Práticas Leitoras de Alunos - Gabrielle Staniszewski

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    Prticas leitoras de alunos do 3 ano do Ensino Mdio: relaes entre a Escola

    de Constana e o primeiro contato com jornal1

    Gabrielle Staniszewski2

    Universidade Federal do Paran

    Centro Universitrio de Unio da Vitria

    Resumo

    O carter comunicacional da Leitura faz com que ela seja objeto de estudo em

    diversas reas. Assim, as teorias desenvolvidas na Escola de Constana,

    inicialmente dentro dos Estudos Literrios, foram sendo incorporadas ao escopo dosEstudos de Recepo no campo da Comunicao. Este trabalho apresenta o

    primeiro contato com a leitura de jornal por parte de alunos do 3 Ano do Ensino

    Mdio de uma escola pblica de So Mateus do Sul/PR, ocorrido por meio de uma

    oficina de Leitura. A pesquisa utiliza como metodologia a perspectiva pragmtica e

    flerta com os mtodos de pesquisa-ao devido ao carter interventivo. Os

    resultados apresentados demonstram que o simples contato fsico com uma edio

    do jornal tornou-se mais importante que o conhecimento da estrutura jornalsticapara o grupo de alunos envolvidos, de onde se conclui que muitas vezes as teorias

    so insuficientes para dar conta da complexidade do leitor real.

    Palavras-chave: Estudos de Recepo em Comunicao. Estudos Literrios. Escola

    de Constana. Leitura. Uso do Jornal em Sala de Aula.

    Abstract

    Readings communicational character makes it object of study in many fields ofknowledge. Thereby, the Constance Schools theories, initially belonging to the

    Literary Studies, were incorporated to Search of the Audiences scope of

    Communication field. This paper presents the 3rd year of high school degree

    students first contact with newspaper reading, at a public school from So Mateus

    do Sul/PR, occurred through a reading workshop. The methodology adopted is the

    pragmatic perspective, and its related with action research methods, because of its

    1Artigo publicado no peridico Uniuv em Revista, 2014.2Mestre em Comunicao pela UFPR. Docente do Curso de Publicidade e Propaganda do CentroUniversitrio de Unio da Vitria (UNIUV). Membro do Grupo de Pesquisa Mdia, Linguagem eEducao (MEDUC/UFPR). Contato: [email protected]

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    interventional character. The results show that the mere physical contact with an

    edition of a newspaper became much more important than the journalistic structure

    knowledge to that students, so that we conclude that the theories many times are not

    sufficient to realize the real readers complexity.

    Keywords: Search of the Audience in Communication. Literary Studies. Constance

    School. Reading. Newspaper in the classroom.

    INTRODUO

    As correntes que compem a Crtica Literria desenvolvem uma diversidade de

    estudos acerca de temticas relacionadas semitica, sintaxe, anlise do discurso,

    esttica da recepo/efeito e outros temas. Diferentemente das demais tradies

    que compem as principais linhas dos Estudos de Recepo em Comunicao

    indicadas por Jensen e Rosengren (1990)3, que costumam ocupar-se dos Meios de

    Comunicao de Massa, anlise de contedo e questes sobre a cultura, nos

    Estudos Literrios o foco est em observar o que ocorre no contato entre o leitor eum texto, algumas vezes se tratando de grupos de leitores especficos e sendo

    vistos na rea da Comunicao como uma espcie de audincia inscrita no texto.

    Jacks e Escosteguy (2005) destacam como principal papel desses estudos

    assegurar que uma obra literria capaz de desenvolver uma experincia esttica

    que transcenda espao e tempo, partindo da premissa de que a literatura um caso

    especial de Comunicao. A ideia geral consiste em afirmar ser possvel educar os

    leitores para que estes respondam de modo adequado quelaque considerada atradio literria clssica.

    Os Estudos Literrios, de certa forma, acabam por se aproximar deste modo da

    Pesquisa dos Efeitos4, ao passo que tm em comum o entendimento de que a

    estrutura dos textos faz algo com seus leitores, ou seja, causa determinados efeitos,

    sendo que o significado compreendido portanto como intrnseco mensagem.

    3Pesquisa dos Efeitos, Usos e Gratificaes, Esttica da Recepo, Estudos Culturais e Anlise daRecepo.4Os modelos mais conhecidos dessa vertente so o da Agulha Hipodrmica de Lasswell e a TeoriaMatemtica da Informao (Sistema Informacional) de Shannon e Weaver.

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    Uma das correntes que mais se destaca dentro da Crtica Literria a desenvolvida

    na Escola de Constana, que ressalta a funo da Leitura sob dois aspectos:

    horizonte de expectativas e emancipao (MOSTAO, 2008). Entre os tericos

    alemes de Constana, aparecem nos estudos brasileiros com mais frequncia os

    nomes de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, que desenvolveram diferentes

    proposies a respeito do entendimento do conceito de recepo.

    JAUSS E A ESTTICA DA RECEPO

    Jauss (1993) acredita que a arte possui um poder especial e revolucionrio de livrar

    o ser humano de preconceitos e representaes que se encontram arraigadas em

    sua situao histrica, alm de tornar possvel que ele se abra a uma percepo de

    mundo diversa e antecipe uma nova realidade. O autor tambm defende que

    a historicidade da literatura, assim como o seu carter comunicativo,implica, simultaneamente, uma evoluo e uma troca entre obra, pblico e

    obra nova, as quais podem ser apreendidas tanto na relao entremensagem e destinatrio como na relao entre pergunta e resposta ou narelao entre problema e soluo (JAUSS, 1993, p. 57).

    Dessa forma, embora a corrente mais marcante da dcada de 60 tenha sido o

    estruturalismo, o terico literrio julga inaceitvel a ideia de que o texto possua uma

    autonomia absoluta, contrariando veemente a autossuficincia da estrutura e sua

    sobreposio sobre o sujeito.

    De acordo com Zilberman (2009), o trabalho de Jauss apoia-se basicamente sobre

    quatro premissas:

    a) a natureza histrica da literatura se manifesta durante o processo de

    recepo e efeito da obra;

    b) os elementos necessrios para verificar a recepo do texto encontram-se no

    interior do sistema literrio;

    c) a obra predetermina a recepo, ao evocar o horizonte de expectativas, ou

    seja, as regras conhecidas pelo leitor;

    d) possvel que cada leitor reaja individualmente a uma obra, mas a recepo

    um fato social.

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    A autora tambm explica que essa concepo de horizonte de expectativas central

    para a Esttica da Recepo, e nada mais que uma medida comum localizada

    entre essas reaes particulares; este o horizonte que marca os limites dentro dos

    quais uma obra compreendida em seu tempo e que, sendo trans-subjetivo,

    condiciona a ao do texto (ZILBERMAN, 2009, p. 34).

    O autor compreende, portanto, que h uma espcie de influncia procedente do

    prprio texto, que pode ser descrita como a parte que lhe cabe na definio da

    leitura e de sua consumao por parte do leitor, receptor, pblico, parceiro

    indispensvel da obra literria, de tal modo que, ao conceito de recepo

    correspondero por conseguinte as sucessivas concretizaes de uma obra

    (MATTELART, 2012, p. 148). Em outras palavras, a recepo consiste em umarelao dialgica entre texto e leitor.

    vlido destacar que Jauss diferencia a autntica arte do que denomina arte

    culinria, como a literatura de massa, valorizando e utilizando como objeto de

    estudo apenas as que, ao seu ver, se encaixam na primeira categoriaos clssicos,

    em especial. E, embora possua o mrito de deslizar o foco de ateno da obra ao

    leitor, no interroga de fato indivduos para chegar s suas concluses, acreditando

    que a consulta deva ser realizada diretamente junto s obras. A justificativa trazidapela teoria est na ideia que, de modo que as obras participam de um processo de

    comunicao, apropriam-se dos cdigos vigentes na sociedade para que sejam

    compreendidas. Sendo assim, o leitor que encontra-se no centro de ateno da

    Esttica da Recepo ser sempre um leitor ideal, quando no o prprio Jauss,

    como destaca Zilberman (2009).

    A ESTTICA DO EFEITO DE ISER

    Embora oriundo da mesma Escola de Jauss, Iser (1996) desenvolve um modelo que

    remete a uma espcie de crtica quele desenvolvido pelo parceiro. Tanto que

    prefere traar sua prpria teoria, recusando-se a trabalhar sob a nomenclatura da

    Esttica da Recepo ainda que seja frequentemente assim classificado e

    justificando sua escolha ao afirmar que, enquanto a recepo trabalha com mtodos

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    histrico-sociolgicos, o efeito se apoia nos de carter teortico-textual. De acordo

    com o autor,

    se os textos literrios produzem algum efeito, ento eles liberam umacontecimento, que precisa ser assimilado. Em consequncia, os processosde tal elaborao esto no centro do interesse do efeito esttico. Esseinteresse visa, antes de tudo, a duas questes: 1. Em que medida o textoliterrio se deixa apreender como um acontecimento? 2. At que ponto aselaboraes provocadas pelo texto so previamente estruturadas por ele?Perguntas desse tipo so fundamentais para a esttica do efeito, e issoporque atravs delas a interao entre texto e contexto, tanto quanto entretexto e leitor, constitui o objeto da ateno. Enquanto isso, a esttica darecepo em seu sentido mais estrito atm-se s condies histricas darecepo documentada nos textos (ISER, 1996, p. 10-11).

    A prxis da interpretao que advm do processo de compreenso do texto implica

    dizer que, por mais que seja motivado pelo texto, o efeito esttico s acontece

    quando o leitor coloca um pouco de si, e repousa sua preocupao essencialmente

    no que constitui esse acontecimento: a produo de sentido. Dessas constataes

    implica assinalar que a orientao de uma esttica do efeito para uma interpretao

    de textos literrios visa a trs elementos principais:

    a) funo que os textos desempenham em certos contextos;

    b) comunicao que transmite experincias por meio dos textos;c) assimilao do texto, etapa em que se percebem os elementos que

    predizem a recepo do texto e as competncias do leitor (ISER, 1996).

    A Leitura ponto central na anlise de Iser, devido ao fato de que apenas quando

    lido que um texto literrio produz efeito. Desse modo, no possvel trabalhar texto

    e leitor em momentos separados, visto que o texto estabelece um potencial de

    efeitos que acaba por se atualizar no decorrente ao processo da leitura.

    O texto literrio considerado, por conseguinte, sob a premissa de sercomunicao. Atravs dele, acontecem intervenes no mundo, nasestruturas sociais dominantes e na literatura existente. Tais intervenesmanifestam-se enquanto reorganizao daqueles sistemas de referncia, osquais o repertrio do texto evoca. Nessa reorganizao de refernciasrelevantes, evidencia-se a inteno comunicativa do texto, a qual seinscreve em certas instrues para sua compreenso (ISER, 1996, p. 15,nfase acrescida).

    Partindo da premissa de que o texto fornece elementos para a compreenso leitora,

    Iser critica no apenas o modelo, mas igualmente a noo de leitor de Jauss. Postoque este ltimo evoca uma espcie de leitor ideal, Iser aponta que torna-se

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    praticamente impossvel fixar seu substrato, pois, embora sujeitos especializados

    como o crtico e o fillogo possam em um determinado momento ser considerados

    os sujeitos dessa abstrao, o leitor ideal representa uma impossibilidade

    estrutural da comunicao. Isso porque seria necessrio que o cdigo do texto

    fosse exatamente o mesmo do leitor, e Iser considera que, se no h nada novo a

    ser dito, no existe comunicao.

    Para tentar sanar essa lacuna, o terico desenvolve um conceito mais

    especificamente delimitado e que ele considera ser um tipo de leitor inscrito no texto.

    Surge ento a concepo de leitor implcito que, embora se assemelhe em algum

    grau abstrao desenvolvida por Jauss, possui mais aprimorada justificativa. De

    acordo com Iser, o leitor implcito no tem existncia real, pois materializa oconjunto das preorientaes que um texto ficcional oferece, como condies de

    recepo, a seus leitores possveis. Em consequncia, o leitor implcito no se funda

    em um substrato emprico, mas sim na estrutura do texto(ISER, 1996, p. 73) e essa

    estrutura que antecipa a presena do receptor.

    Mostao (2008) coloca Iser mais prximo s teorias desenvolvidas pela corrente do

    response-criticism devido a essa estrutura de apelo que o autor destaca como

    inerente escritura. O esquema apresentado pressupe, portanto, que o leitorimplcito uma das estruturas presentes em um texto (assim como a voz do

    narrador, personagens, roteiro, etc.) e, embora seu papel represente apenas uma

    inteno, considerado que um receptor real necessita ser estimulado por ele para

    que essa inteno inicialmente apenas estrutural efetivamente se realize. Dessa

    forma, h uma unio visvel, permanente e intensa entre a estrutura do texto e o

    papel do leitor, possibilitada pelo preenchimento dos vazios deixados pelo texto

    atravs das pressuposies do leitor.

    EXPERINCIA DO JORNAL EM SALA DE AULA

    Com o objetivo de desenvolver a minha pesquisa de Mestrado, no 1 semestre de

    20130 realizei encontros semanais de Leitura com uma turma de 23 alunos do 3

    Ano do Ensino Mdio de uma escola pblica em So Mateus do SulPR

    (STANISZEWSKI, 2014). O horrio de aula foi gentilmente cedido pela professora de

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    Lngua Portuguesa e, a cada semana, um texto diferente foi trabalhado, buscando a

    diversificao de gneros e a expanso da compreenso de Leitura.

    Os encontros foram registrados em dirios de pesquisa, adotando como perspectiva

    de anlise a Pragmtica, que se preocupa com os usos da linguagem e pode ser

    utilizada com uma metodologia que consiste em uma interpretao pessoal dos

    hbitos de acordo com o nosso conhecimento implcito e explcito dos indivduos e

    suas crenas e com as expectativas que decorrem deste conhecimento (OLIVEIRA,

    2012, p. 2).

    Foram, portanto, trabalhados poemas, contos, literatura infantil e teatro do absurdo,

    entre outros textos. A cada semana o contedo do encontro era uma surpresa para

    os alunos, de modo que na sexta semana, ao adentrar a sala de aula, uma alunaperguntou o que leramos. A decepo foi visvel assim que ela ouviu a resposta:

    Jornal.

    A dinmica seria, inicialmente, reforar que estamos falando de Comunicao ao

    longo de todos os encontros, mesmo atravs dos textos literrios que haviam sido

    trabalhados at ento. E que a proposta daquele momento era falarmos sobre um

    tipo especfico de Comunicao: a de Massa. Para isso, poderamos considerar

    essencial conhecer um pouco de sua estrutura de produo, ou seja, os elementosque a compem.

    No quadro negro, foi exposto que Comunicao de Massa exatamente o que

    aparenta querer dizer, ou seja, algo disseminado para todos, para um grande

    pblico/audincia. E partimos para observar quais seriam os chamados Meios de

    Comunicao de Massa. Uma aluna respondeu: rdio, TV, jornal. Revista tambm

    foi citada e, claro, Internet. Comentamos a dificuldade de classificarmos a Internet

    adjacente a esses outros meios, devido enorme diferena existente entre asdinmicas de produo e envio de mensagens. Se na televiso, por exemplo, a

    mensagem e a programao so uma s, enviada desse meio especfico para todos

    os grupos, indivduos, etc., na Internet a informao vem na forma de rede

    distribuda (BARAN, 19645, citado por FRANCO, 2008), ou seja, todos para todos.

    Foi apontada tambm a diferena de alcance e cobertura: enquanto a televiso est

    em praticamente 100% das residncias, a Internet, embora esteja se popularizando,

    ainda no to abrangente.

    5BARAN, Paul (1964). On distributed communications: I. introduction to distributed communicationsnetworks. In: Memorandum RM-3420-PR, August 1964. Santa Mnica: The Rand Corporation, 1964.

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    Questionei se os alunos tinham o hbito de ler jornais e a resposta foi um sonoro

    no, com exceo de uma nica aluna que afirmou ler de vez em quando. A

    questo seguinte foi se havia jornais nas suas casas, se algum da famlia

    costumava ler. Novamente, ouviu-se um no. Por ltimo, o argumento de que eles

    ao menos deveriam ler notcias online, mesmo que apenas aquelas que chamassem

    muito a ateno, e a resposta foi desanimadora: muito pouco.

    Conhecemos ento um pouco da histria do folhetim e chegamos ao ponto central

    programado para aquele encontro: mostrar aos alunos como se produz uma notcia

    e quais elementos estruturais a compem, assim como capa, cadernos e editorias

    de um grande jornal estadual. Havamos trabalhado de forma anloga no encontro

    anterior com o Teatro do Absurdo de Ionesco (1950) e identificamos que, apesar de primeira lida parecer difcil entender e apreender um sentido daquele texto, ficou

    mais claro quando percebemos que todos os elementos de um texto teatral estavam

    ali, e que talvez essa estrutura fosse mais importante que uma sequncia de

    dilogos lgicos naquele exemplo especfico.

    Como material de apoio utilizei uma cartilha do Projeto Ler e Pensar6 do jornal

    Gazeta do Povo, desenvolvida justamente para professores conhecerem o jornal e

    algumas possveis aplicaes em sala de aula, e um exemplar da Gazeta dodomingo anterior para que eles folheassem mais tarde. Apresentados a capa e seus

    elementos, citei o exemplo do Jornal El Universo que certa vez saiu com a capa em

    branco (OLIVEIRA, 2012) e o quanto isso chamou muito mais a ateno dos leitores

    do que todos aqueles elementos que aparecem sempre na primeira pgina, como

    manchete, chamadas, etc.

    Antes de terem o jornal em suas mos, os alunos puderam conhecer ao menos um

    pouco sobre como funciona o processo de produo de um jornal, da pauta impresso, e jarges jornalsticos como boneco, box, macarro. No entanto, o papel

    de destaque ficou para os elementos que compem uma notcia: ttulo, chapu,

    gravata e lide. Orientei que seriam essas informaes que eles deveriam procurar no

    jornal, para num segundo momento explicar turma quais compunham a notcia

    escolhida por cada um e por que no apareciam, caso isso acontecesse.

    6Mais detalhes sobre o Projeto em http://www.institutogrpcom.org.br/projetos/ler-e-pensar

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    Finalmente chegou o momento de distribuir aqueles pedaos soltos de jornal, e foi

    ento que ficou claro qual a importncia desse contato ter acontecido, ao ouvir no

    fundo da classe a declarao daquele aluno do 3 ano do Ensino Mdio:

    Primeira vez na minha vida que eu vou ler jornal.

    Assim, mais que saberem como um jornal escrito, dividido, de onde surgem as

    notcias, o ponto principal desse encontro de Leitura foi oportunizar que esses

    alunos tivessem um jornal em mos. A partir dessa relao, a existncia do jornal

    passou a ser significativa na vida desses adolescentes. At ento a ideia de ler um

    jornal era uma abstrao, pois no fazia parte de seu contexto, de seu cotidiano.Deixei que eles olhassem o jornal o restante do encontro, trocassem com os

    colegas, lessem efetivamente. Encerramos o encontro sem necessidade de realizar

    a atividade inicialmente proposta de identificao dos elementos, pois estava claro

    que a relao deles com o jornal estava de fato mudada no pela estrutura, mas

    pela experincia.

    CONSIDERAES

    interessante perceber que, embora tanto Jauss quanto Iser justifiquem o uso que

    fazem dos conceitos de recepo e efeito, respectivamente, talvez se

    atualizssemos suas ideias e fizssemos um comparativo com outras vertentes dos

    Estudos de Recepo, tais como as latino-americanas7

    , a tendncia seria invert-los. A ideia de efeito geralmente utilizada quando se pensa no receptor como um

    mero repositrio, em que o processo tem seu fim no momento em que a mensagem

    chega ao indivduo. J recepo envolve uma noo de apropriao da

    mensagem, ou seja, de produo de sentido a partir dela.

    Todavia, longe de querer modificar teorias que j esto bem consolidadas e trazem

    certamente um sem-nmero de contribuies acadmicas vida (especialmente da

    7Um resumo dos principais pontos abordados nos Estudos de Recepo latino-americanos pode serencontrado em BOAVENTURA, K. T.; MARTINO, L. C. Estudos Culturais Latino-americanos:convergncias, divergncias e crticas. In: Intexto. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 22, jan./jun. 2010. p.3-19.

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    prpria comunidade acadmica), bvio que a realidade intensamente diferente

    do papel. Se, ao formular teorias, necessrio considerar o leitor como uma

    abstrao, um ser ideal ou implcito no textopara que elas possuam a consistncia

    e a generalizao de que so formadas as teorias , ento elas jamais daro conta

    da complexidade que a prxis leitora.

    Alis, a vida humana complexa e, portanto, as relaes entre seres humanos e

    suas produes tambm no deixariam de ser. Ento o que est no papel, os

    elementos que compem um texto certamente serviro de orientadores para a

    Leitura, uma espcie de caminho. E isso no apenas em textos literrios, conforme a

    teorizao inicial dos autores, mas em qualquer espcie de Leitura. A de meios de

    comunicao de massa, por exemplo, sempre facilitada a partir do momento emque conhecemos seus subsdios de produo.

    Advm que, se esse caminho proposto pelo texto levar a X ou a Y, s o seu leitor

    corporificado, existente e atuante no mundo da vida quem saber, no momento

    em que o seu prprio contexto/leitura de mundo preenche as lacunas deixadas pelo

    texto. Ao mesmo tempo, tem sua prpria vida modificada por essa interao.

    A prtica leitora pode ser uma experincia mgica ou uma obrigao curricular. Mas

    certo que no possvel prever a recepo de um texto, porquanto o leitor noequivale a mera caixinha de sugestes, pois recipientes no compreendem

    (KLEIMAN, 2011). A Leitura um momento de recepo em Comunicao que

    envolve inmeras variveis e deve ser vista como tal, compreendida como um lugar

    a partir do qual se repensar todo o processo comunicativo.

    REFERNCIAS

    BOAVENTURA, K. T.; MARTINO, L. C. Estudos Culturais Latino-americanos:convergncias, divergncias e crticas. In: Intexto. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 22,jan./jun. 2010. p. 3-19. Disponvel em:. Acesso em: 20 fev. 2013.

    FRANCO, A de. Uma introduo s redes sociais. In: ______. Escola de redes:novas vises sobre a sociedade, o desenvolvimento, a Internet, a poltica e o mundo

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    STANISZEWSKI, G. Configuraes do processo comunicativo da leitura: umolhar pragmtico sobre as prticas leitoras de alunos do 3 ano do Ensino Mdio.92f. Dissertao (Mestrado em Comunicao)Universidade Federal do Paran,2014.

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