PRÁTICAE DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E … · de profanações inicialmente quando me...

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL HELEN CAMPOS PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE Alagoinhas/BA 30 de setembro de 2014 HELEN CAMPOS PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: ALAGOINHAS, 2014 PROFANAÇÕES E ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

HELEN CAMPOS

PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE

Alagoinhas/BA

30 de setembro de 2014

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II - ALAGOINHAS/ BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL

HELEN CAMPOS

PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE

Alagoinhas/BA

30 de setembro de 2014

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HELEN CAMPOS

PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Crítica Cultural do

Departamento de Educação – DEDC II da

UNEB como requisito à obtenção do título de

mestre em Crítica Cultural.

Orientador: Prof. Dr. Arivaldo de Lima Alves

Alagoinhas/BA

30 de setembro de 2014

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PRÁTICA DE FÃS NO PAGODE BAIANO: PROFANAÇÕES E

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO YOUTUBE

HELEN CAMPOS

Esta dissertação foi julgada para obtenção do título Mestre em Crítica Cultural. Área de

concentração em Letras e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em

Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus II.

_____________________________________

Prof. Dr. Arivaldo de Lima Alves

Orientador

_____________________________________

Prof.ª Dr.ª Edil Silva Costa

Coordenador do Pós-Crítica

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Dr. Arivaldo de Lima Alves (UNEB)

Presidente da Banca

______________________________________

Prof. Dr. Ricardo Oliveira de Freitas (UNEB)

Examinador interno

______________________________________

Prof. Dr. Jorge Luiz Cunha Cardoso Filho (UFRB)

Examinador Externo

SUPLENTES

______________________________________

Prof. Dr.Washington Luís Lima Drummond (UNEB)

______________________________________

Prof. Dr. José Henrique de Freitas Santos (UFBA)

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A minha mãe Maria Natalia e meu filho Davi. Minhas fontes de inspiração.

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AGRADECIMENTOS

A Deus minha gratidão pela persistência e vontade que fazem eu me mover em direção a

concretização de planos e sonhos. O percurso que envolve a finalização dessa trajetória

perpassa a chegada de um inesperado amor. Meu pequeno Davi. Fazer pesquisa ao som de

seus risinhos e travessuras ficou ainda mais desafiador e com gostinho de felicidade. A minha

mãe por me fazer acreditar que era possível. A Marcos por sonhar junto comigo meu sonho,

pela paciência de ouvir as minhas angústias de pesquisa, pela leitura cuidadosa e crítica.

Ao meu orientador Dr. Ari Lima, pela competência e sensibilidade quanto às minhas

dificuldades e superações. Dividi minhas questões de pesquisa com outras tantas pessoas,

importantes para amadurecimento do corpus dessa pesquisa. Muito boas as conversas

intrigantes com meu irmão músico e crítico da música brasileira, João Carlos. Agradeço ao

prof. Ricardo Freitas e prof. Jailma Pedreira. Ao prof. Washington Drummond pela amizade e

disponibilidade de diálogo. Obrigada ao grupo de pesquisa coordenado pelo prof. Jorge

Cardoso, pesquisador que junto com colegas como Nyere, Chima, André e Rosane tornaram

as tardes da segunda feira muito mais profícuas para meu crescimento intelectual, sem perder

o humor e a leveza de viver.

Todos os professores do Programa Pós Crítica/UNEB pela possibilidade de diálogo e pelo

compartilhar de conhecimento e experiência. Ao Grupo de Pesquisa NUTOPIA da linha

Narrativa, testemunho e modos de vida. A Fundação de Amparo a Pesquisa - FAPESB pela

bolsa de estudos durante o mestrado. As minhas amigas confidentes de angústias e alegrias de

pesquisa e da vida, Patrícia Borges e Cíntia Sacramento. A minha irmã Elizabeth pelo

compartilhar. A todas as pessoas, familiares e amigos que torceram por mim. Agradeço a vida

pela possibilidade de ser mulher, negra, pesquisadora, mãe em (re)construção de identidades e

aprendizagens que me fazem ter vontade de continuar.

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RESUMO

Esta dissertação trata das práticas de fãs de pagode baiano a partir das alternativas de

produção de conteúdo criadas pelo acesso as novas tecnologias midiáticas que funcionam

como dispositivos agambianos. Numa complexa rede de interatividade, o uso criativo das

mídias emergentes, transformações de mercado e do ambiente cultural constituem novas

formas de construção de juízo valorativo sobre música com a prática de um consumidor ativo

- prosumidor. A cultura participativa encontra nesse contexto o fortalecimento de outras rotas

de expressão que provoca profundas transformações nas interações individuais e sociais.

Nesse sentido, buscamos refletir e investigar, especificamente no canal de compartilhamento

YouTube, como a internet e a instauração de novas possibilidades de produção, distribuição e

fruição estéticas permitem que o consumidor de música também constitua um lugar de fala

sobre o que consome provocando deslocamentos ou pelo menos tensões na hierarquia da

mediação musical.

PALAVRAS-CHAVE: dispositivo, pagode, prosumidor, YouTube, fãs.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the practices of fans Pagode of the Bahia from content production

alternatives created by access to new media technologies that function as agambianos devices.

A complex network of interactive, creative use of emerging media, market transformations

and cultural environment are new ways of building value judgment about music with the

practice of an active consumer - prosumer. Participatory culture is in this context the

strengthening of other expression routes that causes profound changes in individual and social

interactions. In this sense, we reflect and specifically investigate on YouTube sharing channel

such as the Internet and the introduction of new sources of production, distribution and

aesthetic enjoyment allow music buyers will also constitute a place of talks about what

consumes causing displacement or at least tensions in the hierarchy of musical mediation.

KEYWORDS: device, pagode, prosumer, YouTube, fans.

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela1 - Relação dos dados estatísticos dos vídeos selecionados a partir do canal Youtube 50

Tabela2 - Tabela descritiva dos vídeos com textos de autocaracterização dos mesmos 54

Tabela3 - Dados relativos às informações contidas no canal de YouTube dos prosumidores 59

Tabela4 - Comentários referentes ao vídeo V1 do Harmonia do Samba 67

Tabela5 - Comentários referentes ao vídeo V2 do Harmonia do Samba 70

Tabela6 - Comentários referentes ao vídeo V1 da Sanbone Pagode Orquestra 81

Tabela7 - Comentários referentes ao vídeo V2 da Sanbone Pagode Orquestra 91

Tabela8 - Comentários referentes ao vídeo V1 de Edcity (Fantasmão) 99

Tabela9 - Comentários referentes ao vídeo V2 de EdCity (carreira solo) 106

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1 5

PROSUMIDORES COMO PROFANADORES DAS CURADORIAS MUSICAIS

1.1 A crítica musical especializada 11 1.2 As curadorias artísticos musicais e seus ritos – tradições inventadas 19 1.3 Prosumidores: Fãs e os novos modelos de obtenção de informação musical 25

CAPÍTULO 2

ONDE SÃO CONSTRUÍDAS AS CURADORIAS MUSICAIS ALTERNATIVAS

2.0 O meio e a mensagem: Comunidades virtuais como narrativas de uma cultura 33

2.1 YouTube enquanto locus de profanação 39

2.2 Preâmbulos sobre os pagodeiros e suas curadorias 43

CAPÍTULO 3

O QUE OS PROSUMIDORES FALAM? 47

3.1 O Pagode, crítica musical e YouTube 49

3.1.1 Variações de usos 53

3.1.2 Modos de auto caracterização dos fãs 58

3.2 A experiência dos prosumidores pagodeiros 61

3.2.1 Harmonia do Samba 62

3.2.2 Racionalidade x afetividade no discurso de fãs 65

3.3.1 Sanbone Pagode Orquestra 78

3.3.2 EdCity 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS 114

REFERÊNCIAS 121

ANEXOS 126

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INTRODUÇÃO

O juízo crítico quanto a expressões artísticas pode se constituir num poder discursivo

excludente. Pensando nisso constatei que apesar do estado da Bahia possuir relevante

produção artística cultural suas expressões artísticas, particularmente as afro-brasileiras, têm

ganhado espaço nos estudos acadêmicos e em espaços reservados à crítica especializada

muito recentemente. Voltando-me especificamente para a música, e a entendendo como um

campo discursivo importante por possibilitar a articulação de elementos simbólicos para os

afro-descendentes no Brasil (ALVES, 2003), me instigou perceber que o pagode baiano,

produzido em grande parte por negros e de grande inserção nas camadas populares, não

possui legitimação artística, aparecendo na grande mídia em espaços restritos a cobertura de

festas e quase nunca em espaços onde se discuta criticamente a música, como por exemplo, o

jornalismo especializado na crítica musical.

Inicialmente, tal estilo musical não suscitava em mim um desejo de aprofundamento científico

e nem mesmo um julgamento de valor mais contundente. Entretanto, a partir do contato com

pessoas envolvidas com essa produção e a partir de uma apreciação ativa do estilo, passei a

entendê-lo com seus próprios códigos e articulações observando suas diferentes formações

instrumentais bem como arranjos e instrumentações, a exemplo da Sambone Pagode

Orquestra que com composições orquestrais tendo como base a célula rítmica do pagode, me

instigou ainda mais a pensar nesse estilo sob uma perspectiva que não estivesse contaminada

pelo pensamento elitista que tende a inferiorizá-lo principalmente por causa das letras das

canções de alguns grupos que são tomadas como de mau gosto e vulgar.

Busco encontrar e compreender um possível surgimento de um entre-lugar que rompe ou

ainda desconsidera um sistema de valoração institucionalizado para constituir práticas que

estabelecem profanações1 na crítica musical especializada a partir das possibilidades criadas

pelas novas tecnologias. Nesse sentido, afirmo ainda que não tenho o objetivo de definir o

pagode de um modo genealógico, procurando por uma pretensa gênese no samba por

exemplo. Não é uma dissertação sobre o pagode em si, ele me serve como um lugar que me

permite pensar sobre desestabilizações na hierarquia discursiva a partir das novas tecnologias

1O conceito de profanação, cunhado por Giogio Aganbem (2007) nos é caro, ao passo que ele entendendo a profanação como uma categoria religiosa transforma-a num contraponto político da secularização. Assim, mais que uma profanação religiosa ela passa a ser uma profanação política, o que significa retirar a característica de sacralidade que permeia as diversas instâncias da modernidade que mantém esferas de poder e instituições inacessíveis ao poder real do povo.

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digitais e sua popularização entre consumidores de música. A escolha do pagode como

exemplo prioritário e campo de pesquisa é estratégica por sua presença ainda tímida na crítica,

nesse caso o jornalismo especializado e a produção acadêmica aparece ainda em poucos

trabalhos. A exemplo: A Experiência do Samba na Bahia: Práticas Corporais, Raça e

Masculinidade de Arivaldo de Lima Alves (2003), Pagodes baianos: Entrelaçando sons,

corpos e letras de Clebemilton Nascimento (2012) e O Pagode em Salvador. Produção e

Consumo nos Anos Noventa. Dissertação de Mestrado em Sociologia de Sirleide Aparecida

Oliveira (2001).

Aliado aos argumentos acima explorados, ressaltamos o fato do pagode possuir a

característica de contínua transformação a partir da imersão na indústria cultural (a qual

conceituaremos mais adiante).Tais motivos corroboram para meu interesse em estudar esse

gênero musical, a partir de seus fãs prosumidores, quanto à possibilidade de uma

institucionalidade alternativa da crítica musical no ambiente virtual. Pensei na possibilidade

de profanações inicialmente quando me dei conta de como era inversamente proporcional à

aceitação do pagode pelo seu público e o juízo crítico valorativo estabelecido pelos

especialistas de crítica musical. Em 2009 a Revista Muito, suplemento cultural do Jornal A

Tarde, que atua como um dos veículos do jornalismo especializado sobre cultura no Estado,

destacou grupos e artistas de pagode atuantes no estado da Bahia. Os textos dizem respeito a

uma análise de especialistas em música sobre a produção musical de nomes como EdCity,

Leo Santana, Márcio Vítor, entre outros. A edição destaca ainda a fala de Caetano Veloso,

importante nome da música brasileira, sobre esse gênero musical afirmando-o como um dos

movimentos musicais mais importantes da atualidade e que a imprensa teria preconceito pelo

gênero. É atribuído ainda a Caetano Veloso a popularização da nova denominação a um certo

tipo de pagode, o chamado pagode engajado – neopagode. A proposta da edição era que os

músicos/especialistas convidados avaliassem se os grupos inseridos na nomenclatura do

neopagode promovem mudanças no gênero tomando por parâmetro fases anteriores desse

movimento musical.

A edição, de um certo modo, ratificava minhas questões. Percebi ainda a convivência de

pagodes dentro da nomenclatura pagode. Esse foi mais um fato que suscitou em mim o

interesse em investigar a prática dos fãs desse gênero musical. Uma produção feita

essencialmente por jovens das camadas populares, sujeitos não autorizados à fala da crítica

musical profissional e que estabelecem uma ruptura no silêncio quanto ao pagode a partir de

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práticas discursivas no ambiente virtual. Como essa nova curadoria2 feita por amadores que

chamarei de prosumidores, seguindo o conceito cunhado por Toffler (1980) e atualizado por

Kerkchove (2009), que integra o consumidor ao produtor, se insere no tecido social

provocando tensões nos sistemas de valoração musical? Existe nessa prática de fãs o

estabelecimento de uma dialética que tenciona a relação de uma fala ordinária, da ordem do

senso comum, com a fala autorizada do crítico musical?

Quanto à tradição dos estudos que silenciam o falar sobre expressões como as produções que

ressaltam a cultura “negro-africana”, a entendendo como um poder legitimado de fala, busco

pensar nesses valores de seleção e julgamento de tais expressões a partir dos três critérios de

interdição da fala propostos por Foucault (2011) quando estuda a ordem do discurso. Segundo

ele o discurso é definido a partir do poder que funciona como elemento que está na ordem das

leis e imbuído de um poder institucionalizado. Assim, os três capítulos dessa dissertação

estarão aportados no método proposto por Foucault (2011) com seus três tipos de interdições -

1 – Tabu do objeto (o que fala); 2 – Ritual da circunstância (onde fala); 3 – Direito

privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala (quem fala).

No primeiro capítulo, me proponho a estabelecer uma base teórica, abordando os conceitos

mais importantes para a reflexão da temática, num esforço de entrelaçamento do objeto de

estudo com os autores. Busco compreender o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que

fala a partir de uma análise preliminar sobre as primeiras relações entre música e a produção

de sua crítica no Brasil bem como uma caracterização inicial dos prosumidores fãs do pagode

baiano.

No segundo capítulo, a partir do critério da interdição, ritual da circunstância, irei descrever e

interpretar o lugar onde as falas dos prosumidores são construídas e compartilhadas. Irei

analisar o contexto virtual com suas possibilidades de ampliação de falas ordinárias sobre a

música nos aprofundando no canal de compartilhamento gratuito YouTube a fim de estudar a

constituição de espaços alternativos de produção e veiculação, no que Jenkins (2009) chama

de cultura participativa. Nesse sentido, quanto à proposta de estudo deste capítulo, o YouTube

e os novos aparelhos móveis tecnológicos, de produção e armazenamento do audiovisual, são

estudados como dispositivos que promovem uma nova mediação dentro das comunidades de

2 Uso o termo curadoria musical como categoria analítica, pois parto do pressuposto que a crítica musical em alguma medida foi construída, estando ainda sob influência dos parâmetros de seleção e juízo de valor da curadoria artística.

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fãs. Esses novos agenciamentos podem ser feitos a partir das próprias categorias estabelecidas

pelo suporte técnico do YouTube, com uso de descrição do vídeo, comentários, tags,

exposição do número de visualizações, entre outras.

Baseado no critério de interdição de fala de Foucault (2011), tabu do objeto, o terceiro

capítulo fará análise das produções compartilhadas pelos fãs, aportado no conceito de

profanação de Agamben, já exposto acima, aquilo que é falado/produzido e compartilhado

pelos prosumidores será analisado. Para tanto, irei me deter em três grupos musicais que

tocam o pagode baiano, com propostas musicais diferenciadas uma das outras, sendo,

Harmonia do Samba, Sambone Pagode Orquestra e EdCity. De cada um deles, analisarei

duas postagens e os respectivos comentários dos fãs e anti-fãs sobre elas no YouTube.

Penso, a partir desse método de estudo, nas possibilidades de ruptura desse silenciamento

pelas estratégias de legitimação/profanação utilizada pelas comunidades de fãs do pagode,

entendendo como um discurso construído por apreciadores, aqueles que em grande medida

são afetados pela musicalidade em questão, buscando assim compreender como a produção

musical passa por reformulações quanto ao seu julgamento, quando esse fã/consumidor passa

a emitir opiniões pela internet. Quanto a esse processo, investigo as possibilidades de

profanações estabelecidas pelas comunidades de fãs na crítica musical a partir da observação

de comunidades de consumidores do pagode baiano. A partir daí reflito criticamente quanto

às transformações no juízo crítico musical, a partir de articulações entre a técnica e a cultura

estabelecida pelas comunidades de fãs, bem como quanto aos modos de naturalização x

ressemantização dos usos da técnica, da sensibilidade musical e estratégias discursivas.

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CAPÍTULO I

1.0 PROSUMIDORES COMO PROFANADORES DAS CURADORIAS MUSICAIS

Vivemos um momento singular quanto à possibilidade de produção, fruição e circulação de

cultura. As novas tecnologias midiáticas têm criado alternativas de produção de conteúdo

antes impensáveis. Numa complexa rede de interatividade, uso criativo das mídias

emergentes, transformações de mercado e do ambiente cultural, novas formas de constituição

de narrativas vão sendo engendradas. A cultura participativa3 encontra, nesse contexto, o

fortalecimento de outras rotas de expressão que provoca profundas transformações nas

interações individuais e sociais.

A experiência musical, nesse sentido, encontra uma ampliação em suas possibilidades de

disseminação e estratégias curadorísticas. A música, para sua constituição material, perpassa

mediações de diferentes suportes: técnico, estético, social e comercial. O modo como ela se

organiza enquanto objeto artístico, como também os canais por onde ela circula enquanto

mercadoria, interfere diretamente em seu modo de fruição e, consequentemente, em como

seus fãs poderão constituir práticas de juízos de valor. A internet e a instauração de novas

possibilidades de produção, distribuição e fruição estéticas, permitem que o consumidor desse

produto também constitua um lugar de fala sobre o que consome provocando deslocamentos

ou pelo menos tensões nessa hierarquia da mediação4 musical.

O modo como são construídos meios de valoração, rotulação e circulação para o consumo de

cada gênero musical, ganha novos ingredientes que a nosso ver provocam desestabilizações

na crítica musical especializada, bem como em suas funções de: 1) Traduzir uma obra para

um público leigo; 2) Descobrir novos talentos, 3) Reforçar um suposto cânone da música

popular massiva (NERCOLINI e WALTEMBERG, 2010). Essas tecnologias permitem aos 3Cultura Participativa é um conceito empregado por Henry Jenkins que refere-se “à cultura da convergência onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”(JENKINS, p.29, 2011). 4 Usamos o conceito de mediação segundo Jesús Martín-Barbero em “Dos meios às mediações”, que propõe aí articulações entre as práticas comunicativas e os movimentos sociais, buscando compreender materialidades social e expressividade cultural (2006a, p. 294). Desse modo o estudo não se resume a análise das lógicas de produção ou recepção. O campo das mediações parte primeiro do olhar sob o lugar onde se estabelece sua relação de enfrentamento, do lugar onde há relação entre os receptores (GOMES, p.113, online).

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fãs de música uma fala num espaço, antes sagrado e definido, por acessarem à apropriação de

linguagens antes especializadas que é: 1) A Crítica musical; 2) O código audiovisual. E esses

novos aparatos tecnológicos vão assim configurando um modo de produção de imagens e

juízos valorativos, relacionadas ao estilo musical que nos propomos pensar – pagode baiano –

bem como se tornando o próprio código linguístico desses fãs que fazem uso do YouTube. As

tecnologias da comunicação, assim como as palavras, definem também o que dizer e como

dizer constituindo seus próprios códigos e conveniências. Resta-nos buscar entender como

essas narrativas comuns, produzidas por fãs, podem também fomentar um desvio do conceito

tradicional de curadoria que outrora se restringia ao mundo da arte; no lugar fronteiriço da

internet, investigando possíveis descentralizações da crítica e da audiência.

Sobre essas novas configurações socioculturais, a partir dos ambientes on-line, alguns autores

como Toffler (1980), Jenkins e Kerkchove (2009), analisam que é possível uma cultura

participativa, onde segmentos como fãs, deixem de ser meros consumidores para se tornarem

também produtores. O conceito de prosumers foi inicialmente cunhado por Tofler (1980) e

posteriormente Derrick (2009) atualiza a ideia, ao analisar as características do consumo nos

dias de hoje. Toffler iniciou essa reflexão ainda em 1980 agregando producer and consumer.

O estudo resultou no livro “A Terceira Onda” onde ele identifica três importantes períodos na

história da civilização que ele chama de três grandes ondas de transformação, sendo: 1) a

revolução agrícola (primeira onda), 2) a revolução industrial (segunda onda) e 3) a revolução

da informação (terceira onda).

Segundo ele, durante a Primeira Onda, as pessoas consumiam aquilo que elas mesmas

produziam. Já na Revolução Industrial, as funções de produzir e consumir estiveram

separadas, dando assim nascimento ao que agora chamamos de produtores e consumidores.

Esta separação intensificou segundo ele a massificação do mercado. Na terceira onda, Toffler

(1980) observa que há maior circulação de informação o que muda o modo como o

consumidor comporta-se diante do produto. O consumidor é cada vez mais atraído para dentro

do processo da produção. Para ele, nesse momento, as pessoas passam a desempenhar para si

mesmos serviços que até então teriam sido desempenhados para elas. Eles estariam

prosumindo.

[...] industriais ansiosos recrutam (pagam mesmo) fregueses para os ajudarem a desenhar produtos. Isto não é apenas verdadeiro nas indústrias que vendem diretamente ao público (comida, sabão, artigos de toalete, etc.) porém mais ainda nas

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indústrias avançadas, como eletrônica, onde a desmassificação é mais rápida (TOFFLER, 1980, p. 274).

Daí o conceito atualizado por Kerkchove (2009) como prosumidores que ressalta o

entrelaçamento do consumidor e produtor nessa nova realidade da tecnologia e o maior acesso

a pessoas comuns. O autor ressalta esse prosumidor como um observador moderno que

enxerga a realidade a partir da perspectiva de diversos códigos.

Alvin Toffler inventou o termo para destacar as mais recentes tendências do marketing, que mostraram que muitos potenciais compradores não estavam satisfeitos com o mero papel de consumidores, querendo cada vez mais estar no ato da produção (KERCKHOVE, 2009, p.110).

O conceito de prosumidor apresentado pelo autor norteará nossa análise, servindo ainda como

categoria analítica quanto aos estudos da instauração de novas curadorias musicais a partir da

prática de fãs do estilo musical pagode baiano no YouTube. O conceito nos é caro por

relacionar elementos como a velocidade da informação no ambiente digital, o barateamento

dos aparatos tecnológicos e a reconfiguração da mediação musical. Milhões de pessoas em

todo mundo baixam músicas, filmam shows, fazem paródias das músicas dos grupos de sua

predileção, compartilham videoclipes amadores ou não, como também reprocessam esse

material e postam na internet. Esses vídeos podem chegar a ter centenas de milhões de

exibições. Uma prática que ressemantiza direitos autorais, popularidade e originalidade.

Anônimos podem torna-se celebridades em poucas horas, e a mídia convencional não fica

alheia a isso. A participação cada vez maior do consumidor nos processos de criação e

produção, o transforma mais do que nunca num influenciador e manipulador de conteúdos.

Para dar conta do estudo dessa problemática, esse capítulo estará baseado no primeiro critério

de interdição de fala pensado por Foucault (2011) como o direito privilegiado ou exclusivo

do sujeito que fala. Esse primeiro critério de interdição, nos possibilitará discutir a curadoria

de arte como uma “instituição” localizada, no que Adorno (2009) chamou de indústria

cultural, e que serve de parâmetro para os critérios de crítica musical, onde se tem um sujeito

com fala autorizada e legitimada sobre música, buscando fazer um recorte nesse sentido para

o estilo musical - pagode baiano.

Não há um consenso ou um conceito exato sobre o que seria o pagode. Alves (2003) em sua

tese “A Experiência do Samba na Bahia Práticas Corporais, Raça e Masculinidade” afirma

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que o pagode seria uma configuração atual do samba na Bahia. Distanciando-se de uma

explicação que privilegia um etapismo na construção do samba, onde o gênero5 teria

começado na Bahia tradicional e prosseguido no Rio de Janeiro moderno e mestiço, a partir

do final do século XIX, Alves (2003) afirma que esse tipo de argumento impede a emergência

de outras possibilidades de sambas, com diferenças a partir do contexto urbano ou rural, por

exemplo, sem um cunho evolucionista. O autor, analisando os estudos já realizados sobre o

samba destaca que a bibliografia sobre samba pode ser dividida em três grupos:

1. Títulos que versam sobre a biografia de antigos sambistas, compositores cariocas ou radicados no Rio de Janeiro desde o início do século XX; 2. Títulos que elaboram análises socioantropológicas sobre o samba carioca urbano; 3. Títulos que analisam o samba como folclore e/ou discutem aspectos formais do samba (ALVES, 2003, p.92).

Esses grupos demonstram primeiro, a centralização dos estudos relacionados ao samba dentro

do estado do Rio de Janeiro e segundo, que o consumo de gêneros musicais oriundos do

samba ainda pode ser um campo rico para o estudo das mediações exercidas entre a música e

o público. Nesse caso especificamente, no ambiente virtual, buscando entender aí as

transformações no juízo crítico musical. Para nosso presente estudo iremos nos deter em três

grupos musicais que tocam o pagode baiano com propostas musicais diferenciadas uma das

outras, sendo eles, Harmonia do Samba, Sambone Pagode Orquestra e Edy City, de cada um

deles selecionaremos uma postagem com data de upload próxima a do início da carreira do

grupo e uma outra postagem com data de publicação mais recente para analisar as postagens,

seus respectivos e usos das ferramentas estatísticas disponibilizadas pelo YouTube. As

postagens serão estudadas a partir de três categorias:

1. Produção: quando o vídeo for totalmente amador, filmado de fato por um fã;

2. Reedição: quando o fã coletar imagens profissionais inclusive produzidas pelo próprio

grupo musical, como DVD's, e reeditar o material;

3. Recompartilhamento: quando o vídeo é produzido por produtoras ou pelo próprio

grupo musical, mas é recompartilhado por fãs no formato original.

5Segundo Gomes (2014, online) Gênero enquanto categoria cultural é um protocolo de análise que possibilita a pesquisa ir além das análises textuais, mas sem negá-las, sem recusá-las... “O que demanda um conceito de gênero em que este não apareça como uma entidade fixa, em que ele não seja apenas classificação ou tipologia da programação televisiva, mas que seja considerado como uma prática de produção de sentido que se realiza na “inter-relação entre uma variedade de práticas criativas, econômicas, sociais, tecnológicas, institucionais, industriais e interpretativas”” (EDGERTON; ROSE, 2008, p. 7).

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Os três grupos musicais selecionados nesse capítulo surgem em contextos sócio-históricos

peculiares e distintos e estabelecem assim, modos de mediação estética, também singulares.

Apesar de estarem classificados sob uma mesma nomenclatura de estilo musical – pagode -

cada um a partir de sua proposta estética como também de suas tradições musicais

estabelecem uma relação dialógica própria com o meio musical onde emergem, o contexto

cultural e com os fruidores de sua obra. Assim, quem fala, o que fala e onde fala são

elementos entrelaçados que tornam-se significativos para a observação e análise do modo

como fãs/prosumidores estabelecem uma profanação no sistema de juízo de valor da música.

As distinções entre os grupos selecionados para o presente estudo permitirá ainda a

observação da variação interativa entre os usuários, bem como às plurais questões

relacionadas às estratégias discursivas construídas pelos fãs/prosumidores no YouTube. A fim

de melhor compreensão/interpretação desses dados, iremos inicialmente contextualizar os três

grupos de pagode que fazem parte do recorte que nos propomos a estudar.

Segundo Nascimento (2012), a música industrializada que se desenvolve na Bahia

denominada “pagode” e que se inicia com o grupo Gera Samba, posteriormente renomeado

de É o tchan, representa um capítulo à parte na recente história da música baiana. Segundo

ele, na década de 1990, a carreira bem sucedida desse grupo, abriu caminho para uma

produção musical no Estado, que se amplia na atualidade e vem influenciada por um mercado

que se abriu para essa nova vertente do samba, agregando algumas influências de matrizes

regionais, abrindo-se também para o pop, o eletrônico e outros ritmos globais.

Mas esse contexto histórico musical do pagode sofre mudanças ao longo dos anos que reflete

consequentemente na produção dos novos grupos. O grupo Harmonia do Samba surge, por

exemplo, num momento onde a fórmula do grupo pioneiro É o Tchan, com dançarinas

coreografando suas músicas, já estava esgotada e aí os grupos passam a investir no cantor

com uma performance que chamava atenção por ser um homem que cantava e rebolava no

palco. Além disso, o Harmonia do Samba investia numa sonoridade influenciada pelo samba

de roda, o que lhe rendeu um rótulo de “pagode de qualidade”.

Enquanto o grupo É o Tchan seguia sua trajetória avançando para outras regiões do Brasil, emergia, na cena musical baiana, uma infinidade de artistas e grupos orientados pelas influências do samba de roda do Recôncavo e suas transformações consolidando um segmento em constante crescimento (NASCIMENTO, p.71, 2012).

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Já EdCity no pagode teve passagem por vários grupos, entre eles o Parangolé até chegar ao

grupo Fantasmão no ano de 2006. Esse é um momento de expansão das novas tecnologias

digitais, existindo assim maior facilidade e barateamento de gravação e circulação de música.

O grupo não usava o tradicional cavaquinho, inclui em seus shows um DJ e apresentava

composições com enfoque religioso e social. Além disso, o grupo inaugura o groove

arrastado no pagode que é o resultado da mistura entre as sonoridades do samba, reggae, rock

e hip hop. Edd se afastou do grupo e iniciou carreira solo em 2009 com o nome artístico

EdCity levando grande parte dos músicos que trabalharam com ele no Fantasmão.

Comandado pelo maestro Hugo Sanbone a Sanbone Pagode Orquestra surgiu em 2009 com

25 músicos e quase todos tocam em outras bandas de música popular. Os inspiradores do

grupo são os russos Stravinsky e Tchaikovsky e o austríaco Mozart e também o trabalho de

bandas como Harmonia do Samba e Psirico – da banda liderada por Márcio Victor,

classificada por Hugo como “responsável por um dos trabalhos rítmicos mais ricos que o

pagode da Bahia já teve”. Em entrevistas jornalísticas Hugo destaca o projeto “Psirico

Experimental”, no qual ele participa na confecção dos arranjos e nos metais.

A partir deste breve e preliminar panorama da história dos grupos, reafirmamos as diferenças

de suas propostas musicais bem como quanto ao contexto histórico musical em que surgiram.

Esse fato também contribui para a observação dos diferentes modos de apropriação das

estratégias discursivas no meio virtual, como já expusemos acima, fato que entendemos como

relevante, pois reforça a dimensão cultural dos usos da tecnologia.

As estratégias discursivas dos fãs presumidores são construídas a partir também do que o

próprio grupo valoriza no seu trabalho, e o modo como se comportam no canal YouTube de

um certo modo reafirma propostas ideológicas de cada grupo musical que por vezes são

transformadas em jargões. Os fãs do EdCitty, por exemplo, sempre falam em humildade,

favela e frases de afirmação do negro, questões bastante ressaltadas pelo músico em seu

trabalho. Já nos comentários da Pagode Sanbone Orquestra os comentários estão sempre a

reafirmar a riqueza que a música baiana possui, alguns inclusive em tom de brincadeira

pedem que não deixem que coloquem uma letra, uma vez que a maior parte das críticas ao

pagode se referem às suas letras. No Harmonia do Samba os fãs ressaltam que é a melhor

banda da Bahia, com maior swinguera etc. Nesse sentido, Frith (1987) afirma que a música

pode servir como uma espécie de mediador identitário,

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[...] usamos canções populares para criar um tipo particular de autodefinição, um lugar particular na sociedade. O prazer que a música pop produz é um prazer de identificação – com a música de que gostamos, com os intérpretes dessa música, com as outras pessoas que gostam desse mesmo tipo de música (FRITH, 1987, p. 140).

O autor vai mais além e afirma que não há uma concordância primeira quanto aos valores

estéticos nos grupos sociais, mas a prática artística seria um modo de vivenciar as ideias nas

quais acreditam. O que podemos inferir dessa afirmação é que tanto a expressão musical em

seus aspectos estéticos, como também suas estratégias discursivas configuram a produção de

sentido da música popular massiva. Frith (1987) afirma ainda que os sentidos não estão na

música em si, mas são construídos fora dela. Os elementos mercadológicos e musicais se

retroalimentam e configuram um objeto artístico para um público específico que detém o

poder de reconhecimento de suas referências e preferencias. E no contexto onde nosso corpus

de pesquisa está localizado encontramos a construção de um discurso ordinário sobre música,

mas que é feito de modo fragmentado, não institucionalizado, mas que também se alimenta da

fala autorizada.

1.1 A CRÍTICA MUSICAL ESPECIALIZADA

Numa análise preliminar podemos dizer que a crítica musical especializada silencia ou ainda

apresenta de forma tímida, a fala sobre pagode em espaços que circulam informações sobre a

música produzida na região de Salvador – BA, sendo esses espaços, jornais locais e revistas

culturais. O pagode seria então considerado um gênero6 de menos valia com julgamentos de

uma crítica musical que afirma uma pobreza melódica e linguística no que diz respeito as suas

letras. Discutiremos assim, as significações/ressignificações na curadoria musical feita por

fãs, no pagode baiano, a partir de suas postagens no canal de compartilhamento YouTube.

Nesse sentido, buscaremos entender como os fãs desse estilo musical, que em geral, têm sua

produção feita essencialmente por jovens das camadas populares, sujeitos não autorizados à

fala da crítica musical profissional, estabelecem outras vias de expressão para tecer um juízo

valorativo quanto ao pagode a partir de suas práticas discursivas no ambiente virtual. Como

essa nova curadoria feita por presumidores, se insere no tecido social provocando tensões nos 6Gênero entendido aqui, como já ressaltamos acima, enquanto categoria cultural que amplia a análise de

rotulação musical vinculado a outras perspectivas: cultural, política e social.

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sistemas de valoração musical? Existe nessa prática de fãs o estabelecimento de uma dialética

que tenciona a relação de uma fala ordinária, da ordem do senso comum, com a fala

autorizada do crítico musical?

Apesar de nosso objetivo central não ser o estudo da crítica especializada precisamos pensar

sobre ela a fim de nos apropriarmos das práticas dos fãs enquanto reconfiguradores do lugar

onde se fala sobre música, do conteúdo da crítica e seus códigos. O contexto vivenciado nos

anos 60 é citado como exemplo por Marildo José Nercolini e Lucas Waltenberg como o

momento onde a crítica “falava em nome dos criadores para esclarecer as massas desprovidas

de capacidade analítica para entender as obras artísticas, assumindo seu ofício como missão,

tal como um profeta, a ditar o que seria melhor ou pior e quais os caminhos a seguir”

(NERCOLINI e WALTENBERG, 2010, p.230 e 231). O mainstream seria então formado

pelos canais tradicionais de comunicação, considerados como formadores de opinião, como

grandes gravadoras, rádios e programas de TV aberta. Segundo Simone Sá (2014, online) eles

atribuem a si mesmos um papel pedagógico e de educação da audiência. Os produtos que

circulam pelo mainstream buscar atingir uma expectativa de público vasta com características

em preferências musicais, estrato social ou faixa etária muito diversas. Os especialistas nesse

contexto organizam/constroem estratégias discursivas com o objetivo de convencimento de

compra do produto artístico tornando tênue a linha de separação entre publicidade e

informação.

Em oposição a esse modo de funcionamento da mídia está o underground, a música

classificada desse modo não necessariamente está fora da indústria fonográfica, mas suas

estratégias de distribuição são direcionadas a públicos específicos. Janotti Jr. (2003, p.10),

explica que, “um disco independente ou uma publicação alternativa seguem, mesmo em

pequena escala, políticas de difusão exteriores ao seu poder de decisão”.

Desde os anos 80, a chamada “cena underground” caracterizou-se por um despojamento no tipo de produção tanto em termos de fonogramas, como na produção de shows, apoiada na caracterização do improviso... . No entanto, com o crescimento e a competitividade do mercado independente e a intensa utilização das plataformas de música on-line para a divulgação das bandas e artistas, hoje há uma reconfiguração desse mercado, uma vez que o investimento na produção aumentou, bem como a preocupação com questões de marketing, estéticas visuais, etc... (AMARAL, WIZNIEWSKY AMARAL, 2014, p.308, online).

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O conceito underground pode ser entendido assim como a crítica musical construída

independente da necessidade de legitimação do campo e dos espaços de circulação

convencionais de leitura de crítica de arte sem deixar, no entanto de manter uma certa

proximidade com algumas práticas do mainstream. Configura-se desse modo como uma

prática descentralizada e fragmentada que o nosso estudo buscará perceber no canal de

compartilhamento YouTube. “A discussão sobre o que é mainstream e o que é underground

passa por noções relacionadas ao senso comum, à crítica musical, ao jornalismo especializado

e ao discurso dos fãs, entre outros valores simbólicos que circulam nos meios de comunicação

tanto quanto nas práticas culturais da sociedade” (AMARAL, WIZNIEWSKY AMARAL,

2014, p.308, online).

Essa prática apresenta-se assim numa relação ambígua com o mercado de música, pois ao

passo que impulsiona o alargamento de quem exerce a crítica como dos seus espaços de

circulação ela também caracteriza e responde a uma demanda do mesmo, de ampliar a

circulação de produção cultural. Essa relação ambígua e paradoxal está no cerne da própria

constituição do samba, gênero originário do pagode. O contexto, onde as bandas de pagode

baiano desenvolvem, atualmente, seu trabalho pressupõe não somente a inserção de jovens

negros no processo de profissionalização da música como também a imposição de mudanças

na construção dessa produção.

A comercialização do samba e a profissionalização do músico negro (passam a se fazer), evidentemente, no interior de um modo de produção, cujos imperativos ideológicos (faziam) do indivíduo um objeto privilegiado, procurando abolir seus laços com o campo social como um todo integrado. Compositor se define como aquele que organiza sons segundo um projeto de produção individualizado. Em princípio, o músico negro teria de individualizar-se, abrir mãos de seus fundamentos coletivistas (ou comunalistas), para poder ser captado como força de trabalho musical (SODRÉ, 1998, p.39-40).

O pagode nesse sentido permite a problematização de questões ligadas a prática dos

prosumidores e os deslocamentos provocados no juízo crítico musical. Nosso intuito não será

o de encontrar respostas, mas pensar aqui quanto ao poder discursivo que possui aqueles que

estão num lugar de fala legitimada e autorizada e também sobre modos de constituição de

uma institucionalidade alternativa nas práticas de fãs. Sobre o lugar autorizado de fala Focault

(2011) afirma que,

[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

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procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2011, p.9).

A questão levantada por nós pressupõe não necessariamente a inauguração de uma prática de

fãs, pois, comunidades presenciais ou não, construídas em torno de preferências estéticas em

comum já articulam/estabelecem estratégias discursivas que legitimem seus gostos a partir do

séc. XX quando se populariza o acesso a discos, gravações, rádio, etc. e ocorre a emergência

da música pop. O que sugerimos, é que a popularização do acesso das novas tecnologias

potencializa essa prática a tal ponto que podemos pensar nesses mecanismos como

dispositivos, no sentido atribuído por Agamben (2009). O autor ressalta que o conceito

dispositivo foi decisivo no pensamento de Foucault na genealogia da sociedade disciplinar

chamada por ele de “positivité”, mas que ele amplia ainda mais sua perspectiva. Dispositivo

para Foucault significava um conjunto heterogêneo de coisas, mas sempre circunscrito num

jogo de manipulação de forças, assim o conceito remete a um conjunto de “práticas e

mecanismos (ao mesmo tempo linguísticos e não-linguísticos, jurídicos, técnicos e militares)

que tem o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito mais ou menos

imediato” (AGANBEM, 2009, p.35). Para Agamben (2009), dispositivo sofre uma ampliação

de sentido: Generalizando posteriormente a já bastante ampla classe dos dispositivos foucaultianos, chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os seres viventes. (...) a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, o telefones celulares e – por que não – a própria linguagem, que talvez é o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares e milhares de anos um primata – provavelmente sem se dar conta das conseqüências que se seguiriam – teve a inconsciência de se deixar capturar (AGAMBEN, 2009, p.40-41).

Os dispositivos modernos se configuram a partir do desejo ou anuncio de pretenso prazer

engendrado nas relações de consumo. A base do dispositivo está em “um desejo

demasiadamente humano de felicidade, e a captura e a subjetivação deste desejo, numa esfera

separada, constituem a potência específica do dispositivo” (AGAMBEN, 2009, p.44). E

quando se trata da música ou ainda do dispositivo “crítica musical” podemos afirmar que as

características a ser observadas, a conotação atribuída a determinados gêneros musicais, entre

outras questões atreladas ao juízo de valor, “são menos sobre as qualidades da música em si

do que sobre como contextualizá-la, sobre o que há na música que deve ser realmente

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apreciado [...] Nossa percepção de uma música, nossas expectativas a respeito dela não são

inerentes à música em si” (FRITH, 1990, p. 96-97).

[...] tanto a configuração plástica das expressões musicais quanto os as estratégias discursivas de construção da imagem pública dos atores da música contribuem para o processo de produção de sentido da música popular massiva, em uma espiral de sentidos que engloba marcas presentes na materialidade dos produtos musicais e seus posicionamentos na cultura midiática (JANOTTI, 2007, p.6)

O conceito de dispositivo pode ser útil para nosso presente estudo, uma vez que, a partir dele

poderemos entender as imagens feitas pelos fãs sob a perspectiva da consequência de uma

técnica que a engendra, sendo essa técnica as câmeras digitais e o canal de compartilhamento

gratuito – YouTube, que possuem suas finalidades configuradas/reconfiguradas a partir do

contexto e uso cultural. O surgimento desses aparatos tecnológicos, para nós, pode ser

pensado já fora de um processo de gestão do expert e nos apropriando das palavras de

Agamben (2009) seria então uma gestão profanadora7 desse sagrado e definido. Primeiro por

constituir um lugar inexistente de fala quanto a um estilo musical, sobre o qual especialistas

quase não falam, não nos interessa aqui enumerar possíveis respostas ao silenciamento quanto

a essa produção musical, mas é importante ressaltar que o pagode baiano em sua própria

organização, do modo geral, se faz em meios alternativos, algumas vezes fazendo sucesso

popular nas redes sociais para depois passar a ter uma gravadora e espaço de divulgação em

meios oficiais da imprensa. Contrariamente a outros segmentos da música baiana, como é o caso da música produzida por artistas do segmento “axé”, a produção dos grupos de pagode nem sempre passa pelo gerenciamento das grandes gravadoras; trata-se de uma produção própria, na maioria dos casos, independente, sem a mediação, circulação e a distribuição atrelada às grandes gravadoras. Pela internet, é possível fazer downloads gratuitos de fonogramas através de sites especializados, inclusive sites das próprias bandas, uma prática que tem se tornado muito comum (NASCIMENTO, 2012, p.57).

É importante ressaltar que essas bandas utilizam também esses dispositivos e a internet para

chamarem atenção de investidores, pois como já afirmamos acima, para atingirem o sucesso,

em geral, precisam ter alto investimento sendo produzidos por grandes produtoras, como

explica Alves (2003),

Aparentemente, o acaso, a singularidade e empatia especial de uma determinada banda com o público determina o seu sucesso. Entretanto, Sirleide Aparecida Oliveira observa que o pagode baiano, como produto de consumo, representa uma

7 Conceito a ser desenvolvido no capítulo II deste trabalho.

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segmentação do competitivo e poderoso mercado da axé music, comandado por gravadoras multinacionais como a Polygram, Sonny, BMG, Warner e EMI, cujos estúdios e escritórios centrais se encontram no Rio de Janeiro e São Paulo. Deste modo, para uma banda de pagode chegar ao sucesso, além de artistas que saibam “rebolar”, é necessário um alto investimento de risco em divulgação e compra de espaços em emissoras de rádio e tv. Logo, não por acaso, bandas compostas por músicos negros de baixa renda e com baixo grau de escolaridade chegaram ao sucesso quando foram produzidas por grandes empresários ou por produtores já inseridos no mercado da música na Bahia (ALVES, 2003, p.129, 130).

Assim, pensamos nesse contexto não na fundação de uma prática de fãs, mas na

potencialização dessa prática a tal ponto que a performatividade dos fãs poderia provocar

outros modos de agenciamento discursivos que tencionam o sistema de valoração da crítica

musical. Voltando-nos especificamente para os cânones da música popular encontramos

alguns álbuns que foram e ainda são considerados “clássicos”. Mas o que faz deles especial

ou quem determinou as características que os distinguem das demais produções musicais no

contexto onde foram produzidos? Entrelaçando uma perspectiva sociológica e estética, Appen

e Doehring (2006) analisaram 38 listas de "Os 100 maiores álbuns de todos os tempos” e nos

apontam que o conteúdo do cânone bem como suas exclusões podem ser explicados pelas

posições sociais dos participantes, que em geral eram homens predominantemente brancos

com idade entre 20-40. Segundo eles, o cânone é influenciado também pelos esforços das

indústrias culturais, pois esses atores também podem avaliar alguns álbuns para efeitos de

distinguir-se do mainstream. Além disso, critérios estéticos e artísticos subjacentes à estima

das "obras-primas" são identificados através da análise de opiniões.

Cabe aqui ressaltar que esse poder discursivo, que legitimou alguns álbuns como “clássicos”,

pode produzir uma oposição entre o verdadeiro e o falso, aí poderíamos destacar a

“verdadeira” música e aquela sem qualidade e por isso “falsa”. Sobre as primeiras relações

entre arte e a produção de sua crítica no Brasil, Giron (2004) faz um estudo do início da

crítica musical no país entre os anos 1826 a 1861 analisando particularmente os cronistas

sobre óperas e espetáculos musicais no Rio de Janeiro. Segundo ele os textos eram feitos por

nomes que hoje são reconhecidos na literatura brasileira, assim, a fala sobre música não era

feita por especialistas, e apesar de tocar em assuntos algumas vezes supérfluos como os

ornamentos utilizados por uma cantora, ainda assim são importantes por sua memória

histórico-musical e por refletir sobre os costumes, hábitos e sobre o pensamento da sociedade

brasileira pós-colonial. No Brasil, o Primeiro Império (1822) e o Governo de Dom Pedro II

(1861), são analisados por o Giron (2004, p.16) como “momentos que testemunham a efetiva

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emergência da crítica e a necessidade do raciocínio estético no Brasil, com a emergência das

publicações literárias e musicais”.

Para o exercício da crítica, a liberação da imprensa, após a independência do país, é fato de

grande importância.

A crítica musical deve sua existência e progresso tanto ao acúmulo de saber teórico, científico e filosófico, quanto, sobretudo, à liberdade de expressão promovida pelos jornais a partir do início do século XVIII. Ela é gerada no nó perigoso que ata conhecimento e lazer, pedagogia e gênero. Desde o princípio, não se decide entre suas influências e é considerada uma atividade menor pelos intelectuais, que insistem em desprezá-la, por fácil, por transmitir informações com banalidade e excitar os instintos destrutivos do público em relação a reputações artísticas (GIRON, 2004, p. 44).

Como já ressaltamos, a crítica musical surge no Brasil, diferentemente da Europa, como algo

amadorístico feito por literários/literatos. Os autores eram escritores, jornalistas ou

intelectuais, que tinham a função de “líderes de opinião e entertainers” (GIRON, 2004, p. 16).

Como atividade amadorística e superficial ocupava os espaços menos importantes nos

folhetins da época, espaços no rodapé dos grandes jornais e revistas, ocupados por assuntos

variados (piadas, receitas, novidades, críticas de peças e livros, textos literários), um esboço

do que seriam hoje os segundos cadernos dos jornais diários (GIRON, 2004, p. 76).

“Raramente comparece na imprensa da época a crítica pura, voltada para a especulação

gnoseológica em torno da arte. O que aparece é uma impressionante série de anônimos, com

opiniões as mais subjetivas e pessoais” (GIRON, 2004, p. 17).

Assim, a crítica brasileira desenvolve-se atrelada a uma perspectiva de definição e formação

do gosto da sociedade somada a uma função recreativa, sendo a continuação do prazer dos

espetáculos ou, para aqueles que não tinham acesso a eles, seu substituto. A partir do meio da

década de 1840, crítica e análise se associam cada vez mais, na tentativa do desenvolvimento

de um saber mais objetivo e acadêmico (GIRON, 2004, p. 145), com tentativas de

racionalização e imparcialidade. Na década de 1870, começa a surgir “a imprensa

especializada e os diletantes tendem a minguar, os folhetinistas retiram-se para dar lugar aos

críticos musicais de profissão” (GIRON, 2004, p. 200).

No começo do século XX, com o desenvolvimento industrial e a multiplicação das

publicações impressas, o jornalismo cultural começa a tomar a forma que conhecemos hoje.

Esse crítico que surge no início do século XX, a partir do crescimento do mercado de

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produtos jornalísticos, continua a exercer influência não somente em seus leitores como

também entre os próprios artistas e intelectuais. Num estudo mais recente e já citado acima,

Appen e Doehring (2006) desde 1999 começaram a coletar listas de músicas que se

destacaram em cada ano, sendo considerados os melhores álbuns do ano pela crítica. Eles

recolheram listas de 1985 a 2004. Ao analisarem os resultados da seleção dos melhores

álbuns, eles a partir de uma perspectiva sociológica, levantaram as seguintes perguntas:

Regarding the above presented results, the following questionsarise for a sociological perspective: Which group of persons has made the choices thatyield these lists? Why are they making such choices, if we interpret this behaviour asmusical action in the above sense? We present some thoughts on social characteristicsand strategies of the participants in three subdivisions: ( a ) common dispositions, ( b ) identity – distinction and ( c ) influences of culture industries (APPEN e DOEHRING, 2006, p.24).8

Tais eleitores, segundo esses autores, buscam se distinguir dos ouvintes comuns e assim usam

critérios como distanciamento de razões comerciais e por isso rejeitam músicas compostas

para compor a trilha sonora de um filme, por exemplo, e investem o seu capital cultural 9nessas escolhas.

They invest their cultural capital, their knowledge of music, and change it into social capital on the market, which the canon represents to them. As they regard themselves as ‘experts’, the esteem of specific records serves to raise them above the ‘lay listeners’. From the assumed artistic hierarchy of the records emerges a social hierarchy achieved through distinction from the mainstream. (APPEN e DOEHRING, 2012, p.28). 10

No que diz respeito a critérios como autenticidade e qualidade artística esses especialistas

musicais podem inclusive ser influenciados por estratégias de marketing das gravadoras. A

influência da indústria cultural, mais uma vez é apontada como definidora do modo de

8Que grupo de pessoas tem feito às escolhas que produzem essas listas? Por que eles estão fazendo essas escolhas, se interpretar esse comportamento como ação musical no sentido acima? Apresentamos algumas reflexões sobre as características sociais e estratégias dos participantes em três subdivisões: (a) disposições comuns, (b) identidade - distinção e (c) influências de indústrias culturais (APPEN e DOEHRING, 2012, p.24). Tradução minha. 9Capital Cultural é um conceito cunhado por Pierre Bourdieu que se refere a sociedade e seus modos de identificação x diferenciação. Essa relação ocorreria a partir do privilegio ao acesso aos recursos: o capital econômico, o capital social (os contatos) e o capital simbólico (o prestígio) que juntos formam as classes sociais ou o espaço multidimensional das formas de poder. A aquisição de um ou mais desses capitais funciona como recurso de poder que equivale a um papel de destaque na sociedade. Na base fundamental desses recursos estaria o recurso econômico. Por isso o termo capital associado ao termo cultura. A posse de determinadas informações, aos gostos e atividades culturais atuariam dessa forma como critério de distinção social. 10Eles investem o seu capital cultural, o seu conhecimento da música, e os transformam em capital social no mercado, que o cânone representa a elas. Como eles se consideram “especialistas”, estima o específico de registros serve para levantá-los acima dos “ouvintes leigos”. Do artístico assumem a hierarquia dos registros e constroem uma hierarquia social alcançada através da distinção do mainstream. (APPEN e DOEHRING, 2012, p.28). Tradução minha.

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produção e formação de juízo estético. O processo de produção musical nesse cenário

funciona concomitantemente com as ações midiáticas como uma ação orquestrada que assim

interfere nessas constituições de critérios de escolha para as listas com melhores álbuns do

ano. Appen e Doehring (2006) afirmam que, “Só a música que foi gravada, distribuída e

divulgada têm chance de canonização”.

Nosso foco aqui é, nesse contexto da indústria cultural, entender/problematizar o lugar

ocupado pelos prosumidores, com o objetivo de contextualizar seu papel de constituidor de

sistemas valorativos de música a partir de um conhecimento não legitimado, mas

especializado por fãs conhecedores dos trabalhos produzidos pelos grupos de sua predileção.

Formando assim falas alternativas ao discurso dos “curadores” musicais tradicionais. A partir

da reflexão acima disposta, nos propomos a pensar a partir de agora nas reconfigurações dos

modos de julgamento crítico musical no pagode a partir do uso do canal YouTube.

Pretendemos discutir aqui, especificamente, a produção musical e a construção de sua crítica,

enquanto uma espécie de mediadora, nesse cenário de expansão tecnológica, e a

reconfiguração dessa hierarquia com a introdução dos prosumidores. A internet a partir de

canais de compartilhamento gratuitos como YouTube, tem possibilitado a constituição de

espaços alternativos de produção e veiculação, no que Jenkins (2009) chama de cultura

participativa. Importante ressaltar que nessa nova configuração comunicacional, a

participação não se dá de forma igual, mas apesar disso, no fluxo de produção de conteúdos,

particularmente no âmbito musical, tem possibilitado que consumidores/fãs possam também

expor suas próprias produções, numa visível autonomia quanto ao “tradicional expertise”.

1.2 AS CURADORIAS ARTÍSTICOS MUSICAIS E SEUS RITOS - TRADIÇÕES

INVENTADAS

Nossa hipótese aqui é que o YouTube bem como suas ferramentas estatísticas funcionam

como uma espécie de critério curadorístico. A utilização do “gostei”, “não gostei”, o número

de visualizações nas postagens, os comentários dos fãs nesse canal de compartilhamento

estabelecem juízo de valor, o que não significa que essa prática esteja fora do que Adorno

denomina de indústria cultural. Pelo contrário, é também a satisfação do desejo de

participação do consumidor, desse modo uma demanda também comercial. Fato que nos

remete a própria constituição do sentido de arte na indústria cultural. “A indústria cultural se

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desenvolveu com a primazia dos efeitos, da performance tangível, do particular técnico sobre

a obra, que outrora trazia a ideia e com essa foi liquidada” (ADORNO, 2009, p.09). Assim, a

indústria cultural é o lugar onde a arte se torna uma mercadoria e onde o sistema do mecenato

é extinto. O crescimento do capitalismo foi uma influência poderosa no desenvolvimento do museu como o lar adequado para as obras de arte, assim como na promoção da ideia de que elas são separadas da vida comum. Os novos-ricos, que são um importante subproduto do sistema capitalista, sentiram-se especialmente comprometidos a se cercar de obras de arte que, por serem raras, eras também dispendiosas. Em linhas gerais, o colecionador típico é o capitalista típico. Para comprovar sua boa posição no campo da cultura superior, ele acumula quadros, estátuas e joias artísticos do mesmo modo que suas ações e seus títulos atestam sua posição no mundo econômico (DEWEY, 2010, p.67).

O artista que antes era mantido por um mecenas e que por sua vez encomendava a obra que

seria única e com características moldadas pelo seu encomendador/mecenas, agora no

contexto da indústria cultural vive um contraditório modo de produção. Se por uma lado é na

indústria cultural e no modo de produção capitalista, que o artista passa a ter autonomia

criativa é também aí que segundo Adorno se pode encontrar a padronização ou a produção da

mesmice na cultura. Dewey (2010) chama atenção para o fato de que é nesse momento onde a

indústria se mecanizou, que o artista precisa se distinguir desse modo de produção de massa, o

que resulta num meio de trabalho de “expressão pessoal”. Aí temos acentuada a contradição

acima citada, na cultura midiática, para um artista ter um estilo ou uma característica

marcante, seria algo de grande valia, pois seria isso que o tornaria conhecido ou que

conquistaria um determinado público, fato que Adorno afirma que seria a imposição de um

modo único de se fazer arte.

A substituição da “encomenda” do mecenas pelo patrocínio econômico que segue a ordem de

um determinado mercado mundial, interferiu não somente no modo de produção artística,

como também nos modos de recepção dessa arte, em sua fruição como em sua valoração

estética. Segundo Dewey (2010), nesse novo modo de produção de arte na sociedade

moderna, ocorre um distanciamento ainda maior entre quem produz e quem consome, “[...] no

sentido de também criar um abismo entre a experiência comum e a experiência estética”

(DEWEY, 2010, p.69). O que pode representar um indício de massificação.

É na indústria cultural que a arte se transforma numa mercadoria onde os artistas passam a

produzir em função de uma ordem econômica. Dewey (2010) acrescenta que é nesse contexto

onde se intensifica o fato de indivíduos de classes econômicas mais favorecidas consumirem

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produtos artísticos como uma forma de distinção social. E se essa arte se distancia cada vez

mais da vida cotidiana gerando um modo de experiência estética que algumas vezes exige a

presença de um especialista que traduza a obra para os indivíduos comuns que podem adquirir

a partir daí o que Bourdieu (2001) denomina de capital cultural. O bom gosto cultural passa a

ser uma moeda de troca valiosa. Bourdieu (2001) afirma que, “Todo ato de produção cultural

implica na afirmação de sua pretensão à legitimidade cultural” (BOURDIEU, 2001, p.108).

Desse modo, ao mesmo tempo, que encontramos na indústria cultural uma produção que

busca contemplar uma “diversidade” de gostos, temos também meios valorativos que

distinguem a relevância de cada produto nesse contexto. Assim, no cenário musical

especificamente, a diversidade de sua produção é algo que é previsto pelo conceito de

indústria cultural. Adorno (2009) ressalta que esse modo de produção observa a diferença de

modo que todos os consumidores possam comprar. “Para todos, alguma coisa é preparada”

(ADORNO, 2009, p.35). Adorno tem seus estudos voltados para a produção da arte em si no

contexto da indústria cultural e não necessariamente para os modos de recepção dessa arte e

muito menos com as possibilidades de fruição estética que a modificam.

Ao passo que ele desconsidera possibilidades desse público estabelecer alguma profanação

(conceito do qual trataremos mais tarde) quanto a essa arte, o autor indica algo caro ao nosso

presente estudo que é o surgimento de um lugar de fala sobre essas produções artísticas,

temos então o surgimento dos curadores de arte na indústria cultural, eles funcionam como

uma espécie de filtro quanto ao que possui validade ou descredita aquilo que consideram de

valor inferior. “Mesmo no mercado, a homenagem à qualidade, ainda não traduzível em valor

corrente, se transformara em poder de compra. Por ela, dignos editores literários e musicais

podiam se ocupar de autores que não rendiam muito mais que a estima dos especialistas”

(ADORNO, 2009, p.15).

Nesse contexto de intensificação dos modos de produção da indústria cultural também no

âmbito artístico, quanto ao pagode baiano, podemos ressaltar que o formato que ele assume

hoje se deve em grande parte ao desenvolvimento da indústria fonográfica que provoca o

deslocamento do sucesso dessa música dos eventos festivos nas ruas para espaços criados com

a finalidade de agregar públicos de grupos musicais, numa mostra da especialização do modo

de se produzir festas. Nascimento (2012) assinala que na Bahia isso também é fruto de um

processo de reafricanização do Estado.

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Esse processo de deslocamento do sucesso da música baiana dos aglomerados festivos das multidões nas ruas, como os batuques e rodas de samba, para outros espaços de massas urbanas no cenário contemporâneo começa a se intensificar no final da década de 1980 ganhando uma dimensão espetacular com o desenvolvimento da indústria fonográfica na Bahia, na década seguinte, bem como com a profissionalização do Carnaval, transformações propiciadas pela indústria cultural a partir do advento de reafricanização da Bahia, na década de 70, e da “axé music”, nos anos 80 e 90, um período, segundo Godi (1997, p.81), no qual acontece “a passagem de um sentido social de multidão para um sentido social de massa (NASCIMENTO, 2012, p.47).

Desse modo podemos inferir que a música pode ser um campo discursivo, como afirma Alves

(2003), quando propõe uma reflexão sobre a “experiência” do samba na Bahia, suas práticas

corporais associadas, raça e masculinidade. O autor estudando a atual constituição do samba

na Bahia como pagode baiano, entende essa “música” não apenas a partir de seus aspectos

musicológicos, mas também imbuído de sentidos culturais compartilhados coletivamente

através do que se canta, do que se dança e do que se vê.

[...] o pagode baiano é uma música resultado de ações humanas intencionais, observáveis, performadas, passíveis de inscrição textual e musicológica e, muito importante, existe como experiência musical cujos sentidos são particulares e compartilhados entre sujeitos determinados. Músicos, produtores e público comungam uma linguagem, uma maneira de falar de si e dos outros, da música e da natureza do trabalho de quem canta, toca e dança (ALVES, 2003, p.146-147).

Inserido na indústria cultural e ao mesmo tempo uma construção social que impulsiona a

formação de comunidades como as dos fãs, o pagode tem seus próprios critérios musicais

constitutivos e que geralmente são desconsiderados pela crítica especializada. Não é nosso

objetivo discorrer sobre uma genealogia do pagode e muito menos quanto à história da

curadoria artística chegando ao surgimento da crítica musical, mas buscar entender sua função

no mundo artístico a partir de uma fala autorizada, a fim de investigar novos modos de

apropriação da crítica musical feita por fãs do pagode no espaço virtual da internet na

plataforma digital do YouTube. O pagode antes de se constituir como um estilo bem sucedido

no mercado e com grande público, teve esse termo usado para outros fins. Alves (2003)

citando Oliveira (2001) chama atenção para o fato de que, [...] no início dos anos 1970, o termo pagode reapareceu no Rio de Janeiro para designar as reuniões promovidas por sambistas de partido-alto. Estas reuniões eram uma reação e um protesto contra as transformações das escolas de samba que, com a chegada do carnavalesco, transformaram-se em espetáculos estranhos ao mundo comunitário do samba (RODRIGUES, 1984), assim como eram também um protesto contra o modelo de comercialização do samba imposto pela indústria fonográfica, que desprezava os elementos considerados tradicionais do samba carioca e investia num samba com compasso padronizado (OLIVEIRA APUD ALVES, 2003, p.118 e 119).

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O autor explica ainda que o “desgaste” deste movimento ocorre quando aparece no cenário

musical, com grande sucesso, a música sertaneja, a lambada e a axé music, segundo ele,

modas musicais produzidas pelo fluxo deliberado da indústria fonográfica. A partir daí, este

pagode carioca teria se recolhido aos seus ambientes originais apesar da visibilidade

conseguida por nomes como Bezerra da Silva. E é nesse contexto, que Alves se aportando em

Oliveira, afirma que surgiu o “novo pagode”, um movimento musical que agregava

empresários da indústria fonográfica e jovens, em sua maioria negros e mestiços da periferia

de cidades como São Paulo, Uberlândia/MG, Rio de Janeiro e Salvador. O que antes eram

rodas de sambas informais ou bailes de periferia, com a atuação de empresários, se

transformam sonora e visualmente, com a inserção inclusive de instrumentos como bateria,

guitarra, baixo e teclado. Como exemplo disso e pioneiramente atuante desse modo em

Salvador, temos o “Gerasamba”, que depois passou a ser o “É o Tchan”. O grupo que já

atuava em bailes e festas populares da cidade durante dez anos só posteriormente passou a ter

visibilidade na mídia, Desde então, surgiram inúmeros grupos ou bandas de pagode em Salvador, em bairros periféricos e negros, reproduzindo a mesma fórmula de sucesso: um vocalista atraente, com corpo musculoso, com domínio de público e que saiba requebrar bem. Um trio de dançarinos, normalmente um rapaz negro, uma mulher loura natural ou tingida e outra negra, e um conjunto musical que incluía teclados, guitarra, baixo, cavaquinho, bateria e percussão (surdo, congas, timbaus, pandeiro). Atualmente, as bandas incluem também instrumentos de sopro que roubaram o destaque dos teclados. Além disso, poucas bandas ainda trazem trio de dançarinos. Todas as bandas cantam normalmente o mesmo repertório, cujas letras são facilmente assimiláveis, lascivas, não-românticas, sexistas e racistas. Feitas para dançar, descrevem passos de dança marcados pelas batidas da bateria do rock (ALVES, 2003, p. 120).

Sobre a construção do pagode na Bahia, Nascimento (2012) também destaca a segmentação

do mercado fonográfico e o florescimento do samba em múltiplos contextos. “É nessa

transversalização entre o “samba identidade nacional”, ritmo elevado à condição de expressão

genuinamente brasileira, e a música urbana das massas que o pagode emerge, na década

seguinte, como uma releitura à moda baiana” (NASCIMENTO, 2012, p.45).

A pouca presença dessa produção na crítica musical especializada ou mesmo discursos que

afirmam o pagode enquanto distorção da cultura tradicional são estratégias discursivas de

cunho estético. Argumentos como falta de educação adequada à população se constitui num

discurso crítico que tende a “pensar o termo “estética” como adequado exclusivamente às

artes maiores, como se a própria noção de estética popular fosse uma contradição de termos”

(SHUSTERMAN, 1998, p.103). A inexpressiva presença do pagode na crítica musical,

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composto basicamente pelo jornalismo especializado, supõe um não credenciamento estético

do pagode. Este fato é entendido por Shusterman (1998) como uma das acusações feitas à arte

popular. Mas por trás dessas acusações de mercantilismo e manipulação, encontramos protestos essencialmente estéticos. A crítica não se limita simplesmente ao fato de que a arte popular vise ao lucro (pois as artes maiores também o fazem), mas que, com o intuito de ser lucrativa, “ela precise criar um produto homogêneo e padronizado que interesse um público de massa”, sacrificando, assim, os objetivos rigorosamente estéticos da expressão artística pessoal para vender-se ao gosto da maioria. Trata-se de uma acusação estética contra a criatividade, a originalidade e a autonomia artística da arte popular (SHUSTERMAN, p.105, 1998).

A articulação entre saber e poder é importante nesse sentido, pois desmitifica argumentos

essencialmente político/estético empregados quanto à cultura popular. A potencialização de

novas narrativas, constituídas de modo fragmentado e desterritorializado é observado por

Canclini (1990) não apenas como legado restrito a produção artística mas também ao modo

como temos nos organizado social e politicamente. O autor ao tratar das lógicas das culturas

populares, sua recepção e o consumo de bens simbólicos ressalta a hibridação cultural como

articuladora de produtos culturais fronteiriços e exercedor de importante papel no processo de

desenvolvimento político. Para ele os vínculos entre cultura e poder não são verticais e

portanto, passíveis de observação quanto “as consequências políticas que decorrem da

passagem de uma concepção vertical e bipolar das relações sociopolíticas para outra

descentralizada e multideterminada” (CANCLINI, 1990, p. 345).

Canclini (1990), ao analisar a cultura na América Latina levando em conta a complexidade de

relações que a configuram na atualidade – afirma que as tradições culturais coexistem com a

modernidade que ainda está por se consolidar. Usando a metáfora do videoclipe ele afirma aí

uma manifestação híbrida que nasce da intersecção entre o culto e o popular. Canclini (1990)

desessencializa, assim, tanto a ideia de uma tradição autogerada, construída por camadas

populares, quanto à noção de arte pura ou arte erudita. A linguagem paródica, acelerada e

descontínua do videoclipe representa, para ele, a ruptura das ordens convencionais de

diálogo/justaposição entre as duas noções tradicionais de cultura. Essas rupturas e

justaposições resultam em outro tipo de organização dos dados da realidade.

Nessa complexidade de relações, buscamos encontrar e compreender um possível surgimento

de um entre lugar que desestabilize um sistema de valoração institucionalizado para constituir

práticas que estabelecem profanações na crítica musical especializada. Como já dissemos

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anteriormente, em geral tanto a produção do pagode baiano bem como sua divulgação, é

perpassada pelo uso de canais alternativos à imprensa tradicional. Nascimento (2012) ao

mencionar a identificação do pagode como um gênero menor quando o pagode é analisado

num contexto mais amplo da música produzida na Bahia, apresenta a fala de um músico sócio

fundador de uma banda de pagode da Bahia, segundo ele, seria uma das bandas que mais se

destaca nesse segmento:

Nós temos cerca de dez CDs piratas que foi o que projetou a gente, espalhou mesmo. Só temos um CD oficial. O primeiro deles ficou entre os mais ouvidos... Hoje temos mais facilidade para gravar; as coisas são mais fáceis em termos de gravação. Porém, a mídia ainda não abraçou o nosso projeto completamente. A mídia tem certa discriminação como nosso projeto. Acho que é porque é música de periferia entende? Música de pessoas de nível baixo, de negro e de pobre. Quer dizer, não dizendo que as pessoas de nível alto não gostam, não frequenta(m) os shows, mas a maioria dos frequentadores é de nível baixo. Se você for numa periferia dessas aí, você vai ouvir um CD de pagode tocando (NASCIMENTO, 2012, p.58).

A fala citada acima de uma entrevista realizada pelo próprio pesquisador em oito de janeiro de

2009 revela especialmente os tipos de rotulação e juízos de valor atribuídos ao pagode. Para

desenvolver nossa pesquisa deveremos observar alterações nesses discursos tentando

encontrar um possível encolhimento aurático das experiências estéticas e a emergência do que

podemos primariamente denominar de pequenas “crises” na institucionalidade oficial da

crítica musical. Nesse sentido, para fins de composição do corpus de análise, usaremos os três

grupos musicais que tocam o pagode baiano, já citados acima que voltamos a destacar:

Harmonia do Samba (1993), Sanbone Pagode Orquestra (2009), e EdCity.

1.3 PROSUMIDORES: FÃS E OS NOVOS MODELOS DE OBTENÇÃO DE

INFORMAÇÃO MUSICAL

A fim de aprofundar a reflexão sobre quem são esses prosumidores nos grupos musicais

acima especificados e de que modo realmente estabelecem tencionamentos na hierarquia do

juízo crítico musical, cabe aqui traçarmos, ainda que preliminarmente, uma caracterização

desses fãs a partir de suas práticas de apropriação cotidiana das produções musicais dos

grupos de pagode baiano, já especificados acima. É na observação do modo como se

comportam, ou melhor, de seus compartilhamentos virtuais, suas postagens e

autocaracterização no canal YouTube, que podemos tentar entender o modo como o valor

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afetivo das produções em questão possibilitam a construção de uma curadoria alternativa à

crítica musical autorizada.

Pensando a atuação dos fãs a partir de uma lógica de resistência e poder, Sandvoss (2013)

conceitua os fãs do seguinte modo,

Em oposição à abordagem normativa de Fiske, portanto, defini fã como o engajamento regular e emocionalmente comprometido com uma determinada narrativa ou texto. Esses textos, por sua vez, atravessam diferentes mídias como livros, programas de televisão, filmes ou música, assim como textos populares em um sentido mais amplo, como times esportivos, ícones e estrelas populares que variam entre atletas, músicos e atores (SANDVOSS, 2013, p.9 e 10).

O autor nos possibilita pensar nos fãs como pessoas que têm em comum não necessariamente

o consumo de um produto, mas o uso que fazem do produto consumido, uso que pode ser

subversivo quando escapam da disciplina social para o qual se foi construído tal produto.

[...] para a indústria cultural, o que fazemos com textos e produtos após o ato da compra é, em última instância, de pouca relevância. A maneira como usamos o jeans ou nos envolvemos com as fontes simbólicas da cultura popular, contudo, exerce um profundo impacto sobre o ambiente social e cultural e as relações interpessoais. As implicações das formas de poder e empoderamento no fandom estão, portanto, em primeiro lugar, situadas no microcampo do consumo midiático, na esfera privada e doméstica. Nesta esfera, que naturalmente tende a ser homogênea em termos de classe, o gênero constitui o marcador mais importante das relações assimétricas de poder (SANDVOSS, 2013, p.13).

Os fãs que estamos nos propondo a estudar apresentam-se no YouTube tanto com um nome

próprio e uma foto pessoal como também usam nomes de produtoras como “Fuba Show

produções” ou ainda uma palavra inexistente como é o caso de alguém que parece ter digitado

aleatoriamente letras do alfabeto “cayabdf ”. Na foto do perfil observamos as mais variadas

possibilidades de imagens como o escudo de um time, um desenho animado ou nenhuma

imagem. Para poder compartilhar vídeos ou postar comentários no YouTube facilmente pode

ser criado um perfil onde o usuário pode fazer upload do que preferir sendo imagens de sua

autoria ou não. No canal de cada usuário é exigido que a pessoa coloque poucos dados de

identificação como um “username” ou e-mail.

O fato dos fãs não terem a obrigatoriedade de expor um perfil com informações verídicas não

inviabiliza nosso estudo uma vez que nos interessa perceber no uso que os fãs do pagode

baiano fazem desse canal, elementos como variação interativa, diferenças de usos e modos de

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autocaracterização. Assim, nesse estudo nos propomos a complexificar os agenciamentos

simbólicos e de narrativas no YouTube não os entendendo apenas enquanto meios

multiplicadores ou constituidores de discursos ou de novos lugares de fala, problematizando

também os jogos de tensão estabelecidos no contexto dessa cultura de fãs no meio virtual e a

reconfiguração da relação fã/produtor na música popular massiva11.

Para isso, importante pensar se de fato esse fã exerce algum tipo de poder valorativo. A partir

do explicitado acima tornamos evidente a crença em que esse novo contexto técnico-cultural

para os sistemas valorativos musicais pode sim apresentar possibilidades de profanações na

hierarquia da crítica musical, mas cabe ressaltar que os níveis de possibilidades que surgem aí

são distintos, alguns lugares de fala institucionais são mantidos, no entanto modos

desvirtuadores de usos convencionais da crítica musical, e a dimensão cultural da tecnologia

potencializam a disputa valorativa no âmbito do simbólico.

Uma ordem cultural se estrutura a partir do material que também está atrelado ao social e

simbólico. Numa cultura temos um esquema simbólico que produz uma dimensão

institucional e política. É na cultura que podemos encontrar as políticas de reconhecimento e

diferenciação social. A música enquanto um produto, criado com finalidades de consumo e

consequentemente de identificação, possui certo valor simbólico e que por esse motivo,

acrescenta ao fruidor dessa obra um caráter de distinção quanto às relações sociais. Os

sentidos dessa produção de linguagem, bem como os novos agenciamentos criados a partir

dos usos realizados pelos fãs, que estabelecem relações numa determinada comunidade virtual

a partir de suas preferências, provocam reconfigurações quanto às possibilidades de fruição de

materialidades do conteúdo musical a partir do ambiente virtualizado.

Nesse sentido, os estudos dos autores Certeau (1998) e Kerckhove (2009) nos ajudam a

pensar num fã/fruidor, que já conceituamos como prosumidor, que pode realizar “operações”

quanto ao falar sobre música num espaço virtual, ressaltando-se aí mais uma vez que é uma

11A expressão “música popular massiva” refere-se, em geral, a um repertório compartilhado mundialmente e intimamente ligado à produção, à circulação e ao consumo de músicas conectadas à indústria fonográfica. Esse adendo permite a compreensão de que, apesar de popular, a música massiva, pelo menos em sentido estrito, passa pelas condições de produção e reconhecimento inscritas nas indústrias culturais (CARDOSO e JANOTTI, 2006, p. 12).

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música sobre a qual a crítica especializada dá pouco espaço e num espaço que

tradicionalmente não é utilizado para visibilizar e discutir musicalidade, sabendo que há

espaços mais específicos na internet para isso, como o Myspace e Palcomp3. Vamos

continuar usando o conceito de dispositivo sugerido por Agamben (2009), que já expusemos

acima, buscando contrapor perspectivas quanto ao consumo e estratégias de usos

(significações/ressignificações) dos dispositivos dessa pesquisa que são o canal de

compartilhamento gratuito – YouTube e a crítica musical especializada.

O pensamento de Certeau (1998) é relevante por ele reconhecer e distinguir “maneiras de

fazer” no sentido de pluralizar modos de usos e consumos, o que nos possibilita pensar em

desvios estabelecidos por esse consumidor em suas práticas cotidianas. Assim, para Certeau

(1998), o que essas pessoas fazem com os produtos que consomem, não é algo somente no

âmbito do previsto, mas cabe ainda a pergunta, o que eles fazem com isso? Depois dos trabalhos, muitos deles notáveis, que analisaram os “bens culturais”, o sistema de sua produção, o mapa de sua distribuição e a distribuição dos consumidores nesse mapa, parece possível considerar esses bens não apenas como dados a partir dos quais se pode estabelecer os quadros estatísticos de sua circulação ou constatar os funcionamentos econômicos de sua difusão, mas também como repertório com o qual os usuários procedem a operações próprias. Sendo assim, esses fatos não são mais os dados de nossos cálculos mas o léxico de suas práticas. Assim, uma vez analisadas as imagens distribuídas pela TV e os tempos que se passa assistindo os programas televisivos, resta ainda perguntar o que é que o consumidor fabrica com essas imagens e durante essas horas (CERTEAU, 1998, p.93).

Para o autor, os produtos disponibilizados aos consumidores seriam reflexo da ordem

dominante ao quais esses sujeitos estariam subjugados. Mas dentro das opções oferecidas é

possível ao consumidor manipulações que extrapolem a delimitação original dos seus

fabricantes. Assim, o que se chama de “vulgarização” ou “degradação” seria um modo

caricaturado das maneiras como esses praticantes fazem uso dos produtos disponibilizados.

Ressaltando aí, as relações de força que perpassam essas operações. “... Elas circulam, vão e

vêm, saem da linha e derivam num relevo imposto, ondulações espumantes de um mar que se

insinua entre os rochedos e os dédalos de uma ordem estabelecida” (CERTEAU, 1998, p.97).

Tal reflexão nos permite pensar que a atuação dos fãs do estilo musical pagode no contexto

específico da internet - YouTube – se por um lado, explicita novas possibilidades de

visibilidade e divulgação musicais, rompendo com os meios tradicionais dos meios de

comunicação de massa, por outro lado, assume uma característica de legitimador artístico, nas

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instâncias de reprodução e consagração. Nesse sentido, no cenário aqui apresentado da

produção musical no meio virtual, o paradigma da legitimação do tradicional expert não se

configura numa posição inquestionável.

O tradicional consumidor que agora também se faz co-produtor, e como já afirmamos acima,

denominado por Kerckhove (2009) como prosumidores, ao passo que questiona papeis sociais

como o do especialista em gravar vídeos, daquele que era autorizado para construir uma

narrativa a partir de um show, ele também pode ratificar ou reproduzir discursos elaborados no

interior de uma lógica de mercado. Assim, o motivo do sucesso do YouTube pode ter entre suas

respostas a demanda de um consumidor/produtor que anseia por ser visto. Mas também não

podemos deixar de levar em conta que nossos desejos e demandas que acreditamos ser

individuais estão intimamente relacionadas com a produção cultural vigente.

A preocupação de Certeau (1998) não se passa no sentido de descobrir os porquês de um

determinado consumo, mas sim o de distinguir modos de usos a partir desse consumo. Nesse

aspecto, Kerckhove (2009) comunga do interesse pelo estudo das pessoas sob a influência da

inovação tecnológica, voltando-se especificamente a determinadas condições psicológicas

desses sujeitos. Herdeiro intelectual de McLuhan, ele pensa em como as inovações

tecnológicas se constituem em expansões das competências humanas e quanto ao nosso

presente objeto de estudo que são os dispositivos, acima especificados, que possibilitam a

participação do público ordinário de música na construção de narrativas a partir de imagens

produzidas/postadas no YouTube, esse autor chama atenção para a convergência da televisão e

do computador, A convergência de ambos oferece uma possibilidade nova, sem precedentes: a de ligar indivíduos com as suas necessidades pessoais e mentes coletivas. Esta nova situação é profundamente criadora de novos poderes; tem repercussões sociais, políticas e econômicas. Irá alterar as mudanças e adaptações na cena geopolítica assim como na sensibilidade privada de todos (DERRICK, 2009, p.72).

E é nessa conjuntura dos telecomputadores, como ele denomina a união da televisão e do

computador, que Kerckhove (2009) sugere que ocorre mudança do controle do

produtor/emissor para o consumidor/usuário. “Tomando o sistema nervoso humano como

ponto de partida, faz muito mais sentido privilegiar as comunicações que permitem um

feedback instantâneo do que tagarelar a realidade com balas feitas de notícias, anúncios e

serviços” (DERRICK, 2009, p.79). E é nessa possibilidade de “usos” do consumidor, que

encontramos um ponto de encontro entre Certeau (1998) e Kerckhove (2009) e que nos ajuda

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a pensar quanto ao objeto de pesquisa proposto, que já preliminarmente expusemos –

profanações na “curadoria” musical de fãs através de suas imagens postadas no YouTube.

A partir dos pressupostos desses autores e de nossas observações podemos afirmar que esses

sujeitos que antes se restringiam a um grupo de consumidor musical, têm saído das margens

invisíveis da cultura popular para ser o centro das reflexões atuais sobre produção e consumo

de mídia. No meio musical, esse novo produtor pode fazer vídeos caseiros, gravações piratas

da TV, registro de shows ou simplesmente reproduzir um vídeo que goste, feito por emissoras

tradicionais de TV, dentre outras possibilidades. As comunidades de fãs tornam-se assim,

uma espécie de “produtores culturais”, promovendo composições de um grupo musical,

divulgando seus shows e compartilhando seus registros particulares audiovisuais de shows

com outras pessoas que apreciem tal estilo musical. Ocorre dessa forma, uma transformação

nos fazeres de produção musical e nas estratégias de mediação público/artista.

Importante ressaltar que nessa nova configuração comunicacional, a participação não se dá de

forma igual, mas apesar disso, no fluxo de produção de conteúdos, particularmente no âmbito

musical, têm possibilitado que consumidores/fãs possam também expor suas próprias

produções, numa visível autonomia quanto ao tradicional “expertise”. Quanto a essa

“autonomia” podemos aí destacar diferenciações, quanto aos usos, feitas por Certeau (1998)

que pensando nas práticas de consumo recorre à categoria de trajetória procurando evidenciar

não o produto utilizado nas práticas de consumo, que seria aquilo que é distribuído

uniformemente a todos, mas sim o movimento ou a atividade do “fazer com”.

A formação de uma comunidade de fãs ao passo que agrega pessoas que possuem um gosto

musical semelhante e que buscam ratificá-lo no ambiente da internet se estabelece também

num local de contradições, pois em geral os vídeos disponibilizados no YouTube possuem

visualização pública e que são abertos para comentários de qualquer usuário. Assim, o olhar

do outro, assume um papel de relevância para a afirmação de um “eu” ou mesmo de um “nós”

caso se pretenda afirmar uma coletividade. Esses usos podem constituir também uma

identidade12, no sentido de identificação, promovendo uma prática que envolveria o consumo

12“A cultura é, portanto, um campo de disputa permanente, de contenção, resistência, distorção, incorporação, negociação e recuperação, ela é parte de várias forças determinantes. Os meios de comunicação de massa são os espaços de práticas culturais das sociedades contemporâneas para a construção, negociação e afirmação de identidades. Nesta perspectiva, os produtos culturais veiculados de forma massiva são agentes da reprodução social fundamentais na construção da hegemonia. Partindo deste pressuposto, podemos pensar que os rótulos funcionam como microcosmos da cultura, lugares de disputas e

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e também o modo de produção. A construção de artefatos culturais a partir dessa perspectiva,

poderíamos dizer que está permeada pelos aspectos econômicos, por uma prática de afirmação

de identidades e autenticidades num processo onde os produtos tornam-se extensão dos

indivíduos que os usam.

Os produtos estariam dessa forma sendo indiciadores simbólicos de categorias como status

social, bom gosto, valoração e rotulação entre outras. Nesse sentido, especificamente no

cenário musical pensamos a comunicação promovida pelo YouTube como uma rede de

relações interativas dos interlocutores entre si e com o material simbólico aqui estudado – a

música, o que engendra os mais variados tipos de construção e disseminação de discursos. As

imagens produzidas pelos fãs tendo seu estudo centrado nos pressupostos acima discorridos

elaboram o pensar quanto aos processos constitutivos do fazer curadoria/crítica musical a

partir de um canal de compartilhamento digital. Insere ainda as imagens produzidas pelos fãs

no contexto das condições de produção que envolve internet (locus), câmeras (técnica), TV

(linguagem) e suas dimensões culturais. A produção imagética realizada pelos fãs e

veiculadas nas comunidades virtuais a partir do YouTube potencializa articulações simbólicas

como mostrar aos demais fãs o local privilegiado de onde foi feito o vídeo, como por exemplo

um camarote – lugar de destaque nos eventos musicais e também ressalta certos prazeres

estéticos e identitários.

Nossa problemática perpassa assim, os modos como os aspectos simbólicos envolvidos no

processo de curadoria musical feita por fãs do estilo musical pagode no YouTube pode

possibilitar diferentes tipos de deslocamentos. Buscando complexificar a análise a partir da

compreensão de termos de um lado, indivíduos com potencial imaginativo que engendra um

processo de atualização a partir do que lhe é imposto enquanto público ou expectador. E por

outro lado investigar esses mesmos sujeitos construindo falas que fogem à lógica de uma

reprodução discursiva ou apenas pluralizam falas já engendradas no interior de uma cultura

musical do consumo massivo.

Não é nossa intenção investigar esses contrastes de modo a escolher um dos argumentos

excluindo a possibilidade de coexistência de realidades díspares. Ao contrário, é

tensões. Ele é um classificador do consumo da cultura popular massiva e evidencia esta tensão hierarquizando as posições dos produtos culturais” (2011, GUMES, p.10, online).

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contextualizar esses sujeitos na sociedade contemporânea de elogio ao consumo e aos modos

de visibilizações de identidades entendendo que a produção de vídeos amadores provoca uma

ruptura, mesmo que momentânea, com a vida ordinária, não sendo necessariamente uma

reinvenção do “si”, mas que pode ser entendida como a constituição de um “lugar” de fala.

Nesse sentido, Jenkins (2006) defende um conceito de convergência que não se resume a um

conglomerado de funções tecnológicas unidas num mesmo aparelho, mas essa convergência

seria de fato uma transformação cultural. “A convergência não ocorre por meio de aparelhos,

por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de

consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2006, p.30).

Assim, nessa cultura o consumo seria um processo coletivo. A facilidade de acesso à

produção audiovisual tem incentivado a pessoas comuns a expor suas experiências estéticas e

as novas mediações engendradas entre público e produtor deverá ser pensada como uma

composição complexa e cultural, onde deveremos nos ater numa reflexão que busque estudar,

como forças por vezes contraditórias, se interligam num mesmo contexto comunicativo, a

partir da exposição possibilitada pela internet. A partir desses pressupostos retomamos as

nossas questões preliminares de pesquisa e questionamos, nesse lugar fronteiriço em que

medida as produções audiovisuais dos fãs do estilo musical pagode, postados no canal de

compartilhamento gratuito YouTube, constituem uma nova curadoria musical virtual tornando

esses fãs “poderosos” diante da crítica musical institucionalizada. Nossa intenção é que o

aprofundamento tanto conceitual quanto aos grupos de pagode destacados para o estudo, a

partir da perspectiva cultural, ocorra de modo articulado e ao longo dos três capítulos.

Após esta reflexão sobre a mediação exercida pela crítica especializada em música e as

possíveis “crises” na hierarquia da crítica autorizada através da atuação dos fãs prosumidores

no YouTube, bem como a re/configuração de usos de aparatos tecnológicos no ambiente

virtual usando como método analítico um dos critérios de interdição de Foucault (2012),

partiremos para o estudo do YouTube enquanto dispositivo que possibilita a constituição desse

novo lugar de fala da crítica musical amadora, no capítulo II, interpretando o modo como

essas produções desestabilizam ou não valores discursivos da crítica musical mais

especificamente o jornalismo especializado.

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CAPÍTULO II

ONDE SÃO CONSTRUÍDAS AS CURADORIAS MUSICAIS ALTERNATIVAS13

2.0 O MEIO E A MENSAGEM: COMUNIDADES VIRTUAIS COMO NARRATIVAS

DE UMA CULTURA

A partir do segundo critério da interdição sugerido por Foucault (2011), ritual da

circunstância, esse capítulo se propõe a descrever e interpretar o lugar onde as falas dos

prosumidores são construídas e compartilhadas, mais especificamente analisar o contexto

virtual com suas possibilidades de ampliação de falas ordinárias sobre a música nos

aprofundando no canal de compartilhamento gratuito YouTube a fim de estudar a constituição

de espaços alternativos de produção e veiculação, no que Jenkins (2009) chama de cultura

participativa. Nesse sentido, quanto à proposta de estudo deste capítulo, o YouTube e os novos

aparatos móveis tecnológicos, de produção e armazenamento do audiovisual, são estudados

como dispositivos que promovem profanações14 na crítica musical especializada a partir das

práticas de comunidades de fãs.

Se a crítica musical, contextualizada na indústria cultural, a partir de plataformas digitais

gratuitas possibilitam uma desvirtuação ou profanação na hierarquia curadorística da crítica

musical precisamos compreender também essa transformação sob o viés da proliferação e

popularização de câmeras digitais e do uso do canal YouTube enquanto um modo de

incorporação da cultura audiovisual pela cultura dos fãs, a partir do deslocamento da

produção de cultura apenas em meios presenciais, como shows musicais, para o uso de meios

técnicos especializados aqui entendidos como dispositivos15. Esses agenciamentos podem ser

feitos a partir das próprias categorias estabelecidas pelo suporte técnico do YouTube, com uso

13John Downing ao identificar as práticas de mídia alternativa – para ele mídia radical alternativa – a conceitua como uma constante histórica que perpassa a realidade de diferentes países em distindos momentos históricos.O autor entende a mídia radical como aquela que “... tem a missão não apenas de fornecer ao público os fatos que lhe são negados, mas também pesquisar novas formas de desenvolver uma perspectiva de questionamento do processo hegemônico e fortalecer o sentimento de confiança do público em seu poder de engendrar mudanças construtivas (Downing, 2002, p. 50). 14 O conceito será melhor explorado mais adiante no texto. Adiantamos que é um termo usado por Agamben (2009) como uma estratégia possível no nosso corpo a corpo com os dispositivos para a liberação do que foi capturado e separado por meio dos dispositivos. Seria a restituição ao uso comum de alguma prática antes sagrada. 15 Dispositivo, é definido como “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2009, p.40).

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de descrição do vídeo, comentários, tags, exposição do número de visualizações entre outras.

Tais categorias criadas originalmente para outros fins, mas tendo funções

atualizadas/reatualizadas pelos fãs que constituem uma espécie de memória virtual de seu

grupo musical predileto.

O YouTube, no que diz respeito à circulação e interação com o público dos três grupos que

nos propusemos a estudar, tem uma função importante na constituição de juízos valorativos

nas distintas propostas musicais dos grupos de pagode baiano a ser estudada por nós. Criado

em Fevereiro de 2005 por dois ex-funcionários do eBay, Steve Chen e Chad Hurley

(FORTES, 2006), o YouTube funciona como um banco de produtos audiovisuais. O objetivo

inicial dos criadores era possibilitar às pessoas compartilharem seus vídeos de viagens, no

entanto o site tornou-se um portal de vídeos com funções que extrapolaram a ideia inicial.

YouTube vem do inglês you: você, e tube -tubo, ou, no caso, gíria utilizada para designar a

televisão. Assim, o YouTube é um serviço online de vídeos, onde os usuários podem

gratuitamente fazer upload de vídeos, compartilhá-los, produzi-los e publicá-los em formato

digital através de web sites, aparelhos móveis, blogs e e-mails. Além disso, possibilita

participação em comunidades e canais, em que seus usuários podem se inscrever e obter

vídeos de seu interesse. Através de programas específicos para o YouTube, é possível ainda

fazer download de vídeos para o computador. Para efetivar essas funções o ambiente virtual

disponibiliza comandos simples e sua barra de ferramentas conduz facilmente aos objetivos

desejados.

Interessa-nos entender nessa plataforma como a apropriação das novas tecnologias feita pelos

fãs re/configuram um modo de estabelecer critérios de julgamento, de circulação chegando até

numa profanação da tradicional “curadoria” ou crítica musical. Propomo-nos, inicialmente, a

pensar como a curadoria virtual do pagode baiano é feita através da articulação entre pessoas

que compõem comunidades de fãs. Sobre comunidade, Bauman (2003) ressalta a priori que o

termo sugere geralmente, no senso comum, uma ideia de aconchego e tranquilidade. Remete a

um lugar ideal de ajuda mútua e lealdade incondicional. De fato se pensarmos historicamente

no modo como o ser humano se organizou podemos perceber a característica de ser gregário.

No entanto esse conceito não possui unanimidade de definição. Max Weber (1987), quando

procurou traçar algumas premissas sobre o assunto, ressaltou que “O conceito de comunidade

é mantido aqui é deliberadamente vago e consequentemente inclui um grupo muito

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heterogêneo de fenômenos” (1987, p.79). McLuhan (1964) ressalta que o uso de computador,

por exemplo, modifica a ideia de comunidade.

Bauman (2003) também chama atenção para o fato de que esse “círculo aconchegante”

mesmo quando se pretende uma unidade não consegue ser indiferente ao externo, a não ser

que ocorra um bloqueio da comunicação. Não ocorrendo o bloqueio na comunicação a relação

entre os “de dentro” e os “de fora” não se dá de forma pacífica ou neutra. No nosso caso

especificamente, onde a comunidade se instaura no espaço de comunicação virtual, temos aí o

que Bauman (2003) chama de “golpe mortal na “naturalidade” do entendimento comunitário”,

onde diz, A partir do momento em que a informação passa a viajar independente de seus portadores, e numa velocidade muito além da capacidade dos meios mais avançados de transporte (como no tipo de sociedade que todos habitamos nos dias de hoje), a fronteira entre o “dentro” e o “fora” não pode mais ser estabelecida e muito menos mantida (BAUMAN, 2003, p.18,19).

Essa afirmação nos parece válida para o presente estudo uma vez que se refere a uma

sociedade permeada pela rede virtual e as diversas possibilidades de comunicação advindas

daí. E é nessa sociedade que temos então um contexto onde indivíduos que compartilham suas

preferências musicais num espaço já sujeito, em sua gênese, às contradições e uma não

imunidade a contestações. Mesmo quando a maior parte dos comentários relativos a uma

postagem sobre uma banda é no sentido de fortalecimento das estratégias discursivas das

bandas em questão é possível encontrar também comentários que contestem as escolhas

estético-musicais do grupo. Sobre isso, Bauman (2003) diz que a comunidade, “Nunca será

imune à reflexão, contestação e discussão; quando muito atingirá o status de um “contrato

preliminar”, um acordo que precisa ser periodicamente renovado, sem que qualquer

renovação garanta a renovação seguinte” (BAUMAN, 2003, p.19).

Quando esse conceito de comunidade passa a ser utilizado referindo-se a um agrupamento de

pessoas no ciberespaço ele deixa de observar o aspecto que geralmente era considerado como

importante para o que a maior parte dos sociólogos convencionou chamar de comunidade: um

agrupamento humano dentro de uma determinada base territorial. Assim, não é o suporte

tecnológico que define uma comunidade virtual ou mesmo outros serviços onlines. A

possibilidade de interação dos fãs sem qualquer relação presencial é o que a constitui. Existe

entre os membros de uma comunidade de fãs no espaço virtual um contrato simbólico

configurado pelos protocolos e conveniências do canal de compartilhamento YouTube.

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Quanto a esse contrato preliminar podemos sugerir no caso do YouTube na curadoria musical

feita pelos prosumidores que ele se configura a partir das próprias categorias criadas pelo

canal às quais o usuário precisa estar submetido para conseguir postar suas produções. Sendo

estas as categorias - descrição do vídeo, título, nome do usuário (mesmo que este seja

fictício), número de visualizações, comentários e as ferramentas estatísticas gostei e não

gostei. Pensando nas imagens feitas e postadas pelos fãs no YouTube enquanto um conjunto

de características valorativas e simbólicas que podem configurar um juízo de valor sobre um

gênero musical, nos voltamos agora para o ambiente pelo qual circulam essas imagens dando-

lhes um sentido, bem como seus modos de apropriação e de rotulação.

Cabe ressaltar que essas novas relações entre produção musical e público, nas comunidades

virtuais de fãs do pagode, são estudadas por nós mais como um reflexo das interferências e

influências de um dado contexto cultural do que necessariamente do avanço tecnológico.

Essas comunidades de fãs são entendidas aqui como possibilidade de novas práticas de

negociação, de outros modos de ocupação dos espaços de consumo de música.

Pensando a obra de arte no tempo de sua reprodutibilidade técnica, Walter Benjamin (2012)

afirma que é nesse contexto de especialização da técnica, que a obra de arte se emancipa do

ritual, pela primeira vez na história do mundo. O aqui e o agora, antes desse contexto da

técnica da reprodutibilidade, exigiam uma presença física para apreciação artística e no caso do

contexto musical atual, podemos dizer que os meios alteram profundamente não somente os

modos de produção, mas também de fruição estético musical.

A estética desse modo pode ser entendida enquanto uma experiência que engendra “novos

modos do sentir e induzem novas formas da subjetividade política” (RANCIERE, 2005, p.11).

Ranciere (2005) destaca uma mútua constituição entre o estético e o político em sua noção de

“partilha do sensível”. A estética para Ranciere (2005) seria definida pelo modo como ocorre a

“distribuição do sensível”, pois esse processo determinaria os modos de articulação entre

formas de ação, produção, percepção e pensamento. Ele concebe os modos de “partilha do

sensível”, sob duas perspectivas conflitantes, mas que ocorrem concomitantemente: 1) o de

compartilhamento de algo comum; 2) separação deste em partes exclusivas. Para ele,

participação e separação são noções que significam união e divisão “de espaços, tempos e tipos

de atividades que determina(m) propriamente a maneira como um ‘comum’ se presta à

participação e como uns e outros tomam parte nesta partilha” (RANCIERE, 2005, p.15).

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É no terreno “comum” que o autor afirma que é possível perceber a distribuição e disposição

de lugares de quem pode e quem não pode participar deste ‘comum’. Esta articulação de

formas atuaria ainda em mais dois âmbitos: 1) no sentido (palavra); e 2) do sem-sentido

(ruído). O dizível e não dizível dão forma à comunidade, definindo competências e, ao mesmo

tempo, quem pode as desfrutar e as operar. Tomar a dimensão do comum associado à ideia de

partilha do sensível significa pensá-lo como um modo de repartição desigual entre iguais, o

que responde pela dimensão política imediatamente aí presente. Para Ranciere (2005), o

“comum” não seria o simples entrelaçamento entre do pensar, do falar, do perceber, ou do

produzir. Esses aspectos estariam em relações de desigualdade. A partilha do sensível seria

justamente a redefinição da ideia de comunidade e do comum.

Não é que qualquer reconfiguração estética necessariamente corresponda a uma mudança

política. Essa relação é entendida pelo autor como contínua e passível do paradoxal situação

em que a igualdade de qualquer um com qualquer um está na base de toda estruturação social,

e ainda assim reinam hierarquias e desigualdades. Entretanto, quando ele pensa numa

reconfiguração do estético/político ele trata da inserção, no “comum” de sujeitos novos e

objetos inéditos. O que até então não era visível ganha visibilidade, aqueles antes silenciados

passam a se fazer perceber como seres falantes, os que eram tidos como “animais ruidosos”16:

Essa inserção, parte da reconfiguração tratada por Ranciere (2005), não é feita de modo

definitivo.

Ao afirmar que ao terreno do “comum” a desigualdade é um ingrediente sempre presente,

Ranciere (2005) contribui para nossa reflexão quanto às novas possibilidades de visibilidade e

divulgação de juízos valorativos do pagode baiano x meios de comunicação de massa

convencionais. Nesse sentido, no cenário aqui apresentado da produção musical no meio

virtual, o paradigma da legitimação do tradicional expert na figura do crítico musical, não se

configura numa posição inquestionável. A autenticidade com seu sentido tradicional, de uma

obra de arte finalizada e cultuada, já não se sustenta desde o tempo histórico denominado por

Benjamin como “A era da reprodutibilidade técnica”. Hoje essas características ganham

ainda maior potencialidade. Desse modo, as categorias estabelecidas/disponibilizados pelo

16 Expressão empregada pelo filósofo para demonstrar a incisiva redução prescrita aos que, numa partilha em

vigor, são rebaixados à condição daqueles cuja fala é sempre decodificada como mero barulho, sem significação

e interesse para o campo do comum.

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YouTube demonstram que novas possibilidades de fruição e de discursos vêm sendo

estabelecidos na contemporaneidade e com contradições, provocando novas tensões no

contexto da produção musical.

O modo de produção para Benjamin (2012) é usado então no sentido da técnica utilizada para

produzir artefatos culturais e para ele esses modos de produção vão sendo alterados

historicamente. O autor considerando existir na arte um poder de transformação não só

estético, mas também social, ressalta que ao contrário do que Marx acreditava, as mudanças

poderiam ocorrer não em função de uma arte do proletariado depois de uma tomada de poder,

mas sim pelas condições de produções artísticas da atualidade.

A partir do estudo feito acima em autores como Ranciere (2005) e Benjamin (2012), podemos

afirmar que a técnica funciona como um código de linguagem, que torna possível o

compartilhamento do “comum” que para nós é a partilha de juízos valorativos sobre o pagode

baiano. São então desorganizadas aí alguns paradigmas quanto aos modos de produção e as

redes interativas entre interlocutores/fãs entre si e com um material simbólico, no nosso caso a

música.

Esse contexto descaracteriza assim um público consumidor passivo, esses membros dos

canais do YouTube, ampliam a desconfiguração de uma pretensa autenticidade, já ressaltada

por Walter Benjamin como algo desestabilizado pelo modo de produção a partir da

possibilidade de sua reprodutibilidade, possibilitando também, por outro lado a expansão da

visibilidade de grupos musicais a contextos diversos. A exposição de comentários dos fãs,

suas produções audiovisuais, seus perfis, seus blogs, onde em geral associam seus vídeos com

fotos tiradas ao lado dos músicos, bem como a exposição de suas vidas, acabam por constituir

uma forma de produção coletiva como se pode observar nas comunidades de fãs.

A inter-relação entre o online e off-line dessa forma engendra diversos modos de produção de

linguagens, compartilhamentos e armazenamentos numa constituição no que chamamos de

rituais simbólicos realizados por fãs. As possibilidades de fruição de materialidades do

conteúdo musical a partir do ambiente virtualizado criam fruições estéticas que proporcionam

aos demais fãs internautas o espetáculo que prescinde o aqui e o agora do show ao vivo. Os

sentidos dessa produção de linguagem por parte dos fãs sofreriam interferências também do

espaço pelo qual circulam. Essa reflexão amplia leituras para além do dimensionamento da

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internet como apenas um espaço democratizador e multiplicador de linguagens. Complexifica

esse contexto que também pode ser entendido como espaço de curadoria musical que rotula,

classifica gêneros musicais, divulga produções artísticas bem como faz emergir novos artistas

através de sistemas valorativos alternativos a critica musical especializada.

2.1 YOUTUBE ENQUANTO LOCUS DE PROFANAÇÃO

Comprado pelo Google, em 13 de novembro de 2006, o YouTube, foi na época a segunda

maior aquisição do Google. Atualmente, o canal tem sido utilizado como plataforma de

divulgação para os mais diversos tipos de conteúdos. O próprio usuário é quem define, dentre

as categorias estabelecidas pelo YouTube, qual é a que melhor se adequa à sua produção. A

cada dia que passa, é colocado algo em torno de 65 mil novos arquivos de vídeo digital, à

disposição de quem queira assisti-los. Rompendo com a lógica do “expertise” como único

produtor de imagens ou de discursos audiovisuais, o YouTube, potencializou práticas que

promovem o telespectador tradicional em um produtor ativo. Especificamente no cenário

musical, nos propomos a pensar a comunicação promovida pelo YouTube como uma rede de

relações interativas dos interlocutores entre si e com o material simbólico aqui estudado – a

música. Observamos que o canal permite que o produto a ser postado tenha fotos que apenas

ilustrem um áudio, gravação audiovisual amadora ou não, pode também ser editado com

mistura de imagens recentes e antigas e, além disso, num mesmo produto misturar fotografias,

vídeos entre outros formatos. Pode ocorrer desse modo um entrelaçamento de dados de um

modo tão intenso que o YouTube se instaura enquanto um dispositivo agambiano que se

expressa como um conjunto heterogêneo com instâncias discursivas e não discursivas.

As características de reaproveitamentos e reorganização de imagens e narrativas do canal

apontam para a reciclagem de imagens e também para um contexto onde a disseminação de

informação ocorre a partir de um processo viral. Contribui ainda para o esfacelamento da

ideia de consumidor passivo e dos parâmetros da “alta cultura”, ressaltando o potencial de

meios como esse para a interatividade. Essas características podem servir como os primeiros

sinais de profanação no modo como se elabora uma narrativa sobre crítica musical. Primeiro

pelo desprezo a autenticidade, uma vez que as narrativas se constituem muitas vezes enquanto

uma pluralização de falas já engendradas no interior de uma cultura musical do consumo

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massivo. Segundo, pelo próprio contexto condicionante de um outro modo de fala que é o

espaço virtual num canal de compartilhamento.

O dispositivo não é centrado em si mesmo ou em elementos separadamente, ele é uma espécie

de rede que gravita em torno de si e que conecta elementos como, música, juízo de valor,

internet, canal de compartilhamento – YouTube, fãs. E como entra aí o conceito de

profanação? Agamben (2007) nos aponta o conceito de profanação como uma estratégia

possível no nosso corpo a corpo com os dispositivos, liberando o que foi capturado e separado

por meio dos dispositivos e restituindo-os a um uso comum, seria o que ele chama da

“profanação”. “Profano”, no sentido de Trebazio, “daquilo que, de sagrado ou religioso que

era, é restituído ao uso e à propriedade dos homens”. Por religião, Agamben (2007) define

como tudo o que subtrai coisas, lugares, animais ou pessoas do uso comum e as transfere a

uma esfera separada. Profanação seria então o contra dispositivo que restitui ao uso comum.

Teríamos então um jogo entre o sagrado e o profano que pode nos ajudar a pensar na música e

sua crítica, pois quando esta é restrita a uma fala de profissionais especializados, está num

lugar sagrado e no momento que fãs/prosumidores também passam a falar e constituir outras

possibilidades de construção e compartilhamento de juízo de valor na música, a partir de redes

de compartilhamento como o YouTube podemos ousadamente pensar numa profanação.

Entendendo que ela no contexto de estudo onde esse canal está, numa rede de banda larga,

possibilita a fala de quem quer que seja, basta que esteja conectado, cabe ressaltar que o ato

de profanar está justamente localizado na “restituição ao uso comum daquilo que foi

capturado e separado”. O foco desse estudo centrado na perspectiva de profanação, não está

numa busca por um conteúdo original ou criativo produzido pelos fãs, mas na prática em si

desses fãs. Nosso interesse está nos usos feito por fãs/prosumidores do canal de

compartilhamento na internet como um lugar de crítica musical alternativa a crítica musical

profissional.

Importante ressaltar que não estamos propondo que os fãs prosumidores estariam provocando

mudanças radicais na crítica musical especializada, mas afirmamos que essas práticas no

YouTube profanam a crítica profissional desde o momento em que surgem uma vez que

restitui ao uso comum a fala sobre música. Mesmo a crítica especializada não pode ser vista

como perene, seus critérios de análise e validação, bem como a própria função da crítica

também sofrem transformações do tempo histórico onde está inserida. Nesse longo trajeto

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percorrido, a crítica exerceu diferentes funções, e a cultura participativa (conceituada acima)

também a atinge em seu formato, posição e finalidade.

Na reflexão em torno da produção de bens culturais, a crítica sofreu diversas mutações em perspectiva e posicionamento até chegarmos a uma ideia de crítica contemporânea. De uma crítica acadêmica, especializada e que, por muito tempo, criou e celebrou cânones, a uma crítica mais interessada e conectada com as mais diversas vanguardas artísticas em diferentes áreas de produção cultural, parece que aquela que, a duras penas, ainda permanece e se sustenta no espaço público tradicional é a crítica jornalística, mesmo que com espaço cada vez mais reduzido e que venha, cada vez mais, assemelhando-se a resenhas, enfocando na descrição da obra, mantendo uma suposta objetividade, com poucas considerações contextuais sobre a produção analisada e pouca tomada de decisão (NERCOLINI e WALTENBERG, p.228, 2010).

Se a crítica musical autorizada é realizada principalmente por jornalistas cabe então discutir o

papel que desempenham nesse processo de não entendimento do pagode enquanto música a

ter possibilidades de análises estéticas. Sobre isso Simone Sá afirma que os jornalistas se

portam como “fiadores da ordem pública e guardiões da cultura nacional”, assim o primeiro

caso ocorreria em casos extremos, de crises, onde as instituições pareçam estar ameaçadas,

por forças externas ou não. “Já a reivindicação do segundo papel se realiza em bases mais

próximas do cotidiano, mas ganha força em eventos e cerimônias nas quais a identidade

nacional é posta em questão” (SÀ, 2014).

Diante desse cenário a autora ressalta que quanto ao pagode e sua relação com a crítica

profissional o que acontece é uma batalha simbólica contextualizada no cenário complexo da

cultura brasileira que tradicionalmente acolhe o carnaval carioca e suas escolas de samba

como possuidores do samba “autêntico”, as coreografias sensuais já seriam assim

reconhecidas como parte da tradição. Já o pagode baiano que conquista cada vez mais o

interesse dos jovens brasileiros, não seriam reconhecidos pela crítica musical por representar

um certo risco às práticas tradicionais tão guardadas pelos “zelosos guardiões culturais”.

A autora ressalta ainda que as fronteiras entre o bom e o mau gosto são móveis e discutíveis

uma vez que são práticas culturais construídas pelos grupos que detêm o poder – musical.

Rememorando fatos históricos controversos sobre o samba que já foi entendido como coisa de

“negros” da favela, bem como as críticas negativas ao grupo Mamonas Assassinas, desfeitas

posteriormente e transformadas numa “saudável rebeldia”, Sá (2014, p.72) ressalta que,

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A reação contra o pagode baiano, seja por parte da crítica musical, em nome de uma "boa" música popular brasileira; seja por parte de parcelas da sociedade, em nome da moral e dos bons costumes, por vezes rememora-nos estes episódios anteriores que recomendam prudência ao pesquisador investido do interesse pelas relações de sociabilidade dentro da cultura brasileira. (SÁ, 2014, p.72).

Sobre os meios de comunicação e de análise crítica, Nascimento (2012) afirma que, esse

debate, que tem suas bases ideológicas na modernidade, está centrado nos pares dicotômicos e

assimétricos clássico/comum, erudito/popular. Na atualidade, quando se quebra esse

paradigma e todas as expressões culturais se colocam no mesmo patamar, desaparecendo os

julgamentos de valor, os preconceitos, a música proveniente das camadas populares urbanas

parece permanecer como uma questão central que serve de argumento para justificar os

estereótipos e preconceitos sobre esse produto cultural e seu público adepto, ou seja,

“pagodeiros” e “pagodeiras”, na sua maioria, negros (as) mestiços(as) das camadas populares.

(NASCIMENTO, 2012, p.30 e 31)

Para que esse contexto se delineie é importante reafirmar a velocidade da informação digital e

o barateamento das tecnologias.

Baixar música e vídeo na Internet, bem como reprocessar esse material e colocá-lo novamente na grande rede, faz parte da rotina de milhões de pessoas por todo planeta. Vídeos amadores podem chegar a ter centenas de milhões de exibições, transformando anônimos em celebridades e chamando cada vez mais atenção das mídias convencionais. Neste panorama naturalmente redefinem-se conceitos como popularidade, ética e propriedade intelectual. (CAROSO, 2010, p.2)

É na observação do modo como se comportam, ou melhor, de seus compartilhamentos

virtuais, suas postagens e autocaracterização no canal YouTube, que podemos tentar entender

o modo como as produções em questão possibilitam a construção de uma curadoria alternativa

à crítica musical especializada. Assim, nesse estudo nos propomos a complexificar os

agenciamentos simbólicos e de narrativas no YouTube não os entendendo apenas enquanto

meios multiplicadores ou constituidores de discursos ou de novos lugares de fala,

problematizando também os jogos de tensão estabelecidos no contexto dessa cultura de fãs no

meio virtual e a reconfiguração da relação fã/produtor na música popular massiva17.

17Conceito previamente explicitado na página 27 deste trabalho.

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2.2 PREÂMBULOS SOBRE OS PAGODEIROS E SUAS CURADORIAS

Se afirmamos acima que os fãs de pagode a partir de suas produções de imagens postadas no

YouTube tornam-se prosumidores, cabe ainda entender como os pagodeiros18 se apropriam do

espaço virtual e fazem suas curadorias. O YouTube como já explicitamos acima, é um site

onde os usuários estando cadastrados podem fazer publicações de conteúdos audiovisuais e

além disso, podem compartilhar vídeos que façam parte do repositório videográfico do site.

Para cada vídeo postado os usuários podem clicar nos botões “About, Share, Addto, Statistics,

Report” disponibilizados abaixo da tela. Assim, cada cadastro feito pelos usuários é nomeado

como um “canal”. Cada página desse usuário cadastrado pode ser utilizada com o objetivo de

postar vídeos que eles mesmos realizaram ou compartilhar vídeos de outros usuários, bem

como postar informações sobre si e o canal. Além disso, os inscritos em determinadas páginas

podem postar comentários nele.

Esses integrantes do YouTube constituem comunidades a partir do interesse comum por

alguma temática, nesse caso por alguma preferência musical em comum. Aberta a receber

integrantes novos, membros que queiram sair também o podem fazer a qualquer momento,

bem como existe a possibilidade de participação de pessoas que queiram contestar o que está

sendo falado sobre a postagem em questão. Desse modo entendemos a relação dos usuários do

YouTube como mais um elemento de negociação. No caso do grupo de pagode Harmonia do

Samba, por exemplo, se fizermos uma busca de postagens com o nome de uma de suas

composições Vem Neném, a partir dos comentários expostos encontramos na prática esse jogo

de negociação descrito acima. Destacando dois desses vídeos postados, encontramos primeiro

<http://www.youtube.com/watch?v=wAbYl4KLCak> Título – “Harmonia do Samba – Vem

neném/Desafio/Agachadinho”, destacamos entre eles cinco comentários:

A)“PQP Q PERCUSSÃO DOS CARALHOSSSS !!! HUMILHA !!!” (Janine Paiva); B)

Percussão fudida!!!” (naira jessica silva); C) “Esse éo verdadeiro pagodão,o resto é modinha”

(Daniel Teles); D) HARMONIA SUCESSO SEMPRE, COM CERTEZA A MELHOR

BANDADA BAHIA, SUPER QUALIDADE!!! (carlafreitas3); E) Xanddy é foda. Melhor

cantor de Swingueira da Bahia e do Brasil (Brunno Andrade).

18 Pagodeiros e periguetes é o modo como apreciadores do pagode, homens e mulheres respectivamente, são

chamados.

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Já no segundo vídeo de endereço e título respectivamente:

<http://www.youtube.com/watch?v=jLEKgC0Net0> Título – “Harmonia do Samba – Vem

neném – Ao vivo Itabuna em 1.999”.

Comentários destacados:

A) QUE COISA MAIS RUIM ! PERDI 7:04 MINUTOS DA MINHA VIDA VENDO UMA

COISA RUIM ¬¬' Xaaau ! #Fui”(Perlasoraya1); B) Vc tem funk e Justin Bieber nos seus

vídeos e vem falar o que aqui ow rs! Aff!! =P Harmonia é samba da Bahia!!” (djbrinquedo);

C) e o q vc veio fazer aqui?? (djbrinquedo); D) Tu só tem música de corno em seu canal (e

por sinal muito mal produzida rs) e chama um samba de roda da Bahia "de ruim"? Tente

vender mais discos do que o Harmonia vendeu ou ao menos postar algum vídeo de reponsa

nisso aí que vc chama de "bailesom" RS Pra chegar nos + de 100.400 views vc vai ter que

ralar muito, desculpa ae rsrs Ah, e obrigado por vir assistir e dar mais um view ao vídeo =D

Viva o samba da Bahia!!; D) SE É RUIM, PRA QUE VC ENTROU PRA VER???? O

PROBLEMA É QUE EXISTEM POR AÍ UM MONTE DE FRACOS, DESPEITADOS E

QUE ADORAM ESCRACHAR AS COISAS BOAS QUE A GALERA FAZ E FAZ

PORQUE SABE FAZER E QUE NO FUNDO INCOMODA A TODOS APENAS PELO

FATO DE SER BOM E PELO EFEITO POSITIVO QUE TRANSMITE E CONTAGIA

PORQUE A GALERA GOSTA !aO INVÉS DE FICAR CRITICANDO, VIAJA PRA UMA

DESSAS MILHARES DE ROÇA BRABA QUE EXISTEM POR AÍ, SE ENTOCA NELA E

COMEÇA A OUVIR MÚSICA CLÁSSICA, OU ASSISTE E ENGOLE, ZÉ MANÉ !!!”

(Junnior West); E) Harmonia td de bOum , pra quem naum goosta existem outros videooos ,

tah fazendoh oq akii entaum ...IDIOTAAAS (Nattany Silva).

O modo com os fãs escrevem no YouTube será mantido ao longo da análise pois também

revelam o modo de expressão e a carga de afetividade que desejam exprimir. Apesar de saber

que não seria possível dar conta metodologicamente do que dizem todos os usuários pelos

comentários postados, uma vez em que eles aumentam à medida que o vídeo é acessado, o

recorte feito aqui dos comentários destacados acima, demonstra que o YouTube permite que

fãs e anti - fãs exponham suas opiniões de modo interativo, onde um argumento inicial

favorável ou não pode desencadear um diálogo entre pessoas com interesses em comum.

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Dessa forma podemos inferir que o lugar onde se organiza a construção dessas curadorias

alternativas á crítica musical institucionalizada apresenta, a partir de ferramentas especificas,

competências singulares a outros meios de comunicação.

De algum modo assemelhando-se ao meio televisivo, o YouTube possui canais que os

usuários podem escolher do modo como achar mais conveniente. Para esse uso, feito a partir

das conveniências de cada usuário, como melhor horário, lugar, o modo como querem o fazer

e com quem querem compartilhar, só é possível pela apreensão de competências de uso do

canal de compartilhamento sobre o qual estamos tratando. Outro fator a ser destacado é a

diversidade disponível para busca, o usuário para pesquisar no acervo videográfico do

YouTube pode o fazer por palavras-chave (tags), observando os vídeos mais acessos, por

indicação de amigos, entre outras possibilidades. Assim, o funcionamento do YouTube como

lugar de construção de crítica musical alternativa, ocorre não somente pelo uso dos novos

aparatos técnicos mas pelo modo em que essa nova forma de sociabilidade estimulou pessoas

a exporem seus gostos musicais e juízos valorativos sobre eles.

E isso ocorre, como já dissemos, independente de se ter certeza de saber com quem

exatamente se está falando, com um cadastro falso ou verdadeiro, o YouTube desconstrói

ainda as fronteiras espaço temporais de outros meios de comunicação disponibilizando um

acervo que pode ter diversas fontes de origem, no caso das bandas que pesquisamos

observamos fontes como programas de televisão, produção de produtoras culturais e vídeos

amadores, entre outras opções. Além disso, esse material pode ser acessado não apenas pelo

site do YouTube, mas compartilhado em redes sociais como o facebook, email, blogs e sites de

comunidades de fãs, como também a partir de um aplicativo de um smartphone, por exemplo.

Ao refletirmos sobre o segundo critério da interdição de Foucault, o ritual da circunstância,

estudamos o contexto virtual com suas possibilidades de ampliação de falas ordinárias sobre a

música. Aprofundamo-nos especificamente no canal de compartilhamento gratuito YouTube e

a constituição de espaços alternativos de produção e veiculação. Encontramos aí um modo de

comunidade que não possui um contrato fixo entre seus membros, mas que possui membros

temporariamente integrados, por vezes circunstancialmente pelo gosto comum de um grupo

musical, em situações de fala e produção específica do ambiente virtual onde se localiza o

YouTube.

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Esse modo de sociabilidade denominado por Jenkins (2009) como cultura participativa agrega

essencialmente pessoas que buscam ratificar seus gostos estéticos com vinculações

comunitárias que desde sua origem possibilita que o igual e o diferente confrontem-se. Nesse

sentido, quanto à proposta de estudo deste capítulo, o YouTube e os novos aparelhos móveis

tecnológicos, de produção e armazenamento do audiovisual, são entendidos como dispositivos

que promovem novas mediações dentro das comunidades de fãs criando outros modos de

agenciamentos valorativos estéticos e simbólicos que podem ser feitos a partir das próprias

categorias estabelecidas pelo suporte técnico do YouTube, com uso de descrição do vídeo,

comentários, tags, exposição do número de visualizações – About, Share, Add to, Statistics,

Report. Tais categorias criadas originalmente para outros fins, mas tendo funções

atualizadas/reatualizadas pelos fãs que constituem uma espécie de memória virtual de seu

grupo musical predileto.

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CAPÍTULO III

O ouvinte nasce ao mesmo tempo em que é expurgado da prática musical. Sua função, entretanto, não é menos complexa que a do músico. O ouvinte surge como um outro tipo de especialista, capaz de distinguir sutilezas entre diferentes performances e dar conta de um amplo repertório composicional. Torna-se um crítico exigente e a atividade de escuta, até então descompromissada e integrada à vivência da música, transforma-se num ato de contemplação, de atenção dedicada e, às vezes, de devoção.

Fernando Iazzetta, Música e Mediação Tecnológica

3.0 O QUE OS PROSUMIDORES FALAM

Baseado no critério de interdição de fala de Foucault (2011), tabu do objeto, esse capítulo se

propõe a construir uma análise do uso do canal YouTube a partir de vídeos postados,

compartilhados e comentados por fãs dos grupos musicais aqui abordados. Estudamos dois

grupos de pagode baiano e um pagodeiro artista solo que possuem propostas musicais

diferentes entre si: Harmonia do Samba, Sanbone Pagode Orquestra e EdCity. De cada um

deles selecionamos uma postagem com data de upload próxima a do início da carreira do

grupo e uma outra postagem com data de publicação mais recente.

O foco da análise não será o de conferir o discurso contido nas imagens postadas/produzidas

pelos fãs, numa espécie de análise discursiva, mas se dará numa perspectiva onde o YouTube

será entendido como um dispositivo híbrido, onde há imagem, mas também outras

possibilidades de construção de um juízo de valor tal qual o “curtir”, o número de

visualizações e os comentários de quem viu o vídeo. É a partir da observação do modo como

os fãs se comportam, ou melhor, de seus compartilhamentos virtuais, suas postagens e

autocaracterização no canal YouTube, que podemos tentar entender o modo e as produções em

questão que possibilitam a construção de uma curadoria alternativa à crítica musical

autorizada.

A opção de analisar dois vídeos de cada grupo musical se faz necessária pelo fato de serem

inúmeras produções postadas por fãs e o presente estudo não daria conta de abarcar tudo.

Como pretendemos buscar compreender um novo perfil de público que consome e ao mesmo

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tempo produz acreditamos que a amostragem feita será suficiente para

compreensão/aprofundamento da problemática que nos propomos a pensar.

Assim, daremos relevância à dimensão comunicativa do YouTube configurando uma rede

complexa que para nós não seria possível pensar separadamente sobre forma e conteúdo. O

dispositivo YouTube molda a forma como se estabelece um diálogo entre pessoas com

interesses em comum, mesmo que seja um anti-fã19, onde as categorias ali expostas estão

conectadas de tal forma que pensaremos aqui como um todo indistinto. “Forma e conteúdo são

categorias indistintas, pois a performance de uma canção - no disco, na tevê, no videoclipe, no

YouTube - é justamente o acontecimento em que os sentidos cintilam de uma materialidade que

se inscreve em um tempo-espaço”(AZEVEDO, 2012, p.16).

Os três grupos musicais selecionados nesse capítulo surgem em contextos sócio-históricos

peculiares e distintos e estabelecem assim, modos de mediação estética também singulares.

Apesar de estarem classificados sob uma mesma nomenclatura de estilo musical – pagode -

cada um, a partir de sua proposta estética como também de suas tradições musicais, estabelece

uma relação dialógica própria com o meio musical onde emerge, o contexto cultural e com os

fruidores de sua obra. Assim, quem fala, o que fala e onde fala são elementos entrelaçados

que tornam-se significativos para a observação e análise do modo como fãs/prosumidores

estabelecem uma profanação no sistema de juízo de valor da música.

Dividiremos a análise dos vídeos em duas partes. A primeira deverá fazer uma caracterização

dos vídeos quanto aos seus aspectos criativos, observando a autodefinição do vídeo, bem

como uma autocaracterização feita pelo autor no seu canal, além do seu ano de produção e

disseminação.

A segunda parte deverá dedicar-se as questões relacionadas às estratégias discursivas

construídas pelos fãs/prosumidores no YouTube, buscando compreender elementos como

juízo de valor, tensões sociais e interatividade no universo da crítica musical a partir dos

comentários dos vídeos e outras ferramentas do canal utilizadas pelos usuários.

19 Para mais informações sobre as categorizações de fãs, anti-fãs, trolls e haters, ver AMARAL; MONTEIRO,

2012.

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Ratificamos que a análise, desde o primeiro capítulo, esteve aportada nos três critérios de

interdição da fala propostos por Michel Foucault (2011) quando estuda a ordem do discurso,

que segundo ele é definido a partir do poder que funciona como elemento que está na ordem

das leis e imbuído de um poder institucionalizado. Este último capítulo que trata diretamente

das produções postadas pelos fãs no canal de compartilhamento na internet tem o objetivo

assim de pensar nessas produções a partir do que Giogio Agamben (2007) conceitua como

profanação, aquilo que tornado sagrado é trazido ao uso comum, no nosso caso a fala

ordinária sobre música seria um tipo de profanação. Conceito já amplamente discutido no

capítulo anterior.

Assim, penso que a análise deverá observar e estudar: variação interativa (comentários,

curtidas etc), diferenças de usos (o modo como o YouTube foi sendo apropriado para fruição

de música ao longo dos anos) e modos de autocaracterização dos fãs e de suas produções no

YouTube. Penso, a partir desse método de estudo, buscar entender a construção de

possibilidades de rompimento de um “silenciamento” sobre determinados gêneros musicais, a

partir das estratégias de legitimação/profanação utilizada pelas comunidades de fãs, as

entendendo como um discurso construído por apreciadores, aqueles que em grande medida

são afetados pela musicalidade em questão, podendo por fim compreender como a produção

musical passa por reformulações quanto ao seu julgamento quando esse fã/consumidor passa

a emitir opiniões pela internet.

3.1 O PAGODE, CRÍTICA MUSICAL E YOUTUBE

Expomos abaixo três tabelas referentes à primeira parte dos dados da pesquisa. A fim de

comprovar a hipótese de que esses dados (título, usuário, postagem, exibições e comentários),

estabelecidos pelo canal YouTube, podem em alguma medida servir como “critérios

curadorísticos” será feita aqui a análise dos mesmos. Seguimos assim, a proposta

metodológica preliminarmente exposta acima de fazer uma caracterização dos vídeos,

observando ainda numa tabela posterior, a autodefinição dos mesmos, bem como uma

autocaracterização feita pelo autor, além do ano de produção e disseminação.

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Tabela 1: Relação dos dados estatísticos dos vídeos selecionados a partir do canal Youtube.

Grupo Titulo do video Data de

postagem

N de exibições N de comentários Gostei Não gostei

Harmonia do Samba

Harmonia do Samba – Festival de

Verão 2004

2009

32.258

11

29

0

Harmonia do Samba – Vem neném/

Desafio/ Agachadinho – DVD Selo

de qualidade ao vivo

2011

362.621

93

565

22

Ed City

Fantasmão. Vídeo clip

2008

329.971

52

144

9

EdCitty& Ronaldinho (vai na fé

clipe oficial) – HD

2014

1.183.705

181

10.104

605

Sanbone Pagode

Orquestra

Sanbone Pagode Orquestra 2010 57.173 66 159 01

Sanbone Pagode Orquestra 2013 1.417 02 11 00

Sanbone Pagode Orquestra 2013 1.417 02 11 0

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Na tabela acima, temos primeiro a categoria grupo especificando o nome dos grupos e

cantor de pagode analisados, logo após em título do vídeo, colocamos a frase nomeada

pelo seu autor, no YouTube ela aparece em destaque logo abaixo da imagem, com letras

maiores e em negrito. Já em data de postagem podemos saber em qual ano foi feito o upload ou compartilhamento do vídeo e quando possível identificar diferença entre ano de

postagem e ano da imagem em si, isso também é destacado. A coluna Exibições marca o

número de vezes que o vídeo foi visualizado até o dia de nosso acesso (31 de março de 2014).

Comentários por sua vez, expõe a quantidade de comentários que o vídeo recebeu no canal. Na

coluna Gostei e Não gostei temos os números estatísticos da produção.

A partir dos dados expostos acima podemos perceber que uma postagem no YouTube

apresenta características específicas, como exposição do número de visualizações,

possibilidade imediata de um feedback quanto ao material assistido onde se pode

“gostar” ou “não gostar” com apenas um click, bem como compartilhar em outros meios

como as redes sociais. O acesso a essas práticas ocorre a partir de ferramentas

específicas, é preciso apreender competências singulares a outros meios de

comunicação para interagir nesse canal de compartilhamento. De algum modo

assemelhando-se ao meio televisivo, o YouTube possui canais, sendo que cada usuário é

dono de um canal onde pode compartilhar vídeos de sua preferência, estabelecer diálogo

com outros internautas etc. Esse meio se distingue ainda mais da TV quando oferece aos

usuários a possibilidade de uso a partir das conveniências de cada um, como melhor

horário, lugar, o modo como querem fazer uso e com quem querem compartilhar, expõe

a quantidade de visualizações e estabelece de algum modo uma espécie de júri popular

quanto ao material publicado.

A primeira categoria da nossa tabela é o título. Observando o modo como as frases são

formuladas, percebemos que são utilizadas palavras chaves que objetivamente dizem o

que poderá ser encontrado nas imagens. A frase mais longa que encontramos, no

material por nós analisado, é de um dos vídeos do Harmonia do Samba postado em

2011 que diz: “Harmonia do Samba – Vem neném/ Desafio/ Agachadinho – DVD Selo

de qualidade ao vivo”. A maior parte tem no máximo 3 palavras/expressões. Em

usuário temos duas pessoas que expõem nomes tradicionalmente, “Vanessa Alves” e

“Rodrigo Pereira”. Quanto aos dois vídeos postados pelo próprio grupo, no caso da

Sanbone Pagode Orquestra, é o maestro que expõe seu nome escrito tudo junto e com

acréscimo do número 11, “hugosan11”, e já “EdCity” usa seu nome mais a palavra

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vídeos. Outros dois usam nomes fictícios que a partir de pesquisa no canal de cada um

descobrimos que é uma espécie de nome artístico de trabalho, “Bleidinho2”, e “Junior

Bido”.

Na categoria postagem constatamos que os vídeos por nós analisados foram postados

entre os anos 2008 e 2014. Se entrelaçarmos esses dados com as visualizações (na

mesma tabela), constatamos que o vídeo mais acessado é do ano de 2014 com 1.183.705

views. O vídeo mais recente ter maior popularidade pode ser justificado pelo fato do

grupo ter feito um videoclipe com a participação de um jogador de futebol brasileiro

com fama internacional. Isso pode ser comprovado a partir dos comentários dos fãs, que

analisaremos mais adiante, onde muitas pessoas de outros países falam sobre o clipe

ressaltando aspectos futebolísticos de Ronaldinho Gaúcho e afirmam desconhecer tal

musicalidade. Isso nos chama atenção, pois demonstra mais um aspecto singular do

YouTube, que é a utilização de palavras-chave que captam ou justificam um número alto

de visualizações de determinado vídeo. Nesse caso, o nome Ronaldinho no título do

vídeo impulsionou as pessoas que desconheciam EdCity a assistissem o videoclipe.

A “propaganda” de um vídeo nesse canal de compartilhamento ocorre de modo viral, ou

seja, alguém assiste e recomenda tanto nas redes sociais como enviando para amigos a

partir de outros aparelhos tecnológicos e as imagens vão se propagando de modo a não

ser possível um controle sobre elas. O controle de que falo é no sentido de restrição do

acesso a partir de elementos geográficos ou temporais, o vídeo poderá ser visto em

qualquer parte do mundo, desde que se tenha acesso a uma rede.

Os comentários nesse contexto tornam-se uma ferramenta que no início da pesquisa

tínhamos considerado apenas como mais um critério “curadorístico”, no entanto, ao nos

aprofundarmos na observação do funcionamento do YouTube chegamos à conclusão

que ele em si estabelece a profanação da crítica musical profissional. Partimos do

pressuposto de que as postagens (com os vídeos) são também comentários sobre os

grupos musicais. Esse é um modo de afirmação da musicalidade em questão. Os

comentários escritos reafirmam ou tentam negar aquilo que já foi exposto pelas imagens

postadas.

Buscamos selecionar, para nosso estudo, vídeos onde os fãs utilizam essa ferramenta a

fim de poder estudar o dito e o não dito, como já afirmamos, que é o modo como um

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dispositivo agambiano estabelece sua rede complexa de relações. As imagens e os

comentários que suscitam, compõem um processo de retroalimentação que ratifica a não

observância de aspectos como perfeição de áudio ou de imagens, regras de escrita do

português ou mesmo da linguagem musical formal. Com suas próprias regras de

linguagem, de prestígio e de julgamento os usuários constroem discursos que são

moldados, na forma, pelo modo como funciona o canal YouTube e por isso mesmo

instauram uma fala ordinária sobre música, no nosso caso especificamente sobre pagode

baiano.

Gostei e não gostei é mais uma ferramenta estatística do canal e tem um uso bem

inconstante, o primeiro vídeo do Harmonia do Samba exposto na tabela, por exemplo,

que tem 32.258 visualizações, tem apenas 29 clicks em gostei e 0 clicks em não gostei.

Os fãs nos comentários estimulam que outras pessoas se gostaram do vídeo “vá lá e dê

um joinha” que significa clicar em gostei. Na mostra que fizemos os fãs de Ed City são

os que mais usaram a ferramenta e os da Sanbone Pagode Orquestra os que fizeram

bem menos utilização. Talvez essa diferença se dê devido a provável distinção de

público entre um artista de pagode em carreira solo e uma orquestra de pagode.

3.1.1 Variações de usos

Ainda como parte dos dados que configuram a caracterização dos vídeos aqui

analisados, observaremos abaixo uma tabela com informações relativas ao conteúdo do

vídeo bem como características e definição do mesmo elaboradas pelo seu autor. Na

tabela abaixo em categoria analítica destacamos três possibilidades de classificação:

1. Produção: quando o vídeo é totalmente amador, filmado de fato por um fã;

2. Reedição: o fã coleta imagens profissionais inclusive produzidas pelo próprio

grupo musical, como DVD's, e reedita o material;

3. Recompartilhamento: quando o vídeo é produzido por produtoras ou pelo

próprio grupo musical, mas é recompartilhado por fãs no formato original.

Essas categorias compõem a metodologia da presente análise uma vez que abarca

diferentes possibilidades de usos do YouTube, constatadas inclusive a partir de

observação prévia desse canal de compartilhamento virtual. Nas características gerais

temos informações básicas sobre o conteúdo do vídeo e em descrição do vídeo o texto

disponibilizado pelo seu autor foi transcrito nesse espaço.

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Tabela2: Tabela descritiva dos vídeos com textos de autocaracterização dos mesmos. Vídeo Categoria analítica Características

gerais Descrição do vídeo

V1 Harmonia Do Samba

Reedição

Gravação profissional, reeditado de uma

transmissão de TV e reproduzida pela fã.

“A melhoor Banda de Pagode do mundoo! No maior festival da Bahia! Quem éé? Quem éé?

Quem éé? Harmoniaaaaaaaaa”.

V2 Harmonia Do Samba

Reedição

Gravação profissional, reeditado de DVD. No

vídeo só tem 3 músicas.

Nenhuma descrição disponível.

V1 Ed Citty Produção Edição de vídeoclip a partir de imagens de diversos shows do

grupo.

video clip produzido por mim da banda fantasmão com a música gaiola. muito massa. vale apena dá um saque Mágico Blade produções rsrsrsr. FANTASMÃO BLEIDÃO. Espero que gostem.

V2 Ed Citty Recompartilhamento Vídeo clip oficial do

Grupo. É o vídeo do grupo mais

recompartilhado por fãs no ano de 2014.

Música: Vai na Fé Artista: Edcity Letra: Edcity e Ronaldinho Gaúcho Participação: Ronaldinho Gaúcho

V1 Sanbone Pagode Orquestra

Recompartilhamento (?) Vídeo feito pelo maestro da Orquestra, recompartilhado por

fãs.

SINFONIA NUMERO 4 (VEEMENCIA) BY HUGO SAN A full orchestra of sounds! With the style SANBONE PAGODE ORQUESTRA gathers awards Weight segment in which it operates. The big difference is the mix of rhythms. Who can imagine a classical-classical orchestra with the beat of the peculiar pagoda? The SANBONE PAGODE ORQUESTRA present to this combination and the result

is innovation in popular music of Salvador. [email protected]

V2 Sanbone Pagode Orquestra

Produção Filmagem de momentos

antecedentes e show da Orquestra.

Apresentação especial da Sanbone Pagode Orquestra no Amostrao Vila Verão do Teatro Vila Velha, dia 06/01/2013, quem compareceu aproveitou a oportunidade de iniciar o ano entendendo que ainda existe uma forma de ouvir o pagode sem precisar de palavras agressivas e nem estimular a sexualidade.Salve Maestro Hugo e família Sanbone Pagode Orquestra!

Pelas características gerais que apresentamos na tabela acima constatamos que grande

parte das produções se configura pelo re/aproveitamento de imagens já elaboradas e

disponibilizadas na internet. O fato demonstra como o canal YouTube, pioneiro na troca

de arquivos de vídeo, se estrutura não apenas como uma tecnologia de

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compartilhamento de arquivos, prática já existente nas redes peer-to-peer20, propicia

ainda a efetiva transmissão de vídeos online.

Até o final da década de 1990, compartilhar arquivos de audiovisuais na grande rede era

um desafio, uma vez que a tecnologia ainda não apresentava as características atuais e

as conexões de rede eram lentas. No momento da seleção dos vídeos a serem analisados

pudemos constatar, por exemplo, que os vídeos que possuíam ano de disseminação

próximos a década de 1990 apresentavam características que se assemelhavam muito

mais a um power point com animações do que a um vídeo realmente.

Da tabela acima destacamos um videoclipe produzido por um fã do Fantasmão. O vídeo

faz uma mescla de imagens antigas e mais recentes, bem como de diversos shows do

grupo. Faz uma reedição usando a música “Gaiola” como fio condutor da reorganização

das imagens. Tanto esse vídeo como outros que enquadramos na categoria reedição, são

praticamente variantes paródicas de outros vídeos. No caso do Harmonia do Samba,

encontramos outro exemplo, temos um fã que pega três músicas de um DVD do grupo e

posta como uma edição sua.

Observamos então que o canal permite que o produto a ser postado tenha fotos que

apenas ilustrem um áudio, gravação audiovisual amadora ou não, pode também ser

editado com mistura de imagens recentes e antigas e, além disso, num mesmo produto

misturar fotografias, vídeos entre outros formatos. Pode ocorrer desse modo um

entrelaçamento de dados de um modo tão intenso que o YouTube se instaura enquanto

um dispositivo agambiano que se expressa como um conjunto heterogêneo com

instâncias discursivas e não discursivas.

Essas características de reaproveitamentos e reorganização de imagens e narrativas

apontam para a reciclagem de imagens e também para um contexto onde a disseminação

de informação ocorre a partir de um processo viral. Contribui ainda para o

esfacelamento da ideia de consumidor passivo e dos parâmetros da “alta cultura”,

ressaltando o potencial de meios como esse para a interatividade. Essas características

20 Traduzindo para o português, ponto-a-ponto, significando uma arquitetura de redes de computadores, caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada ponto pode realizar funções, tanto de servidor quanto de cliente. Mais informações em (http://pt.wikipedia.org/wiki/Peer-to-peer), consulta em 02/05/2014. Programas com essas características contribuíram para quebra de paradigmas na indústria do entretenimento, ajudando a sedimentar a cultura do compartilhamento livre de música e vídeo.

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podem servir como os primeiros sinais de profanação no modo como se elabora uma

narrativa sobre crítica musical. Primeiro pelo desprezo a autenticidade, uma vez que as

narrativas se constituem muitas vezes enquanto uma pluralização de falas já

engendradas no interior de uma cultura musical do consumo massivo. Segundo, pelo

próprio contexto condicionante de um outro modo de fala que é o espaço virtual num

canal de compartilhamento.

Relembrando os estudos de Benjamim (2012), podemos afirmar que o meio técnico da

produção artística está relacionado diretamente a um modo próprio de produção de

cultura. As mudanças ocorrem não em função de uma produção de arte, mas sim pelas

condições de produção artísticas próprias da modernidade.

Quanto aos textos descritivos disponibilizados pelos usuários em cada vídeo, que

transcrevemos na tabela acima, podemos dizer que eles variam entre textos com certa

emotividade, expondo autoelogios ao produto audiovisual em questão, num convite a

visualizações de outros fãs e entre também textos mais explicativos, como os da

Sanbone que foca na descrição da proposta musical da Orquestra. Nesse ponto, cabe

ressaltar que no texto de descrição dos vídeos da Sanbone já é possível encontrar um

discurso que busca distinguir o trabalho da Orquestra com o pagode normalmente

entendido como pagode baiano. Podemos ler, “... quem compareceu aproveitou a

oportunidade de iniciar o ano entendendo que ainda existe uma forma de ouvir o pagode

sem precisar de palavras agressivas e nem estimular a sexualidade...”.

A frase acima pode revelar ainda o modo como o YouTube e outros sites do gênero podem

ressemantizar aspectos importantes do universo musical como fruição, disseminação, produção,

criatividade, entre outros. A exposição de comentários dos fãs, que analisaremos mais

adiante, suas produções audiovisuais, seus perfis, seus blogs, onde em geral associam

seus vídeos com fotos tiradas ao lado dos músicos21, bem como a exposição de suas

vidas, acabam por constituir uma espécie de rede coletiva, como podemos observar nas

diversas comunidades de fãs existentes, que faz indicações de grupos musicais e que

pode construir um juízo de valor positivo sobre uma musicalidade, inclusive, negando

21Explanamos mais sobre a interligação entre postagem no YouTube e compartilhamento em blogs de comunidades de fãs no artigo “Prosumidores”- Cultura dos fãs e novos modelos de produção e mediação musical no pagode baiano a partir do uso do canal YouTube. O artigo foi apresentado no 5 Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação – UFF/UFRJ/UERJ/PUC-RIO. CONECO UFF 2012.

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proximidade com produções musicais dentro do estilo pagode que tenha determinadas

práticas consideradas vulgares.

Os grupos por nós estudados surgiram em datas e contextos históricos musicais

distintos. Destacamos um vídeo do início da carreira de cada grupo musical e um mais

recente com o objetivo de observar os modos de adaptação desse usuário do YouTube ao

longo dos anos tanto em relação a lógica de mercado, que seria as opções comerciais do

grupo, como também à expressão estética das bandas.

Assim, o YouTube, pode representar a ruptura da hegemonia dos meios de comunicação

convencionais como rádio e televisão permitindo que a música possa ser divulgada e

fruída a partir de mecanismos onde pessoas comuns podem emitir suas opiniões e acima

de tudo suas próprias imagens. Essa interatividade imediata constitui-se para nós como

mais um aspecto profanador na prática dos fãs de música no YouTube. Trata-se de um

dispositivo que constrói uma rede complexa de comunicação que envolve produção,

publicação, compartilhamento, busca e recomendação.

Outro fator a ser destacado é a diversidade disponível para busca, o usuário para

pesquisar no acervo videográfico do YouTube pode fazê-lo por palavras-chave (tags),

observando os vídeos mais acessados, por indicação de amigos, entre outras

possibilidades. E essa seria mais uma característica profanadora na prática dos fãs

prosumidores, ampliação do potencial do YouTube como dispositivo de memória

musical. A musicografia antes era construída como uma relíquia individual, como um

acúmulo das obras dos artistas num acervo discográfico cuja perda, a depender da

antiguidade do material, era irrecuperável. Agora a musicografia é construída

coletivamente pelos fãs que se preocupam em postar/compartilhar imagens antigas do

seu grupo musical favorito, no caso do Harmonia do Samba de imagens feitas antes da

existência do YouTube, constituindo como um modo coletivo de construção de memória

virtual da música. Uma memória que prescinde formas presenciais de interação ou uma

materialidade da obra do artista.

Caroso (2010) que fez uma tese sobre videoclipe amador e demais usos do canal

YouTube, faz um levantamento de dados,

Segundo Michael Wesch, nos primeiros seis meses de 2008 o YouTube colocou no ar mais de 1,5 bilhões de horas de filmagem, o que equivaleria às

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programações de três canais de televisão transmitindo ininterruptamente por 40 anos. Naquela altura eram publicados diariamente cerca de 9.000 horas de material audiovisual. Wesch compara essa dinâmica a 400 canais de TV sempre no ar (2008). Em 17 de março de 2010, o blog oficial do YouTube, em sua versão em português, anunciou que o site ultrapassou a marca das 24 horas de vídeo recebidas a cada minuto. Isto significa que a cada dia são enviadas cerca de 35.000 horas de vídeo ao YouTube, o que realmente demonstra um crescimento exponencial, como aponta Gibson. Estatísticasdo YouTube impressionam. Atualmente, mais de 2 bilhões de vídeos são assistidos por dia no site. Seus servidores vasculham o equivalente a mais de 100 anos de vídeo a cada dia, só com o objetivo de identificar violações de direitos autorais 149. Dados de maio de 2010 apontam que a média mensal de vídeos assistidos pela Internet, por usuário, já émaior que 185, e só o YouTube é responsável por mais de 100 dessas exibições (CAROSO, 2010, p.96, 97).

A partir do mesmo autor, Caroso (2010) afirma ainda que 88% da produção colocada no

YouTube são caseiras. Pessoas comuns, a partir de aparelhos popularizados como

câmeras digitais e de celulares, produzem de forma amadora algum vídeo a ser

compartilhado nesse. Para entender o sucesso desse meio, destacamos características

inovadoras que o distinguia de outras possibilidades de compartilhamento de vídeo na

internet da época em que surgiu, como, interface de uso simples, tanto para assistir

vídeos como postá-los e isso numa internet sem grande velocidade, um padrão modesto

para a época. E o modo como se organiza as categorias do canal, com características de

uma rede social, os usuários podiam comunicar-se entre si numa dinâmica de

relacionamentos que acontecia e acontece até hoje a partir do próprio conteúdo

(BURGESS e GREEN, 2009).

Assim, o funcionamento do YouTube como lugar de construção de crítica musical por

prosumidores, ocorre não somente pelo uso dos aparatos técnicos mas pelo modo como

essa nova forma de sociabilidade estimulou pessoas a exporem seus gostos musicais e

juízos valorativos sobre eles. E isso ocorre, como já dissemos, independente de se ter

certeza de saber com quem exatamente se está falando, com um cadastro falso ou

verdadeiro, o YouTube desconstrói ainda as fronteiras espaço temporais de outros meios

de comunicação disponibilizando um acervo que pode ter diversas fontes de origem, no

caso das bandas que pesquisamos observamos fontes como programas de televisão,

produção de produtoras culturais e vídeos amadores, entre outras opções.

3.1.2 Modos de autocaracterização dos fãs

Se por um lado não temos certeza quanto a veracidade de informações dos usuários do

YouTube, sabemos que existem dados exigidos pelo canal para qualquer pessoa que

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queira usar o canal. Na página do YouTube que aparece o vídeo e todas as categorias

estatísticas e de interatividade já listadas por nós, é possível ainda clicar no nome do

usuário e acessar seu canal. Visitamos o canal de cada usuário que postou os vídeos que

estamos analisando e abaixo listamos as informações disponibilizadas.

Tabela3: Dados relativos às informações contidas no canal de YouTube dos

prosumidores. Vídeo Autocaracterização dos prosumidores Perfil canal

YouTube Inscritos Visualizações

totais do canal

Discussão

V1 Harmonia Do Samba

Não possui foto no seu perfil nem informações sobre si.

Vanessa Alves

39 297.103 05

V2 Harmonia Do Samba

Imagem de uma paisagem natural. Rodrigo Pereira

399 2.573.263

0

V1 EdCity Imagem com um “B2” ao que parece a logomarca do dono do canal

Bleidinho2 3.839

5.404.257 121

V2 EdCity Logomarca do trabalho do cantor. EdCity vídeos

4.342 1.627.366 0

V1 Sanbone Pagode Orquestra

Fotografia da orquestra Hugosan11 52 107.984 3

V2 Sanbone Pagode Orquestra

Fotografia de um homem sem camisa Junior Bido 11 3.167 0

Esse canal “personalizado” se organiza a partir dessa sequência – Página inicial, vídeos,

playlists, canais, discussão e sobre. Detivemo-nos aí, quanto aos dados estatísticos e ao

modo como cada usuário se apresentava no espaço. O objetivo foi ampliar a observação

quanto à forma como cada membro, autores das postagens aqui estudadas, se

caracterizava no espaço bem como cruzar informações quanto à popularidade individual

desses usuários e dos vídeos que fazem parte do recorte dessa pesquisa.

Inicialmente podemos afirmar que não há relação entre a popularidade dos responsáveis

pelas postagens e os vídeos em questão. Os inscritos nesses canais estão entre 11 e

4.342 pessoas. Sendo que os vídeos possuem entre 32.258 e 1.183.705 visualizações, é

claro que é possível que uma mesma pessoa possa ter visualizado mais de uma vez, mas

ainda assim o cruzamento desses dados não relata uma conexão direta entre eles. Mais

uma vez a viralidade dos vídeos, como também elementos como palavras-chave é que

estabelecem essa variação de acessos nas produções.

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Além disso, esse material pode ser acessado não apenas pelo site do YouTube, mas

compartilhado em redes sociais como o facebook, e-mail, blogs e sites de comunidades

de fãs, como também a partir de um aplicativo de um smartphone, por exemplo,

característica que pode ser entendida como diferencial em relação a outros sites do

gênero que existiam no ano de surgimento do YouTube. Esse canal apresenta assim mais

uma peculiaridade que justifica a escolha de três grupos com propostas tão díspares, a

possibilidade de convergência de linguagens e informações.

Para Burgess e Green (2009), o YouTube pode ser considerado um sistema cultural

intermediado que faz parte do cenário contemporâneo da mídia de massa e tem

influência sobre a cultura popular com práticas que apresentam possibilidades

investigativas. Para nós, esse modo de produzir e compartilhar música e um discurso

sobre ela a partir dos protocolos impostos por esse dispositivo YouTube reforça o que já

discutimos nos capítulos anteriores quanto significações/ressignificações na curadoria

musical feita por fãs, no pagode baiano, a partir de suas postagens no referido canal de

compartilhamento. Essas ressignificações possíveis a partir do discurso do fã nesse

canal que abordamos como um dispositivo, favorece assim a elaboração de complexas

redes que a priori nesse trabalho ressaltamos como paradigmático para a crítica musical

profissional pois podemos encontrar/confrontar o conteúdo disponibilizado pela mídia

(mainstream) e o produzido pelo usuário comum (underground). 22

A internet e a instauração de novas possibilidades de produção, distribuição e fruição

estéticas permitem que o consumidor desse produto também constitua um lugar de fala

sobre o que consome e provoca deslocamentos ou pelo menos tensões na hierarquia da

mediação musical. O consumidor de música, no contexto que temos explorado desde o

primeiro capítulo, tem ido além da simples fruição, se informado e ao mesmo tempo

construído conteúdo sobre os grupos/artistas que gostam, interagindo e interferindo na

sua produção. Os próprios artistas consideram positivas essas posturas participativas dos

seus fãs, sendo que no pagode o sucesso de alguns vídeos no YouTube é que tornam

possível maior visibilidade para alguns grupos, inclusive na mídia tradicional.

A fala ordinária sobre música não foi inventada no/pelo YouTube, essa já era uma

prática de fãs desde os primeiros aparatos tecnológicos que potencializa essa fala. Os

padrões tradicionais de análise de uma música continuam a existir, é possível que a 22 Conceitos previamente discutidos no cap.I deste trabalho.

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crítica musical profissional continue sendo a portadora das chaves de leitura para as

obras ou composições musicais, mas o que estamos afirmando como diferencial nesse

contexto de cultura participativa amplamente explanada nos capítulos anteriores é

quanto à potencialização de tensões nessa crítica a partir de um lugar de fala que não

perpassa essencialmente a racionalidade argumentativa, pois a fala desses fãs

prosumidores predominantemente está permeada pelas suas próprias experiências com o

sensível. Os comentários relacionados aos vídeos no canal de compartilhamento que

estamos estudando, que analisaremos mais a fundo no tópico “3.2 A experiência dos

prosumidores pagodeiros”, podem servir como um exemplo disso.

Assim, a partilha de juízo de valor sobre uma composição musical é uma prática

voluntária, construída de modo coletivo e, como já dissemos, desde sua origem aberta

tanto a ratificações como também às opiniões dos anti-fãs. E como uma construção

quase infinita, pois encontramos vídeos antigos das bandas com comentários recentes

que remetem à saudade daquele tempo ou ainda relembrando onde estavam no dia do

show filmado, ou como a canção serviu para a trilha de sua adolescência, enfim,

enquanto o vídeo estiver disponível na internet será possível ser comentado numa

espiral difícil de ter um fim. E é desse modo que não somente comentários, mas também

de conteúdo que o YouTube vai sendo alimentado. Seus usuários “gastam seu tempo no

site contribuindo com conteúdo, criando referências, construindo e criticando vídeos

reciprocamente, assim como, colaborando e discutindo, conforme constroem seu 'núcleo

social” (BURGESS e GREEN, 2009, p.86).

3.2 A EXPERIÊNCIA DOS PROSUMIDORES PAGODEIROS

A partir de agora nos debruçaremos sob a segunda parte dos dados, buscando observar a

variação interativa entre os usuários, nos dedicando mais diretamente às questões

relacionadas às estratégias discursivas construídas pelos fãs/prosumidores no YouTube.

O objetivo agora é compreender de que modo se estruturam nesse universo, elementos

como juízo de valor, tensões sociais e interatividade no universo de uma possível crítica

musical profanadora de uma fala autorizada sobre música.

As ferramentas do YouTube analisadas agora serão os comentários dos vídeos e as

informações contidas nos canais dos fãs que postaram os vídeos. Os outros dados

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distribuídos nas tabelas exibidas acima quando necessário também serão incluídas na

análise. A fim de melhor interpretação desses dados, iremos contextualizar

historicamente os grupos de pagode e em seguida analisar os respectivos comentários

dos fãs quanto às postagens que fazem parte de nosso recorte.

Segundo Nascimento (2012), a música industrializada que se desenvolve na Bahia

denominada “pagode” e que se inicia com o grupo Gera Samba, posteriormente

renomeado de È o tchan, representa um capítulo à parte na recente história da música

baiana. Segundo ele, na década de 1990, a carreira bem sucedida desse grupo abriu

caminho para uma produção musical no Estado, que se amplia na atualidade e vem

influenciada por um mercado que se abriu para essa nova vertente do samba, agregando

algumas influências de matrizes regionais, abrindo-se também para o pop, o eletrônico e

outros ritmos globais (NASCIMENTO, 2012, p.37).

O autor afirma ainda que existem indícios, a partir das entrevistas e depoimentos que

realizou em sua pesquisa, de que a expressão “pagode baiano”, usada como forma de

identificar os grupos que surgiram nesse primeiro momento e representavam o novo

samba da Bahia, tenha ganhado essa denominação e essa carga semântica para se

diferenciar dos grupos do Rio de Janeiro. Segundo ele isso se intensifica, quando o

Harmonia do Samba começa a produzir e fazer sucesso com música própria, composta

pelos músicos da banda e compositores locais, que com sua profissionalização passa de

shows em pequenas casas de festa nos bairros populares a eventos maiores.

3.2.1 Harmonia do Samba

A cena musical baiana da ultima década do século XX, na qual destacamos o pagode,

vivenciou um processo de mudanças que refletiu consequentemente na produção dos

novos grupos. O Harmonia do Samba surgiu, por exemplo, num momento onde a

fórmula do grupo pioneiro “É o Tchan”, com dançarinas coreografando suas músicas, já

estava esgotada e os grupos passam a investir no cantor com uma performance que

chamava atenção por ser um homem que cantava e rebolava no palco (NASCIMENTO,

2012). O Harmonia investia numa sonoridade influenciada pelo samba de roda, além de

adotar como referência grupos como Fundo de Quintal, Almir Guineto etc.,

característica ressaltada para a construção de um rótulo de “pagode de qualidade”. A

referência à tradição no samba construía assim uma estratégia de valoração. Segundo

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Trotta (2010), quase todos os gêneros musicais populares usam algum tipo de relação

referencial com o passado, adotando seus clássicos e seus gênios. São os “monstros

sagrados” do rock, as “divas” do jazz, as “velhas guardas” do samba, os “mestres” do

choro.

Enquanto o grupo É o Tchan seguia sua trajetória avançando para outras regiões do Brasil, emergia, na cena musical baiana, uma infinidade de artistas e grupos orientados pelas influências do samba de roda do Recôncavo e suas transformações consolidando um segmento em constante crescimento. (TROTTA, 2010, p.71)

Fundado em 1993 inaugurando um momento do pagode baiano onde a performance do

cantor é valorizada, o grupo ganha visibilidade justamente quando o cantor Xandy passa

a integrar a banda. Além disso, o Harmonia do Samba inova musicalmente o gênero, ao

ressaltar o toque da viola do Recôncavo a partir da atuação de instrumentos como o

contrabaixo tocado por Bimba. Assim como vários outros grupos de pagode, este

também surge num bairro suburbano da cidade de Salvador, Capelinha de São Caetano.

Atualmente com carreira consolidada no cenário brasileiro, o grupo conseguiu

visibilidade em 1999 com o lançamento da canção “Vem Neném” que segundo matéria

encontrada no blog <biografiadopagodão.blogspot.com.br> é um hit que ganhou o

público antes mesmo de tocar nas rádios. E essa é uma das músicas que compõe o pout-

pourri na reedição feita por um fã num dos vídeos do grupo analisado neste trabalho.

O Harmonia desde então vem somando números expressivos tantos em shows como em

repercussão positiva em suas gravações de CD e DVD e participação em eventos (o

segundo vídeo analisado aqui, é inclusive da participação do grupo no Festival de Verão

no ano de 2004). A banda criou a “Melhor Segunda Feira do Mundo” que são ensaios

de verão com atrações de vários estilos musicais. O título da festa reforça o discurso que

o próprio Harmonia do Samba vende como a melhor banda de pagode. E esses aspectos

ressaltados por eles são recorrentes nos comentários dos fãs, dentre os quais destacamos

abaixo 3 deles do vídeo (V2)23: a) “Taí a banda que mudou a cara do Pagode... Adoro!”

(Weidlima). b) “clássicos muito bons” (Jair Felipe). c) “Esse éo verdadeiro pagodão, o

resto é modinha” (Daniel Teles).

As afirmações desses fãs reforçam a nossa hipótese de que as estratégias discursivas

valorativas presentes nos comentários dos prosumidores são fruto de um processo de

23 Todos os comentários dos vídeos estão disponíveis em tabela nos anexos.

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retroalimentação da constituição musical dos grupos em questão e dos próprios

elementos argumentativos explicitados pelos artistas sobre sua obra.

Podemos discutir ainda a dimensão elocucionária da crítica, pois comentários como

esses partilham determinados valores elaborando assim sistemas de recomendação. Isso

pode ser pensado também quanto ao início da carreira do Harmonia que foi à margem

da imprensa. Apesar da ausência de bibliografia que nos assegure dados precisos sobre

produção (gravações) e circulação do trabalho do grupo do início de sua carreira, é

possível notar, a partir do contato com o acervo ou da própria memória de fãs, que há

vasto número de gravações não profissionais de CDs do grupo ainda na década de 1990.

A partir disso podemos pensar na popularidade do trabalho do Harmonia com

crescimento antes mesmo da gravação oficial de um CD. As gravações “amadoras”

tornaram conhecido o trabalho do grupo que desde então já agregava grande quantidade

de fãs.

E já a partir daí, swing era a palavra destacada quando se tratava da musicalidade da

banda. Entre os comentários do vídeo (V2) podemos encontrar frases como essas:

a)“Xanddy é foda. Melhor cantor de Swingueira da Bahia e do Brasil” (Brunno

Andrad); b) “Swingueira bruta” (Gustavo Henriques); c)“tudo de bom... O swing da

Bahia eh o melhor de todosss!” (Rebeca Sofia Bahia). Ainda no blog

<biografiadopagodão.blogspot.com> encontramos a declaração de Bimba, arranjador

musical, "A genteprocuraconservar o suingue,mastrabalhando a parte harmônica,

mudando asmelodias".

Esse é um exemplo da constituição de uma estratégia discursiva, amplamente difundida

por fãs inclusive no YouTube, que é a afirmação de singularidades ou características

marcantes do grupo favorito. Voltando-nos especificamente para o contexto da internet,

podemos inferir que essa prática participativa de fãs tem sido importante para o sucesso

de diversos vídeos no YouTube e consequentemente para o grupo musical relacionado,

chamando atenção muitas vezes da mídia tradicional.

Na trajetória musical do Harmonia, o reconhecimento aparece na popularidade de suas

composições e também pelos prêmios que conquistou. Entre eles, o de 2010, com a

música “Comando” eleita a melhor música na Micareta de Feira de Santana, cidade do

interior do Estado, e em 2011 também escolhidos como a melhor banda de pagode da

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festa. Já no carnaval de 2011, conquistou seis prêmios, todos entre os de mais destaque

no julgamento dos melhores na folia momesca. São eles, Band Folia, Castro Alves e

Itapoan Fm.

Acumulando então prêmios de melhor banda, melhor cantor e até de melhor

performance do ano, Composta por 11 integrantes, com média de idade entre 18 e 25

anos, a formação era, Xanddy (vocal), Deco (cavaquinho), Bimba (baixo), Rodiney

(teclados), Roque Cézar (bateria), Mocka (surdo), Martins Santos e Marcinho Gomes

(percussão), Boca (trompete), Ricardinho (sax) e Kleinton (trombone). Nos arranjos

musicais outra característica é nos seus álbuns colocar pelo menos uma faixa mesclando

o samba a outros estilos musicais.

3.2.2 Racionalidade x afetividade no discurso de fãs

Como afirmamos acima os comentários não podem ser analisados sob o critério de uma

racionalidade argumentativa. Permeada pela experiência sensível obtida com a

musicalidade (ressaltamos que existem peculiaridades entre a experiência obtida a partir

de um show ao vivo e uma gravação audiovisual do mesmo) os fãs estabelecem mais

um ato profanador quanto à crítica musical especializada quando destoa do discurso

“educador” para escuta musical. O comentário do primeiro vídeo do Harmonia do

Samba exemplifica uma fala permeada por essa conotação emotiva, “A melhoor Banda

de Pagode do mundoo! No maior festival da Bahia! Quem éé? Quem éé? Quem éé?

Harmoniaaaaaaaaa”.

Se pensarmos quanto à expansão da indústria da informação e entretenimento no final

da década de 1960, poderemos situar aí à emergência das primeiras revistas

especializadas em música, como a Rolling Stone e a Crawdaddy, primeira revista

inglesa de crítica de Rock e ainda a New Music Express – NME (CARDOSO, 2010).

Cardoso (2010), ressalta a importância desses veículos como “educadores” para a escuta

musical. O modo como a música deveria ser escutada estava expressa nas palavras do

crítico. Diferentemente desses veículos, os fãs prosumidores constroem uma prática sem

essa intencionalidade normativa ou pedagógica. São muitas vezes palavras escritas

apressadamente, sem muito cuidado quanto à língua portuguesa padrão ou a fala

institucionalizada sobre música. Com narrativas que lembram bastante a linguagem

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coloquial, o sistema de valoração quanto à musicalidade nesse meio deixa nítido as

afetividades atreladas às falas ordinárias sobre a música que estamos estudando.

Numa rápida observação dos comentários que estamos analisando poderíamos até

pensar num mero amontoado de futilidades despejadas aleatoriamente abaixo dos vídeos

onde muitos deles restringem-se a apenas uma palavra exclamativa como “massa”,

“adorei” ou expressões com utilização de onomatopeias como “muitooooo bom!” quase

a simulação do som de um grito ou coisa semelhante. Além disso, há falas de caráter

sexista que ressaltam aspectos do corpo do cantor Xandy e que suscitam discussões

sobre a orientação sexual daqueles que falam sobre isso.

A não proporcionalidade entre o número de visualizações e a utilização de ferramentas

estatísticas como “gostei” e “não gostei” e entre os próprios comentários levantam ainda

dúvidas quanto a uma possível apropriação política do dispositivo YouTube por parte

dos fãs. Existe mesmo um tencionamento aí quanto à crítica musical especializada? É

possível pensar nesse espaço como possibilitador da instituição do debate, da

controvérsia, de um sistema curadorístico?

No primeiro vídeo do Harmonia que possui 32.258 visualizações e um total de 11

comentários, 29 “gostei” e 0 “não gostei” as falas caracterizam-se essencialmente pela

constituição do espaço como um sistema de busca por DVD’s antigos do Harmonia do

Samba: a) “Caramba, posta o link para download aê Vanessa... Esse show foi muito

bom...” (Marcos Marquinhos); b) “baixa o programa "DVDVideoSoft Free Studio" que

você baixa qualquer video do you tube” (Ceceu89 em resposta a Marcos Marquinhos) c)

“nao tem como vc postar ele pra download?” (Ton Ramos); d) “vc ainda tem esse dvd?”

(Ton Ramos); e) “onde acho esse dvd completo eu tinha masestragou"

(Rodrigo23anos2011).

Assim, cinco dos onze comentários referem-se a uma busca por obras mais antigas do

grupo musical. A pessoa chamada Vanessa a que um dos fãs solicita o link para

dowload é a responsável pela postagem do vídeo e seu canal no YouTube possui mais 5

comentários, 3 deles com solicitações de produções do Harmonia. a) Show de bola o

canal Se der assiste meuúltimo vídeo: Salas de Bate-papo, Tarados da net e divórcio

Abç (Raphael Martins); b) estou precisando do dvd do harmonia do samba gravado

pelo multishow no festival de verão salvador. Casotenha, favor entrar em contato.

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[email protected] (Flaviolsaraujo1807); c) Oi vanessinha,tudo bem? (Junnyor

Cruz); d) oi eu gostaria de te o dvd doharmonia do samba no festival de verão como

posso conseuqe (Carreteiro2009); e) Vanessa!!! Invadio palco do harmonia beach!!1 to

atras de algum video meu.. se vc tiver entre em contato!! ou posta no youtube! (Pedro

Aracatibe);

Nesse sentido o espaço configura-se como uma comunidade de pessoas com gostos

musicais semelhantes que podem se ajudar na construção de estratégias de

disseminação/divulgação das obras de seus ídolos, obras essas que já não são almejadas

em sua configuração original, mas sendo a obtenção do trabalho artístico mais

importante nesse contexto, tê-lo simplesmente para download já satisfaz as necessidades

desses fãs.

Tabela 4: Comentários referentes ao vídeo V1 do Harmonia do Samba.

Os sentidos dessas narrativas, bem como os novos agenciamentos criados a partir desses

usos realizados pelos fãs, provocam assim reconfigurações quanto às possibilidades de

fruição de materialidades do conteúdo musical a partir do ambiente virtualizado.

Característica que também pode ser observada amplamente em outros espaços virtuais

sendo o 4shared24 um importante exemplo dessa tendência após a extinção do

megaupload25. A seguir, a tabela 4 demonstra os números relacionados a interação dos

fãs com a ferramenta:

24Segundo o Wikipédia o 4sharedé um serviço de hospedagem e compartilhamento de arquivos fundado em 2005 por Alex Lunkov e Sergey Chudnovsky. Funciona com 4 categorias principais para armazenar, compartilhar e procurar arquivos: vídeo, música, foto e livros. Atualmente, a 4shared tem cerca de 5.300.000 usuários, em torno de 11.000.000 de acessos diários, 940 TB de arquivos hospedados e 317 TB de transferências diárias de arquivos. 25 Conhecido serviço de compartilhamento de arquivos e foi fechado pelo FBI após acusações de pirataria e violação de direitos de autor.

Comentários referentes aos aspectos

musicas/performance

Comentários de Anti-fã

Outros Comentários Totais

10 0 01 11

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Os outros comentários do vídeo distribuem-se assim: um deles com fala direcionada à

performance do cantor no palco: a) “Rsrsrsrs...nessa época, Xandy dançava”. (Carine

Guedes). E três comentários põem em relação a música com a memória pessoal dos fãs,

a) “esse dia foi perfeito. amo d+ essa banda” (Raquel Almeida); b) “eita eu tinha esse

DVD. ehj mto massa!(Gleice Vitoria); c) “A melhor épocaaa!!! Amo esse DVD!

Overdose de carinho é a melhor paaarte!!!”(Luanna Meireles); d)“Muito massa! Tomei

muitas ouvindo vendo esse DvD. Pq que as coisas boas passam?”(Emanuel Elias). E o

último deles é uma afirmação elogiosa a banda, a) “harmonia do momentoooo” (Emilly

Costa).

A partir dos comentários expostos acima ratificamos a utilização do canal de

compartilhamento YouTube como um sistema de partilha de afinidades musicais que

extrapola a relação, anteriormente descrita com as revistas especializadas em música,

leitor versus veículo. O processo de interação é maior e com possibilidade de feedback

quase instantâneo. Podemos pensar ainda nesse primeiro momento quanto a existência

do sentimento de pertença e ajuda mútua presente na ideia inicial de comunidade

explicitada por Baumam (2003).

Os comentários analisados acima referem-se ao vídeo (V1) de título “Harmonia do

Samba – Festival de Verão’2004” e o link:

<http://www.youtube.com/watch?v=s0PI1U2vMck>. Tem data de upload de 2009, mas

as imagens são de 2004. Ele começa com algumas informações quanto aos próprios

produtores/divulgadores da postagem, com letras sobrepostas às imagens podemos ler –

“Alex MP3 e CD musicPB visite-nos” www.cdmusicpb.com.br. Edição By Alex MP3.

Além disso, as imagens possuem alogomarca do canal Multishow, provavelmente quem

filmou e fez a edição original da produção.

Os caracteres com nome da música sendo executada e nome da banda aparecem com as

cores e com a logo do Festival de verão. O vídeo tem 6:38 (seis minutos e trinta e oito

segundos) o que nos faz crer que a “edição” ressaltada na legenda do início do vídeo

refere-se a seleção de duas músicas no show transmitido, que em geral dura cerca de 2

horas. Isso faz com que a qualidade das imagens não seja boa. Mas, nessas produções

observamos que não é priorizada a qualidade da imagem ou mesmo de áudio, o mais

importante é o registro obtido da banda.

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Dessa caracterização do vídeo podemos inferir a priori que a utilização do espaço não é

estritamente para a exibição da banda de pagode que gostam, mas também para

divulgação de trabalhos que extrapolam uma prática de fã. Chama atenção também o

vídeo logo na abertura exibir o nome de Alex MP3 como o editor do vídeo, sabendo-se

que o mesmo foi “pinçado” de uma gravação/edição profissional bastante divulgado. A

apropriação de imagem é nítida.

No segundo vídeo do Harmonia do Samba encontramos uma apropriação de imagem

similar. O vídeo é um recorte da gravação do DVD da banda e não possui nenhuma

descrição disponível. Com um total de 4:45 minutos o prosumidor reeditou

selecionando um pouporri com 3 músicas. O vídeo tem o título “Harmonia do Samba –

Vem neném/ Desafio/ Agachadinho – DVD Selo de qualidade ao vivo” e

link:<http://www.youtube.com/watch?v=wAbYl4KLCak>.

Totalizando 93 comentários, as estratégias discursivas construídas pelos fãs já

demonstram outros aspectos como participação de anti-fãs, falas que destacam

características musicais mais específicas do grupo e a afirmação do gosto musical de

modo mais direto. A emotividade é um dos aspectos que mais se destacam nos

comentários desse vídeo. Comparando com os comentários do primeiro vídeo

encontramos a recorrência de temas como performance do cantor, música como parte de

uma memória pessoal bem como a solicitação e resposta quanto a informações sobre

trabalhos da banda.

Assim, com a análise a partir do agrupamento de temáticas que surgem entre os

comentários detalharemos os números contidos na tabela a seguir.

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Tabela 5: Comentários referentes ao vídeo V2 do Harmonia do Samba.

Com um número de 362.621 visualizações, nesse segundo vídeo, um número mais

significativo de fãs fizeram uso das ferramentas estatísticas como “gostei” (565 clicks) e

“não gostei” (22).

Os anti-fãs que nos comentários manifestaram-se com apenas 2 comentários, segundo

nossa análise expõe também aí seu juízo de valor contrário aos dos fãs. É válido

ressaltar que essas ferramentas podem ser dúbias no sentido de que é possível mesmo

um fã não ter gostado daquele vídeo específico e não necessariamente da musicalidade

da banda em questão. Mas isso só pode ser esclarecido caso o usuário expresse isso nos

comentários.

A passionalidade dos fãs quanto ao grupo de pagode Harmonia do Samba perpassa

muitos dos comentários e por isso destacamos aqueles que são essencialmente uma

declaração da afirmação de seu gosto musical seja com a reprodução de uma parte da

letra ou com palavras que demonstrem a intensidade do apresso pelo grupo: a) “adoro

essa música gente curto mt...........” (TheMusicas895); b) “Mandei meu cavaco chorar”

(Yasmin Mendes); c) “Escuto tooodo dia esse dvd ... Amo amo amo demais ♥ Xaaande

meu amorzinho !” (Inara6342); d) “a melhor banda do mundo!!!!” (Marcelo Martins); e)

“sensacional, o melhor expoente do pagode!” (Luciano Farias); f)“Adoro esta música!”

(Rosemeire M); g) “AMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO ESSA MUSICA

ANTIGAS” (Eduardo Junior o bom).

As falas reforçam sua caracterização, de paixão ao Harmonia do Samba, com a escrita

em caixa alta em alguns casos, a repetição de algumas letras ou de palavras que dá

sensação de uma fala empolgada. Os comentários acima reforçam a ideia da música

popular como uma fonte de experiências identitárias. As falas envolvem o modo como

cada um foi afetado pela musicalidade, expressado inclusive a partir de uma declaração

Comentários referentes

aos aspectos

musicas/performance

Comentários de

Anti-fã

Outros Comentários

Totais

51 02 40 93

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de amor ao cantor da banda. O gosto pela canção, pela banda se confundem ainda com a

própria imagem do vocalista quando a fã diz que ouve o DVD todos os dias e por fim

diz que Xandy é seu “amorzinho”. Frith sobre isso afirma:

A experiência da música popular é uma experiência de identidade: quando reagimos ante uma canção, nos vemos inevitavelmente arrastados a alianças emocionais com os músicos e com todos os outros fãs dos músicos em questão. Devido a seu caráter abstrato, a música é, por natureza, uma forma individualizante [...] Ao mesmo tempo, e igualmente significativo, a música é obviamente coletiva [...] Alguém mais tem estabelecido as convenções, que são claramente sociais e claramente separadas de nós. A música representa, simboliza e oferece a experiência imediata de uma identidade coletiva (FRITH, 1996, p. 121).

Nesse sentido, Simon Frith (1996) afirma que a música pode servir como uma espécie

de mediador identitário, A música enquanto um produto é criada com finalidades de

consumo e consequentemente estabelece relações de identificação. A construção de

produtos culturais a partir dessa perspectiva, poderíamos dizer que está permeada pelos

aspectos econômicos, por uma prática de afirmação de identidades e autenticidades num

processo onde os produtos tornam-se extensão dos indivíduos que os usam. Os produtos

estariam dessa forma sendo indiciadores simbólicos de categorias como status social,

valoração, rotulação entre outras.

[...] usamos canções populares para criar um tipo particular de autodefinição, um lugar particular na sociedade. O prazer que a música pop produz é um prazer de identificação – com a música de que gostamos, com os intérpretes dessa música, com as outras pessoas que gostam desse mesmo tipo de música (FRITH, 1987, p. 140).

Essa identificação pode ser observada ainda nos comentários que relacionam as canções

executadas no vídeo com as memórias pessoais dos fãs. a) “quero muito esse dvd ...bons

tempos !!!!!!!! era muito foda essa epoca !!!!! “(931893); b) “genteeee!!!!! para tudoo!!!

eu adoroooo, sou apaixonada pelo harmonia!!! hj sou casada mas já curtir mtooo c/

essas músicas, ô tempo bommm!!!!” (aaduploaa); c) “Bons tempos esse som é muito

legal e alegria pra dançar. Sucesso sempre Xandy vc merece” (Fuba Show Promoções);

d) “Que tempo bom... que não volta nunca mais!!!” (Fernanda8051).

Nesse caso a relação de proximidade com a produção do grupo é tanta que fãs reclamam

de determinada atuação do vocalista do grupo ou elogiam em tom de aprovação.

Observaremos agora as falas que tratam da performance do cantor, tema que incluímos

na tabela entre os comentários que ressaltam os aspectos musicais do grupo. As falas

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direcionadas aos aspectos musicais foi então dividido por nós entre aqueles que tratam

da performance do vocalista e os que destacam, ainda que de modo informal, aspectos

como ritmo, harmonia, execução de algum instrumento, arranjos musicais entre outros.

Quanto a performance do vocalista temos as seguintes falas: a) XANDY...MEU

QUERIDO XANDY... VOU TE DEIXAR UM CONSELHO AMIGO: PROXIMA

VEZ Q FOR SE APRESENTAR, NAO VISTA UMA CALçA TAO APERTADA,

TENHO CERTEZA Q FOI ELA Q NAO TE DEIXOU DANçAR COMO ESTAMOS

ACOSTUMADOS A VE-LO DANçAR... HIHIHIHIIH (Milmyreia); b) Esse cara

dança demais!!! (RodrigoCarvalho); c) Xandy,querido cade sua animação... voçê tah

muito desanimado nesse show.... melhoras e mais alegria!!!!!! (Ramon Riccetto); d)

“esse cara rebola bem de mais e alem de tudo e lindo” (Rogerio Melo); e) “Issso Siiiim

é show!!! Ele é maravilhoso!!!” (Naime Prando); f) “rebola gostosooooo” (Ms

LILI444); g) “Não esse tá com a porra de gostoso pela madrugada afffffff me vejo

dançando aí no palco com ele kkkkkkkkkkkkk doce ilusão mas ele mexeeeee comigo

lindo demais dança demais tudo demais!!!” (agosto96); h) “O '' ANIMAL'' Dança

demaaaaaaaaaaaaaais” (Inara6342); i) “Esse homem dança muito, nossa senhora”

(annekeysson); j) “mais eu adoro esse gingadoo lindoo dooo xandy” (Naime Prando); l)

“já dançou muito , agora o xandy ta paradão” (Filipe Lipinho); m) "XANDDY

MARAVILHOSO..ADORO” (virginia aparecida Ferreira); n) “QUE VOZ DA

PORRA” (Falcon .jorge); o) “Xanddy é foda. Melhor cantor de Swingueira da Bahia e

do Brasil” (BRuNNo aNDRaD).

O mesmo tom de aprovação com falas que ressaltam o que acreditam ser singularidades

do grupo versus “admoestações”, quando a atuação da banda ou do ator é reprovada,

prosseguem nos comentários que tratam dos aspectos musicais. a) “ritimo muito

manero, mas homen rebolando assim é zuadooooooo!!! Bitch please!” (drenausf);

b)“ritmo delicioso para dançar!” (LindsayMont); c) “PQP Q PERCUSSÃO DOS

CARALHOSSSS !!! HUMILHA !!!” (Janine Paiva); d) “era o Deco que tava tocando

cavaco ai?! manda demais !” (BrazukasBRA); e) “Swingueira bruta mLk” (Gustavo

Henriques); f) “Taí a banda q mudou a cara do Pagode... Adoro!” (weidlima);

g) “maravilhoso esse show!!!!” (Bruninho Pádua); h) “Bahia,tudo d bom..O swing da

Bahia eh o melhor de todosss!” (Rebeca Sofia); i) “HARMONIA SUCESSO SEMPRE,

COM CERTEZA A MELHOR BANDA DA BAHIA, SUPER QUALIDADE!!!”

(carlafreitas3); j) “classicos muito bons” (Jair Felipe); l) “Esse éo verdadeiro pagodão,o

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resto é modinha” (Daniel Teles); m) “Não gosto desse tipo de música..... mas tanto o

arranjo como a harmonia dos músicos e dos instrumentos tá legal...” (André E.A.

E.A.); n) “umas das melhores bandas da atualidade,,parabéns” (Daniel Besserra); o)

“Essa é a melhor Banda da Bahiiaa aa si ée” (Maiza349); p)“Percussão fudida!!!” (naira

jessica silva); q) “Realmente o Harmonia está muito melhor musicalmente falando...a

Qualidade é notória.... Principalmente o Xandy, está cantando bem melhor... está

fazendo uns arranjos junto com os instrumentos...muito bom o cara...” (Ailton Motta); r)

MUITO BOM!!!! SUPER!!!! PRA BAILAR DEMAIS(Maria José G.); r) Vou pedir pra

você mandar, mandar o Harmonia voltar!!(Cheick Congo);s) Meu Deus o que é isso?

"veeeem neném", assim eu "num guento² " Ô.Ô (Vivi Amorim); t) 10 Musicas que Voce

Ja dançou e não admiti :D (ImperialGamersX).

A música afirmando-se como um campo discursivo reforça, a partir dos comentários

acima, sua não intencionalidade educadora ou de preocupação com a língua portuguesa

formal, característica própria de espaços de interação na internet, mas ao mesmo tempo

com características que nos levam a pensar em disputas discursivas. Com relações de

poder distribuídas de modo não convencional não há eliminação de uma busca por

afirmação de uma verdade (FOUCAULT, 2011). A construção de falas sobre música de

modo fragmentado caracteriza a desconsideração de um sistema de valoração

institucionalizado, mas que ainda assim estabelece uma disputa valorativa no âmbito

simbólico e que pode estabelecer suas próprias conveniências com normas de uso e

interação que podem inclusive extrapolar as significações previstas originalmente pelo

programador do canal de compartilhamento.

Quando um usuário do YouTube em um comentário de um vídeo de pagode afirma que

“não gosta desse tipo de música, mas...” nos faz crer em uma auto defesa por estar

falando sobre um gênero musical que frequentemente está em debate quanto sua

legitimidade, em questionamentos quanto a se é ou não é uma “boa música”. Apesar da

ressalva feita o usuário prossegue com seu comentário: “Não gosto desse tipo de

música.....mas tanto o arranjo como a harmonia dos músicos e dos instrumentos tá

legal...” (André E.A. E.A.). A utilização das reticências também reforça o argumento de

que se trata de um questionamento à qualidade musical desse gênero. Nesse mesmo

sentido uma outra fala afirma: “10 Musicas que Voce Ja dançou e não admiti :D”.

Observamos aí uma certa vergonha quanto a ouvir ou dançar determinado gênero

musical.

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De fato, a música, por seu caráter sensível, mas também intelectivo, por estar afeita a determinações sociais que lhe transcendem, por ser capaz, comonenhuma outra manifestação cultural nestas nações pós-coloniais, de atingir e afetar esferas sociais tão distintas, tornou-se o amálgama fundamental da nação mestiça que pretende equacionar o caráter duvidoso e perigoso da heterogeneidade racial e cultural, ao mesmo tempo que pretende marcar, através da música, sua especificidade perante as culturas européia e norte-americana tomadas como referenciais de modernidade e progresso (ALVES, 2003, p.238).

A citação acima nos faz pensar na controvérsia que o pagode apresenta porque ao

mesmo tempo em que é usado como fator de distinção a partir da demarcação de uma

baianidade serve ainda como mantenedor do discurso da mestiçagem como fator

estabelecedor da igualdade racial no Brasil. O comentário que afirma que a swingueira

do Harmonia é fruto de sua origem baiana comprova a disseminação dessas ideias

referentes a baianidade. Numa das falas podemos ler: “Bahia,tudo d bom..O swing da

Bahia eh o melhor de todosss!” (Rebeca Sofia).

A Bahia ainda é citada para ressaltar a singularidade da banda entre os outros grupos

desse mesmo Estado. Como esses: “Harmonia sucesso sempre, com certeza a melhor

banda da Bahia, super qualidade!!!” (carlafreitas3); “Essa é a melhor Banda da Bahiiaa

aa si ée” (Maiza349). Destacamos entre os demais comentários aqueles que falam sobre

aspectos musicais mais específicos do Harmonia. O primeiro deles trata do ritmo

qualificando-o como bom e também reprovando a atuação de um homem rebolando no

palco. Em seguida o ritmo do grupo é ressaltado por outro fã como “delicioso para

dançar”. Sobre isso temos duas considerações a fazer, a primeira concernente ao

significado da palavra ritmo na música. E o segundo, quanto à relação no pagode e uma

performação de dança.

A definição de ritmo, segundo o dicionário online Cravo Albin da Música Popular

Brasileira, é a organização do movimento dentro do tempo.

Pode-se afirmar que dos elementos formadores da música o som e o ritmo são tão velhos como o homem, que já os possui em si mesmo, na voz e nos movimentos do corpo: batidas do coração, respiração, passos etc. O ritmo faz parte não só da música como também da poesia e da dança. É, portanto, a entidade que permite a essas três artes se manifestarem juntas e serem por isso denominadas artes rítmicas. O ritmo possui ainda um aspecto qualitativo que ultrapassa as possibilidades da notação convencional e pode fazer a diferença entre a grande arte e o desempenho medíocre. (DICIONÁRIO MPB, 2014)

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As características relacionadas ao ritmo coincidem com o contexto no qual os fãs

utilizaram a palavra. O ritmo é entendido acima como uma pulsação presente inclusive

nos movimentos do nosso corpo e os fãs nos comentários relacionam a palavra com esse

sentido de movimento a partir das batidas da música. A palavra dança chega a aparecer

explicitamente também num outro comentário: “Muito bom!!! Super!!! Pra bailar

demais” (Maria José G.); e isso nos remete a segunda consideração a ser feita que é a

relação apontada pelo comentário do pagode ser bom para dançar.

Para problematizar essa questão lembramos o texto26 “Ritmo: Raça, sexo e o corpo” de

Simon Frith (1996) que trata das significações atribuídas as diferentes características

musicais de uma canção. Segundo ele os sentidos que atribuímos a elas não são de

caráter musicológico e sim sociológico, assim uma música não seria “feita para dançar”.

Todos parecem concordar, amantes da música e loathers igualmente, o rock and roll significa sexo; todo mundo parece assumir que esse significado vem com a batida. Eu não sugiro neste capítulo que, se o rock algumas vezes significou sexo, isso é por razões sociológicas e não sociológicas. (FRITH, 1996, p.29)

O autor acredita assim numa atribuição de valores externa a música. Já Clebemilton do

Nascimento (2012) afirma que não existiria pagode sem letra como também não

existiria sem a dança. A controvérsia existente entre essas duas afirmações estabelece as

questões iniciais para a análise das postagens dos fãs de EdCity e da Pagode Sanbone

Orquestra. O cantor agora em carreira solo atuou no grupo de pagode Fantasmão onde

abordava em suas letras temas de enfrentamento às desigualdades sociais e raciais e a

Orquestra faz um pagode que geralmente é apreciado em teatros, o público não tem

tanto espaço para dança, e que não possui letra. Retornaremos então a essas questões

nos próximos tópicos.

Os outros comentários ainda relacionados aos aspectos musicais falam do swing e da

percussão da banda, elogia a performance de um dos músicos e o que mais se destaca é

o que faz uma análise comparando a atuação atual do grupo com seu trabalho posterior:

“Realmente o Harmonia está muito melhor musicalmente falando...a Qualidade é

notória.... Principalmente o Xandy, está cantando bem melhor... está fazendo uns

arranjos junto com os instrumentos...muito bom o cara...” (Ailton Motta).

26Capítulo do livro Performing rites: on te valeu of popular music. FRITH, Simone. 1996. Cambridge, Harvard.

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Temos ainda os comentários com solicitações de informações quanto a banda e suas

respectivas respostas. a) “tempo bom que jah voltou...esse dvd é de 2011” (Arthur

Salatiel); b) “Alguém me fala onde e qdo esse DVD foi gravado, por favor...?”

(weidlima); c) “POW ALGUEM SABE QUANDO ESSE DVD VAI ESTAR A

VENDA?” (Rafael GONÇALVES); d) “Esse dvd foi gravado em Manaus !!! Foi ótimo,

eu estava lá *-*” (Jéssica Julena). Essa temática aparece também nos comentários do

primeiro vídeo do Harmonia do Samba que analisamos acima. Acessamos também o

canal do YouTube do autor da postagem para verificar se essa rede de solicitações se

expandia para esse contexto, como ocorreu no vídeo acima analisado, mas não há

nenhum comentário.

Por fim, observamos os comentários que ressaltam aspectos negativos do grupo e os

agrupamos como anti-fãs (termo já conceituado por nós anteriormente). a)“o xandy já

foi oCARA!” (Roberto Araujo); b)“3:20 Gayzinho Exitado Com A Reboladinha !!”

(Igor Daniel). McLuhan (1964) ressalta que o uso de computador já modifica a ideia de

comunidade como um lugar acolhedor, assim os anti-fãs ratificam esse argumento ao

exporem suas opiniões que contradizem a fala dos fãs. Mais uma vez demonstra que o

YouTube para além de um lugar multiplicador de falas é um lugar do estabelecimento de

um campo de disputas discursivas e que em alguns momentos retrata o pagode a partir

de representações estigmatizadas.

Os 40 comentários que incluímos na categoria outros (ver tabela em anexo) apresenta

comentários generalistas, alguns com apenas uma palavra “adorooo” é um exemplo ou

então “massa”. Muitos deles se referem ainda ao cantor do grupo destacando partes do

seu corpo ou chamando-o de “♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥ Gostoso”(Maiza349), por exemplo. Esses

comentários despertam reações por parte de outros usuários que apresentam falas

sexistas. Como os comentários se repetem muito destacamos os seguintes: a) Num Sei

Quem o Mais Gay Ele Ou Vc Que Ficou Olhando Pro Pau Dele!!! (Tid'Z Bezerra); b)

alias nao sou a da foto kkk vc ta xingando e a menina nem sabe da sua existencia pk

essa foto e fake q eu peguei da net (Brenda Suelem Sousa Pereira (em resposta a

ROGÉRIO Melo); c) viadim na parada kkkkkkkkk (Brenda Suelem Sousa Pereira (em

resposta a ROGÉRIO Melo).

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O pagode apresenta modos específicos de compor e performar suas canções podemos

pensar aí em uma construção simbólica e também social a partir das suas condições de

enunciação que perpassa suas indumentárias e vestimentas. “Para além de simples

gírias, elas deixam marcas da subjetividade dos sujeitos e carregam significados

culturais e representacionais de gênero bem como de ideologia” (NASCIMENTO,

2012, p.142). O autor explica que no pagode baiano, as relações de gênero podem

emergir “tanto nas letras das músicas quanto no “engendramento dos corpos”. Assim

música, dança, contextos culturais e caracterização dos (as) adeptos(as) são

interconexões que produzem um discurso.

A sensualidade, que marcou o início da carreira do cantor Xandy no Harmonia do

Samba foi um fator de distinção quanto a outras bandas do mesmo estilo de música e

como observamos nos comentários agrupados na temática “performance”, atrai os

olhares de homens e mulheres que inclusive reclamam dele ter modificado seu modo de

dançar no palco. Essa atuação no palco se expande ou se repete por entre periguetes e

pagodeiros (modo como homens e mulheres pagodeiros são denominados) que

“elaboram e enunciam coletivamente mudanças de valores por meio de práticas

corporais que se constituem como diferença e identidade racial” (ALVES, 2003).

Alves (2003) ao pesquisar sobre práticas corporais, raça e masculinidade no pagode

baiano afirma que a “quebradeira” do pagode, sobretudo para os homens, é o momento

de poder tudo ou quase tudo. Os corpos são “liberados” temporariamente dos modelos

hegemônicos de masculinidade e feminilidade. Práticas, que a partir dos comentários

acima, podemos inferir que continuam a ser interpretadas pelo viés sexista e

preconceituoso. Os rapazes, ao mesmo tempo em que precisam corresponder a um modelohegemônico de masculinidade pela ritualização da violência, pelo sexismo e homofobia, quando performam, questionam esta hegemonia através da emasculação de seus corpos ou de uma interação ambígua e interessada com os viados. Estes, posicionados entre periguetes, putões e moleques, funcionam comouma categoria residual do masculino ou do feminino, muito menos autônoma do que se imagina. Vejo nisso, aliás, uma razão para a ênfase que tem no pagode o verbo quebrar,aquebradeira. O saber quebrar, a quebradeira é,enfim, a mobilização no corpo, sobretudo dos homens, de idéias e discursividade descontínuas, quando homens, vestidos de peles negras e máscaras brancas, podem tudo, ou quase tudo. Podem ser “negros”, podem ser “homens mesmo (machos)”, podem ser “viados”como os viados não o são, podem ser “putões” como as periguetes não são “putas” (ALVES, 2003).

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A análise dos dois primeiros vídeos nos leva a entender assim que o canal de

compartilhamento YouTube não apenas constrói práticas que podem ser consideradas

como profanadoras pela sua ruptura com aspectos relacionados: a) ao modo de

comunicação dos veículos tradicionais tanto no que diz respeito a instantaneidade de

suas estatísticas com visualizações e curtidas como também ao feedback entre usuários;

b) a possibilidade de fala do consumidor; c) a ressemantização da relação artista e

público; c) a disseminação de uma musicalidade que tem suas singularidades pouco

exploradas pela crítica profissional especializada.

O lugar construído pelos protocolos do YouTube bem como pelas práticas dos fãs é

também contraditório quando faz emergir características do pagode baiano não

visibilizadas na grande mídia mas ao mesmo tempo ressoa discursos e representações

desse estilo musical construídas por essa mesma imprensa. Nas análises subsequentes

destacamos outras questões relacionadas à profanação desses fãs.

3.3.1 Sanbone Pagode Orquestra

Comandado pelo maestro Hugo Sanbone que já atuou em bandas como Psirico e

GuigGueto a Orquestra é nomeada a partir da união das habilidades de Hugo com a

sanfona e o trombone. Autodidata, o sergipano começou a tocar aos nove anos na

orquestra infanto-juvenil Lourival Batista de Aracaju. O encontro com o pagode,

inclusive, se deu na capital sergipana, mas foi em Salvador – para onde se mudou em

2000 – que a sua habilidade com a sanfona e com o trombone foi aperfeiçoada devido às

diversas passagens por grupos de forró e pagode. Habilidade esta que originou o

sobrenome Sanbone [san(fona) + (trom)bone]. Por isso o “nê” antes do “b”. A Sanbone

Pagode Orquestra surge em 2009 com 25 músicos e com a proposta de adaptar música

regional baiana, o pagode e suas variações, à música erudita. Quase todos seus

integrantes tocam em outras bandas de música popular e grande parte deles começaram

a aprender música de forma autônoma e hoje 90% deles cursam nível superior em

música.

Com composições e arranjos do maestro Hugo, as obras possuem duração que varia

entre a sinfonia, com execuções mais extensas, e a música feita para tocar em rádios,

com durações mais curtas. Assim, as músicas têm duração que vão de seis a dez

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minutos e todas levam o nome de sinfonia, como a Sinfonia Primeira de Pagode (música

instrumental vencedora do VII Festival de Música da Educadora FM de Salvador e do

Festival Nacional das Rádios Públicas em 2009). Na página oficial do grupo no

facebook, destacamos o seguinte trecho, “O maestro Sanbone sempre sonhou tanto com

a popularização da música erudita, quanto com a erudição da música popular,

especificamente o ritmo homenageado no trabalho tão estigmatizado por grande parcela

da população.” Ainda nessa página na categoria gênero eles assim definem-se: “Erudito

| Popular | Pagode | Contemporâneo”.

O maestro em entrevista a jornalista Marília Moreira para o site do Bahia Notícias

<http://www.bahianoticias.com.br/>, afirma que os inspiradores do grupo são os russos

Stravinsky e Tchaikovsky e o austríaco Mozart e também o trabalho de bandas como

Harmonia do Samba e Psirico – da banda liderada por Márcio Victor, classificada por

Hugo como “responsável por um dos trabalhos rítmicos mais ricos que o pagode da

Bahia já teve”. Na mesma entrevista Hugo destaca o projeto “Psirico Experimental”, no

qual ele participa na confecção dos arranjos e nos metais.

A primeira postagem da Sanbone Pagode Orquestra que vamos analisar é um vídeo

(V1) que tem o título: SanbonePagodeOrquestra, data de upload de 2010 e link:

<http://www.youtube.com/watch?v=cHt2wiTV0BU>. O vídeo foi selecionado a partir

de uma postagem de fã, mas pesquisando um pouco mais verificamos que a produção

originariamente era do próprio grupo, postada pelo maestro, e recompartilhado pelo fã.

Resolvemos não usar o link do recompartilhamento e sim do originalmente postado,

pois é nele que possui comentários, ferramenta importante para nossa análise. Postado

por hugosan11, com 57.173 visualizações, 66 comentários, 159 gostei e 01 não gostei o

vídeo nos apresenta uma inicial problemática. Se ele é postado pelo próprio ídolo não se

encaixaria na categoria prosumidor.

A observação mostrou-se relevante uma vez que o mesmo vídeo postado pelo fã não

possui nenhum comentário. Constatamos que a interação entre público x usuários do

YouTube com uma mesma produção postada pelo próprio grupo ou postada por fãs

ocorre de modo diferenciado. Por outro lado, os comentários escritos, reafirmam ou

tentam negar aquilo que já foi exposto pelas imagens postadas e para nós está aí o

movimento de disputa discursiva.

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A postagem feita pelo próprio artista configura-se como um comentário sobre si mesmo

e as falas sobre o vídeo a partir de fãs, anti-fãs, entre outros usuários do canal,

repercutem afirmando ou negando a musicalidade em questão. Os comentários escritos

reafirmam ou tentam negar aquilo que já foi “dito” pelas imagens postadas. Podemos

afirmar ainda que a hierarquia da fala, onde o expert em música (na figura do crítico) é

o primeiro a elencar critérios e estabelecer um juízo de valor a ser posteriormente

lido/repercutido, é profanada pela possibilidade de subversão da ordem de fala. No

canal estudado o comentário inicial (que para nós é a postagem do vídeo) a respeito de

uma musicalidade pode ser tanto por parte dos fãs como também do próprio artista. Por

isso ratificamos a afirmação, feita ainda na abertura desse capítulo, de que os

comentários nesse contexto são elementos fundamentais para o estabelecimento de uma

profanação da crítica musical profissional.

Essa profanação seria assim potencializada pelos aparatos tecnológicos como câmeras

digitais e internet, entendidos por nós como dispositivos, denominação já citada no

início dessa dissertação que Agamben (2009) define como “qualquer coisa que tenha de

algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar,

controlar e assegurar os gestos, condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”

(AGAMBEN, 2009, p.40).

Esses aparatos enquanto dispositivos estabelecem profanações na crítica musical, por

permitirem a apropriação de linguagens antes especializadas, que são a 1- construção de

juízo de valor musical, a partir do 2 - código audiovisual/digital. E esses dispositivos

vão assim configurando um modo de produção de imagens relacionadas ao pagode

baiano – bem como se tornando o próprio código linguístico desses fãs que fazem uso

do YouTube.

A partir das informações acima já podemos estabelecer algumas distinções do trabalho

desse grupo com o dos demais artistas que estamos analisando. a) A primeira é que

nossa análise agora deverá prestar atenção se há um tipo de intervenção diferenciada

dos prosumidores através desta forma de interação gerada pelo próprio ídolo; b) A

segunda diz respeito à educação formal em música que a maioria dos músicos possui

fato que não necessariamente afirma uma superioridade sonora, mas é notório que

agrega capital simbólico ao grupo; c) Trata-se de música instrumental, diferente das

outras propostas aqui estudadas que possuem composições no formato canção. A

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orquestra separa suas composições por sinfonias; d) A proposta da Sanbone de

popularização da música erudita x erudição da música popular;

Esses elementos irão compor nossa análise e serão aprofundados em seguida. A seguir

tabela com os números referentes ao vídeo (V1):

Tabela 6: Comentários referentes ao vídeo V1 da Sanbone Pagode Orquestra.

Seguindo nosso método de ordenamento do material a ser analisado, os comentários

estão separados a partir de novas temáticas, uma vez que o público da Sanbone Pagode

Orquestra apresentou outros temas em seus diálogos. Não foi recorrente nenhum dos

temas que apareceram nas falas dos fãs do Harmonia do Samba. Alguns comentários

poderiam ser classificados concomitantemente em mais de uma das temáticas que

propusemos, mas filtramos a partir do tema que mais se destaca. Assim, os comentários

estão separados pelos assuntos: 1) Referência ao maestro; 2) Defesa do gênero pagode;

3)Referência às letras do pagode; 4) Uso do argumento “bom gosto” e/ou referência às

características distintivas da Orquestra; 5) Referência a críticos;

Tratando-se de uma Orquestra, onde diferentemente dos dois demais trabalhos que

estudamos, não possui um cantor, uma figura que mantem o contato com a plateia de

modo mais direto, observamos que o público mantém essa conexão na imagem do

maestro. Abaixo os comentários que fazem algum tipo de referência ao maestro Hugo:

a) NOssssaaaaaaaa que coisa mais linda.. fiquei arrepiada, orgulhosa... sem palavras...

Esse é o meu maestro que tanto amo... Negão!!!!!!!!!eu já sabia o quanto tu bom .. agora

que só deu o xeque -mate.. bjus parabéns Te amo amigo- irmão.. bjus Carla Maia

(2318caroline); b) É o que se pode chamar de "true" Groove arrastado. O maestro foi

entre dois extremos e a inovação ficou massa! (Murillo Elias); c) Hugo, Lulu Santos ja

dizia: O pagode eh chique! Parabens maestro! Belo trabalho! (Sandro Andrade); d) O

maestro dança! Kkkk (Emanuel Prado); e) GRANDE HUGO,ORGULHO DA

Comentários referentes aos aspectos

musicas/performance

Comentários de Anti-fã

Outros Comentários Totais

33 12 00 45

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MUSICA BAIANA E SERGIPANA,ABRAÇO MEU AMIGO,CONTINUE COM

ESSE TRABALHO DIFERECIADO,TORÇO MUITO POR VOCE IRMÃO,ABRAÇO

(Bruno Reyner); f) Show de SOM!!! Parabéns pela belíssima interpretação!!! Grande

HUGO, humildade em pessoa!!! Erbert de Cuiabá MT (Erbert Sax Cuiabá); g) Hugo

tem anos que ñ te vejo mais rpz vc é foda. Parabens e sucesso. Ideia do caralho. Abraços

Rominho. Depois me manda um material p/ver eu mostrar a uns parceiros investidores.

Fui! (ineditusproducoes); h) Hugo parabens mais uma vez e o end. p/enviar o material é

: Rua André Rebouças nº64(antiga rua do Fogo) Bairro Ribeira-Itapagipe Cep 40.420-

210 Salvador Bahia Ineditu's producões e eventos Esse seu trabalho tem que ser

divulgado, pois ritimo e musicalidade que o povo dança, curte e ñ prostitue a mente.

Parabens..... (ineditusproducoes);

Entre elogios pelo trabalho, podemos observar que são destacadas algumas

características que o público acredita ter afinidade com a sonoridade da orquestra como:

o “groove arrastado” e a inovação nos arranjos. Há também felicitações pela iniciativa

de montar a orquestra que é afirmada como elemento de orgulho para a música baiana e

sergipana, cidades onde Hugo Sanbone já atuou musicalmente. Um dos fãs chega a

sugerir que a atuação da Sanbone faz com que o pagode seja “chique”. É perceptível

que não é somente a adaptação das células rítmicas do pagode para a formatação

orquestral que impressiona, mas, também toda a composição mais pomposa que a

apresentação possui com músicos vestidos formalmente de blusa e calça social e

gravata, vestuário elegante que se distingue do modo mais informal como os músicos

dos grupos populares aparecem no palco. Termos como elegância, diferenciado e

sofisticação são frequentes nas falas dos fãs que relacionam essas características a

fatores como uso de partituras, presença de um maestro, estudo dos músicos, entre

outros.

Constatamos então que a Sanbone a partir de sua intencionalidade de popularização da

música erudita bem como erudição da música popular pode causar certos paradoxos no

que se refere ao modo como a proposta é entendida pelos seus apreciadores. Ao passo

que incorpora a musicalidade do pagode em seu repertório, faz com que o estilo ganhe

notoriedade e status de música de qualidade tanto por pagodeiros como também fãs de

outros estilos musicais, acaba por distanciá-lo de seu contexto característico que é:

É um mundo de afetações e maneirismos, descontínuo e assimilacionista, por excelência erotizado e corpóreo, do qual se faz necessário falar das palavras,

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mas também dos corpos, sobre o caráter posicionado, mas também performático da identidade, sobre a “baixaria” que os próprios pagodeiros atribuem ao pagode (ALVES, 2003, p.212).

Assim, a hibridez da Sanbone Pagode Orquestra gera surpresas como a de um dos

comentadores que exclama: “O maestro dança! Kkkk”. Tradicionalmente a figura do

maestro é percebida com mais sobriedade, na postagem que estamos estudando, o

maestro Hugo arrisca um gingado com o corpo quando inicia a regência da composição

(sinfonia 4 – Veemencia) fato ressaltado nesse comentário. Sobre isso, Hugo em

entrevista ao portal Bahia Notícias

<http://www.bahianoticias.com.br/2011/imprime.php?tabela=entretenimento_resenhas

&cod=38> afirma que: “É muito tranquilo, porque a nossa proposta é fazer uma música

de qualidade, com qualidade, respeito e seriedade. Mas isso não quer dizer ser

rabugento, nem sisudo, nem arrogante. A gente sabe que o universo da música popular é

mais leve, a gente toca se divertindo. Na orquestra é um pouco diferente. Mas brincar

não quer dizer que não seja uma coisa séria”, explica.

Ressaltamos ainda, entre os comentários acima expostos, a participação da

“ineditusproducoes” que aproveita o espaço para solicitar material da orquestra para

buscar investidores. Prática que comprova, o que já afirmamos no primeiro capítulo

desta dissertação, que as bandas/grupos de pagode utilizam os novos aparatos

tecnológicos como câmeras digitais e a internet para chamarem atenção de investidores,

pois para atingirem maior notoriedade precisam de investimento. Num outro comentário

a “ineditusproducoes” posta ainda o endereço para que o material seja enviado e

acrescenta: “Esse seu trabalho tem que ser divulgado, pois ritimo e musicalidade que o

povo dança, curte e ñ prostitue a mente. Parabens.....(ineditusproducoes)”. Observamos

a partir daqui que em alguns momentos as mesmas características usadas para distinguir

o trabalho da Sanbone serviam ao mesmo tempo para “inferiorizar” a apresentação de

pagode das bandas baianas que normalmente possuem músicas de duplo sentido e

performances sensuais de dançarinas/os ou cantores.

Separamos então os comentários que falavam das características distintivas do grupo

ressaltando aspectos que afirmavam o “bom gosto” da proposta:

A) muito bom música realmente não tem fronteira quando bem trablhada não importa o

estilo (vini arnaut); B) RPZ EU TENHO CERTEZA QUE VOU VER ESSA GALERA

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AI EM JÓ SOARES PQ ISSO É UM GRANDE PASSO PRO PAGODE BAIANO E

SO DE VER ESSA GALERA DE ALTO NIVEL APOSTA NESSE SEGUIMENTO

FORTALECE E DA ANIMO A TODA GALERA DO MEIO A ESTUDA E FAZER

UMA BOA CARREIRA COMEÇANDO COM ELE AFINAL MUSICA NÃO TEM

FRONTEIRAS É SO SER CURIOSO E ESTUDA Q VAI.. PARABENS A TODOS...

(Zay BONDE DO ZAY); C) Meu Deus do céu é a mesma coisa que pegar coisa que não

tem um fundamento ,não tem alicece, mais que já foi construída e alicerçar e

fundamental isar em algos mais firme o pagode baiano ou melhor a música baiana com

uma sofisticação gigantesca, coisa de outro nível com direito a partituras e a regência de

um maestro (denis dos santos barros). D) magnifico, para nós musicos amantes da

musica bahiana, e amantes da musica classica, é um prazer (Cibele Felix); E) Nem tudo

está perdido nessa Bahia. Essa é uma prova de que, com bom gosto, tudo se resolve.

Prova também o nível de sofisticação musical que possuem os músicos do axé e do

pagode baiano. Prova, ainda, que esses artistas têm a necessidade de produzir uma

música que pode estar fora dos padrões comerciais, mas que lhes proporciona maior

prazer estético. Parabéns pelo excelente trabalho! Sucesso!!! (João Maurício Ramos); F)

Essa é a melhor.....nada igual em salvador.... (Sou Com Estilo Salvador-Ba); G)

Maravilhoso o som de vocês. A um tempo atrás seria dificil acreditar que seria possivel

ver o pagode baiano num nivel de orquestra. Hoje já começo a acreditar em concertos

de pagode. Maravilhoso isso!! (Renato Dhias); H) Demorouuuuuuuu !! HeHeEH Muito

Balaaaaaaaaaaa !! uhuuuuuuu É o Pagodãooo !!! Parabéns a galera aêee (Junior

Mendes); I) Isso pra min e axé nao pagodee (banana7626); J) Muito massa brother

...tem q começar a fazer shows por aii muitoo massa (Lidi Bitencourt); L) DO

CARALHO ERIC, GRANDE SAXOFONISTAb (renivalbn); M) Phodãao...

PAGODÃOOOAÊE(DouglasCruz); N) “RPZ EU TENHOCERTEZA QUE VOU VER

ESSA GALERA AI EM JÓ SOARES [2] (Ronaldo Lab); O) A BAIA É FODA...

PARABÉNS A TODOS OS MÚSICOS DA BAIA(Samuel Guilherme); P) quero baixar

esse video ta muito show brothers!!! só faltou meu brother sandro lima no sax pra

completar rs abração e parabéns!!! (Maicley vierráhd); Q) Muito bom!! ... da pra ve, que

no brasil existem grandes musicos :D (Cadu Butrago); R) Boa noite. Gostaria de um

email e nome para contato. Temos novidades. Obrigada e aguardamos(anadio03 (em

resposta a ineditusproducoes)).

A primeira fala demonstra o que assinalamos acima quanto a distinção do pagode na

Sanbone x pagode dos outros grupos baianos. O fã afirma que a música não tem

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fronteira quando “bem trabalhada” e acrescenta ainda que assim não “importa o estilo”.

Chamou-nos atenção a expressão “bem trabalhada”. É notório que o comentário não

estabelece critérios musicais que justifiquem ou esclareça o que quer dizer a expressão,

para nós seu uso denota um “bom gosto” ou ainda uma superioridade musical. O

comentário seguinte nos ajuda a elocubrar sobre isso quando em caixa alta chama os

músicos da Sanbone de “galera de alto nível” e os coloca como exemplo para que os

demais músicos que fazem pagode também estudem. A partir desses comentários

pensamos que os parâmetros utilizados por esses usuários do YouTube estão atrelados às

práticas de escuta previamente estabelecidas e que educa nossa audição segundo

configurações sociais e mediáticas.

Práticas de escuta são convenções. Convenções estabelecidas e consolidadas historicamente, inscritas em determinadas configurações sociais e mediáticas. A escuta, como dimensão ativa da audição, é exercitada e educada pelas diversas situações sociais (escutar a buzina de um carro, o choro do bebê ou o som da guitarra de um ídolo musical), ampliada e ao mesmo tempo restringida pelas diversas extensões do homem (como o estetoscópio, gramofone, alto-falantes etc.) (CARDOSO, 2010, p.11).

Nesse caso podemos inferir que a proposta da Sanbone Pagode Orquestra provoca

determinadas “surpresas” pelo fato de não se enquadrar completamente nem no formato

tradicional dos grupos de pagode baiano e nem como uma Orquestra nos moldes aos

quais nos acostumamos a ver. Desse modo, escutar música é uma prática cultural

permeada pelo constrangimento que o próprio estilo musical estabelece, pelos modos de

interação entre produção e o público como também pelo repertório musical do ouvinte.

Trotta (2011) reflete sobre isso e afirma que a valoração de uma música é uma ação

social e ocorre em um território de conflitos e critérios repercutindo a hierarquia social

mobilizada pelas práticas culturais. Ao se aprofundar quanto aos elementos que

instauram a legitimidade de um gosto musical, Trotta (2011) fala sobre o status

adquirido pela música clássica (a música de concerto de tradição clássico-romântica

europeia). “A legitimidade da música clássica deriva de um tipo de experiência estética

cuja eficácia depende de seu processo de aprendizagem” (TROTTA, 2011, p.119). E

questiona: “Mas quais seriam essas características que determinam esse conjunto de

critérios “legítimos” para o “bom gosto” musical?”

Para responder a questão, o autor pontua algumas questões e usaremos aqui apenas duas

delas: “Em primeiro lugar, trata-se de uma prática cujo aprendizado está direcionado

para o controle, ou seja, para um tipo de escuta musical silenciosa, atenta e

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descorporificada, compondo o necessário quadro de civilidade que se opunha às práticas

culturais profanas e bárbaras dos “selvagens”. (TROTTA, 2011, p.119). Assim, temos

atitudes/circunstâncias que moldam o comportamento desse público. As salas de

concerto possuem suas “regras de conduta” que vão desde o modo de se vestir, postura

estática dos músicos como também hora correta de aplaudir. Trotta (2011) continua:

“Mas há um segundo aspecto importante na construção de valor na música erudita.

Trata-se, precisamente, do tipo de música que envolve toda essa experiência social.

Evidentemente, sua estruturação formal sonora favorece essa relação “racional” com a

música, estabelecendo uma forte ênfase em alguns parâmetros sonoros e recalcando

outros” (TROTTA, 2011, p.120). O autor ressalta que a sonoridade orquestral (mesmo

nos grupos de câmara e nos solos) suprimem uma regularidade rítmica e de percussão

privilegiando harmonia e melodia, um contexto que “adormeceria” o corpo e realçaria

uma racionalidade da música.

Nesse sentido, a Sanbone Pagode Orquestra evidencia em sua proposta musical

contravenções tanto ao contexto musical do pagode como a essa cena da música erudita,

o maestro que dança, a presença massiva de percussão, são exemplos dessa fuga aos

parâmetros tradicionais da música orquestral. Ao passo que a roupa social, composições

no formato de sinfonias, algumas com longa duração, contrariam o formato dos grupos

de pagode baiano. Ainda assim, o fato do pagode ser tocado nesse formato

historicamente entendido como de “bom gosto” que é a música erudita, para muitos dos

comentadores da postagem, colocou o pagode num status de música de qualidade e

inclusive serviu para argumentar em defesa do estilo musical pagode, como veremos

nesses comentários:

A) Pra quem acha que pagode não é cultura (Marcos Vaz); B) e quem disse que música

baiana não tem fundamento ou alicerce? o.O hai ai, cada uma (Emanuel Prado (em

resposta a denis dos santos barros)); C) Pra aqueles que dizem que pagode não é

música...; !!Márcio Montanha; D) BANDA HARIGATOU DE SALVADOR VOC.

ARAME LISO....agradeço por volarizar a cultura da bahia o pagode é uma das

melhores musica criada no mundo.....existe a musica de duplo sentindo mais é pra

combater a desingualdade(harigatou mago); E) ainda dizem q pagode não é música,

muiinto bom msm, concerteza o pagode da q pra frente vai ser mais falorizado! (Rennan

Santos); F) Maravilha de orquestra. Mostra cada vez mais que o pagode não é apenas

formado por quatro acordes. Um belo trabalho no qual merece todo apoio de nós

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baianos para levar esse excelente grupo ao patamar internacional. Parabéns Hugo, forte

abraço do filho do SGT Rocha.(Douglipe1); G) Vcs Tocam muuuito isso que é

Pagode!!! Isso que é musica!!!(gbbatera1); H) RAPAZZZZZ ISSSO E O

VERDADEIRO PAGODAUMMMMMMM VCS TEMQ UE GRAVAR E BOTAR NA

NET QUERO PODER BAIXAR VCS SAO D+ MEUS PARABENS (Lucas

Takamoto); I) sinto orgulho da minha bahia, mesmo longe dela , olha que lindo quem

sabe daqui a um tempo possamos ver essa orquestra no mundo todo levando o nome da

bahia e mostrando mas uma vez porque os bahianos são diferentes!! (Gledson Macedo);

J) Muito Bom... Pagodão da High Society... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Os caras

tocam muito... Parabéns(Rodrigo Santos); L) Uma orquestra DI-FE-REN-TE!!!

Adoreiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!! Parabéns a todos os músicos! Vcs tocam

muitoooooo! Sucesso (feijaoefarinha); M) Parceiros Musicos saum musicos - tanta

qualidade em Pain show de bola curtii pra carayyy (Junnior satann'a).

O trabalho da Sanbone de propor arranjos para o pagode com uma roupagem de música

clássica estabelece para alguns fãs um “fundamento ou alicerce” para essa musicalidade,

no entanto essa perspectiva também é contestada. Podemos observar isso no diálogo

abaixo:

- “Meu Deus do céu é a mesma coisa que pegar coisa que não tem um fundamento, não

tem alicece, mais que já foi construída e alicerçar e fundamental isar em algos mais

firme o pagode baiano ou melhor a música baiana com uma sofisticação gigantesca,

coisa de outro nível com direito a partituras e a regência de um maestro” (denis dos

santos barros).

- “e quem disse que música baiana não tem fundamento ou alicerce? o.O hai ai, cada

uma”.(Emanuel Prado (em resposta a denis dos santos barros)).

A partir do primeiro comentário podemos observar que quando a arte se distancia mais

da vida cotidiana gerando um modo de experiência estética que algumas vezes exige a

presença de um especialista que traduza a obra para os indivíduos comuns que podem

adquirir a partir daí o que Bourdieu (2001) denomina de capital cultural, ela adquire

socialmente o status de bom gosto cultural, no entanto esse processo de legitimidade

cultural não passa incólume. O comentário de Emanuel Prado demonstra isso quando

ele questiona a afirmação da música baiana não ter alicerce. Seguindo essa linha, nos

parece interessante destacar um outro comentário que afirma que a proposta da Sanbone

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“Mostra cada vez mais que o pagode não é apenas formado por quatro acordes”.

Importante ressaltar que as canções do pagode, acusadas, muitas vezes, de fácil

assimilação, tem sua célula rítmica mantida na Sanbone Pagode Orquestra, o que não

aparece são as letras, que em nossa análise, geralmente ganham um destaque que

chegam a se sobrepor a sonoridade.

As letras do pagode ganham destaque nos comentários que expomos abaixo:

A) Se deixar assim está otimo, por favor não deixem vim um sacana qualquer e colocar

uma letra chula kkkk (blogdobinda); B) tirando os palavroes e a baixaria o pagode

baiano nao deve nada a ninguém; !! (Negro Lindo); @marciomerces91 com aquelas

letras do tipo "bota a boceta no pau"? Não tem como chamar de música. Foi necessário

brincar de orquestra para que não olhassem com tão mal gosto. Apóio a iniciativa, mas

não dá para incentivar o pagode com letras que desrespeitam a mulher, dentre outras

coisas. (paulopomponet (em resposta a Márcio Montanha)); C) @marciomerces91 com

letras como "bota a b*c*t* no pau"? não tem como chamar de música! foi necessário

que alguém brincasse de orquestra para que outras pessoas, que não os próprios baianos,

respeitassem o trabalho. Apóio a iniciativa, acho importante! Só não acho que devemos

continuar incentivando músicos de tão bom potencial a tocar 'músicas' que desrespeitam

a mulher, dentre outras coisas. Que isto sirva como um novo caminho (paulopomponet

(em resposta a Márcio Montanha));D)

Muitolindo!Emfim....Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Ir

ado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Ir

ado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Irado,Ir

ado,Irado,Irado,Irado,Irado Assim ´ realmente é muito melhor sem as letras.... ISSO É

PAGODÃO, SWINGUEIRA, SIM, AXÉ É DIFERENTE(yanjambeiro).

A ausência de letras em suas composições é mais um fator de distinção quanto ao

trabalho dos demais grupos que fazem pagode na Bahia. Mas ressaltando que os

gêneros musicais constituem conveniências próprias e específicas organizando suas

maneiras de tocar, ouvir e vender (TROTTA, 2011) assinalamos que a dança e o canto

compõem características marcantes em determinados gêneros musicais e o pagode

insere-se nessa conjuntura. A Orquestra ao adaptar o pagode a música orquestral, omite

o canto e mesmo se propondo a uma menor formalidade na apresentação, como afirmou

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o maestro, a maior parte de suas apresentações são em salas de teatro que convidam o

corpo a uma postura inerte, pelos próprios ritos do local.

Esses elementos que discorremos acima nos impõe pensar na singularidade do sistema

valorativo da prática musical da Sanbone Pagode Orquestra, pois encontramos em sua

conjuntura elementos distintos para a definição de critérios de qualidade. Apesar da

parca literatura a respeito do pagode, encontramos autores que afirmam inerência entre

essa música, a letra e a dança: “Negar a importância das letras nesse produto cultural,

em favor do ritmo contagiante e envolvente é negar a sua própria complexidade

enquanto evento que agrega letra, música e dança (corpos em performances, corpos

construídos baseados sob parâmetros hegemônicos)” (NASCIMENTO, 2012, p.111,

2012).

Diante dessa afirmação urge a necessidade de complexificar a construção de um

julgamento valorativo de uma prática musical que negocia tanto com elementos do

pagode como também da música clássica. Se no pagode a dança e as letras são

marcantes, estabelecendo muitas vezes um parâmetro para o tipo de experiência que

causou, podemos afirmar que a ausência deles não justificaria uma afirmação de

ilegitimidade na sonoridade proposta pela Sanbone. Os critérios/juízos valorativos

perpassam negociações morais demarcam por sua vez o lugar social de quem julga e

além disso, contradição e complexidade são ingredientes utilizados desde o

estabelecimento de hierarquias na música brasileira (TROTTA, 2011).

De forma resumida, é possível pensar que os critérios legítimos, quando aplicados à música popular, sofrem uma espécie de tensionamento vindo de sua confrontação com outros critérios que negociam legitimidade. A questão da modernidade relacionada à tecnologia ou os apelos à dança e à participação corporal nos momentos de experiência musical funcionam como critérios que se chocam com aqueles que apontam para a complexidade harmônico-melódica ou a fruição sublimada e autoria mitificada. No entanto, tais critérios permanecem quase sempre secundários em boa parte das práticas musicais, que acionam os referenciais da tradição erudita para desqualificar outras práticas musicais com as quais disputam mercado. É possível identificar ainda que alguns grupos sociais admiradores de certas músicas elaboram critérios híbridos, fundindo noções de tradição, participação corporal e autoria destacada, como no caso do samba. (TROTTA, 2011, p.134).

A Sanbone Pagode Orquestra amplia o perfil de seus apreciadores justamente pela

hibridez que apresenta em sua proposta musical, conseguindo agregar o ritmo regional

característico da Bahia que é o pagode à cultura da música clássica. Sendo música

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instrumental não inclui em suas composições um dos ingredientes mais polêmicos do

pagode que são suas letras. Como dissemos os critérios de qualidade negociam de modo

conflitante entre o ético e o estético e ganham em alguns momentos contornos

moralistas e a ausência de letras nesse caso significou argumento de reforço à qualidade

sonora do grupo.

Todas essas características que elencamos acima constituíram para os fãs do pagode

argumentos tanto para sua defesa enquanto gênero musical bem como para o

questionamento da fala negativa quanto aos elementos estéticos presentes na crítica

musical profissional e reverberada no senso ordinário. Os fãs demonstram com seus

discursos uma consciência do desnível de legitimidade que existe com uma

musicalidade proveniente do samba, uma prática musical negro-africana que desde sua

origem pleiteia um espaço de legitimidade na música popular brasileira. O pagode que

agencia a “experiência de homens urbanos, negros e periféricos” (ALVES, 2003) encontra

no discurso dos apreciadores da Sanbone Pagode Orquestra algumas referências à

crítica. Não fica claro se a referência é aos críticos musicais profissionais ou à fala

ordinária sobre o pagode:

A) E ISSO AE GALERA MOSTREM AOS CRITICOS E AOS INVEJOSOS QUE A

BAHIA TEM A MELHOR MISTURA DE RITMOS E SWINGS DO BRASIL.....

QUEM PODE PODE QUEM NAO PODE EU SO LEMENTO..(Simoes Marcus); B)

Parabéns! Ficou claro pra quem não quer ver que a música nascida do povo pode ser

interpretada e tocada com qualidade de Big Band... Com direito a partituras e elegância

de um Maestro. Colocando por terra aquela máxima que a música da Bahia não tem

qualidade... E agora Srs criticos vai dizer o que? Salve os músicos da boa terra. Salve a

qualidade (Juaneravena).

A referência aos “críticos” como aqueles que precisariam perceber a música “nascida do

povo”, como afirma um dos comentários acima, como passível de qualidade pode ser

entendida ainda como um recado aos “fiadores da ordem pública e guardiões da cultura

nacional” como denomina Simone Sá aos jornalistas que se portam como defensores de

uma música/cultura autênticos. Essa reinvindicação de “guardiões” ocorreria segundo

ela em duas situações: primeiro ocorreria em casos extremos, de crises, onde as

instituições pareçam estar ameaçadas, por forças externas ou não. “Já a reivindicação do

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segundo papel se realiza em bases mais próximas do cotidiano, mas ganha força em

eventos e cerimônias nas quais a identidade nacional é posta em questão” (SÀ, 2014).

Diante desse cenário a autora ressalta que quanto ao pagode e sua relação com a crítica

profissional o que acontece é uma batalha simbólica contextualizada no cenário

complexo da cultura brasileira que tradicionalmente acolhe o carnaval carioca e suas

escolas de samba como possuidores do samba “autêntico”, as coreografias sensuais já

seriam assim reconhecidas como parte da tradição. Já o pagode baiano que conquista

cada vez mais o interesse dos jovens brasileiros, não seriam reconhecidos pela crítica

musical por representar certo risco às práticas tradicionais tão guardadas pelos “zelosos

guardiões culturais”.

Acrescentamos que os zelosos guardiões culturais reverberam suas opiniões por

distintos grupos que buscam proteção a moral, bons costumes e a uma musicalidade dita

de qualidade. Essas questões retornam quando nos debruçamos sob a segunda postagem

da Sanbone Pagode Orquestra a ser analisada. Trata-se do vídeo (V2) que tem o título

Sanbone Pagode Orquestra e o link: <http://www.youtube.com/watch?v=lq9Quj0-

Yv0>. Com data de upload de 2013, postado por Junior Bido, o vídeo tinha 1.417

visualizações (até a data de nosso acesso), 02 comentários, 11 curtidas em gostei e 0 não

gostei.

Tabela 7 : Comentários referentes ao vídeo V2 da Sanbone Pagode Orquestra.

A descrição das imagens disponibilizada pelo seu autor é o que inicialmente nos chama

atenção:

“Apresentação especial da Sanbone Pagode Orquestra na Amostra Vila Verão do

Teatro Vila Velha, dia 06/01/2013, quem compareceu aproveitou a oportunidade de

iniciar o ano entendendo que ainda existe uma forma de ouvir o pagode sem precisar de

palavras agressivas e nem estimular a sexualidade. Salve Maestro Hugo e família

Sanbone Pagode Orquestra!”

Comentários referentes aos aspectos

musicas/performance

Comentários de Anti-fã

Outros Comentários Totais

02 00 00 02

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Mais uma vez aparece o apelo ao “bom gosto” reforçando ainda a ausência de letras que

o usuário qualifica como agressivas e estimulantes para a sexualidade. A postagem

apresenta apenas dois comentários, sendo que o primeiro aborda a proposta musical do

grupo como vinculado a música erudita da Bahia e o segundo apenas elogia a Orquestra:

A) Esse é o som erudito da nossa terra. Sou fã do Sanbone e da Rumpilezz. Parabéns

Sanbone. (Ricel leite); B) Muitíssimo bom!!! Fantástico!!!. (Kekedie Lucie).

O canal do autor da postagem (Junior Bido) não possui comentários, mas observamos

que ele postou outros vídeos da Sanbone. Assim, o segundo vídeo com sua descrição,

comentários e estatísticas ratificam e corroboram para a análise crítica das temáticas que

discutimos na primeira postagem referente à Sanbone Pagode Orquestra. Foi possível

observar que não necessariamente a postagem ter sido feita pelo artista, no caso da

primeira postagem, desencadeou grandes alterações na recepção ou construção de juízo

crítico da obra. A hibridação da proposta do grupo é que mostrou-se ingrediente

fundamental para a construção de um sistema valorativo que agenciou temas como

erudição x música popular, o papel da crítica na música brasileira assim como a reflexão

sobre a linha tênue, móvel e tendenciosa que existe entre o bom e o mau gosto.

As reportagens que tivemos acesso não fogem a regra de tocar nesses temas que

também aparecem na fala dos comentadores das postagens. Observamos assim que o

pagode ampliou seu território de acesso a partir do trabalho desse grupo, não somente

no que diz respeito ao público, mas também por acessar ambientes que normalmente

não fariam parte de seu “território”. A formalização de alguns elementos musicais do

pagode como os grooves, convenções e instrumentação correspondeu a uma expectativa

elitista de uma estruturação da música baiana a partir da educação formal que assegura

para determinados segmentos sociais uma qualidade sonora.

Pouco se sabe sobre esse produto cultural senão através do discurso dominante, carregado de juízos de valor veiculado pela mídia ou pelas elites de viés estético ocidental e pelos formadores de opinião (intelectuais, jornalistas, críticos de música, pessoas letradas etc.), um discurso que é passado para as classes médias como legítimo e autorizado. De modo geral, esse é um debate acerca do que é e do que não é “boa” música e sobre aquilo que se considera a “legítima” música brasileira. Nesse aspecto, chama a atenção, na mídia, especialmente na mídia impressa, a inexistência de um olhar investigativo e a permanência de julgamentos de valor sobre determinando os discursos que constroem as representações dos grupos de

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pagode no universo da produção de música popular-comercial na Bahia (NASCIMENTO, 2012, p.29, 2012).

A profanação nesses exemplos ocorre primeiro, por prescindir que a obra seja

transformada num produto comercial para obter uma crítica. Além do show, que acaba

por ser o único e principal produto, a Sanbone Pagode Orquestra não possui, até o

momento, nenhum material comercializável fruto de seu trabalho artístico, prática

sistemática da indústria cultural27. O canal YouTube além de servir como um

disseminador da obra de modo acessível e barato funciona também como um registro

das atuações do grupo. Cabe ressaltar que por suas características distintivas do pagode

dos outros grupos baianos, já elencadas e discutidas amplamente em nosso texto, a

Orquestra conquistou algum espaço na mídia tradicional regional tanto em veículos

impressos/virtuais como em TV aberta e pública (com show gravado incluído na grade

de programação do sinal digital da TVE Bahia).

Em segundo lugar, podemos pensar que a Sanbone Pagode Orquestra engendra uma

profanação no que diz respeito ao próprio gênero musical pagode. Sendo a proposta

musical do grupo híbrida, como dissemos acima, não se encaixando completamente

nem no contexto de performances, letras, indumentárias etc. do pagode baiano nem

totalmente no contexto da música erudita com suas formalidades, ela sugere assim pelo

menos mais três tipos de profanação:

1- Descaracterização do formato hegemônico do pagode baiano;

2- Profanação dos espaços destinados a uma música “de bom gosto”;

3- Desestabilização do sistema valorativo normalmente relacionado ao pagode;

Para afirmar a descaracterização do formato hegemônico do pagode baiano na proposta

da Sanbone acrescentamos aos ingredientes destoantes já citados (uso de partituras,

escrita musical de suas composições, ausência de letras e dança, indumentárias formais)

o desencadeamento de uma ambiguidade na identidade musical do gênero. O segundo

vídeo aqui estudado, gravação feita por um fã de um show completo, demonstra

repertório autoral (todas as músicas compostas por Hugo), composições com duração

entre seis e dez minutos, a improvisação dos músicos uma prática advinda do jazz, a

ênfase no ritmo com presença percussiva marcante, utilização de sintetizadores (como

27 Quanto ao conceito e maior aprofundamento sobre indústria cultural ver capítulo I desta dissertação.

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na maior parte das bandas de pagode), bem como dos instrumentos harmônicos como

teclado, baixo e guitarra e também instrumentos de sopro como saxofones, trombones e

trompetes.

Ressaltamos esses ingredientes para afirmar que a Sanbone, assim como os demais

grupos, preocupa-se com a recepção, buscando composições com durações mais curtas

que as sinfonias habituais, e afirmando slogans como “novo som com swing da velha

guarda” (informação obtida na página oficial do grupo no facebook), por exemplo, mas

ao mesmo tempo destaca as características que a distinguem das outras propostas

musicais de pagode, no site oficial da Orquestra encontramos a exposição do método de

composição, que alegam ser clássico, uma vez que Hugo escreve toda a música antes de

ouvi-la e é destacada também a elegância da indumentária de seus músicos.

Assim, observamos a profanação da Sanbone ao fomentar uma ambiguidade na

identidade musical do pagode apresentando elementos que ora busca aproximação com

o contexto da música regional de “raíz”, como falam no trecho abaixo, com a

manutenção das combinações rítmicas basilares dessa musicalidade, usando inclusive

efeitos sonoros como o dos sintetizadores, fundamentais para os resultados da

sonoridade do pagode baiano atual e ora recorrem à música clássica para respaldar seu

trabalho, podemos exemplificar isso com a exposição no texto inicial do site do grupo,

que tratam do uso da lógica de divisão da música clássica e a ausência de letras eróticas.

Se a preocupação com a recepção é moderna, o método de composição é clássico: assim como os grandes maestros da história (como Mozart e Bethoven, por exemplo), Hugo não ouve a composição antes de completá-la. Ele escreve no papel toda a música, que chega a ter 20 páginas, para somente depois ouvir o resultado final. "Tenho músicas que nunca ouvi", revela. Todas as músicas têm nome de sinfonia (como por exemplo, a Sinfonia Primeira de Pagode, com a qual o grupo venceu o VII Festival de Música da Educadora FM de Salvador e o I Festival Nacional das Rádios Públicas) e – pela própria natureza – passam longe da erotização e depreciação da mulher. A Sanbone foi criada em dezembro de 2009, pelo músicos Hugo Sanbone . "A ideia veio do gosto pelo pagode e pelo contato com a música sinfônica. Não queríamos fugir da nossa raiz, então, pensamos em recontextualizar o pagode na música erudita", conta Gilberto (trompetista). Daí a presença de percussão, guitarra, baixo e teclado (com sintetizadores, como se usa no pagode) numa orquestra. Os músicos da Sanbone – que tem naipes de trompete, trombone, saxofone, percussão e harmonia – já passaram por bandas de grandes nomes da música baiana, como Ivete Sangalo, Harmonia do Samba, Netinho, Pagodart, Jau, Timbalada, Neojibá, Cheiro de Amor, Oz Bambaz, Jammil, Araketu, Via Circular, Patrulha do Samba, Dignow, Saiddy Bamba, Nossa Juventude, Beto Jamaica, e outros (acesso em junho de 2014, disponível em http://www.sanbone.com.br/index.html).

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Observamos então uma relação múltipla e flexível entre identificações do grupo como

“pagode verdadeiro”, portanto com o respaldo da tradição ou da “velha guarda” e ao

mesmo tempo com o pagode contemporâneo, a citação das bandas populares pelas quais

os músicos já atuaram é recorrente em todos os textos que encontramos disponíveis na

internet. Mas, a relação mostra-se flexível também por dialogar com a música erudita, a

nomeação de suas composições a partir de sinfonias pode servir como um dos itens

diferenciais quanto a isso. Incluímos a relativização da noção de identidade do pagode

baiano como uma ação profanadora pelo fato de entendermos que as estratégias

discursivas dos fãs são também fruto de uma reverberação das características e slogans

engendrados pela proposta estética de cada grupo musical. Podemos pensar numa

profanação reversa por fim, onde o próprio pagode baiano tem novos elementos sendo

negociados e reelaborados do seu formato tradicional.

Em segundo lugar ressaltamos a profanação dos espaços artísticos. O local onde a

música da Sanbone é executada normalmente é em teatros. Em Salvador, fizemos um

mapeamento a partir de reportagens e notícias da Sanbone (disponíveis na internet) e

verificamos que suas atuações, além das apresentações em espaços abertos e bares da

cidade de Salvador, até o momento ocorreram nos seguintes teatros: 1) Teatro Castro

Alves (sala principal e Sala do Coro); 2) Teatro Vila Velha; 3) Teatro Solar Boa Vista.

Além da participação em eventos como o Encounters, evento do Brasil Music Exchange

que tem como objetivo promover a carreira de músicos brasileiros no exterior. Apenas

dezessete artistas e bandas participaram: Baiana System, Brasil Brasil, Carla Visi, Dão,

Percussivo Mundo Novo, Gepetto, Luiz Brasil, Luís Naturesa, Naurea, O Quadro, Os

Nélsons, Braunatiom, Samba Tchula, Sanbone Pagode Orquestra, Sertanília, Soraia

Drummond e Tiganá.

Destacamos os espaços de teatro por serem usualmente entendidos como lugar de arte,

no sentido de uma produção que para ser apreciada exige uma educação, aquisição de

capital simbólico (BOURDIEU, 2009). Segundo pesquisas anteriores sobre o pagode

em Salvador, constatamos que grande parte desses eventos ocorre em casas de show,

principalmente em bairros da periferia da cidade, diferentemente da Sanbone Pagode

Orquestra: Em todo caso, a despeito de seu maior ou menor comprometimento com as tradições ou do grau de seu valor artístico, o pagode baiano é uma música resultado de ações humanas intencionais, observáveis, performadas, passíveis de inscrição textual e musicológica e, muito importante, existe como experiência musical cujos sentidos são particulares e

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compartilhados entre sujeitos determinados... O pagode baiano, portanto, como o conheci em vários ensaios de bairros periféricos da cidade de Salvador, é um território expressivo, configura um sistema musical e institui um “soundgroup”, cuja experiência da música associada à dança requisita a performance do corpo negro, da raça e da sexualidade negras mergulhados na incerta atmosfera de estereótipos coloniais. (ALVES, 2003, p.147)

Essas características que destacamos acima desencadeiam a desestabilização do sistema

valorativo normalmente relacionado ao pagode, pois a experiência que a obra provoca

no público está de acordo com a compreensão e identificação das estratégias estéticas de

cada grupo. E cada sonoridade, mesmo pertencente a um mesmo gênero musical,

provoca diferentes (res)significações. Demonstram por fim que a escuta dos fãs está

atrelada ao conhecimento sobre o gênero musical, a construção de preferências estéticas

e juízos de valor em relação a elas.

3.3.2 Ed City

EdCity no pagode teve passagem por vários grupos, entre eles o Parangolé até chegar

ao grupo Fantasmão no ano de 2006. Aquele era um momento de expansão das novas

tecnologias digitais, existindo assim maior facilidade e barateamento de gravação e

circulação de música. Os músicos do grupo usavam mortalhas e tinham o rosto pintado

de branco, não usavam o tradicional cavaquinho, marcante até o Harmonia do Samba, e

incluía em seus shows um DJ. As composições tinham um enfoque religioso e de

protesto social/racial. Além disso, o grupo inaugurou o groove arrastado no pagode que

é o resultado da mistura entre as sonoridades do samba, reggae, rock e hip hop. Apesar

de existirem diferentes explicações entre os músicos quanto o que seria o groove

arrastado, podemos resumir que seria o ritmo numa cadência mais lenta e com a

influência de outras sonoridades.

Em entrevista EdCity explica, “O groove arrastado é isso, a mistura das guitarras do

rock, com o rap no canto e swingão da nossa percussão baiana” Importante ressaltar a

relevância do grooove arrastado pelo fato dele inaugurar uma nova vertente dentro do

pagode baiano que possibilitou a ele maior visibilidade no cenário musical do Estado.

O sucesso que fez o tornou conhecido também para Caetano Veloso, importante nome

da música brasileira, que em seu show Zii e zie, em 2009, iniciou com uma mescla de A

voz do morto com duas canções do grupo, Kuduro e Viola.

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Os artistas que fazem esse “pagodão” numa linha de engajamento social parecem buscar

uma ruptura da fronteira de um pagode restrito a “baixaria”, como corriqueiramente são

reconhecidas as músicas que exploram a sexualidade principalmente feminina. Sobre as

letras das canções desse gênero musical, Ari Lima num estudo etnográfico sobre os

“pagodes”, festas onde grupos do gênero tocam na cidade de Salvador, afirma que as

canções além de falar de situações vividas por pagodeiros e periguetes, forma como

homens e mulheres apreciadores do gênero são denominados, podem ter o enfoque em

movimentos de dança ou ainda reproduzem estereótipos sócio-raciais (ALVES, 2003).

[...] As letras das canções reproduzem velhas imagens e representações sobre os negros. Desta vez, as imagens e representações estereotipadas reproduzidas e consumidas pelos próprios negros enfatizam a questão do “cabelo duro e ruim”, da “mulher negra maluca, fácil e enganosa” ou do “homem negro reduzido a um potente e muito ativo pênis”(ALVES, 2003, p.228).

Sobre a recorrência desses temas acima citados nas letras das canções do pagode Ed em

entrevista ao blog do jornalista Ricardo Schott, no ano de 2013, falou do desejo de

explorar outras possibilidades dentro do contexto da música regional baiana. Pois é, é difícil, porque todo mundo pensa que a Bahia é só "segura o Tchan" eRebolation. As pessoas não conhecem a gente. A Bahia já vem há muitos anos com essa reboladeira, essa coisa de "mexe a bunda". Mas a gente tem espaço, temos um lugar. Acesso em maio de 2014, disponível em: <http://ricardoschott.blogspot.com.br/2013/02/ed-city-quem.html>.

A fala do artista explica apenas em parte o modo como tem desenvolvido seu trabalho,

uma vez que a demanda mercadológica possivelmente também interfere nessa

conjuntura. Voltando-nos ainda para o histórico de Ed no cenário musical baiano, em

2009 ele passa a ser conhecido nacionalmente emplacando o hit “Kuduro”, música que

faz relação entre as culturas brasileira e africana. Porém, neste mesmo ano, em

setembro, o cantor decide seguir em carreira solo, levando com ele grande parte dos

músicos da antiga banda que foi rebatizada com o nome de EDCITY. Nesse novo

momento da carreira EdCity constrói uma proposta musical que alia elementos do Hip

Hop com as guitarras pesadas do rock’n roll, o grupo usa duas guitarras, pedais de

distorção – traço incomum com os demais grupos de pagode. Tais ingredientes originam

o Rap Groovado, adaptação do Groove Arrastado.

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Assim como o Groove Arrastado, o Rap Groovado nasceu da mistura entre elementos

de distintos gêneros musicais. EdCity nesse novo momento, em seu primeiro trabalho,

retirou o teclado colocando guitarras com sonoridade ainda mais forte, influência do

rock, junto com a percussão e o Rap no canto, trechos das músicas são falados. Já no

segundo, CD ‘Transfiguração’, volta a inserir o teclado, deixando a proposta musical

mais swingada, palavra que usa para definir uma sonoridade mais ligada as

combinações rítmicas do pagode. Essas negociações sócio - musicais constantes no

trabalho do artista nos remete a reflexão quanto as peculiaridades do próprio estilo

musical onde se insere EdCity, visivelmente marcado desde sua origem por “processos e

diálogos com outras expressões musicais geradores de produtos híbridos”

(NASCIMENTO, 2012, p.35).

Novas formas de produção cultural negra mesclam identidades baseadas na etnicidade com identidades baseadas na diferença entre gerações, e como, em muitas oportunidades, elas se relacionam intimamente com outro fator fundamental: os estilos e a economia da música popular (SANSONE, 2003, p.167).

O autor ressalta além do diálogo com outras culturas e estilos musicais a demanda

mercadológica que no contexto da indústria cultural, impõe uma constante adaptação do

produto a expectativas de consumo e consequentemente ao que rende mais

lucratividade. As inovações feitas por EdCity no pagode baiano devem ser consideradas

pelo seu aspecto de vontade de produzir algo que seja distintivo tanto no seu aspecto

artístico como também no comercial.

Esse pagode “engajado”, como algumas vezes é chamado, remonta inclusive os tempos

iniciais do samba, quando nas décadas 60 a 80 compositores sambistas como, Bezerra

da Silva, Dicró e Moreira da Silva retratavam em suas canções a realidade das favelas

cariocas. Buscando fugir do romanceamento da favela, acabaram por criar outros

estereótipos como o do homem morador de bairros marginalizados sendo sempre expert

na arte da malandragem tanto no samba como na vida, Viana (1999) e Augusto (1996).

Quanto a isso Trotta (2007) acrescenta que:

[...] um samba é samba também por sua temática, que preferencialmente narra sua própria beleza (diretamente ou através de metonímias como “o morro”, “a Mangueira”, “a Lapa”, “o pandeiro”, etc.) e se especializou em valorizar em seu próprio repertório fatos e personagens míticos do gênero. Essa característica responde pela invenção da sua tradição (HOBSBAWM, 1997, p. 9), ou seja, pela consolidação de uma valorização baseada em sua

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temporalidade longa e pela afirmação de sua autenticidade como “voz do morro (TROTTA, 2007, p.117).

As postagens que analisaremos referem-se a dois contextos artísticos distintos de

EdCity, primeiro será dele no Fantasmão e o segundo vídeo refere-se ao seu momento

atual. Ambas as propostas perpassadas pelo hibridismo cultural, traço marcante na

música popular-comercial. O primeiro vídeo (V1) é um videoclipe editado por um fã e

postado em seu próprio canal no YouTube com o título: Fantasmão e link:

<http://www.youtube.com/watch?v=ovyK0fXj3z8>. Tem data de upload de 2008,

postado por Bleidinho2, com 329.971 visualizações, 52 comentários, 144 gostei e 09

não gostei.

Tabela 8: Comentários referentes ao vídeo V1 de Edcity (Fantasmão).

As imagens do vídeo são organizadas a partir da sequência da música “Gaiola” do grupo

Fantasmão. Elas correspondem a imagens de diversos shows do grupo quando Ed ainda

atuava como cantor. A edição usa recorrentemente efeitos tipo slow motion,que deixa as

imagens passando lentamente.

Logo no início do vídeo sobreposto as imagens, a frase – “siga-ME @Bleidinhoo”. Já

na legenda final do vídeo sobe a frase – “Minha homenagem a Banda Fantasmão.

Obrigado por ter assistido”. Em seguido o fã aparece numa foto apresentando em uma

das mãos um jogo de cartas, com legenda: “Mágico Blade”. Na sequência, foto dele

abraçado com uma mulher, legenda “amor e dedicação”. Outra foto subsequente é dele

junto a Edd, legenda: “Grande Eddy”.

Bleidinho2 possui mais 26 vídeos postados em seu canal. Em sua maioria são

fragmentos de programas de TV e tutoriais para usos de programas de computação

gráfica. Pelos comentários que seguem à postagem podemos inferir que esse vídeo foi

feito também com o intuito de aprimorar as habilidades de Bleidinho2 com ferramentas

de edição. Ao visitar seu canal no Youtube constatamos ainda que quase todos os

Comentários referentes aos

aspectos musicas

Comentários de Anti-fã Comentários Gerais

21

02

29

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comentários são de pessoas pedindo o auxílio dele com programas computacionais,

inclusive de edição, ou com dúvidas sobre como postar no canal.

Assim como num dos vídeos do Harmonia do Samba, analisado acima, o autor da

postagem alia o interesse de fã em homenagear seu grupo preferido ao de ampliar sua

visibilidade enquanto programador/editor e até de atuação artística, uma vez que parece

querer mostrar que também é mágico (vide imagens finais do vídeo). A exposição do

imperativo “siga-me” na abertura das imagens também indica que busca ser popular na

“rede” como comumente chamamos a internet.

Os comentários relacionados ao vídeo estão separados por três sessões temáticas.

Recorrente na análise das postagens do Harmonia do Samba encontramos: 1)

Afirmação do gosto musical. Já no da Sanbone Pagode Orquestra: 2) Características

distintivas do trabalho do grupo. Apenas uma nova temática é encontrada: 3)Quanto a

edição do vídeo.

Apresentamos agora os comentários que afirmam o gosto musical dos fãs prosumidores:

A) Caramba! confesso que não conhecia, mas eu curti pra caramba essa música,

parabéns mesmo. Valeu! (Charles Kaue); B) Essa bandaFantasmão Tá fazendo

Um sucessão aqui em Alagoas e o bicho é show de bola FaTaSmÃo

(EvertonCarlosoliveir); C) Desejo que voces do Fantasmão alcem voos cada vez

maiores e que mostrem este ritmo contagiante para todo o Brasil e para o mundo

(Volney Amorim Sena ); D) buenisimoooo!! Saludos desde Argentina!! AQUI

BAILAMOS TODAS SUAS MUSICAS!! MUITO 10 TUDAAASSS!! Alex

(alexmarchioli); E) Kralho a melhor Swingueira do Brasil... (rrafinhassilva); F)

eh nois negaum melhor banda du planeta Fantasmão NegauMMm

(MarkuShow); G) Muitooo Boaaa essa musicaa! so quero saber quem a mulher

que cantaa!! Quem é? Quem sabee aiii? Viver em liberdade!!! (milaknowles);

H) Essa é a bruxAAAAAAAAA Fantasmão negão!!! (ewert00);

Mais uma vez é possível interpretar a partir das falas acima que o pagode enquanto

gênero musical funciona por si só como catalizador/construtor de juízos valorativos.

Isso ocorre a partir do estabelecimento de identificação entre o público e a obra num

processo que inclui as preferências estéticas individuais.

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Todo debate sobre música popular está atravessado pela questão do gosto, ou seja, pelas escolhas individuais e coletivas que resultam na construção de afinidades e identidades musicais, revelando sentimentos compartilhados que estão sempre envolvidos em alta carga emotiva. (TROTA, 2007, p.115).

Observamos ainda que o canal YouTube possibilita que as opções estéticas individuais

possam ser compartilhadas compondo um entrelaçamento das narrativas dos fãs que

resulta numa curadoria feita a partir de identificações e valores construídos a partir da

experiência que a música proporcionou. A música popular mais uma vez aparece como

uma fonte de experiências identitárias. Percebemos assim a ratificação daquilo que

analisamos anteriormente, nos comentários do grupo Harmonia do Samba, que tratavam

dessa mesma temática. O que pode ser acrescido é a potencialização de alternativas de

disseminação por rotas que extrapolam as regras mercadológicas. Um dos fãs afirma

que passa a conhecer uma das canções do grupo a partir do vídeo. Ele diz que não

conhecia, mas que “curtiu” muito a música e agradece a pessoa que fez a postagem.

A internet, especialmente o YouTube funciona como um meio de divulgação, apreciação

e troca. A profanação nesse caso encontra-se não necessariamente no produto, mesmo

no caso de Ed que afirma fazer o “novopagode” buscando inovação para a expressão

musical do gênero. A representatividade do pagode é que fomenta a transgressão das

clássicas fronteiras entre a arte e o público – artistas e não artistas, até então delimitadas

apenas pelo próprio mercado.

Essa interpretação pode ser consolidada quando nos deparamos com os comentários que

classificamos como construtores de uma argumentação em prol de características

distintivas do trabalho do grupo:

A) Como nao poderia de deixa um comentario sobre essa banda q anima todos em

geral e verdade fantasmas existem ,alem disso o som dos fantasmão nao e um

conceito de pagode tum tum graças a deus os caras puzeram fim nisso revulução

no pagodãão tamo junto abraço familia dhi gandaia (betinhodelicia); B) vai cai

na gaiola....... fantasmão tá arrrazando e ainda esta concientizando que o lado do

crime naum é bom com a musica. fantasmão tudo de bom huhu..vai cair na

gaiolaaaaaaaaaa (lokinhasdebiloide); C) o GRooVe aRRaSTaDoo.. essa banda

eh foooda paiii.. FaNTaSMauM NeGauM (Maykon Stankovitch); D) Fantasmão

só com eddy meermoo namoraal! (Sorrisojua);

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A saída de EdCity da banda Parangolé, a partir das entrevistas do cantor a jornais na

época, dão a entender que ocorreu de modo conturbado. Segundo o músico ele nomeou

seu novo trabalho pensando em responder àqueles que disseram que ele sem o

Parangolé não seria ninguém, “não existiria”. Daí o nome Fantasmão. Ressaltamos isso

por observar acima a afirmação que “fantasmas existem”, recorrente também nas falas

dos fãs em outras postagens. Mais um exemplo de como o público do pagode contribui

para legitimar o rótulo ou a estratégia discursiva de um grupo musical do gênero. Outras

características construídas/divulgadas pelo Fantasmão como singulares em seu trabalho,

também estão presentes nos comentários acima, como por exemplo, a letra de protesto

ou conscientização, referência ao groove arrastado e também à performance de Ed.

O YouTube como meio alternativo a mídia profissional apresenta assim formas de

publicizar o produto artístico bem como meios de estabelecer critérios de julgamento

estético da obra. Por isso afirmamos desde o início do capítulo que as próprias

categorias desse canal poderiam ser entendidas enquanto sistema de classificação e

julgamento. Os comentários que referem-se a construção do vídeo demonstram a

intencionalidade da produção e postagem como também comprova a ressemantização da

fruição e disseminação, aspectos tão relevantes para o universo musical.

A) Breve vou fazer um clip de kuduro e esculaxo. to só pegando algumas imagens

da net p/ depois poder editar-las. aguardem fans fantasmas (BLEIDINHO2);

B)De fuder vc merece um premio cara so vc pro enquanto tem esse video

Massssssssssssssa de fuder valeu valeu

(PriscillaCruz);C)muitoooooooooooooooo maaaaaaaaaaasaaaaaaaaaaaaaaaa eu

amo essa musica!!! afffffff sem cometários né!!!!! vai cair na gaiola,seu propio

parceiro pode te entregar. vai cair na gaiola se os homens apertar não vai

aguentar irmão. vai cair na gaiola,nosso mundo é esse não é o de lá. vai cair na

gaiola,não ´vai pisar na bolaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa........

massssssssaaaaaaaaaaaaa parabens fantasmão por essa conquista e parabéns para

quem fez o video!!! criatividade total!! (brunele95); D)valew aí rapaziada.

grande incentivo to recebendo de vcs. tô me programando p/ fazer outro. meu

pc tá lento. talvez não suporte fazer outro video do tipo. esse aí p/ concluir, tive

q fazer em 3 partes, por q o tava acusando q minha memória virtual tava muito

baixa. asim q resolver isso, faço de outra música. tô pensando fazer um de

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"CONCEITOS" abração a todos e fiquem na paz. fantasmão negão

(BLEIDINHO2); E) olá irmão, vlw pelo elogio ao vídeo, mas poderia ser

melhor. na época não sabia muito de edição, aínda não sei, mas aprendi a mexer

cou editor melhor que o movie maker. mas é fantasmão negão. abração meu

velho (BLEIDINHO2(em resposta a bruno almeida Almeida)); F) valew cara por

ter assistido e por ter gostado tb. gosto muito da banda e esse vídeo foi uma

maneira de pestar minha homenagem. valew aê a todos (BLEIDINHO2em

resposta a brunele95); G) Nossa, parabéns a quem fez o vídeo, ficou magnifico,

muito lindo, e como a música tbm é perfeita na voz de Eddy me arrepiei (Nailza

Carneiro); H) Taah Liiiindo oõ cliipee ! AMO FANTASMAÃO ! ♥ Fantasmaas

exiiiiistem !! (gaabycity); H) valew naaylsa,tô pensando agora em fazer da

música kuduro ou então popó. tô sem internet a cabo p/ poder baixar as imagens

p/ depois editar. em breve estarei resolvendo isso. Valew (BLEIDINHO2 (em

resposta a Nailza Carneiro)); I) vlw gaaby, por gostar do vídeo. abração e

fantasmas existem (BLEIDINHO2 (em resposta a gaabycity));

Nos comentários acima nos chama atenção primeiro, os indícios que reforçam a ideia do

esfacelamento do consumidor passivo. Os fãs considerados por nós como

prosumidores28, desconsiderando critérios da alta cultura como autenticidade

constituem lugares de fala sobre o que consome provocando deslocamentos ou pelo

menos tensões nos antigos moldes da mediação. Retomando a discussão iniciada no

primeiro capítulo desta dissertação quanto à curadoria de arte como uma “instituição”

localizada no que Adorno chamou de indústria cultural, observamos no usuário que

posta o vídeo uma postura de autonomia quanto a manipulação dos mecanismos

tecnológicos, bem como a naturalização do “empréstimo” de imagens/vídeos já

disponibilizados na internet. Em vários momentos, “Bleidinho” afirma que vai “baixar

as imagens para depois editar”. A cultura participativa encontra no espaço digital

caminhos sui generis de expressão, sendo a expressão estética uma das mais afetadas.

Novos padrões de apreciação e de consumo de música emergem nesse cenário.

Em segundo lugar, destacamos a tecnologia cada vez mais barata e acessível para

manuseio. É a apropriação de uma linguagem também antes especializada como é o

código audiovisual, tanto para filmar, editar ou mesmo a possibilidade de acessar 28 Conceito apresentado no primeiro capítulo desta dissertação que diz respeito às modificações nas relações de consumo que engendram um perfil de consumidor que também produz.

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imagens feitas por profissionais ou outros amadores, que fornece ao fã prosumidor a

condição de produzir ou reprocessar materiais relacionados ao seu gosto musical. Esses

mecanismos tecnológicos são entendidos por nós como dispositivos agambianos, pois

estabelecem suas conveniências de uso, definindo assim o modo de produção de

imagens relacionadas ao estilo musical que nos propomos pensar – pagode baiano. O

dispositivo torna-se o próprio código linguístico desses fãs que fazem uso do YouTube.

As tecnologias da comunicação assim como as palavras definem também o que dizer e

como dizer constituindo seus próprios códigos e conveniênciaspotencializando a prática

amadora a tal ponto que a performatividade dos fãs provoca outros modos de

agenciamento discursivos que tencionam o sistema de valoração da crítica musical.

Refletindo quanto a essa dimensão do YouTube enquanto linguagem podemos pensar

primeiro nas imagens como a configuração de um recorte de uma dada realidade.

Segundo que proporcionam aos demais fãs internautas uma possibilidade de espetáculo

que prescinde o aqui e o agora do show ao vivo. Fato que nos remete ao modo como a

experiência estética “real” é mediada, de forma fragmenta registrada por uma câmera

que funciona aí como o próprio código linguístico.

A técnica funciona então como uma linguagem que possibilita a separação do “real” de

uma representação. O vídeo original já é um recorte da realidade, pois a gravação de um

DVD ocorre a partir de um roteiro de imagens pré-estabelecidas que direcionam os

enquadramentos que a câmera deverá buscar. Quando um vídeo como esse é reeditado

pelo fã tornando-se apenas um fragmento com as canções que ele provavelmente mais

gosta, conceitos como ética, originalidade e propriedade intelectual são revistos

engendrando uma rede complexa que Caroso (2010) entende como uma “colisão entre o

conteúdo disponibilizado pela mídia (mainstream) e o produzido pelo usuário comum”

(CAROSO, 2010, p.2). A inter-relação entre o online e off-line dessa forma engendra

diversos modos de produção de linguagens, compartilhamentos e armazenamentos

numa constituição do que chamamos de rituais simbólicos realizados por fãs.

As possibilidades de fruição de materialidades do conteúdo musical a partir do ambiente

virtualizado desestabilizam os protocolos que cercam a prática de escuta que se pretende

a experiência estética “real” “ao vivo”, reconfigurando conceitos como autenticidade e

fruição. Fruições essas que proporcionam aos demais fãs internautas o espetáculo que

prescinde o aqui e o agora do show ao vivo. No online é possível ainda contestar o

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gosto musical sem a experiência presencial em apresentações do gênero musical.

Pessoas que nunca foram a um show de pagode podem expressar sua opinião quanto ao

gênero. No vídeo analisado dois anti-fãs falam:

A) Na Bahia, não faltava mais nada. Além de não ter nada de novidade (mesma

batida, repetições e pobreza musical), esta banda ainda tem uma presença de

palco das mais catastróficas. É o fim da música na Bahia. Muita pena de quem

ainda vai atrás da mídia. Estão empobrecendo diariamente a nossa cultura, com

coisas deste tipo. lamentável! (janalves); B) Que merda (FERREIRAO).

As falas que vão de encontro ao que os fãs postaram sobre as bandas em todos os casos

analisados são em quantidade bem inferior aos demais comentários, mas ainda assim

demonstram o desejo de interação e interferência na construção de conteúdo sobre

música. As novas formas de construção de narrativas sobre música podem estar

imbuídas de uma pluralização de sentidos e sofrem interferências também do espaço

que circulam. Essa reflexão amplia leituras para além do dimensionamento da internet

como apenas um espaço democratizador e multiplicador de linguagens. Complexifica

esse contexto, que também pode ser entendido como espaço de curadoria musical que

rotula, classifica gêneros musicais, divulga produções artísticas bem como faz emergir

novos artistas.

Esses agenciamentos podem ser feitos a partir das próprias categorias estabelecidas pelo

suporte técnico do YouTube, com uso de descrição do vídeo, comentários, tags,

exposição do número de visualizações entre outras. Tais categorias criadas

originalmente para outros fins têm suas funções atualizadas/reatualizadas pelos fãs que

constituem uma espécie de memória virtual de seu grupo musical predileto.

A segunda postagem de EdCity (V2) é um videoclipe oficial do grupo, tem o título:

EdCitty & Ronaldinho (vai na fé clipe oficial) – HD. Com data de upload de 2014 foi

postado por EdCity Vídeos e seu link é:

http://www.youtube.com/watch?v=HK1T4Z9c17M.Possui 1.183.705 visualizações,

10.104 gostei e 605 não gostei. Foi escolhido pelo fato de ser o vídeo mais

recompartilhado por fãs em seus próprios canais no ano de 2014 (até o dia em que

realizamos a busca no Youtube). No entanto, colocamos aqui o link do canal que

originariamente postou as imagens porque é onde encontramos o maior número de

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comentários sobre a produção. O total de falas era de cerca de mil cento e noventa

comentadores, fizemos um filtro e selecionamos apenas 181 comentários para ser

incluído na análise.

Tabela 9: Comentários referentes ao vídeo 2 de EdCity (carreira solo).

A postagem nos chamou atenção ainda pelo fato de observarmos comentadores de

diversas nacionalidades opinando a respeito. Alguns inclusive dizendo não entender a

letra, mas gostar da música. A repercussão pode ser fruto da participação do jogador de

futebol brasileiro conhecido como “Ronaldinho” de fama internacional. Como já

dissemos a publicidade do YouTube ocorre de modo viral a partir de sistemas de

recomendação, compartilhamento e o interesse despertado pelas palavras chaves da

postagem. Os primeiros comentários que analisaremos agora foram selecionados por

relacionares de algum modo a música e o futebol:

A) Should've been the song for the World Cup (Zeshaan Naseer); B) Um dos meus

jogadores favoritos, combinados com o meu gênero favorito <3(MrLmao9); C)

MÚSICA da Copa do Mundo! (allanoliveiradutra); D) LOVE IT ronaldinho.. but i will

like to know what is the song about i dont understand :-( (malahierva12); E) Ronaldinho

é fera. Nossa Bahia agradece.... (バチスタジョアン); F) que bizarro es ver a roñaldino

cantando (rubenfobico); G) Edcity e Ronaldinho meus 2 idolos Groovando tudo!

(Weslley Leite); H) Não percebo a vossa cena de criticar a música, não é que seja algo

espetacular, mas nem está má, limitem-se a ouvir e tentem chegar onde o ronaldinho

chegou.; ! (joaozitoh85); I) Edcity + Ronaldinho + Música "vai na fé" = Show de bola e

de musicalidade ! :) (Helen Wattan); J) Music very cool!!! Edcity Feat R10... Só prara

os otários que tão falando besteira o Edcity num precisa do R10 pra fazer sucesso não

seus manés, Os famosos também tem amigos! (Anderson Silva); L) SHOW DE BOLA

,MUSICA BAIANA,DE LA SAEM AS RELIQUIÁS DA NOSSA MUSICA,VAI

PEGAR NO CARNAVAL, AINDA MAIS COM A NOSSA MAJESTADE

RONALDINHO GAÚCHO,VAI NA FE IRMÃO PORQUE NO TEU CAMINHO E

Comentários referentes

aos aspectos musicas

Comentários de Anti-fã Comentários Gerais

46

19

116

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SÓ VITÓRIA..... (PRINCE ALVES); M) muito bom ta swing o video Edcity é

Ronaldinho brocaram ai nessa musica ... barril de mas sucesso sempre.. (adson gomes);

N) edcity e ronaldinho a bruxa do pagode e o maestro do fotebol só podia sair coisa boa

''aqui não é favela de boca'' tá show d+(alex rots);

Não é atual a relação feita entre samba e futebol, ela serviu inclusive para fundar uma

ideia de brasilidade. Esse gênero há muito tem sido preferencial para dar voz ao esporte

que foi consolidado como “paixão nacional”. O pagode como sonoridade advinda do

samba também faz uso dessa relação. No caso de EdCity, a música foi lançada no ano

em que a Copa do Mundo estaria sendo realizada no Brasil. Nesse mesmo ano, vários

outros artistas lançaram composições buscando repercussão a partir do tema futebol. Ed

opta por relacionar esse esporte, entendido por alguns como subterfúgio para esconder

as mazelas sociais do país, com imagens que remetem ao cotidiano de um bairro

periférico de Salvador.

Com uma letra que fala de fé com frases como essa: “você tem que acreditar a vitória

alcançar” a canção afirma ainda: “aqui não é favela de boca”, “favela é favela em

qualquer lugar”. Assim elementos como fé, futebol, pagode e imagens da periferia estão

entrelaçadas no clipe. Esse tipo de combinação colabora para a afirmação de Ed como

parte da “nova onda pagodeira” (Revista Muito, 2009). O neopagode, como Caetano

Veloso chamou esse tipo de trabalho, tanto em sua expressividade musical e seus

aspectos estéticos, como também em suas estratégias discursivas reconfiguram a

produção de sentido da música popular massiva regional. Frith afirma ainda que os

sentidos não estão na música em si, mas são construídos fora dela. Os elementos

mercadológicos e musicais se retroalimentam e configuram um objeto artístico para um

público específico que detém o poder de reconhecimento de suas referências e

preferencias. Futebol e pagode podem ser entendidos como práticas presentes na maior

parte dos bairros periféricos da cidade de Salvadore o videoclipe de EdCity capta esses

aspectos, fato que talvez justifique ser esse o vídeo de Ed mais compartilhado esse ano.

Sobre isso Frith analisa ainda que não há uma concordância primeira quanto aos valores

estéticos nos grupos sociais, mas a prática artística seria um modo de vivenciar as ideias

nas quais acreditam, [...] não é que os grupos sociais primeiro concordem a respeito dos valores que depois serão expressos em suas atividades culturais (a suposição

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essencial dos modelos homológicos), mas que só chegam a reconhecer-se como grupos [...] através da atividade cultural, através do juízo estético. Fazer música não é uma maneira de expressar ideias, é uma maneira de vivê-las (FRITH, 1996, p. 111)

Como um espaço privilegiado de divulgação, o YouTube consegue interferir de modo

significativo na produção, na linguagem utilizada e na audiência do vídeoclipe que já

sofre transformações relevantes nesse contexto. A música revela-se também fruto das

mudanças dos seus canais de disseminação e pode ser entendida ainda como uma

prática política pelo seu potencial de agenciar relações sociais. Como o trabalho de

EdCity se propõe a visibilizar os problemas da periferia e a valorização da cultura negra

o discurso politizado nos comentários dos fãs é ainda mais constante. Como já dissemos

as estratégias discursivas dos fãs prosumidores são construídas a partir também do que o

próprio grupo valoriza no seu trabalho, e o modo como se comportam no canal YouTube

de um certo modo reafirma propostas ideológicas de cada grupo musical que por vezes

são transformadas em jargões. Os fãs do Ed Citty, por exemplo, sempre falam em

humildade, favela e frases de afirmação do negro, questões bastante ressaltadas pelo

músico em seu trabalho. Como podemos observar:

A) Ronaldinho deveria era estar na favela e só não estúdio (camila oliveira);

Humildade !!°_°!! Like (karlos kitten); B) MUSICA BAIANA INDO PROS

GRINGOS, IT IS FAVELA !!!!! (Leonardo Santana); C) Welcome to the

ghetto! Edciiiity ♥ (Ana Flávia Ribeiro); D) SEM COMENTARIO EDSITE É

GUETO (VALDIR SANTOS); E) Favela do Calabar => Salvador - Bahia, Brasil

(Evand S .); F) vcs so vem aki so para criticar ninguem vem para apoiar ta

vendo que os caras e humilde !!!!!; assim (Caio bong); G)barrillll edcity.... mais

na hora quandooo r10 entra entope edcity eu acho....mais edcity é barrilll

dobradooo... só musicas de protestooo; essa e a musica da Bahia tem pessoas

que não gostam mais edcity e Ronaldinho e top vai na fé esses gringos va toma

no cu (tiago kebradeira); H) Essa fico barriu (Caio Santana); I) Clip foda, o

demolidor de bandinhas sem humildade (Eddye Esmirilhova); No minuto 3:33 o

dançarino da um mortal no beco. Atitude o carinha!!! É o Grovee Arrastado.

Parabéns Ed City e Ronaldinho pois o pagode das favelas da Bahia tava

precisando dessa moral e respaldo!!!! Sucesso para ambos!!! (Paulo Tarsio

Nunes Costa Mendes);

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Os comentários acima ressaltam a relação do trabalho de Ed com temas da periferia.

São ressaltados ainda características consideradas singulares nesse pagode como: o

groove arrastado e as músicas de protesto do artista. O modo como os comentários são

construídos caracteriza também como o fã ouve, lê e discute música de um modo geral.

Os processos classificatórios de música não se restringem somente aos aspectos

melódicos e harmônicos, mas também a circulação e consumo. A argumentação para

julgar uma canção envolve “uma sintonia de valores que alia aspectos éticos, estéticos e

sociais à circulação midiática da música” (JANOTTI JÚNIOR, 2010, p. 4). O autor

afirma que o julgamento de valor sobre música, em boa parte, é construído a partir da

forma como comentamos, lemos e discutimos sobre cantores, compositores, bandas e

álbuns, tanto daqueles que gostamos e nos identificamos, como também, o que não

gostamos e não nos identificamos. Os fãs de Ed nessa postagem argumentam ao seu

favor estabelecendo comparações com grupos de outros Estados como São Paulo e Rio

de Janeiro (normalmente considerados os eixos de produção musical), ressaltando a

grande quantidade de visualizações do vídeo, afirmando sua swuingueira como

verdadeira e viciante. Destacamos abaixo os comentários como aqueles que objetivam

fazer uma argumentação em defesa do pagode de EdCity:

A) Gruuuuuva (Victor Barreto); B)Edcity o UFC do Pagode... (Marzinho Santos); C) O

quê? apenas meio milhão de visualizações? Eles estão contando apenas o meu?

(fabsthevamp); D) Essa pegada acelerada do pagode Baiano é foda!! (Tom21758508);

E) Swuiigueiira De Verdade (lucasandrade); F) muito foda os pagodes baiano melhor q

essas merdas de pagode de sp e rj (Alan Azevedo); G) Brasileiros que se dizem arianos,

descendentes de europeus: vocês são latinos em qualquer lugar do mundo, então parem

de inferiorizar a cultura do país! Brasil é uma mistura étnica, o que nos torna lindos,

criativos, inteligentes, fortes, admirados, exóticos... a mistura de genes faz isto ou

acham que um europeu sobreviveria a várias malárias, dengue? Agradeçam a mistura ou

parem de reclamar e tentem cidadania no país de onde seu tataravô veio (se

conseguirem)! Chega de baboseira, parem pra pensar! Vamos valorizar o que é nosso e

o mundo inveja(alecristine1978); H) Moro no Brasil a 18 anos e nunca vi nada (Austin

Müller); I) JÁ ERA LEPO LEPO KKKKKKK(marcos); J) Isso ñ é axé, é pagode baiano

(binhojackson); L) Musica viciante (y) (henrique kid);

Os argumentos são perpassados pela afetividade e emotividade que provavelmente a

música provoque. Esse modo de escrita apaixonada foi comum aos comentários das

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postagens dos três grupos musicais estudados. Para nós essa escrita se configura como

profanação ao modo objetivo, descritivo e com pouca ou nenhuma opinião da crítica

especializada. Essa escrita asséptica tem sido comum à crítica musical contemporânea.

A fala ordinária sobre música é o contrário disso, as opiniões aparecem nitidamente e

em geral o conceito dado ao álbum ou canção é como bom ou ruim (NERCOLINI e

WALTENBERG, 2010, p.245).

Nos comentários que falam sobre a repercussão que a música conquistou fora do Brasil

essa característica também está presente:

A) ESTE VIDEO FOI NOTICIA AQUI EM BUENOS AIRES HOJE NOS

JORNAIS , AMEIIIIII COMO UMA BOA PAGODEIRA E QUE AMA O

AXE JA COMECEI A QUEBRAR AS CADEIRAS

KAKAKAKAAKKAKKAKA GRANDE RONALDINHO E EDCITY BARRIL

(Daniela Purissima); B) Better voice then Trey Songz. like him a lot more then

the "singers" who are on the radio now days (MrKarter HuH); C) He sounds like

Paul McCartney;:-/ (Tio Phill Banks); D) Tem um monte de gringo que está

perdidinho com a música! Kkk (Ricardo Pinto); E) I dont understand but It's

Beautiful (xxgodkiller ronaldo); F) Os mlq do gueto que arrasta a massa ... Vai

na fé ... vai na fé ... vai na fé ♫ REInaldinho♥A lot of people from other

countries, so I'll -try to translate the song. Please vote it up if you like it so

everyone can see. It's hard to give a literal translation, since there are a lot of

local expressions. 1. A Fé, você não pode perder, você tem que acreditar. E a

vitória alcançar. 1. Faith, you can't lose it. You have to believe. And achieve

victory. 2. Os moleques do gueto que arrastam a massa, Edcity e Ronaldinho 2.

The boys from the ghetto who move the masses, Edcity and Ronaldinho 3.

Tenha fé negão, pois você nunca está sozinho (repeats a lot) 3. Have faith

nigger*, because you're never alone * 'Negão' is not as offensive as 'nigger', it's

more common, though you still have to know when you can use it 4. Quem

comanda a massa? Edcity e Ronaldinho 4. Who commands the masses? Edcity

and Ronaldinho 5. Vai na fé 5. Go with faith (song title) 6. Aqui não é favela de

boca*, os parceiros* representam e os comédias* calam a boca 6. This is not a

fake slum, our "friends" do ok and the "lame ones" shut up * Hard to translate.

They're criticizing those who pretend to be from the favela but really aren't. (Rap

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part talks about true warriors having faith, not giving up and not being

"comédias" etc.)(Luiz Fernando);

Os comentários acima são de brasileiros e também de pessoas de outras nacionalidades.

Uma das pessoas chega a dizer que não entende, mas que é maravilhoso. As

comparações com artistas como Paul McCartney, um dos nomes mais importantes do

rock na atualidade, ou Trey Songz, músico do Rhythm and blues ou R&B, soa fora de

contexto quando pensamos no pagode enquanto música oriunda da sonoridade de raiz

africana. Talvez por isso um brasileiro comente: “Tem um monte de gringo que está

perdidinho com a música! Kkk” (Ricardo Pinto).Um outro fã brasileiro se propõe a

traduzir a letra. O sistema de recomendação e ajuda entre os fãs pode ser observado

ainda em mais dois comentários onde são disponibilizados os links para baixar a música

do vídeo:

A) QUER BAIXAR A MUSICA EDCITY RONALDINHO – VAI NA FÉ >>LINK

BAIXAR>>http://www.4shared.com/mp3/9ncH3CUmce/EDCITY__RONALDINHO_-

_VAI_NA_F_.html(Dj Kilesse); B) Áudio da Música "Vai Na Fé Edcity" Com

Participação De Ronaldinho Gaúcho. Link [http://www.suamusica.com.br/?cd=308342]

(leonardo oliveira);

Essa postagem foi a que apresentou o maior número de atuação de anti-fãs. Aspectos

como performance do cantor, qualidade da composição e do vídeo como também a

relação feita entre samba e futebol são questionadas. Abaixo os comentários:

A) what is this shit (Swedish Remixer); B) #EDCITY & RONALDINHO

X #JUSTIN BIEBER? Kkkkkkkkkkkk #VAINAFÉ sabe? nada de bom esta canção

... #baby #baby #baby oh (Cleisson s.viana); C) Letra fraca porém o Swing é

contagiante Não é difícil fazer uma letra melhor que essa não haha .. o sucesso que

ela está tendo é devido a fama do Ronaldinho, não pela música (Alexandre Vieira);

D) Que LIXO (Gustavo Souza); E) Muito ridculo esse video nada lega (Weliton

Alves); F) Edicity canta axé como se fosse RAP , mais suave musica da hora R10 é

GALOOOOOOOOOOOO (Joao marcos bitencourt de castro); G) agora qualquer

coisa fala que e musica kkk (Marcus Vinicios Martins Felix Fonseca); H) Pqp.

Tudo bem que tem o Ronaldinho e o video é bacana, mas sério q vcs conseguem

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ouvir esse Edcity cantar? O cara canta fora do tom a música toda, e ainda fica

fazendo floreio sem parar (Gustavo G); I) Torço pro Galo e pelo Ronaldinho, mas

essa música é uma merda, assim como o clipe. (taxidriver); J) Tem q melhorar

muuuuuuiiiiiitooooo pra ficar ruim! Péssimo dos péssimos! Hehehe! (fit fit fit); L)

quanto tempo deve ter levado pra fazer essa musica ? uns 5 minutos ? (jingouberg);

M) Lixo musical do inferno.. Quem é rockeiro dá um joinha nesse caralho..e

aproveita e chupa meu piru (se for vadia gostosa).. :) (Luckzzz); N) que vocal

horrível desse "cantor" no começo da "música", que coisa horrrível, todo

desafinado ainda faz floreios no meio das sílabas! acabou com o restante que já é

muito ruim! (deca batista); O) esse vocal no começo é uma bosta, pior que o cara

acha que tá cantando muito kkkk (Pedro F); P) QUE BELA PORCARIA...

(VSANTOS RS); Q) Nada contra o Ronaldinho !! Porém, a música, olha..uma

bosta ! (Daniel Augusto); R) Deus do céu,o Ronaldinho ainda conseguiu cantar

melhor do que esse tal de Edcity !?! kkk (RERISSON BESERRA); S) Não

podemos esquecer que música e futebol coloca comida na casa de uma minoria de

brasileiros. O restante, ou seja, a maioria vão fazer batuques nas latas vazias e jogar

futebol nas ruas ou nos campinhos de terra, isto quando tem. Pois em grande parte

já não foram engolidos pelas grandes construções do mundo capitalista, que furtam

a inocência e o direito de viver das crianças, com o simples pretexto de que

é evolução, que é crescimento. Tudo disfarçado no slogam da fé: seja otimista, seja

guerreiro. Mas, desde que continuem sustentando os gananciosos que usam os

heróis de guethos (ronaldinhos e ed citty's) para dizer que é tudo muito lindo, belo,

que pode ser possível um país das maravilhas. Haaaaaaa, isto não tem importância.

O importante é que vem mais uma copa. (Andre Nascimento); T) Todo mundo paga

pau porque tem jogador no meio kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk duvido escuta

um lixo desse mais de uma vez (Tommy Leexando); Qm Comanda a

Massa.............É O Zeca Pagodinho !!!! (Lucas Trindade).

O campo musical é também um jogo de forças. Os anti-fãs expressam suas opiniões

contestando aspectos como a performance do cantor e qualidade da composição e do

videoclipe. A relação feita entre futebol e pagode também é alvo de críticas. Sem

compromisso com nenhuma instituição ou editoria de jornal, os prosumidores

apresentam suas opiniões seja para afirmar ou contestar uma preferência musical.

Promovem assim a pluralização de falas sobre o pagode baiano.

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Os comentários demonstram por fim que falar sobre música faz parte do prazer da

cultura popular (FRITH, 1998). Os fãs prosumidores tanto constroem uma rede de

produção de informações sobre sua banda predileta como também colaboram para a

disseminação dos grupos. Os comentadores dos vídeos de EdCity demonstram

diversidade de fala tanto com relação a opinião diante do material ou obra específica

postada como também colaboram para a ratificação das estratégias discursivas do

artista. Nesse sentido, a crítica feita pelos prosumidores afasta-se dos moldes

autoritários que tem uma função pedagógica de esclarecimento quanto à qualidade de

certo produto artístico. A curadoria feita pelos fãs se aproxima de uma narrativa que

lembra um espiral, os comentários vão somando-se numa narrativa não costurada de

modo linear, mas que consegue expressar o juízo valorativo de apreciadores de um

gênero musical pouco analisado pela crítica musical especializada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo realizado acima, percebemos que o pagode baiano, bem como os

demais gêneros musicais inseridos no conceito de música popular massiva29, é

produzido, em maior ou menor grau, focando um mercado competitivo. Contexto que

nos impede pensar numa profanação levada à radicalidade de seu conceito, que exigiria

uma transformação profunda tanto no gênero quanto em seu respectivo juízo de valor,

seja ele profissional ou amador. Visto que as estratégias musicais de cada grupo estão

intimamente ligadas aos engendramentos constitutivos de uma performance afirmativa

de gosto.

A análise feita reafirma as diferenças estéticas dos três grupos estudados bem como

quanto ao contexto histórico musical em que surgiram. Esse fato contribuiu para a

observação dos diferentes modos de apropriação das estratégias discursivas no meio

virtual, reforçando a dimensão cultural dos usos da tecnologia. Não é o suporte

tecnológico que define que uma comunidade virtual ou mesmo outros serviços online

criem a possibilidade das pessoas fazerem uso para práticas como a de construção de

uma curadoria musical. É preciso que exista uma interatividade entre os membros ou

usuários do espaço digital a tal ponto que seja pactuado uma espécie de contrato

simbólico entre eles. O uso das ferramentas do YouTube demonstrou a possibilidade de

uma curadoria musical amadora que rotula e classifica o gênero musical pagode,

divulgando suas produções artísticas bem como fazendo emergir novos artistas através

de sistemas valorativos alternativos à crítica musical especializada.

O modo como esse canal de compartilhamento estimula as pessoas a exporem seus

gostos musicais e juízos valorativos sobre música configura um fenômeno novo ligado à

crítica que provoca o “alargamento tanto de quem passa a exercê-la, independente da

necessidade de legitimação do campo, quanto dos espaços de circulação em que ela

pode e passa a circular, rompendo ou pelo menos colocando em xeque os padrões até

então estabelecidos” (NERCOLINI e WALTENBERG, p.230, 2010).

29Conceito previamente explicitado.

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Nunca é demais pontuar que se a crítica é histórica, é processo, é contextual, não podemos pensar em formas críticas perenes, imutáveis; não somente em termos de pressupostos analíticos, dos critérios de validação, mas uma não perenidade em termos também de formato e de função da crítica, sempre em transformação, e que, na verdade, precisa estar constantemente se recriando se não quiser desaparecer ou virar peça de museu (NERCOLINI e WALTENBERG, 2010, p.227 e 228).

Discutindo os aspectos éticos e estéticos da crítica, Cardoso e Azevedo (2013) refletem

sobre os diferentes modos de valorização de características do discurso crítico como,

racionalidade, argumento e sensibilidade. Indo desde o surgimento de uma fala sobre

arte até os processos contemporâneos de crítica (como sistemas de recomendação e

resenhas online). Os autores ressaltam primeiro que, na constituição de um campo

reservado a atividade crítica é possível perceber a observância de critérios

estabelecedores de uma “boa” interpretação. Assim uma interpretação pode sobrepor-se

a alguma outra. Entrando no período da Modernidade e Pós-Modernidade passa-se a

valorizar a relação direta entre consumidor/apreciador com a obra de arte. Os critérios

de interpretação são deixados de lado o que reforça a figura do crítico como uma

espécie de “agente de memória sociocultural”. O crítico se destaca agora não por sua

capacidade de interpretação, mas sim pela capacidade de obter informações

privilegiadas sobre a obra de arte. Informações essas que extrapolam o produto estético

em si. A sua autoridade não é mais medida pela capacidade de demonstrar publicamente seu argumento, mas pela capacidade de obter informações sobre o autor da obra, sua biografia e/ou contexto de produção. Também pela sua capacidade de elaborar argumentos convincentes (mesmo que não amparados em aspectos do produto em discussão). É desse modo que a atividade crítica vai recuperar, na pós-modernidade, aquela posição tomada por alguém privilegiado, que tem acesso a informações que o público comum não pode desfrutar – torna-se, de um outro modo, uma figura socialmente autorizada a revelar segredos não detectados pelos demais intérpretes (CARDOSO e AZEVEDO, p.7, 2013).

O crítico passa então a apresentar um discurso argumentativo e pedagógico que convida

ao convencimento de seu interlocutor. Ao pensar no espaço da internet, em suas redes

de compartilhamento e sistemas de recomendação podemos propor, a partir do estudo

de postagens de fãs no canal de compartilhamento YouTube, os agenciamentos

fomentados nesse espaço repercutindo também em práticas sociais interconectadas com

as dimensões econômicas, estéticas, técnicas e sociais. A prática de fãs nas plataformas

digitais reconfiguram ou pelo menos desestabilizam os tradicionais processos críticos

contemporâneos ao borrarem as fronteiras entre uma fala apaixonada e um discurso

argumentativo racionalizado.

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Com a possibilidade de um engendramento infindável, os comentários dos fãs no

YouTube configuram o compartilhamento de experiências musicais com novos meios de

partilha de juízo de valor sobre uma obra. Prática que permite a transgressão da pura

argumentação racional. Desse modo, não somente o discurso crítico é alterado em seus

modos de construção e compartilhamento, mas também os modos de audição e

sensibilidade quanto à música. As sensibilidades nesse sentido também passam por

mudanças, pois estão perpassadas pelo fluxo contínuo, pelo deslocamento de interesse

em uma materialidade ou territorialidade nas relações sociais. Não é apenas o estético

que vivencia transformações nesse contexto, o modo como vamos vivenciar a

experiência estética sofre também profundas re(des)territorializações. O online e o off-

line estão imbrincados de tal modo que é possível afirmar a existência de uma via de

mão dupla rumo ao virtual – real. Assim como temos curadorias online, encontramos a

crítica especializada personalizada em instituições como jornais ou a academia fazendo

uso do ambiente virtual para mobilizar informações, discursos, produção de

mercadorias, entre outros tantos aspectos, numa atuação típica de uma “sociedade em

rede” (CASTELLS, 1999).

O estudo ressalta ainda que o mercado econômico e suas demandas são paradoxais, pois

os impele a avançar e ao mesmo tempo recuar no que concerne a ser “igual” e

concomitantemente “diferente”. É preciso inovar esteticamente, mas também é de certo

modo imposto a manutenção das características reconhecíveis ao público do gênero

musical em questão. As práticas de consumo de música bem como as narrativas

construídas pelos prosumidores em suas curadorias musicais são fragmentadas ou

descentradas dos moldes convencionais da critica musical feita por especialistas.

Podemos observar desse modo que as transformações sobre o lugar onde se pode fruir

uma musicalidade bem como falar sobre ela, o alargamento de quem pode exercer a

crítica musical são ingredientes que compõem um complexo tripé que conduz a

definição do modo como o conhecimento sobre música é aplicado numa sociedade,

“como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído” (FOUCAULT,

2011, p.17). Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí um jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar (FOUCAULT, 2011, p.9).

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Quando fãs, consumidores de música sem nenhum compromisso institucionalizado tem

a possibilidade de fazer circular suas opiniões e produções a partir de espaços virtuais

como é o caso do YouTube, os processos que envolvem criação e fruição de arte bem

como construção de conhecimento sobre ela são alterados. Jacques Ranciere (2009)

também reforça essa afirmação uma vez que alia as transformações estéticas às

possíveis novas formas de subjetividades políticas. Ressaltando ainda a situação

paradoxal que existe na própria constituição das estruturas sociais, onde igualdade

teoricamente funda as bases das sociedades encontramos na prática sistemas

hierárquicos e que valoriza a desigualdade. Assim, quanto às disputas valorativas no

YouTube, podemos dizer que ela não é contínua e que o ingrediente desigualdade

continua a existir. Aportando-nos em Ranciere consideramos então que a

reconfiguração que afirmamos existir na hierarquia da construção de discursos

valorativos sobre música ocorre justamente pela inserção “de sujeitos novos e objetos

inéditos”. O que até então não era visível ganh (2009), a visibilidade, aqueles antes

silenciados passam a se fazer perceber como seres falantes.

Os fãs prosumidores nesse novo contexto interferem tanto na produção de música como

também na constituição do gênero musical. Os três critérios de interdição da fala

proposto por Foucault (2011) sugere esse entrelaçamento entre o lugar de fala, quem

fala e o que fala. Os três tópicos nos quais estivemos aportados para constituição dos

três capítulos desta dissertação que demonstra por fim a complexidade desse novo

contexto da música popular massiva e principalmente o potencial existente aí para novas

possibilidades de fruição e de produção de discursos sobre música.

Como acreditava Benjamin (2012) as transformações estético-políticas ocorrem assim

pelas novas condições de produção artísticas da atualidade. A técnica aí funcionando

como o próprio código de linguagem que define o modo como a partilha de juízos

valorativos será desenvolvida. A exposição dos comentários dos fãs, suas postagens,

seus canais constituem uma forma singular de produção coletiva de uma crítica musical

não especializada. A mobilidade de informação é desse modo política. No que tange a

leitura de obras de arte, que é a função de um curador ou crítico, o espaço virtual excede

as funções básicas da crítica jornalística de tradução da obra, descobrimento de novos

talentos ou reforço de um suposto cânone da música popular massiva (NERCOLINI e

WALTENBERG, 2010, p.233 e 234). A curadoria feita pelos prosumidores nas

postagens analisadas revela-se distante de uma pretensa neutralidade demonstrando

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também novos tipos de controle de informação e estruturas de poder. A partir do estudo

das postagens dos fãs dos grupos de pagodes baiano pudemos observar diversas

negociações simbólicas em torno da música. Práticas que fomentam um modo singular

de constituição de banco de dados sobre um grupo musical, de compartilhamento de

juízos valorativos, construção de um sistema de recomendação, exposição de

preferências estético-musicais e demonstrações de capital simbólico adquirido.

O modo como cada fã constitui sua auto representação no ambiente virtual é a partir das

imagens que os identificam em seus canais de YouTube, nos vídeos que postam, na

utilização das ferramentas de estatística do canal (gostei, não gostei), na construção de

narrativas a partir de seus comentários que expressam sua aprovação ou não

concordância com determinadas preferências musicais. A prática de profanação dos

prosumidores não elimina o papel de destaque que a crítica especializada convencional

conquistou, mas a desestabiliza. Foucault (2011) ao tratar da vontade de verdade ou

vontade de saber explica que é ela a mola propulsora para a (re)condução do nosso

modo de valorizar, distribuir e atribuir conhecimento. Quando surgem novas formas na

vontade de verdade o modo como lidamos com o saber também é alterado

(FOUCAULT, 2011, p.17).

O canal de compartilhamento YouTube com seus protocolos de funcionamento e regras

de conveniências articula um modo de curadoria profanador não pelo que é postado em

si, mas pelo ambiente que cria de interação social e partilha de juízos de valor sobre

música sem compromissos com funções pedagógicas. O modo de seu funcionamento

pode ser estudado a partir do que Foucault (2011) aponta como um jogo de

deslocamentos entre os discursos ditos no correr dos dias e aqueles que deverão

permanecer ditos como textos entendidos como científico, os jurídicos ou literários.

Segundo ele o deslocamento não é estável, nem constante, nem absoluto.

Não há, de um lado, a categoria dada uma vez por todas, dos discursos fundamentais ou criadores; e, de outro, a massa daqueles que repetem, glosam e comentam. Muitos textos maiores se confundem e desaparecem, e, por vezes, comentários vêm tomar o primeiro lugar. Mas embora seus pontos de aplicação possam mudar, a função permanece; e o princípio de um deslocamento encontra-se sem cessar reposto em jogo (FOUCAULT, 2011, p.23).

Como um mediador de encontros de diferenças de preferencias musicais e

identificações o YouTube pode ser entendido como lugar político de práticas de escuta

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uma vez que agencia um sistema de crenças e identidades. Os comentários dos fãs,

desde a postagem primeira, estão permeados por “inesgotáveis sentidos”, textos que são

construídos a partir de relações que não cessam de modificar-se. Postagens e

comentários dos fãs assumem assim “papéis solidários”, pois mesmo existindo a

possibilidade contínua de reatualização em suas falas, e seus sentidos serem plurais, “o

comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de

dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro” (FOUCAULT,

2011, p.25).

Temos então uma paradoxal situação, mas que nos remete a lógica de mercado na qual

estamos inseridos que estimula o “ser diferente”, mas sem fulgir dos moldes já

preestabelecidos pelo consumo. Há na prática dos fãs estudados uma profanação dúbia,

que ora distancia-se dos cânones convencionais da crítica, mas que também faz parte de

uma exigência atual do processo de circulação da cultura na sociedade capitalista. A

emancipação das práticas curadorísticas dos fãs podem ser vistas como táticas (no

sentido atribuído por Certeau)30o que nos possibilita pensar em desvios estabelecidos

por esse consumidor em suas práticas cotidianas. Como dissemos no primeiro capítulo

deste trabalho, o prosumidor ao passo que questiona papeis sociais como o do

especialista em gravar vídeos, ou daquele que é autorizado para construir narrativas

sobre música, ele também pode ratificar ou reproduzir discursos elaborados no interior

de uma lógica de mercado. O online e o off-line reafirma sua interconexão paradoxal e

contínua. As práticas dos fãs que dão visibilidade a gêneros pouco tratados pela crítica

musical especializada também pode gerar lucros para a indústria fonográfica. Uma

relação ambígua já existente entre maisntream x underground.

Os grupos selecionados por nós para análise possuem alguma infiltração na mídia

regional, dois deles teve destaque na publicação da Revista Muito (2009, disponível em

<http://issuu.com/revistamuito/docs/_83>) que se dedica a estudar o gênero pagode. No

entanto, importante observar duas questões preliminares: 1) A publicação é pontual e

motivada pelo pronunciamento de Caetano Veloso sobre o pagode; 2) A recorrência de

reportagens e coberturas relacionadas ao tema é ínfima se comparada a gêneros

musicais como rock, bossa nova e música de concerto.

30 Conceito explorado no primeiro capítulo da dissertação que refere-se a ações dos consumidores

calculadas com finalidade reativa ou desviante dentro das relações de força das técnicas organizadoras de

sistemas.

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Ratificamos por fim que há uma relação híbrida entre o virtual e real no contexto acima

explicitado. Adriana Amaral (2010) afirma que a mobilização de fãs de artistas da

música popular “são performatizadas através de novas práticas que ainda articulam a

mediação musical (SÁ, 2009) nos âmbitos on-line e off-line, como a classificação de

gêneros e divulgação da marca/nome do artista através do uso das tags, as flashmobs

sobre determinados artistas ou canções...” (AMARAL, 2010, p.140). Os novos

mobilizadores de informação e juízos valorativos sobre música emergem como

mediadores independentes que constroem estratégias discursivas ao partilhar suas

preferências musicais a partir de meios personalizados e identificatórios. O tema, desse

modo, mostrou-se profícuo e com possibilidade de estudo a partir de outras

perspectivas. No nosso caso podemos afirmar que deslocamentos nos sistemas de

circulação de música são impulsionados a partir dessa prática de fãs prosumidores a

medida que novos discursos passam a provocar outras possibilidades de negociações

simbólicas identitárias no universo musical.

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ANEXOS