Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016

    htp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3508

    Por que o Programa Minha CasaMinha Vida s poderia acontecer

    em um governo petista?

    Why could the Minha Casa Minha VidaProgram only have

    happened in a government headed by the Labor Party?

    Danielle Klintowitz

    Resumo

    No perodo de gesto do Partido dos Trabalhado-res (PT ) no governo federal, configurou-se uma

    dupla agenda para a poltica habitacional: a pri-

    meira ligada plataforma de reforma urbana, com

    previso de descentralizao e gesto participati-

    va, e a segunda consubstanciada na premissa de

    reestruturao do setor imobilirio, estruturada

    em uma poltica exclusiva de proviso habita-

    cional com promoo privada e financiamento

    pblico. Esse modelo de governana garantiu adistribuio de benefcios a ambas coalizes que

    representavam essas agendas, alm de ter legiti-

    mado a poltica habitacional na agenda pblica.

    No presente trabalho, analisou-se a trajetria do

    principal programa habitacional desenvolvido na

    poca (MCMV), discutindo suas implicaes para

    o direito moradia e o papel dos atores do setor

    habitacional neste contexto.

    Palavras-chave:poltica habitacional; reforma ur-bana; mercado imobilirio; Programa Minha Casa

    Minha Vida; coordenao de interesses.

    AbstractSince the Labor Party has been governing Brazil,

    there has been a double agenda for the housing

    policy: the first one is linked to the urban reform

    platform, with a forecast of decentralization

    and participatory management, and the second

    is embodied in the premise of restructuring of

    the real estate sector, structured in an exclusive

    housing policy with private promotion and public

    funding. This governance model has ensuredthe distribution of benefits to both coalitions

    representing these agendas, and has legitimized

    the housing policy within the public agenda.

    In this paper, we analyze the trajectory of the

    main housing program developed in this period

    (MCMV), discussing its implications to the right

    to housing and the role of actors in the housing

    sector within this context.

    Keywords: housing policy; urban reform; real

    estate market; Minha Casa Minha Vida Program;

    coordination of interests.

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    Danielle Klintowitz

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    Introduo

    Historicamente, a poltica habitacional brasi-

    leira agregou em torno de si muitos interes-ses pblicos e privados. Durante o sculo XX,

    assistiu-se a uma forte articulao funcional

    no relacionamento entre Estado e setor produ-

    tivo, o que garantiu a priorizao de polticas

    habitacionais mais voltadas ao crescimento

    econmico do que ao direito moradia. Com

    a redemocratizao e a desestruturao da

    poltica federal de habitao at ento estru-turada no Banco Nacional de Habitao (BNH),

    emergiram movimentos sociais urbanos, como

    o Movimento Nacional de Reforma Urbana

    (MNRU) transformado posteriormente em

    Frum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) ,

    que conquistaram o estabelecimento de um

    progressista arcabouo jurdico para o desen-

    volvimento urbano e praticaram de forma par-ticipativa, junto com governos locais de esquer-

    da, algumas experincias de implementao no

    territrio, constituindo uma nova matriz rela-

    cional com o Estado que ficou conhecida como

    o modo petista de governar.

    Com a ascenso ao governo federal do

    Partido dos Trabalhadores (PT) que teve des-

    de sua fundao uma estreita relao com osiderios da reforma urbana, criaram-se amplas

    expectativas nos atores ligados a essa platafor-

    ma de que o novo momento representaria um

    marco de ruptura no legado histrico da pol-

    tica habitacional voltada ao desenvolvimento

    econmico e o incio de um ciclo virtuoso de

    implementao do modo petista de governar

    na escala federal.

    Ao tornar-se Presidente da Repblica,

    Luiz Incio Lula da Silva reconhecendo, de

    maneira inovadora, os movimentos de moradia

    como playersdo setor, conformou uma estra-

    tgia de coordenao de interesses ousada,colocando na mesa de negociao movimentos

    de moradia e setor produtivo, coalizes com in-

    teresses historicamente opostos.

    Estruturou-se, apoiado nesse contexto,

    um programa habitacional o Minha Casa

    Minha Vida (MCMV) que ganhou status de

    poltica por seu vigor de recursos e apoio mul-

    tifacetado conquistado. O desenho desse pro-grama atendeu necessidade de sustentao

    da reestruturao do setor produtivo da cons-

    truo civil e mercado imobilirio, que estava

    em curso, com investimentos keynesianos que

    impactaram a sustentao macroeconmica

    do pas, dialogando pouco com as necessida-

    des habitacionais das cidades brasileiras e com

    o Sistema Nacional de Habitao de InteresseSocial (SNHIS) que estava em construo desde

    2005.

    No entanto, apesar dos ganhos assim-

    tricos conquistados pelos movimentos de mo-

    radia em relao coalizo do setor produtivo

    e do enfraquecimento definitivo do SNHIS, a

    coordenao de interesses que se estabeleceu

    no MCMV tornou-se extremamente eficientee se expandiu para alm dos interesses dessas

    coalizes, sendo capaz de se ramificar em v-

    rias escalas de coordenao: entre o setor p-

    blico e privado; entre os diferentes ministrios;

    entre Unio e municpios.

    Esse arranjo que se estabeleceu ento

    foi capaz de garantir que ambas as agendas

    concorrentes de reforma urbana e do setor

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    produtivo convivessem de maneira articula-

    da, mesmo que preservassem suas contradi-

    es. Criou-se um imbricamento cooperativo

    que permitiu construir uma poltica habitacio-

    nal que se tornou uma das principais forasdesse governo.1

    Com o arranjo criado nesse ambiente,

    estabeleceu-se um regime de poltica (Couto

    e Abrucio, 2003) no qual se alcanou um enten-

    dimento quase hegemnico acerca da poltica

    habitacional com seu lastreamento em inte-

    resses objetivos dos atores envolvidos. Assim,

    neutralizaram-se possveis conflitos dos ato-res e suas coalizes com Estado, imbricando e

    engendrando-os na defesa da prpria poltica,

    mesmo que apenas parte dessa fosse conve-

    niente para concretizao de seus interesses e

    que apenas parte de seus interesses fosse efeti-

    vamente atendida.

    Neste artigo, busca-se discutir como se

    deu essa coordenao de interesses na cons-truo e implementao do Programa Minha

    Casa Minha Vida e quais os rumos que a pol-

    tica habitacional nacional tomou a partir dessa

    nova configurao.

    MCMV: entre o direito moradia e reestruturaodo setor produtivo

    No contexto de euforia do mercado imobilirio

    com o aumento dos recursos disponveis e com

    a reforma institucional que garantia a seguran-

    a dos negcios e lanamentos grandiosos, a

    crise internacional do subprime de 2008 amea-ou a possibilidade de venda dos empreendi-

    mentos em construo, impondo ainda srias

    dificuldades financeiras s grandes empresas

    que naquele momento detinham grande soma

    de investimentos imobilizados em bancos de

    terra.

    Nesse cenrio, a conjuntura econmicafoi o pretexto determinante para ampliao

    dos mecanismos e volume de recursos destina-

    dos ao setor habitacional. Atravs do MCMV,

    com o objetivo explcito de socorrer o setor

    produtivo da construo civil e mercado imo-

    bilirio e evitar o aprofundamento da crise do

    mercado, o governo federal colocou o proble-

    ma da habitao definitivamente nos termospropostos pelo setor imobilirio. Segundo

    dados do Ministrio do Planejamento (Brasil,

    2014), entre 2009 e 2014 foram investidos

    R$251,8 bilhes no MCMV, considerando os

    subsdios diretos e linhas de crdito disponibili-

    zadas. Esses recursos foram responsveis pela

    contratao de 3,75 milhes de unidades habi-

    tacionais em todo o Brasil.O MCMV foi elaborado pela Casa Civil e

    pelo Ministrio da Fazenda, em dilogo direto

    com os setores imobilirios e da construo,

    desconsiderando diversos avanos institucio-

    nais na rea de desenvolvimento urbano, bem

    como a interlocuo com o restante da socie-

    dade civil. O Ministrio das Cidades (MCida-

    des) que tinha na sua origem um forte imbri-camento com os atores ligados plataforma da

    reforma urbana foi posto de lado na concepo

    inicial, sendo chamado a contribuir apenas de-

    pois de elaborada a macroestrutura de funcio-

    namento do Programa.

    Inicialmente pensava-se em uma estra-

    tgia destinada apenas s famlias de estratos

    mdios com renda acima de trs salriosmnimos (SM) com possibilidade de aces-

    so a financiamentos e que necessitavam um

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    percentual menor de subsdio atrelado a eles.

    Como se tratava de um programa destinado

    a reduzir as perdas financeiras do setor pro-

    dutivo, os empresrios do setor no queriam

    correr riscos. No entanto, o MCidades lutoupela entrada das famlias de menor renda no

    programa, o que implicava maiores subsdios

    pblicos. Os subsdios so fundamentais para

    o acesso das famlias de baixa renda ao mer-

    cado habitacional e, ao mesmo tempo, trazem

    vantagens tambm ao setor produtivo que tem

    o mercado habitacional ampliado com famlias

    que de outra maneira estariam fora.O Presidente Lula, orientado pela busca

    de solues de arbitragem que caracterizou seu

    governo (Singer, 2012), viu a uma possibilida-

    de tambm de ganho de capital poltico junto

    base de menor renda, alm da ampliao do

    mercado habitacional fundamental para as em-

    presas do setor. Assim, criou-se um programa

    com um patamar histrico de subsdios para asfamlias com renda de at trs SM.

    No entanto, o modelo do MCMV im-

    plementado privilegiou a concesso macia

    de subsdios para faixas de renda mais altas

    (Faixa 2) que poderiam adquirir financiamen-

    tos maiores com menores percentuais de sub-

    sdio. Ao mesmo tempo, tambm se elevou a

    faixa de renda financiada pelo Fundo de Ga-rantia sobre o Trabalho (FGTS), com melhores

    condies de juros, e parte dessa demanda

    poderia ser atendida pelo Sistema Brasileiro

    de Popana e Emprstimo (SBPE),2 liberando

    recursos do FGTS com financiamento mais ba-

    rato para famlias de menor renda (Bonduki,

    2014). Assim, apesar dos expressivos subs-

    dios concebidos de maneira indita no paspara as faixas de renda mais baixas, o Pro-

    grama ainda reproduz as antigas lgicas das

    polticas habitacionais, em que o atendimento

    no distribudo de acordo com as necessida-

    des reais, mas de acordo com os interesses dos

    formuladores e implementadores.

    As metas do programa por faixa de aten-dimento pouco dialogam com o dficit habita-

    cional acumulado por faixa de renda no pas.

    Na primeira fase do Programa (MCMV1), en-

    quanto 91% do dficit estava concentrado na

    faixa 1 (renda at trs SM), apenas 40% das

    unidades produzidas destinaram-se a esse

    pblico. Como consequncia, apenas 6% do

    dficit habitacional das famlias com menorrenda foi atingindo,3enquanto 93% e 95% do

    dficit das faixas de renda mais altas (2 e 3) fo-

    ram atendidos, respectivamente. Na segunda

    etapa (MCMV2), embora a meta para a faixa

    1 tenha sido expressivamente ampliada em

    detrimento das demais faixas, o combate ao

    dficit dessas famlias ainda percentualmen-

    te muito inferior ao atendimento s famliascom maior renda.

    No modelo institucional desenhado para

    o MCMV, a anlise de projetos, bem como a

    contratao de obras e medio de etapas fina-

    lizadas parte dos procedimentos de respon-

    sabilidade da Caixa Econmica Federal (CEF),

    no cabendo aos municpios responsabilidade

    formal pelos resultados alcanados. Nesse mo-delo, o promotor do empreendimento passa a

    ser o setor privado, o poder pblico assume um

    papel apenas de financiador e organizador da

    demanda. Cabe ao mercado privado a promo-

    o dos empreendimentos habitacionais ela-

    borados de acordo com as exigncias tcnicas

    mnimas do MCMV, principalmente no que se

    refere ao clculo do valor da unidade habita-cional, de forma a se enquadrar no perfil finan-

    ciado e, ao mesmo tempo, garantir maior taxa

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    de lucro possvel em seus projetos. Nesse con-

    texto, apesar do histrico patamar de recursos

    oramentrios destinados a subsdios para

    atender a populao de mais baixa renda no

    MCMV, os empreendimentos para essa faixa de

    renda so fortemente marcados por uma lgica

    de produo do mercado imobilirio privado, o

    que nem sempre dialoga com as necessidadesrelacionadas ao direto moradia.

    Apesar de existirem outras modalidades,

    como o Programa Nacional de Habitao Ru-

    ral (PNHR), Minha Casa Minha Vida Entidades

    (MCMV-E), o Sub-50, destinado a municpios

    com menos de 50 mil habitantes e uma mo-

    dalidade para urbanizao, analisando-se os

    montantes alocados nos diferentes fundos e asunidades contratadas, observa-se que o ncleo

    central do MCMV, desde o incio, foi aquele

    voltado para as empresas que acessam direta-

    mente os recursos do FAR ou do FGTS,4moda-

    lidades com protagonismo do mercado privado

    (Brasil, 2014).

    Nestas modalidades do MCMV destina-

    das a empresas (FAR faixa 1, FGTS faixa

    2 e FGTS faixa 3), o fluxo de contratao e

    produo desenhado garantem o protagonis-mo direto das empreendedoras. A operaciona-

    lizao se d mediante o repasse de recursos

    do governo federal para construtoras, que, por

    sua vez, constroem os empreendimentos habi-

    tacionais. Mesmo na modalidade faixa 1, que

    conta com expressivos subsdios, a produo se

    d por oferta privada ao poder pblico, isto , a

    construtora define a cidade onde pretende fa-zer o empreendimento, o terreno, o projeto e o

    nmero de unidades; aprova junto aos rgos

    Tabela 1 Metas do MCMV e dficit habitacional acumuladopor faixas de renda

    MCMV 1

    Faixas de renda*Dficit

    acumulado(em %)

    Metasdo MCMV 1

    (em %)

    Dficitacumulado**

    (em mil)

    Metasdo MCMV1

    (em mil)

    % Dficitacumuladoatendido

    Faixa 1

    Faixa 2

    Faixa 3

    Total

    91

    6

    3

    100

    40

    40

    20

    100

    6.550

    430

    210

    7.190

    400

    400

    200

    1.000

    6

    93

    95

    14

    MCMV 2

    Faixas de rendaDficit

    acumulado(em %)

    Metasdo MCMV 2

    (em %)

    Dficitacumulado***

    (em mil)

    Metasdo MCMV2

    (em mil)

    % Dficitacumuladoatendido

    Faixa 1

    Faixa 2

    Faixa 3

    Total

    72

    15

    13

    100

    60

    30

    10

    100

    4.698,76

    941,05

    850,19

    6.490

    1.440

    720

    240

    2.400

    31

    77

    28

    37

    * As faixas de renda do Programa MCMV no so as mesmas faixas estabelecidas pela metodologia da Fundao Joo Pinhei-

    ro (FJP) para coleta dos dados. Enquanto o MCMV trabalha com a faixa 2 para famlias com rendimento entre 3 e 6 SM, a FJP

    faz o clculo do dficit para famlias com rendimento entre 3 e 5 SM. Optou-se por estabelecer esta relao como proxy, j

    que estas so as nicas informaes disponveis. No entanto, as anlises precisam considerar esta pequena distoro.

    ** com base no dficit habitacional 2000 (FJP, 2004).

    ***com base no dficit habitacional 2010 (FJP, 2013).

    Fonte: Elaborao prpria. FJP (2004 e 2013) e CEF (2013).

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    competentes e vende integralmente o que pro-

    duzir para a CEF, sem gastos de incorporao

    imobiliria e comercializao e sem riscos de

    inadimplncia dos compradores.

    A implementao do MCMV,o enfraquecimento do SNHISe a desarticulao aos processosde planejamento urbanoe habitacional

    Com esse desenho adotado para o programa,fortemente ancorado na promoo das ha-

    bitaes pelo setor privado, o MCMV entrou

    em choque com os princpios do SNHIS que

    era pautado pelo papel estratgico do setor

    pblico e pela descentralizao federativa, ig-

    norando em larga medida premissas e deba-

    tes acumulados em torno do Plano Nacional

    de Habitao de Interesse Social (PlanHab)(Krause, Balbim e Lima Neto, 2013; Cardoso,

    Arago e Araujo, 2011).

    Um dos impactos mais imediatos so-

    bre os programas desenvolvidos no mbito

    do Fundo Nacional de Habitao de Interes-

    se Social (FNHIS) diz respeito eliminao

    dos repasses de recursos para as aes de

    proviso habitacional para municpios e coo-perativas habitacionais, o que implicou a re-

    alizao integral da proviso habitacional

    nos termos das modalidades previstas pelo

    MCMV, e o FNHIS no pde mais ter progra-

    mas alternativos para essa modalidade. Vale

    destacar ainda que, a partir de 2010, priori-

    zou-se a alocao de recursos desse fundo

    em obras complementares a projetos em an-damento financiados com recursos do PAC,

    que inclui o MCMV, o que mostra um carter

    subsidirio do FNHIS nas decises de poltica

    habitacional (Cardoso, Arago, Arajo, 2011;

    Relatrio de Gesto do Conselho Gestor do

    FNHIS, 2013).

    Outra importante implicao para o

    FNHIS foi o esvaziamento de recursos dessefundo. Entre os anos de 2003 e 2010, rever-

    tendo definitivamente a estagnao presente

    Grfico 1 Contrataesdo MCMV 1 e 2 nas diferentes

    modalidades (%)

    Grfico 2 Contrataes do MCMVnas modalidades destinadas

    a empresas e outros (%)

    modalidadesempresas

    outrasmodalidades

    Fonte: Brasil, Balano PAC 2 4 anos de execuo.

    Dez 2014.

    Fonte: Brasil, Balano PAC 2 4 anos de execuo.

    Dez 2014.

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    no setor habitacional desde a extino do BNH

    em 1986, o investimento federal, incluindo osinvestimentos com recursos onerosos do SBPE

    e do FGTS, saltou de R$7,9 bilhes, em 2003,

    para R$101,5 bilhes em 2010 (Brasil, 2014).

    No PPA de 2012 a 2015, dos 26% dos recursos

    do Oramento Geral da Unio (OGU) alocados

    para infraestrutura, 32,6% foram destinados

    habitao, o que equivale ao montante de

    R$389,7 bilhes dedicados ao setor em quatroanos de planejamento oramentrio. Entretan-

    to, quando se observam os dados referentes

    alocao de recursos, percebe-se claramente

    que o FNHIS foi desprivilegiado, apresentando

    um significativo declnio a partir 2010, quando

    se iniciam as contrataes do MCMV.

    Os recursos crescentes para o setor habi-

    tacional so alocados em outros fundings a fimde financiar programas habitacionais PAC

    Favelas e Minha Casa Minha Vida (MCMV)

    que no integram o modelo desenhado para

    o funcionamento do SNHIS. importante res-saltar, tambm, que os recursos destinados ao

    FNHIS no s so menores em termos absolu-

    tos em relao aos outros fundingsnesse pe-

    rodo, como percentualmente sua participao

    nos recursos destinados habitao perde

    importncia, chegando a menos de 1% dos

    recursos totais oramentrios no final do pe-

    rodo estudado.Com quase a integralidade dos recursos,

    desenhou-se um programa o MCMV que

    acabou se transformando de maneira hege-

    mnica no eixo central da poltica habitacional

    no Brasil, fixando sua atuao apenas na pro-

    duo de novas moradias, atendendo plena-

    mente aos interesses do mercado imobilirio e

    da construo civil, mas relegando ao esqueci-mento outras modalidades de enfrentamento

    s diferentes necessidades habitacionais.

    Tabela 2 Recursos oramentrios executados do FNHIS,PAC e PMCMV (2006-2014)

    AnoFNHIS PAC Favelas MCMV Total

    Bilhes de R$ % Bilhes de R$ % Bilhes de R$ % Bilhes de R$

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    2013

    2014

    1

    0,3

    0,8

    1,01

    0,17

    0,51

    0,13

    0,21

    0,05

    40

    13

    23

    10

    2

    4

    1

    1

    0,2

    1,52

    1,97

    2,7

    3,88

    1,88

    2,15

    3,2

    3,65

    2,7

    60

    87

    77

    38

    22

    16

    20

    19

    14

    -

    -

    -

    5,25

    6,68

    10,98

    12,55

    15,63

    16,8

    -

    -

    -

    52

    77

    80

    79

    80

    86

    3,52

    3,27

    4,5

    10,62

    8,96

    13,84

    16,09

    19,68

    19,69

    Fonte: Elaborao prpria. SIGA Brasil - Acompanhamento da execuo oramentria da Unio, entre 2006 e 2014.

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

    8/26

    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016172

    O prprio PAC Favelas,5que priorizava

    a modalidade de urbanizao, acabou sendo

    prejudicado em detrimento do MCMV. O PAC

    tem um arranjo institucional em que os gover-

    nos locais so promotores das intervenes,tornando o processo mais lento sem propiciar

    a celeridade no retorno do capital poltico e fi-

    nanceiro empregado pelo mercado imobilirio.

    Como afirma Fix (2011), a temporalidade polti-

    co-eleitoral do MCMV parece se ajustar melhor

    ao ritmo do capital financeiro que promete

    atropelar resistncias de todos os tipos do

    que quele das lutas urbanas e dos direitos so-ciais que a urbanizao representa.

    A desarticulao da estrutura do MCMV

    aos processos municipais de planejamento ur-

    bano e habitacional suscitou o abandono des-

    ses processos de planejamento e desenvolvi-

    mento institucional que estavam em curso nas

    esferas subnacionais. O governo federal retirou

    a capacidade financeira, e consequentementedecisria e de atuao do SNHIS, em detrimen-

    to da alocao dos recursos em outro modelo,

    e, em consequncia, os municpios tambm se

    desmobilizaram no atendimento s regras des-

    se Sistema e direcionaram suas energias para a

    obteno do maior nmero possvel de unida-

    des habitacionais por meio do MCMV (Rolnik,

    Klintowitz e Iacovini, 2014).A Lei n 11.977/2009 que dispe sobre o

    MCMV, define como um dos critrios de prio-

    rizao dos municpios, alm da desonerao

    fiscal e doao de terrenos em reas consolida-

    das, a implementao de instrumentos do Esta-

    tuto das Cidades. No entanto, essas regras de

    priorizao nunca foram cumpridas. Segundo

    os entrevistados da CEF (Klintowitz, 2015), ascontrataes do Programa no adotam essas

    normativas de priorizao porque dependem

    da disposio do mercado privado em apresen-

    tar projetos nas cidades onde o negcio mais

    atrativo; e como a meta estabelecida de con-

    tratao de unidades era muito alta (3,75 mi-

    lhes somando as fases 1 e 2 do MCMV), noexistiu at o fim da segunda fase do Programa

    espao para priorizar os municpios que haviam

    cumprido essas disposies legais. As contrata-

    es obedeceram apenas a disposio de lucro

    do mercado e as anlises de viabilidade da CEF.

    O impacto MCMVsobre o direito cidade

    No entanto, na literatura sobre o tema ainda

    resta a dvida se os municpios que tinham pro-

    cessos de planejamento estabelecidos tiveram

    vantagens em relao s contraes de uni-

    dades no MCMV. Para verificar a existncia dacorrelao entre a existncia dos instrumentos

    de planejamento que estavam sendo fomenta-

    dos pelo MCidades e a contratao do MCMV

    realizou-se uma regresso linear com os dados

    de contratao disponveis (Klintowitz, 2015).6

    Alm de verificar a correlao entre instrumen-

    tos de planejamento e o nmero de unidades

    contratadas no mbito do MCMV nos munic-pios brasileiros, nessa regresso buscava-se in-

    ferir o que explica o sucesso da contratao

    do Programa nos diferentes municpios bra-

    sileiros, j que os dados mostram que alguns

    municpios extrapolaram o atendimento de

    suas metas, enquanto outros no conseguiram

    contratar nem a metade da meta estipulada.

    Para verificar o sucesso das contrataesem alguns municpios, coletou-se variveis que

    poderiam explicar maiores contrataes de

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

    9/26

    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 173

    unidades habitacionais no MCMV em alguns

    municpios em detrimento de outros. Para ava-

    liar a contrao em cada municpio brasileiro

    foi utilizado um banco de dados fornecido pela

    CEF. Esse banco de dados continha informaessobre todas as unidades habitacionais contra-

    tadas na primeira fase do MCMV que finalizou

    com 1 milho de unidades em maio de 2011.

    Como varivel dependente elaborou-se um

    ndice de sucesso de contrataes que foi

    calculado a partir da diviso do nmero de

    unidades contratadas pela meta estabelecida

    pelo governo federal em nmero de unida-des. Como as metas de contratao do MCMV

    so estipuladas a partir do dficit habitacional,

    essa varivel relaciona as necessidades habita-

    cionais representadas pelos dficits dos muni-

    cpios com o nmero de unidades contratadas.

    Inicialmente constatou-se que as contra-

    taes da modalidade faixa 1 do MCMV no

    apresentavam relao direta com os nmerosdo dficit habitacional de cada municpio. Exis-

    te uma grande diversidade de situaes nas

    relaes entre o nmero de unidades contrata-

    das no mbito do MCMV1 e o dficit de cada

    municpio. Uma parte significativa de munic-

    pios acima de 20 mil habitantes (29%) no tem

    nenhuma unidade contratada apesar de terem

    metas estabelecidas pelo Governo Federal;40% dos municpios tiveram um range de uni-

    dades contratadas entre 10 e 50% em relao

    ao seu dficit, enquanto 6% dos municpios

    tm mais unidades contratadas do que o n-

    mero do dficit habitacional calculado.

    Os resultados em relao ao ndice de

    sucesso, por sua vez, tambm indicaram que

    no existe nenhuma correlao entre a adesodos municpios ao SNHIS, sua regularidade e

    implementao dos itens exigidos pelo Sistema

    (conselho, fundo e plano) com o nmero de

    contrataes. Da mesma forma, a existncia

    de instrumentos urbansticos de planejamento

    e gesto do solo, no apresentam correlaes

    com o sucesso de contrataes do MCMV.Apenas as variveis do bloco de anlise

    relacionado s dimenses territoriais demons-

    traram correlaes. Essas variveis apresenta-

    ram uma correlao positiva entre as tipologias

    de cidades identificadas como periferia dos

    polos regionais e grandes cidades isoladas

    e o sucesso de contratao de unidades do

    MCMV1 na Faixa 1, demonstrando que nessestipos de cidades se realizam percentualmente

    mais contrataes do MCMV em relao a seu

    dficit habitacional. Uma explicao para es-

    sa correlao est relacionada ao mercado de

    terras desses municpios. Essas tipologias de ci-

    dades apresentam menor dinmica imobiliria,

    com menor disputa pela terra, em relao a ou-

    tras tipologias que no mostraram correlaescom o sucesso de contratao das unidades do

    MCMV. A baixa dinmica de terras poderia en-

    to ser uma explicao para o maior nmero

    de contrataes, pois, os promotores privados

    do MCMV escolhem com total liberdade as

    cidades onde querem produzir empreendimen-

    tos e, segundo entrevistas (Klintowitz, 2015), o

    preo dos terrenos tem se apresentado comouma das principais variveis para esta escolha.

    Em relao ao porte populacional, obser-

    va-se tambm uma correlao positiva entre o

    sucesso de contratao e as faixas populacio-

    nais entre 50 mil e 500 mil habitantes, demons-

    trando que o programa tem dificuldades em

    rodar nas cidades maiores, onde novamente

    o mercado de solo mais dinmico e a terrapara produo de habitao de interesse social

    torna-se mais escassa e cara.

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016174

    O resultado demonstrou, ento, que exis-

    tem fortes indcios de que a varivel explicativa

    mais forte para o sucesso de contratao das

    unidades do MCMV realmente o preo da

    terra. As variveis relacionadas instituciona-lizao do setor habitacional, que teve grande

    fomento nos primeiros anos do MCidades, as-

    sim como o investimento na implementao de

    instrumentos de planejamento e gesto do solo

    urbano do Estatuto da Cidade, no tiveram sig-

    nificncia na contratao desse programa.

    Fica evidente que o modelo implementa-

    do pelo MCMV dialoga com as lgicas do mer-cado imobilirio, mas no com as lgicas da

    poltica habitacional defendida pela plataforma

    da reforma urbana e pelo prprio MCidades em

    seus primeiros anos, j que a definio de on-

    de haver maior nmero de unidades so de-

    terminadas pelas facilidades e perspectivas de

    maiores ganhos dos produtores privados e no

    pela existncia de necessidades habitacionais,planejamento e priorizaes da gesto pblica.

    Como as gerncias regionais da CEF

    (Gidur) tm metas de contratao, tem-se as-

    sistido, ainda, distores entre as necessida-

    des habitacionais existentes nos municpios

    e a contratao de unidades residenciais nombito do MCVM orquestradas pela prpria

    CEF e seus gerentes que tm usado diferen-

    tes artifcios para alcanar as metas exigidas

    (Klintowitz, 2015). Com a anuncia da CEF e

    do MCidades, os municpios menores, onde o

    preo da terra urbanizada menor, esto con-

    seguindo obter mais unidades do MCMV.

    Em consequncia desses fatores, apesarde as capitais dos estados brasileiros concen-

    trarem 37,5% do dficit habitacional, o de-

    sempenho proporcional apresentado nesses

    municpios para os imveis da faixa 1 na fase

    1 do Programa muito reduzido (24%) em

    comparao com os outros recortes territo-

    riais (76%).

    Confirmando os dados obtidos na re-gresso linear apresentada, Lima Neto, Krause

    Tabela 3 Contrataes para municpios acima de 50 mil habitantes(MCMV 1, faixa 1)

    Recorteterritorial

    Dficit urbano Faixa 1

    Unidades

    contratadas famlias atR$1.600 (OGU)(rea urbana)

    Unidades

    contratadas famlias at

    R$1.600 (FGTS)(rea urbana)

    Total unidadescontratadas

    Desempenhocontrataosobre dficit

    > 100 mil

    habitantes

    50 a 100 mil

    habitantes

    Capitais estaduais

    RM de capitais

    estaduais (sem acapital)

    826.963

    504.594

    1.238.247

    725.090

    272.363

    159.278

    204.221

    179.459

    56.518

    21.866

    32.364

    78.268

    328.881

    181.144

    236.585

    257.727

    33

    18

    24

    26

    40

    36

    19

    36

    Fonte: Ministrio das Cidades (2014).

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

    11/26

    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 175

    e Furtado (2015), em estudo que busca

    desvendar as correlaes entre a produo

    dos empreendimentos do MCMV na faixa 1 e

    o dficit habitacional, na dimenso intrame-

    tropolitana, revelaram que a maior produohabitacional em municpios nas metrpoles es-

    tudadas se d nos municpios mais perifricos

    e com menor participao na atividade econ-

    mica metropolitana. Os autores demonstram,

    ainda, que a mdia da distncia dos empreen-

    dimentos ao centro de cada RM aumentou no

    MCMV2, o que nos permite supor que o efeito

    de valorizao imobiliria, decorrida do prprioMCMV1, j apresenta impactos para a prpria

    produo dos novos empreendimentos do Pro-

    grama. A partir de seus estudos sobre as corre-

    laes entre a produo dos empreendimentos

    e sua localizao, os autores ainda afirmam

    que a nfase do MCMV1 e 2 foi de produo

    de casas, e o quesito de localizao e insero

    na cidade resultado das foras e interesses co-

    nhecidos e presentes na ordenao tpica dourbano e no fez parte da formulao progra-

    mtica do MCMV.

    A identificao das necessidades habi-

    tacionais representada exclusivamente pelo

    dficit habitacional, incorporado ao modelo

    de poltica habitacional produzido pelo MCMV,

    traz resultados muito diversos dos sentidos do

    direito cidade defendidos pela plataformada reforma urbana, como se observa na srie

    de estudos de caso que tem sido realizados a

    respeito da implementao do MCMV nas cida-

    des brasileiras.

    Tabela 4 Avaliao dos Moradores do MCMV 1, faixa 1,

    sobre o atendimento por servios na moradia atual,em comparao com moradia anterior (em %)

    Fonte: Elaborao prpria. Pesquisa Rede Moradia Cidade (2014). Chamada MCTI/CNPq/MCIDADES n 11/2012.

    Caractersticas avaliadas Melhorou Piorou Ficou igual No respondeu

    Acesso

    infraestrutura

    bsica

    Rede de esgoto

    Pavimentao

    Coleta de lixo

    Iluminao pblica

    Fornecimento de energia eltrica

    Fornecimento de gua encanada

    Acesso aos veculos

    Caladas

    49,7

    47,4

    40,2

    38,0

    35,4

    32,8

    34,8

    36,7

    8,4

    15,2

    11,3

    19,1

    7,2

    20,0

    23,2

    28,5

    41,5

    36,5

    47,8

    42,2

    57,0

    46,9

    39,5

    34,0

    0,4

    1,0

    0,6

    0,8

    0,4

    0,3

    2,5

    0,9

    Acesso

    cidade

    Acesso a comrcio

    Acesso a equipamentos e servios pblicos

    Policiamento

    Transporte pblico

    Acesso ao trabalho

    Acesso escola

    Correios

    21,3

    20,1

    26,8

    30,2

    20,5

    26,9

    22,3

    61,2

    44,0

    39,9

    38,7

    44,7

    35,9

    33,7

    17,1

    33,5

    31,5

    30,0

    29,4

    27,7

    42,9

    0,5

    2,4

    1,8

    1,1

    5,4

    9,5

    1,2

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

    12/26

    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016176

    A pesquisa realizada pela Rede Moradia

    Cidade, 2014,7por exemplo, revelou que a loca-

    lizao das novas moradias produzidas no m-

    bito do MCMV tem importantes impactos nos

    beneficirios em relao ao acesso a servios eequipamentos pblicos. Apesar de no Estado de

    So Paulo 43% das famlias pesquisadas terem

    vindo de assentamentos precrios e 56% de

    reas de risco, enquanto o acesso aos servios

    bsicos de infraestrutura melhorou em relao

    moradia anterior, as caractersticas classifi-

    cadas como de acesso cidade (acesso ao co-

    mrcio, ao trabalho, a equipamentos e serviospblicos; policiamento, transporte pblico, es-

    cola e aos correios) apresentaram significativa

    piora em relao moradia anterior.

    A trplice aliana

    na coordenao de interessesem torno do MCMV

    No Governo Lula, a necessidade de ampliao

    das bases e alianas inaugura uma nova es-

    trutura de relacionamento do governo com a

    sociedade. Enquanto em governos anteriores

    o relacionamento Estado-sociedade no setor

    habitacional esteve estritamente vinculado sarticulaes do Estado com as coalizes do se-

    tor produtivo, no governo Lula, desde sua ori-

    gem, os movimentos sociais ligados moradia

    so trazidos arena de negociao sem que,

    ao mesmo tempo, o Estado se furte a estruturar

    uma relao estreita com o setor empresarial.

    Cria-se o que se pode chamar de uma triple

    aliana, ou uma matriz de relacionamento quepassa a ter trs pontas (Estado, setor empresa-

    rial e movimentos sociais), e no mais apenas

    duas (Estado e setor empresarial) como nos go-

    vernos anteriores.

    As trs pontas, no entanto, no so con-

    duzidas na busca de uma agenda comum. Para

    no contrariar nenhum dos interesses, o gover-no opta por uma coordenao de interesses

    com a constituio de duas agendas paralelas,

    em que cada um dos interesses se v contem-

    plado (Klintowitz, 2015). A habitao passa a

    ter duas agendas paralelas para que convivam

    no governo em uma estratgia de layering

    (Mahoney, Thelen, 2010), que institui camadas

    incrementais, tanto sobre os aparatos institu-cionais herdados dos governos anteriores como

    em um processo de combinao entre essas

    duas agendas em disputa.

    A persistncia do SNHIS ao longo do

    tempo como o modelo de poltica habitacional

    ideal que se busca alcanar e a realpolitikim-

    plementada pelo MCMV que utiliza regras que

    em nada convergem para o modelo idealizadopelo SNHIS, sem contudo elimin-lo definiti-

    vamente, podem ser explicadas pela ideia de

    decoupling,trazida por Meyer e Rowan (1977),

    na qual h um respeito ritualstico s regras

    originrias, isto , apesar de no serem as re-

    gras que comandam as instituies, esses mi-

    tos geradores permanecem como uma espcie

    de direo moral da poltica. Assim, o modeloproposto pela plataforma da reforma urbana

    permanece como o modelo utpico SNHIS

    que parece dar a direo moral poltica,

    enquanto o modelo que favorece ao setor em-

    presarial MCMV aplicado na prtica como

    a poltica real, inviabilizando a possibilidade

    do SNHIS concretizar-se. Oliveira (2010) identi-

    fica esse modelo descrito para a poltica habi-tacional, como a prtica geral desenvolvida nos

    governos petistas, denominando esse processo

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 177

    de Hegemonia s Avessas. Segundo o autor,

    nesse governo constri-se uma urea na qual

    parece que os atores e suas coalizes histori-

    camente dominados passam a comandar a po-

    ltica, pois fornecem a direo moral e esto testa de organizaes do Estado e dispem,

    ainda, de poderosas bancadas no Congresso

    Nacional; no entanto, o conjunto de aparncias

    esconde uma nova dominao na qual no

    so mais os dominados que consentem em sua

    prpria explorao; so os dominantes os ca-

    pitalistas e o capital, explicite-se que se con-

    sentem em ser politicamente conduzidos pelosdominados, com a condio de que a direo

    moral no questione a forma de explorao

    capitalista (Oliveira, 2010, p. 27). A defesa do

    setor produtivo da indispensvel resoluo do

    dficit habitacional explica-se muito bem sob

    essa abordagem.

    Com a dupla agenda instalada, por um

    lado cria-se uma iluso para os atores ligados plataforma da reforma urbana de que um

    dia se construir um modelo de planejamento

    e gesto habitacional descentralizado com au-

    tonomia dos governos locais e de proviso por

    meio de autogesto e, por outro, atende-se aos

    interesses do segmento produtivo que deman-

    da estabilidade de ganhos. As regras e progra-

    mas vo se somando e se sobrepondo de formaa agradar todos, sem excluir nenhum interesse

    do processo.

    As duas agendas da reforma urbana e

    do setor produtivo , que caminham paralela-

    mente como se ambas fossem prioritrias para

    o governo, foram claramente uma das base de

    sustentao do lulismo. Singer (2012) deno-

    mina lulismo a estrutura de arbitragem parapresidir um governo de coalizo desenvolvida

    no Governo Lula. Estruturou-se um modo de

    governar em que se buscou agradar todos os

    setores e classes de forma a minimizar os con-

    flitos, radicalizaes e mobilizaes contrrias

    ao governo.

    No lulismo, pagam-se altos juros aos

    donos do dinheiro e ao mesmo tempo

    aumenta-se a transferncia de renda para

    os mais pobres. (...) Enquanto os meios de

    pagamento crescem, cada frao de clas-

    se pode cultivar o seu lulismo de estima-

    o. (...) Por isso o presidente pode pro-

    nunciar, para cada uma delas, um discurso

    aceitvel, usando contedos diferentes

    em lugares distintos e, sobretudo, toman-do cuidado para que os conflitos no im-

    pliquem em radicalizao e mobilizao.

    (Singer, 2012, p. 202)

    Assim, enquanto o setor produtivo tem

    importantes ganhos materiais com o MCMV

    em detrimento da reduo do direito cidade

    de milhes de famlias de baixa renda, a po-

    ltica habitacional preconizada pelos atoresda plataforma da reforma urbana continua

    persistindo no imaginrio e em poucos inves-

    timentos institucionais da Secretaria Nacional

    de Habitao, como parte dos ganhos dos ato-

    res ligados plataforma da reforma urbana. As

    atas das reunies do ConCidades mostram esse

    processo de layering (Mahoney e Thelen, 2010)

    com clareza. Enquanto o MCMV vai tomandoa primazia da poltica habitacional, na mesma

    reunio do Conselho se debatem medidas para

    melhorar esse programa e discutem-se as preo-

    cupaes sobre o contedo dos Planos Locais

    de Habitao (PLHIS) como se esses ainda fos-

    sem relevantes na conduo da poltica habita-

    cional no plano local (Klintowitz, 2015).

    Observa-se, portanto, que o prpriolayering criado com essa dupla agenda

    um importante artifcio de manuteno da

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

    14/26

    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016178

    arbitragem que busca contentar todos os

    atores. O layeringtorna-se mais eficiente, pois

    as novas sistemticas esvaziam as anteriores,

    trazendo amplos benefcios tanto ao Estado

    como ao mercado privado sem, contudo, tra-zer o nus poltico de desmontar o iderio o

    SNHIS construdo a partir da luta de um im-

    portante movimento social aliado do gover-

    no o FNRU. Assim, sem que se desmonte

    os mitos geradores (Meyer e Rowan, 1977)

    constitudos pelas institucionalidades conquis-

    tadas pelos ativistas da reforma urbana, volta-

    -se a praticar polticas urbanas e habitacionaissemelhantes s realizadas em momentos an-

    teriores da histria brasileira, que favorecem

    outros interesses, sem ajudar, contudo, na im-

    plementao da reforma urbana.

    Alm da manuteno simblica do

    SNHIS, a medida mais importante medida

    para a sustentao da hegemonia dessa pol-

    tica refere-se s alianas estabelecidas e ga-nhos obtidos pelos movimentos de moradia

    com o MCMV.

    Em um contexto de arbitragem, os em-

    presrios do setor produtivo da construo

    civil e mercado imobilirio que j tinham

    interlocuo estabelecida com o governo, ao

    entender que o governo petista era conforma-

    do por um ambiente de coordenao de inte-resses em que seriam necessrias a convivncia

    entre as diferentes coalizes, e, se possvel, a

    construo de alianas entre elas, usaram o

    ConCidades, antes mesmo da ideia da formu-

    lao do MCMV, para articular sua interlocuo

    com os movimentos de moradia em busca da

    criao de laos e alianas,8como parte da es-

    tratgia para construir uma ampla coalizo emfavor das demandas do setor produtivo, de mo-

    do que o governo pudesse implementar seus

    planos sem mobilizaes contrrias da socieda-

    de, como preconizava o lulismo (Singer, 2012).

    Por sua vez, os movimentos de moradia,

    vislumbrando a possibilidade de vinculao de

    grande volume de recursos para a poltica ha-bitacional, tambm quiseram estabelecer uma

    aliana com os empresrios do setor produtivo

    em torno da PEC da Moradia Digna que pre-

    cedeu a instalao do MCMV. E demonstrando

    que a poltica tem a capacidade de reconfi-

    gurar os atores e as coalizes, principalmente

    quando envolvem importantes recursos ca-

    pazes de reconfigurar o curso da poltica p-blica como um todo (Couto e Abrucio, 2003;

    Sabatier e Weible, 2007; March, 2010), os

    movimentos convictos de sua posio no jogo

    poltico, compuseram essa aliana apesar dos

    conflitos ocasionados com os aliados histri-

    cos, companheiros de FNRU.

    O governo, por sua vez, ao mesmo tempo

    que reiterava os laos com os movimentos demoradia nas interlocues no ConCidades, mas

    principalmente no atendimento s demandas

    nos processos de interlocuo estabelecidos

    nos gabinetes, estabelecia novos laos com o

    empresariado do setor, tanto nas arenas pbli-

    cas criadas, como principalmente nos espaos

    de gabinetes.

    Assim, o ConCidades se constitui, ento,como espao de encontro e articulao entre

    os vrios atores. Mas as negociaes eram fei-

    tas em outras arenas que eram no pblicas,

    dando mais liberdade e autonomia nas nego-

    ciaes aos atores envolvidos.

    No entanto, mesmo com a ampla coa-

    lizo formada em torno da PEC da Moradia

    Digna, sua negociao no foi bem-sucedida;j o ncleo estratgico do governo (Casa Ci-

    vil, Ministrio do Planejamento e Ministrio da

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    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 179

    Fazenda) era contra sua aprovao pela cren-

    a de que a vinculao do oramento engessa

    as possibilidades de ao poltica do governo.

    Contudo, em 2008, com a crise internacional

    adotou-se na prtica, no MCMV, o cenrio deinvestimento proposto pela PEC da Moradia

    Digna, alcanando um investimento aproxima-

    do de 2% do Oramento Geral da Unio (OGU)

    em subsdios habitacionais.

    Com os objetivos alcanados, os laos

    efmeros entre os empresrios da construo

    civil e movimentos de moradia se afrouxaram

    (Tarrow, 2009) e cada coalizo passa a cuidarde seu quinho. Mesmo que de certa forma

    uma congregao de interesses em torno da

    manuteno do MCMV permanea, a atua-

    o destas coalizes demonstra que a alian-

    a entre elas se afroxou pela busca de seus

    prprios interesses. Como descrito por um

    empresrio do setor da construo civil: O

    sucesso do programa Minha Casa Minha Vida o fracasso da articulao poltica do Mora-

    dia Digna (Klintowitz, 2015). No entanto, se

    por um lado empresrios e movimentos pas-

    sam a no ter mais as mesmas sinergias do

    momento anterior, por outro, as alianas des-

    sas coalizes com o governo se fortaleceram

    enquanto o MCMV vigora com extraordinrio

    fonte de benefcios.Essa aliana se manifesta no ConCida-

    des no qual apenas os conselheiros dos seg-

    mentos acadmicos e profissionais, ONGs

    e poder pblico municipal e estadual mani-

    festavam-se com crticas a respeito do des-

    colamento do MCMV com o SNHIS e sobre a

    necessidade de discusso mais profunda do

    MCMV nesse conselho, enquanto os repre-sentantes de movimentos de moradia e do

    setor empresarial que j haviam negociado

    com o Governo anteriormente enxergavam no

    Programa a concretizao de seus interesses

    (Klintowitz, 2015).

    O MCMV e os movimentosde moradia

    Contudo, para os movimentos sociais de mora-

    dia, mesmo defendendo o programa adiante da

    plenria do ConCidades, o percurso do projeto

    da PEC da Moradia Digna ao Programa MCMVno foi to direta quanto para o setor produ-

    tivo. Assim como o projeto da PEC, que no

    havia incorporado a proposta da autogesto,

    ao ser anunciado o MCMV destinava-se ape-

    nas para a promoo da moradia por empresas

    privadas de construo civil. Um fato simblico

    que demonstra que inicialmente os movimen-

    tos de moradia no estavam contempladoscomo atores que fariam parte dos beneficia-

    dos com o MCMV foi a falta de representao

    desses movimentos na mesa de lanamento do

    Programa em 25 de maro de 2009. Os movi-

    mentos precisaram reivindicar sua participao

    para serem chamados para o cerimonial.

    Contudo, acreditando no apoio do Pre-

    sidente da Repblica aos seus apelos, os mo-vimentos de moradia solicitaram audincias

    especiais com o Presidente Lula e com a Mi-

    nistra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff,

    para requerer sua parte no programa. Essas

    reunies privadas resultaram positivas e ape-

    sar da estrutura do Programa j estar definida

    nesse momento, foi criada uma nova modali-

    dade especial o MCMV Entidades voltadaespecificamente para promoo de moradia

    por entidades sem fins lucrativos, incluindo as

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016180

    associaes e cooperativas habitacionais au-

    togestionrias. Kingdon (2011) argumenta que

    um bom empreendedor de poltica pblica

    capaz de incorporar uma proposta para uma

    mudana no fluxo na poltica com a soluode um problema existente que tambm precisa

    ser resolvido, articulando assim os problemas,

    a poltica pblica e poltica. Assim, Lula, como

    bom empreendedor de poltica, aproveitou a

    oportunidade trazida pelo MCMV para resolver

    tambm o problema dos movimentos de mo-

    radia, e ganhar a sua chancela para o MCMV.

    Utilizando-se da mesma lgica de arti-culao do setor produtivo que conseguiu es-

    truturar o MCMV em audincias privadas nos

    ministrios, sem passar pelos foros pblicos

    em que estavam inseridos, os movimentos de

    moradia tambm negociaram sua modalidade

    com o governo em audincias privadas sem

    passar por arenas pblicas. Apesar disso, parte

    das lideranas, conforme comprovam as atasdas reunies do ConCidades que discutiram o

    MCMV,9parecia no se preocupar muito com

    as arenas em que se davam a deciso sobre a

    poltica, j que tal programa traria importante

    benefcios materiais para os movimentos de

    moradia. Dessa forma, os prprios movimen-

    tos sociais de moradia, defensores histricos

    dos espaos participativos de deciso sobre aspolticas urbanas, retiram a negociao da are-

    na pblica para a arena privada, conformando-

    -se em no fazer parte do processo decisrio

    das macroestruturas da poltica habitacional,

    desde que sejam atendidos por meio de nego-

    ciao nos gabinetes aos quais conquistaram

    o acesso.

    A estratgia de retirada da negociaodas arenas pblicas para pactuaes indivi-

    duais com cada um dos atores enfraquece os

    prprios atores que passaram a atuar como

    cooperantes do governo, ao invs de crticos

    e formuladores (Gohn, 2010). Contudo, se por

    um lado os movimentos de moradia continua-

    ram a no participar efetivamente dos pro-cessos decisrios da poltica habitacional e as

    arenas participativas foram desconsideradas,

    por outro, fica claro que esse governo no

    deixou mais de lev-los em considerao na

    lista de atores contemplados com a distribui-

    o dos benefcios dos investimentos na rea,

    mesmo que de forma assimtrica se compara-

    dos aos benefcios obtidos por outros atores.Garantiram-se, assim, recursos para financiar a

    produo social da moradia realizada de forma

    organizada, pelos futuros beneficirios e apoio

    dos movimentos de moradia ao MCMV (Ferrei-

    ra, 2014; Rodrigues, 2013).

    Embora o aporte de recursos na moda-

    lidade MCMV-E seja muito reduzido diante do

    montante global do programa (apenas 2%)(Rodrigues, 2013), no se pode negar que sua

    existncia foi uma vitria para essa coalizo e

    que est diretamente relacionada ao fato de

    que tais movimentos passam a ter um novo

    statusde playerno mbito poltico (Rolnik,

    Klintowitz e Iacovini, 2014). Esse novo status

    poltico trouxe o importante reconhecimento

    aos movimentos sociais, e no apenas ao se-tor privado da construo civil, como parceiros

    do governo no processo de implementao da

    poltica de habitao de interesse social (Ta-

    tagiba e Texeira, 2014), e, ao mesmo tempo,

    os reafirmou como apoiadores do governo, e

    principalmente, do MCMV. Um indicador fun-

    damental da importncia dada pelo governo

    concertao com os movimentos de moradiafoi a criao de uma assessoria da Presidncia

    da Caixa, especialmente para fazer o MCMV-E

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    rodar, e que buscava informar para a m-

    quina, nas palavras do prprio presidente

    poca da CEF Jorge Hereda, que as Entida-

    des e sua modalidade MCMV-E eram priorit-

    rias para o governo.O MCMV-E passou a ser a principal for-

    ma pela qual os movimentos sociais de mora-

    dia participam da implementao da poltica

    pblica (Ferreira, 2014). Em uma pesquisa (Ta-

    tagiba e Texeira, 2014), realizada no mbito

    da avalio do MCMV-E, todas as lideranas

    entrevistadas afirmaram de forma categrica

    o interesse em continuar atuando no MCMV-E,apesar de demonstrarem muita clareza sobre

    os problemas e limites do programa.

    Conquistado em uma lgica estrutural

    privatista que j estava assentada e que se des-

    tinava ao protagonismo da promoo privada

    da moradia, o MCMV-E surgiu como uma esp-

    cie de armadilha perversa. As entidades que de-

    sejam produzir com recursos do MCMV-E estoaprisionadas s lgicas do mercado imobilirio

    privado e precisam disputar terrenos com as

    grandes construtoras do pas. Apesar de parte

    de os movimentos de moradia que defendem

    historicamente a produo por autogesto, es-

    pecialmente a UNMP, estarem tentando utilizar

    os recursos do MCMV-E para concretizar pro-

    jetos com esse vis, a insero da modalidadepara os movimentos de moradia em um arca-

    bouo institucional que j estava estruturado

    para a lgica da produo privada, inviabiliza

    de muitas maneiras a boa execuo do MCMV-

    -E (Rodrigues e Mineiro, 2012).

    Nesse esquema que foi criado, mostrou-

    -se mais lucrativo para muitas entidades indi-

    carem beneficirios do que produzir a mora-dia. Assim, alm do ganho de uma pequena

    parte dos recursos do MCMV para a produo

    autogestionria, foi significativa a participa-

    o dos movimentos na formao das listas

    de beneficirios das unidades produzidas pela

    promoo privada no mbito do MCMV pa-

    ra a faixa 1 em diferentes municpios onde opoder pblico local, responsvel pela indicao

    da demanda, tm reservado um percentual

    das unidades produzidas para o atendimento

    de famlias indicadas por movimentos sociais.

    Em muitos municpios do Brasil, a indicao de

    um percentual de unidades pelos movimentos

    de moradia passou a se constituir como uma

    poltica municipal, ampliando muito os ganhosdos movimentos de moradia com o MCMV. Na

    cidade de So Paulo, por exemplo, o Conselho

    de Habitao decidiu como critrio para prio-

    rizao da demanda que 25% das unidades

    sero destinadas a benificirios indicados pelos

    movimentos de moradia.10

    importante destacar que os ganhos de

    unidades com o MCMV, obtidos pelos movi-mentos, so importantes para que as lideran-

    as possam atender s suas bases, compostas

    principalmente por famlias em busca de uma

    moradia, uma vez que nisso consistir seu po-

    der de convocao junto a novos integrantes

    do movimento. Nessa conjuntura, a distribuio

    de servios e benefcios sociais passa cada vez

    mais a ocupar o lugar dos direitos e da cida-dania, constrangendo no somente a demanda

    por direitos, como as prprias arenas pblicas

    construdas para esse fim (Gohn, 2010), j que

    essa distribuio de benefcios depende apenas

    da boa vontade e da competncia de articula-

    o com os setores envolvidos. Nesse contexto,

    apesar de os ganhos serem reais, no potencia-

    lizam mudanas estruturais.Em governos de esquerda os movimen-

    tos sociais tendem a valorizar a maior oferta

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016182

    de participao estatal e a disputar nessas ins-

    tncias seus projetos e interesses. Contudo, ao

    mesmo tempo, tendem tambm a orientar sua

    ao por uma disposio menos conflituosa e

    uma postura de maior conciliao, evitando apresso sobre os governos e diminuindo o uso

    do protesto como forma de negociao, seja

    para garantir suas demandas, seja para garan-

    tir a governabilidade a partir de uma agenda

    de esquerda (Dagnino e Tatagiba, 2010). Nesse

    cenrio, a identidade desses movimentos passa

    a se definir muito mais por sua relao com o

    Estado ou com os partidos do que a partir desua localizao societria (Gohn, 2010) com

    resultados perversos no que se refere ques-

    to da autonomia. Ao mesmo tempo, ao serem

    atendido dessa forma, de alguma maneira es-

    to dando uma chancela de qualidade da pol-

    tica, como no caso do Programa MCMV.

    importante considerar que os movi-

    mentos de moradia so um tipo peculiar demovimento social. Por um lado, lutam pela

    mudana das estruturas da sociedade, sendo

    justamente essa caracterstica que os aliou ao

    Frum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) na

    luta pelo direito cidade. Por outro lado, tm

    uma base a ser atendida com bens materiais

    concretos casas , sendo justamente o que

    os levou a estabelecer alianas com os empre-srios do setor produtivo. Essa dupla caracte-

    rstica implica, muitas vezes, escolhas prag-

    mticas que favorecem alianas que geram

    ganhos imediatos, mas que podem, ao mesmo

    tempo, implicar o desvio do caminho que leva-

    r estagnao das mudanas estruturais que

    defendem. Essas caractersticas tambm os

    diferencia de outros segmentos que compemo FNRU ONGS, setores profissionais e aca-

    dmicos que no esto submergidos pelo o

    conflito implcito dos clculos de trade offen-

    tre as mudanas estruturais e o atendimento

    imediato s bases.

    A implicaes do MCMVpara o FNRU

    As diferentes naturezas dos segmentos que

    compem o FNRU sempre ocasionarma ten-

    ses internas a essa coalizo. No contexto do

    MCMV, os movimentos de moradia defenderama existncia do MCMV, mesmo que com restri-

    es a algumas de suas normativas, e no qui-

    seram cobrar do Governo mudanas internas

    ao programa pelos canais institucionais ou em

    mobilizaes pblicas muito conflituosas, ao

    mesmo tempo, os outros segmentos constituin-

    tes do FNRU quiseram fazer crticas mais con-

    tundentes estrutura do programa e promoverprocessos de presso e enfrentamento pblico

    (Klintowitz, 2015).

    A falta de consenso interno no FNRU fez

    com que essa articulao tivesse um posicio-

    namento mais discreto em relao ao MCMV.

    Essa contradio, ao mesmo tempo, favoreceu

    o Governo que no teve que enfrentar essa

    oposio, no entanto, fragmentou e enfraque-ceu a coalizo da reforma urbana que no

    conseguiu resolver suas discrepncias internas.

    Enquanto esse afastamento ideolgico entre os

    segmentos no pareceu afetar os movimentos

    de moradia, essa circunstncia teve signifi-

    cativa importncia para os outros segmentos

    que, por no terem numerosas bases como os

    movimentos, ficam enfraquecidos como atorescom poder de presso, mobilizao e negocia-

    o junto ao Governo. Os movimentos, por sua

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    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

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    vez, usaram seus canais diretos de articulao

    para negociar suas demandas particulares,

    ligadas aos programas, mas no para bus-

    car articulaes mais estruturais em torno da

    plataforma da reforma urbana, o que tambmfragilizou o FNRU como coalizo e em sua ca-

    pacidade de advocacy.

    Apesar de diminuir os canais de articula-

    o direta e o empenho em busca do apoio ao

    governo dos segmentos de ONGs e acadmi-

    cos ligados ao FNRU, o Governo no os alijou

    totalmente do processo de construo da no-

    va poltica habitacional. Ao elaborar a MedidaProvisria (MP 459) que instituiria o MCMV, o

    presidente Lula concedeu aos defensores da

    plataforma da reforma urbana um captulo

    inteiro sobre a regularizao fundiria, sendo

    responsvel por levar concretizao de uma

    matria de suma importncia para a questo

    fundiria no Brasil, e que estava em tramitao

    h muitos anos no Congresso Nacional sem si-nais de que teria um desfecho rpido.

    O captulo sobre regularizao fundiria

    da MP 459/2009 teve sua redao totalmente

    baseada em um texto que j havia sido pro-

    duzido na Cmara dos Deputados, no mbito

    do processo que discute, desde o ano 2000, a

    futura Lei de Responsabilidade Territorial Urba-

    na (LRTU) (PL 3 057/2000). O texto da MP foiretirado do substitutivo produzido pelo ltimo

    relator, o Deputado Renato Amary (PMDB-SP) e

    que estava pronto para a votao em plenrio,

    mas que enfrentava muita oposio. O proces-

    so j havia passado por trs relatores sem su-

    cesso (Silva e Arajo, 2013).

    Com esse ato, Lula vislumbrou a pos-

    sibilidade de contentar com um programa(MCMV) que a princpio os descontentaria ,

    os outros atores ligados reforma urbana, e,

    tambm, uma parcela importante do eleitora-

    do que vive em assentamentos irregulares no

    pas. Assim, de forma surpreendente, por no

    dialogar em nada com o MCMV, a mesma lei

    que o instituiu foi tambm responsvel por es-tabelecer uma normatizao para a regulariza-

    o fundiria de assentamentos localizados em

    reas urbanas de interesse social, que h muito

    se tentava, sem sucesso, aprovar no mbito do

    Congresso Nacional.

    A coordenao federativado MCMV

    Paralelamente, em um governo que tinha um

    projeto de manuteno de poder relacionado

    articulao federativa, no se poderia desenhar

    uma poltica de habitao que no garantisse

    ganhos para os municpios e para seus pre-feitos. Sob o pressuposto de que a promoo

    habitacional pelos entes locais impedia que

    os programas rodassem no ritmo desejado

    (Loureiro, Macrio e Guerra, 2013; Klintowitz,

    2015), mas com o intuito de que os governos

    locais aderissem nova poltica, o modelo do

    MCMV foi construdo delegando aos munic-

    pios basicamente o papel de organizao dademanda (por meio de cadastros encaminha-

    dos CEF para a seleo dos beneficirios) e,

    de modo facultativo, criao de condies

    para facilitar a produo, mediante a flexibili-

    zao da legislao urbanstica e edilcia dos

    municpios e/ou da doao de terrenos. Nesse

    modelo a necessidade de institucionalidade da

    gesto muito pequena, demandando ape-nas a existncia de um cadastro, sendo esse

    justamente o instrumento mais presente nos

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016184

    municpios brasileiros. Em 2009, ano de incio

    do PMCMV, 81% dos municpios j o tinham

    (Arretche, 2012).

    Indicar a demanda significa, por um lado,

    um baixo investimento do ponto de vista finan-ceiro e institucional e, por outro, um grande

    recurso no sentido de angariar possveis votos

    em pleitos municipais. A influncia dos benef-

    cios eleitorais proporcionados pela inaugura-

    o de novos empreendimentos habitacionais,

    produtos cujo significado vai alm das conside-

    raes sobre o seu impacto econmico e social,

    tem um importante potencial para gerar capitalpoltico. Os empreendimentos habitacionais

    construdos no mbito do MCMV so, assim,

    fatos polticos de dimenso local, regional e

    nacional, conferindo legitimidade ao exerccio

    do poder por sua elevada visibilidade no con-

    junto das realizaes dos governos (Camargos,

    1993). Cada unidade produzida vale para duas

    contagens, ou seja, o capital poltico geradoserve tanto para o municpio quanto para o go-

    verno federal (Klintowitz e Iacovini, 2014; Rol-

    nik, Klintowitz e Iacovini, 2014).

    Vendo a possibilidade de ganhos de capi-

    tal poltico com o MCMV, muitos governos es-

    taduais tambm esto querendo participar da

    festa. Esses governos tm adicionado recursos

    aos disponibilizados pelo governo federal paraque se consiga implementar empreendimentos

    nas capitais onde a terra mais cara e, com is-

    so, tm aproveitado tambm do capital poltico

    gerado pelos empreendimentos produzidos. As-

    sim, um mesmo programa tem unido diferentes

    esferas de governo, de diferentes partidos, em

    suas inauguraes.

    Se, inicialmente, os governos locais se in-comodaram com o formato do Programa que

    tirava deles o protagonismo, com o passar do

    tempo perceberam que os benefcios recebidos

    seriam tantos ou maiores do que se fossem

    os promotores dos empreendimentos, com a

    vantagem de que no precisariam despender

    muitos esforos para isso. Diante desse quadro, possvel afirmar que polticos locais se bene-

    ficiam do programa, o que ajuda a entender

    por que a maioria dos municpios concentrou

    seus esforos unicamente na viabilizao de

    empreendimentos do MCMV em seu territrio,

    deixando de lado seus processos de planeja-

    mento ou criao de outras alternativas para

    soluo das necessidades habitacionais (Rol-nik, Klintowitz e Iacovini, 2014; Polis, 2014).

    Trata-se de uma postura pragmtica, que capta

    o mximo de benefcios polticos com um mni-

    mo de esforo institucional e financeiro. Nesse

    contexto, em muitos municpios, como o caso

    de So Paulo, foi retirado do oramento munici-

    pal o recurso que antes se destinava pasta da

    habitao sob o argumento de que a polticahabitacional j tinha o recurso proveniente do

    MCMV (Rolnik, Klintowitz e Iacovini, 2014).

    Com a estrutura criada inicialmente

    para o MCMV, os nicos prejudicados seriam

    os municpios menores, que na MP 459 no

    estavam contemplados. Originalmente, no

    parecia fazer sentido expandir a atuao para

    esses municpios, j que no eram municpiosinteressantes ao setor produtivo, principal-

    mente na faixa 1, com empreendimentos de

    grande escala para reduzir custos e ampliar os

    lucros (Shimbo, 2010). No entanto, ao serem

    comunicados dos novos rumos da poltica ha-

    bitacional, esses municpios menores reivindi-

    caram e negociaram no Congresso Nacional a

    incluso de uma modalidade para municpioscom menos de 50 mil habitantes. Criou-se,

    ento, uma nova modalidade para o MCMV

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    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

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    SUB 50 a oferta pblica conhecida como

    SUB-50. Junto com o MCMV-E e o MCMV-

    -Rural, o SUB-50 representa as nicas exce-

    es ao modelo de proviso habitacional com

    promoo privada.Nessa modalidade, os muncipios tm

    um papel mais protagonista sendo respons-

    veis por acessar o recurso por meio de edital

    disponibilizado pelo MCidades. No entanto,

    essas trs modalidades so marginais dentro

    do Programa e representam apenas 11% do

    total de unidades previstas. Contudo, mesmo

    no sendo pensado pelo executivo federal, aincluso desses municpios menores no bolo do

    MCMV trouxe importantes apoios pblicos da

    CNM (Confederao Nacional dos Municpios)

    e Frente Nacional do Prefeitos (FNP) para o go-

    verno federal.

    Consideraes finais

    O que se percebe ao percorrer este caminho

    que desvela o arranjo institucional de coorde-

    nao de interesses em torno do MCMV criada

    para sustentao desse programa que se trans-

    formou na nica poltica habitacional do Bra-

    sil por dois mandatos presidenciais que esse

    arranjo foi tpico do lulismo, em que todos osatores tm seus interesses atendidos, mesmo

    que de forma assimtrica, e de modo a garantir

    a continuidade dos ganhos apoiam a poltica

    estabelecida e o governo de forma mais ampla.

    Enquanto se mantm viva a utopia do ca-

    minho preconizado pela plataforma da reforma

    urbana que alimenta os atores ligados a essa

    plataforma; cada um dos atores envolvidos nosetor habitacional, inclusive esses prprios ato-

    res, tem ganhos prprios j que, no contexto

    geral de formulao do MCMV, foram sendo

    criadas concertaes no prprio programa para

    beneficiar o maior nmero de atores possveis.

    Esse modelo de concertao s pode-

    ria ser estabelecido em um governo como ode Lula, que j comeou com o apoio de uma

    grande base de movimentos sociais. A inova-

    dora articulao da trplice aliana que uniu

    empresrios do setor produtivo e movimentos

    de moradia, opositores histricos, em defesa

    de uma poltica, e de seu governo de maneira

    geral, no seria possvel de ser construda em

    um governo que no chegasse ao poder coma urea da defesa dos direitos dos excludos e

    ao mesmo tempo com o pacto com o empresa-

    riado para a garantia do crescimento da econo-

    mia do pas e dos ganhos do capital nacional.

    As articulaes para a coordenao de

    interesses em torno da poltica habitacional

    aqui demonstrada ocorreram no mbito das

    gestes do Presidente Lula. Embora o receitu-rio tenha sido seguido na primeira gesto de

    Dilma, percebe-se que falta a essa presidente

    o componente carismtico de Lula e a vocao

    para a coordenao de interesses intrnseca a

    esse ex-presidente conforme constata Singer

    (2012): O sucesso de solues intermedirias

    arbitrais, depende em grande medida, da fi-

    gura providencial do lder que d a cada umo seu quinho (Singer, 2012, p. 201). O que

    garantiu a estabilidade desta poltica foi jus-

    tamente a fora da coordenao de interesses

    que foi articulada de modo a criar um regime

    de polticas pblicas (Couto e Abrucio, 2003)

    quase hegemnico.

    No governo Dilma, no entanto, a poltica

    e os arranjos institucionais e de atores per-maneceram praticamente os mesmos, porm

    demonstraram esgaramentos, mesmo antes

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016186

    da importante crise poltica que se deflagrou

    j no comeo de seu segundo mandato. E

    como esses arranjos, no setor habitacional e

    tambm em outras polticas pblicas, foram

    essenciais para as estratgias para a prpriamanuteno do poder do governo, seu esgar-

    amento pode inviabilizar o projeto de manu-

    teno mais frente.

    Outro fato curioso que surge a partir

    da instalao do regime da poltica pblica

    do MCMV, a disputa pelo espao entre os

    atores. Os poucos espaos de deciso acerca

    do MCMV-E, em que se modificam normati-

    vas e se disputam recursos, foram ocupados

    pelos movimentos de moradia ligados ao

    FNRU, mas com a possibilidade do lana-mento da terceira fase do MCMV, assistiu-se

    a uma clara disputa das novas lideranas de

    moradia que buscavam brechas para que seus

    interesses tambm fossem atendidos de mo-

    do que passassem a fazer parte da coordena-

    o de interesses estabelecida.

    Notas

    (1) Segundo dirigente da Secretaria Nacional de Habitao, na campanha eleitoral de 2014, as

    pesquisas apontaram que o programa com maior recall, isto , o que era mais lembrado pela

    populao quando pensavam nas polcas federais, era o MCMV (Klintowitz, 2015).

    (2) O FGTS e o SBPE foram criados e regulamentos em 1966 como para promover o respaldo

    nanceiro necessrio estrutura organizacional do BNH. O FGTS, tendo como fonte de recurso

    a poupana compulsria de parte dos salrios formais captada pelo Governo Federal, at hoje

    a principal fonte de recursos de nanciamento do desenvolvimento urbano do pas com juros

    mais baixos do que os pracados no mercado. J no SBPE, cujo os recursos so provenientes

    das cadernetas de poupana voluntrias desnado para o nanciamento habitacional dos

    segmentos de mais alta renda com juros menos subsidiados.

    (3) importante notar que, para efeitos metodolgicos, este clculo da focalizao do Programa

    MCMV em relao ao dcit assume que todas as unidades produzidas no mbito do programa

    esto atingindo as famlias computadas como dficit e que no h nenhum vazamento. No

    entanto, sabe-se que parte dos atendimentos no so desnados ao atendimento do dcit

    calculado pela FJP. Alm dos vazamentos pulverizados comuns em programas pblicos, parte

    do atendimento do MCMV est sendo ulizada para permir o atendimento s famlias quesofreram remoes foradas para a implementao de novos empreendimentos, como no caso

    das obras para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpadas 2016.

    Danielle Klintowitz

    Instituto Plis, Urbanismo. So Paulo/SP, Brasil.

    [email protected]

  • 7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista

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    Por que o Programa Minha Casa Minha Vida s poderia acontecer...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 187

    (4) O PMCMV, em sua componente urbana, foi operacionalizado para a modalidade da faixa 1 a

    parr da alocao de recursos oramentrios da Unio no Fundo de Arrendamento Residencial

    (FAR) inicialmente no montante de 14 bilhes de reais e, em menor grau, ao Fundo de

    Desenvolvimento Social (FDS) inicialmente no montante de 500 milhes de reais , ambos

    gerenciados pela CEF. O FAR j vinha sendo ulizado na produo de unidades habitacionais para

    famlias com renda entre trs e seis SM, dentro do Programa de Arredamento Residencial (PAR),recebendo recursos transferidos do Oramento Geral da Unio (OGU) e do FGTS, e foi ulizado

    no MCMV para viabilizar a modalidade que passa recursos oramentrios diretamente para

    as empresas. J o FDS um fundo contbil de natureza nanceira que funciona com recursos

    provenientes do Oramento Geral da Unio OGU, com prazo indeterminado de existncia,

    sendo seus recursos desnados para o nanciamento de projetos de invesmento de interesse

    social, nas reas de habitao popular exclusivamente para famlias com renda de at R$ 1600,

    por meio da concesso de nanciamentos a benecirios organizados de forma associava por

    uma Endade Organizadora EO (associaes, cooperavas, sindicatos e outros), Organizadora

    EO.

    (5) O PAC Favelas, voltado urbanizao de assentamentos precrios, apesar de no dialogar

    diretamente com o SNHIS e de passar por fora do FNHIS, defendido por muitos atores ligados

    plataforma da reforma urbana medida que promove uma atuao mais integrada entre as

    polcas urbanas (habitao, saneamento, mobilidade) do que a proviso de novas moradias

    que atua de maneira exclusiva na construo de casas.

    (6) Optou-se por realizar este exerccio estasco apenas nos dados de contratao da primeira

    fase do MCMV, pois os dados do MCMV2, disponibilizados pela CEF, apresentavam muitas

    inconsistncias e no foi possvel conseguir uma base mais adequada junto ao gestor do

    programa at o nal desta pesquisa.

    (7) A Rede Moradia Cidade foi uma rede nacional de pesquisadores que se reuniram para realizar

    uma avaliao no mbito da chamada MCTI/CNPq/MCidades n 11/2012 sobre a insero

    urbana dos conjuntos produzidos no mbito do MCMV em seis estados brasileiros. A rede

    foi formada por pesquisadores de 11 instuies (universidades federais do Cear, Par, Rio

    Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro (Ippur e Prourb), universidades estaduais,

    USP (IAU e FAU), Poncia Universidade Catlica de So Paulo, Peabiru e Instuto Plis) que

    construram uma metodologia em conjunto para idencao de similaridades e diferenas da

    implantao desses conjuntos no territrio nacional. Essa avaliao realizou uma pesquisa com

    3.900 famlias com moradias de unidades habitacionais produzidas no mbito do MCMV, faixa 1,

    nas diferentes cidades estudadas.

    (8) Uma fala de um entrevistado de um conselheiro do ConCidades do setor da construo civil

    explicita esta estratgia: Como a distribuio de participao do Conselho [das Cidades],

    de uma certa forma era um pouco desequilibrada e no fim o governo e os movimentos

    sociais acabam tendo uma grande maioria, a gente percebeu que a participao nossa [dos

    empresrios] no deveria ser na votao. No nha como a gente ganhar a votao, a gente

    sempre perdia. Mas nha a discusso, a discusso no voto, porque na verdade, eu acho que

    uma coisa que era legal do Conselho um trabalho de arculao para trabalhar um pouco o

    consenso, eu acho que era uma cultura, uma coisa que foi bom, era trabalhoso, mas foi bom.

    Ento percebemos que a nossa parcipao deveria ser na arculao polca, na proposta de

    ideias, na elaborao de algumas propostas que pudssemos de alguma forma vender as nossasideias (...) Dessa forma ns conseguimos construir uma parceria com os movimentos sociais,

    que foi uma coisa muito legal, eu acho que a gente comeou no embate com os movimentos

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    Danielle Klintowitz

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016188

    sociais, a gente nha vises muito diferentes em algumas coisas, mas conseguimos construir um

    consenso (Klintowitz, 2015).

    (9) Ata da 20 Reunio do Conselho Nacional das Cidades (MCidades, 2009, s/p).

    (10) Valores de imveis podem inviabilizar projetos habitacionais de So Paulo, Rede Brasil Atual.

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