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Pré-Modernismo Euclides da Cunha 1866-1909 Prof. Tonhão Literaturas de Língua Portuguesa

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Pré-Modernismo

Euclides da Cunha1866-1909

Prof. Tonhão

Literaturas de Língua Portuguesa

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Vida e Obra!

• Engenheiro, militar, físico, naturalista, professor,jornalista, romancista, ensaísta, filósofo, poeta,escritor, geólogo, geógrafo, botânico, zoólogo,hidrógrafo, historiador e sociólogo brasileiro.

• Esta multiformação lhe proporcionou todo oconhecimento de que precisava para escrever oensaio jornalístico-literário Os Sertões, sua obramáxima

• Sobre Canudos: Escreveu dois artigos intitulados A nossa

vendeia, que o levaram para ao Estadão (jornalO Estado de S. Paulo) como repórter do últimoconflito de Canudos

Levou cinco anos para reunir o material que olevaria a escrever Os Sertões: a campanha deCanudos (1902)

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Os Sertões1902

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Filme A Guerra de Canudos (1997)Dirigido por Sérgio Resende

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Tomo I: A Terra

Ajusta-se sobre os sertões o cautério das secas; esterilizam-se os ares urentes; empedra-se o chão, gretando,recrestado; ruge o nordeste nos ermos; e, como um cilício dilacerador, a caatinga estende sobre a terra as ramagens deespinhos... Mas, reduzidas todas as funções, a planta, estivando em vida latente, alimenta-se das reservas quearmazena nas quadras remansadas e rompe os estios, pronta a transfigurar-se entre os deslumbramentos da primavera.Falta às terras flageladas do Norte uma alta serrania que, correndo em direção perpendicular àquele vento, determine adynamic colding, consoante um dizer expressivo.Um fato natural de ordem mais elevada esclarece esta hipótese. Assim é que as secas aparecem sempre entre duasdatas fixadas há muito pela prática dos sertanejos, de 12 de dezembro a 19 de março. Fora de tais limites não há umexemplo único de extinção de secas. Se os atravessam, prolongam-se fatalmente por todo o decorrer do ano, até que sereabra outra vez aquela quadra. Sendo assim e lembrando-nos que é precisamente dentro deste intervalo que a longafaixa das calmas equatoriais, no seu lento oscilar em torno do equador, paira no zênite daqueles estados, levando aborda até aos extremos da Bahia, não poderemos considerá-la, para o caso, com a função de uma montanha ideal que,correndo de leste a oeste e corrigindo momentaneamente lastimável disposição orográfica, se anteponha à monção elhe provoque a parada, a ascensão das correntes, o resfriamento subsequente e a condensação imediata nos aguaceirosdiluvianos que tombam então, de súbito, sobre os sertões?Este desfiar de conjecturas tem o valor único de indicar quantos fatores remotos podem incidir numa questão queduplamente nos interessa, pelo seu traço superior na ciência, e pelo seu significado mais íntimo no envolver o destinode extenso trato do nosso país. Remove, por isto, a segundo plano, o influxo até hoje inutilmente agitado dos alísios, e éde alguma sorte fortalecido pela intuição do próprio sertanejo para quem a persistência do nordeste, — o vento daseca, como o batiza expressivamente — equivale à permanência de uma situação irremediável e crudelíssima.As quadras benéficas chegam de improviso. Depois de dous ou três anos, como de 1877-1879, em que a insolaçãorescalda intensamente as chapadas desnudas, a sua própria intensidade origina um reagente inevitável. Decai afinal,por toda a parte, de modo considerável, a pressão atmosférica. Apruma-se, maior e mais bem definida, a barreira dascorrentes ascensionais dos ares aquecidos, antepostas às que entram pelo litoral. E entrechocadas umas e outras, numdesencadear de tufões violentos, alteiam-se, retalhadas de raios, nublando em minutos o firmamento todo,desfazendo-se logo depois em aguaceiros fortes sobre os desertos recrestados.

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Tomo II: O Homem

De sorte que o mestiço — traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforçosseculares — é, quase sempre, um desequilibrado (...) E o mestiço — mulato, mameluco ou cafuz — menos que umintermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestraissuperiores. Contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela casos de hibridez moral extraordinários: espíritosfulgurantes, às vezes, mais frágeis, irrequietos, inconstantes, deslumbrando um momento e extinguindo-se prestes, feridospela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior da raça menos favorecida. Impotente para formar qualquersolidariedade entre as gerações opostas, de que resulta, reflete-lhes os vários aspectos predominantes num jogopermanente de antíteses. E quando avulta — não são raros os casos — capaz das grandes generalizações ou de associar asmais complexas relações abstratas, todo esse vigor mental repousa (salvante os casos excepcionais cujo destaque justifica oconceito) sobre uma moralidade rudimentar, em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores.O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, aestrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete noaspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação demembros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráterde humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; acavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobrea espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, numbambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estacapelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai éo termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo ficasuspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula eadorável.É o homem permanentemente fatigado.Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andardesaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

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Presidente Prudente deMorais

Medo e comoção públicapor causa dos mais de 30anos de revoltas no interiordo Brasil

Soldados do governo e umprisioneiro conselheirista

O que desejava Canudos?

Luta contra o Coronelismo

Sobrevivência ante a seca,fome, miséria e banditismo

Afastamento do mundourbano e de seus problemaspolítico-sociais

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Governo Prudente de Morais(1894-1898):

• o paulista Prudente de Moraisfoi o primeiro civil a assumir apresidência da República.

• Em seu governo ocorreu umdos mais célebres episódiosmilitares da história do país: aGuerra de Canudos.

• Por agir com cautela emrelação ao arraial de AntônioConselheiro, acabou sendoapelidado de "PrudenteDemais" por seus opositores.

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Tomo III: A Luta (CANUDOS/PE – 1897)

Queimadas, povoado desde o começo deste século, mas em plena decadência, fez-se um acampamento ruidoso O casario pobre, desajeitadamente arrumado aoslados da praça irregular, fundamente arado pelos enxurros — um claro no matagalbravio que o rodeia — e, principalmente, a monotonia das chapadas que sedesatam em volta, entre os morros desnudos, dão-lhe um ar tristonhocompletando-lhe o aspecto de vilarejo morto, em franco descambar para taperaem ruínas. Prendiam-se-lhe, ademais, recordações penosas. Ali tinham paradotodas as forças anteriormente envolvidas na luta, no mesmo prolongamento dolargo aberto para a caatinga cujos tons pardos e brancacentos, de folhasrequeimadas, sugeriam a denominação da vila. Acervos repugnantes de farrapos emolambos; trapos multicores e imundos, de fardamentos velhos; botinas ecoturnos acalcanhados; quepes e bonés; cantis estrondados; todos os rebotalhosde caserna, esparsos em área extensa, em que branqueavam restos de fogueiras,delatavam a passagem dos lutadores, que lá armaram as tendas, a partir daexpedição Febrônio. Naquele chão batido dos rastros de 10 mil homens, haviamturbilhonado na vozeria dos bivaques — paixões, ansiedades, esperanças,desalentos indescritíveis.

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Oficiais da 28º Infantaria

Cel. Antônio Moreira César1850-1897

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Os novos combatentes imaginaram-na extinta antes de chegarem a Canudos. Tudo o indicava. Por fim ospróprios prisioneiros que chegavam, e eram, no fim de tantos meses de guerra, os primeiros queapareciam. Notou-se apenas, sem que se explicasse a singularidade, que entre eles não surgia um únicohomem feito. Os vencidos, varonilmente ladeados de escoltas, eram fragílimos: meia dúzia de mulherestendo ao colo crianças engelhadas como fetos, seguidas dos filhos maiores, de seis a dez anos. Passavampelo arraial, entre compactas alas de curiosos em que se apertavam fardas de todas as armas e de todasas patentes. Um espetáculo triste. As infelizes, em andrajos, camisas entre cujas tiras esfiapadas serepastavam olhares insaciáveis, entraram pelo largo, mal conduzindo pelo braço os filhos pequeninos,arrastados. Eram como animais raros num divertimento de feiraUm dos pequenos — franzino e cambaleante — trazia à cabeça, ocultando-a inteiramente, porque desciaaté aos ombros, um velho quepe reúno, apanhado no caminho. O quepe largo e grande demais oscilavagrotescamente, a cada passo, sobre o busto esmirrado que ele encobria por um terço. E algunsespectadores tiveram a coragem singular de rir. A criança alçou o rosto, procurando vê-los. Os risosextinguiram-se: a boca era uma chaga aberta de lado a lado por um tiro!Adiante, atordoava-os assonância indescritível de gritos, lamentos, choros e imprecações, refletindo domesmo passo o espanto, a dor, o exaspero e a cólera da multidão torturada que rugia e chorava. Via-seindistinto entre lumaréus um convulsivo pervagar de sombras: mulheres fugindo dos habitáculos emfogo, carregando ou arrastando crianças e entranhando-se, às carreiras, no mais fundo do casario; vultosdesorientados, fugindo ao acaso para toda a banda; vultos escabujando por terra, vestes presas daschamas, ardendo; corpos esturrados, estorcidos sob fumarentos... E, dominantes, sobre este cenárioestupendo, esparsos, sem cuidarem de ocultar-se, saltando sobre os braseiros e aprumando-se sobre oscolmos ainda erguidos, os últimos defensores do arraial. Ouviam-se as suas apóstrofes rudes,distinguiam-se vagamente os seus perfis revoluteando por dentro da fumarada; e por toda a parte,salteadamente, a dois passos das linhas de fogo, aparecendo improvisas fisionomias sinistras, laivadas demascarras, bustos desnudos chamuscados, escoriados, embatendo-as, em assaltos temerários e doidos...

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A rendição de Canudos – 02 de outubro de 1897

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Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se;comoviam-se. O arraial, in extremis, punha-lhes adiante, naquele armistíciotransitório, uma legião desarmada, mutilada, faminta e claudicante, numassalto mais duro que o das trincheiras em fogo. Custava-lhes admitir que todaaquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebresbombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, osarcabouços esmirrados e sujos, cujos mulambos em tiras não encobriamlanhos, escaras e escalavros — a vitória tão longamente apetecida decaía desúbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito,contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de revesese de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana — domesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhespelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos...

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Morte de Antônio Conselheiro – 15 dias antes da queda de Canudos

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O FIM

Não há como relatar o que houve a 3 e a 4. A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar,degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações decomando, movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e pôr fim aprópria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas. Sabia-se de umacoisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado doúltimo reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular,de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos,medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o "hospital desangue" dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns demuitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadradoassombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dosdedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército.E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelos menos fizeram parar os adversários. Destes os que maisse aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos.Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas e entreelas as divisas do sargento-ajudante do 39.°, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igualdestino. Tinham a ilusão do último recontro feliz e fácil: romperam pelos últimos casebres envolventes,caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os...Mas eram terríveis lances, obscuros para todo o sempre. Raro tornavam os que os faziam. Aprumavam-se sobre o fosso e sopeava-lhes o arrojo o horror de um quadro onde a realidade tangível de umatrincheira de mortos, argamassada de sangue e esvurmando pus, vencia todos os exageros daidealização mais ousada. E salteava-os a atonia do assombro...

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HQ de Sérgio Aguiar, 2008.

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Canudos não se rendeu.

Fechemos este livro.Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamentocompleto. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, aoentardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatroapenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiamraivosamente cinco mil soldados.Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo.Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-lavacilante e sem brilhos.Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectivamaior, a vertigem...Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que seamostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aosfilhos pequeninos...E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singularde não aparecerem mais, desde a manhã do dia três, os prisioneiros válidos colhidos navéspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante — e aquem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História?Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, cinco mil eduzentos, cuidadosamente contadas.

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UFRGS 2014