Possibilidades de Avaliação Psicológica do Transtorno de ... · escassez de instrumentos...

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Faculdade de Ciências da Educação e da Saúde FACES Curso de Psicologia Matutino Possibilidades de Avaliação Psicológica do Transtorno de Personalidade Anti-social: alcances e limitações PATRÍCIA COROA DO COUTO Brasília Dezembro/2009

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  • Faculdade de Cincias da Educao e da Sade FACES

    Curso de Psicologia Matutino

    Possibilidades de Avaliao Psicolgica do Transtorno de

    Personalidade Anti-social: alcances e limitaes

    PATRCIA COROA DO COUTO

    Braslia

    Dezembro/2009

  • ii

    PATRCIA COROA DO COUTO

    Possibilidades de Avaliao Psicolgica do Transtorno de

    Personalidade Anti-social: alcances e limitaes

    Monografia apresentada ao

    Centro Universitrio de Braslia

    UniCEUB, como requisito bsico

    para a obteno do grau de

    Psiclogo da Faculdade de

    Cincias da Educao e da Sade

    FACES.

    Professor-Orientador: Frederico

    G. Ocampo Abreu

    Braslia, dezembro/2009.

  • iii

    Faculdade de Cincias da Educao e da Sade FACES

    Curso de Psicologia Matutino

    Esta monografia foi aprovada pela

    comisso examinadora composta por:

    _______________________________

    Frederico G. Ocampo Abreu

    _______________________________

    Otvio de Abreu Leite

    _______________________________

    Carlene M. Dias Tenrio

    A meno final obtida foi:

    _____________________

    Braslia, dezembro/2009.

  • iii

    Dedico este trabalho minha me,

    por seu interesse pelas contribuies dele

    e cuja trajetria familiar me serviu de inspirao.

  • iv

    AGRADECIMENTOS

    Sendo este o ponto convergente de anos buscando um objetivo, h muito o que

    agradecer e muitos a quem agradecer.

    s velhas amigas-irms e aos novos amigos conquistados pelo caminho,

    agradeo pela ternura de estarem ao meu lado sempre e de fazerem da minha trajetria

    acadmica to prazerosa e inesquecvel.

    Aos professores, por sua paixo, sempre objeto de minha admirao, e por assim

    me apresentarem um mundo de possibilidades.

    minha famlia, absolutamente, por tudo.

    banca examinadora, pela ateno dispensada a este trabalho, em tempos

    conhecidamente difceis.

    Por fim, sou grata ao professor Frederico Abreu, que ajudou a tornar essa

    jornada mais leve, demonstrando prontido, pacincia e, principalmente, confiana em

    mim.

  • v

    Eles sabem a letra, mas no a msica*

    *Kiehl, Hare, McDonald & Brink, 1999, citados por Morana, Stone & Abdalla-Filho, 2006, referindo-se a

    psicopatas. [Traduo livre]

  • vi

    SUMRIO

    Resumo....................................................................................................................... ...................vii

    Introduo................................................................................................................... ..................08

    Captulo I Psicopatia...................................................................................................................10

    1.1. Histrico do conceito, DSM e CID-10...................................................................................10

    1.2. Perverso e perspectiva psicanaltica......................................................................................14

    1.3. Caractersticas e sintomas.......................................................................................................18

    Captulo II Avaliao Psicolgica..............................................................................................22

    2.1. Psicodiagnstico........................................................................................................ .............23

    2.2. Entrevista Clnica...................................................................................................................25

    2.3. Testagem Psicolgica.............................................................................................................29

    Captulo III Alcances e limitaes da avaliao do

    Transtorno de Personalidade Anti-social ................................................................................... 31

    3.1. Hare PCL-R ....................................................................................................................... 32

    3.2. MMPI e MMPI-2 ............................................................................................................... 34

    3.2.1. Sobre o uso conjunto do MMPI e o PCL-R.....................................................................39

    3.3. Testes do Mtodo Projetivo........40

    3.3.1. TAT..41

    3.3.2. Rorschach.............................................................................................................................43

    3.4 Outros instrumentos.....45

    Consideraes Finais.49

    Referncias........................52

  • vii

    RESUMO

    Com o objetivo de promover uma discusso acerca de sua aplicabilidade, limitaes e

    contribuies, so apresentados alguns dos instrumentos mais usualmente encontrados

    na literatura, no que concerne avaliao do transtorno de personalidade anti-social.

    Traa-se, primeiramente, um panorama sobre a conceituao do transtorno, suas

    caractersticas e sintomas, apresentando-se, a seguir, constituintes da avaliao

    psicolgica, realizando um recorte para o psicodiagnstico e testagem psicolgica. Por

    fim, uma breve anlise de cada instrumento aqui selecionado d suporte discusso

    sobre sua utilizao. A adaptao apropriada ao contexto brasileiro e as divergncias de

    adequao quanto aos mtodos utilizados na avaliao da personalidade, bem como a

    escassez de instrumentos validados no Brasil, constituem um desafio para a prtica do

    psicodiagnstico. Portanto, a eficcia da avaliao psicolgica pode, assim, ser mais

    facilmente alcanada quando se utiliza uma composio de meios e fontes mltiplas de

    obteno de informaes, incluindo a observao, os diversos instrumentos de

    avaliao, as entrevistas com familiares, o histrico clnico e demais possibilidade de

    obteno de dados.

    Palavras-chave: transtorno de personalidade anti-social; psicopatia; avaliao de

    personalidade; psicodiagnstico.

  • 8

    A prtica de avaliao psicolgica de transtornos de personalidade e, mais

    especificamente, do transtorno de personalidade anti-social, abrange diversos aspectos e

    possibilidades de tcnicas, instrumentos, mtodos, bem como de abordagens em que

    esses se fundamentam.

    Entretanto, a diversidade deste tipo de avaliao apresenta dificuldades que

    podem trazer limitaes, restringindo seu uso. Isso pode ser observado quando se

    considera os objetivos especficos da cada avaliao, a questo da confiabilidade,

    preciso e especificidade dos instrumentos, a subjetividade qual as interpretaes dos

    dados esto suscetveis, a experincia requerida para utilizao de alguns instrumentos

    mais complexos e, ainda, as variveis do contexto em que o examinando est inserido.

    Assim, traa-se, primeiramente, um panorama sobre a conceituao do

    transtorno, suas caractersticas e sintomas, apresentando-se, a seguir, constituintes da

    avaliao psicolgica, realizando um recorte para o psicodiagnstico e testagem

    psicolgica. Por fim, uma breve anlise de cada instrumento aqui selecionado d suporte

    discusso sobre sua utilizao.

    Dessa maneira, o objetivo deste trabalho expor alguns dos instrumentos mais

    usualmente encontrados na literatura, no que concerne avaliao do transtorno de

    personalidade anti-social, promovendo uma discusso acerca de sua aplicabilidade,

    abrangncias e limitaes.

    Justifica-se a relevncia e pertinncia deste trabalho pelas divergncias de

    adequao quanto aos mtodos utilizados na avaliao da personalidade constiturem

    um desafio para a prtica do psicodiagnstico. Acrescentam-se a isso os problemas

    relativos escassez de instrumentos validados no Brasil, bem como a adaptao

    apropriada ao contexto brasileiro (Nunes, Nunes & Hutz, 2006).

  • 9

    A eficcia da avaliao psicolgica pode, assim, ser mais facilmente alcanada

    quando se utiliza uma composio de meios e fontes mltiplas de obteno de

    informaes, incluindo a entrevista (Nunes, et al., 2006). Para isso, os critrios da

    avaliao psicolgica devem estar claros ao profissional avaliador, incluindo as

    implicaes das perspectivas tericas que os norteiam e, sobretudo, o processo

    integrado das etapas (Cunha, 2002; Pasquali, 2001).

    O captulo I deste trabalho dedicado discusso acerca do histrico do

    conceito de psicopatia, aqui compreendido como transtorno de personalidade anti-

    social, abordando as diversas acepes do termo, da perspectiva psicanaltica e

    correlao entre perverso e psicopatia, bem como da caracterizao e semiologia do

    transtorno.

    O captulo II enfoca a prtica da avaliao psicolgica clnica, destacando o

    processo psicodiagnstico. A entrevista clnica e a testagem psicolgica, caracterizadas

    como etapas fundamentais deste processo, so ento brevemente descritas e analisadas.

    No captulo III so consideradas algumas das tcnicas mais exploradas e mais

    presentes na literatura de avaliao do transtorno de personalidade anti-social: o PCL-R,

    o MMPI, o TAT, o Rorschach e outros instrumentos (HTP e inventrios), bem como o

    uso combinado de alguns deles. A partir disso, discutem-se algumas implicaes de sua

    utilizao, concernentes aos alcances e limitaes.

  • 10

    CAPTULO I

    TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL

    1.1. Histrico do conceito, DSM e CID-10

    Ao longo da histria, o conceito de psicopatia sofreu modificaes, adaptadas ao

    contexto em que surgiam, buscando uma melhor compreenso e definio do fenmeno,

    que aqui denominado transtorno de personalidade anti-social. Holmes (1997) introduz

    um panorama histrico acerca desse conceito, mencionando o termo insanidade sem

    delrio (p.311), referido por Pinel em 1806, para os indivduos que apresentavam

    comportamentos inapropriados, sem ter, porm, outros sintomas tradicionalmente

    associados ao comportamento anormal.

    Shine (2002), por sua vez, faz aluso s contribuies das escolas de psiquiatria

    francesa, alem e anglo-saxnica. O autor cita a histria que Pinel descreveu, em 1809,

    de um filho nico que, mimado por uma me permissiva, manifestava comportamentos

    impulsivos e desordenados. Tambm menciona Esquirol que, dando continuidade ao

    trabalho de Pinel, apontou para a possibilidade de a conduta levar a atos criminosos.

    Magnan (1835/1916, citado por Shine, 2002) introduziu a idia de desequilbrio mental,

    baseando-se na concepo neurolgica de uma falta de harmonia entre diferentes

    centros nervosos, o que poderia levar a um estado de desequilbrio mais grave. Alm

    disso, Kraepelin (1856/1925, citado por Shine, 2002), que desenvolveu um trabalho

    com nfase nas leses e m formaes neurolgicas, criou o termo personalidade

  • 11

    psicoptica, em 1904. No entanto, foi Schneider (1923, citado por Shine, 2002) que

    difundiu tal termo, compreendendo que a inteligncia e a estrutura orgnica no eram

    afetadas pelo distrbio e definiu que as personalidades psicopticas eram aquelas

    anormais que sofrem por sua anormalidade ou, por ela, fazem sofrer a sociedade

    (p.15). Para Kahn (1931, citado por Shine, 2002) as personalidades psicopticas

    apresentariam desordens de personalidade no classificadas como doenas mentais e

    teriam uma condio comum, o desajustamento social. Em 1835, Prichard (citado por

    Shine, 2002) cunhou o termo insanidade moral, indicando uma alterao mental em que

    o poder de autocontrole estaria prejudicado.

    A 10 edio da Classificao Internacional de Doenas (CID-10), da

    Organizao Mundial de Sade (OMS, 1993), refere-se ao transtorno de personalidade

    anti-social, caracterizado por indiferena aos sentimentos alheios, atitude persistente de

    irresponsabilidade e desrespeito por normas sociais, incapacidade de manter

    relacionamentos, baixa tolerncia frustrao e baixo limiar para descarga de

    agressividade. H, tambm, uma tendncia a culpar os outros e a oferecer

    racionalizaes para explicar um comportamento que entra em conflito com as normas

    sociais. Alm disso, conforme a CID-10, o comportamento no facilmente modificado

    pela adversidade experenciada.

    Segundo Kernberg (1995a), antes da introduo do termo distrbio socioptico

    da personalidade, pelo Manual Diagnstico e Estatstico dos Transtornos Mentais

    (DSM-I), utilizava-se o termo personalidade socioptica, que enfatizava os aspectos

    socialmente mal-adaptativos. Em 1968, a expresso foi alterada para personalidade anti-

    social, no DSM-II. Elaborou-se, assim, uma definio mais precisa que, conforme o

    autor, foi baseada na obra de Handerson (1939) e Cleckley (1941):

  • 12

    Esse termo restrito a indivduos que so basicamente no socializados

    e cujos padres de comportamento fazem com que repetidamente

    entrem em conflitos com a sociedade. Trata-se de indivduos incapazes

    de fidelidade significativa com pessoas, grupos ou valores sociais. So

    excessivamente egostas, insensveis, irresponsveis, impulsivos e

    incapazes de sentir culpa ou aprender com a experincia e com a

    punio. Sua tolerncia frustrao baixa. Tendem a queixar-se dos

    outros, ou verbalizar racionalizaes plausveis para seus

    comportamentos. Uma simples histria de crimes ou transgresses de

    ordem social no o suficiente para justificar este diagnstico. (p.74)

    Kernberg (1995a) afirma que o DSM-III manteve o termo personalidade anti-

    social, apenas acrescentando a palavra transtorno, por se tratar de uma definio

    significativa. Entretanto, Hare (1985a, 1986, citado por Beck & Freeman, 1993) aponta

    para a questo de o DSM-III realar o comportamento delinquente ou criminoso,

    negligenciando outros traos de personalidade do transtorno. Tal alerta feito tambm

    por Holmes (1997), quando descreve os critrios diagnsticos do DSM-IV. Este autor

    pontua a relevncia de observar comportamentos criminosos ou delinquentes, sem, no

    entanto, torn-los determinantes para o diagnstico.

    Henriques (2009), em seu estudo sobre a evoluo do conceito de psicopatia, faz

    uma ressalva importante, a de que no sculo XIX, a expresso psicopatia no estava

    ligada personalidade anti-social especificamente. Possua um sentindo abrangente,

    indicando doenas mentais de um modo geral. Exemplifica a ampla acepo do termo,

    citando o uso que Freud faz da expresso, em 1905 ou 1906, em seu artigo Personagens

    psicopticos no palco. O autor confere psiquiatria anglo-saxnica moderna e,

    principalmente, a Cleckley (1941) a determinao da psicopatia como uma

  • 13

    personalidade anti-social. Em seu artigo, Henriques enumera as principais

    caractersticas do psicopata, descritas por Clekley em The Mask of Sanity. A ver:

    1. Aparncia sedutora e boa inteligncia

    2. Ausncia de delrios e de outras alteraes patolgicas do

    pensamento

    3. Ausncia de nervosidade ou manifestaes psiconeurticas

    4. No confiabilidade

    5. Desprezo para com a verdade e insinceridade

    6. Falta de remorso ou culpa

    7. Conduta anti-social no motivada pelas contingncias

    8. Julgamento pobre e falha em aprender atravs da experincia

    9. Egocentrismo patolgico e incapacidade para amar

    10. Pobreza geral na maioria das reaes afetivas

    11. Perda especfica de insight (compreenso interna)

    12. No reatividade afetiva nas relaes interpessoais em geral

    13. Comportamento extravagante e inconveniente, algumas vezes sob a

    ao de

    bebidas, outras no

    14. Suicdio raramente praticado

    15. Vida sexual impessoal, trivial e mal integrada

    16. Falha em seguir qualquer plano de vida. (Cleckley, 1988, citado

    por Henriques, 2009, p.289)

    O DSM - IV (APA, 2002), que fornece a classificao atual, apresenta como

    caracterstica essencial do transtorno de personalidade anti-social o padro global de

  • 14

    desrespeito e violao dos direitos alheios (p.656), que inicia na infncia ou comeo da

    adolescncia e continua na idade adulta. O manual tambm cita como critrios o

    fracasso em conformar-se com as normas sociais, a tendncia a enganar, a

    impulsividade, a irresponsabilidade com a prpria segurana ou a de outros e com o

    trabalho e a ausncia de remorso. Alm disso, para assim ser diagnosticado, o indivduo

    deve ter apresentado sintomas do Transtorno da Conduta at os 15 anos de idade.

    Embora o termo psicopatia possa implicar acepes diversas, o presente trabalho

    refere-se ao transtorno de personalidade anti-social, como descrito pela 4 edio do

    Manual Diagnstico Estatstico dos Transtornos Mentais (DSM IV), da Associao

    Psiquitrica Americana (APA, 2002). Ademais, os diferentes termos psicopatia,

    sociopatia, personalidade anti-social, personalidade associal e personalidade dissocial

    so tomados como sinnimos e utilizados de acordo com a meno de cada autor.

    1.2. Perverso e perspectiva psicanaltica

    Para uma melhor compreenso do termo perverso, Queiroz (2004) traz uma

    descrio etimolgica da palavra, que vem do latim (perversio) e pode indicar o que

    est ligado s avessas, o que est fora de ordem, desordenado, desregrado, contrrio ao

    que deve ser, defeituoso, vicioso (p.77). O verbo, tambm em latim, pervertere,

    significa perverter, corromper, destruir subverter (p.77).

    Ao discutir a perverso pela perspectiva da Psicanlise, Queiroz (2004) ressalta

    as contribuies de Peixoto Jr. (1999) e Calligaris (1986), que estenderam esse conceito

    para o campo social, dissociando-o da categoria de desvio sexual. Peixoto Jr. (1999)

  • 15

    sugere um processo de metamorfose entre a perverso sexual e social e formas de

    distingui-las. Conclui seu trabalho ratificando a urgncia de um esclarecimento terico

    do domnio social. Consoante Queiroz (2004), Freud j ampliara o estudo da perverso

    ao desenvolver uma teoria do social, onde elucida a perverso no limite entre o

    individual e o social.

    Fenichel (2005) utiliza os termos perverses e neuroses impulsivas,

    compreendendo que h diferenas estruturais entre os modos de experienciao das

    impulsividades, sendo a impulsividade psicoptica, instintiva e egossintnica. Isso quer

    dizer que as atitudes do indivduo psicopata no o perturbam e apresentam

    irresistibilidade caracterstica, por causa da intolerncia a tenses.

    O problema da correlao entre psicopatia e perverso abordado por Henriques

    (2009), que pontua as diferenas entre o diagnstico psiquitrico, o qual abordaria a

    psicopatia como sndrome clnica, e o diagnstico psicanaltico, que teria uma

    perspectiva estrutural. Segundo esse autor, a psicanlise compreende a perverso como

    uma estruturao subjetiva, isto , como uma das sadas possveis do complexo de

    dipo, uma tomada de posio frente ameaa de castrao (p.9). O autor alude ainda

    ao pressuposto psicanaltico de que h uma unidade psicopatolgica fundamental entre

    a psicopatia e as parafilias em torno da estrutura perversa (p.10), a qual baseada no

    modelo do fetichismo, de renegao da ausncia do pnis na me, com o objetivo de

    reprimir a angstia da castrao. Pode-se ver a ratificao dessa posio por Julien

    (2002), quando afirma ser o fetichismo o paradigma de toda perverso (p.108).

    Na obra Alguns tipos de carter encontrados no trabalho psicanaltico, Freud

    (1916) denominou trs tipos de carter, dos quais destacado, no presente trabalho, o

    tipo criminosos em consequncia de um sentimento de culpa. Estes indivduos sofrem

    de um sentimento de culpa anterior ao e, com a realizao de uma m ao, esse

  • 16

    sentimento abrandado. Nesse estudo, Freud distingue estes criminosos daqueles que

    praticam crimes sem qualquer sentimento de culpa: que, ou no desenvolveram

    quaisquer inibies morais, ou, em seu conflito com a sociedade, consideram sua ao

    justificada (p.376). Ao fazer tal distino no intuito de excetuar o segundo tipo de

    criminoso mencionado, Freud contribuiu para a abertura de um novo campo de pesquisa

    sobre os indivduos criminosos que no apresentam sentimento de culpa, uma das

    caractersticas mais marcantes da picopatia (Shine, 2002). Mais tarde, em Tipos

    libidinais, Freud (1931) tambm marca sua contribuio ao descrever o tipo narcsico:

    No existe tenso entre o ego e o superego. (...) O principal interesse

    do indivduo se dirige para a autopreservao; independente e no se

    abre intimidao. Seu ego possui uma grande quantidade de

    agressividade sua disposio, qual tambm se manifesta na presteza

    atividade. (...) As pessoas pertencentes a esse tipo so especialmente

    apropriadas a assumirem o papel de lderes e a darem um novo

    estmulo ao desenvolvimento cultural ou a danificarem o estado de

    coisas estabelecido. (p.226)

    Uma explicao oferecida por alguns tericos que utilizam a abordagem

    estrutural de Freud personalidade, na qual se sugere que o superego no se desenvolve

    adequadamente em indivduos com o transtorno de personalidade anti-social. Dessa

    forma, no h um superego adequado para restringir a impulsividade e o hedonismo

    caractersticos e tornar possveis sentimentos como ansiedade e culpa. Essa

    irregularidade no superego , supostamente, produto de uma falha de identificao com

    figuras parentais adequadas, as quais no estavam disponveis (Fenichel, 1945, citado

    por Holmes, 1997). Nesse sentido, o superego pode ser compreendido como uma

    representao interna do temor da castrao ou da perda do amor relacionadas s figuras

  • 17

    parentais. Deve ocorrer uma internalizao das exigncias externas, o perigo passa a

    ameaar a partir de dentro, como uma representao interna da ameaa de perda de

    proteo e punio. Caberia ao superego institudo deliberar sobre quais impulsos sero

    permitidos e quais sero reprimidos (Fenichel, 2005).

    Friedlander (1945, citada por Shine, 2002) tambm defende a ideia de um

    superego deficitrio, afirmando que o indivduo com carter anti-social possui um

    cdigo moral falho, em que a satisfao dos seus instintos tem maior poder no

    julgamento do que certo e do que errado.

    Kernberg (1995b) discorre sobre os nveis de patologia do superego, afirmando

    que o nvel mais extremo encontra-se em indivduos com o transtorno de personalidade

    anti-social. Segundo o autor, o que caracteriza essa patologia no superego a falta de

    compreenso, por parte desses indivduos, de que as exigncias morais representam um

    autntico sistema de moralidade que outras pessoas internalizaram (p.237), apesar de

    compreenderem o que deve ser feito para seguir essas regras morais. Dessa forma, os

    indivduos com o transtorno percebem as exigncias morais do ambiente como um

    sistema de alerta, convencionalmente aceito, a ser explorado pelos corruptos (como

    eles) e obedecido pelos ingnuos e pelos fingidos (p.237).

    Outra pontuao psicanaltica se baseia na ideia de que o indivduo com esse

    transtorno est fixado em um estgio inicial do desenvolvimento psicossexual, por no

    ter tido satisfeitas, pelas figuras parentais, suas necessidades de amor, apoio e aceitao.

    Shine (2002) prope uma discusso acerca da localizao temporal do ponto de fixao

    da libido fase oral, anal ou flica referindo a alguns tericos da psiquiatria e

    psicanlise que defendem ideias distintas. Conforme sugere o autor, a posio poderia

    ser definida como fase pr-genital, se tal falta de especificidade no fosse um problema.

  • 18

    1.3. Caractersticas e sintomas

    Beck & Freeman (1993) afirmam que h na literatura uma distino entre

    psicopatia primria e secundria. A primeira refere-se a um indivduo com aparente

    ausncia de culpa sobre seu comportamento ilegal ou imoral e, por isso, compreendido

    como no tendo conscincia moral. A segunda distingue um indivduo que manifesta os

    mesmos comportamentos, porm apresenta sentimento de culpa e temor pelas

    conseqncias de seus atos; no entanto, devido ao seu fraco controle dos impulsos, no

    deixar de ter comportamentos anti-sociais.

    Na mesma linha de raciocnio, Holmes (1997) destaca que a diferenciao entre

    transtorno de personalidade anti-social primrio e secundrio baseia-se no processo

    responsvel pelos baixos nveis de ansiedade. Em ambos os casos, o transtorno tem

    escassez de ansiedade como caracterstica comum. Entretanto, no tipo primrio,

    considera-se que o indivduo incapaz de desenvolver ansiedade; enquanto que no tipo

    secundrio, ele tem a capacidade de desenvolver ansiedade, mas aprende a evit-la.

    Ballone & Moura (2008) mencionam, em seu trabalho, a tipologia desenvolvida

    por Blackburn (1998) para os subtipos de psicopatas. Conforme os autores, Balckburn

    tambm distingue dois tipos de psicopatas, que compartilham um alto grau de

    impulsividade: um Tipo Primrio, caracterizado por uma adequada socializao e uma

    total falta de perturbaes emocionais, e um Tipo Secundrio, caracterizado pelo

    isolamento social e traos neurticos. Para ele, os psicopatas primrios so

    caracterizados por maior extroverso, autoconfiana e baixo nvel de ansiedade;

    enquanto que os psicopatas secundrios apresentam ansiedade, isolamento social, mau

  • 19

    humor e baixa auto-estima. Todavia, ambos os tipos compartilham traos de

    impulsividade, hostilidade e agressividade.

    Holmes (1997) discorre sobre sintomas caractersticos do transtorno de

    personalidade anti-social, como sintomas motores, cognitivos e de humor. A

    impulsividade e a busca de sensaes so os sintomas motores indicados pelo autor,

    observando que o indivduo com esse transtorno sente-se atrado pela transgresso e por

    atividades perigosas, visando apenas diverso.

    Ao discorrer sobre os sintomas cognitivos do transtorno, Holmes (1997) ressalta

    a inteligncia e as boas habilidades verbais e sociais, alm da capacidade de racionalizar

    seus atos inadequados de maneira a imprimir-lhes aparncia justificvel. Acrescenta a

    isso o fato de a punio no surtir efeito nesses indivduos, que costumam reincidir no

    comportamento punido quando no convencem de sua inocncia, utilizando suas

    habilidades verbais e sociais, para evitar serem punidos.

    Entre os sintomas do terceiro tipo (de humor), est o que o autor considera o

    mais significativo, a ausncia de ansiedade ou de culpa. O indivduo com o transtorno

    no manifesta qualquer tipo de remorso e no possui o constrangimento tipicamente

    suprido pela ansiedade (p.309), da o seu carter impulsivo. Outro sintoma de humor

    indicado pelo autor o hedonismo, o que faz com que as pessoas com o transtorno de

    personalidade anti-social estejam sempre procurando meios de satisfazer os seus

    prprios desejos, buscando o seu prazer e no se importando em prejudicar outros a sua

    volta para isso. O terceiro sintoma descrito a superficialidade de sentimentos e

    ausncia de apegos emocionais a outros. Os indivduos com o transtorno podem at

    falar de sentimentos de apego a outra pessoa, porm no os demonstram em seu

    comportamento.

  • 20

    H na literatura uma subtipologia desenvolvida por Millon (1998, citado por

    Ballone & Moura, 2008), com o intuito de extinguir as incongruncias acerca das

    diversas consideraes sobre os subtipos de psicopatas, e de maneira a enfatizar a

    presena de elementos comuns a todos os subtipos um marcado egocentrismo e um

    profundo desprezo pelos sentimentos e necessidades alheias (Ballone & Moura, 2008).

    Essa subtipologia, adaptada pelos autores por motivos didticos, proposta em cinco

    tipos: psicopata carente de princpios, psicopata malvolo, psicopata dissimulado,

    psicopata ambicioso e psicopata explosivo.

    O primeiro subtipo caracteriza-se principalmente pela irresponsabilidade social,

    violao s regras (sem receio de punio) e explorao de outros para seu benefcio

    prprio. Este tipo possui uma forte autovalorizao e indiferena em relao ao bem-

    estar alheio. Por essas razes, diz-se que no existe, nesses indivduos, o superego.

    No segundo subtipo uma condensao dos subtipos malvolo, tirnico e

    malfico destacam-se os traos vingativos e hostis. So os mais cruis e destrutivos.

    Segundo Ballone & Moura (2008), tais indivduos psicopatas tm um qu de

    paranoicos, pois esto sempre a desconfiar dos bons sentimentos alheios, acreditando

    que sero enganados e trados. Por causa dessa postura ressentida, travam uma luta

    contra a sociedade, sem, no entanto, perder suas habilidades oportunistas de selecionar

    as vtimas mais vulnerveis.

    O psicopata dissimulado manifesta comportamentos falsos e manipuladores,

    com grande excitao pelo jogo da seduo e tendncia mentira e conspirao.

    Quando confrontados, sua reao pode variar de uma vingana calculista a uma

    exploso agressiva.

    O subtipo psicopata ambicioso experimenta sentimentos de vazio e privao de

    amor, apoio ou gratificaes materiais. Dessa forma, busca compensar-se por meio de

  • 21

    transgresses e usurpao de bens de outros, obtendo, no entanto, maior prazer em

    tomar do que em ter. Sua motivao advm de cimes, inveja e ambio, sem nunca

    experimentar plena satisfao. Portanto, a despeito do xito que possa obter, segue

    sentindo-se no realizado e desolado.

    O quinto subtipo, o psicopata explosivo agrega inconstncia, frias sbitas e

    imprevisveis ataques de hostilidade e beligerncia, sem alguma provocao aparente.

    So frustrados com a vida e diferenciam-se dos outros subtipos por no disfararem

    suas atitudes com sutileza e afabilidade.

    Assim, compreende-se que o conceito de transtorno de personalidade anti-social

    tem acompanhado a evoluo das teorias e prticas clnicas, sob diversos enfoques e

    nomenclaturas. Tambm os traos identificadores de uma personalidade psicoptica

    constituem o foco de vrios instrumentos da avaliao psicolgica. Sobre esta falaremos

    no captulo a seguir. Os instrumentos sero abordados no captulo III.

  • 22

    CAPTULO II

    AVALIAO PSICOLGICA

    A avaliao psicolgica constitui-se como uma das funes do psiclogo e

    abrange vrios recursos e abordagens utilizveis pelos profissionais da rea, tendo os

    seus alicerces fundados no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Durante este

    sculo, as correntes de pensamento exerciam influncia sobre as estratgias de

    avaliao, de acordo com os aspectos do psiquismo que lhes serviam de fundamento,

    como o comportamento, o afeto e a cognio (Cunha, 2002).

    De acordo com Pasquali (2001), a avaliao psicolgica profissional deve ser

    baseada na observao, seguindo critrios cientficos de confiabilidade e validade, alm

    de subsidiar inferncias, que partem de um processo de teste de hipteses. Essa

    avaliao deve formar um processo integrado, com uso de tcnicas adequadas a cada

    caso. A primeira etapa do processo a identificao de necessidades, comportamentos e

    processos pscicolgicos, por meio de entrevistas, observao, testes psicomtricos e

    tcnicas intuitivas. A segunda etapa a integrao das descries e escores, onde se

    realiza uma classificao. A inferncia de hipteses, baseada na interpretao, a

    terceira etapa proposta. A interveno, por meio de orientao psicolgica, terapia ou

    outros programas de interveno, se caracteriza como a quarta etapa. Por fim, o autor

    acrescenta a etapa de monitorao das anteriores, fazendo uso de observao e

    entrevista.

    Cunha (2002) aponta para a questo da abrangncia semntica da expresso

    estratgias de avaliao, esclarecendo que pode se referir a enfoques tericos,

  • 23

    metodologia utilizada pelo psiclogo como os mtodos qualitativos e psicomtricos

    e, ainda, especificamente s medidas de sintomas ou de sndromes. As estratgias de

    avaliao usadas na atualidade possuem um objetivo definido, buscando respostas aos

    problemas encontrados. Como exemplo de avaliao psicolgica para fins clnicos, a

    autora menciona o psicodiagnstico, observando que este enfoca a existncia ou no de

    psicopatologia (p.22) e destaca a testagem como um dos recursos de avaliao.

    2.1. Psicodiagnstico

    O termo vem do grego diagnstiks, que significa discernimento, faculdade de

    conhecer, de ver atravs de (Ancona-Lopez, 1984, p.1). Segundo Ancona-Lopez, o uso

    do termo diagnstico psicolgico varia de acordo com suas diferentes concepes e

    estruturas, podendo ser encontradas expresses como psicodiagnstico, diagnstico da

    personalidade, estudo de caso e avaliao psicolgca.

    Ancona-Lopez (1984) faz uma distino das prticas de psicologia clnica e de

    psicodiagnstico, alegando que enquanto a primeira tem por objetivo o alvio do

    sofrimento psquico do paciente, o segundo visa organizar os elementos presentes no

    estudo psicolgico, de forma a obter uma compreenso do cliente a fim de ajud-lo

    (p.11).

    O psicodiagnstico caracterizado por Ocampo, Arzeno & Picollo (2003) como

    uma situao bipessoal (psiclogo-paciente), com durao limitada, que objetiva uma

    compreenso e descrio profunda e completa da personalidade do paciente, podendo a

    investigao ser focalizada em um aspecto particular, dependendo da indicao. Alm

  • 24

    disso, o processo psicodiagnstico utliliza certas tcnicas para abordar aspectos

    passados, presentes e futuros da personalidade do cliente. Segundo o enfoque das

    autoras, tal processo se divide nos seguintes passos: primeiro contato e entrevista inicial

    com o paciente; aplicao de testes e tcnicas projetivas (previamente selecionados de

    acordo com o caso); encerramento do processo (entrevista de devoluo ao paciente) e

    informe para o profissional que encaminhou o caso, quando necessrio.

    Considerando o estudo de Cunha (2002), trata-se de um processo cientfico, que

    se limita no tempo e se baseia em um contrato de trabalho entre psiclogo e paciente, e

    deve partir de um levantamento prvio de hipteses. Nesse processo, so utilizados

    testes e tcnicas, com objetivos delimitados de acordo com a demanda da consulta, que

    podem ser de classificao simples ou nosolgica, descrio, diagnstico diferencial,

    avaliao compreensiva, entendimento dinmico, preveno, prognstico e percia

    forense.

    A autora prope as etapas de um modelo psicolgico clnico que,

    resumidamente, assim se apresentam:

    a) levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da

    consulta e definio das hipteses iniciais e dos objetivos do exame;

    b) planejamento, seleo e utilizao de instrumentos de exame

    psicolgico;

    c) levantamento quantitativo e qualitativo dos dados;

    d) integrao de dados e informaes e formulao de inferncias

    pela integrao dos dados, tendo como pontos de referncia as

    hipteses iniciais e os objetivos do exame;

    e) comunicao de resultados, orientao sobre o caso e

    encerramento do processo. (p.31)

  • 25

    Alm do diagnstico em si, as possveis finalidades de um psicodiagnstico so

    propostas por Arzeno (1995) como avaliao do tratamento, meio de comunicao e na

    investigao. O uso do psicodiagnstico com fins de avaliao do tratamento se

    constitui em uma nova aplicao da mesma bateria de testes aplicados anteriormente

    (re-testes), com o objetivo de constatar avanos teraputicos, planejar uma alta ou at

    mesmo de descobrir o motivo de um impasse no tratamento (p.8). No caso do uso do

    psicodiagnstico como meio de comunicao, a autora defende a ideia de que, ao

    introduzir modificaes no atendimento a pacientes que tm dificuldade em se

    comunicar espontaneamente, pode-se despertar entusiasmo e, assim, favorecer a

    comunicao e a tomada de insight. Por fim, o uso na ivestigao possui dois objetivos

    dinstintos. Um deles seria a criao de novos instrumentos e, o outro, o planejamento de

    investigao de uma patologia, algum problema educacional, forense etc.

    2.2. Entrevista Clnica

    Apesar de o processo psicodiagnstico se fundamentar em etapas, como visto

    anteriormente, no se pode dizer que tais passos constam de uma forma fixa e esttica.

    A entrevista inicial, que se refere primeira etapa diagnstica, no necessariamente

    nica, tampouco acontece obrigatoriamente no incio do processo (Arzeno, 1995). Para

    Arzeno, isso depende de diversas razes. Quando os objetivos da entrevista inicial no

    foram atingidos no tempo delimitado, uma nova entrevista se faz necessria; ou, ainda,

    quando o estado emocional do paciente impossibilita um clima adequado, necessrio

  • 26

    um segundo encontro, quando o paciente geralmente est com menores nveis de

    ansiedade e tenso e se torna mais colaborador.

    Santiago (1984) alerta para a importncia de um marco referencial na entrevista

    inicial, com vistas constncia das variveis referentes aos objetivos e ao papel do

    psiclogo, ao lugar e horrio das entrevistas, bem como durao do trabalho e aos

    honorrios. Dessa maneira, pode-se evitar que essas variveis interfiram no contexto da

    relao, causando reaes de hostilidade, de ansiedade confusional, entre outras.

    Para Santiago (1984), a entrevista inicial, por ser o primeiro contato entre

    psiclogo e paciente, uma situao desconhecida, a qual pode ocasionar apreenso e

    ideias preconcebidas sobre o psiclogo e sobre o paciente. A ausncia total de tais ideias

    no seria possvel, segundo a autora. Entretanto, necessrio refletir sobre elas, visando

    objetividade do trabalho. Alm disso, postula que o psiclogo deve se envolver no

    processo diagnstico e que a reao emocional que o paciente provoca no psiclogo,

    isto , o impacto afetivo, prov ideias sobre os tipos de vnculos que o paciente

    estabelece.

    Tavares (2002) define entrevista clnica como:

    (...) um conjunto de tcnicas de investigao, de tempo delimitado,

    dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos

    psicolgicos, em uma relao profissional, com o objetivo de descrever

    e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistmicos (indivduo, casal,

    famlia, rede social), em um processo que visa a fazer recomendaes,

    encaminhamentos ou propor algum tipo de interveno em benefcio

    das pessoas entrevistadas. (p.45)

    O autor afirma que a finalidade comum a todos os tipos de entrevistas clnica a

    descrio e avaliao. No entanto, os objetivos instrumentais podem variar de acordo

  • 27

    com cada modalidade de entrevista. Neste trabalho, cabe citar duas das modalidades

    descritas: a anamnese, que tem por finalidade o levantamento detalhado da histria do

    desenvolvimento da pessoa, e a entrevista de devoluo, a qual objetiva comunicar

    pessoa o resultado da avaliao e lhe permitir expressar-se em relao s concluses e

    recomendaes do avaliador.

    Adrados (1980) acrescenta a essas modalidades, a entrevista psicossocial, capaz

    de orientar o entrevistador quanto ao grau de maturidade do paciente, o tnus da sua

    afetividade, seu envolvimento com a problemtica e sua capacidade de discernir a

    respeito desta; e a entrevista preparatria para a aplicao de testes, sucinta e de carter

    explicativo.

    Ao apreciar algumas consideraes gerais concernentes entrevista, Adrados

    (1980) refere-se ao ambiente, o qual deve ser agradvel, confortvel, tranquilo,

    reservado e livre de interrupes. Tambm a distncia pessoal deve ser mantida, a fim

    de respeitar a rea de privacidade do paciente. Outro ponto levantado pela autora o

    rapport, de extrema importncia no primeiro contato com o paciente e que, para ser bem

    estabelecido, deve respeitar o nvel cultural, social e emocional do entrevistado.

    Ocampo & Arzeno (2003) afirmam que a entrevista inicial deve ser semidirigida

    por dois motivos. O primeiro para que o paciente tenha liberdade de se expressar, de

    expor suas queixas como preferir e possa optar por onde comear. O segundo para que

    o entrevistador possa intervir: quando o entrevistado no sabe como comear ou

    continuar; para assinalar situaes de bloqueio ou para questionar sobre aspectos que o

    entrevistado no mencionou espontaneamente; sobre contradies ou verbalizaes

    ambguas. Desse modo, torna-se possvel um conhecimento mais profundo acerca do

    paciente, sem que o psiclogo se perca, ele prprio, no emaranhado da mente do

    paciente (Adrados, 1980, p.42).

  • 28

    Arzeno (1995) prope um guia para se orientar quanto s informaes que

    devem ser coletadas nas entrevistas (tanto na inicial, como nas posteriores), recordando

    um esquema freudiano:

    1. Herana e constituio (ou seja, a histria dos seus antepassados);

    2. Histria prvia do sujeito (seja ela real ou fantasiada);

    3. Situao desencadeante (individual e familiar). (p.42)

    A mesma autora observa que o psiclogo dispe de alguns recursos para registro

    de todos os aspectos que julgar necessrio registrar, como a comunicao verbal e a

    comunicao no-verbal, a qual tem valor inestimvel por se tratar de um discurso do

    inconsciente.

    Ao final de uma entrevista, apropriado fazer uma reflexo sobre os seus

    objetivos, a fim de verificar se foram atingidos (Adrados, 1980). Arzeno (1995) cita tais

    objetivos, aqui apresentados de forma resumida:

    uma imagem do conflito central e seus derivados;

    uma histria de vida do paciente e da situao desencadeadora;

    alguma hiptese inicial sobre o motivo profundo do conflito;

    uma estratgia para usar determinados instrumentos diagnsticos seguindo

    uma determinada ordem.

    Arzeno (1995) faz uma interessante pontuao acerca da atitude do psiclogo,

    afirmando que deve ser ao mesmo tempo plstica, aberta, permevel e concretamente

    precisa e centralizada em um objetivo que no podemos ignorar ou perder de vista em

    momento algum (p.34).

  • 29

    2.3. Testagem Psicolgica

    Os testes psicolgicos so ferramentas que foram desenvolvidas a partir da

    necessidade de medir as diferenas individuais e as reaes de um indivduo perante

    diferentes situaes, da necessidade de avaliao na educao como o caso dos

    testes Binet, de inteligncia bem como da necessidade de identificar deficincias

    intelectuais (Anastasi & Urbina, 2000).

    Anastasi & Urbina (2000) salientam que o emprego dos testes psicolgicos na

    atualidade est relacionado com a soluo de diversos problemas prticos, porm os

    testes tambm atendem a funes importantes na pesquisa bsica. Esses testes podem

    divergir, entre outros aspectos, quanto ao modo de aplicao individual e de grupo

    e, tambm, quanto aos aspectos do comportamento que avaliam testes de habilidades e

    de personalidade. Conforme as autoras, um teste psicolgico essencialmente uma

    medida objetiva e padronizada de uma amostra do comportamento (p.18). Considera-se

    o teste como uma medida objetiva, visto que a meta afastar-se do julgamento subjetivo

    do examinador, mesmo que a objetividade perfeita seja impossvel.

    A padronizao dos testes consiste em uma uniformidade de procedimento,

    materiais, limites de tempo, instrues, demonstraes etc. A norma outro quesito

    importante da padronizao, pois permite a comparao do escore de um indivduo com

    o desempenho normal ou mdio e o posicionamento desse indivduo com referncia

    amostra normativa. No caso dos testes de personalidade, a norma corresponde ao

    desempenho de pessoas tpicas ou na mdia (Anastasi & Urbina, 2000).

    Ainda de acordo com as autoras supracitadas, outras duas caractersticas so

    fundamentais nos testes psicolgicos: a fidedignidade e a validade. A fidedignidade de

  • 30

    um teste significa a consistncia de escores obtidos pelos mesmos indivduos, quando

    retestados com o mesmo teste em momentos diferentes, por diferentes avaliadores ou

    sob outra condio relevante de testagem. A validade concerne ao grau em que o teste

    de fato mede o que se prope a medir e, mais precisamente, o quanto se sabe sobre o

    que o teste mede.

    A avaliao da personalidade a rea da testagem psicolgica mais relevante

    para o presente trabalho. Trata-se de compor e interpretar as medidas de caractersticas

    da personalidade, como estados emocionais, relaes interpessoais, motivaes,

    interesses e atitudes. As escalas, os inventrios de auto-relato e alguns dos instrumentos

    de mtodo projetivo so exemplos da testagem de personalidade destacados neste

    trabalho e abordados no prximo captulo.

  • 31

    CAPTULO III

    O USO DE INSTRUMENOS DE AVALIAO PSICOLGICA NO

    PSICODIAGNSTICO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-

    SOCIAL

    O presente captulo destina-se a discorrer brevemente sobre algumas das

    tcnicas mais exploradas e mais presentes na literatura de avaliao do transtorno de

    personalidade anti-social, considerando suas contribuies para a finalidade

    psicodiagnstica, bem como as adversidades e limitaes implicadas no uso de tais

    tcnicas.

    relevante salientar que a utilizao de instrumentos padronizados auxilia na

    avaliao psicolgica na medida em que diminui a valorizao de cunho pessoal, por

    parte do avaliador, de determinados elementos investigados, em detrimento de outros

    (Abdalla-Filho, 2004). Todavia, essa afirmao no pretende reduzir a importncia de

    uma avaliao clnica no sistematizada; pelo contrrio, esta pode oferecer subsdios

    essenciais na construo de um diagnstico clnico.

    Obviamente, a utilizao de instrumentos de avaliao psicolgica requer tica e

    postura profissional durante todo o processo, seja qual for sua finalidade. Sobretudo,

    considera-se que uma utilizao inadequada pode acarretar prejuzos imediatos e futuros

    para o indivduo avaliado (Ambiel, 2006).

  • 32

    3.1. Hare PCL-R (Psychopathy Checklist Revised)

    Trata-se de uma escala de pontuao desenvolvida por Robert Hare (1991,

    citado por Morana, 2003) e validada no Brasil por Morana (2003), para avaliao de

    psicopatia em populaes forenses. Segundo Abdalla-Filho (2004), um instrumento

    que revela a tendncia s prticas criminais caracterizadas pela reincidncia.

    A checklist contm 20 itens, sendo cada item quantificado em uma escala de

    zero a dois pontos, de acordo com a verificao da aplicabilidade de determinado trao

    ao indivduo, totalizando 40 pontos. Utiliza-se uma entrevista semi-estruturada para

    verificar o grau em que o indivduo se enquadra no conceito de psicopatia, e fontes

    adjacentes de informao. Alm disso, h dois fatores estruturais que permeiam os 20

    itens, porm no so descriminados em todos os aspectos considerados: a) o Fator 1,

    definido pelas caractersticas de personalidade que constituem o perfil psicoptico e b) o

    Fator 2, relacionados aos comportamentos socialmente desviantes (Morana, 2003;

    Abdalla-Filho, 2004).

    Observam-se, a seguir, os 20 itens que compem a escala, juntamente com os

    fatores a que esto relacionados, em parnteses:

    1. Loquacidade/charme superficial (1); 2. Auto-estima inflada (1); 3.

    Necessidade de estimulao/tendncia ao tdio (2); 4. Mentira

    patolgica (1); 5. Controlador/manipulador (1); 6. Falta de remorso ou

    culpa (1); 7. Afeto superficial (1); 8. Insensibilidade/falta de empatia

    (1); 9. Estilo de vida parasitrio (2); 10. Frgil controle

    comportamental (2); 11. Comportamento sexual promscuo; 12.

    Problemas comportamentais precoces (2); 13. Falta de metas realsticas

  • 33

    em longo prazo (2); 14. Impulsividade (2); 15. Irresponsabilidade (2);

    16. Falha em assumir responsabilidade; 17. Muitos relacionamentos

    conjugais de curta durao; 18. Delinqncia juvenil (2); 19.

    Revogao de liberdade condicional (2); 20. Versatilidade criminal

    (Abdalla-Filho, 2004).

    Apesar de o ponto de corte no ser rigidamente estabelecido, conforme salienta

    Abdalla-Filho (2004), um escore acima de 30 pontos caracterizaria um psicopata tpico.

    Em seu trabalho de traduo e validao da escala no Brasil, Morana (2003) concluiu

    que o ponto de corte na padronizao brasileira de 23. importante ressaltar que,

    ainda de acordo com a autora mencionada, independentemente do ponto de corte, um

    escore elevado indica probabilidade de reincidncia criminal.

    Destaque-se que o PCL-R no um teste, tampouco destinado ao diagnstico da

    psicopatia, mas um instrumento para verificao de traos da personalidade e

    comportamentos do indivduo que indiquem a condio de psicopatia. Por isso,

    constitui-se em um instrumento apropriado para a utilizao em contexto forense, como

    de fato o (Morana, 2003).

    Para Abdalla-Filho (2004), o PCL-R tem a dupla funo de diagnstico e de

    prognstico, pois tambm avalia a probabilidade de recidiva. Consoante o autor,

    compreende-se que a escala identifique a existncia de personalidade transtornada e no

    de doena mental. Assim, conclui que, numa avaliao pericial, a associao entre

    transtorno mental e comportamento violento no pode ser negligenciada, mas tambm

    no deve ser superestimada.

    Morana (2003) tambm atenta para o uso do PCL-R como instrumento para

    seleo dos criminosos com maior probabilidade de reincidir, visando no prejudicar a

    reabilitao daqueles com menor potencial de reincidncia em crime. Assim, ressalta

  • 34

    que no o tipo de crime que define tal probabilidade, e sim a personalidade do

    criminoso.

    Conclui-se que, apesar de amplamente utilizado no processo de identificao da

    psicopatia em diversos pases atualmente, o uso mais adequado do PCL-R na avaliao

    da psicopatia enquanto instrumento para prtica forense, visto que pode identificar

    traos caractersticos do transtorno de personalidade anti-social, porm no apropriado

    como ferramenta nica para um diagnstico clnico de psicopatia. Ademais, a escala

    voltada para a verificao do potencial de reincidncia criminal, e no para a avaliao

    clnica, com vistas a um psicodiagnstico objetivo.

    3.2. MMPI e MMPI-2 (Inventrio Multifsico de Personalidade de Minnesota)

    Considerado um dos testes mais empregados na avaliao objetiva e

    psicomtrica da personalidade (Villar, 1967; Anastasi & Urbina, 2000; Folino &

    Mendicoa 2006; Cunha, 2002), o MMPI (Hathaway & McKinley, 1943, citados por

    Anastasi & Urbina, 2000) suscitou uma verso reconstituda, o MMPI-2 (Butcher,

    Dahlstrom, Graham, Tellegen & Keammer, 1989, citados por Anastasi & Urbina, 2000),

    ambos utilizados para medir o nvel de desajustamento emocional e identificao de

    psicopatologia apresentada, bem como para avaliar a atitude do examinando frente

    testagem. No Brasil, o acesso ao inventrio restrito ao MMPI (Cunha, 2002).

    O MMPI um inventrio de auto-relato e compreende 566 itens, que descrevem

    sentimentos, atitudes, sintomas fsicos e emocionais e experincias anteriores da vida,

    para os quais o examinando assinala certo ou errado, conforme sua concordncia

  • 35

    com o item. composto por 14 escalas, sendo 10 clnicas e quatro de validade. J o

    MMPI-2 contm, alm das escalas clnicas e de validade, 15 de contedo e 18

    suplementares. As 10 escalas clnicas, listadas abaixo, so comuns ao MMPI e MMPI-2

    e permitem avaliar as diferentes dimenses de personalidade de um indivduo, alm de

    obter informaes sobre provvel patologia:

    1. Hs hipocondria;

    2. D depresso;

    3. Hy histeria;

    4. Pd desvio psicoptico;

    5. Mf masculinidade-feminilidade;

    6. Pa paranoia;

    7. Pt psicastenia;

    8. Sc esquizofrenia;

    9. Ma mania e

    10. Si introverso social.

    As escalas de validade, tambm comuns s duas verses do inventrio, refletem os

    nveis de descuido, m interpretao, simulao, dissimulao, tendncia de respostas e

    atitudes do examinando, e so divididas em escalas de: mentira (L); infrequncia (F) e

    correo (K). A partir da anlise, em conjunto, das escalas com pontuaes mais

    elevadas, obtm-se um perfil de personalidade que, quando avaliado juntamente ao

    contexto geral do caso, permite o levantamento de hipteses diagnsticas (Anastasi &

    Urbina, 2000; Appolinrio, Meirelles, Coutinho & Pvoa, 2001; Cunha, 2002; Folino &

    Mendicoa, 2006). Os maiores escores conjugados de mentira (L), infrequncia (F) e

    correo (K) representam a atitude do sujeito frente ao teste. Assim, se o sujeito,

  • 36

    deliberadamente ou no, transmitir uma imagem favorvel ou desfavorvel de si

    mesmo, isso pode ser detectado (Cunha, 2002).

    Em 1946, Wiener e Harmon (Wiener, 1963, citado por Cunha, 2002) criaram as

    escalas bvias e sutis, a fim de obter maior preciso nos dados fornecidos pelas escalas

    clnicas, ao que determinaram como bvios, os itens facilmente detectados como

    indicadores de perturbao emocional e sutis, aqueles mais difceis de detectar como

    indicadores de perturbao. No desenvolvimento das escalas bvias e sutis, houve xito

    apenas com as escalas 2 (D), 4(Pd), 6 (Pa) e 9 (Ma) (Jimnez & Snchez, 2001). A

    finalidade das escalas desenvolvidas por Wiener e Harmon era a de averiguar os efeitos

    de tendncias conscientes ou inconscientes do examinando para a apresentao de uma

    determinada imagem de si mesmo. Como exemplos, pode-se mencionar a apresentao

    de uma imagem positiva, resultado de defensividade deliberada ou de negao da

    psicopatologia, e a tentativa de apresentar uma imagem negativa, decorrente de exagero

    ou simulao de psicopatologia (Cunha, 2002).

    Jimnez & Snchez (2001) realizaram uma pesquisa sobre as contribuies de

    tais subescalas, a fim de verificar se as mesmas podem, de fato, oferecer informao

    acerca do fingimento positivo ou negativo realizado pelo sujeito. A amostra utilizada foi

    de grupos de sujeitos normais e grupos de sujeitos clnicos (com diagnsticos diversos),

    que responderam a prova sendo sinceros consigo mesmos; grupos de sujeitos instrudos

    a darem uma boa imagem de si mesmos; grupos cuja instruo foi a de passar uma m

    imagem de si mesmos e grupos que responderam aos itens de modo diverso e

    aleatoriamente. Os pesquisadores chegaram concluso de que, com relao escala 4,

    de desvio psicoptico (Pd), as escalas bvias podem identificar sujeitos que apresentam

    fingimento negativo, enquanto as escalas sutis parecem no detectar qualquer tipo de

    fingimento.

  • 37

    Assim, ao considerar uma avaliao psicolgica voltada para o psicodiagnstico

    de transtorno de personalidade anti-social, a validade e confiabilidade do protocolo

    MMPI pode ser discutvel. Ora, se um indivduo com esse transtorno encontra-se em um

    contexto forense de avaliao psicolgica e est atento diminuio de sua

    imputabilidade, caso seja verificada alguma perturbao de sua sade mental, no seria

    raro ocorrer simulao em suas respostas ao inventrio, ou seja, um fingimento

    negativo. Neste caso, se as escalas que tm o objetivo de verificar essa simulao

    parecem no cumprir completamente seu propsito, qual seria a validade de um

    psicodiagnstico que se baseou em um protocolo MMPI? Esta uma questo polmica

    e seus fundamentos so amplamente pesquisados.

    Cunha (2002), entretanto, alerta para o fato de que alguns pesquisadores

    chegaram concluso de que as escalas bvias so mais suscetveis simulao

    proposital do que as escalas sutis e acrescenta que as informaes obtidas por meio

    dessas escalas podem ser complementadas por uma outra escala acrescentada ao MMPI,

    a de dissimulao (Walters, White & Greene, 1988, citados por Cunha, 2002). No

    obstante, a autora ressalta a utilizao das escalas bvias e sutis como fonte de

    informao extra, no trabalho clnico.

    Ao presente trabalho, interessa a discusso acerca da escala 4, citada

    anteriormente, correspondente ao desvio psicoptico (Pd), alm da anlise de

    combinaes relevantes desta escala com outras, uma vez que certas escalas podem ter

    efeito excitante ou inibitrio sobre tendncias e comportamentos associados elevao

    da escala 4.

    Conforme Cunha (2002), a concepo atual a de que a escala 4 avalia o nvel

    de ajustamento social. Folino & Mendicoa (2006) explanam que as pontuaes elevadas

    correspondem tendncia a manifestao de condutas anti-sociais, revolta contra

  • 38

    figuras de autoridade, relaes familiares conflituosas, tendncia a culpar os demais por

    seus problemas e antecedentes de dificuldade com a escola ou com o trabalho. Alm

    disso, a elevao da escala 4 indica maior probabilidade de impulsividade, tendncia

    gratificao imediata dos impulsos, irresponsabilidade, impacincia, baixa tolerncia

    frustrao e conduta de risco. Cunha (2002) afirma que os indivduos com elevao

    nessa escala apresentam, geralmente, caractersticas associais e amorais, mostrando um

    padro de comportamento repetitivo e persistente, de natureza anti-social (p.467).

    Nesse sentido, Cunha (2002) ressalta que esses indivduos muitas vezes causam boa

    impresso inicial, capazes de manter um relacionamento aparentemente adequado, at

    se depararem com uma situao que ponha prova seu sentido de responsabilidade e

    considerao pelos demais, revelando sua imaturidade, egocentrismo e instabilidade

    emocional. A autora conclui que os aspectos destacados na escala associam-se com

    delinquncia ou propenso a esta.

    A combinao de tal escala com outras, de carter inibitrio, como a 1, de

    hipocondria (Hs), a 7, relacionada psicastenia (Pt), isto , um padro neurtico, e

    sobretudo a 2, que refere depresso (D), a probabilidade de delinquncia diminui, por

    causa da presena de ansiedade e culpa. A combinao com a escala 2 (D) resulta em

    comportamentos anti-sociais menos manifestos e disfarados. J a combinao com a

    escala 9, relativa mania (Ma), aumenta a propenso comportamentos impulsivos e

    atuadores (Cunha, 2002). Nesse sentido, imprescindvel apreciar todas as informaes

    do perfil do examinando, quando se deseja levantar alguma hiptese diagnstica.

    Villar (1967) manifesta seu descontentamento pelo MMPI, alegando que um

    grande nmero de itens est mais orientado para o diagnstico psiquitrico do que para

    o psicodiagnstico. Entretanto, isto apenas quer dizer que h grande probabilidade de o

    inventrio falhar quando aplicado em sujeitos normais, o que no desfalca sua

  • 39

    relevncia para os propsitos aqui apresentados, ou seja, servir como instrumento de

    avaliao do transtorno de personalidade anti-social, ainda que sua funo se restrinja

    ao fornecimento de subsdios para o psicodiagnstico.

    De acordo com Cunha (2002), o MMPI-2 apresenta melhor qualidade

    psicomtrica e mais recursos numa avaliao psicolgica. Entretanto, o fato de haver

    mais de 10.000 pesquisas com o MMPI parece ser um dos aspectos compensatrios para

    suas limitaes. Tal observao pode indicar que, se o MMPI cumpre seus propsitos de

    maneira at aqui considerada eficiente, a adaptao e validao do MMPI-2 para o

    Brasil, poderia ampliar a abrangncia dos aspectos avaliados, bem como a

    especificidade da anlise das escalas, proporcionando um meio mais apurado de

    avaliao.

    3.2.1. Sobre o uso conjunto do MMPI e o PCL-R

    Uma pesquisa realizada por Folino & Mendicoa (2006), com vistas a analisar a

    validade do PCL-R, utilizando o MMPI-2 como parmetro, resultou na concluso, por

    parte dos pesquisadores, de que o uso conjunto dos dois instrumentos pode fornecer

    informaes complementares. Isto quer dizer que, ao estudar um caso, o profissional

    clnico pode relacionar os dados obtidos com ambos os instrumentos, proporcionando

    uma heurstica interessante.

    Folino & Mendicoa (2006) apresentam alguns argumentos para tal concluso. Se

    o sujeito responder o inventrio com relevante sinceridade e sem muita influncia de

    desejabilidade social, os resultados sero compatveis com sua avaliao clnica por

  • 40

    meio do PCL-R, o que confere maior segurana ao diagnstico, prognstico e

    planejamento teraputico.

    Por outro lado, se o sujeito avaliado responder o MMPI distorcendo a verdade,

    de modo a apresentar um determinado perfil, este se apresentar incongruente com a

    avaliao feita com o PCL-R, os dados obtidos por meio dos dois instrumentos sero

    contraditrios. Desse modo, o profissional avaliador pode observar a necessidade de

    uma investigao mais ampla, objetivando a obteno de maiores informaes, para a

    realizao de um diagnstico diferencial. Contudo, o novo dado incorporado pode

    sustentar a identificao do padro tpico do transtorno de personalidade anti-social, de

    mentiras e manipulao (Folino & Mendicoa, 2006).

    3.3. Testes do Mtodo Projetivo

    A expresso mtodos projetivos, segundo Anzieu (1979), foi criada por Frank

    em 1939, para designar uma investigao dinmica e holstica da personalidade, a qual,

    por permitir liberdade de resposta da pessoa avaliada a partir da atividade que lhe

    proposta, explora suas associaes reveladoras, aquilo que espontaneamente vem

    conscincia, seus conflitos profundos. Os testes projetivos possibilitam trazer

    superfcie o que est escondido no interior, desvendando aspectos da estrutura de

    personalidade, atravs de seu protocolo de respostas, alm de favorecer a descarga dos

    pontos vulnerveis e indesejados do sujeito, seus impulsos e emoes. O tempo de

    aplicao de um teste projetivo, em geral, tambm no limitado. Dentro do mtodo

    projetivo, distinguem-se das tcnicas projetivas, que permitem liberdade de respostas,

  • 41

    porm com material definido e padronizado, as tcnicas expressivas, as quais

    possibilitam total liberdade, inclusive quanto ao material proposto. Alguns testes que

    utilizam esse mtodo sero apresentados a seguir, juntamente com a apreciao de seus

    alcances e limitaes para a avaliao psicolgica.

    3.3.1. TAT (Teste de Apercepo Temtica)

    Criado por Murray, em 1943, este teste composto por 31 lminas, das quais 30

    possuem imagens e uma em branco. Do total de lminas para cada sujeito avaliado, 11

    so universais e nove variam de acordo com o sexo e a faixa etria, totalizando 20

    lminas. As imagens so constitudas por desenhos, fotografias, reprodues de quadros

    ou de gravuras e cada uma delas explora questes especficas. solicitado ao sujeito

    que conte uma histria com comeo, meio e fim sobre cada lmina apresentada,

    estimulando-o a falar sobre o que pensam e sentem os personagens, acontecimentos

    antecedentes e desfecho. Concernente lmina em branco, pede-se ao sujeito para

    imaginar uma imagem e contar uma histria a partir dela (Cunha, 2002; Anzieu, 1979).

    Por meio do relato das histrias do sujeito avaliado, espera-se extrair

    informaes acerca de sua experincia, com aspectos perceptivos, mnmicos,

    imaginativos e emocionais. No entanto, pode ocorrer uma fuga de conflitos, negao ou

    defesa, o que no necessariamente constitui os aspectos essenciais da vida do sujeito

    (Freitas, 2002).

    A anlise dos dados disntingue-se entre anlise formal e anlise de contedo. A

    anlise formal baseia-se em aspectos como cooperao durante a aplicao, percepo,

    coerncia, conciso, riqueza de detalhes, grau de realidade, tendncia s descries ou

  • 42

    s interpretaes, ente outros. Na anlise de contedo, fundamental identificar o heri

    nas histrias relatadas, pois este o personagem com quem o sujeito de identifica. A

    partir disso, realiza-se uma anlise sobre: a) as motivaes, tendncias, fatores internos

    e necessidades do heri; b) foras do ambiente que exercem influncia sobre ele; c)

    desenvolvimento e desfecho da histria; d) temas das histrias e d) interesses e

    sentimentos. Em seguida, elabora-se a sntese dos resultados, a fim de traduzir de a

    dinmica da personalidade do sujeito testado. Para isso, necessrio avaliar a

    consistncia entre os contedos e os contedos mais frequentes. Alm disso, para a

    preciso e abrangncia das concluses, essencial conhecer a histria pessoal do caso.

    Deve-se, tambm, observar a conduta do sujeito durante a aplicao do teste, visando

    obter informaes significativas por meio da anlise conjunta (Anzieu, 1979; Cunha,

    2002).

    Segundo Freitas (2002), quando se considera critrios diagnsticos especficos,

    as informaes obtidas por meio do TAT so um tanto vagas. Entretanto, esse teste

    pode contribuir para um diagnstico diferencial, fornecendo subsdios bsicos sobre a

    dinmica da personalidade do indivduo testado. Isto pode ser verificado em um caso

    apresentado por Shine (2002) sobre um homem de 28 anos, avaliado por solicitao de

    uma equipe mdica. As informaes obtidas sobre o sujeito, por meio da histria que

    contou sobre uma lmina com a imagem de uma mulher nua e um homem em p

    prximo a ela, permitiram a identificao de elementos caractersticos do transtorno de

    personalidade anti-social: desconsiderao pela figura do outro; ausncia de sentimento

    de culpa (por um assassinato); o heri no sofre nenhuma consequncia pelo crime que

    cometeu; indiferena pelo fato de um inocente levar a culpa e provocao ao

    examinador, no terminando a histria, quando isso lhe foi solicitado.

  • 43

    O TAT pode caracterizar-se, portanto, em uma tcnica valiosa para obteno de

    informaes no processo de avaliao psicolgica do transtorno de personalidade anti-

    social. Por ser uma tcnica projetiva, a manipulao de resultados torna-se virtualmente

    invivel, podendo ocorrer, entretanto, uma negao ou mascaramento dos contedos

    reais do sujeito.

    No entanto, importante ressaltar que se trata de uma tcnica complexa, que

    requer muita prtica, por parte do avaliador, para se conseguir anlises de maior

    confiabilidade. Alm disso, no deve ser utilizado com a finalidade de um diagnstico

    especfico, mas sim como contribuio para um diagnstico diferencial.

    3.3.2. Rorschach

    O desenvolvimento desta tcnica complexa e sofisticada se deu por meio de anos

    de observaes, estudos e pesquisas, cabendo ao psiquiatra Rorschach, em 1917, iniciar

    o uso sistemtico de manchas de tinta com seus pacientes psiquitricos. Seus estudos

    foram continuados por outros profissionais, sofrendo algumas adaptaes ao longo da

    histria (Cunha, 2002).

    O teste consiste em apresentar ao sujeito 10 lminas, uma a uma, com manchas

    de tinta escassamente estruturadas, das quais cinco so cromticas e cinco acromticas,

    solicitando que o examinando verbalize sobre o que v nelas. Assim, realiza-se uma

    interpretao dos dados obtidos, levando em considerao aspectos quantitativos e

    qualitativos, com o objetivo de obter uma amostra comportamental do sujeito, que

  • 44

    permita inferncias sobre o funcionamento e estrutura de sua personalidade (Cunha,

    2002).

    Cunha (2002) salienta que h uma grande quantidade de dados fornecidos por

    meio da aplicao do Rorschach, os quais permitem uma descrio geral da

    personalidade e levantamento de hipteses diagnsticas. Todavia, a explorao

    descritiva de tais dados seria uma tarefa demasiada extensa, o que no o propsito

    deste trabalho. A autora, ento, pontua algumas das possibilidades de explorao das

    caractersticas de personalidade que a anlise dos dados oferece: tipos de vivncias,

    organizao da experincia perceptual, estratgias para o manejo de problema e recursos

    de controle interior.

    Para Adrados (1980), esse teste oferece dados sobre a estrutura dinmica da

    personalidade em estudo, sendo possvel detectar caractersticas de personalidade

    pontuadas pela corrente psicanaltica e relacionadas ao transtorno de personalidade anti-

    social:

    1) A fraqueza ou debilidade do ego e do superego.

    2) O egocentrismo e maturidade afetiva.

    3) A forte instabilidade.

    4) A baixa capacidade de crtica;

    5) A ausncia de conflito.

    6) A ausncia de angstia e de culpa. (p.186)

    Apesar de sua popularidade e ampla utilizao, Cunha (2002) alerta para o fato

    de que concluses baseadas unicamente no Rorschach podem apresentar discordncias

    com diagnsticos clnicos, calcados em observaes prolongadas (p.342). Portanto,

    faz-se necessrio o conhecimento da histria do sujeito avaliado, para uma mais elevada

  • 45

    preciso diagnstica. No obstante, as informaes obtidas pela utilizao dessa tcnica

    so de extrema importncia na avaliao de personalidade.

    Por ser tratar de uma tcnica de alta complexidade, com uma grande quantidade

    de tempo despendida em uma interpretao aprofundada e realizao de laudo rico em

    detalhes, a administrao adequada imprescindvel na garantia de qualidade cientfica

    dos resultados. Portanto, esse teste requer especializao, constante estudo e atualizao

    (Anzieu, 1979; Cunha, 2002).

    Como tcnica projetiva, o Rorschach tem potencialidade para neutralizar

    tentativas de distoro e mentira, caracterizadoras do padro manipulativo e

    dissimulado do comportamento do indivduo com o transtorno de personalidade anti-

    social. Por esse motivo, constitui-se em uma contribuio valiosa para o diagnstico do

    transtorno de personalidade anti-social.

    3.4. Outros instrumentos

    Nota-se que alguns instrumentos podem auxiliar no processo psicodiagnstico

    do transtorno de personalidade anti-social, no sentido de fornecer informaes extras e

    teis que, analisadas e interpretadas em conjunto com outros instrumentos,

    proporcionam maior solidez ao diagnstico. De acordo com Bartholomeu, Nunes &

    Machado (2008), o Inventrio de Habilidades Sociais (IHS), com itens que descrevem

    situaes de interao social, e a Escala Fatorial de Socializao (EFS), composta por

    itens de auto-relato que avaliam a socializao, so exemplos de instrumentos que

    possuem aplicabilidade relevante no diagnstico clnico, visto que o transtorno de

  • 46

    personalidade anti-social pode afetar significativamente as habilidades sociais e os

    indivduos com esse transtorno apresentam baixos escores de socializao. Tambm o

    Inventrio de Empatia (IE), que se diferencia do IHS, por medir exclusivamente os

    componentes cognitivos, afetivos e comportamentais da empatia, pode ser considerado

    um instrumento auxiliar, avaliando deficincias de empatia relacionadas ao transtorno

    (Falcone, et al., 2008).

    Alm das adversidades envolvidas na testagem psicolgica em geral, o uso de

    inventrios de personalidade envolve dificuldades especiais, sobretudo no que concerne

    simulao da imagem transmitida pelo examinando. Outro problema encontrado o

    da especificidade situacional dos itens, alm da possibilidade de ocorrer variaes de

    respostas caracterizadas por uma rea comportamental de no-teste, isto , a incerteza

    sobre se o instrumento verifica apenas o que se pretende verificar, eliminando outras

    variveis (Anastasi & Urbina, 2000).

    Nesse sentido, o teste HTP (House-Tree-Person) pode ser tambm considerado

    til para auxiliar uma avaliao psicolgica com esse fim, por permitir interpretaes

    acerca dos traos de personalidade do sujeito.

    Trata-se de uma tcnica expressiva do mtodo projetivo, criada por Buck em

    1948, que consiste em duas fases, uma grfica e outra, verbal. Na fase grfica,

    solicitado ao sujeito que desenhe uma casa, uma rvore e uma pessoa, sendo entregues

    uma folha de papel em branco, lpis e borracha, para cada um desses itens. A fase

    verbal pode ter um procedimento mais estruturado, com interrogatrio sobre os

    desenhos, ou mais aberto, estimulando o sujeito falar sobre estes ou at mesmo contar

    uma histria utilizando os trs (Freitas & Cunha, 2002).

    O HTP um teste de fcil aplicao e muito econmico quanto ao material

    utilizado. Apesar disso, como afirma Cunha (2002), a falta de pesquisa sobre este teste

  • 47

    uma desvantagem que o limita a um instrumento coadjuvante na avaliao da

    personalidade.

    Os instrumentos de avaliao aqui apresentados no abarcam a totalidade de

    possibilidades. Constituem apenas os mais relevantes para o propsito deste trabalho,

    bem como os mais frequentemente encontrados na literatura. Muitas combinaes so

    possveis, dependendo de cada caso e dos objetivos da avaliao, e se mostram mais

    eficazes do que usos isolados de instrumentos. O conhecimento das abrangncias e

    limitaes de cada um tambm pode tornar seu uso mais eficaz, propiciando um

    psicodiagnstico mais confivel.

    O DSM-IV (APA, 2002) justifica a convenincia de vrias fontes de dados, bem

    como a considerao do contexto scio-econmico do sujeito avaliado:

    (...) Uma vez que o engodo e a manipulao so aspectos centrais do

    Transtorno da Personalidade Anti-social, pode ser de especial utilidade

    integrar as informaes adquiridas pela avaliao clnica sistemtica

    com informaes coletadas a partir de fontes colaterais. (...) Foram

    levantadas consideraes de que o diagnstico poderia ser aplicado

    incorretamente, em alguns casos, em contextos nos quais um

    comportamento aparentemente anti-social pode fazer parte de uma

    estratgia protetora de sobrevivncia. Ao avaliar os traos anti-sociais,

    importante considerar o contexto scioeconmico no qual os

    comportamentos ocorrem (APA, 2002, p.656).

    Dadas as caractersticas dos indivduos com o transtorno de personalidade anti-

    social, a aplicao dos instrumentos de avaliao psicolgica, juntamente com

    informaes obtidas por meio de outras fontes, torna-se mais relevante porque dificulta

    a manipulao deliberada de respostas e fornecem elementos diagnsticos

  • 48

    complementares (Morana, Stone & Abdalla-Filho, 2006). A aplicao de instrumentos,

    no entanto, acaba por apresentar uma limitao inerente ao seu propsito, o de conhecer

    a personalidade do sujeito examinado, pois sua eficcia depende da vontade do

    examinando se deixar conhecer, caracterizando um obstculo ao desenvolvimento do

    rapport. A mediao que a testagem psicolgica proporciona na relao avaliador-

    avaliado pode romper a mscara atrs da qual o examinando se esconde e facilitar sua

    cooperao. Este um dos desafios na avaliao psicolgica do transtorno de

    personalidade anti-social, como pontua Shine (2002).

  • 49

    CONSIDERAES FINAIS

    O conceito de transtorno de personalidade anti-social tem acompanhado a

    evoluo das teorias e prticas clnicas, sob diversos enfoques e nomenclaturas.

    Tambm os traos identificadores de uma personalidade psicoptica constituem o foco

    de vrios instrumentos da avaliao psicolgica. O egocentrismo, a no-confiabilidade,

    a insensibilidade, a ausncia de remorso, a insinceridade, a pobreza na formao de

    insight so elementos complicadores na avaliao que tem por finalidade o

    psicodiagnstico desse transtorno. Alm disso, superficialidade e pobreza nas reaes

    afetivas constituem uma barreira no estabelecimento do rapport este de fundamental

    importncia para um processo eficiente de avaliao.

    A avaliao da personalidade a rea da testagem psicolgica mais relevante

    para o presente trabalho. Trata-se de compor e interpretar as medidas de caractersticas

    da personalidade, como estados emocionais, relaes interpessoais, motivaes,

    interesses e atitudes. As escalas, os inventrios de auto-relato e alguns dos instrumentos

    de mtodo projetivo so exemplos da testagem de personalidade destacados neste

    trabalho.

    Independentemente de sua finalidade, a utilizao de instrumentos de avaliao

    psicolgica exige postura profissional e tica, especialmente visto que uma utilizao

    inadequada pode acarretar prejuzos imediatos e futuros para o indivduo avaliado.

    Considerando as especificidades de cada instrumento aqui destacado, ressalta-se

    que a ampla variedade de finalidades est relacionada s caractersticas de cada um

    deles, o que acaba por limitar uma preciso diagnstica apoiada em apenas um

    instrumento.

  • 50

    Embora, os instrumentos de avaliao aqui apresentados estejam longe de

    esgotar a totalidade de possibilidades, foram considerados apenas alguns dos mais

    relevantes e dos mais frequentemente apresentados como objetos de pesquisa.

    importante destacar que as possveis combinaes de vrios instrumentos no

    desenvolvimento do processo integrado de psicodiagnstico se revelam mais confiveis

    do que a utilizao isolada de apenas um instrumento. Alm disso, o conhecimento das

    abrangncias e limitaes de cada um tambm pode tornar seu uso mais eficaz.

    Holmes (1997) faz uma leitura interessante sobre o transtorno de personalidade

    anti-social, que auxilia a compreenso da problemtica social acerca desse transtorno. O

    autor ressalta que na maioria dos outros transtornos os problemas so vividos pelas

    prprias pessoas que tm o transtorno, enquanto que no caso do transtorno de

    personalidade anti-social, os problemas so vividos pelas pessoas que esto ao seu

    redor. Os indivduos com este transtorno so descritos pelo autor como os mais

    interpessoalmente destrutivos e emocionalmente prejudiciais em nossa sociedade

    (p.309). Isso reafirmado por Henriques (2009) quando diz que a psicopatia

    certamente uma das anomalias da personalidade que apresenta consequncias sociais

    mais graves (p. 15).

    Isso leva a uma considerao importante sobre o transtorno. Por mais que a

    maioria dos transtornos de personalidade atinja, de certa forma, as pessoas que

    convivem com o indivduo perturbado, o transtorno de personalidade anti-social pode,

    mais do que atingir intensamente as pessoas ao seu redor, ser quase um sofrimento

    exclusivo destas pessoas. Isso quer dizer que, embora no haja sofrimento propriamente

    dito para o psicopata, as aes direcionadas a esse transtorno (avaliaes psicolgicas,

    psicoterapia, pesquisas etc.) tm maior eficcia ao visar proteo, orientao e bem-

    estar das pessoas sua volta. Isso se comprova pela quantidade de pesquisas voltadas

  • 51

    para o contexto forense que, mais frequentemente, tm por objetivo a melhora da

    qualidade de vida do ambiente. Por isso, o psicodiagnstico do transtorno de

    personalidade anti-social est menos voltado para finalidades teraputicas.

    Visto que a grande questo social acerca do transtorno de personalidade anti-

    social remete s consequncias do comportamento amoral desses indivduos, e que essa

    amoralidade est relacionada sua tendncia a racionalizar os aspectos afetivos das

    relaes sociais, o processo integrado de avaliao psicolgica desse transtorno permite

    compreender que tais indivduos sabem a letra, mas no a msica (Kiehl; Hare;

    McDonald & Brink, 1999, citados por Morana, et al.,, 2006, traduo livre).

  • 52

    REFERNCIAS

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