PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso...

80
PÓS-GRADUAÇÃO CIÊNCIAS PENAIS Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente PÓS-GRADUAÇÃO

Transcript of PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso...

Page 1: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

PÓS-GRADUAÇÃO

CIÊNCIAS PENAIS

Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente

PÓS-GRADUAÇÃO

Page 2: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

2

CursoCiências Penais

Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente

AutoresBruno Tadeu Buonicore

Guilherme Francisco CeolinYuri Felix

Page 3: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

Índice ÍNDICE

Tema 01: Culpabilidade e sua evolução histórica 05

Tema 02: Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva 25

Tema 03: Causas de exclusão da culpabilidade 41

Tema 04: Teoria do domínio do fato 65

© 2015 Kroton Educacional

Proibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.

3

Como citar este material:

BUONICORE, Bruno Tadeu; CEOLIN, Guilherme Francisco; FELIX, Yuri. Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente. Valinhos: 2015.

Page 4: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

4

TEMA 01CULPABILIDADE E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Page 5: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

LEGENDA DE ÍCONES seções

5

Início

Referências

Gabarito

Verificaçãode leitura

Pontuando

Vamos pensar

Glossário

Page 6: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

Aula

6

01

Culpabilidade e sua evolução históricaObjetivo

Esta aula tem por objetivo elucidar a evolução da culpabilidade na moderna teoria do fato

punível, trazendo todo o subsídio necessário para que você, aluno(a), possa compreender o

passo a passo na edificação deste princípio central do direito penal democrático.

Resumo da Aula

Prezado(a) aluno(a), nesta aula que inaugura nossa disciplina, que versa a respeito das

vicissitudes da culpabilidade, você terá acesso à evolução deste princípio no decorrer da

construção da dogmática jurídico-penal. Ainda, mesmo que de forma sintética, conhecerá

os principais autores responsáveis pela edificação da teoria da culpa no direito penal

contemporâneo.

1. A Superação da Responsabilidade Objetiva

O princípio da culpabilidade, na qualidade de valor

fundamental do Estado Democrático de Direito,1

representa um dos principais pontos da teoria do

crime a serem estudados. Inerente a esse princípio é

a ideia de limitação da intervenção estatal, por meio

de seu aparato jurídico-penal, na esfera individual.

É desta maneira que o princípio da culpabilidade

aparece positivado nos mais diversos ordenamentos

jurídicos.2 A noção de que a punição estatal só é

1 BRANDÃO, Cláudio. Posição da culpabilidade na dogmática penal. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, n. 16, p. 110, 2004.2 DOLCINI, Emilio; MARINUCCI, Giorgio. Corso di diritto penale. Milano: Giuffrè, 2001, p. 455. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 107 e 525.

Saiba MaisA respeito do tema, recomenda-se a lei-tura do renomado professor espanhol:

• SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Aproximación al derecho penal. Buenos Aires: B de F, 2010.

• SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión del derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Buenos Aires: B de F, 2008.

Page 7: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

7

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

legítima onde há culpabilidade individual3 representa uma conquista do direito penal liberal-

iluminista, e, a partir dela, surge a necessidade de se verificar até onde é legítimo o Estado

exigir determinado comportamento individual.4

Essa necessidade, que surge como um valor, um princípio, encontra concretização na

delimitação do conceito de culpabilidade dentro da dogmática jurídico-penal, dentro da teoria

do crime. Essa delimitação, no entanto, é uma das mais complexas tarefas da teoria do

crime.5

A superação da responsabilidade objetiva,6 ideia sem a qual essa tarefa não poderia ter

sido realizada,7 revela um longo e sinuoso caminho, de muitas lutas, idas e vindas, desde as

sociedades mais antigas até os dias de hoje.8 No paradigma da responsabilidade objetiva,

somente o fato ilícito na sua face exterior era considerado, não havendo qualquer juízo

sobre a ligação subjetiva individual entre autor e fato. Apenas a relação causal-objetiva entre

autor e fato era analisada. Isso significa que poderia haver crime mesmo sem a presença

da comprovada ligação anímico-subjetiva entre o autor e o fato ilícito, assim como ocorre na

seara da responsabilidade civil.9

3 KAUFMANN, Arthur. Das Schuldprinzip. Heidelberg: Carl Winter, 1961, p. 15 e ss.4 SPOSATO, Karyna Batista. Culpa e Castigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 56, p. 53-54, 2005.5 Sobre essa tarefa, ver as palavras de Assis Toledo, in verbis: “A palavra ‘culpa’, em sentido lato, de que deriva ‘culpa-bilidade’, ambas empregadas, por vezes, como sinônimas, para designar um dos elementos estruturais do conceito de crime, é de uso muito corrente. [...] Utilizamo-la a todo instante, na linguagem comum, para imputação a alguém de um fato condenável. [...] O termo culpa adquire, pois, na linguagem usual, um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento. Veremos que o seu significado jurídico não é muito diferente. Todavia, se olharmos de frente a culpabilidade jurídico-penal, será fácil perceber que não estamos diante de algo tão simples como parece. Para transformá-la em um tema bastante problemático, basta que formulemos três ordens de indagação: 1. Que coisa é a culpabilidade? Será um fenômeno psíquico? Será um juízo que se emite a respeito de algo? Será ambas as coisas? 2. Onde está a culpabilidade? Em que lugar poderemos encontrá-la? Estará ela no psiquismo do criminoso, ou estará na cabeça do juiz que julga o criminoso? Estará ela, porventura, em ambos os lugares? 3. Por fim, qual o objetivo do juízo de culpabilidade? Será ele a pessoa do criminoso? Será ele apenas o fato criminoso? Ou será ele ambas as coisas.” (ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 216-217.)6 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 218.7 Nas palavras de Batista, in verbis: “O princípio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como o repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva.” (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 102.)8 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal Parte Geral: questões fundamentais à doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 511.9 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 218.

Page 8: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

8

Ainda que a precisa delimitação da culpabilidade jurídico-penal como elemento integrante

da teoria do crime venha a ocorrer apenas no século XIX, a noção de responsabilidade

subjetiva é observada já em sociedades medievais. Esse é o caso dos registros de Pufendorf, representante da doutrina jusnaturalística que, defendendo a ideia de liberdade da ação,

apresenta uma proposta de imputação aproximada da culpabilidade.10

Entretanto, o primeiro autor a apresentar um conceito de culpabilidade dentro da moderna

dogmática jurídico-penal foi Binding.11 Esse autor, em seu trabalho “Die Normen und ihre Übertretung”, de 1872, ainda que não tenha construído a culpabilidade como uma categoria

analítica autônoma e independente da ilicitude,12 demonstrou a importância da existência de

um liame subjetivo entre o autor e o fato para que houvesse o crime.13

Para esse autor, a culpabilidade seria um elemento pressuposto da ilicitude. A manifestação

volitiva daquele que realiza o tipo objetivo poderia ser, a seu modo de ver, culpável ou

não culpável, de modo que esse juízo determinaria a existência ou não da ilicitude deste

comportamento. Não haveria, assim, ilicitude sem culpabilidade. A culpabilidade, esse

predicado da manifestação volitiva, apareceria em Binding como o dolo e a culpa em sentido

estrito, elementos subjetivos entre autor e fato, sem os quais não haveria ilicitude. Ao

apresentar essas duas formas de culpabilidade, o dolo e a culpa em sentido estrito, como

elementos subjetivos sem os quais não poderia haver crime, Binding foi de suma importância

para a superação da responsabilidade objetiva, bem como para a posterior individualização

do conceito de culpabilidade dentro da teoria do crime.14

10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 360-361.11 TANGERINO, Davi. Apreciação crítica dos fundamentos da culpabilidade a partir da criminologia. 2009. Tese (Douto-rado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 263. 12 COUSO SALAS, Jaime. Fundamentos del derecho penal de culpabilidad. Valencia: Tirant lo blanch, 2006, p. 66-67.13 BINDING, Karl. La culpabilidad en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires: Editorial B de F, 2009, p. 11 e ss.14 BINDING, Karl. La culpabilidad en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires: Editorial B de F, 2009, p. 05 e ss. Para um melhor esclarecimento, as palavras do autor: “Uma culpa da ação do sujeito atuante é para todo crime necessária. Dolo e culpa em sentido estrito são os dois subconceitos nos quais o conceito de culpabilidade deixa-se ser decomposto [...] Dolo e culpa em sentido estrito oficializam-se aqui como características da criminalização.” (tradução nos-sa) In verbis: “Eine Schuld des handelnden Subjektes ist zu jedem Verbrechen erforderlich: Vorsatz und Fahrlässigkeit sind die beiden Unterbegriffe, in welche allein sich der Schuldbegriff zerlegen lässt [...] Vorsatz und Fahrlässigkeit fungiren also hier als Strafbarkeitsmerkmale.” (BINDING, Karl. Die Normen und ihre Übertretung. Leipzig: Engelmann, 1872, v. 1, p. 107.)

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 9: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

9

2. A Doutrina Psicológica da Culpabilidade

A individualização do conceito de culpabilidade, como categoria analítica da teoria do crime independente da ilicitude, dá-se no seio da doutrina causal ou clássica de crime.15 Esse movimento de individualização do conceito passa pela radical divisão, em categorias estanques, dos elementos objetivos e dos elementos subjetivos dentro da teoria do crime.16 Os elementos objetivos, externos, ficam com a ilicitude, e os elementos subjetivos, internos, com a culpabilidade. Essa separação é desenvolvida pela chamada teoria psicológica da culpabilidade. Seus principais representantes, como Liszt, Beling e Radbruch, consagraram o juízo de culpabilidade como um elemento subjetivo separado e autônomo da dimensão objetiva do crime.17

Influenciado pelo naturalismo do século XIX,18 Liszt construiu o primeiro grande sistema analítico da teoria do crime. Conceituando a ação como processo causal fruto de um impulso voluntário, capaz de realizar uma modificação no mundo exterior,19 o autor concebeu a culpabilidade como o vínculo psicológico entre o autor e o fato, relação subjetiva, interna, a ser analisada separadamente da verificação da ilicitude.20 Valendo-se do método classificatório próprio das ciências naturais,21 Liszt distribuiu tipicidade, ilicitude e culpabilidade como

elementos autônomos de sua construção científica de crime.22

15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 361-362.16 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal Parte Geral: questões fundamentais à doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 511.17 WULFF, Agnes. Die Existenziale Schuld. Berlin: Lit verlag, 2008, p. 17.18 BRANDÃO, Cláudio. Posição da culpabilidade na dogmática penal. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, n. 16, p. 114, 2004.19 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 361.20 REALE JUNIOR. Miguel. Teoria do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 124-125.21 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Cuadernos de ciencia penal y criminología. Santa Fe: Universidad Nacional del Litoral, 1958, p. 95.22 Sobre isso: Reale, in verbis: “[…] em todo delito, tipicidade fática, antijuridicidade e culpabilidade se integram e se cor-relacionam, para dar-nos a plenitude de seu significado, devendo aquelas notas determinantes ser examinadas analítica e sinteticamente, como elementos distintos de uma unidade estrutural […]” (REALE, Miguel. Preliminares ao estudo da estrutura do delito. Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, v. 63, p. 168, 1968.); (COUSO SALAS, Jaime. Fundamentos del derecho penal de culpabilidad. Valencia: Tirant lo blanch, 2006, p. 74-76.)

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

LinksPara mais informações a respeito do direito penal ao longo da história e na atualidade, é imprescindível consultar: <https://www.mpicc.de/en/home.cfm>; <http://www.ibccrim.org.br>.

Page 10: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

10

Com isso, estando somente na culpabilidade a análise do espectro subjetivo-interno do crime, dois vínculos estanques entre autor e fato podem ser observados na teoria causal de crime. O primeiro é o vínculo objetivo, a causalidade, tarefa da ilicitude. O segundo é o vínculo subjetivo, a relação psicológica entre autor e fato, tarefa exclusiva da culpabilidade.23

Desta maneira, a culpabilidade revela-se, nesta teoria, na descrição do estado anímico do autor no momento de sua manifestação volitiva ilícita.24 Ainda que agora como elemento a ser analisado separadamente da ilicitude, as modalidades de manifestação desse vínculo psicológico, a ser sustentado entre autor e fato, foram já anunciadas por Binding, o dolo e a culpa em sentido estrito. Pode-se dizer que, deste modo, a par de qualquer juízo axiológico de censura, a culpabilidade na teoria causal de crime é o dolo e a culpa em sentido estrito.25

Enquanto a manifestação jurídico-penalmente relevante da vontade é objeto da ilicitude, a culpabilidade atinge diretamente o conteúdo subjetivo dessa vontade, o dolo e a culpa em sentido estrito. Está, pois, assim, perfeitamente delimitada a separação analítica entre vontade e conteúdo da vontade.26 A responsabilidade do autor, nessa linha de pensar, teria

como fundamento a análise do vínculo psicológico sustentado com o fato.27

23 GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de direito penal. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1972. p. 161.24 CUESTA AGUADO, Paz M. Culpabilidad: exigibilidad y razones para la excupación. Madrid: Dykinson, 2003, p. 99-101.25 O desenvolvimento da teoria psicológica da culpabilidade é testemunha de uma noção de teoria do crime que pretende ser neutra axiologicamente. Por isso, a culpabilidade revela-se como a mera descrição do estado psicológico do autor no momento do fato, livre de qualquer ponderação axiológica de censura. Esse fenômeno está diretamente ligado ao movimento filosófico dominante à época, o naturalismo.26 Essa separação entre a vontade e seu conteúdo representa uma das principais características da teoria causal de crime, em que elementos objetivos e elementos subjetivos do delito foram cindidos. Vejamos: REALE JUNIOR. Miguel. Teoria do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 123. Nas palavras de Wulff: “De acordo com o conceito psico-lógico de culpabilidade, fundado por nomes como Liszt, Belling e Radbruch, todos os elementos subjetivos do delito são apreciados pela culpabilidade. [...] Todos os fatores objetivos, incluindo todas as circunstâncias externas à ação típica, são, por outro lado, atribuídas ao ilícito. Esta tentativa foi realizada para estabelecer, com segurança, dados identificáveis da culpabilidade, eliminando classificações imprecisas da compreensão de culpa. (tradução nossa) In verbis: “Nach dem psychologischen Schuldbegriff, der namentlich durch von Liszt, Belling und Radbruch begründet wurde, beurteilt sich die Schuld nach allen subjektiven Elementen des Delikts. [...] Sämtliche objektive Faktoren, darunter fallen alle äußeren Umstände des Tatgeschehens, werden dagegen dem Unrecht zugerechnet. Dadurch wurde versucht, Schuld an sicher feststellbare Daten zu knüpfen und unpräzise Wertungen aus dem Schuldverständnis zu verbannen.” (WULFF, Agnes. Die Existenziale Schuld. Berlin: Lit verlag, 2008, p. 17.) Sobre isso, também: SCHUDT, Rolf. Die subjektiven Unrechtse-lemente in der neueren Strafrechtsentwicklung. München: 1951, p. 3. No mesmo sentido, as palavras de Roxin: “Uma categoria de culpabilidade independente, no âmbito da teoria do delito, pode ser desenvolvida, apenas, quando a sepa-ração entre ilícito e culpa foi imposta à dogmática penal.” (tradução nossa) In verbis: “Eine eigenständige Deliktskategorie der Schuld konnte erst ausgebildet werden, als sich die Trennung von Unrecht und Schuld in der Strafrechtsdogmatik durchgesetzt hatte.” (ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997. p. 728.)27 LISZT, Franz von. Lehrbuch des deutschen strafrechts. Berlin: 1900, p. 135-136.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 11: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

11

Esse vínculo psicológico, no entanto, poderia apenas ser analisado diante da imputabilidade

do autor. A imputabilidade traduz-se como um pressuposto de toda construção da teoria

psicológica da culpabilidade.28 Neste diapasão, a capacidade de compreender seu ato e de

autodeterminar-se de acordo com ele acompanha o dolo e a culpa em sentido estrito no

conceito de culpabilidade desenvolvido pela teoria causal de crime.29, 30

3. A Doutrina Psicológico-Normativa da Culpabilidade

A teoria psicológico-normativa da culpabilidade foi construída junto à teoria neokantista de crime.31 Nessa teoria, sob influência da filosofia neokantiana, elementos normativos ganharam grande destaque, em detrimento dos elementos naturalistas próprios da teoria causal de crime.32

Esse movimento de normativização da teoria do crime liga-se ao desenvolvimento do conceito de culpabilidade e à penetração de elementos axiológicos nesse instituto.33 O primeiro autor a propor um conceito de culpabilidade que não se esgota na descrição do estado psicológico do agente, no momento do fato injusto, é Frank.34 Em Frank, a culpabilidade passa a ser um conceito normativo.35 Em sua obra “Uber den Aufbau des Schuldbegriff”, de 1907, esse autor desenvolve um elemento valorativo dentro do conceito de culpabilidade. Em Frank, o liame psicológico entre o autor e o fato não seria suficiente para que a realização do ilícito-típico

28 LISZT, Franz von. Lehrbuch des deutschen strafrechts. Berlin: 1900, p. 141 e ss. Sobre a imputabilidade, ver também: BRUNO, Anibal. Direito penal. Tomo 1. Rio de janeiro: Editora Nacional de Direito, 1956; p. 423; FRIAS CABALLERO, Jorge. Capacidad de Culpabilidad Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 1994, p. 21 e ss; SERRANO RODRIGUEZ, Manuel. Culpabilidad y Pena. Santiago: Imprenta Paredes, 1945, p. 66 e ss.29 REALE JUNIOR, Miguel. Teoria do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 124.30 Embora tenha sido Liszt o mais conhecido expoente da teoria psicológico-normativa da culpabilidade, como foi dito, no-mes como Beling e Radbruch contribuíram igualmente para o desenvolvimento desse conceito. Sobre isso, entre outras obras: ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Grundlagen der strafrechtssystematischen Schuldlehre. Berlin: Schweitzer Verlag, 1974, p. 91 e ss; BELING, Ernst. Unschuld, Schuld und Schuldstufen. Leipzig: Scientia Verlag, 1971. Nova impressão do original de 1910, p. 60.31 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 343.32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 218-219.33 HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Trad. Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 309.34 WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140.35 WESSELS, Johannes; BEULKE, Werner; SATZGER, Helmut. Strafrecht Allgemeiner Teil. Heidelberg: C.F. Müller, 2013, p.158

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 12: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

12

fosse considerada culpável. Seria necessária a existência de um juízo de censura em face da manifestação de vontade do agente.36

Essa valoração de censura sobre a manifestação de vontade daquele que comete a conduta delituosa é a reprovabilidade.37 Na perspectiva de Frank, culpabilidade é reprovabilidade. Esse juízo axiológico representaria a unidade de todo o conceito de culpabilidade na visão deste autor.38

Esse elemento valorativo, a reprovabilidade, seria a base fundamental para o conceito normativo puro de culpabilidade, desenvolvido posteriormente pelo finalismo.39 Ainda que seja atribuído a Frank o primeiro passo da teoria normativa da culpabilidade,40 esse autor ainda não descarta o dolo e a culpa em sentido estrito como elementos do conceito. Em sua construção teórica, a culpabilidade seria, ao mesmo tempo, um vínculo psicológico entre o autor e o fato e um juízo de reprovabilidade.41

Deste modo, a grande contribuição de Frank está em admitir que, mesmo onde exista o vínculo psicológico, sob a forma de dolo ou culpa em sentido estrito, pode não haver culpabilidade, pode não haver censura diante do injusto praticado. Isso porque são consideradas as características pessoais e as circunstâncias reais em que o autor agiu. A culpabilidade deixa de ser, somente, um elemento do psiquismo do agente e passa a ser, também, uma valoração de reprovabilidade

dirigida pela ordem jurídico-penal, pelo Magistrado, ao agente do ilícito-típico. 42

36 MEZGER, Edmund. La culpabilidad en el moderno derecho penal. Trad. Jose M. Navarrete. Universidad de Valladolid, 1956, p. 14-15; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 218-219 e 364.37 ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Grundlagen der strafrechtssystematischen Schuldlehre. Berlin: Schweitzer Verlag, 1974, p. 99.38 Nas palavras de Frank: “Na busca por uma palavra-chave que abarque todos os componentes mencionados do concei-to de culpabilidade, não acho outra palavra senão reprovabilidade. Culpabilidade é reprovabilidade.” (tradução nossa) In verbis: “Auf der Suche nach einem kurzen Schlagwort, das alle erwähnten Bestandteile des Schuldbegriffs in sich enthält, finde ich kein anderes als Vorwerfbarkeit. Schuld ist Vorwerfbarkeit.” (FRANK, Reinhard. Über den Aufbau des Schuldbe-griffs. Giessen: Rickers Verlag, 1907, p. 11.)39 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 223.40 STRATENWERTH, Günter; KUHLEN, Lothar. Strafrecht Allgeimeiner Teil. München: Franz Vahlen, 2011, p. 159-160; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 239-240.41 PARMA, Carlos. Culpabilidad: Lineamientos para su estudio. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo, 1997, p. 37.42 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 366; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 343-344.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 13: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

13

Foi a partir das pesquisas de Frank acerca dos estados desculpantes que os elementos

normativos passaram a integrar o conceito de culpabilidade.43 Principalmente com o

chamado estado de necessidade desculpante, o autor percebeu que o mesmo não poderia

ser suficientemente explicado com a teoria psicológica da culpabilidade.44 Ainda que presente

o nexo psicológico, seria inconcebível negar ou ignorar o propósito de um sujeito que age

em estado de emergência ou necessidade, demonstrando-se a importância de um elemento

valorativo que viesse a transcender a descrição do vinculo psicológico entre o autor e o fato.45

A partir desse desenvolvimento teórico, passaram a ser elementos da culpabilidade, na teoria

psicológico-normativa de Frank: o dolo e a culpa em sentido estrito, o juízo de reprovação e

a imputabilidade, como pressuposto. A reprovabilidade, enquanto juízo de censura dirigido

ao agente pela prática do fato ilícito, teria como pressuposto tanto o concreto liame subjetivo

entre o autor e o fato como a imputabilidade como capacidade de culpabilidade.46

Depois de Frank, ainda na teoria neoclássica de crime, a teoria psicológico-normativa da

culpabilidade recebeu importantes contribuições de Goldschmidt e Freudenthal.47 Goldschmidt

realizou uma diferenciação entre a norma jurídica e a norma de dever.48 A norma jurídica,

nessa divisão conceitual, estaria ligada ao injusto, à dimensão objetivo-geral do crime. Já

a norma de dever estaria ligada à culpabilidade, sendo de caráter subjetivo-individual.49 O

autor Freudenthal contribuiu, também, para o melhor desenvolvimento do conceito normativo-

43 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal Parte Geral: questões fundamentais à doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 512.44 Sobre isso, as palavras de Roxin: “Como pioneira, no que se refere a esta nova concepção, se apresenta a obra de Frank ‘Sobre a estrutura do conceito de culpa’, do ano de 1907. Frank partiu da observação de que o gradual reconheci-mento do descoberto estado de necessidade desculpante não poderia ser explicado com o conceito psicológico de cul-pa.” (tradução nossa) In verbis: “Als bahnbrechend im Sinne dieser neuen Auffassung gilt die Arbeit von Frank‚ Über den Aufbau des Schuldbegriffs‘ aus dem Jahre 1907. Frank ging aus von der Beobachtung, daß der allmählich Anerkennung findende entschuldigende Notstand durch den psychologischen Schuldbegriff nicht erklärbar war […]” (ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997, p. 728.)45 WULFF, Agnes. Die Existenziale Schuld. Berlin: Lit verlag, 2008, p. 18.46 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 240; WULFF, Agnes. Die Existenziale Schuld: Der fundamentalontologische Schuldbegriff Martin Heideggers und seine Bedeutung für Strafrecht. Berlin: Lit Verlag, 2008, p.19.47 MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte geral. Valencia: Tirant lo blanch libros, 1996, p. 367; ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997, p. 728 e ss.48 BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 60.49 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de derecho penal. Parte geral. Barcelona: Ariel Derecho, 1989, p. 312.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 14: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

14

psicológico de culpabilidade.50 Em seu trabalho “Schuld und Vorwurf”, de 1922, foi desenvolvido

o princípio da exigibilidade.51 Freudenthal reconheceu um relevante problema no conceito

de culpabilidade. Seu desdobramento prático é bem simples: o agente pode ter realizado o

ilícito-típico consciente e voluntariamente, mas, no entanto, não ser possível exigir, diante

das circunstâncias concretas, outro comportamento que não o realizado.52

Dito de outro modo, para essa teoria existem casos em que, assim como acontece com o

estado de necessidade desculpante, não é possível haver um juízo de reprovabilidade sobre

o comportamento individual, ainda que se possa verificar o ilícito-típico e o vínculo psicológico

entre autor e fato.53 Acerca do conceito psicológico-normativo de culpabilidade, é possível

concluir que, tanto para Goldschmidt como para Freudenthal, assim como se viu em Frank,

o dolo e a culpa em sentido estrito permanecem como elementos do instituto. Da mesma

maneira, a imputabilidade continua como pressuposto.54

4. A Doutrina Normativa da Culpabilidade

A partir do desenvolvimento da teoria finalista de crime, principalmente por Welzel, a

culpabilidade jurídico-penal passa a ser um conceito puramente normativo.55 Isso quer dizer

que os elementos axiológicos, introduzidos pela teoria psicológico-normativa, ganham total

independência com relação aos elementos descritivos que permaneciam no conceito desde

50 Sobre isso, o funcionalista Roxin: “Com base em Frank e Goldschmidt, Freudenthal, em seguida, desenvolveu a inexi-gibilidade de conduta adversa como causa geral, supra-legal, de exclusão da culpabilidade. Tal inexigibilidade de conduta adversa, como causa geral de exclusão da culpabilidade, é, ainda hoje, amplamente reconhecida nos crimes culposos e nos crimes omissivos [...]” (tradução nossa) In verbis: Auf Frank und Goldschmidt aufbauend hat dann Freudenthal einen allgemeinen übergesetzlichen Schuldausschließungsgrund der Unzumutbarkeit entwickelt [...] Ein solcher allgemeiner Schuldausschließungsgrund der Unzumutbarkeit wird noch heute bei fahrlässigen Straftaten und bei Unterlassungsdeli-kten weithin anerkannt [...]” (ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997, p. 730.)51 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de derecho penal. Parte geral. Barcelona: Ariel Derecho, 1989, p. 312.52 FREUDENTHAL, Berthold. Schuld und Vorwurf. Tübingen: Mohr, 1922, p. 2; BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 2. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 62.53 Na orientação de Freudenthal, existem casos em que, segundo as circunstâncias concretas do fato ilícito-típico, não se pode formular nenhum juízo ético de reprovabilidade. FREUDENTHAL, Berthold. Schuld und Vorwurf. Tübingen: Mohr, 1922, p. 27.54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 366.55 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 369 e ss.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 15: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

15

a teoria causal de crime.56 Os elementos psicológico-descritivos, o dolo e a culpa em sentido

estrito, assim, deixam de pertencer à culpabilidade,57 que passa a ser, tão só, um juízo

normativo de censura pessoal pela prática do ilícito-típico.58

Importante, no caminho entre a teoria psicológico-normativa e a teoria normativa pura da

culpabilidade, que se apresenta, sobretudo, em Welzel, é o trabalho de Dohna. Dohna, na

obra “Aufbau der Verbrechenslehre”, de 1935, sobre a teoria normativa da culpabilidade

jurídico-penal, esclareceu o que seria a culpabilidade e o que seria seu objeto.59

Na oposição entre elementos naturalísticos e elementos normativos, entre a descrição da

realidade empírica e o valor,60 esse autor percebeu, dentro da teoria do crime, quais seriam

os elementos que representam o objeto da valoração e quais representam a valoração do

objeto.61 A reprovabilidade, enquanto núcleo da culpabilidade, representaria a valoração do

objeto.62 O objeto de valoração seria a ação humana, a manifestação de vontade que se

revela em um tipo objetivo e em um tipo subjetivo, integrado esse pelo dolo.63 A partir desta

constatação, o dolo, elemento psicológico que liga o autor ao fato injusto, deixa de ser um

integrante da culpabilidade e passa a ser seu objeto.64

Ainda sobre o dolo, Mezger percebeu problemas com o conceito de dolus malus, que, na teoria

psicológico-normativa, habitava a culpabilidade e abarcava o elemento do conhecimento da

56 CAMARGO, A. L. Chaves. Culpabilidade e reprovação penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994, p. 122-123.57 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 240.58 STRATENWERTH, Günter; KUHLEN, Lothar. Strafrecht Allgeimeiner Teil. München: Franz Vahlen, 2011, p. 160.59 WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140.60 Essa tensão entre elementos naturalístico-descritivos e elementos axiológico-normativos atravessa todo o desenvolvi-mento da teoria do crime. As principais categorias da teoria do crime são forjadas a partir dessa tensão.61 COUSO SALAS, Jaime. Fundamentos del derecho penal de culpabilidad. Valencia: Tirant lo blanch, 2006, p. 123-124.62 WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140.63 COUSO SALAS, Jaime. Fundamentos del derecho penal de culpabilidad. Valencia: Tirant lo blanch, 2006, p. 123-124.64 Nas palavras de Welzel: “Somente Dohna, em Aufbau der Verbrechenslehre, 1935, realizou, nessa última relação, uma nítida distinção entre reprovabilidade, como valoração, e dolo, como objeto de valoração, limitando a reprovação da culpabilidade à valoração do objeto [...]” (tradução nossa) In verbis: “Erst Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, 1935, trennte in letzterer Beziehung scharf zwischen Vorwerfbarkeit als Wertung und Vorsatz als dem Objekt der Wertung und beschränkte den Schuldvorwurf auf die Wertung des Objekts [...]” (WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine syste-matische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140.)

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 16: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

16

proibição da conduta realizada.65 Posteriormente, com a teoria normativa pura de Welzel, o

dolo deixaria de possuir esse elemento normativo e passaria a ser puramente psicológico,

sendo preenchido tão só pela previsão e pela vontade. A consciência da ilicitude, no entanto,

permaneceria na perspectiva finalista de culpabilidade, porém, em sua condição potencial.66

A partir do que foi dito, é com o sistema finalista de Welzel que a culpabilidade passa a

ser um conceito puramente normativo. A teoria finalista de crime refuta, em boa parte, as

construções anteriores sobre a culpabilidade,67 de modo que os elementos de natureza

psicológico-descritiva foram extirpados do conceito.68

Desta maneira, o dolo e a culpa em sentido estrito foram deslocados para o espaço do ilícito-

típico. O injusto ganhou complexidade e passou a ser integrado pelos estados anímicos do

dolo e da culpa em sentido estrito. A culpabilidade, de seu lado, solidificou-se como categoria

de reprovabilidade sobre a manifestação da vontade ilícita.69

A partir disso, para a teoria normativa pura de Welzel, a culpabilidade jurídico-penal é um

juízo axiológico de reprovabilidade pela manifestação de vontade do agente que comete o

injusto. Considerando a ação final uma manifestação volitiva consciente dirigida a um fim,70

65 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 224.66 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 240.67 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 34568 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 369.69 A manifestação do próprio Welzel: “No curso deste desenvolvimento, impregna-se a teoria do tipo e do ilícito, cada vez com mais força, com momentos anímicos que, em um primeiro momento, atribuíam-se, de forma errônea à culpa-bilidade. Ao contrário disso, excluem-se do conceito de culpabilidade os elementos anímicos-subjetivos e conserva--se, unicamente, o critério de reprovabilidade.” (tradução nossa) In verbis: “Im Verlaufe dieser Entwicklung füllten sich die Tatbestands – und die Unrechtslehre immer stärker mit seelischen Momenten an, die ursprünglich irrtümlich dem Schuldbegriff zugewiesen waren. Aus dem Schuldbegriff dagegen schieden die subjektiv-seelischen Elemente aus; er behielt allein das Kriterium der Vorwerfbarkeit zurück.” (WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140.) No mesmo sentido, acerca desta importante viragem no pensamento da culpabilidade jurídico-penal, as palavras de Roxin: “A doutrina normativa da culpabilidade sofreu outra modificação pela teoria finalista do delito. O dolo e a negligência, nos crimes culposos, foram já atribuídos ao tipo penal e, assim, retirou--se da culpabilidade substancialmente os elementos que a doutrina psicológica da culpabilidade tinha consagrado como seu conteúdo exclusivo.” (tradução nossa) In verbis: “Eine weitere Modifizierung erfuhr der normative Schuldbegriff durch die finale Handlungslehre, indem diese den Vorsatz und die objektive Sorgfaltspflichtverletzung bei den Fahrlässigkeits-delikten bereits dem Tatbestand zuordnete und dadurch der Schuld im wesentlichen gerade die Elemente entzog, die für den psychologische Schuldbegriff ihren alleinigen Inhalt ausgemacht hatten.” (ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997, p. 729.)70 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal. Parte geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 85.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 17: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

17

os elementos objetivos e subjetivos do injusto seriam, a partir de então, considerados objeto

da reprovabilidade jurídico-penal.71

A reprovabilidade vem a atingir, deste modo, o ilícito-típico, em sua dimensão objetiva e

subjetiva, como seu objeto.72 A partir desta perspectiva teórica, passam a ser os elementos da

culpabilidade, na doutrina normativa pura: a imputabilidade, como pressuposto de capacidade,

a potencial consciência da ilicitude, como legado do dolus malus, e a exigibilidade de conduta

conforme ao direito, como herança das pesquisas de Freudenthal.73

É preciso dizer que a doutrina normativa pura da culpabilidade, assim como a teoria finalista

de crime, de forma geral, veio a sofrer importantes críticas teóricas. Sobretudo com relação

ao conteúdo material da culpabilidade na teoria normativa pura, que encontra seu fundamento

na liberdade da vontade, severas desconstruções foram desenvolvidas. Com isso, existem

hoje propostas de superação da teoria de Welzel, entre elas, a teoria funcionalista de Roxin.74

71 BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 65.72 WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969, p. 140-14173 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 370.74 ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal. Trad. Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Cri-minais, São Paulo, v. 46, p. 57-60, 2004; ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997, p. 740 e ss; ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 144-148. Sobre o debate pós-finalista e sobre uma proposta de conteúdo material, pós-finalista não funcionalista, para a culpabilidade jurídico-penal, ver: BUONICORE, Bruno Tadeu. O fundamento onto-antropológico da culpa: contributo para o estudo do conteúdo material da culpabilidade na dogmática penal contemporânea. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - PUC-RS, 2014.

Vamos pensar

Desenvolva pesquisas e elabore um breve texto elucidando a influência da teoria

desenvolvida por Mezger, a qual serviu como substrato teórico do direito penal nacional-

socialista (Nazismo) das décadas de 1930 e 1940, na Alemanha. Recomenda-se a leitura dos

escritos do professor Munhoz Conde.

Aula 01 | Culpabilidade e sua evolução histórica

Page 18: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

18

• Culpabilidade.

• Responsabilidade objetiva.

• Responsabilidade subjetiva.

• Doutrina psicológica da culpabilidade.

• Relação psicológica entre autor e fato.

• Doutrina psicológico-normativa da culpabilidade.

• Dolo e culpa em sentido estrito.

• Doutrina normativa da culpabilidade.

Pontuando

Culpabilidade: “estado ou característica do que é culpado ou do que é passível de ser

culpado”. Fonte: Dicionário Houaiss Conciso (2011, p. 249).

Glossário

Page 19: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

19

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 1

O que busca, entre outros objetivos, o princí-

pio da culpabilidade?

a) O abolicionismo.

b) A responsabilidade acessória.

c) O Humanismo.

d) Superar a responsabilidade objetiva.

e) O Utilitarismo.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 2

Qual autor, nos primórdios do estudo da cul-

pabilidade, apresenta uma proposta inicial

de imputação que visa limitar a responsabili-

zação do agente?

a) Pufendorf.

b) Hobbes.

c) Jean Jacques Rousseau.

d) Beccaria.

e) Roxin.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 3

Qual autor foi o primeiro a apresentar um

conceito de culpabilidade na moderna dog-

mática jurídico-penal?

a) Betiol.

b) Ferrajoli.

c) Binding.

d) Roxin.

e) Bentham.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 4

Quais os principais nomes da teoria psicoló-

gica da culpabilidade?

a) Grevi - Conso - Pavarini.

b) Liszt - Beling - Radbruch.

c) Pufendorf - Belling - Anibal Bruno.

d) Anibal Bruno - José Higino - Silva Franco.

e) Levi-Strass - Gauer - Beling.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 5

Na atualidade, qual a principal corrente que

visa superar a teoria de Welzel da culpabili-

dade?

a) A teoria agnóstica.

b) A teoria moralista.

c) A teoria funcionalista de Roxin.

d) A teoria social.

e) A teoria onto-antropológica.

Verificaçãode leitura

Page 20: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

20

ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Grundlagen der strafrechtssystematischen Schuldlehre. Berlin: Schweitzer Verlag, 1974.

ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

BELING, Ernst. Unschuld, Schuld und Schuldstufen. Leipzig: Scientia Verlag, 1971. [Nova impressão do original de 1910]

BINDING, Karl. La culpabilidad en derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires: Editorial B de F, 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: Saraiva, 2000.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRANDÃO, Cláudio. Posição da culpabilidade na dogmática penal. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, n. 16, 2004.

BRUNO, Anibal. Direito penal. Tomo 1. Rio de janeiro: Editora Nacional de Direito, 1956.

BRUNO, Aníbal. Direito penal. Tomo 2. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

BUONICORE, Bruno Tadeu. O fundamento onto-antropológico da culpa: contributo para o estudo do conteúdo material da culpabilidade na dogmática penal contemporânea. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - PUC-RS, 2014.

BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de derecho penal. Parte geral. Barcelona: Ariel Derecho, 1989.

CAMARGO, A. L. Chaves. Culpabilidade e reprovação penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal. Parte geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006.

COUSO SALAS, Jaime. Fundamentos del derecho penal de culpabilidad. Valencia: Tirant lo blanch, 2006.

CUESTA AGUADO, Paz M. Culpabilidad: exigibilidad y razones para la excupación. Madrid: Dykinson, 2003.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Parte Geral: questões fundamentais à doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

DOLCINI, Emilio; MARINUCCI, Giorgio. Corso di diritto penale. Milano: Giuffrè, 2001.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.

FRANK, Reinhard. Über den Aufbau des Schuldbegriffs. Giessen: Rickers Verlag, 1907.

FREUDENTHAL, Berthold. Schuld und Vorwurf. Tübingen: Mohr, 1922.

FRIAS CABALLERO, Jorge. Capacidad de Culpabilidad Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 1994.

GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de direito penal. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1972.

Referências

Page 21: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

21

Referências

HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Trad. Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Cuadernos de ciencia penal y criminología. Santa Fe: Universidad Nacional del Litoral, 1958.

KAUFMANN, Arthur. Das Schuldprinzip. Heidelberg: Carl Winter, 1961.

LISZT, Franz von. Lehrbuch des deutschen strafrechts. Berlin, 1900.

MEZGER, Edmund. La culpabilidad en el moderno derecho penal. Trad. Jose M. Navarrete. Universidad de Valladolid, 1956.

MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte geral. Valencia: Tirant lo blanch libros, 1996.

PARMA, Carlos. Culpabilidad: Lineamientos para su estudio. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo, 1997.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

REALE JUNIOR, Miguel. Teoria do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

REALE, Miguel. Preliminares ao estudo da estrutura do delito. Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, v. 63, 1968.

ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no direito penal. Trad. Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 46, 2004.

ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. München: Becksche, 1997.

SCHUDT, Rolf. Die subjektiven Unrechtselemente in der neueren Strafrechtsentwicklung. München, 1951.

SERRANO RODRIGUEZ, Manuel. Culpabilidad y Pena. Santiago: Imprenta Paredes, 1945.

SPOSATO, Karyna Batista. Culpa e Castigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 56, 2005.

STRATENWERTH, Günter; KUHLEN, Lothar. Strafrecht Allgeimeiner Teil. München: Franz Vahlen, 2011.

TANGERINO, Davi. Apreciação crítica dos fundamentos da culpabilidade a partir da criminologia. 2009. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Berlin: Gruyter, 1969.

WESSELS, Johannes; BEULKE, Werner; SATZGER, Helmut. Strafrecht Allgemeiner Teil. Heidelberg: C.F. Müller, 2013.

WULFF, Agnes. Die Existenziale Schuld: Der fundamentalontologische Schuldbegriff Martin Heideggers und seine Bedeutung für Strafrecht. Berlin: Lit Verlag, 2008.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1.

Page 22: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

22

Questão 1

Resposta: E

Resolução: A noção de que a punição estatal só é legítima onde há culpabilidade individual

representa uma conquista do direito penal liberal-iluminista, sendo a partir desta que surge a

necessidade de se verificar até onde é legítimo o Estado exigir determinado comportamento

individual.

Questão 2

Resposta: A

Resolução: Ainda que a precisa delimitação da culpabilidade jurídico-penal como elemento

integrante da teoria do crime venha a ocorrer apenas no século XIX, a noção de responsabilidade

subjetiva é observada já em sociedades medievais. Esse é o caso dos registros de Pufendorf,

representante da doutrina jusnaturalística, que, defendendo a ideia de liberdade da ação,

apresenta uma proposta de imputação aproximada da culpabilidade.

Questão 3

Resposta: C

Resolução: O primeiro autor a apresentar um conceito de culpabilidade dentro da moderna

dogmática jurídico-penal foi Binding. Em seu trabalho “Die Normen und ihre Übertretung”, de

1872, demonstrou a importância da existência de um liame subjetivo entre o autor e o fato

para que houvesse o crime.

Gabarito

Page 23: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

23

Questão 4

Resposta: B

Resolução: A individualização do conceito de culpabilidade, como categoria analítica da teoria

do crime independente da ilicitude, dá-se no seio da doutrina causal ou clássica de crime.

Esse movimento de individualização do conceito passa pela radical divisão, em categorias

estanques, dos elementos objetivos e dos elementos subjetivos dentro da teoria do crime.

Os elementos objetivos, externos, ficam com a ilicitude, e os elementos subjetivos, internos,

com a culpabilidade. Essa separação é desenvolvida pela chamada teoria psicológica da

culpabilidade. Seus principais representantes, como Liszt, Beling e Radbruch, consagraram

o juízo de culpabilidade como um elemento subjetivo separado e autônomo da dimensão

objetiva do crime.

Questão 5

Resposta: C

Resolução: É preciso dizer que a doutrina normativa pura da culpabilidade, assim como a

teoria finalista de crime, de forma geral, veio a sofrer importantes críticas teóricas. Sobretudo

com relação ao conteúdo material da culpabilidade na teoria normativa pura, que encontra

seu fundamento na liberdade da vontade, severas desconstruções foram desenvolvidas.

Com isso, existem hoje propostas de superação da teoria de Welzel, entre elas, a teoria

funcionalista de Roxin.

Gabarito

Page 24: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

24

TEMA 02PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL: IMPUTAÇÃO PESSOAL - IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA

Page 25: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

LEGENDA DE ÍCONES seções

25

Início

Referências

Gabarito

Verificaçãode leitura

Pontuando

Vamos pensar

Glossário

Page 26: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

Aula

26

02

Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Objetivo

Nesta aula, você terá acesso aos detalhes relacionados à responsabilidade pessoal, à

imputação pessoal, subjetiva e objetiva, e, com isso, conhecerá as novas tendências de

imputação na moderna teoria do fato punível.

Resumo da Aula

Caro(a) aluno(a), esta aula tem por condão realizar uma exposição panorâmica daquilo

que se entende por princípio da responsabilidade pessoal em direito penal, bem como os

efeitos de tal princípio no que tange à imputação de um fato criminoso a seu autor. Para isso,

expõe seus conceitos centrais e sua forma de manifestação específica na teoria geral do

delito e no ordenamento jurídico no que diz respeito à imputação.

1. Introdução

É certo que o princípio da responsabilidade pessoal é característica do direito penal

moderno, de matriz liberal, e está relacionado ao inafastável princípio da legalidade, bem

como representa a primeira feição do princípio da culpabilidade, visto que, no estado moderno,

somente quando verificada a culpabilidade se pode fundamentar a responsabilidade penal

pessoal pela realização de um ilícito-típico.

Neste aspecto, tratar da responsabilidade penal é paralelamente desenvolver acerca da

evolução do entendimento, debate e evolução da doutrina da culpabilidade jurídico-penal, o

que já é, por si só, capaz de abarrotar bibliotecas inteiras. Não é sem razão que Liszt afirma:

Page 27: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

27

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

O princípio, hoje subentendido, que a culpa é um dos caracteres da idéa do crime, que sem culpa não se pôde infligir pena, é o producto de um longo desenvolvimento, até aqui pouco atendido e ainda não de todo concluído. Só gradualmente a idéa do injusto compreendeu em si a da falta, e é pelo aperfeiçoamento da doutrina da culpa que se mede o progresso do direito penal.1, 2

Sem dúvida, abordar de forma exaustiva tal movimento do pensamento jurídico-penal seria um

atrevimento, uma tarefa hercúlea que, no fôlego desta disciplina, não teria êxito. Até porque

ainda hoje não se encontra estabelecida univocamente e com ausência de críticas a história

do princípio da culpa e suas relações com a tese da responsabilidade objetiva.3 Portanto,

o presente estudo busca demonstrar, de forma sintética e sumária, um breve histórico das

mudanças no paradigma da responsabilização penal e seus efeitos no que tange à imputação.

2. Breve Histórico do Princípio da Responsabilidade Pessoal no Direito Penal

2.1 Responsabilidade por Fato de Outrem

No direito penal da antiguidade havia a figura da responsabilização por fato de outrem, para a qual o sujeito poderia responder pelo fato criminoso realizado por outro,

mesmo que não tivesse dado nenhuma contribuição causal para a ocorrência dele. Esta

forma de responsabilidade permitia a punição aos pais pelos crimes dos filhos ou vice-versa.

Possibilitava, também, a responsabilização coletiva, como a punição de uma família ou de

grupos sociais pelo crime cometido por um de seus membros.4

1 LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo I. Tradução de José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1899, p. 250, grifo nosso.2 No mesmo sentido: DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade, Culpa, Direito Penal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 15; e BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 352.3 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coim-bra: Coimbra Editora, 2004, p. 472.4 Neste sentido, MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002, p. 133.

Page 28: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

28

Tal concepção é própria de um período histórico em que não havia a concepção de indivíduo,

em que o sujeito era nada além de um elemento orgânico de uma única realidade político-

social maior e não tinha valor em si mesmo.5

Em oposição a tal concepção surge a noção de responsabilidade pessoal.

2.2 Responsabilidade Pessoal

O princípio da responsabilidade pessoal, também

denominado princípio da pessoalidade, determina a

intranscendência da pena à pessoa do condenado,

ou seja, decorre deste o axioma de que a pena deverá

ater-se somente àquele que cometeu o delito.

Tal princípio está positivado no § 3º do art. 5º da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que

estabelece que “nenhuma pena pode passar da pessoa do delinquente”, e na legislação

pátria, consagrado no inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido

Na síntese elaborada por Luiz Flávio Gomes:

O princípio da responsabilidade pessoal proíbe o castigo penal pelo fato de outrem (pelo fato alheio), já que o ser humano só pode responder penalmente pelos fatos próprios. Ou seja: ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por fatos de terceiros. A responsabilidade penal, diferente da civil, tributária etc., deve recair diretamente sobre a pessoa que exteriorizou o fato, que se envolveu causal e juridicamente no fato.6

5 MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002, p. 133.6 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais: vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 520.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Saiba MaisSTRATENWERTH, Günther. Dere-cho penal, parte general. Cizur Menor: Thompson/Civitas, 2005; ZAFFARO-NI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal bra-sileiro. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 1997.

Links<http://professorlfg.jusbrasil.com.br/>.

Page 29: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

29

Tal princípio implica e faz derivar, uma vez que a pena deve ater-se àquele que realizou fato

próprio, que haja a imputação penal pessoal, ou seja, o crime deve ser imputado somente

à pessoa que o cometeu.

2.2.1 Responsabilidade Pessoal Objetiva

Historicamente, a primeira formulação de responsabilidade pessoal e sua consequente imputação pessoal ocorre pela responsabilidade pessoal objetiva, segundo a qual o sujeito somente poderá responder penalmente por fato próprio, no sentido de ser aquele que deu causa ao resultado criminoso. Tal forma de compreensão da responsabilidade penal representa uma maior delimitação do ius puniendi, tornando a responsabilidade delimitada à pessoa causadora do fato.

Para a responsabilidade pessoal objetiva avaliava-se a responsabilidade pelo fato ilícito em sua feição puramente objetiva, ou seja, no âmbito da manifestação no mundo exterior e da relação causal, excluindo-se da avaliação do juízo os aspectos subjetivos do autor do delito ou mesmo sua capacidade ou incapacidade de agir de outra maneira. Assim, bastava para o juízo de responsabilização penal a demonstração do nexo causal ôntico-naturalístico entre a ação (física) do autor e o resultado no mundo exterior. Portanto, a “ligação” psicológica entre autor e o fato era, senão desconhecida, desconsiderada.

Portanto, acertada é a afirmação de Faria Costa, para quem o nexo de causalidade ocupa “[...] um lugar fundamental na dogmática penal, é o quid que assinala a passagem da responsabilidade por facto alheio para a responsabilidade por fato próprio”.7

Contudo, apesar de seus méritos, tal proposta enfrentou insuperáveis críticas no que tange às tentativas de responsabilização fundamentadas somente na averiguação da causalidade entre a conduta e o resultado sob o paradigma puramente ontológico ou empírico-natural,8 pois ignorava outros elementos imprescindíveis ao direito penal no que diz respeito à responsabilização, por dizer, tanto a carga axiológico-normativa do resultado quanto a ligação psicológica entre o autor e o fato.

7 COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 223.8 Para maiores informações, Disciplina 1 – Aula 4. Teoria da Imputação Objetiva.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Page 30: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

30

Pode-se afirmar, não sem o risco de simplificação e banalização da história das ideias

penais, que o marco de maior peso do aparecimento das ideias que mais tarde formariam o

aparato conceitual configurado na figura do princípio da culpabilidade, capazes de superar

a responsabilidade penal objetiva, são as definições filosóficas trazidas na Suma Teológica, de São Tomás de Aquino. O filósofo, em um aprofundamento do pensamento aristotélico

da teleologia,9 traça a distinção entre as ações que são deliberadas e as que não o são,

reservando o nome e a especialidade de “ações humanas” às primeiras, em que pese não

negue às segundas o caráter de ações de homens.10 Tal distinção implica maior clareza no

que diz respeito à classificação de tais ações e, consequentemente, de seu grau de (des)

valoração.

Apesar de as ideias fundamentais provenientes da filosofia terem surgido e ganhado

notoriedade em período histórico anterior, e, assim, servido de solo epistemológico para as

transformações do direito penal, tais ideias só tiveram penetração efetiva na dogmática e nas

práticas penais, no que tange à superação da responsabilidade objetiva, com o advento do

patrimônio de ideias do Iluminismo11 e das teorias do contrato social, que conduziram a uma

acentuação da compreensão da necessidade de defender o indivíduo face ao Estado.12 Mais

notadamente, tal herança axiológica tornou-se particularmente visível no direito e processo

penal.13

No que diz respeito à responsabilização, o ponto nevrálgico e de maior peso de tal penetração

axiológica dos ideais iluministas se localiza na noção de que a pena somente poderá ser

atribuída de forma legítima onde houver culpabilidade individual (nulla poena sine culpa) e,

9 O pensamento aristotélico da teleologia tem, com seus complementos, ramificações e ressignificações, um efeito gi-gantesco em toda a história do direito penal, assumindo em sua formulação mais recente a base teórica primordial que desembocará no finalismo de Welzel. Para maiores informações, Módulo 1. Aula 5 – Conduta, os paradigmas filosóficos do direito penal.10 Neste sentido, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1998, p. 9.11 No mesmo sentido, COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 146 e ss.12 Para uma leitura de maior profundidade sobre as transformações da “economia de punição” realizada a partir dos ide-ais iluministas, ler: FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001; e FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. São Paulo: Editora Vozes, 2001.13 Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo. O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 43.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Page 31: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

31

ao mesmo passo, quando a pena limitar-se à medida dessa culpabilidade. Na esteira deste

pensamento, a superação da responsabilidade objetiva ou pelo resultado no direito penal

deve-se à aceitação e ao fortalecimento do princípio da culpa no seio da teoria e prática do

direito penal e processual penal.

2.2.2 Responsabilidade Pessoal Subjetiva

Para o princípio da responsabilidade pessoal subjetiva não basta a existência do nexo

causal entre a conduta e o resultado; para além disso, exige uma ligação psicológica entre o

autor e o fato, que pode ocorrer na forma dolosa ou culposa.

O princípio em tela foi adotado pela legislação pátria, como resta evidente da leitura do art. 18

do Código Penal, que dispõe haver unicamente duas espécies de crime: a) doloso, quando o

agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; e b) culposo, quando o agente deu

causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Portanto, uma vez que somente será reconhecida a existência de um crime se este for doloso

ou culposo, logo, a ligação psicológica entre o autor e o fato é um elemento imprescindível

para a responsabilização penal. Assim, só poderá ser responsabilizado aquele que obrar com

dolo ou culpa.

Neste sentido, o princípio da responsabilidade pessoal subjetiva é uma conquista fundamental

do pensamento humano, o que levou a distinguir as ações danosas realizadas pelo homem

daquelas próprias dos animais: como pressuposto implícito estão a aceitação e conformação

jurídico-penal da habilidade do homem, ao contrário do animal, de fazer escolhas entre os

vários comportamentos possíveis e de guiar-se conforme valores.14

3. Imputação Pessoal

Conforme já exposto, a evolução da teoria da responsabilidade penal ocorreu, juntamente

à concretização do princípio da culpa, em um processo de subjetivação da responsabilização

e de delimitação do ius puniendi. Neste sentido, em consequência necessária do princípio da

14 Neste sentido: MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002, p. 134.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Page 32: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

32

responsabilidade pessoal, o processo de imputação “passou a ter como ponto de gravidade

a consideração de que só será possível atribuir-se o injusto a alguém, quando sua realização

possa ser afirmada como obra sua e não de terceiros”.15

Posteriormente, em um desdobramento mais profundo deste axioma, a fim de suprir a

necessidade de delimitação do envolvimento pessoal do autor no fato, lançou-se mão da

demonstração objetiva do nexo de causalidade – imputação objetiva – como forma de

demonstrar se o autor deu causa ao fato criminoso.

Contudo, somente o nexo de causalidade mostrou-se insuficiente para demonstrar o

envolvimento do autor frente ao fato, e, em uma etapa mais recente da evolução, passou-se

a exigir igualmente a demonstração inequívoca do envolvimento subjetivo do autor com o

resultado típico – imputação subjetiva.

Outrossim, com as contribuições recentes da teoria da imputação objetiva, não somente o

primeiro momento de imputação deve levar em consideração o nexo de causalidade empírico-

naturalístico, senão igualmente o nexo normativo, composto de critérios e orientações

provenientes da valoração jurídica.16

Neste sentido, sobre a evolução da responsabilidade penal, é acertada a síntese de Ferrando

Mantovani:

A evolução da responsabilidade penal. A história do direito penal é caracterizada [...] a partir da contraposição dialética entre: 1) o princípio da objetividade, segundo o qual o crime está centrado na lesão objetiva ao bem e é imputado ao sujeito na mera base de nexo de causalidade e, por vezes, prescindindo deste; 2) o princípio da subjetividade, segundo a qual o crime está centrado na vontade criminosa ou na periculosidade e é atribuída ao sujeito prescindindo de uma manifestação lesiva exterior; 3) o princípio, misto, da objetividade-subjetividade, segundo o qual o crime é centrado em ambos estes elementos.17

15 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 205.16 Para maiores informações sobre a teoria da imputação objetiva, ler: Módulo 1 – Aula 4 – Teoria da Imputação Objetiva.17 MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002: ”Principi di Diritto Penale. “L’evoluzione della responsabilità penale. – La storia del diritto penale è caratterizzata […] dalla contrapposizione dialettica tra: 1) il principio di oggettività, in base al quale il reato si incentra sulla obiettiva lesione del bene ed è imputato al soggetto sulla mera base del nesso causale e, talora, prescindendo da esso; 2) il principio di soggettività, in base al quale il reato si incentra sulla volontà criminosa o sulla pericolosità e viene imputato al soggetto a prescindere da precise estrinseca-zioni lesive; 3) il principio, misto, di oggettività-soggettività, in base al quale il reato si incentra sull’uno e sull’altro di tali elementi.” Tradução Livre.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Page 33: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

33

Portanto, pode-se concluir, consoante a lição de Juarez Tavares, que o processo de imputação

deve desenvolver-se objetiva e subjetivamente:

Na primeira, assenta-se em que, dentro da perspectiva da garantia, é indispensável a demonstração inequívoca de que o injusto tenha que ser objetivamente determinável, de modo que não reste dúvida de que a conduta incriminada fora realizada pelo sujeito. Na segunda, de que essa conduta tenha que ser individualizada, quer dizer, sobre ela se processa a uma depuração empírica de seus elementos de modo a identificar com precisão a exata contribuição do sujeito na execução. [...] daí dizer-se que no tipo de delito há duas ordens de imputação: uma imputação objetiva que se relaciona, no âmbito puramente objetivo, à ação proibida e seu objeto, bem como ao resultado e uma imputação subjetiva, que diz respeito à configuração do dolo e seu alcance, bem como aos elementos de sua diferenciação com a culpa.18

Por fim, em uma retomada sintética, a partir do princípio da responsabilidade pessoal, a

incriminação deverá ater-se somente à pessoa que cometeu o delito. Neste sentido, na

primeira etapa e como pedra angular da aferição da existência do delito deverá o juízo de

incriminação perquirir acerca da existência ou não de uma ofensa ao bem jurídico, pois

somente assim estará justificada a intervenção penal. Uma vez ultrapassado tal momento,

deve-se averiguar se o sujeito contribuiu para a causação do resultado típico. Para tal, deverá

ser verificado o nexo de causalidade, bem como o nexo normativo – Teoria da imputação objetiva. Já em um segundo momento, a verificação deverá direcionar-se à averiguação

dos elementos subjetivos, ou seja, da existência ou não do dolo, e, caso for, de elementos

subjetivos especiais.

18 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 205-206.

Vamos pensar

Efetue uma breve leitura, com respectivas anotações, a respeito da evolução da culpa e

do castigo ao longo da história moderna e contemporânea. Recomenda-se como ponto de

partida a obra Vigiar e Punir, de Michel Foucault.

Aula 02 | Princípio da responsabilidade pessoal: imputação pessoal - imputação objetiva e subjetiva

Page 34: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

34

Legalidade: “conformidade com a lei. Conjunto das determinações constantes das leis”.

Fonte: Dicionário Houaiss Conciso (2011, p. 579).

• Responsabilidade pessoal no direito penal.

• Responsabilidade por fato de outrem.

• Responsabilidade pessoal objetiva e subjetiva.

• Imputação pessoal.

Pontuando

Glossário

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 1

A noção de responsabilidade pessoal - ou prin-

cípio da pessoalidade - visa a superação da:

a) Proporcionalidade.

b) Responsabilização pura.

c) Responsabilização fragmentária.

d) Responsabilização objetiva típica.

e) Responsabilização por fato de outrem.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 2

A intranscendência da pena decorre de qual

princípio?

a) Princípio da equiparação.

b) Princípio da pessoalidade.

c) Princípio da legalidade.

d) Princípio da hermenêutica.

e) Princípios gerais.

Verificaçãode leitura

Page 35: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

35

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 3

Qual texto pode ser identificado como marco

de maior peso na construção, inicial, do prin-

cípio da culpabilidade?

a) Vigiar e Punir.

b) Crimes Hediondos.

c) Dos Delitos e da Penas.

d) A Suma Teológica.

e) A Bíblia Sagrada.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 4

Qual o autor da obra Suma Teológica, mar-

co histórico na configuração do princípio da

culpabilidade?

a) São Tomás de Aquino.

b) São Vicente de Paula.

c) Aristóteles.

d) Yuri Felix.

e) Hans Kelsen.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 5

A responsabilidade pessoal parte da premis-

sa de que o injusto somente pode ser atribu-

ído quando:

a) Sua realização possa ser afirmada como obra de terceiros.

b) Sua realização possa ser afirmada como obra sua e de terceiros.

c) Sua realização possa ser afirmada como obra sua, e não de terceiros.

d) Sua realização possa ser afirmada como obra alheia.

e) Sua realização possa ser afirmada como obra ineficaz.

Verificação de Leitura

Page 36: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

36

BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRANDÃO, Cláudio. Posição da culpabilidade na dogmática penal. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, n. 16, 2004.

BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Manual de derecho penal. Parte geral. Barcelona: Ariel Derecho, 1989.

COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade, Culpa, Direito Penal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

DIAS, Jorge de Figueiredo. O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais: vol.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo I. Tradução de José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1899.

MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1998.

Referências

Page 37: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

37

Questão 1

Resposta: E

Resolução: No direito penal da antiguidade havia a figura da responsabilização por fato de

outrem, para a qual o sujeito poderia responder pelo fato criminoso realizado por outro, mesmo

que não tivesse dado nenhuma contribuição causal para a ocorrência do mesmo. Esta forma

de responsabilidade permitia a punição aos pais pelos crimes dos filhos ou vice-versa.

Questão 2

Resposta: B

Resolução: O princípio da responsabilidade pessoal, também denominado princípio da

pessoalidade, determina a intranscendência da pena à pessoa do condenado, ou seja,

decorre deste o axioma de que a pena deverá ater-se somente àquele que cometeu o delito.

Questão 3

Resposta: D

Resolução: Pode-se afirmar, não sem o risco de simplificação e banalização da história

das ideias penais, que o marco de maior peso do aparecimento das ideias que mais tarde

formariam o aparato conceitual configurado na figura do princípio da culpabilidade, capazes

de superar a responsabilidade penal objetiva, são as definições filosóficas trazidas na Suma Teológica, de São Tomás de Aquino.

Gabarito

Page 38: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

38

Questão 4

Resposta: A

Resolução: Pode-se afirmar, não sem o risco de simplificação e banalização da história

das ideias penais, que o marco de maior peso do aparecimento das ideias que mais tarde

formariam o aparato conceitual configurado na figura do princípio da culpabilidade, capazes

de superar a responsabilidade penal objetiva, são as definições filosóficas trazidas na Suma Teológica, de São Tomás de Aquino.

Questão 5

Resposta: C

Resolução: No princípio da responsabilidade pessoal, o processo de imputação passou a ter

como ponto de gravidade a consideração de que só será possível atribuir o injusto a alguém

quando sua realização puder ser afirmada como obra sua, e não de terceiros.

Gabarito

Page 39: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

39

Page 40: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

40

TEMA 03CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE

Page 41: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

LEGENDA DE ÍCONES seções

41

Início

Referências

Gabarito

Verificaçãode leitura

Pontuando

Vamos pensar

Glossário

Page 42: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

Aula

42

03

Causas de exclusão da culpabilidadeObjetivo

Caro aluno, neste texto você terá acesso às causas de exclusão/exculpação da culpabilidade. Pontos como a inimputabilidade, seu devido detalhamento, a legítima defesa e suas intrincadas questões serão abordados no decorrer destas páginas.

Resumo da Aula

Caro aluno da Pós-Graduação em Ciências Penais - LFG, o presente estudo tem o objetivo de expor brevemente as causas de exclusão da culpabilidade tal como compreendidas na dogmática jurídico-penal. Para isso, apresenta os casos em que é cabível a exclusão da culpabilidade, bem como sua fundamentação e compreensão dogmáticas, seus elementos internos e suas formas de manifestação.

Introdução

O estudo das causas de exclusão da culpabilidade é um dos pontos de fundamental relevância na dogmática jurídico-penal, não só porque estabelece limites ao ius puniendi, como também porque se trata de uma consequência necessária do princípio da culpa e de uma edificação dogmática que provém e nutre-se diretamente das raízes do entendimento sobre o homem e a legitimidade da censurabilidade jurídico-penal sobre ele.

No decorrer da história da ciência jurídico-penal, grandes doutrinadores debruçaram-se na tentativa de arvorar o entendimento sobre a culpabilidade e, consequentemente, suas causas de exclusão dentro da construção da teoria geral do delito. Partindo do pressuposto de que somente se pode censurar aquele que age livremente e que é capaz de compreender o caráter ilícito de sua ação ou omissão, o estudo sobre as causas de exclusão da culpabilidade situa-se nos limites do direito penal, pressupõe necessariamente o toque na linha do horizonte entre o que é censurável e o que não o é, e estabelece as fronteiras entre o que pode ser conformado, entendido e censurado juridicamente e aquilo que não pode ser avaliado pelo Direito Penal. Nesse sentido, o estudo avança sumariamente, expondo sistematicamente as causas de exclusão da culpabilidade.

Page 43: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

43

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

1. Das causas de exclusão da culpabilidade

1.1 Primeiramente, daremos clareza aos termos: O que são causas de exclusão da culpabilidade e causas de exculpação?

Parte da doutrina traça uma distinção entre as causas de exclusão da culpabilidade e as causas de exculpação1. Nas primeiras se encontram a inimputabilidade e o erro de proibição invencível, uma vez que em ambas as situações o sujeito não podia agir de outro modo. No sentido contrário, sob a nomenclatura de “causas de exculpação”, são colocados o excesso de legítima defesa e o estado de necessidade exculpante, em que o sujeito poderia ter agido de outro modo, mas teria sua culpabilidade diminuída, ao ponto do legislador ter renunciado por motivos de polícia criminal e indulgência a reprovação do agente2.

Roxin, por sua vez, afirma que tal fundamentação não é forte o suficiente para justificar a cisão entre “causas de exclusão da culpabilidade” e “causas de exculpação”, porque nas primeiras não ocorre algo totalmente distinto das últimas. Também na inimputabilidade, são inseridas normativamente algumas zonas marginais, como nos casos dos estados passionais intensos e das neuroses graves3, em que não está cabalmente excluída a capacidade de agir de outra maneira. Tampouco nos casos de erro de proibição a impunidade não depende de uma invencibilidade inelutável e absoluta do erro, eis que isto quase nunca se dá4, 5.

1 Nesse sentido posiciona-se Rudolphi, para quem: “[…] las causas disculpantes no se excluye completamente la culpabili-dad del autor, aunque, por cierto, en estos casos está disminuido tanto el injusto material del hecho, como también limitada la capacidad del autor para configurar su voluntad de modo adecuado a la nonna, debido a la existencia de una coacción psíquica, en forma tal que el orden jurídico deja de exigirle al autor el seguimiento de sus normas. Aquí falta, simplemente, un reproche de culpabilidad penalmente relevante”. RUDOLPHI apud ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Pe-nal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1999, p. 77. Também se posiciona Wessels: “Dentro das circunstâncias que suprimem a censura da culpabilidade, devem-se diferenciar as ‘causas de exclusão da culpabilidade’ e as ‘causas de exculpação’. Causas de exclusão da culpabilidade são a incapacidade de culpa e o erro de proibição inevitável, pois com a sua ocorrência faltam, respectivamente, um pressuposto e um elemento fundamentador da culpabilidade. As causas de exculpação, ao contrário, produzem somente uma forte redução no conteúdo de injusto e de culpabilidade do fato [...]”. WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 91.2 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 814-815.3 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 8154 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 815.5 Outrossim, Roxin embasa também a culpabilidade na prevenção geral. Para maiores informações: ROXIN, Claus. Cul-pabilidad y prevencion en derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde. Madrid: Editorial Reus, 1981.

Page 44: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

44

Como tal distinção se arvora nos fundamentos da culpabilidade e da teoria da pena, e ainda

encontra-se em aberto no debate dogmático, para fins didáticos no âmbito do presente estudo,

todas as formas de exclusão da culpabilidade serão analisadas dentro da mesma modalidade

e terminologia dogmática: “Causas de exclusão da culpabilidade”.

2. Da Inimputabilidade

A primeira causa de exclusão da culpabilidade a

ser estudada é a inimputabilidade, que é a causa

de exclusão da culpabilidade por excelência. No

que tange a esta, que deve ser entendida como

causa de exclusão ou mesmo enquanto obstáculo à

determinação da culpa6, é decisivo e imprescindível

expor por qual perspectiva epistemológica da

dogmática penal ela é avaliada e definida. Portanto,

é aqui decisiva, uma vez mais, a exposição paralela

da evolução e das transformações sofridas pela

teoria da culpa na mais recente dogmática7, uma

vez que, conforme Figueiredo Dias, o problema da

inimputabilidade é:

[...] um dos mais movediços com que pode deparar-se nessa matéria. Não só porque nele convergem todas as dúvidas – dogmáticas e político-criminais, por um lado, metodológicas e epistemológicas, por outro – próprias dos problemas da culpa; mas porque ele se situa na fronteira, cada vez mais ténue e imprecisa, que separa (ou aproxima...) os problemas dogmáticos, político-criminais e criminológicos dentro do edifício global do direito penal8.

6 Nesse sentido: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coimbra: Editora Coimbra, 2004, p. 517; DIAS, Jorge de Figueiredo. Liberdade e Culpa - Direito Penal. Coimbra: Editora Coimbra, 1995, p 185 e seguintes.7 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 517.8 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 517.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Saiba MaisPara uma aprofundada percepção da inimputabilidade e seu tratamento pe-nal, ver: ALVIM, Rui Carlos Machado. Uma pequena história das medidas de segurança. São Paulo: IBCCrim, 1997. Mais tradicionalmente, ver: NO-GUEIRA, Ataliba. Medidas de Seguran-ça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1942; PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Per-sonalidade Psicopática, Semi-imputa-bilidade e Medida de Segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

Page 45: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

45

Por certo que o problema da inimputabilidade em direito penal apresenta uma característica

complexa, tendo em vista sua imbricação necessária com outros ramos da ciência, tal qual

a psiquiatria e a psicologia9. Portanto, tem de trabalhar em um “ponto de encontro entre

o normativo e o especulativo de um lado, e o fáctico e o empírico de outro”10. Assim, é

importante a exposição dos métodos ou paradigmas sobre os quais foram elaborados os

critérios de determinação e fixação dos casos de inimputabilidade.

2.1 Métodos de determinação da inimputabilidade

Historicamente, o primeiro método de avaliação da inimputabilidade foi o paradigma biopsicológico. A base de tal concepção é a aplicação da metodologia e racionalidade das

ciências naturais para a averiguação da inimputabilidade ou não do agente.

Nas palavras de Figueiredo Dias, tal método se tratava de “um modelo positivista, mecanicista

e estritamente causal”11. Basicamente, partia-se da ideia de que primeiro deveriam ser

constatados pelo perito determinados estados orgânicos e empíricos na composição

biológica do agente, capazes de excluir a capacidade “psicológica” de compreensão ou de

determinação12, e que estes elementos deveriam ser aceitos pelo juiz, visto que se tratavam

de uma “verdade científica”.

Por certo que esse método não foi capaz de compreender a inimputabilidade em toda sua

dimensão no âmbito do direito penal. Ora, muitos dos transtornos de consciência que levam ao

reconhecimento da inimputabilidade não se devem a manifestações de deficiências corporais-

orgânicas-biológicas13, ou mesmo, no sentido contrário e numa extensão aos limites do

argumento, a deficiência biológica também não implica necessariamente e automaticamente

9 Para uma visão crítica desse relacionamento entre o aparato conceitual médico e o judiciário, ler: FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.10 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 518.11 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 518.12 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 823.13 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 823.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 46: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

46

no juízo de inimputabilidade. A realidade normativa do direito penal não se deixa apreender e

limitar-se meramente às estruturas ontológicas, ou a uma determinada natureza empírica das

coisas, ou a crenças de uma filosofia natural, mas, é formada também de valorações ético-

jurídicas para além do que o paradigma biopsicológico buscava demonstrar14.

Posteriormente, foi a vez do paradigma normativo. Este paradigma é paralelamente

vinculado ao abandono da teoria psicológica da culpa pela gradual aceitação e edificação da

teoria normativa da culpa jurídico-penal, através da percepção de que o direito penal é uma

realidade normativa autônoma15.

No que tange às consequências sobre o método de fixação da inimputabilidade, por certo

estas provêm diretamente da compreensão normativa a partir da qual a averiguação da

culpabilidade se dava, no sentido de ela deixar de ser somente um mero pressuposto da

atribuição subjetiva e psicológica do fato ao agente, e passar a ser um “elemento integrante

da afirmação da capacidade do agente para se deixar motivar pela norma no momento do

fato”16.

Portanto, o substrato biopsicológico não mais estava lastreado e limitado somente à

demonstração de alguma doença mental com manifestação biológica, mas, para além disso,

buscavam-se elementos a fim de englobar qualquer anomalia psíquica que fosse capaz de

influenciar a capacidade do agente em guiar seu comportamento conforme a norma17, ou

seja, não mais limitava-se à demonstração empírica de anomalia, mas guiava-se também por

critérios normativos.

Nesse sentido, a relação entre o perito e o juiz se modifica, no sentido do perito, ao invés de

determinar a inimputabilidade a ser acatada pelo juiz, como no paradigma biopsicológico,

passa a ser um auxiliar do juiz na busca desta atribuição, visto que para além do substrato

14 Para maiores informações, ler: Disciplina 1 - Aula 5: Conduta, paradigmas filosóficos do direito penal.15 Para maiores informações, ler: Disciplina 2 - Aula 1: A evolução dogmática do conceito de culpabilidade na moderna teoria do crime (Da superação da responsabilidade objetiva ao finalismo).16 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 521.17 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 523.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 47: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

47

biopsicológico averiguado, cumpre ao juiz perceber a relação do autor com o fundamento

normativo. Nesse sentido, afirma Roxin que “la literatura científica se habla hoy da confluencia de un método ‘psíquico-normativo’ o ‘psicológico-normativo’”18, 19. É esta a teoria adotada

desde a reforma do Código Penal brasileiro, em 198420.

2.2 O Conceito de Inimputabilidade

Para que o estudo percorra um caminho metodológico capaz de desvelar verdadeiramente

o entendimento do que é a inimputabilidade, tem-se de buscar a conceituação do que ela é,

visto que a inimputabilidade se trata de um conceito negativo, ou seja, se trata da negação ou

da ausência da característica “capacidade de imputabilidade”.

O termo “imputabilidade” tem diversos sentidos e acepções. Etimologicamente e

semanticamente, imputar significa atribuir, e imputabilidade, portanto, significa atribuibilidade21.

No âmbito da culpabilidade jurídico-penal e no sentido da capacidade de culpa do agente, a

imputabilidade trata-se dos requisitos e condições exigidos para se considerar uma pessoa

capaz de imputação22. Portanto, é acertada a afirmativa de Mezger de que a “imputabilidade

significa capacidade de culpabilidade”23 e, consequentemente, que a inimputabilidade é a

incapacidade da mesma.

Ora, se “a capacidade de culpabilidade é pressuposto de toda culpabilidade”24, uma vez que

os requisitos e condições da capacidade de culpa não estejam preenchidos, o agente será,

18 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 823.19 Figueiredo Dias propõe, ainda, que a doutrina passe a adotar um novo paradigma, denominado “paradigma compreen-sivo”. Para maiores informações, ler: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamen-tais; a doutrina geral do crime. Coimbra: Editora Coimbra, 2004, p. 523 e seguintes.20 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 378.21 Nesse sentido: VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant lo Blanch: Valencia, 1996, p. 521.22 VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant lo Blanch: Valen-cia, 1996, p. 521.23 MEZGER, Edmund. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Tradução de Ricardo C. Núñez. Editorial Biblio-gráfica Argentina: Buenos Aires, 1958, p. 202. Tradução livre.24 BAUMANN, Jurgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la sistemática sobre la base de casos. Tradução de Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973, p. 222.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 48: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

48

então, incapaz de imputação. A lei pressupõe a existência desta capacidade nos adultos,

contudo, determina certas circunstâncias em virtude das quais não existe esta capacidade

“normal”. Daí se deduzem as situações delimitadas de “inimputabilidade”25.

A legislação pátria não define o que se entende por imputabilidade penal, a não ser por

exclusão, ao estabelecer os casos em que será reconhecida a inimputabilidade. Conforme os

artigos 26 e 27 do Código Penal:

Inimputáveis

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Menores de dezoito anos

Art. 27 - Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

A nossa legislação penal determina os casos em que o agente não é imputável, enquanto a

inimputabilidade é reconhecida somente perante as duas situações trazidas pela lei: a) em razão de anomalia psíquica – art. 26, caput; e b) em razão da idade – art. 27.

2.3 Da inimputabilidade em razão de anomalia psíquica

Pode-se perceber, a partir da leitura do art. 26 do Código Penal, que tal modalidade

de inimputabilidade será “reconhecida sempre que o agente não tenha uma das duas

capacidades: de entendimento ou de autodeterminação”26.

25 MEZGER, Edmund. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Tradução de Ricardo C. Núñez. Editorial Biblio-gráfica Argentina: Buenos Aires, 1958, p. 201.26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 380.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 49: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

49

Conforme já visto, inseridos num paradigma que leva tanto em consideração os dados

biopsicológicos quanto normativos, para que seja reconhecida a inimputabilidade do agente

podem se fazer necessários vários fatores condicionantes: cada um dos elementos que influem

sobre a capacidade de entender e de querer pode considerar-se um fator ou componente

da inimputabilidade, desde transtornos biológicos a anomalias meramente psicológicas no

momento do ato.

Nesse sentido, o conceito de “doença mental” utilizado pelo Código Penal deve ser

compreendido numa abrangência maior do que tradicionalmente lhe concederia a ciência

médica27. Frente a isto, Bitencourt chega a afirmar que:

Teria sido melhor a utilização da expressão ‘alienação mental’, que, de forma mais abrangente, compreenderia todos os estados mentais, mórbidos ou não, que demonstrassem a incapacidade do criminoso de entender o caráter ilícito de sua ação ou de determinar-se de acordo com essa compreensão28.

Por sua vez, pelo agente com “desenvolvimento mental incompleto” deve-se compreender

aquele que ainda não chegou à maturidade mental. Sob essa nomenclatura são inseridos os

menores – apesar destes serem inimputáveis por presunção absoluta com base em critérios

biológicos –, os surdos-mudos e os silvícolas inadaptados29.

Já por “desenvolvimento mental retardado” o legislador procurou descrever a oligofrenia,

em suas formas de manifestação tradicionais: a idiotia, a imbecilidade e a debilidade,

respectivamente em seu grau de profundidade30.

Em conclusão, pode-se dizer que na inimputabilidade em razão de anomalia psíquica

concorrem fatores de ordem biológica, psicológica e, inclusive, sociológica, na medida em que

contribuem a conformar a capacidade intelectual e volitiva necessária para ser imputável31.

27 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 383.28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 383.29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 383.30 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 532; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 384.31 VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant lo Blanch: Valen-cia, 1996, p. 522.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 50: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

50

2.3.1 A Culpabilidade Diminuída

Em realidade, a culpabilidade diminuída não se trata de uma causa de exclusão de

culpabilidade, uma vez que o sujeito é culpável e imputável, nem mesmo de um estado

de semi-imputabilidade. No sentido rigoroso do termo, não existe semi-imputabilidade: ou o

sujeito é imputável ou não o é. Portanto, o que ocorre nos casos em tela é meramente uma

censura diminuída devido ao reconhecimento de menor possibilidade de autodeterminação e

compreensão do sujeito. Nesse sentido, posiciona-se Roxin:

La imputabilidad o capacidad de culpabilidad notablemente disminuida no es una forma autónoma de “semiimputabilidad “ que se halle entre la imputabilidad y la inimputabilidad, sino un caso de imputabilidad, pues el sujeto es capaz de comprender el injusto del hecho y de actuar conforme a esa comprensión. No obstante, la capacidad de control es un concepto graduable: a la persona le puede costar más o menos poder se motivar por la norma32.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 26 do Código Penal traz os casos de culpabilidade

diminuída. A diferença entre a culpabilidade diminuída do parágrafo único e a inimputabilidade

do caput se encontra centrada no grau de capacidade diminuída de compreensão ou

autodeterminação. No primeiro grupo, o agente é “inteiramente incapaz”, enquanto no

segundo grupo o agente não é “inteiramente incapaz”.

Nesta área se localizam as situações atenuadas ou residuais de psicoses, oligofrenias leves

e demais transtornos de menor gravidade. Nestes casos, a culpabilidade resta diminuída

em razão da maior dificuldade do agente em valorar adequadamente o fato e posicionar-

se de acordo com essa valoração33, desta forma, o agente é imputável, mas sua pena será

reduzida, em virtude da menor censurabilidade.

32 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 839.33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 385.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 51: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

51

2.3.2 A actio libera in causa

A “actio libera in causa” se refere a um grupo de casos em que o sujeito é inimputável ao

momento da realização da conduta, contudo, em um momento anterior em que era imputável,

estabelece dolosa ou culposamente a causa do resultado típico34. O exemplo principal são os

fatos cometidos em estado de embriaguez, em que o sujeito se embriaga preordenadamente

com a intenção de vencer suas inibições e cometer o delito em estado de inimputabilidade.

O que ocorre nessa figura é a ausência da imputabilidade no momento da realização típica,

contudo, deu causa anterior, quando imputável, a ocorrência deste resultado. O que a “actio libera in causa” busca é reconstruir essa conexão entre a imputabilidade e a realização

típica35 – para isso se deve considerar que o fato foi cometido em estado de imputabilidade,

apesar de esta já não subsistir mais no momento da realização e, assim, antecipa o momento

decisivo da apreciação da imputabilidade .

O que é fundamental ressaltar é que, quando há a imprevisibilidade do resultado típico por

parte daquele que se embriaga voluntariamente, não há de se falar em “actio libera in causa”,

pois não é possível a reconstrução da conexão entre a imputabilidade e a realização típica,

pela falta de um liame intencional36.

2.4 Da inimputabilidade em razão de idade

Também denominada de inimputabilidade em razão da imaturidade natural ou de

menoridade, é embasada em uma presunção legal que adota meramente o critério biológico de

delimitação da inimputabilidade. No Brasil, o marco de presunção de imputabilidade se dá aos

18 anos completos, portanto, menores de 18 anos são considerados inimputáveis – incapazes

de culpa jurídico-penal. Em suma, a legislação pátria adota a presunção da incapacidade de

entendimento ou de autodeterminação completa em virtude de imaturidade biológica.

34 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 850.35 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 545.36 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 545.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 52: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

52

2.5 Da inexigibilidade

A inexigibilidade de conduta diversa trata-se de um juízo sobre a possibilidade de, na

situação concreta, ser exigível do agente um comportamento diverso do adequado ao direito.

Tal figura serve para afastar do juízo de censura os casos em que o contexto no qual ocorre o

fato “arrasta irresistivelmente o agente para a sua prática, roubando-lhe toda a possibilidade

de se comportar diferentemente”37.

2.5.1 Causas de justificação exculpantes

A legítima defesa putativa se trata de uma causa de justificação exculpante e ocorre quando

o agente atua julgando estar em situação de legítima defesa e, em realidade, não está. O que

ocorre é que o agente supõe erroneamente estar diante de uma situação em que seria adequado

agir em legítima defesa, pois julga erroneamente estar sob uma agressão injusta atual ou iminente.

No caso em tela, tal situação não se configura mais como causa de justificação, mas como causa

de exclusão de culpabilidade, conforme o § 1º do artigo 20 do Código Penal:

Descriminantes putativas

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Há, ainda, a figura do estado de necessidade exculpante. Como visto anteriormente38, o

estado de necessidade justificante configura-se quando o bem jurídico sacrificado é de

menor valor. Nesta hipótese, a conservação do bem mais valioso exclui a antijuridicidade da

conduta. Já os casos de estado de necessidade exculpante ocorrem quando o bem jurídico

sacrificado for de valor maior ou igual ao que é conservado. Nestes casos, a conduta não

pode deixar de ser considerada antijurídica, pois é ilícita aos olhos do direito penal. Contudo, é

avaliada a título de inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, no âmbito da culpabilidade39.

37 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coim-bra: Editora Coimbra, 2004, p. 554.38 Ver Disciplina 1 – Aula 7: Antijuridicidade.39 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 332-333.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 53: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

53

No intuito de concretizar o entendimento do estado de necessidade exculpante, pode-se

trabalhar com o clássico exemplo de Welzel, em que um trabalhador da linha férrea vê

um trem de carga sem condutor e desgovernado vindo de encontro a outro trem lotado de

passageiros. Para evitar a morte de muitas pessoas, o trabalhador aciona o desvio, no último

momento, e direciona o trem de carga para uma via secundária onde trabalham alguns

operários, os quais são atropelados, causando mortes e ferimentos. Ora, a lei não pode

aceitar o sacrifício de uns poucos para salvar muitas pessoas inocentes, portanto, tal conduta

é considerada antijurídica40, mas configura-se enquanto estado de necessidade exculpante,

por inexigibilidade de conduta diversa.

Outrossim, a percepção da diferenciação entre estado de necessidade justificante e exculpante

é de extrema importância em decorrência de seus efeitos na teoria geral do crime, na medida

em que, nos casos justificantes, não haveria nenhuma possibilidade de participação punível;

já os casos exculpantes, por terem a sua culpabilidade afastada, permitiriam a punição da

participação41.

Ainda sob o ponto de vista da inexigibilidade de conduta diversa adequada à norma, nos

crimes por negligência e omissivos, em que importa determinar os limites dos deveres de

cuidado e de agir, pode haver uma colisão exculpante de deveres42. Nesse sentido, é o

exemplo clássico trabalhado pela doutrina:

Assim, por exemplo, na época do nacional-socialismo, médicos de casas de saúde e assistência situaram-se ante a opção ou de participarem, em extensão limitada, da eutanásia ordenada por Hitler através da escolha de pacientes isolados, e com isso salvar possivelmente muitos outros, ou de repudiarem toda participação, com consequência de que se apresentariam em seus lugares médicos fiéis ao regime e teriam deixado correr livremente a obra de extermínio. De forma como se decidiram estes médicos, suas condutas seriam em qualquer caso gravosas ao destino dos pacientes, uma parte deles seguiu na época a primeira opção43.

40 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 689.41 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. Tradução de José Luis Manzanares Samaniego. 4. ed. Granada: Comares, 1993, p. 318.42 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 97.43 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 97.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 54: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

54

Em tal conflito de deveres, a ordem jurídica não pode pronunciar uma censura de culpabilidade

quando ela mesma não sabe oferecer uma medida para a solução do conflito44. Na formulação

de Wessels referindo-se ao exemplo supracitado:

Onde se apresente uma colisão de deveres juridicamente insolúvel, desta ou de espécie semelhante, e o agir do autor, determinado pela finalidade de salvamento, esteja necessariamente ligado a uma agressão de bens jurídicos protegidos, deve incidir uma exculpação supralegal, se o autor, tendo em vista a irremediabilidade da colisão de deveres, se orientar segundo a voz de sua consciência.

2.5.2 O excesso de legítima defesa exculpante

O legislador buscou delimitar o alcance das causas justificantes. Nesse sentido, produziu

o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal:

Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Primeiramente, para que haja o excesso da legítima defesa, deve, antes, haver uma situação

de legítima defesa caracterizada em todos os seus requisitos. O excesso se dá quando não

são respeitados tanto a escolha quanto o uso dos meios adequados para a repulsa moderada

da agressão injusta.

Se o agente, mesmo depois de já ter feito cessar a agressão injusta da qual se defendeu,

não interromper seus atos e continuar a agredir o antigo agressor, incorrerá em excesso.

Neste caso, o agente responderá penalmente pelos danos cometidos em excesso, mas não

por aqueles acobertados pela legítima defesa. Eis que, se o agredido ultrapassa os limites

da legítima defesa, atua ilegalmente. Neste sentido, o excesso pode se dar de duas formas:

dolosa e culposa, ou ainda, pode aparecer a figura do excesso exculpante.

O excesso doloso se dá quando, após cessar a agressão inicial, o agente permanece

agredindo no intuito de vingar-se, causar lesões ou mesmo a morte do primeiro agressor, e,

assim, se trata de um ato ilícito.

44 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 97.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 55: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

55

Já o excesso culposo na legítima defesa ocorre quando o agente acredita que a agressão

contra ele ainda não cessou ou que poderá continuar a qualquer momento e, baseado

neste entendimento, precipita-se e continua a rechaçar o primeiro agressor; ou mesmo nas

situações em que o agente, por má interpretação da situação, acredita ser o perigo maior do

que realmente é e excede-se quanto à moderação de suas ações.

O excesso exculpante, por sua vez, se dá por uma situação emocional do agente que, por

grande medo ou temor, confusão ou susto não censuráveis, a ponto de transtorná-lo, acaba

por exceder-se na legítima defesa, como no caso de uma senhora que, muito amedrontada

com um assaltante que adentra em sua casa, descarrega a arma contra ele, sem sequer

mirar ou averiguar se acertou seu alvo. Nestes casos, o que se entende é que, em virtude do

estado emocional do agente, não lhe é exigível conduta diversa, portanto, deve-se excluir a

culpabilidade da conduta.

2.5.3 Da coação moral irresistível

O Código Penal brasileiro prevê em seu artigo 22 as situações de exclusão da culpabilidade

por inexigibilidade de conduta diversa:

Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

A primeira parte do referido artigo traz a figura da coação irresistível. Por coação com idoneidade

para excluir a culpabilidade deve se compreender somente a coação moral irresistível, uma

vez que a coação física irresistível, “vis absoluta”, exclui completamente a vontade e, com

isso, a própria ação45 ou realização típica.

Já na coação moral irresistível existe a vontade, embora viciada. Tal figura ocorre nos casos

em que o agente age coagido por uma grave ameaça a si ou a outrem, que o obrigue a

agir em desconformidade ao direito ao cometer um ato ilícito, contudo, ele não será julgado

culpado, uma vez que não pode determinar-se livremente.

45 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 387.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 56: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

56

2.5.4 Da obediência hierárquica

A segunda parte do art. 22 do Código Penal prevê a figura da obediência hierárquica –

cabível tanto à hierarquia do direito privado quando do direito público46 –, que se trata dos

casos em que o subordinado segue uma ordem de superior hierárquico, que tem como objetivo

uma conduta jurídico-penalmente irregular não manifestamente ilegal. Este subordinado atua

antijuridicamente, mas pode ser exculpado47.

Cabem aqui alguns esclarecimentos. Para a configuração deste caso de exclusão, a ordem

tem de ser não manifestamente ilegal. Caso a ordem do superior seja legal, o problema

deixará de ater-se ao âmbito da culpabilidade, podendo caracterizar causa de justificação, nos

casos de estrito cumprimento do dever legal. Já se a ordem for manifestamente ilegal, tanto

o superior quanto o subordinado devem responder penalmente, uma vez que o subordinado

não tem, num Estado Democrático de Direito, a obrigação de cumprir ordens ilegais.

2.6 A falta de consciência do ilícito

2.6.1 A problemática atual entre o erro de tipo e o erro de proibição48

Aqui ainda deve-se mencionar a diferenciação na doutrina clássica entre a categoria de erro

de tipo e erro de proibição. Ao contrário dos casos de erro de tipo, segundo a doutrina clássica,

no erro de proibição o agente atua com o conhecimento de todas as circunstancias do fato, e,

portanto, dolosamente; contudo, não sabe que seu atuar é antijurídico49. Sendo assim, se o sujeito

crê que seu comportamento é permitido, trata-se de erro de proibição, que deixaria intacto o dolo

e unicamente serviria para a exclusão da culpabilidade50, em caso de erro invencível.

46 Nesse sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral, v. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 388 e seguintes.47 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 95.48 Ver Disciplina 1 – Aula 6: Dimensão subjetiva do tipo: A teoria da congruência e teoria de erro de tipo.49 Neste sentido, posicionam-se Welzel, Eb. Schmidt, Bockelmann, Donha, Niese e Armin Kaufmann, que remetem aos ele-mentos da antijuridicidade e consideram o erro sobre estes como erro de proibição. Vide: ROXIN, Claus. Teoría del tipo pe-nal. Tipos abiertos y elementos del deber jurídico. Tradução de Enrique Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979, p. 192.50 Neste sentido: ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 459.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 57: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

57

Contudo, deve-se objetar contra tal entendimento. Ora, se

o entendimento atual e mais coerente sobre o dolo impõe a

exigência do conhecimento tanto dos elementos descritivos

quanto normativos do tipo objetivo, e, assim, de certo

entendimento de ilicitude51, o conhecimento da proibição faz

parte já do dolo do tipo, portanto, o erro de proibição não exclui

da culpabilidade, senão, pelo contrário, o próprio dolo52.

Nas palavras de Roxin:

El error de tipo no afecta portanto al conocimiento o desconocimiento de la antijuridicidad, sino tan sólo al de las circunstancias del hecho. De ahí resultan dos problemas centrales: la delimitación entre error de tipo y error de prohibición53.

Se é bem verdade que na maioria dos casos o elemento intelectual do dolo do tipo será configurado através da exigência de conhecimento de todas as circunstâncias do tipo objetivo de ilícito, torna-se indispensável que o agente tenha atuado com certo conhecimento da proibição legal54.

Neste sentido, o erro sobre as proibições exerce a mesma função de quaisquer outros elementos pertencentes ao tipo objetivo de ilícito. Portanto, o conhecimento da proibição, mesmo que na “esfera do profano”, tal qual aduzia Mezger, “faz parte do conhecimento necessário a uma correta e indispensável orientação da consciência ética para o problema da ilicitude”55, 56.

51 Por todos: DIAS, Jorge de Figueiredo. O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal. 4. ed. Coimbra: Coim-bra Editora, 1995.52 Vide: ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004; VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant lo Blanch: Valencia, 1996, p. 560.53 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 459.54 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 346.55 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 349.56 Como leitura complementar, para a total compreensão da temática em voga, indica-se os escritos entorno da dupla valoração do dolo e da culpa na teoria geral do delito.

LinksPara ter acesso à doutrina clás-sica sobre este e inúmeros ou-tros temas da dogmática jurídi-co-penal, ver: <www.institutoeduardocorreia.com.br>.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 58: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

58

Contudo, ainda não se pode dizer, num extremo da argumentação, que o erro de proibição se

trata de uma categoria ou modalidade de erro de tipo. Consoante Roxin, deve-se diminuir a

amplitude do conceito de erro de proibição, mas este ainda tem autonomia frente ao conceito

de erro de tipo. Para o autor:

O erro de proibição se limita aos casos em que há um erro de subsunção por parte do agente que, mesmo que conheça o caráter minimamente ilícito capaz de orientar e configurar o dolo, desconhece que o legislador proíba sua conduta.

Como no caso em que o agente, agindo com dolo, esvazia os pneus do carro de outro, e não

é capaz de perceber que a palavra “dano” é valorada até este ponto pelo legislador, portanto,

mesmo que o autor conheça que sua atitude é ilícita, não a entende como proibida pelo tipo

penal57. Caberia aqui, portanto, não o erro de tipo que exclui o dolo, mas sim o de proibição,

que seria capaz de excluir a culpabilidade pela falta da consciência de ilicitude.

57 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 461.

Vamos pensar

A partir da leitura do texto “Os Anormais”, de Michel Foucault, elabore uma resenha

apontando o tratamento psiquiátrico-penal daqueles que, ao longo da história, foram tidos

como os que apresentavam um comportamento psicologicamente desviante. Recomenda-se

também a leitura do texto “Manicômios, Prisões e Conventos”, do autor canadense Erving

Goffman.

Aula 03 | Causas de exclusão da culpabilidade

Page 59: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

59

Anomalia: “o que não é normal; irregularidade”. Fonte: INSTITUTO Antônio Houaiss (Org.).

Dicionário Houaiss Conciso. São Paulo: Moderna, 2011, p. 60.

• Causas de exclusão e causas de exculpação

• Inimputabilidade

• Conceito e métodos de determinação da inimputabilidade

• Actio libera in causa

• Legítima defesa

• Causas de justificação

Pontuando

Glossário

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 1

Qual foi o primeiro método de avaliação da

inimputabilidade?

a) O paradigma filosófico.

b) O paradigma bioespacial.

c) O paradigma psicológico.

d) O paradigma biossocial.

e) O paradigma biopsicológico.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 2

Qual paradigma buscou abandonar a teoria

psicológica da culpa?

a) O paradigma alternativo.

b) O paradigma normativo.

c) O paradigma Felix.

d) O paradigma social.

e) O paradigma nebuloso.

Verificaçãode leitura

Page 60: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

60

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 3

O que vem a ser a negação ou a ausência

da característica de capacidade de imputa-

bilidade?

a) O Fato Típico.

b) O Fato Punível.

c) A Culpabilidade.

d) A Inimputabilidade.

e) O fundamento onto-antropológico.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 4

Como se denomina a inimputabilidade mo-

mentânea, presente no momento da realiza-

ção da conduta típica?

a) Actio libera pro reo.

b) Actio libera in causa.

c) Teoria da Conduta.

d) Actio libera.

e) Teoria da Equivalência.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 5

Como se denomina a causa de justificação

exculpante em que o agente supondo, erro-

neamente, estar em situação de perigo ou

sob agressão injusta, atual e iminente, vem

a se defender?

a) Legítima defesa pessoal.

b) Legítima defesa.

c) Legítima defesa putativa.

d) Legítima defesa de terceiros.

e) Legítima defesa real.

Verificação de Leitura

Page 61: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

61

BAUMANN, Jurgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la sistemática sobre la base de casos. Tradução de Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte geral – v. 1. São Paulo: Saraiva, 2009.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coimbra: Editora Coimbra, 2004.

DIAS, Jorge de Figueiredo. O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. Tradução de José Luis Manzanares Samaniego. 4. ed. Granada: Comares, 1993.

MEZGER, Edmund. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Tradução de Ricardo C. Núñez. Editorial Bibliográfica Argentina: Buenos Aires, 1958.

ROXIN, Claus. Culpabilidade y prevencion en derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde. Madrid: Editorial Reus, 1981.

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997.

ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Tipos abiertos y elementos del deber jurídico. Tradução de Enrique Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979.

VIVES ANTÓN, Tomás S.; COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant lo Blanch: Valencia, 1996.

WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1999.

Referências

Page 62: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

62

Questão 1

Resposta: E

Resolução: Historicamente, o primeiro método de avaliação da inimputabilidade foi o paradigma

biopsicológico. A base de tal concepção é a aplicação da metodologia e racionalidade das

ciências naturais para a averiguação da inimputabilidade ou não do agente.

Questão 2

Resposta: B

Resolução: O paradigma normativo é vinculado ao abandono da teoria psicológica da culpa

pela gradual aceitação e edificação da teoria normativa da culpa jurídico-penal, através da

percepção de que o direito penal é uma realidade normativa autônoma.

Questão 3

Resposta: D

Resolução: A inimputabilidade se trata de um conceito negativo, ou seja, se trata da negação

ou da ausência da característica “capacidade de imputabilidade”.

Questão 4

Resposta: B

Resolução: A “actio libera in causa” se refere a um grupo de casos em que o sujeito é

inimputável ao momento da realização da conduta, contudo, em um momento anterior em que

era imputável, estabelece dolosa ou culposamente a causa do resultado típico. O exemplo

principal são os fatos cometidos em estado de embriaguez, em que o sujeito se embriaga

preordenadamente com a intenção de vencer suas inibições e cometer o delito em estado de

inimputabilidade.

Gabarito

Page 63: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

63

Questão 5

Resposta: C

Resolução: A legítima defesa putativa se trata de uma causa de justificação exculpante e

ocorre quando o agente atua julgando estar em situação de legítima defesa e, em realidade,

não está. O que ocorre é que o agente supõe erroneamente estar diante de uma situação

em que seria adequado agir em legítima defesa, pois julga erroneamente estar sob uma

agressão injusta atual ou iminente.

Gabarito

Page 64: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

64

TEMA 04TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

Page 65: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

LEGENDA DE ÍCONES seções

65

Início

Referências

Gabarito

Verificaçãode leitura

Pontuando

Vamos pensar

Glossário

Page 66: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

Aula

66

04

Teoria do domínio do fatoObjetivo

Prezado aluno, o objetivo do presente estudo é demonstrar, dentre outras coisas, a

importância da delimitação da autoria e da participação na empreitada do fato punível. Além

disso, pretende-se apresentar as teorias relacionadas ao concurso de pessoas, conhecimento

este fundamental para se compreender a fundo a teoria do Domínio do Fato, tão comentada

no cotidiano do direito penal brasileiro.

Resumo da Aula

Caro aluno, no presente estudo você terá acesso a uma breve e adequada exposição

sobre a teoria do concurso de pessoa, na sua acepção dada mais recentemente pela teoria

do domínio do fato, e seus efeitos no que tange ao conceito de autoria e participação em

direito penal. Seja bem-vindo à última etapa desta segunda disciplina.

1. Introdução

Normalmente, os ilícitos-típicos previstos se referem a realizações típicas por uma única pessoa. Contudo, cada tipo da Parte Especial pode ser complementado pelos preceitos da Parte Geral, que estendem a pena caso o fato típico seja obra de mais de uma pessoa1.

Nesse sentido, na dogmática jurídico-penal existem crimes que podem ser cometidos por um só agente e crimes que exigem no mínimo o concurso de duas ou mais pessoas. Os primeiros são os denominados crimes unissubjetivos, enquanto os segundos são os chamados crimes plurissubjetivos.

No que tange ao concurso de pessoas, ele é positivado e previsto, em nosso Código Penal, no art. 29, e aplica-se aos crimes unissubjetivos, visto que para os crimes plurissubjetivos, pela sua própria natureza de concurso previsto no tipo penal, não há a necessidade de incidência de tal previsão da Parte Geral para seu acertamento entre as concorrências e cooperações entre as pessoas na prática penal, mas sim serão avaliados pelos elementos necessários à realização típica.

1 BACIGALUPO, Enrique. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1999, p. 485.

Page 67: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

67

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

DO CONCURSO DE PESSOAS

Regras comuns às penas privativas de liberdade

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

2. Da importância da delimitação entre autoria e participação

Como axioma inelutável e fundamental de um Estado Democrático de Direito, o princípio da culpabilidade exige que toda pessoa seja punida na medida de sua culpabilidade. Tal

enunciado se traduz, quando da prática de um ilícito-típico realizado com a cooperação de

duas ou mais pessoas, na necessidade, quando da punição, de se levar em conta o nível e a

forma de envolvimento de cada uma das pessoas que cooperaram para a realização típica.

Nesse sentido, a teoria da autoria e da participação tem a finalidade de diferenciar no nível

de tipicidade diversas formas de participação de mais de uma pessoa em um fato punível2, e

assim determinar se os sujeitos são mais ou menos puníveis de acordo com o nível de sua

participação e cooperação.

No intento de compreender as formas e níveis de participação e, assim, punir na medida

desse envolvimento a contribuição ao fato criminoso e sua correspondente importância ao

desvalor especial da conduta, atualmente o direito penal diferencia o concurso de várias

pessoas em um fato punível a partir da autoria da participação.

3. Teorias sobre o concurso de pessoas

No sentido de diferenciar o nível de cooperação e envolvimento daqueles que concorrem

em uma infração penal, surgiram três teorias, quais sejam, a teoria pluralista, a teoria dualista e a teoria monista.

2 BACIGALUPO, Enrique. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1999, p. 486.

Page 68: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

68

A teoria pluralista define que “a cada participante corresponde uma conduta própria, um

elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular”3. Portanto, a pluralidade

de agentes corresponde à pluralidade de crimes4.

Tal teoria naufraga frente a insuperáveis críticas, no sentido de que o tipo penal para a

punição dos agentes é o mesmo, então, o resultado criado é também somente um, e que

a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, senão converge para

uma ação delituosa única, de objetivo e resultado comum5.

A teoria dualista compreende que, quando o crime for cometido em concurso de pessoas,

haverá dois crimes, um cometido pelos autores – aqueles que realizam a conduta típica

e seu verbo nuclear – e outro pelos partícipes – aqueles que desenvolvem uma atividade

secundária, mas não realizam o verbo nuclear do tipo.

Contudo, da mesma forma, a crítica se funda no aspecto de que o crime é único, bem como

o tipo, e as ações não são em si autônomas, mas convergentes para um resultado.

A teoria monista, por sua vez, não realiza distinção entre o autor e o partícipe, e parte do

pressuposto de que todo aquele que concorre para o crime é responsável pela sua causação

como um todo, eis que é conditio sine qua non do resultado típico, visto que é baseada na

teoria da equivalência das condições6.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou,

como regra geral, a teoria monista, uma vez que

compreende que as pessoas em concurso cometem

um único crime, contudo, as normas jurídicas contêm

certos matizes da teoria dualista, uma vez que difere

a conduta do partícipe da do autor.

3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 445. 4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 445.5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 445-446.6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 446.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

LinksPara estar cotidianamente atualizado com a doutrina e a jurisprudência na-cional, ver: <http://www.ibccrim.org.br>.

Page 69: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

69

4. Teorias sobre a autoria e a participação

Na história da dogmática jurídico-penal, quando intentada uma conceituação do que se

entende por “autor”, os estudiosos seguiram caminhos distintos, que saem também de pontos

de partida diferentes7. Basicamente, há dois conceitos de autor: o conceito restritivo de autor e o conceito extensivo de autor.

Grosso modo, o conceito restritivo de autor defende que é “autor” aquele que pratique o

verbo nuclear do tipo penal, e “partícipe” aquele que contribua de outra forma à realização

do fato. Portanto, se trata de uma teoria de cunho objetivo e lastreado na demonstração de

causalidade entre a conduta e o resultado, que se foca na realização do verbo nuclear do tipo

como forma de definição de autor. Neste sentido, há duas vertentes inseridas neste conceito:

a teoria objetivo-formal e a teoria objetivo-material.

A teoria objetivo-formal se atém à relevância delimitadora do verbo nuclear do tipo8. Para

esta teoria, é “autor” aquele que realiza pessoalmente alguma das ações descritas no tipo

legal. O conceito de autor assim compreendido é muito estreito e está hoje superado.

A crítica mais veemente a esta teoria alega que ela não é capaz de esclarecer a figura jurídica

da autoria mediata e de englobar outra pessoa como coautora, nos casos de cometimento

conjunto do fato em que o chefe do bando permaneça nos bastidores9, visto que a teoria

atrela-se somente à realização do verbo nuclear.

Por sua vez, a teoria objetivo-material buscou sanar os problemas enfrentados pela

teoria objetivo-formal, incluindo como elemento da consideração a perigosidade que deve

caracterizar a contribuição do autor em comparação com a do partícipe na causação do

resultado10.

7 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1999, p. 298.8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1999, p. 300.9 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 118.10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 450.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 70: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

70

Contudo, ambas as teorias não foram capazes de delimitar adequadamente o conceito de

autoria, uma vez que se fixavam somente nos aspectos causais da conduta e do resultado,

ou seja, desconsideravam o elemento subjetivo e o liame que liga o autor ao seu resultado,

assim, fracassaram na tentativa de individualizar o conceito de autoria através de critérios de

causalidade empírico-naturais – teoria da equivalência das condições.

O conceito extensivo de autor se trata de uma teoria que também parte da ideia básica da

aplicação da teoria da equivalência das condições e, por isso, não distingue autor de partícipe,

uma vez que todos aqueles que deram causa ao resultado são conditio sine qua non de sua

realização. Assim, todos aqueles que participam de alguma forma do delito são seus autores,

contudo, ao mesmo passo, o conceito extensivo de autor adicionava à avaliação da autoria o

elemento subjetivo do autor, para além do causal. Portanto, a concepção em tela deu origem

à teoria subjetiva da participação.

Segundo tal teoria, a diferença entre o autor e o partícipe não se dá pela causação objetiva

do resultado, senão pela vontade subjetiva direcionada dos envolvidos11. Ora, se a autoria e

a participação não são diferenciáveis causalmente, então seu critério de distinção tem de ser

o elemento subjetivo dos participantes.

Deste ponto de vista, o autor será aquele que obre com vontade de autor. Assim, haveria,

além da causalidade compreendida pela teoria da equivalência das condições, o animus

auctoris, na direção subjetiva do autor ao fato, e o animus socii, no direcionamento subjetivo

do partícipe12.

É acertado o entendimento de que a autoria não pode limitar-se somente com base em

critérios objetivos-causais, mérito da teoria subjetiva, mas isto não implica que tal teoria

seja a solução adequada. A teoria subjetiva definia que o autor é aquele que quer o fato

como próprio (animus auctoris), por oposição ao animus socii, que seria característico dos

11 ROXIN, Claus. Sobre la autoria y participación en el derecho penal. Tradução de Enrique Bacigalupo. In: Problemas actuales de las ciências penales y la filosofia del derecho. En homenaje al profesor Luis Jiménez de Asúa. Buenos Aires: Paneddille, 1970, p. 55-71.12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 451.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 71: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

71

partícipes13. Esta teoria foi sustentada, entre outros, por Zimmer, e teve sua máxima difusão

com Mezger, que sustentava que o autor é aquele que comete o fato com vontade de autor14.

O problema de tal teoria é que ela é capaz de não considerar autor aquele que executa o ato,

se este não quer o fato como seu, ou seja, se não detém o animus auctoris. Da mesma forma,

é capaz de considerar autor aquele que não cometeu o fato, mas que o tivesse desejado

como seu.

4.1 Teoria do Domínio do Fato

A teoria do domínio do fato pode ser atribuída, em sua primeira formulação, a Welzel,

que buscou superar as deficiências teóricas tanto das teorias puramente objetivas, em suas

vertentes formal-objetiva e material-objetiva, quanto da teoria subjetiva. Ora, a doutrina da

autoria e da participação não pode delimitar-se de modo justo nem através de um aspecto

puramente subjetivo, nem puramente objetivo15.

Na lição de Welzel, “a conformação do fato mediante a vontade de realização que dirige de

forma planificada é o que transforma o autor em senhor do fato”16. Nesse sentido, o critério de

domínio do fato apresenta-se de maneira diferente nas formas de autoria, ou seja, enquanto

“domínio da ação” na autoria imediata, “domínio da vontade” na autoria mediata, e como

“domínio funcional” na coautoria17.

Portanto, a teoria do domínio do fato reúne tanto elementos subjetivos quanto objetivos

sob o critério do “domínio do fato”, como projeto diretor para a delimitação entre autoria

e participação. Por conseguinte, o domínio do fato pressupõe o controle final subjetivo

juntamente ao efetivo domínio objetivo da realização do resultado. Portanto, autor será

tanto aquele que executar dolosamente o verbo nuclear do tipo, quanto aquele que se

utilizar de outrem como instrumento para a execução, através de engano ou coação, ou

13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1999, p. 300.14 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1999, p. 300.15 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 120.16 WELZEL apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 452.17 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 119.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 72: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

72

mesmo aquele que comande e detenha o poder sobre o curso dos fatos, mediante comando

de organização de poder.

4.1.1 Formas de autoria e participação na teoria do Domínio do Fato

Por autoria direita ou imediata se compreende os casos em que o agente realiza o fato

“com as próprias mãos” e dolosamente, ainda que o tenha realizado por encargo ou interesse

de outrem18. Assim, no famoso caso dos “atiradores do muro” (Mauerschützen), os soldados

que dispararam contra os fugitivos na fronteira da República Democrática Alemã foram

condenados como autores, ainda que tenham atuado por encargo e interesse do Estado19.

Já por coautoria se compreende o cometimento comunitário de um fato punível através de

uma atuação conjunta consciente e querida, baseada na divisão do trabalho e na distribuição

funcional de papéis20. O elemento essencial da coautoria está no domínio do fato por todos os

agentes, que aqui se apresenta de forma que cada agente detém o domínio funcional idôneo

para os fins da realização típica.

Haverá autoria colateral quando várias pessoas produzam o resultado típico

independentemente umas das outras, isto é, sem o conhecimento da conduta do outro.

Ou seja, ocorre quando duas ou mais pessoas buscam cometer um mesmo crime sem o

conhecimento umas das outras, de forma que cada um responderá por delito autônomo na

medida de seu envolvimento e seu resultado.

A autoria mediata se atribui àquele que realiza o tipo penal utilizando-se de outrem para

isso. Nesse sentido, há três maneiras ideais de aparição de tal forma de autoria: pela

“coação, engano ou através de ordem em uma estrutura de poder que garanta a execução

do comando21”. Ou seja, a forma de aparição compreendida como “autor mediato” se trata

18 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.19 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.20 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 121.21 ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio da organização. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Orgs.). Te-mas de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 323-344.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 73: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

73

do fenômeno do “autor de gabinete”, que, sem prejuízo de seu domínio do fato, carece,

necessariamente, de autores imediatos a executarem o fato22. Nesse sentido, se reconhece

o autor mediato como o “autor atrás do autor”.

Cabe ressaltar que a autoria mediata deve ser afastada quando o mandante serve-se, para

o cometimento de um fato punível, de um agente imediato inteiramente responsável por si na

execução do fato. Somente será reconhecida a autoria mediata quando o autor imediato não

atue com tipicidade, antijuridicidade ou com inteira responsabilidade23, como nos casos de

coação, engano ou erro de proibição.

Outrossim, num aprofundamento da questão, há de se expor que nos casos de um autor

mediato por utilização de aparatos organizados de poder em um regime criminal, com

fungibilidade dos receptores das ordens, e que, em qualquer circunstância, haverá o

cumprimento automático das ordens, mesmo que os soldados sejam inteiramente capazes, a

estrutura da organização de poder se sobrepõe sobre eles, uma vez que se não executarem

a ordem, outro a executará. Assim, deverá ser reconhecida a autoria mediata daquele que

ordena, e imediata do executor.

Como, por exemplo, o famoso caso do Conselho Nacional de Defesa, que trata dos soldados,

nas fronteiras da República Democrática Alemã, que mataram, através de disparos ou

colocação de minas terrestres, pessoas que tentavam cruzar a fronteira. Neste caso, os

soldados foram condenados como autores imediatos, e os membros do Conselho Nacional

de Defesa da República Democrática Alemã, os quais ordenaram a morte das vítimas, como

autores mediatos24.

No que tange à participação, ela é compreendida na forma da instigação e da cumplicidade, e

ambas as figuras só serão puníveis se o fato principal se consumar25 e se houver a confirmação

da contribuição para a realização da conduta típica.

22 ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio da organização. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Orgs.). Te-mas de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 323-344.23 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 123.24 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.25 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 126.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 74: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

74

A instigação apresenta, como a autoria mediata, uma estrutura vertical, e consiste na mera provocação de acontecimentos a serem realizados pelas mãos alheias. No entanto, a diferença decisiva está no fato de que o instigador não domina a execução do fato, isto porque a realização do tipo não depende de sua vontade. Aquele que instiga precisa encontrar um autor direto determinado e convencê-lo de seu plano, atuando sobre a sua vontade, enquanto o autor mediato necessita apenas de dar o comando26.

A cumplicidade é a participação material no cometimento do crime, em que o partícipe exterioriza a sua contribuição através de um comportamento, de um auxilio, que favoreça objetivamente o fato principal de forma consciente e desejada, como através do empréstimo da arma do crime, de um veículo, de uma propriedade, ou outro auxílio material idôneo para a realização típica27.

Em suma, as formas de aparecimento da autoria são a direta ou imediata e a mediata, a coautoria e a autoria colateral. Entre as formas de participação, são incluídas a instigação e a cumplicidade28. Portanto, na atualidade, a delimitação entre autoria e participação se leva a cabo, de forma dominante

na doutrina, lastreada na teoria de domínio do fato29.

5. Novas tendências na teoria do Domínio do Fato

Como é natural em toda a história da dogmática jurídico-penal, apesar dos inúmeros

avanços, a temática sobre a delimitação entre a autoria e a participação está inacabada.

Com base e a partir da teoria de domínio do fato, tem-se evoluído na doutrina no sentido da

elaboração de novas propostas e releituras no que tange ao tema.

26 ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio da organização. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Orgs.). Te-mas de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 323-344.27 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 457.28 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 115.29 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.

Saiba MaisBOLEA BARDON, Carolina. Tendên-cias sobre autoría y participación en el ámbito de la criminalidad empresa-rial. In: LUZÓN PEÑA, Diego Manuel (Org.). Derecho penal del estado social y democrático del derecho. Madrid: La Ley, 2010.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 75: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

75

Conforme Roxin, todos estes novos posicionamentos doutrinários, de forma geral, se movem

a partir do que já foi estabelecido pela doutrina do domínio do fato, e chegam a espaços de

interpretação dentro desta mesma teoria. Basicamente, se planteiam divergências que geram

uma discussão de caráter mais fundamental30.

Num primeiro grupo, se encontram os defensores de um conceito de domínio do fato orientado

normativamente, que se opõem à delimitação da autoria com base nas relações materiais de

domínio. Como, por exemplo, Jakobs, para quem o domínio do fato “acaba determinándose en la doctrina de forma demasiado naturalística (dominio como hecho) y demasiado poco normativamente (dominio como base para la competencia)”31.

Existe também uma discrepância entre certos autores que, baseados na noção de autonomia,

rechaçam a ideia da possibilidade de autoria mediata nos casos de organização de poder

quando da total capacidade do executor, uma vez que atrás de um autor autônomo e

responsável não caberia nenhum outro domínio do fato32, e que este teria se submetido

livremente ao cometimento de tais ordens quando aceitou integrar a organização.

Outrossim, um debate muito atual é a possibilidade ou impossibilidade de utilização da

teoria de domínio do fato nos casos de delitos cometidos por subordinados no âmbito das

organizações empresariais33, 34.

30 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.31 JAKOBS apud ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.32 ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000, p. 155-177.33 Na defesa da impossibilidade de aplicação da teoria do domínio do fato no âmbito das organizações empresariais, ler: ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio da organização. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Orgs.). Temas de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 323-344.34 Para uma leitura abrangente sobre o tema, ler: ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Saraiva, 2014.

Aula 04 | Teoria do domínio do fato

Page 76: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

76

Vamos pensar

Elabore um texto argumentativo que verse a respeito da autoria e da participação nos

delitos de criminalidade da empresa.

Axiomia: “enunciado considerado verdadeiro sem necessidade de demonstração”. Fonte:

INSTITUTO Antônio Houaiss (Org.). Dicionário Houaiss Conciso. São Paulo: Moderna, 2011,

p.103.

• Delimitação entre autoria e participação

• Teorias sobre o concurso de pessoas

• Teorias sobre a autoria e a participação

• Teoria do Domínio do Fato

• Formas de autoria e participação na Teoria do Domínio do Fato

• Novas tendências na Teoria do Domínio do Fato

Pontuando

Glossário

Page 77: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

77

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 1

“Toda pessoa deve ser punida na medida

de sua culpabilidade”. Este enunciado repre-

senta o princípio da:

a) Legalidade.

b) Par Conditio.

c) Alteridade.

d) Culpabilidade.

e) Racionalidade.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 2

Diferenciar as diversas formas de participa-

ção de mais de uma pessoa em um fato pu-

nível é tarefa da:

a) Teoria da autoria e da participação.

b) Teoria da cegueira deliberada.

c) Teoria do caos.

d) Teoria de Matriz Liberal Heideggeriana.

e) Teoria da denúncia.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 3

Quais são as três teorias que visam diferen-

ciar o nível de cooperação e envolvimento

dos agentes em um fato delituoso?

a) Causalista – Monista – Típica.

b) Pluralista – Dualista – Monista.

c) Pluralista – Singular – Diferenciada.

d) Singular – Monista – Profana.

e) Pluralista – Dualista – Mínima.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 4

Quais são os modos de conceituação do au-

tor na dogmática jurídico-penal?

a) Restritivo e extensivo.

b) Restritivo e ampliativo.

c) Limitado e extensivo.

d) Típico e extensivo.

e) Restritivo e limitado.

INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETAQuestão 5

A qual autor pode ser atribuída a teoria do

domínio do fato em sua primeira formulação?

a) Rui Barbosa.

b) Mezger.

c) Yuri Felix.

d) Roxin.

e) Welzel.

Verificaçãode leitura

Page 78: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

78

Questão 1

Resposta: D

Resolução: Como axioma inelutável e fundamental de um Estado Democrático de Direito, o

princípio da culpabilidade exige que toda pessoa seja punida na medida de sua culpabilidade.

Tal enunciado se traduz, quando da prática de um ilícito-típico realizado com a cooperação

de duas ou mais pessoas, na necessidade, quando da punição, de se levar em conta o nível e

a forma de envolvimento de cada uma das pessoas que cooperaram para a realização típica.

ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Saraiva, 2014.

BACIGALUPO, Enrique. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1999.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio da organização. Tradução de José Danilo Tavares Lobato. In: GRECO, Luís; LOBATO, Danilo (Orgs.). Temas de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

ROXIN, Claus. Las formas de intervención en el delito: estado de la cuestión. In: SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria (Org.). Sobre el estado de la teoría del delito: Seminario en la Universitat Pompeu Fabra. Madrid: Civitas, 2000.

ROXIN, Claus. Sobre la autoría y participación en el derecho penal. Tradução de Enrique Bacigalupo. In: Problemas actuales de las ciencias penales y la filosofía del derecho. En homenaje al profesor Luis Jiménez de Asúa. Buenos Aires: Paneddille, 1970.

WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Tradução de Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo IV. Buenos Aires: Ediar, 1999.

Referências

Gabarito

Page 79: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...

79

Questão 2

Resposta: A

Resolução: Nesse sentido, a teoria da autoria e da participação tem a finalidade de diferenciar

no nível de tipicidade diversas formas de participação de mais de uma pessoa em um fato

punível, e assim determinar se os sujeitos são mais ou menos puníveis de acordo com o nível

de sua participação e cooperação.

Questão 3

Resposta: B

Resolução: No sentido de diferenciar o nível de cooperação e envolvimento daqueles que

concorrem em uma infração penal, surgiram três teorias, quais sejam, a teoria pluralista, a

teoria dualista e a teoria monista.

Questão 4

Resposta: A

Resolução: Na história da dogmática jurídico-penal, quando intentada uma conceituação do

que se entende por “autor”, os estudiosos seguiram caminhos distintos, que saem também

de pontos de partida diferentes. Basicamente, há dois conceitos de autor: o conceito restritivo

de autor e o conceito extensivo de autor.

Questão 5

Resposta: E

Resolução: A teoria do domínio do fato pode ser atribuída, em sua primeira formulação, a

Welzel, que buscou superar as deficiências teóricas tanto das teorias puramente objetivas,

em suas vertentes formal-objetiva e material-objetiva, quanto da teoria subjetiva.

Gabarito

Page 80: PÓS-GRADUAÇÃOs3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Ciencias_penais/Culpabilidade_e... · Curso Ciências Penais Disciplina Culpabilidade e responsabilidade pessoal do agente ...