadamente, apenas por volta do ano de

1900. Consultando um dicionário português um pouco mais antigo, o Novo diccionário

encyclopédico luso-brasileiro44

, em sua terceira edição publicada em 1931, observa-se que

não há a palavra líder, aportuguesada, mas apenas a citação de leader, como um termo da

língua inglesa com o significado de “a personagem mais em vista de um partido político”.

Apesar dessa conotação poder ser utilizada dentro da nossa compreensão atual do termo, não

44

DE SÉGUIER, J. Novo diccionário encyclopédico luso-brasileiro. 3ª Ed, Porto: Lello limitada editores,

1931.

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238

se pode dizer que expressa de modo apropriado a forma como tem sido operacionalizado pelo

mainstream, como foi apresentada nesse capítulo.

A etimologia da palavra é o termo inglês mesmo, leader, “algo ou alguém que guia,

conduz” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 1755). Em inglês, o termo tem o seu primeiro

registro datado, de acordo com o mesmo dicionário, no século XIV. Não foi possível obter

informações a conotação do termo no século XIV, se seria a mesma com relação à existente

nos dias atuais45

. Mas a citação de Kelly et al (2006), mostra que também para os autores de

língua inglesa existe uma dúvida sobre como o termo adquire a sua conotação atual,

colocando em dúvida a “naturalidade” conferida pelos autores de hoje à conotação do termo.

A partir desta constatação, uma pergunta se impôs: como, nos países de língua

portuguesa, até o início do século XX, as pessoas se referiam a essa situação social que hoje

se entende como sendo uma relação de liderança, e àquele ator nesta relação que se conhece

hoje como sendo um líder? Outras pistas precisavam ser encontradas.

Uma pista interessante estava na relação apontada entre a liderança e o poder. Mesmo

autores de orientação mais funcionalista como Bennis e Nanus (1988) observaram, como

resultado das pesquisas que realizaram, que independentemente das muitas definições

existentes sobre liderança, um denominador comum entre todas foi a estreita relação entre os

conceitos de liderança e o poder. Também foi observado, em muitos dos artigos consultados,

que as definições de liderança envolviam algum tipo de “influencia exercida por A sobre B”,

noção esta também encontrada nas definições das relações de poder – veja-se Clegg (2002).

Nos escritos de Max Weber (1999, 2001) sob as formas de dominação, onde o autor

apresenta a sua visão sobre os diversos tipos de líderes – também datados no início do século

XX – o líder é apresentado ligado às relações de poder, nas diversas formas observadas no

ocidente e no oriente. Ou seja, novamente observa-se um imbricamento entre os estudos sobre

relações de poder e aqueles sobre relações de liderança.

Autores, como Clegg (2002), que buscaram fundamentos históricos para a abordagem

do tema no ocidente, costumam citar, como exemplos, as obras de Hobbes e Maquiavel.

Entretanto, ao se consultar O príncipe, percebe-se que o termo líder não aparece no texto. O

que pode ser compreendido hoje como líder na obra é chamado de príncipe – termo mais

adequado à visão de mundo de uma sociedade de estrutura feudal, pré (ou proto) burguesa,

45

O questionamento sobre a conotação do termo não é irrelevante. Vale lembrar que a conotação de “condutor”

no Brasil, quando se refere a indivíduo (e não um “fio condutor”, por exemplo), se considerada no contexto da

primeira metade do século XX, envolve também o responsável por transporte publico urbano, como os bondes,

ou ainda o indivíduo que cuidava de bagagens e conferia as passagens, nos trens – e não o que se entende hoje

como líder. Para as conotações do termo em português hoje, veja-se Houaiss (2001).

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que era o objeto de discussão de Maquiavel à época. Também não é coincidência o fato da

obra se situar muito mais no fundamento dos estudos sobre as relações de poder – como, de

fato pode ser visto na maioria dos trabalhos que fazem uma revisão histórica neste campo –

do que como exemplo de liderança. O mesmo se pode dizer de Hobbes: o autor não fala em

líder, mas aborda as relações de poder com foco em um modelo de ordem, a partir da visão de

um servidor do Estado, de dentro da estrutura monárquica (CLEGG, 2002).

Ou seja, estava claro que a contextualização do tema envolve, de alguma forma, a sua

relação com o poder – como apresentado na seção 3.5.2. Mas, seria possível estabelecer

alguma relação entre a liderança, as relações de poder e o aparecimento tardio do termo em

português (ou mesmo, nessa conotação, em outras línguas)? O momento histórico do

capitalismo no qual surgem as primeiras referências à liderança poderia ser uma pista.

Segundo Barker (2001),

O cânone das teorias de liderança da era industrial é uma adaptação da visão

hierarquizada do universo adotada pelos primórdios da Igreja Católica, e presume

que a liderança diz respeito à pessoa no topo da hierarquia, com suas qualidades e

habilidades excepcionais para gerenciar a estrutura da hierarquia, e as atividades

dessa pessoa em relação ao atingimento de metas (BARKER, 2001, p. 471)

Desta forma, o que se entende por liderança hoje, na ótica da organização, é algo

construído a partir do conhecimento que se tem de hierarquias sociais e de suas estruturas de

comando e de controle – ou, das relações de poder envolvidas – que serão também os

instrumentos de validação da teoria, sem que o resultado seja submetido a uma analise crítica.

O modelo básico utilizado para abordar a liderança é o modelo bélico, centrado na

imagem de um líder fálico e poderoso, que fica no topo de uma estrutura hierárquica

controlando tudo o que está relacionado com esta estrutura – não é irrelevante o fato de que as

primeiras motivações para os estudos, no início do século XX, são identificadas no exército

norte americano. O poder do líder, nesse sentido, está fundado no conhecimento, no controle

e na habilidade de vencer (a guerra) – o que pode ser interpretado, na organização capitalista,

como ganhar fatias de mercado, ou outros ativos, financeiros ou materiais (BARKER, 2001).

Autores que trabalharam dentro da visão de cultura organizacional, como Smircich e

Morgan (1982), veem a liderança como algo que “é concretizado no processo em que um ou

mais indivíduos obtêm sucesso na tentativa de enquadrar e definir a realidade de outros”

(SMIRCICH, L.; MORGAN, 1982, p. 258) – uma noção que também relaciona a liderança

com o poder. Mas a abordagem da liderança como “gerenciamento da cultura” também é

compatível com a ideia de que a liderança vai ser definida na construção social da realidade.

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240

Alvesson e Sveningsson (2003) apresentam como conclusão de suas pesquisas que:

O material empírico aponta para o desaparecimento da liderança. Um olhar mais

próximo, que seja sensível às incoerências e desvios das ditas características da

liderança, mostra que estas se dissolvem. Nem como discurso ela se sustenta. Nem a

presença maciça de scripts para a articulação da liderança nas organizações

contemporâneas, fornecidas por publicações populares e educadores de negócios,

parecem suficientes para produzir um tratamento coerente dessa matéria

(ALVESSON; SVENINGSSON, 2003a, p.379).

Mas o que o material empírico de Alvesson e Sveningsson (2003) revelou não foi

exatamente novo. Argyris (1979) já havia apontado algo nesse sentido no final da década de

1970. Aliás, considerando que o conhecimento em liderança produzido até então foi aditivo e

não cumulativo, e que estava desconectado da pratica da liderança, Argyris abandonou esse

campo de pesquisa. Na mesma linha, Calder (1977) via a liderança apenas como um rótulo

para o que se conhece como influencia interpessoal, à qual se poderia agregar o construto

privilégio, o que, de acordo com Pfeffer (1977), seria reforçado pelos efeitos simbólicos das

cerimônias e dos processos de seleção e iniciação em liderança.

Em resumo, de um lado a literatura conduzida pelo mainstream trata o líder e a

liderança como um dado da realidade, o qual, em uma visão funcionalista, deve ser

conhecido, para que se possa ter sobre ele uma ação – treinando e desenvolvendo líderes e

liderança, ou identificando “disfuncionalidades”, as quais, uma vez abordadas, poderiam

aumentar a efetividade do líder e da liderança. Do outro lado, autores mais críticos como

Alvesson e Sveningsson (2003) e Calder (1977) chegam a colocar em dúvida a própria

realidade da liderança. Entre eles, podem ser encontrados autores de orientação

interpretacionista, que identificam na liderança uma construção social – o que, na maioria das

vezes, apenas explica a sua relação com outros construtos.

Para desenvolver a teoria da tese, apresentada nesse capítulo, foi preciso considerar

todos esses movimentos: ao contrário do que ocorre no positivismo, onde a identificação de

uma contradição é usada para eliminar o conhecimento que gerou a contradição, dando

origem a um outro conhecimento que deve ser livre de contradições, a Dialética negativa de

Adorno (2009) admite que a realidade social é contraditória, uma vez que fruto de uma

construção coletiva, e não algo dado pela realidade. A identificação da contradição deve

apontar um “bloqueio” do que seria uma expectativa gerada pelo diagnóstico da realidade, a

qual, por sua vez, é historicamente determinada. É por isso que, para Adorno, não se pode

querer conhecer um objeto social buscando a eliminação de suas contradições. Pelo contrário,

para conhecê-lo, deve-se buscar também as contradições que nele convivem.

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Na seção 2.2.3.5, foram apresentados quatro aspectos que pretendem caracterizar a

ideologia, como apresentada por Adorno e Horkheimer (1971): ela é uma justificação, que se

refere a um produto espiritual que surge no processo social como algo autônomo e dotado de

legitimidade, e que ocorre nas situações onde as relações de poder não são transparentes. Por

fim, na forma como se apresenta hoje, mais do que esconder a realidade, a ideologia se

confunde com ela.

Gemmill e Oakley (1992), afirmam que a liderança é uma ideologia, que teria como

finalidade dar suporte à ordem social existente, fornecendo tanto uma explicação para

disfunções como apontando onde se deve encontrar culpados (GEMMILL; OAKLEY, 1992).

Essa é finalidade uma possível.

Entretanto, se é uma ideologia, uma pergunta que se impõe é: a quem interessaria?

A pista pode ser encontrada em um fato ocorrido durante uma conferência sobre a

liderança, relatado por Barker (2001):

O corpo docente de programas de educação em liderança internacionalmente

conhecidos se envolveram em uma discussão sobre o que seria liderança: uma arte,

um estudo, uma disciplina, um construto teórico, o que afinal? A discussão foi

interrompida pelo mestre de cerimônias que inadvertidamente respondeu a questão,

declarando que a liderança é uma indústria. Essa resposta indica algo sobre a crítica

subjacente, que é o fato de que a venda de treinamento e educação em liderança

criou uma agenda a priori para as pesquisas e para as conclusões a respeito da

liderança (Barker, 2001, p. 469).

Se esse é o caso, poderia até mesmo haver interesse da academia de evitar qualquer

definição precisa, que possa destruir o mito de que para alguns indivíduos na sociedade

estariam reservadas uma maior porção de riqueza e poder, o que estaria relacionado com as

suas habilidades para liderar (Barker, 2001).

Pelo que foi apresentado na seção 3.5.1, todo o desenvolvimento conceitual, que

orientou as pesquisas sobre a liderança, desde o início do século XX até a década de 1980 –

quando é identificado o início da linha abordagem chamadas por Bryman (2009) de “Nova

liderança” – parte do princípio de que a superioridade do líder é “natural”, “não

problemática”, dispensando qualquer análise das relações estabelecidas entre a liderança e o

poder, dadas as características de ser “natural” e “legítima”. E por isso, o exercício do poder

pelos liderados era discutido, para o funcionalismo, sob o título de “resistência”, e não de

“relação de poder” (como foi apresentado na seção 3.5.3 A), e apresentado como “ilegítimo” e

“disfuncional” – como se pode ver em Mintzberg (1983) e Gordon (2002).

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242

Esses aspectos da relação entre a liderança e poder, identificados nas abordagens

tradicionais, enquadram facilmente a liderança nos critérios para a caracterização da ideologia

apresentados por Adorno e Horkheimer (1971). Mas, e o que dizer daquelas desenvolvidas no

que foi chamado de “Nova liderança”? Revendo o que foi apresentado nas seções 2.2 e 2.4, é

possível perceber que as abordagens reunidas sob o título de “Nova liderança” também

partem do pressuposto da “naturalidade” da liderança, acrescido, de acordo com Bryman

(2009), do risco de concentrar o foco de atenção na cúpula organizacional. Mais do que

“naturalidade”, Bass (1997) chega mesmo a propor a universalidade do paradigma

transacional-transformacional.

Mesmo nos modelos que buscam tirar o foco do líder, como no caso das lideranças

dispersa e distribuída (apresentadas na seção 3.4.1.2), que reposicionam o foco no processo,

as relações de poder são ignoradas, desconsiderando o que Clegg (2002) chamou de

“estruturas profundas”, as quais mantêm os padrões socioculturais de comportamento

construídos em relação ao poder, hipostasiados e naturalizados para os integrantes daquele

grupo social, não só impedindo que o tipo de liderança proposta por esses modelos possa

ocorrer “naturalmente”, como também, de acordo com Gordon (2002), permitindo que

detentores dominantes do poder continuem a exercê-lo por meio de uma rede, sob a qual eles

possuem algum controle, em uma outra forma de exercício do poder.

Entre os autores identificados nesta revisão como fazendo parte de uma linha mais

crítica (apresentados na seção 3.5.3), são raros os que, a exemplo do que fizeram Alvesson e

Sveningsson (2003a) e Calder (1977), põe em dúvida a realidade e a naturalidade da

liderança. De qualquer modo, mesmo partindo do pressuposto de sua naturalidade e

necessidade, alguns dos resultados das pesquisas conduzidas por autores mais críticos podem

ser utilizados para minar as bases desta construção ideológica, tanto quando identificam as

contradições presentes em muitos dos seus pressupostos – como foi mostrado para os modelos

de superliderança e autoliderança, e de competências – como nos momentos nos quais

identifica “bloqueios”, ou as contradições entre expectativas e o que é efetivamente

encontrado empiricamente, desfazendo alguns dos mitos envolvidos no conceito, ou ainda

quando identificam nas ações envolvendo a prática do que é conceituado como liderança, algo

de trivial e “mundano”, longe do extraordinário, como apresentado pelo mainstream.

Com essas considerações no horizonte, se chega ao ponto de apresentar o que foi

desenvolvido para pesquisa empírica no grupo social escolhido.

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243

4. METODOLOGIA

A possibilidade de gerar o método a partir do assunto, mediante o aprofundamento

no assunto, naturalmente suprime o princípio da separação entre método e assunto.

Na verdade, na sociologia o método é em grande medida mediado pelo objeto e é

decisivo que a sociologia se torne ciente dessa mediação (ADORNO, 2008, pg.

179).

Em função das peculiaridades presentes no método proposto por Adorno para a

abordagem empírica do objeto, a metodologia será apresentada buscando-se, sempre que

possível, a referência à teoria. E como expresso na epígrafe deste capítulo, o método deve ser

desenvolvido de acordo com as necessidades de conhecimento do pesquisador, mas

considerando das dificuldades próprias do objeto que se busca conhecer. É como buscar, entre

os instrumentos disponíveis, aquele que melhor se prestaria a “romper a casca” ideológica que

esconde o objeto – ainda que considerando que a casca não deixa de ser parte integrante dele.

Como não existe um roteiro, ou qualquer outro tipo de organização de procedimentos

metodológicos, que pudesse orientar os passos de um pesquisador interessado por utilizar uma

abordagem empírica do objeto social a partir de fundamentos propostos por T. Adorno, não se

pode desconsiderar aqui a influência exercida pelos princípios gerais que orientaram a

pesquisa conduzida para o desenvolvimento da escala F. Entretanto, para que não fiquem

dúvidas sobre como essa influência impactou a tese, e principalmente o que as diferenciam,

alguns pontos referentes a essa relação devem ser esclarecidos:

a) o desenvolvimento da escala F não foi uma “aberração” na trajetória acadêmica de

T. Adorno. Não apenas ela nunca foi renegada por ele, como, pelo contrário, é

utilizada como exemplo de abordagem empírica não apenas em aulas posteriores à

publicação da Dialética negativa – veja-se Adorno (2008a), que são aulas de 1968

– mas também em seus textos teóricos, como acontece no capítulo “Experiências

científicas nos Estados Unidos” de Palavras e sinais, um dos últimos trabalhos de

T. Adorno, publicado pela primeira vez em 1969, ano do seu falecimento.

b) em nenhum momento se pretendeu desenvolver nesta pesquisa algum tipo de

“escala”. Não somente a intenção é outra, como os procedimentos a serem

utilizados para esse fim seriam bem diversos. Aliás, a escala utilizada nessa

pesquisa já existe, está validada para o Brasil, e foi utilizada apenas para gerar

informações a respeito da coletividade dos indivíduos – e não para investigar

aspectos clínicos de um indivíduo específico.

c) em resumo, a Authoritarian personality é usada apenas como exemplo prático da

utilização vários procedimentos para buscar romper a opacidade do objeto social.

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244

Em relação aos procedimentos utilizados nessa pesquisa, autores críticos questionam

abordagens que partem do pressuposto da realidade do construto liderança, a partir da qual o

pesquisador passa a “„forçar‟ os respondentes a responderem a itens de um questionário sobre

a liderança, desta forma produzindo o fenômeno” (ALVESSON, M.; SVENINGSSON,

2003a, p.360). E, na última seção da teoria – sobre a ideologia da liderança –, foi discutido

como o conceito é construído em nossa cultura, o qual fica refletido nas abordagens

identificadas com o mainstream apresentadas nas seções anteriores, além de apresentar

algumas das contradições identificadas em aspectos que foram incluídos no conceito.

Em outros termos, para a condução da pesquisa, a liderança não foi considerada como

algo dado e natural nas relações sociais, mas uma ideologia, cuja realidade é expressa pelo

fato de que as pessoas, de fato, se organizam em suas relações sociais a partir desse

pressuposto, mas que esconde o fato de que as relações poderiam se organizar a partir de

outros pressupostos escolhidos – e que, como outras construções sociais, é contraditória.

Assim considerado, pode-se dizer que o objeto de pesquisa é e não é conhecido – o

que trás um primeiro problema de ordem metodológica: essa será ou não uma pesquisa

exploratória?

A pergunta de estímulo para o relato da entrevista vai buscar não passar para o

entrevistado uma ideia específica que possua o entrevistador sobre o objeto, mas estimular o

entrevistado, em sua resposta, a partir de algo que ele identifica como tal em sua realidade.

Nesse sentido, o pressuposto é de que o objeto é algo identificado, existente. Mas, se é

ideológico, a sua existência não é natural e necessária, existindo nesse objeto algo oculto, que

como tal deve ser explorado.

A consideração desse pressuposto vai deixar o pesquisador diante de uma primeira

contradição: a pesquisa não seria considerada exploratória se se parte do principio que o

objeto é conhecido, e já foi investigado em inúmeras pesquisas anteriores; mas é exploratória,

porque nessa pesquisa não deve ser considerada a realidade daquilo que já foi desenvolvido

em torno do conceito pelo mainstream, devendo o conceito, para o grupo social estudado, ser

resultado do que foi obtido dentro do próprio grupo – não a partir do que foi dito pelos

indivíduos, mas do que foi interpretado.

No entendimento do autor desta tese, qualquer escolha nesse sentido pode ser

apontada como contraditória. Mas, como para a apresentação de um trabalho científico é

esperado que essa caracterização seja apresentada, será necessário realizar escolhas.

Defende-se que, de modo geral, a pesquisa será caracterizada como:

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245

- Exploratória, uma vez que não se parte do pressuposto de que aquilo que já foi

investigado dentro do conceito de liderança é o mesmo objeto a ser explorado nessa pesquisa

– ainda que a pergunta orientadora da entrevista apresente algo que pode ser identificado;

- Baseada em um estudo de caso

- De caráter qualitativo.

A base da pesquisa são as entrevistas, realizadas utilizando a metodologia a ser

descrita mais adiante. Também foram utilizados textos oficiais – como publicações em jornal,

atas de reunião, etc. – anotações de participação em reuniões e assembléias, além de quaisquer

outras informações objetivadas, que tivessem sido produzidas no contexto líder/liderado

estudado, como os registros realizados pelos participantes de reuniões sobre algum assunto.

Recursos quantitativos foram utilizados apenas com a finalidade de dar suporte para o

trabalho com os dados qualitativos. Nesse caso, foram utilizadas, basicamente:

a) a estatística descritiva, para organização de dados produzidos nas entrevistas;

b) uma escala de personalidade, para abordar esse aspecto no conjunto de indivíduos;

c) procedimentos para análise da diferença entre os grupos, quando o tipo de dado

numericamente organizado demandar a verificação desse aspecto.

O que se foi realizado, então, na pesquisa, foi o seguinte:

1) Partiu-se do princípio de que, para o objeto sociológico construído no processo das

relações socialmente estabelecidas entre os indivíduos, não se pode falar em uma completa

identidade entre o conceito e o objeto. Mas, como foi apresentado na seção 3.5.2, se pensar é

identificar, o conceito deve ser o ponto de partida. Em outras palavras, só será possível

superar o conceito a partir do conceito. Mas a intenção foi, em todo tempo, fornecer as

condições de expressão das contradições presentes no conceito, identificadas por aquilo que é

parte do objeto, mas é excedente no conceito.

O conceito deve ser produzido pelos entrevistados. Por princípio, o conceito de

liderança – um universal – só pode ser compreendido a partir dos indivíduos – os particulares

– que participam da relação social que se estabelece entre indivíduos que se identificam como

líderes e liderados, e que é compreendida pelos participantes como sendo uma relação de

liderança. Ou seja, parte-se do princípio de que o objeto da pesquisa existe, pois os atores

envolvidos nessa relação social concordam sobre o que estão dizendo – ainda que seja algo

que foi discursivamente constituído.

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246

Tanto nas abordagens do mainstream, como para muitos autores de orientação mais

crítica – como pode ser observado no capítulo 3 – percebe-se que qualquer contradição

eventualmente existente nessa relação deve ser identificada entre líderes e liderados.

Entretanto, ao estabelecer esse tipo de pressuposto, o pesquisador está hipostasiando as

relações de liderança, conferindo ele mesmo uma realidade absoluta a algo que, por hipótese,

deve ser apenas uma construção social, que cristaliza padrões ideológicos de relações,

relativos ao meio no qual foram criados.

Barker (2001) já havia reportado que, apesar da nossa experiência com as relações de

liderança indicar um processo social contínuo, no qual ora se é líder, ora liderado, os estudos

de liderança em organizações têm sido conduzidos, em sua maioria, isolando-se um evento ou

uma série limitada destes, como se tivessem começo e fim, e analisando-os com o pressuposto

de relação causa-efeito – o que não corresponde ao processo social real. Foi partindo dessa

observação que, na presente pesquisa, partiu-se do princípio – observável nas relações sociais

reais – de que um indivíduo que é líder em determinada situação ou relação social pode vir a

ser o liderado em outra(s) situação(ões) ou relação(ões), no mesmo grupo social. Em outros

termos, não pareceu sensato rotular um indivíduo como líder e outro como liderado, com base

na relação que estabelece apenas em uma situação social escolhida.

A forma que se pensou para propiciar esse tipo estudo foi a utilização de um meio que

pudesse facilitar a visualização de relações sociais múltiplas, em rede, como as que acontecem

em um campo profissional. Fazendo assim, foi possível escapar do tipo de relação verificada

em uma única organização cuja estrutura – também uma criação social – pode induzir o

pesquisador a conferir naturalidade à relação do líder com o liderado, em uma confusão (ou

mesmo escolha) gerencialista do conceito de liderança – que não pareceu ser a mais adequada

para descrever o objeto da pesquisa.

Os indivíduos podem assumir papéis de liderança por muitas razões: serem

proprietários, únicos ou financeiramente majoritários, de alguma organização; por estarem

dentro de uma estrutura hierárquica na qual, por razões normativas, com o passar do tempo, o

indivíduo necessariamente deve assumir funções identificadas como sendo de liderança;

podem ter sido contratados, a partir da avaliação de currículo, para assumir um cargo que,

numa estrutura organizacional hierárquica, está ligado à execução de funções identificadas

(ou definidas) pela organização como sendo de liderança; ainda, podem ter sido eleitos, em

um processo político, para assumir funções estatutariamente previstas em organizações de

caráter associativo; ou mesmo podem se identificados como liderança em grupos não

profissionais dos quais participam, pela forma como se conduz nas relações nesses grupos.

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247

Um campo profissional possui, em geral, muitas instituições de caráter associativo.

Cada instituição deve ter, como objetivo, responder às diversas e específicas demandas

daquele grupo profissional, podendo, para isso, envolver as mesmas pessoas – ou elevado

número delas – em instituições diferentes, para atender às necessidades diferentes do mesmo

indivíduo. Para atingir o objetivo de buscar pessoas que pudessem assumir papéis sociais

diferentes em momentos diferentes – ora o de liderado, ora o de líder, se o mesmo indivíduo

puder ser observado em uma estrutura social mais ampliada, de rede de relacionamentos

interinstitucionais – foram escolhidos líderes em uma rede organizações, de caráter

associativo, em um determinado campo profissional.

A escolha do pesquisador, baseada na teoria, refere-se ao fato de que a possibilidade

de entrevistar um indivíduo avaliando-o a partir da ótica dos dois papéis poderia ajudar a

expressar contradições nesse objeto – o líder e a sua liderança, como expressa na rede de

organizações.

O critério para a escolha dos entrevistados dentro desta rede de organizações de um

grupo profissional foi ocupar a posição de presidência de instituições que possuíssem caráter

associativo – posição essa cujo acesso se dá por um processo de escolha político entre os

pares. Ainda que essas instituições possuam toda uma diretoria cuja atuação tenha um caráter

também operacional, o cargo de presidente destaca um dos diretores para o exercício de

atividades de representação e de articulação com outras instituições – como se pode constatar

pela leitura dos estatutos sociais. Isso diferencia esse indivíduo, descaracterizando o seu papel

como mais associado à gestão e caracterizando-o mais como liderança naquele grupo, a partir

da caracterização de liderança, na forma como foi realizada na teoria.

2) Mas essa escolha de relações em rede, se ajuda a expressar contradições entre o

papel de líder e o de liderado no mesmo indivíduo, ainda não permite uma expressão de

contradições dentro do papel de líder – que é o objetivo perseguido para este estudo. Não se

desejava escolher, como contraponto, o que o mainstream identifica de modo genérico como

“liderados”, uma vez que, como foi visto na teoria, essa visão diádica da liderança, que tem

orientado muitas pesquisas pode revelar as contradições do papel de líder – já que esse é um

papel que também pode ser representado pelo mesmo indivíduo identificado como “liderado”,

dependendo da posição na qual ele se encontra na relação – mas não no papel de líder.

Após avaliar possíveis formas que pudessem facilitar a expressão dessa contradição,

chegou-se à conclusão de que o que poderia ser introduzido na pesquisa, a fim de induzir a

expressão de uma contradição no papel de líder, poderia ser a observação da evolução das

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relações da rede no tempo: deve-se considerar que os líderes de hoje podem não ser os

mesmos de ontem, como poderão não ser os mesmos de amanhã.

Ou seja, considerando um corte temporal, ao escolher líderes hoje em atuação para

investigação estaríamos deixando de fora pessoas que, em outros momentos do mesmo grupo

social, seriam os escolhidos para a pesquisa, mas que hoje, se fossem entrevistados, o seriam

no papel de liderados. Esse aspecto temporal da liderança parecia conter o potencial de ocultar

alguma informação relevante para a compreensão do objeto que se queria estudar. Deveria ser

encontrada uma forma para dar expressão a esse aspecto.

A forma utilizada na pesquisa foi a condução das entrevistas com base em dois grupos,

considerando a mesma rede de relacionamentos e a mesma tipologia de liderança:

a) um grupo de líderes identificados como tal a partir dos critérios anteriores e em

atividade no momento da pesquisa; e

b) um grupo de indivíduos que estiveram nas mesmas posições no passado, mas que, no

momento da pesquisa, por razões diversas (que foram exploradas na pesquisa), não

eram mais identificados pelo grupo como lideranças – estando, conceitualmente, no

grupo social escolhido, no papel de liderados.

Essa escolha foi feita com a intenção de possibilitar a expressão da contradição que é

imanente ao conceito. Ressalta-se que não seria possível chegar a essa escolha sem um

momento de especulação, entendida a partir do que foi discutido na seção 3.5.2 (B) – por

parte do pesquisador.

3) Uma vez escolhidas as unidades empíricas de análise, discorre-se sobre as formas

propostas para obtenção das informações. Em outros termos, a metodologia escolhida para

lidar com os objetos de investigação, deixando que eles possam se expressar, com o mínimo

de interferência possível por parte do pesquisador.

Parte-se do princípio de que não é possível nem uma neutralidade axiológica, nos

moldes weberianos, nem a manutenção de uma posição de observador isento durante a

entrevista, como discutido na seção 3.5.5 – visto também que algumas categorias de

informações serão estimuladas, para efeito de comparação. Mesmo assim, todo o desenho da

entrevista foi pensado de modo a poder deixar o objeto falar, o mais possível, a partir de sua

própria ótica.

Também as participações nas reuniões de junho de 2010 e de junho de 2012 foram

conduzidas de modo a estimular a expressão dos participantes, cuidando para que se

expressassem com o máximo de autonomia, com um mínimo de interferência do pesquisador.

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249

Em relação às demais informações obtidas a partir da participação em reuniões e

assembleias, onde o registro foi sobre o que ocorria durante a interação entre os presentes, e

dos documentos envolvendo a vida social dessas organizações, o grau de intervenção do

pesquisador ficou, por princípio, limitado.

4) Por fim, são apresentadas as estratégias para o preparo, a apresentação e a análise

dos dados obtidos. No momento do preparo e apresentação, são necessárias interpretações

referentes ao conteúdo do material, de modo a aproximar e reunir objetos semelhantes,

facilitando a sua comparação pela proximidade. Sempre que possível, neste momento de

organização dos dados, as interpretações estarão relacionadas à teoria – uma vez que ela se

refere à forma como os entrevistados se veem nessa relação. Onde não couber teoria para a

interpretação, as bases utilizadas para interpretar o material são apresentadas de modo a

propiciar, para o leitor, a avaliação da propriedade da interpretação realizada – dito de outra

forma, facilitar para o leitor dizer se é possível utilizar o critério de intersubjetividade na

interpretação daquele dado.

Os dados serão analisados a partir de suas relações intragrupo e entre grupos,

buscando ao máximo manter-se na informação que pode ser retirada do dado. Isso significa

que todo movimento de interpretação deverá ser aferido no dado, na forma como se apresenta,

e não inferido a partir de impressões não registradas. Se em algum momento esse tipo de

inferência puder ser útil, deverão ser apresentados fundamentos que a sustentem.

O passo seguinte, o da discussão dos achados ficará para o capítulo 6. Nesse momento

os dados, organizados dentro de uma visão de naturalidade do conceito de liderança, serão

utilizados para a sua reconstrução. A ideia é realizar a aproximação, na forma constelatória,

dos conceitos produzidos pela reunião dos fragmentos resultantes do processo de análise.

Passa-se, então, ao primeiro item proposto: o dos critérios de seleção.

4.1 Critérios para a seleção das unidades empíricas de investigação

A pesquisa foi conduzida de modo a permitir realizar-se uma “crítica imanente”. O

primeiro pré-requisito, portanto, deve ser: o pesquisador deve familiarizar-se com o objeto a

ser investigado. Deve ter participado da dinâmica dos processos sociais que o caracterizam,

dito de outro modo, o objeto deve ser conhecido em suas relações internas, no seu modo de

“funcionar”.

O tema são os líderes e a liderança. Isso significa que o pesquisador deve ter

participado da dinâmica das relações entre líder e liderado – de preferência nos dois polos

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250

dessa relação46

. O objeto escolhido para estudo, em cumprimento a esse pré-requisito, foram

os líderes e sua liderança em uma rede de organizações que reúne as várias unidades

associativas de um grupo profissional de nível superior, em que os diversos líderes são

escolhidos a partir de um processo político representativo, efetivado por meio de eleições.

Considerou-se que, durante a fase de pesquisa, não seria desejável que o pesquisador

fosse um ator ativo nesse processo, pois, se a neutralidade axiológica (nos termos weberianos)

pode não ser alcançável. Por outro lado, estar ativamente posicionado em uma relação poderia

criar um viés de percepção, o qual poderia carregar, em si, um potencial para dificultar a

interpretação do que está em andamento.

Desta forma, o segundo pré-requisito foi: o pesquisador deve afastar-se de todo o jogo

de poder envolvendo as relações de liderança escolhidas para investigação, por algum tempo

antes de se dar início à realização da pesquisa de campo e durante o período em que ela

ocorreu.

Considerou-se que um afastamento completo poderia dificultar a realização de uma

“crítica imanente”. A forma de se contornar esse problema, sem desconsiderar os dois pré-

requisitos apresentados anteriormente, foi a seguinte: a maioria dos líderes de instituições de

caráter associativo desse grupo social já há alguns anos é convidada a participar de um grupo

de discussão e de formação para as lideranças, patrocinado por uma federação de associações.

E muitos participam, ainda que, por não ser algo obrigatório, as pessoas não sejam exatamente

as mesmas todos os meses. Esse grupo de discussão e de formação para as lideranças é

mediado por profissionais com muitos anos de experiência nas áreas de Psicologia e

Sociologia organizacionais.

O pesquisador foi convidado a participar desse grupo, inicialmente no papel de um dos

mediadores, o que propiciou um lugar estratégico para a observação das relações interpessoais

e interinstitucionais nessa rede de associações. Essa posição foi ocupada por cerca de um ano

e meio a dois anos, na fase de pesquisa que coincidiu com as entrevistas.

Uma vantagem desse tipo de grupo está no fato de que, como já foi dito anteriormente,

pessoas que são líderes escolhidos em algumas das associações são os liderados de outras, o

que rompe com a visão unidirecional líder-liderado, propiciando novos insights sobre essa

relação. Assim, uma das fontes de informações utilizadas foram as reuniões desse grupo.

46

Considerando os papéis formais, o pesquisador já foi presidente eleito de uma sociedade anônima de capital

fechado e presidente de conselho de sociedade anônima de capital fechado do ramo financeiro, eleito nos dois

casos pelos acionistas. Foi também diretor eleito de sociedades associativas no ramo financeiro, além de ter

exercido papéis de liderança em organizações do setor público de estrutura hierárquica e em uma organização na

área educacional.

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251

O grupo foi informado sobre a existência da pesquisa – até porque muitos de seus

membros foram individualmente entrevistados. Mas foi considerado que a gravação das

reuniões poderia interferir na espontaneidade das relações e limitar algumas das participações.

Dessa forma, os dados relevantes para a pesquisa foram anotados para utilização posterior,

como em uma pesquisa etnográfica.

A forma primordial para a obtenção de informações, como já foi dito, foi a realização

de entrevistas diretamente com os indivíduos. Considerando a própria dinâmica desse tipo de

grupo, no qual nem as pessoas nem as relações, ao longo do tempo, são fixas, foi necessário

estabelecerem-se critérios para a seleção dos entrevistados.

O primeiro critério é o mais óbvio e já citado: a presidência de uma dessas

organizações. O cargo de presidente em uma instituição associativa diferencia esse indivíduo

dos outros componentes, por exemplo, os outros membros de sua diretoria. Essa diferenciação

comumente está associada ao reconhecimento, pelo grupo, de que esse indivíduo deve

assumir funções de ordem mais ligadas à representação política do que de ordem operacional.

Assim, ainda que, em muitos casos nessas organizações, toda uma diretoria já possa implicar

posições de liderança, o cargo de presidente destaca esse indivíduo efetivamente como líder

do grupo. Como consequência dessa observação, todos os presidentes das organizações

associativas foram convidados a participar das entrevistas.

Para esse grupo, foram escolhidos também mais dois indivíduos que desempenharam

importantes papéis no desenvolvimento das relações interinstitucionais no grupo escolhido,

apesar de não terem exercido o papel de presidentes dessas organizações: o primeiro, do sexo

masculino, ocupou e ocupa importantes posições em diretorias atuais, enquanto o outro, do

sexo feminino, já foi diretor em várias instituições associativas, mas não ocupava posição de

destaque há algum tempo e até o momento da pesquisa.

O critério de escolha para o segundo grupo, como foi anteriormente apresentado, levou

em consideração a busca das contradições que existem no objeto. Foram convidados a

participar indivíduos que já foram presidentes dessas e de outras organizações associativas,

mas que, atualmente, por qualquer que fosse a razão, não ocupam mais nem a presidência,

nem outras posições de liderança em qualquer instituição representativa nesse mesmo grupo

profissional. Para a escolha desse segundo grupo de indivíduos, além dos casos mais

evidentes (para o grupo) foram também consideradas as citações feitas por indivíduos que

estavam sendo entrevistados – uma vez que, pelo tipo de objeto de investigação escolhido, a

atenção deveria estar voltada para a rede de relações.

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Na metodologia de abordagem do objeto proposta por Adorno, como apresentado na

seção 3.4, são consideradas significativas as ocorrências localizadas fora das medidas de

tendência central. Para isso, durante as conversas com os indivíduos previamente

identificados como objeto de investigação na pesquisa (e, portanto, que faziam parte da rede

de relacionamentos), atentou-se para a citação de pessoas que, estando no mesmo grupo social

profissional, eram vistos como lideranças “diferentes” ou “fora da média”.

De três casos citados nesse critério, dois foram contatados e participaram das

entrevistas: o primeiro, do sexo feminino, é uma pessoa que, apesar de não ter sido presidente

de alguma organização profissional nem de ter tido qualquer participação político-partidária,

já havia assumido posições de chefia, formais e informais, por escolha da base, e que, além

disso, era reconhecida, em seu grupo, como uma liderança social efetiva, funcionando como

núcleo aglutinador de indivíduos que, talvez, sem a sua presença, não seria um grupo. O

segundo indivíduo, do sexo masculino, já havia dirigido durante oito anos uma instituição

ligada ao poder público, é identificado como liderança local pelo poder público e por políticos

ligados à sua região de atuação e que, a despeito disso, apresenta comportamento bem diverso

da média dos indivíduos que fizeram ou fazem parte da rede de lideranças das organizações

associativas.

Nesse momento, impõe-se um terceiro critério para a formação dos grupos: como o

número de indivíduos para o grupo de líderes inativos não está previamente dado – ao

contrário do que ocorre no grupo de líderes que são “presidentes” atuais, o que se refere a um

número limitado de posições de liderança –, para a decisão sobre a quantidade a ser

considerada suficiente de líderes inativos buscou-se equilibrar o número desses indivíduos

com aquele observado no primeiro grupo. A finalidade foi minimizar algum tipo de tendência

que pudesse ser determinada por uma desproporção no número de indivíduos, quando da

análise dos resultados.

O número inicial de indivíduos com perfil que pudesse enquadrá-los na pesquisa ficou

em quase 35. Nesse grupo, houve dois indivíduos que, apesar de num primeiro contato terem

se disponibilizado a participar da pesquisa, ou não compareceram no dia agendado

(fornecendo uma desculpa questionável) ou simplesmente não conseguiram apresentar uma

data para a sua realização. Isso foi interpretado como uma recusa à participação e o fato

respeitado como tal.

O grupo final ficou composto de 33 indivíduos subdistribuídos da seguinte forma: 16

lideranças de organizações associativas, em atividade no momento, das quais apenas um não

exercia o cargo de presidente; e 17 indivíduos que foram presidentes ou líderes associativos

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reconhecidos em seus grupos, mas que, no momento, não estavam em papéis, em seus grupos

associativos, que se possa caracterizar como sendo de liderança.

Essas mesmas pessoas podem ser subdistribuídas em 30 indivíduos do sexo masculino

e três do sexo feminino – os critérios utilizados não permitiram encontrar muito mais

mulheres para a pesquisa, e uma das convidadas “não conseguiu agenda” para participar.

Também podem ser subdistribuídas entre 30 indivíduos que são ou foram presidentes

de instituições de caráter associativo e três que foram diretores ou assumiram posições

identificadas pela teoria como sendo de liderança – muitas vezes em mais de um mandato

e/ou em mais de uma instituição –, mas que não foram presidentes dessas instituições.

Como já foi dito, em uma rede, o indivíduo que é identificado como líder em um ponto

pode ser liderado em relações envolvendo outros pontos da mesma rede. Isso facilita a

descrição de uma questão que pode surgir em pesquisas sobre relações de liderança: se é

relação, não se deveria pesquisar apenas um polo (o do líder), negligenciando o outro (o do

liderado). Em uma relação em rede, em que os papéis são mutáveis, esse problema fica um

pouco diminuído, pois escolhendo um indivíduo – líder ou ex-líder – estão dadas as condições

para a abordagem dos dois polos da relação.

Nesse ponto, enfatiza-se o que já foi feito. Para o primeiro grupo, o de líderes, tem-se

um critério de escolha que poderia ser o mesmo utilizado por qualquer pesquisa usual e que

pode ser aferido nas medidas de tendência central, ou seja, a observação das coisas como são

dadas pela realidade atual, que estejam pautadas na identidade entre o conceito e o objeto.

Para o segundo grupo, ainda que formado a partir de um critério que busca a contradição, para

abordar os casos como grupo exigiu organizar os dados de modo semelhante ao do primeiro

grupo.

Escolhidos os indivíduos a serem investigados, passa-se às estratégias que foram

utilizadas para a coleta dos dados.

4.2 Estratégias para a coleta dos dados

A abordagem de objetos tão complexos como as relações de liderança não deve

acontecer a partir da exploração de apenas uma única linha. Se o tema envolve indivíduos e a

relação entre eles, de início já se pode postular dois níveis de abordagem: o dos indivíduos e o

das situações nas quais acontecem as suas relações.

A forma básica escolhida para obtenção dos dados foi:

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254

a) A realização de entrevistas com os indivíduos escolhidos pelos critérios demonstrados.

Mas foram escolhidos outros meios de produção de informação, com potencial de

propiciar a expressão do objeto nas duas abordagens – a do indivíduo e a das relações

entre os indivíduos;

b) do lado do indivíduo: como foi visto na teoria, vários foram os trabalhos que

consideraram, nas relações de liderança, fatores relacionados à personalidade. Assim,

foi realizada a aplicação de uma escala com essa finalidade;

c) para investigar as relações, foram acompanhadas situações nas quais as relações

ocorrem efetivamente, como as assembleias ordinárias e extraordinárias das

organizações das quais fazem parte os indivíduos escolhidos, e reuniões de lideranças;

d) também foram pesquisados os editoriais dos jornais das organizações associativas,

instrumento muito utilizado pelos presidentes para comunicação de ideias e propostas

(de modo especial as que ainda estão em fase de acertos de ordem política) ou

quaisquer outros documentos impressos pela mídia que digam respeito ao tema

abordado.

Também foram incluídas nesse grupo pesquisas realizadas em redes sociais, como o

facebook. Para tanto, o autor conectou-se, na rede, às organizações que mantêm conta no

facebook, bem como aos grupos de discussão específicos na categoria profissional.

Em função das divergências, as diferentes formas serão abordadas em seções diversas.

4.2.1 Abordando o indivíduo: as entrevistas e a escala

Uma vez estabelecidos os critérios, os indivíduos foram contatados para a marcação da

entrevista. No momento acertado, era explicado o objetivo geral da entrevista, colocado de

forma bem genérica como “uma investigação sobre liderança”, sem entrar em mais detalhes

para não influenciar as respostas. Obtida a concordância, era solicitada a leitura e assinatura

de um termo de consentimento, no qual o indivíduo era informado de que seu nome seria

mantido em sigilo durante todo o processo da pesquisa e ele era informado de que, se

desejasse, poderia ter acesso a todo o seu material a qualquer momento da pesquisa, inclusive

com o direito de discutir alguma parte do texto que lhe fizesse referência.

Considerou-se que, quanto mais estruturada fosse a entrevista, mais ampla poderia ser

a interferência do entrevistador sobre o resultado da mesma – em outros termos, menor a

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255

possibilidade do objeto de falar sobre si mesmo. O desenho da entrevista, então, passou a ser

um fator primordial para se obter o resultado desejado.

A) A entrevista

Buscando atingir esse objetivo, a primeira fase da entrevista teve início com uma única

pergunta, a mesma para todos os entrevistados – ainda que o tom coloquial da entrevista

pudesse modificar um pouco o modo como a questão era formulada. A solicitação era

apresentada, em termos gerais, do seguinte modo: “conte-me a sua história relacionada ao

tema liderança”. Se, na sequência, o indivíduo perguntasse algo como “desde quando?” ou

“liderança de que?” ou “você quer saber sobre minha atividade como presidente da ... ?” ou

qualquer outra pergunta semelhante – o que foi relativamente comum nas entrevistas –, a

resposta era sempre a mesma: “à vontade, você escolhe”.

É importante deixar claro aqui que não se trata da utilização do método de pesquisa

“história de vida”. Mesmo considerando que alguns dos entrevistados foram abordados em

mais de uma seção para abordagem de pontos que não ficaram claros na primeira entrevista,

para a maioria dos entrevistados a abordagem foi realizada em uma única seção, pois a

intenção era a de observar as suas escolhas – o que não seria adequado, se a “história de vida”

fosse o método escolhido. O “você escolhe” teve a intenção justamente de deixar que o

indivíduo fizesse escolhas, associando livremente o que era considerado para ele importante, e

não a de buscar reconstruir sua história, ou de registrar toda a sua memória para depois tentar

estabelecer relações entre as ocorrências e o tema.

Para não descuidar do fato de que a personalidade, para Adorno et al. (1982), não é

algo fixo que se recebe de início e permanece inalterado durante toda a vida, e sim algo que

evolui sob o impacto do ambiente social – e que, por isso, não pode ser isolada da totalidade

social na qual ocorre – foram considerados alguns aspectos relevantes a se atentar. Por

exemplo, considerando a importância das experiências vividas na infância e adolescência

referentes ao tema – a partir do que foi apresentado na teoria (seção 3.5.2) – caso, depois de

esgotada a resposta inicial, o indivíduo não tivesse abordado espontaneamente essa fase, era

realizada uma pergunta do tipo “e como foi isso na sua infância/adolescência?”. Entretanto,

como o foco eram as escolhas realizadas pelo entrevistado, era registrada a importante

observação de que ele não escolheu abordar o tema nesta fase da vida.

De acordo com a teoria que conduziu a pesquisa para o desenvolvimento da escala F,

os efeitos das forças ambientais na modulação da personalidade seriam tão mais profundos

quanto mais cedo ocorressem na história do indivíduo – de modo especial, os efeitos daquelas

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256

que acontecem na vida familiar da criança. Por essa razão, percepções espontâneas

relacionadas à liderança de um familiar próximo, como parentes de primeiro grau (pais, avós,

irmãos e tios), foram consideradas com cuidado. Da mesma forma, atentou-se para a

proximidade da família com o poder local, principalmente para os indivíduos que foram

socializados em cidades pequenas, onde frequentemente se pode observar mais proximidade

das famílias envolvidas em disputas de caráter político-partidário.

Durante as entrevistas, o que se apurou foi que os indivíduos que referenciaram a sua

história de liderança na infância, frequentemente identificaram espontaneamente essa relação.

E, por isso, para efeito de comparação, para aqueles que não fizeram menção espontânea a

essas relações na infância, a pergunta direta sobre a questão era realizada em algum momento

posterior da entrevista, quando o assunto criava a oportunidade.

Levando-se em consideração esses aspectos da vivência do indivíduo durante a sua

infância, com o poder, para a transformação das entrevistas em categorias a serem analisadas,

atentou-se, então, para os seguintes aspectos:

a) Em que fase da vida ele vai se identificar com o tema da liderança: infância,

adolescência, vida universitária, início da vida profissional ou no momento de sua vida

profissional que se relaciona ao que está acontecendo no momento atual?;

b) como ele vai lidar, no início do relato, com a sua caracterização como líder feita pela

pergunta inicial. Aqui se inclui a sua percepção do que seja a liderança, se algo ligado

ao indivíduo ou mais ligado à estrutura, como nas atividades de gestão;

c) qual a sequência escolhida para o relato, ou seja, o que ele inclui na sua visão de

liderança – o que também se relaciona à duração desse seu relato inicial;

d) quais as pessoas que ele, espontaneamente, escolhe para associar, no relato, à sua

trajetória de liderança – aí incluídas as influências familiares e sociais recebidas;

e) como ele, espontaneamente, caracteriza ou conceitua a liderança, com atenção especial

aqui às peculiaridades apresentadas nos relatos – se ele considera essa atividade como

um ônus ou uma vantagem; se ele se considera um sedutor para suas causas ou se ele

se considera manipulado por aqueles que estimularam as suas ações.

É a partir dessa primeira resposta que foram realizadas as perguntas subsequentes.

Elas deveriam ser o mais breves possível, visando apenas estimular respostas para se obterem

as informações que ainda não haviam sido espontaneamente fornecidas, com o mínimo

possível de interferência do pesquisador. A ideia era a de que, ao final da entrevista, houvesse

informações suficientes sobre:

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257

a) A sua infância: como eram as relações com colegas de turma e com os parentes mais

próximos, no ambiente familiar, no que poderia se relacionar com o tema;

b) as influências sofridas dos pais e parentes de primeiro grau: pais, irmãos

(principalmente os mais velhos), avós, tios e primos;

c) se havia, em seu ambiente familiar, atividade política partidária: com participação

direta ou indireta de seu núcleo familiar;

d) como havia sido a sua participação nos grupos que normalmente se formam na

adolescência, pontuando, se necessário, sua participação em grupos religiosos,

grêmios estudantis ou quaisquer outros grupos de adolescentes identificados pelo

respondente como relevantes;

e) como havia sido a sua vida universitária, desde o início, ressaltando, se necessário, a

participação em diretórios acadêmicos, participação em política estudantil,

participação político-partidária, participação em atividades sociais próprias do grupo

estudantil como shows, festas, movimentos artísticos ou quaisquer outros movimentos

próprios dos grupos sociais dos quais participava nesse período;

f) como havia sido o início de sua atividade profissional, perguntando mais

especificamente sobre movimentos relacionados à sua formação e inserção na vida

profissional, atividade político-partidária, atividades associativas ou quaisquer outras

atividades relacionadas ao início da participação na vida de um grupo profissional

específico;

g) como havia sido a sua evolução nos grupos em que exerceu a liderança, solicitando

que especificasse melhor os aspectos que, durante o relato, ele interpretasse como

relevante;

h) como ele via a atividade representativa de grupo ou a liderança de movimentos

associativos, atentando para se, em sua interpretação, ela poderia ser caracterizada

como algo fácil e natural ou um sacrifício, um fardo;

i) se havia a sensação de ter sido usado ou “explorado” pelos indivíduos de sua base de

representação;

j) se ele considerava o exercício da liderança um sacrifício, uma exploração por quem

não quer se comprometer ou uma vantagem, uma distinção;

k) percorrida essa trajetória, era solicitado ao indivíduo que, a partir de sua experiência

no campo, conceituasse a liderança;

l) a partir de sua conceituação de liderança, era solicitado que exemplificasse o que, em

sua percepção, seria um líder verdadeiramente e o que ele considerava como falso

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258

líder. Nesse momento, deixava-se o indivíduo à vontade para fornecer ou não

exemplos, a partir dos grupos do qual participava – nesse caso, utilizando sua visão de

liderado.

É importante também acrescentar que, dependendo do transcorrer da entrevista, caso o

entrevistador identificasse que algo relevante estava sendo mencionado pelo indivíduo, ainda

que não fizesse parte da sequência habitual a ser percorrida, ele era estimulado a discorrer um

pouco mais sobre esse tema.

É certo que, em uma pesquisa com um objeto social do qual faz parte o pesquisador,

este não pode deixar de se relacionar, de alguma forma, com o seu objeto de investigação. A

atenção que foi preciso desenvolver em todos os momentos da pesquisa nos quais era preciso

estimular uma resposta específica do entrevistado foi fazê-lo de modo a não sugerir uma

impressão prévia. Quando cabia uma pergunta geral, do tipo “como você foi escolhido?” ou

algo direto desta forma, não havia problemas. A questão mais difícil era a produção de uma

resposta para comparação com outras. Como exemplo, no caso de saber sua posição quanto a

se sentir ou não “explorado” por aqueles que o elegeram ao papel de líder, uma das formas

utilizadas para isso foi fazer a pergunta apresentando contrapontos do tipo “algumas pessoas

pensam „x‟, outras „y‟ ou „z‟: qual é a sua impressão sobre essa questão?”. Felizmente, foram

poucas as situações desse tipo.

Não havia duração prévia estabelecida para as respostas – o entrevistado sempre era

deixado muito livre para discorrer sobre o que considerasse relevante, do modo como

considerasse mais adequado. Eventualmente, um entrevistado perguntava se estava sendo

muito prolixo ou se estava fugindo do que era perguntado, e a resposta era “fique à vontade”.

A razão para isso era a de que as escolhas dos caminhos a serem percorridos para responder a

uma pergunta deveriam ser consideradas relevantes para a pesquisa e, portanto, levadas em

consideração quando de sua interpretação. Em função desse fato, houve entrevistas que

duraram cerca de 30 minutos, enquanto algumas outras duraram mais de uma hora – uma das

quais com duração total de quase três horas. A maioria, no entanto, teve a sua duração situada

entre esses dois extremos, entre 40 minutos e uma hora.

Deve-se registrar que muitos dos entrevistados foram abordados em mais de um

momento – ou para se tirar uma dúvida surgida durante a transcrição ou análise da entrevista

ou para se perguntar algo que se tornou relevante após a sua entrevista ter sido realizada ou

para qualquer outro tipo de esclarecimento necessário. Isso porque, durante a fase de

entrevista, os indivíduos sempre foram deixados bem livres para a condução de suas

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respostas. Como consequência, algumas questões surgiram com frequência, sendo

espontaneamente feitas por muitos indivíduos, o que fez com que elas fossem relevantes,

mesmo sem serem parte da estrutura original programada para as entrevistas. Com isso, foi

necessário, em alguns casos, remarcar um novo momento de entrevista para perguntar sobre

essas questões, principalmente em relação aos primeiros indivíduos entrevistados, se essas

questões não tivessem sido feitas.

Todas as entrevistas foram registradas com um gravador digital que também permitia

o seu arquivamento em back up. Quase a totalidade das entrevistas foi transcrita por uma

mesma bolsista do programa de iniciação científica, sendo que apenas as quatro últimas foram

trabalhadas ou por outra bolsista ou pelo pesquisador.

Para a transcrição, a bolsista foi orientada a redigir exatamente o que era falado,

mantendo-se os erros de linguagem, vícios de fala, eventos como tosse, gaguejar ou quaisquer

outros aspectos da fala que fossem percebidos durante a transcrição. Caso alguma palavra não

fosse adequadamente compreendida, ela era orientada a anotar a dúvida e a marcação de

tempo do momento para aferição posterior pelo pesquisador – uma vez que o arquivamento

digital permitia ao pesquisador o acesso à gravação para as devidas correções da transcrição.

B) A aplicação da escala

Terminada essa primeira fase, a da entrevista, o indivíduo era convidado a marcar a

escala NEO-PI-R. Uma psicóloga do grupo de pesquisa do qual participava o autor desta tese

foi a responsável técnica pelos aspectos referentes a essa fase.

Era explicado ao indivíduo o que se desejava: ele deveria ler uma afirmação contida

no caderno de aplicação, marcando em seguida, na folha de respostas, uma de cinco

possibilidades: (i) se ele discordava fortemente da afirmação ou (ii) se ele apenas discordava;

(iii) se nem concordava nem discordava, o que quer dizer que não tinha opinião formada

sobre ela; (iv) se concordava; (v) se concordava fortemente com a afirmação.

Eventualmente, após a interrupção oficial da entrevista, em conversas mais

descontraídas com o entrevistado, alguma informação relevante para a entrevista era

produzida. Nesse caso, a informação era anotada à parte, de modo a poder ser acessada

durante a preparação e organização dos dados para análise. Nesses casos, nem sempre o texto

efetivo, como dito pelo entrevistado, era aquele que era possível registrar. O que se buscou,

nesses casos, foi manter o espírito da fala (considerando-se o contexto).

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260

4.2.2 Abordando as relações de liderança

Aqui serão expostas as estratégias de investigação dos indivíduos envolvidos nas

relações de liderança, a partir de diversas abordagens, uma vez que, pela diversidade dos

indivíduos envolvidos na pesquisa, são muitas as possibilidades existentes para se observar

essas relações. As quatro estratégias usadas para obtenção de informações serão apresentadas

separadamente.

A) Reuniões do grupo de lideranças das organizações associativas

Há mais de 10 anos existe uma reunião mensal para lideranças, fomentada por uma

federação de associações, com a finalidade de desenvolvimento dos indivíduos e de suas

relações, além de ser um espaço para discussões de caráter político envolvendo temas afeitos

às relações entre organizações. Durante o período de desenvolvimento da pesquisa, o autor

desta tese participou de 10 reuniões como mediador, junto com outros profissionais ligados

aos campos da psicologia organizacional e sociologia.

Como parte da dinâmica, em geral os participantes eram convidados a ler algum texto,

que poderia ser um artigo científico, trecho de livro, uma obra literária ou qualquer outro texto

relevante para o tema da reunião. A primeira etapa da reunião era conduzida pelos mediadores

e girava em torno do tema proposto. A segunda etapa envolvia as discussões de ordem

político-estratégicas.

Em função das características da reunião e do grupo, essas reuniões não foram

gravadas. Os aspectos mais relevantes foram anotados pelo pesquisador, com vistas à sua

utilização posterior, quando da análise do material.

B) Assembleias gerais ordinárias e extraordinárias

Foram acompanhadas, durante o período da realização da pesquisa, cinco assembleias

gerais, entre ordinárias e extraordinárias, de organizações consideradas importantes no grupo

profissional, em função de sua abrangência ou número de líderes envolvidos. Duas dessas

assembleias foram gravadas com autorização do presidente que as conduzia e as demais foram

acompanhadas, tendo sido anotados os aspectos considerados mais relevantes para o tema da

pesquisa – as relações de liderança.

As assembleias gravadas foram transcritas, mas o material de gravação não pôde ser

arquivado, pois o gravador utilizado não possuía dispositivo de transmissão digital de dados.

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C) Editoriais de jornais de organizações associativas

Durante o ano no qual os dados para a pesquisa estavam sendo coletados, o autor

acompanhou os editoriais dos jornais de organizações associativas. A intenção nesse caso era

observar posicionamentos de caráter político, de interesse para o grupo social ao qual as

organizações estavam ligadas. Os artigos de interesse foram impressos e mantidos para estudo

documental durante a pesquisa.

D) Participação em redes sociais

Durante o período de pesquisa, o autor, que não fazia parte de redes sociais, começou

a participar da rede facebook, a convite de um dos líderes entrevistados. A ideia era participar

de grupos de discussão, em que eram discutidos temas relevantes para ações de caráter

político do grupo social envolvido. Devido ao tipo de investigação conduzida, este foi o meio

que menos produziu material, sendo que durante a análise não foi detectada alguma

informação relevante para os objetivos perseguidos.

4.3 Estratégias para o preparo e a análise dos dados

A partir do que foi nascendo das entrevistas, foram criadas categorias47

para análise.

Essas categorias foram enumeradas de modo a se poder, em uma segunda etapa, trabalhá-las

estatisticamente, usando-se estatística descritiva e a estatística U, para comparações entre

grupos.

Com a estatística descritiva pretendeu-se organizar os dados para comparações, a fim

de poder separar as situações que se enquadram no conceito daquelas que são menos

frequentes, marginais em relação a ele. A estatística U foi utilizada sempre que a informação

que se buscava dizia respeito a comparações entre grupos de dados produzidos.

Em função de sua importância, o preparo e a análise desses dados da pesquisa será

detalhado em seção à parte.

47

Categoria – segundo Minayo (1998, p. 109-110), “a palavra categoria, em geral, se refere a um conceito que

abrange elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si. Essa palavra está

ligada à ideia de classe ou série. As categorias são empregadas para se estabelecer classificações. Nesse sentido,

trabalhar com elas significa agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger

tudo isso”. Uma compreensão mais geral do termo é obtida em Houaiss e Villar (2001), para quem a categoria é

um “conjunto de pessoas ou coisas que possuem muitas características comuns e podem ser abrangidas ou

referidas por um conceito ou concepção genérica”. Em ambas as visões, nota-se que o conceito é um elemento

nuclear para caracterizar uma categoria. Desta forma, para a análise das entrevistas, a categoria reúne um

conjunto de informações, que serão chamadas de “itens”, os quais se referem a um mesmo tipo de informação

geral, abrangida por um conceito.

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262

4.3.1 Preparo e análise das entrevistas

Foram abertas várias planilhas do programa Excel® do pacote Office® do Windows®.

Em cada planilha foram abertas algumas categorias de análise, dispostas nas colunas. E em

cada categoria foram reunidos os diversos itens de análise, para os quais foi dado um número.

As linhas correspondiam aos indivíduos, sendo o material impresso de cada indivíduo

marcado com o mesmo número da planilha, para facilitar trabalho estatístico posterior. A

intenção, nesse caso, foi transformar os dados retirados das entrevistas e da escala em

variáveis não paramétricas, com a finalidade de facilitar a análise estatística desses dados.

O resultado final das categorias criadas a partir da análise das entrevistas, com o título

genérico que a caracteriza, será sumariamente apresentado:

PLANILHA 1: Início do relato e a vivência de liderança no núcleo familiar

Coluna A: escolha do entrevistado para o início do seu relato

Coluna B: se há citação relacionada à escola de 1º grau, como o entrevistado a percebe

Coluna C: existência ou não de modelo familiar de liderança – especificando, se for o caso

Coluna D: vivência de atividades políticas na infância, relacionadas ao seu núcleo familiar

Coluna E: na ótica do entrevistado, se há líderes entre os irmãos – e, nesse caso, quais seriam

Coluna F: duração da resposta espontânea à primeira pergunta

Coluna G: se, pela forma como responde à 1ª pergunta, ele assume que se considera um líder

Coluna H: a ordem posicional do indivíduo entre os irmãos

PLANILHA 2 – Participação em grupos na infância e adolescência

Coluna A: participação em grupos religiosos

Coluna B: participação em grupos sociais

Coluna C: participação em grupos políticos

PLANILHA 3 – Participação associativa e político-partidária durante a vida universitária

Coluna A: participação em Diretórios Acadêmicos e Diretório Central de Estudantes

Coluna B: participação em partidos políticos

Coluna C: participação em atividades sociais em seu grupo universitário

PLANILHA 4 – Atividades associativas e político-partidárias no início da vida profissional

Coluna A: liderança, participação ou não participação em atividades associativas

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Coluna B: liderança, participação ou não participação em atividades político-partidárias

Coluna C: liderança, participação ou não participação em atividades sociais na profissão

Coluna D: liderança, participação ou não participação em atividades sociais fora da profissão

PLANILHA 5 – Como exerce a liderança

Coluna A: liderança profissional

Coluna B: liderança político-partidária

Coluna C: liderança social

Coluna D: forma como assumiu sua primeira posição reconhecida como de liderança

Coluna E: forma como assumiu as posições subsequentes reconhecidas como de liderança

Coluna F: motivação para se envolver com as atividades reconhecidas como de liderança

Coluna G: sensações percebidas ao assumir a liderança (prazer, sacrifício ou exploração?)

Coluna H: quantidade de presidências assumidas em organizações associativas

Coluna I: se é atualmente, ou já foi, chefe ou coordenador em organizações burocráticas

PLANILHA 6 – Conceito de liderança; exemplos positivos e negativos; diferenças de gestão

Coluna A: o que é liderança

Coluna B: o que não é liderança

Coluna C: exemplo de líder

Coluna D: exemplo de não líder

Coluna E: se na percepção do entrevistado a liderança é nata ou o líder pode ser formado

Coluna F: características que podem ser observadas em um líder

Coluna G: durante o relato, se demonstra segurança na definição do que é um líder

Coluna H: no discurso, faz diferença entre estrutura e gestão e entre liderança como algo que

é identificado apenas no indivíduo, apenas na estrutura ou em ambos

PLANILHA 7 – Idade e sexo

Coluna A: idade

Coluna B: sexo

PLANILHA 8 – As cinco dimensões e as 60 facetas do NEO-PI-R

PLANILHA 9 – Se não for liderança em atividade, qual seria a razão para o afastamento

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264

O próximo passo foi transformar os dados em variáveis não paramétricas.

Utilizando estatística descritiva, os dados foram apresentados em tabelas, com a

finalidade de aproximá-los, para comparações que tivessem o potencial de evidenciar alguma

informação relevante. Os dados produzidos nas planilhas foram, inicialmente, organizados na

forma mais simples de distribuição de frequências.

As tabelas foram produzidas, em sua grande maioria, a partir da reunião dos mesmos

dados dos grupos de líderes em atividade e daquele dos indivíduos que já não estão mais no

exercício do papel de liderança.

Para comparações entre os dois grupos, foi realizado o teste de hipóteses, utilizando-se

o pacote estatístico Minitab 16®. A hipótese nula investigada era a de que os grupos seriam

semelhantes. Foi feita a seguinte escolha: sempre que o número apresentado em um grupo

fosse maior que o dobro das ocorrências do outro grupo (para essa regra, desde que houvesse

pelo menos uma ocorrência para comparação), a diferença era considerada significativa.

Assim, se houvesse uma ocorrência em um grupo, três ocorrências no outro já seria motivo de

atenção. A constatação de nenhuma ocorrência em um grupo tornaria a comparação

significativa a partir de duas ocorrências no outro.

Esse foi um critério orientador geral, mas não era rígido, ficando o pesquisador livre

para investigar qualquer relação que parecesse suspeita. Inicialmente, interessava saber se

havia alguma proximidade nas distribuições de frequências como um todo: a ideia era saber se

os dois grupos se apresentavam como grupos realmente ou se seriam apenas uma associação

aleatória de dados.

A seguir, os grupos foram comparados entre si.

Ressalta-se que a estatística descritiva foi utilizada para o cumprimento de sua

finalidade básica: a descrição ou a organização dos dados. O objetivo aqui, desta forma, é

diverso daquele quando se pretende generalizar conclusões a partir de análises estatísticas: o

número de indivíduos de cada grupo não é o suficiente para se pensar em generalizações.

Além disso, os grupos foram formados por critérios de escolha (não aleatórios) e

algumas “variáveis” tiveram muito poucas ocorrências para se pensar em comparações

conduzidas no rigor estatístico, com a finalidade de generalizações. A pesquisa, como foi dito,

é basicamente qualitativa e o recurso aos números foi utilizado apenas com a finalidade de

organizar os dados para propiciar comparações de caráter qualitativo.

Para as comparações dentro do mesmo grupo, a avaliação do comportamento médio

dos indivíduos teve a finalidade de observar se o comportamento médio era congruente com a

teoria, onde esta se relacionava com a ocorrência, e, também – ou, principalmente –, orientar

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a investigação para que se pudesse focar nas discrepâncias, no incomum, no inesperado –

tanto a partir da teoria quanto em relação ao próprio comportamento médio do grupo.

Em outros termos, foi apresentado, na teoria, que uma das maneiras para superar o

conceito a partir do conceito é atentar para os excessos no conceito, aquilo que transborda ou

que é deixado de fora da delimitação, da definição do objeto. Para se ter acesso ao que

excede, transborda, é preciso primeiro saber o que está contido, abarcado pelo conceito. A

partir daí, e por um movimento de especulação do pesquisador – esta última entendida pelo

que foi apresentado na seção 2.5.2 (B) – é que se vai buscar o que deve ser investigado,

aprofundado, com base em todos os dados e informações produzidos pelos diversos métodos

utilizados para obtenção dos dados.

Em muitas das tabelas comparativas produzidas, as categorias existentes não

permitiam comparação utilizando programas estatísticos, pois os dados eram textuais e, ainda

que enumerados, não se organizavam em sequência. E também porque havia reduzido número

de indivíduos em uma categoria para cada grupo. Nesses casos, os dados produzidos foram

organizados na forma de distribuição de frequências e as distribuições eram comparadas entre

os dois grupos.

Ressalta-se que o critério aqui não deveria ser buscado em textos de Estatística, pois,

como já foi dito, os dados não permitiam comparações dessa ordem. As comparações tinham

como finalidade apenas evidenciar as discrepâncias entre os dois grupos, a partir das quais se

poderiam realizar análises comparativas mais aprofundadas das entrevistas, no tocante àquelas

informações, para aqueles indivíduos identificados.

O próximo passo foi organizar os dados produzidos a partir da escala de

personalidade.

4.3.2 Preparação dos dados da escala NEO-PI-R

A escala NEO-PI-R foi discutida na teoria sobre personalidade.

Como foi apresentado, o entrevistado era solicitado a se posicionar diante de

afirmativas como a de número (72): “Já fui muitas vezes líder de grupos a que pertenci”,

diante do que ele podia marcar (DF) para “Discordo fortemente”, (D) para “Discordo”, (No)

para “Neutro”, (C) para “Concordo” e (CF) para “Concordo fortemente”. Após a marcação

dos 240 itens, os resultados das marcações foram transportados para o programa específico

que tabulou os dados e apresentou os resultados – o que poderia ter sido feito em forma de

tabela ou gráfico.

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266

Para a pesquisa, foi escolhida a forma gráfica, como se pode ver no exemplo

apresentado na Figura 2.

Figura 2 - Resultados do NEO-PI-R como fornecido pelo programa

Fonte: Material da pesquisa.

Cada folha de resultado foi enumerada de acordo com o número recebido pela

entrevista (o caso da FIG. 2 corresponde à entrevista de nº 29, como escrito à mão e marcado

em vermelho na parte de cima da folha).

Para a avaliação inicial, a atenção estava voltada para os cinco domínios da escala,

como está marcado em vermelho à direita (cinco primeiras linhas). O programa classifica os

domínios e as facetas, de acordo com o valor obtido e pelo escore T que lhe corresponde,

entre muito baixo, baixo, médio, alto ou muito alto (como marcado em vermelho, à direita). A

identificação, feita apenas com as iniciais, e a data de nascimento foram aqui ocultadas para

que o entrevistado não seja identificado.

As seis facetas de cada um dos cinco domínios também são apresentadas e também

foram transpostas para a planilha de Excel®, para as comparações intrafacetas. No entanto,

considerando-se os objetivos desta pesquisa e a própria teoria de personalidade como

conduzida pelo ISF, que prioriza o conjunto, em relação aos traços isolados, a princípio o foco

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267

ficou nos cinco domínios – com exceção apenas da faceta A5, que foi utilizada em um tipo de

comparação a ser apresentada no próximo capítulo.

Para compor a planilha de Excel®, o resultado nominal foi transformado em dado

numérico, variando de 1 a 5: muito baixo (1) , baixo (2) , médio (3) , alto (4) e muito alto (5).

Esses dados, gerados a partir da transformação de escala nominal em escala numérica, são

considerados não paramétricos48

. Isso implica que as comparações devem ser realizadas a

partir das medianas de cada grupo de dados, e não das médias, como nos dados paramétricos.

Os dados foram organizados em dois grupos: os referentes aos indivíduos que estão no

exercício do papel de líderes e o daqueles que atualmente não exercem este papel.

Preparados dessa forma, foi possível proceder às comparações entre os resultados dos

grupos, utilizando a estatística U, de Mann-Whitney. Para essa comparação, a hipótese nula a

ser testada era a de que os grupos eram iguais – ou, H0: ƞ1= ƞ2. A hipótese alternativa, como

consequência, era a de que os grupos eram diferentes – Ha: ƞ1≠ ƞ2.

O nível de significância utilizado foi de 5% – o que significa que a obtenção de um p-

valor > 0,05 não rejeita a hipótese nula (de que os grupos são iguais).

Realizada a comparação entre os grupos, pode-se proceder à comparação dentro dos

grupos, de modo a se pesquisar se os achados estão de acordo com o que seria esperado

encontrar a partir da teoria discutida – ou seja, se haveria, para um líder, um padrão esperado

de apresentação dos cinco domínios da escala.

4.3.3 Preparação dos demais documentos

Como foi dito, a entrevista foi utilizada como a base para a pesquisa.

Para informações adicionais, esclarecimentos, críticas de impressões, ou seja, para

tensionar os dados da entrevista com as vivências das pessoas do grupo, várias outras formas

de produção de informação foram utilizadas.

Nesta seção, o que se pretende mostrar é como esses dados foram produzidos,

preparados, organizados e utilizados na pesquisa para atingir os objetivos propostos.

48

Parâmetro: é a medida (ou a quantidade) que é característica de uma população e que normalmente é estimada

a partir dos dados da amostra em que a média aritmética da amostra é utilizada como uma medida da média

populacional e a variância da amostra empregada para estimar a variância da população (HAIR JR. et al., 1998).

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268

A) Assembleias das organizações associativas e reunião de diretores de federação

Foram acompanhadas três assembleias gerais ordinárias e duas extraordinárias no

período de um ano (março de 2011 a março de 2012) de algumas das organizações que

reúnem maior número de indivíduos envolvidos com a pesquisa e uma reunião de diretores

que compõem o quadro social de uma organização federativa.

Em uma dessas organizações, como as assembleias envolviam limitado número de

participantes (menos de 80 pessoas), foi solicitado ao presidente (que também foi um dos

entrevistados individuais) autorização para gravação de som. Essas gravações foram

posteriormente transcritas para análise.

Em outras duas organizações as assembleias foram acompanhadas e os dados

relevantes anotados para eventual utilização em análise. Questões mais específicas que

poderiam identificar pessoas ou grupos que, por qualquer razão, não autorizaram a sua

participação na pesquisa não foram utilizados, ainda que anotados.

Para a análise, foram priorizadas as falas e anotações que envolveram as relações de

liderança no grupo, destacadas para serem analisadas, independentemente do tema em questão

ter sido abordado em entrevistas.

A reunião de associação federativa foi marcada para discussão em uma fase de crise

envolvendo remuneração – em um grupo profissional. A gravação conta mais de duas horas,

durante as quais se registraram, além do presidente da organização e de outro diretor

compondo a mesa, intervenções de outros 27 participantes e a apresentação de um vídeo com

reportagens sobre o grupo profissional, o qual funcionou como motivador para as discussões.

Essa gravação foi transcrita para a realização da análise.

B) Participação em reuniões

Como já foi apresentado anteriormente, o pesquisador participou de reuniões do grupo

de líderes tanto ativamente, como mediador de discussões, como passivamente, como

participante apenas em algumas. Fatos relevantes de ocorrência eram anotados, durante ou ao

final das reuniões, para utilização posterior.

As reuniões podem ser divididas, pelo tipo de material produzido, em três tipos:

A primeira reunião, em junho/2010: nessa reunião, o aspecto mais relevante para esta

pesquisa foi relacionado às definições de “poder”, conceitualmente e como empiricamente os

participantes se enquadravam na definição. Não foi informada a razão pela qual foram

pedidas essas definições e em nenhum momento a palavra “liderança” foi citada antes do

início do trabalho.

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269

Reuniões mensais entre julho de 2010 e maio de 2011: em algumas das reuniões

ocorridas entre julho de 2010 e maio de 2011, foram levantados temas que poderiam motivar

discussões no âmbito no qual se conduzia a pesquisa – modelos de gestão veiculados pelos

Master of Business Administration (MBA) e a sua influência sobre o comportamento do

indivíduo em posição de exercício de liderança nas nossas organizações; a influência da

cultura nacional na modulação de modelos considerados os mais efetivos em outros países e o

papel exercido pelos indivíduos na posição de liderança nessas organizações; a ideologia

como mecanismo produtor de “verdades”. Essa reuniões não foram gravadas, pois, em

comum acordo com os mediadores das reuniões, considerou-se que a gravação poderia causar

algum tipo de inibição ou viés na participação, dadas as características do grupo. As questões

mais relevantes sobre os temas apresentados, bem como as falas mais relevantes para orientar

tanto a condução como a interpretação das entrevistas, foram anotadas e preparadas para

utilização durante o processo de análise, na seção 5.4.2.

A reunião de junho de 2012: foi organizada uma reunião para apresentar alguns dos

dados obtidos a partir das entrevistas individuais, com a finalidade de obter dos participantes

as suas impressões sobre o que estava sendo reunido como resultado, até aquele momento.

Nessa reunião estavam presentes muitos dos indivíduos que participaram da pesquisa, como

entrevistados individuais, no grupo de líderes em atividade. Mas também havia indivíduos

que, apesar de atuarem nas organizações associativas que fazem parte da rede de associações

ligadas ao grupo profissional escolhido, ou não exerciam papéis que estavam enquadrados

dentro dos critérios de escolha para as entrevistas individuais ou já o exerceram, tendo sido

por isso elegidos para a entrevista individual no grupo de líderes inativos. A reunião foi

preparada da seguinte forma:

a) Como o material individual já havia sido trabalhado, foram selecionados conjuntos de

falas de entrevistados que se referiam a um mesmo tópico, o qual foi derivado do

processo de entrevistas. Esse tópico pode ser identificado como o que Adorno chamou

de “constelação”, na qual constava um conjunto de “estrelas”, constituídas por falas

escolhidas de entrevistas – os particulares –, representando ângulos de visão ou de

abordagem diferentes, a partir das vivências, que são individuais, sobre um mesmo

tópico – o qual, por envolver um conceito, funciona como um universal. Os tópicos

escolhidos foram: o que é a liderança? Líder ou gestor? Como se identificar um líder?

Liderança e a sua relação com interesses, independência do líder e com a exploração

do líder pelos liderados. O líder pode ser nato ou ele é desenvolvido? As falas

escolhidas fazem parte do APÊNDICE A.

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270

b) A reunião foi dividida em dois tempos: no primeiro, para não haver contaminação de

opiniões entre os presentes, as impressões foram escritas. As folhas com as anotações

foram recolhidas pelo pesquisador, para análise posterior. No segundo momento, foi

solicitado aos indivíduos que expressassem de público a sua impressão sobre o que foi

apresentado, sendo que o indivíduo era deixado livre para escolher o que dizer. O

resultado das falas foi anotado para análise posterior, individual e em conjunto com as

demais anotações de reuniões e de entrevistas, cujos temas fossem congruentes.

C) Material impresso e redes sociais

Foram reunidos editoriais de jornais e revistas de comunicação interna da organização.

Após a leitura de todo o material, foram descartados os documentos cujo conteúdo dizia

respeito a questões específicas ou de caráter técnico, referente ao grupo.

Já os documentos que traziam informações cujo conteúdo revelava caráter político ou

relacionado a disputas de poder foram separados de modo a serem utilizados no estudo.

Essa foi a metodologia utilizada para selecionar as unidades empíricas de investigação,

coletar os dados das unidades selecionadas e preparar os dados para a análise. O resultado

final, envolvendo o preparo e a apresentação dos dados a partir dessa metodologia, será objeto

do próximo capítulo.

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271

5 PREPARO, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO MATERIAL

Considerando que o preparo começa na produção do material, volta-se aqui a alguns

pontos da metodologia, para recordar como o material foi criado.

Como foi apresentado no capítulo anterior, a entrevista foi conduzida com um mínimo

de interferência: foi feito um estímulo inicial, do tipo “conte-me a sua história relacionada à

liderança”, com a intenção de provocar a recordação do momento associado ao trajeto da vida

do entrevistado, relacionado aos papéis de liderança assumidos. O tempo gasto pelo

entrevistado para finalizar a sua ideia era livre, tendo variado entre algo em torno de dois ou

três minutos as respostas cujo tempo médio ficou em torno de meia hora. Independentemente

do tempo gasto, esse primeiro relato foi traduzido na categoria “início do relato”.

As intervenções que se seguiram a esse primeiro estímulo tiveram a intenção de:

a) Estimular o indivíduo a esclarecer melhor um ponto do tipo “vamos detalhar isso:

você falou que desde a infância já se viu em posição de liderança, como foi isso?”;

b) estimular a abordagem de algum período da vida que havia sido esquecido, como “e

na adolescência, como foi isso?”;

c) abordar algum tema que tivesse sido espontaneamente mencionado por algum dos

entrevistados, de modo a poder obter um termo de comparação.

A segunda parte da entrevista envolveu perguntas gerais que estavam no script e que

deveriam ser feitas a todos para comparação entre grupos. Elas envolviam temas como “a

partir do que você me relatou, que características você identifica em um líder?” Ou “qual é a

sua definição de liderança?” Ou, ainda, “dentro desta definição, cite-me exemplos

relacionados à sua vida, de indivíduos que você considera líderes e também do contrário”.

Como se pode constatar, foram perguntas abertas com a finalidade de deixar para o

entrevistado a possibilidade de fazer escolhas. A intenção também era tentar diminuir a

interferência que a própria pergunta do entrevistador – ou modo de fazê-la – poderia induzir

na resposta do entrevistado. Uma eventual participação mais ativa do entrevistador, durante a

entrevista, tinha a finalidade de esclarecer uns pontos ou estimular a abordagem de outros.

Mas havia um limite que não deveria ser ultrapassado: ao final de uma pergunta clara, a

resposta do entrevistado deveria ser respeitada, ainda que ele não tivesse – muitas vezes,

deliberadamente – encarado o tema da maneira desejada pelo entrevistador. Essa “resistência”

era anotada de modo a se considerar um possível significado na análise.

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272

De qualquer forma, em alguns momentos, considerando-se as múltiplas possibilidades

apresentadas, foi necessário realizar algumas escolhas, as quais serão explicitadas.

A) As categorias para análise

Para conduzir a análise das respostas, foram organizadas algumas categorias. Estas

podem ser enquadradas, no que foi apresentado pela teoria, como sendo uma “constelação” de

achados. Essa “constelação” é formada por um conjunto de “objetos” – chamados de “itens” –

obtidos de falas, textos, anotações de campo ou qualquer tipo de informação que se refira ao

item, os quais serão denominados de “achados”.

Esses achados podem estar relacionados a um conceito – por exemplo, quando se

referem à concepção de “liderança”, de “autonomia” ou qualquer outro conceito abordado na

teoria. Outras vezes, podem ser referentes a aspectos próprios de alguns conceitos – por

exemplo, o de que existem características de personalidade que podem ser facilitadoras para

que o indivíduo assuma papéis de liderança. E outras vezes nasceram espontaneamente dos

relatos – como no caso da percepção apresentada pelo entrevistado de que quando exerceu o

papel de líder sentiu-se “explorado” pelos liderados.

Essas categorias podem estar fundadas na teoria – como é o caso de uma categoria que

se refere a um conceito. Mas boa parcela delas teve a sua origem apenas no discurso do

entrevistado. Foi por isso que, ao se identificar um aspecto importante do tema, apresentado

na teoria, mas sobre o qual não havia sido feita uma referência pelo entrevistado, era realizada

uma pergunta direta sobre a questão. Por outro lado, se vários indivíduos abordavam

espontaneamente uma questão que não havia sido expressamente citada pela teoria, o autor

voltava a revisar a literatura, em busca da teoria que, no corte epistemológico escolhido,

pudesse se relacionar ao tema. Deve-se dizer que, como vai ser visto na apresentação dos

dados, nem sempre foi possível referenciar um achado à teoria.

O resultado obtido foi que tanto a teoria ajudou a iluminar o conteúdo dos relatos

quanto os relatos orientaram o que se deveria buscar na teoria. Eventualmente, realiza-se neste

capítulo a explicitação de alguma referência da teoria ao achado – apesar do tensionamento

dos achados com a teoria não ser feito prioritariamente nessa fase de categorização, mas no

próximo capítulo, que é aquele que cuidará da discussão dos achados.

Nesse ponto, registra-se um primeiro ato de interpretação, sob a responsabilidade do

pesquisador: identificar, para uma informação apresentada, a ideia geral ou o conceito ao qual

ela se refere, criando uma “categoria” de análise. A categoria foi nominada. Esse nome é fruto

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273

da interpretação do autor, referente ao que está sendo expresso por aquela categoria. Por

exemplo: categoria “Motivo do afastamento dos papéis de liderança”.

A partir da criação das categorias, os achados foram organizados em itens.

B) Os itens que compõem uma categoria

Numa categoria, o algarismo romano indica os “itens”, que são os grupos de

subdivisão dentro da categoria, ou seja, o que surgiu das falas é que caracteriza os diversos

aspectos relativos àquela categoria.

Por exemplo, na categoria “Motivo do afastamento dos papéis de liderança”, os itens

foram os seguintes:

Tendo em vista o campo conceitual que fornece os fundamentos para esta pesquisa,

pode-se considerar que essa categoria, formada por esse conjunto de sete grupos de falas, é

um tipo de “constelação”49

que aproxima objetos, mas que não está fechada: uma nova

entrevista, que fornecesse uma nova razão para o afastamento, poderia criar um oitavo item –

uma oitava “estrela” – nessa constelação.

Cada item é formado por um conjunto de objetos.

49

Para melhor explicar o que se pretende com a metáfora da constelação nesse contexto, pode-se usar um

exemplo real, como o da constelação de Órion. As pessoas podem olhar para o céu e ver um conjunto de três

estrelas, que serão identificadas como formando um conjunto, que em alguns lugares são denominadas de “Três

Marias”. Mas também se pode enxergar o mesmo conjunto de três estrelas dentro de um conjunto maior, o da

constelação de Órion, dentro da qual elas podem ser “vistas” como formando o cinturão de um guerreiro, cujos

quatro membros estão marcados no céu noturno por outras estrelas. Ou seja, pode-se ver um conjunto dentro de

um conjunto, cada um com o seu significado próprio atribuído.

I: terminado o último mandato (ou atividade de liderança) não quis se envolver no

exercício de atividades que abrangiam o papel de liderança;

II: a dedicação aos estudos não tem permitido se dedicar a outras atividades;

III: o trabalho (relacionado à sua profissão) não tem permitido se dedicar a outras

atividades;

IV: necessidades pessoais e familiares: dedicar mais tempo ao casamento e/ou aos filhos;

V: desilusão ou decepção com os pares;

VI: afastamento anterior muda o tipo de envolvimento, mantendo a situação até hoje;

VII: dúvidas pessoais, de caráter moral.

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274

C) O conjunto de objetos que vai compor um “item”

Cada item foi formado a partir de um conjunto de falas obtidas de diversos indivíduos.

Quando foi necessário citar uma fala para a exemplificação, um algarismo arábico entre

parênteses indicava o número que foi atribuído ao entrevistado no conjunto de pesquisados.

Esse número acompanhou todos os documentos e informações que foram geradas a partir

daquele entrevistado – transcrição das entrevistas, escala de personalidade, anotações de

reuniões, etc.

Como exemplo, na categoria “Motivo do afastamento dos papéis de liderança” usou-se

o exemplo do item I- “Terminado o último mandato – ou papel – de liderança, não quis se

envolver, ou não foi indicado, para o exercício de atividades que envolviam o papel de

liderança”, para a qual, entre outros, tomou-se o exemplo do entrevistado ao qual foi atribuído

o número (14):

Tem muito tempo que eu não participo, tem uns oito, uns oito anos [...] coincidiu

com a mudança de gestão da [...] De lá pra cá eu não tive mais nenhuma

participação em temos de cargos [...] me dediquei mais ainda à área, é... da [...]

acadêmica, né... eu sou professor da UFMG [...].

Também nesse caso o conjunto de falas pode ser considerado uma outra

“constelação”. As falas, também nesse caso, são objetos próximos, que no conjunto ajudam a

definir alguma coisa, fruto de uma interpretação, mas que possuem existência independente.

Mantém a característica constelatória de ser aberta, uma vez que outras entrevistas poderiam

acrescentar novas falas a essa “constelação”.

5.1 A caracterização dos dois grupos

Os dois grupos a serem estudados estão caracterizados da seguinte forma: o primeiro,

formado por presidentes de organizações de caráter associativo, os quais ocupam posição em

seu grupo que não deixa dúvidas quanto ao seu papel de liderança no momento no qual a

entrevista foi realizada. Por estarem em atividade, serão referidos como líderes ativos; e o

segundo, formado por ex-lideranças dessas mesmas organizações ou de outras a elas de

alguma forma relacionadas. Por terem sido, em algum momento, enquadrados nos critérios

que a literatura caracteriza como sendo lideranças, serão identificados como líderes inativos.

Como foi visto na metodologia, os dois grupos foram equilibrados em termos

quantitativos, para evitar distorções relacionadas a esse aspecto, o que resultou na seguinte

distribuição: 16 indivíduos que eram lideranças ativas dentro dos critérios de escolha e 17

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275

indivíduos que, apesar de terem sido lideranças dentro do mesmo critério, já há algum tempo

não representavam esse papel – por qualquer que fosse a razão (falta de interesse, mudança de

interesses, questões de ordem íntima não especificadas ou por falta de oportunidade, apesar de

manifestarem desejo de exercer esse papel). Um 17º indivíduo no primeiro grupo (o de líderes

em atividade) convidado para participar das entrevistas por preencher os critérios

estabelecidos não conseguiu agendar um horário para a entrevista até um momento em que

não houvesse prejuízo para as análises – daí a diferença de um indivíduo entre os dois grupos.

Uma outra questão que necessitou ser definida antes das análises diz respeito ao fato

de que, após o período de desenvolvimento da pesquisa de campo, dois dos indivíduos

entrevistados do segundo grupo passaram a exercer o papel de liderança, enquanto um

indivíduo do primeiro grupo também mudou sua condição. Foi feita a escolha de conduzir as

análises considerando a situação do indivíduo no momento em que ocorreu a entrevista, uma

vez que as informações que foram fornecidas à época estavam influenciadas pela visão de

mundo de quem exercia o papel que o indivíduo estava desempenhando naquele momento.

Como foi visto, também não houve como equilibrar o gênero dentro de cada grupo,

uma vez que o número de mulheres que exercem ou exerceram o papel de liderança no grupo

social escolhido foi, e ainda é, muito reduzido. Esse aspecto não pôde ser explorado na

análise, uma vez que demandaria outro referencial teórico envolvendo questões de gênero,

podendo ser explorado em uma outra pesquisa desenhada para esse fim.

Em relação à idade, os grupos apresentaram a distribuição apresentada na Tabela 1:

Tabela 1 - Distribuição dos dois grupos por idade

IDADE LÍDER ATIVO LÍDER INATIVO

45 – 49 02 02

50 – 54 06 09

55 – 60 04 06

60 – 65 04 0

Fonte: dados da pesquisa.

A estatística descritiva para as idades é a apresentada na Tabela 2:

Tabela 2 - Estatística descritiva para as idades

N MÉDIA DP Mínimo Máximo Mediana

LÍDER ATIVO 16 55,56 5,73 46 65 55

LÍDER INATIVO 17 53,24 3,47 46 59 55

DP.: Desvio-padrão.

Fonte: dados da pesquisa.

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276

Como a faixa de distribuição não é grande – 20 anos distribuídos entre os 45 e os 65

anos de idade –, possíveis distorções de percepção influenciadas, por exemplo, por diferenças

de gerações, ficam minimizadas.

Em resumo, o que se pode notar em relação às idades é que os grupos têm perfis muito

próximos, com a maior distorção verificada apenas em relação aos indivíduos com mais de 60

anos, faixa na qual se constatam quatro ocorrências entre os líderes em atividade e nenhuma

entre os inativos.

A mediana, entretanto, que é uma informação muito importante, pois será a utilizada

na comparação dos grupos para dados não paramétricos – os quais constituem a absoluta

maioria dos dados da pesquisa –, ficou igual para os dois grupos, em 55 anos.

A distribuição das idades, em resumo, não compromete a homogeneidade dos grupos.

5.1.1 Características de personalidade nos dois grupos

A intenção é comparar os resultados de cada um dos cinco domínios entre os grupos.

De acordo com a revisão realizada por Judge et al. (2002) – apresentada na seção 3.4.4

–, a percepção, pelo liderado, de aspectos relacionados à personalidade do líder pode se

constituir em fator facilitador para a emergência ou para a efetividade da liderança. Como foi

visto, por emergência entende-se o momento em que o líder é identificado como tal; e

efetividade a capacidade da liderança em atingir os objetivos esperados pelo grupo.

O resultado da revisão realizada por Judge, Heller e Mount (2002), na qual os autores

apresentam as expectativas em relação à liderança para os cinco domínios, foram os

seguintes:

a) (N): níveis mais baixos se relacionariam com a emergência, não com a efetividade;

b) (E): níveis mais altos se relacionariam mais com a emergência e menos com a

efetividade;

c) (O): níveis mais altos se relacionariam tanto com a emergência como com a

efetividade;

d) (A): as evidências são ambíguas;

e) (C): níveis mais altos se relacionariam com a efetividade (e não com a emergência).

Deve-se recordar aqui o que foi apresentado na metodologia: tendo sido as respostas

transformadas em dados não paramétricos, as comparações são realizadas utilizando-se as

medianas, e não as médias, das respostas obtidas.

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277

Para as comparações foi utilizado o pacote estatístico Minitab® 16. Levaram-se em

conta as seguintes definições, cujos valores são fornecidos pelo pacote estatístico:

a) Mediana: é o valor que vai dividir o grupo, com 50% de respostas abaixo do valor da

mediana e 50% das respostas acima desse valor;

b) estimativa pontual: é a verdadeira diferença entre as medianas dos dois grupos;

c) intervalo de confiança: indica que, se extraídas sucessivas amostras, mais de 95% dos

achados deverão ser encontrados dentro desse intervalo;

d) o p-valor, extraído da estatística U. Nesta investigação, apenas o p-valor será

demonstrado – lembrando que, para o nível de significância desejado de 95%, o p-

valor ≤ 0,05 não vai rejeitar a hipótese nula (Ho) de que os grupos são iguais.

Realizadas as comparações entre os resultados dos cinco domínios dos dois grupos,

foram obtidos os seguintes resultados, apresentados na Tabela 3:

Tabela 3 - Resultados das comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R para os

dois grupos

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Ativo 2,0 (Baixo) 0,0 0,0 – 1,0 0,7057

Inativo 2,0 (Baixo)

Extroversão Ativo 3,0 (Médio) 0,0 0,0003 e 0,9998 0,4168

Inativo 3,0 (Médio)

Abertura Ativo 4,0 (Alto) 0,0 0,0 – 1,0 0,3851

Inativo 3,0 (Médio)

Amabilidade Ativo 3,0 (Médio) 0,0 -0,9999 e -0,0003 0,5457

Inativo 3,0 (Médio)

Consciensiosidade Ativo 4,0 (Alto) 0,0 0,0 – 1,0 0,6917

Inativo 3,0 (Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

Domínio neuroticismo:

a) A mediana foi de 2,0 (Baixo) para os dois grupos, com estimativa pontual de 0,0 e

intervalo de confiança entre 0,0 e 1,0. Esse é um resultado que está de acordo com a

expectativa apresentada por Judge et al. (2002), relacionado à emergência da

liderança;

b) o p-valor de 0,7057 não rejeita a hipótese nula de que os dois grupos são iguais.

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278

Domínio extroversão:

a) A mediana foi de 3,0 (médio) para os dois grupos, com estimativa pontual de 0,0 e

intervalo de confiança entre 0,0003 e 0,9998. Esse resultado não é completamente

congruente com o apresentado por Judge et al. (2002), que apresenta expectativa de

resultados mais altos para a emergência da liderança – estando menos relacionado à

sua efetividade;

b) o p-valor de 0,4168 não rejeita a hipótese nula de que os dois grupos são iguais.

Domínio abertura:

a) A mediana foi 4,0 (alto) para o grupo de ativos e 3,0 (médio) para o de inativos, com

estimativa pontual de 0,0 e intervalo de confiança entre 0,0 e 1,0. O resultado para o

grupo de líderes ativos estaria mais próximo do apresentado por Judge et al. (2002),

tanto para a emergência quanto para a efetividade. No entanto, o p-valor de 0,3851 não

rejeita a hipótese nula de que os grupos são iguais. Portanto, não se pode dizer que o

grupo de líderes em atividade está mais de acordo com o previsto na literatura do que

o grupo de líderes inativos.

Domínio amabilidade:

a) A mediana foi de 3,0 (médio) para os dois grupos, com estimativa pontual de 0,0 e

intervalo de confiança entre -0,9999 e -0,0003. Esse resultado, de qualquer modo,

apresentou resultados ambíguos na revisão de Judge et al. (2002), motivo por não se

caracterizá-lo aqui;

b) O p-valor de 0,5457 não rejeita a hipótese nula de que os grupos são iguais.

Domínio consciensiosidade:

a) A mediana foi de 4,0 (alto) para o grupo de ativos e 3,0 (médio) para o de inativos,

com estimativa pontual de 0,0 e intervalo de confiança entre 0,0 e 1,0. Esse resultado,

semelhante ao apresentado para o domínio “abertura”, indicaria o esperado em relação

à maior efetividade na liderança para o grupo de líderes ativos. No entanto, o p-valor

de 0,6917 não rejeita a hipótese nula de que os grupos são iguais. Ou seja, novamente

não se pode dizer que o grupo de líderes em atividade está mais de acordo com o

previsto na literatura do que o grupo de líderes inativos.

Esses resultados revelam que:

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279

a) Como grupos, não existem diferenças significativas entre os cinco domínios que

definem as características da personalidade dos indivíduos que compõem os dois

grupos;

b) de todos os cinco domínios, apenas o “neuroticismo” apresentou resultados

congruentes com a expectativa obtida pela revisão de Judge et al. (2002).

Não se pode deixar de registrar aqui, como síntese do que sugerem esses resultados,

que os dois grupos apresentaram características de personalidade muito semelhantes. Isso

significa que esses resultados revelam a possibilidade de que o fato de não estar no papel de

líder no momento da pesquisa é independente das características dos indivíduos referentes às

suas personalidades. Em outros termos, é possível que os indivíduos que se dispõem ou que

são escolhidos para assumir o papel de líder possuam características semelhantes de

personalidade, independentemente de, no momento histórico de suas vidas, estarem ou não no

exercício desse papel.

Essa impressão, entretanto, precisará ser confirmada por outros aspectos da pesquisa

que envolvam a comparação das características de personalidade dos indivíduos dos dois

grupos.

5.1.2 Outras características dos indivíduos relevantes para a diferenciação dos grupos

A partir dessa etapa foi necessário retirar das entrevistas as falas que se referiam ao

que se pretende caracterizar. Não se pode deixar de pontuar que esse foi um momento no qual

as escolhas do pesquisador fizeram mais diferença, uma vez que cabe considerar, entre tudo o

que foi relatado pelo indivíduo –, o qual seguiu uma lógica que envolveu uma

intencionalidade visada pelo discurso –, escolher as falas que se referem mais

apropriadamente ao tema que está sendo o objeto da investigação50

.

Na maioria das situações essa escolha foi fácil, uma vez que o tema foi conduzido de

modo direto pelo entrevistado. Mas, para alguns dos aspectos a serem estudados e para alguns

indivíduos, essa escolha foi fruto de interpretação, que levou em conta o contexto da fala (o

momento em que surge na entrevista) ou algum esclarecimento adicional que pode ter

50

Não se pode deixar de observar que, também na pesquisa quantitativa, na forma fechada como a pergunta é

apresentada no questionário, também é possível identificar as escolhas do pesquisador. Só que, nesse caso, por

serem fechadas, as perguntas apresentaram maior potencial para interferir na resposta fornecida.

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280

ocorrido fora do momento da gravação. Quando esse for o caso, os critérios de escolha

deverão ser demonstrados.

Como primeira caracterização mais geral dos grupos, três aspectos devem ser

esclarecidos para a compreensão de sua constituição: os motivos que levaram pessoas, muitas

vezes durante muitos anos a assumirem papéis relevantes de liderança a abandonarem esses

papéis, assumindo o papel que o maisntream chama de liderado; a caracterização do tipo de

liderança exercida pelos indivíduos, nos dois grupos; a investigação sobre se haveria

semelhanças ou diferenças importantes entre os indivíduos que, dentro desse grupo

profissional, foram escolhidos por mais vezes para o exercício de papéis de presidente.

As categorias serão apresentadas em letras maiúsculas.

A) Motivos para o afastamento dos papéis de liderança

Tendo exercido papéis de liderança em algum momento de sua trajetória de vida –

muitas vezes por muito tempo –, o que se quis investigar foram as razões que levaram esses

indivíduos a estar e/ou se manter hoje afastados.

As respostas, após analisadas, foram distribuídas em sete itens diferentes, aqui

exemplificadas por uma ou mais falas, retiradas das entrevistas:

I: Terminado o último mandato – ou papel – de liderança, não quis se envolver no

exercício de atividades que abrangiam o papel de liderança.

(6) Então hoje, se eu estou afastado dessa..., de algum cargo político, aí mais pela

circunstância mesmo, porque acabei minha, minha... meu tempo lá na (xxx), dos meus

anos lá e, e assim eu num... né... Eu vejo muito os colegas assim, né, pedindo,

articulando para assumir uma posição, um posto, tal, é... assim, essa... essa

necessidade eu não tenho [...].

(14) tem muito tempo que eu não participo, tem uns oito, uns oito anos [...] coincidiu

com a mudança de gestão da (xxx). De lá pra cá eu não tive mais nenhuma

participação em temos de cargos [...] me dediquei mais ainda à área , é... da (yyy)

acadêmica, né... eu sou professor da UFMG [...].

II- O trabalho ou estudos não tem permitido se dedicar a outras atividades.

(32) Eu preferi dedicar talvez assim os últimos 10 anos...seis anos! Mais à questão

profissional, sabe? Eu tinha, eu tinha afastado um pouco. E, por necessidade, tanto

pessoal, quanto do próprio serviço em que eu trabalho, eu tive que dedicar mais ao

serviço[...]”

III- Necessidades pessoais e familiares – dedicar mais tempo ao casamento e/ou

filhos.

(5) Momento da família, tudo que eu tinha que... que eu preferi não... perturbar

naquele momento. Também uma necessidade minha de... porque o tempo passou a

resolver algumas questões... íntimas, pessoais que não estavam resolvidas, né? Nesse

processo eu fiz sete anos de análise também [...] eu queria acertar umas coisas comigo

mesmo, né? Principalmente essa experiência familiar que eu passei[...]

(34) Desgaste, desgaste pessoal foi um fator determinante. E eu queria ficar perto dos

meus filhos. Eles eram pequenos, eu não ficava perto deles.

IV- Desilusão ou decepção com os pares

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281

(7) As pessoas, até você achava que estava junto com você, aí chegava na hora de

provar se estava com você ou não viu que o sujeito vira casaca, era diferente, né?

Então, eu não gosto desse tipo de situação, isso me afasta [...] [...] eu peguei e fiz a

opção de cuidar da minha vida; aí peguei estou afastado [...] por enquanto não quero

ver mais nada disso, já falei lá em casa assim: [...] se vocês me verem mexendo com

um trem desses vocês me prendem que devo ter ficado doido.

(8) Daí teve um fato que foi muito marcante, muito sofrido pra mim, que foi a questão

política [...] não estou muito na ativa até porque não quero, tive um sofrimento muito

grande nessa ruptura que houve em 2008.

(13) Sofri muito, sô! Os companheiros que eu achava que estavam do meu lado, não...

Aí eu fui me decepcionando, você vai... vendo coisas de companheiros históricos te

puxar o tapete. Eu cheguei à conclusão que eu não preciso mais disso aqui não. Não

vou ser rico, não vou... Não quero pleitear cargo nenhum mais, né?

V- Afastamento anterior muda o tipo de envolvimento, mantendo a situação até hoje

(28) Agora, como essas coisas, também elas têm um...um momento na vida, elas

passam, né? [...] tem seus momentos de assumir certas posições, certos cargos, depois

passa”

VI- Dúvidas pessoais, de caráter moral

(34) Então muitas vezes a gente chegava lá, eu ia e pensava: puxa vida, arrebentei a

boca do balão aqui hoje, arrasei. E ia embora. Aí, chegava em casa, tomando um

banho... aí tinha um cara que era meu amigo na reunião. Aí, eu... caía a ficha, aí

falava: „pô, sacaneei com fulano, isso que eu falei eu coloquei ele na maior saia justa.

Aí você ganha o embate político, mas a qual custo?Aquele trem foi... eu falei: „pô,

esse trem aqui você pode usar para o mal. Entendeu? E antes de eu começar a usar

para o mal eu resolvi interromper, porque os limites são muito tênues. Os limites entre

o bem e o mal são muito tênues. Então você tem que ficar atento, e a isso eu não tava

me dispondo. Começou a me incomodar e eu falei: tchau!

A distribuição de frequências nesse caso ficou como apresentado na Tabela 4:

Tabela 4 - Distribuição de frequências:

razões para se manter afastado

Fonte: dados da pesquisa.

Essas razões também podem ser agrupadas em dois grandes grupos:

a) Um afastamento mais inercial, em que o indivíduo não parece ter feito uma escolha

para se afastar, que envolve os grupos I e V (terminado o mandato, não procurou ou

não foi chamado a se envolver ou o afastamento anterior prolongado acaba por mantê-

lo afastado). Esse grupo envolve os entrevistados (5), (6), (8), (14), (23), (26), (27) e

(28);

b) um afastamento motivado por fatores de ordem mais pessoal: que será chamado de

volitivo, envolvendo os entrevistados (2), (5), (6), (7), (8), (13), (19), (22), (29), (30),

(32) e (34).

I II III IV V VI

LÍDER INATIVO 6 2 4 5 2 1

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282

Reunidos dessa forma, a distribuição fica como apresentado na Tabela 5:

Tabela 5 - Distribuição de frequências:

razões para se manter afastado com itens agrupados

Fonte: dados da pesquisa.

Ainda que o número de pessoas que escolheram estar afastadas de papéis de liderança

seja mais alto do que os casos mais inerciais, chama a atenção o fato de que 40% das citações

de motivo se relacionem à falta de ação volitiva ou de autodeterminação para indivíduos que,

em algum momento da vida, assumiram papéis de liderança – papel que o mainstream, como

foi apresentado na teoria, costuma relacionar a comportamentos mais caracterizados por

atitudes volitivas do que inerciais. A pergunta aqui é se essa diferença poderia se relacionar a

diferenças na personalidade entre os dois grupos de líderes inativos.

Para responder a essa pergunta, uma comparação que pode ser feita entre esses dois

grupos de líderes inativos se relaciona à existência ou não de diferenças significativas entre os

cinco domínios de personalidade, a qual pode ser feita utilizando-se as medianas dos

domínios dos dois grupos. O resultado das comparações está apresentado na Tabela 6:

Tabela 6 - Resultados das comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R para os

dois grupos

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Inercial 2,0 (Baixo) -1,0 -2,0 e 0,0 0,1031

Volitivo 3,0 (Médio)

Extroversão Inercial 3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 1,0 0,8919

Volitivo 3,0 (Médio)

Abertura Inercial 4,0 (Alto) 0,0 -1,0 e 1,0 0,6836

Volitivo 4,0 (Alto)

Amabilidade Inercial 3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 0,0 0,2976

Volitivo 3,0 (Médio)

Consciensiosidade Inercial 4,0 (Alto) 0,0 0,0 e 1,0 0,2215

Volitivo 3,0 (Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

Para minimizar interferências, como os entrevistados (5) e (8) possuem argumentos

que os posicionam nos dois grupos, foi realizada uma releitura da entrevista para avaliar qual

I+V: Inercial

Absoluto %

II+III+IV+VI: Volitivo

Absoluto %

LÍDER INATIVO 8 40 12 60

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283

seria o fator mais preponderante nos dois casos. Após essa releitura, o entrevistado (5) ficou

apenas no grupo “inercial” e o entrevistado (8) no grupo “volitivo”.

Analisando os dados, observa-se o p-valor acima de 0,05 em todos os cinco domínios,

revelando que os grupos são iguais. Assim, não se pode dizer que haja alguma diferença entre

os líderes inativos que decidiram não mais exercer papéis de liderança e aqueles que não estão

no exercício desse papel por razões circunstanciais (ou seja, não pessoais). Se existir alguma

diferença entre esses indivíduos, ela deve ser buscada em outros aspectos, diferentes da

personalidade.

B) Comparando os indivíduos que mais exerceram os papéis de presidente

Considerando que um dos critérios para seleção dos entrevistados envolvia ser ou ter

sido presidente de alguma organização de caráter associativo, para se ter melhor ideia sobre os

grupos de entrevistados, decidiu-se também registrar o número de vezes que o indivíduo

assumiu o papel de presidente em diferentes instituições.

Além disso, considerando o contraponto apresentado na teoria entre o papel de líder a

partir da escolha pelos pares e o executivo que exerce papel de liderança sobre em

organizações com estruturas bem hierarquizadas, também se entendeu apropriado levantar

esse dado a fim de realizar também essa comparação entre os dois grupos.

Para o cargo de presidente, foi registrado se ele exerceu esse papel uma vez, duas, três

ou mais vezes, considerando que o exercício do papel de presidente por três ou mais vezes

poderia indicar, para esse indivíduo, uma tendência percebida por seu grupo social que

poderia ser explorada nas análises.

No caso do papel de chefe, coordenador ou função gerencial mais alta na hierarquia, o

registro foi o seguinte:

I: Sim, atual

II: Sim, passado

III: Não

IV: Não informado

A distribuição de frequências para as duas observações, nos dois grupos, apresentada

em conjunto para facilitar a visualização, ficou como apresentado na Tabela 7.

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284

Tabela 7 - Distribuição de frequências: a liderança nos papéis de presidente ou em

estruturas hierárquicas

Fonte: dados da pesquisa.

Note-se, pelo apresentado na Tabela 7, que o número total de posições hierárquicas

(somatório de I e II) é semelhante para os dois grupos, representando mais de 2/3 das

ocorrências totais: 11 de 16 casos ou 68,75% para líderes ativos; e 12 de 17 casos ou 70,58%

para os líderes inativos.

Tendo-se que o item IV apenas indica que essa informação não estava disponível – o

que significa ser possível que mais indivíduos nos dois grupos possam ter ocupado essas

posições –, o resultado total mostra que, mesmo nas organizações em que esses indivíduos

não exerceram o cargo de presidente, eles ocuparam posições de dominância. Essas posições,

como foi visto na teoria, têm o seu exercício envolvido em algum grau de influência, a qual,

por sua vez, foi associada por muitos autores ao conceito de liderança.

Em relação aos papéis de presidente em organizações associativas, quatro líderes em

atividade já foram presidentes em mais de três instituições diferentes, contra apenas um entre

os inativos. Por apresentarem a característica de terem sido escolhidos com frequência por

seus pares para posições de representação, esses indivíduos serão usados prioritariamente nas

análises posteriores, cujo objeto possa envolver essa característica.

Os quatro indivíduos que tiveram três ou mais presidências foram os de número (3),

(15), (21), (24), entre os líderes em atividade, e (34) entre os inativos. O que se encontrou nas

entrevistas sobre como assumiram esses papéis entre os líderes em atividade foi:

(3) [...] na minha vida inteira nunca participei de... sempre o pessoal quer me colocar

nos lugares. Eu nunca procurei... por exemplo, nunca fiz um trabalho “eu quero ir

pra [...]” [...] eu vim a ser diretor sem querer aquilo, quando me pediram pra ser

presidente eu até queria continuar diretor... eu tinha feito um, trabalho que eu achei

interessante [...] eu acho que queria continuar como diretor... o pessoal queria me

colocar como presidente. Então entrei para presidente relutando pra ser presidente.

Se tivesse... ninguém aceitou o osso, só tinha que ser eu [...] Não sou de oratória,

não sou político desse tipo, não faço... minha política era agente fazer esse trabalho.

(21) Quando eu entrei na faculdade [...] eu nunca tinha trabalhado... mexido com a

questão política, alguma coisa de mais monta, vamos dizer, em participações sociais

[...] Então, algumas lideranças lá que faziam o movimento me deixavam, assim, bem

impressionado pela disposição, pela disponibilidade, conteúdo sério das discussões

que eram feitas, e isso... comecei então a me envolver em movimento estudantil,

né?”

Chefia, gerência ou coordenação Número de Presidências

I II I+II III IV Total 00 01 02 03 ou mais

LÍDER ATIVO 1 10 11 2 3 16 1 4 7 4

LÍDER INATIVO 4 8 12 3 2 17 3 7 6 1

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285

(15) Talvez os papéis que você exerce no decorrer da vida acabam te colocando na

posição de liderança, né? As pessoas esperam que você tenha, é... atitudes por elas,

assim, condutas, definições que muito mais ligadas ao cargo que você ocupa... pelo

menos no meu caso... do que mesmo por uma ... uma vontade de exercer talvez a... a

liderança. Isto é, acho que tem pessoas que são talhadas para isso, querem isso,

procuram isso, né? E... e se alimentam disso. Outras, como no meu caso, acho que a

liderança veio de maneira indireta, parece que você está disponível para exercer

esses papéis e, quando exercidos, procura exercê-los da melhor maneira com

aqueles valores [...] os valores maiores que têm me orientado a atuar como líder [...]

assim eu... é... acho... acho que muitas das chefias e lideranças que eu exerci eu te

diria que caíram no meu colo, eu não vinha deliberadamente procurando fazer isso.

(24) Então, até o segundo grau eu não... eu estudei demais, né? [...] o primeiro dia

que entrei na (faculdade) pensei... pensei em me candidatar [...] então no primeiro

ano ganhei a associação [...]”.

Já para o líder inativo:

(34) Eu não fui membro de DA, nem de DCE. Era sempre derrotado nas eleições

[...] fui assumir cargo de diretoria depois de formado [...] fui presidente da

Associação Nacional de [...], participei de três gestões do sindicato [...] aí assumi

rapidamente cargos de gestão dentro do (partido político).

O que se encontra em comum entre ativos e inativos é o fato de nenhum deles ter

exercido qualquer papel que se pode caracterizar como sendo de liderança até chegar à

universidade – no caso dos indivíduos (3) e (15), até a vida profissional propriamente dita.

A princípio, esse achado não pode ser considerado congruente com uma característica

que fosse inata ao indivíduo. Mas não afasta a possibilidade de que ocorrências na história do

indivíduo pudessem atuar como algo a ser desenvolvido no futuro – na fase profissional.

Se for analisado o relato desses indivíduos quanto ao seu histórico de liderança, o que

se observa é que todos começaram ou no movimento estudantil na universidade – indivíduos

(21), (24) e (34) – ou no início de sua vida profissional – o entrevistado (3) – ou na vida

profissional mais recente, relacionado às atividades que exerce atualmente – o (15).

Ou seja, todos os indivíduos que foram ou são escolhidos pelo seu grupo social para

representarem o maior número de papéis de liderança não referem um histórico pessoal de

liderança antes da vida adulta. Esses resultados, apesar de não negarem, não são consistentes

com a hipótese dos traços de personalidade como fator, se não determinante, pelo menos

influenciador para os indivíduos emergirem como liderança.

Interpretando serem esses os indivíduos os que mais foram mantidos nos papéis de

liderança, poderia ser esperado que apresentassem características facilitadoras para os dois

aspectos – a emergência e a efetividade. Deve-se então comparar os resultados dos domínios

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286

de personalidade entre si e com o que a revisão de Judge et al. (2002) atribui como

características de personalidade esperadas para os líderes.

Os resultados dos cinco domínios para os cinco indivíduos estão expressos na Tabela

8:

Tabela 8 - Os cinco domínios do NEO-PI-R: os cinco líderes com mais

presidências e a revisão de Judge et al. (2002)

Domínio* Líder

(3) (15) (21) (24) (34) Judge et al. (2002)

Neuroticismo (N) 3 3 2 2 2 1 – 2

Extroversão (E) 3 3 4 3 3 4 – 5

Abertura (O) 3 2 3 2 4 4 – 5

Amabilidade (A) 4 3 4 3 4 ?

Consciensiosidade (C) 3 3 4 3 4 4 – 5

* Valores, em cada domínio, correspondem a: (1) muito baixo; (2) baixo; (3) médio; (4) alto; (5)

muito alto

Fonte: dados da pesquisa.

Como se pode notar, os resultados mais próximos do previsto pela revisão de Judge et

al. (2002) contemplaram um líder em atividade (21) e o líder inativo (34), ou seja, nada que se

possa inferir como uma expectativa baseada na teoria. E, novamente, houve equilíbrio entre

os grupos de líderes ativos e inativos.

Para comparação, buscaram-se os mesmos resultados para os líderes que nunca

ocuparam posição de presidência, o que inclui o entrevistado (25), entre os líderes ativos, e os

(27), (28) e (29) entre os inativos. Os resultados são os apresentados na Tabela 9:

Tabela 9 - Comparação dos cinco domínios do NEO-PI-R para os cinco líderes

que nunca assumiram presidências

Domínio* Líder

(25) (27) (28) (29) Judge et al. (2002)

Neuroticismo (N) 3 3 1 3 1 – 2

Extroversão (E) 4 3 3 5 4 – 5

Abertura (O) 3 3 4 4 4 – 5

Amabilidade (A) 3 3 4 4 ?

Consciensiosidade (C) 3 4 4 1 4 – 5

* Valores, em cada domínio, correspondem a: (1) muito baixo; (2) baixo; (3) médio; (4) alto; (5)

muito alto.

Fonte: dados da pesquisa.

Nesse caso, o resultado que mais se aproximou do que foi apresentado na literatura

como perfil de líder foi o do entrevistado (28), líder inativo (que nunca exerceu uma

presidência). Deve-se verificar, também, que esse resultado está mais próximo dos

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287

apresentados pela revisão de Judge et al. (2002), do que o dos dois entrevistados que tiveram

mais posições de presidência.

Na caracterização do que é liderança, o entrevistado (28) o faz sob uma ótica de

atividade de trabalho, e não de atividade política ou de representação de grupo – o que, talvez,

possa explicar o fato de nunca ter exercido uma presidência: (28) “é... uma postura, um

resultado, então essa pessoa, ela pode ser seguida, ela pode ser um exemplo, sabe? Mas isso

tudo eu vejo, tudo com, por baixo, uma linhazinha que chama trabalho, ou produção, seja o

nome mais moderno que se dê hoje em dia...”.

Essa fala está bem congruente com o que se espera de um indivíduo com alta

“conscienciosidade” – como foi o caso em questão.

O próximo passo é comparar os dois grupos representados por indivíduos que

exerceram muitas presidências e por aqueles que nunca as exerceram. As comparações entre

os cinco domínios de personalidade para os dois grupos estão apresentadas na Tabela 10.

Tabela 10 - Comparação dos cinco domínios NEO-PI-R: os que mais assumiram e

que nunca assumiram presidências

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Mais

Presidências

2,0 (Baixo) 0,0 -0,999 e 2,0 0,7133

Nenhuma

Presidência

3,0 (Médio)

Extroversão Mais

Presidências

3,0 (Médio) 0,0 -2,0 e 1,0 0,4624

Nenhuma

Presidência

3,5 (Médio)

Abertura Mais

Presidências

3,0 (Médio) -1,0 -2,0 e 1,0 0,2703

Nenhuma

Presidência

3,5 (Médio)

Amabilidade Mais

Presidências

4,0 (Alto) 0,0 -1,0 e 1,0 0,9025

Nenhuma

Presidência

3,5 (Médio)

Consciensiosidade Mais

Presidências

3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 3,0 1,0

Nenhuma

Presidência

3,5 (Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

As medianas, nessa tabela, estão muito próximas do resultado das medianas

apresentadas para o grupo inteiro, não havendo diferenças dignas de nota entre os domínios.

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288

Mais importante é a constatação de que todos os p-valor estão acima de 0,05, não se

rejeitando a hipótese nula de que os grupos são iguais.

Portanto, considerando que: a presidência foi a expressão de uma posição de mais

prestígio entre os pares; não houve diferenças significativas entre os resultados das Tabelas 8

e 9, ou seja, não existem diferenças consideráveis entre as personalidades dos líderes que

foram escolhidos para o maior número de presidências, dentro do grupo estudado, e aqueles

que nunca assumiram presidências; e que não existiram diferenças entre os resultados dos dois

grupos (os que mais exerceram e os que menos exerceram presidências) e os dos grupos de

líderes ativos e inativos, pode-se dizer que, contrariando a expectativa da literatura do

maisntream, não foram detectadas evidências de que as características da personalidade

possam ter se constituído em um fator diferenciador entre os indivíduos que mais exerceram

ou que nunca exerceram o papel de presidente de organizações de caráter associativo, dentro

desse grupo profissional.

C) Caracterizando os indivíduos quanto ao tipo de liderança exercida

Outro aspecto que se buscou caracterizar foi o tipo de liderança associativa que o

entrevistado ou exercia ou que já havia exercido. Essa não é uma classificação que foi

encontrada dessa forma na literatura, mas que foi fruto da interpretação das descrições que

foram ocorrendo espontaneamente durante os relatos e que se aplicou bem ao conjunto de

indivíduos que foram objeto de investigação desta pesquisa.

A finalidade aqui era, ao se estabelecer algumas comparações, fazê-lo procurando

comparar objetos semelhantes. Por exemplo, quando se compararam aspectos que envolveram

líderes cuja trajetória abrangeu apenas lideranças de ordem político-partidária com indivíduos

cuja liderança exerceu apenas atividades profissionais – como a liderança de organizações

associativas de objetivo econômico – ou com os que se destacaram apenas em atividades

sociais, podem ser descritas diferenças que devem ser consideradas nas discussões.

Para atingir esse objetivo, as lideranças foram subdivididas nos grupos profissional,

político-partidária e social, as quais foram caracterizadas da seguinte forma:

a) Liderança profissional: encontrada nos grupos associativos que possuem como

objetivo comum os interesses próprios de uma atividade profissional. Nesse grupo

estão incluídas as associações sindicais, outras associações voltadas para objetivos

profissionais e as associações cooperativas, desde que tenham objetivos econômicos

voltados para um determinado ramo profissional. Por objetivos econômicos ficam

entendidas todas as atividades que envolvam trabalho, produção, comércio e

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289

intermediação financeira – desde que próprias de um determinado setor profissional,

para os efeitos desta pesquisa;

b) liderança político-partidária: considerada para os efeitos desta pesquisa a liderança

cuja expressão se faça por meio de processos político-partidários, tanto para assumir

cargos eletivos no Executivo e no Legislativo em qualquer nível – municipal, estadual

ou federal – como na intermediação de interesses de caráter partidário, que se

expressem dentro de determinado setor profissional; também foram considerados os

cargos não eletivos, mas de indicação política, nos ministérios, secretarias de governo

ou demais órgãos de apoio ao Executivo e Legislativo;

c) liderança social: está expressa na organização, condução e demais cuidados

necessários ao bom andamento de todas as atividades demandadas para a organização

de grupos com objetivos sociais. Essas atividades podem incluir, entre outras,

comemorações coletivas como festas de formaturas, comemorações oficiais de turma e

apresentações de caráter cultural (teatros, shows e similares), desde que haja

reconhecimento da liderança exercida por um ou mais indivíduos em relação a todo o

seu grupo de referência.

Definido o tipo genérico de liderança que está sendo exercido, o indivíduo foi

classificado como:

I: ativo no primeiro plano - se presidente ou na posição mais alta de uma dessas associações;

II: ativo no segundo plano - se diretor ou exerce liderança onde haja(m) outra(s) liderança(s);

III: inativo - se já foi uma liderança caracterizada nos itens I e II, mas não o é no momento;

IV: não se aplica - ou não é liderança do tipo que está sendo classificado.

A distribuição de frequências relacionada a essa caracterização ficou como

apresentado na Tabela 11.

Tabela 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos

TIPO DE LIDERANÇA PROFIS-

SIONAL

POLÍTICO-

PARTIDÁRIA

SOCIAL

I II III IV I II III IV I II III IV

LÍDER EM ATIVIDADE 14 2 0 0 0 4 2 10 0 0 0 16

LÍDER INATIVO 2 0 13 1 0 0 5 11 3 0 2 12

Fonte: dados da pesquisa.

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290

As diferenças observadas no primeiro grupo – o profissional – não levantam

questionamentos, já que estão na base da classificação dos grupos. O que merece alguma

atenção é a diferença apurada em relação à atividade político-partidária: apesar de

aproximadamente 2/3 de ambos os grupos nunca terem se envolvido com liderança nesse tipo

de atividade, entre os entrevistados que não estavam em papéis de liderança nenhum esteve

envolvido com qualquer atividade desse tipo no momento, enquanto 25% dos líderes em

atividade (04 de 16) mantinham algum contato com liderança político-partidária.

Não se pode dizer que o quadro se inverteu quando se tratou de liderança em

atividades de caráter social, pois apenas três de 16 indivíduos que não estavam em papéis de

liderança praticavam esse tipo de atividade. Mas não deixa de chamar a atenção o fato de que

nenhum dos líderes em atividade exercia liderança que se pudesse caracterizar como social.

Isoladamente, não há o que considerar sobre esse achado. É preciso caracterizar algo

do perfil desses quatro indivíduos, líderes que não estão em atividade, para tentar encontrar

algo em comum ou muito destoante em relação aos outros que possa ser considerado

relevante para uma explicação.

Os entrevistados em questão são os de número (7), (13), (28) e (29), cujas trajetórias

podes ser caracterizadas do seguinte modo:

(7) Teve liderança social na adolescência, mas não teve mais esse tipo de atividade

desde então:

Sempre fui de diretoria de grêmio estudantil, sempre organizava campeonatos de

futebol, comandava fanfarras, fazia é... comandava festas, shows – eu que

programava os shows todos: dia dos pais, dia das mães [...] eu organizei negócio de

teatro sem o menor conhecimento, mas só por intuição, só por gostar desse negócio.

(13) Identifica esse tipo de liderança desde a infância:

A infância minha, sempre fui líder de muita coisa: vamos fazer uma excursão... esse

negócio de tomar iniciativa... ah, meu tio tem uma empresa de ônibus, deixa eu

olhar com ele; vamos fazer um jogo de futebol: oh, tem um amigo meu, amigo do

meu pai que tem uma fábrica de camisa, vamos lá comprar com ele [...] não político.

Eu nunca fui de causa muito politizada, não.

Esse entrevistado (13) já passou por várias posições de domínio em organizações,

entre diretorias e chefias, e pela presidência de uma associação profissional. Hoje abandonou

todas essas atividades, com certo grau de desilusão com o grupo – como foi visto na

exemplificação do item V da Tabela 1 –, mas mantém a liderança de atividades sociais em sua

cidade, próximo de Belo Horizonte:

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291

viramos uma liderança na cidade em termos culturais, promoções recreativas,

lúdicas, festivas, entendeu? [...] dos meus 14 até os meus 40 anos... pra não falar que

até hoje, né – já tô quase com 60 – fazendo coisa pra comunidade.

O (28) tem sua atividade de liderança atual caracterizada como social:

Dá muito trabalho, organizar, montar, dá muito trabalho, mas existe uma

gratificação [...] festa de turma, vai dar um enorme trabalho, inclusive umas coisas

desgastantes, de contato com as pessoas, né? Mas todas as vezes que a gente fez, a

gratificação no final, ela é enorme, entende? E a gratificação ela... ela extrapola é...

esses dois últimos anos foram muito massageadores para o meu Ego, tá?[...] Me deu

aquela placa e flores, e me chamaram então isso... isso é excelente pra isso.

O (29) está inativo como liderança profissional e partidária – as quais só foram

assumidas durante a sua vida profissional – mas observa tendência à liderança do tipo social

desde a infância. Esse entrevistado se define, no momento, da seguinte forma:

Eu acho que... não sei se seria liderança no certo, mas uma capacidade de

entusiasmar o outro, de motivar o outro, isso aí um pouquinho tem sim. Eu tenho o

que leva esse outro a cometer atos irracionais em nome da causa, por exemplo, em

nome de plantar o arroz vermelho que está em extinção, e não de lutar contra a

sociedade de consumo.

O que a análise dos dois grupos mostra, então, sobre esse aspecto, é que por alguma

razão, no grupo profissional investigado, indivíduos que se mantiveram em atividade de

liderança profissional e político-partidária não puderam ser caracterizados como lideranças

sociais, enquanto as lideranças assim caracterizadas ou nunca exercerem papéis como outros

tipos de liderança ou então, após abandonarem os papéis de liderança partidária ou

profissional, mantiveram-se no exercício de papéis de liderança que podem ser consideradas

sociais.

Não foi encontrada na literatura consultada alguma referência que pudesse contribuir

para a explicar essas diferenças. Torna-se necessário reunir mais informações nesta pesquisa

ou realizar algum outro tipo de investigação para que se possa tentar encontrar alguma

explicação fundamentada para esse achado.

Passa-se, então, às comparações dos grupos quanto aos aspectos que são os

caracterizadores do conceito de liderança na percepção dos entrevistados.

Page 293: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

292

5.2 O conceito de liderança

Aqui se repetiu o que já havia sido comprovado na teoria com Stogdill (1974) e Bennis

e Nanus (1988): não só não houve consenso para essa resposta, como a tentativa de definição

tendeu a apresentar resultado final próximo do número de entrevistados.

Para a criação desse grupo de análise, foi necessário cuidado adicional, pois a tentativa

de reunir várias respostas em um mesmo item trazia o risco de descaracterizar uma resposta

que poderia representar uma visão muito específica da liderança – a qual, por isso mesmo, não

poderia ser desconsiderada.

Assim, quando um item reuniu respostas diferentes, procurou-se manter nele as

características mais significativas de diferenciação de cada resposta, ainda que compreendidas

em uma ideia geral.

Caracterizados os itens, foi possível reuni-los em grupos que compartilhavam uma ou

mais características – o que pode vir a ser útil no momento da análise. E, após um primeiro

esforço de interpretação mais genérico das respostas, já se puderam identificar duas noções

que, de algum modo, estavam presentes na maioria das definições:

a) A de que a liderança envolve alguma forma de influência de um indivíduo sobre

outro(s) indivíduo(s) ou grupo(s) e que é congruente com as teorias do mainstream;

b) a de que o contexto no qual ocorrem as relações de liderança pode ser identificado

com aquele no qual ocorrem as relações de poder – aspecto também explorado na

teoria, nesse caso relacionado com os autores de orientação mais crítica.

Para facilitar a identificação de entrevistas a serem visitadas na caracterização do

conceito, as respostas foram organizadas em grupos, com sentido semelhante. São eles:

A) Respostas ao questionamento direto sobre o que é o líder e o que é a liderança

Considerando-se as referências ao questionamento direto – que, de modo geral,

acontecia no terço final da entrevista, quando se solicitava ao entrevistado buscar caracterizar,

“após todas as suas considerações, o que significam liderança e ser líder?”, pode-se resumir o

resultado obtido pelas respostas da seguinte forma:

Sobre a liderança, foram apresentadas 11 características gerais. Muitas delas iniciam

com o termo capacidade. Esse termo é fruto de interpretação do autor da tese e resume

respostas do tipo “o sujeito para ser líder tem que...” ou “o sujeito quando é líder mesmo

ele...”, apenas para citar dois exemplos.

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293

Assim entendida, essa categoria reuniu os seguintes itens:

I: capacidade de sintetizar o sentimento de um grupo e a partir daí propor ações

que mudem ou que ajudem a construir algo;

II: capacidade de ouvir, relação empática (entender por que o outro pensa assim);

III: aquele que se preocupa, que quer cuidar, ou quer servir, aos outros;

IV: capacidade de agregar pessoas em uma ideia (que represente um objetivo);

V: aquele que quer mudar uma realidade;

VI: fazer, executar;

VII: transmitir confiança;

VIII: capacidade de formar equipes e organizar o trabalho dos grupos;

IX: capacidade de influenciar;

X: capacidade de enxergar à frente de seu tempo;

XI: capacidade de diminuir incertezas.

A distribuição de frequências para esses itens encontra-se na Tabela 12:

Tabela 12 - Distribuição de frequência das características da liderança para os dois

grupos

I II III IV V VI VII VIII IX X XI

LÍDER EM ATIVIDADE 4 6 3 4 0 5 2 2 0 0 1

LÍDER INATIVO 4 2 0 4 5 3 5 1 3 1 1

Fonte: dados da pesquisa.

Existem três aspectos na comparação das distribuições de frequência na Tabela 12 que

devem ser mais bem explorados: o que diz respeito ao contraponto entre os itens II e VII; o

que diz respeito ao contraponto entre os itens III e IX; e o que se refere à distorção de

distribuição entre os dois grupos, observada no item V.

Em relação aos dois primeiros contrapontos, cada grupo de dois itens se refere a um

aspecto da relação de liderança – que será apresentado na sequência –, mas invertendo a ótica

quando se comparam líderes ativos com inativos (TAB. 13).

Tabela 13 - Comparação entre as frequências dos

itens II eVII, e III e IX da Tabela 12

II VII III IX

LÍDER ATIVO 6 2 3 0

LÍDER INATIVO 2 5 0 3

Fonte: dados da pesquisa.

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294

O que foi chamado “inverter a ótica” pode ser explicitado da seguinte forma:

(i) Pode-se considerar que os itens II e VII possuem em comum entre si, de modo bem

genérico, o que se poderia chamar “relação empática entre líder e liderado”. A diferença entre

os dois reside no fato de que no item II (capacidade de ouvir, relação empática com o outro –

entender porque ele pensa assim) o ato de buscar ouvir, de se colocar no lugar do outro ou

buscar entender por que o outro pensa de determinada forma faz com que a relação seja

ativamente estabelecida do líder para o liderado. Um exemplo seria o do líder em atividade

(9) “liderar é ouvir... e... depois executar alguma coisa diante do que você ouviu”.

Um contraponto no próprio item II pode ser identificado pela fala do líder inativo (5):

“saber o que as pessoas querem ouvir”. Aqui não há mais a conotação de ouvir primeiro e agir

depois, mas sim a de agir sabendo que tipo de discurso usar para atingir meus objetivos, mais

de acordo com o que foi apresentado na teoria, na seção 2.5.3 (E).

Já no item VII (transmitir confiança) a relação empática é mais passiva, sem muito

controle por parte do líder, sendo algo que é mais percebido pelo liderado do que

desencadeado ativamente pelo líder. O exemplo está na fala do líder inativo (23): “o líder é

um indivíduo que ele... ele não precisa evocar nada pra que ele tenha uma capacidade de ter

confiabilidade” ou do líder ativo (12) “o líder eu acho que é aquele sujeito que pouco... meia

hora de conversa e você acredita no cara”.

O que chama a atenção quando se comparam esses dois itens da tabela 12 é a inversão

de ocorrências.

(ii) Pode-se considerar que os itens III e IX também apresentam um contraponto: no

item III (aquele que se preocupa, que quer cuidar ou quer servir aos outros) tem-se um

indivíduo cuja atenção está voltada para os interesses do liderado, enquanto no item IX

(capacidade de influenciar) o líder tem a sua atenção voltada para os seus interesses, os quais,

para serem realizados, dependem da aquiescência do outro (daí ter que influenciá-lo).

Esses dois contrapontos mostram a reunião de alguns itens em conjuntos que possuem

algum denominador comum. Uma possibilidade para essa organização é reunir características

que envolvem:

a) atenção voltada para o liderado como indivíduo – representadas pelos itens II, III;

b) organização da atividade coletiva – representadas pelos itens I, IV, VIII;

c) motivação interna do líder – representada pelos itens V, VI, VII, IX, X, XI.

Se os três conjuntos forem comparados, tem-se o resultado da Tabela 14:

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295

Tabela 14 - Organização dos itens das tabelas 15 e 16 por conjuntos com características

próximas

LÍDER

Atenção com

o liderado

Atenção na

organização da

atividade coletiva

Motivação interna

do líder

ITENS II, III I, IV, VIII V, VI, VII, IX, X, XI

ATIVO 09 10 08

INATIVO 02 09 18

Fonte: dados da pesquisa.

Ao comparar os dois grupos de líderes a partir dos conjuntos de itens, constata-se que:

a) Há significativa discrepância no conjunto que reúne os itens II e III, os quais

caracterizam o conjunto (a), com maior concentração envolvendo os líderes em

atividade;

b) há concentração de respostas envolvendo os itens V, VII e IX – os quais caracterizam

o conjunto (c), uma motivação interna do líder – entre os entrevistados que não estão

mais no papel de líderes. Nesse conjunto chamam a atenção os itens V, IX e X, os

quais não apresentaram alguma ocorrência entre os líderes em atividade.

Têm-se aqui evidências, a partir dessas observações, para considerar-se que houve

tendência de indivíduos que veem a liderança caracterizada por comportamentos do líder

voltados para a atenção com o outro a permanecerem na liderança de organizações

associativas. E líderes que se envolvem com a liderança em atendimento a motivações

internas, por alguma razão, abandonam mais frequentemente esse papel social.

Considerando essa diferença entre os dois grupos, procede-se à comparação entre os

domínios da personalidade dos indivíduos que compõem os dois grupos de líderes. Mas como

alguns entrevistados apresentaram definição que envolveu mais de uma categoria, para formar

os grupos de análise eles foram mantidos no grupo que envolveu mais alto número de

características por eles citadas. Como exemplo, o entrevistado (3) forneceu uma definição que

poderia ser enquadrada nas categorias 2, 3 e 6. Para a divisão ele ficou no grupo de “atenção

com o liderado”, o qual reúne as categorias 2 e 3; já o entrevistado (6) forneceu uma

definição que poderia ser desdobrada nas categorias 2, 5 e 9. Na divisão, ficou no grupo

“motivação interna do líder”, que reúne as categorias 5 e 9 (entre outras).

Os dois grupos ficaram, assim, formados pelos seguintes entrevistados (TAB. 15):

a) Atenção com o liderado: (2), (3), (5), (6), (9), (11), (18), (21), (31), (32);

b) motivação interna do líder: (6), (8), (9), (10), (12), (13), (16), (20), (21), (22), (23),

(25), (27), (28), (29), (33), e (34).

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296

Tabela 15 - Resultados das comparações dos cinco domínios do

NEO-PI-R para os dois grupos

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Atenção

c/liderado

2,5 (Baixo) 0,0 0,0001; 1,0001 0,5468

Motivação

interna

2,0 (Baixo)

Extroversão Atenção

c/liderado

3,5 (Médio) 0,0 -1,0; 0,0 0,8408

Motivação

interna

3,0 (Médio)

Abertura Atenção

c/liderado

3,0 (Médio) 0,0 -1,0; 0,0 0,4364

Motivação

interna

4,0 (Alto)

Amabilidade Atenção

c/liderado

4,0 (Alto) 0,0 0,0; 1,0 0,6695

Motivação

interna

3,0 (Médio)

Consciensiosidade Atenção

c/liderado

3,0 (Médio) 0,0 -1,0; 0,0 0,4666

Motivação

interna

4,0 (Alto)

Fonte: dados da pesquisa.

Como se pode perceber pelo resultado, também aqui todos os p-valor estão acima de

0,05, não se rejeitando a hipótese nula de que os dois grupos são iguais.

Uma outra forma de aglutinar é reunir os itens que indicam visões da liderança mais

relacionadas ao exercício de poder – e, portanto, com o que Bryman (2009) chamou de

“abordagens tradicionais” – e itens que identificaram uma visão mais próxima do que Bryman

(2009) chamou de “nova liderança”, envolvendo formas mais próximas da liderança

transformacional e demais modelos nos quais o liderado vai exercer um papel preponderante.

Tendo-se esse critério, ficaria da seguinte forma a aglutinação dos itens:

a) Tradicional (o foco está na vontade do líder): IV, V, VI, IX, X, XI

b) Nova liderança (o foco está mais nos interesses do liderado): I, II, III, VII, VIII

O resultado dessa aglutinação pode ser confirmado na Tabela 16:

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297

Tabela 16 - Organização dos itens da Tabela 12 por conjuntos

de tipo de liderança

LÍDER Tradicional

Nova liderança

ITENS IV, V, VI, IX, X, XI I, II, III, VII, VIII

ATIVO 10 17

INATIVO 17 12

Fonte: dados da pesquisa.

Registrou-se aqui a tendência à inversão, com mais líderes em atividade com perfil

de “nova liderança” e mais inativos no perfil da liderança “tradicional”.

Essa inversão permite questionar, em organizações de caráter associativo, nas quais o

líder é escolhido por voto, se a percepção de um comportamento do líder mais voltado para o

atendimento às necessidades do grupo (e não de seus próprios interesses) poderia constituir

um fator de facilitação para a manutenção do indivíduo e posições de liderança. Não há

elementos obtidos na pesquisa até esse ponto para responder a esse questionamento, devendo

esse aspecto ser objeto para abordagem posterior.

B) Características observadas no comportamento do líder

Sobre o ser líder, foram apresentadas, no conjunto, em torno de 23 características –

após se ter buscado traduzir algumas falas em um tipo ou grupo de características que

pudessem reunir referências realizadas por pessoas diferentes. São as seguintes:

I: buscar convencer ou saber comunicar aos liderados suas ideias, convicções ou crenças;

II: atribuir aos liderados as boas ideias do líder, para satisfazê-los ou motivá-los;

III: elogiar o trabalho dos liderados para estimulá-los a realizar (algo de interesse comum);

IV: propor, sem impor;

V: ter disposição, interesse ou capacidade para ouvir as pessoas;

VI: discernimento – para saber identificar o que é melhor ou pior para a situação;

VII: saber o que as pessoas querem ouvir e aquilo que as faz irem para onde se deseja;

VIII: é uma pessoa que não age por impulso – no sentido de ser racional, ponderada,

reflexiva;

IX: considera a possibilidade de estar errado e ter a capacidade de admitir erros;

X: tem tendência a identificar oportunidades (e necessidades) de inovação e mudança;

XI: tem das coisas uma visão ampla ou clara ou à frente de seu tempo ou ainda de ter a

capacidade de fazer uma síntese da realidade;

XII: transmitir confiança – ter facilidade para criar empatia;

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298

XIII: falar o que pensa, mesmo que isso desagrade a alguns;

XIV: possuir senso de oportunidade aguçado;

XV: contornar conflitos;

XVI: formar equipes e organizar o trabalho dos indivíduos;

XVII: conduzir o grupo, podendo utilizar o melhor de cada um;

XVIII: presteza para participar de movimentos que envolvem os seus grupos sociais;

XIX: abnegação ou possuir “espírito de sacrifício”;

XX: colocar-se tanto nos sentidos de se colocar à disposição, como no de se posicionar;

XXI: independência: tanto financeira como pessoal (no sentido de convicções e opiniões);

XXII: psiquicamente não deve ser uma pessoa considerada como normal;

XXIII: dar sentido, diminuindo incertezas.

A distribuição de frequências e os itens de I a XII estão apresentados na Tabela 17:

Tabela 17 - Distribuição de frequência das características dos líderes citadas pelos dois

grupos – Itens I a XII

LÍDER I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII

ATIVO 2 2 1 2 5 0 0 1 0 2 2 5

INATIVO 8 0 0 0 5 0 1 1 1 2 8 5

Fonte: dados da pesquisa.

Os itens de XIII a XXIII estão demonstrados na Tabela 18:

Tabela 18 - Distribuição de frequência das características dos líderes citadas pelos dois

grupos: itens XIII a XXIII

XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX XXI XXII XXIII n.c.

ATIVO 1 2 0 2 2 1 1 2 3 0 1 0

INATIVO 0 0 1 1 2 1 2 2 1 1 0 1

Fonte: dados da pesquisa.

n.c- Não pode citar uma característica (não sabe, ou não quis, citar).

Houve certa homogeneidade nas percepções, exceto em relação aos itens I (buscar

convencer o liderado de suas convicções) e XI (ter das coisas uma visão ampla ou clara ou à

frente de seu tempo ou, ainda, ter a capacidade de fazer uma síntese da realidade), para os

quais há franca concentração entre os entrevistados que não estão mais no papel de líder.

Pode-se tentar fazer aqui o mesmo exercício feito para a Tabela 14, reunindo os itens

em conjuntos de:

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299

a) Atenção voltada para o liderado como indivíduo – representada pelos itens I, II, III,

IV,V, VII, XII e XIX

b) organização da atividade coletiva – representada pelos itens VI, XVI, XVII e XXIII;

c) motivação interna do líder – representada pelos itens VIII, IX, X, XIII, XIV, XI, XV,

XVIII, XX, XXI e XXII.

Como pode ser constatado, os itens I e XI ficaram em grupos diferentes.

O resultado final da associação de itens poderia ser como está na Tabela 19:

Tabela 19 - Organização dos itens das tabelas 17 e 18 por conjuntos

com características próximas

LÍDER

Atenção no

liderado

Atenção na

organização da

atividade

coletiva

Motivação interna

do líder

ITENS I, II, III, IV, V,

VII, XII, XIX

VI, XVI, XVII,

XXIII

VIII, IX, X, XIII, XIV, XI,

XV, XVIII, X, XXI, XXII

ATIVO 18 5 14

INATIVO 21 3 17

Fonte: dados da pesquisa.

Nesse caso, já não se observam distorções significativas que poderiam indicar uma

diferença entre grupos ou indivíduos.

O item I (buscar convencer ou saber comunicar aos liderados suas ideias, convicções

ou crenças) poderia ser incluído no que foi chamado de “atenção no liderado”. Se esse item

for considerado com o conjunto de itens que expressam uma característica semelhante, ele

fica diluído, podendo-se considerar que tem uma expressão igual para os dois grupos.

Também o item XI (ter das coisas uma visão ampla ou clara ou à frente de seu tempo

ou, ainda, ter a capacidade de fazer uma síntese da realidade) foi reunido com outros que

expressassem tendência semelhante.

Reunidos dessa forma, não é mais possível perceber uma distorção que mereça ser

aprofundada a partir das entrevistas, apresentando os dois grupos, novamente, certa

homogeneidade na apresentação das definições sobre a liderança.

Uma outra forma de expressar a sua percepção sobre a liderança, com potencial para

revelar contradições ou distorções, seria buscar dizer o que ela não é. Nesse caso, o que foi

apresentando pelos entrevistados foram as seguintes características:

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300

I: dificuldade de escutar o que outro tem para dizer;

II: o sujeito que manda ou aquele que precisa demonstrar força ou que é autoritário;

III: o contrário da definição anterior sobre o que a liderança é;

IV: o sujeito que pensa em si em primeiro lugar: o líder deve considerar primeiro o coletivo;

V: não sabe, não conseguiu ou não quis se expressar sob esse aspecto;

VI: o chefe, entendido como indivíduo que está em posição hierarquicamente superior.

A diferença entre os itens II e VI reside no fato de que, em II, a ação de mando pode

ser observada em qualquer grupo social – como um grupo efêmero, formado para resolver

uma questão específica – e relaciona-se ao comportamento do indivíduo no grupo, enquanto

em VI ela está identificada como alguém posicionado na estrutura, exercendo um cargo

previsto na norma, independentemente do seu comportamento nessa posição.

Sob esse aspecto, a distribuição de frequências pode ser vista na Tabela 20.

Tabela 20 -Distribuição de frequências: o que a liderança não é

I II III IV V VI

LÍDER EM ATIVIDADE 1 6 5 7 1 0

LÍDER INATIVO 0 5 4 6 5 1

Fonte: dados da pesquisa.

A distorção detectada nessa Tabela está assentada em um item de menos relevância –

o item V: não sabe, não conseguiu ou não quis se expressar sobre esse aspecto.

Nos demais itens – os que expressam alguma visão definida sobre a questão – os

grupos são basicamente semelhantes.

Quanto a manifestar dúvida, quando da explicitação do conceito, a divisão dos itens

expressa abaixo, resultou na distribuição de frequências apresentada na Tabela 21:

I: sim, verbaliza a dúvida;

II: não, afirma com certeza;

III: afirma, mas a dúvida é perceptível pela confusão durante a fala.

Tabela 21 - Distribuição de frequências:

dúvidas ao conceituar a liderança

Fonte: dados da pesquisa.

I II III I+III TOTAL

LÍDER EM ATIVIDADE 4 5 7 11 16

LÍDER INATIVO 5 10 2 7 17

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301

Quando se somam os itens I e III (relacionados à dúvida sobre o conceito), apura-se

uma pequena inversão. O que se percebe, como tendência, é que indivíduos que exercem a

liderança tiveram mais dúvidas sobre o que é isso do que aqueles que já a exerceram, mas que

estão inativos: somente cinco entre os 16 afirmaram com certeza o seu conceito de liderança.

Entre os que atualmente não estão no exercício deste papel, o dobro de indivíduos apresentou

um conceito sobre liderança que para ele estava claro: 10 dos 17 entrevistados.

Antes de buscar explicação para esse achado, analisa-se um outro aspecto investigado

e a ele relacionado, que foi o referente à ideia do entrevistado, relacionada à diferenciação

entre a liderança e a gestão.

As respostas foram organizadas basicamente em três grupos:

I: verbaliza a confusão: o líder o é porque é parte da estrutura – com funções de gestão;

II: verbaliza a diferenciação: liderar é uma coisa diferente de fazer gestão numa

organização;

III: líder é o indivíduo, independentemente de onde esteja.

Alguns exemplos dos itens, obtidos a partir das falas dos entrevistados:

Item I: (14) Eu tenho muita dúvida sobre o conceito de líder, né? Então, é... até por

uma falta de... uma interpretação mais sólida sobre a conceituação... eu tenho muita

dúvida. Na minha vivência em termos de... ou melhor, a convivência com líderes,

né? [...] eu comecei a tomar é... a tomar um contato é... mais próximo com essas

questões de liderança é... em função de um processo de desenvolvimento estrutural

da (empresa). Até então eu não tinha tido um contato com essa questão de gestão,

essa questão de líder, né?

(10) E essa dificuldade de coordenar, a gente colocava muito na situação... sem

preparo isso aí me levou... me obrigou a procurar formas de atuar de forma mais

adequada nisso, então, né... com isso eu fui procurar uma especialidade, procurar

cursos no mercado de liderança [...] tive a necessidade de buscar essas habilidades.

Item II: (5) Cargo... cargos que... que tem liderança... não é a mesma coisa. Não é de

se esperar que todo mundo que está nos cargos tenha capacidade de liderança, né?

(12) [...] é... é eu não sei falar como é que certas pessoas chegaram a ocupar

determinados cargos, porque o sujeito não representa nada, e... e principalmente tem

muito nego que... que pra ser líder ou pra aparecer como tal, ele tem que demonstrar

força, né? E ao passo que a liderança boa mesmo não precisa de força. Você vai

atrás do sujeito sem ele ter essa força, né... é... física ou sei lá que nome dá pra isso

[...] mas líder, líder, no nosso meio não é muito não... na minha cabeça não é muito

não [...] O que aconteceu é o tal do vácuo, entra no vácuo e vai embora51

.

51

Vácuo – o que o entrevistado está se referindo com esse termo é a um conceito que já foi tema de discussão

sobre liderança, no passado (da qual participou o pesquisador), envolvendo alguns dos entrevistados que

pertencem hoje aos dois grupos pesquisados: o fato de que algumas pessoas iniciam em posições de liderança em

um vácuo de poder, em um momento que, por razões conjunturais, há pouco interesse para as pessoas se

envolverem com a liderança, como atividades com pouca importância social no momento, em instituições de

pouca projeção, cargos de pouca visibilidade para o grupo social, sem remuneração ou com muito pouca

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302

(13) [...] mas se coloca uma pessoa na chefia... e na verdade aí existe uma diferença

que eu aprendi com um grande tio meu, irmão de meu pai, o líder é diferente de

chefe. [fulano] sabia chefiar, mas nunca foi líder. Incapaz de... de contornar um

conflito... é muito fácil ser líder hoje com a experiência que eu tenho, eu vejo

direitinho o que é que é líder e o que é chefe, entendeu?

(22) [...] tem que saber bem o que que você está perguntando: se é sobre o sujeito

que organiza uma atividade de grupo... ou, sei lá... coletiva, né, ou aquele indivíduo

que está num cargo de chefia, de mando, coisa assim...

Item III: para classificação nesse item, o que se levou em consideração foi o fato de o

entrevistado se referir, durante toda a entrevista, ao indivíduo que era líder, em todas as suas

referências – influências, vivências, ações (tanto as próprias como de outros líderes citados) –

sem menção a cargos ou funções de gestão, mas apenas com foco em suas características,

comportamentos ou ações.

A distribuição de frequências é apresentada na Tabela 22.

Tabela 22 - A liderança é exercida na estrutura

ou é característica de indivíduo

Fonte: dados da pesquisa.

Em relação a essa Tabela, o dado mais significativo a ser citado diz respeito à grande

concentração em líderes que não mais estão nesse papel para verbalizar a diferença. Na

verdade, um único líder em atividade – o entrevistado (12) – verbalizou a diferença. Esse é

um indivíduo do sexo masculino, que começou o seu relato pela vida universitária, que à

época da entrevista já tinha exercido duas presidências e várias outras posições de liderança,

entre diretorias e chefias, que caracteriza a liderança basicamente por uma relação de

confiança, e que tem uma visão crítica a respeito de muitos dos indivíduos que estão no papel

de líderes. Uma citação de sua entrevista está na página anterior, no exemplo do item II. Aqui,

cabe acrescentar os seguintes aspectos adicionais de sua fala: (12) “e tem muito é... hoje,

acho, cargo de liderança...”; e ainda: “você vai vendo que o sujeito está ali por falta de outro

ou até por contingência política”.

Para os outros dois itens, a frequência de ocorrências foi semelhante.

remuneração para muita demanda de envolvimento ou qualquer outro motivo que torne a posição de liderança

como de pouca importância para o grupo social naquele momento. Esse tema vai ser abordado por alguns

entrevistados, no contexto do “início de suas atividades como líder”.

I II III

LÍDER ATIVO 7 1 9

LÍDER INATIVO 6 4 9

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303

Analisando, então, os dados obtidos das Tabelas 21 e 22, o que se percebe como

tendência é que quem está na liderança são os que menos identificam as diferenças entre

liderança e gestão, além de serem também os que mais expressam dúvidas em relação ao

conceito. Reconsultando as entrevistas, não foi possível encontrar algo que pudesse revelar

uma noção consciente que explique essa discrepância. Uma interpretação possível seria a de

que a vivência da liderança possa deixar o indivíduo em uma posição que permita revelar

contradições em relação aos conceitos previamente estabelecidos sobre o que ela significaria,

enquanto o olhar sem o comprometimento de quem não está no exercício da atividade poderia

dificultar a percepção dessas contradições. Será necessário progredir na investigação, de

modo a buscar outros dados que ajudem a confirmar ou descartar essa interpretação.

C) Percepção dos entrevistados quanto a ser a liderança algo nato ou desenvolvido

Quanto à percepção de entrevistados se a liderança seria algo nato ou se poderia se

desenvolvido durante a vida, a distribuição dos itens foi a seguinte:

I: o líder é formado;

II: liderança é algo nato;

III: não sabe ou não citou;

IV: há um componente nato, mas também pode ser aprendido ou pode ser aprimorado.

A distribuição de frequência das respostas está exposta na Tabela 23:

Tabela 23 - Distribuição de frequências:

a liderança é algo nato ou pode ser aprendida

Fonte: dados da pesquisa.

O que salta aos olhos na análise da Tabela 23 é o fato de que nenhum dos líderes em

atividade considerou a liderança como algo que é apenas inato no indivíduo – ainda que a

metade não tenha apresentado qualquer posicionamento sobre isso. O objeto de investigação,

nesse caso, poderia recair sobre os indivíduos que a consideraram como algo inato, que são

três indivíduos que não estão, no momento, exercendo papéis de liderança.

Busca-se, então, nas entrevistas os pontos em que fazem referência ao tema:

I II III IV

LÍDER EM ATIVIDADE 2 0 8 6

LÍDER INATIVO 2 3 7 5

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304

a) O entrevistado (13) cita, a partir de sua história de liderança identificada na infância,

que “isso aí eu sempre tive em mim, uma coisa meio inata”;

b) o entrevistado (29) não se refere propriamente a algo “inato”, mas sim a algo

relacionado à personalidade, sem especificar se, na visão dele, a personalidade é algo

inata ou aprendida. Sua fala deixa transparecer que esses aspectos são determinados na

primeira infância (e não propriamente “inatos”), da seguinte forma:

Todas as grandes lideranças políticas, todos os grandes líderes militares, eles tinham

um motivo de distúrbio comportamental, tinham algum tipo de carência que remete

à primeira infância que fazia... O Alexandre Magno tinha isso, tinha essa questão

com a relação incestuosa, com a mãe [...] o líder tem um pouco disso de

megalomania, de loucura, idolatria a algo que não é muito óbvio, apesar de São

Francisco de Assis também ter sido líder, Mahatma Gandhi ter sido líder [...];

c) quanto ao terceiro, o entrevistado (30), ele começa seu relato na infância, observando

que “a liderança é... ela acompanha sua vida o tempo todo, né?” e mais à frente na

entrevista, afirma que”

A liderança é uma coisa que ela... ela pode ser trabalhada, né, mas a verdadeira

liderança ela é inata, que a pessoa que é carismática ela não consegue... um líder, ele

pode assumir uma condição de liderança e tudo, mas ele... ele tem que ter, eu acho

que tem um fator aí até de personalidade, um fator aí realmente inato em relação a

tudo isso [...].

A compreensão desse aspecto pode depender de se encontrar outros dados a ele

relacionados. Fica aqui registrado, para discussão posterior.

D) Percepção do entrevistado quanto a ser, ele mesmo, um líder

Uma última questão, que foi espontaneamente mencionada por alguns dos

entrevistados e perguntada para os demais, para possibilitar a comparação, foi a relacionada

ao fato de o entrevistado se considerar um líder.

As respostas foram divididas em quatro grupos:

I: sim;

II: não;

III: não citou ou não colocou esse dado como uma questão relevante;

IV: sim, com ressalvas – por exemplo, acha que não tem perfil de presidente, apesar de

exercer esse papel.

A distribuição de frequências para essa resposta pode ser vista na Tabela 24:

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305

Tabela 24 - Distribuição de frequências:

se o entrevistado se considera um líder

Fonte: dados da pesquisa.

Apesar do número semelhante de indivíduos que estão exercendo a liderança,

comparados com aqueles que não estão no seu exercício, perceberem-se como líderes (I+IV =

11 líderes ativos e 12 inativos), existem entre os líderes em exercício uma pessoa que faz uma

ressalva em relação a se perceber como tal. Ou seja, talvez o aspecto mais relevante a ser

aprofundado diz respeito ao caso do líder em atividade que coloca em questão a sua condição.

Esse é um indivíduo que, além da experiência de várias posições de chefia em

diferentes instituições no passado, já foi presidente de três organizações associativas – posição

cujo acesso se deu por processo político eleitoral –, sendo no momento presidente de uma

sociedade anônima que atua no mercado nacional e vice-presidente de uma organização

associativa, também de âmbito nacional. De todo o grupo de 33 entrevistados, apenas um

outro líder em atividade – o identificado pelo número (24) – e um inativo – o número (34) –

possuem, em seus currículos, a mesma quantidade de exercício de chefias e lideranças.

Na sequência, comparam-se as entrevistas desses três indivíduos:

No início de seu relato, solicitado a contar a sua história relacionada ao tema

“liderança”, o entrevistado (15) começa, no momento atual, da seguinte forma:

Eu acho assim... muito difícil é... eu... me considerar líder, porque assim é... é... se

você for analisar eu sou um líder. Falar isso eu acho que é uma coisa difícil... talvez

os papéis que você exerce no decorrer da vida acabam te colocando na posição de

liderança, né? As pessoas esperam que você tenha, é... atitudes por elas, assim,

condutas, definições que muito mais ligadas ao cargo que você ocupa... pelo menos

no meu caso... do que mesmo por uma... uma vontade de exercer talvez a... a

liderança. Isto é, acho que tem pessoas que são talhadas para isso, querem isso,

procuram isso, né? E... e se alimentam disso. Outras, como no meu caso, acho que a

liderança veio de maneira indireta, parece que você está disponível para exercer

esses papéis e, quando exercidos, procura exercê-los da melhor maneira com

aqueles valores [...] os valores maiores que têm me orientado a atuar como líder [...]

assim eu... é... acho... acho que muitas das chefias e lideranças que eu exerci eu te

diria que caíram no meu colo, eu não vinha deliberadamente procurando fazer isso.

Quando a pergunta dizia respeito aos indivíduos que, a partir de sua visão sobre a

liderança, e dentro de seu meio social, ele considerava serem líderes, portanto, no momento

em que ele é colocado na condição de liderado, a resposta foi:

I II III IV I+IV

LÍDER EM ATIVIDADE 8 1 4 3 11

LÍDER INATIVO 9 3 2 3 12

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(15) “É... eu... eu tenho muita dificuldade em... em aceitar liderança. Talvez seja por

isso que eu nunca tenha, deliberadamente, procurado ser líder de alguma coisa [...] a

gente vê às vezes muitas pessoas que exercem posição de líder, mas de uma maneira

muito personalista, muito individualista, que não é uma maneira que eu acho que o

líder deve ser. Isso... a pessoa tem que exercer liderança democrática”.

Ao ser indagado, finalmente, sobre sua definição de liderança, ele afirmou:

(15) Ser líder seria... é... uma capacidade que você... é... ou recebe ou procura...e... e

faz com que no exercício dessa sua atividade você é... aglutine pessoas que pensem

de maneira semelhante para tentar é... juntas é... edificar uma coisa melhor. Então o

líder [...] acho que ele... ele conduz, mas ele... ele comanda, mas assim sempre é o...

o aquela palavra, aquele prefixo co-mandar, con-duzir, quer dizer você tem que co-

mandar com alguém, con-duzir com alguém, tudo utilizando o melhor de cada um,

né, no benefício de todos.

Um aspecto que ele acentuou durante a conversa foi que, para ele, o líder deve ter

independência, inclusive e principalmente, financeira em relação à posição que ocupa:

(15) ele não pode depender financeiramente do cargo não... senão perde a

independência.

No contraponto, o indivíduo (24) que também tem em seu currículo quantidade

significativa de chefias e lideranças apresentou, para os mesmos estímulos, o seguinte: ele

inicia o relato no movimento estudantil, na universidade, em nenhum momento colocou em

questão a sua condição de liderança, teve passagem pela política partidária. Seu conceito de

liderança foi o seguinte:

(24) O líder é... é... é a pessoa que... que... tem o falso líder e o verdadeiro líder, né?

É... o líder não pode depender do cargo que está ocupando. Ser ele estiver ocupando

um cargo para sobrevivência dele, o líder... ele não pode... é... ter interesse diferente

da pessoa que ele representa, então eu acho que o exercício da liderança é... é

compartilhar os interesses e sentimentos que as pessoas têm.

Em comum, os dois identificaram a necessidade de uma independência financeira em

relação à posição que ocupam. Esse aspecto da independência merece ser aqui mais bem

explorado: como foi apresentado na Tabela 18, no item XXI, ter independência financeira e

de opinião foi considerado uma característica importante para três indivíduos que estão no

exercício da liderança – dois dos quais foram os citados – e para um dos que não estão no

exercício.

O outro líder em atividade que citou espontaneamente a independência financeira

também o fez em resposta à pergunta “o que motiva o líder em uma situação como essa, a

despeito do sacrifício pessoal?”, nos seguintes termos:

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(25) Primeiro, você tem que gostar daquilo que está fazendo, senão... você não leva

adiante. Você tem que, isso eu falo, você tem que ter uma missão [...] eu

particularmente acho, você não pode ter uma dependência financeira,

principalmente quando você assume um cargo de liderança, porque aí sim [...] deixa

de ser ideal e passa a ser dependência financeira.

Para o único entrevistado inativo que citou a independência, ficou claro, em sua fala, o

valor que dá à independência de opinião – e não financeira – como apresentado no trecho da

entrevista abaixo. O contexto foi o momento de mudança de governo, quando outra pessoa

havia sido indicada para substituí-lo pelo novo governo, mas a parte da coalizão que ficou

com a secretaria na qual ele estava ligado gostaria que ele continuasse na direção, em função

de sua projeção política local. O relato diz respeito à sua última posição de liderança

assumida, que lhe custou o afastamento das posições de liderança desde então, até o momento

da entrevista – com impacto financeiro, mas que não foi citado em seu discurso:

(29) Não, não, eu saí da direção no governo [fulano de tal] também por radicalismo

meu. Eu briguei – brigar com superintendente é a minha vocação, né? Eu falei: não,

eu não quero, são mais de oito anos, eu tenho meus filhos pra educar, tá, tá, e eu

estou dedicando todas as minhas energias aqui, já chegou a hora de parar. Aí eles

falaram: não, mas você vai continuar... Mas as diretrizes do partido vão ter que ser

cumpridas, inclusive o comparecimento nas reuniões para as quais o partido

convocá-lo... Eu falei: então eu peço demissão é agora... Não dá, incompatível, eu

iria virar refém de um partido político, eu admiro o (partido x), tem uma história

gloriosa [...] mas não tenho saco para ficar em reuniões, fazer boca de urna que eu

acho um absurdo, ultrajante, no dia da eleição eu ficar tentando ganhar um voto do

meu vizinho com toda aquela sedução, com papel na mão... boca de urna... eu teria

que me prestar a esse tipo de coisa...

Esse não foi o único líder inativo que apresentou a independência como valor. O

entrevistado (22), também na caracterização do que é o líder, afirmou que:

(22) [...] o cara tem que ter independência. As pessoas têm que perceber que ele tem

posições de independência.

A independência financeira também foi uma questão abordada, de forma não direta,

mas muito incisiva, pelo entrevistado (8). O aspecto citado foi muito interessante, pelo fato de

que não tem sido abordado pela teoria no mainstream: o relato da percepção de que o papel de

liderança pode ser exercido por pessoas que mostravam a disposição – por motivos diversos,

relacionados à história do indivíduo – de se colocar em risco, sendo essa sua disposição

motivo de conforto para aqueles que, ainda que almejando objetivo comum, não desejavam

colocar em risco seus ganhos financeiros, seu tempo com familiares e amigos ou mesmo, em

algumas situações, sua carreira.

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O contexto era o do relato inicial sobre a “sua história relacionada à liderança”:

(8) Eu também já estava no cheque especial, ou seja, eu acreditava tanto no projeto

que eu fui consumindo as reservas. A minha mulher já estava brava com a história,

como a gente vê muitos casos assim, né? Aí vai mais um pouquinho, mais um

pouquinho e o dinheiro já está acabando e o sindicato começou a me ajudar, mas era

muito chato o sindicato e a burocracia dele. Tinha que ter pauta: o que você vai

fazer em Brasília para eu te liberar a passagem? Eu não sei, eu tenho que ir lá, se eu

não estiver lá não acontece nada. E era assim que acontecia: você marcava alguma

coisa, eu vou ver o amigo do fulano de tal e ele mudava a agenda, não estava mais

lá. Você vai voltar? Ou então, não dá pra programar: quem quer ter uma atuação

política em Brasília tem que ir sem pauta; chega lá telefona pra um, telefone pra

outro, opa! Estou indo aí [...] depois que alguém se sobressai e mostra que é capaz

de se expor em nome dos outros – porque o colega quer é que você se ferre em

nome dele. Então hoje eu sei disso com muito mais clareza; inclusive, nunca mais

me iludi também, aparece um que seja louco, maluco a ponto de pôr em risco uma

carreira... eu fui ameaçado por ministro [...] a relação é muito perversa, não é... você

não tem... Pra você ser líder, você tem que ser maluco, tem que estar disposto a tudo

– eu me dispus até a morrer, Zé... Torcia pra ser preso pra ganhar capital político...

não tinha... não estava nem aí... É um período meio de loucura pra conseguir o que

eu liderava.

Como esse indivíduo estava entre os primeiros entrevistados, a partir de sua entrevista

essa pergunta foi incluída nas pesquisas subsequentes, além de, por sua importância aparente,

ter sido referida também a alguns dos que já haviam sido entrevistados. A pergunta, de modo

genérico, era algo como “você se sente de alguma forma explorado no seu papel de líder ou

sente que existe um sacrifício pessoal para que esse papel possa ser exercido?”.

O resultado dessa pergunta, bem como as manifestações espontâneas a esse respeito,

foram resumidas em três tipos de respostas:

I- Sim II- Não III- Não citou, ou não tinha uma resposta

A distribuição de frequências foi a expressa na Tabela 25:

Tabela 25 - Distribuição de frequências:

percepção de sacrifício ou “exploração”

Fonte: dados da pesquisa.

Chama a atenção a homogeneidade apresentada pelos dois grupos.

O entrevistado (19), que se situa entre os inativos, não foi perguntado especificamente

sobre ser explorado, mas se referiu espontaneamente ao fato de se sentir usado ou manipulado

I II III

LÍDER EM ATIVIDADE 6 4 6

LÍDER INATIVO 6 6 5

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309

por pessoas que tinham interesse em algo que ele, por razões que ele refere como sendo de

ordem comportamental, se colocaria na posição de fazer ou de resolver – e que ele identifica

como sendo uma das causas de ter assumido tantas posições de liderança. Foi a seguinte a sua

fala:

(19) Eu descobri que eu não era o filho mais velho lá de casa eu tinha mais de 40

anos, quando eu comecei a perceber que eu não tinha tanta responsabilidade assim...

com tantas coisas [...] as pessoas estavam, todo mundo, na zona de conforto, né?

Então, assim, deixa ele, deixa ele tomar a liderança e resolver. E resolvia, né?

Pegava pra resolver e resolvia [...] Eu acho que as pessoas... quem têm o tipo de

personalidade que eu tenho, eu acho que é... existe um jogo de sutilezas, tanto em

casa como na... na... na área profissional. As pessoas sabem como conseguem as

coisas de você, né? [...] tem gente que é mestre nisso, né? Tem gente que se

aproxima de você e ela sabe exatamente qual... qual é o jogo de poder que ela tem

que utilizar com você pra você sair correndo fazendo as coisas.

O entrevistado (28), que nunca exerceu presidência, mas que já assumiu várias

posições de liderança, também abordou espontaneamente o tema:

(28) Como havia muitas pessoas mais velhas do que eu e eu era mais nova, um

colega meu... acho que hoje eu sinto que ele me usou... mas usou de uma forma que

beneficiou o pessoal e eu continuei trabalhando de certa forma em uma liderança

informal.

O entrevistado (30), ao ser questionado sobre a sua percepção quanto à possibilidade

de que o indivíduo que se coloca como líder em num projeto ser, na verdade, alvo de

exploração pelos que, ainda que tendo interesses comuns, teriam algo a perder, a resposta veio

nos seguintes termos:

(30) Eu acho isso muito comum, porque o que acontece, dos dois lados, eu acho que

você tem situações que o... situações que você precisa de alguém, tem que ter

alguém lá em determinado cargo, então eu acho que as... as pessoas mais

articuladas, eu vejo hoje, as mais articuladas, elas procuram associar a questão da

liderança com remuneração, então essas duas coisas são importantes, você procura...

e é natural isso... você procura aquele cargo que ele te dá mais projeções , mas junto

com uma questão de remuneração. A não ser que essa questão de remuneração já

está resolvida, então o cara já está aposentado, largou tudo então ele quer só o

glamour, entendeu? Mas normalmente você procura a associação da remuneração

com o... o poder [...] ele entra nessa fogueira , mas almejando que dali ele dê um

salto para uma coisa que seja destaque e remuneração [...] Você pega um cara que é

um... um executivo na empresa x, ele vai caminhando nessa empresa, ele vai

caminhando, ele tem uma liderança nessa empresa, ele vai caminhando [...] e se ele

aqui está vendo espaço em outras empresas, então ele consegue fazer a sua liderança

com remuneração justa e ele muda pra outra com remuneração boa, às vezes pode

ser até menor mas com uma projeção maior [...].

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310

Ou seja, para esse entrevistado, mesmo as posições de caráter político-representativo

trariam consigo, no fundo, uma aspiração que seria de ordem econômica, envolvendo

benefício financeiro pessoal.

Têm-se aqui duas posições interessantes, de certa forma opostas, mas que não deixam

de ser a expressão do que ocorre em muitas das relações de liderança.

Há que se chamar a atenção para o fato de que esses três entrevistados pertencem ao

grupo dos indivíduos que há algum tempo estão afastados do papel de líderes. O que levanta

uma questão: teriam os indivíduos, que não estão em posições de liderança, mais liberdade

para falar de sua experiência de modo menos “romanceado”, posicionando a liderança dentro

das questões relativas à divisão social do trabalho e menos relacionadas a atributos

excepcionais? Para explorar essa linha, levanta-se a fala de mais um líder inativo, o de

número (26), sobre possíveis “sacrifícios” da liderança:

(26) [...] é aquilo que eu digo, a gente é líder mas é... uma liderança que não é de

maneira nenhuma assim... um ônus; não é difícil e... também não é nenhuma

vantagem ser líder [...] Então eu acho assim... que cada um tem uma habilidade que

desenvolve, essa habilidade que lhe dá prazer. Como lhe dá prazer, eu acho que ele

está sendo beneficiado com isso, ele está fazendo uma coisa que gosta, ele está

tendo prazer com aquilo, e... então não vejo assim, não sei se era essa questão em

relação a liderança, é... não há uma diferença entre liderado e líder. Pra mim, eu

acho que o líder vai se tornar líder dependendo da necessidade [...] Então... pra mim

a... a liderança em relação à pessoa, pessoalmente, minha pessoa é... uma coisa que

dá muito prazer, é uma coisa que eu gosto [...] se eu sou ou serei líder de [...] é uma

coisa, assim... que eu acredito, imagino que seja natural que eu faço o que gosto, e

que fazendo o que eu gosto eu tenho algum destaque, e tenho que colaborar para

tentar... então eu vejo dessa forma, não é nenhuma obrigação, uma necessidade, é...

é assim... fazer o que gosta e... vejo a liderança muito assim, uma coisa natural e

prazerosa [...].

E acrescenta mais à frente, quando a pergunta envolve caracterizar a liderança, que:

(26) “ele cumpre uma função com prazer, é... não por motivo financeiro, ou por julgar que

aquilo é bacana pra ter, pra aparecer em alguma revista, destacar na sociedade”.

Essa é uma linha diversa das anteriores. Aqui, apesar de também posicionar a

liderança dentro da divisão social do trabalho, ele não vê algo de extraordinário nessa atuação,

uma vez que é algo que o indivíduo realiza “naturalmente”, por ter habilidades desenvolvidas

para isso – que, para ele, se relaciona com a personalidade, é inato ao indivíduo. Mas há uma

contradição no fato de que, se está na divisão social do trabalho, como destacar as questões de

ordem financeira, e de ascensão social, das atividades de liderança?

Aqui, a contradição fica evidente quando se compara o momento no qual fala de

liderança a partir de sua experiência e quando fala da liderança projetada no “outro”.

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Outra resposta que ajuda a explorar o tema foi dada também por um líder inativo:

(6) Não, até assim... é estranho quando as pessoas falam assim... você sacrifica

muito... Não, pra mim eu sempre é... por mais que eu tenha deixado , às vezes,

minha família, é claro que me incomodava, às vezes, num ir, tal, mas aquilo, se eu

colocasse que a... a soma das vantagens era muito maior que as desvantagens, né? É

assim, num... num faria... não me arrependo de nada que eu fiz por ter feito isso, não

acho assim. Eu recebi, foi... foi... me pagaram pra eu fazer [...] não tem esse... esse

sentimento que eu fui explorado, não, na minha história não.

Aqui o posicionamento da liderança dentro da divisão social do trabalho fica ainda

mais evidente, quando ele usa termos como “Eu recebi” e o “me pagaram pra eu fazer”.

Outro líder inativo cuja fala pode ser explorada: (5) “procurando assim, não fazer, é...

mas continuar participando, contribuindo, usufruindo também, né, porque não é só uma

doação... usufrui também, né, com oportunidades, contatos de desenvolvimento”.

Também aqui fica evidente a percepção de que há vantagens a serem exploradas nas

atividades envolvidas com a liderança, tanto em termos de oportunidades a serem

identificadas, como com relação ao desenvolvimento pessoal. Nesse caso, o entrevistado tem

um negócio próprio que é mais rentável do que a maioria das atividades envolvidas com os

papéis de liderança, que envolve também prestação de serviços para as organizações do setor

envolvido na pesquisa – e cujas oportunidades podem ser melhor identificadas se houver uma

proximidade maior com os líderes das organizações desse setor da economia.

Saindo dos líderes inativos, e explorando um pouco as posições daqueles que estão em

atividade, tem-se o entrevistado (21), que fala do início de sua liderança no movimento

estudantil e sindical:

(21) [...] eu sei que na época o movimento não tinha dinheiro, né? Hoje a gente se

vira pra poder viajar de avião, coisa e tal, os tempos são outros, mas naquela época

eu ia de ônibus. Saia daqui, numa assembleia em [...] ia pra outra assembleia em

[...], pegava ônibus pra Vitória, dormia dentro, chegava lá, assembleia em dois [...] –

tentava marcar tudo no mesmo dia, já pegava outro ônibus à noite pra ir pro Rio de

Janeiro e assim... a gente dormia era dentro de ônibus nessa... nessas campanhas aí

[...] eu tive um papel destacado no sindicato, tive... muito por opção própria mesmo

tive que investir em algumas coisas: casado, filho, depois descasei, mais outro

casamento, mais filho... então eu tinha que arrumar trabalho, né? Então, eu só passei

a ter um papel destacado agora.

Novamente, um posicionamento que admite relação com a divisão social do trabalho.

Ou, ainda, o entrevistado (18), líder em atividade, ao definir um líder:

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(18) o líder é um indivíduo abnegado, disposto a muito sacrifício, desprendido de

egoísmo, e sempre pronto a participar dos movimentos aí... principalmente aqueles

que visam o bem estar coletivo... o líder é isso!

Aqui uma descrição típica do que a teoria denominou como “romance” da liderança.

Revendo as entrevistas no tocante a esse aspecto, ficou clara a tendência de líderes em

atividade apresentarem visões mais “romanceadas” da liderança, em contraponto com os

inativos, que tiveram posições mais “críticas”. Para exemplificar, apresentam-se em primeiro

lugar algumas falas sobre liderança de líderes em atividade:

(2) Capacidade de se colocar em presença, ser identificado pelas pessoas como

alguém que tenha capacidade de, até, de fazer uma síntese, né, de fazer um

apanhado geral do sentimento que está permeando aquele grupo social, criar

mecanismos de realização e tomada de decisões que possam fazer a mudança.

(3) Tem a preocupação com o todo, com todos, que quer cuidar de todos. Eu vejo

uma associação do líder com cuidado, com atenção e aquele interesse de que todo

mundo se sinta bem na casa e fazer que tudo funcione pra poder... eu tenho que ser

um servidor, aquela história de líder servidor. Eu penso que o líder não é o cara que

manda, entendeu?

(9) liderar é ouvir... e... depois executar alguma coisa diante do que você ouviu.

(10) O líder é aquela pessoa que consegue ver acima, né, das coisas, ter uma visão

ampla, vê que ele tem que lidar com várias dificuldades... muitas vezes são boas, né,

porque isso que vai motivar transformações.

(12) Líder, eu acho, é... é aquele sujeito que pouco... com meia hora de conversa

você acredita no cara, esse cara tá com boas intenções.

No contraponto, algumas falas apresentadas pelos inativos:

(5) Cargos que têm liderança, não é a mesma coisa, não é de se esperar que todo

mundo que está nos cargos tenha capacidade de liderança;

(6) Eu penso muito na questão da liderança em... complementar, tá [...] não penso

muito em liderança como um... destaque, vamos dizer assim.

(14) Então o indivíduo hoje entra pra exercer um cargo executivo preocupado com

ele mesmo, primeiro o dele, depois ele vai pensar nas outras pessoas. Então, dentro

dessa visão conceitual minha de líder, nós realmente estamos, é, com uma falta

muito grande.

(29) O indivíduo que está obcecado por algum projeto persegue esse projeto

passando pelas dificuldades maiores que os outros não conseguem transpor; a

personalidade, deve ter algum distúrbio, é, ele deve ser enquadrado em algum

daqueles quadros de psicopatologia.

(34) Então, a liderança é determinada pela circunstância. O herói é o cara que não

conseguiu fugir.

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313

Isso não quer dizer que muitos dos inativos também não apresentem uma visão mais

romanceada – na verdade, mesmo alguns dos aqui citados começaram com definições mais

idealizadas, antes de derivarem para aspectos mais críticos da liderança. Mas, o que não se

pode deixar de considerar é que, como tendência, houve muito mais observações críticas por

parte dos inativos do que por parte dos líderes em atividade.

Para organizar algo do material apresentado até aqui, nesta seção pode-se dizer que,

associando o que foi apresentado sob as designações (A), (B) e (C) apresentadas até aqui, já

se têm condições de registrar algo do que foi retirado das falas em alguns grupos gerais:

a) Concordando com muito do que foi apresentado na literatura mais crítica sobre a

liderança, esta é percebida como se enquadrando dentro da divisão social do trabalho.

O líder, nesse contexto, é visto por alguns dos indivíduos que exerceram ou exercem

esse papel muito mais como alguém com capacitação para exercer uma atividade que

exige habilidades operacionais do que como um representante do interesse coletivo;

b) ao contrário do que propõem algumas linhas no mainstream, a liderança não é

percebida pelos indivíduos que a exercem ou que a exerceram como algo de especial,

quando o discurso sobre a liderança envolve questões mais práticas – como, por

exemplo, as de ordem financeira ou a que se refere ao “uso” pelos liderados do

indivíduo que se dispõe a assumir os possíveis ônus da exposição de quem está na

posição de líder;

c) no entanto, quando se pede uma definição de liderança – momento esse quando se

percebe, no indivíduo, uma atitude compatível de quem fala sobre outros – esta

costuma vir acompanhada de toda uma carga de expectativas romanceadas, com o uso

de frases prontas, noções retiradas do senso comum ou projeções de expectativas.

E) O modo como assumiu o primeiro papel de líder e os subsequentes

Outra questão relevante, na exploração do significado da liderança, diz respeito ao

modo como o indivíduo assume pela primeira vez o papel de líder, além da forma prioritária a

partir da qual ele assume os demais papéis, após o primeiro. Tanto em um caso como no

outro, a caracterização da forma como assume o papel será a seguinte:

I: convite de outros líderes

II: disputa eleitoral

III: solicitação dos liderados (base ou pares)

IV: evolução em estrutura hierárquica

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314

V: sem informações

A distribuição de frequências comparativa encontra-se Tabela 26. Pode-se dizer que os

dois grupos são muito semelhantes, pois, consultando os dados da tabela, percebe-se que:

a) Em ambos os grupos existe certo equilíbrio na forma como assume o primeiro papel

de líder;

b) após essa primeira experiência, percebe-se uma forte concentração, também em ambos

os grupos, para se manter nesse papel a partir do convite feito por outros líderes que

participam da rede de relacionamento interinstitucional.

Tabela 26 - Distribuição de frequências: modo como

assumiu os papéis de liderança

Fonte: dados da pesquisa.

O que destoa do conjunto são os dois casos – um em cada grupo – que se mantém no

papel de líder a partir da demanda dos “liderados”. As entrevistas desses dois casos devem ser

aprofundadas: a do entrevistado (11), entre os líderes em atividade, e a do entrevistado (28)

entre os inativos.

O entrevistado (11) começa seu relato na infância, identificando sua liderança no fato

de que era “bom em esportes”:

(11) Eu... eu desde que eu me entendo por pessoa, sempre fui assim...

intrinsecamente alguém que puxou outras pessoas, seja do ponto de vista de esporte,

de organizar [...] mesmo na época da escola, assim... apesar de nunca ter pertencido

a nenhuma organização formal, do tipo D.A., eu sempre estava puxando alguma

coisa dentro da escola, participando, por exemplo, de festa de formatura e... é uma

coisa assim... bem espontânea. Num... num é algo que me custe um esforço especial.

É... simplesmente eu me sinto chamado a comparecer, e compareço.

Sua família não tinha qualquer relação com atividade político-partidária em sua terra

natal, mas, a despeito disso, vários dos seus irmãos também são considerados líderes:

(11) [...] de certa forma essa questão é... da liderança é meio familiar, porque... se

pegar os outros irmãos, nas suas características, eles fazem a mesma coisa, todos

eles são puxadores, vamos dizer assim...

MODO COMO

ASSUMIU O(S)

TIPO DE LÍDER

PRIMEIRO PAPEL DE

LIDERANÇA

PAPÉIS DE LIDERANÇA

SUBSEQUENTES

I II III IV V I II III IV V

LÍDER EM ATIVIDADE 6 6 4 0 0 12 3 1 0 0

LÍDER INATIVO 5 5 7 0 0 12 4 1 0 0

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315

Para o seu primeiro papel de liderança, já na fase da vida profissional, ele relata que:

(11) [...] foi um movimento espontâneo dos colegas. Algumas pessoas me

procuraram, „você tem perfil‟ ou „a maioria das pessoas gosta de você‟, „você tem

sua atuação‟, aí eu aceitei [...] fui escolhido pelos colegas. Não fiz campanha [...].

E para a presidência que exerce hoje, foi indicado por outra liderança, tendo sido

realizada uma “composição de chapa” para não haver disputa.

Já o entrevistado (28), que nunca exerceu o papel da presidência de alguma

organização, mas que sempre foi escolhido pelos colegas para ocupar posições de liderança,

relata que:

(28) Eu era a mais nova do (grupo), então eu nunca cogitei em termos de liderança

é... formal, tipo chefe de [...] Como havia muitas pessoas mais velhas do que eu e eu

era mais nova, um colega meu... acho que hoje eu sinto que ele me usou... mas usou

de uma forma que beneficiou o pessoal e eu continuei trabalhando de certa forma

em uma liderança informal, certo? Como ele viu que eu tinha facilidade para a

organização [...] me passou a organização da [...] toda pra mim, então na realidade

eu acabei sendo a organizadora da [...] sem ser a chefe da [...] mas a gente exerceu

outras coisas [...] batalha de reposição salarial, nivelar piso salarial com Brasília [...].

A comparação dos cinco domínios de personalidade referentes aos dois mostra o

seguinte resultado:

Tabela 27 - Os domínios do NEO-PI-R para os dois líderes

mantidos na liderança por demanda

Domínio* Líder

(11) (28) Judge, Heller e

Mount (2002)

Neuroticismo (N) 2 1 1 – 2

Extroversão (E) 3 3 4 – 5

Abertura (O) 4 4 4 – 5

Amabilidade (A) 3 4 ?

Consciensiosidade (C) 4 4 4 – 5

Fonte: dados da pesquisa.

É interessante observar a proximidade dos resultados desses dois entrevistados, entre

si e com o previsto na revisão de Judge et al. (2002) – diferentemente do que foi observado

para a média dos dois grupos, a qual, como foi visto na seção 5.1.1, ficou algo diferente do

previsto pela revisão.

Cabe aqui a indagação sobre se as pessoas que possuem o perfil de personalidade

previsto pela literatura como facilitador para emergência e efetividade da liderança teriam

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316

mais probabilidade de, após uma primeira experiência, serem conduzidos a esse papel por

demanda dos liderados.

No estágio atual de organização e análise dos dados, não há elementos que ajudem a

responder essa pergunta.

F) Motivações para assumir a liderança

Quando perguntado se identifica as suas motivações para se envolver com os papéis de

liderança, as respostas fornecidas podem ser agrupadas em seis itens:

I: mudar as coisas, vontade ou ímpeto para inovar;

II: não cita ou não percebe qual foi a motivação;

III: participar “das coisas”, no sentido das atividades associativas envolvendo o seu grupo;

IV: mais por falta de gente para participar do que por mérito se viu envolvido;

V: incontrolável – acha que é parte da sua “personalidade”;

VI: simplesmente por gostar do que está fazendo;

Alguns desse itens, por estarem fora do senso comum, merecem exemplificação.

O item, IV, por exemplo, tem representantes tanto entre líderes em atividade como

entre inativos. Como exemplos de fala, citam-se, entre líderes em atividade:

(10) Eu acho que a forma como fui introduzida, eu não busquei isso, eu fui

normalmente conduzida, né, prá situação, e tive a necessidade de buscar essas

habilidades [...] Na [associação x] que também entrei... não lembro quando começou

a [...] que eu fui na primeira reunião... acho que era 90, 88... eu fui para uma reunião

da [...] que tinha umas quatro pessoas lá e eu achava que tinha que ser convidado

para ir, e como eu ia, eu fui pra ver como que funcionava, que eu cheguei lá não sai

mais, fui três vezes presidente da [sociedade x], agora diretora da (sociedade y)

também e também da (sociedade z), porque faltam pessoas pra isso, né? O que a

gente observa é isso, você está, você aparece um pouquinho (risos), vem alguém e te

pega pra participar de atividades, que é realmente uma falta terrível, né?

Outro exemplo é o do entrevistado (27), nos seguintes termos:

(27) As coisas não estavam dando certo, alguém precisava tocar aquilo e... de

repente nós começamos a frequentar e tentar entender aquilo, por eu estar talvez

mais presente e...e...e interesse pelas coisas e participar e estar nas reuniões e

perguntar e me interessar por aquilo, pelo... pelas coisas que estavam acontecendo

no dia...no dia-a-dia, é que foram aparecendo oportunidades pra estar também... e

outra coisa foi o momento de ter poucas pessoas envolvidas [...] E eles começaram

a... como pode fazer, eleger uma nova diretoria. E como eu estava na frente disso,

quem vai, vamos comigo? E começamos lá [...] quando teve aquele grande

movimento da [...] que a [...] participou, de novo poucas pessoas querendo tomar a

frente, querendo mostrar a cara, querendo estar presente como a gente tava [...].

Page 318: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

317

Algumas citações apresentaram componentes que se poderia incluir em mais de uma

situação – daí a totalização diferente para os dois grupos. Veja-se o relato a seguir, que foi

incluído nos itens I e IV, de um indivíduo que criou e foi o primeiro presidente de uma

associação de caráter nacional, conduzindo greves nacionais e embates que envolveram o

congresso nacional e mesmo ministros da República:

(8) Não diria nem que os colegas me reconheciam em mim um tipo de líder. Então

nunca... nunca fui destaque em termos de liderança. Tanto que sou até mais

introvertido... eu não acredito na atuação da militância política pela política, não

tenho nenhuma vocação pra isso, mas nesse caso eu me identifiquei. Foi... eu diria

que foi uma questão pontual [...] então nesse momento eu me tornei um líder. Talvez

pela falta de outro, não diria, não... não tem ninguém que se disponha a uma

exposição, a um sacrifício que a situação exigia... então eu acho que coragem é uma

característica que eu tenho, é... convicção, um pouco de teimosia, talvez,

persistência numa coisa que eu acreditava profundamente. Agora, nos outros... nas

outras situações de vida eu nunca vivi nada parecido com isso que... me motivasse

a... a juntar as pessoas e fazer qualquer coisa.

Outros casos foram de enquadramento difícil, entre motivações internas e externas ou

entre os itens I e V. Veja-se, como exemplo, o relato da motivação de um líder – atualmente

no grupo dos inativos – que foi o mesmo que, na caracterização do líder, considerou que este

deve ter algum distúrbio de personalidade:

(29) Eu acho que, não sei se seria liderança no certo, mas como uma capacidade de

entusiasmar o outro, de motivar o outro, isso aí um pouquinho eu tenho sim [...] tudo

isso é tipo Dom Quixote, ninguém com faculdades normais, antenado aqui e agora

se mete em uma aventura desse tipo [...] eu era um autoritário, um onipotente, um

diretor que decidia tudo, que enfrentava tudo e às vezes partia pra violência,

tratamento violento, ilegal, que essa mulher me chama de (fulano), o louco (risos)

[...] Então eu comecei a me dedicar ali, mas nunca quis ser diretor. Às vezes me

ofereceram, recusei, mas teve um momento em que o [partido x] ganhou a política

aqui em [...] foi uma revolução, o medo de sonhar, de colocar em prática [...] houve

uma eleição direta, eu não quis participar da eleição [...] eu não queria participar de

jeito nenhum porque eu achava que meu papel era ficar contra o governo, ficar

independente na instituição para exatamente poder fazer as intervenções que achava

adequadas. Mas não teve jeito, foram ali pedindo, você tem que ser o diretor [...],

porque o pessoal gosta aqui de você e você passa a credibilidade pra fazer essa nova

direção que está começando, que está enfrentando uma série de oposições [...] ou

seja, minha entrada nesse cargo foi dessa forma, foi de uma forma conflituosa... e a

forma de gestão que eu imprimi foi autoritária, centralizadora, no melhor daqueles

caudilhos de antigamente. Mas como por trás das condutas autoritárias tinha tal do

idealismo, o tal de defender, eu fiquei legitimado nesse papel.

A distribuição de frequências ficou como expresso na Tabela 28:

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318

Tabela 28 - Distribuição de frequências: motivação

para assumir papéis de liderança

Fonte: dados da pesquisa.

Se forem associados os itens que estão relacionados, de algum modo, à falta de ação

intencionada para o exercício do papel – o item II (não cita ou não percebe qual foi a

motivação) e o V (incontrolável, por ser parte do que identifica como sendo a personalidade)

–, percebe-se que sob esse aspecto está incluída praticamente a metade dos indivíduos, nos

dois grupos (oito de 18, entre os ativos, e 10 de 21, entre os inativos). Esses indivíduos devem

ser investigados no que se poderia chamar aqui de uma expressão de algo que não é

consciente.

O interessante aqui é que a maioria das verbalizações da relação do exercício do papel

de líder como algo inconsciente – ou relacionado à personalidade – concentrou-se nos líderes

inativos (cinco entrevistados contra apenas um líder em atividade). Algumas falas a esse

respeito que podem ajudar a compreender a percepção dessas pessoas sobre o tema:

(26) [...] acho que a gente... na personalidade de quem participa, de quem exerce

alguma função de liderança, já tem alguma coisa na personalidade que de alguma

forma, isso te traz algum prazer [...] acho que tem a questão da minha infância que

eu tinha... imaginava meus pais como líderes... não sei como isso veio a influenciar

na formação da minha personalidade, mas é... eu passei a me posicionar e com isso,

às vezes, eu, de maneira voluntária, às vezes solicitado pelo grupo, me colocava na

posição de líder [...].

(28) [...] Acho que vem da infância, você vem sendo treinada para isso... acho que é

genética, acho que entra alguma coisa disso. É produto do ambiente, mas acho que a

gente é produto também de hereditariedade, né? Tive pais líderes em sua, cada um

em sua, como é que fala? Área, né?

(19) Eu acho que sempre consegui é... influenciar as pessoas é... mostrar pra elas o

meu ponto de vista e conduzir as pessoas que estavam trabalhando comigo pros...

pros objetivos que eu almejava [...] acho que algumas dessas habilidades a gente tem

de nascença, outras a gente tem que desenvolver muito, né? Eu acho que eu sempre,

de uma certa forma, tentei seduzir as pessoas – e a palavra é essa, né? Para

acreditarem naquilo que eu acreditava.

(23) O que eu acho curioso é o seguinte... que desde pequeno, desde que eu me

entendo, é... [...] sempre a gente era elencado pra ser chefe de alguma ou

representar, então, por exemplo, eu me lembro muito claramente, eu era o

representante de classe, você tá entendendo? Era escolhido para representar as

pessoas...

I II III IV V II+V VI TOTAL

LÍDER EM ATIVIDADE 2 7 4 2 1 8 2 18

LÍDER INATIVO 6 5 2 3 5 10 1 21

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319

Ao consultar a planilha na qual foi feita a distribuição dos itens, é possível constatar

que nos três casos nos quais, entre os líderes inativos, houve necessidade de distribuir a fala

em mais de um item, todos incluíram o item I – o que poderia ser um fator a explicar a

observação de que a única distorção na distribuição se localiza apenas no item I. Veja-se que a

diferença na totalização também é de três unidades.

G) Exemplos de liderança, e de não liderança, considerando o seu grupo social

Para esta parte da entrevista, o indivíduo era solicitado a citar, a partir de sua

caracterização do que seria a liderança, exemplos tanto de líderes como de pessoas que, ainda

que assumindo esse papel, não seriam propriamente o que o entrevistado compreendia, pelo

seu conceito, como sendo uma liderança de fato, dentro do seu grupo social de referência.

Evitou-se a utilização do termo liderança autêntica porque, como foi apresentado na

seção 2.3.3, esse é um conceito que implica a identificação de algumas características na

relação de liderança que poderiam não ser levadas em consideração pela maioria dos

entrevistados – daí a utilização aqui da caracterização dessas relações identificadas como

liderança de fato ou de acordo com a concepção de liderança apresentada pelo entrevistado.

Alguns entrevistados perguntavam se seria referente somente a um grupo social

específico, em que a sua atuação é maior – e a resposta era que ele poderia decidir citar quem

ele considerasse adequado para exemplificar a sua visão. Outros entrevistados mostraram-se

incomodados com a possibilidade de citação nominal de exemplos. Nesse caso, deixava-se

bem claro que ele deveria ficar à vontade para não citar nominalmente qualquer pessoa – o

que ocorreu efetivamente com alguns dos entrevistados – ou apenas para fazer referência a

cargos ou posições, de modo genérico, se fosse do seu interesse.

Muitas citações envolveram pessoas de fora da rede de organizações associativas

estudadas – algumas do campo da política partidária e outras que, mesmo pertencendo ao

mesmo campo profissional, eram líderes de organizações cujas características não as incluíam

entre os que deveriam ser entrevistados. Mas a maior parte dos indivíduos espontaneamente

citados fazia parte das organizações que foram selecionadas para a pesquisa, o que permitiu a

realização de comparações.

Reunindo os citados que foram entrevistados, a frequência de citações dos exemplos

de liderança ficou como apresentado na Tabela 29:

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320

Tabela 29 - Distribuição de frequência de exemplos de liderança

Nº do Entrevistado 2 3 5 11 12 17 22 26 27 30 31 33

LÍDER ATIVO 4 0 1 1 0 4 2 0 0 0 3 10

LÍDER INATIVO 3 1 0 0 0 2 2 0 0 1 3 7

TOTAL 7 1 1 1 0 6 4 0 0 1 6 17

Fonte: dados da pesquisa.

Já os que participaram das entrevistas e que foram citados como referências negativas

de liderança são os que estão reunidos na Tabela 30:

Tabela 30 - Distribuição de frequência de exemplos de não liderança:

apesar de estarem exercendo este papel

Nº do Entrevistado 2 3 5 11 12 17 22 26 27 30 31 33

LÍDER ATIVO 0 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0

LÍDER INATIVO 3 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 2

TOTAL 3 0 0 0 1 2 0 1 1 1 0 2

Fonte: dados da pesquisa.

É interessante no notar que, numa rede de relações de caráter profissional, com

organizações cujo objetivo social envolve cuidar de interesses muito diversos – às vezes

conflitantes –, não é de estranhar que algumas pessoas sejam representadas na liderança de

algumas dessas organizações por um indivíduo que, por razões que incluem as questões de

ordem pessoal, não são identificadas como sendo efetivamente uma liderança.

Consultando as Tabelas 29 e 30 e comparando os seus resultados com os dados das

entrevistas, observa-se que:

a) Pode-se constatar que praticamente os mesmos indivíduos citados como exemplo de

liderança também são os dados como exemplos de indivíduos que, apesar de estarem

nesse papel, não seriam líderes. Apenas um desses indivíduos, o entrevistado (31),

teve citação apenas como exemplo de liderança.

b) os líderes mais citados na Tabela 30 como rejeição de sua liderança o foram apenas

por líderes inativos;

Seria interessante, então, explorar melhor dois aspectos:

a) A comparação do perfil do entrevistado (31) com os dos outros três, os entrevistados

número (2), (17) e (33);

b) a exploração das entrevistas dos líderes inativos, no contexto no qual citam as

rejeições de liderança.

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321

A comparação do perfil do entrevistado (31) com os dos entrevistados (2), (17) e (33),

está apresentada no Quadro 4.

Quadro 4 - Comparativo de características dos entrevistados

mais citados como líderes e como não líderes

Fonte: dados da pesquisa.

(2) (17) (31) (33)

Idade 49 56 50 46

Início do relato Infância/família Infância/escola Infância/escola Infância/escola

Modelo líder Pais Pai Pai e irmão

mais velho

Pais

Vivência familiar Pais participam

de partido, não

eram

candidatos

Sem vivência

política na

família

Família

participa de

política sem

envolvimento

direto

Família

participa de

política sem

envolvimento

direto

Forma de início Solicitação dos

liderados

Convite de

outros líderes

Disputa

eleitoral

Disputa

eleitoral

Forma das

demais

Disputa

eleitoral

Convite de

outros líderes

Convite de

outros líderes

Convite de

outros líderes

Motivação Mudar, inovar Não percebe

(ou não cita)

Gostar do que

faz

Não percebe

(ou não cita)

Nº de presidências 2 1 2 2

Conceito

liderança

(ideias centrais)

Sintetizar

sentimentos do

grupo,

capacidade de

ouvir

Agregar em

torno de ideias,

formar equipes

e organizar

trabalho

coletivo

Sintetizar

sentimentos do

grupo,

capacidade de

ouvir

Mudar

realidade,

diminuir

incertezas

Características

de um líder

Ouvir, propor

sem impor, se

colocar em

disponibilidade

Formas

equipes e

organizar

trabalho

coletivo

Ouvir, ter

independência

(financeira e

de opinião)

Ter visão,

capacidade de

síntese,

diminuir

incertezas

Domínios

NEO-Pi-R

N

E

O

A

C

3

4

4

3

2

2

2

3

3

5

3

4

4

4

3

1

4

5

2

3

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322

Comparando os quatro entrevistados, não é possível identificar diferenças marcantes.

Nos domínios de personalidade, o entrevistado (31) apresenta um perfil muito próximo do

entrevistado (2). Talvez, a diferença mais significativa entre os dois possa ser observada na

faceta (A5) a “modéstia”, cujo resultado foi 1- muito baixo para o entrevistado (2) e 3- médio

para o entrevistado (31). O significado dessa diferença será explorado no próximo item, que

tratará da relação entre o narcisismo e a liderança.

Dois itens que aparecem nas citações do entrevistado (31) e que não são citados pelos

outros, três dizem respeito a: ter como motivação gostar do que faz e considerar uma

característica importante do líder a independência (financeira e de cargo).

Na entrevista, esses dois aspectos foram mencionados do seguinte modo:

(31) [...] você ao mesmo tempo percebe que as pessoas enxergam isso em você e

que... e cabe a você tomar a atitude de ser ou não, de se tornar responsável ou não

por aquilo, quer dizer é uma coisa... pode abrir mão, você pode abrir mão, caso não

tenha interesse. Mas eu sempre tive, eu sempre gostei disso, sempre gostei de ser

solicitado, ser é... é... estimulado a... a... ser líder. Eu acho que isso tem um pouco de

qualidade também, porque é... é... obviamente você se sente bem sendo ouvido e...

e... e perguntado pelas outras pessoas qual direção tomar, qual rumo tomar e... isso

conforta, isso é interessante, porque te dá uma satisfação pessoal de... de poder

interferir no destino, não só seu como do grupo também; tem muito disso.

Em outras palavras, não se percebe, pelas falas ou por características de personalidade,

algo que possa ser considerado significativo para explicar o seu destaque. Entretanto, um

aspecto a ser considerado é o fato de que na época da entrevista os quatro eram presidentes

em exercício do mandato de organizações reconhecidas como muito significativas no grupo

social estudado. Isso ressalta a possibilidade de terem sido os citados apenas porque seriam

referências mais óbvias na exemplificação do conceito que cada entrevistado apresentou sobre

o líder e a liderança.

Outro aspecto a ser analisado entre os quatro mais citados é que, se for considerada a

revisão de Judge, Heller e Mount (2002), o entrevistado (33) seria o que mais se aproximaria

do perfil proposto como o mais favorável tanto à emergência quanto à efetividade da

liderança. Esse entrevistado também foi o mais citado como exemplo positivo de liderança,

em congruência com o previsto na revisão. Por outro lado, também está entre os mais

mencionados como exemplo negativo. Além disso, já foi sugerido que a citação poderia ser

facilitada pelo fato de ele ser uma referência mais fácil, por estar no exercício da liderança de

uma organização de muita visibilidade no grupo social. A compreensão desse resultado pode

ser ampliada com alguma informação adicional a ser obtida com a progressão da análise para

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323

o segundo item proposto: a investigação das entrevistas dos líderes inativos no âmbito no qual

citam as rejeições.

Para realizar essa exploração, uma forma pode ser a leitura das entrevistas desses

líderes inativos a partir de suas óticas como liderados. Para tanto, e de acordo com o discutido

na seção 2.4.7, o primeiro passo pode ser comparar os domínios de personalidade dos

liderados e dos líderes citados como rejeitados, revisitando também as entrevistas dos

indivíduos nos trechos em que a rejeição foi apresentada.

A comparação entre os domínios da personalidade dos envolvidos nessa comparação –

líderes e liderados – está apresentada na Tabela 31.

Tabela 31 - Comparação dos domínios NEO-PI-R para os indivíduos

citados na rejeição de liderança

ENTREVISTADO

DOMÍNIO

(5)

(6)

(7)

(8)

(14)

(22)

(2)

(17)

(33)

N – Neuroticismo 2 3 3 3 2 2 3 2 1

E – Extroversão 3 4 4 3 4 3 4 2 4

O – Abertura 3 4 2 4 3 4 4 3 5

A – Amabilidade 2 3 4 3 3 2 3 3 2

C – Conscienciosidade 2 4 3 3 4 3 2 5 3

Fonte: dados da pesquisa.

Em resumo, são os seguintes os dados levantados nas entrevistas dos envolvidos:

a) O líder inativo (14) mencionou tanto os líderes (2) e (33) como exemplos negativos de

liderança. A fala pode ser exemplificada da seguinte forma: “o (33), como eu disse, é

um grande executivo [...] mas ele falha muito, ele não preenche esse conceito que eu

tenho de liderança [...] o (2) ele é... encaixou muito bem, mas engraçado que ele

parece que atingiu um patamar e dali num, então desse patamar empacou...”. Na

análise da entrevista e dos dados obtidos na história desse entrevistado observa-se que

ele se identifica com um grupo político contrário ao que, no momento da entrevista,

tinha lideranças como as representadas pelos líderes (2) e (33). Ou seja, é como se

dissesse que mau líder é o líder que “não joga no meu time” – o que, do ponto de vista

da teoria, é congruente. Assim, a rejeição é de ordem política, e não necessariamente

relacionada a aspectos pessoais dos líderes citados;

b) o líder inativo (8) também indicou o líder (2) como exemplo negativo de liderança.

Ressalta-se que esse líder inativo (8) foi o adversário político quando da eleição do

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324

líder (2) para o papel que ele hoje ocupa, o que, do mesmo modo que no caso anterior,

pode ser uma explicação para a rejeição;

c) o líder inativo (7) destacou o líder (33) como exemplo negativo de liderança. Também

nesse caso a história política do grupo coloca esses dois líderes em posições com

interesses conflitantes. Em sua argumentação durante a entrevista ficaram explicitadas

as diferenças de interesses: “[...] é muito ruim, às vezes a gente começa a falar das

características dessas pessoas [...] político é igual em qualquer área [...] são pessoas

que mudam muito de casaca, hoje falam umas coisas, amanhã falam outras e agem de

outras maneiras”. Assim, novamente, a posição política antagônica pode explicar –

ainda que em parte – a rejeição;

d) o líder inativo (6) escolheu o líder (2) como exemplo negativo de liderança. Nesse

caso, não houve fato político identificado na trajetória comum entre os dois com

potencial para explicar a rejeição. Comparando-se os resultados dos domínios de

personalidade, chama atenção a similaridade dos resultados – com exceção apenas da

faceta (C), a qual não foi relacionada como importante para a relação líder-liderado.

Essa similaridade, de acordo com o trabalho de Schyns e Felfe (2006), poderia facilitar

a percepção da liderança transformacional pelo liderado – o que, no caso, não ocorreu. Para

esse caso, dois questionamentos podem ser levantados: se a liderança não é transformacional,

a similaridade de personalidade poderia atuar como rejeição do líder?; e a presença da faceta

A5 (modéstia) muito baixa no líder ativo (2) e média naquele que está no papel de liderado

poderia ser fator de rejeição em indivíduos que apresentam características semelhantes de

personalidade? Esses são questionamentos para os quais os dados levantados até o momento

não fornecem pistas que possam orientar na busca de uma resposta.

a) O líder inativo (22) apontou o líder (17) como exemplo negativo de liderança. Ambos

não ocupam posição politicamente antagônica; a identificação negativa está expressa

na fala: “[...] ele é um bom gestor, faz o negócio direitinho... Mas líder ele não é não”.

Nesse caso, então, avaliam-se os resultados dos domínios de personalidade, que nos

dois casos estão próximos da média de ambos os grupos. Exceto pela faceta (C), não

há distorções que chamem a atenção (não se podendo responsabilizar características de

personalidade de ambos pela rejeição) – lembrando que (C) alto está muito ligado ao

empenho na execução de tarefas, o que foi identificado na fala. Ou seja, nesse caso,

nem posicionamento político antagônico, nem aspectos relacionados à personalidade,

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325

estariam relacionados à rejeição. Mas, como esse líder foi citado por outro líder

inativo, a investigação dessa outra rejeição talvez possa ajudar a esclarecer esse caso;

b) o líder inativo (5) identificou o mesmo líder (17) como exemplo negativo de liderança.

Também nesse caso não existe antagonismo político. A rejeição está expressa na fala:

“[...] não é um líder mobilizador. Um cara bacana, gosto demais dele,

interessantíssimo, mas não é um líder... não tem essa característica”. Comparando os

domínios de personalidade, também nesse caso os resultados estão muito próximos.

Exceto pela faceta (C), não se podem identificar distorções importantes. Assim, não se

obteve, com os dados levantados até o momento elementos que pudessem explicar a

rejeição da liderança no caso do líder ativo (17).

Em resumo, a rejeição percebida entre os entrevistados não se opõe, mas também não

corrobora o que os pesquisadores têm apresentado sobre a relação entre as características de

personalidade de líderes e liderados e as relações de liderança, estando em muitos dos casos

ligada apenas a questões de oposição de ordem política – o que se justifica pelo perfil dos

indivíduos entrevistados. Ou seja, as razões pelas quais ocorrem as rejeições de liderança

parecem mais complexas do que as apresentadas pela literatura consultada, merecendo ser

mais bem exploradas – talvez, com um outro tipo de pesquisa voltada para essa finalidade.

Outra questão a ser explorada diz respeito aos indivíduos que, na Tabela 29, foram

citados como líderes, mas que fazem parte do grupo dos que não estão em atividade. Essa

análise tem importância para este trabalho, uma vez que a ótica é invertida (líderes não ativos

que são vistos como líderes efetivos). Pode-se estabelecer para esses três indivíduos o mesmo

tipo de comparação, cujo resultado está apresentado no Quadro 5.

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326

Quadro 5 - Comparativo de características de três líderes inativos, citados como sendo

exemplo de líder citados como sendo exemplo de líderes

Fonte: dados da pesquisa.

O que pode ser percebido a partir de uma análise comparativa de cada item é que os

três são bem diferentes, de modo que, quando são identificadas semelhanças para dois dos

entrevistados em um aspecto, nos itens subsequentes eles serão bem diferentes – ainda que um

dos dois possa ser semelhante ao terceiro naquele aspecto avaliado.

No que se refere à personalidade, nos dois primeiros domínios os três são semelhantes

e seguem a mediana dos dois grupos. Mas nos domínios (A) e (C) os três apresentam

resultados bem diversos – baixo para (5), alto para (34) e médio a baixo para (22). No

domínio (O) o entrevistado (5) segue a média dos grupos e os (22) e (34) apresentam

resultado mais alto que a média. Em resumo, não há algo que possa ajudar a destacar os três,

(5) (22) (34)

Idade 54 53 55

Início do relato Infância/família Adolescência Universidade

Modelo líder Pai e irmão mais velho Avô Irmão mais velho

Vivência familiar Sem vivência política

na família

Parente próximo

político

Sem vivência

política na família

Forma de início Solicitação dos

liderados

Disputa

eleitoral

Disputa eleitoral

Forma das demais Disputa eleitoral Convite de outros

líderes

Disputa eleitoral

Motivação Gostar do que faz Mudar, inovar Mudar, inovar

Nº de presidências 2 1 3

Conceito liderança

(ideias centrais)

Capacidades de ouvir,

de sintetizar

sentimentos do grupo, e

de influenciar

Transmitir confiança,

e ter um desejo de

mudar a realidade

Ter um desejo de

mudar a realidade

Características

de um líder

Ouvir, e falar sabendo

o que as pessoas

querem ouvir,

buscando convencer o

grupo, mas sabendo

que pode estar errado

Ouvir, e falar

buscando convencer o

grupo. Transmitir

confiança, ter

independência e visão

ampla das coisas

Falar, buscando

convencer o

grupo

Domínios

NEO-Pi-R

N

E

O

A

C

2

3

3

2

2

2

3

4

2

3

2

3

4

4

4

Page 328: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

327

sob o aspecto de alguma percepção diferenciada da personalidade do líder pelo liderado,

como foi abordado na seção 2.4.7. A questão é que para esses três não cabe a explicação de

lembrança como referência por estar em exercício atual de papel de liderança, uma vez que os

três são líderes inativos.

Voltando ao texto das entrevistas dos indivíduos que fizeram as referências aos três,

percebe-se que um histórico de liderança em comum a dois deles – os entrevistados (5) e (34)

– e que por isso se citam mutuamente. Mas o entrevistado (34) teve outras duas citações.

Investigando as entrevistas, identificou-se que elas partiram de indivíduos que, apesar de

atualmente inativos, exerciam papel de liderança na mesma época que o entrevistado (34).

Fica claro, então, o mecanismo de referência e contrarreferência entre indivíduos que eram

líderes de instituições que, à época, eram próximas em relação ao seu objetivo social.

Já o líder inativo (22) foi citado por quatro outros como exemplo de liderança, entre os

quais dois são líderes inativos – os entrevistados (7) e (26) – e dois em atividade – os

entrevistados (25) e (31). Em todos os casos, encontrou-se a mesma motivação descrita na

situação anterior, ou seja, o fato de que houve concomitância no exercício do papel de

liderança entre os envolvidos. Mas, onde estaria a diferença relacionada à citação por parte

dos dois líderes que estão em atividade – o que não aconteceu nos dois outros casos

abordados? Voltando à entrevista, o que se percebe é que o último papel de líder exercido

pelo entrevistado (22) foi na mesma organização na qual os líderes em atividade (25) e (31)

também eram líderes naquele momento e o entrevistado (22) foi lembrado, durante a

entrevista, no contexto de uma crítica por ele exercida a outros líderes da época. Ou seja, a

lembrança se deve mais à sua posição de par em relação aos entrevistados que o citaram do

que de algo que poderia ser identificado como próprio da relação entre líder e liderado.

Para finalizar esta parte da análise, observa-se que alguns dos políticos atualmente em

exercício foram citados como referências positivas e negativas de liderança. Em geral, as

observações sobre eles ou ficaram próximas do senso comum ou eram marcadas pela

proximidade partidária – como entrevistados ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT)

citando o Luís Inácio Lula da Silva ou aqueles ligados ao Partido da Social Democracia

Brasileira (PSDB) citando Fernando Henrique Cardoso.

Também foram citados como referência negativa (de não liderança) outros indivíduos

que são líderes de organizações que não se enquadraram nos critérios de escolha para esta tese

e que por isso não puderam ser incluídos nos mesmos critérios para a análise.

Para essas duas últimas situações, vale a mesma observação anteriormente apresentada

para os líderes citados nas Tabelas 29 e 30: a de que a exposição pública desses indivíduos,

Page 329: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

328

em posição de destaque em relação às instituições que representam, é o que pode se constituir

na explicação mais plausível para a sua lembrança como referência, negativa ou positiva, da

liderança.

H) Narcisimo e liderança

Há ainda um último aspecto a ser investigado no conceito de liderança. É o que diz

respeito ao que foi abordado na teoria na seção 2.4.2.2, onde foi tratada a relação entre o

narcisismo e a liderança.

Durante as entrevistas, foram feitas algumas referências a lideranças que ou são hoje

lideranças em outros setores que não fazem parte da rede profissional citada ou estão na rede

profissional, mas na direção de organizações que, por não serem de caráter associativo, não

tiveram os seus líderes escolhidos para participarem das entrevistas.

Muitos dos adjetivos usados para esses indivíduos podem ser encontrados na

caracterização que Kets de Vries (1990) realiza a respeito do líder narcísico. Por não terem se

enquadrado nos critérios para a participação nas entrevistas, eles serão identificados aqui

como “x” e “y”. Algumas citações desses casos são:

(3) Um cara vaidoso. Eu vejo assim, o “x” tinha liderança, mas tudo em função dele;

(15) O “x” é uma pessoa, o tipo de liderança que eu não acho boa [...]

antidemocrática, né, muito personalista, vaidoso [...] me incomoda muito;

(22) O “x” é liderança... mas Hitler também era; e, em outro momento: o “y” tá no

mesmo padrão: vaidoso, egolátrico, só enxerga ele mesmo;

(31) Tem características que são muito piores, que são mais é... questionáveis e

criticáveis, que é o líder mentiroso, o líder oportunista, [...] tudo isso somado e

presente na mesma pessoa, que é o “x”; e, em outro ponto, abordando a mesma

pessoa: na verdade está basicamente cumprindo um objetivo pessoal [...] vaidoso ...

(11) O “y”... esse só representa ele mesmo;

(21) Olha, eu acho que o “y” é uma liderança realmente negativa [...] eu acho que

essa não é uma liderança que eu gostaria de estar compartilhando muita coisa;

(27) O “y”, eu tenho bastante aversão a ele, o jeito dele, sabe, assim, meio vaidoso...

num... não me representa.

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329

O primeiro aspecto a ser verificado aqui diz respeito às sensações desencadeadas por

esses líderes nos liderados entrevistados: “[...] me incomoda muito”, “não gostaria de estar

compartilhando” ou “aversão”. E, como caracterização desses indivíduos, o adjetivo vaidoso

foi o mais diretamente citado pela maioria dos entrevistados. Infelizmente, considerando os

objetivos desta pesquisa, não foi possível detalhar as características de personalidade desses

dois indivíduos, uma vez que não foram entrevistados.

Mas, e para os que foram entrevistados, o que se poderia dizer referente ao narcisismo

entre os líderes das organizações associativas e os inativos?

A partir do que foi apresentado na seção 3.4.3.2, decidiu-se buscar no material os

indivíduos que apresentaram a faceta A5 (modéstia) na classificação “muito baixo” e

observou-se que apenas dois indivíduos entre os 33 apresentaram essa classificação: o

entrevistado (2), entre os líderes em atividade, e o entrevistado (26), entre aqueles que não

estavam nesse papel.

Comparando-se os resultados de todas as planilhas (e, portanto, das categorias

identificadas a partir das entrevistas), não se registraram muitos aspectos em comum aos dois.

Foram comuns, a ambos os entrevistados, os seguintes aspectos:

a) Eles têm os pais (o pai e a mãe) como referência de liderança;

b) participaram ativamente da política estudantil, inclusive com filiação a partidos;

c) iniciaram em papéis de liderança por demanda da base;

d) não fizeram referência de se sentirem sacrificados ou explorados, exercendo o papel;

e) houve coincidência em mais de 50% das referências que ambos fizeram aos indivíduos

que eles identificaram como sendo liderança verdadeira;

f) houve coincidência na caracterização de liderança, como sendo uma atividade que

exige tanto a capacidade para ouvir os liderados como a disponibilidade para dedicar

tempo; e

g) considerando a revisão de Judge, Heller e Mount (2002), ambos apresentam altas

extroversão e abertura. O neuroticismo não é congruente, sendo médio para (2) e

muito baixo para o (26).

Deve ser registrado que o líder (2) foi um dos três citados na Tabela 27, relacionada à

rejeição da liderança. O entrevistado (26) não foi citado – talvez, como discutido para as

tabelas 29 e 30, por ser líder inativo, não teria sido lembrado como líder pelos entrevistados

no momento da pesquisa.

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330

Um aspecto cuja investigação que pode ajudar na compreensão da relação entre o

narcisismo e a rejeição da liderança é a avaliação do resultado da faceta (A5) para todos os

citados como não sendo exemplo de liderança. O resultado foi:

Tabela 32 - Faceta (A5) nos sete entrevistados rejeitados como liderança

Fonte: dados da pesquisa.

Avaliando os resultados, nota-se que:

a) Nenhum dos mencionados apresentou resultado “alto” ou “muito alto” para a faceta

A5;

b) os dois únicos resultados “muito baixo” de todo o conjunto de entrevistados – os dos

líderes ativo (2) e inativo (26) – estão entre os destacados na rejeição de liderança;

c) o líder ativo (33), também com mais indicações de rejeição, apresenta o resultado

“baixo”, portanto, abaixo da mediana dessa faceta para o grupo, que é o resultado

“médio”;

d) o líder ativo (17) e os demais que tiveram apenas uma citação – o líder ativo (12) e os

inativos (26), (27) e (30) – apresentam resultado “médio”, o que coincide com a

mediana de todos os entrevistados;

Esse resultado revela a possibilidade de que a percepção de níveis mais baixos de

modéstia (A5) pode ser um fator de estímulo à rejeição do líder. Em alguns casos pode estar

associado às características do que foi descrito como narcisismo, pelo menos para os liderados

que também são líderes e dentro do grupo social estudado.

O próximo passo diz respeito às comparações entre os dois grupos, relacionadas aos

aspectos familiares e sociais dos entrevistados, os quais, na ótica de algumas das abordagens

sobre liderança – como apresentado na teoria –, poderiam ter exercido alguma influência para

que o indivíduo se dispusesse a assumir papel de líder nos grupos sociais dos quais participa.

5.3 Aspectos familiares e sociais relacionados com a liderança

Como foi apresentado no referencial teórico nas seções 2.4.5 e 2.5.2, existem disputas

quanto à existência de características de personalidade ou de outras situações relacionadas à

ENTREVISTADO (2) (12) (17) (26) (27) (30) (33)

FACETA (A5) 1 3 3 1 3 3 2

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331

história do indivíduo. As primeiras, teoricamente, poderiam ser identificadas precocemente na

vida do indivíduo; e as últimas estariam relacionadas, na infância, mais à vida familiar e às

influências sociais percebidas dentro da estrutura familiar, que pudessem influenciar na

expressão de um comportamento que fosse precocemente percebido socialmente como sendo

característico do comportamento de um líder.

Quais seriam as características de tal comportamento não foi previamente

determinado, uma vez que, sendo algo socialmente percebido, pode variar de acordo com o

grupo social. Desta forma, o que se procurou foi identificar essas características a partir do

relato dos entrevistados.

Como orientação para o pesquisador, o esperado, a partir da teoria, era que esse

comportamento devesse envolver alguma forma de influência. A expressão dessa influência

também poderia ser observada tanto na vida escolar – na infância ou na adolescência – como

na vida social mais ampliada, em cidades menores ou em grupos sociais (como grupos

religiosos ou grupos com finalidade recreativa, como os desportivos) em cidades maiores.

Deve-se lembrar, ainda, que, de acordo com Gardner (1996, p. 112), “se os líderes

querem ser efetivos, eles devem incorporar a história de suas próprias vidas”. E que, segundo

Shamir Dayan-Horesh e Adler (2005), essas histórias devem expressar a identidade do

narrador, resultante da relação entre a experiência e a história organizada da experiência,

processo no qual ele não somente narra, mas justifica.

Em relação à história da própria vida, buscaram-se narrativas construídas para

explicar como se desenvolveu o papel de líder e o seu autoconceito, o que vai incluir a

identidade de líder – que pode envolver a história de seu autodesenvolvimento (SHAMIR;

DAYAN-HORESH; ADLER, 2005).

Os relatos foram, então, organizados de modo a produzir informações relacionadas a

cada uma dessas etapas da história do indivíduo e as categorias foram constituídas de modo a

se poder realizar comparações entre as informações.

As categorias que nasceram das entrevistas estão relacionadas aos seguintes âmbitos:

A) A influência familiar

A maior parte dos entrevistados, independentemente de ter relacionado o início da

expressão da liderança à infância, foi capaz de citar – em sua grande maioria de forma

espontânea – algum modelo familiar próximo para o exercício da liderança.

Esses modelos foram distribuídos em sete classes:

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332

I: o pai;

II: os pais;

III: a mãe;

IV: um parente de primeiro grau – como um tio ou um primo de primeiro grau;

V: um irmão(ã) mais velho(a) – não necessariamente o primogênito ;

VI: um avô – ou ambos os avós (masculinos);

VII: sem referência familiar – ou não houve citação de um familiar como influência.

O total em cada grupo pode ficar superior ao número de indivíduos, no caso de haver

mais de uma citação de influência. A distribuição de frequências para os dois grupos ficou

como mostra a Tabela 33.

Tabela 33 - Distribuição de frequências: influência familiar

para a história de liderança

Fonte: dados da pesquisa.

Pode-se perceber uma semelhança muito acentuada entre os dois grupos, tanto quando

se consideram os itens isoladamente como em pequenos conjuntos – como é o caso, por

exemplo, da influência dos pais, isoladamente ou em conjunto (itens I, II e III).

Entre os sete itens, o que destoa é o referente à influência do pai, o qual foi citado,

isoladamente ou em conjunto com a mãe, em mais da metade dos casos (10 citações entre

líderes ativos e nove entre os inativos). Note-se também que se forem observadas apenas as

influências familiares masculinas, elas representam a grande maioria nos dois grupos – 10 de

17 citações (ou 58,8%) para os líderes ativos e 14 de 19 citações (73,68%) para os inativos.

Considerando a influência familiar, volta-se a atenção, como objeto de investigação,

para o que foge ao esperado e ao senso comum: os casos únicos nos dois grupos que têm a

mãe como referência, e o líder inativo (34) que cita a irmã mais velha como influência.

No caso das citações maternas, trata-se dos entrevistados de números (7) entre os

líderes inativos, 59 anos, masculino e uma presidência, e o de número (18) entre os ativos, 65

anos, masculino, com duas presidências de organizações associativas em suas histórias.

I

Pai

II

Pais

I+II III

Mãe

IV V VI VI

I

I+IV+V+V

I

Masculino

Total

LÍDER ATIVO 7 3 10 1 0 2 1 3 10 17

LÍDER INATIVO 7 2 9 1 2 3 2 2 14 19

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333

Primeiramente, vê-se como foi a referência à influência materna:

(7) [...] minha mãe tinha um espírito desse também, entendeu... minha mãe é... na

minha época, minha mãe já estava mais velha, então ela mexia com comércio, essa

coisa toda. Mas na história dela ela sempre teve uma participação maior. Acho que

eu puxei isso dela: uma participação, assim, de estar ali, dentro da turma, né? Então,

por ser um aluno na época, um bom aluno – ao menos pros padrões do lugar que eu

estudava [...].

(18) [...] minha mãe era uma ativista na política municipal. O pai dela, meu avô [...]

era um líder. Tanto é que a rua que tem o nome dele lá em (cidade) é Coronel [...].

Outros aspectos que os dois possuem em comum: a religião não teve qualquer

influência identificada sobre eles, também não tiveram participação político-partidária, mas

ambos relataram que já na infância ocupavam papel central entre os colegas de escola em

termos de organização de atividades – sociais, no caso (7), como já apresentado na seção

anterior, e políticas, no (18), assim caracterizado:

(18) Eu tinha 15 anos [...] faltou energia elétrica lá e era dito que por causa da

inércia do prefeito [...] então nós reunimos na praça pra soltar umas bombas e no dia

seguinte nós: “ah, vamos fazer um dia do enterro”, fizemos o enterro do prefeito,

apesar da polícia ter tentado desafiar a gente, né? Esse foi o primeiro movimento

que eu fiz.

Ambos tanto começaram a ocupar papéis de liderança como tiveram sua participação

posterior motivada por convite de outros líderes – e não por disputas eleitorais ou demanda de

liderados. Também ambos não citaram motivação pessoal para assumir esses papéis. Além

disso, os dois veem o papel de liderança como sendo um sacrifício pessoal.

Sob todos os demais aspectos da pesquisa, os dois entrevistados apresentaram posições

diferentes. Por exemplo, quando solicitados a caracterizar a liderança, as respostas foram:

(7) [risos] senão a gente começa a entrar de novo... apesar de estar aqui na

intimidade com você e ter toda a confiança de que as coisas vão ficar entre nós dois,

mas é... é muito ruim... às vezes a gente começar... às vezes falar é... características

dessas pessoas. Mas o que eu acho aqui num... num bate muito com meu conceito,

sabe Zé... político é igual em qualquer área [...] são pessoas que mudam muito de

casaca: hoje falam umas coisas, amanhã falam outra e agem de outras maneiras [...].

(18) O líder é um indivíduo abnegado, disposto a muito sacrifício, desprendido de

egoísmo e sempre pronto a participar dos movimentos aí, principalmente aqueles

que visam o bem estar coletivo... o líder é isso!

Em relação às características de personalidade, o obtido está expresso na Tabela 34:

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334

Tabela 34 - Cinco domínios do NEO-PI-R dos dois líderes

com influência materna de liderança

Domínio* Número do entrevistado

(7) (18)

Neuroticismo (N) 3 2

Extroversão (E) 4 3

Abertura (O) 2 2

Amabilidade (A) 4 3

Consciensiosidade (C) 3 3

* Valores, em cada domínio, correspondem a: (1) muito baixo; (2) baixo;

(3) médio; (4) alto; (5) muito alto

Fonte: dados da pesquisa.

Não se pode falar de distorções significativas na comparação entre os dois: o

entrevistado inativo tem um ponto a mais de (N) e (E) em comparação com o líder ativo – o

que significa que o domínio (N) estaria mais dentro do padrão esperado no entrevistado (18) e

o domínio (E) mais dentro do esperado no entrevistado (7), de acordo com a revisão realizada

por Judge, Heller e Mount (2002). Em resumo, com os dados obtidos não foi possível

identificar fatores de diferenciação, entre si ou entre eles e os outros líderes estudados.

No caso do líder inativo (34) que cita a irmã, ele o faz em conjunto com um irmão,

sem identificar alguma diferença na influência exercida pelos dois – apenas o fato de serem

mais velhos: “Tinha meu irmão, tinha minha irmã, tinha os amigos...”. Ainda assim, por ser

um tipo de referência que foge ao comumente citado, deve ficar aqui registrada.

B) Vivência familiar referente à atividade político-partidária

Muitos dos indivíduos se referiram, espontaneamente, a uma vivência familiar

referente à atividade político-partidária. No caso dos entrevistados que não fizeram essa

referência espontaneamente, foi feita uma pergunta direta, em algum ponto da entrevista,

quando surgia uma oportunidade adequada para tal. A finalidade de se fazer a pergunta direta

era a de, nesse caso, criar um termo de comparação para os dois grupos, relacionado a esse

aspecto. Os relatos foram, ao final, divididos em sete itens básicos:

I: o pai foi político;

II: os pais participavam de partidos políticos, mas nunca foram candidatos;

III: irmão(s) político(s);

IV: um parente de primeiro grau era político: um tio, um primo de primeiro grau ou avô;

V: o entrevistado não teve convivência com atividade político-partidária na vida familiar;

VI: a família participava de atividade política, mas sem envolvimento atividade partidária;

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335

VII: convivência próxima com político, mas que não era familiar próximo (primeiro grau).

Ao se considerar a informação do entrevistado quanto a ter ou não vivenciado

atividade política em sua vida familiar – fato relacionado mais especificamente à infância do

indivíduo –, a distribuição de frequências ficou como está expresso na Tabela 35:

Tabela 35 - Distribuição de frequências: vivência familiar

com atividade político-partidária

Fonte: dados da pesquisa.

O que se percebe é que os dois grupos são bem semelhantes quanto a esse aspecto, não

sendo possível identificar alguma distorção que pudesse estimular uma investigação.

Também chama a atenção o fato de que a maior concentração, nos dois casos, é de

indivíduos que não tiveram qualquer experiência vivencial com atividade político-partidária:

se forem somadas as ocorrências dos itens V e VI, isso vai significar mais da metade dos dois

grupos: nove de 17 líderes ativos (ou 53%) e 10 de 18 líderes inativos (ou 55,55%).

Ou seja, não existem evidências de que esse tipo de vivência possa ter exercido

alguma influência na história e as atividades de liderança para a maioria dos indivíduos desse

grupo social – não se podendo descartar essa influência em casos isolados.

Em outros termos, se esse tipo de influência pode ser importante em uma história de

vida específica, por outro lado não existem evidências de que seja um tipo de influência

esperada para que um indivíduo se motive a assumir esses papéis – pelo menos dentro do

grupo social estudado.

C) Posição entre os irmãos

A literatura consultada não fez referência a influências que poderiam ter sido

induzidas pela posição do indivíduo entre os irmãos. Esse, entretanto, foi um aspecto

espontaneamente citado por muitos dos entrevistados. E, como foi citado, produziu uma

categoria, que será aqui constituída para facilitar a visualização de congruências ou

inconsistências entre os dois grupos.

A divisão foi realizada de modo a explicitar a sua posição entre os irmãos:

I II III IV V VI VII V+VI TOTAL

LÍDER EM ATIVIDADE 2 1 2 2 6 3 1 9 17

LÍDER INATIVO 3 0 1 3 7 3 1 10 18

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336

I: o entrevistado é o irmão mais velho;

II: o entrevistado é o irmão do meio;

III: o entrevistado é o irmão caçula;

IV: não informa ou a pergunta não é pertinente – por exemplo, não tem irmãos.

A distribuição de frequências encontra-se na Tabela 36:

Tabela 36 - Distribuição de frequências: posição

do entrevistado entre os irmãos

Fonte: dados da pesquisa.

Entre os líderes em atividade, a distribuição entre os quatro itens é tal que não se pode

falar de alguma tendência nesse sentido. Já entre os inativos, há mais concentração de

indivíduos na posição intermediária entre os irmãos – nove de 17 casos ou 53%.

Para avaliar se essa diferença poderia significar algum tipo de tendência, investigam-

se: a distribuição de frequências entre os irmãos dos líderes inativos que estão em posição

intermediária entre os irmãos e a liderança que se observa entre os irmãos, considerados

ambos os grupos:

a) A distribuição de frequências para a liderança, entre os irmãos dos líderes inativos

que estão em posição intermediária, será conduzida a partir das falas das entrevistas.

Buscando-se nessas entrevistas algo que pudesse traduzir uma influência relacionada a essa

posição entre os irmãos, para os nove entrevistados o que se encontra é o seguinte:

(4) – O irmão caçula é liderança local, mas o irmão mais velho não é citado como tal;

(6) – existem líderes entre irmãos mais velhos e entre os mais novos;

(7) – não há lideranças identificadas entre os irmãos, mais velhos ou mais novos;

(8) – um irmão mais novo é uma liderança local. Os demais não são citados como tal;

(16) – foi muito influenciado pelo irmão mais velho, que o entrevistado define como

“diferenciado” do ponto de vista intelectual, o qual teve uma trajetória pessoal vitoriosa

na carreira profissional – mas sem citação de destaques na representação de interesses

coletivos;

I II III IV Total

LÍDER EM ATIVIDADE 5 3 3 5 16

LÍDER INATIVO 3 9 3 2 17

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337

(19) – identifica características de liderança no irmão caçula, mas não nos outros;

(26) – não identifica liderança entre os irmãos;

(28) – irmão mais velho é liderança em vários dos grupos sociais dos quais participa;

(34) – o irmão mais velho foi liderança político-partidária.

Para facilitar a comparação, esses resultados estão organizados na Tabela 37:

Tabela 37 - Distribuição de frequências: lideranças entre os irmãos

Fonte: dados da pesquisa.

Ou seja, ao se fazer a distribuição de frequência dos irmãos que foram identificados

pelo entrevistado como sendo a fonte de influência para a liderança, o que se percebe é uma

distribuição bem equitativa – e que, por isso, não mostra alguma tendência específica.

Assim, não há evidências de que estar na posição intermediária entre os irmãos seja

um fator influenciador na liderança, no caso de líderes que não estão mais nesse papel.

b) Distribuição de frequência para a liderança entre os irmãos, de ambos os grupos

Quanto à repercussão das vivências familiares sobre os irmãos, da mesma forma que

no item anterior, esse foi um dado espontaneamente relatado por muitos dos entrevistados.

Também para efeito de comparação, nas entrevistas em que não houve relato espontâneo, este

foi estimulado pelo entrevistador, também para facilitar a comparação entre os grupos.

Importante acrescentar que o critério para a caracterização da liderança era dado pelo

entrevistado, mas que em todos os casos essa caracterização ficou congruente com aquela que

o entrevistado havia estabelecido para si mesmo – a qual, por definição, está dentro dos

critérios estabelecidos para a pesquisa.

Os relatos foram divididos em sete itens:

I: o irmão mais velho é líder;

II: algum(ns) do(s) irmão(s) do sexo masculino são(é) líder(es);

III: todos os irmãos são líderes;

IV: nenhum dos irmãos é líder;

Posição do(s) irmão(s) que é(são) líder(es)

Mais

novo

Mais

velho

Mais velhos e

mais novos

Nenhum

dos irmãos

Total

LÍDER INATIVO 3 3 1 2 9

Page 339: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

338

V: alguns dos irmãos são líderes – homens e/ou mulheres – mas não todos;

VI: não se aplica – por exemplo, não tem irmãos ou não cita;

VII: alguma(s) da(s) irmã(s) do sexo feminino são(é) líder(es).

A Tabela 38 mostra como ficou a distribuição de frequências nesse caso:

Tabela 38 - Distribuição de frequências: liderança entre

os irmãos do entrevistado

Fonte: dados da pesquisa.

A distorção mais significativa – a do item VI (não se aplica, por não ser algo citado ou

por não ter irmãos) – não parece ser relevante, uma vez que apenas se refere aos casos nos

quais a observação não se aplica.

Além disso, como se pode ver pelas duas colunas finais da Tabela 38, existe uma

distribuição equitativa nos dois grupos – de irmãos que expressam o que o entrevistado

identifica como sendo características de liderança e daqueles que não as expressam.

Desta forma, não se encontrou, para esse item, alguma distorção que pudesse estimular

uma investigação específica, não havendo evidências de que a posição do indivíduo, entre os

irmãos, possa se constituir em um fator que tenha relevância na formação de um indivíduo

que deverá se tornar um líder em seu grupo social.

5.4 Ocorrências na história do indivíduo indutoras para a liderança

Aqui serão investigadas as ocorrências na história do indivíduo que poderiam ser

indutoras para o entrevistado assumir papéis de liderança durante sua vida. Novamente,

a base teórica que fornece sustentação para essa linha de investigação pode ser encontrada, de

modo especial, em Lasswell (1963), na seção 3.4.5, e nos autores discutidos na seção 3.5.2

(liderança e história de vida).

A divisão da discussão, entretanto, será realizada a partir das categorias identificadas

nas entrevistas, e não a partir de alguma outra categoria teórica apresentada na literatura.

I II III IV V VI VII Nenhum é

líder

IV+IV

Algum é líder

I+II+III+V+VII

LÍDER ATIVO 3 2 1 4 2 4 0 8 8

LÍDER INATIVO 3 4 0 7 1 1 1 8 9

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339

A) Momento identificado pelo entrevistado como referência para início do relato

No início da entrevista, ao respondente era solicitado que contasse sua história

relacionada à liderança. Se o entrevistado perguntasse a partir de qual momento deveria

iniciar o relato ou sobre o tipo de atividade que deveria considerar para esse início, era

respondido que ele poderia fazer a escolha que quisesse. A ideia aqui era saber qual seria, na

percepção dele, o momento-chave para o início de sua trajetória como líder.

Analisando as respostas, foi possível dividir esse início do relato em seis momentos:

I: primeira infância, na vida familiar;

II: primeira infância, na vida escolar;

III: na adolescência – escola ou grupos sociais;

IV: na universidade – movimento estudantil ou grupos sociais;

V: no início da vida profissional – movimentos associativos ou ambientes profissionais;

VI: na vida profissional relacionada à situação atual na qual atua como liderança.

O resultado apresentou a seguinte distribuição de frequências (TAB. 39):

Tabela 39 - Distribuição de frequências: início do relato

de sua história como liderança

Fonte: dados da pesquisa.

Ao se comparar os dois grupos, o que chama a atenção são os seguintes aspectos:

(i) o fato de que apenas um dos indivíduos que atualmente não estão no papel de líder

faz referência à universidade – e, por consequência, ao movimento estudantil – momento esse

que, em contrapartida, foi importante para quase 31% dos líderes em atividade (cinco em 16).

Além disso, ao se somar o período de estudante universitário com aquele

imediatamente relacionado ao início de suas atividades profissionais – período no qual, pelo

que se pode notar em alguns dos relatos, o indivíduo cria e desenvolve a sua identidade com o

seu grupo profissional –, a distorção é ainda mais significativa: quase a metade dos líderes em

atividade (sete de 16 ou 43,75%) refere-se a esse momento o início de suas atividades como

líderes, enquanto apenas um de 17 dos líderes inativos (ou 5,88%) fizeram essa referência.

Como a distorção é significativa, esse aspecto deve ser mais bem estudado.

I II I+II III IV V IV+V VI Total

LÍDER EM ATIVIDADE 1 4 5 1 5 2 7 3 16

LÍDER INATIVO 2 8 10 1 1 0 1 5 17

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340

Buscando-se nas entrevistas a forma como a referência foi feita, o que se registra, a

partir das falas, é o seguinte:

a) (3) – Não há relato de participação em movimento estudantil. Mas, assim que se

formou, voltou para sua cidade de origem, tendo assumido logo em seguida um cargo

de diretor da associação de classe de sua cidade;

b) (10) – identifica o início das atividades de liderança na graduação, no que definiu

como sendo “fazer parte de [...] idealizar e definir a direção” da escola;

c) (12) – identifica o seu primeiro papel de liderança na diretoria do diretório acadêmico;

d) (20) – já na entrada para a universidade foi eleito líder de turma, tendo participado da

fundação do diretório acadêmico do instituto de ciências básicas recém-formado, ao

qual estava ligado o seu curso. Mas ao ser questionado mais especificamente sobre os

períodos anteriores de vida, o entrevistado resgata o fato de ter estado em alguma

posição de liderança desde a infância: “se eu olhar pra trás, se eu olhar a minha

infância, desde menino é isso, era a mesma coisa com o time de futebol de várzea

[...]”.

e) (21) – Relata nunca ter liderado qualquer atividade de grupo antes de entrar para a

faculdade. Mas já com dois anos de faculdade foi eleito para a direção do diretório

acadêmico e desde então nunca mais deixou de participar em atividades, inclusive as

político-partidárias;

f) (24) – Nunca teve qualquer participação como liderança de grupos antes da

universidade: “Então, até o segundo grau eu não... estudei demais, né”. Mas, ao entrar

para a faculdade, já no “primeiro dia que eu entrei na (faculdade) pensei em me

candidatar, então no primeiro ano já ganhei a [associação de classe] [...] eu parava a

escola de greve pra poder não ter aumento [...]” - e desde então vem encabeçando

vários movimentos e atividades em seu grupo profissional.

g) (32) – Sem qualquer relato de papéis de liderança antes de terminar a faculdade. Mas

já nos primeiros meses de vida profissional encabeçou a criação de uma associação de

classe, a partir do que se manteve na liderança de várias associações de caráter

profissional, até hoje.

Para o líder inativo, o que se observa da entrevista foi que:

a) (34) – Nunca teve experiência de liderança de grupos sociais até entrar para a

faculdade, período no qual iniciou com uma militância política, participando – mas

não liderando – do diretório acadêmico. Seus papéis de liderança mais expressivos

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341

começaram logo no início da vida profissional, quando assumiu a liderança de vários

movimentos e instituições de caracteres associativos, chegando, inclusive, à direção

estadual de partido político.

(ii) a referência à infância foi mais significativa para líderes inativos, que apresentam

mais do que o dobro de ocorrências (10 casos) em relação àqueles em atividade (cinco

casos).

Pode-se investigar se existiriam diferenças significativas na personalidade dos dois

conjuntos de líderes, que são formados pelos seguintes entrevistados:

Início na infância: (3), (10), (12), (20), (21), (24), (32), e (34).

Início na vida profissional: (2), (4), (5), (7), (11), (16), (17), (19), (23), (26), (28), (29),

(30), (31), e (33).

Vê-se o resultado na Tabela 40:

Tabela 40 - Comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R: início do relato na

infância x na vida profissional

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Infância 2,0 (Baixo) 0,0 -1,0 e 1,0 0,6985

Fase profissional 2,0 (Baixo)

Extroversão Infância 3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 0,0 0,2200

Fase profissional 4,0 (Alto)

Abertura Infância 3,0 (Médio) -1,0 -1,0 e 0,0 0,1752

Fase profissional 4,0 (Alto)

Amabilidade Infância 4,0 (Alto) 0,0 0,0002 e

1,0001

0,1967

Fase profissional 3,0 (Médio)

Consciensiosidade Infância 3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 1,0 1,0000

Fase profissional 3,0 (Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

Novamente, como se pode constatar pelos dados da tabela, para todos os cinco

domínios o p-valor esteve acima de 0,05, não se rejeitando a hipótese nula de que os grupos

são iguais. Em outras palavras, não há evidências de que alguma característica do indivíduo

ligada à personalidade poderia estar ligada à identificação, pelo entrevistado, de que o seu

papel de líder tenha sido marcado por fatos ocorridos na infância ou na vida adulta.

Outro achado a ser investigado diz respeito à percepção do fator que poderia estar

associado à identificação, por parte do entrevistado, da identificação social de seu papel de

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342

líder, nos casos em que a vida escolar, na escola de primeiro grau, foi identificada como o

início de sua história de liderança.

Nesses casos, foram identificados os seguintes itens relatados:

I: ser bom aluno;

II: ser bom em esportes;

III: ser bom para organizar a vida social;

IV: identificado pelos colegas como representante de grupo;

V: sem citação de escola primeiro grau;

VI: características pessoais (que ele não consegue caracterizar bem).

A distribuição de frequências para os dois grupos ficou como está na Tabela 41, na

qual podem-se agrupar as respostas em dois grandes grupos:

a) O que agrega as categorias I, II e III e que se poderia identificar como estando

relacionado aos atos do entrevistado no seu grupo social; e

b) o que agrega as categorias IV e VI, que se relaciona a características pessoais

identificadas de modo espontâneo pelos pares (ou seja, sobre a qual o entrevistado não

identifica alguma ação motivadora que dele tenha partido).

Tabela 41 - Distribuição de frequências: fator que, na vida escolar,

pode ter contribuído para a liderança

Fonte: dados da pesquisa.

Tendo-se que os indivíduos incluídos agregados nos itens IV e VI não identificam

algum fator que possa ter contribuído para que outros os tivessem percebido como “líderes”

(aqui entre parênteses, por se tratar de uma presunção), é possível que esses indivíduos

possuam alguma característica de personalidade que os diferencie dos restantes.

Para testar essa hipótese, comparam-se os dois conjuntos, que serão denominados:

a) “Ações” (I+II+III), formado pelos entrevistados (6), (7), (8), (11), (13), (15), (16),

(17), (20), (21), (22), (23), (26), (27), (28), (29), (30), (31);

b) “características não identificadas” (IV+VI), formado pelos entrevistados (12), (19),

(25) e (33). O resultado do teste de Mann-Whitney está apresentado na Tabela 42:

I II III I+II+III IV V VI IV+VI

LÍDER EM ATIVIDADE 3 4 1 8 3 7 0 3

LÍDER INATIVO 8 3 2 13 0 4 1 1

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343

Tabela 42 - Comparações dos cinco domínios do NEO-PI-R: ações que diferenciam e

características não identificadas

Domínio Líder Mediana Estimativa

Pontual

Intervalo de

confiança

p-valor

Neuroticismo Ações 2,0 (Baixo) 0,0 -1,0 e 1,0 0,8315

Não identificada 2,5 (Baixo)

Extroversão Ações 3,0 (Médio) 0,0 -1,0 e 1,0 0,9661

Não identificada 3,5 (Médio)

Abertura Ações 4,0 (Alto) -1,0 -2,0 e 1,0 0,3714

Não identificada 4,0 (Alto)

Amabilidade Ações 3,0 (Médio) 1,0 0,0 e 1,0 0,1479

Não identificada 3,0 (Médio)

Consciensiosidade Ações 4,0 (Alto) 0,0 -1,0 e 1,0 0,8984

Não identificada 3,5 (Médio)

Fonte: dados da pesquisa.

Mais uma vez o p-valor acima de 0,05 não rejeita a hipótese nula de que os grupos são

iguais. Ou seja, ainda que o entrevistado não tenha identificado algo que pudesse sinalizar

para os colegas de grupo que ele seria um “líder”, não se pode dizer que a sua personalidade,

da forma como se expressa hoje pelos cinco domínios, possa fornecer alguma pista para essa

diferenciação identificada pelo seu grupo social.

B) Atividades de liderança nas quais se envolveu antes da vida universitária

O próximo passo foi a caracterização dos indivíduos dos dois grupos quanto ao tipo de

atividade social na qual ele teve a oportunidade ou intenção ou motivação para participar

como liderança, antes de entrar para a universidade.

Essa participação foi dividida, de modo genérico, em três grandes grupos: liderança

(i) social; (ii) política; e (iii) religiosa.

Para cada um desses grupos, buscou-se identificar, a partir do relato espontâneo das

entrevistas, o tipo de participação que poderia ter tido. Para os indivíduos que não relataram

espontaneamente esse tipo de participação, foi realizada a pergunta direta, dentro das mesmas

categorias já criadas. A divisão final ficou como se segue:

(i) Grupos sociais (GS)

I: organizava festas, teatros, apresentações, etc., entre colegas de escola;

II: organizava festas, teatros, apresentações, etc., entre familiares;

III: ambos os anteriores;

IV: participava, mas não organizava, os eventos sociais entre colegas e familiares;

V: não citou ou não participava de eventos sociais entre colegas e familiares.

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344

(ii) Grupos políticos (GP)

I: participava de grupos políticos;

II: não participava de grupos políticos.

(iii) Grupos religiosos (GR)

I: líder de grupo religioso;

II: participou ativamente de grupo religioso, mas não era líder;

III: nunca participou de grupos religiosos, mas família era religiosa;

IV: não havia relação pessoal ou familiar com religião ou não foi um fator importante citado.

A distribuição de frequências, realizada levando-se em consideração cada grupo social

em separado, uma vez que o que se quis foi comparar os dois grupos de líderes dentro dos três

grupos sociais, ficou da seguinte forma (TAB. 43):

Tabela 43 - Distribuição de frequência das características

da liderança para os dois grupos

Fonte: dados da pesquisa.

Alguns aspectos que chamam a atenção nessa tabela:

a) Também sob esse aspecto os dois grupos são muito semelhantes;

b) uma das semelhanças se refere a que a maioria dos indivíduos nos dois grupos não

teve qualquer experiência prévia com atividade representativa de caráter político-

partidária;

c) em relação à liderança em atividades de caráter social, percebe-se que a única

diferença significativa entre os dois grupos é que os líderes em atividades

expressavam essa liderança nos ambientes sociais que uma criança frequenta (família

e escola), enquanto aqueles que estão inativos se concentravam mais na escola. Mas,

no conjunto, quando se considera o fato de já haver algum tipo de expressão de

liderança nas relações sociais da infância – a soma de I+II+III –, pode-se constatar que

os dois grupos também são iguais.

TIPO DE GRUPO

TIPO DE LÍDER

GRUPO

SOCIAL

GRUPO

POLÍTICO

GRUPO

RELIGIOSO

I II III I+II+III IV V I II I II III VI

LÍDER ATIVO 1 1 5 7 3 6 3 12 0 5 4 7

LÍDER INATIVO 5 0 2 7 2 7 1 15 2 3 4 7

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345

Em resumo, a semelhança entre os grupos é tão grande que não há algo, sob esse

aspecto, que mereça investigação aprofundada para buscar algo que, fugindo da média ou do

senso comum, possa ressaltar alguma característica diferenciadora da liderança.

C) Participação no movimento estudantil

O próximo passo será, então, investigar a sua participação política e social durante o

período de universidade.

A partir do que foi produzido nos relatos, essa participação foi dividida em três

aspectos: a) o seu envolvimento com a política estudantil, representada por sua participação

em diretórios acadêmicos (DA) e diretório central de estudantes (DCE); b) o seu

envolvimento com a política partidária, representado por sua afiliação a partidos e/ou por sua

atuação como ativista político; c) sua atividade social estudantil, que implica a participação

em comissão de formatura, organização de festas, shows ou quaisquer outras atividades

coletivas das quais possa ter participado na posição de condutor do processo.

Os itens levantados para cada subdivisão foram os seguintes:

(i) Política estudantil

I: participava da diretoria de DA/DCE;

II: participava de DA/DCE, mas não da diretoria;

III: não participava de DA/DCE ou não foi algo importante citado.

(ii) Política partidária

I: participação político-partidária direta (ativista);

II: participação político-partidária indireta (filiação);

III: sem participação político-partidária;

IV: participação política, sem relação com partidos.

(iii) Liderança em atividades sociais estudantis

I: organizava as atividades sociais, por exemplo, shows, festas, comissão de formatura, etc.;

II: participava diretamente, mas não organizava as atividades sociais;

III: pouca participação em atividades sociais ou não foi citado como relevante na sua história.

A distribuição de frequências nesse conjunto de características ficou como

demonstrado na Tabela 44:

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346

Tabela 44 - Distribuição de frequência na liderança

estudantil para os dois grupos

TIPO DE LÍDER POLÍTICA

ESTUDANTIL

POLÍTICO-

PARTIDÁRIA

ATIVIDADES

SOCIAIS

I II I+II III I II I+II III IV I II I+II III

LÍDER ATIVO 8 1 9 7 3 1 4 11 1 5 6 11 5

LÍDER INATIVO 5 3 8 9 4 0 4 11 2 5 5 10 7

Fonte: dados da pesquisa.

A soma dos entrevistados identificados nos dois primeiros itens (I+II) indica alguma

forma de participação direta na atividade social que se quer investigar, diferenciando-os

daqueles incluídos nos itens III e IV, que indicam a não participação nessas atividades. Desta

forma, ao se analisar a tabela a partir desses dois conjuntos, o que se percebe é que os dois

grupos são muito semelhantes em todos os três aspectos, não havendo necessidade de se

aprofundar a investigação.

D) Participação em atividades associativas no início da vida profissional

Também interessa saber como foi a participação em atividades sociais no início de sua

atuação como profissional. As atividades sociais que poderiam trazer algum impacto para a

sua história relacionada à liderança podem ser resumidas em basicamente dois grupos:

atividades associativas, que de alguma forma envolvia aspectos voltados para a profissão;

atividades sociais voltadas para o relacionamento entre os indivíduos nos outros campos

sociais, não voltados para os objetivos da profissão, ainda que pudessem envolver também os

colegas de profissão – entre as quais se encontra a participação político-partidária.

A divisão geral do que se pode depreender da fala, no tocante a esses dois campos,

ficou do seguinte modo:

(i) Atividades associativas voltadas para os objetivos da profissão (ASP)

I: liderava atividades associativas – com objetivo profissional – entre os pares;

II: participava ativamente, mas não liderava atividades associativas de objetivo profissional;

III: participava pouco ou não participava de atividades associativas de objetivo profissional;

IV: sem informações ou não se aplica;

V: liderava atividades sociais – de cunho não profissional – de seu grupo profissional;

VI: participava ativamente – mas não liderava – atividades sociais de seu grupo profissional;

VII: participava pouco ou não participava de atividades sociais de seu grupo profissional;

VIII: sem informações, ou não se aplica.

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347

(ii) Atividades sociais voltadas para outros objetivos que não os profissionais (ASNP)

I: liderava atividades associativas político-partidárias;

II: participava ativamente, mas não liderava atividades político-partidárias;

III: participava pouco ou não participava de atividades político-partidárias;

IV: sem informações ou não se aplica;

V: liderava atividades sociais fora de seu grupo profissional;

VI: participava ativamente, mas não liderava, atividades sociais fora do grupo profissional;

VII: participava pouco ou não participava de atividades sociais fora de seu grupo profissional;

VIII: sem informações ou não se aplica.

A distribuição de frequências referente ao primeiro grupo é a apresentada na Tabela

45:

Tabela 45 - Distribuição de frequências relacionadas às atividades associativas

profissionais

LÍDER

Atividades associativas voltadas para os objetivos da profissão

ASSOCIATIVAS SOCIAIS

I II I+II III IV Total V VI V+VI VII VIII Total

ATIVO 5 2 7 4 5 16 2 1 3 7 6 16

INATIVO 6 1 7 5 5 17 3 2 5 4 8 17

Fonte: dados da pesquisa.

A distribuição de frequências relativas ao segundo grupo encontra-se na Tabela 46:

Tabela 46 - Distribuição de frequências relacionadas às atividades associativas de

caráter não profissional

LÍDER

Atividades sociais voltadas para objetivos não

profissionais

POLÍTICO-PARTIDÁRIAS SOCIAIS

I II I+II III IV V VI V+VI VII VIII

LÍDER ATIVO 1 1 2 9 5 1 0 1 6 9

LÍDER INATIVO 3 0 3 10 4 2 0 2 3 12

Fonte: dados da pesquisa.

Apartando-se nas tabelas o grupo que liderava ou participava ativamente das

atividades em pauta (I+II e V+VI) daquele que participava pouco ou não participava (III e

VII), o que se observa, novamente, é uma distribuição que se mantém muito equilibrada para

os dois grupos, sem distorções significativas que mereçam ser aprofundadas.

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348

5.5 Material de reuniões

Nesta seção serão dois os grupos de informações reunidas a serem investigadas:

aquelas relacionadas às assembleias de três das organizações associativas, realizadas entre

março de 2010 e março de 2012; e as anotações realizadas durante as participações no grupo

que reúne um número razoável de líderes entrevistados – número esse que não pode ser

especificado, uma vez que é muito variável de reunião para reunião.

5.5.1 Anotações da participação em assembleias e reuniões do quadro social

Durante o período de duração da pesquisa, o autor participou de cinco assembleias

gerais, entre ordinárias e extraordinárias, de três das organizações associativas, cujos

presidentes foram escolhidos para a entrevista, e uma reunião de diretores que compõem o

quadro social de uma organização federativa. Em uma das organizações, obteve-se permissão

para gravação, desde que mantido em sigilo os nomes da organização e dos envolvidos nos

debates; nas outras duas, em função de peculiaridades das organizações e/ou dos temas a

serem abordados, decidiu-se por não gravar as assembleias, mas apenas anotar para a pesquisa

os fatos relevantes nelas ocorridos.

A assembleia geral é, como previsto no estatuto de todas as organizações envolvidas, o

órgão supremo, com poderes para, dentro dos limites legais, tomar toda e qualquer decisão de

interesse do quadro social. Ela é conduzida pelo presidente da organização, que convoca

outros diretores, pessoal da área técnica ou quaisquer outras pessoas necessárias às

apresentações referentes ao tema em pauta. As decisões, que envolvem o voto dos

participantes, são conduzidas pelo presidente – exceto nos temas que lhe são afeitos (como

estabelecimento de honorários), momento no qual algum membro da assembleia é convocado

para conduzir a reunião – e estatutariamente estão restritas ao que foi publicado como pauta

para convocação da assembleia. Assuntos não constantes da pauta podem ser objeto de

discussão no item “assuntos gerais”, não cabendo votação para temas discutidos nesse ponto

da pauta.

As assembleias gerais podem ser ordinárias – as quais são de realização obrigatória no

primeiro trimestre do ano, com pauta prevista em estatuto – ou extraordinárias – as quais

podem ocorrer em qualquer momento do ano e que, apesar de possuírem pautas previstas, têm

o seu âmbito de discussão mais ampliado.

O que se observou nas assembleias acompanhadas foi:

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349

a) As assembleias ordinárias: possuem pauta obrigatória anual, relacionadas a:

prestação de contas, estabelecimento de honorários, apresentação de orçamento e votação de

mudanças nos conselhos.

O exercício do poder nesse caso está normativamente organizado, sendo que o espaço

para emergência de liderança costuma estar mais dentro dos “assuntos gerais”. Esse espaço

não foi politicamente explorado em duas das assembleias acompanhadas – ou não houve tema

apresentado ou o que surgiu foi algum assunto relacionado a questões periféricas, não

envolvendo relação de poder. Deve-se observar que nessas assembleias de organizações, onde

não se apurou posicionamentos mais políticos, o calendário não envolvia mudança na

estrutura de poder naquele ano ou no subsequente.

Em uma assembleia ordinária de organização federativa em 2010 (envolvendo

diretores de outras organizações, as quais, por sua vez, estão mais ligadas à base – ou ao que

aqui se poderia chamar de liderados), o espaço dos “assuntos gerais” foi mais bem explorado:

um diretor de uma organização da base a ela filiada, recém-empossado, aproveitou esse

momento para falar sobre como encontrou a situação ao assumir sua posição e o que estava

fazendo no momento para corrigir a situação, sugerindo ações semelhantes para a organização

federativa. E acrescentou: “a gente quando envolve com isso, não tem jeito, acaba

prejudicando mesmo as outras atividades, porque um dia tem que ir na reunião disso, noutro

dia tem que representar na reunião da [...] então, se já tá envolvido mesmo, pode envolver

com as outras”.

Esse mesmo diretor, em um momento posterior da assembleia, defendeu o aumento de

honorários para a diretoria da federação, baseado no argumento defendido anteriormente: o de

que, estando envolvido com tantas atividades de representação do grupo, a sua possibilidade

de ganho financeiro na sua atividade profissional ficava prejudicada, o que justificaria

adequado ganho em sua atividade de representação de grupo, com a finalidade de recompor o

que havia sido perdido.

Como ouvinte, o que pareceu implícito para o autor desta tese na fala desse indivíduo

foi a sugestão de que ele gostaria participar mais ativamente dos processos decisórios no

âmbito federativo, pois a questão apresentada não interessava diretamente aos outros

presentes. E por isso soou mais como um marketing pessoal. Apreendeu-se também a

justificativa para uma possível demanda em termos de aumento de honorários em sua

organização de base.

Deve-se deixar claro que essa impressão é fruto de interpretação, não tendo sido

apresentada demanda clara pelo indivíduo em nenhum desses sentidos. Essa impressão foi

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350

compartilhada pelo presidente da assembleia – o qual é um dos entrevistados – com o qual o

autor da tese conversou ao final da assembleia.

b) Assembleias extraordinárias: esses são momentos em que se tem mais espaço para

participação política. Ainda que os temas para debate e votação também estejam previstos em

pauta publicada em periódico de circulação pública no âmbito geográfico do quadro social,

eles permitem mais espaço para posicionamentos de ordem política: envolvem mudanças no

estatuto, fusões, incorporações, desmembramentos, mudança do objeto social, dissoluções ou

quaisquer outros temas de interesse do quadro social em que não está prevista autonomia de

decisão pela diretoria.

A palavra é habitualmente franqueada aos participantes após a apresentação do item de

pauta e antes da votação. O que se percebeu, como ouvinte, é que algumas pessoas

apresentavam questionamentos importantes, de interesse coletivo, aparentemente não

previstos ou registrados pela diretoria e que por isso se transformam em objeto de votação.

Outras pessoas apresentam questionamentos e observações explicitamente envolvendo

interesses voltados para os seus negócios pessoais ou de um pequeno grupo dentro do quadro

social, os quais, se considerados, podem não contemplar os interesses da maioria. As duas

falas anotadas a esse respeito não são aqui apresentadas por identificarem pessoas ou

instituições (identificações que, se retiradas, fariam com que a frase perdesse o sentido). Por

não ser possível objetivar as falas de modo documental, de forma a poder ser aferida pelo

leitor da pesquisa, elas não serão utilizadas na análise e discussão da tese.

De qualquer forma, conversando com o presidente da organização (também um dos

entrevistados), após a assembleia ele observou que “é interessante como a gente consegue

identificar bem o interesse pessoal que está por trás da maioria dos indivíduos que pega o

microfone. Às vezes é coisa que já foi, inclusive, discutida e acordada com o indivíduo antes

da assembleia...”.

c) Reunião na organização federativa com diretores de organizações de base: o que se

percebeu foi que esse tipo de reunião permitiu mais participação dos indivíduos nas relações

de poder, uma vez que lidam com um tema de interesse de todos, que está relacionado ao

objetivo social da organização e, principalmente, numa situação em que a palavra é

franqueada a todos.

A reunião em questão foi marcada para discussão em uma fase de crise envolvendo

remuneração no grupo profissional. Como foi apresentado na metodologia, foi realizada uma

gravação que conta mais de duas horas, durante as quais foram registradas as intervenções do

presidente da organização, de outro diretor compondo a mesa e de mais outros 27

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351

participantes, além da apresentação de um vídeo com reportagens sobre o grupo profissional,

utilizado como motivador para as discussões.

Após ter lido todo o material por três vezes, não se encontrou algo que tenha fugido do

senso comum, do que seria o esperado mesmo para esse tipo de reunião.

Resta, assim, pontuar algumas percepções relacionadas à participação nessas reuniões

e assembleias apresentadas:

a) Em termos gerais, pode-se dizer que alguns dos entrevistados cujas participações,

quando estavam no poder, eram em geral no sentido favorável aos posicionamentos da

liderança em exercício passaram ou a não a participar mais ativamente das

assembleias ou a ter participações que iam sempre em sentido contrário ao da

liderança em exercício;

b) comparando-se as três organizações acompanhadas, também se pode perceber que na

menor organização – a qual, por seu porte, oferecia menos ganho financeiro para a

liderança e menos visibilidade social no grupo profissional – as participações estavam

mais relacionadas às questões operacionais, e não aos interesses pessoais ou de

pequenos grupos;

c) por outro lado, na organização maior, onde o ganho financeiro e a visibilidade social

são maiores, foi onde se pôde perceber as participações mais calorosas, ligadas ou a

questões relacionadas aos interesses de pequenos grupos – e contra os interesses da

grande maioria, como reservas de mercado ou ganhos diferenciados para determinados

grupos – ou a questões que se poderia chamar de “governança” (limitações para

diretores fora de mandato, mudanças na forma de representação assemblear, etc.);

d) por fim, na organização de tamanho intermediário, que também proporciona ganho

intermediário, mas que por ser uma federação proporciona mais visibilidade social – o

que indica posições de liderança mais sustentáveis no futuro – as participações eram

mais importantes em momentos políticos, como na proximidade das eleições de

organizações maiores e de mais visibilidade, e envolviam interesses relacionados à

coletividade das bases, as quais dão o suporte político para posições de representação

em outras organizações, que não as da base.

Esses achados, relacionados com os posicionamentos ocorridos em assembleia, serão

discutidos, à luz da teoria, de modo especial na seção 6.4.1.

Page 353: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

352

5.5.2 Anotações nas participações das reuniões de um grupo de lideranças

Aqui serão apresentadas as anotações realizadas nas reuniões do grupo de lideranças,

no período compreendido entre junho de 2010 e junho de 2012. Serão divididas entre as

reuniões mensais, em algumas das quais o autor da tese participou como mediador, e a

reunião de junho de 2012, quando foi apresentado a todo o grupo uma parte do resultado das

entrevistas, disponível naquele momento, com a intenção de obter um feed-back dos

participantes, quanto a se identificarem ou não com o resultado da análise, na forma que ela

estava naquele momento.

As reuniões não foram gravadas. Foram realizadas anotações referentes ao que era

considerado relevante pelo autor, principalmente no que se refere às interfaces entre liderança,

ideologia e relações de poder. Também foi produzido material escrito pelos participantes, com

a finalidade de obter impressões individuais com o mínimo possível de interferência de

opiniões dos outros participantes.

O que será apresentado é somente o que foi considerado relevante para a discussão.

A) Reuniões mensais entre os meses de junho de 2010 e junho de 2011

Nessas discussões, foram oferecidos temas para discussão e debate, a partir dos quais

se pretendia observar o posicionamento dos participantes, de modo especial nos pontos nos

quais os temas se relacionavam com as vivências de liderança. Entre os temas, destacam-se:

modelos de gestão veiculados pelos MBAs e a sua influência sobre o comportamento do

indivíduo em posição de exercício de liderança nas nossas organizações; a influência da

cultura nacional na modulação de modelos considerados os mais efetivos em outros países, e

o papel exercido pelos indivíduos na posição de liderança nessas organizações; a ideologia

como mecanismo produtor de “verdades”.

Os temas eram entremeados com outras discussões, envolvendo questões políticas de

impacto na vida do grupo profissional em questão.

Os resultados obtidos são apresentados:

(i) A primeira reunião, em junho/2010

Nessa reunião, foi solicitado aos participantes que definissem “poder” e que

relatassem como eles mesmos se enquadrariam nesse conceito. Deve-se ressaltar que não foi

informada a razão pela qual se pediu essas definições e também que em nenhum momento a

Page 354: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

353

palavra “liderança” foi citada antes do início dos trabalhos. As repostas obtidas, de interesse

para esta pesquisa, estão transcritas no APÊNDICE A.

O que chama facilmente a atenção é a relação estabelecida entre o poder e o exercício

da liderança. Fica clara, pelas definições, a relação espontaneamente estabelecida entre os

dois conceitos, sendo que os dois são mediados, para muitos dos participantes, pelo conceito

de influência ou pela ideia de mudar uma realidade, conceitos estes que se referem de modo

intercambiável à liderança e ao poder.

A “influência”, por sua vez, é citada por vários autores como sendo uma característica

da liderança – veja-se a seção 2.3.4 no referencial teórico. Autores como Shamir (1999, p. 51)

chegam a utilizá-la como critério para identificá-la em um indivíduo, propondo que é a

presença de uma “influência social desproporcional, na qual a parte que exerce forte

influência sobre as outras (o líder) pode ser identificada”, o que vai diferenciar contextos de

liderança “forte”, captada no indivíduo, da “fraca”, mais difusa no grupo.

Deve-se, então, analisar o inverso, ou seja, se há menção ao poder quando a solicitação

diz respeito à definição de liderança – o que vai ocorrer em outras reuniões.

(ii) Reuniões mensais entre julho de 2010 e maio de 2011

As anotações das demais reuniões até maio de 2011 não revelaram algo significativo

para a investigação do objeto da pesquisa, razão pela qual não serão abordadas.

Em junho de 2011, houve uma reunião cujo tema, proposto por integrantes do grupo,

foi o editorial do jornal de uma das entidades do grupo profissional, a qual possui função

normativa e fiscalizadora para esse grupo. Por não ser uma organização associativa, essa

entidade possui características diversas das demais, o que inclui o processo de escolha da

presidência, razão pela qual esse foi o único presidente de entidades ligadas ao grupo

profissional que não foi selecionado para entrevista.

O que chamava a atenção nesse editorial (o que já se desenhava no número anterior do

jornal) era o fato de o órgão, cuja função era normativa e fiscalizadora, se envolver com temas

de caráter associativo, atingindo associações das quais o autor do editorial não fazia parte.

Com isso, criticava questões relativas à sua gestão, algumas das quais fruto de decisão

assemblear e de remuneração, o que é a razão de ser de duas das organizações associativas,

legalmente reconhecidas para esse fim. Na fundamentação do editorial, eram utilizados ditos

populares do tipo “mais vale um passarinho na mão do que uma centena deles em revoada” e

“o futuro a Deus pertence”.

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354

O resultado dos debates pode ser resumido em algumas das falas apresentadas pelos

participantes. Elas foram anotadas (e não gravadas), donde serem apresentadas a partir do seu

conteúdo geral, e não in verbis, como nas transcrições das entrevistas. Como as falas foram

repetitivas, apenas algumas – as que transmitam a ideia geral da discussão – serão transcritas

(com itálicos do autor da tese):

Olha, a trajetória dele é na atividade privada. Quer dizer, essa não é uma

preocupação que o afeta pessoalmente. Parece que ele está é querendo se estabelecer

como liderança;

É interessante que isso não é tema para [entidade]. O que ele está fazendo é se

aproveitando de uma posição de poder, para atingir objetivos de caráter pessoal;

Não entendi a razão dos provérbios. Vai ver que ele não tinha era o argumento;

O que tem que entender é que grupos ele quer influenciar e com que interesses.

Novamente, o que se nota aqui é a estreita correlação entre liderança, poder e

influência – esta última veiculada pelo discurso, pelo argumento – associada à questão do

interesse.

Essas percepções estão bem dentro da linha apresentada no referencial teórico, por

autores como Fairhurst (2009), para quem, num discurso envolvendo liderança, a pergunta

orientadora deve ser “o que o discurso está fazendo?”, e não “o que o discurso está

representando?”. E também com Mumby (2005, p. 24), que propõe buscar reconhecer no

discurso as “batalhas interpretativas entre discursos e práticas”, visto ter sido percebida, por

aqueles que seriam, nesse contexto, os liderados, uma desconexão entre a sua prática

profissional e o discurso que está sendo produzido.

As falas registradas durante a reunião também estão voltadas para o tema da liderança

autêntica – como apresentado na teoria, na seção 3.1.3. Deve-se registrar aqui que o que foi

denominado de indivíduo “y” nas análises das entrevistas, quando dos exemplos de

indivíduos cuja liderança era rejeitada, foi justamente o presidente da organização citada, que

é também o autor do referido editorial. Ele foi mencionado como rejeição de liderança, direta

e espontaneamente, por sete entrevistados (e, indiretamente, por outros dois).

Como, entretanto, esse indivíduo não foi pessoalmente investigado (nem por

entrevistas nem por escalas ou quaisquer outras formas de abordagem), não é possível aqui

aprofundar uma discussão que o envolva.

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355

B) A reunião de junho de 2012

Como foi apresentado na metodologia, a intenção nessa reunião foi avaliar o grau de

identificação que os indivíduos manifestariam frente à apresentação de “constelações” de

falas que se referissem a determinada categoria, identificada a partir das entrevistas. Foram

escolhidas cinco categorias entre as apresentadas anteriormente neste capítulo, para as quais

foi escolhido um conjunto de falas obtidas das entrevistas, consideradas pelo autor da tese

como as mais representativas das diferentes visões envolvendo uma mesma categoria.

Pela forma usada na apresentação, as categorias são chamadas “tópicos” de discussão.

Os tópicos foram: (i) o que é a liderança?; (ii) líder ou gestor?; (iii) como se identificar

um líder?; (iv) liderança e a sua relação com os interesses, com a independência do líder e

com uma possível “exploração” do líder pelos liderados; (v) o líder pode ser nato ou ele é

desenvolvido?

Para ganhar fluidez no texto e não forçar o leitor a rever trechos de falas que já foram

apresentadas e analisadas neste capítulo, a “constelação” de falas que foram retiradas das

entrevistas individuais, escolhidas para a apresentação na reunião, estão reunidas no

APÊNDICE B desta tese, organizadas por tópicos, na forma como foram apresentadas.

A reunião foi dividida em dois tempos: no primeiro, para não haver contaminação de

opiniões – como é usual em reuniões de grupo –, as impressões foram escritas, sendo que as

folhas, com as impressões escritas, foram entregues ao pesquisador e fazem parte do acervo

de documentos produzidos pela pesquisa; no segundo momento, foi solicitado aos indivíduos

que expressassem a sua impressão geral em relação a tudo o que foi apresentado. O indivíduo

era livre para escolher o que falar e não foram interditadas intervenções durante as opiniões de

cada um. Deve-se registrar que houve muito poucos apartes durantes as falas individuais.

Os comentários escritos pelos participantes, referentes aos trechos escolhidos das

entrevistas, e as falas anotadas durante a reunião, estão no apêndice B. Ao pesquisador

couberam as escolhas das observações para registro, dando preferência àquelas que, em sua

visão, se afastam do senso comum, com potencial para acrescentar algo à compreensão do

tema, nesse contexto.

Os aspectos mais relevantes reunidos a partir desse material serão utilizados no

próximo capítulo, no qual serão conduzidas as discussões referentes aos achados, orientadas

para se responder a pergunta que motivou a pesquisa – de modo resumido, o que é a liderança,

na ótica do grupo social escolhido para investigação.

Page 357: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

356

6 DISCUSSÃO

Enquanto o capítulo anterior precisou ser mais descritivo, e sob alguns aspectos

analítico, na organização dos dados, o capítulo atual procura ser mais sintético. Mesmo nas

passagens nas quais for necessário retomar a análise para aprofundar algum aspecto dos

dados, a tendência é que, ao final, seja realizada uma síntese das observações apresentadas.

Mas essa síntese não deverá “fechar” uma conclusão, pois a premissa é a de que na

abordagem proposta por T. Adorno o resultado final continua aberto, podendo sofrer

modificações a partir de acréscimos ou remoções de dados referentes ao objeto.

Recuperando o que foi apresentado na introdução a esta tese, a experiência do autor

com as relações de liderança – nos papéis de líder e de liderado – foi interpretada ao mesmo

tempo como congruente e incongruente com a teoria, admitindo existir algo de verdade tanto

na teoria apresentada pelo mainstream dos estudos sobre liderança como na dos autores de

orientação mais crítica. Em outros termos, apesar da teoria não se referir bem àquela

experiência, também não se podia dizer que ela era falsa – percepção que está de acordo com

o enquadramento da liderança como uma ideologia, como apresentado na seção 3.6.

O passo que se vai dar nesse capítulo é, de posse do material empírico organizado a

partir do objeto, cujo “invólucro” se buscou romper com a utilização dos diversos

procedimentos metodológicos apresentados, tensionar o que foi encontrado e a teoria

apresentada, buscando, além das contradições no objeto, os bloqueios relacionados ao que era

esperado, a partir da teoria. O objetivo final é responder ao problema da pesquisa:

considerando os indivíduos identificados como líderes em uma rede de organizações de

caráter associativo de um grupo profissional específico, o que é a liderança para esse grupo de

líderes?

Para organizar a sequência a ser seguida, serão revisadas algumas das escolhas

metodológicas e alguns caminhos já percorridos. Começando pelos grupos investigados: além

do senso comum – indivíduos que estão no exercício do papel de líderes – também foi

investigado o grupo formado por indivíduos que já estiveram no exercício desse papel, mas

que há algum tempo não estão – a maioria, sem perspectiva de voltar – escolhidos por

expressarem uma contradição interna nesse papel: um indivíduo identificado como líder hoje

pode ser identificado apenas como liderado em outro momento. Não estando mais nesse

papel, essas pessoas não seriam habitualmente escolhidas para participarem de uma pesquisa

sobre o papel de líder – aliás, dependendo do desenho da pesquisa, poderiam até mesmo ser

objeto de investigação em uma pesquisa voltada para investigar apenas o papel de liderado.

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357

Como foi apresentado no capítulo 2, a linha teórica assumida nesta pesquisa considera

o objeto social uma construção social, a qual, pela forma como foi construída, possui um

“núcleo temporal de verdade”, que poderá ser identificado nas relações entre os indivíduos. O

que quer dizer que, se a história é resultado das relações entre indivíduos, por outro lado são

as condições postas para a vida, frutos da história, que criam os limites para o comportamento

do indivíduo.

É nesse sentido que a personalidade, que se expressa no comportamento do indivíduo,

relaciona-se com as condições criadas pelo processo histórico. Dito de outra forma, como foi

apresentado na seção 3.4.3, em determinada condição histórica, e para determinado grupo

social, existem comportamentos que seriam esperados para os indivíduos que assumem

determinado papel social – os quais, como qualquer outro objeto social, trazem em si

contradições. Por outro lado, é possível encontrar, entre os comportamentos não esperados, as

sementes para lidar com algumas das contradições.

Como os trechos mais relevantes das entrevistas foram descritos no capítulo 5 de

modo muitas vezes extenso, neste capítulo as descrições tendem a ser mais sintéticas. Será

preciso também fazer referência frequente às tabelas já construídas para a organização dos

dados. Elas não serão repetidas aqui, mas para facilitar o acesso a elas será informado o

número da página para referência.

Em alguns momentos, o desenvolvimento de um conceito ou ideia pode demandar a

apresentação de uma fala ou conjunto delas em outro contexto ou considerando uma outra

disposição – ou seja, em uma outra constelação. Nesses momentos, será preciso reconvocá-las

para demonstrar o que está sendo discutido.

Considerando a base teórica escolhida para essa tese, não é apropriado esperar uma

estrutura linear de apresentação. O que se busca, como foi apresentado no capítulo 3, é manter

a visualização da inter-relação dialética existente entre os aspectos que forem surgindo da

discussão, fazendo também a referência de um achado com o apresentado em outras seções

diferentes, o que deve resultar em “figuras” que, vistas no conjunto, teriam como finalidade

evidenciar a proximidade constelatória dos objetos em estudo.

Se a contradição que se quer identificar está no conceito, será necessário explicitar os

conceitos relacionados ao tema da tese – o conceito de líder e o de liderança – e, durante o seu

desenvolvimento, ir identificando as contradições. Como a liderança se expressa a partir da

relação entre o líder e o liderado, a discussão vai buscar chegar aos dois grupos de líderes –

que estão no centro do problema de pesquisa – a partir das relações de liderança, na seguinte

sequência:

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358

A) Para abordar a liderança, serão quatro os pontos principais, considerando o que foi

identificado nas entrevistas, organizados à luz da teoria apresentada no capítulo 2:

a) A formulação do conceito;

b) a liderança em sua interface com as relações de poder;

c) a liderança e interesses; e

d) a liderança abordada no contexto da divisão social do trabalho.

O conjunto de resultados apresentados nessas seções será integrado dialeticamente a

uma quinta seção específica. O intuito é apresentar o entendimento do grupo social estudado

sobre a liderança e as suas contradições.

B) Para a abordagem do líder, são reunidos elementos que devem ajudar a identificar a

relevância de dois dos aspectos que, de acordo com a teoria, se relacionam com o indivíduo

que exerce a liderança: a sua história relacionada com a liderança, e a sua personalidade.

O sentido da discussão progride dos aspectos na história dos líderes (em atividade ou

não) que poderiam ter sido fatores moduladores da personalidade – que, de alguma forma,

poderiam ter exercido alguma influência na expressão social da liderança que será por eles

exercida – para a discussão dos fatores que constituem a expressão da personalidade do líder,

no momento histórico de suas vidas, no qual ocorreu a investigação. Ao final desta segunda

etapa, a intenção é terem sido reunidos elementos suficientes para que se possa apresentar

uma resposta ao problema de pesquisa.

C) Por fim, serão apresentados alguns dos aspectos levantados na teoria, que não puderam ser

observados entre os achados empíricos da pesquisa, buscando compreender o significado

dessa ausência – ausência essa que, em uma investigação sobre ideologia, pode ser eloquente.

A liderança é uma das situações para a qual podem existir expectativas sociais – as

quais, por sua vez, podem ser bem diversas, dependendo do ambiente social no qual ela vai se

expressar (modelo econômico, culturas nacional, regional ou organizacional, influências

religiosas, etc.). É por isso que não se pode deixar de registrar aqui que a discussão a ser

conduzida nas próximas seções possui validade apenas para o grupo social pesquisado. Ainda

que elas possam ser identificadas em outros grupos, de nenhum modo se propõe aqui uma

generalização dos achados, pois o desenho da pesquisa não perseguiu os critérios exigidos

Page 360: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

359

para uma tal generalização – além do fato de que é possível discutir os limites dentro dos

quais, para alguns temas, esse tipo de generalização poderia ser útil ou se seria sem sentido.

Por outro lado, há um universal no conceito de liderança, que deve ser encontrado no

grupo – e, cuja identificação, é um dos objetivos desta pesquisa.

Em todo o processo de discussão, o que se busca é identificar tanto o que os dados

revelam de modo positivo – o entendimento, evidenciado no dado – como as contradições que

nele puderem ser identificadas – o negativamente racional. A intenção é derivar dessa tensão,

sempre que possível, uma conclusão. Não uma síntese, nos moldes hegelianos, porque não se

pretende “fechar” uma conclusão, como em uma visão de sistema, mas deixá-la em aberto

para modificações que possam surgir a partir de novos dados ou novas visões sobre os

mesmos dados – ainda que, no momento no qual que ela é produzida, ela se apresente de

modo consistente em sua relação com o objeto.

Começa-se, então, pela primeira etapa proposta, envolvendo o conceito de liderança.

6.1 O conceito de liderança

A categoria que reúne os itens que se referem aos achados relacionados ao conceito de

liderança apresenta várias contradições que podem ser identificadas nas comparações tanto

entre itens como entre os achados. Este é um resultado que poderia ter sido antecipado quando

são considerados, na teoria, os autores que revisaram o conceito desde Stogdill (1974) ou os

que buscaram um conceito a partir de abordagens empíricas, como Bennis e Nanus (1988):

todos haviam verificado que o número de definições de liderança tendia a se aproximar do

número de entrevistados.

Durante a análise das entrevistas, foram identificados basicamente quatro aspectos

relacionados ao conceito de líder e de liderança: os esforços para a formulação do conceito;

nesses esforços, a aproximação, direta ou indireta, em relação ao conceito de relações de

poder; a identificação da relação do exercício do papel social da liderança com diversos tipos

de interesse; e, por fim, a identificação da liderança como sendo uma parte das atividades

existentes na divisão social do trabalho.

Apesar de interligados, esses aspectos do conceito de liderança surgem em momentos

diferentes das entrevistas e implicam também visões diferentes do exercício do papel de líder.

Por isso, serão abordados em seções diferentes. No entanto, por fazerem parte de uma mesma

constelação de conceitos – os referentes ao papel de líder e à relação de liderança – deverão

ser dialeticamente integrados, o que será conduzido em uma seção à parte das demais.

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360

Para isso, os primeiros esforços serão os desenvolvidos na formulação do conceito.

6.1.1 A formulação do conceito

Ao serem comparadas as características da liderança apresentadas por Yukl, Wall e

Lepsinger (1990) com os 11 itens da Tabela 12 (pág. 293) que apresentam as características

identificadas a partir das entrevistas, apenas o item VIII – a capacidade para formar equipes e

organizar o trabalho dos grupos – é comum aos dois. Se a comparação for realizada

utilizando-se os 23 itens apresentados nas Tabelas 17 e 18 (pág. 298) – os que representam as

características citadas para o líder – novamente apenas um item (o XVI: formar equipes e

organizar o trabalho dos indivíduos, que está diretamente relacionado ao item VIII da Tabela

12) é comum às duas.

Uma explicação para esse achado pode estar no fato de que o foco das características

de liderança apresentadas por Yukl, Wall e Lepsinger (1990) estava muito voltado para as

atividades de gestão, enquanto nos grupos estudados as atividades de gestão se confundem

com as atividades de representação. Nos dois casos, formar equipes e organizar o trabalho

coletivo são funções importantes de quem exerce o papel de líder – ainda que seja possível

considerar que alguns dos outros itens da Tabela 12 (pág. 293) identifiquem atividades que

também podem ser executadas pelo gestor, apesar de não terem sido citadas por Yukl, Wall e

Lepsinger (1990).

Ou seja, há incongruência entre a proposta dos autores que reuniram o maior número

de características relativas à atividade de liderar (YUKL; WALL; LEPSINGER, 1990) e os

achados de entrevista – o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela diferença de

visão sobre a liderança, relacionada às duas fontes.

Considerando as definições dos dois grupos pesquisados (líderes ativos e inativos), na

multiplicidade é possível encontrar pelo menos três núcleos comuns a algumas definições. A

forma utilizada na análise para encontrar esses “núcleos comuns” foi aglutinar as definições

de liderança em três grupos – apresentados na Tabela 14 (pág. 295). Esse mesmo processo foi

realizado para o que foi identificado como sendo as características do líder, reunidas nas

Tabelas 17 e 18 e aglutinadas na Tabela 19 (págs. 298 e 299).

A análise das duas tabelas de aglutinações (TAB. 14 e 19, págs. 295 e 299) revela uma

contradição: quando as características da liderança (TAB. 14) são avaliadas no contraponto

entre a “atenção com o liderado” e a “motivação interna do líder”, percebe-se que mais líderes

ativos possuem uma visão de liderança voltada para o liderado, enquanto a visão dos líderes

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361

inativos está mais concentrada em uma motivação interna, pessoal; quando as características

do líder são submetidas à mesma comparação (TAB. 19), essa distorção desaparece.

Para averiguar a possibilidade de que a distorção percebida na Tabela 14 estivesse

ligada às características de personalidade dos líderes, foi realizada a comparação entre os

fatores que caracterizam as personalidades nos grupos envolvidos em cada uma dessas visões

(atenção com o liderado versus atenção com os próprios interesses). Como foi apresentado na

Tabela 15 (pág. 296), o p-valor das medianas dos fatores envolvidos na personalidade dos

líderes não evidenciou diferença entre os dois grupos. O significado desse aspecto será mais

bem explorado na seção 6.2.2 em associação com os demais resultados referentes à

personalidade.

O que essa contradição indica é uma dificuldade na formulação do conceito a partir

das características da liderança e do líder. Como foi apresentado na seção 3.2, algumas

diferenças conceituais também podem ser identificadas na comparação entre o trabalho de

Burns (1978) – o qual, voltado para a liderança em geral, faz uma discussão muito apoiada

nas relações sociais e na liderança política – e a versão apresentada por Bass (1985, 1997),

que tem o seu foco muito voltado para a sua utilização nos estudos organizacionais. A

abordagem de Lasswell (1963), apresentada na seção 3.4.5, mais voltada para relações

políticas, mas a partir da ótica do indivíduo que se dispõe a participar dessas relações no papel

de líder, também pode ser utilizada como exemplo dessas diferenças conceituais.

Assim, considerando o discutido até aqui, uma primeira conclusão pode ser formulada:

apesar de poder ser evidenciada diferença no foco relacionado ao entendimento do que seja a

liderança (atenção com o liderado versus atenção com os próprios interesses), a caracterização

do conceito não é conclusiva, quando são comparadas as realizadas pelos líderes que estão em

atividade e as dos líderes que já não estão mais no exercício desse papel.

Outros aspectos também relacionados à formulação do conceito precisam ser mais

bem explorados. Essa exploração será conduzida a partir de três outras óticas: a percepção da

identidade entre conceito e conceituado pelos dois grupos de líderes; o conceito a partir da

vivência da liderança; e a percepção, por parte de quem a vivencia, de estar a liderança mais

relacionada a fatores inatos a algo que pode ser aprendido e desenvolvido.

A) A percepção da (não) identidade entre liderança e gestão

Esse aspecto pode ser explorado a partir do que foi apresentado nas Tabelas 21 e 22

(págs. 300 e 302). Ao consultar a Tabela 22 (pág. 302), infere-se que os indivíduos que estão

no exercício da liderança foram os que menos conseguiram verbalizar a diferença entre

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362

liderança e gestão (apenas um entre 17). Uma explicação para essa diferença pode estar no

fato de que, em uma organização associativa, a posição de liderança, ainda que fruto de uma

ação política, vai envolver a cúpula de uma organização em uma posição que, por força

estatutária, envolverá também atividades de gestão.

Indivíduos que já ocuparam esses papéis, mas que, no momento da pesquisa, se

encontravam na posição de liderados e, portanto, menos envolvidos com as obrigações

administrativas das organizações podem se encontrar em uma posição que facilite a percepção

da diferença entre liderar e fazer gestão, enquanto a mescla das funções para os que estavam

no exercício do papel de líder pode ter dificultado a detecção dessas diferenças.

Ao analisar a Tabela 22 (pág. 302), nota-se que o mesmo número de líderes ativos e

inativos – nove pessoas, o que é mais do que a metade nos dois grupos – localiza a liderança

no indivíduo que é líder. No entanto, apenas um líder ativo verbaliza a diferença entre liderar

e fazer gestão, enquanto quatro líderes inativos fazem bem a diferenciação. Essa observação

está ligada ao que foi apresentado na Tabela 21 (pág. 300): a distribuição de frequências

mostra a tendência dos indivíduos que estão no exercício da liderança a apresentar dúvidas na

formulação do conceito – somente cinco entre os 16 líderes ativos formulam com certeza o

conceito de liderança, enquanto entre os inativos o dobro de indivíduos (10 dos 17

entrevistados) demonstrou mais segurança na formulação.

Ter dificuldade para formular um conceito não significa necessariamente

desconhecimento do conceito – principalmente quando a dificuldade é apresentada por quem

vivencia na prática a situação envolvida no conceito. A dúvida, nesse caso, pode ser a

expressão da percepção das contradições envolvidas no conceito.

Assim, como conclusão, nas Tabelas 21 e 22 (pág. 300 e 302) apurou-se que:

a) Não estar no exercício da liderança de um grupo social pode ser um facilitador para a

percepção das diferenças envolvidas no exercício da liderança e as atividades de

gestão de uma organização;

b) estar no exercício da liderança de um grupo social pode ser um facilitador para a

percepção das contradições envolvidas no conceito de liderança.

Essas conclusões ainda precisam ser aferidas por outros dados.

B) A relação entre o conceito e a experiência da liderança

As conclusões anteriores revelam a necessidade de aprofundar a exploração da relação

entre o conceito e o fato objetivo do exercício da liderança, usando outras abordagens. A

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363

primeira será a análise das respostas ao questionamento direto sobre o que é um líder e o que

é a liderança. A outra será pela análise sobre o entrevistado considerar-se ou não um líder.

(i) O questionamento sobre o que é ser líder e o que é a liderança

Os dados para a análise das formulações sobre o que é ser líder e o que é a liderança

foram apresentados nas Tabelas 12, 13, 14, 15 e 16 (págs. 293, 295, 296 e 297). Quando os

itens apresentados na Tabela 12 são reorganizados na Tabela 14, chama a atenção a inversão

na frequência de ocorrências entre líderes ativos e inativos, quando se aglutinam os conceitos

relacionados à expressão de uma atenção com o liderado e os que expressam motivações

internas do líder para assumir papéis de liderança.

Pode ser útil buscar algum fator de diferenciação entre os dois grupos de líderes

(ativos e inativos), não no indivíduo que é líder, mas nas suas relações de liderança – o que

mostra a necessidade de se considerar aqui também o liderado. Como o indivíduo que é

apenas liderado não foi objeto de investigação, para acesso a essa informação será aqui

considerada a manutenção do líder nesse papel, o que é feito pelos liderados, uma vez que as

posições de liderança no grupo estudado envolvem um processo político-eletivo.

Como pode ser observado na Tabela 14 (pág. 295), os líderes para os quais o conceito

de liderança envolve atenção voltada para o liderado tendem a permanecer nesses papéis,

quando comparados com os que têm a sua atenção voltada para motivações próprias.

Essa visão está de acordo com o proposto por Meindl (1995) sobre ser a liderança uma

construção e uma representação dos seguidores. Isso também pode ajudar a explicar as

diferenças conceituais observadas entre os trabalhos que avaliam a liderança na estrutura de

uma organização quando comparados com os que a abordam em associações de indivíduos

cuja escolha se dá a partir de uma modalidade que lhe confere caráter político eletivo.

Já foi constatada, anteriormente, incongruência entre as características da liderança

citadas por Yukl, Wall e Lepsinger (1990) e as identificadas nas entrevistas no grupo social

pesquisado. E a Tabela 16 (pág. 297) reafirma a inversão de frequências entre líderes ativos e

inativos, se a comparação se refere à ótica que agrupa os itens entre o que se pode chamar de

“liderança tradicional” e a “nova liderança”. Apesar de serem visões contraditórias sobre o

exercício da liderança, elas representam a constelação de visões efetivamente existentes no

grupo, as quais expressam as contradições próprias do conceito de liderança, na forma como

ela é vivenciada nas relações sociais – pelo menos do grupo estudado.

As conclusões às quais se pode chegar a partir da análise de todas essas tabelas são:

Page 365: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS … · TABELA 11 - Distribuição de frequência dos tipos de liderança para os dois grupos ...

364

a) A formulação do conceito de liderança expressa a forma como o líder se posiciona na

relação, revelando estarem os seus interesses mais voltados para suas motivações

pessoais ou mais voltados para uma atenção com os liderados;

b) existe mais frequência de indivíduos mantidos em posições de liderança pelos

liderados quando ele apresenta uma visão sobre a relação de liderança mais voltada

para a atenção com o liderado ou quando a conduz dentro do que a literatura do

mainstream caracteriza como a “nova liderança”.

(ii) Se o líder entrevistado se considera ou não um líder

Outra forma de investigar a relação entre o conceito e a vivência é explorar um aspecto

de ocorrência espontânea em algumas entrevistas, que é o que diz respeito ao entrevistado se

considerar ou não um líder – cujos resultados foram apresentados na Tabela 24 (pág. 305).

A primeira observação sobre as informações dessa Tabela diz respeito ao fato de que a

metade dos indivíduos dos dois grupos (ativos e inativos) não põe em dúvida essa questão.

São líderes, mesmo que não estejam no exercício da liderança, como é o caso dos líderes

inativos. E também que o mesmo número de entrevistados (três indivíduos em cada grupo de

líderes) se considera líder, mesmo que eles tenham sobre isso algumas ressalvas. Dois

exemplos de ressalvas são: saber que efetivamente exerce a liderança, mas não saber se tem o

perfil, por exemplo, de presidente; e considerar-se mais gestor do que líder, ainda admitindo

que seja viável a coincidência entre os dois papéis nas organizações envolvidas.

A discussão a ser conduzida na seção 6.2 vai mostrar que não há contradição no fato

de pessoas que não estão no exercício da liderança – mesmo que há muito tempo – se

considerarem líderes, quando a sua ótica está voltada ou para a sua história de vida ou para

atributos que ele identifica em sua personalidade. A contradição pode estar no conceito e não

no fato, da seguinte forma: para o senso comum, líder é quem está no exercício da liderança.

Entretanto, ter exercido em algum momento esse papel já não seria suficiente para mostrar

que existem atributos de líder no indivíduo?

Essa é uma pergunta que vai exigir a reunião de outras evidências da pesquisa para

que se possa buscar formular uma resposta – tarefa a ser conduzida na seção 6.2.

Mas, a despeito desse questionamento, houve uma contradição no fato do exercício da

liderança: conforme a Tabela 24 (pág. 305), há um líder ativo que, apesar de um histórico

prolífico de posições de liderança, não se considerava um líder. O seu próprio discurso estava

marcado por contradições:

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365

(15) Eu acho assim... muito difícil é... eu... me considerar líder, porque assim é... é...

se você for analisar eu sou um líder [...] isto é, acho que tem pessoas que são

talhadas para isso, querem isso, procuram isso, né? [...] Outras, como no meu caso,

acho que a liderança veio de maneira indireta, parece que você está disponível para

exercer esses papéis.

Nesta segunda última fala, a diferença que o entrevistado marca entre ser líder ou não

está no uso dos verbos “procurar” e “estar disponível para”. Mas, quem está disponível para

liderar já não estaria se considerando em condições para o exercício do papel – e, portanto, se

considerando (até mesmo procurando ser) um líder?

Quando essa fala foi apresentada para análise para todo o grupo de líderes – que

incluía o próprio entrevistado (15) –, algumas ponderações entre os líderes ativos foram:

(2) As falas vão no sentido de “eu não queria... me colocaram lá”. Não acredito

nisso. As coisas são consequenciais, portanto, quem participa necessariamente

assume posições. Dizer “eu não queria” é uma forma de colocar a liderança como

sacrifício, quando ninguém é líder por acaso.

Essa percepção também foi identificada na entrevista do líder ativo (20), o qual,

tentando elaborar seu discurso sobre se a liderança envolve mais aspectos próprios do

indivíduo ou oportunidades situacionais, reporta que “você sai, se mostra e isso é uma coisa

meio instintiva, né?” O que as duas falas citadas demonstram é o entendimento dos

entrevistados de que o indivíduo pode até dizer que não quer ser líder, mas suas ações vão no

sentido de facilitar a sua identificação como tal.

Entre os inativos, o exemplo é o entrevistado (5): “na maioria das vezes reconhece-se

um líder por ele já ser considerado líder. Não é predição, é constatação”. Esse último trecho

da fala está de acordo com o que pode ser confirmado nas Tabelas 29 e 30, nas quais apenas

são citados, tanto como exemplo de liderança como de sua rejeição, líderes que estão em

atividade. Por exemplo, esse mesmo entrevistado (5), junto com os líderes ativo (21) e inativo

(30), citam o líder inativo (34) como uma influência importante em suas histórias de

liderança, mesmo estando esse líder inativo afastado dos papéis de liderança há muitos anos.

Mas ele não será lembrado ao final da entrevista, quando os entrevistados são

estimulados a dar exemplos de líderes que estariam congruentes com o seu conceito e de

indivíduos que, mesmo estando no exercício da liderança, não se enquadrariam no seu

conceito. O mesmo acontece com o líder em atividade (31) que, no início de sua entrevista,

durante o relato de sua história de liderança, menciona como influência o entrevistado (8), que

é líder inativo, o qual também não será referido ao final nem como exemplo nem como

rejeição de liderança.

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366

O único líder inativo citado – o entrevistado (26) – o foi na entrevista com um líder

ativo, no momento em que ele levantava a possibilidade de o entrevistado (26) voltar a

assumir posições de liderança. Portanto, ainda de acordo com a ideia de que a identificação de

um indivíduo como líder depende de ele ser contextualizado como tal, no momento da

lembrança.

Voltando às falas nas quais o líder coloca em dúvida sua condição de líder, o

entrevistado (31) anota a respeito que:

o líder, ao falar de si mesmo, exprime uma modéstia falsa, relutando em admitir o

desejo de ser líder. Ora, ninguém é ungido a líder e aquele que nega a pretensão,

principalmente após sê-lo, faz uma representação caricata.

Talvez não se trate de falsa modéstia, mas de mecanismos ligados ou à representação

simbólica da liderança ou aos mecanismos de identificação abordados na seção 3.4.2.3 –

como é sugerido por uma fala posterior do já citado entrevistado (15):

“É... eu... eu tenho muita dificuldade em... em aceitar liderança. Talvez seja por isso

que eu nunca tenha, deliberadamente, procurado ser líder de alguma coisa”52

.

Esta última fala ressalta não só um tipo de motivação para o indivíduo buscar o

exercício da liderança, numa ótica dialeticamente negativa, como afirma o apresentado na

seção 3.4.2.3 – ou seja, que a não identificação pode ser tão importante quanto a

identificação, sendo os dois aspectos pontos opostos de um mesmo conceito (pois só é

possível não se identificar com o que, de alguma forma, já foi identificado...).

Isso também tem relação com uma das conclusões de Bresnen (1995), de que:

A análise sugere algum suporte para a noção de que os indivíduos constroem as suas

próprias “teorias implícitas de liderança” através das quais eles interpretam e julgam

(usualmente por suposição) as atitudes, ações e decisões dos líderes (BRESNEN,

1995, p. 509)

Associando os achados de entrevista apresentados à citação de Bresnen (1995) e ao

apresentado nas seções 3.4.7 e 3.4.2.3, nas quais foram abordados o processo de identificação

e a influência da personalidade do liderado, é possível concluir que:

52

Não é possível aprofundar a análise dessa fala baseado na teoria freudiana, uma vez que as condições de

abordagem em uma entrevista não são as mesmas que as que ocorrem em uma relação acordada entre analisado e

analista. Mas, é possível considerar, usando alguns elementos como a identificação e a projeção, apresentados na

seção 3.4.2.1, que talvez seja justamente a dificuldade em aceitar a liderança que tenha feito com que o

entrevistado (15) tenha “se colocado à disposição” (ou, inconscientemente, procurado) ser líder de tantas coisas.

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367

a) Os achados revelam a importância da vivência do líder como liderado para o

estabelecimento das relações de liderança;

b) apesar de não ser condição necessária estar no exercício da liderança, isso aumenta a

possibilidade do indivíduo ser identificado como líder, positiva ou negativamente. A

condição contrária também se aplica: não estar no exercício da liderança aumenta a

possibilidade de o indivíduo com longo histórico de liderança não ser identificado

como líder.

Esses aspectos evidenciam a importância dos mecanismos sociais para as relações de

liderança (como os apresentados nas seções 3.4.1.4, 3.4.2.3, 3.4.2.4), a despeito de

facilitadores individuais, inatos ou desenvolvidos, porventura existentes. Isso demanda a

exploração de outro aspecto do conceito sobre ser a liderança algo inato ou desenvolvido – o

que, afinal, é a grande questão com que também se defronta o mainstream, desde a teoria dos

traços até a “nova liderança”.

C) A liderança é inata no indivíduo ou pode ser desenvolvida?

Quanto a ser a liderança algo inato (o que indicaria características individuais, como a

personalidade) ou desenvolvido no indivíduo (TAB. 23, pág. 303), nenhum dos líderes em

atividade a considera algo exclusivamente inato, sendo que, para aproximadamente um terço

deles (seis de 16 entrevistados, ou 37,5%), mesmo que haja algum aspecto inato, o líder

deverá passar por um processo de aprimoramento se quiser ser bem-sucedido. Um exemplo

disto é apresentado pelo entrevistado (20), do sexo masculino, com longo trajeto de

presidências e outras posições de liderança, para quem:

Isso aí é um traço de personalidade mesmo, um traço pessoal que... não é aleatório.

[...] agora, eu não acho que isso é exclusivo, eu acho que tem outras coisas que

somam nisso [...] eu acho que tem essas coisas, né, de um traço pessoal, tem uma

história, tem um momento que você está inserido e tem a oportunidade que aparece

na sua vida e você pega, como eu não peguei outras.

Entre os três líderes inativos que a consideraram como algo apenas inato, apenas um

teve um longo trajeto de liderança. Ou seja, dos achados de entrevista pode-se concluir que a

grande maioria dos indivíduos do grupo social estudado, que vivenciam o exercício da

liderança ou que tiveram longa experiência com a liderança no passado, tende a identificar

que o exercício da liderança demanda mais do que habilidades inatas – ainda que estas

possam eventualmente existir.

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368

Neste ponto já se têm elementos suficientes para reunir os achados empíricos

referentes ao conceito. Nessa reunião, buscou-se evidenciar os contrapontos ou as

contradições presentes em cada item – e não entre eles –, apresentando-os da seguinte forma:

a) O conceito de liderança não é algo que é compreendido de forma homogênea, mesmo

quando se considera a liderança exercida dentro de um mesmo grupo social. Sua

concepção é influenciada pelo seu foco – interesses pessoais do líder ou mais voltados

para atenção com os liderados ou, ainda, uma relação mais próxima da “liderança

tradicional” ou da “nova liderança” –, sendo que essa diferença pode facilitar ou

dificultar a sua manutenção em posições de liderança. Essa relação entre a liderança e

os interesses do líder será mais bem explorada na seção 6.1.3;

b) estar no exercício da liderança pode facilitar a percepção de que o conceito não

consegue capturar o que ela é exatamente, mas pode dificultar a formulação de

diferenças presentes no conceito – como a diferença entre liderar e fazer gestão;

c) essa dificuldade pode estar ligada à mescla, nas organizações onde se encontram os

líderes investigados, de funções representativas com funções de gestão. Indivíduos que

apenas vivenciaram o papel de líder como gestor de uma organização podem tanto ter

mais dificuldade para perceber diferenças entre os dois papéis – o de líder e o de

gestor – como a ter mais dúvidas para formular o seu conceito de liderança;

d) O fato de estar vivenciando na prática as dificuldades para o exercício do papel de

líder de um grupo social pode facilitar a percepção de que, se existe algum fator inato

(como a personalidade) como facilitador para o exercício desse papel, também haverá

um componente ainda mais relevante de aprendizado e desenvolvimento pessoal para

o seu exercício efetivo;

e) apesar de não ser essa uma condição necessária, estar no exercício da liderança

aumenta a possibilidade de o indivíduo ser identificado como líder, positiva ou

negativamente. Isso também se aplica à condição contrária – não estar no exercício da

liderança aumenta a possibilidade de um indivíduo com longo histórico de liderança

não ser identificado como líder;

f) o fato de um indivíduo que exerce o papel de líder não se considerar líder pode estar

mais relacionado a fatores ligados aos mecanismos de identificação (ou de não

identificação) com outros líderes do seu grupo social do que as dificuldades na

formulação do conceito – o que vai implicar a importância de se considerar

características do liderado tanto para o processo de identificação como para a

formulação do conceito.

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369

Esta última conclusão demonstra uma tensão dialética entre o indivíduo que lidera e a

relação de liderança, que vai envolver o liderado. Além dos aspectos próprios do indivíduo

que lidera, que serão abordados na seção 6.2, ela pode ser explorada também pelo estudo que

envolve a liderança e o exercício do poder – o objeto da próxima seção.

6.1.2 Liderança e relações de poder

A relação entre liderança e poder foi tratada na teoria de modo mais direto na seção

3.5.2. Entretanto, como será apresentado na sequência, ela também faz uma interface com o

narcisismo, discutido na seção 3.4.2.2, uma vez que, de acordo com Kernberg (1979):

Porque as personalidades narcisistas são frequentemente motivadas por necessidades

intensas de poder e de prestígio a assumir cargos de autoridade e de liderança, os

indivíduos dotados dessas características encontram-se muitas vezes nos altos cargos

de liderança (KERNBERG, 1979, p. 33).

Isso coloca a relação de poder no núcleo das discussões sobre relações de liderança.

Essa posição, entretanto, não está clara para a maioria dos entrevistados – o que pode

ser depreendido pela identificação de uma contradição a partir da análise do material,

relacionada com as conceituações produzidas: durante as entrevistas, quando solicitado a

apresentar um conceito de liderança, nenhum dos entrevistados fez referência direta à relação

entre a liderança e o exercício do poder. Entretanto, essa relação é estabelecida de forma

imediata e espontânea quando a lógica é invertida: na reunião de líderes de junho de 2010,

quando solicitados a registrarem a sua definição de “poder” – e não a de liderança –, a maioria

dos participantes (muitos dos quais foram posteriormente selecionados para as entrevistas)

estabeleceu espontaneamente essa relação – como apresentado na seção 5.5.2.

As referências ao poder foram imediatas, em alguns casos, e em outros mediadas por

conceitos como os de influência,– a qual, como foi visto na teoria, está na base do conceito de

liderança para alguns autores – ou de capacidade para alterar ou mudar a realidade. Essas

noções foram também utilizadas por muitos dos entrevistados quando da sua formulação do

conceito de liderança.

Assim, a pergunta que se impõe é a seguinte: apesar do nítido imbricamento entre os

discursos sobre o poder e sobre a liderança, por que essa relação não surge de modo imediato

quando se conceitua a liderança?

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370

Para buscar responder a essa pergunta, a discussão em seguida será conduzida a partir

de três óticas diferentes:

a) A relação com o exercício do poder estabelecida a partir da discussão de liderança;

b) a relação entre a liderança e o exercício do poder mediada por verbos que exprimem

uma ação sobre a realidade – como os verbos “fazer”, “executar” e “mudar”;

c) a relação com liderança identificada a partir da discussão sobre exercício do poder.

A) A relação com o exercício do poder a partir da discussão sobre liderança

Durante as entrevistas, quando foi solicitado ao entrevistado que caracterizasse a

liderança, nenhum deles – nem entre os líderes ativos nem entre os inativos – citou o exercício

do poder como uma de suas características, como pode ser observado pelo resultado

apresentado na Tabela 12 (pág. 293).

No entanto, quando estavam sendo abordados outros temas – como a relação entre

liderança e interesses, que será apresentada na próxima seção 6.1.3 –, a relação entre liderança

e poder surgiu espontaneamente, ainda que apenas em dois dos entrevistados: os identificados

com os números (5) e (30), ambos líderes inativos.

Essa relação é significativa em dois aspectos:

a) Como pode ser observado em outros momentos desta discussão, é entre os líderes

inativos que têm identificadas percepções sobre liderança que mais tem se afastado do

senso comum;

b) mostra a relação percebida entre a liderança, o poder e a existência de interesses

pautando essa relação, por aqueles que falam de liderança fora do senso comum.

Como esse aspecto será abordado de modo mais extenso na seção 6.1.3, fica aqui neste

momento registrado para referência futura.

B) A relação entre a liderança e o exercício do poder mediada por verbos que exprimem uma

ação sobre a realidade: como os verbos “fazer”, “executar” e “mudar” – os quais, de alguma

forma, fazem referência à ideia de gestão

Em uma leitura cuidadosa dos 11 itens que identificam as características da liderança,

extraídos das entrevistas e apresentados na Tabela 12 (pág. 293), é possível identificar uma

noção de ação volitiva implícita em itens como os V e VI, expressa pelo uso dos verbos

“fazer”, “executar” e “mudar” (a realidade).

Nos escritos das reuniões, nos quais se pode observar a relação entre poder e liderança

(que será abordado no item C), a palavra “capacidade” foi utilizada por muitos dos

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371

participantes – apenas para exemplificar, o líder inativo (26) poder: “capacidade de

influenciar pessoas; o líder inativo (6) poder: “capacidade de decidir com autonomia sobre

minha própria vida e influenciar as decisões coletivas”; e o líder inativo (b) poder:

“capacidade de obter o que se deseja ou grau de influência nas diferentes circunstâncias”.

Também na interpretação dos discursos sobre o que é a liderança para formar um item

a palavra “capacidade” estava associada a mais da metade destes – a seis dos 11 itens. Ou

seja, na maioria das definições, é possível observar, explicita ou implicitamente, a recorrência

da associação da liderança com a capacidade de (ou para) realizar algo.

O termo capacidade, de acordo com o dicionário Houaiss e Villar (2001), possui

outras conotações além das relacionadas a “volume”. Para o contexto desta discussão, as mais

significativas são: poder de produção, de execução; habilidade física ou mental de indivíduo,

aptidão, perícia; faculdade ou potencial para lidar com sentimentos e experiências; e

conotações jurídicas, que se referem à aptidão legal para o exercício de direitos e deveres.

Além da citação direta do poder, dois dos outros termos citados, além de serem

importantes para a compreensão das conotações, reforçam o objeto de nossa discussão:

a) A “aptidão”, que no mesmo dicionário tem a conotação de “requisitos necessários ao

exercício de determinada atividade”, referindo-se a aspectos que podem ser próprios

do indivíduo – e que serão discutidos na seção 6.2.2, no âmbito da relação entre

personalidade e liderança – ou adquiridos por experiência ou aprendizado, como serão

discutidos na seção 6.2.1 deste capítulo;

b) “potencial”, termo que é relativo à “potência”, a qual, de acordo com o mesmo

dicionário Houaiss e Villar (2001), é “característica do que é potente, poderoso, forte;

poder, força.

Etimologicamente, o termo deriva de potentia, “força, poder, autoridade, influência,

eficácia, capacidade, violência (da natureza)”. Portanto, carrega uma noção que se relaciona

ao poder, o qual é citado na primeira conotação (poder de produção, de execução).

Em resumo, o sentido atribuído pelas definições produzidas ao conceito de liderança,

reunidas na Tabela 12 (pág. 293), é o de expressar uma impressão pessoal de quem exerce ou

já exerceu esse papel, de que de alguma forma o exercício da liderança envolve ou vai

envolver o poder de realizar algo que, fora do papel de líder, o indivíduo poderia ter alguma

dificuldade de realizar. Essa interpretação tem mais sustentação quando se analisa o

produzido no sentido inverso: a relação com a liderança, que surge quando o que se discute é

o poder.

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372

C) Relação com liderança estabelecida a partir da discussão sobre exercício do poder

Na análise do material, é possível identificar essa relação em três formas principais:

(i) Uma relação mediada pelo exercício da força ou pela participação na estrutura. Os

exemplos serão discutidos separados para cada tipo – o da força e o da estrutura.

a) O exercício do poder pela força (noção que está relacionada à definição de

potência). Exemplos desse tipo: o indivíduo (f), líder em atividade:

poder: é a capacidade... para a realização dos seus desejos, impor sua opinião ou

executar suas vontades.

E, nas entrevistas, o indivíduo (12), líder ativo:

[...] tem muito nego que... que pra ser líder ou pra aparecer como tal, ele tem que

demonstrar força, né? E ao passo que a liderança boa mesmo não precisa de força.

Você vai atrás do sujeito sem ele ter essa força, né... é... física ou sei lá que nome dá

pra isso [...].

Fica subentendido que esse entrevistado (12) – o qual, por sinal, foi o único líder ativo

que, na Tabela 22 (pág. 302), explicitou a diferença entre liderar e fazer gestão – deve ter

vivenciado a liderança, em seu meio social, sendo exercida pela força física ou qualquer outro

tipo que ele não soube definir bem (Coação moral? Ameaças? Chantagem? Ele mesmo não

define). De qualquer forma, apesar da relação entre liderança e o exercício da força serem

estabelecidas por líderes que estão em atividade, eles representam a minoria em seu grupo.

b) Exercido na estrutura (ou relacionado com à hierarquia) – em que o poder refere-se

à posição do indivíduo em uma estrutura. Os exemplos são o indivíduo (h), líder inativo:

poder: no plano individual, capacidade de realização. No plano social, posição

hierárquica;

Entre os entrevistados, tem-se, entre os líderes ativos, o entrevistado (10):

me colocou como coordenadora de (um setor) [...] com isso fui procurar cursos no

mercado de liderança.

Entre os inativos, o entrevistado (14),

eu não tinha muito contato com essa questão de gestão, essa questão de líder, né?

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373

Essas relações envolvendo força e hierarquia estão na base das discussões teóricas

sobre o poder apresentadas na seção 3.5.2. O exercício da força é algo que pode ser

identificado já em trabalhos mais antigos, como os de Hobbes, Locke e Hume (ou seja, num

quadro histórico que se pode chamar de protoburguês), enquanto o poder exercido a partir da

estrutura tem sua origem referida nos trabalhos de Max Weber, entre o final do século XIX e

o século XX, mas baseado em exemplos mais antigos, que incluem a Igreja e os exércitos.

Como foi visto no capítulo 3, essa é uma visão que persiste de modo mais ou menos

tranquilo até a década de 1970, quando novas perspectivas com foco nos indivíduos e nas

relações entre eles – posteriormente denominadas pós-estruturalistas e críticas – são

incorporadas ao debate.

De acordo com o apresentado na Tabela 22 (pág. 302), para um número significativo

de indivíduos entrevistados (sete líderes ativos e seis inativos), a noção de liderar está

diretamente relacionada à participação do indivíduo na estrutura de algum tipo de

organização. E, ainda mais significativo: apenas um líder em atividade explicita a diferença

entre liderar e fazer gestão. Isso mostra que, ainda que o líder identifique algo que diferencie

os indivíduos que assumem o papel de líder daqueles que assumem prioritariamente o de

liderados, a estrutura que define esses papéis ainda é considerada bastante relevante para o

estabelecimento da relação. Em outras palavras, para esses indivíduos ser líder é buscar o

acesso a essas posições na hierarquia das organizações.

(ii) Relação direta, imediata, da liderança com o exercício do “poder”: aqui a liderança

é vista quase que como um sinônimo de poder. Nesse sentido, o conceito pode se confundir

tanto com as formas mediadas, abordadas no item (i), como com a forma indireta, com base

no exercício da influência, que será o objeto de discussão do item (iii).

São exemplos nas definições de poder, entre os líderes ativos:

(31) sou, como qualquer pessoa, parte do poder coletivo. Posso, em determinado

momento, estar à frente de um grupo como líder...;

(16) “poder: ordenamento e condução. Liderança e convencimento”;

Ou, ainda, entre os participantes das reuniões:

(a) poder: capacidade recebida/adquirida em relação ao grupo social de influir nas

decisões. Eu exerço poder em vários ambientes em que tenho liderança;

(c) “poder: é a capacidade de liderar pessoas...”;

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374

(g) poder: está ligado ao exercício da liderança sobre grupos ou a massa.

Os indivíduos que estabelecem essa relação direta não fazem diferença entre os dois

termos, tratando-os ou como algo próximo de um sinônimo – como no entrevistado (16) – ou

como a expressão prática de um conceito teórico – como nos indivíduos (a), (c) e (g).

Considerando que são indivíduos que possuem a vivência da liderança, tanto no papel de

liderados como no de líderes, essa relação estabelecida não deve ser considerada irrelevante.

Em outros termos, para esses indivíduos liderarem vai significar o exercício do poder

sobre pessoas ou sobre grupos de pessoas. Essa correlação não é uma novidade para a teoria:

deve-se lembrar aqui que, ao estudarem as mais de 350 definições de liderança produzidas até

a década de 1980, Bennis e Nanus (1988) identificaram, em comum entre todas, apenas a

correlação estreita entre os dois conceitos – os de liderança e de poder.

Como foi apresentado na seção 3.5.2, essa noção também pode ser identificada, de

forma não direta, em teóricos mais antigos do poder, como Maquiavel e Hobbes (CLEGG,

2002). Como Hobbes é aludido por Clegg (2002) como o autor que, por intermédio de Hume

e Locke, está na origem de desenvolvimentos posteriores para as noções mais contemporâneas

sobre o poder no Ocidente, não é de estranhar o estabelecimento dessa relação em nosso meio.

Também como apresentado na seção 2.2.3.5(A), para Hobbes a dominação tinha como

fundamento a condição constitutiva do homem – não considerando que essa condição podia

ser explicada pelas condições históricas e materiais que a determinam. Nesse sentido,

voltando ao discutido na teoria (ADORNO, 1971), ela era ideológica.

A ideologia, a partir do que propõem Adorno (1971, p. 193), “em sentido estrito, se dá

onde regem relações de poder não transparentes em si mesmas, mediatas e, nesse sentido,

inclusive atenuadas”. Assim, é possível considerar que, para autores que escrevem num

cenário social marcado pela estrutura feudal de poder, a relação entre o poder e o que hoje

identificamos como sendo o líder – na época, o soberano ou um nobre, dependendo de onde a

relação de poder é visualizada – não era algo que precisasse ficar mascarado pelo discurso: ela

era, em uma ótica positivista, um dado da realidade. Nesse contexto histórico, uma

abordagem que não considerasse óbvio o poder absoluto do soberano poderia ser interpretada

como crime de lesa majestade e o autor poderia pagar com a vida por isso.

Nessa linha se encontra a abordagem de Gordon (2002), que considera o contexto

histórico das relações de poder para a compreensão das relações de liderança. E, tendo o

panorama temporal e social no qual ocorrem as relações de liderança dentro do grupo social

estudado nesta tese, parece que não há por que não reconhecer que, pelo menos para uma boa

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375

parcela dos indivíduos entrevistados, está-se lidando com o exercício do poder. Isso se dá no

grupo social estudado, que é o de pessoas que estão ou estiveram no papel de líderes e cujo

discurso está dirigido para outras pessoas que estão identificadas com o exercício desse

mesmo papel social. Pode-se, inclusive, questionar se o discurso seria o mesmo se estivesse

direcionado para os liderados. O discurso, então, surge aqui como um aspecto relevante na

relação entre o poder e a liderança, como discutido na seção 3.5.3 (E).

O próximo passo envolve a análise do outro tipo de relação, menos direta, mais sutil e

que faz alguma interface com o discurso, que é a estabelecida a partir da influência.

(iii) Relação indireta, em que o poder está ligado ao conceito de influência: a

influência é apresentada em sua primeira conotação por Houaiss e Villar (2001) como o

“poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou

de autoritarismo”. Nesse sentido, não só está dentro do contexto desta discussão, que é o da

relação de poder, como também se coloca em contraponto com a primeira forma discutida,

que é a do poder mediado pelo uso da força. É nesse item que podemos incluir o discurso

como instrumento para o exercício do poder, uma vez que é o instrumento mais utilizado

“sem aparente uso de força ou de autoritarismo”.

Alguns dos exemplos diretamente relacionados à influência, apresentados na seção

5.4.2, são aqui reunidos para tornar claro o argumento. Entre os líderes inativos:

(26) poder: “capacidade de influenciar pessoas”;

(6) poder: “capacidade de decidir com autonomia sobre minha própria vida e

influenciar as decisões coletivas”;

(b) “poder: capacidade de obter o que se deseja ou grau de influência nas diferentes

circunstâncias”;

(d) “poder: ter poder significa fazer suas ideias prevalecerem e influenciarem o

cotidiano de um povo, de um grupo numeroso”.

A influência, nos estudos sobre liderança, é citada por inúmeros autores na própria

definição do que seja a liderança. Na discussão conduzida na seção 3.4.1.4, foi apresentado

que as primeiras abordagens mais sistematizadas sobre influência e liderança podem ser

identificadas na teoria da troca entre líder e liderado (LMX), de Graen (1976). Isso significa

que, do ponto de vista conceitual, ela pode ser enquadrada no que Bryman (2009) chamou de

“abordagens tradicionais”, em contraponto com a “nova liderança”.

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376

Dessa forma, visando ao agente e à estrutura, o poder é tido como algo “natural”,

resultado de uma ação do agente A sobre B – ainda que determinada pela estrutura. O poder

exercido por quem deveria estar no papel de liderado é considerado disfuncional e chamado

por alguns autores de orientação funcionalista de “poder ilegítimo”.

Para autores de orientação pós-estruturalista, o poder está relacionado às práticas

discursivas, como foi apresentado na seção 3.5.2, e a influência é exercida pelo discurso. É

nesse sentido que se relaciona com a liderança, como apresentado na seção 3.5.3 (E).

Na presente pesquisa, são muitos os exemplos que podem ser utilizados para

relacionar o discurso à liderança, o que vai permitir explorar aspectos diferentes do tema.

Algumas falas, por exemplo, revelam as contradições internas que envolvem o exercício do

poder pelo discurso – como a do líder ativo (3), com várias presidências e outras posições de

liderança no grupo e que, em um momento da entrevista, refere-se à liderança mais

“democrática” que procura exercer dizendo que “não sou de oratória, não sou político desse

tipo, não faço... a minha política era a gente fazer esse trabalho...” e, mais à frente na

entrevista, “quer dizer, eu tenho que convencer as pessoas a participar daquela ideia, certo?”.

Ou seja, mesmo não valorizando a oratória, ele sabe que de alguma forma vai ter que

convencer as pessoas – e o recurso utilizado para isso será o discurso.

Uma outra ótica pode ser apreendida na entrevista do líder ativo (12), quando ele fala

de sua própria liderança:

Eu tenho uma vantagem [...] é a virtude de falar o que penso na hora certa... que às

vezes a gente faz umas colocações até, sei lá, grosseiras [...] a pessoa que tem

coragem de falar alguma coisa e efetuar as coisas. Eu nunca fui de falar muito,

quando tem que fazer discurso eu estou correndo disso. Então, mas em determinadas

situações e determinados eu consigo posicionar, dando a minha posição que

eventualmente é contrária à do grupo [...] o que não quer dizer que de vez em

quando você não tenha que dar uma engolida e não falar nada, não fazer nada.

Fica clara também, nessa fala, a relação que estabelece entre o fazer do líder e o falar.

Outros trechos consideram a capacidade instrumental do discurso no exercício do

poder – capacidade esta que pode ser relacionada a características tanto inatas como

adquiridas. Como exemplos são, o do líder ativo (20):

acho que tem vários tipos de liderança [...] tem outros líderes que já são liderança

pelo dom da palavra.

O termo “dom” utilizado nessa fala traz implícita a percepção de algo inato. O outro

exemplo é o do líder inativo (34), falando de forma mais direta:

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377

Então você vai adquirindo um traquejo com a oratória, né, que na política é a arma

principal, e você se torna extremamente perigoso. E eu tinha uma facilidade de

oratória muito grande.

O termo utilizado, “adquirindo traquejo”, indica a percepção de uma habilidade que

pode ser adquirida. Ainda, o líder inativo (5):

saber o que as pessoas... o que mobiliza as pessoas – saber o que as pessoas querem

ouvir. Como você vai usar isso é outro problema.

Esta última fala já indica a utilização estratégica do discurso a partir de habilidades

que podem ser inatas ou adquiridas – nesse caso não importa, desde que o objetivo seja

alcançado.

Neste ponto já é possível reunir o que foi produzido na análise dos dados para

apresentar as conclusões que deles podem ser obtidas, referentes ao poder e liderança:

a) A liderança é indicada como forma de exercício do poder. A principal contradição

identificada nessa relação está no fato da liderança não ser diretamente citada como

uma forma de exercício do poder, mas indiretamente: o poder é que pode ser exercido

por meio da liderança;

b) esse poder será exercido coercitivamente, por meio da força ou da estrutura;

c) o poder também poderá ser exercido por meio da influência. Neste caso, o indivíduo

vai mobilizar habilidades inatas ou adquiridas para conduzir um discurso orientado

para atingir estrategicamente o seu objetivo;

d) a relação entre o exercício do poder e a liderança é estabelecida apenas por líderes que

não estão no exercício desse papel – o que traduz a possibilidade de existência de um

componente ideológico no discurso sobre a liderança.

Para abordá-la pelo viés da ideologia, o caminho escolhido é a discussão da relação

existente entre a liderança e os interesses. Esse é um tema que já surgiu quando da discussão

sobre a formulação do conceito, na seção 6.1.1, tendo ficado para ser mais bem explorado

agora, neste contexto.

6.1.3 Liderança e interesses

Em relação a esse aspecto da liderança, foram identificados nas entrevistas pelo menos

quatro tipos de interesses: os de ordem basicamente financeira; os relativos à diferenciação

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em relação ao grupo social que representam – o que pode estar associado a algum grau de

vaidade pessoal; a oportunidade de aumentar sua visibilidade para atingir outros objetivos

pessoais – como o incremento da atividade de negócios próprios; o interesse no tipo de

trabalho executado pelos “executivos” em contraponto com o trabalho “operacional”, próprio

da classe profissional para o tipo de grupo social envolvido.

Os diversos tipos de interesse serão abordados separadamente, por envolverem

fundamentos teóricos diferentes – o que não impede que se possa identificar um

entrelaçamento entre eles. O exemplo desse entrelaçamento pode ser observado na análise de

um trecho do entrevistado (30):

As pessoas mais articuladas, eu vejo hoje, as mais articuladas, elas procuram

associar a questão da liderança com remuneração, então essas duas coisas são

importantes, você procura... e é natural isso... você procura aquele cargo que ele te

dá mais projeções, mas junto com uma questão de remuneração. A não ser que essa

questão de remuneração já está resolvida, então o cara já está aposentado, largou

tudo, então ele quer só o glamour, entendeu? Mas normalmente você procura a

associação da remuneração com o... o poder [...] ele entra nessa fogueira, mas

almejando que dali ele dê um salto para uma coisa que seja destaque e remuneração

Em outro ponto da entrevista do mesmo líder inativo:

Você pega um cara que é um... um executivo na empresa x, ele vai caminhando

nessa empresa, ele vai caminhando, ele tem uma liderança nessa empresa, ele vai

caminhando [...] e se ele aqui está vendo espaço em outras empresas, então ele

consegue fazer a sua liderança com remuneração justa e ele muda pra outra com

remuneração boa, às vezes pode ser até menor mas com uma projeção maior [...].

Nesses trechos, marcadas em itálico estão as palavras que indicam os diversos tipos de

interesse a serem abordados: a remuneração, que indica os interesses financeiros; o glamour,

que está relacionado à diferenciação em relação ao grupo e com a vaidade pessoal; a projeção

e o destaque que, além da diferenciação em relação ao grupo, significam o aumento da

visibilidade, com a finalidade de atingir outros objetivos pessoais – que podem incluir os

financeiros; a exemplificação da atividade de liderança usando o cargo de executivo – que o

entrevistado usa tanto para exemplificar o que fala sobre remuneração como sobre a projeção

social; e, por fim, o poder, que reforça o que já foi abordado na seção anterior 6.1.2.

As evidências para as discussões que se seguem, referentes a cada um dos itens, serão

obtidas de outras entrevistas, bem como de reuniões e assembleias. A razão de começar a

discussão pelo trecho do entrevistado (30) se deve à forma como surgiram simultaneamente

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os diversos itens relacionados a essa discussão – o que mostra que existe entre eles um eixo

comum, que é o que foi aqui identificado pelo termo interesse.

O entrevistado (30), do sexo masculino, é líder inativo – o que, como já foi observado

no início desta seção, pode ser um fator de facilitação para a expressão de visões mais críticas,

uma vez que os líderes inativos se encontram em uma posição de distanciamento em relação

aos compromissos de quem tem, por força de ofício, que prestar contas de suas falas e ações

ao quadro social que o elegeu para o exercício desse papel.

Para as referências teóricas, como os temas são muitas vezes específicos, serão

citadas, além das seções, alguns dos autores de referência para determinada abordagem.

A) A projeção social: e sua relação com a “vaidade”

A citação do glamour como substituto para a remuneração mostra o primeiro interesse,

que é o da projeção social, pelo destaque que pode promover em um grupo. A base teórica

para essa abordagem pode ser encontrada nas seções 3.4.1.4, 3.4.2.2 e 3.4.2.3.

Como pode ser observado nas falas, há uma mistura entre a noção de projeção social e

o que foi chamado de “vaidade” por alguns dos entrevistados. E as falas que se relacionam a

esse aspecto ou o fizeram de forma autorreferida ou estavam se referindo a terceiros.

Exemplos de falas autorreferidas: entrevistado (6), do sexo masculino, líder inativo,

sobre o porquê de ele buscar posições de liderança:

uma coisa meio de... é... de estar sempre querendo estar participando. E assim

também uma questão de status, né, de ser uma referência assim, sabe... de ter uma...

de se destacar.

E o entrevistado (11), do sexo masculino, líder ativo de uma organização na qual não

há remuneração para o exercício dos papéis de liderança:

não posso não deixar de colocar um certo grau de vaidade pessoal [...] Isso eu tenho

deixado claro em alguns discursos que eu fiz agora em relação à [cargo atual], que

existia um grau de vaidade pessoal.

Entre os exemplos da vaidade de terceiros, pode-se citar um outro trecho da entrevista

de (6):

não penso muito em liderança como um... destaque, vamos dizer assim, fora daquele

grupo de pessoas que contribuem de formas diferentes para atingir aquele objetivo.

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Aqui uma contradição em sua fala: em sua citação no parágrafo anterior, ele deixa

claro que uma de suas motivações para a liderança é se destacar. Agora, falando de

características de liderança – quando a referência pode ser o outro –, ele já não “pensa na

liderança como um destaque”. Em outros termos, ele nega para o outro o que deseja para si...

A maioria dos exemplos envolvendo terceiros é retirada principalmente de falas que se

referem a dois líderes, os quais, pelas características das organizações que lideram, não foram

selecionados para as entrevistas:

a) O primeiro, aqui denominado “x”, afastado de posições de liderança de organizações

que fazem parte do grupo social em questão, após ter se mantido por muitos anos

nessas posições. O líder ativo (3) o caracteriza como “um cara vaidoso. Eu vejo assim,

o „x‟ já tinha liderança, mas tudo em função dele”; e o líder ativo (15) como “o tipo de

liderança que não acho boa [...], muito personalista, vaidoso [...]”. Já o líder inativo

(22) o caracteriza da seguinte forma: “o „x‟ é liderança... mas Hitler também era. Só

que „x‟ é mais vaidoso, né?”;

b) o outro indivíduo, aqui identificado como “y”, em posição de liderança em outro tipo

de organização, foi citado em exemplos que envolvem o aspecto “vaidade”: o líder

inativo (22) “o „y‟ tá no mesmo padrão: vaidoso, egolátrico, só enxerga os seus

próprios interesses”; o líder inativo (27): “o „y‟, eu tenho bastante aversão a ele, o jeito

dele, sabe, assim, meio vaidoso... num... não me representa”; e o líder ativo (31): “na

verdade „y‟ está basicamente cumprindo um objetivo pessoal [...], vaidoso”.

c) em uma outra ótica, que envolve apenas a posição de liderado, está a fala do líder

inativo (23) que observou, sobre a substituição de indivíduos em uma posição de

liderança, em seu local de trabalho que: “[...] foi terrível, porque entrou um indivíduo

altamente vaidoso, e aí você percebe como é que destrói o processo”.

O que se observa a partir desses exemplos é que:

a) Pode ser identificada uma quantidade equilibrada de líderes ativos e inativos, tanto

entre os exemplos de autorreferência como entre os exemplos que se referem a

terceiros;

b) entre os exemplos de autorreferência encontram-se visões mais positivas da “vaidade”,

enquanto entre os de referência a terceiro, encontram-se visões mais negativas.

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381

Essas conclusões indicam que a vaidade, além de ser um aspecto da liderança, não é

algo a princípio condenável, dependendo, para isso, do contexto no qual será encontrada – em

geral, será vista como algo positivo quando justifica a sua própria, em uma autorreferência.

Como a caracterização do que foi chamado de “vaidade” ocorreu no âmbito coloquial

da entrevista, não é possível afirmar que houve confusão entre a concepção de vaidade

apresentada pelo entrevistado e o conceito de narcisismo, cujos critérios para caracterização

são mais bem definidos e foram apresentados nas seções 3.4.2.1 e 3.4.2.2.

Como entrevistador e responsável por aferir as definições, o autor da tese considera

apropriado afirmar que a conotação conferida à palavra “vaidade” pelos entrevistados de

modo geral esteve mais longe da conotação habitualmente utilizada – envolvendo valorização

e o desejo de reconhecimento por outros da própria aparência ou de outras qualidades físicas

ou intelectuais – e mais próxima do que a literatura aborda quando se refere ao narcisismo.

Também deve ser lembrado aqui que a teoria, apresentada na seção 3.4.3.2, relaciona

uma faceta A5 (modéstia) do NEO-PI-R classificada como “muito baixa” com o narcisismo –

e não com a vaidade. Como se trata de conotação de termo, uma consulta ao dicionário

Houaiss e Villar (2001) pode ajudar. Nesse dicionário, os antônimos de vaidade são a

despretensão, a desvaidade e a modéstia. Assim, considerando o sentido do termo, não se

pode descartar a possibilidade de uma relação entre o que foi referido como vaidade e o que a

teoria apresentou como narcisismo, já que a teoria sobre as facetas da personalidade relaciona

o narcisismo a um nível muito baixo de modéstia.

Não havendo relação direta, foi preciso buscar alguma outra forma que ajudasse a

aferir a existência ou não dessa relação. A forma encontrada foi apresentar, na reunião de

junho de 2012, o conceito de narcisismo e a relação que os autores como Freud (1987c) e

Kets de Vries (1990) estabeleceram entre narcisismo e a liderança, perguntando, na sequência,

pessoalmente para os entrevistados presentes que mencionaram a vaidade de terceiros durante

as entrevistas, se percebiam congruência entre o apresentado e aquilo a que ele se referia

quando da utilização do termo “vaidade”. A resposta foi afirmativa por parte dos três

entrevistados questionados (os dois outros citados não estavam presentes na reunião). É certo

que não se pode confiar acriticamente em uma conotação de termo fornecida fora do contexto

no qual o termo foi utilizado – entre a entrevista e a reunião já havia transcorrido cerca de um

ano. Mas não se pode desconsiderar que a aferição pessoal confirmou uma relação entre a

impressão registrada na entrevista e a conotação apresentada na reunião.

Considerando uma relação intencionada entre o que foi chamado de “vaidade” por

alguns entrevistados e o conceito de narcisismo, retoma-se a proposta de Kets de Vries

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382

(1990), apresentada na da seção 3.4.2.2 e resumida no Quadro 1, do espectro envolvendo

diferentes formas de narcisismo, com resultados mais positivos ou mais negativos, quando

avaliados sob a ótica da efetividade da liderança (esta última, apresentada na seção 3.3.2).

Consultando as entrevistas, pode-se perceber que as características identificadas pelos

entrevistados para os indivíduos “x” e “y” citados os posicionam mais facilmente no que foi

descrito como narcisismo reativo. Quanto aos líderes reconhecidos como rejeitados na Tabela

27 (pág. 315), não há como especificar o tipo, uma vez que não existem, nas entrevistas, falas

que possam fornecer subsídios que fundamentem uma impressão.

Consultando os dados da pesquisa, duas outras informações envolvendo a vaidade

podem ser também consideradas relevantes nesse panorama:

a) Os dois únicos indivíduos que apresentaram a faceta A5 classificada como “muito

baixa” não foram os citados nos exemplos de líderes vaidosos, nem mesmo

identificados como líderes que desejariam uma projeção social pelo exercício desse

papel;

b) Como os indivíduos “x” e “y” tidos como vaidosos por entrevistados não cumpriram

os critérios de inclusão para a entrevista, não foi possível aferir a classificação da

faceta A5 para esses indivíduos – o que prejudica a avaliação de possíveis

contradições.

Em resumo, não se tem aqui elementos, a partir dos achados empíricos, para afirmar a

relação entre a percepção de um comportamento identificado como envolvendo a vaidade do

indivíduo e o que a teoria chamou de narcisismo. Dada a importância conferida por alguns

dos entrevistados a essa questão, fica aqui o registro para que esse questionamento possa

estimular a investigação dessa relação por pesquisas futuras.

Associando o que foi reunido até o momento, é possível perceber outra contradição:

nos dois casos em que houve muitas referências negativas (os indivíduos “x” e “y”), os

indivíduos foram escolhidos e mantidos em suas posições de liderança pelo voto ou por

escolha dos liderados. Para orientar a análise, recuperam-se duas das referências apresentadas

na seção 3.4.2.2: para Kets de Vries (1990), “o narcisismo é, muitas vezes, a força condutora

alimentando o desejo de obter um cargo de liderança” (KETS DE VRIES, 1990, p. 8). E para

Rouanet (1989), “o líder é a projeção narcisista dos atributos que o indivíduo massificado

ambiciona ter e que lhe são negados pela realidade” e “o chefe onipotente é a imagem da

impotência do indivíduo e o reflexo dos seus ideais de onipotência” (ROUANET, 1989, p.

131).

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383

Novamente Rouanet (1989) reporta a identificação, discutida na seção 3.4.2.3, como

uma das chaves para abordar a referida contradição. Considerando as conclusões de Sogunro

(1998, p. 26) de que “a efetividade da liderança é influenciada bilateralmente pela dinâmica

das características de personalidade tanto do líder quanto dos membros do grupo” e

recuperando os argumentos de Sarsur (2010) sobre a identificação, deve-se lembrar que a

identidade do líder atrai o liderado e que existe uma influência mútua estabelecida entre líder

e liderado. Em outros termos, para a teoria, em um grupo cuja representação social pode

incluir características como as da vaidade e da onipotência, o líder pode ser escolhido e

mantido no papel a partir da identificação de características que o liderado pode desejar para

si ou que pode encontrá-las em si mesmo e que são projetadas no líder.

Entretanto, deve-se lembrar que, como esta pesquisa não foi desenhada para propiciar

conclusões sobre o grupo social, não há elementos para discutir esse aspecto. A dinâmica do

que em um grupo social ocorre é complexa, e sua abordagem vai depender de fatores não

acessados, pois são muitos, e diferentes, os indivíduos envolvidos. Exemplo disso é que os

mesmos líderes escolhidos podem ser posteriormente rejeitados, o que quer dizer que, se esse

aspecto for considerado relevante para análise, esta investigação deverá ser conduzida por

pesquisas futuras.

Em relação apenas à faceta A5 (modéstia), na seção 5.2 (F), foi identificado que:

a) Nenhum dos líderes rejeitados apresentou resultado “alto” ou “muito alto” para a

faceta A5;

b) dois dos três indivíduos apresentados na Tabela 27 (pág. 315) como os mais rejeitados

apresentavam a faceta A5 como baixa ou muito baixa;

c) o outro líder inativo com resultado da faceta A5 “muito baixo” foi inserido na rejeição,

a despeito de estar inativo – e, por isso, menos accessível para lembrança, como

apresentado na seção 6.1.1.

Esse conjunto revela a possibilidade de que a percepção de níveis mais baixos de

modéstia (A5) pode ser um fator de estímulo à rejeição do líder – pelo menos para o grupo

social estudado e para os liderados que também são líderes, que são objeto desta pesquisa.

Pelo reduzido número de pessoas envolvidas, esse é um achado que deverá ser aferido em

outras pesquisas.

Reunindo todos os achados em uma conclusão – a qual vai se referir apenas à ótica de

quem está ou esteve no papel de líder, o que deixa de fora os outros liderados desse grupo

social –, pode-se dizer que:

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a) A projeção social pode ser considerada um substituto para o retorno financeiro;

b) não foram encontrados elementos, a partir dos achados empíricos, para afirmar a

relação entre a percepção de um comportamento identificado como envolvendo a

vaidade do indivíduo e o que a teoria chamou de narcisismo;

c) a “vaidade”, no sentido de busca de projeção social, não foi percebida como algo

negativo na liderança; já no sentido de “baixa modéstia” – o que, de acordo com a

teoria, pode se relacionar com o conceito de narcisismo –, ela foi percebida como

negativa na liderança.

B) Aumento de sua visibilidade no grupo social

Nesse caso, o interesse está na oportunidade de aumentar a sua visibilidade no grupo,

não por vaidade, mas visando atingir outros objetivos pessoais (e não objetivos de grupo).

Entre esses objetivos podem ser encontrados os de ordem financeira – envolvendo, por

exemplo, os seus negócios próprios, e não a remuneração direta referente às atividades de

liderança, como será tratado no próximo item – e os de ordem social, quando o indivíduo, por

exemplo, almeja posições de destaque para atingir outros objetivos – como aumentar o cacife

político. Esses dois aspectos vão fazer com que esse item se aproxime e ao mesmo tempo

afaste do que foi discutido no item (A), quanto à “vaidade” envolvida na posição de liderança,

e do que será discutido no item (C), referente a interesses de ordem financeira.

Aqui, novamente Barker (2001) pode ser utilizado como referência teórica.

Além do trecho já citado no início desta seção, no tocante à entrevista do líder inativo

(30), um exemplo desse tipo pode ser encontrado nas anotações de assembleia, apresentado na

seção 5.4.1 (c): a organização de tamanho intermediário, que oferece retorno financeiro

intermediário para posições de liderança, por ser uma federação proporciona mais visibilidade

social, ressaltando posições mais sustentáveis no futuro. Ali, as mais importantes

participações aconteciam em momentos políticos, como na proximidade das eleições de

organizações maiores, ou durante movimentos de impacto político para as organizações de

base, que são aquelas que fornecem o suporte político para posições de representação em

organizações maiores, as quais, por sua vez, vão proporcionar mais retorno financeiro e mais

prestígio social.

Entre os entrevistados, o exemplo pode ser encontrado na fala do entrevistado (5),

líder inativo, mas que tem um negócio próprio envolvendo prestação de serviços, no qual

organiza e fornece informações estratégicas para outras organizações: (5) “continuar

participando, contribuindo, usufruindo também, né, porque não é só uma, uma doação...

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usufrui também, né, com oportunidades, contatos de desenvolvimento”. Neste caso, o passado

de liderança o mantém próximo da liderança em atividade. Estar fora – mas próximo – do

“poder” pode ser o melhor para a sua atividade atual, mantendo a sua autonomia de ação, mas

principalmente mantendo a influência exercida sobre os líderes em atividade, no exercício de

uma liderança que não é formal, mas que existe de fato e possibilita oportunidades futuras.

Em resumo, pode-se dizer que o “aumento da visibilidade em seu grupo social” foi

citado apenas por líderes inativos, mas foi observado no comportamento de líderes ativos em

atividades coletivas, como em assembleia em organização que, por suas características, está

em posição estratégica no grupo. É um tipo de interesse que pode estar relacionado com

motivações de caráter financeiro como social, mas sem relação com ganhos imediatos

referentes ao papel de líder.

C) Interesses de ordem financeira

É o tipo constatado nas situações nas quais a posição de liderança envolve melhor

remuneração do que aquela que o indivíduo poderia auferir em suas atividades habituais.

Entre os autores mais identificados com essa linha e abordados na teoria podem-se citar, além

de Barker (2001), Alvesson e Sveningson (2003a).

A discussão pode começar com outra fala do mesmo líder inativo (30), já citado no

início desta seção. A relação estabelecida é entre liderança e o poder, já mencionada na seção

6.1.2, mas aqui na interface com os ganhos financeiros: (30) “ele não tem outro vínculo e a

única forma dele crescer, de exercer seu poder mesmo, ou seja, seu poder financeiro, e estar

lá dentro liderando é seguir em frente...”. Num outro momento, a relação entre a posição de

liderança e os ganhos financeiros é estabelecida de forma ainda mais direta:

(30) Ele (o líder) associa muito o espaço com a remuneração. Na área (profissional)

o que acontece é que são poucos os cargos (de liderança) que têm uma remuneração,

e muito menos aqueles que garantem uma remuneração perene [...] então o cara, ele

faz as duas coisas [...] porque na hora que ele sai dessa situação, ele põe em risco a

remuneração, porque ele larga o que está ganhando aqui, vai lá ou não ganhando

nada, ou às vezes no sindicato ganhando um emprego, quer dizer... se ele optou por

isso aqui, ele tem que caminhar aqui sempre. Então o que leva o cara a motivar isso

é porque ele também não tem como sair.

Nessa ótica, alguns líderes buscariam se manter em posições de liderança apenas por

razões de sobrevivência, de ordem financeira – o que aproxima muito as atividades de

liderança com as atividades existentes na divisão social do trabalho, que serão objeto de

discussão da próxima seção, 6.1.4. – incluindo o aspecto relacionado à independência

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financeira para o exercício da liderança, que será desenvolvido na mesma seção. É uma ótica

que pode ser vista também em outra fala, a do líder inativo (6), que não vê sacrifícios no

exercício da liderança – aspecto que também constará da seção 6.1.4 –, uma vez que ele

assume ter buscado essas posições e, em suas palavras, “me pagaram para eu fazer”.

Essas duas falas são congruentes com os achados de assembleias, como foi

apresentado na seção 5.4.1, item (c), na qual se apurou que: na menor organização, que

oferecia menos retorno financeiro para a liderança e menos visibilidade social no grupo

profissional, as participações estavam mais relacionadas às questões operacionais e menos aos

interesses pessoais ou de pequenos grupos; na organização maior, onde o ganho financeiro e a

visibilidade social são maiores, foram observadas participações mais calorosas, ligadas ou a

questões referentes a interesses de ordem financeira de pequenos grupos – como reservas de

mercado ou ganhos diferenciados; por fim, na organização de tamanho intermediário, já

citada no item (B) anterior, que por ser uma federação proporciona mais visibilidade social,

destacando posições de liderança mais sustentáveis no futuro, as participações foram mais

importantes em momentos políticos, buscando suporte político para posições de representação

em organizações maiores.

No contraponto está a independência financeira desejada para o líder, a qual será

abordada na próxima seção 6.1.4 (C), em conjunto com a questão da autonomia.

Sumarizando o que pode ser afirmado sobre interesses financeiros, pode-se dizer que:

a) Os achados indicam que os interesses de ordem financeira para a liderança são vistos

por indivíduos com experiência no exercício do papel de líder (estando ou não em

atividade) como algo que pode, de alguma forma, interferir no resultado da ação

executada pelo líder;

b) é possível mesmo que alguns líderes busquem se manter em posições de liderança por

razões de sobrevivência financeira;

c) esses dois aspectos acentuam a liderança como sendo uma atividade dentro da divisão

social do trabalho – tema que será retomado na próxima seção 6.1.4, na qual será

apresentado também o contraponto, que é a independência financeira para o exercício

da liderança.

D) Interesse no trabalho dos “executivos” em contraponto com o “operacional”.

Esse é o último exemplo identificado do exercício da liderança como interesse.

Ele não se refere nem diretamente aos interesses de ordem financeira (ainda que possa

existir algo nessa interface) e nem à vaidade, mas sim ao tipo de trabalho executado, em

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contraponto com o trabalho que seria mais “operacional”, executado pelos demais membros

do grupo social, nos moldes do que ocorre em geral nas organizações. Esse aspecto do

interesse aproxima essa discussão da liderança vista como uma atividade dentro da divisão

social do trabalho – tema que será objeto da próxima seção, 6.1.4 – e ao poder.

Suporte teórico para essa linha pode ser encontrado nos autores citados na seção 2.5.3

G), na qual foi visto que o fastio e a falta de sentido, abordados nos âmbitos de trabalho

repetitivo e rotineiro – que podem ser motivo de insatisfação com a atividade profissional –

podem se relacionar aos gaps entre as expectativas e a vida vivenciada. Mas isso não é

suficiente para explicar o que foi encontrado na pesquisa, sendo um aspecto que surgiu

espontaneamente das entrevistas e que demanda melhor compreensão teórica.

Como exemplo, cita-se o entrevistado (14) que, após a mudança do grupo político que

o apoiava, deixou de exercer o que ele chamou de “cargos executivos” e passou a se dedicar

às suas atividades como professor. Liderar, para esse entrevistado, significava assumir os

cargos superiores em uma organização de estrutura hierárquica dentro da divisão social de

trabalho existente na organização. Na entrevista, ele se refere aos líderes no seu grupo social

da seguinte forma: (14) “então o indivíduo hoje entra pra exercer um cargo executivo

preocupado com ele mesmo, primeiro o dele, depois ele vai pensar nas outras pessoas”.

Outro exemplo é o do já mencionado entrevistado (30) que, além das relações já

sugeridas entre liderança e poder, também estabelece um paralelo entre a liderança e a

atividade de gestão – envolvendo um interesse também de ordem financeira. No seu modo de

ver, o interesse para uma posição de liderança pode ser comparado ao observado na ascensão

em uma carreira executiva, fazendo, inclusive, um paralelo com a ascensão de um executivo

em empresas:

Você pega um cara que é um... um executivo na empresa x, ele vai caminhando

nessa empresa, ele vai caminhando, ele tem uma liderança nessa empresa, ele vai

caminhando [...] e se ele aqui está vendo espaço em outras empresas, então ele

consegue fazer a sua liderança com remuneração justa e ele muda pra outra com

remuneração boa, às vezes pode ser até menor mas com uma projeção maior [...].

Aqui, além de não estabelecer uma diferenciação entre liderança e gestão, ele faz uma

ligação evidente da liderança com a remuneração – e, novamente, com a projeção social já

discutida.

Considerando os trechos apresentados, pode-se dizer que este foi um achado de

pesquisa pouco explorado pela teoria, mas que por ter surgido espontaneamente (mais uma

vez, a partir de líderes inativos) mereceria ser aprofundado em pesquisas futuras.

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388

Para o que se tem no momento, os achados podem ser sumarizados dizendo-se que a

lógica que associa o exercício do papel de líder ao interesse pelo trabalho em funções

“executivas” mostra:

a) a possibilidade de que o líder esteja buscando nesse tipo de atividade algo que não

encontra nas atividades habituais que exerce em seu campo profissional;

b) uma interface com as relações de poder; e

c) o enquadramento da liderança na divisão social do trabalho, considerando que ele

envolve não só as posições superiores na hierarquia, mas também os ganhos esperados

para essas posições – reforçando o que foi analisado nos itens (A) e (C) desta seção;

Para aprofundar esse aspecto, ele será o objeto de discussão da próxima seção.

6.1.4 Liderança e divisão social do trabalho

Além do que foi adiantado na seção anterior, dois outros aspectos foram identificados

no material analisado e serão aqui comentados sob a ótica da liderança como parte da divisão

social do trabalho: o trabalho do líder como uma atividade banal, abordado na teoria

principalmente na seção 3.5.3 (F), e a autonomia do líder. No caso da autonomia, não foram

encontrados trabalhos na literatura consultada a respeito, apesar de ter sido um tema frequente

de abordagem durante as entrevistas.

Existem ainda três outros aspectos que devem ser discutidos: o que envolve as

questões relacionadas à “exploração” do trabalho do indivíduo que assume o papel social de

líder pelos demais membros de seu grupo social; os “sacrifícios” exigidos para o exercício da

liderança; e as questões relacionadas à independência financeira do líder.

Estes últimos três temas são resultados interessantes da pesquisa, pois não foram

derivados da teoria, mas sim nasceram espontaneamente das falas de alguns dos entrevistados

– a partir do que, para efeito de comparação, foram abordados também com outros, para os

quais essas questões não haviam se apresentado inicialmente como problema. A discussão

desses temas será conduzida na mesma seção na qual a autonomia será discutida, uma vez que

os entrevistados os abordaram no mesmo âmbito na entrevista.

Congruente com o que já foi observado nas discussões conduzidas na seção 6.1.3,

novamente as abordagens que mais se afastaram do senso comum foram realizadas por líderes

que não estão mais em atividade.

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A discussão terá início pelos trechos nos quais é possível identificar a relação entre as

atividades exercidas pelo líder com atividades próprias de qualquer trabalho dentro do grupo

social escolhido. O contraponto escolhido para a discussão está nas abordagens que podem ser

comparadas com o que foi chamado, na teoria, de “romance” da liderança. Em seguida, passa-

se à discussão que envolve a relação do papel de líder com a sua percepção de “exploração”

pelos que estão no papel de liderado e os possíveis “sacrifícios” envolvidos no exercício desse

papel. É nesse cenário que também serão descritas as questões relacionadas à independência

financeira e à autonomia do líder, que fazem interface com o que foi discutido na seção

anterior, em que se tratou do interesse financeiro para a liderança.

Ao final, busca-se concluir com a produção de algumas sínteses dialéticas –

lembrando que nessas sínteses não se pretende “fechar” conclusões, mas apenas identificar, de

modo dialético, o núcleo de verdade que pode coexistir nas contradições.

A) A liderança como uma atividade banal e o “romance” da liderança

As referências teóricas mais importantes para essa abordagem foram apresentadas na

seção 3.5.3 (F), com autores que entendem as atividades envolvidas com a liderança como

uma das atividades que sejam valorizadas na divisão social do trabalho.

Entre os líderes inativos, cujas observações estavam relacionadas a esse aspecto,

encontra-se o entrevistado (26), para quem a liderança não é “um ônus; não é difícil e...

também não é nenhuma vantagem ser líder [...]”. Em sua visão, “não há diferença entre

liderado e líder. Pra mim, eu acho que o líder vai se tornar líder dependendo da necessidade”,

sendo que a sua atividade não pode ser “nenhuma obrigação, uma necessidade, é... é assim...

fazer o que gosta e... vejo a liderança muito assim, uma coisa natural e prazerosa [...]”.

Quando solicitado a caracterizar o líder, ele pontua, como das mais importantes, que “ele

cumpre uma função com prazer, é... não por motivo financeiro ou por julgar que aquilo é

bacana pra ter, pra aparecer em alguma revista, destacar na sociedade”.

Pelo que pode ser visto nessas falas, esse líder inativo faz, espontaneamente, o

contraponto justamente com os dois aspectos que foram, no item anterior, identificados com

os interesses: os de ordem financeira e a projeção social. A citação espontânea afirma o

reconhecimento da existência desses interesses entre líderes que ele deve conhecer.

No seu raciocínio há relação entre a liderança, considerada uma atividade banal, e o

seu exercício por prazer. O sentido aqui é o de que qualquer trabalho, quando executado com

prazer, é simples e não excepcional. Daí o contraponto, quando ele sugere que a visão da

liderança como atividade excepcional estaria na origem do interesse pelo papel de liderança

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por motivos financeiros ou por vaidade – percepção que está em congruência com os autores

apresentados na seção 3.5.3.

A fala de outros indivíduos refletia a impressão de terem sido levados à posição de

liderança porque não havia mais alguém interessado pelo “encargo”, deixando subentendido

que qualquer outro – ou, pelo menos, muitos outros – poderiam exercer o mesmo papel

naquela organização e naquele momento. Deve-se registrar que os indivíduos que

apresentaram essa visão não tiveram breve passagem pela liderança – todos contam com mais

de 15 anos de história relacionada a atividades de liderança, em muitos papéis diferentes e em

diferentes organizações durante esse período. Ainda assim expressam uma visão que poderia

ser resumida em uma frase do tipo “fui eu porque estava disponível, mas poderiam ter sido

outros que na época tivessem disponibilidade”.

Essa é uma visão que aproxima o discurso desses indivíduos daquele que identifica a

liderança como algo banal, não excepcional, que pode ser exercido por qualquer indivíduo

médio do seu grupo social – como proposto por autores apresentados na seção 3.5.3 (F).

São exemplos, entre os líderes inativos, a entrevistada do sexo feminino (27):

foram aparecendo oportunidades pra estar também... e outra coisa foi o momento de

ter poucas pessoas envolvidas [...]”.

E os entrevistados do sexo masculino:

(13) na [organização x] e na [organização y] eu fui convidado. Na [organização z] eu

fui realmente, assim, meio levado, né... Ninguém queria pegar também;

(34) então, a liderança é determinada pela circunstância. O herói é o cara que não

conseguiu fugir.

Nessa última fala está uma das maiores expressões da banalidade liderança encontrada

entre os entrevistados – lembrando que esse indivíduo não foi líder de poucas organizações,

chegando mesmo a ser liderança de partido político.

Entre os líderes em atividade, a entrevistada do sexo feminino (10):

Eu fui para uma reunião da [...] que tinha umas quatro pessoas lá e eu achava que

tinha que ser convidada para ir e como eu ia, eu fui pra ver como é que funcionava...

eu cheguei lá não saí mais, fui três vezes presidente da [sociedade x], agora diretora

da [sociedade y] também e também da [sociedade z], porque faltam pessoas pra isso,

né?

E o entrevistado do sexo masculino (15):

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“isso eu acho que é uma maneira de exercer a liderança, mesmo que eventualmente

depois você fique fora do sistema, fora de utilidade, você já prestou o melhor de

você. Então, eu acho que todo mundo tem seu tempo...”.

O que se percebe em comum nesses discursos é que o indivíduo falando de si, de

como as coisas realmente aconteceram na história “desse líder que sou eu”. Essas falas, que

estão bem equilibradas tanto por gênero como por líderes ativos e inativos, vêm no

contraponto com a visão mais “romanceada”, em sua grande maioria apresentada apenas por

líderes que estão em atividade. Como exemplos, os lideres ativos – apenas para citar alguns

exemplos, já que foram falas muito frequentes entre líderes em atividade:

(2): capacidade de se colocar em presença [...]ser identificado pelas pessoas como

alguém que tenha capacidade de, até, de fazer uma síntese;

(3): tem a preocupação com o todo, com todos, que quer cuidar de todos;

(9): liderar é ouvir... e... depois executar alguma coisa diante do que você ouviu;

(10): o líder é aquela pessoa que consegue ver acima;

(33): o líder é aquele que tem a capacidade de diminuir as incertezas.

Uma explicação possível para esse tipo de discurso – pelo menos para uma boa parte

deles – pode ser encontrada no processo de idealização, discutido na seção 3.4.2.1. Elas se

apresentam no contraponto com aqueles que não veem a liderança como uma atividade

excepcional e se diferenciam das falas apresentadas anteriormente, porque nelas pode-se

perceber uma referência a um “líder em geral”, alguém que está “lá” – e não de si mesmos,

como nas anteriores. Pelo menos, não diretamente, pois, se forem utilizados para a

compreensão desses discursos os mecanismos de projeção definidos na nota de rodapé 37 na

pág. 189, é possível identificar nesse momento que os entrevistados estão falando justamente

de si mesmos: de algo que, por rejeitarem ou desejarem para si, mas que não identificam em si

mesmos, projetam no outro.

Assim, sumarizando o que foi observado sob esse aspecto, pode-se concluir que:

a) Foi observada mais tendência de líderes que estão em atividade a replicarem um

discurso mais “romanceado” sobre a liderança;

b) no contraponto, alguns líderes, tanto entre os que estão em atividade como entre os

inativos, apresentaram espontaneamente uma percepção de liderança que a vê como

uma atividade não excepcional ou uma atividade como outra qualquer dentro da

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392

divisão social do trabalho. Nesse grupo se encontram duas das apenas quatro mulheres

que foram entrevistadas;

c) uma abordagem negativamente dialética deve considerar a verdade existente nas duas

visões. Assim, pode-se considerar que a liderança será banal se mobilizar os recursos

que o indivíduo utiliza para o exercício de suas atividades habituais, ou seja,

habilidades que identifica em si. E será excepcional se as habilidades identificadas

para o exercício da liderança não forem facilmente encontradas em si mesmo, podendo

tanto ser desejadas como rejeitadas no outro.

B) Liderança na ótica de “exploração” e de sacrifícios

A relação entre os sacrifícios e a liderança foi investigada na teoria associada à

liderança carismática, na seção 3.2 (D). Já a “exploração” foi um aspecto que também nasceu

das entrevistas e para o qual não foram encontradas referências na literatura consultada.

Como a primeira citação – a que motivou a investigação em outros líderes – acontece

durante a entrevista do líder inativo (8), é interessante verificar a história de vida na qual este

líder estabelece relações de liderança. Esse entrevistado (8) não tinha passado rico em

posições de liderança. Seu primeiro papel efetivo aconteceu no exercício de sua atividade

profissional quando, no percurso de uma carreira pública, as condições de trabalho e o retorno

financeiro chegaram a um ponto tão desmotivador que ele considerou que ou as coisas

melhoravam ou era melhor sair. Ou seja, um ponto no qual ele percebeu que não havia muito

o que perder com o risco de uma exposição. Nesse momento ele organizou uma associação

nacional, processo no qual chegou a comprometer suas finanças pessoais e a pôr em risco sua

carreira. Para sua atuação em Brasília, o sindicato da categoria o apoiou financeiramente, mas

ele sentia que perdia autonomia: tinha que apresentar pauta para reuniões e outras

informações que, em sua visão, estavam engessando a sua atuação e diminuindo a sua

efetividade. Teve sucesso na organização da associação a qual, a partir de sua existência,

permitiu ao entrevistado uma atuação com mais autonomia, uma vez que havia contribuição

dos associados. Como líder dessa associação, ele conseguiu mudar as características de sua

atividade profissional – tanto em relação às condições de trabalho, como à remuneração. Após

cerca de oito anos de liderança desse grupo, ele perdeu uma disputa política para alguém que,

mesmo próximo, tinha perfil de “oportunista”. Ele abandonou as posições formais de

liderança, situação na qual se mantém até hoje.

Se, de um lado, o entrevistado (8) coloca a autonomia e a independência financeira

como valores para a atuação efetiva do líder, por outro lado a sua percepção é de que na

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393

verdade ele estaria servindo de “boi de piranha”, representando, sob risco pessoal, interesses

de pessoas que não queriam se expor para não perder o emprego – mas que teriam condições

de fazê-lo, se o quisessem. Em suas palavras:

(8) Depois que alguém se sobressai e mostra que é capaz de se expor em nome dos

outros... porque o colega quer é que você se ferre em nome dele. Então, hoje eu sei

disso com muito mais clareza; inclusive nunca mais me iludi também, aparece um

que seja louco maluco a ponto de pôr em risco uma carreira... eu fui ameaçado por

ministro [...] a relação é muito perversa.

As questões referentes à autonomia e independência financeira levantadas por esse

entrevistado serão retomadas no próximo item.

Houve outro líder inativo, do sexo feminino, que relatou algo parecido sobre o se

sentir “usada”. Em suas palavras:

(28) “Como havia muitas pessoas mais velhas do que eu e eu era mais nova, um

colega meu... acho que hoje eu sinto que ele me usou... mas usou de uma forma que

beneficiou o pessoal e eu continuei trabalhando de certa forma em uma liderança

informal”.

Em outros termos, como se trata de serviço público, ela aceitou os encargos da

liderança, sem o cargo, ou sem os benefícios de ordem financeira, mas sendo reconhecida

pelo que fazia. Sua visão de liderança é de que:

(28) Primeiro, a pessoa tem que estar disposta a trabalhar [...] tem que estar disposta

a enxergar uma coisa a ser feita e trabalhar por aquilo. Depois que isso é feito,

aquela pessoa passa a ser respeitada pelo que ela faz. Então ela vai ter pessoas que

respeitam o trabalho dela... quando isso acontece é que então essa pessoa pode ser

uma formadora de opinião.

Ou seja, o interesse para assumir o encargo estava relacionado à visibilidade social e à

admiração dos pares – apresentadas na seção 6.1.3 – expressas no termo “respeito pelo que ela

faz” e que vai possibilitar que ela se torne uma “formadora de opinião” – portanto, que exerça

influência sobre o grupo, como discutido na seção 6.1.2, sobre as relações de liderança e

relações de poder.

O entrevistado (34) também explicita o sacrifício pessoal a que se submeteu para o

exercício da liderança envolvendo o motivo do seu afastamento:

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A gente discutia tese, em assembleias, em plenária de categoria, discutia tese

marxista, então era muito ideologizada... Então aquilo me desgastava muito, porque

eu não via muito sentido no enfrentamento [...] Eu lembro uma época que eu

conseguia escovar dente era 10, 11 horas da manhã, porque se eu tentasse colocar a

escova de dente na boca antes eu tinha náusea, ânsia, de tanta ansiedade. Aí eu achei

que o sapo tava muito grande pra ser engolido e me afastei.

O que se depreende desta última fala é que o entrevistado não identificou um interesse

para o sacrifício.

O líder inativo (19) também faz uma abordagem que pode ser enquadrada nesse

assunto, mas em outra ótica. Por características que ele atribui à sua personalidade, ele

identifica que, desde a infância, pessoas mais próximas se aproveitaram do seu

comportamento impetuoso, deixando-o (ou estimulando-o) a tomar a iniciativa de resolver

problemas. Na sua percepção, as mesmas características que foram usadas para deixá-lo

“resolvendo as coisas” também foram usadas, num momento posterior, quando ele foi uma

ameaça ao poder de outros líderes, como justificativa para afastá-lo de posições de liderança:

“ele é muito impetuoso”, seria a justificativa. Em suas palavras:

(8) [...] as pessoas estavam, todo mundo, na zona de conforto, né? Então, assim,

„deixa ele, deixa ele tomar a liderança e resolver‟. E resolvia, né? Pegava pra

resolver e resolvia [...] Eu acho que as pessoas... quem têm o tipo de personalidade

que eu tenho, eu acho que é... existe um jogo de sutilezas, tanto em casa como na...

área profissional. As pessoas sabem como conseguem as coisas de você [...] tem

gente que é mestre nisso, né? Tem gente que se aproxima de você e ela sabe

exatamente qual... é o jogo de poder que ela tem que utilizar com você pra você sair

correndo fazendo as coisas.

Esse entrevistado estabelece uma relação entre liderança, vista como a capacidade que

um indivíduo mostra para resolver coisas que as pessoas não conseguem ou não querem

resolver – o que tem uma relação próxima com a divisão social do trabalho – com a

personalidade de quem se coloca nessa posição – o que será discutido na seção 6.2.2 – e com

a relação de poder estabelecida entre esse indivíduo e aqueles que têm interesse em colocá-lo

nessa posição – o que foi discutido na seção 6.1.2.

Um aspecto interessante é o fato de que somente líderes inativos apresentaram uma

percepção, relacionada a “ser usado” ou “ser explorado”. Líderes em atividade quando

perguntados sobre esse aspecto, ou não percebiam esse tipo de viés em suas atuações, ou se

posicionavam como apresentado no item anterior desta seção, “romanceando” sua atividade,

como no exemplo do líder ativo (18): “O líder é um indivíduo abnegado, disposto a muito

sacrifício, desprendido de egoísmo, sempre pronto a participar dos movimentos”. O sentido

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desse discurso que projeta no outro características idealizadas já foi apresentado nas

conclusões da seção anterior.

O líder ativo (21), mesmo quando descreve um momento de “sacrifício”, o faz de

modo a descrever uma aventura prazerosa:

(21) Eu sei que na época o movimento não tinha dinheiro, né? Hoje a gente se vira

pra poder viajar de avião, coisa e tal, os tempos são outros, mas naquela época eu ia

de ônibus. Saía daqui, numa assembleia em [...] ia pra outra assembleia em [...],

pegava ônibus pra Vitória, dormia dentro [...] tentava marcar tudo no mesmo dia, já

pegava outro ônibus à noite pra ir pro Rio de Janeiro e assim... a gente dormia era

dentro de ônibus nessa... nessas campanhas aí [...].

Na continuidade dessa fala, ele diz que:

(21) muito por opção própria mesmo tive que investir em algumas coisas: casado,

filho, depois descasei, mais outro casamento, mais filho... então, eu tinha que

arrumar trabalho, né? Então, eu só passei a ter um papel destacado agora.

Ou seja, quando os papéis de liderança iam se transformar em um sacrifício que

poderia prejudicá-lo – ou quando não identificou interesse no exercício desses papéis – ele os

abandonou, só retornando quando pôde conduzi-los de modo menos “sacrificante”. E, ao

contrapor o “eu tinha que arrumar trabalho” com seu papel de líder, ele estava colocando a

liderança conduzida de modo mais lúdico – ou por “prazer”, como apresentado anteriormente

pelo entrevistado (26) – no contraponto da liderança na ótica de uma atividade dentro da

divisão social do trabalho – de outro modo, ele teria que procurar um “trabalho de liderança”.

A interface mais próxima entre esses achados e a literatura pode ser encontrada no que

foi chamado de “liderança carismática”. Como foi apresentado na seção 3.2 (D), esse é um

tipo de liderança que envolve a influência exercida pelo líder a partir de sacrifícios pessoais e

da busca de objetivos difíceis.

O que os dados parecem revelar é que não basta a ação de sacrifício por parte do líder

para ele obter o reconhecimento dos liderados naquilo que se poderia chamar de “carisma”.

Este poderia estar ligado a algum outro aspecto individual – talvez mesmo relacionado à

personalidade. Para investigar essa possibilidade, comparam-se os domínios de personalidade

dos líderes que foram citados anteriormente, nesta discussão:

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Tabela 47 - Domínios de personalidade dos líderes e a percepção de sacrifício

LÍDER INATIVO LÍDER ATIVO

8 19 28 Mediana dos

inativos

18 21 Mediana dos

ativos

NEUROTICISMO 3 4 1 2 2 2 2

EXTROVERSÃO 3 3 3 3 3 4 3

ABERTURA 4 5 4 3 2 3 4

AMABILIDADE 3 3 4 3 3 4 3

CONSCIENCIOSIDADE 3 4 4 3 3 4 4

Fonte: dados da pesquisa.

O número de líderes envolvidos é muito reduzido para se fazer uma comparação

usando-se o teste de Mann-Whitney. Mas não é difícil perceber que, exceto pelo neuroticismo

(cujo resultado é contraditório, pois apesar de uma tendência a medianas maiores entre os

inativos, um deles possui neuroticismo muito baixo) e a abertura (que entre os inativos

apresenta resultados maiores que a média e entre os ativos menores que a média), os dois

conjuntos são semelhantes. Ou seja, ficaria a tendência ao fator “abertura” (O) mais alto entre

os inativos como algo a ser explicado, pois a pesquisa não traz elementos para que se possa

aprofundar nessa investigação.

Em todas as falas referentes aos sacrifícios há algum tipo de gratificação pessoal em

uma atuação que vai envolver um interesse que é coletivo. A diferença que pode ser percebida

nos discursos se refere ao fato de que há uma conotação de ressentimento nas falas dos líderes

inativos – talvez pelo não reconhecimento por parte dos liderados do seu “sacrifício pessoal”,

já que não estão mais no papel de líderes. Já na fala dos líderes ativos, percebe-se uma

conotação que mistura algo de heroísmo com o lúdico – talvez, expressando uma gratificação

pelo reconhecimento em relação aos “sacrifícios” realizados.

As conclusões a que se pode chegar a partir da análise desse material, considerando o

aspecto “sacrifício” relacionado ao exercício do papel de líder, são as seguintes:

a) Houve tendência entre os líderes inativos para avaliar os sacrifícios em uma ótica que

envolve uma “exploração” – ou a sensação de terem sido usados pelos liderados –,

podendo ser percebido em algumas falas certo tom de ressentimento;

b) houve tendência entre os líderes ativos a avaliar os sacrifícios em uma ótica que

envolve visões mais romanceadas do papel do líder, podendo também ser percebido

em algumas falas um tom mais lúdico;

c) no caso dos líderes inativos, é possível que o tom de ressentimento expresso nas falas

se relacione ao fato do “sacrifício” não ter sido reconhecido pelos liderados; no caso

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dos líderes ativos, é possível que o caráter mais lúdico das falas se relacione a uma

percepção de reconhecimento do “sacrifício” por parte dos liderados;

d) considerando os domínios de personalidade, a única diferença significativa entre os

indivíduos cujas falas representam as diferentes visões do “sacrifício” se refere a uma

mediana maior para o domínio abertura (O) entre os líderes inativos avaliados. O

significado desse achado não pode ser identificado a partir dos dados desta pesquisa.

Essas conclusões ainda deverão ser tensionadas com outros elementos, a serem obtidos

no próximo item, para a síntese – que será conduzida na seção 6.1.5 deste capítulo.

C) Liderança, na ótica da autonomia e independência

Pode ser percebida, na análise das entrevistas, alguma confusão entre os termos

autonomia e independência. Na maior parte das vezes, os entrevistados usaram o termo

“independência” para se referir às duas coisas. Na verdade, o que se percebe é que quando

falavam em independência no sentido de ideias ou de posicionamento ideológico, a conotação

estava mais próxima do que é conhecido como autonomia; quando se referiam ao sentido

financeiro, a conotação era a do que se conhece por independência financeira. Serão

abordadas em conjunto, porque surgiram no mesmo contexto da entrevista.

Entre os líderes inativos, há uma fala que se refere à perda de autonomia no exercício

de atividades de liderança. No caso da liderança que se confunde com atividades de gestão.

Ela é encontrada na entrevista com o líder inativo (29), o qual, para preservar sua autonomia e

capacidade de se autodeterminar, abre mão de posições de liderança indicadas por partido

político:

(29) Eu não queria participar de jeito nenhum porque eu achava que meu papel era

ficar contra o governo, ficar independente na instituição para exatamente poder fazer

as intervenções que achava adequadas. Mas não teve jeito, foram ali pedindo, você

tem que ser o diretor [...], porque o pessoal gosta aqui de você e você passa a

credibilidade pra fazer essa nova direção que está começando, que está enfrentando

uma série de oposições.

E mais à frente:

Eu falei: não, eu não quero, são mais de oito anos, eu tenho meus filhos pra educar,

tá, tá, e eu estou dedicando todas as minhas energias aqui, já chegou a hora de parar.

Aí eles falaram: não, mas você vai continuar... Mas as diretrizes do partido vão ter

que ser cumpridas, inclusive o comparecimento nas reuniões para as quais o partido

convocá-lo... Eu falei: então eu peço demissão é agora... Não dá, incompatível, eu

iria virar refém de um partido político.

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Aqui, a autonomia é referida pelo termo “independente”. A fala desse indivíduo faz

contraponto com as apresentadas no item anterior, quando se discutiram liderança e

“exploração”: ao identificar um sacrifício que não estava disposto a assumir ou para o qual

não identificou algum interesse, preferiu manter sua autonomia e se afastar. Percebe-se, nesse

caso, que não havia qualquer tom de ressentimento em sua fala.

Outro líder inativo também abordou a autonomia utilizando o termo independência.

Sua fala foi no sentido de que: (22) “o cara tem que ter independência. As pessoas têm que

perceber que ele tem posições de independência”. Mas há um líder ativo, o entrevistado (15),

em cuja fala se podem observar as duas conotações de independência – a financeira e a

autonomia: (15) “Ele não pode depender financeiramente do cargo não... senão perde a

independência”. Nesse caso, a conotação também é a de que o líder perde a autonomia, que

aqui foi vinculada à independência financeira.

No sentido mais diretamente relacionado à independência financeira, a independência

foi abordada mais por líderes ativos do que pelos inativos. Nesse sentido, ela faz um

contraponto com o que foi discutido na seção 6.1.3 (C), em que foi abordada a relação entre

liderança e interesses (no caso, o financeiro).

Como exemplo, citam-se os três líderes ativos que identificaram na independência

financeira uma característica desejada para o líder – como apresentado na Tabela 18 (pág.

298): o entrevistado (15), cujo trecho foi reproduzido aqui; o entrevistado (24): “é... o líder

não pode depender do cargo que está ocupando. Se ele estiver ocupando um cargo para

sobrevivência dele, o líder... ele não pode”; e o (25) “eu particularmente acho, você não pode

ter uma dependência financeira, principalmente quando você assume um cargo de liderança,

porque aí sim [...] deixa de ser ideal e passa a ser dependência financeira”. Nessa última fala

fica claro o contraponto entre a liderança que é assumida por interesses e aquela que é

assumida por um ideal. Considerando a teoria sobre liderança carismática apresentada na

seção 2.2 (D), lembra-se que o ideal está mais relacionado aos sacrifícios do que ao prazer – e

lembrando também que os dois podem estar no contraponto em relação aos interesses

financeiros.

Outro exemplo nessa linha é a da líder em atividade, do sexo feminino, que na reunião

do grupo de lideranças apresentou uma ideia semelhante: “quem não abandona a sua posição,

seu trabalho de base, é muito mais independente do que o que é só remunerado pela função de

liderança”.

Entre os líderes inativos, o tema não foi espontaneamente abordado nas entrevistas. Na

reunião de grupo, como houve estímulo ao posicionamento sobre esse aspecto, observa-se

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399

entre líderes inativos tendência inversa em relação aos ativos. Como exemplo, citam-se dois

líderes inativos, o (h): “sobre remuneração, acho importante que ele seja bem remunerado

para sustentar as ideias com independência”; e o (u): “(h) falou da questão financeira, fica

exposto à corrupção e todos são corruptíveis – depende do preço”.

Esse é um aspecto aparentemente contraditório: líderes ativos defendendo que o líder

deve ter independência financeira em relação ao cargo que exerce, enquanto líderes inativos

defendendo remuneração adequada para o exercício da liderança. Como não há elementos

para uma conclusão que inclua os dois momentos da contradição, pode-se deixar aqui um

questionamento, que poderia orientar pesquisas futuras: seria adequado considerar que líderes

ativos não defendem remuneração porque já a têm, enquanto os inativos a defendem porque a

desejam, caso mudem de situação (de inativo para ativo)?

Assim, as conclusões que podem ser tiradas sobre esse aspecto abordado são:

a) A autonomia foi colocada como valor tanto por líderes ativos como pelos inativos,

enquanto que a independência financeira foi citada apenas por líderes em atividade;

b) a independência financeira e a autonomia estão no contraponto com os interesses

financeiros, na forma que, quem se conduz pelo interesse financeiro, pode perder a

autonomia;

c) a tensão dialética entre estes dois aspectos que se contrapõem será tratada na próxima

seção, em associação com outras conclusões sobre o tema.

6.1.5 A integração dialética dos diversos aspectos relacionados ao conceito

Ao final da seção 6.1.1 foram reunidos os achados empíricos referentes ao conceito,

buscando-se evidenciar algumas das contradições identificadas nesses achados. Nesta seção, o

que se pretende é reunir os achados empíricos das seções subsequentes, uma vez que outras

contradições foram observadas a partir da análise que ocorreu em seções diferentes.

A intenção aqui é buscar suprassumir estas contradições, considerando o núcleo de

verdade que elas contêm, de modo a conhecer como o objeto de pesquisa é compreendido

nesse grupo social estudado. Para isso, será preciso sumarizar alguns dos itens apresentados à

guisa de conclusão nas seções anteriores, identificados como sendo os mais importantes para

o estabelecimento desses contrapontos, como segue:

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400

a) As conclusões da discussão sobre liderança e interesses financeiros foram:

(i) os interesses de ordem financeira são vistos por indivíduos com experiência no

papel de líder como algo que pode interferir no resultado da ação executada pelo

líder;

(ii) é possível que alguns líderes busquem se manter nessa condição por razões de

sobrevivência financeira.

b) As conclusões da discussão sobre liderança e independência foram:

(i) a independência financeira e a autonomia estão no contraponto dos interesses

financeiros, de modo que, quem se conduz pelo interesse financeiro pode perder

a autonomia;

(ii) a autonomia aparece como valor tanto por líderes ativos como pelos inativos,

enquanto que a independência financeira foi citada apenas por líderes em

atividade.

c) As conclusões da discussão sobre liderança e a “projeção social” foram:

(i) a projeção social pode ser considerada um substituto para o retorno financeiro;

(ii) a “vaidade”, no sentido de busca de projeção social, não foi percebida como

algo negativo na liderança; e no sentido de “baixa modéstia” – o que pode estar

ligado ao conceito de narcisismo – foi percebida como algo que pode ser

negativo para a liderança.

d) A conclusão da discussão sobre liderança e aumento da visibilidade no grupo foi:

(i) O “aumento da visibilidade em seu grupo social” pode se relacionar com

interesses de caráter tanto financeiro como social, sem relação com os ganhos

diretos do papel de líder.

e) A conclusão da discussão sobre liderança e o trabalho como “executivo” foi:

(i) a lógica que associa o exercício do papel de líder ao interesse pelo trabalho em

funções “executivas” está de acordo com o seu enquadramento na divisão social

do trabalho, a qual envolve não somente as posições superiores na hierarquia,

como também os ganhos financeiros esperados para essas posições.

f) São as conclusões sobre liderança como atividade banal e o romance da liderança:

(i) Constatou-se mais tendência de líderes que estão em atividade a replicar um

discurso mais “romanceado” sobre a liderança, apresentando-a como uma

atividade excepcional;

(ii) Em contrapartida, alguns líderes, tanto entre os que estão em atividade como

entre os inativos, manifestaram espontaneamente percepção de que a liderança é

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401

uma atividade não excepcional ou uma atividade como outra qualquer na divisão

social do trabalho;

(iii) uma abordagem negativamente dialética deve considerar a verdade existente

nas duas visões. Assim, pode-se considerar que a liderança será banal se mobiliza

os recursos que o indivíduo utiliza para o exercício de suas atividades habituais,

ou seja, habilidades que identifica em si; e será excepcional se as habilidades

identificadas para o exercício da liderança não são facilmente encontradas em si

mesmo, podendo tanto ser desejadas como rejeitadas no outro.

g) As conclusões obtidas na discussão sobre liderança e sacrifícios foram:

(i) houve tendência entre os líderes inativos a avaliar os sacrifícios em uma ótica

que envolve uma “exploração” – ou a sensação de terem sido usados pelos

liderados –, podendo ser percebido em algumas falas certo tom de ressentimento

em relação ao grupo;

(ii) houve tendência entre os líderes ativos a avaliar os sacrifícios em uma ótica que

envolve visões mais romanceadas do papel do líder, podendo ser percebido em

algumas falas um tom mais lúdico envolvendo os “sacrifícios”;

(iii) não foram identificadas diferenças significativas nos domínios de personalidade

entre os indivíduos avaliados, cujas falas representam as diferentes visões do

“sacrifício”;

(iv) no caso dos líderes inativos, é possível que o tom de ressentimento expresso nas

falas se relacione ao fato de o “sacrifício” não ter sido reconhecido pelos

liderados; no caso dos líderes ativos, é possível que o caráter mais lúdico das

falas se relacione a uma percepção de reconhecimento do “sacrifício” por parte

dos liderados.

Considerando o núcleo de verdade que pode coexistir nessas conclusões, o que se

buscou foi organizar todos os itens apresentados, na forma de um discurso sobre os aspectos

identificados no grupo social investigado que podem interferir na compreensão do grupo

sobre o conceito de liderança. Isso pode ser feito da seguinte forma: para buscar o papel de

líder, o indivíduo deve identificar nesse papel ou algo de excepcional em relação aos demais

papéis que exerce em seu campo profissional – o que poderia ligar esse exercício a algum

interesse (financeiro, de projeção social, visibilidade social ou o exercício do poder na cúpula

de uma organização) que justifique trocar algum papel social que já desempenhe pelo papel

de líder – ou perceber nesse papel a continuidade de algo que já exerce (e que, por isso, nada

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402

teria de excepcional), cujo interesse estaria no “prazer” de fazer algo que faz naturalmente e

de que gosta.

Entre os interesses, o de ordem financeira é visto como um motivador para muitos dos

líderes entrevistados. A partir dessa ótica, a liderança é facilmente situada entre as atividades

valorizadas na divisão social do trabalho.

Um dos problemas identificados para a liderança, quando vista sob essa ótica, está na

necessidade do líder de se manter nessas posições por razões de sobrevivência ou pelo menos

a de passar a depender financeiramente das atividades relacionadas às posições de liderança.

Entre as consequências identificadas para essas situações está a perda de autonomia, sendo

que ter independência financeira em relação ao cargo foi identificado por alguns líderes como

um fator facilitador para adquirir e manter essa autonomia.

A projeção social, que também foi identificada como um motivador para se buscar as

posições de liderança, foi vista por alguns dos entrevistados como um substituto dos ganhos

financeiros para o exercício do papel. Ela só foi apresentada como algo negativo quando

representa um ato de vaidade, que visaria atender apenas aos interesses do indivíduo que está

no papel de líder, e não aos interesses do grupo que deveria representar. O aumento da

visibilidade no grupo social, que também surgiu como um tipo de interesse, estaria menos

associada aos ganhos diretos em relação à posição de liderança, mas com o acúmulo de

“capital social” para ser utilizado em outros objetivos – como ganhos financeiros em negócios

próprios ou visibilidade política para ganhos futuros, financeiros ou sociais.

O resultado na divergência entre os dois tipos de interesse apresentados é que o

indivíduo, no papel de líder, ou vai se satisfazer com a compensação de ordem financeira

pelos sacrifícios a que, no seu entendimento, o exercício do papel de líder impõe ou ele vai

buscar o reconhecimento social do grupo. Esse reconhecimento pode se expressar tanto na sua

manutenção nesses papéis ou com ganho em projeção social. Existindo o reconhecimento, o

líder pode ver a liderança como algo lúdico, que ele exerce por prazer; se não, ele pode se

considerar usado ou “explorado” pelos liderados.

Até aqui, foram reunidos elementos suficientes para se apresentar uma integração

dialética que considere o núcleo de verdade de cada um desses elementos. O modo de

visualizar essa integração, como não poderia deixar de ser, é apresentá-los de forma

constelatória. No caso da integração dialética, na forma constelatória, do que foi identificado

na pesquisa, pode-se dizer que o conceito de liderança, para o grupo social estudado, envolve

diversos aspectos, que podem ser integrados como representado na figura 3:

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403

Figura 3 – Integrando diversos os diversos aspectos identificados no conceito

LIDERANÇA INTEGRAÇÃO DIALÉTICA DO CONCEITO

Interesses financeiros Aumento da

“visibilidade social”Trabalho como

“executivo”

Projeção socialExploração

Atividade banal

“Romance” Sacrifícios

IndependênciaAutonomia

Fonte: concepção do autor

O exercício de poder, por fazer ser um tema a parte – e que, por isso, vai exigir uma

abordagem conceitual um tanto diversa da realizada para a compreensão da liderança (ainda

que próxima, como foi apresentado no capítulo 3) – fica representado na figura como algo que

ainda que seja muito próximo, é diferenciado do restante.

Essa constelação de conceitos, representada pela figura 3, representa o primeiro

esboço da compreensão do conceito de liderança para o grupo estudado. Entretanto, para

completar a compreensão do tema na partir dos dados empíricos levantados, ainda há uma

questão a ser respondida, a partir do que se poderá apresentar o que seria uma resposta final

para a pergunta que motivou a tese. Essa questão é a que se refere à existência ou não de

características esperadas para os indivíduos que, no grupo estudado, assumem o papel de

líder.

Para apresentar uma resposta a esse questionamento, será preciso reunir o que foi

levantado sobre as características pessoais dos indivíduos escolhidos como lideres nesse

grupo – aí incluídas a sua história relacionada com a liderança e as características de sua

personalidade.

Essa será a tarefa da próxima seção.

Exercício do Poder

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404

6.2 O líder no grupo social estudado

Só se pode falar em liderança em situações nas quais se possam identificar líderes e

liderados. O que se pretende, nesta seção, é, considerando as características pessoais dos

líderes, e comparando-as com as características pessoais dos indivíduos que, apesar

identificados no exercício do papel de liderados no grupo social em questão, em algum

momento já estiveram no papel de líder, reunir os elementos abstraídos na pesquisa que

ajudem a responder à pergunta, relacionada com o que é ser líder.

Como foi apresentado no capítulo 4, foram duas as linhas de abordagem empírica

utilizadas para produzir esses dados: o que esses indivíduos identificaram como sendo

relevante em sua história relacionada com o tema, e a investigação das características de suas

personalidades. Esses são os temas das duas próximas seções.

6.2.1 História dos indivíduos relacionada com a liderança

Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005) identificam uma série de funções para a história

do líder: facilitar, para o liderado, a percepção da personalidade do líder; criar expectativas

sobre o líder para influenciar a sua relação com liderados; gerenciamento de sentidos

realizado a partir da manipulação dos símbolos – que pode ser conseguido por meio de suas

narrativas. A esses quatro itens pode ser acrescentada a proposição de Gardner e Avolio

(1998), de que a narrativa é um meio eficaz para se conseguir que o próprio líder se reconheça

nesse papel. Como a pesquisa empírica não inclui indivíduos que estavam apenas no papel de

liderados no grupo investigado, essas proposições podem não apresentar condições de serem

aferidas.

Na pesquisa, os aspectos relacionados com a liderança identificados como

significativos para a vida do entrevistado, foram obtidos basicamente pela narrativa livre –

como apresentado na metodologia. Nos dados organizados no capítulo 5, foram identificadas

as seguintes categorias: referências masculinas e paternas; referências entre os irmãos;

vivências com a liderança e com a atividade política; e os aspectos que podem ser reunidos

sob a noção geral do líder na posição de liderado em seu grupo familiar.

Essas categorias serão descritas separadamente, com a intenção de serem integradas no

final da discussão.

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405

A) A referência masculina e paterna (TAB. 33, pág. 332)

O primeiro conjunto de informações obtidas a partir dos dados relaciona-se à

influência masculina e paterna, em que foram identificados:

a) Para mais da metade dos indivíduos dos dois grupos, o pai – isoladamente ou em

conjunto com a mãe – foi citado como o modelo de líder;

b) que a referência familiar masculina também foi muito relevante – se somarmos todas

as referências, são 58,8% entre os líderes em atividade e 73,68% entre os inativos.

Como já foi observado no capítulo 5, esses dois achados estão de acordo com a visão

de Barker (2001), para quem o modelo de liderança em nossa cultura vem do modelo bélico,

envolvendo um líder viril e poderoso no topo de uma estrutura hierárquica, que controla toda

a estrutura e que tem o seu poder fundado no conhecimento, no controle e na habilidade de

vencer a “guerra” – aqui usada como metáfora para qualquer outro objetivo estabelecido para

o grupo social que ele lidera.

No caso dos dois líderes – um ativo e o outro inativo – que apresentaram a mãe como

referência, não foram identificadas, na análise, características que os diferenciassem dos

demais. Seria necessária uma investigação mais aprofundada envolvendo as respectivas mães,

para saber se haveria algum mecanismo inconsciente que as relacionasse com as imagens do

masculino, ou e se efetivamente haveria uma diferença entre elas e outras mães.

No entanto, relembrando as falas, percebe-se algo de diferente em relação às

referências habituais de liderança.

(7) na história dela sempre teve uma participação maior. Acho que eu puxei isso

dela: uma participação, assim, de estar ali, dentro da turma, né?

A referência aqui é de liderança por participação “dentro da turma”. Não por indicar

caminhos, fornecer visão, comandar, mas por participar da atividade social. Já o segundo:

(18): [...] minha mãe era uma ativista na política municipal. O pai dela, meu avô [...]

era um líder.

Nesse último caso, houve uma ligação direta entre a mãe e o avô materno, que foi

aquele que o entrevistado definiu como líder. Ou seja, é interessante observar que o

entrevistado apresenta a mãe como “ativista na política municipal”, mas vai identificar a

liderança no avô! Se apenas nesse caso é possível encontrar uma contradição – quando cita a

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mãe como ativista, mas identifica no pai dela o líder – em ambos os achados é possível

identificar uma possibilidade para modelos alternativos ao modelo de liderança masculino,

viril e bélico.

Entre os dois entrevistados que citam irmãos mais velhos como referência, um – o

entrevistado (34) – vai citar a irmã. Nos dois casos (citação da mãe e da irmã), se a raridade

reforça a expressão da ideologia (com frequência semelhante nos dois grupos), a sua presença

aponta para a identificação de outras possibilidades de modelo para a ação do líder.

B) Vivências familiares relacionadas à liderança

Um primeiro aspecto a discutir, fruto do relato espontâneo de muitos dos

entrevistados, foi a relação estabelecida entre a história de liderança do entrevistado e a de

seus outros irmãos – cujos resultados estão apresentados nas Tabelas 36, 37 e 38 (págs. 336,

337 e 338).

É interessante observar que a literatura do mainstream sobre a liderança – mesmo a

que considera que aspectos da história do indivíduo podem ser relevantes para a atividade de

liderança – não aborda esta relação identificada nas entrevistas. É possível considerar, como

explicação para essa ausência, as diferenças culturais entre a cultura anglo-saxã – em que a

maior parte da literatura sobre a liderança foi produzida – e a latina, na qual estão inseridos os

entrevistados. Entretanto, se a sua presença espontânea nos relatos aponta para algo que pode

ser, de alguma forma, relevante para quem exerce ou exerceu a liderança, a sua ausência no

mainstream pode ser um indicador de que, o que quer que seja esse algo, ele pode não

corroborar uma ideologia sobre a liderança. Mas não há elementos na pesquisa que possam

corroborar qualquer conclusão nesse sentido, merecendo esse aspecto ser objeto de

investigações futuras.

Nas análises conduzidas a partir dos dados reunidos nas Tabelas 36, 37 e 38 (págs.

336, 337 e 338), o que chama a atenção é a distribuição razoavelmente equilibrada dos itens

entre os dois grupos, sendo que para as distorções observadas – como a de que a maioria dos

líderes inativos é o irmão do meio – não foi encontrado algo no material que pudesse explicar

a ocorrência. Fica o achado registrado como outro possível item para investigação futura.

Em relação à vivência da família do entrevistado com atividades político-partidárias

(TAB. 35, pág. 335), não só os dois grupos são muito semelhantes, como também a maior

ocorrência se refere à ausência desse tipo de influência (nove de 17 ou 52,94% para os líderes

ativos e 10 de 18 ou 55,55% entre os inativos).

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407

A observação de Lasswell (1963) de que há mais políticos em famílias com tradição

política pode estar mais relacionada com o fato da atividade política ser exercida dentro da

divisão social do trabalho do que com o exercício da liderança – pelo menos na forma como a

liderança é conceituada para o mainstream. Talvez também se possam encontrar mais

médicos em família com tradição médica, ou mais advogados em famílias com tradição no

direito. A ausência identificada na tabela 35 (pág. 335) pode estar apontando em direção a

uma separação entre os dois campos – o da política exercida como profissão e o exercício de

papéis de liderança – campos esses que o mainstream tende a aproximar (se não a mesclar).

Ainda dentro da história de liderança do entrevistado, não foram encontradas

diferenças significativas entre líderes ativos e inativos quando comparados sob os seguintes

aspectos: participação em grupos sociais (como grupos religiosos e políticos) antes de entrar

para a universidade, exercendo ou não papéis de liderança (TAB. 43, pág. 344); participação,

na vida universitária, em movimento estudantil – considerando aqui tanto as atividades de

cunho basicamente social (festas, comissão de formatura) como atividades políticas (tanto

aquelas referentes à política estudantil como em relação à política partidária) (TAB. 44, pág.

346); participação no início da vida profissional de atividades associativas, exercendo ou não

papéis de liderança, tanto naquelas voltadas para a sua profissão como as não relacionadas à

sua atividade profissional (TAB. 45 e 46, pág. 347).

Uma última comparação vai envolver dois aspectos da história de liderança dos

indivíduos: entrevistados que iniciaram o relato pela infância, comparados aos que

inicialmente relataram a vida adulta, já na atividade profissional (TAB. 40, pág. 341);

entrevistados que reconhecem as suas ações (ser bom aluno ou ser bom em esportes) como

sendo um fator para a sua definição como líder pelos colegas, comparados àqueles que não

conseguem qualquer característica específica nessa identificação (TAB. 41 e 42, págs. 342 e

343). Quando essa comparação é conduzida na interface com o tema da próxima seção – os

domínios de personalidade dos indivíduos nos dois grupos – o que se observa é que os grupos

comparados são absolutamente semelhantes.

O conjunto de informações apresentadas até aqui reúne elementos que permitem

afirmar que, se algo na história de liderança dos indivíduos pertencentes aos dois grupos

(líderes em atividade e líderes que não estavam no exercício deste papel) foi facilitador para

que assumissem os papéis de liderança (ou para que pudessem ser identificados como líderes

pelos demais indivíduos do grupo social do qual faziam parte), esse aspecto não foi diferente

para os dois grupos – mesmo que não tenha sido citado pela literatura do mainstream como

algo relevante para as relações de liderança.

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408

A distribuição relativamente equilibrada entre os diversos itens que compõem as

categorias identificadas permite afirmar que, pelo menos no grupo social pesquisado, não foi

evidenciada tendência a que determinado tipo de situação ocorrida no passado do indivíduo se

constitua em facilitador para esse indivíduo se manter no papel de líder no futuro. Mas não há

como se concluir algo a respeito da emergência da liderança, como os dados levantados –

para isso, seria necessário incluir indivíduos que exercem apenas o que se pode chamar de

papel de liderado no grupo investigado.

Esta conclusão ao mesmo tempo afirma e nega o que foi apresentado na literatura

sobre história de vida e liderança, apresentada na seção 3.5.2, e do discurso sobre a liderança,

apresentada na seção 3.5.3 (E). Afirma, porque o que foi apurado nas entrevistas sobre o

histórico dos líderes entrevistados é compatível com o que foi encontrado na literatura. Isso

não é uma surpresa: como algo que existe no mundo da prática, e que pode ser aprendido nos

MBAs, pode-se esperar que, ao ser solicitado para contar a sua história relacionada com o

tema, o indivíduo faça as escolhas mais apropriadas para afirmar a sua relação com o tema.

Como Shamir, Dayan-Horesh e Adler (2005) haviam antecipado, compreender sua

história relacionada com um tema significa iluminar as partes que podem ser utilizadas para

afirmar o que se quer relatar, e esconder outras, que poderiam prejudicar essa mesma

compreensão. Nesse contexto, faz sentido a semelhança entre os dois grupos: se o solicitado é

o relato de sua história relacionada com a liderança, é nesse sentido que o entrevistado vai

buscar conduzir sua resposta.

Por outro lado, o achado nega o que é apresentado na literatura, no sentido de que

indivíduos que hoje estão apenas no papel de liderados no grupo social estudado possuem,

como grupo, aspectos congruentes com os líderes em atividade, nas categorias de análise

identificadas. Em outros termos, aspectos na história do indivíduo que podem ser

identificados como facilitadores para a liderança podem estar presentes em indivíduos que

assumem apenas o papel de liderados – ou porque o grupo não renova a escolha para o

exercício deste papel, ou porque fatores pessoais não o motivam mais para esse exercício.

Esse aspecto pede o aprofundamento da análise dos indivíduos que estavam, no

momento da entrevista, na posição de liderados.

C) O líder como liderado

Um aspecto que não foi objeto de investigação, pelo tipo de desenho realizado para a

pesquisa, foi se a história desses indivíduos poderia ter sido responsável por algo que tivesse

algum impacto na sua identificação como líderes pelos demais liderados do grupo social –

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uma vez que indivíduos que exerceram apenas o papel de liderados, nesse grupo social e

nessas diferentes fases da história, não foram entrevistados.

No entanto, dois aspectos nesse contexto que podem ser utilizados para obter

informações sobre a ótica do liderado, devem ser observados: (i) não se pode desconsiderar

que os lideres inativos estão hoje, formalmente, no papel de liderados; e (ii) se for considerada

a situação social de todos os indivíduos entrevistados, em uma rede de organizações todos

esses indivíduos ora estão no papel de líder, ora no de liderado. O que se pode observar nas

entrevistas foi que a ótica de todos (mesmo dos inativos) esteve sempre voltada para o seu

papel como líder, e não para o de liderados – que também eram.

Esse foi um aspecto não explorado na literatura do mainstream, mas que pode ser

relevante para a compreensão da psicologia do líder: a forma dicotômica líder-liderado que

subjaz ao conceito de liderança, como aprendido em nossos meios sociais, deve exercer um

papel importante na ideologia da liderança. Por isso, foi necessário encontrar alguma forma

para explorar essa questão na pesquisa.

Esse aspecto pode ser explorado nesta pesquisa no momento na entrevista no qual o

entrevistado era estimulado a se colocar no papel de liderado: ele era estimulado a citar, entre

as lideranças dos grupos sociais dos quais participavam, aqueles que efetivamente

consideravam como líderes e aqueles que, apesar de estarem no exercício deste papel, não

eram vistos como tal. O resultado dessa pergunta foi organizado nas Tabelas 29 e 30 (pág.

320) e a análise das distorções percebidas foi realizada a partir das informações reunidas nos

Quadros 4 e 5 (págs. 321 e 326).

Até onde se pôde chegar na análise de dados produzidos com o entrevistado na

posição de liderado, conduzida na seção 5.2.(G), pode-se dizer que:

a) A citação de líderes em atividade como exemplo de liderança efetiva pode estar

relacionada muito mais à exposição pública do indivíduo – líder de organizações que

são importantes na determinação do resultado de sua atividade profissional – do que

por características de personalidade ou da história de vida percebida pelos liderados. É

a situação tautológica de que o indivíduo é identificado como líder porque está no

exercício da liderança – ainda que tenha acendido a essa posição por falta de quem o

quisesse, o porque alguém que exerce sobre ele alguma influência tivesse solicitado

para que ele assumisse esse papel;

b) por outro lado, a não identificação como líder de alguém que está no exercício do

papel pode estar associada apenas ao fato de estarem os indivíduos em posições

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políticas antagônicas, e não a algum aspecto relacionado à personalidade do indivíduo

ou à sua história.

Ou seja, pelo menos conscientemente, e na ótica de que tem a experiência da

liderança, não haveria algum aspecto relacionado à personalidade do indivíduo, ou a fatos

identificados em sua trajetória de vida, que pudesse facilitar a identificação (ou rejeição) de

outro indivíduo como líder. Mas também não se pode desconsiderar que a avaliação

apresentada está mais dentro da ótica de avaliação “pares” do que de “superiores” – como

poderia ocorrer em uma avaliação feita por alguém que se vê como liderado apenas.

Outro aspecto considerado relevante: foi identificada uma persistente homogeneidade

entre os dois grupos quando se consideraram todas as categorias de investigação produzidas

pelas entrevistas, apresentadas nas Tabelas 43, 44, 45 e 46 (págs. 344, 346 e 347) referentes a

aspectos como participação em movimentos estudantis, em atividades associativas voltadas

para a categoria profissional na qual exercem ou exerceram a liderança e com as

características da liderança que assumiram no passado.

Em todas essas categorias os dois grupos foram muito semelhantes, e revelaram que:

os itens que surgiram dos relatos são relevantes – uma vez que se repetem em relatos

espontâneos nos dois grupos – apesar de não estarem identificados na literatura do

mainstream; e que não foi possível distinguir uma tendência específica entre eles.

Sintetizando o que foi apresentado:

a) Se por um lado as referências familiares masculinas foram importantes para os dois

grupos estudados, reafirmando uma tendência já identificada pela literatura mais

crítica – de modo especial, autores como Ford (2010) e Barker (2001), o que pode ser

considerado de acordo com o conceito de liderança em nossa cultura – a presença de

modelos femininos (em número igual para os dois grupos) não pode ser

desconsiderada como possibilidade de referência, apontando para outras possibilidades

de modelos de comportamento os líderes;

b) não foi possível identificar algum aspecto na história do entrevistado que pudesse ser

considerado diferenciador entre os grupos de líderes ativos e inativos;

c) a presença espontânea dos relatos relacionados com a influência exercida pelos irmãos

aponta para algo que pode ser, de alguma forma, relevante para quem exerce ou

exerceu a liderança, e a sua ausência na literatura do mainstream pode ser um

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indicador de que, o que quer que seja esse algo, pode não corroborar uma ideologia

dominante sobre a liderança; e

d) na ótica de que tem a experiência da liderança (o objeto desta pesquisa), e em

desacordo com a literatura do mainstream, não foi identificado algum aspecto

relacionado à personalidade do indivíduo, ou a fatos identificados em sua trajetória de

vida, que pudessem facilitar a identificação (ou rejeição) de outro indivíduo como

líder.

Uma última observação sobre esse conjunto de dados referentes à historia de vida dos

líderes diz respeito à ausência de diferenças ou distorções identificadas nas características de

personalidade, quando os dois grupos foram comparados para a avaliar os aspectos de sua

história de vida que poderiam ter influenciado na percepção dessas pessoas como líderes pelos

liderados – como apresentado nas Tabelas 40 e 42 (págs. 341 e 343).

Essa semelhança aponta para o último aspecto a ser abordado na busca da

caracterização dos líderes dos dois grupos, antes que as conclusões possam ser organizadas de

modo a fornecer a resposta à pergunta de pesquisa

6.2.2 Personalidade e liderança

Dois aspectos não passam despercebidos nas análises dos dados do capítulo 5:

a) A tendência dos dois grupos a uma distribuição razoavelmente equilibrada dos itens

em todas as categorias – como pode ser facilmente percebido nas comparações

apresentadas;

b) a tendência dos dois grupos a uma distribuição ainda mais equilibrada, quando se

fazem as comparações entre os cinco domínios (ou fatores) que expressam a

personalidade.

Esses dois aspectos em conjunto sinalizam para a possibilidade de a personalidade do

indivíduo se relacionar, de alguma forma, com o fato desses indivíduos terem assumido, em

algum momento de suas histórias de vida, o papel social de líder. Esse é um achado da

pesquisa que deve ser cuidadosamente explorado, pois confronta com boa parcela do que vem

sendo desenvolvido pela teoria sobre liderança após a década de 1930, como apresentado no

capítulo 3.

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412

Ao iniciar a redação dos capítulos 4 e 5 desta tese, os dois grupos eram identificados

pelos nomes de “líderes” e “ex-líderes”. No entanto, com o desenvolvimento das análises, foi

ficando cada vez mais claro que o nome “ex-líder” era inapropriado, dadas as semelhanças

que iam sendo identificadas entre os dois grupos. A partir de um determinado ponto do texto

foi preciso voltar ao início desses dois capítulos, modificando a nomenclatura para “líderes

ativos” e “líderes inativos” para caracterizar melhor o que realmente representavam.

O que ficou implícito nessa mudança foi o reconhecimento do equilíbrio entre os dois

grupos descritos, percebido nas análises de cada categoria identificada a partir das entrevistas,

e nas comparações entre os cinco domínios da personalidade, o que revelou serem os dois

grupos muito semelhantes.

Foram revisadas as premissas estabelecidas na metodologia em relação à contradição

no objeto, pois se imaginava que, tendo escolhido dois grupos com comportamento social

contraditório – um que se mantinha em posições de liderança e outro que as havia abandonado

– era possível que fossem encontrados resultados contraditórios entre os dois grupos. Ao

contrário, os achados revelavam que os dois grupos eram, na verdade, bastante semelhantes.

Revendo os achados à luz da teoria crítica, concluiu-se que eles se encontravam de

acordo com a teoria que relaciona a personalidade com a liderança, apresentada nas seções

3.4.4, 3.4.5, 3.4.6 e 2.4.7, se observados dialeticamente: as contradições encontradas

estavam exatamente no objeto. Na verdade, esse era o risco sobre o qual falava T. Adorno,

quanto a se ter uma hipótese prévia sobre o objeto que pudesse de alguma forma orientar a

condução da pesquisa.

Em termos gerais, haja vista a premissa frankfurteana apresentada no início do

capítulo 3, de que o objeto social possui um “núcleo temporal de verdade”, foi levantada a

possibilidade de que pessoas com determinadas características de personalidade poderiam ser

identificadas, dentro de um grupo social e em determinado momento de sua história, como

portadoras do perfil desejado para assumir papéis que o grupo social atribui ao líder – o que

poderia ter a finalidade de ajudar o grupo a atingir determinados objetivos próprios daquele

grupo social, naquele momento.

Da mesma forma, é possível que esse mesmo indivíduo deixe de assumir esses papéis

quando algo em sua história de vida entra em conflito (ou confronto, desacordo ou qualquer

outro termo que mostre incongruência de interesses) com as expectativas ou interesses do

grupo social – o que pode se relacionar tanto aos objetivos desejados pelo grupo como aos

objetivos desejados pelo indivíduo. Esse aspecto – o conflito de interesses – pode ser

observado, na Tabela 5 (pág. 282), entre as razões que foram chamadas de “volitivas” para os

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413

líderes inativos se manterem afastados. Mas a sua ocorrência não muda o fato de que, em

algum momento – e, em geral, por muito tempo – esses indivíduos foram identificados como

líderes dentro do seu grupo social.

A análise deveria focar, então, as razões para terem assumido esse papel em algum

momento de sua trajetória de vida, que é o aspecto que vai diferenciar os indivíduos

pertencentes aos dois grupos dos demais membros do grupo (aqueles que nunca assumiram

papéis de liderança em seu grupo social). Acontece que, como foi apresentado na Tabela 28

(pág. 318), praticamente a metade dos dois grupos não pôde citar uma motivação clara para

assumir o papel de líder (o somatório dos itens II e V, ou oito de 18 entre líderes ativos e 10

de 21 entre os inativos).

Clara distorção pode ser notada se se considerar apenas o item V: entre os líderes

inativos, metade dos indivíduos incluídos entre os que não puderam inferir uma motivação

(cinco entre os 10) citou uma relação do exercício desse papel com algo que poderia se ligar à

personalidade do indivíduo; entre líderes em atividade, somente um estabeleceu essa relação.

Na mesma linha, a mesma distorção pode ser conferida na Tabela 23 (pág. 303), na qual

nenhum líder em atividade considerou a liderança algo inato, contra três líderes inativos que o

consideraram – partindo-se aqui do princípio de que a conotação percebida na entrevista para

o termo “inato” era uma referência às características da personalidade.

Essa contradição entre os dois grupos, percebida nessas duas Tabelas (TAB. 23 e 28,

págs. 303 e 318), motiva uma pergunta: por que mais indivíduos que já não estão no papel de

líderes, às vezes por muito tempo, consideram que possuem características inatas de

personalidade para o exercício da liderança? Seria possível que motivações citadas por líderes

que estão em atividade, como vontade de mudar as coisas, ímpeto para inovar e gostar do que

está fazendo, não traduziram em outras palavras o que líderes que não estão em atividade não

souberam caracterizar, mas que, no fundo, estariam se referindo à mesma coisa – ou, algo

relacionado à personalidade? Se esse for o caso, apenas os que citaram o item IV (mais por

falta de gente para participar do que por mérito) não teriam feito referência a alguma

característica inerente ao indivíduo. Nesse caso, os dois grupos estão, novamente, bem

equilibrados (dois líderes ativos e três líderes inativos).

Ainda neste contexto, também chamam a atenção, na análise das entrevistas, os

indivíduos que disseram que foram “levados” a assumir as posições de liderança – como se

eles mesmos não tivessem buscado essa posição – tanto entre inativos quanto entre ativos.

Um aspecto interessante é que essas foram falas de pessoas que, nos dois grupos, assumiram

muitas posições de liderança durante a vida. Ou seja, em conformidade com o discutido no

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414

parágrafo anterior, o que esses entrevistados podem estar fazendo com esse tipo de discurso é

buscando mostrar que, por ser algo próprio da sua personalidade, não há por que realizar um

“esforço” no sentido de “buscar” esses papéis.

Entre os líderes em atividade, muitas falas vinham no sentido de demonstrar que a

liderança era para o entrevistado algo muito natural, que acontecia sem esforço, ligada a

“alguma coisa” sob o qual ele não tinha controle em si mesmo – como acontece com os

comportamentos que são a expressão da personalidade. Os exemplos são:

(3) “eu nunca precisei... cheguei onde cheguei com toda história... sempre é o

pessoal que me coloca nos lugares... eu nunca procurei, por exemplo, fazer um

trabalho „eu quero ir para (organização x)‟ [...]”;

(15) “muitas das chefias e lideranças que exerci eu te diria que caíram no meu colo.

Eu não vinha deliberadamente procurando fazer isso”;

(20) “eu fui identificado, é... alguém precisava de... de alguma função naquele

momento e... eu era uma pessoa que estava ali [...]”.

Já entre os inativos, as referências à personalidade são mais diretas:

(26) “[...] acho que a gente... na personalidade de quem participa, de quem exerce

alguma função de liderança, já tem alguma coisa na personalidade que de alguma

forma”;

(19) “das características de minha personalidade que fizeram com que eu

conseguisse muitas dessas coisas”;

(13) “isso aí eu sempre tive em mim, uma coisa meio inata”;

(29) “a personalidade, deve ter algum distúrbio”.

Alguns posicionamentos de reunião também são elucidativos. Entre os líderes ativos:

(2) “as falas vão no sentido de „eu não queria... me colocaram lá‟. Não acredito

nisso. As coisas são consequenciais, portanto, quem participa necessariamente

assume posições. Dizer „eu não queria‟ é uma forma de colocar a liderança como

sacrifício, quando ninguém é líder por acaso”;

(15) “é através do que fazem (ou fizeram) e não através do que dizem de si”; em

outro momento: (15) “todas as características são desenvolvidas [...] As situações da

vida dirão o quanto cada um vai se empenhar em crescer”;

(17): “se existe alguma capacidade individual, ela pode ser polida”.

Entre os inativos:

(5) “na maioria das vezes reconhece-se um líder por ele já ser considerado líder. Não

é predição, é constatação”;

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415

(i) “em momentos de crise o líder surge naturalmente” e, em outro momento, o

mesmo (i) “o líder tem que aprender habilidades, como falar bem, expor ideias com

clareza e saber ouvir os liderados. Não adianta „gritar‟ e se considerar líder” (grifo

do participante).

(l) “fica uma sensação que liderança é muito mais treino, prática e estudo, embora

talvez haja também um fator pessoal „endógeno‟” (grifo do participante).

Ou seja, quando a fala é espontânea, como nas entrevistas, surgem muitas posições do

tipo “algo próprio do indivíduo, sob o qual ele não teria muito controle”. Entretanto, quando

estimulados – principalmente quando a sua opinião é pública –, as falas vão no sentido de que

há algo que é próprio do indivíduo, mas esse algo também deve ser desenvolvido.

Bem, se é possível identificar uma percepção, comum tanto a indivíduos que exercem

como aos que já exerceram o papel de líder, de que a liderança é algo próprio do indivíduo,

por que então alguns permanecem por muito tempo nesse papel, enquanto outros o assumem

em uma época da vida, deixando-o muitas vezes de forma definitiva?

Na seção 3.4.7 foram apresentadas pesquisas que tinham como foco a personalidade

do liderado. Entre elas, a de Ehrhart e Klein (2001), na qual os autores, se não falam

diretamente sobre características de personalidade do liderado, abordam questões que estão na

interface entre a cultura do grupo e a personalidade do líder. Entre as conclusões desses

autores estão as de que as preferências e reações do liderado a diferentes tipos de líderes

baseiam-se na atração de similaridades relacionadas aos atributos e valores do líder, e que as

necessidades de satisfação e as preferências do liderado para determinado estilo de liderança

podem indicar qual seria a resposta provável desse liderado ao trabalhar com aquele tipo de

líder.

Isso requer a investigação das características de personalidade nos dois grupos.

Analisando os achados referentes à personalidade dos dois grupos de líderes da

pesquisa, os quais pertencem ao mesmo grupo social – portanto, sujeitos à mesma “cultura” –,

a reunião de todas as comparações realizadas dos cinco domínios de personalidade entre os

dois grupos, nas mais diversas situações, apresenta o seguinte resultado:

a) Na Tabela 3 (pág. 277), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais para os dois grupos, considerados como um todo;

b) na Tabela 6 (pág. 282), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais quando se consideram os dois grupos de líderes inativos quanto à motivação

geral para se manterem afastados;

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416

c) na Tabela 10 (pág. 287), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais quando se comparam os indivíduos que mais assumiram presidências com os

que nunca as assumiram;

d) na Tabela 15 (pág. 296), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais quando se comparam os indivíduos divididos pela forma como veem a liderança

(atenção com o liderado ou motivações de ordem interna, pessoal);

e) na Tabela 40 (pág. 341), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais quando se comparam os indivíduos pela forma como iniciaram os seus relatos

(infância ou na vida profissional);

f) na Tabela 42 (pág. 343), o p-valor da comparação mostra que os cinco domínios são

iguais quando os indivíduos são comparados, formando dois grupos: um que cita

ações que poderiam facilitar sua identificação como líderes e outro que não identifica

qualquer ação desse tipo.

Ou seja, rigorosamente, sob qualquer dos aspectos nos quais os líderes avaliados

foram agrupados, a comparação dos domínios de personalidade entre os dois grupos formados

sempre revelou que a mediana dos domínios não apresentava diferença significativa quando

comparados pela estatística U, de Mann-Whitney.

Comparando esses resultados com o apresentado pela revisão de literatura realizada

por Judge et al. (2002), pode-se constatar que em apenas um domínio – o “neuroticismo” – os

grupos da pesquisa exibiram resultado congruente com a literatura.

Reunindo os achados empíricos – que incluem as indagações apresentadas – com os

achados de literatura apresentados na seção 3.4.7, já se tem condições de organizar esse

conjunto de informações orientados pela lógica dialética.

As conclusões que podem ser obtidas desses resultados são as seguintes:

a) Indivíduos que assumem o papel de líderes em determinado grupo social possuem

características de personalidade semelhantes, como grupo. Essa constatação foi obtida

pelos dados retirados das Tabelas 3, 6, 10, 15, 40, e 42. Além disso, como foi

apresentado na seção 6.2.1, não foram identificados aspectos, nas histórias relatadas

por esses indivíduos, que pudessem diferenciá-los como grupos. Numa abordagem

dialética, essas constatações correspondem ao momento da identidade ou do

entendimento;

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417

b) não foi observada uma congruência entre o apresentado pela revisão de Judge et al.

(2002) e os resultados obtidos na pesquisa desta tese. Esse é o momento dialético da

não identidade ou da contradição.

Essas duas conclusões, analisadas em conjunto, convergem para uma terceira:

c) essas evidências mostram que em grupos sociais nos quais o líder é escolhido por

aqueles que serão os liderados, a cultura do grupo – entendida como seus valores,

crenças e sua realidade simbólica – pode orientar as características de personalidade

que devem ser identificadas nos indivíduos com mais possibilidade de serem

escolhidos como líderes desses grupos.

O que se pode inferir a partir dessa terceira conclusão é que os grupos sociais possuem

características médias relacionadas às características médias dos indivíduos que formam o

grupo – o que pode incluir as características médias de personalidade desses indivíduos. As

pessoas desse grupo tendem a escolher como líderes indivíduos cujas características de

personalidade pudessem ser identificadas como sendo as mais adequadas para a condução dos

objetivos médios do grupo. E que essas características podem ser bem diferentes das

características médias de outros grupos, os quais, por isso mesmo, podem escolher como

líderes pessoas com características de personalidade diversas do primeiro, ainda que mais

adaptadas às características médias de personalidade dos indivíduos daqueles grupos.

A essa terceira conclusão se chega por um movimento de especulação, que não deve

ser confundido com a síntese da dialética hegeliana. Na dialética negativa, a interpretação tem

sustentação na observação empírica, mas não está fechada, permitindo outras interpretações

caso sejam incorporados outros elementos empíricos à discussão ou no caso dos elementos

existentes serem submetidos a uma ótica diversa de interpretação.

Essa conclusão acima apresentada vem em sentido contrário à teoria de boa parcela do

mainstream dos estudos sobre liderança, os quais, como foi apresentado nas seções 3.3 e

3.4.1, têm conduzido as pesquisas de modo a não considerar os aspectos referentes à

personalidade dos indivíduos envolvidos.

De modo especial, também não está de acordo com o que foi apresentado pelos

teóricos de cultura e liderança, como discutido na seção 3.4.1.1, os quais identificam no líder

de uma organização o responsável pelo gerenciamento da cultura organizacional, que

interpreta e dá sentido ao que nela ocorre.

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418

Mas elas não são excludentes: nada impede que em organizações nas quais o líder

assume o seu papel por escolha de outros, que não os liderados – como, por exemplo, o

conselho de administração, ou algum órgão externo à organização em pauta, para o qual

deseja delegada a função de escolher o executivo principal –, o líder não só possua uma

personalidade cujas características possam não estar em conformidade com a cultura do grupo

de liderados – no caso, os trabalhadores – como também possa ser efetivamente responsável

pela criação ou modulação dos valores da organização (ainda que sua percepção como líder

possa ser influenciada por sua adesão a valores coletivos).

No contraponto, mesmo que nos grupos sociais que escolhem os líderes sejam

justamente esses valores existentes entre os liderados os orientadores da escolha, também é

possível que o líder, após ter sido reconhecido como tal pelos liderados, se encontre em uma

posição na qual possa modificar, de alguma forma, valores relacionados à cultura do grupo.

Essas conclusões não são propriamente uma novidade – as bases teóricas para a sua

sustentação podem ser encontradas associando o foi apresentado na seção 3.4.2.3, na qual foi

abordada a relação entre liderança e identificação, ao apresentado na seção 3.4.7, em que se

discutiu a personalidade do liderado. Ou seja, não é surpresa que grupos sociais diferentes,

compostos por pessoas que possuem objetivos comuns, mas diferentes dos objetivos de outros

grupos sociais, possam operacionalizar o conceito de liderança de modo diverso.

Entretanto, note-se que essas conclusões não são congruentes com a perspectiva

apresentada na seção 3.4.1.4 sobre liderança e influência social. Os autores desta última linha

– que incluem principalmente a teoria da troca entre líder e liderado e a perspectiva de

network, consideradas isoladamente ou em conjunto, como fizeram Sparrowe e Linden (2005)

– priorizam o papel do líder na configuração da relação, enquanto que o que se desenhou a

partir dos achados da pesquisa foi que as características definidoras da cultura do grupo serão

as orientadoras das escolhas a serem realizadas pelos liderados, definindo com isso também

um perfil de personalidade que seria o mais desejado para o líder daquele grupo.

Em resumo, as evidências aqui reunidas permitem a aplicação das conclusões para

grupos sociais nos quais o líder é escolhido pelos liderados. Pelos motivos apresentados, não é

possível propor a mesma conclusão para grupos cujos líderes foram escolhidos por pessoas ou

grupos alheios à relação líder-liderado. Mas há um núcleo, um universal, a ser identificado.

Para isso, o próximo passo será o de abrir o conceito que foi até aqui apresentado.

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419

6.3 Abrindo o conceito

A existência de características próprias para os indivíduos que assumem papéis de

liderança, buscadas desde o início das pesquisas sobre o tema – e nunca completamente

abandonadas – foram confirmadas na pesquisa desta tese. No entanto, revisando a teoria do

mainstream sobre a liderança, não se pode deixar de constatar que essa linha de abordagem

foi perdendo o interesse para os pesquisadores desde o início das pesquisas relacionadas com

o estilo de liderança (ou, com o comportamento do líder) – algo sobre o qual é possível uma

ação de treinamento. Muito do que foi produzido a partir de então – incluindo as abordagens

reunidas sob o título de “nova liderança” – não tirou de foco a busca de habilidades que

pudessem ser desenvolvidas e treinadas, como pode ser observado na revisão da teoria

desenvolvida pelo mainstream apresentada no capítulo 3.

Entretanto, considerando que a liderança é uma construção social, qual seria o

interesse orientador para a sua construção nesse sentido? A proposta de Barker (2001),

relacionada com a intenção de venda de cursos e treinamento por parte de quem produz o

conhecimento, criando uma agenda a priori para as pesquisas e para as conclusões, é uma

possibilidade de resposta. E as evidências que permitem conduzir a discussão nessa linha

podem ser encontradas em alguns dos resultados apresentados na análise do material.

Primeiramente, no contexto da história dos indivíduos relacionada com a liderança,

não foi evidenciada qualquer tendência a que determinado tipo de situação ocorrida no

passado do indivíduo se constitua em um facilitador para que esse indivíduo se mantenha no

papel de líder no futuro – conclusão que ao mesmo tempo afirma e nega o que foi apresentado

na literatura sobre história de vida e liderança, e do discurso sobre a liderança. A pergunta é: o

que poderia haver de ideológico na literatura envolvendo o histórico e o discurso sobre a

liderança, cuja pista poderia ser perseguida a partir desses achados?

É possível que o conteúdo ensinado nos cursos e treinamentos para formação de

líderes seja uma pista para a resposta a essa pergunta. Ou seja, é possível que os resultados

produzidos pelas pesquisas sobre a liderança, apresentados em MBAs, em revistas, seminários

e em consultorias sobre o tema, tenham como finalidade (talvez até inconsciente) conformar

os discursos, de modo a propiciar que o indivíduo identifique em sua história situações que, se

enquadradas como apropriadas para o desenvolvimento de um líder, possam ser utilizadas

como justificativa para o exercício desse papel. Não é irrelevante observar que, nos dois

grupos investigados na pesquisa desta tese, a confusão entre liderar e fazer gestão induziu

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420

muitos dos entrevistados a procurarem cursos de MBA para se “prepararem para o exercício

da liderança” – após já terem sido identificados como líderes dentro do seu grupo social.

Dentro dessa discussão, o sentimento de ter sido explorado e a percepção de sacrifícios

exigidos para o exercício do papel de líder – aspectos espontaneamente citados por alguns dos

entrevistados – não foram objeto de abordagem na teoria do mainstream sobre liderança.

Como essa ausência poderia ser compreendida dentro da construção ideológica da liderança?

Algum grau de sacrifício e de exploração é comumente encontrado no exercício de

papéis enquadrados dentro da divisão social do trabalho. Mas se a liderança deve ser

apresentada como algo extraordinário, e as habilidades exigidas para o seu exercício algo fora

do comum – e que, por isso, devem ser desenvolvidas, ou “adquiridas” a um custo alto, com

cursos, coaching e consultorias – os sacrifícios identificados como próprios do seu exercício

podem até ser supervalorizados, justificando uma expectativa para ganhos diferenciados.

Essa conotação para os sacrifícios pode ser observada nas entrevistas, não passando

despercebido o fato de terem sido citados apenas por indivíduos que estavam no papel de

líderes. No entanto, o sentimento de ser explorado não parece compatível com o exercício de

uma função extraordinária, incomum – o líder deveria ser aquele que explora, não o

explorado. Não é irrelevante que esse aspecto tenha sido citado apenas por líderes que não

estavam mais no exercício do papel.

Equiparar a liderança ao que ocorre no exercício de papéis mais comuns poderia

diminuir a sua “aura”, diminuindo o valor percebido do papel de líder, diminuindo tanto a

expectativa de valor para aqueles que devem pagar pelo exercício da liderança (por exemplo,

na contratação de executivos), como o status e reconhecimento social associados ao papel – o

que poderia resultar em diminuição do estímulo para os indivíduos desejarem comprar o

desenvolvimento das características pessoais que os habilitem para o seu exercício.

O que foi obtido da análise dos dados, é que o indivíduo no papel de líder, ou vai

utilizar a compensação financeira para justificar os sacrifícios que, no seu entendimento, o

exercício do papel de líder impõe – e, nesse caso, o que é apresentado como sacrifício pode

ser uma justificativa para haver uma diferenciação de ganho e de status –, ou vai se satisfazer

com o reconhecimento social do grupo, expresso ou na sua manutenção nesses papéis, no

ganho em projeção social, ou em ambos, os quais podem fornecer um tipo de capital social

para sua estratégia de ganhos futuros – novamente, financeiros e/ou de status.

Existindo os ganhos percebidos e o reconhecimento, o líder apresentará a liderança

como algo lúdico, que ele exerce com prazer – ainda que com a exigência de “sacrifícios”;

não havendo, os sacrifícios se transformam na percepção de ter sido usado, ou “explorado”,

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pelos liderados. Nesse caso, ele se retira do exercício desses papéis, e vai utilizar as

habilidades que considera possuir na obtenção de compensações (financeira, reconhecimento

social, ou mesmo de status) em outros papéis valorizados, ainda que sem o glamour da

posição social de líder – glamour esse que, em seu discurso a partir de então, passa a ser

criticado, ou objeto de uma racionalização que o desvaloriza, como pode ser percebido em

algumas entrevistas de líderes inativos.

Os modelos de liderança apresentados pelos indivíduos pesquisados foram

predominantemente masculinos, em conformidade com o modelo apresentado na literatura do

mainstream. Mesmo o entrevistado que cita a mãe como modelo, uma “ativista na política

municipal”, acaba apontando o pai dela como o líder político local, comprometendo o seu

próprio reconhecimento da liderança exercida pela mãe como “ativista na política municipal”.

Também foram interessantes as referências à influência dos irmãos – algo que também não é

encontrado na literatura – sendo que um dos dois casos identificados (o líder inativo, com

extenso histórico de posições de liderança) se referiu à irmã mais velha como influência.

Considerados em conjunto, são contrapontos que, ainda que raros, não só identificam

um aspecto da ideologia do modelo hegemônico, como apontam para outras possibilidades de

influência. Não há como, a partir dos dados, identificar aspectos para a diferenciação entre os

modelos, mas é possível dizer a naturalidade do modelo hegemônico é colocada em

suspeição, abrindo o caminho para novas possibilidades de relações entre indivíduos – ainda

que admitindo a realidade do construto, ou que as relações de liderança, como compreendidas

no momento, devem existir – como é o caso de modelos de liderança compartilhada e

distribuída, que não foram identificados no grupo social investigado.

Outra linha teórica dentro do mainstream considera que cabe ao líder conformar a

cultura organizacional (ver seção 3.4.1.1). No entanto, a partir dos achados empíricos é

possível identificar um “bloqueio” nessa teoria: as características de personalidade, apesar de

semelhantes nos dois grupos, não são congruentes com o que foi apresentado por Judge et al.

(2002).

A conclusão derivada do tensionamento entre o achado de pesquisa e o apontado pela

teoria foi a de que, em grupos sociais nos quais o líder é escolhido por aqueles que serão os

liderados, a cultura do grupo – entendida como seus valores, crenças e conteúdo simbólico –

pode ser o orientador das características de personalidade a serem buscadas nos indivíduos

com mais possibilidade de serem escolhidos como líderes. Ou seja, antes de poder conformar

a cultura do grupo, é essa cultura que vai conformar as características de personalidade

desejadas para o líder. Depois de escolhido, ele pode até exercer a sua ação sobre a cultura,

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422

mas a possibilidade de grandes mudanças já estaria minimizada pela existência de

características pessoais que estavam identificadas com a cultura do grupo.

Essa conclusão está de acordo com a já citada opinião de Sogunro (1998) de que a

ênfase está rapidamente mudando da ideia de que a efetividade da liderança é influenciada

unilateralmente por características da personalidade do líder para a noção de que a efetividade

da liderança é influenciada bilateralmente pela dinâmica das características de personalidade

tanto do líder quanto dos membros do grupo (SOGUNRO, 1998, p. 26). Nesse caso, que tipo

de interesse seria tendido com a escolha desses indivíduos para atuarem no papel de líderes

em seus grupos sociais? A manutenção conservadora do que é entendido como sendo os

valores do grupo pode ser uma resposta.

Para Khaleelee e Wolf (1996), o líder deve ser capaz de suportar suas próprias

incertezas e as incertezas dos outros. Mas, até que ponto o líder pode chegar nesse “suportar

incertezas”? Mais especificamente, como os líderes deveriam reagir ao identificar

contradições entre os valores referidos como sendo próprios do grupo e novos valores

latentes, identificados como significativos pelo menos para uma parte importante do grupo?

A autonomia e a independência do líder, na expressão dos seus valores, podem ser

importantes para fornecer ao grupo as condições para a avaliação da aderência do líder aos

valores coletivos, na escolha do indivíduo como líder – aquilo que a literatura aborda como a

emergência da liderança. Entretanto, como foi observado na discussão dos dados, se posições

de autonomia e independência levarem o indivíduo a se chocar contra os valores abraçados

pelo grupo, os mesmos indivíduos podem ser afastados das posições de liderança, uma vez

que não são mais identificados como os porta-estandartes desses valores coletivos – podem

não atingir o que a literatura tem abordado como a efetividade da liderança.

Nesse sentido, é de se esperar que a percepção de uma aderência sem questionamentos

a valores identificados como valores coletivos justifique a escolha e a manutenção do

indivíduo em papéis de liderança. Da mesma forma, a percepção pelo grupo de uma visão que

se contraponha aos mesmos valores poderia se relacionar com a rejeição desses mesmos

indivíduos para o exercício dos mesmos papéis. Ou seja, é discutível se o indivíduo que

deseja ser efetivo como líder, e se manter na posição de liderança de um grupo social, possa

sustentar posições de independência e autonomia.

Para Hollander (1958), a história do líder pode ser usada para acumular o que o autor

chamou de “créditos idiossincráticos”, o que foi definido como um tipo de capital social que

permitiria ao líder propor mudanças, desafiando normas e crenças do grupo. Apesar dessa

visão estar de acordo com o que foi discutido acima, não há como aferir esse aspecto da teoria

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423

com os dados produzidos por esta pesquisa – isso dependeria de uma investigação que

envolvesse os liderados, já que os valores são do grupo, o que não foi possível com o desenho

da atual pesquisa, sendo um dos aspectos que poderiam motivar investigações futuras.

Entretanto, se a autonomia e a independência são importantes para a escolha, mas não

para a manutenção do líder nesse papel, como ficaria a situação do líder revolucionário –

entendido como aquele que aglutina as pessoas em torno de mudanças, ou de rupturas com os

valores vigentes? Na linha do que está sendo discutido, talvez se possa dizer que esse líder

seria um indivíduo que identificou no grupo valores que, apesar de já existentes, ou não são

reconhecidos como tal, ou são negados pela liderança estabelecida. E que os líderes que não

se identificam com os “novos valores” são aqueles que ou serão substituídos por novas

lideranças, ou se afastarão espontaneamente dos papéis de lideres nesses grupos

Relacionado com essa diferença, pode-se dizer que, pelo menos no material da

pesquisa desta tese, os líderes com perfil mais “revolucionário” foram encontrados entre os

inativos – que o são, talvez, por terem sido líderes de grupos cujos valores já mudaram, ou

que não eram, no momento em que se deu a pesquisa, os mais significativos para o grupo. O

que não impede que algum líder em atividade com perfil “revolucionário” pudesse ter sido

encontrado em algum grupo cuja mudança fosse recente – o que não foi o caso nesta pesquisa.

Talvez isso também explique o porquê dos líderes inativos abordarem a liderança mais na

ótica da “exploração” – pelo fato de não terem os seus valores reconhecidos.

Líderes em atividade, que no material produzido nesta pesquisa lideravam grupos com

valores que se poderia chamar de estáveis – e, portanto, resistentes às mudanças – foram os

que apresentaram as visões mais romanceadas e mais de acordo com a teoria do mainstream,

com citações que poderiam ser facilmente enquadradas em construtos como liderança

autêntica, transformacional ou efetiva, mas cujas práticas poderiam ser facilmente

enquadradas naquilo que foi identificado como a “banalidade” das ações de liderança: os atos

rotineiros da gestão – o que remete ao trabalho como o “executivo” de uma organização.

Em relação ao interesse pelo trabalho como “executivo”, foi visto que Carroll, Parker

e Inkson (2010) identificaram, como motivação para a busca de atividades referidas como

sendo liderança, uma forma de fugir do “aborrecimento” – achado inesperado na pesquisa

daqueles autores, no contraponto com a “busca de desafios” e com a criatividade que

habitualmente são motivações encontradas nos discursos de líderes. No caso da pesquisa desta

tese, o que foi encontrado mais próximo desse tipo de motivação foi a busca pelo exercício de

atividades apresentadas pelos entrevistados como sendo as funções executivas.

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424

Considerando os indivíduos investigados faziam parte de um grupo profissional, cujo

trabalho (como em qualquer grupo profissional) deve envolver certo grau de rotina, é mesmo

possível que alguns dos entrevistados possam ter buscado, como motivação para assumir o

papel de líder, uma solução para o fastio ou insatisfação com a sua atividade profissional, na

forma como esta estava sendo vivenciada, como foi apresentado na seção 6.1.3 D). Mas não é

tarefa simples separar essa possibilidade do interesse pela posição privilegiada em uma

relação de poder, ou pelos ganhos financeiros esperados para essa posição – ganhos esses que,

em algumas situações, podem ser superiores aos que o indivíduo seria capaz de auferir na

execução de suas atividades profissionais habituais.

Assim, fazendo um rearranjo na figura 3, apresenta-se o conceito de liderança como

um construto organizado a partir de uma associação de interesses, cuja importância relativa

vai variar nos casos particulares – dependendo de características de personalidade, de

expectativas relacionadas com vivências prévias, do papel social ocupado no grupo, entre

outros fatores pessoais – em uma associação esquematicamente representada na figura 6.

O resultado final da figura 4 também pode ser compreendido como uma constelação,

cujos componentes se relacionam não de modo sistêmico, interdependente, mas de modo mais

“frouxo”, que poderia ser chamado de “interindependente”, representando um universal cujos

componentes guardam uma importância relativa para casos particulares diferentes.

Cada uma das “caixas” apresenta um conceito obtido a partir de uma interpretação dos

dados – e que, por isso, pode ser aprimorado, refinado, ou mesmo modificado, dependendo de

se agregar um novo dado no conjunto que possa modificar a interpretação. À figura 3 também

foi agregado outro construto – o da influência, o qual, como a relação de poder, é formado

por uma outra constelação de conceitos.

O resultado final, aqui apresentado na figura 4, pretende responder à pergunta que

motivou a tese: o que é, afinal, a liderança?

Para o grupo social escolhido, a análise dos dados permite identificar esse universal,

formado pela constelação de conceitos que (por ser um universal) pode ser aplicada a outros

grupos sociais, nos quais será modulada por particularidades encontradas nesses grupos,

acrescentando ou retirando aspectos do conceito, e reformulando-o para esse novo contexto.

Isto é, em resumo, o que a pesquisa permite dizer a respeito do conceito de liderança.

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425

Figura 4: Abrindo o conceito a partir dos interesses relacionados com os diversos

conceitos que compuseram a constelação

LIDERANÇA ABRINDO O CONCEITO

Aumento da “visibilidade social”

Exploração

Atividade banal

“Romance”

Sacrifícios

IndependênciaAutonomia

Fonte: concepção do autor

Interesses orientam as pesquisas sobre o fenômeno.

Elas produzem o conceito, que modula o fenômeno

Facilita emergência

mas pode dificultar

manutenção do líder

Não reconhecimento

dos “sacrifícios” Justifica os ganhos e

valoriza a atividade

Expectativa de ganhos

financeiros diferenciados

Opção contra o

“aborrecimento” da rotina

profissional “operacional”

OUTROS CONSTRUTOS

Exercício do poder – Influência

O exercício do papel

induz a identificação

do indivíduo como

líder Percepção de que os

recursos mobiliza-

dos não são diferen-

tes dos mobilizados

para outros papéis

Cursos e seminários estimulam o

interesse pelo desenvolvimento de

habilidades para o exercício da

liderança

Coaching, consultorias e outras

abordagens pessoais são oferecidas

para ajudar a conformar o

comportamento do líder

Líderes não ativos Líderes em atividade

Projeção social

Os dois lados podem se inter relacionar

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426

7. CONCLUSÃO

“se quiséssemos agir radicalmente, de acordo com isso, extirparíamos também com

o falso tudo o que é verdadeiro” (ADORNO, 1993a, pp. 36-37).

A pesquisa da tese reuniu elementos, teóricos e empíricos, que permitem enquadrar a

liderança como uma ideologia. Isso não quer dizer que a liderança não exista: ela é algo que

pode ser identificado no mundo da prática, algo de que se pode falar, que pode ser objeto de

investigação, de treinamento, de cursos – enfim, algo verdadeiro. Desconsiderar esse fato é,

de acordo com a epígrafe acima de T. Adorno, “extirpar com o falso tudo o que é verdadeiro”.

E o que há nela de falso? A sua naturalização, a ideia de que ela é algo necessário, e não

contingente.

Como foi apresentado no capítulo 2 dessa tese, a forma proposta por Adorno e

Horkheimer (1971) para lidar com ideologia é a crítica imanente, cuja tarefa é investigar a

relação da ideologia com a verdade – e não a sua relação com os interesses de classe, como

muitas vezes tem sido conduzida por pesquisadores de orientação mais crítica.

Para a condução dessa crítica, foram perseguidos no capítulo 6 os interesses que

motivaram os indivíduos para a assunção do papel de líder em seu grupo. E, para concluir o

que foi encontrado na pesquisa, serão reunidos alguns dos elementos apresentados na teoria,

considerados significativos como pistas para o enquadramento da liderança como ideologia,

para em seguida agregar os achados empíricos que confirmaram essa impressão:

a) na seção 3.6, ao se buscar um caminho que indicasse como o termo liderança surge

como uma palavra, um conceito que se refere a algo no mundo da prática, não se

consegue avançar muito mais do que o final do século XIX e início do século XX;

b) não é irrelevante o fato de que o termo vai tomando a conotação que possui hoje,

evoluindo de sua inexistência em um contexto no qual as relações de poder são

mais claras (como no absolutismo, ou no poder feudal) para a sua identificação

quando surge o interesse pelo que representa o indivíduo no topo de uma

hierarquia, no contexto do estudo das relações de poder em organizações –

inicialmente as militares e religiosas, posteriormente em organizações capitalistas,

nas quais a autoridade está menos localizada no indivíduo do que em sua posição;

c) o que se percebe é o conceito surgindo como justificativa para algo identificado

como sendo natural, legítimo e funcional, e que explica uma forma de relação

entre os indivíduos que pode ajudar a atingir objetivos de organizações;

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427

d) entretanto, quando autores como Alvesson e Sveningsson (2003a) conduzem as

suas investigações empíricas sem partir do pressuposto da sua realidade, o material

empírico aponta para o desaparecimento da liderança;

e) não é irrelevante que, em suas pesquisas sobre o que faz efetivamente o líder em

seu dia a dia, autores mais críticos como Kelly et al (2006) e Alvesson e

Sveningsson (2003a) não tenham identificado o extraordinário e o fora do comum

que a literatura do mainstream comumente apresenta quando aborda a liderança, e

que autores mais identificados com o funcionalismo como Bennis e Nanus (1988)

não tenham identificado em suas pesquisas a maioria dos mitos envolvendo o líder;

f) também deve ser considerada a resistência imposta a todas as tentativas de

definição, o que vem sendo observado desde a primeira revisão de Stogdill (1948);

g) como apresentado na seção 3.4.1, questionamentos sobre a realidade do construto

não são novos: na década de 1970, Calder (1977) já via na “liderança” apenas um

outro rótulo para o que já era conhecido como influência interpessoal, à qual teria

sido agregado o construto privilégio, numa associação que, para Pfeffer (1977), era

reforçada pelo efeito simbólico das cerimônias e dos processos de seleção e de

iniciação envolvendo as posições de liderança nas organizações;

h) também não é irrelevante que a liderança comece a ser investigada como uma

característica a ser encontrada no indivíduo, evoluindo rapidamente para se buscar

identificar o que poderia ser feito para desenvolvê-la nos indivíduos, criando não

só uma agenda específica para pesquisas, cursos e treinamentos, como modulando

a própria compreensão do conceito.

A ideologia costuma ser comparada com um véu, algo que esconde a realidade. Para

Adorno e Horkheimer (1971, p. 204), entretanto, ela é, de fato, “a imagem mesma,

ameaçadora, do mundo”, donde a dificuldade para a sua identificação: a ideologia acaba se

confundindo com o óbvio – sendo esse, aliás, um bom lugar onde ela deve ser procurada.

Mas como investigar o óbvio? T. Adorno não deixou nenhum “tratado” sobre pesquisa

social empírica – uma vez que, para ele, não existe uma metodologia geral que possa orientar

a pesquisa, devendo ser o método derivado do objeto. Foi a partir deste fundamento que, para

a pesquisa desta tese, lançou-se mão de vários procedimentos, considerados instrumentos

auxiliares adequados para se “romper o invólucro” ideológico, por dentro e por fora – pois

esse é um invólucro que também se confunde com o objeto que “recobre”.

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428

Os procedimentos utilizados funcionaram como os instrumentos de trabalho de um

artesão: foram escolhidos, em momentos diferentes, aqueles que mais se adequavam à ação

que se pretendia executar sobre o objeto. Daí a associação, para a pesquisa da tese, do uso de

entrevista com o uso de escala, abordagem de relações sociais e de personalidade, ou da

associação de procedimentos quantitativos aos qualitativos. Além de estar respaldada pela

teoria – como apresentado na seção 2.2 –, a pesquisa que deu origem ao Authoritarian

personality também serviu como exemplo, uma vez que é citada por T. Adorno tanto em suas

aulas (ADORNO, 2008a) como em seus textos, mesmo os mais tardios (ADORNO, 1995;

2009), como modelo de procedimento em pesquisa social – fato reafirmado por Wiggerhaus

(2006), quando da descrição da pesquisa realizada na empresa Mannesmann – não com a

finalidade de produzir algum outro tipo de escala, mas de realizar pesquisa social empírica.

É muito provável que outro pesquisador escolhesse algum outro procedimento, ou

deixasse de escolher algum dos que foram utilizados, para romper o mesmo “invólucro”. Os

dados produzidos, desta forma, poderiam ter sido outros. Mas o esperado, a partir da teoria, é

que o resultado final, ainda que um pouco diferente porque lidando com particulares

diferentes, acessasse um mesmo universal presente nos diferentes particulares.

O resultado encontrado no material empírico reunido para análise também esteve de

acordo com enquadramento da liderança como uma ideologia. Recuperando-se algumas das

discussões do capítulo 6, de modo sumário pode-se dizer a respeito da liderança que:

a) O seu exercício é motivado por interesses. Não interesses de classe (os de uma

classe contra os de outra), mas interesses identificados no objeto de pesquisa,

envolvendo indivíduos que pertencem à mesma classe social;

b) esses interesses se apresentam sob diferentes óticas, dependendo se o indivíduo

está ou não no exercício do papel de líder. Não mudou a classe social, mas a

posição do indivíduo dentro de sua classe – no caso do objeto investigado;

c) foi observado, a partir do material empírico, uma tendência para ocultar a relação

entre a liderança e o poder. Aqui é utilizado o termo “ocultar”, pois a relação foi

reconhecida quando o tema abordado pelos mesmos indivíduos foi o poder, e não a

liderança. Mesmo que essa tendência não tenha sido consciente, ou intencional,

nem por isso ela será menos significativa;

d) também foi observado no material de pesquisa, que líderes em atividade, além de

tenderem a ocultar alguns dos interesses relacionados com o exercício desse papel

(como os financeiros), também procuraram caracterizar a liderança como algo

extraordinário, fora do comum – caracterização essa que não foi reconhecida por

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429

muitos dos indivíduos que tiveram a experiência da liderança, mas que não

estavam mais no papel de líderes no momento da entrevista;

e) se podem ser identificadas características próximas de personalidade para os

indivíduos que foram em algum momento escolhidos pelos liderados para o

exercício da liderança, essas não foram as mesmas para grupos diferentes (como

visto na revisão de Judge et al (2002). Ou seja, mais do que características de

liderança, seria mais apropriado falar em características facilitadoras para a

liderança em determinado grupo;

f) a existência de características diferentes para grupos diferentes pode frustrar a

realização de programas genéricos de treinamento e desenvolvimento de lideranças

– em outras palavras, têm potencial para contrariar interesses; mas também pode

ser aproveitada na ampliação da agenda de pesquisas para o mainstream;

g) nesse sentido, os interesses não seriam apenas dos indivíduos que, a partir de

características comportamentais (próprias ou aprendidas) irão justificar uma

diferenciação para os ganhos financeiros, de status ou de modalidade de trabalho

em relação ao seu grupo social, mas também serão justificativa para os que

identificam a oportunidade de se beneficiar com oferecimento de programas de

treinamento para o desenvolvimento dessas características – justificadas que estão

pelos “resultados das pesquisas”.

A partir da construção do conceito e de sua abertura, apresentadas nas figuras 5 e 7,

pode-se concluir que a liderança, no grupo investigado, é uma interpretação do resultado da

associação constelatória de outros conceitos, com importância relativa diferente para pessoas

diferentes, mas que em conjunto serão responsáveis tanto por justificar quanto por modular

comportamentos – o que, em casos particulares, poderá se relacionar com a compreensão que

o sujeito tenha do próprio conceito.

Comportamentos são respostas particulares às necessidades apresentadas pelas

situações, sendo que tanto o papel de líder como o de liderado podem ser identificados sendo

exercidos pelo mesmo indivíduo em diferentes momentos (no tempo e no espaço) das relações

sociais. Para se falar em uma relação de liderança, será necessário isolar um momento das

relações sociais e observar como se enquadra, naquele momento, o comportamento relativo de

cada um dos atores. Os interesses presentes em determinado momento das relações podem ser

os motivadores desses comportamentos.

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430

O construto liderança resiste a uma definição única pois os múltiplos conceitos que o

compõe podem adquirir importância relativa em momentos diferentes, para justificar usos

diferentes – como falar de liderança quando o que se pretende é uma posição privilegiada em

termos de ganhos e de status, no mercado de trabalho. Sua proximidade com outros

construtos, como o poder e a influência, também pode ter um uso dentro do que poderia

chamar de “politicamente correto”, evitando o emprego de um termo em situações sociais nas

quais a sua utilização poderia gerar algum tipo de rejeição – como falar de liderança para

justificar uma relação que efetivamente é relação de poder.

Em uma discussão que tem como base a investigação da ideologia, e que para alcançar

esse objetivo utiliza, entre outros métodos, o tensionamento dos achados da pesquisa empírica

com a teoria proposta pelo mainstream, não se pode deixar de considerar os aspectos que

estão na teoria, mas não foram encontrados nos dados. A questão é: porque não foram

encontrados? Em outros termos, em uma visão negativamente dialética, deve haver algo

eloquente, significativo, por trás da ausência, que seja parte do objeto.

Se o apresentado na teoria fosse um objeto da natureza, e não uma construção social,

haveriam respostas possíveis como a de o desenho da pesquisa não permitiu o acesso a esses

dados, ou a de que eles existiriam apenas de forma latente, necessitando de algum estímulo

para se apresentar, etc. Entretanto, se é uma construção, se a construção sofre influência da

ideologia, e ideologia é justificação, talvez a construção teórica que os apresentam tenham

sido motivadas pelo interesse de justificar algo que não pode ser identificado na pesquisa –

talvez, por não ser um interesse identificado para o grupo social investigado.

Para não passarem despercebidas, de modo a poderem ser incorporadas à conclusão da

pesquisa, serão citadas aqui algumas das ausências consideradas mais significativas, pelo

potencial de acrescentar algo à compreensão do objeto – e que poderão ser objeto de

investigações futuras:

a) As diferenças entre as lideranças dos tipos transacional e transformacional

Os aspectos envolvidos nos conceitos de lideranças transformacional e transacional,

como apresentados por Burns (1978) e Bass (1990), não puderam ser identificados, em

momento algum, nem nas entrevistas nem nas reuniões de grupo – talvez pelo fato de

que não foram investigados indivíduos que estavam apenas no papel de liderados, que

são parte integrante da construção do conceito. O interesse poderia estar em justificar a

existência do líder, a partir de algum aspecto da relação na ótica do liderado – o que

não pode ser evidenciado na pesquisa devido à falta desse ator social na investigação;

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431

b) Lideranças compartilhada e distribuída

Pelo tipo de objeto escolhido para a pesquisa – líderes de uma rede de organizações de

caráter associativo com diversos objetivos envolvendo o mesmo grupo social – havia a

expectativa de que experiências relatadas na literatura envolvendo lideranças

compartilhadas e distribuídas pudessem fazer parte da experiência desses líderes. É

possível que o modelo de liderança proposto nesta linha teórica não atenda aos

interesses de líderes que, para assumirem esse papel, entram em disputas políticas,

num processo que envolve mais a noção de competição do que cooperação, ou de

compartilhamento. Sua construção para outros grupos sociais, poderia atender a

interesses próprios desses grupos, mas ausentes para o objeto dessa pesquisa;

c) Liderança e complexidade

Não houve, por parte dos entrevistados, qualquer percepção referente aos aspectos

discutidos na seção 3.4.1.5 relacionados à reduzida eficiência da coordenação tipo top-

down, de questões relativas ao contexto ou quaisquer outros aspectos apresentados na

teoria sobre esse aspecto. Mais uma vez, é possível que essa seja uma visão que não

atenda a interesses dos que assumiram posições de liderança no grupo social estudado;

d) Múltiplos níveis de abordagem (díade, grupo imediato, grupo social mais expandido)

É possível que esta seja uma abordagem muito mais apropriada para orientar a

pesquisa, dentro do mainstream – partindo do princípio de naturalidade do construto –

do que para a percepção da liderança por aqueles que estão envolvidos nessas relações.

De qualquer modo, registra-se a ausência de qualquer percepção nesse sentido no

material produzido;

e) Liderança e sedução hipnótica

Como foi visto na seção 3.4.2.4, para Freud (1987d) há uma relação direta entre

sedução e hipnose, sendo que autores posteriores como Collinson (2005), Calas e

Smircich (1991) e Kets de Vries (1990), também discutiram o tema, ou sob a ótica da

capacidade de sedução do líder, ou de sua capacidade de despertar emoções primitivas

em seus seguidores por meio de manipulação de símbolos significativos para estes.

Nenhum desses aspectos pôde ser identificado na pesquisa – talvez pelo tipo de objeto:

indivíduos identificados com o papel de líder, sejam ativos ou inativos. É possível que

uma pesquisa cujo desenho inclua indivíduos identificados com o papel de liderado,

propicie melhor condição de exploração deste aspecto da relação de liderança.

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432

7.1 Considerações sobre o método e limitações da pesquisa

A pesquisa conduzida nessa tese foi apresentou vários aspectos novos, que não têm

sido encontrados habitualmente no campo da administração. Por isso, não é desejável que se

chegue ao final do trabalho sem registrar algumas percepções que possam ser úteis para a

correção de erros, além de poderem facilitar tanto a crítica como o reforço de alguns dos

procedimentos realizados. Para que não se perca algum aspecto importante, subdivide-se essa

seção nos aspectos que constituíram um aprendizado pela aplicação das escolhas dos

procedimentos metodológicos, e as limitações percebidas como consequência dessas escolhas.

A) Algumas considerações sobre o método

Como foi apontado várias vezes durante o desenvolvimento da pesquisa desta tese, T.

Adorno não deixou um método de pesquisa empírica a ser utilizado – ao contrário, como foi

apresentado na seção 2.2 B), em sua visão não deve haver um método em pesquisa social

empírica, uma vez que o método deve ser desenvolvido a partir do objeto. A consequência

disso é que as escolhas do sujeito pesquisador vão desempenhar um papel importante no

desenvolvimento desse método – como foi visto, a primazia do objeto vai implicar em mais

sujeito (e não em mais objeto, como o termo poderia induzir). Em função disso, a teoria

apresentada no capítulo 2 precisou ser um pouco mais extensa – ainda que sintética, no

entendimento do autor dessa tese – com a finalidade de justificar cada uma das escolhas

realizadas para os procedimentos utilizados na pesquisa.

Como muitas das confusões observadas em outras pesquisas pretensamente orientadas

pela teoria crítica e por T. Adorno estavam relacionadas com discutíveis fundamentos

teóricos, retirados basicamente da leituras de terceiros sobre a obra de T. Adorno, a opção

nesta tese foi buscar, sempre que possível, os fundamentos na leitura direta da obra de T.

Adorno – iluminada por suas aulas da década de 1960 –, ainda que esclarecendo alguns dos

pontos mais complexos com a leitura de autores que são referência no tema.

Como a investigação envolveu a comparação de grupos de indivíduos tanto a partir de

suas histórias relacionadas com o tema como de características de suas personalidades, o

método deveria envolver pelo menos a entrevista (para o histórico das relações sociais dos

indivíduos envolvidos no tema) e a aplicação de uma escala de personalidade (para as

características de personalidade do entrevistado). As demais fontes de informação

(participação em reuniões e assembleias, além de material impresso de comunicação e

participação em rede sociais) foram agregadas a partir da necessidade percebida durante o

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433

processo de investigação – a de que, para a liderança é preciso investigá-la no processo no

qual ocorre.

Mas o primeiro aspecto relevante com relação ao método foi, na verdade, anterior a

ele: o conhecimento das teorias – sobre o tema e sobre o método. Assim, um primeiro

aprendizado foi o de que antes de se fazer uma pergunta sobre o objeto, é preciso primeiro

conhecer a teoria sobre o tema no qual o objeto está incluído, na forma como tem sido

conduzida pelo mainstream mesmo: é sabendo como o objeto tem sido identificado (ou, o

conceito construído sobre o objeto) que é possível lançar as primeiras luzes sobre a ideologia

que o identifica, abrindo o caminho para encontrar contradições envolvidas no conceito.

O próximo passo é problematizar o objeto. Para isso, uma primeira contradição foi

identificada no objeto, e se relacionava com os indivíduos que já estiveram no papel de líder,

mas que haviam abandonado esse papel, encontrando-se no papel de liderados: de acordo com

o conceito, eram líderes, ou liderados?

Em toda a revisão bibliográfica realizada sobre o tema

53 não foram encontrados

trabalhos que tivessem se interessado por esses indivíduos. E, como pode ser percebido em

vários momentos da análise dos dados, a decisão de incluí-los como objeto de pesquisa foi

importante, pois sem eles muitos dos aspectos relevantes identificados na pesquisa não teriam

sido obtidos.

O passo seguinte envolveu a escolha dos procedimentos metodológicos para abordar

esse objeto. Uma entrevista mais aberta, com um mínimo possível de interferência do

entrevistador na abordagem e na forma de colher as informações durante as reuniões, foi

inspirada na experiência da coorientadora com o grupo de pesquisa social empírica baseada na

teoria crítica de T. Adorno coordenado pelo Prof. Oevermann (2004), em Frankfurt. O

restante dos procedimentos foram inspirados tanto no que foi realizado nas pesquisas

empíricas conduzidas pelo próprio T. Adorno (como na Authoritarian personality) como pelo

que o autor discutiu a esse respeito em suas aulas – o que foi apresentado no capítulo 2.

Para a análise, também houve aprendizado metodológico. Os aspectos mais

importantes desse aprendizado foram:

53

Desconsiderando os inúmeros artigos nos quais foram lidos somente o resumo ou a introdução e o resultado –

quando a leitura inicial revelava que o artigo não era de interesse para a pesquisa –, somente o arquivo de

artigos, físicos ou em meio eletrônico, cuja leitura contribuiu de alguma forma para a tese, conta com 273

artigos. Além dos livros consultados especificamente sobre os temas “líder” e “liderança” que ou foram

completamente lidos ou tiveram um ou mais de seus capítulos consultados para a formação da compreensão

sobre o tema – e que nesse momento é difícil de contabilizar, visto que alguns não entraram para a bibliografia –

que podem ser calculados como reunindo algo entre 15 e 20 volumes.

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434

a) A aproximação dos objetos identificados na análise, em forma de constelação.

Durante a preparação dos dados, a caracterização das categorias utilizando exemplos

que abordavam o tema sob óticas muito diferentes, muitas vezes contraditórias,

revelou a constelação: um conjunto de objetos – no caso, as falas – que se referem a

um conceito ou uma ideia geral e que admitem, nessa referência, as contradições que

podem fazer parte desse conceito ou ideia. Nesse processo, foi interessante observar

que uma mesma fala ou trecho da entrevista poderia ser utilizado na composição de

diferentes constelações de conceitos ou ideias, dependendo da ótica na qual a fala ou

trecho era considerado;

b) durante a apresentação e análise dos dados, a identificação do que seriam as sobras –

ou, melhor especificando, de acordo com o proposto por Silva (2006), do excedente.

Essa etapa foi nuclear para o processo de análise, visto que foi nela que as

contradições puderam ser identificadas. A busca e valorização pelo que foge ao

comum, ou pelo menos o mais frequente, habitual ou “óbvio”, a respeito do tema que

está sendo abordado, exigiu um tipo de olhar sobre os dados que não pode ser

identificado em outras obras consultadas. Nessa parte, ficou clara a utilidade da

Estatística como procedimento complementar, assessório, no caso dessa pesquisa em

duas modalidades principais: a forma descritiva, na organização do que era produzido

pela análise das entrevistas, com a distribuição de frequências propiciando a realização

de comparações – e, com elas, apontando distorções em relação ao mais comum,

habitual ou frequente; e, para o conjunto de dados organizados em grupos de

indivíduos a partir de características escolhidas, testes como a estatística U, com a

finalidade de comparar os grupos produzidos. Deve ficar claro que, dependendo do

objeto de investigação, o seu uso poderia ter sido dispensado, ou poderia ter sido

demandada a utilização de outros instrumentos assessórios;

c) a utilização da teoria, não com a finalidade de ser provada ou refutada, mas para

orientar questionamentos a serem dela derivados – como apresentado na seção 3.4 (D).

Durante a análise e a interpretação dos dados, a teoria foi sendo foi utilizada – tanto no

capítulo 5, enquanto os dados estavam sendo preparados, organizados e apresentados,

quanto no capítulo 6, quando o que foi anteriormente apresentado passou a ser

discutido à luz da teoria. Apesar da teoria orientar o olhar, o que se pretendeu foi não

só identificar as incongruências entre achados e teoria, mas – e principalmente – os

“bloqueios” : não apenas o que, nos dados, não estava de acordo com a teoria, mas o

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435

que não estava na teoria. Esse papel da teoria se constituiu em algo novo, não

encontrado na literatura relacionada com o mainstream;

d) o uso da teoria crítica de T. Adorno – que o autor diz ser sinônimo de Dialética

negativa (ADORNO, 2008b) para se chegar a conclusões. O exercício aqui implica:

um primeiro passo, que é o da identificação de algo a partir de evidências empíricas,

afirmando uma tendência ou uma generalização; o segundo passo, da identificação a

partir de evidências empíricas, de um bloqueio dessa tendência; e um terceiro passo

que, considerando os dois anteriores, possibilite a compreensão de um aspecto do

mundo empírico que inclua os anteriores, com os diversos aspectos encontrados, ao

final, apresentados em uma relação do tipo constelatória.

Principalmente por estar lidando com algo novo, sobre o qual existe uma certa

dificuldade para se obter informações sobre experiências anteriores, é que se pode esperar a

identificação de limitações no resultado, que poderão ser superadas pela continuidade da

experiência.

B) Algumas limitações percebidas

A principal limitação foi a não inclusão de indivíduos identificados apenas com o

papel de liderados para a investigação. A decisão inicial de inclusão de liderados que já

estiveram no papel de líderes, se por um lado revelou aspectos muito interessantes com

relação aos conceitos de líder e de liderança, por outro lado não permitiu a investigação de

vários outros: partindo-se do princípio que a liderança é uma construção social envolvendo

uma relação de pessoas nos papéis que essa construção designa como sendo de líder e

liderado, é bem possível que outras contradições envolvendo essa construção pudessem ser

identificadas caso esses indivíduos fossem incluídos.

Entre os aspectos que, na pesquisa da tese, revelaram limitações por falta de inclusão

de indivíduos que no grupo estavam apenas no papel de liderados pode-se citar:

a) Não foi possível identificar algum aspecto na história do entrevistado que pudesse

ser considerado um diferenciador entre os grupos de líderes ativos e inativos. Mas,

como a narrativa da sua história é um instrumento utilizado por alguns líderes para

influenciar na sua percepção como tal pelos liderados, é possível que uma pesquisa

voltada para a investigação de indivíduos que estão apenas no papel de liderados

neste grupo social possa evidenciar algo relevante, que o desenho atual desta

pesquisa não permitiu identificar;

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436

b) não foi possível, a partir dos achados empíricos, afirmar a relação entre a

percepção de um comportamento identificado como envolvendo a vaidade do

indivíduo, com o que a teoria chamou de narcisismo, com a identificação de um

nível muito baixo de modéstia (A5) e com a rejeição do líder. Uma investigação

envolvendo indivíduos identificados apenas com o papel de liderados poderia

lançar mais luzes nessa relação – e, como consequência, evidenciar outras

contradições;

c) aspectos envolvendo a “sedução hipnótica”, como sugerido por Freud (1987d) e

outros autores citados na seção 3.4.2.4, ou as lideranças transformacional e

transacional, como apresentados pela linha desenvolvida a partir de Burns (1978) e

Bass (1990) poderiam ser melhor evidenciados em uma pesquisa que envolvesse

também indivíduos identificados com o papel de liderados – na forma como esse

papel foi referido dentro da construção social da liderança.

A investigação partiu do princípio de que o universal presente no conceito pode ser

acessado a partir dos particulares. Nesse sentido, muito do que foi levantado sobre o líder e a

liderança o foram a partir do objeto particular escolhido. No entanto, como foi apresentado na

discussão, é parte da ideologia que constrói os conceitos de líder e de liderança aproximá-los

de outros construtos e deixá-los mais resistentes a uma conceituação única.

Sendo assim, uma comparação entre as categorias identificadas no histórico de

liderança dos indivíduos estudados nesta pesquisa com as identificadas no histórico de outros

indivíduos no papel de líderes (em outros grupos sociais na mesma região, ou de diferentes

culturas dentro do mesmo país, ou ainda de culturas nacionais diversas) poderia revelar outros

aspectos que poderiam ser incluídos na constelação de conceitos relacionados com a

liderança, e com eles evidenciar outras contradições no conceito – ficando essa abordagem

como sugestão para pesquisas futuras.

Uma última limitação importante, que não pode deixar de ser apontada, diz respeito ao

fato da pesquisa ter sido conduzida por apenas um investigador. Ainda que as escolhas e as

interpretações tivessem passado pelo crivo do orientador e da coorientadora, de acordo com

Wiggerhaus (2006) T. Adorno mesmo reconheceu as limitações relacionadas com as

pesquisas conduzidas por pesquisador único. Não é por outra razão que em muitos dos

pesquisadores que coordenam pesquisas orientadas pela teoria crítica de T. Adorno – como o

do Prof. Dr. Andreas Gruschka, de Frankfurt – o fazem através de um trabalho que é

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437

executado por grupos de pesquisadores. Esse é, por exemplo, o modelo preconizado para a

aplicação da hermenêutica objetiva.

A tese, entretanto, é necessariamente o trabalho de um único pesquisador – o que torna

essa limitação, para essa pesquisa específica, algo mais difícil de ser superado.

7.2 Considerações finais

Ainda que resultado de uma construção ideológica – ou, talvez, por isso mesmo – a

liderança existe efetivamente no mundo como ele é hoje conhecido. Aprender com ela é

aprender sobre nós mesmos e sobre as nossas relações sociais. O que se pretendeu com a

investigação desta tese foi colaborar para a compreensão de um dos aspectos deste tema e,

consequentemente, de nós mesmos enquanto com o tema relacionados.

O que a aplicação do método também mostra é que, mesmo após todo o esforço

investigativo, o objeto permanece em suspeição, uma vez que fruto de uma construção

ideológica. Se algo foi iluminado pela investigação empírica, não se pode dizer que ao final

da pesquisa existem condições de afirmar o que ele é, em definitivo: outros aspectos foram

levantados como questionamentos a serem investigados, e é provável que muitos outros

questionamentos nem sequer foram levantados, em função das limitações apresentadas.

Por outro lado, não se pode deixar de registrar que, apesar disso, quando algumas das

conclusões da pesquisa foram apresentadas a alguns dos indivíduos dela participaram –

indivíduos, portanto, que têm experiência com as relações de liderança – identificaram nesses

resultados mais sobre a sua experiência pessoal com a liderança, do que haviam identificado

na literatura à qual até o momento tiveram acesso54

. O que revela a existência de um núcleo

de verdade no que foi identificado na pesquisa – ainda que temporal, ainda que relacionado ao

objeto de pesquisa, ainda que fruto de uma construção social que, como tal, poderia ser

submetida a uma outra reconstrução a qualquer momento.

Nesse sentido, vale lembrar que o conceito nem existia como algo identificado por um

nome até o início do século XX em nossa língua. E que, desde que foi identificado como algo

existente no mundo da prática, tem servido aos mais diversos interesses – talvez, por isso, a

resistência a uma conceituação, que o acompanha desde o início.

54

Comunicação pessoal, não registrada como parte da pesquisa

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438

A experiência, inédita, com a utilização de um método orientado pela dialética

negativa de T. Adorno, para abordagem empírica de um objeto no campo da administração,

mostrou pelo menos que:

a) Se métodos positivistas podem ajudar a produzir informações a partir de uma profusão

de dados (pois, para organizá-los, a estatística descritiva é uma boa ajuda), é a partir

do que revelam que se pode encontrar as contradições – o que é excedente, o que

escapa entre os dedos quando se busca apreender o objeto. As formas utilizadas para

acessar esse excedente são diversas, e vão depender do objeto;

b) com os dados organizados é possível identificar o que é mais frequente, o mais

comum, mais habitual entre os dados produzidos. Em outros termos, isso nos permite

o acesso à coisa como ela se apresenta no mundo empírico;

c) por de ser o mais frequente, o mais comum ou habitual não quer dizer que o fato

observado seja o mais desejável, ou o melhor. Essa é uma questão de valor a respeito

do fato;

d) a lógica dialética pode revelar que o objeto social, sujeito a juízos de valor, é

contraditório. Se não for considerada a contradição, própria deste objeto, não se tem

acesso a uma parte do que se pode conhecer a seu respeito. Para isso, é necessário

encontrar formas de dar expressão às suas contradições. De outro modo, o que se

conhece é apenas parte do objeto;

e) se o objeto é uma construção social, e se está sujeito a um juízo de valor, o objeto

como se apresenta pode ser uma construção ideológica.

Conhecer o objeto significa conhecê-lo não apesar da ideologia, mas por causa dela.

Essa é a contribuição que a pesquisa pretendeu oferecer.

Ela está sujeita a revisões críticas, não por ser nova, mas pelo próprio fundamento que

a motivou. Pode ser apenas um passo em um longo caminho a ser percorrido.

Mas pretende ser um passo que ajude a percorrer o caminho.

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459

APÊNDICE A

Registros obtidos na reunião de junho de 2010, referentes às definições de liderança e

poder:

Os destaques em itálico são do autor desta tese:

(31) Poder: “Sou, como qualquer pessoa, parte do poder coletivo. Posso, em

determinado momento, estar à frente de um grupo como líder...”.

Liderança: “influenciar qual direção tomar, qual rumo tomar”.

(26) Poder: “capacidade de influenciar pessoas. Acredito que (eu) possua capacidade

de influenciar pessoas...”.

Liderança: “líder pra mim, então, seria aquela pessoa que conseguir, com prazer,

cumprir os objetivos do grupo”.

(16) Poder: “ordenamento e condução. Liderança e convencimento”.

Liderança: “quem está à frente da realidade ali, daquele momento, pra mim esse é o

líder”.

(6) Poder: “capacidade de decidir com autonomia sobre minha própria vida e

influenciar as decisões coletivas”.

Liderança: “uma das características principais é esse desejo de mudar, de querer

inovar, de querer mudar uma realidade [...] também essa habilidade de dialogar, de ouvir,

conversar, de comunicar essas ideias”.

(2) Poder: “capacidade conferida a uma pessoa, ou grupo de pessoas, de alterar uma

realidade”;

Liderança: “Capacidade... pra criar mecanismos de realização e tomada de decisões

que possam fazer a mudança, ou fazer com que os objetivos daquele grupo sejam

contemplados...”.

Para os que não foram entrevistados, registram-se apenas as definições de poder:

a) “Poder: capacidade recebida/adquirida em relação ao grupo social de influir nas

decisões. Eu exerço poder em vários ambientes em que tenho liderança”;

b) “poder: capacidade de obter o que se deseja, ou grau de influência nas diferentes

circunstâncias”;

c) “poder: é a capacidade de liderar pessoas...”;

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d) “poder: fazer parte do grupo que define, que toma as decisões que afetarão uma

comunidade maior. Ter poder significa fazer suas ideias prevalecerem e influenciarem

o cotidiano de um povo, de um grupo numeroso”;

e) “poder: influenciar pessoas ou decisões”;

f) “poder: capacidade... para a realização dos seus desejos, impor sua opinião ou

executar suas vontades”;

g) “poder: está ligado ao exercício da liderança sobre grupos ou a massa”;

h) “poder: no plano individual, capacidade de realização. No plano social, posição

hierárquica”.

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APÊNDICE B

Falas retiradas das entrevistas individuais, apresentadas para exemplificação dos

tópicos abordados na reunião de líderes de junho de 2012

Primeiro tópico:“O que é a liderança?”

As falas escolhidas para apresentação foram:

(2) “ser identificado pelas pessoas como alguém que tenha a capacidade de até... de fazer uma

síntese, né, de fazer um apanhado geral do sentimento que está permeando aquele grupo

social”;

(12) “aquele sujeito que com meia hora de conversa você acredita no cara: „esse cara tá com

boas intenções!‟ Necessariamente ele não tem que ser bem informado não, né? Mas então tem

nego que transmite isso – eu não sei explicar como é que é não”;

(15) “ele deve aglutinar e fazer com que todos trabalhando juntos façam, possam conseguir,

uma coisa maior que cada um sozinho não poderia construir...”;

(21) “liderança, em qualquer atividade que você esteja, ela tem que estar envolvendo outras

pessoas. E para você ter a confiança – eu acho que é isso o que é principal da liderança - é

confiança”;

(33) “é a capacidade de induzir nas pessoas a expectativa em relação a um caminho... [...] eu

entendo que a função fundamental no líder é o rumo, é o direcionamento”;

(34) “então, a liderança é determinada pela circunstância. O herói é o cara que não conseguiu

fugir”;

(8) “nossa situação era de não valer nada pro... pro serviço público. E aí surgiu... Surgiu esse

movimento nacional, eu puxei isso num certo momento [...] eu diria que foi uma questão

pontual, que eu me identifico com [causa x] [...] então nesse momento eu me tornei um líder...

Talvez pela falta de outro... Diria, não... não tem ninguém que se dispunha a uma exposição, a

um sacrifício que a situação exigiria [...] agora, nas outras situações de vida eu nunca vivi

nada parecido com isso, que me motivasse a... A juntar as pessoas e fazer qualquer coisa...”.

Segundo tópico:“Líder ou gestor?”

As falas retiradas das entrevistas, escolhidas para apresentação, foram:

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(5) “cargo... cargos que... que tem liderança... não é a mesma coisa. Não é de se esperar que

todo mundo que está nos cargos tenha capacidade de liderança, né?”

(13) “[...] mas se colocar uma pessoa na chefia... e na verdade aí existe uma diferença que eu

aprendi com um grande tio meu, irmão de meu pai, o líder é diferente de chefe, [fulano] sabia

chefiar, mas nunca foi líder.

(12) “[...] é... é eu não sei falar como é que certas pessoas chegaram a ocupar determinados

cargos, porque o sujeito não representa nada e... e principalmente tem muito nego que... que

pra ser líder, ou pra aparecer como tal, ele tem que demonstrar força, né? [...] mas líder, líder,

no nosso meio não é muito não... na minha cabeça não é muito não [...] O que aconteceu é o

tal do vácuo, entra no vácuo e vai embora”;

(22) “[...] tem que saber bem o que que você está perguntando: se é sobre o sujeito que

organiza uma atividade de grupo... ou, sei lá... coletiva, né, ou aquele indivíduo que está num

cargo de chefia, de mando, coisa assim...”;

(10) “e essa dificuldade de coordenar, a gente colocava muito na situação... sem preparo isso

aí me levou... me obrigou a procurar formas de atuar de forma mais adequada nisso, então,

né... com isso eu fui procurar uma habilidade, procurar cursos no mercado de liderança [...]

tive a necessidade de buscar essas habilidades”.

Terceiro tópico: “Como se identificar um líder?”

As falas retiradas das entrevistas, escolhidas para apresentação no grupo, foram:

(10) na [organização x] que também entrei... não lembro quando começou a [...] que eu fui na

primeira reunião... acho que era 90, 88... que tinha umas quatro pessoas lá – e eu achava que

tinha que ser convidado para ir – e como eu ia... eu fui pra ver como que funcionava... que eu

cheguei lá não saí mais, fui três vezes presidente da [instituição x], agora diretor da

[instituição y] também e também da [instituição z]. Porque faltam pessoas pra isso, né? O que

a gente observa é isso, você está, você aparece um pouquinho (risos), vem alguém e te pega

pra participar de atividades, que é realmente uma falta terrível, né?”;

(27)” [...] as coisas não estavam dando certo, alguém precisava tocar aquilo e... de repente nós

começamos a frequentar e tentar entender aquilo. Por eu estar talvez mais presente e...

interesse pelas coisas e participar e estar nas reuniões e perguntar e me interessar por aquilo,

pelo... pelas coisas que estavam acontecendo no dia-a-dia é que foram aparecendo

oportunidades pra estar também... E outra coisa foi o momento de ter poucas pessoas

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envolvidas [...] E eles começaram a... como pode fazer, eleger uma nova diretoria. E como eu

estava na frente disso, quem vai, vamos comigo? E começamos lá”;

(3) “[...] na minha vida inteira nunca participei de... sempre o pessoal quer me colocar nos

lugares. Eu nunca procurei... por exemplo, nunca fiz um trabalho „eu quero ir pra [...]‟ [...] eu

vim a ser diretor sem querer aquilo, quando me pediram pra ser presidente eu até queria

continuar diretor... eu tinha feito um trabalho que eu achei interessante [...] eu acho que queria

continuar como diretor... o pessoal queria me colocar como presidente. Então entrei para

presidente relutando pra ser presidente. Se tivesse... ninguém aceitou o osso, só tinha que ser

eu [...] Não sou de oratória, não sou político desse tipo, não faço... minha política era a gente

fazer esse trabalho [...]”;

(15) “as pessoas esperam que você tenha, é... atitudes por elas, assim, condutas, definições

que muito mais ligadas ao cargo que você ocupa... pelo menos no meu caso... do que mesmo

por uma... uma vontade de exercer talvez a... a liderança. Isto é, acho que tem pessoas que são

talhadas para isso, querem isso, procuram isso, né? E... e se alimentam disso. Outras, como no

meu caso, acho que a liderança veio de maneira indireta, parece que você está disponível para

exercer esses papéis e, quando exercidos, procura exercê-los da melhor maneira com aqueles

valores [...] assim eu... é acho que muitas das chefias e lideranças que eu exerci eu te diria que

caíram no meu colo, eu não vinha deliberadamente procurando isso”;

Quarto tópico: “Liderança e a sua relação com os interesses, com a independência do líder e

com uma possível „exploração‟ do líder pelos liderados”.

Foram escolhidas as seguintes falas para apresentação:

(29) a cota da direção é do [partido x] [...] (fulano) ganhou a eleição e me convidou para

voltar a ser diretor [...] me assediou falando que tem gente que não gosta de mim, mas a

maioria me adora... Aí eles falaram: não, mas você vai continuar... Mas as diretrizes do

partido vão ter que ser cumpridas, inclusive o comparecimento nas reuniões para as quais o

partido convocá-lo... Eu falei: então eu peço demissão é agora... Não dá, incompatível, eu iria

virar refém de um partido político. E eu admiro o [partido x], tem uma história gloriosa [...]

mas não tenho saco para ficar em reuniões, fazer boca de urna que eu acho um absurdo,

ultrajante, no dia da eleição eu ficar tentando ganhar um voto do meu vizinho com toda aquela

sedução, com papel na mão... boca de urna... eu teria que me prestar a esse tipo de coisa...”;

(24) “o líder é... é... é a pessoa que... que... tem o falso líder e o verdadeiro líder, né? É... o

líder não pode depender do cargo que está ocupando. Ser ele estiver ocupando um cargo para

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sobrevivência dele, o líder... ele não pode... é... ter interesse diferente da pessoa que ele

representa”;

(8) “eu também já estava no cheque especial, ou seja, eu acreditava tanto no projeto que eu fui

consumindo as reservas. [...] depois que alguém se sobressai e mostra que é capaz de se expor

em nome dos outros... porque o colega quer é que você se ferre em nome dele. Então hoje eu

sei disso com muito mais clareza; inclusive, nunca mais me iludi também, aparece um que

seja louco maluco a ponto de pôr em risco uma carreira... eu fui ameaçado por ministro [...] a

relação é muito perversa, não é... você não tem... Pra você ser líder, você tem que ser maluco,

tem que estar disposto a tudo – eu me dispus até a morrer, Zé... Torcia pra ser preso pra

ganhar capital político... não tinha... não estava nem aí... É um período meio de loucura pra

conseguir o que eu liderava”;

(19) “[...] as pessoas estavam, todo mundo, na zona de conforto, né? Então, assim, deixa ele,

deixa ele tomar a liderança e resolver. E resolvia, né? Pegava pra resolver e resolvia [...] eu

acho que as pessoas... quem têm o tipo de personalidade que eu tenho, eu acho que é... existe

um jogo de sutilezas, tanto em casa como na... na... na área profissional. As pessoas sabem

como conseguem as coisas de você, né? [...] tem gente que é mestre nisso, né? Tem gente que

se aproxima de você e ela sabe exatamente qual... qual é o jogo de poder que ela tem que

utilizar com você pra você sair correndo fazendo as coisas”;

(6) “não, até assim... é estranho quando as pessoas falam assim... você sacrifica muito... Não,

pra mim eu sempre é... por mais que eu tenha deixado, às vezes, minha família, é claro que

me incomodava, às vezes, num ir, tal, mas aquilo, se eu colocasse que a... a soma das

vantagens era muito maior que as desvantagens, né? É assim, num... num faria... não me

arrependo de nada que eu fiz por ter feito isso, não acho assim. Eu recebi, foi... foi... me

pagaram pra eu fazer”;

(30) “[...] as pessoas mais articuladas, eu vejo hoje, as mais articuladas, elas procuram

associar a questão da liderança com remuneração. Então essas duas coisas são importantes,

você procura... e é natural isso... você procura aquele cargo que ele te dá mais projeções, mas

junto com uma questão de remuneração. A não ser que essa questão de remuneração já está

resolvida, então o cara já está aposentado, largou tudo então ele quer só o glamour, entendeu?

Mas normalmente você procura a associação da remuneração com o... o poder [...] ele entra

nessa fogueira, mas almejando que dali ele dê um salto para uma coisa que seja destaque e

remuneração [...] Você pega um cara que é um... um executivo na empresa x, ele vai

caminhando nessa empresa, ele vai caminhando, ele tem uma liderança nessa empresa, ele vai

caminhando [...] e se ele aqui está vendo espaço em outras empresas, então ele consegue fazer

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a sua liderança com remuneração justa e ele muda pra outra com remuneração boa, às vezes

pode ser até menor, mas com uma projeção maior [...]”;

Quinto tópico: “O líder pode ser nato ou ele é desenvolvido?”

As falas escolhidas para apresentação foram:

(13) “eu sempre tive isso em mim – uma coisa meio inata...”;

(30) “a liderança é uma coisa que ela... Ela pode ser trabalhada, né, mas a verdadeira

liderança, ela é nata... Que a pessoa que é carismática, ela não consegue.... Um líder, ele pode

assumir uma condição de liderança e tudo, mas ele... Ele tem que ter... Eu acho que um fator

aí, até de personalidade, um fator aí realmente nato em relação a isso”;

(34) “não tem nada que você pode virar e falar: „Não, fulano tem o dom‟. [...] se o cara não

treinar, não tem jeito [...] Então você vai adquirindo um traquejo com a oratória, né, que na

política é a arma principal, e você se torna extremamente perigoso. E eu tinha uma facilidade

de oratória muito grande”;

(34) “no congresso de [profissionais x] no Rio de Janeiro, na plenária final, a gente não

conseguiu deixar o (fulano) intervir em nenhuma defesa, porque ele não tinha desempenho de

oratória pra fazer uma defesa de três minutos no plenário. Ele ficava gaguejando, não

conseguia... Hoje é governador do [estado x]. Então, tudo você aprende. Não tem esse

negócio: „Ah, eu tenho o dom!‟ Dom o cacete...”

A esse conjunto foi acrescentado mais um slide:

“Nato? Desenvolvido? Distúrbio??”

Cujas falas utilizadas para exemplificação foram:

(29) “a personalidade... deve ter algum distúrbio. É, ele deve ser enquadrado em algum

daqueles quadros de psicopatologia, você pode ler no Jaspers , aquele alemão, que ele está lá

[...] todos os grandes líderes militares, eles tinham um motivo de distúrbio comportamental,

tinha algum tipo de carência que ele remete à primeira infância...”;

(8) “pra você ser líder, você tem que ser maluco, tem que estar disposto a tudo – eu me

dispus até a morrer, Zé... Torcia pra ser preso pra ganhar capital político... não tinha... não

estava nem aí... É um período meio de loucura pra conseguir o que eu liderava”.

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Tópicos formados por uma “constelação” de falas

(que estão apresentadas no APÊNDICE B) seguidos dos textos escritos escolhidos,

referentes à percepção do participante sobre o que foi apresentado.

Primeiro tópico:“o que é a liderança?”

Os comentários escritos escolhidos, referentes a este tópico foram:

(2) as falas vão no sentido de “eu não queria... me colocaram lá”. Não acredito

nisso. As coisas são consequenciais, portanto, quem participa necessariamente

assume posições. Dizer “eu não queria” é uma forma de colocar a liderança como

sacrifício, quando ninguém é líder por acaso;

(4) vejo que o conceito de liderança não é algo consensual, às vezes particularizado

e incompleto;

(5) a ideia de liderança inclui a oportunidade (momento) e o contexto

(circunstância). Os atributos individuais e a capacitação do indivíduo agem

secundariamente, influenciando o modo, a forma de exercício.

(17) há um “contraponto entre alguém que se acha líder e vai mobilizar um grupo

para se tornar chefe e o grupo que escolhe um líder para centralizar as ideias desse

grupo;

(31) há alguns atributos da liderança que são comuns à grande maioria [...]:

confiança conquistada no grupo, capacidade de visão de futuro e privilégio do

coletivo;

(a) qualquer um pode ser líder, independentemente da pessoa que é. O importante

para o grupo seria saber identificar quais são esses líderes, em que contexto está a

liderança e como saber aproveitar essa capacidade de cada um em cada situação;

(c) o líder é determinado, “gerado” pela situação da qual ele não fugiu: “Why are

you a hero? Cause there was no one else to do the job, Duro de matar 4”;

(i) depende do momento que o “líder” se apresenta como tal [...] A liderança não

seria absoluta, mas compartilhada com outros líderes;

(j) lembrou-me aquela fábula dos cegos, conhecendo e examinado um elefante, cada

um tateando uma determinada parte e tendo impressões bem distintas do que seria

liderança;

(l) está dando a sensação de que a liderança é mais do que o indivíduo “líder” em si,

de sua capacidade e mérito e de seu caráter.

Segundo tópico:“líder ou gestor?”

As anotações escolhidas como sendo as mais relevantes neste tópico foram:

(4) dentro de uma organização, uma situação muito boa é quando o gestor também é

um bom líder;

(5) a função gerencial pode ser exercida também por quem lidera;

(31) ao comparar líder e gestor, as pessoas veem apenas o chefe, o comandante, o

poderoso. Será que, no íntimo, é esse líder que as pessoas querem? (grifos do

participante);

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(a) o líder pode não ser um gestor. O gestor tem que liderar e fazer, pode não ser um

grande líder mas precisa liderar;

(c) líder e gestor não foram vistos como sinônimos (e não são mesmo). Mas pode-se

aperfeiçoar nos cargos – de gestor principalmente (fazer cursos, etc);

(f) um líder consegue ser um grande gestor, mas o contrário, às vezes, além de

conflitante, torna-se o “dificultador”;

(g) líder ou gestor? Difícil desvincular.

Terceiro tópico: “como se identificar um líder?”.

As observações mais relevantes foram:

(2) As falas vão no sentido de “eu não queria... me colocaram lá”. Não acredito

nisso. As coisas são consequenciais, portanto, quem participa necessariamente

assume posições. Dizer “eu não queria” é uma forma de colocar a liderança como

sacrifício, quando ninguém é líder por acaso;

(5) na maioria das vezes reconhece-se um líder por ele já ser considerado líder. Não

é predição, é constatação;

(15) é através do que fazem (ou fizeram) e não através do que dizem de si;

(31) o líder, ao falar de si mesmo, exprime uma modéstia falsa, relutando em admitir

o desejo de ser líder. Ora, ninguém é ungido a líder, e aquele que nega a pretensão,

principalmente após sê-lo, faz uma representação caricata;

(a) existem poucas pessoas que se dispõe a tomar a frente de alguns trabalhos. E

quando alguém se dispõe a falar e aparece em determinadas situações, acaba se

tornando uma “liderança”, mesmo que falte a ela algumas características para

exercer uma verdadeira liderança. Ou existem lideranças “temporárias”;

(f) torna-se um líder, mas em alguns momentos inclusive houve um

“questionamento íntimo” dessa situação em termos de “veracidade”;

(i) em momentos de crise o líder surge naturalmente.

Quarto tópico: “liderança e a sua relação com os interesses, com a independência do

líder e com uma possível „exploração‟ do líder pelos liderados”.

As anotações escolhidas, consideradas as mais relevantes sobre este tópico, foram:

(2) Há uma ou várias compensações na questão da liderança. Ainda que não haja

remuneração ou ela seja baixa, ninguém está em posição de liderança contra a

vontade;

(4) A dependência, principalmente financeira, pode gerar dificuldades na condução

dos processos. O mesmo pode acontecer quando há dependência de instituições

como citado;

(17) Liderança tem que ter independência. Caso contrário você fica refém da

remuneração e também refém do grupo;

(31) Existe um conflito grande do líder entre o sacrifício a que se submete

(financeiro, profissional, pessoal) e os ganhos advindos da atividade de liderança

(remuneração, projeção, status), mostrando que na maioria das vezes a causa é só

pessoal;

(a) [...] no fundo, todo líder quer ter uma recompensa. Às vezes a visibilidade e o

reconhecimento são mais importantes que a recompensa financeira. Hoje, nas

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pessoas que estão no dia-a-dia das lideranças do grupo eu percebo uma maior

preocupação pela boa remuneração como fator importante para o bom trabalho;

(b) a impressão é de que o líder não deveria depender da remuneração para exercer o

seu papel, mas a maioria tem que buscar alguma forma de conciliar suas

necessidades pessoais, familiares, com as necessidades, demandas, coletivas;

(c) a projeção social da liderança e a remuneração são vistas de formas diferentes;

(d) o líder não deixa de liderar se ele tem esse ou aquele interesse. Por trás da sua

liderança pode sim estar camuflado outros interesses pessoais. Isso não anula a sua

capacidade de liderar para o bem ou para o mal.

Quinto tópico: “o líder pode ser nato ou ele é desenvolvido?”. A esse conjunto foi

acrescentado mais um slide com falas no sentido: “líder: nato? Desenvolvido? Distúrbio??”

As observações registradas escolhidas sobre esse tópico foram as seguintes:

(5) A liderança é um exercício, não um atributo;

(15) Todas as características são desenvolvidas [...] As situações da vida dirão o

quanto cada um vai se empenhar em crescer;

(a) existem pessoas que têm características natas [...] existem pessoas que se

formam [...] e também existem aqueles que tentam aprender a ser líder, mas como

não têm características natas não conseguem ser verdadeiros líderes e sustentar a

liderança;

(b) acho que é uma combinação dos dois. Mas muitos acham que é psicopatologia!;

(e) a capacidade de liderança é inata, porém, de acordo com as situações

vivenciadas, ela necessita de lapidação55

;

(i) o líder tem que aprender habilidades como falar bem, expor ideias com clareza e

saber ouvir os liderados. Não adianta “gritar” e se considerar líder (grifo do

participante);

(l) fica uma sensação que liderança é muito mais treino, prática e estudo, embora

talvez haja também um fator pessoal “endógeno” (grifo do participante).

Anotações das falas individuais dos participantes, sobre o que cada um achou mais

relevante dentro do conjunto apresentado dos tópicos envolvendo o tema da liderança

(2) Me chama atenção estas falas “eu tava aqui”, “eu não pedi nada e caiu no meu

colo”... isso não existe. Na prática nada acontece por acaso, você está presente numa

reunião e isso traz consequência acho que isso não existe. É um jeito de se esquivar;

(x) Sobre estas falas de não querer, não é bem assim, às vezes sem querer nós nos

insinuamos, as pessoas se expõem, mesmo sendo difícil, não é muito gratuito. Pode

não ser plenamente intencionado, mas há uma busca. Agora algumas coisas podem

ser desenvolvidas, as pessoas que conseguem desenvolver essas características, isso

faz delas uma liderança;

(26) O que me chamou atenção é que não tem um padrão do que é ser líder. Cada

fala entende de uma maneira e cada fala está tentando se justificar. Como não existe

um padrão do líder, existem vários tipos, de grupo que escolhe. Acho que tem muito

mais a ver com o que o líder permite e o que o grupo escolhe. Acho que há sempre

55

O termo “lapidação” foi usado por outras três pessoas cujos relatos não foram incluídos aqui por serem muito

genéricos e/ou estarem bem dentro do senso comum. De qualquer forma, chamou a atenção a força imagética do

termo para boa parcela dos participantes.

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um ganho pessoal, mesmo que não seja dinheiro. Sobre o fato de ser explorado, não

existe os explorados, os independentes, os bons ou ruins, existem pessoas com

capacidade de liderar e grupos que escolhem se coincidir será líder, gestor e líder.

Liderança algo não fácil, tem que ter dedicação e disponibilidade. Se não tiver

disponibilidade do líder de liderar e do grupo de escolher, o líder não acontece;

(b) as coisas são multifatoriais – ouvi um olheiro de futebol que contou como

avaliava os jogadores: via a maneira como o jogador reagia quando a bola batia no

seu pé, se ele olhasse em torno era bom, se olhasse para a bola era perneta. O que

tem de nato e de desenvolvido nunca é uma coisa só. Existem histórias diferentes.

Algumas composições dão certo e outras não. Tem um pouco de cada coisa: a

pessoa certa, no lugar certo e na hora certa;

(17) O grupo tem que ter um líder e este só existe se tiver um grupo. Não existe esse

líder vitimizado, concordo com (b). “Sobrou pra mim” é um jeito de justificar, mas

isso não existe... Tem que ter cuidado pra não olhar pro umbigo, mas trabalhar com

as ideias do grupo. Tem que ter cuidado com ética, senão fica só corporativista. Se

existe alguma capacidade individual, ela pode ser polida;

(y) Dá exemplo de cena de filmes: tem uma fila e alguém pergunta quem se dispõe a

ser um voluntário? Todos dão um passo atrás e o bobo fica na frente. Liderança não

é isso. Gestão e liderança são diferentes – o que está envolvido nisso é respeito.

Achei estranho que ninguém falou disso. Acho que isso é condição o liderado ver

respeito no líder. Acho que liderança deve ser construída, mas do zero é muito

difícil. Pode ter mais características inatas, mas se não desenvolver... (dá o exemplo

de Lula);

(z) Essas ideias refletem o que o mundo conhece como liderança, o que todos veem

como liderança. Há a fábula do cego e do elefante na qual cada um olha apenas uma

parte sem ver o todo. Nem se você juntar todos os heróis da Marwin você não

consegue ver tudo que se espera de um líder. Um projeto, quando começa, exige

uma característica, cada etapa exige um tipo diferente, no meio alguém que organiza

e no fim um sargentão para terminar;

(31) Achei interessante porque parecia uma terapia: o primeiro slide era o que se

entende como liderança, confiança, percepção do grupo, líder ideal. Nos demais foi

completamente oposto. Começou a mostrar que a teoria na prática é outra. Depois

da comparação com a independência apareceu uma falsa modéstia, como se fosse

herói mesmo, sacrifício... sacrifício remunerado em dinheiro e em posição social,

uma coisa muito católica cristã: Jesus Cristo se sacrificou, se doou, etc. E aí tem a

hipocrisia tanto dos líderes como dos liderados . É líder, mas não afirma que quis,

que se preparou, que ele ganhou. É obvio que ele trabalha para ser líder, trabalha

essas características dentro do cenário para ser o líder que sempre quis ser. O

cenário é importante, mas ele também altera esse cenário, ele tem responsabilidade

pela construção desse cenário;

(h) Líder e gestor têm características diferentes. Liderança tem que ter ouvidos

abertos para o que está sendo a demanda, mas muitas vezes tem que discernir

porque às vezes vem ódio. Você tem que saber ... o líder, ele tem algo que o inquieta

senão não estaria ali. Ele antecipa o que está vendo, vai para ação e aí os outros

acompanham porque ele se coloca na função que não é dele, mas do grupo. Sobre

remuneração, acho importante que ele seja bem remunerado para sustentar as ideias

com independência;

(w) É uma capacidade que alguns têm mesmo: são pessoas mais argutas, rápidas e

percebem mais e vão melhorando essas características, se expõem e conseguem

detectar as necessidades de um grupo. Se ela consegue sintetizar e dominar o que o

grupo precisa, mesmo que diga que foi colocada, é ela que se coloca e o grupo

identifica, ela tem um uma característica particular;

(i) O líder em momentos de crise vê luz no fim do túnel e em calmaria não deixa

parar. Não nasce, mas se desenvolve. [Sobre] A independência: quem não abandona

a sua posição, seu trabalho de base, é muito mais independente que o que é só

remunerado pela função de liderança;

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(15) Líder vem do inglês leader – significa guia chefe – guiar, chefiar é liderar. A

gente imagina que não, mas não tem jeito de ser líder sem guiar. Em latim autoritas

existem várias maneiras autocráticos, autoritários e ate laissez faire. Às vezes as

pessoas têm modéstia e se põem como líder para se livrar de um abacaxi. Há um

terreno fértil e um desenvolvimento, é um encontro da oportunidade com a

preparação;

(t) Líder capacidade de aglutinar várias pessoas e o determinante é a confiança. O

líder une, o gestor comanda. O gestor planeja e cumpre a missão dos objetivos

comum. É preciso desinibição e magnetismo pessoal;

(16) Tenho tido oportunidade seguindo meus filhos na escola de ver como se dá essa

questão de liderança. E vejo como algumas pessoas têm isso de forma mais nítida,

alguns que por comodidade vão se deixando levar e outros que vão levando se

firmam como líderes. Não tem como assumir liderança sem se pôr em riscos;

(g) Todos buscam ser felizes, a busca da felicidade é muito importante. Líder é

aquele que conquista capacidade de escutar e estimula os liderados a buscar a

soluções e ajudar na busca de resultados. Se não, não consegue caminhar. Tem que

formar um time, tem que ser desenvolvida atitude, vontade e coragem. São três

palavrinhas, mas isso pode ser desenvolvido. O poder é o colocado e a autoridade

conquistada. São coisas diferentes, e esta última é conquistada. Falar que foi “posto”

(como líder), não é assim... Tem pessoas diferenciadas que já nascem líder, mas tem

que ter qualificação;

(f) Às vezes o sacrifício é inerente, faz parte. Não acho pejorativo essa fala que o

herói não conseguiu fugir da luta;

(u) Quando cai no colo pode ter sido ou não por acaso. Às vezes começa como

pitaqueiro, aí começa a se destacar. O que tem que ver é que ele tem alguma

capacidade e aí tem que ser lapidado e aí ele vai conduzir aqueles que o escolheram.

Às vezes se torna um gestor;

(h) falou da questão financeira, fica exposto à corrupção e todos são corruptíveis

depende do preço. Ele tem que fazer alguma coisa diferente dos que lidera;

(27) Existem pessoas com características mais marcantes que têm mais facilidade de

se destacar e outras que vão sendo desenvolvidas desde a infância. Achei muito

interessante porque reflete o que a gente vê nos grupos. A gente vê que tem que

buscar essas lideranças, essas capacidades que podem ser desenvolvidas. É por isso

que reunimos. A questão da gestão, é importante, tem que saber fazer isso. Tem

pessoas que são muito mais gestores que líderes mesmo.

(4) A questão da liderança, a discussão é mais ampla, a gente vê a variação (e

mostra a apresentação que foi feita das diversas falas) – para mim é aglutinar e levar

numa direção. A gente é liderança e já vivemos sob a liderança... as circunstâncias

são muito importantes... Me lembrei de Hitler, que teve a capacidade de aglutinar

pessoas, mas com as ideias dele. Mas foi um líder. Vejo diferença entre gestor e

líder: acho que o líder nasce com capacidades e têm que ser trabalhadas desde a

infância na escola, na vida. E claro que temos que ser desenvolvidos, por isso nos

reunimos aqui há muitos anos. E tem que ter independência;

(s) parece que colei do (4). Acho que liderança tem um pouco de natural e muito de

preparação (dá o exemplo do ex-deputado Demóstenes Torres). Líder pode ser para

o bem ou para o mal, mas é líder;

(r) já fui dominada pelas falas: psicopatas são carismáticos e conseguem liderança;

(q) a autoridade é concedida: um concede a outro. De forma coletiva, mas

individualmente. Nem todos pelo mesmo motivo. Os motivos que levam alguns a

ceder autoridade, o líder consegue captar. Cada turma tem seus líderes – são

forjadas – no sentido que aqui tem que estar lidando com a possibilidade da

liderança do outro e estimular, correr o risco. Ele tem que ter independência mais

que autonomia;

(5) Do ponto de vista do conceito de liderança, ela não é quase nunca preditiva, ela é

quase sempre uma autópsia. Vemos as pessoas que exercem ou exerceram liderança

e aí descrevemos as características. Tem muito a ver com as circunstâncias.