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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP André Naveiro Russo Gesto, som e voz: um estudo da aprendizagem da comunicação por meio do radiojornalismo Mestrado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2015

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

André Naveiro Russo

Gesto, som e voz: um estudo da aprendizagem da comunicação por meio

do radiojornalismo

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2015

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

André Naveiro Russo

Gesto, som e voz: um estudo da aprendizagem da comunicação por meio

do radiojornalismo

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de mestre em Comunicação e

Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Norval

Baitello Júnior.

São Paulo

2015

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André Naveiro Russo

Gesto, som e voz: um estudo da aprendizagem da comunicação por meio

do radiojornalismo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de mestre em Comunicação e

Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Norval

Baitello Júnior.

Tese defendida e aprovada pela comissão julgadora em: ____/____/____

Banca Examinadora

_________________________________________________________

Prof. Dr. Norval Baitello Junior PUCSP (Orientador)

_________________________________________________________

Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes – Faculdade Cásper Líbero

_________________________________________________________

Profa. Dra. Fernanda Coelho Liberali – PUCSP

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Dedico este trabalho

Aos alunos e professores que conheci durante meu envolvimento de 14 anos

com o Prêmio Escola Voluntária, inspiradores que foram desta pesquisa.

Ao meu pai, Oddy Russo (in memoriam) que me ensinou a ―cultivar o ouvir‖

pelo rádio desde pequeno.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Prof. Dr. Norval Baitello, por tanto conhecimento, pelo apoio

pertinente e instigante e por acreditar na ideia desta pesquisa.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),

que financiou e possibilitou a realização deste trabalho.

Aos professores do Curso de Comunicação e Semiótica (COS), pelo incentivo

constante, em especial aos professores Amálio Pinheiro, Eugênio Trivinho e

José Luiz Aidar Prado.

À secretária do COS, Cida Bueno, pelo seu jeito sério e objetivo de acreditar

em mim.

Ao Prof. José Eugenio de Oliveira Menezes, pelas contribuições fundamentais,

desde nosso primeiro contato, quando fui presenteado com o livro A cultura do

ouvir, até a qualificação.

À Profa. Fernanda Coelho Liberali, do Curso de Linguística Aplicada e Estudos

de Linguagem (LAEL), por aceitar compartilhar conhecimentos fundamentais

ao avaliar o que aqui se propõe.

À Profa. Elisabeth Leone, pelas oportunas orientações na qualificação e pelo

socorro com artigos e livros sempre que necessário.

Aos colegas Julia Lucia de Oliveira Albano da Silva, Robson Kumode, Helena

Navarrete, Fabio Ciquini, Nadia Lebedev, Diogo Bornhausen, Luiza Spínola,

Leão Serva e demais integrantes do Centro Interdisciplinar de Semiótica da

Cultura e da Mídia (CISC), pela ajuda sempre que necessário.

Aos alunos, professores e diretores do Educandário Nossa Senhora Aparecida

e da Escola Estadual Professora Therezinha Sartori, por aceitarem participar

desta pesquisa.

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À amiga Luciana Lobo, pelo apoio mais do que precioso ao longo de todos os

anos em que viajamos pelo país em busca de histórias sobre voluntariado.

Aos jornalistas José Carlos Carboni, Thays Freitas e Francisco Prado, da Rádio

Bandeirantes, que entenderam a importância deste trabalho para mim.

À jornalista Patrícia Logullo, pela revisão paciente e pelo incentivo desde o

primeiro encontro durante o Escola Voluntária.

À assistente editorial Paulina Santa Cruz, pelo trabalho e preocupação com

cada detalhe.

À minha esposa, Fernanda Russo, que, durante dois anos e meio, sempre

esteve ao meu lado em todos os momentos em que não pude estar ao lado dela.

À minha mãe, pedagoga preferida, Izabel, e meu irmão, Alexandre Naveiro

Russo, pela compreensão em um momento tão especial para meu

desenvolvimento profissional.

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RESUMO

RUSSO, A.N. Gesto, som e voz: um estudo sobre a aprendizagem da

comunicação por meio do radiojornalismo, 2015. Dissertação (Mestrado) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Esta pesquisa investiga de que forma a comunicação por meio do gesto, do

som e da voz e os processos de criação, produção e emissão sonora no rádio

podem ser utilizados como recurso pedagógico em salas de aula do Ensino

Médio no Brasil. Em nove anos de observações em escolas públicas e

particulares de diversos estados brasileiros, foram conhecidas diferentes

realidades vivenciadas por jovens entre 14 e 16 anos e seus professores no dia

a dia escolar. Desde 2006 até 2014, ministraram-se aulas de radiojornalismo

em 90 instituições de ensino participantes do Prêmio Escola Voluntária. O

trabalho busca saber se o aluno do ensino médio compreende de forma clara e

prática a função do som, da voz e do gesto como elementos formadores de

uma imagem sonora. Foram feitas análises de exercícios propostos em duas

escolas de São Paulo que integraram o grupo citado anteriormente. O estudo

tem como hipótese que estudantes estejam mais acostumados com a

comunicação por meio do texto no ambiente escolar e que as escolas

desconsiderem o som — e os elementos que o formam — como recurso de

comunicação. Sob o prisma da sociabilidade gerada pelo processo

comunicacional, entende-se, também, que os vínculos entre os estudantes

podem ser estimulados a partir dessa proposta. A pesquisa descreve a

mecânica do Prêmio Escola Voluntária e a inserção do estudante no contexto

do jornalismo de rádio bem como situa a sala de aula como espaço para

criação de vínculos a partir de prática do radiojornalismo de forma lúdica. O

referencial teórico é constituído pelas contribuições de Harry Pross e Norval

Baitello Jr. em relação ao corpo nos ambientes de comunicação; pelos

trabalhos de Murray Schafer sobre paisagem sonora bem como por Hans

Belting em relação à antropologia da imagem. A cultura do ouvir tem apoio em

José Eugênio Menezes. Os vínculos são estudados a partir de Boris Cyrulnik e

o conceito de semiosfera, em Iuri Lotman. Em paralelo, Paul Zumthor é a base

de apoio para questões de voz e performance.

Palavras-chave: rádio-escola, aprendizagem midiática, rádio como ferramenta

pedagógica, rádio e sociabilidade, cultura do ouvir.

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ABSTRACT

RUSSO, A.N. Gestures, sound and voice: a study on learning communications

through radio journalism, 2015. Dissertation (Master's Degree) — Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

This research investigates how the communication by means of gestures,

sound and voice, and the creation processes, the sound production and

emission in radio can be used as an educational resource in High Schools in

Brazil. In nine years of observation in public and private schools in many

Brazilian states, different realities were observed among students aged 14 to 16

years old and their teachers in their daily routine. From 2006 to 2014, radio

journalism classes were presented in 90 schools that were participants in an

award: the Volunteer School Award. This research investigates if high school

students can understand clearly the function of the voice, the sound and the

gestures as elements that combine into a "sound image". Two schools were

particularly examined, in which radio exercises were proposed. The hypothesis

is that high school students are more used to written communication in the

school environment, and that the schools fail to consider the sound, and the

elements that form the sound, as a communication resource. Through the

perspective of the sociability created by the communication process, it is also

seen that even the social bonds between students can be stimulated through

the use of radio in schools. The research describes the operating mechanics of

the Award, the student insertion in the context of radio communications and the

classroom as a space that is proper for the creation of bonds by means of the

exercising of radio as a playful activity. The theoretical references are Harry

Pross and Norval Baitello Jr., regarding the the body in the communication

environments; Murray Schafer regarding the sound imaging and Hans Belting

with respect to imaging anthropology. The culture of listening is supported by

the studies by José Eugênio Menezes. Social bonds are studied from the

perspective of Boris Cyrulnik and the concept of semiosphere in the work by Iuri

Lotman. Besides, Paul Zumthor constitutes the basis for the discussions on

voice and performance.

Keywords: radio in school, media learning, radio as a teaching tool, radio and

social bonds, listening culture.

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Sumário

1. Introdução .................................................................................................... 13

2. O Prêmio Escola Voluntária ......................................................................... 23

2.1. A escolha do texto, da sonora e da trilha... a cultura do ouvir ............... 32

2.2. A gravação da reportagem .................................................................... 39

3. A criação de vínculos entre os estudantes ................................................... 53

3.1. O ambiente escolar como ambiente comunicacional ............................ 62

4. Exercícios em sala de aula ........................................................................... 71

4.1. Educandário Nossa Senhora Aparecida ............................................... 72

4.2. Escola Estadual Professora Therezinha Sartori .................................... 79

5. Considerações finais .................................................................................... 87

6. Referências bibliográficas ............................................................................ 95

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Lista de Figuras

Figura 1. Definição de reportagem na apostila do curso de

radiojornalismo ............................................................................ 27

Figura 2. Teoria debatida com alunos em sala de aula curso de

radiojornalismo ............................................................................ 28

Figura 3. Orientações sobre edição do texto apresentadas na apostila do

curso de radiojornalismo ............................................................. 30

Figura 4. A importância da escolha da trilha sonora, conforme demonstrado

em apostila do curso de radiojornalismo, com citação de literatura

.................................................................................................... 36

Figura 5. Discussão sobre a relação entre o desempenho na narração e o

conhecimento prévio sobre o assunto, na apostila do curso de

radiojornalismo ............................................................................ 40

Figura 6. Demonstração da importância do gesto durante a locução em aula

do curso de radiojornalismo. ....................................................... 42

Figura 7. O uso de outras sonoridades além da locução é possível por meio

da edição da reportagem, conforme explicado na apostila de

radiojornalismo ............................................................................ 44

Figura 8. A importância da leitura e do texto bem redigido, conforme

demonstrado na apostila do curso de radiojornalismo ................ 46

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1. Introdução

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O Prêmio Escola Voluntária, da Rádio Bandeirantes e da Fundação Itaú

Social, incentiva, há 15 anos, o voluntariado educativo desenvolvido por alunos do

último ano do Ensino Fundamental (EF) e dos três do Ensino Médio (EM) de escolas

públicas e particulares de vários estados brasileiros. Embora o Prêmio tenha se

iniciado em 2001, época em que o autor já integrava a equipe responsável pelo

projeto, foi a partir de 2006 que, com uma nova mecânica do prêmio, passaram a ser

realizadas visitas às escolas finalistas – 10 a cada ano – com o objetivo de orientar

os alunos na produção de reportagens sobre os projetos de ação voluntária,

realizados por eles nas escolas. Entre os anos de 2006 e 2014, portanto, o autor,

jornalista e radialista, foi responsável pela capacitação em rádio dos jovens finalistas

do Prêmio Escola Voluntária. A capacitação é uma das etapas de um processo que

começa com a divulgação do Prêmio nas emissoras do Grupo Bandeirantes de

Comunicação e culmina numa cerimônia de premiação.

Nas visitas de capacitação, é ensinado aos jovens como produzir uma

reportagem de rádio. Isso significa falar aos jovens, em sala de aula, sobre som,

texto, entrevista, edição, sobre a importância do ouvir e, posteriormente — ao aluno

que grava o material — falar de voz, de gesto, de oralidade. Do mesmo modo, os

processos de produção, criação e emissão radiofônica são apresentados nesta

etapa aos estudantes.

As aulas de rádio acontecem em seis horas, divididas em dois dias. Ao

longo da maior parte de todo esse período, principalmente durante os cursos que

foram ministrados entre os anos de 2006 e 2012, o autor estabelecia relações

limitadas e práticas entre o rádio e a sala de aula nos encontros com as escolas

finalistas do Prêmio. Aos professores da escola, era sugerido que os conteúdos

escolares fossem transformados em notícias de rádio, o que apenas envolveria este

meio de comunicação de uma forma simples no processo de ensino.

Em 2013, no início do segundo semestre, período de visitas às escolas, este

pesquisador iniciou o curso no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação

e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi então que,

em 2014, já estimulado por bases teóricas da linha de pesquisa, passou a conduzir as

aulas de forma diversa daquela dos outros anos e a inserir breves citações de autores,

como forma de dar respaldo ao que apresentava, em uma apostila, como um simples

manual de radiojornalismo a jovens entre 14 e 17 anos. Mais do que explicar como se

produz uma reportagem, o comportamento do profissional do rádio e sua forma de se

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comunicar eram o ponto de partida para que os estudantes de fato compreendessem

como nasce uma reportagem, desde sua concepção até a veiculação no ar. Dessa

forma, uma parte desse processo passou a interessar este pesquisador; em paralelo ao

rádio como meio de comunicação, os processos anteriores a este tinham prioridade,

como razão do estudo que aqui será apresentado. Assim, o rádio passava a ter um

papel mais ampliado na condução de um processo de aprendizagem. O interesse por

estudar a relação entre comunicação e educação e a contribuição que a primeira pode

oferecer à segunda nasceu nesse período, não sob o ponto de vista da crítica aos

meios de comunicação e sim apoiado em temas que estão aquém de uma simples

análise prática da mídia. Mais do que inserir o aluno em um estúdio profissional de uma

emissora, o objetivo passou a ser avaliar o conhecimento dele sobre a importância do

gesto, da voz e do som como elementos formadores de uma ―imagem sonora‖1, afinal

como nos lembra Norval Baitello (2012, p. 113), as imagens ―não se restringem ao

sentido da visão. Convivem dentro de nós imagens de todos os naipes: sonoras, táteis,

auditivas, olfativas, gustativas, proprioceptivas e até visuais‖.

Um especial tema que fez nascer o objetivo desta pesquisa é o que trata

da melhora das relações humanas entre alunos e, por consequência, seus níveis de

sociabilidade, isto é, a capacidade de se relacionar com colegas de sala e todos do

ambiente escolar por meio de vínculos que os tornem mais confiantes no

desempenho de suas tarefas em classe, em atividades extraclasse e,

principalmente, no dia a dia. Estudantes poderiam potencializar sua capacidade de

comunicação, de opinião e de ocupação do espaço social do qual fazem parte.

Desenhava-se um caminho para estimular o estudante a utilizar recursos de

comunicação, inerentes ao dia a dia do rádio, como o gesto, o som e o ouvir, com a

finalidade de criar uma relação mais consistente, precisa e confiante com o outro.

1 O conceito da imagem sonora será melhor explorado adiante.

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A despeito de não ter realizado pesquisas conclusivas sobre o assunto,

nesse período de nove anos de visitas a um total de 90 escolas, o autor pôde inferir,

por pura observação ou contatos pessoais com professores e alunos das mais

diferentes cidades e escolas, particulares e públicas, claras dificuldades relacionadas

à ortografia e déficit ligado à comunicação oral, considerados, neste caso, o falar e,

por consequência, o ouvir. Jovens entre 14 e 16 anos dominam com considerável

habilidade os modernos recursos de comunicação que já transformam em peça de

museu um simples e-mail. Compartilham ideias nas redes sociais, disparam as

emoções com um simples toque no celular e se relacionam de forma prática e com a

agilidade e a pressa que caracterizam os estudantes dessa faixa etária. Longe de se

ter como meta a mudança ou crítica à realidade da má ortografia, o resultado pode ser

um adulto dotado da mais perfeita agilidade mental para a individualidade, mas que se

apresenta com claras dificuldades para o básico da relação humana: o contato com o

outro, o saber ouvir, o saber expor pontos de vista e aceitar o de outra pessoa.

Porém, a inevitável — e necessária — comunicação por ferramentas

modernas, especialmente entre estudantes dos ensinos fundamental e médio, pode

contribuir para facilitar o isolamento dos indivíduos ou interlocutores, fechados em seus

teclados, smartphones e fones de ouvido coloridos. Os jovens, tímidos ou não, preferem

se comunicar por Whatsapp, Facebook, seja qual for o teor da mensagem. A busca por

um ambiente de comunicação que não tenha apenas a emissão radiofônica como

objetivo final, mas o que vem antes dessa etapa, passou a estar em primeiro plano.

Essa ideia fica clara a partir da contribuição do Professor Norval Baitello, que apresenta

a seguinte reflexão:

―Quanto mais se aperfeiçoam os recursos, as técnicas e as possibilidades que o homem tem de se comunicar com o mundo, com os outros homens e consigo mesmo, aumentam também, em idêntica proporção, as suas incapacidades, suas lacunas, seu boicote, seus entraves ao mesmo processo, ampliando um território tão antigo quanto esquecido, o território da incomunicação humana.‖ (BAITELLO, As irmãs gêmeas: comunicação e incomunicação).

Jovens estudantes podem ser presas fáceis do território da

―incomunicação‖ humana aos se sentirem satisfeitos em se comunicar apenas por

redes sociais, e-mail, SMS ou Whatsapp, sem qualquer aproximação física. Ressalte-

se que tal discussão serve para apresentar uma consequência natural da

modernidade e buscar um equilíbrio entre esta e a comunicação que nasce no corpo,

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no processo de formação escolar e pessoal dos estudantes. Discute-se o fato de

estudantes, já acostumados a ficar sentados, que seja por simples obediência ao

ambiente escolar, poderem encontrar mais motivos para permanecer imóveis. A

facilidade para o contato com o mundo digital será, possivelmente, fator fundamental

para o desenvolvimento profissional do jovem no futuro, mas pode se tornar um

facilitador de isolamentos pessoais no dia a dia e no próprio ambiente de trabalho. A

eventual percepção de que o corpo não precisa se mover e que o contato físico não é

importante pode significar a falta de certa humanização nas relações, necessária,

inclusive, para o despertar criativo em termos de busca para soluções para os

problemas profissionais e pessoais. Conforme Baitello (2012, p. 18), ―a tecnologia

contemporânea investiu todas as suas fichas em aparelhos que são operados por

pessoas sentadas‖ e, portanto, não se observa a necessidade de um movimento de

corpo, de uma aproximação entre seres que frequentam o mesmo ambiente.

Parece-me necessário reiterar que a discussão sobre o uso de ferramentas

tecnológicas para o ensino não está em debate nem muito menos é questionada

neste trabalho. Não há uma oposição ao uso de um tablete em sala de aula, por

exemplo; não se estuda a capacidade criativa do professor de elaborar estratégias

pedagógicas para tornar o smartphone um aliado no processo de aprendizagem. O

que se busca é a melhora da comunicação dos alunos por meio de um gesto

adequado, de um som bem produzido e de um desenvolvimento oral satisfatório para,

inclusive, aumentar sua capacidade de discussão e interação em sala durante uma

aula com ferramentas tecnológicas. A partir disso, a consequente maior sociabilidade

gerada por essa realidade será indutora de vínculos entre os vários públicos do

ambiente escolar – alunos, professores e funcionários – que promoverá benefícios

para o estudante.

O conceito de comunicação primária, no trabalho de Harry Pross, pode

ser considerado ponto de partida nesse caso: radialistas fazem gestos, ditam ritmos

e emoções com o corpo, pois é neste que toda a comunicação começa e termina

(PROSS apud BAITELLO, 2010, p. 11). Jovens devem ser estimulados a se

comunicar de maneira criativa e com resultados para seu aprendizado em sala de

aula. Ainda de acordo com Harry Pross (PROSS, 1989, p. 38), ―a imagem fala aos

sentimentos‖ e esse sentimento deve ser fator de persuasão e atração ao

aprendizado e à comunicação.

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O objetivo deste estudo é verificar se a comunicação primária, formada

pelos sons, os gestos, os ruídos naturais — que integram o dia a dia de um

profissional do radiojornalismo — contribui para melhorar a forma de comunicação e

expressão do aluno. O trabalho tem ainda como um objetivo específico, avaliar que

tipo de exercício prático poderia ser sugerido a alunos e professores no sentido de

incluir tal recurso como forma de compreensão de um tópico de determinada

disciplina, usando o rádio — mídia terciária2 — e seu processo de produção e

emissão de sons como ferramenta pedagógica, hoje em dia um recurso ainda mais

fácil de se encontrar nos smartphones de alunos do ensino médio.

A hipótese que se apresenta é a de que os alunos, embora pouco contato

tenham com o meio rádio como fonte de informação — preferem TV e, mais ainda, a

internet — podem extrair dele e de suas características alternativas de comunicação

de forma motivadora e lúdica. Isto é, mais do que escolher uma trilha sonora para

uma informação, saber avaliar, de fato, se a música dialoga com o que se quer dizer.

Serão abordados, portanto, nesta pesquisa, os processos de mediação

primários — em especial — secundários e terciários de que trata Harry Pross, bem

como as contribuições de Vilém Flusser em relação à atividade gestual, cotidiana no

rádio e no radiojornalismo, como ponto de partida para a interação com o ouvinte,

associada à produção simbólica da imagem, tratada por Hans Belting. A ―cultura do

ouvir‖3 terá destaque em um dos capítulos deste trabalho e a criação de vínculos, de

que trata Boris Cyrulnik, também terá espaço na argumentação aqui apresentada.

Da mesma forma, a visão de Joachim-Ernst Berendt sobre o som será de grande

proveito na discussão sobre a comunicação que vai além da voz e da escrita. Ainda

sob o prisma de um ambiente comunicacional, a noção de semiosfera, de Iuri

Lotman e, igualmente, o espaço de performance de que trata Paul Zumthor,

especialmente no capítulo sobre a gravação da reportagem, também fornecem

contribuições preciosas para esta pesquisa.

2 A comunicação primária tem como principal característica a presença imediata dos corpos no

mesmo tempo e no mesmo espaço, por isso é chamada de comunicação presencial; nas mediações secundárias, os corpos deixam marcas sobre outros suportes, como pedras, couro, papel. Os meios terciários surgem com a eletricidade, com a criação de aparatos que transmitem mensagens para outros aparatos similares, instantaneamente, ou remetem a mensagem gravada em suportes que somente só podem ser lidos por aparatos similares.

3 ―Cultura do Ouvir‖ foi tema de uma palestra proferida por Norval Baitello no seminário A Arte da

Escuta, em 1997, na ECO/UFRJ, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Zaremba, Bentes apud Menezes).

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O radiojornalismo, dessa forma, pode ser uma maneira de inserir, no

repertório dos jovens, os conceitos de ―teoria da imagem‖, ―teoria da mídia‖, da ―cultura

do ouvir‖ e da oralidade e, por consequência, pode fazê-los melhorar seus níveis de

sociabilidade e, assim, permitir que o aprendizado ocorra de forma interessante.

Segundo Harry Pross (PROSS, 1989, p. 32), a educação vertical educa, sobretudo para

o medo do contato. Deve-se interpretar a educação vertical como aquela em que não se

possibilita o diálogo entre os estudantes, apenas entre aluno e professor. Pior do que o

medo do contato do aluno com seu professor é o medo que esse jovem pode ter de se

aproximar do colega de sala. As várias alternativas de aprendizado que o rádio pode

proporcionar, a depender da capacidade criativa do professor, podem significar

caminhos de desenvolvimento inclusive para o mais tímido estudante, pois o som pode

falar por ele, desde que ele seja estimulado a se expor por meio das sonoridades.

Nesse mesmo sentido, Murray Schafer (SCHAFER, 1997, p. 27) aponta a

característica imponente do rádio ao afirmar que este ―existiu muito antes de ter sido

inventado‖. Ao citar que o rádio ―existia sempre que havia vozes invisíveis: no vento,

no trovão, no sonho‖, ele nos conduz a ter atenção àquilo que se quer comunicar

com esse som e o jovem deve ser estimulado em sala de aula a buscar sons que

comuniquem o que se aprende em sala de aula. Trata Schafer de elementos que

certamente servem de base para exercícios em sala de aula que se proponham a

incentivar o aluno a buscar o recurso do som para se comunicar e, por

consequência, ensinar e aprender. É possível que não seja todo e qualquer

conteúdo disciplinar passível de um som que o represente, mas a criatividade pode

ser estimulada também neste caso.

O recurso de se estimular os processos comunicacionais entre alunos do

ensino médio por meio do incentivo à produção de peças radiofônicas tem como

objetivo gerar no jovem a percepção de que a performance de quem se comunica

nesse meio tem estreita relação com códigos de comunicação primária que, por sua

vez, pode não se restringir apenas ao ambiente de um estúdio de rádio.

O primeiro objetivo da proposta é fazê-los compreender a importância do

som, especialmente que este comunica algo, dá informação. Seja o som da trilha

sonora escolhida para o acabamento final da reportagem, seja a escolha de um

trecho de entrevista a integrar a reportagem final, seja o som que chega a partir do

gesto do aluno locutor ao falar. Estimula-se no aluno a percepção de o quão

importante é ouvir, inclusive ouvir o som da voz.

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No primeiro capítulo, trataremos da mecânica do Prêmio Escola

Voluntária e de que forma o jornalismo em rádio é apresentado nas escolas. Nessa

etapa, serão abordados temas como o som, a Cultura do Ouvir, a palavra e sua

imagem. Ao final do primeiro capítulo, tratar-se-á de uma fase posterior à

capacitação; a gravação da reportagem produzida pelos jovens.

O segundo capítulo trata da importância da criação de vínculos no

ambiente escolar e apresenta reflexões sobre a implantação de exercícios de rádio

nesse cenário.

O terceiro capítulo vai demonstrar, a partir de exercícios realizados em

duas escolas da cidade de São Paulo, que há um caminho a ser trilhado pelas

escolas em que o rádio é o fio condutor dos processos de aprendizagem.

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2. O Prêmio Escola Voluntária

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O Prêmio Escola Voluntária nasceu a partir de um telefonema de um

ouvinte da Rádio Bandeirantes que dizia que a imprensa só se preocupava em

criticar a escola e não mostrava bons exemplos de atuação cidadã país afora. O

ouvinte chegou a citar uma escola em que estudantes desenvolviam trabalhos

voluntários (LOGULLO, 2015).

O recado do ouvinte começou a surtir efeito a partir de uma conversa, em

2001 – Ano Internacional do Voluntariado – entre a direção da Rádio Bandeirantes e

o Centro de Voluntariado de São Paulo, conforme trecho do livro sobre o Prêmio:

―A inspiração inicial da Rádio Bandeirantes, de dar voz a quem tem experiências positivas a falar sobre as escolas, estava inserida no contexto do Ano Internacional do Voluntariado, ou seja, de valorização e estímulo dessas ações no país e no mundo, e de reconhecer as instituições capazes de introduzir o conceito do voluntariado como uma experiência que pode estar atrelada à educação. Em palavras mais simples, iniciativas de contribuição voluntária com a comunidade podem começar bem cedo na vida. A ideia do prêmio Escola Voluntária era, e ainda é formar, reconhecer e valorizar a iniciativa das escolas que estimulam seus alunos a desenvolverem projetos de atuação voluntária organizada em suas comunidades.‖

A publicação sobre o Prêmio, cuja equipe o autor integrou, enfatiza a

necessidade de os participantes contarem a história de cada projeto social desenvolvido

nas escolas, não apenas na ficha de inscrição, mas também por meio de uma

reportagem de rádio, aspecto já citado anteriormente (LOGULLO, 2015).

―Essa característica do Prêmio Escola Voluntária tem o potencial de oferecer ao jovem o exercício prático da ideia de que o trabalho conjunto tem maior potencial de modificar a realidade. A ideia de reunião de esforços para um bem comum. Uma segunda habilidade, muito importante aqui, é a de descrever o projeto adequadamente na ficha de inscrição, de forma a mostrar aos jurados a sua importância e o seu valor. Na ficha de inscrição e na reportagem de rádio que precisam produzir para o prêmio, alunos e professores exercitam a sua expressão verbal (escrita e oral), para colocar em evidência os pontos fortes do projeto. Assim, o Prêmio reconhece a atuação voluntária, ao mesmo tempo em que estimula alunos e professores a melhorarem a sua mensagem sobre ele, algo que pode ter impacto inclusive em captação de recursos em projetos sociais em geral. Portanto, o Prêmio contribui com as potencialidades de quem deseja continuar no caminho do trabalho social, ao permitir o desenvolvimento de uma habilidade essencial: a de ―defender o seu peixe‖.

Ao citar que a reportagem a ser produzida é uma forma de melhorar a

expressão verbal e oral dos alunos e professores, é possível concluir que o Prêmio

Escola Voluntária insere no contexto escolar uma realidade antes não vivenciada por

muitas instituições de ensino. Embora sejam bastante comuns as chamadas rádio-

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escolas em muitos colégios, o contato com a realidade do meio rádio — desde sua

produção até o material final acabado no ar — não é de fácil acesso para muitas

delas, que utilizam o rádio apenas como entretenimento durante o intervalo das aulas.

Merece especial destaque um aspecto fundamental na comunicação no

meio rádio, especialmente por quem participa ativamente de sua produção de

notícias: a habilidade que se deve ter em ―saber ouvir‖. A melhora da capacidade

verbal e oral deve estar acompanhada da habilidade de reconhecer o som como

origem única e acabada de uma mensagem, seja por qual modo esse som é

produzido ou transmitido. Este tema será tratado adiante.

Nos primeiros cinco anos, o Prêmio Escola Voluntária teve uma mecânica

diferente da atual. Entre 2001 e 2004, apenas escolas de São Paulo podiam inscrever

projetos e os jovens recebiam orientações sobre como produzir uma reportagem de

rádio em capacitações que ocorriam na própria sede do Grupo Bandeirantes de

Comunicação. Vários profissionais da emissora tinham a incumbência de, a seu

modo, explicar detalhes sobre quais as etapas existentes antes de uma notícia ir ao

ar. A partir de 2002, na segunda edição do Prêmio, o projeto passou a contar com o

apoio da Fundação Itaú Social. A partir de 2006, a Fundação passou também a

financiar as viagens e demais custos logísticos relacionados ao deslocamento da

equipe da Rádio Bandeirantes bem como participar de outras etapas que integram o

Escola Voluntária, desde a concepção do material de divulgação de cada edição até a

festa de encerramento de cada uma das etapas ao fim de cada ano. Isso permitiu ao

Prêmio expandir suas ações para fora do estado de São Paulo.

A partir de 2005, estabelecimentos de ensino do Rio de Janeiro passaram

a concorrer ao prêmio. Em 2006, com a participação de escolas do Paraná, Minas

Gerais e Rio Grande do Sul4, a mecânica do Prêmio sofreu sua principal

transformação até então. Uma equipe da Rádio Bandeirantes, da qual fez parte por

14 anos o autor desta pesquisa, passou a visitar cada uma das 10 escolas finalistas.

No mês de agosto, dois colégios por semana passaram a ser visitados pelos

profissionais, o que significa um total de cinco semanas de viagens pelo Brasil ou

deslocamentos dentro da capital e um contato com diferentes escolas e,

naturalmente, professores e alunos inseridos em contextos sociais e culturais

bastante diversos.

4 Em 2014, participavam do Prêmio os estados de SP, RJ, RS, MG, PA, BA, GO, ES, PR, SC e DF.

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Mesmo sem conhecimento sobre as diversas teorias de ensino, coube

sempre ao autor da pesquisa adotar, em cada uma das escolas, diferentes maneiras

de fazer o aluno compreender o que é, de fato, uma reportagem de rádio. Se,

durante a aula, um barulho qualquer surgisse do ambiente externo, já se encontrava

uma razão para se abordar a função do som em uma reportagem, isto é, quando

esse elemento atrapalha a compreensão ou quando ajuda a compreender a

mensagem, da mesma forma que um som que pode ser prejudicial à compreensão

em um caso, é fundamental em outro a depender da história que se quer contar; por

exemplo, o som do motor de um caminhão ou ônibus. Nesta pesquisa, vamos nos

ater exatamente a esta fase do processo: a capacitação das escolas, porque é a

partir dessa realidade que nasce o objetivo maior do trabalho.

Cada uma das 10 escolas finalistas do Prêmio Escola Voluntária deve

produzir uma reportagem de rádio de dois minutos e meio sobre o projeto social que

desenvolve. O trabalho de alunos, por meio de ações conjuntas que beneficiem a

comunidade, sempre foi a essência do Prêmio Escola Voluntária e os exercícios

relacionados ao rádio têm o mesmo objetivo, de incentivar o trabalho em equipe, por

se tratar de um meio de comunicação — assim como qualquer outro — em que as

etapas de produção estão interligadas. A boa execução da tarefa de cada um

resultará em benefícios para o grupo.

Em dois minutos e meio, é necessário contar a história do projeto social

desenvolvido na escola, o que significa falar da comunidade na qual ele está

inserido. O material é veiculado na Rádio Bandeirantes de São Paulo e em

emissoras das cidades onde há escolas participantes.

As noções gerais para a produção da reportagem são apresentadas aos

estudantes em um curso de seis horas divididas em dois dias. A estrutura básica de uma

reportagem de rádio — texto + sonora5 + texto — precisa ser exposta de forma a fazer

com que os jovens compreendam o conteúdo e se sintam capacitados a, durante 20 dias,

produzir o material a ser apresentado na emissora.

O primeiro passo nessa etapa é debater o que pode ser noticiado sobre o

projeto social desenvolvido na escola, que elementos fazem parte da história que será

apresentada, o que deve ser contado e qual a melhor forma de fazê-lo pelo rádio. É

natural que surjam, portanto, dúvidas dos alunos não apenas sob o ponto de vista do

5 Sonora é a fala editada de uma entrevista, é o trecho, da declaração de alguém ou de um som,

escolhido para ir ao ar.

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conteúdo, mas também da forma de se produzir uma reportagem a ser transmitida por

um meio de comunicação cujas informações não podem ser vistas nem lidas. O

desafio, portanto, será valorizar elementos como a oralidade e o som ao inserir o aluno

no contexto de uma produção radiofônica.

A título de exemplo, segue um esboço de um típico diálogo — durante a

fase de capacitação — em sala de aula de uma escola que desempenha uma

atividade com idosos em uma casa de repouso:

Radialista: ―A fala do diretor do asilo pode entrar na reportagem?‖ Alunos: ―Sim‖ Radialista: ―E a fala da senhorinha que mora no asilo?‖ Alunos: ―Sim‖ Radialista: ―E o momento em que o grupo canta uma música para os

velhinhos?‖ Alunos (com ar de dúvida): ―Acho que sim‖ Outros: ―Não!‖

Ainda há uma ideia geral, possivelmente originada na estrutura básica de

uma reportagem de televisão dos telejornais diários, que contribui para que as

pessoas valorizem apenas o que pode ser visto, aquilo que tem o respaldo da

imagem. É necessário fazer com que os alunos — que pouco contato têm com

notícias transmitidas pelo rádio, em uma época em que a internet oferece acesso

rápido a qualquer tipo de informação, ou que não recebem estímulo dos pais para tal

— percebam que um som também conta uma história. Logo, é importante que

compreendam que a música a ser cantada para os idosos — do exemplo acima —

pode e deve integrar a reportagem produzida pela escola. Deixar elementos sonoros

de lado no processo de produção da reportagem é natural porque a sociedade

também assim se comporta, com uma visão que privilegia a escrita, acima de tudo,

principalmente dentro de sala de aula. Diz o professor Norval Baitello (2005, p. 99)

que ―a cultura e a sociedade contemporâneas tratam o som como forma menos

nobre, um tipo de primo pobre, no espectro dos códigos da comunicação humana‖.

Nesse sentido, é necessário aguçar a percepção dos estudantes a

respeito de elementos de comunicação que saiam da seara exclusiva da escritura.

Esta deve ser entendida apenas como um elemento, tão importante como qualquer

outro, no processo de construção da comunicação e não o principal deles. Ao se

estabelecer que a escola produza uma reportagem de dois minutos e meio,

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estimula-se o aluno a aproveitar ao máximo esse tempo não apenas com texto, mas

também com sons que integrem o acabamento final da reportagem.

Para tal, a capacitação dos estudantes das escolas finalistas do Prêmio é

realizada com o auxílio de apostilas que chamam a atenção para tais questões, bem

como pela reprodução de reportagens de profissionais da emissora que os façam

refletir sobre os elementos integrantes de uma reportagem de rádio. As Figuras 1 e 2

representam parte do material utilizado como apoio durante a capacitação de

radiojornalismo. Observemos as duas primeiras.

Figura 1. Definição de reportagem na apostila do curso de radiojornalismo.

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Figura 2. Teoria debatida com alunos em sala de aula curso de radiojornalismo.

Deve-se observar que a Figura 1 apresenta ao aluno características do

rádio e já o alerta sobre os cuidados em relação à falta de imagem e à importância

do ouvir. Destaca-se a anotação, em forma de lembrete, que diz que é necessário

prender a atenção do ouvinte porque ―ouve-se rádio fazendo outra coisa‖. Este é o

momento ideal para que se estimule o jovem a pensar no som que combina com o

projeto de ação social desenvolvido na escola onde ele estuda. Som, neste caso,

pode ser desde a escolha da trilha sonora para embalar a reportagem até a

identificação de sons do ambiente no qual se insere o trabalho social. Logo em

seguida, a Figura 2, com o título “Reflexão”, tem o objetivo de provocar nos

estudantes a discussão sobre as imagens de forma geral e fazê-los notar que a

imagem televisiva, com a qual estão naturalmente mais acostumados, não é a única

de que dispomos.

Durante a fase de capacitação do Prêmio Escola Voluntária, em que os

estudantes aprendem a produzir a reportagem de rádio, há um especial estímulo a

que busquem sons que identifiquem o ambiente onde se desenvolve a ação social.

Os sons da natureza, desde que não interfiram na compreensão do que se diz e se

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transformem em ruído, servem para descrever e caracterizar os ambientes. Os

jovens são orientados a, durante os 20 dias que cada escola tem para produzir a

reportagem, manter os gravadores ligados e agir de forma natural nos momentos de

produção desses trabalhos, com o objetivo de captar sons que enriqueçam a história

do projeto. Ao manter os gravadores ligados, os jovens também deixam os ouvidos

mais atentos ao som do ambiente, o que gera uma melhor percepção sobre o que se

pode extrair como material para a reportagem. Murray Schafer (1997, p. 31) fala em:

―... colocar microfones em lugares remotos, não habitados por seres humanos, e transmitir o que quer que acontecesse por lá: os sons do vento e da chuva, os piados dos pássaros e uivos dos animais – os acontecimentos rotineiros do ambiente sonoro natural.‖

A percepção, portanto, de que tais sons — ou qualquer som que não seja

apenas a voz gravada de um indivíduo — podem contribuir para a compreensão da

mensagem é fundamental para que o estudante desenvolva a reportagem sobre o

projeto de ação social. Um som de 20 segundos pode contar uma história de forma

tão clara quanto uma fala de 1 minuto e, se há necessidade de respeito ao tempo,

esses 40 segundos farão uma considerável diferença na edição final da reportagem.

Como já exposto anteriormente, cada reportagem deve ter duração de

dois minutos e meio. A depender do projeto desenvolvido pela escola, a primeira

reação dos alunos geralmente é de que será impossível contar uma história repleta

de atividades em um curto espaço de tempo. Mais uma vez, é necessário

tranquilizar o grupo e provocar reflexões sobre o texto curto e a escrita que descreve

uma imagem, o som que comunica, a narração bem feita. Cada uma das formas de

comunicação e de compreensão de uma história deve estar clara para o aluno, bem

como a melhor maneira de utilizar cada uma delas. É importante, portanto, mesmo

quando se trata da escrita, saber ouvir aquilo que se escreve. É muito comum,

especialmente por parte de redatores e editores, tanto de rádio como de TV, que

leiam em voz baixa o que escrevem para o outro. Da mesma forma, se ficarmos

atentos, é natural observar repórteres ―ensaiando‖ — quase que em silêncio —

antes de entrar no ar para que ouçam, deles próprios, o que será dito. E para ouvir

devemos nos calar, porque ―a palavra chega a falar antes que chegue à boca (...)

pois em silêncio a palavra chega a falar e resplandecer‖ (FLUSSER, 1994, p.42). Ou

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seja, treinar a leitura é uma etapa imediatamente posterior à escolha da palavra que

formará o texto a ser lido. É fundamental ouvir aquilo que se vai escrever.

Durante os 20 dias destinados à produção da reportagem6, ao grupo já

terá sido explicado o que é uma entrevista, a importância de se ouvir o que é dito

para que perguntas não sejam repetidas e novas sejam formuladas, além de se

prestar atenção ao ambiente e a tudo que se passa naquele instante no espaço

onde ocorre a conversa, seja para algo ser aproveitado, seja para ser eliminado.

Saber ouvir é tão ou mais importante para os alunos responsáveis pela edição do

material: é o momento da escolha do ponto certo de edição da entrevista a ser

veiculada no ar, que não seja uma repetição do que já está no texto, mas que

também conte parte de uma história.

Na sequência, a teoria mais uma vez é inserida no momento da

capacitação, logo após as orientações práticas sobre as gravações das entrevistas,

conforme a Figura 3.

Figura 3. Orientações sobre edição do texto apresentadas na apostila do curso de radiojornalismo.

6 Nesta fase, um profissional da emissora acompanha o trabalho dos alunos. O contato com o

jornalista é feito por email e telefone.

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Estudantes devem enxergar a comunicação no rádio não apenas como

sinônimo de uma conversa informal, mas como uma maneira de expor

pensamentos e, principalmente, de se expor e estabelecer vínculos7. Essa

exposição não se dará apenas por meio da fala, da voz; mas também por meio do

som, o som que diz algo, pelo texto bem escrito e bem narrado, que gera um som

agradável, ou trilha sonora que pode preencher o vazio deixado pelo texto. Saber

reconhecer os elementos primários da comunicação é fundamental para quem

trabalha no rádio ou qualquer um que busque nele uma estratégia lúdica de

reflexão sobre o processo comunicativo.

Sobre as iniciais formas de comunicação em um bebê, diz Harry Pross:

―Antes da aquisição da linguagem, que, para os demais, é um processo que se estende ao longo de toda a vida, o bebê, ao estabelecer em torno de si signos, comunica-se por meio do som, dos gestos, dos excrementos e, finalmente, com os objetos‖ (PROSS, 1989, p. 39)

Ao escolher o choro que demonstra fome, sono ou manha, o bebê

reconhece no som uma forma de se expressar, a única possível para ele. Da mesma

forma, o jovem aluno deve reconhecer que, embora hoje possa se comunicar de

várias maneiras, o som também terá essa função, especialmente para os mais

tímidos. É este outro momento em que o rádio respalda nosso pensamento. Alunos

tímidos podem ser exímios sonoplastas em sala de aula, isto é, podem criar vínculos

por meio do som, podem se sociabilizar por meio deste. O rádio, portanto, oferece

uma gama de possibilidade de exercícios que estão além de uma simples atividade

como música ou recados entre amigos no intervalo das aulas.

Ao desempenhar o papel de um jornalista de rádio, o aluno estará, de

forma lúdica, aplicando a Teoria dos Meios, proposta por Aby Warburg e

sistematizada por Harry Pross, conforme Baitello (2010, p. 61): ―os meios primários,

os meios secundários e os meios terciários.‖ Trata-se de reconhecer a importância

do gesto e do som, tão inerentes ao rádio, a forma de se expressar de um locutor ou

repórter, exemplos da comunicação primária; da escrita, presentes nas laudas

redigidas por redatores, elemento da comunicação secundária; e o resultado final, o

produto acabado que vai ao ar por meio, inclusive, das tecnologias modernas

citadas anteriormente, a comunicação terciária.

7 O tema será tratado mais adiante.

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O que se propõe é a criação de um espaço na escola — a sala de aula, o

pátio, a quadra de esportes — em que sejam estimuladas as conversas gestuais que

signifiquem autoconfiança a respeito de um conhecimento, a descrição de imagens e

a busca de sons capazes de gerar compreensão sobre algum conceito apresentado

em sala de aula. É o momento da notícia radiofônica ―NO AR‖. É o momento em que

o aluno, que tem um bom conhecimento sobre determinado assunto, utiliza as

técnicas de comunicação de um repórter ou locutor de rádio para se expor, expor

seu conhecimento e se vincular ao colega por meio de um conteúdo qualquer. É a

―obra plena‖ de que nos diz Paul Zumthor (1993, p. 240) ao se referir ao jogo

poético. A criação de espaços na escola que motivem o aprendizado por

ferramentas radiofônicas não quer despertar nos jovens, exclusivamente, o gosto

pelas notícias do rádio do carro, de casa, do celular. Objetiva-se, sim, impulsionar a

performance e estimular a autoconfiança do estudante por meio de recursos de

comunicação, utilizados, diariamente, e de forma natural, por apresentadores,

repórteres e locutores de rádio.

2.1. A escolha do texto, da sonora e da trilha... a cultura do ouvir

A tarefa que cabe aos jovens estudantes de escolas finalistas do Prêmio

Escola Voluntária, sob supervisão de jornalistas da Rádio Bandeirantes, é a produção

de uma reportagem de dois minutos e meio sobre a ação social desenvolvida, como já

explicado. O máximo aproveitamento desse tempo é a grande dúvida de alunos e

professores durante a fase de capacitação. É nesta fase, portanto, que se enfatiza a

importância do ouvir, o que significa ter atenção ao texto, à escolha da sonora, ao

cuidado com a repetição das informações e das palavras...

Ao desempenharem o papel de sonoplastas e, ao mesmo tempo, de

ouvintes, os estudantes são desafiados a permitir que o ouvido também

compreenda a informação em forma de som. A apostila de capacitação e o

conteúdo apresentado em sala de aula constantemente os fazem refletir sobre

como contar histórias não apenas por meio do texto, mas também por meio do som

de modo a, em alguns casos, fazer com que o efeito sonoro ou trilha musical ocupe

o lugar do texto ou sirva de apoio à compreensão desse texto. Nesse sentido,

Murray Schafer (1991, p. 214) propõe que se tente contar ―um conto de fadas bem

conhecido, uma história bíblica ou uma história dos noticiários correntes, sem

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palavras, apenas por meio de efeitos sonoros‖ e questiona se ―os outros poderão

adivinhar que história está sendo contada.‖ É fundamental incentivar o aluno a

considerar o som como elemento integrante da produção e, mais ainda, da

compreensão da mensagem. Deve-se preparar o corpo, e não apenas os ouvidos,

para que esse processo ocorra de forma satisfatória. Trata-se de criar novos

hábitos nos alunos que já são bastante acostumados a aprender com o que se

escreve em lousa ou o que está impresso no livro didático.

José Eugênio Menezes diz que:

―Na cultura do ouvir somos desafiados a repotencializar a capacidade de vibração do corpo diante dos corpos dos outros, ampliar o leque da sensorialidade para além da visão. Ir além da racionalidade que tudo quer ver, para adentrar numa situação onde todo o corpo possa ser tocado pelas ondas de outros corpos, pelas palavras que reverberam, pela canção que excita, pelas vozes que vão além dos lugares comuns e tautologias midiáticas‖ (MENEZES, 2012, p.33).

As palavras que reverberam e a canção que excita a que se refere

Menezes são as escolhas que se esperam de alunos ao serem estimulados a

realizar exercícios que lembrem o ambiente radiofônico. Os jovens devem saber

reconhecer o som como elemento único para se contar uma história, para explicar

algo, para ambientar alguém em algum lugar de modo imaginário. Da mesma forma,

aqueles que ouvem e acompanham a apresentação dos exercícios devem se dispor

a se informar pelo som. Ao exercer tais papéis, os jovens deverão levar em conta

que imagens são criadas a partir do que se ouve e, portanto, do que se escreve e do

som escolhido para comunicar algo. Qualquer tarefa que se proponha em sala de

aula, mesmo que sem qualquer objeto como microfone, fones de ouvido e mesas de

som, pode ser fator de estímulo à criatividade do jovem. Criar um ambiente de rádio

em sala de aula é menos ter a reprodução exata de um estúdio e mais inserir o

aluno em um ambiente em que ele possa imaginar para explicar e imaginar para

entender, fazer gestos para expor e deixar que todo o corpo ouça que é exposto. De

acordo com Norval Baitello,

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―Sempre será necessário que as imagens geradas na mente emirjam à superfície, não importa se traduzidas em som, palavras (...) o que importa é que elas venham à tona para se transferir para outros, para vincular, para criar pontes com outros seres. Uma vez transmitidas, recebidas por outros, importa que elas alcancem a caixa de ressonância interior e profunda, gerando novas imagens, retornando às entranhas, reverberando novamente em múltiplas dimensões‖ (BAITELLO, Incomunicação e imagem).

A criação de pontes para vincular, para se transferir para outros é o que

se espera a partir dos exercícios propostos em sala de aula. Trata-se de provocar

sociabilização dos jovens entre si, entre os jovens e professores e até mesmo pais e

funcionários da escola por meio de estímulos a um constante jogo de imaginação e

criatividade que existe em um profissional de rádio. O aluno não precisa aprender a

ser um exímio jornalista de rádio, mas deve usar de forma lúdica as características

desse meio para aprender de forma motivadora. Desafiar-se a conduzir uma

atividade diferente daquela com a qual está acostumado é a proposta, o que

significa expor algum tema que integre o programa da disciplina pelo gesto, pelo

som, pela voz... pelo rádio... e não por uma redação tradicional ou por um trabalho

de Artes, por exemplo. O exercício de criar imagens, papel do aluno redator, e de

compreender tais imagens, papel do aluno ouvinte, para que o aprendizado de um

conteúdo disciplinar ocorra e, especialmente, o vínculo exista, deve ser estimulado

no ambiente escolar. Essa disponibilidade de compreender e criar a imagem

sonora ocorre a partir do tipo de estímulo para tal.

Mais do que o aluno que apresenta algum trabalho e pratica um ato de

criar essas imagens sonoras, aquele que escuta precisa estar disposto a aceitar

essas imagens sonoras. O exposto fica claro a partir de Hans Belting:

―A interação entre imagem e tecnologia só se pode entender se observada à luz das ações simbólicas. A própria produção de imagens é um ato simbólico e, por isso, exige de nós um modo de percepção igualmente simbólico, distinto da percepção visual quotidiana (...) O meio portador é em si mesmo veículo de significado e confere a possibilidade das imagens serem percepcionadas (...) É a encenação através de um meio de representação que funda o ato da percepção‖ (BELTING, 2014, p. 32).

A encenação a que se refere Belting pode ser o exercício proposto em

atividade escolar e é fundamental que seja compreendida como um vasto campo

para que a criatividade do estudante seja estimulada. Profissionais que atuam em

jornalismo de rádio convivem com a necessidade de produzir imagens aos seus

ouvintes diariamente. Os ouvintes, por sua vez, também estão dispostos a praticar o

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exercício de receber tais imagens de forma simbólica. A descrição de um lance em

uma partida de futebol, de uma ação policial em uma grande avenida ou de um

simples boletim sobre a situação do trânsito são exemplos de como se dá esse

processo, tanto do lado de quem produz como de quem recebe essa informação.

Nesses três exemplos, repórteres, geralmente, utilizam referências a imagens de

conhecimento geral para que a notícia seja, de imediato, recebida e compreendida

por seu ouvinte. Um repórter, ao narrar uma situação qualquer de trânsito na cidade

de São Paulo, faz referência a locais conhecidos, como: o Sambódromo do

Anhembi, o prédio do Conjunto Nacional, o caminho que leva ao Minhocão, a

chegada à Praça da Sé, o trecho sob o Viaduto do Chá...

Ouvintes de qualquer emissora de rádio que buscam a informação já

possuem tais imagens ―de tal modo interiorizadas‖ (BELTING, 2014, p. 33) que a

informação/imagem é recebida mais facilmente. No caso do boletim de trânsito, os

ouvintes mais acostumados com os problemas de tráfego de determinada região

não hesitam em procurar novas rotas, pois a perda de tempo no trânsito já lhe pode

ter causado atrasos em seu dia a dia de trabalho e, portanto, a essa imagem ele

―atribui a expressão de um significado pessoal e a duração de uma lembrança

pessoal‖ (BELTING, 2014, p. 33). A partir do exposto, estudantes devem utilizar o

recurso de criar ―imagens‖ no rádio a partir da realidade que se encontra na

comunidade da qual fazem parte e onde, portanto, existe um amplo leque de

situações, locais ou objetos de conhecimento comum que podem servir como

referencial para a compreensão de um tema.

A assimilação de um conceito qualquer que faça parte de um conteúdo

disciplinar pode ser melhor concretizada por meio do som. Se relacionadas a esse

conteúdo, as imagens interiorizadas e o significado especial destas são processos

que ocorrem da mesma forma. O aprendizado de um conteúdo escolar pode ser

estimulado por meio de exercícios radiofônicos ou de elementos de uma realidade

que possam ser associados a tal ambiente. Joachim-Ernst Berendt afirma que:

―O âmbito da visão é superfície. O âmbito da audição é a profundidade. Os olhos veem o superficial. No entanto, nada do que é percebido pela audição deixa de penetrar a fundo. Sim, mesmo quando ouvimos algo superficialmente, há maior penetração do que quando apenas vemos alguma coisa, pois o olhar que só detecta a superfície não vê além dela. A pessoa que ouve tem mais oportunidades de aprofundar-se do que aquela que apenas vê‖ (BERENDT, 1983, p. 20).

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Significa dizer que exercícios escolares que estimulem a compreensão de

qualquer assunto por meio do som podem ser estimulantes, em que pese uma

disciplina apresentar possibilidades maiores de utilização desse recurso do que

outra. O estudante deve ter em mente que uma música pode dizer algo e, portanto,

não basta uma música que lhe agrade; é fundamental saber ouvir seu conteúdo para

identificar se este vai ao encontro da história que se quer contar. O conteúdo da

Figura 4 tem o objetivo de fazer o aluno refletir sobre a trilha sonora que vai servir

de acabamento para a reportagem; na citação em destaque na apostila, o aluno e o

professor que participam da aula notam que, em boa parte dos casos, vale mais a

utilização de uma música eventualmente criada pelos próprios alunos do que aquela

de conhecimento geral porque são valorizadas, desta forma, as noções de

pertencimento a uma comunidade.

Figura 4. A importância da escolha da trilha sonora, conforme demonstrado em apostila do curso de radiojornalismo, com citação de literatura.

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Da mesma forma, o aluno não deve se satisfazer apenas com o que

consegue compreender por meio da escrita tradicional. É importante que possa se

comunicar por meio do som, desde o som pronto e existente até o som que nasce

de forma criativa por meio da utilização de objetos encontrados na própria escola e

que, eventualmente possam servir para contar uma história. O estímulo a essa

produção criativa poderá desenvolver habilidades importantes no estudante de uma

forma lúdica e instigante, que o faça ter motivação para o aprendizado. A seguinte

observação de Berendt já se apresenta de maneira a provocar um debate bastante

desafiador em sala.

―Deixe sua vista captar os sons. Então, finalmente, você terá a compreensão (...). Permita que seus ouvidos vejam a cor. Então, finalmente, você terá a compreensão. (...). O que importa é ouvir os sons inaudíveis, é experimentar a invisibilidade das cores, a visibilidade dos sons, a audibilidade das cores‖ (BERENDT, 1983, p. 50).

Não são necessárias respostas práticas sobre como ouvir a cor ou ver os

sons, mas constantes exercícios que façam o aluno buscar formas criativas de ver o

que normalmente apenas se ouve ou escutar aquilo que, em tese, é apenas

enxergado. Por meio de comparações de textos bem escritos e narrações ainda

melhores, será possível promover situações em sala que sirvam de impulso para

estimular o estudante.

Boris Cyrulnik vai além, ao nos alertar que devemos ter atenção à forma

como o outro interpreta o mundo. Há a necessidade de aguçar no jovem diferentes

maneiras de compreensão de um conteúdo que não o visual apenas porque quem

nos ouve provavelmente compreenderá nossa mensagem de uma forma diferente

daquela com que nós compreenderíamos. Diz Cyrulnik:

―A forma do mundo percebido depende da forma do aparelho perceptivo (...). A penetração do observador depende também da maneira como sua faculdade de observação se elaborou ao longo de seu próprio desenvolvimento (...). Habitamos um mundo interpretado por outros, onde precisamos nos situar‖ (Cyrulnik, 1995, p. 8).

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O estudante precisa treinar o ouvido para compreender a mensagem do

colega, responsável pela mensagem sonora. Significa dizer que a importância do ouvir

não está apenas integrada ao trabalho do grupo que produz o material em sala de

aula, mas também à atividade daquele que a recebe. Professores devem provocar

reflexões no aluno sobre diferentes maneiras de contar e de compreender uma

história com o objetivo de valorizar a capacidade do estudante de trabalhar com

diferentes formas de linguagem e expressão.

Sobre essa questão, José Eugênio Menezes destaca a observação de

Rudolf Arnheim (ARNHEIM apud MENEZES, 2012, p. 31):

―O radiouvinte se sente seduzido a completar com sua fantasia o que falta na emissão radiofônica (...), no entanto (...) nada falta à emissão radiofônica, pois sua essência consiste precisamente em nos oferecer a totalidade, não apenas o audível.‖

Aos jovens no papel de repórteres e redatores, é fundamental que se

oriente produzirem imagens que sejam de significado suficiente para a compreensão

do aluno ouvinte. Ao falar em fantasia, Menezes aponta para a necessidade de

quem recebe a mensagem, nesse caso, o aluno que acompanha a apresentação do

colega, conseguir compreendê-la sem depender do auxílio da escrita. O exercício da

criatividade é fundamental nesse caso, conforme Christoph Wulf:

―A fantasia é uma das capacidades humanas mais enigmáticas. Perpassa o mundo da vida e se manifesta das mais variadas formas. Torna-se manifesta apenas em suas concretizações. Ela mesma escapa a uma definição inequívoca. Fantasia abrange a capacidade de perceber imagens, mesmo quando a coisa representada não está presente. Caracteriza a capacidade de ver interiormente‖ (WULF, Imagem e violência. Imagem e fantasia).

É de se destacar que o estímulo ao ouvir, neste caso, significa outro

caminho para a busca da aquisição do conhecimento por parte do aluno. Este,

sempre acostumado a ler e a ver, deve também ouvir o que lhe é dito, não no tom

professoral, mas, como diz José Eugênio Menezes, ao se referir aos processos de

abstração, de uma forma que permita

―uma aproximação do homem com as coisas e com os outros homens, ou melhor, (...) a própria constituição do homem como um animal simbólico, histórico, capaz tanto de tomar distância como de vincular-se às coisas e aos outros‖ (MENEZES, 2012, p. 24).

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Uma outra etapa da fase de produção das reportagens do Prêmio Escola

Voluntária, em que o aluno locutor estabelece vínculos de forma solitária porque não

enxerga a quem se vincula, é a gravação da reportagem. Gesto, som e voz

trabalharão em sintonia para a formação de uma mensagem.

2.2. A gravação da reportagem

Como já explicado, após a fase de capacitação de rádio nas escolas,

cada instituição de ensino tem 20 dias para produzir a reportagem de dois minutos e

meio sobre o projeto social. Depois dessa etapa, um aluno da escola irá gravar o

texto produzido por ele e seus colegas, daí a necessidade de estabelecer uma

estreita relação entre escrita e fala.

Como se diz informalmente nas redações de rádio, escreve-se para quem

vai ler. O estudante-redator, que prepara o texto para o aluno-locutor estará atento à

―virtude expansiva das palavras‖ (Artaud apud Zumthor, 1993, p. 244) para redigir

textos sobre um tema a ser apresentado. Assim, ele incentivará o colega locutor a

ler de forma interpretada e não semelhante àquela que se vê em sala de aula

tradicional, como se está acostumado em muitas escolas, e sim uma leitura que seja

mais interativa e menos monológica, como a descrita assim por Martín-Barbero:

―O rendimento escolar se mede por idades e pacotes de informações aprendidos. E é a esse modelo mecânico unidirecional que responde a leitura passiva que a escola fomenta, prolongando a relação do fiel com a sagrada escritura que a igreja instaura. Assim como ao clero se atribuía o poder da única leitura autêntica da Bíblia, os professores detêm o saber de uma leitura unívoca, isto é, aquela em que a leitura do aluno é puro eco‖ (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 336).

O maior desafio está, parece, em se voltar a motivar a leitura em voz alta

em sala de aula. A título de exemplo, o regulamento do Prêmio prevê um período de

quatro horas para a gravação da reportagem e, na maioria dos casos, o espaço é

inteiramente preenchido.

Os jovens apresentam sérias dificuldades de leitura, afinal não é fácil ler

com clareza. A escola de hoje parece desestimular a leitura à moda antiga, o que

pode estar contribuindo para um silêncio exagerado de jovens que poderiam se

expressar de forma ainda melhor.

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Na capacitação, um mês antes da fase de gravação da reportagem, o

aluno é orientado a se preparar para a locução. Entre os aspectos abordados,

discute-se em sala a importância de o aluno a ser escolhido para fazer locução da

reportagem se envolver com a produção do trabalho bem como conhecer o

assunto sobre o qual fará a narração. O debate sobre o conteúdo da Figura 5 tem

a finalidade de fazer o estudante compreender que a facilidade em narrar algum

fato tem estreita ligação com o conhecimento que se tem dele e, mais do que isso,

a boa narração é fundamental para de fato gerar conhecimento naquele que ouve.

Figura 5. Discussão sobre a relação entre o desempenho na narração e o conhecimento prévio sobre o assunto, na apostila do curso de radiojornalismo.

A relação entre performance ao narrar e conhecimento do tema, em

destaque na citação da professora Jerusa na figura, mostra a importância de o aluno

notar que, quanto maior o conhecimento sobre qualquer tema, melhor será seu

desempenho ao tratar deste, especialmente de forma oral. Não é fácil para qualquer

um de nós nos expressarmos de forma convincente e criativa, como forma de prender

a atenção de quem nos ouve. Os estudantes devem, portanto, treinar a fala, observar

a sonoridade das palavras, saber o momento de inflexões e pausas, e seguir em

frente. Diz o professor Norval Baitello que:

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―A voz, a sua produção e a produção da fala são uma atividade de extrema complexidade neurológica, com operações de sincronizações musculares de milésimos de segundo. Operações de precisa coordenação motora de músculos do aparelho fonador que requerem um aparato neurológico de refinado desenvolvimento‖ (BAITELLO, 2005, p. 103).

Um dos momentos mais importantes da fase de gravação da reportagem,

vivenciado por um único aluno, é aquele em que ele necessita ser convencido de que o

gesto, a expressão corporal e ou qualquer tipo de movimento terá resultado diretamente

ligado ao som produzido por ele. Nesse sentido, Norval Baitello afirma que

―os ritmos que a compõem são de uma natureza diversa dos ritmos que compõem os movimentos das mãos ou do corpo. Enquanto as mãos tinham (e têm) como principal componente de sua linguagem o espaço no qual se movem, a fala, produzida por movimentos minimalistas dos órgãos fonadores, tem como matéria-prima os ritmos, ou seja, o tempo‖ (BAITELLO, 2005, p. 104).

O aluno locutor tem, portanto, de ter especial atenção à forma de leitura e,

principalmente, ao ritmo dessa leitura.

É de se notar que o papel de locutor desempenhado por aquele que se

encontra em estúdio é carregado de gesto, expressão facial e produção de som que

estão na base da comunicação. Em um exercício escolar, proposta mestre deste

trabalho, um caminho possível é descrito por Flusser, ao tratar do gesto de escrever e

do gesto de falar (Figura 6): ―As palavras são unidades, que vibram e têm sua própria

vida: têm seu ritmo, sua harmonia, suas melodias (...) as palavras projetam todo um

parâmetro de conotações‖ (FLUSSER, 1994, p. 35).

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Figura 6. Demonstração da importância do gesto durante a locução em aula do curso de radiojornalismo.

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Em seguida, Flusser, observa que não se pode escolher qualquer palavra

no gesto de escrever; ―primeiro, é preciso escutá-la‖ (FLUSSER, 1994, p. 35), ou

seja, é importante ouvir que diz o texto. Neste instante, é estabelecida uma

importante relação entre o aluno no papel de redator de notícias de uma emissora

de rádio e a preocupação que deve ter ao escolher as palavras que vai escrever.

Deve ser este estudante também um locutor que, como propõe Flusser, consiga

―atrapalhar a palavra no momento em que ela saísse da boca, e tentasse mastigá-la antes de ser expulsa (isso significaria, com efeito, compreender o gesto de falar), logo perceberia que esta chega com um segundo de atraso (...) situando-nos, pois, atrás das cordas vocais e antes do momento da pronúncia, para atrapalhar o gesto de falar, se vê o fulgor da palavra (...) e por isso, curiosamente, o falar conduz primeiro à questão do calar (...) o gesto que retém a palavra antes que ela chegue na boca. Calar significa que a palavra chega a falar em vez de chegar até a boca. Se se quer compreender o gesto de falar, é necessário primeiro considerar o gesto do silêncio, pois em silêncio a palavra chega a falar e resplandecer. ‗Para compreender o gesto de falar, primeiro deve-se aprender a calar‘‖ (FLUSSER, 1994, p. 42).

Esta etapa está a cargo do aluno redator. Ao se calar, tenderá a buscar a

melhor palavra para que se constitua o bom texto de rádio e a consequente boa

imagem. Deve-se buscar a palavra que seja o som da imagem, conforme o

pensamento de Giordano Bruno ao destacar que ―toda palavra tem por iminência uma

imagem, a qual serve como fundação; toda a imagem tem por iminência uma palavra,

que lhe serve como ressonância‖ (BRUNO, 2012, p. 11).

Além disso, o aluno-redator também deve ouvir o que escreve. O

estudante precisa ouvir o som da palavra que estiver prestes a pronunciar, daí a

necessidade de conhecê-la, de buscar seu significado e aprender. Ler de forma

frequente em voz alta é algo que deve ser estimulado pelos pais inclusive. O aluno

pode aprender ao ler sobre o que se está estudando, ao ser o locutor do conteúdo

da disciplina e ao se preocupar em transmitir a mensagem – a notícia de Geografia,

de Química, de História – de forma clara. Trata-se de perceber os equívocos e dar

destaque às sonoridades de um choro, um riso... antes de enviar o texto ao aluno-

locutor, conforme lhes é ensinado na fase de capacitação (Figura 7).

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Figura 7. O uso de outras sonoridades além da locução é possível por meio da edição da reportagem, conforme explicado na apostila de radiojornalismo.

O gesto e as mudanças de expressão facial quando se trabalha em rádio

são fundamentais nesse caso e o locutor possui tais características; de abrir os

braços quando fala de um enorme quadro, de falar pausado e dar passos com a

cabeça quando fala de etapas, de sorrir quando noticia algo alegre, de, como pontua

Amálio Pinheiro (2013, p. 42), ―inscrever a voz nas reentrâncias das coisas‖. A

sonoridade característica de cada reportagem também tem destaque; o autor

Joachim-Ernst Berendt, ao explanar sobre jazz, (1975, p. 114), diz que ―cada músico

criava seu próprio som, sua própria técnica vocal, sua própria forma de expressão,

em função de sua experiência vital e emocional‖. Especialmente os estudantes

narradores das produções de rádio podem ser avaliados a partir de tal realidade. De

acordo com Murray Schafer (1991, p. 207),

―os pesquisadores têm observado que há muito mais modulação colorida nas vozes dos povos primitivos do que nas nossas. Mesmo na Idade Média, a voz era um instrumento vital. A leitura, nessa época, era feita em voz alta; sentia-se a forma das palavras com a língua‖ (SCHAFER, 1991, p. 207).

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Na mesma linha, Joachim-Ernst Berendt afirma que:

―toda a ciência ocultista, todas as práticas místicas fundamentam-se na ciência da palavra ou do som... Há palavras que ecoam no coração; e há outras que ressoam na cabeça. E há outras ainda que exercem um poder sobre o corpo‖ (BERENDT, 1983, p. 47).

O aluno deve, conforme propõe Schafer (1991, p. 208) ―hipnotizar-se com

o som da própria voz. Imaginar o som rolando para fora de sua boca‖.

Até os mais tímidos em sala de aula, os quais não conseguem seguir de

forma natural as atividades tradicionais de leitura ou de exposição de trabalhos,

podem se sentir estimulados a se comunicar no espaço do rádio na escola. O gesto

gera ―o discurso sem palavras dos amantes tímidos em demasia para falar que

fazem passar seus sentimentos em gestos, sinais ou mímica‖ (Boncompagno apud

Zumthor, 1993, p. 244). O desempenho do aluno locutor tem a função precípua de

fazer o aluno ouvinte ―compreender a notícia‖ e, portanto, entender a matéria.

Zumthor afirma que:

―a partir de outras premissas, e na perspectiva da performance, Brecht criou para si mesmo a noção de gestus, envolvendo, com o jogo físico do ator, certa maneira de dizer o texto e uma atitude crítica do locutor quanto às frases que ele enuncia. Na fronteira de dois domínios semióticos, o gestus dá conta do fato de que uma atitude corporal encontra seu equivalente numa inflexão de voz e vice-versa, continuamente. Donde a capacidade que tem o gesto de simbolizar‖ (ZUMTHOR, 1993, p. 244).

Amálio Pinheiro (2013, p. 27) define a razão de um texto bem escrito pelo

aluno-redator como forma de tornar o desempenho do aluno-locutor fundamental

para a compreensão da notícia por parte do aluno-ouvinte, ao ressaltar que ―em

qualquer escritura bem situada, há uma voz que recupera os metais e matizes do

coral da cultura reticulado pela natureza‖. Isto é, o texto bem redigido a partir do qual

se demonstre conhecimento por parte do estudante terá como resultado uma

performance oral de outro aluno que buscará, em sua memória visual, uma

capacidade de descrever e criar imagens sonoras suficientemente bem elaboradas

para serem compreendidas por colegas de classe (Figura 8).

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Figura 8. A importância da leitura e do texto bem redigido, conforme demonstrado na apostila do curso de radiojornalismo.

A produção realizada pelo aluno tímido, que não quer ser o locutor ou

repórter, tem de ser tão eficiente quanto a voz que articula por meio da locução da

notícia ―as sonoridades significantes‖ (Zumthor, 1993, p. 21) dos temas em estudo e

que são transformados em notícia. Uma etapa depende da outra e impõe, ao mesmo

tempo, o ―caráter delimitado‖ da semiosfera apresentado por Lotman (1996, p. 24),

porque apenas em um ambiente de rádio se pode estabelecer a comunicação, neste

caso específico.

Se considerarmos a voz que vem do rádio como um dos destaques desse

contexto, terá destaque o aluno responsável pela apresentação do programete

produzido pelos estudantes. A esse jovem caberá dar o toque final no trabalho do

grupo para comunicar, com eficácia, o que está ―no ar‖.

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Segundo Paul Zumthor,

―Não obstante, o que deve nos chamar a atenção é a importante função da voz, da qual a palavra constitui a manifestação mais evidente, mas não a única nem a mais vital: em suma, o exercício de seu poder fisiológico, sua capacidade de produzir fonia e de organizar a substância (...). Por índice de oralidade entendo tudo o que, no interior de um texto, informa-nos sobre a intervenção da voz humana em sua publicação — quer dizer, na mutação pela qual o texto passou, uma ou mais vezes, de um estado virtual à atualidade e existiu na atenção e na memória de certo número de indivíduos‖ (ZUMTHOR, 1993, p. 21).

Mais adiante, diz Zumthor (1993, p. 55) que ―o texto é só uma

oportunidade de gesto vocal‖.

É fundamental, na proposta deste trabalho, que a compreensão dos

textos esteja relacionada aos locais em que estes são produzidos, às pessoas

envolvidas, professores, alunos e até os pais, e às épocas de produção, o que deve

ser considerado pelo coordenador de um projeto de rádio nos moldes aqui

propostos. Paul Zumthor observa que

―O que se encontra profundamente posto em questão é a relação tríplice estabelecida a partir e a propósito do texto — entre este e seu autor, seu intérprete e aqueles que o recebem. Conforme os lugares, as épocas, as pessoas implicadas, o texto depende às vezes de uma oralidade que funciona em zona de escritura, às vezes (...) de uma escritura que funciona em oralidade‖ (ZUMTHOR, 1993, p. 98).

O aluno — ao ser estimulado a escrever para o rádio — tem uma ampla

gama de desafios de descrição que vão desde descrever a textura de uma superfície

até provocar no colega de sala, no papel de ouvinte, a lembrança da leveza de uma

pena ou as características da pipeta volumétrica. Ainda assim, é básico reiterar a

função da voz e do gesto na boa comunicação. O que se propõe é que o aluno

perceba a função desses dois elementos para a compreensão de uma notícia de

rádio que, neste caso, é o conteúdo disciplinar. Paul Zumthor diz que:

―Um laço funcional liga de fato à voz o gesto: como a voz, ele projeta o corpo no espaço da performance e visa conquista-lo, saturá-lo de seu movimento. A palavra pronunciada não existe (como o faz a palavra escrita) num contexto puramente verbal: ela participa necessariamente de um processo mais amplo, operando sobre uma situação existencial que altera de algum modo e cuja totalidade engaja os corpos dos participantes‖ (ZUMTHOR, 1993, p. 243).

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Ao citar o ―engajamento dos corpos dos participantes‖, destaca-se a

noção de vínculo entre os alunos, apresentada, a sua maneira, por Zumthor. Tanto o

aluno-locutor quanto o aluno-ouvinte estabelecem uma relação de apresentação e

compreensão da matéria em questão. Significa que o desempenho do aluno locutor

das reportagens produzidas pelas escolas é de suma importância para a

transmissão da realidade do projeto de ação social de cada instituição de ensino, da

mesma forma que o será em um ambiente a ser criado em sala de aula.

O aluno locutor narra algo sobre o que tem conhecimento – seja o projeto

social, seja um tópico aprendido em sala de aula.Para tal, deve buscar apresentar

imagens por meio do rádio e forma criativa, demonstrando, acima de tudo, que tem o

assunto em questão assimilado.

Ao apresentar o tema para os colegas de classe em forma de locução,

buscará no gesto seu melhor auxílio para formar imagens. A professora Elisabeth

Romero diz que:

―o gesto nasce de uma necessidade interior de expressão, de comunicação — é a primeira e a mais rica linguagem do corpo. O gesto materializa no espaço sua forma, que, mesmo efêmera, fica impressa na memória corporal. Um gesto da mão na mídia primária é sentido pelo outro corpo, é visto ou é ouvido. Ou seja, um gesto torna-se uma imagem visual, ou uma imagem auditiva, ou uma imagem olfativa‖ (ROMERO, 2009, p. 174).

Elisabeth Romero (2009, p. 67) destaca ainda que ―há um diálogo entre o

texto e o auditório, o sujeito e sua cultura‖, isto é, entre alunos redatores, locutores e

ouvintes existe um ambiente de comunicação que torna, especialmente, a figura do

aluno-ouvinte como ativa e preparada para o diálogo ou compreensão do que se

apresenta no ―programa de rádio‖.

Aqui, destaco a contribuição de Amálio Pinheiro que aproxima a escrita da

oralidade:

―Dizer ‘pororoca‘, por exemplo, em função dessa sequência aliterante de sílabas e vogais abertas, é trazer o ambiente sonoro do encontro do rio com o mar para dentro da boca (...) a escrita não descreve a paisagem; é esta que entra dentro das palavras; não é o sujeito o senhor da escritura, pois esta já se reveste do rumor dos bichos e coisas‖ (PINHEIRO, 2013, p. 144).

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No exemplo acima, aparentemente simples, está um suporte teórico

bastante rico ao educador e ao estudante sobre como aproximar o dia a dia do rádio

àquele da comunicação. Embora na maior parte do tempo, o rádio nos servirá de

apoio, é fundamental enxergar as oportunidades que este meio nos dá sem que dele

necessitemos. Ao relacionar o ―encontro do rio‖ e o ―rumor‖ dos bichos com a escrita

e, antes, com a oralidade, Amálio Pinheiro aponta, de forma certeira, para o

resultado esperado: o som do que se diz, daquilo que se quer comunicar. E o aluno

deve ser dessa forma estimulado, isto é, a se comunicar e, acima de tudo, ouvir o

que diz. Antes, ainda: ouvir a palavra antes que esta saia da boca. Há, de forma

concreta, uma espécie de manual de etapas a serem observadas pelos jovens.

A produção de programetes de rádio por parte dos próprios jovens

estimula o conhecimento, a troca de informações. Seja em sala de aula ou em

qualquer local da escola, o programa de rádio tem um papel que vai muito além de

―se fazer rádio na escola‖: significa uma forma de motivar o aluno a comunicar e se

deixar comunicar, a falar e ouvir.

Finalizamos com trecho de recente crítica, publicada no O Estado de São

Paulo, do jornalista Luiz Zanin Oricchio sobre um DVD de leituras de poemas de

Fernando Pessoa pela cantora Maria Bethania e a professora emérita da PUC-Rio,

Cleonice Berardinelli:

―Há, no dispositivo, um desafio, ao qual as duas se aplicam em enfrentar. Reviver, pela voz, o que está no papel. Reviver? Melhor seria falar: fazer viver, pois, como alguém já disse, a grande poesia aspira a ser dita em voz alta. Se existe prazer inegável em tê-la impressa na folha, na intimidade do pensamento, é na voz humana que ganha em emoção. O verso impresso é como a partitura da música, que pode ser apreciada na pauta pelos conhecedores, mas só se torna audível quando executada pelos instrumentos. As cordas vocais humanas são o instrumento da poesia‖ (ZANIN, 2014).

Se existe prazer inegável no texto de rádio, o bom texto deve ser dito em

voz alta, e essa execução deve ser realizada de forma poética pelo aluno.

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3. A criação de vínculos entre os estudantes

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Um dos principais objetivos da proposta aqui apresentada é a criação de

vínculos comunicacionais e, consequentemente, de sociabilização, entre os jovens

do ensino médio. É fato que tais vínculos podem ocorrer em qualquer idade, mas a

base de nossa pesquisa tem como foco a última série do Ensino Fundamental e as

três do Ensino Médio porque esse é o público do Prêmio Escola Voluntária conforme

seu regulamento.8

Uma sala de aula que está ambientada como se fosse um estúdio de

rádio pode gerar no aluno a predisposição necessária para o aprendizado. Mais do

que o aspecto físico — o que significaria a colocação de microfones, fones de ouvido

e outros aparatos técnicos no ambiente —, valerá a criatividade em aproximar a

realidade de um estúdio de outra: a da sala de aula. Desde que os jovens sejam

conduzidos a realizar a atividade de modo a reconhecer nela uma razão de ser, os

resultados obtidos podem ser satisfatórios, existam ou não microfones e fones de

ouvido em cena. Como mediador de uma atividade em classe, o professor pode

propor aos estudantes que usem a imaginação e a criatividade para que o estúdio

de rádio esteja presente a partir dos objetos existentes no ambiente. Se

estabelecermos uma comparação com um jogo, alunos locutores e alunos ouvintes

podem encarar essa atividade de forma lúdica, com algumas regras a serem

seguidas. Sobre o jogo, o professor Ivan Bystrina diz:

―O jogo promove uma transição voluntária para a segunda realidade. Jogo e seriedade não se excluem decididamente, mas se condicionam. Quando se joga, o mundo em torno é concebido de maneira diferente. Objetos da primeira realidade são colocados na segunda, sob influência da imaginação‖ (BYSTRINA, 1995, p. 20).

Para que a atividade cumpra o objetivo de fazer com que o aluno

aprenda, erros de informação ou informações incompletas sobre as notícias, por

exemplo, não serão aceitos. Mas, como se trata de um jogo, os alunos corrigirão uns

aos outros, numa espécie de debate entre ouvinte e locutor, sem a necessidade da

correção do professor, que apenas avaliará o desempenho dos jovens a partir de

uma visão mais objetiva da atividade.

O trabalho constante e estimulado vai, nesse sentido, provocar o costume de

que é possível aprender dessa maneira. O aprendizado pode ocorrer não apenas porque

há uma troca de informações entre os jovens, mas porque os exercícios de rádio e as

8 O regulamento está em www.escolavoluntaria.com.br

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trocas de informações em sala serão atividades vinculadores entre os estudantes. O

professor Norval Baitello (2008, p. 100) define esta etapa como ―um deslocamento do

foco da comunicação‖ pois, segundo ele,

―não mais se pode compreendê-la como simples conexão ou troca de informações, mas necessariamente é preciso ver nela uma atividade vinculadora entre duas instâncias vivas‖ (BAITELLO, 2008, p. 100).

A boa orientação por parte do professor será fundamental. Aquele que

ensina pode usar essa forma de ensino para evitar que o aprendizado se torne

mecânico e pouco estimulante. Nesse sentido, Baitello afirma que

―os corpos são exímios geradores de vínculos quando auscultam e deixam-se auscultar por outros, porque só eles preenchem os espaços de falta de outros corpos‖ (BAITELLO, 2008, p. 101).

Podemos concluir, neste caso, que os jovens, se bem orientados e, em

uma aula bem preparada e planejada, estarão motivados a aprender e se informar em

uma realidade diferente daquela com a qual estão acostumados. Ao destacarmos que

a proposta vai além da criação pura e simples de uma rádio na escola, o que se tem

como objetivo é pontuar que não é a informação sobre uma disciplina que vai integrar

um processo de comunicação entre o aluno A e o aluno B, mas o vínculo gerado pelo

exercício em sala de aula. Quanto mais motivado e disposto a participar do exercício

proposto, melhor será o desempenho do estudante e, neste caso, os jovens precisam

de constante motivação por parte dos professores. Baitello diz que

―na filogênese, os vínculos se constituem em diálogo estreito com as condições ambientais e as disponibilidades sensoriais, transformando-se em formas distintas de sociabilidade (...) requerem cuidado, atenção e amor‖ (BAITELLO, 2008, p. 101).

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Isto é, as atividades propostas que envolvam exercícios de rádio e,

principalmente, o trabalho de voz, gesto e som devem ser valorizadas na escola e

reconhecidas como estratégia de ensino para que os alunos percebam que tal

mecanismo integra o rol de atividades ao longo do ano. Ainda que a representação

de um estúdio de rádio ocorra — a título de exemplo — em uma peça teatral, a

mídia primária deve ter destaque: os gestos, o som, as posturas a voz bem como a

geração do som pelo rádio ou pelos aparelhos modernos pertencentes aos alunos

ou à própria escola.

A disposição para o aprendizado tem relação com a necessidade de ser

comunicar com o colega, o que, no ser humano, ocorre desde o nascimento

conforme Harry Pross.

―O homem vem ao mundo como ser diferente. Não está em condições de se alimentar por si só e sua capacidade de movimento e proteção é pequena. A carência se compensa mediante a comunicação com os congêneres. A capacidade de comunicação é de importância vital. Os contatos elementares, a proximidade da pele e a respiração não só reforçam a capacidade de comunicação, mas também estabilizam o sujeito (lactante)‖ (PROSS, 1989, p. 39).

A estabilização do sujeito observada por Pross é importante para o

desenvolvimento social do jovem, da criança em sala de aula e na escola e, de

forma lúdica, por meio de exercícios que têm como base o radiojornalismo e os

gestos, a voz, a descrição de imagens. Essas formas de vinculação podem ser

apresentadas, o que motiva o aprendizado.

Ainda sob o ponto de vista do desenvolvimento social, a professora

Malena Segura Contrera afirma que

―é do encontro com o outro que nasce o amor e a comunicação, e é do encontro com o outro que construímos, desde o início, nossa própria identidade‖ (CONTRERA, 2005, p. 47).

A construção da própria identidade é característica na fase escolar, o que

torna pertinente a ideia de inserir os jovens em propostas pedagógicas que ampliem

essa possibilidade de encontro com o outro, com o colega de sala.

A proposta de criação de exercícios de rádio em sala de aula, com

especial ênfase ao conceito de mídia primária e possibilidade de vínculos, pode

contribuir não só para o aprendizado mas também para um nível de segurança em

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sala de aula provocado pelo ambiente comunicacional. Tal nível de segurança

inexiste em muitos estudantes, especialmente os mais introvertidos, e os vínculos

criados a partir da proposta deste trabalho podem servir de ponto de partida para o

melhor desenvolvimento desses jovens.

Os exercícios de rádio em sala de aula devem integrar um programa

disciplinar para que sejam algo com que o estudante esteja acostumado, que faça

parte do calendário de atividades em sala de aula e conte com a participação de

todos ou boa parte dos professores. Essa espécie de norma ou rito a ser seguido na

escola e os resultados para o aprendizado podem ser compreendidos nesta

afirmação de Boris Cyrulnik:

―Um mundo sem ritos é um mundo bruto, reduzido à matéria, ao peso e à medida, enquanto um mundo ritualizado instila a história nas coisas, dá-lhes um sentido e nos permite conviver (...) um mundo ritualizado une e harmoniza os indivíduos, fazendo deles um corpo social, um grupo que os acolhe e os tranquiliza‖ (CYRULNIK, 1995, p. 112).

O estudante precisa ver sentido naquilo que aprende e a percepção de

que tal é possível em um ambiente escolar, que se transforma em ambiente

radiofônico, pode surtir o efeito desejável. Cremos que a implantação de uma

redação de radiojornalismo no ambiente escolar faz nascer um processo contínuo de

comunicação, uma espécie de rito a que os estudantes serão submetidos, o cenário

para a criação de vínculos. Cria-se um ambiente definido e solidificado para os

alunos se relacionarem. Ao terem suas funções definidas, os alunos-locutores,

narradores, redatores e repórteres perceberão o espaço que ocupam nessa

engrenagem e o papel de cada um para que o produto final ocorra. A sala de aula

deverá desenvolver atividades que necessitem do envolvimento de todos os alunos,

uns de modo mais contido, outros de modo mais extrovertido. Destacamos o

pensamento de Boris Cyrulnik.

―O ritual que permite a cada indivíduo ocupar seu lugar biológico, comportamental e emocional no interior do grupo; serve também de cimento para o corpo social, que, graças a ele, permanece unido e funciona ‗como um único homem‘. Nesse nível de organização do ser vivo, o ritual é uma conduta que tem por efeito estimular a biologia dos indivíduos e sincronizar os grupos‖ (CYRULNIK, 1995, p. 106).

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Junta-se a essa realidade a semiosfera de Lotman (1996), que ressalta

as situações em que pode haver comunicação, ao afirmar que ―o objetivo de tal ato

é produzir nova informação‖ e cita ―o processo de movimento do texto do emissor

ao receptor‖. Lotman afirma também que atos comunicativos com o objetivo de

produzir nova informação ―possuem heterogeneidade semiótica (...) e a capacidade

de gerar novas mensagens que sempre sabem mais que a informação inicial‖

(LOTMAN, 1998, p. 13).

Quer dizer que o processo de transformação da mensagem inicial — o

conteúdo disciplinar do livro, da lousa, após ser transformado em notícia de rádio, ao

passar por uma lapidação radiofônica — a cargo do aluno-redator, o faz saber mais

que a mensagem inicial e, portanto, fará o aluno-ouvinte assimilar de forma mais

criativa o conteúdo em questão. Sob o ponto de vista dos modelos de comunicação no

sistema da cultura, Lotman fala de ―enlaces figurativos e verbais, que podem ser

considerados como dois canais de transmissão de informação estruturados de

maneira diferente‖ (LOTMAN, 1998, p. 43). O aluno, inicialmente, transforma um texto

didático em texto de radiojornalismo para, em seguida, levar o texto ao colega que

será o apresentador que, por sua vez, narra o texto para seu ouvinte. Ao ouvir a

―informação no ar‖ os alunos ouvintes completam um processo de comunicação que,

inclusive, pode ser ainda mais proveitoso. A comunicação pode partir do ouvinte para

o aluno locutor, em forma de debates sobre os temas apresentados nas notícias. Todo

esse processo ocorre de forma simultânea.

Para Paul Zumthor, trata-se do espaço da performance

―No interior de uma sociedade que conhece a escritura, todo texto (...), na medida em que visa ser transmitido a um público, é forçosamente submetido à condição seguinte: cada uma das cinco operações que constituem sua história (a produção, a comunicação, a recepção, a conservação e a repetição) realiza-se seja por via sensorial, oral-auditiva, seja por uma inscrição oferecida à percepção visual, seja — mais raramente — por esses dois procedimentos conjuntamente. O número das combinações possíveis se eleva, e a problemática então se diversifica. Quando a comunicação e a recepção (assim como, de maneira excepcional, a produção) coincidem no tempo, temos uma situação de performance‖ (ZUMTHOR, 1993, p. 19).

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A criação de um ambiente de estúdio de rádio que, antes de tudo, seja o

estímulo para o aprendizado tem de estabelecer sincronia entre as emoções do

aluno-redator, do aluno-locutor e do aluno-ouvinte. Cada representante dos grupos

deve se vincular ao outro. Até a disposição de cada um em sala ou em qualquer

ambiente na escola deve ser considerada.

O radiojornalismo como ferramenta pedagógica do Ensino Médio é

apresentado como um caminho para estimular estudantes e professores em relação

ao uso da língua por meio da retomada das afeições geradas por vínculos mais reais

e menos virtuais entre os jovens, por meio de ―contatos físicos entre as

performances corporais (voz, gesto, dança e grafia)‖ (PINHEIRO, 2013, p. 145). O

cenário estimulante de um estúdio de rádio servirá para provocar nos jovens ―uma

atmosfera saturada de possibilidades de vínculos de sentido e vínculos afetivos em

distintos graus‖ (BAITELLO, 2010, p. 83). Sob esse prisma, é necessário reforçar o

que se propôs no início: ao definirmos que os elementos como gesto, som e voz

tinham, de certo modo, prioridade em relação ao próprio rádio e seus aparatos, isso

significa que o ambiente gerador de vínculo independe da atmosfera radiofônica

para ocorrer por mais que, sem dúvida, será melhor se um funcionar com o outro.

Alunos, especialmente, e professores serão repórteres, locutores,

redatores e, com destaque, ouvintes. Estabelecerão vínculos por meio da

comunicação.

A sala de aula, em um momento de realidade radiofônica, com muitos

alunos, torna-se o espaço ideal para as interações sociais, o contato mais próximo

com o colega, ―o espaço concreto de relações culturais‖, mais adequadas ao meio

impresso, segundo Pinheiro (2013, p. 61).

A geração de vínculos entre os jovens através de exercícios de rádio fará

com que eles reconheçam ―os meios de comunicação interpessoal como a oralidade

e a escuta, o gesto e a visibilidade (...) como estratégia de sociabilidade‖

(BAITELLO, 2010, p. 63). A referida sociabilidade será tanto mais facilitada quanto

mais oportunidades de contato houver entre os estudantes que integram o grupo e

essa relação se dará por vínculos comunicacionais no ambiente escolar.

Ressalte-se a importância da maneira com que se conduz esse exercício

para que o aprendizado ocorra, isto é, para que o vínculo se concretize. Em sala de

aula, os vínculos se dão no exato instante em que se compreende, por parte do aluno-

ouvinte, a ―notícia‖ redigida e narrada por outros colegas, uma compreensão que é

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percebida e sentida no corpo de cada jovem. Ao ouvir o som da notícia, a voz da

informação, a trilha sonora escolhida para vestir o produto apresentado em sala de

aula (a pele) funciona como a ―fonte, organizadora e processadora de informações;

mediadora de sensações‖ (MONTAGU, 1988, p. 25). As sensações são naturalmente

estimuladas porque contribuem para a compreensão da notícia e, desta forma, para a

compreensão do tema da disciplina e para a geração de vínculos.

Segundo Greenbie

―uma vez que experimentamos nosso ambiente terrestre com todos os nossos sentidos, inclusive com os da olfação e audição, o sistema háptico nos posiciona para o contato físico imaginativo com lugares e objetos que anteriormente tocamos e agora só vemos, ouvimos ou cheiramos‖ (Greenbie apud MONTAGU, 1988, p. 34).

Isto é, a compreensão do que se noticia deve ser auxiliada por

lembranças de cada um dos alunos. Desde a forma e conteúdo da redação, até a

maneira utilizada pelo aluno locutor para apresentar essa informação devem conter

elementos que sirvam de referencial para o aprendizado mas que, principalmente, já

sejam de domínio do estudante.

Embora a criatividade permita o uso dos elementos da comunicação

inerentes ao rádio como ferramenta para qualquer disciplina, é natural que a

literatura, por exemplo, nos ofereça um leque de opções mais vasto. Faz-se

necessário estabelecer a relação entre o jornalismo de rádio e a tentativa de

implantação deste no meio escolar porque aquele se preocupa com os meios

primários de comunicação e, como já apontado, há um déficit, entre os jovens, na

habilidade de se comunicar por meio do corpo.

Afirma Norval Baitello:

―O estudo dos meios primários (por exemplo, o gesto) é tão importante para o jornalismo como é para as ciências econômicas e da administração. O estudo da fala e suas modulações é tão essencial para uma conversa de amigos e uma reunião de trabalho como para o exercício profissional de um jurista ou de um professor. A comunicação primária, aquela dos meios produzidos naturalmente pelo corpo, desde a palavra falada até as maneiras de sentar ou ficar em pé, do gesticular de mãos até o franzir de testa, vem ganhando atenção crescente das ciências da comunicação por sua onipresença e pelo poder de sedução ou rejeição‖ (BAITELLO, 2010, p. 63).

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Em artigo sobre carreira profissional publicado no jornal O Estado de São

Paulo, de 17 de agosto de 2014, a professora da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo Sandra Loureiro afirma que ―precisamos recuperar a capacidade de

comunicação interpessoal‖. Não sem fundamento, a também psicóloga pontua que

―esta competência diz respeito à capacidade de mobilizar recursos associados à

linguagem (verbal, gestual, simbólica, emocional) para se expressar com clareza e

precisão, adaptar a mensagem aos interlocutores, ser assertivo na exposição e

defesa das suas ideias, saber ouvir e demonstrar respeito e consideração pelas

ideias dos outros‖. Em seguida, a professora associa esta competência à qualidade

dos relacionamentos e à construção da imagem profissional.

O que mais faz o jornalista de rádio, especialmente o locutor, senão

gesticular e franzir a testa ao falar? A transformação de conteúdos disciplinares em

notícias radiofônicas visa atrair o ambiente de um estúdio de rádio para a classe

como uma forma de facilitar o entendimento do que foi visto em sala de aula, ao

mesmo tempo em que impulsiona as relações entre estudantes envolvidos na

produção do material porque ―desloca-se o foco da mera informação, transferindo as

atenções para a geração de vínculos e ambientes de vínculos‖ (BAITELLO, 2010, p.

10). O objetivo não é só aprender química e física pelo rádio, mas gerar formas de

aproximação entre os estudantes.

O conhecimento é prioridade na geração de vínculos. O aluno-redator e o

aluno-locutor, ao apresentarem a notícia devem prender a atenção do colega,

ouvinte. ―É necessário que aquele que deve estabelecer um vínculo tenha um

conhecimento universal das coisas, a fim de ser capaz de prender o homem‖

(BRUNO, 2012, p. 17).

Nesta mesma linha, relacionada ao incentivo à constante troca de

informações, o pensamento de Flusser reforça aspectos que, a nosso ver, estão

relacionados: o aprendizado a partir do vínculo. Se considerarmos as produções

radiofônicas — ou associadas ao meio rádio — em sala de aula como um espaço em

que jovens praticam a formação de frases para produzir informações, tem-se que:

―Formam-se frases, isto é, surgem informações, e estas são emitidas e tornam-se mensagens. (...) A constante formação de novas frases (...) faz que o território da conversação cresça constantemente. Neste sentido, a conversação é produtiva. Ela expande o território da realidade e submete-lhe novas regiões de relações antes não estabelecidas‖ (FLUSSER, 1963, p. 148).

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Estudantes, portanto, estarão sempre estimulados a produzir o que já

sabem, por meio da escrita para o rádio, que sempre deverá conter a preocupação

com a imagem. Este cenário reforça o aprendizado; não aprende apenas quem

recebe a informação, o aluno ouvinte, mas todos os integrantes dessa ―conversa

radiofônica‖. Novos conhecimentos são adquiridos porque explicados também de

forma inédita. O professor de qualquer disciplina ou um convidado especial da

escola pode estar no papel de convidado para uma entrevista que aborde um tópico

em estudo. Criadas as condições para tal, é de se supor que o aluno aprenda – ou

esteja mais motivado a assimilar novas informações no contexto proposto neste

trabalho. A importância dessa troca de informações fica clara a partir do que afirma

Edgar Morin sobre a cultura:

―A cultura, que é característica da sociedade humana, é organizada/organizadora via o veículo cognitivo que é a linguagem, a partir do capital cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das aptidões aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade (...) E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e dirigem os comportamentos individuais (...). Cultura e Sociedade encontram-se em relação geradora mútua, e, nesta relação, não esqueçamos as interações entre indivíduos, que são eles próprios portadores/transmissores de cultura; estas interações regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura‖ (MORIN, 1991, p. 17).

O conhecimento de cada aluno, portanto, e a maneira utilizada por ele

para compartilhar esse conhecimento vai gerar mais conhecimento em sala e

motivação para que outros aprendizados ocorram e outros temas sejam ponto de

partida para um programa de rádio na escola. A troca simultânea de informações a

partir de uma atividade realizada em conjunto provoca mais conhecimento e desejo

de que os processos de geração de conhecimento sejam aperfeiçoados. Assim,

essa atividade de comunicação, que, eventualmente, começa em apenas uma sala

de aula, pode se expandir por toda a escola e gerar mais saber, afinal ―o objeto da

comunicação é o saber que vem mediado pelo processo do trabalho‖ (BETH,

PROSS, 1990, p. 69), isto é, pela atividade em ambiente escolar.

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3.1. O ambiente escolar como ambiente comunicacional

Estudantes do Ensino Médio, sejam de escolas públicas ou particulares,

convivem quase que diariamente, em sua grande maioria, durante vários anos

seguidos. Em alguns casos, desde as séries iniciais na pré-escola, desenvolvem

atividades do currículo com colegas de classe e, por consequência, podem se tornar

amigos de uma vida inteira. Trabalhos em grupo são desenvolvidos em sala de aula,

tarefas de casa são feitas, em conjunto, na residência de um deles, o que significa a

clara disposição de estarem próximos. É na sala de aula, no entanto, o local onde

ocorrem as maiores chances de interação, onde cada um está disposto ao diálogo, a

ouvir, a falar e, por fim, a se relacionar. A proposta de exercícios em sala de aula

que possam ser associados ao meio rádio terá acolhida na medida em que a

presença dos corpos dos alunos na classe significa a disposição de cada um em

interagir. O professor Norval Baitello diz que:

―Um corpo não se reduz a um único vetor ou a uma única direção de vinculação (...). Muito antes, ele é um catalisador de ambientes, e talvez seja sempre o catalisador inicial de um ambiente comunicacional. Podemos nomear essa implicação de ‗princípio de ambiência‘. Sua simples presença gera a disposição de interação, desencadeia processos de vinculação com o meio, com os outros seres do entorno e com seus iguais‖ (BAITELLO, 2008. p. 99).

A presença de objetos alusivos a um estúdio de rádio contribui para criar

e melhorar tal ambiente, mas, como já exposto no início, o meio deve ser uma forma

de incentivo à comunicação através do gesto, do som e da voz. O aluno, por outro

lado, não precisa do estúdio para realizar ações de um radialista. Se é no corpo que

a comunicação começa e termina, este processo não precisa depender do rádio

para funcionar. O rádio é material didático a ser utilizado estrategicamente.

Professores podem ser orientados a conduzir exercícios em sala de aula em que o

que importa é o aluno enxergar a sua presença em sala como fundamental para o

processo de comunicação, pois:

―a presença do corpo conduz à recordação da necessidade primordial de vinculação, lembra-nos de que somos seres de incompletudes, dependentes – desde o nascimento – de outros para sobreviver‖ (BAITELLO, 2008, p. 99).

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Os temas das disciplinas utilizadas são de conhecimento de todos os alunos,

em maior ou menor grau. Se um processo de vinculação não ocorrer por meio do

conhecimento de determinado tema, ocorrerá pela idade, por uma preferência ou

qualquer outro elemento comum a um aluno do Ensino Médio. A partir desse cenário,

retomamos o tema dos vínculos a que nos referimos no item anterior; os alunos que

apresentam as notícias e os conteúdos como se fossem radialistas atuam em um

cenário próprio para a criação de vínculos e, mais do que o conteúdo a ser apresentado

– cuja clareza deve existir, sob o ponto de vista da aprendizagem –, vale ressaltar que,

no processo de comunicação em sala de aula, o que importa é a sociabilidade, mais do

que a informação. Diz Baitello que:

―não é a informação, em seu sentido funcional, o elemento constitutivo de um processo de comunicação. É o vínculo, com sua complexidade, sua amplitude de potencialidades‖ (BAITELLO, 2008, p. 101).

Neste sentido, a comunicação vinculadora deve ser incentivada pelo

professor que terá a função de mediar um processo que conjugue sociabilidade e,

inevitavelmente, a informação correta do conteúdo aplicado, mesmo que de uma

forma lúdica.

As escolas devem enxergar certos comportamentos e características do

radialista como um item que desperte a criatividade do aluno ao redigir textos, realizar

sua leitura e, por fim, escutar e interpretar o que foi lido. A produção de textos,

habilidade que integra o programa de ensino de uma escola, pode encontrar, nessa

alternativa, um caminho motivador para o aprendizado. Martín-Barbero diz que:

―Nossas escolas não estão sendo um espaço em que a leitura e a escrita sejam uma atividade criativa e prazerosa, e sim predominantemente uma tarefa obrigatória e tediosa, sem possibilidades de conexão com dimensões-chave da vida dos adolescentes. Uma atividade inclusive castradora: confundindo qualquer expressão de estilo próprio na escrita com anormalidade ou plágio, os professores tendem a reprimir a criatividade sistematicamente (...) Quer dizer, temos um sistema escolar que não só não ganha os adolescentes para uma leitura e uma escrita criativa mas, além disso, não percebe que existe uma cultura oral que constitui a matriz cultural fundamental entre os setores populares, que não pode ser de modo algum confundida com analfabetismo. Diante da cultura oral da escola, o sistema encontra-se tão desprovido de modos de interação, e tão na defensiva, como diante da audiovisual‖ (Martín-Barbero, 2004, p. 42).

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Os modos de interação a que se refere Martín-Barbero podem estar

nesse ambiente radiofônico a ser criado no espaço escolar. O desafio também é o

de motivar a busca por uma escritura do texto radiofônico de maneira a fazê-lo ser

compreendido de uma única vez, no primeiro contato, afinal, é assim no

radiojornalismo; não há página onde possa se reler o que não foi entendido. Além de

ser estimulado a conhecer a matéria, o estudante terá que, criativamente, construir

textos pertinentes ao meio rádio.

Ao tratar da simbologia corporal, Harry Pross trata de forma crítica a

escola que impede qualquer forma de expressão em sala de aula. Embora nos

pareça ser um cenário hoje em dia melhor em algumas escolas, vale como forma de

compreender a eventual dificuldade de algumas escolas ao tentar implantar

atividades sugeridas nesta reflexão. Pross cita:

―crianças indefesas (...), que entram na escola, que têm que sentar caladas e aprender a reprimir suas formas naturais de expressão que, no entanto, herdaram de seus pais‖ (PROSS, 1989, p. 126).

Norval Baitello pondera sobre a falta de incentivo aos exercícios que

estimulem a criatividade e a curiosidade do aluno.

―Quanto violentamos nossas crianças com uma educação que as quer quietas e imóveis, ou pelo menos ‗andando na linha‘! Uma educação que desqualifica a inquietude, patologizando-a mesmo em alguns casos extremos! Uma educação que não aceita a agitação como forma expressiva e cognitiva, que não sabe aproveitar a incansável energia da curiosidade e da experimentação infantil (BAITELLO, 2012, p. 15).

O que se pretende, portanto, é a ambientação do estudante em um jogo

de performance em que seu papel é o de ser um radialista conhecedor de temas

abordados na escola, especificamente no Ensino Médio, e propor a ele que utilize

certas ferramentas do rádio para se comunicar com o colega de sala, a quem caberá

assimilar e compreender as notícias, utilizando-as para prosseguir com os processos

de comunicação escolar.

A transformação de uma sala de aula ou qualquer espaço escolar em uma

redação de rádio, que faça o estudante se apropriar de elementos pertinentes a essa

realidade — a saber: a pauta, a produção, a redação, a edição e a locução da notícia

finalizada —, insere o radiojornalismo no Ensino Médio e o torna um recurso

pedagógico para professores e, por consequência, de aprendizado para os estudantes.

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Mais especificamente, a articulação eficaz entre os conteúdos

disciplinares, aqui tratados como informação, como notícia e sua inserção no

ambiente radiofônico, se presta a motivar o aprendizado, desde que utilizada de

forma adequada. Ao sugerirmos que o tema de uma disciplina, qualquer, seja

transformado em notícia de rádio — desde a sua produção, que envolve a escolha

do entrevistado e posterior edição da entrevista, depois a redação do texto

radiofônico, que pode e deve abarcar conceitos de outras disciplinas, sua locução

por parte do aluno e, por fim, a recepção dessa notícia —, isso faz nascer um

ambiente onde se facilita a comunicação e, portanto — espera-se — o aprendizado.

O rádio na escola não deve ser apenas o rádio da música no momento do intervalo

entre aulas, mas pode ser o espaço em que os jovens compartilhem conhecimentos

adquiridos em determinada disciplina. Pautar um grupo de alunos para que

produzam um programa ou uma simples reportagem de rádio sobre as aplicações da

química no ambiente doméstico — a título de exemplo — é desafiador de início.

Passa a ser mais ainda quando se espera o envolvimento de cada jovem na busca

dos conceitos da química, obtidos em sala de aula, da escolha de um entrevistado

que possa contribuir com o trabalho, na enumeração das perguntas e serem feitas

para esse entrevistado, na edição e redação da entrevista e na locução da notícia

pronta para o ar, sem contar a roupagem sonora que embala e embrulha esse

trabalho. O grupo de alunos deve ser compreendido por seus colegas, que se

transformam em seus ouvintes. Todo esse cenário proposto necessita de cada aluno

um bom desempenho em cada etapa e tarefa a ser cumprida. Os mais tímidos não

precisam ser locutores e repórteres, mas podem municiar os colegas com os

conceitos importantes pesquisados em livros e nas anotações em sala.

No entanto, não se propõe o rádio como em sua ―dimensão instrumental‖,

como lembra Martín-Barbero (2004, p. 339), a que sempre são reduzidos os meios de

comunicação na escola. Fosse assim, correr-se-ia o risco de o uso desse meio ficar

restrito à análise pura e simples de sua forma de se comunicar. Do mesmo modo, este

apresentaria uma gama de possibilidades de trabalho em sala de aula restrito a um

estúdio de rádio e o que se quer é que o meio apenas balize as formas de se

comunicar entre os jovens.

O que se busca nesta pesquisa situa-se antes das produções estudantis

realizadas nestes estabelecimentos, embora não sejam inexistentes aquelas que já

propõem ao aluno pensar em como se produz o som e estimulá-lo a tal respeito de

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forma criativa. Em essência, tratar-se-á a escola como um espaço entre espaços, a

partir da proposição de Manuel Delgado (2007. p. 50), para quem existem

―microunidades sociais de índole situacional e reguladas por normas endógenas,

formas de cooperação automática entre corpos e aparências‖. As tais normas

endógenas, é de se supor, nos remetem aos vícios e verdades estabelecidas em um

ambiente preenchido por crenças impeditivas de criatividade, ou seja, escolas que

naturalmente tendem a não aceitar novas propostas de ensino, especialmente no

caso de estabelecimentos cujos professores seguem à risca o material didático sem

qualquer desvio de rota do que é determinado pelos manuais.

Fato é que se devem considerar ambientes escolares que se

caracterizam pelo ensino tradicional, onde o aluno é receptor de mensagens e o

professor, em pé, o emissor de uma série de conceitos que não se encontrarão, a

posteriori, bem recebidos pelo estudante. Não se devem deixar de lado os avanços

tecnológicos invasores das salas de aula, mas é necessário considerar, em primeiro

lugar, que não são todas as escolas que possuem essa característica, embora os

alunos sejam experts em tablets e similares e, em segundo lugar, especialmente,

que se está falando de um público, os estudantes, que parece ter perdido a noção

de contato — não de amizade, de conversa, não de comunicação.

Martín-Barbero (2004, p. 336) cita que ―a escola encarna e prolonga como

nenhuma outra instituição o regime do saber que instituiu a comunicação do texto

impresso‖. Conclui-se que se trata de um espaço em que a inserção da comunicação

oral, por voz e, especialmente, por som, enfrentará desafios. Em visitas à escolas de

São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e

Distrito Federal, nas mais diferentes cidades e com os mais diversificados perfis de

alunos, é uma constante o encontro dos que não gostam de ler, de se pronunciar em

voz alta, de expor sentimentos por meio de gestos.

É bem possível que o façam nos ambientes com os quais estejam mais

acostumados ou nos quais se sintam mais livres, como a própria residência ou em

uma roda de amigos, até porque na escola, regras têm de ser cumpridas e é difícil

sair do trilho de um padrão de comportamento estabelecido. Martín-Barbero, em tom

crítico, afirma que a escola.

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―Atribui a crise da leitura de livros entre os jovens unicamente à maligna sedução que exercem as tecnologias da imagem, o que poupa à escola o ter que se propor a profunda reorganização que atravessa o mundo das linguagens e das escrituras; e, por conseguinte, a transformação dos modos de ler que está deixando sem chão a obstinada identificação da leitura com o que concerne somente ao livro e não pluralidade e heterogeneidade de textos, relatos e escritas (orais, visuais, musicais, audiovisuais, telemáticos) que hoje circulam‖ (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 338).

Como etapa primeira da produção de uma notícia, cujo conteúdo é a

temática do programa da disciplina, espera-se que o aluno compreenda a

aplicabilidade do que se está estudando no seu dia a dia e estabeleça relações entre

o objeto de estudo e os demais conceitos por ele assimilados. Para tal, o professor

poderá avaliar como a notícia produzida pelo grupo foi contextualizada. É

fundamental notar aqui se os alunos pontuam como elemento da comunicação uma

possível relação entre uma equação química da disciplina de mesmo nome e um

conceito apresentado na aula de matemática, isto é, se relacionam os conceitos

aprendidos nas disciplinas. Regiane Regina Ribeiro nota que:

―Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta a complexidade do mundo em partes estanques, fraciona os problemas (...), atrofia as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo‖ (RIBEIRO, 2009, p. 167).

Edgar Morin é claro ao nos fazer concluir, na afirmação a seguir, que

aprender química ou matemática ou qualquer outra disciplina sem que se observe

suas inter-relações pode significar a impertinência de um conhecimento.

―Fornecer aos adolescentes que vão enfrentar o mundo do terceiro milênio uma cultura que lhes permitirá articular, religar, contextualizar, situar-se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos que adquiriram.‖ (MORIN, 2009, p. 31)

Fazer brotar no Ensino Médio jovens que cheguem ao mercado de

trabalho, passando pela universidade, sem esquecer as ―solidariedades entre os

conhecimentos especializados‖ (MORIN, 2009, p. 32) evita que eles se tornem

técnicos que analisam situações de modo isolado.

Os nove anos de contato com alunos e professores do Ensino Médio de

escolas públicas e particulares de oito estados do Brasil nos incentivam a refletir

sobre a proposta inicialmente apresentada. Será natural que sua aceitação esteja

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ligada ao ambiente em que se insere a escola, às características de seus alunos,

diretores e professores e ao grau de abertura a novos paradigmas de aprendizado.

Talvez, para muitos, não há como aprender química se não do modo lousa-professor

fala-aluno escuta. E há que se compreender o que diz Edgar Morin:

―O poder imperativo/proibitivo do conjunto de paradigmas, crenças oficiais, doutrinas reinantes, verdades estabelecidas determina os estereótipos cognitivos, ideias feitas sem serem examinadas, crenças estúpidas não contestadas (...), e faz com que reinem os conformismos cognitivos e intelectuais‖ (MORIN, 1991, p. 24).

Pior será quando o conformismo cognitivo e intelectual a que se refere Morin

estiver no comando da escola e no professor e, portanto, no nascedouro do ensino. É o

imprinting cultural (MORIN, 1991, p. 25) que torna professores, diretores e coordenadores

pedagógicos ―incapazes de ver uma coisa diferente da que ele nos mostrou‖.

Mas não se quer aqui estabelecer um conflito entre comunicação e

educação nem fazer crer que o radiojornalismo seja a salvação para os problemas

da educação brasileira, apenas se propõe uma forma de motivar o aluno a aprender,

ao se criar um ambiente em que a comunicação e a troca de conhecimentos seja

possível, desafiadora e instigante. É importante que o professor compreenda que o

aluno necessita de motivação para o estudo e a proposta é inserir a comunicação

primária por meio de gestos e sons no repertório do docente, acompanhada do

aparato motivador que é o rádio.

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4. Exercícios em sala de aula

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Ao longo dos nove anos em que o autor desta pesquisa esteve envolvido

diretamente com a capacitação dos alunos das escolas finalistas do Prêmio Escola

Voluntária, foi possível acompanhar o desempenho de alunos de cada uma das

instituições de ensino no que diz respeito ao uso do som, da voz, do gesto e do ouvir

para a produção de uma reportagem de rádio. De modo geral, é possível afirmar que

o tema não é familiar a boa parte das escolas, a menos que uma adequada orientação

seja fornecida a professores e alunos, ainda acostumados àquilo que se pode ver, ler

e escrever apenas. Como já exposto nos capítulos anteriores, no ambiente escolar

ainda são priorizadas estratégias pedagógicas de ensino em que a imagem – seja da

TV ou de uma revista – seja o suporte, não porque assuntos relacionados ao rádio

sejam de difícil entendimento e elaboração por parte dos educadores, mas, é bem

provável, porque a escola acompanha, de certo modo, o costume da sociedade em

que ―o valor do som é tão menor que o da imagem‖ (BAITELLO, 1997, p. 4).

Neste caso, é preciso considerar a eventual falta de praticidade para que

atividades radiofônicas sejam realizadas em escola, pela falta de aparatos e suportes

técnicos. Essa realidade é facilmente compreendida ainda mais em um ambiente em

que é muito mais usual realizar avaliações daquilo que se escreve e se pode

documentar, do que avaliar o que se ouve — em que pese o fato de, hoje em dia, a

tecnologia operar a favor de eventual novo olhar para o assunto.

Os exercícios de radiojornalismo foram aplicados de forma sistematizada

em duas escolas de São Paulo com o objetivo de avaliar se estudantes do Ensino

Médio compreendem a função do gesto, do som, da voz e do ouvir como elementos

importantes no processo de comunicação. Os dois estabelecimentos de ensino

visitados foram finalistas do Prêmio Escola Voluntária em edições diferentes, por isso

alguns poucos alunos tiveram contato com o pesquisador pela segunda vez. Ambas

as escolas receberam a proposta de pesquisa e o pesquisador de forma bastante

acolhedora. Os resultados verificados podem ser considerados positivos.

As atividades propostas tinham como finalidade principal inserir os jovens

em uma realidade semelhante à de um programa de rádio, sem que houvesse a

necessidade de um estúdio de fato existir em sala de aula. As respostas dos alunos

às atividades propostas demonstram sua capacidade de estabelecer conexões entre a

forma de se comunicar e a facilidade de compreender aquilo que se comunica,

especialmente se o som é utilizado como componente principal nesse processo.

Desconsideradas as questões de desempenho de cada um, ligadas ao fato de a

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atividade ser nova — para a maioria — na escola e criar um natural receio nos alunos,

foi possível notar que aqueles que procuraram realizar a tarefa apoiando-se em todos

os recursos de comunicação propostos foram os que, no papel de apresentadores,

tiveram as melhores avaliações dos colegas estudantes no papel de ouvintes. Da

mesma forma, a autocrítica dos estudantes que analisaram suas próprias

apresentações nos leva a crer que atividades semelhantes podem ser desenvolvidas

em outros momentos em sala de aula, afinal esta etapa pode ser considerada como

um primeiro experimento.

As atividades em cada uma das duas escolas ocorreram de maneiras

distintas, e são descritas a seguir.9

4.1. Educandário Nossa Senhora Aparecida

No Educandário Nossa Senhora Aparecida, da Vila Bela, em São Paulo,

participaram da atividade 31 alunos de primeiro ano e 39 de segundo ano do Ensino

Médio. Nessa escola, a mecânica permitiu aos alunos uma preparação prévia para o

desenvolvimento da atividade, embora não tenha havido qualquer tipo de supervisão

por parte de algum professor. O contato no Educandário Nossa Senhora Aparecida

foi com a professora Ana Paula Milinavicius. A escola foi visitada quatro vezes: na

primeira, o objetivo da pesquisa foi apresentado para a coordenação pedagógica e

para a direção da escola; na semana seguinte, os alunos de ambas as salas

receberam as orientações sobre a atividade. Foi solicitado a eles que preparassem

apresentações para os colegas sobre temas das disciplinas que mais lhe

agradassem ou qualquer outro assunto que fosse de fácil domínio de cada um, esta

última opção a que acabaria por prevalecer.

As atividades foram orientadas a partir da leitura, por parte do pesquisador,

e posterior interação com os alunos, das citações de autores utilizadas nos primeiros

dois capítulos desta dissertação para que entendessem o que se esperava deles. A

atividade não era obrigatória, mas a participação dos estudantes pode ser

considerada positiva. Depois da primeira visita, quando os jovens foram orientados,

houve ainda uma segunda visita, que serviria como um plantão de dúvidas — que não

9 Anexo a esta tese, segue um CD com o áudio de trechos das principais apresentações de

estudantes tratadas neste capítulo.

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teve a participação de nenhum aluno — e a visita final, em que os alunos fizeram suas

apresentações, ocorrida em 15 de setembro de 2015.

Entre os alunos do primeiro ano, houve três apresentações e, entre os do

segundo ano, quatro apresentações, porém com uma repetição de grupos, formados

por três alunos, cada um, em média. Nenhum dos temas apresentados tinha ligação

com o conteúdo das disciplinas, o que pode ser explicado pelo fato de o pesquisador

preferir não criar obstáculos para a capacidade criativa dos estudantes. No primeiro

ano, foram realizadas apresentações sobre ―A Culinária Egípcia‖, o jogo infantil ―Cobra-

Cega‖ e o dicas sobre o curso universitário de ―Direito‖. No segundo ano, foram temas

das apresentações: ―Mulheres‖, ―Dragon Ball Z‖, ―Os Cavaleiros do Zodíaco‖ (mesmo

grupo, não será considerada) e sobre o time ―Palmeiras‖. Notou-se que os temas

escolhidos tinham relação com as preferências e gostos comuns dos integrantes do

grupo ou individuais, em casos de apresentações por parte de um só aluno.

Para que se estimulasse a criatividade na utilização dos recursos de

gesto, som e voz nos alunos apresentadores e, especialmente, o ouvir, nos jovens

que estavam sentados em sala de aula, como ouvintes, as apresentações foram

feitas na parte de trás do recinto, isto é, os alunos ouvintes não viam os colegas, da

mesma forma que o ouvinte não vê o apresentador de rádio. Assim, os alunos

apresentadores deveriam se apoiar em recursos de comunicação primária para

desenvolver sua atividade e os alunos ouvintes, por sua vez, deveriam estar

preparados e dispostos a compreender as apresentações.

Após as atividades, os estudantes foram estimulados a relatar suas

impressões sob o ponto de vista dos elementos estudados e se de fato cada

apresentação os utilizou de forma satisfatória. É importante destacar que a

apresentação que utilizou melhor recursos de som, gesto e voz foi aquela que

melhor resposta e avaliação positiva recebeu dos estudantes. Com o objetivo de

facilitar a compreensão do leitor quanto aos resultados da atividade, optamos por

transcrever alguns comentários dos alunos, feitos por escrito em folhas de caderno

que estão com o pesquisador, a cada uma das apresentações, bem como realçar

elementos citados por eles que indicam a compreensão de cada um sobre o tópico

abordado. São apresentados os depoimentos dos alunos-apresentadores e, em

seguida, dos alunos-ouvintes. Uma análise mais pormenorizada será feita após os

relatos e comentários da segunda escola.

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Primeiro ano – Culinária Egípcia, Cobra-Cega e Direito

Apresentadoras:

As estudantes Alice e Giovanna, que apresentaram o trabalho, afirmaram

que o tema foi escolhido pois queriam ―aprofundar os interesses sobre a cultura egípcia‖

e que a forma como a receita foi passada ―faz com que o ouvinte imagine como ela é‖.

Disseram, ainda, que a música ―é relaxante e muito comum no lugar‖. Nota-se, portanto,

o real entendimento que as estudantes tiveram sobre a atividade proposta e, mais

ainda, sobre os conceitos apresentados. As duas utilizaram uma música do próprio

smartphone para servir de trilha sonora para a apresentação. Houve também

preocupação com a interpretação, o que teve reflexos nas impressões dos colegas

sobre a apresentação.

Ouvintes:

“Eu gostei do grupo, a trilha sonora ajudou a imaginar a cultura dos

egípcios e também a culinária. O seu jeito de falar convence o ouvinte a escutar

mais sobre ambos os assuntos e faz imaginar esta receita, bateu até uma fome”,

Gabriel.

“Achei legal a forma como a „matéria‟ foi passada, de forma lenta, com

música ao fundo, ajuda a montar um cenário em nossa mente, facilitando a

compreensão do assunto”, Isabela.

“A música egípcia contribuiu para a construção mental do doce...”,

Pablo.

“As alterações de voz determinaram quais sensações queriam passar

para o ouvinte, além de forçar seus sentidos perante ao assunto falado”, Vinicius.

“Quando eu estava ouvindo a apresentação delas, parecia que o cheiro do

bolinho estava presente ali... eu via a imagem do bolinho”, Julyana.

Os relatos sobre as outras apresentações, que acompanharemos a seguir,

demonstram o entendimento dos alunos em relação ao exercício proposto, porém

indicam que a falta do som ou de elementos que contribuem para que ele exista é

algo percebido por quem o recebe e não por quem poderia emitir esse som. Os alunos

demonstram um comportamento passivo em relação ao som. Este não integra o rol de

possibilidades de comunicação de quem produz o evento comunicacional, mas é

sempre esperado por quem o recebe.

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Apresentadoras:

As alunas Isabela e Milene disseram que escolheram narrar algo sobre o

jogo ―Cobra-Cega‖ por ser algo ―dinâmico, fácil e divertido de falar‖. O que se

percebe, porém, é que as impressões dos colegas de sala sobre a apresentação vão

de encontro às expectativas das duas, que não utilizaram nenhum recurso sonoro

para a apresentação.

Ouvintes:

“Forçado, não aparentavam estar falando com alguém”, Alice.

“Foi interessante, mas faltou entonação”, Giovanna.

“Faltou algum som ou música característica sobre o assunto”,

Carolina.

“Eu imaginei os participantes brincando (...)apesar de que sem uma

música ou coisa do tipo, foi bem complicado imaginar”, Camila.

“Faltou uma trilha sonora de fundo, a linguagem não foi muito boa,

porém o conteúdo foi interessante”, Matheus.

Apresentadora:

A apresentação sobre o curso de Direito foi feita por uma única aluna e os

comentários estavam relacionados à falta de elementos sonoros que motivassem

uma maior atenção ao tema. A apresentadora Giovanna destaca: “A maior

dificuldade foi na hora de explicar, por não ter um contato visual com o ouvinte e não

saber se a informação está clara”.

Ouvintes:

“Falta de elementos comunicativos” e “falta de conteúdo imaginário”, Alice.

“Uma ótima explicação (...), mas ficou uma coisa vazia, meio repetitiva,

sem harmonia”, Daniel.

“Uma pequena entrevista com um advogado viria bem a calhar, mas teve

uma boa explicação, só faltou sentimento na palavra”, Vinicius.

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Segundo ano – Dia Internacional da Mulher, Dragon Ball e Palmeiras

Apresentadoras:

Falaram sobre o Dia Internacional da Mulher as alunas Bruna e Victória.

As duas classificaram a apresentação como boa, mas com a ausência de alguns

exemplos para que ―a imaginação das pessoas fosse um pouco mais ampla‖. A

aluna Victória disse que ―o ruim foi que eu, em vez de interpretar, li e acho que isso

atrapalhou‖.

Ouvintes:

“O fato de ter sido uma apresentação lida e não natural afetou

negativamente‖, Lucas.

Ana Beatriz disse que o que mais dificultou o entendimento foi “a rapidez

com que o texto foi lido”, mas o texto “estava bem estruturado”.

A aluna Larissa afirma que as colegas poderiam ter falado

“pausadamente, contando realmente a história, sem ficar lendo e errando

algumas palavras”.

“As duas falaram muito bem, com um tom de voz não muito alto nem

muito baixo, no volume certo”, Fillipe.

“Como não tem alguém físico para você olhar, acaba facilitando a

dispersão, mas fora isso foi muito bom”, Caio Henrique.

“Elas deveriam ter falado e explicado sem ler, mas foi uma apresentação

boa com exemplos e datas”, Isabela.

“Foi complicado entender a entonação da voz delas, principalmente por

não estarmos vendo as alunas”, Letícia.

“Para uma rádio, falta um pouco de som de entonação, som de fundo”,

Gabrielle.

“Poderia ter ao fundo uma música de superação, que fosse apenas

instrumental”, Olívia.

“Tom de voz muito baixo e sem efeitos sonoros ou entonação de voz, o

que é típico do rádio”, Tábata.

“Quando se trata de ouvir, a leitura de textos deve ser feita

pausadamente (...) para que os ouvintes consigam visualizar e entender o que

foi dito”, Isabella.

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Apresentador:

O aluno Lucas, um dos integrantes do grupo que fez a apresentação

sobre Dragon Ball Z, afirma: “A apresentação sobre Dragon Ball foi excelente. Pra

fazer o trabalho, dividimos um pedaço da história e depois improvisamos. As cartas

foram importantes para saber o que os alunos queriam”. As cartas a que se refere o

estudante foram sugeridas de surpresa pelo pesquisador durante a apresentação,

como se elas de fato tivessem chegado à redação ou ao estúdio. O pesquisador

então lia a "carta" e solicitava que os narradores descrevessem melhor os

personagens, simulando uma situação típica de rádio.

Ouvintes:

“Eles falaram muito rápido, falaram com as vozes dos personagens, o

que é muito importante”, Priscila.

“Eles souberam ‘mostrar’ pra gente como é cada personagem e o seu

papel do Dragon Ball”, Diego.

“Não havia uma ordem de explicação, havia palavras repetidas,

conversas paralelas entre os ‘radialistas’, Ana Beatriz.

“Somente um dos integrantes falou com entusiasmo, seria legal tocar a

música de entrada”, Emmily.

“Escolheram um tema divertido, gostei da coragem deles de não terem

lido; com as cartas do ouvinte, deu para entender melhor a história e os

personagens”, Isabela.

“As cartas foram importantes para compreendermos visualmente a

história”, Letícia.

“Com as cartas que chegaram, facilitou a imaginação do que eles

estavam falando”, Caio Henrique.

“A explicação foi bem confusa, mas como eu lembrava da história, deu para

pegar umas partes e lembrar....as cartas dos leitores foram essenciais,

principalmente para aqueles que nunca viram o desenho”, Sabrina.

“Falta estruturação do texto, efeitos especiais”, Gabrielle.

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Apresentadora:

A aluna Ingrid quis falar sobre o time de sua preferência: ―Eu falei sobre o

Palmeiras, pois é um dos principais times do Brasil, o clube que torço, além de envolver

o futebol e uma área que me interessa que é o jornalismo esportivo‖.

Ouvintes:

“Achei uma boa apresentação porque ela falou devagar e com calma... se

tivesse tocado o hino ou grito da torcida de fundo, teria passado mais

emoção”, Caio Henrique.

“Acho que ela se enrolou na hora de explicar, falou muito baixo e acho

que deveria ter hino de fundo”, Nikolas.

“Achei que seria legal se tivesse tocado o hino, porque se alguma

pessoa ligasse o rádio depois de ter começado não saberia de imediato o

tema”, Filippe.

“O som ao fundo incomodaria as torcidas rivais, que são maioria, mas

em uma homenagem cairia bem”, Lucas.

“Um assunto muito interessante para mim, pois fala sobre o Palmeiras,

meu time do coração. Poderia, como é um programa de rádio, ter alguns sons de

fundo”, Wilson.

“Ao fundo, poderia ter o som de uma torcida no estádio, para dar uma

animada”, Olívia.

“Acho que faltou um tanto de empolgação na voz dela e também alguns

sons como o ‘gooool‟ ou ainda o hino do time”, Bruna.

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4.2. Escola Estadual Professora Therezinha Sartori

Na Escola Professora Therezinha Sartori, de Mauá, São Paulo, o contato do

pesquisador ocorreu de maneira distinta por questões de agenda de ambas as partes;

uma semana antes das apresentações dos estudantes, um material em diapositivos,

que seria utilizado para explicar o trabalho aos alunos, foi enviado para a direção da

escola. Com o material em mãos, a diretora, Rita de Fátima Sola, pediu à professora de

Literatura, Helena Yukie Kanomato, que o estudasse e orientasse os alunos a preparar

uma apresentação para o pesquisador, mesmo sem uma explicação inicial por parte

deste, como ocorrera no Educandário Nossa Senhora Aparecida. Na Escola Professora

Therezinha Sartori foram preparadas duas únicas apresentações, sob a supervisão da

professora Helena, de Literatura: uma sobre a obra ―O Cortiço‖, de Aluísio Azevedo, e

outra sobre o ―Auto da Barca do Inferno‖, de Gil Vicente.

Apresentadora:

A aluna Bianca Kemmlly, do terceiro ano, fez a apresentação sobre ―O

Cortiço‖: ―Minha apresentação seria melhor se tivesse recursos de imagem, som de

fundo ou algum tipo de encenação‖.

Ouvintes:

“A apresentação de „O Cortiço‟ foi criativa e interessante, pois a menina que

falava as notícias conseguiu transmitir com o tom de um radialista. Porém, em alguns

momentos ela falava com um ritmo ‘robótico‟, em sua voz não dava para diferenciar

se estava indignada, calma, feliz, triste”, disse Amanda.

“Na primeira apresentação, a minha sensação foi que eu estava na frente de

uma televisão, assistindo um telejornal com notícias cotidianas”, Edmilson.

“Sobre „O Cortiço‟, a menina utilizou bem ao enfatizar algumas palavras

quando era necessário, além da entonação na voz ao relatar as notícias”, Natália.

“Na primeira apresentação, O cortiço, faltou mais expressão na voz da

locutora, mais intensidade de acordo com o acontecimento”, Raquel.

“Na primeira apresentação, não consegui formar a imagem na mente,

mas as histórias contadas no jornal eram ótimas”, Brenda.

“Na obra, „O Cortiço‟, a repórter narrava a notícia como se aqueles fatos

realmente tivessem acontecido, a entonação da voz recordava um rádio jornal.

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Suas notícias pareciam ser verdadeiras e que haviam sido investigadas por um

jornalista real”, Letícia.

“A apresentação da Bianca prendia minha atenção, porque eu imaginava

cada cena facilmente”, Amanda.

“Na apresentação de „O Cortiço‟, não consegui compreender muito bem o

que estava sendo falado, porque a repórter falava um pouco rápido em alguns

momentos”, Donovan.

Apresentador:

A apresentação sobre ―O Auto da Barca do Inferno‖ foi feita pelo aluno

Eduardo, do terceiro ano: ―‗O Auto da Barca do Inferno‘, de Gil Vicente, foi minha

apresentação, fiz uma radionovela, com adaptações criadas por mim. E como

ninguém me veria, pude fazer diferentes entonações de vozes, dar risadas maléficas

e sarcásticas, com tom de um ser muito orgulhoso de seu papel em definir o destino

dos mortos, e usar efeitos de som, como mexer nos papéis, procurando as

acusações dos condenados, nos passos ou nas respirações pesadas‖.

Ouvintes:

“Na segunda apresentação do „Auto da Barca do Inferno‟, o garoto que

apresentou já tinha uma personalidade em sua voz, ele dava uma gargalhada que

mostrava uma característica do personagem (o diabo). A única coisa que faltou

foi o som do ambiente, como os outros personagens levantando da cadeira,

caminhando para o inferno, purgatório e céu. Experimentar a sensação de estar

ouvindo o rádio foi muito legal, apenas ouvir e ficar imaginando tudo na minha

mente foi bacana”, Amanda.

“Na segunda apresentação, tive a sensação de estar em uma sala de

julgamento, onde o juiz anunciava as sentenças aos condenados. A risada

sarcástica de quem estava apresentando deu a impressão de ser uma pessoa

ruim. Eu gostei muito de participar da experiência”, Edmilson.

“O narrador estimulou a maneira de entender a apresentação e o diabo, com

suas risadas, mostrava um sarcasmo diante dos condenados”, João.

“A segunda apresentação, „Auto da Barca do Inferno‟, me fez imaginar e

compreender mais facilmente o texto, na forma de falar, as risadas irônicas, fez

que o entendimento fosse mais claro”, Raquel.

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“Na segunda apresentação, fechei bem os olhos e, a partir daí, me

concentrei bastante no que estava ouvindo e realmente parecia que estava ouvindo

o rádio, e pelo jeito da voz do Eduardo e principalmente as risadas ajudaram

bastante a descontrair a cenas contadas, pois eram muito intensas”, Brenda.

“A risada do Diabo foi o mais impressionante, algumas vezes cheguei a

me arrepiar. Alguns elementos sonoros poderiam ser inseridos nesta

apresentação para acrescentar mais realidade a encenação”, Letícia.

Os alunos da Escola Professora Therezinha Sartori foram orientados pela

professora Helena Yukie Kanomato, cujo depoimento sobre a atividade realizada na

escola está a seguir:

―O professor, quando entra em uma sala de aula, precisa antes pensar quais recursos utilizará para que o aprendizado aconteça, que tipo de linguagem é a ideal para que a compreensão seja completa, quais técnicas de ensino realmente irá tornar o aprendizado prazeroso. Quanto mais interessante e desafiadora a atividade for para os alunos, a participação deles é mais proveitosa. A participação dos alunos na atividade de experimentar a linguagem utilizada no rádio tornou a aula diferente e enriquecedora, pois quando propus a tarefa aos alunos Bianca e Eduardo, eles não tinham ideia que fariam um programa de rádio, pois eu não queria podar a mente criativa; à medida que as trocas de informações foram acontecendo, fui moldando para que ficasse com o formato que pudesse ser apresentado em um programa de rádio ou de televisão. E o mais interessante é que em nenhum momento os alunos perguntaram ‗vai valer nota?‘, como é típico de muitos educandos. Eles aceitaram porque era um desafio para os dois, que fizeram com prazer, já que era uma chance de ambos experimentarem e vivenciarem situações inovadoras e que tinham afinidades, já que tinham estudado as duas obras. Na apresentação, pude perceber que a experiência foi uma novidade também para os alunos-ouvintes‖. (21 de setembro de 2015, Mauá, SP).

Nota-se, a partir dos depoimentos acima, tanto dos alunos do

Educandário Nossa Senhora Aparecida como da Escola Therezinha Sartori, que os

estudantes, se devidamente estimulados a repensar seu repertório de recursos de

comunicação, passarão a incorporar o som como estratégia de contato com o

interlocutor e de criação de vínculos com colegas, amigos e professores. Em cada

um dos relatos apresentados, percebe-se que faltam ao estudante chances de

cultivar o som e valorizar o ouvir em exercícios escolares. As atividades que

normalmente estão baseadas apenas na escrita e na imagem podem ter o som

como ponto de partida. E, neste caso, incluem-se o som da voz com boa entonação,

em que se reconhece o saber, o conhecimento sobre algum tema.

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Esse necessário cultivo do som está ligado à necessidade de uma postura

ativa por parte do aluno em relação a esse elemento da comunicação primária, isto é, o

som não pode ser algo apenas esperado por ele e, sim, algo que ele ofereça como

parte integrante de sua expressão. É certo que tal não se dará de forma simples, como

ocorre com a voz ou com o gesto, mas, em casos de atividades escolares e outros tipos

de exercício, o estímulo a essa produção criativa deve ser valorizado. Como foi possível

concluir, a maioria dos alunos reconhece que o som tem participação fundamental na

formação de uma mensagem; no entanto, falta aos estudantes um real conhecimento

sobre como aplicar esse recurso em atividades escolares.

Mas o som não deve ser valorizado apenas sob o ponto de vista da boa

trilha sonora ou de algum efeito sonoro que remeta a algum tema em estudo. Na

verdade, o ouvir deve ser valorizado como forma de alertar o aluno sobre qualquer

atividade ou exercício que a ele seja proposto. Mais do que prestar atenção no que

se lê, deve-se prestar atenção no que se ouve ao ler. Que sejam propostas

atividades em que um colega leia para o outro o enunciado do exercício de modo a

fazer com que ambos possam ouvir, tanto aquele que lê como aquele que escuta. A

performance de cada um dos colegas em sala de aula ao ler o enunciado de uma

atividade é fator que contribui para o entendimento de um tema qualquer e deve ser

valorizado pelo professor. A valorização do som e, portanto, do ouvir em sala de

aula proporciona ao aluno a possibilidade de compreender melhor um tema,

relacionar este tema com outros e assim por diante. Esse estímulo à sensorialidade

significa uma alternativa a mais de aprendizado. Nesse sentido, o professor Norval

Baitello faz menção a três teóricos e estudiosos sobre o som e afirma:

―Vamos reunir a opinião de Berendt a respeito do som enquanto ‗massagem sonora‘, e que o ouvir é uma estimulação tátil, com a demonstração de Montagu, segundo a qual nosso corpo precisa da estimulação tátil para o funcionamento do seu sistema nervoso e portanto da sua sensorialidade. E vamos ainda retomar a consideração de Sacks: com a audição constroem-se nexos, proposições. Descobrem-se, desvendam-se sentidos‖ (BAITELLO, 1997, p. 22).

O que se busca, portanto, é o som que garanta o aprendizado ou que, ao

menos, motive a busca pelo conhecimento, o som que faça massagem na vontade

de saber mais e estimule um jogo de aprendizado sempre desafiador para o aluno.

O professor José Eugenio Menezes (2012, p.33) diz que ―o cultivo do ouvir pode

enriquecer os processos comunicativos hoje muito limitados à visão e nos ajudar a

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viver melhor num mundo marcado pela abstração‖, para em seguida sugerir que se

repensem ―posturas na compreensão dos vínculos sociais, das relações

pedagógicas e das práticas dos profissionais da comunicação‖. É certo, parece-me,

que o repensar de posturas na compreensão das relações pedagógicas vai ao

encontro da proposta desta pesquisa, isto é, o cultivo do ouvir deve existir não só

por parte do aluno, mas também por parte do professor a partir de sua forma de

ensinar, de ler, de explicar, de dar destaque a um aspecto de um texto complexo ou

de uma frase simples qualquer. E assim deve ser não apenas nas aulas de

Português ou outra disciplina da área de Humanas. A boa entonação, o gesto

correto e o saber ouvir contribuem para o entendimento de qualquer disciplina. Não

é sem razão que se diz que, na maioria dos casos, a resposta, ou boa parte dela, a

um exercício está em seu próprio enunciado e, como já dito, mais do que ler, deve-

se ouvir com atenção.

O rádio, como mídia terciária, tem a função de despertar no jovem a

senso criativo para gerar seu próprio conhecimento e não apenas servir de fonte de

lazer no intervalo das aulas. Se o aluno não está acostumado a ouvir o rádio

tradicional, como faz seu pai ou seu avô, certamente tem acesso aos aparatos como

smartphones e outros suportes que podem servir de ponto de partida para a criação

de programetes e atividades em que se valorize o som, a voz e o gesto como fatores

que ajudem a compreender uma disciplina ou um tema qualquer que esteja em

estudo. Caberá ao professor mediar, depois de bem orientado, atividades que

tenham como foco principal o som como forma de expressão e, portanto, o ouvir

como estratégia de aprendizado. Esse aprendizado, em sala de aula, será fator de

aproximação entre os colegas, gerando maior sociabilidade entre os integrantes da

turma, mesmo os mais tímidos, que terão o som como uma maneira lúdica de expor

suas ideias e interagir com os colegas. Esses mesmos programetes, produzidos

pelos próprios alunos — o que é comum em muitas escolas — geram oportunidades

de vínculos por meio da troca de informações e da possibilidade de um grupo

apontar equívocos e sugerir ideias para o trabalho de outro grupo, o que significa o

aluno ser ―corrigido‖ pelo próprio colega sem a necessidade da interferência pesada

do professor. Da mesma forma, ao se valorizar o som, não se deixa de dar valor à

palavra, porque a palavra mal pronunciada e mal escrita — ou escrita

incorretamente —, é uma palavra que não se quer ouvir e, assim, deve ser retirada

do repertório sonoro em sala de aula.

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Os exercícios mostraram também, por outro lado, que a boa comunicação

por meio do gesto, da voz e do som independe da presença real de elementos do

rádio no espaço físico da escola. A performance tem a ver com o desejo e o

envolvimento com a atividade e até com a disposição para criar ou perceber efeitos

sonoros com objetos encontrados no ambiente no momento do exercício ou mesmo

no próprio corpo.

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5. Considerações finais

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Esta pesquisa propôs investigar de que forma a comunicação por meio do

gesto, do som e da voz bem como os processos de produção e emissão sonora

podem ser utilizados como recurso pedagógico em salas de aula do Ensino Médio

no Brasil. Ao longo de nove anos — entre os 15 do Prêmio Escola Voluntária — de

envolvimento efetivo com jovens que estão nessa faixa etária, percebemos que mais

do que um tema que tenha servido apenas como fator de aprendizado momentâneo

para a execução de uma tarefa específica de uma das etapas do Prêmio — a

gravação de reportagens sobre os trabalhos de ação social de cada escola —, havia

uma grande oportunidade pedagógica a ser explorada. Mas não bastava levar o

rádio para dentro da escola como recurso de ensino, pois se trata de ideia já bem

desenvolvida em muitas delas. Ao priorizarmos, na seara do radiojornalismo, os

meios primários de comunicação como razão dessa investigação, era definido um

caminho que tinha como meta, em última análise, também propor formas de

melhorar os vínculos sociais entre os jovens.

Há que se estabelecer diferenças claras entre as personalidades,

naturalmente, de cada indivíduo e as oportunidades, em termos de estrutura física e

de ensino que cada escola oferece e, a partir disso, inferir que, em muitas delas, as

atividades que gerem sociabilização entre os jovens são escassas ou tradicionais,

oferecendo, neste último caso, mais chance de exposição em meio social aos

estudantes supostamente mais extrovertidos. No entanto, nos exercícios propostos

nas duas escolas, Educandário Nossa Senhora Aparecida e Professora Therezinha

Sartori, foi possível notar que o som, meio primário de comunicação, oferece amplas

possibilidades de aplicação pedagógica. Não sem razão, respaldaram boa parte de

nossa argumentação as ideias de Baitello (1997) e Menezes (2012) sobre o tema.

Percebeu-se, por outro lado, que o som, desde sua percepção até as

formas de emissão, nesse caso por meios terciários de comunicação como o rádio ou

aparatos mais modernos, ainda é algo que é encarado pelo estudante ou por quem

não atue na área de forma passiva. Todos sentem falta de ouvir o som, o som ainda é

o barulho do ambiente, a voz do professor; muitos esquecem de usar o som para se

comunicar. Para que isso ocorra, é necessário cultivar o ouvir, entender o que o som

fala e fazê-lo falar por si e, portanto, falar pelos mais introvertidos, não porque não

possam se expressar, mas porque podem usar as sonoridades de forma lúdica.

Tais sonoridades estão também na voz, bem articulada e bem postada, e

no gesto, adequado ao que se fala, adequado a uma imagem sonora. Essa tríade,

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se bem compreendida pelo jovem, dá a ele estofo para se expressar melhor e para

estabelecer vínculos de comunicação mais consistentes em um ambiente bastante

significativo para ele: a escola. Do mesmo modo que o ouvinte de rádio é fiel à sua

emissora e se vincula à sua estação preferida a partir de sua linha editorial e

característica de programação, a fidelização em sala de aula pode ocorrer a partir de

temas do cotidiano escolar ou das disciplinas em estudo. Significa dizer que os

vários projetos de rádio-escola existentes pelo país, de muito sucesso, podem

encontrar em nosso estudo uma maneira a mais de compreender como se processa

a comunicação radiofônica.

Um outro aspecto importante, sob o ponto de vista do ensino, é a

possibilidade que esta proposta oferece de integração entre as disciplinas, porque,

hoje em dia, o rádio também estabelece pontos de convergência entre vários temas

do noticiário. Ao articular os conhecimentos de física e matemática, por meio de

programas de rádio na escola, o jovem aprende mais e estabelece vínculos e

conexões mais concretas com o colega por meio do conhecimento. Nesse sentido,

Morin diz que:

―Devemos ‗ecologizar‘ as disciplinas, isto é, levar em conta tudo oque lhe é contextual, aí compreendidas as condições culturais e sociais. É necessário que vejamos em que contexto elas nascem. (...) Não se pode jogar fora o que foi criado pelas disciplinas, não se pode quebrar todas as clausuras. Este é o problema da disciplina, da ciência e da vida: é preciso que uma disciplina seja ao mesmo tempo aberta e fechada‖ (MORIN, 2009, p. 51).

É necessário que o estudante aprenda a enxergar relações entre as

disciplinas e encontre respostas para perguntas de uma matéria escolar em outra.

Para que cada estudante demonstre ter, de fato, adquirido esse conhecimento e

consiga assim demonstrar isso por meio do gesto, do som e da voz, isto é, do corpo,

ele terá de buscar aprender, mesmo que ouvindo o outro. Se ―toda comunicação

começa no corpo e nele termina‖ (PROSS apud BAITELLO, 2008, p. 95), alunos

devem ser incentivados a encontrar nele formas de comunicação, o que se percebeu

possível a partir de nossas experiências em sala de aula, um ambiente de ―pulsante

corporeidade‖ (BAITELLO, 2008, p. 97).

Dessa forma, as teorias que embasam esta pesquisa, se adaptadas ao

contexto escolar, isto é, se forem didatizadas, podem servir como um manual de

estratégias de ensino para o professor, que pode usar esse recurso de forma

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criativa, seja para contextualizar um tema, seja para discutir os gêneros textuais.

Como já exposto, ao propor que os estudos sobre a cultura do ouvir nos fazem

refletir sobre as relações pedagógicas, Menezes (2012) oferece à escola a

oportunidade de pensar que o desenvolvimento do estudante e as formas de

aprendizado também passam pelo uso do som em todas as suas possibilidades.

Não se trata, de forma alguma, de deixar a escrita de lado, seja sob o ponto de vista

da forma, seja sob o ponto de vista do conteúdo. Radialista precisa saber escrever

sim! Até porque, em grande parte das vezes, escreve para o outro. Portanto, aluno

que escreve textos de rádio em atividades escolares precisa saber o que redige e,

principalmente deve ter a capacidade de reconhecer que som uma palavra tem, a

ponto de decidir por seu uso ou não.

Outro aspecto importante de uma atividade que inclua o rádio em sala de

aula é a chance que o professor tem de apenas mediar o conhecimento,

direcionando as atividades em sala, já que alguns alunos, no papel de ouvintes,

podem desempenhar o papel ―fiscalizador‖ de uma audiência que prima pela boa

informação, esta a cargo dos alunos no papel de apresentadores. Há a clara chance

de uma avaliação de conhecimento muito mais interativa ao nível exclusivo dos

jovens. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio demonstram a

importância de o estudante, nessa fase escolar, construir seu conhecimento a partir

de ―aproximações sucessivas‖ e‖ erros construtivos‖, conforme segue:

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A atividade construtiva, física ou mental, permite interpretar a realidade e construir significados, ao mesmo tempo que permite construir novas possibilidades de ação e de conhecimento. Nesse processo de interação com o objeto a ser conhecido, o sujeito constrói representações, que funcionam como verdadeiras explicações e se orientam por uma lógica interna que, por mais que possa parecer incoerente aos olhos de um outro, faz sentido para o sujeito. As ideias ―equivocadas‖, ou seja, construídas e transformadas ao longo do desenvolvimento, fruto de aproximações sucessivas, são expressão de uma construção inteligente por parte do sujeito e, portanto, interpretadas como erros construtivos. A tradição escolar — que não faz diferença entre erros integrantes do processo de aprendizagem e simples enganos ou desconhecimentos — trabalha com a ideia de que a ausência de erros na tarefa escolar é a manifestação da aprendizagem. Hoje, graças ao avanço da investigação científica na área da aprendizagem, tornou-se possível interpretar o erro como algo inerente ao processo de aprendizagem e ajustar a intervenção pedagógica para ajudar a superá-lo. A superação do erro é resultado do processo de incorporação de novas idéias e de transformação das anteriores, de maneira a dar conta das contradições que se apresentarem ao sujeito para, assim, alcançar níveis superiores de conhecimento. O que o aluno pode aprender em determinado momento da escolaridade depende das possibilidades delineadas pelas formas de pensamento de que dispõe naquela fase de desenvolvimento, dos conhecimentos que já construiu anteriormente e do ensino que recebe. Isto é, a intervenção pedagógica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem realizar em cada momento de sua aprendizagem, para se constituir verdadeira ajuda educativa. O conhecimento é resultado de um complexo e intrincado processo de modificação, reorganização e construção, utilizado pelos alunos para assimilar e interpretar os conteúdos escolares. Por mais que o professor, os companheiros de classe e os materiais didáticos possam, e devam, contribuir para que a aprendizagem se realize, nada pode substituir a atuação do próprio aluno na tarefa de construir significados sobre os conteúdos da aprendizagem. É ele quem modifica, enriquece e, portanto, constrói novos e mais potentes instrumentos de ação e interpretação (BRASIL, 1997).

Se ao aluno, portanto, é oferecida a chance de construir o conhecimento

por meio de exercícios de rádio com a intervenção pedagógica adequada o

professor, há uma forma a mais de o jovem assimilar, interpretar e, o mais

importante, fazer o uso do conhecimento em atitudes na escola, na vida pessoal e

na vida profissional.

A melhora das relações interpessoais é outro aspecto importante a que

essa pesquisa se propôs. No rádio, as divisões de tarefa são claras, como em

qualquer área profissional e, da mesma forma, a interdependência entre uma função e

outra existe. Quanto mais claro estiver para o aluno que seu trabalho de redação, de

escolha da palavra, de escolha do som tem influência decisiva no trabalho do colega,

melhor ele estará preparado para reconhecer esses aspectos na vida profissional. Por

certo que existem várias atividades que contribuem para o desenvolvimento do jovem

nesse quesito, mas o rádio se coloca como alternativa interessante.

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A leitura em sala de aula, a falta de interpretação do que se lê e os erros

simples de ortografia também motivaram a realização dessa pesquisa e, em menor

escala, percebeu-se que a interação entre os alunos pode abrir um caminho para

que esses temas sejam abordados de maneira mais objetiva em sala de aula. Uma

aproximação ainda maior entre comunicadores e educadores é necessária para que

cada um encontre no outro a melhor maneira de articular esses saberes com

benefícios práticos para o estudante.

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6. Referências bibliográficas

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