PRÁTICA AVALIATIVA DE UMA PROFESSORA...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PRÁTICA AVALIATIVA DE UMA PROFESSORA NA PROMOÇÃO DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS EM MATEMÁTICA Sílvia Maria dos Santos Semana Orientador: Professora Doutora Maria Leonor de Almeida Domingues dos Santos Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Educação, especialidade em Didática da Matemática 2016

Transcript of PRÁTICA AVALIATIVA DE UMA PROFESSORA...

UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAO

PRTICA AVALIATIVA DE UMA PROFESSORA NA

PROMOO DA AUTORREGULAO DA

APRENDIZAGEM DOS ALUNOS EM MATEMTICA

Slvia Maria dos Santos Semana

Orientador: Professora Doutora Maria Leonor de Almeida Domingues dos Santos

Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em

Educao, especialidade em Didtica da Matemtica

2016

UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAO

PRTICA AVALIATIVA DE UMA PROFESSORA NA

PROMOO DA AUTORREGULAO DA APRENDIZAGEM

DOS ALUNOS EM MATEMTICA

Slvia Maria dos Santos Semana

Orientador: Professora Doutora Maria Leonor de Almeida Domingues dos Santos

Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em Educao,

especialidade em Didtica da Matemtica

Jri:

Presidente: Doutor Henrique Manuel Alonso da Costa Guimares, Professor Associado e

membro do Conselho Cientfico do Instituto de Educao da Universidade de Lisboa

Vogais:

- Doutora Rosa Antnia de Oliveira FigueiredoToms Ferreira, Professora Auxiliar,

Faculdade de Cincias da Universdiade do Porto

- Doutora Maria Helena Silva Sousa Martinho, Professora Auxiliar, Instituto de Educao da

Universidade do Minho

- Doutora Maria Leonor de Almeida Domingos dos Santos, Professora Associada com

Agregao, Instituto de Educao da Universidade de Lisboa

- Doutor Henrique Manuel Alonso da Costa Guimares, Professor Associado, Instituto de -

Educao da Universidade de Lisboa

- Doutora Hlia Margarida Aparcio Pinto de Oliveira, Professora Auxiliar, Instituto de

Educao da Universidade de Lisboa

- Doutora Ana Cludia Correia Batalha Henriques, Professora Auxiliar, Instituto de

Educao da Universidade de Lisboa

Trabalho financiado por fundos nacionais atravs da FCT Fundao para a Cincia e

Tecnologia pela atribuio de uma bolsa com a referncia SFRH/BD/74620/2010.

2016

i

Teoria e Prtica

Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prtica, e toda a prtica deve obedecer a

uma teoria. S os espritos superficiais desligam a teoria da prtica, no olhando a que a teoria

no seno uma teoria da prtica, e a prtica no seno a prtica de uma teoria. Quem no

sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele por sorte ou acaso, chama terico a

quem sabe mais, e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas no sabe aplicar - isto ,

quem afinal no sabe, porque no saber aplicar uma maneira de no saber -, tem rancor a

quem aplica por instinto, isto , sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o

homem so de esprito e equilibrado de inteligncia, h uma separao abusiva. Na vida

superior a teoria e a prtica completam-se. Foram feitas uma para a outra.

Fernando Pessoa

ii

iii

AGRADECIMENTOS

Professora Doutora Leonor Santos pelo apoio, pela confiana e pelo estmulo na

orientao deste trabalho.

Aos participantes, pela disponibilidade e pelo interesse manifestados. Em especial, aos

professores, pelas oportunidades de aprendizagem que me concederam.

Aos meus familiares e amigos, pela compreenso, pela pacincia e pelo incentivo

incondicionais.

iv

v

RESUMO

Nesta investigao, procuro compreender a prtica avaliativa de uma professora com o intuito

de promover a autorregulao da aprendizagem dos alunos em matemtica. A prtica da

professora integrada numa interveno de ensino concebida e planificada num contexto de

trabalho colaborativo entre cinco professores de matemtica do 3. ciclo do ensino bsico e eu,

enquanto investigadora. Nesse mbito so consideradas estratgias orientadas para trs vertentes

centrais: (i) promoo de uma comunicao oral intencional em discusses matemticas

coletivas; (ii) apropriao dos critrios de avaliao pelos alunos; e (iii) desenvolvimento de

autoavaliaes escritas pelos alunos.

Numa metodologia de abordagem qualitativa, paradigma interpretativo e design de estudo de

caso, estudo a prtica avaliativa da professora Joana (caso), na concretizao da interveno de

ensino ao longo de dois anos letivos, numa turma do 8. ano de escolaridade (9. ano no segundo

ano). A recolha de dados inclui a observao e o registo vdeo de aulas e sesses de trabalho

colaborativo, entrevistas aos participantes, questionrios aos alunos, e recolha documental. A

anlise de dados concretizada atravs de um sistema de categorias, definidas durante o

processo de anlise, com base no referencial terico do estudo.

Joana promove uma comunicao oral intencional em discusses matemticas coletivas, atravs

da regulao da participao e interao orais e do foco matemtico das discusses, e ainda de

modos especficos de questionar, ouvir e responder aos alunos. No sentido de promover a

apropriao dos critrios de avaliao pelos alunos, Joana dinamiza processos de negociao no

que se refere, quer ao significado dos prprios critrios, quer ao nvel do reconhecimento e uso

dos critrios pelos alunos como referentes para a regulao da aprendizagem. J para o

desenvolvimento de autoavaliaes escritas pelos alunos, Joana prope, tarefas de autoavaliao

diferentes, sob condies variveis e suportadas por estratgias mltiplas (em particular, ao

nvel das orientaes e feedback), em funo de necessidades e objetivos especficos, que tm

como fim ltimo um aumento da regulao interna pelos alunos. Na concretizao da

interveno de ensino em sala de aula, Joana experiencia desafios associados com fatores

diversos, entre eles: gesto dos tempos; hbitos/rotinas instalados na sua prtica; natureza da

tarefa matemtica e dificuldades dos alunos; e nvel de interesse/empenho dos alunos. Ao longo

da interveno de ensino e em relao com a prtica de Joana, os alunos tendem a apresentar um

desempenho de melhor qualidade nas discusses coletivas, caminham em direo apropriao

dos critrios de avaliao e revelam melhorar a sua capacidade de autorregulao, num percurso

individualizado e no linear.

Palavras-chave: prtica avaliativa, autorregulao, aprendizagem matemtica, trabalho

colaborativo.

vi

vii

ABSTRACT

In this investigation, I seek to understand the assessment practice of a teacher, aimed at

promoting students self-regulation in mathematics. This practice is part of a teaching

intervention designed and planned by a collaborative group composed of five middle school

mathematics teachers and myself, the researcher. In this context, three main areas of

intervention are considered: (i) promotion of an intentional oral communication in collective

mathematical discussions; (ii) students appropriation of assessment criteria; and (iii)

development of written self-assessments by the students.

Using a qualitative methodology, interpretive paradigm and case study design, I study the

assessment practice of teacher Joana (case) when implementing the teaching intervention over

two academic years, in an 8th grade class (9th grade in the second year). Data collection

includes observation and video recording of both lessons and collaborative working sessions,

interviews with participants, questionnaires to students, and documentary collection. Data

analysis is done using a system of categories, which are defined during the process, based on the

theoretical framework.

Joana promotes an intentional oral communication in collective mathematical discussions

through the regulation of verbal participation/interaction and the mathematical focus of

discussions, and particular ways of questioning, listening and responding to students. In order to

promote students appropriation of the assessment criteria, Joana stimulates negotiation

processes with the students in terms of either the meaning of the criteria, or their value and use

by students as referents for regulation of learning. In order to enhance students written self-

assessments, Joana proposes different self-assessment tasks, under varying conditions and the

support of multiple strategies (in particular, in terms of guidelines and feedback), depending on

specific needs and objectives, whose final goal is to increase internal regulation by students.

When implementing the teaching intervention in the classroom, Joana experiences challenges

associated with several factors, including: time management; installed habits/routines in their

practice; nature of mathematical tasks and difficulties of students; and level of

interest/commitment of students. Throughout the teaching intervention and in relation to Joanas

practice, students tend to improve their performance in collective discussions, walk towards the

appropriation of the assessment criteria and develop their self-regulation capacity, following an

individualized and non-linear route.

Keywords: assessment practice, self-regulation, mathematics learning, collaborative work

viii

ix

NDICE

Pgina Captulo 1 Introduo ...

Motivao ....

Contexto e pertinncia do estudo.

Objetivo e questes de investigao ....

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Captulo 2 Prtica profissional do professor ...

O professor enquanto foco de investigao .

O conceito de prtica profissional do professor ..

Abordagem cognitiva .

Abordagem sociocultural ...

Integrao das abordagens cognitiva e sociocultural .

Prtica letiva do professor de matemtica ...........

Modelo para o estudo da prtica letiva do professor de matemtica .

Investigao sobre a prtica letiva do professor de matemtica

O ensino exploratrio ......

Tarefas .....................

Tarefa e atividade ...

Orientaes curriculares e tipologias de tarefas .

As tarefas na sala de aula ...

Modalidades de trabalho na sala de aula .............

Desenvolvimento profissional .............................

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Captulo 3 Avaliao reguladora da aprendizagem ..

O conceito de avaliao ......

Avaliao como uma interao social complexa ..

Princpios orientadores da avaliao .........

Avaliao reguladora da aprendizagem ..............

Clarificao do conceito ............................

Avaliao formativa ..................................

Autoavaliao ............................................

Autorregulao da aprendizagem .......................

Clarificao do conceito ............................

Estabelecimento de objetivos ....................

Investigao sobre autorregulao ............

Prticas promotoras da autorregulao .....

Avaliao no ensino e aprendizagem da matemtica .

Orientaes curriculares para a avaliao em matemtica

Prticas avaliativas na aula de matemtica ................

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Captulo 4 Comunicao oral na aula de matemtica ..

Comunicao ..........

Modelos do processo de comunicao ......

Comunicao neste estudo ........................

Comunicao na sala de aula ..............................

Sala de aula tradicional versus sala de aula socio-construtivista ..

Dimenses da comunicao na sala de sula ..

Modos de comunicao na sala de aula ....

Discurso na sala de aula ............................

Padres de interao na sala de aula .........

Comunicao no ensino e aprendizagem da matemtica ...

Discurso matemtico .................................

Normas sociomatemticas .........................

Argumentao .......

Negociao de significados ......................

O professor e a comunicao na aula de matemtica .

Modos de questionar .................................

Modos de ouvir .........................................

Modos de responder ..................................

Relaes entre questionar, ouvir e responder

Discusses matemticas ............................

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Captulo 5 Metodologia ....

Opes Metodolgicas .......................................

Abordagem qualitativa ..............................

Paradigma interpretativo ...........................

Estudo de caso ...........................................

Questes ticas ..........................................

Outras questes emergentes ......................

Investigao em contexto de trabalho colaborativo ......

Participantes ................

Os professores ...........................................

A escola de Joana ......................................

A turma de Joana .......................................

Alunos informantes privilegiados .............

Recolha de dados ................................................

Observao participante ............................ Entrevista ...........

Questionrio .......... Recolha documental ..................................

Anlise de dados .................................................

Procedimento ..... Categorizao ........

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Captulo 6 Trabalho colaborativo ...

O grupo colaborativo ..

Sesses de trabalho colaborativo ....

Interveno de ensino .

Conceo da interveno de ensino pelo grupo colaborativo ...

Princpios orientadores da interveno de ensino .

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181

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185

203

Captulo 7 O Caso de Joana .

Caracterizao, perspetivas e contextos .

Apresentao .

A profisso ....

Ensino e aprendizagem da matemtica .

Avaliao em matemtica .

Comunicao oral na aula de matemtica .

O projeto colaborativo ..

Comunicao oral em discusses matemticas coletivas ...

Regulao da participao e da interao orais .

Regulao do foco matemtico .

Modos de questionar .

Modos de ouvir .

Modos de responder ..

Critrios de avaliao .

Negociao sobre os critrios de avaliao ...

Os alunos face aos critrios de avaliao ..

Autoavaliaes escritas ...

Contextos, orientaes e feedback no mbito da escrita de

autoavaliaes ...

As autoavaliaes escritas e a autorregulao pelos alunos ..

Perspetivas dos alunos e a autorregulao ...........

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Captulo 8 Concluses ..

Sntese do estudo ....

A prtica avaliativa de Joana na concretizao da interveno de ensino ..

Comunicao oral .

Critrios de avaliao ....

Autoavaliaes escritas .

Desafios concretizao da interveno de ensino por Joana ...

Comunicao oral .

Critrios de avaliao ...

Autoavaliaes escritas .

Fatores condicionantes .

(cont.)

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Pgina

Captulo 8 Concluses (cont.) Evoluo da capacidade de autorregulao evidenciada pelos alunos ...

Atribuio de significado pelos alunos aos critrios de avaliao

Valorizao e uso dos critrios de avaliao pelos alunos

Desempenho dos alunos nas discusses coletivas luz dos

critrios de avaliao .

Capacidade de autorregulao dos alunos atravs de autoavaliaes

Escritas ..

Perspetivas dos alunos sobre a autoavaliao ...

Hbitos de autorregulao .

Aspetos da prtica avaliativa da professora potenciadores da autorregulao

dos alunos em matemtica ..

Comunicao oral ..

Critrios de avaliao ....

Autoavaliaes escritas .

Consideraes Finais ..

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Referncias bibliogrficas ...

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Anexos (em CD)

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NDICE DE FIGURAS

Pgina

Figura 1: Relao entre diversos tipos de tarefas, em termos do

seu grau de desafio e de abertura 23

Figura 2: Redes de Comunicao Formal 94

Figura 3: Relaes entre modos de comunicao, padres de interao

e concees de sala de aula .... 115

Figura 4: Formas de questionar, ouvir e responder do professor .... 135

xv

xvi

ndice de Quadros

Pgina

Quadro 1: Modelo para o estudo da prtica letiva do professor de

matemtica na sala de aula ... 12

Quadro 2: Quadro simplificado das aes e intenes do professor

relativo prtica de ensino exploratrio .. 20

Quadro 3: Ideias-chave e comparao entre os trs modelos referentes

aos princpios orientadores da avaliao . 36

Quadro 4: Sntese dos modelos de comunicao . 88

Quadro 5: Critrios diferenciadores para os alunos informantes privilegiados ... 159

Quadro 6: Aulas observadas 2010/2011 .. 168

Quadro 7: Aulas observadas 2011/2012.... 169

Quadro 8: Entrevistas aos Alunos . 173

Quadro 9: Categorias de anlise .... 178

Quadro 10: Subcategorias e focos de anlise por vertente . 180

Quadro 11: Sesses de trabalho colaborativo (1. fase) . 183

Quadro 12: Sesses de trabalho colaborativo (2. fase) . 184

Quadro 13: Critrios de avaliao nas reflexes escritas dos alunos . 333

Quadro 14: Compreenso dos critrios de avaliao pelos alunos

informantes privilegiados .... 338

Quadro 15: Critrios de avaliao nas reflexes escritas pelos alunos

informantes privilegiados .... 353

Quadro 16: Condies para as reflexes escritas ... 376

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Pgina

Quadro 17: Confronto de avaliaes a propsito das quatro primeiras

autoavaliaes escritas do grupo 1 . 403

Quadro 18: Confronto de avaliaes a propsito das quatro primeiras

autoavaliaes escritas do grupo 2 . 403

Quadro 19: Confronto de avaliaes a propsito das quatro primeiras

autoavaliaes escritas do grupo 3 . 404

Quadro 20: Confronto de avaliaes a propsito das quatro primeiras

autoavaliaes escritas do grupo 4 . 404

Quadro 21: Nveis atribudos pelos grupos nas ltimas autoavaliaes escritas ... 407

Quadro 22: Capacidade de autoavaliao dos alunos nas reflexes escritas . 410

Quadro 23: Sntese de estratgias implementadas por Joana no mbito da

solicitao de reflexo escritas ... 411

Quadro 24: Aprendizagens nas reflexes escritas pelos alunos informantes

privilegiados ... 412

Quadro 25: Dificuldades nas reflexes escritas pelos alunos informantes

privilegiados ... 416

Quadro 26: Compromisso para melhorar nas reflexes escritas pelos alunos

informantes privilegiados ... 420

Quadro 27: Perspetivas dos alunos face autoavaliao em matemtica .. 429

Quadro 28: Perspetivas de autoavaliao dos alunos informantes privilegiados ... 429

Captulo 1 Introduo

1

CAPTULO 1

INTRODUO

Neste captulo, comeo por apresentar a minha motivao pessoal para a realizao do

presente trabalho, bem como o contexto e a pertinncia do estudo. De seguida,

apresento o objetivo e questes da investigao.

Motivao

No mbito do Mestrado em Educao, especialidade em Didtica da Matemtica,

estudei o relatrio escrito enquanto instrumento de avaliao reguladora das

aprendizagens dos alunos em matemtica (Semana, 2008). Os resultados do estudo

reforam a importncia do professor adotar um conjunto de estratgias reguladoras com

o intuito de maximizar as potencialidades do instrumento, em particular para promover

o desenvolvimento da capacidade de autorregulao da aprendizagem dos alunos em

matemtica.

A negociao dos critrios de avaliao com os alunos e o feedback mostraram-se

estratgias reguladoras eficazes para ajudar os alunos a identificar, no seu trabalho,

diferenas entre o nvel atingido e o desejado, e a agir para melhorar (Sadler, 1989). O

feedback oral, em particular, mostrou-se especialmente eficaz, j que possibilitou uma

regulao interativa, a par das experincias de aprendizagem, podendo ser dirigido a

cada caso e desenvolvido at ao nvel necessrio (Santos, 2008). Dada a eficcia desta

estratgia e tendo em conta o nmero reduzido de estudos, em Portugal, dirigidos a essa

problemtica (Santos, 2008), emergiu como recomendao do estudo a realizao de

investigao para compreender as potencialidades do feedback oral para a regulao da

aprendizagem em matemtica e perceber quais os desafios que se colocam ao professor

Captulo 1 Introduo

2

na sua implementao. Paralelamente, o estudo reforou a importncia de promover o

desenvolvimento da capacidade de autoavaliao dos alunos, atravs de tarefas que

envolvam a anlise crtica do trabalho/desempenho dos alunos; a identificao de

aprendizagens e dificuldades sentidas; e a identificao de aspetos a melhorar, com

delineao de estratgias nesse sentido.

O bichinho de uma investigao com foco nestas trs vertentes: (i) feedback oral (que

expandiu depois para comunicao oral em discusses coletivas); (ii) apropriao dos

critrios de avaliao pelos alunos; e (iii) tarefas de autoavaliao; enquanto promotoras

da capacidade de autorregulao da aprendizagem dos alunos em matemtica, estava

assim lanado. Como professora de matemtica do 3. ciclo do ensino bsico, o trabalho

de mestrado teve tambm impactos na minha prtica profissional e traduziu-se num

intensificar de uma procura de adaptar a teoria prtica, com o fim ltimo de melhorar

a aprendizagem matemtica dos meus alunos. Assim, comeou a procura por

desenvolver uma interveno de ensino dirigida promoo da autorregulao da

aprendizagem dos alunos em matemtica e compreender como pode ser implementada

em sala de aula, quais as suas potencialidades e os desafios associados.

Contexto e pertinncia do estudo

,

Nas ltimas dcadas, tem vindo a ser amplamente reconhecida a necessidade de uma

avaliao integrada no processo de ensino e aprendizagem, promotora da melhoria das

aprendizagens, com recurso a uma recolha diversificada de evidncias e com nfase no

papel desempenhado pelo aluno, enquanto elemento ativo, reflexivo e responsvel pela

sua aprendizagem (McMillan, 2013). Fala-se de uma avaliao enquanto construo

social, que sensvel aos valores, crenas e reivindicaes dos vrios atores envolvidos,

implica a sua participao ativa e no se limita a medir ou descrever, mas procura

intervir para melhorar (Guba & Lincoln, 1989; Hadji, 1994; Pinto & Santos, 2006).

uma avaliao interativa, centrada nos processos cognitivos dos alunos e associada ao

feedback, regulao e especialmente autorregulao da aprendizagem (Black &

William, 1998a; Nunziati, 1990; Santos, 2002; 2008; Stiggins, 2004; Wiliam, 2011a,

2011b).

Captulo 1 Introduo

3

A investigao evidencia que a autorregulao apresenta vrias potencialidades para a

aprendizagem (McMillan, 2013; Schunk & Zimmerman, 1998; Zimmerman & Schunk,

2011). Atravs de processos de autorregulao, os alunos monitorizam e avaliam o seu

progresso em direo a objetivos, recorrendo a feedback interno que geram para

determinar quando necessitam de apoio externo, quando devem persistir numa

determinada abordagem ou quando ajustar as suas estratgias de aprendizagem

(Zimmerman & Schunk, 2011). Isto pressupe, em particular, que os alunos tomem

conscincia dos seus conhecimentos e dos objetivos a atingir, identifiquem os recursos

que tm sua disposio, avaliem o nvel de realizao atingido e, se necessrio,

redirecionem a sua atividade para chegar a resultados que considerem satisfatrios

(Santos & Cai, 2016, Silva & S, 2003; Silva, 2004a).

A preocupao com a autorregulao extravasa o contexto escolar e reconhecida, pela

sociedade atual, como uma capacidade fundamental a desenvolver no ser humano:

A importncia da afirmao de um ser que aja de forma refletida, consciente e deliberada,

no apenas alvo de interesse de psiclogos e professores. Cada vez mais, filsofos,

polticos e educadores veem a afirmao da autonomia como condio indispensvel para

que o Homem deixe de conduzir a sua vida em conformismo com sistemas e instituies

e seja capaz de tomar decises e de participar na procura de uma sociedade mais livre,

mais saudvel e mais justa. (Silva, 2004b, p. 115).

Note-se, porm, que o aperfeioamento da capacidade de autorregulao dos alunos

pressupe um processo de aprendizagem (Nunziati, 1990). O objetivo passar de uma

regulao externa, centrada no professor, para uma regulao interna, centrada no aluno

(Laveault, 2014). Revela-se, portanto, necessrio continuar a estudar, analisar e discutir

a problemtica da autorregulao e, em particular, estratgias e mtodos de ensino com

potencialidades para o desenvolvimento de processos de autorregulao nos alunos

(Silva, 2004b; Simo, 2004). Simo (2004) d destaque a trs questes particulares: (i)

Que requisitos so necessrios para desenvolver competncias autorreguladoras nos

alunos?; (ii) Que tipo de modalidades organizativas e sequncias metodolgicas so

mais adequadas?; (iii) Que modelos de interao professor-aluno devem ser

privilegiados na sala de aula?

A comunicao oral que se estabelece na sala de aula, sendo uma dimenso essencial do

processo de ensino e aprendizagem (Ponte, Branco, Quaresma, Velez & Mata-Pereira,

2012; Voigt, 1995; Wood, 1998), apresenta responsabilidades na promoo da

Captulo 1 Introduo

4

autorregulao das aprendizagens dos alunos e surge associada a vrios instrumentos e

mtodos de interveno com esse propsito (Simo, 2004). A comunicao oral

desempenha, de facto, um papel crucial no processo de ensino e aprendizagem, quer

como uma capacidade a desenvolver pelos alunos, quer como uma atividade essencial

para a aprendizagem na disciplina (Bishop & Goffree, 1986; Lampert & Cobb, 2003;

NCTM, 2000/07; ME, 2007; Yackel & Cobb, 1996). Mltiplos aspetos merecem ser

acautelados na promoo de uma comunicao reguladora e com potencialidades para a

autorregulao da aprendizagem pelos alunos. Santos (2008) destaca a importncia da

comunicao ser intencional e participada pelos vrios intervenientes; considerar o erro

como natural e sem estatuto diferenciado; privilegiar e respeitar diferentes modos de

pensar; e reconhecer a turma como campo legtimo de validao ou correo. Mostra-se

igualmente importante privilegiar uma comunicao em que os alunos tm

oportunidades e so encorajados a partilhar e justificar as ideias e estratgias, bem como

a refletir sobre as suas aes e formas de pensar. O professor, por sua vez, toma

conscincia dos processos de pensamento, limitaes e capacidades dos alunos e tem-

nos em considerao na sua prtica futura. Fala-se assim de um comunicao reflexiva e

instrutiva (Brendefur & Frykholm, 2000). No menos importante o assegurar de uma

comunicao com qualidade matemtica (Chazan & Ball, 1995; Stein, Engle, Smith &

Hughes, 2008; Yackel & Cobb, 1996). Neste mbito, mostra-se extremamente relevante

o modo como o professor promove o estabelecimento e o respeito por normas sociais e

sociomatemticas (Yackel & Cobb, 1996); orienta o foco das discusses; e questiona,

ouve e responde aos alunos (Toms Ferreira, 2005).

A autorregulao pressupe a existncia de um objetivo, padro, critrio ou valor de

referncia que permita orientar os processos de regulao (S, 2004). No contexto

escolar esse papel fortemente desempenhado pelos critrios de avaliao. No entanto,

os critrios de avaliao por si s no conduzem necessariamente a melhores

desempenhos (S, 2004; Pinto, 2002), eles devem ser legtimos do ponto de vista do

aprendente e permitir-lhe compreender o que de si esperado (Hadji, 1994). Cabe ao

professor propiciar condies para a apropriao dos critrios de avaliao pelos alunos.

A autoavaliao, por sua vez, ao pressupor um envolvimento profundo com processos

como a automonitorizao e a apreciao do trabalho ou capacidades luz de

critrios/objetivos vlidos, apresenta benefcios para a melhoria da aprendizagem e da

Captulo 1 Introduo

5

capacidade de autorregulao dos alunos (Brown & Harris, 2013). Mas a autoavaliao

, no s uma forma de melhorar a aprendizagem, mas tambm um objetivo de

aprendizagem em si (Laveault, 2014). O professor chamado a facilitar e monitorizar o

processo de desenvolvimento da autoavaliao pelos alunos, para que esta possa servir

propsitos educativos (Nunziati 1990).

neste mbito que se procura estudar a prtica do professor dirigida promoo da

capacidade de autorregulao dos alunos em matemtica, em associao com trs

domnios centrais: a comunicao oral; os critrios de avaliao e tarefas de

autoavaliao escrita. Outro aspeto que marca este estudo o trabalho colaborativo

entre mim e os professores participantes. A literatura reconhece vrias potencialidades a

este tipo de trabalho, simultaneamente, como um processo transformador e um contexto

favorvel a uma compreenso mais ampliada e profunda dos objetos da investigao

(NCTM, 1991/94; Ponte & Boavida, 2004; Ponte & Santos, 1998).

Objetivo e Questes de Investigao

Nesta investigao, procuro compreender a prtica avaliativa de uma professora com o

intuito de promover a autorregulao da aprendizagem dos alunos em matemtica. A

prtica da professora integrada numa interveno de ensino concebida e planificada

num contexto de trabalho colaborativo entre cinco professores do 3. ciclo do ensino

bsico e eu, enquanto investigadora. Nesse mbito so consideradas estratgias

orientadas para trs vertentes centrais: (i) promoo de uma comunicao oral

intencional em discusses matemticas coletivas; (ii) apropriao dos critrios de

avaliao pelos alunos; e (iii) desenvolvimento de autoavaliaes escritas pelos alunos.

Captulo 1 Introduo

6

Tendo em vista a consecuo do objetivo da investigao, so consideradas as seguintes

questes orientadoras:

De que forma a interveno de ensino concretizada pela professora na sala de

aula?

Como se carateriza a prtica avaliativa da professora na concretizao da

interveno de ensino em cada uma das trs vertentes consideradas?

Que desafios se colocam professora na concretizao da interveno de

ensino em sala de aula?

Como se relaciona a prtica avaliativa da professora com a evoluo da

capacidade de autorregulao dos alunos em matemtica?

Como evolui, ao longo da interveno de ensino, a capacidade de

autorregulao evidenciada pelos alunos?

Que aspetos da prtica da professora se revelam especialmente

potenciadores da autorregulao dos alunos?

Note-se que a segunda questo principal de investigao, relativa evoluo da

autorregulao dos alunos em matemtica, emerge do pressuposto que para uma

compreenso profunda da prtica avaliativa da professora necessrio perceber os seus

efeitos na autorregulao da aprendizagem matemtica dos alunos. O objeto principal

desta investigao , portanto, de forma assumida, a prtica da professora; os efeitos na

autorregulao dos alunos so estudados com o intuito de melhor compreender essa

prtica.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

7

CAPTULO 2

PRTICA PROFISSIONAL DO PROFESSOR

Neste captulo, comeo por abordar o professor enquanto objeto de investigao e

clarificar qual o significado atribudo ao conceito de prtica profissional do professor no

contexto deste estudo. Passo depois a colocar o enfoque na prtica letiva do professor de

matemtica. Descrevo ainda as principais caratersticas do ensino exploratrio e teo

consideraes relativamente s tipologias de tarefas e sua implementao em sala de

aula, bem como s diferentes modalidades de trabalho em sala de aula. Termino com

uma breve seco relativa ao desenvolvimento profissional do professor.

O professor enquanto foco de investigao

O professor desempenha um papel chave no processo de ensino-aprendizagem e, como

tal, constitui uma importante fonte de interesse para a investigao em Educao. De

facto, o estudo do professor, em particular de matemtica, tem-se mostrado um campo

de investigao muito ativo, especialmente a partir da dcada de 80 (Ponte & Chapman,

2006). No se tratando de um foco de investigao novo, o professor tem-se assumido,

cada vez mais, como um poderoso campo de estudo, que, por sua vez, vai

acompanhando as tendncias em Educao e em particular no ensino e aprendizagem da

matemtica. , por isso, evidente uma evoluo nos aspetos especficos que so objeto

de estudo e tambm na metodologia usada. Uma reviso dos trabalhos apresentados ao

longo de 30 anos nas conferncias do grupo Psychology of Mathematic Education

(PME) mostra que o estudo do professor comeou por incidir sobre os seus

conhecimentos e crenas e, mais recentemente, passou a colocar enfoque na prtica

profissional (Ponte & Chapman, 2006). De uma investigao com uma metodologia

Captulo 2 Prtica profissional do professor

8

quantitativa e recurso a questionrios, passou-se para uma investigao de natureza

qualitativa e cunho interpretativo com recurso a entrevistas e observao de aulas (Ponte

& Chapman, 2006; Santos, 2000).

Segundo Ponte e Chapman (2006), a anlise da atividade do professor pressupe que se

considerem dois constructos interdependentes: o conhecimento do professor e a prtica

do professor. Dadas a natureza e a problemtica deste trabalho, o enfoque aqui

colocado na prtica profissional do professor.

O conceito de prtica profissional do professor

Nas ltimas quatro dcadas tem-se assistido a um interesse crescente pelo estudo da

prtica profissional do professor e das condies da sua transformao e regulao

(Ponte, 2014a). Para uma discusso efetiva da prtica profissional do professor

necessrio comear por discutir o conceito de prtica, e em particular de prtica

profissional, e clarificar o significado que lhe atribudo no contexto deste estudo.

O conceito de prtica profissional usado frequentemente na literatura de educao

matemtica, numa grande variedade de perspetivas. Em estudos mais antigos, a prtica

profissional era vulgarmente apresentada como os comportamentos, atos ou aes do

professor. Embora este entendimento tenha evoludo de forma significativa ao longo

dos tempos, prevalece com relativa frequncia a ideia de prtica como sinnimo de

ao, o que constitui uma viso redutora do conceito (Ponte, 2014a; Ponte & Chapman,

2006). Na discusso do conceito de prtica profissional do professor h a considerar

duas abordagens principais: a sociocultural e a cognitiva (Ponte, 2014a; Ponte,

Quaresma & Branco, 2012; Ponte & Chapman, 2006).

Abordagem cognitiva

Considerar a prtica profissional do professor segundo uma abordagem cognitiva remete

para o estudo das decises do professor em decurso dos seus planos de ao e com base

no conhecimento, nas crenas e nos objetivos que detm. Neste mbito atende-se ainda

ao modo como estes planos so ou no concretizados em sequncias de ao. Esta

Captulo 2 Prtica profissional do professor

9

forma de perspetivar a prtica profissional do professor no avaliativa (no sentido em

que no privilegia nenhum tipo de ensino em relao a outro) e pode ser usada a

diversos nveis, desde a planificao anual e mensal at a um segmento alargado da aula

ou micro episdio de interao professor-aluno (Ponte, 2014a; Ponte, Quaresma &

Branco, 2012; Ponte, Branco, Quaresma, Velez & Mata-Pereira, 2012). Schoenfeld

(2000) prope este modelo para estudar o processo de ensino do professor. A exposio

pelo professor (mini-lectures) e curtas interaes verbais com os alunos (simple talk)

so algumas das componentes do modelo que podem ser consideradas como prticas do

professor.

Abordagem sociocultural

Segundo uma abordagem sociocultural, as prticas podem ser entendidas como

atividades recorrentes e socialmente organizadas que permeiam a vida diria (Saxe,

1999, p. 25). Assim, as prticas so: (i) atividades, isto , cadeias de aes relacionadas

pelo mesmo objeto (tarefa) e pelo mesmo motivo (conjunto de razes) (Even &

Schwartz, 2003, p. 297); (ii) de natureza recorrente, pelo que se realizam regularmente;

(iii) socialmente organizadas, pressupondo que se considere o contexto social em que se

inserem e no apenas o ator em isolamento; (iv) presentes e identificveis na vida

quotidiana. Na mesma linha Ponte e Chapman (2006) caraterizam as prticas dos

professores como as atividades que conduzem regularmente, tendo em considerao o

seu contexto de trabalho e os seus significados e intenes. Os autores colocam maior

nfase nos significados atribudos pelos intervenientes, introduzindo uma vertente

cognitiva.

Uma abordagem sociocultural pressupe que a prtica profissional do professor

coconstruda com outros intervenientes colegas, alunos, diretores, formadores e outros

atores sociais (Ponte, 2014a). Note-se que os vrios intervenientes podem desempenhar

papis diferenciados e assimtricos, mas nem por isso devem deixar de ser

considerados. No contexto do presente trabalho, as prticas do professor so entendidas

como resultado de uma construo conjunta, em particular, de professor, alunos e grupo

colaborativo.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

10

Integrao das abordagens cognitiva e sociocultural

Durante vrias dcadas, a investigao em educao matemtica preocupou-se com os

aspetos cognitivos do processo de ensino e aprendizagem da matemtica, mas mais

recentemente alargou o seu foco para integrar aspetos contextuais, socioculturais e

situados, comeando a incorporar as duas perspetivas cognitiva e sociocultural numa

viso complexa do ensino e aprendizagem da matemtica (Even & Schwartz, 2003). Em

particular, as perspetivas cognitivas tm vindo a ser desafiadas especialmente no que se

refere conceo implcita da natureza do conhecimento para ensinar matemtica como

uma mera atividade cognitiva individual, quantidade de conhecimento ou nvel de

pensamento. Ideias alternativas tm vindo a ser desenvolvidas sugerindo que esse

conhecimento est relacionado com a atividade do professor nos contextos

profissionais, escolas e culturas profissionais (Ponte & Chapman, 2006).

Seguindo a tendncia da investigao da educao matemtica, Even e Schwartz (2003)

defendem que, dada a complexidade do conceito de prtica, uma compreenso efetiva

do processo de ensino e aprendizagem da matemtica requer o uso de ambas as

perspetivas, cognitivas e socioculturais, aliando-se assim posio de outros

investigadores (por exemplo, Yackel & Cobb, 1996). Os autores salvaguardam,

contudo, que ao combinar-se diferentes perspetivas podem colocar-se questes de

legitimidade que tm que ser consideradas pelo investigador. Em particular, ser que o

uso de diferentes perspetivas tericas resulta sempre em compatibilidade? Com recurso

ao exemplo de uma aula que analisam segundo duas abordagens distintas: cognitiva

(anlise verbal cognitiva) e teoria da atividade, Even e Schwartz (2003) inclinam-se

para uma resposta negativa, j que as duas abordagens sugerem diferentes interpretaes

da situao e diferentes explicaes para o mesmo fenmeno.

Schoenfeld (2000), por sua vez, considera que possvel fazer anlises micro tendo por

base a teoria da atividade (considerando as aes e as operaes) e anlises macro com

base numa abordagem cognitiva. Tambm Ponte, Branco e colegas (2012) consideram

que no existe incompatibilidade intransponvel entre as abordagens cognitivas e

socioculturais. Colocando enfoque nas tarefas e na comunicao, os autores defendem

que o estudo das prticas letivas do professor de matemtica, segundo uma perspetiva

sociocultural, deve procurar identificar (i) a natureza da atividade, ou seja, os motivos

do professor, o modo como estes originam os objetivos visados e como so

Captulo 2 Prtica profissional do professor

11

concretizados atravs de diversas aes e (ii) a estrutura da atividade, observando as

aes e operaes envolvidas. Segundo uma perspetiva cognitiva, a ateno colocada

nas tarefas e comunicao mas integradas nos planos de ao do professor, decises e

tcnicas usadas. Em qualquer dos casos devem ser tidos em conta os recursos e

ferramentas usadas pelo professor e os modos de trabalho dos alunos (Ponte et al.,

2012).

Prtica letiva do professor de matemtica

A prtica profissional dos professores multifacetada, tendo em conta que ocorre em

diversos contextos e orientada para diferentes objetos (Oliveira, Menezes &

Canavarro, 2013). Em funo desses contextos e objetos, possvel identificar

diferentes domnios da prtica profissional do professor: prtica letiva, prtica na

instituio e prtica de formao (Ponte & Serrazina, 2004). Sala de aula, escola, cursos

de formao inicial ou contnua e outros contextos profissionais (como por exemplo

grupos formais/informais, associaes ou reunies/encontros) constituem contextos em

que o professor age, pensa e reflete e, por isso, oferecem oportunidades para aceder

prtica do professor (Ponte & Chapman, 2006).

Neste estudo, o enfoque colocado nas prticas letivas, isto , aquelas que decorrem

na sala de aula e que esto mais proximamente orientadas para a aprendizagem da

Matemtica pelos alunos (Oliveira, Menezes & Canavarro, 2013, p. 30). Em particular,

a ateno incide sobre a prtica do professor individualmente ou em colaborao com

outros professores e investigador, essencialmente no contexto da sala de aula, mas

tambm do grupo colaborativo constitudo no mbito deste trabalho.

Modelo para o estudo da prtica letiva do professor de matemtica

Ponte, Branco e colegas (2012) prope um modelo para o estudo da prtica letiva do

professor de matemtica, combinando perspetivas cognitivas e socioculturais (Quadro

1). Nesse modelo, o estudo da prtica letiva considera como foco principal a natureza e

Captulo 2 Prtica profissional do professor

12

estrutura da atividade do professor observada na sala de aula, em estreita ligao com os

seus planos de ao e decises (Ponte et al., 2012). O estudo destas prticas o estudo

das atividades recorrentes, realizadas com frequncia, integradas na estrutura da aula,

com os significados que lhes so atribudos pelos participantes (p. 275). Os autores

apresentam exemplos do que consideram ser prticas letivas, umas mais tradicionais:

aula de revises; chamadas orais, correo de exerccios, chamada de um aluno

ao quadro, exposio; e outras mais recentes: realizao de um projeto, trabalho

em grupo, discusso coletiva.

Quadro 1: Modelo para o estudo da prtica letiva do professor de Matemtica na sala

de aula.

Tarefas - Nvel cognitivo, estrutura,

contexto

- Representaes

envolvidas

- Materiais

Natureza e estrutura da prtica

Atividade ----- Aes ----- Operaes

Motivos ----- Objetivos ----- Condies

Planos de ao --- Decises --- Tcnicas

Comunicao

- Unvoca/Dialgica

- Questionamento

- Negociao de

significados

Recursos e Ferramentas

Modos de trabalho dos alunos

Ponte, Branco e colegas (2012) salientam ainda que a compreenso das prticas letivas

do professor requer que se tenham em considerao dois aspetos fundamentais: o

contexto e o prprio professor. Relativamente ao contexto, h que considerar o contexto

social e o contexto educativo, com especial destaque para as orientaes curriculares

oficiais e assumidas localmente, bem como o contexto turma, nomeadamente no que se

refere ao interesse dos alunos pela matemtica, o envolvimento no trabalho, a relao

com o professor e a margem de desenvolvimento da cultura da sala de aula. No que se

refere ao professor, os autores consideram trs dimenses: (i) o conhecimento

profissional, nos seus mltiplos domnios, incluindo a matemtica, o currculo, os

processos de aprendizagem, a didtica da matemtica e a capacidade de mobilizar

recursos para o ensino-aprendizagem; (ii) o saber-fazer, traduzido na capacidade de

realizar de modo eficaz as aes e operaes necessrias concretizao de cada

prtica; e (iii) a capacidade reflexiva do professor, base da sua aprendizagem e melhoria

do desempenho profissional.

O modelo apresentado coloca enfoque nas tarefas propostas aos alunos e na

comunicao na sala de aula enquanto aspetos centrais da prtica letiva do professor.

Ponte e Serrazina (2004) identificam, alm destes aspetos, trs outros a considerar na

prtica letiva do professor: materiais utilizados, gesto curricular e avaliao. Neste

Captulo 2 Prtica profissional do professor

13

trabalho, a ateno assumidamente colocada na avaliao (numa perspetiva de

regulao da aprendizagem) e na comunicao na sala de aula, sem contudo se deixarem

de considerar de forma mais implcita os restantes aspetos da prtica letiva do professor.

Uma discusso mais aprofundada da avaliao e da comunicao enquanto aspetos

centrais da prtica letiva dos professores, dada a sua relevncia para o presente trabalho,

reservada, respetivamente, para os captulos terceiro e quarto.

As prticas letivas do professor podem ainda ser distinguidas de acordo com o seu nvel

de abrangncia: geral, intermdio e micro (Ponte et al., 2012). Os chamados ensinos

tradicional ou direto e inovador ou exploratrio podem ser entendidos como prticas de

nvel geral, sendo que, neste caso, uma aula ou uma sequncia de aulas corresponde a

uma e uma s prtica. As prticas de um nvel intermdio correspondem a segmentos

significativos da aula (ou, possivelmente, toda a aula). A ttulo de exemplo, considerem-

se duas prticas contrastantes: por um lado, a resoluo individual de exerccios, pelos

alunos no seu lugar, depois do professor ter dado uma explicao e apresentado

exemplos; por outro lado, a realizao pelos alunos, em grupo, de tarefas de

complexidade significativa ou a discusso coletiva com apresentao pelos alunos dos

mtodos e resultados do trabalho anterior. As prticas de nvel micro correspondem a

certos tipos de atuao na sala de aula que ocorrem em momentos muito especficos,

como por exemplo o direcionar uma questo para um aluno aps uma resposta incorreta

de outro. Neste caso, numa nica aula identificam-se muitas prticas, atendendo-se a

segmentos mais delimitados de trabalho (Ponte, Quaresma, & Branco, 2012; Ponte et

al., 2012). Ponte, Branco e colegas (2012) consideram que todos os nveis de

abrangncia das prticas letivas merecem a ateno da investigao. Os autores

salientam a importncia das prticas de nvel mais geral para se compreender a

aplicao e os resultados de certas orientaes curriculares; as prticas de nvel

intermdio, para a concretizao das orientaes curriculares, com indicao de modos

especficos de trabalho na sala de aula; e finalmente, as prticas de nvel particular, na

medida em que permitem ou no concretizar o que assumido nos dois nveis

anteriores.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

14

Investigao sobre a prtica letiva do professor de matemtica

Em pleno perodo do Back to Basics, atravs da anlise de diversos estudos sobre o

ensino da matemtica, realizados no fim dos anos de 1970 nos EUA, Fey (1981 in Ponte

et al., 2012) conclui que o estilo de ensino mais comum consiste num primeiro

momento de exposio e questionamento pelo professor, seguido da resoluo

individual de exerccios pelos alunos. A abordagem exploratria, promovida durante o

perodo anterior marcado pela Matemtica moderna, no rene grandes adeptos entre os

professores.

Boaler (2003), a partir de um amplo trabalho emprico, identifica como principais

atividades de professores e alunos na sala de aula: discusso coletiva, discurso-

monlogo do professor, questionamento pelo professor, trabalho individual do aluno,

apresentao de trabalhos pelos alunos, realizao de provas de avaliao e distrao

pelos alunos. A autora analisa as prticas letivas do professor em dois tipos de ensino,

tradicional e inovador. Nas aulas tradicionais os professores passam 21% do tempo

a falar para os alunos, geralmente a demonstrar mtodos matemticos, que os alunos

copiam para o seu caderno. Aproximadamente 15% do tempo dedicado ao

questionamento coletivo dos alunos pelo professor e 48% resoluo individual de

exerccios pelos alunos, com uma mdia de 2,5 minutos para a resoluo de cada um.

Nas aulas inovadoras, os professores falam para os alunos em aproximadamente 16% do

tempo e questionam coletivamente os alunos em 32% do tempo. Tambm em 32% do

tempo os alunos, em grupos, resolvem problemas (investigaes open-ended

problems), dedicando em mdia 6,8 minutos a cada problema. Merece destaque o facto

de o tempo dedicado ao questionamento pelo professor ser superior nas aulas

inovadores. A autora explica estes dados pelo facto de o professor nas aulas inovadoras

evitar fornecer tanta informao aos alunos (contrariamente ao que acontece nas aulas

tradicionais) e procurar antes obter essa informao dos alunos, apresentando problemas

e questionando-os. Em aulas inovadoras, alm de um maior questionamento pelo

professor, tambm se regista um maior nmero de interaes professor-aluno, dados que

desafiam alguns mitos e esteretipos a propsito dos dois tipos de ensino,

particularmente no que se refere perceo comum de que as aulas inovadoras so

menos centradas no professor.

Boaler (2003) tambm salienta o facto de nas aulas tradicionais as prticas serem muito

mais uniformes (com o papel principal dos alunos a consistir em ouvir atentamente o

Captulo 2 Prtica profissional do professor

15

professor e reproduzir mtodos), enquanto nas aulas inovadoras assiste-se a uma maior

variedade de prticas essencialmente em funo da estrutura e da orientao

proporcionadas pelo professor. Nestas aulas inovadoras, a autora identifica trs modelos

diferentes: (i) aulas demasiadamente estruturadas e orientadas que inibem o raciocnio

dos alunos; (ii) aulas com muita liberdade com o intuito de promover a autoconstruo

do conhecimento pelos alunos, mas que tendem a resultar nalguma disperso e

frustrao ou aborrecimento para os alunos, e (iii) aulas com um nvel intermdio de

estrutura e orientao que envolvem os alunos em atividade matemtica significativa e

com rigor cientfico (a autoridade colocada na matemtica). A autora designa este

ltimo modelo como abordagem conceptual e sugere que ser mais vantajoso para o

desempenho acadmico dos alunos, comparativamente com os dois modelos anteriores.

Ainda a propsito do trabalho de Boaler (2003) interessante notar que existem aspetos

comuns aos dois tipos de ensino (os professores a falar para os alunos ou a question-los

coletivamente). Ponte, Branco e colegas (2012) questionam-se se estes dados remetem

para prticas comuns aos dois tipos de ensino ou, se pelo contrrio, devero ser

encaradas como prticas de nvel intermdio essencialmente distintas j que esto

enquadradas em abordagens diferentes. Ou seja, valorizamos os aspetos mais salientes

das prticas, ou fazemos uma anlise mais aprofundada, procurando ver o que, nesse

plano, caracteriza as prticas? (Ponte et al., 2012, p. 271).

Numa reviso dos estudos sobre conhecimento e prtica profissionais apresentados ao

em conferncias do PME, Ponte e Chapman (2006) identificam estudos realizados numa

variedade de perspetivas e destacam um aumento significativo de investigao sobre a

prtica do professor na ltima dcada. Entre os estudos com foco nas interaes e no

discurso na sala de aula, os autores da reviso destacam em particular o trabalho de

Wood (1996) sobre a argumentao matemtica, que analisa os processos de ensino

quando alunos do ensino primrio se envolvem na resoluo de desacordos ou confuso

no seu pensamento matemtico. Os resultados revelam o modo como o professor

promove a interao e favorece o pensamento dos alunos, enquanto restringe as suas

prprias contribuies instrutivas. O estudo revela o papel central que o professor

exerce nas discusses coletivas, quer como ouvinte ativo, quer como promotor do

estabelecimento de normas socias na sala de aula. Um trabalho mais recente da mesma

Captulo 2 Prtica profissional do professor

16

autora, Wood (1998), merece tambm ateno na mesma reviso. A autora prope um

modelo terico com categorias descritivas relativas ao papel do professor do ensino

primrio, num contexto de inovao curricular, de forma a promover o pensamento e o

raciocnio dos alunos sobre matemtica. A autora tambm discute os desafios que se

colocam ao professor nesse mbito, bem como as normas estabelecidas como resultado

das expectativas do professor relativamente participao dos alunos. Essas normas

colocam-se essencialmente em termos do papel dos alunos enquanto ouvintes.

Ainda enquadrado nos estudos com foco nas interaes na sala de aula, Ponte e

Chapman (2006) destacam o estudo de Groves e Doig (2004). O estudo incide sobre

prticas promotoras da sala de aula de matemtica enquanto comunidade de inquirio.

Os resultados revelam potencialidades a prticas em que o professor: (i) foca o ensino

nos elementos concetuais do currculo e usa tarefas complexas e desafiadoras, (ii)

orquestra intervenes na sala de aula que permitem que todos os alunos contribuam

para a resoluo do problema; e (iii) promove o raciocnio e a justificao matemticos,

como base para a aprendizagem.

Ponte e Chapman (2006) na sua reviso alargada referem tambm o trabalho de

Jaworski (1991). A autora desenvolveu um modelo terico para caraterizar o papel do

professor (teaching triad), tendo em conta a complexidade da sala de aula. Este modelo

incorpora trs componentes: (i) Gesto da aprendizagem, que descreve o papel do

professor na constituio do ambiente de aprendizagem na sala de aula e inclui a

formao de grupos, a preparao de tarefas e atividade e o estabelecimento de normas

(ii) Sensibilidade em relao aos alunos, que se refere ao conhecimento do professor

sobre os seus alunos, a ateno s suas necessidades e s formas como o professor

interage com os alunos e orienta as interaes nos grupos. (iii) Desafio matemtico, que

se refere aos desafios oferecidos aos alunos para promover pensamento matemtico e

atividade e inclui tarefas propostas, questes colocadas e nfase em processos

metacognitivos.

A reviso de Ponte e Chapman (2006) destaca tambm o trabalho de Manouchehri

(2003), que se debruou sobre professores de matemtica envolvidos na reforma do

currculo de matemtica para identificar caratersticas especficas ou fatores comuns que

pudessem ter influenciado a sua disposio positiva relativamente inovao. Os

resultados sugerem que os participantes tinham uma forte confiana na sua habilidade

Captulo 2 Prtica profissional do professor

17

para controlar a aprendizagem dos alunos e uma viso detalhada do tipo de ensino que

pode promover essa aprendizagem. Alm disso, tinham convices fortes sobre o papel

da educao e da educao matemtica, encarando o ensino como um ato moral e tico

e vendo-se a si prprios como agentes de mudana social.

Ponte e Chapman (2006) assinalam que os resultados decorrentes da investigao sobre

as prticas dos professores variam dependendo das perspetivas tericas consideradas.

Os estudos que se inserem em abordagens psicolgicas tendem a enfatizar a relao

entre a prtica e a necessidade de um forte domnio do conhecimento matemtico e, em

alguns casos, do conhecimento pedaggico do contedo. J os estudos enquadrados em

perspetivas socioculturais oferecem exemplos de boas prticas, analisam o professor

com um olhar crtico ou abordam as tenses presentes na prtica do professor. A

concluso mais comum que os professores precisam de aprendizagem adicional para

levarem a cabo uma prtica melhor, mais concordante com as perspetivas dos

investigadores. Os autores identificam tambm uma conscincia crescente da

importncia de analisar as condies que promovem boas prticas, em associao com

aspetos do currculo e os contextos sociais e institucionais em que os professores

trabalham. Em jeito de recomendaes para a investigao futura, Ponte e Chapman

(2006) identificam a necessidade de uma compreenso mais aprofundada sobre o modo

como fatores educacionais, profissionais e institucionais influenciam a prtica dos

professores. Os autores constatam ainda que o valor da prtica dos professores tende a

ser julgada em termos do seu alinhamento com os valores dos investigadores ou os

princpios de reformas curriculares e sugerem que, alternativamente, as aprendizagens

dos alunos devem ser consideradas como um critrio principal para analisar a prtica

dos professores.

Tambm Ponte, Branco e colegas (2012) consideram importante estudar as prticas

profissionais do professor em relao com as aprendizagens dos alunos. Em particular,

estes autores assinalam a importncia de estudar prticas de nvel intermdio, mostrando

a sua exequibilidade e a sua relao com aprendizagens significativas dos alunos.

Merece tambm destaque nesta seco a reviso alargada de literatura sobre o ensino e

as prticas de sala de aula realizada por Franke, Kazemi e Battey (2007). Os autores

destacam como aspetos fundamentais da prtica de ensino: (i) a criao de um discurso

Captulo 2 Prtica profissional do professor

18

matemtico; (ii) o desenvolvimento de normas que favoream oportunidades para a

aprendizagem matemtica; e (iii) a construo de relaes interpessoais promotoras da

aprendizagem matemtica.

Por ltimo, relevante destacar o livro Prticas Profissionais dos Professores de

Matemtica (Ponte, 2014b), que tem por base o projeto com o mesmo nome (tambm

designado por projeto P3M), e visa identificar estratgias e conceitos que possam ser

teis aos professores no exerccio da sua prtica profissional. O livro inclui a

apresentao de trabalhos empricos com foco em diversos aspetos da prtica

profissional do professor de Matemtica, bem como revises tericas que sistematizam

os resultados da investigao neste campo. As tarefas matemticas e a comunicao na

sala de aula so os principais aspetos, das prticas letivas, tidos em ateno. Alguns dos

resultados decorrentes de estudos apresentados nesta publicao merecem discusso

noutras seces deste trabalho (em particular, no captulo 4, relativo comunicao, e

mais adiante no presente captulo). Para alm da prtica profissional do professor, o

livro debrua-se tambm sobre as condies da sua transformao, atravs do estudo

dos processos de formao e desenvolvimento profissional (Ponte, 2014b).

O ensino exploratrio

As atuais orientaes curriculares para a matemtica, a nvel internacional, estabelecem

objetivos ambiciosos para a aprendizagem dos alunos e colocam desafios significativos

prtica profissional do professor. Estas orientaes curriculares prescrevem um tipo de

ensino designado por ensino exploratrio (inquiry-based teaching) (Ponte, 2014a).

O ensino exploratrio contrasta com o ensino direto. Enquanto o ensino direto segue

uma lgica de transmisso de conhecimentos do professor para o aluno, o ensino

exploratrio adota uma perspetiva dialgica de construo de conhecimento, em que a

nfase colocada no aluno e nas condies que favoream a sua participao, individual

e coletiva, numa atividade de inquirio (Oliveira & Carvalho, 2014) que os conduza

descoberta e construo do conhecimento (Ponte, 2005). O ensino direto est

normalmente associado a uma aula tradicional, em que a nfase colocada na atividade

de ensino, com o professor a expor a matria, apresentar alguns exemplos e indicar

exerccios para os alunos resolverem (Ponte, 2014a). Ao contrrio, no ensino

Captulo 2 Prtica profissional do professor

19

exploratrio, a nfase colocada na atividade de ensino-aprendizagem (Ponte, 2005).

O professor prope tarefas matemticas ricas aos alunos e encoraja-os a mobilizar os

seus conhecimentos e elaborar solues originais, em interao uns com os outros

(Canavarro, Oliveira, & Menezes, 2014). O professor ainda responsvel por orquestrar

discusses matemticas coletivas produtivas em torno da apresentao e discusso do

trabalho desenvolvido pelos alunos, o que acarreta um desafio acrescido para a prtica

profissional do professor (Franke, Kazemi, & Battey, 2007; Stein et al., 2008).

Conforme afirmam Oliveira, Menezes, e Canavarro (2013, p. 31):

Neste tipo de ensino, a aprendizagem um processo simultaneamente individual e

coletivo, resultado da interao dos alunos com o conhecimento matemtico, no contexto

de uma certa atividade matemtica, e tambm da interao com os outros (colegas e

professor), sobrevindo processos de negociao de significados (Bishop & Goffree, 1986;

Canavarro, 2011; Ponte, 2005).

O ensino exploratrio distingue-se, assim, do ensino direto pelos papis desempenhados

por professor e alunos, pelas tarefas propostas e a forma como so geridas/trabalhadas, e

pela comunicao que se estabelece na sala de aula (Ponte, 2005).

No mbito do ensino exploratrio, as tarefas matemticas assumem especial relevncia

ao constiturem-se como base para a atividade matemtica do aluno (Oliveira &

Carvalho, 2014). Para alm de selecionar uma tarefa adequada e significativa, o

professor deve contemplar como explorar as suas potencialidades junto dos alunos

(Stein et al., 2008).

Uma aula tpica do ensino exploratrio estruturada em trs ou quatro fases,

dependendo se se desdobra ou no a ltima fase: lanamento da tarefa, explorao

pelos alunos, e discusso e sintetizao (Canavarro, 2011; Stein et al., 2008).

Canavarro, Oliveira, e Menezes (2014), descrevem com algum detalhe o papel do

professor nas diferentes fases. Na primeira fase, o professor apresenta a tarefa

matemtica turma. A tarefa apresenta geralmente um nvel de desafio/complexidade

considervel (correspondendo a um problema ou uma investigao). O professor deve

assegurar que os alunos compreendem o objetivo da tarefa proposta, sentem-se

desafiados para o trabalho, e dispem dos recursos e ambiente necessrios, em

particular, ao estabelecer o tempo a dedicar s diferentes fases e definir os modos de

trabalho dos alunos (Anghileri, 2006). Na fase de explorao, o professor acompanha

e apoia os alunos no seu trabalho autnomo sobre a tarefa. Este trabalho acontece

Captulo 2 Prtica profissional do professor

20

tipicamente em pequenos grupos, com o professor a procurar assegurar o envolvimento

ativo de todos os alunos. As intervenes do professor nesta fase no devem reduzir o

nvel de exigncia cognitiva da tarefa (Stein & Smith, 1998), nem uniformizar as

estratgias de resoluo dos vrios grupos (Oliveira, Menezes, & Canavarro, 2013).

Nesta fase, o professor responsvel por garantir que os alunos preparam a sua

apresentao turma, bem como selecionar e estabelecer a sequncia dessas

apresentaes para o momento de discusso coletiva (Stein et al., 2008). Por ltimo, na

fase de discusso e sintetizao o professor tem de gerir as intervenes e interaes

dos alunos, promovendo a qualidade matemtica das explicaes e argumentaes

apresentadas (Ruthven, Hofmann, & Mercer, 2011) e assegurando a comparao de

resolues distintas, com discusso das diferenas e eficcia matemtica (Yackel &

Cobb, 1996). A fase de sistematizao, embora possa decorrer em simultneo com a

fase de discusso, requer do professor aes especficas e intencionais no sentido de

levar os alunos a reconhecer os conceitos e procedimentos matemticos envolvidos,

estabelecer conexes com aprendizagens anteriores, e/ou reforar os aspetos

fundamentais dos processos matemticos transversais como a representao, a resoluo

de problemas e o raciocnio matemtico (Oliveira, Menezes, & Canavarro, 2013, p.

34).

Quadro 2: Quadro simplificado das aes e intenes do professor relativo prtica de

ensino exploratrio, retirado de Oliveira e Carvalho (2014)

Promoo da aprendizagem matemtica Gesto da aula

Introduo da

tarefa

Garantir a apropriao da tarefa pelos

alunos;

Promover a adeso dos alunos tarefa.

Organizar o trabalho dos

alunos.

Realizao da

tarefa

Garantir o desenvolvimento da tarefa pelos

alunos;

Manter o desafio cognitivo e autonomia dos

alunos.

Promover o trabalho de

pares/grupos;

Garantir a produo de

materiais para a apresentao

pelos alunos;

Organizar a discusso a fazer.

Discusso da

tarefa

Promover a qualidade matemtica das

apresentaes dos alunos;

Regular as interaes entre os alunos na

discusso.

Criar ambiente propcio

apresentao e discusso;

Gerir relaes entre os alunos.

Sistematizao

das atividades

matemticas

Institucionalizar ideias/procedimentos,

relativos a tpicos matemticos e ao

desenvolvimento de capacidades

transversais, suscitados pela explorao da

tarefa;

Estabelecer conexes com aprendizagens

anteriores.

Criar ambiente adequado

sistematizao;

Garantir o registo escrito das

ideias resultantes da

sistematizao.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

21

O Quadro 2 sintetiza o papel do professor nas diferentes fases de uma aula tpica do

ensino exploratrio, identificando aes especficas do professor para cada um dos

objetivos: promover as aprendizagens matemticas dos alunos; e gerir a aula.

Tarefas

As tarefas propostas aos alunos constituem um dos elementos estruturantes das prticas

dos professores (Ponte et al., 2012) e o elemento organizador da atividade de quem

aprende (Ponte, 2014c).

Tarefa e atividade

O termo atividade usado frequentemente no mbito da educao matemtica, com

diversos sentidos. Ponte (2014c) discute o significado do termo, enquanto elemento

fundamental da teoria da atividade, e recorre s palavras de Christiansen e Walther,

(1986) para distinguir entre atividade e tarefa:

A atividade humana realiza-se atravs de um sistema de aes, que so processos

dirigidos para objetivos causados pelo motivo da atividade. A atividade realizada

atravs destas aes, que podem ser vistas como as suas componentes. A atividade existe

apenas nas aes, mas atividade e aes so entidades diferentes. Por isso, uma ao

especfica pode servir para realizar diferentes atividades, e a mesma atividade pode dar

origem a diferentes objetivos e desse modo iniciar diferentes aes ... Uma tarefa

ento... o objetivo de uma ao (Christiansen & Walther, 1986, pp. 255-256)

Assim, a atividade pode ser fsica ou mental e incluir a execuo de vrias tarefas, diz

respeito essencialmente ao aluno e refere-se quilo que ele faz num dado contexto

(Ponte, 2014c, p. 15). J a tarefa representa o objetivo de cada uma das aes que

compe a atividade e exterior ao aluno (embora possa ser decidida por ele). As tarefas

so usualmente propostas pelo professor, mas tm de ser interpretadas pelo aluno,

podendo dar origem a atividades muito diferentes, em funo do modo como proposta,

do modo de trabalho dos alunos, do ambiente de aprendizagem, e da capacidade e

experincia anterior dos alunos (NCTM, 1991/94; Ponte, 2014c).

A aprendizagem resulta da atividade, e no das tarefas, sendo as atitudes e concees

dos atores envolvidos o mais determinante (Christiansen & Walther, 1986). Embora a

Captulo 2 Prtica profissional do professor

22

aprendizagem do aluno decorra da sua atividade e reflexo sobre essa mesma atividade,

tambm a tarefa proposta e a situao didtica propiciada pelo professor influenciam

essa aprendizagem (Ponte, 2014c).

Qualquer tarefa desenvolvida num contexto de aprendizagem especfico que encoraja

um determinado modo de saber e de trabalhar (Ponte, Guimares, Leal, Canavarro, &

Abrantes, 1997, p. 40). Desse contexto de aprendizagem fazem parte os recursos que o

professor seleciona para a aula, o modo como o professor gere o trabalho dos alunos, as

regras de funcionamento de sala de aula, bem como a relao entre o professor e os

alunos (Canavarro, 2003). Este contexto de aprendizagem contempla, assim, dois tipos

de normas que regulam a atividade na aula de Matemtica: as normas sociomatemticas

e as normas sociais (Yackel & Cobb, 1996).

Orientaes curriculares e tipologias de tarefas

amplamente aceite pela comunidade de educao matemtica que as tarefas que o

professor prope marcam o tipo de ensino que promove e so determinantes para a

aprendizagem dos alunos (NCTM, 1994; Ponte, 2014c; Stein, Remillard, & Smith,

2007). O Currculo Nacional (ME, 2001) e o programa de Matemtica (ME, 2007)

(documentos curriculares em vigor em Portugal na altura do desenvolvimento do

trabalho emprico que aqui se apresenta) evidenciam a necessidade do professor propor

aos alunos a realizao de diferentes tipos de tarefas para que estes possam vivenciar

diversos tipos de experincias matemticas, nomeadamente atravs da resoluo de

problemas, da realizao de investigaes, do desenvolvimento de projetos, da

participao em jogos e ainda da resoluo de exerccios que proporcionem uma prtica

compreensiva de procedimentos. J no relatrio Matemtica 2001, a APM (1998)

destacava a alterao da natureza das tarefas dominantes na sala de aula como um dos

elementos centrais da renovao do ensino da Matemtica, chamando a ateno para a

necessidade de valorizar tarefas promotoras do pensamento matemtico e da

comunicao dos alunos, como o caso da resoluo de problemas e das atividades de

investigao.

As tarefas podem distinguir-se em muitos aspetos. Para que o professor saiba que

tarefas valorizar e propor aos seus alunos, em cada momento e face aos objetivos de

aprendizagem, necessrio que conhea a natureza e as potencialidades das tarefas.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

23

Ponte (2005) considera duas dimenses fundamentais das tarefas: o grau de desafio

matemtico, que se relaciona com a perceo da dificuldade de uma questo e varia

entre os polos de desafio reduzido e elevado, e o grau de estrutura, que varia entre

os polos aberto e fechado, sendo que uma tarefa fechada aquela onde explcito o

que dado e o que pedido e uma tarefa aberta aquela que apresenta um grau de

indeterminao significativo relativamente ao que dado e/ou ao que pedido.

Cruzando estas duas dimenses, Ponte (2005) considera quatro quadrantes (Figura 1).

Figura 1: Relao entre diversos tipos de tarefas, em termos do seu grau de desafio e de

abertura, retirada de Ponte (2005).

De acordo com a figura, um exerccio uma tarefa fechada e de desafio reduzido (2.

quadrante). Os exerccios permitem ao aluno pr em prtica os conhecimentos j

adquiridos e, quando acessveis, podem conduzir a uma maior tranquilidade e segurana

do aluno. Note-se, porm, que o trabalho rotineiro de resoluo de exerccios, ainda que

til para consolidar conhecimentos, constitui um desafio reduzido e uma atividade

pouco interessante para a maioria dos alunos. No se deve, portanto, reduzir o ensino da

Matemtica resoluo de exerccios, at porque mais importante do que fazer muitos

exerccios ser fazer exerccios cuidadosamente escolhidos, que testem a compreenso

dos conceitos fundamentais por parte dos alunos (Ponte, 2005, p. 14). O exerccio ,

contudo, em muitas salas de aula, o tipo de tarefa predominante (Ponte, 2014c).

Segundo Ponte (2005), um problema uma tarefa fechada, mas com um grau elevado

de desafio (3. quadrante). O aluno confrontado com questes para as quais no possui

um processo imediato de resoluo. Os problemas devem constituir desafios e levar os

alunos a experimentar o prazer da descoberta (Polya, 2003). Referem-se, portanto, a

situaes no rotineiras que constituem desafios para os alunos e em que,

Captulo 2 Prtica profissional do professor

24

frequentemente, podem ser utilizadas vrias estratgias e mtodos de resoluo e no

exerccios, geralmente de resoluo mecnica e repetitiva, em que apenas se aplica um

algoritmo que conduz diretamente soluo (Ministrio da Educao, 2001a, p. 68).

Alm disso, os problemas esto perfeitamente formulados e os objetivos claramente

definidos, pelo que a soluo conhecida pelo professor e a resposta do aluno ou est

certa ou errada (Ponte, Brocado, & Oliveira, 2005). Autores como Schoenfeld (1996)

apresentam uma perspetiva mais ampla e consideram que os bons problemas devem

levar o aluno a fazer Matemtica, quer porque so problemas abertos, quer porque so

extensveis e generalizveis, remetendo, desta forma, para o nvel das investigaes

matemticas.

Uma investigao, por sua vez, uma tarefa aberta e com um grau de desafio elevado

(4. quadrante). As situaes colocadas so mais abertas do que no caso dos problemas,

ficando a formulao das questes a cargo do aluno. Nesta perspetiva, dado que os

pontos de partida podem ser diferentes, tambm os pontos de chegada podem diferir. Ao

exigirem a participao do aluno na formulao das questes, as investigaes

favorecem um maior envolvimento do aluno na sua aprendizagem e promovem o

desenvolvimento da autonomia e da capacidade de lidar com situaes complexas

(Ponte, 2005; Ponte, Brocado, & Oliveira, 2005). Numa atividade de investigao, os

alunos exploram uma situao aberta, procuram regularidades, fazem e testam

conjeturas, argumentam e comunicam oralmente ou por escrito as suas concluses

(ME, 2001, p. 68). Desse modo, o aluno chamado a experimentar o papel de um

matemtico, no s na formulao de questes e conjeturas e na realizao de provas e

refutaes, mas tambm na apresentao de resultados e na discusso e argumentao

com os seus colegas e professor (Ponte, Brocado, & Oliveira, 2005, p. 23).

No 1. quadrante, Ponte (2005) destaca as tarefas relativamente abertas e de nvel de

dificuldade reduzido, que designa por tarefas de explorao. A diferena entre as tarefas

de explorao e as de investigao est portanto no grau de desafio, enquanto a

diferena entre as tarefas de explorao e os exerccios est no grau de estrutura. O

autor alerta para o facto de nem sempre ser muito ntida a linha de demarcao entre os

diferentes tipos de tarefa. Em particular, uma tarefa pode ser de explorao ou um

exerccio, dependendo dos conhecimentos prvios dos alunos.

Captulo 2 Prtica profissional do professor

25

Alm do grau de desafio e do grau de estrutura, podem considerar-se outras dimenses

das tarefas como a durao e o contexto. Relativamente durao da tarefa, pode ser

curta ou longa, j que a realizao de uma tarefa pode demorar poucos minutos ou

demorar dias, semanas ou, mesmo, meses. O autor alerta para o facto de as tarefas de

longa durao, como o caso dos projetos, serem potencialmente mais ricas, permitindo

aprendizagens profundas e interessantes, mas, em contrapartida, comportarem um risco

elevado de os alunos se dispersarem, entrarem num impasse frustrante, perderem tempo

com coisas irrelevantes ou mesmo abandonarem a tarefa.

Relativamente ao contexto, e segundo Ponte (2005), as tarefas podem variar entre um

contexto da realidade e um contexto puramente matemtico. O autor chama ainda a

ateno para um contexto intermdio, o da semirealidade, considerado por Skovsmose

(2000). Neste caso, embora aparentemente estejam em causa situaes reais, essas

situaes podem no ser muito significativas para o aluno e, alm disso, a maior parte

das propriedades reais das situaes no so tidas em conta. As tarefas que se

apresentam num contexto da realidade so, geralmente, designadas por tarefas de

modelao. Estas tarefas, na maior parte das vezes, revestem-se de uma natureza

desafiante, constituindo problemas ou investigaes, em funo do grau de estruturao

do enunciado.

Segundo Ainley, Pratt e Hansen (2006), no processo de seleo de tarefas para a sala de

aula, os professores podem experimentar um paradoxo: se propem tarefas aos alunos

com o intuito de atingir determinados objetivos de aprendizagem, estas podem ser

pouco estimulantes; pelo contrrio, se prope tarefas desafiadoras, estas podem ser

menos dirigidas para os objetivos de aprendizagem visados. A planificao, no contexto

do ensino exploratrio, pode contribuir para ultrapassar essa situao, j que a partir da

atividade dos alunos sobre tarefas desafiadoras h lugar para uma fase de sistematizao

que visa a institucionalizao de ideias e procedimentos e a conexo com aprendizagens

anteriores (Oliveira & Carvalho, 2014). Para tal, especialmente importante que o

professor planeie cuidadosamente essa fase, articulando o propsito matemtico

previsto para a aula e as produes matemticas dos alunos (Canavarro, Oliveira, &

Menezes, 2014).

Captulo 2 Prtica profissional do professor

26

As tarefas na sala de aula

A seleo de tarefas diversificadas com potencialidades para proporcionar experincias

de aprendizagens ricas e significativas aos alunos um dos aspetos a ter em conta pelo

professor no quadro de um ensino exploratrio. Alm disso, o professor deve definir

uma estratgia de ensino adequada, tendo em conta o papel a desempenhar pelo aluno e

contemplando, no s diversos tipos de tarefas, mas tambm momentos prprios para

explorao, reflexo, confronto de resultados, discusso de estratgias e

institucionalizao de conceitos e representaes matemticas (Ponte, 2005; Ponte &

Santos, 1998; ME, 2007). A proposta pelo professor de tarefas de tipos variados deve,

ainda, ser acompanhada da indicao clara do que esperado dos alunos em cada caso e

da prestao de apoio adequado pelo professor na realizao dessa tarefa (ME, 2007). O

professor deve, portanto, procurar estabelecer um percurso de aprendizagem coerente

que permita ir ao encontro dos objetivos visados por si e pelo currculo e que tenha em

considerao as caractersticas dos alunos, as condies e os recursos disponveis

(Ponte, 2005). Em particular, as tarefas no devem ser to distantes das capacidades dos

alunos que provoquem uma perturbao sem qualquer satisfao que a neutralize (Steffe

& Tzur, 1996).

O modo como as tarefas so trabalhadas na sala de aula tambm um fator

determinante na aprendizagem dos alunos (Ponte, 2014c). Uma tarefa vai sofrendo

alteraes, desde o momento em que retirada dos materiais curriculares (como por

exemplo o manual), passando pelo momento de apresentao pelo professor, at sua

realizao pelos alunos. O uso de diferentes formas de apresentao da tarefa (e de

diferentes formas de representao da informao), informaes adicionais

providenciadas pelo professor (ou alunos), e diferenas de interpretao por professor e

aluno podem estar na base destas alteraes (Stein & Smith, 1998). Em particular, uma

tarefa de nvel cognitivo elevado quando proposta pode dar origem a uma tarefa de nvel

cognitivo inferior com o decorrer do trabalho e por intermdio de uma interveno do

professor (Stein, Remillard & Smith, 2007). Em contrapartida, h alguns alunos que

perante uma tarefa aberta, ou de nvel cognitivo elevado, precisam de um apoio

adicional por parte do professor (Sullivan, 2008). Graduar esse apoio, sem comprometer

as potencialidades educativas da tarefa, constitui um desafio adicional para o professor

(Ponte, 2014c). , por isso, relevante que durante o momento de planificao o

Captulo 2 Prtica profissional do professor

27

professor antecipe situaes com que se pode confrontar e o modo como poder atuar

durante a aula (Stein et al., 2008), tendo o cuidado de manter para cada tarefa um nvel

cognitivo adequado aos alunos em causa.

A apresentao da tarefa aos alunos um momento especialmente importante. Esta

apresentao deve ser feita de modo que os alunos se sintam efetivamente interpelados

pela tarefa e com vontade de a realizar (Ponte, Quaresma, & Branco, 2012, p. 72).

Frequentemente a apresentao da tarefa feita de forma mecnica e pouco envolvente.

O professor reconhece valor tarefa que selecionou e tem tendncia para assumir que os

alunos iro valorizar a tarefa de forma anloga sua, o que no se verifica

necessariamente. No quadro de um ensino exploratrio, natural que a tarefa contenha

termos desconhecidos ou apresente um enunciado complexo de difcil compreenso

para os alunos. Sem reduzir o nvel cognitivo da tarefa, nem explicar como resolver a

tarefa, o professor pode socorrer-se de perguntas apropriadas, para negociar com os

alunos o significado dos termos desconhecidos e lev-los a interpretar o enunciado da

tarefa (Ponte, Quaresma, & Branco, 2012).

No quadro do ensino exploratrio, aps o trabalho autnomo dos alunos em torno de

uma tarefa matemtica desafiante, segue-se um momento de discusso coletiva sobre a

tarefa realizada. Contrariamente ao que se verifica na discusso de uma tarefa que

apenas requer a seleo e aplicao de um mtodo de resoluo j conhecido dos

alunos, em que importa sobretudo identificar e eventualmente executar esse mtodo, na

discusso de uma tarefa com caratersticas desafiantes importante comparar e avaliar

as mltiplas estratgias usadas pelos alunos (Quaresma & Ponte, 2014). da

responsabilidade do professor orquestrar o momento de discusso, tirando partido do

trabalho realizado pelos alunos e gerir o tempo de aula disponvel, sem perder de vista

os objetivos de aprendizagem matemtica visados.

Stein e colegas (2008) identificam, como discutido no terceiro captulo deste trabalho

(relativo comunicao), cinco prticas a considerar pelo professor: antecipar as

resolues dos alunos; monitorizar o trabalho autnomo dos alunos; selecionar os

aspetos a salientar durante a discusso e sequenciar as resolues protagonistas no

momento de discusso; e apoiar a turma no estabelecimento de conexes matemticas

entre as diferentes resolues apresentadas e entre estas e ideias matemticas

Captulo 2 Prtica profissional do professor

28

importantes. Tendo em conta a natureza das tarefas (tendencialmente desafiantes ou

mais abertas) e o nvel de autonomia elevado concedido aos alunos na sua atividade,

estas prticas mostram-se particularmente exigentes para o professor, pelo que a

planificao pelo professor mostra-se especialmente relevante, nomeadamente na

antecipao das resolues dos alunos, bem como na preparao para responder aos

alunos e estruturar as suas apresentaes. A planificao, neste caso, uma prtica

complexa que coloca o aluno no centro do processo de ensino, compelindo o professor a

preparar-se da melhor forma para fazer emergir e aprofundar o conhecimento

matemtico dos alunos a partir da sua atividade (Oliveira & Carvalho, 2014, p. 470).

Embora uma preparao nestas condies seja importante para a conduo de

discusses matemticas produtivas, h muitos aspetos que no podem ser previstos e

colocam desafios acrescidos ao professor. O professor desafiado a gerir as interaes

com e entre os alunos, promover a qualidade matemtica das explicaes e justificaes

apresentadas, encorajar a compreenso, comparao e contraste das diferentes

estratgias de resoluo, bem como a discusso da respetiva eficcia (Cengiz, Kline &

Grant, 2011; Stein et al., 2008), alm de equilibrar aspetos relativos aos conhecimentos

e aos processos matemticos (Sherin, 2002).

Modalidades de trabalho na sala de aula

Existem vrias modalidades de trabalho na sala de aula e a cada uma delas so

reconhecidas potencialidades. Em particular, o Programa de Matemtica do Ensino

Bsico (ME, 2007) destaca: (i) o trabalho individual, importante para o aluno, sozinho,

ler, interpretar e resolver tarefas matemticas e tambm ler, interpretar e redigir textos

matemticos; (ii) o trabalho em pares, particularmente adequado na resoluo de

pequenas tarefas, para que os alunos troquem impresses entre si, esclaream dvidas e

partilhem informaes; (iii) o trabalho em grupo, especialmente adequado no

desenvolvimento de projetos, na resoluo de um problema ou na realizao de uma

investigao matemtica; e, por fim, (iv) o trabalho em turma, muito importante para

proporcionar momentos de partilha e discusso, assim como para a sistematizao