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PRÁTICAS PEDAGÓGIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PENSANDO OUTROS ELEMENTOS PARA O DEBATE O presente painel vinculado ao subeixo 1: Didática: relação teoria /prática na formação escolar, procura discutir, a partir da concepção de educação infantil como direito público subjetivo, as práticas pedagógicas na educação infantil. Tendo esse objetivo como organizador do painel, o primeiro texto procura, a partir de uma pesquisa recente junto a alguns municípios de grande porte do sul do país, refletir tanto sobre as estratégias que esses municípios estão adotando para atender a lei da obrigatoriedade da educação a partir dos quatros anos; quanto às repercussões dessas estratégias na organização e funcionamento dos centros de educação infantil, de modo particular nas práticas pedagógicas. Seguindo as análises desse estudo, os resultados apontam para um perigoso processo de ratificação de práticas há muito combatidas na área de educação infantil. Dessa forma, se torna urgente, entre outras reflexões, repensar os estágios curriculares nos cursos de pedagogias, tema desenvolvido pelo segundo trabalho que compõe o presente painel. Dessa forma, o texto procura ponderar sobre o papel do estágio nos cursos de Pedagogia e sua função como espaço de desconstrução de práticas assistencialistas, higienistas e escolarizantes e, ao mesmo tempo, como espaço de construção de estratégias didáticas que garantam a organização do tempo, dos espaços, dos materiais e de suas ações respeitando o direito das crianças à uma educação de qualidade. A partir dessas discussões, no terceiro texto aprofunda-se as reflexões sobre como seria uma prática pedagógica que rompa com a forma escolar tradicional iconoclasta e que, substitua as explicações e informações das coisas e do mundo pela experiência do corpo com as coisas no mundo; considerando que as crianças não sabem “menos”, antes possuem modos diferentes de saber. Assim, entende-se que em época de definição de uma Base Nacional Comum Curricular, tais discussões são pertinentes para se pensar a didática para educação infantil. Palavras-Chave: Práticas Pedagógicas, Educação Infantil, Políticas Públicas. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3597 ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS PEDAGÓGIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PENSANDO

OUTROS ELEMENTOS PARA O DEBATE

O presente painel vinculado ao subeixo 1: Didática: relação teoria /prática na formação

escolar, procura discutir, a partir da concepção de educação infantil como direito

público subjetivo, as práticas pedagógicas na educação infantil. Tendo esse objetivo

como organizador do painel, o primeiro texto procura, a partir de uma pesquisa recente

junto a alguns municípios de grande porte do sul do país, refletir tanto sobre as

estratégias que esses municípios estão adotando para atender a lei da obrigatoriedade da

educação a partir dos quatros anos; quanto às repercussões dessas estratégias na

organização e funcionamento dos centros de educação infantil, de modo particular nas

práticas pedagógicas. Seguindo as análises desse estudo, os resultados apontam para um

perigoso processo de ratificação de práticas há muito combatidas na área de educação

infantil. Dessa forma, se torna urgente, entre outras reflexões, repensar os estágios

curriculares nos cursos de pedagogias, tema desenvolvido pelo segundo trabalho que

compõe o presente painel. Dessa forma, o texto procura ponderar sobre o papel do

estágio nos cursos de Pedagogia e sua função como espaço de desconstrução de práticas

assistencialistas, higienistas e escolarizantes e, ao mesmo tempo, como espaço de

construção de estratégias didáticas que garantam a organização do tempo, dos espaços,

dos materiais e de suas ações respeitando o direito das crianças à uma educação de

qualidade. A partir dessas discussões, no terceiro texto aprofunda-se as reflexões sobre

como seria uma prática pedagógica que rompa com a forma escolar tradicional

iconoclasta e que, substitua as explicações e informações das coisas e do mundo pela

experiência do corpo com as coisas no mundo; considerando que as crianças não sabem

“menos”, antes possuem modos diferentes de saber. Assim, entende-se que em época de

definição de uma Base Nacional Comum Curricular, tais discussões são pertinentes para

se pensar a didática para educação infantil.

Palavras-Chave: Práticas Pedagógicas, Educação Infantil, Políticas Públicas.

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A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA PÚBLICA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Rosânia Campos

[email protected]

Resumo: O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa desenvolvida junta aos três

maiores municípios dos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande Sul, cujo objetivo

central era observar quais as estratégias os municípios estavam adotando para adequar-

se as novas exigências legais, sobretudo a obrigatoriedade da educação a partir dos

quatros anos. De modo especifico, esse artigo procura discutir quais as repercussões de

uma dessas estratégias nas práticas pedagógicas presentes nas instituições de educação

infantil. Seguindo essa perspectiva, compreender as estratégias implica não apenas

analisar as políticas, os programas e/ou as ações adotadas pelos municípios, mas

também inquirir quais as concepções, em especial, de educação infantil, sustentam essas

estratégias. Em outras palavras, nesse artigo procuramos articular/relacionar as práticas

educativas com as políticas públicas para educação infantil, a partir das considerações realizadas

por Dale (2004, p. 439) quando questiona: a) a quem é ensinado o quê, como, por quem e

em que circunstâncias? b) como, por quem e através de que estruturas, instituições e

processos são definidas essas coisas, como é que são governadas, organizadas e geridas?

c) quais são as consequências sociais e individuais destas estruturas e processos? E,

seguindo essa orientação, os resultados indicam que, no cenário atual, se faz necessário

retomar alguns princípios da educação infantil, como a defesa de ser essa etapa um

direito das famílias e das crianças, não ser essa etapa uma antecipação da escolarização

e a urgência em se superar a histórica divisão de atendimentos, caracterizados muitas

vezes pela situação econômica da família.

Palavras-chave: Políticas Públicas para educação Infantil; Educação Infantil. Prática

pedagógica

Após 26 anos da Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, 1990),

16 anos do Fórum de Dakar (Dakar, 2000), encerramento do Plano nacional de

Educacional (Lei N° 10.172/2001) ainda estamos distante em atingir as metas definidas

nesses encontros e na própria lei. A Educação infantil ainda configura como um grande

desafio para vários países, dentre esses, o Brasil. E, ainda que há vinte anos esse etapa já

seja reconhecida como compondo a educação básica brasileira, observamos que não

foram superadas várias concepções, tanto no contexto da prática, quanto no contexto da

política pública. E, ainda que pese os avanços teóricos, metodológicos e dos próprios

índices de atendimento nessa etapa, muitos ainda são os desafios e as lutas necessárias

para a consolidação de uma educação infantil gestada na lógica de direito para crianças

e famílias.

Esses desafios tornam-se ainda maiores quando consideramos que, muitas das

orientações emanadas dos relatórios dos organismos internacional indicam a educação

infantil como uma estratégia e não como um direito; isto é, os relatórios e documentos

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orientadores, sobretudo os emitidos pelos organismos internacionais, como UNESCO,

UNICEF, BANCO MUNDIAL, difundem uma concepção de educação infantil a partir

de duas lógicas: a) antecipação escolar; b) estratégia de alívio a pobreza1. A repercussão

dessa concepção pode ser observada em várias ações e políticas desenvolvidas nos

países signatários, dentre estes o Brasil. Nesse sentido, observamos, nas últimas décadas

do século XX e a primeira do século XXI, várias modificações no âmbito legal do

direito a educação no Brasil, de modo especial, em 2006, quando foi promulgada a Lei

Nº 11.274 que alterou a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei Nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que passaram a estabelecer as diretrizes e bases da educação

nacional, dispondo sobre a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com

matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade, a partir da data de sua publicação; e

a lei N°12.796, de 2013, que determina a obrigatoriedade da matricula a partir dos

quatros anos, sendo que o prazo para os municípios se adequarem a lei será até 2016.

Essas modificações legais tiveram grandes impactos tanto no aspecto macro, isto

é, para a gestão dos municípios, quanto nos aspectos micros, como na organização e

funcionamento da educação infantil. Desse modo, ao considerar-se esses aspectos, foi

desenvolvida um pesquisa para investigar quais as estratégias privilegiadas pelos três

maiores municípios de Santa Catarina, e pelos três maiores municípios do Rio Grande

do Sul para atenderem as exigências legais. A partir das analises dos dados dessa

pesquisa o presente artigo foi elaborado, tendo como objetivo discutir as possíveis

repercussões de uma dessas estratégias privilegiadas, processo de conveniamento, no

cotidiano da educação infantil dos respectivos municípios.

O interesse em realizar essa discussão, qual seja: articular prática educativa e

política pública emerge da constatação de que essa é ainda uma discussão escassa na

área de educação infantil. Esse fato é corroborado por uma pesquisa coordenada por

Rizzini2 referente ao levantamento de produção no período de 2004 – 2013, na qual a

autora indica que é necessário tornar mais visíveis os conhecimentos produzidos,

sobretudo, sobre e a partir das crianças pequenas, para que os debates avancem e se

traduzam em práticas sociais e políticas públicas.

Para tanto, as discussões aqui apresentadas resultam de uma pesquisa do tipo

documental, não um estudo comparado, que coletou e analisou dados estatísticos,

organizados em tabelas a partir de diferentes cruzamentos de dados, correspondentes ao

período de 2010 (último ano da implementação da obrigatoriedade do ensino de nove

anos) a 2014. Os dados foram coletados diretamente nos sites governamentais: a) IBGE;

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b) INEP; c) IPEA; d) FNDE; e nos sites das respectivas secretarias municipais de

educação.

Em paralelo com a coleta e sistematização dos dados, foi realizado um

levantamento da produção documental referente a educação infantil e uma seleção de

leituras que pudesse auxiliar nas análises subsequentes. Em relação ao levantamento

documental, esse foi organizado tanto em nível nacional, via o site do Ministério da

Educação – MEC; quanto em nível internacional, a partir de documentos produzidos

pela UNESCO, Banco Mundial, UNICEF, OEA e OEI, pois entendemos que as

discussões e orientações desses organismos são fortes indutoras de políticas locais.

A partir dessas análises e do objetivo apresentado desse texto, iremos discutir os

dados relativos aos municípios com maior rede pública de educação infantil em cada

estado, que serão denominados: SC para o município de Santa Catarina, e RS para o

município do Rio Grande do Sul. Para tanto, o presente trabalho é organizado em três

seções: a) cenário atual dos municípios pesquisados e a educação infantil; b) reflexões

sobre a repercussão da estratégia em discussão na organização e no funcionamento das

instituições de educação infantil; c) reflexões finais que, pensamos, podem auxiliar na

continuidade do debate.

Os municípios da pesquisa

Conforme informado anteriormente, os municípios em análise são os maiores,

em termos habitacionais e de rede pública educativa dos respectivos estados, sendo que

para além desse aspecto, a escolha dos mesmos para desenvolvimento da pesquisa é

justificada pelo fato de que essas cidades participam do chamado “GT das capitais e

grandes cidades3” organizado pelo Ministério da Educação, no qual procura discutir

com os gestores municipais as politicas e programas em educação. Entendemos assim,

que essas cidades possuem um papel diferenciado no processo de implementação das

políticas educacionais, e que localmente acabam sendo também fontes de indução de

políticas.

Assim, em dados gerais, o estado de Santa Catarina apresenta, de acordo com o

IBGE (2010), uma população de 6.248.436 habitantes, sendo que 7,9% dessa população

é composta por crianças de 0 a 5 anos. No que se refere a educação infantil, ao se

considerar a matricula bruta em toda etapa, observamos que o estado apresenta o

percentual de 26,7% índice abaixo da média nacional que figura com 28% de

atendimento. Quando desdobramos esses números Santa Catarina apresenta taxa de

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34,8% de atendimento na faixa etária de 0 a 3 anos; e 81,4% na faixa etária de 4 e 5

anos, seguindo desse modo a tendência histórica e nacional, isto é, a discrepância entre

os níveis de atendimento.

O estado do Rio Grande do Sul possui um total de 10.693.929 habitantes, sendo

que 5,96 % pertencem a faixa etária de 0 a 4 anos em 2010. Em relação a educação

infantil o cenário é o seguinte: 27,70% das crianças de 0 a 3 anos, e 69,43% das crianças

da faixa etária de 4 a 5 anos evidenciando que o estado esta aquém dos níveis de

matriculas nacionais. Esses índices do estado, ainda que tenham apresentado melhoras

em relação aos anos anteriores, ainda não foi uma evolução significativa, de modo que

no desempenho na oferta da pré-escola (69,43%) o Estado ficou situado na penúltima

posição no cenário nacional (26º lugar), a frente apenas de Roraima que apresentou

67,26%.

Interessante ainda observar que, ambos os estados figuram nas primeiras

posições no ranking do IDHM4

dessa forma, Santa Catarina ocupa a 3ª posição e Rio

Grande do Sul a 6ª posição entre os entes federados. Esse cenário também observado

em relação aos municípios em estudos, que figuram como tendo IDHM alto, e a

educação como um aspecto que evolui no período de 2000 a 2010.

Não obstante, ainda que esses municípios apresentem posição privilegiada, em

relação a outros municípios do país, em termos de desenvolvimento econômico e IDHM

quando verificamos os dados em educação infantil desses municípios temos o seguinte

cenário:

Tabela 1. Total de matriculas na educação infantil na rede pública em Creches e Pré-escola e por

tempo de permanência na instituição nos dois municípios em análise– 2014

Município Creche Pré-escola

Integral Parcial Total Integral Parcial Total

SC 3585 1256 4841 1108 5564 6672

RS 2419 103 2522 1992 4065 6057

Fonte: Construção própria a partir dos dados INEP, 2014.

Conforme podemos observar é comum aos municípios a presença de

atendimento parcial, tanto na creche quanto na pré-escola, fato nada inédito posto a

oferta desses períodos sempre esteve presente na educação infantil brasileira.

Entretanto, em especial no segmento creche pública os números chamaram a atenção,

pois, pela própria constituição histórica, esse segmento sempre foi caracterizado pelo

período integral. Assim, para observarmos melhor esse quadro, os dados foram

analisados considerando o período definido pela pesquisa. Desse modo, observamos que

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a parcialização está se caracterizando como uma das estratégias privilegiadas pelos

municípios, conforme podemos observar na tabela 3.

Tabela 3 – Número de Matrículas na Educação Infantil Pública em Regime Parcial e Integral

An

o

SC RS

Creche Pré-Escola Creche Pré-Escola

I P I P I P I P

2010 2.841 567 1.566 4.906 2.207 36 1.931 4.653

2011 3.450 939 1.610 4.829 2.233 113 1.908 4.243

2012 3.574 941 1.585 4.847 2.209 116 1.941 4.191

2013 3.679 1.094 1.548 4.485 2.268 85 2.268 3.823

2014 3.760 1.161 1.614 4.687 2.419 103 1.992 4.065

Fonte: Construção própria a partir dos dados do FNDE, 2014.

Os dados acima nos possibilita observar um movimento muito interessante, qual

seja, ambos os municípios ampliam suas matrículas, apresentando um incremento do

atendimento integral, tanto na creche quanto pré-escola. Esses dados podem parecer

animadores, indicando que não há um movimento efetivo de parcialização nos

municípios, entretanto, ao fazermos as análises especificas em termos de matriculas,

observamos que no município de Santa Catarina, em especial na etapa Pré-escola, houve

uma diminuição do atendimento em regime parcial na ordem de 219 matriculas, isso é,

no período em análise, foram reduzidas 219 matriculas em regime parcial. Ao mesmo

tempo, quando focamos na ampliação das matrículas em regime integral para essa

mesma etapa observamos que foram criadas 48 novas matriculas. Esse movimento é

percebido também no município do Rio Grande do Sul, que de modo similar apresenta

uma redução nas matriculas da Pré-escola em regime parcial na ordem de 588, ou seja,

no período pesquisado diminuíram 588 matriculas no regime parcial. E no regime

integral temos o total de 61 novas matriculas. Isso nos instiga a inúmeras questões, mas

talvez a mais persistente: onde ficaram essas crianças que não estão mais sendo

atendidas no regime parcial? Ao se procurar responder essa questão chegamos a outra

estratégias adotadas pelos municípios de modo privilegiado: o conveniamento com

instituições filantrópicas, associações e afins. Dessa forma, conforme poderemos

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observar nos dados a seguir, essa estratégia, antiga conhecida da área de educação

infantil, parece esta fortalecida e com novas configurações.

Ao analisarmos especificamente o segmento creche temos a seguinte situação:

Tabela 4 – Número de Matrículas na Creche da Rede Municipal e Conveniada em Regime Integral

e Parcial

An

o

SC RS

Municipal Conveniada Municipal Conveniada

I P I P I P I P

2010 2.841 567 645 120 2207 36 2895 226

2011 3.450 939 620 323 2233 113 5697 349

2012 3.574 941 627 346 2209 116 6819 314

2013 3.679 1.094 506 366 2268 85 7576 275

2014 3.760 1.161 429 483 2419 103 6048 96

Fonte: elaboração própria a partir do FNDE

Muitas análises podem ser realizadas a partir desses dados, assim ao nos

determos especificamente no aspecto de ampliação de matriculas é notório que o

município do Rio Grande do Sul realizou esse feito por meio de um processo vigoroso

de conveniamento, de modo que, no período indicado, apresentou um aumento nas

matriculas públicas integrais na ordem de 0,27%; enquanto que a ampliação via

conveniamento foi na ordem de 161,69%.

Em relação ao município de Santa Catarina, ainda que esse incremento da

matrícula não tenha sido tão forte, o conveniamento também foi ampliado, mas

diferentemente do Município RS, essa ampliação ocorreu via atendimento parcial, fato

observado também no próprio atendimento nas instituições públicas.

Ainda interessante observar que no ano de 2013 ambos os municípios

apresentam uma variação significativa ampliando os atendimentos, em ambas as redes,

mas no ano de 2014 as matriculas via conveniamento sofrerem uma retração. Nesse

sentido importante lembrar que no ano anterior, em 2012, foi sancionada a Lei N°

12.722/de outubro de 2012 que regulamentava o Programa Brasil Carinhoso5, ação

financeira significativa para os municípios. Lembrando que os repasses oriundos desse

programa também podem ser repassados às instituições conveniadas. Necessário ainda

destacar que, no período da pesquisa, os municípios brasileiros também já dispunham

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de outro auxílio do governo federal para ampliar suas redes, qual seja, o Programa Pró

Infância, que presta assistência técnica e financeira, ao Distrito Federal e municípios, para

construção e aquisição de equipamentos para creches e pré-escolas públicas.

Para ser possível ampliar as análises é importante também observar as

matróculas no segmento pré-escola, como demonstramos a seguir:

Tabela 5 – Número de Matrículas na Pré-escola da Rede Municipal e Conveniada em Regime

Integral e Parcial

An

o

SC RS

Municipal Conveniada Municipal Conveniada

I P I P I P I P

2010 1.566 4.906 0 0 1931 4653 1811 426

2011 1.610 4.829 0 0 1908 4243 1811 426

2012 1.585 4.847 605 393 1941 4191 5411 1385

2013 1.548 4.485 507 479 2109 3823 6269 1338

2014 1.614 4.687 427 649 1992 4065 4665 695

Fonte: Elaboração própria a partir do FNDE

Os dados referentes ao município SC indicam que, as matriculas na rede pública

não tiveram uma grande variação, entretanto alguns aspectos nos chamam atenção,

como por exemplo, quando realizamos os cálculos constatamos que no período

estudado foram criadas 48 novas matriculas em regime de atendimento integral, no

entanto, houve uma redução de 219 matriculas no período parcial, assim poderíamos

questionar onde essas crianças, antes pertencentes ao período parcial, estão sendo

atendidas? Uma das hipóteses, a exemplo do que acontece com a creche é que os

municípios estão dividindo essa tarefa com instituições conveniadas. Isso pode

observado quando nos atentamos para o número de matriculas nessas instituições. Dessa

forma, em 2010 não constava no banco do FNDE matriculas em pré-escolas

conveniadas no município SC, cenário que foi modificado, a partir de 2012, quando são

criadas 998 vagas, em regime parcial e integral, em instituições conveniadas.

Novamente interessante observar que, é a partir desse ano que os municípios podem

realizar repasses para as instituições conveniadas, conforme regulamentado pela lei N°

12.722/de outubro de 2012.

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No município RS movimento similar pode ser observando, assim, na rede

pública em período integral foram criadas 61 vagas em regime integral e diminuíram

588 vagas no regime parcial. Uma discrepância grande, que leva outra vez a questão:

onde estão sendo atendidas essas crianças? E, mais uma vez necessitamos ampliar as

análises, e assim observamos que no mesmo período nas instituições conveniadas houve

um acréscimo de 2854 matriculas em regime de atendimento integral, e 269 novas

matriculas em regime parcial. Interessante também perceber que de 2013 para 2014 as

matriculas configuraram um cenário diferente do que vinha sendo constatado, assim

houve uma redução de 117 vagas no atendimento integral realizado pela rede pública,

de igual modo, os dados indicam uma brusca redução nas vagas oriundas das

instituições conveniadas. Em termos numéricos temos a redução de 1.604 vagas no

atendimento integral e 643 vagas no período parcial. A ampliação ocorreu apenas no

atendimento parcial na rede pública, e foi na ordem 642 novas vagas. Mas, mesmo com

essa redução observamos que nesse município a maior parte do atendimento em regime

integral ocorre nas instituições conveniadas, e ainda, se somarmos as matriculas bruta

observamos que a diferença de matriculas entre a rede pública e as matriculas

provenientes de instituições conveniadas é de 697, ou seja, praticamente o mesmo

número de crianças é atendido na rede pública e nas instituições conveniadas.

Em síntese, muitas são as análises e interrogações possíveis a partir desses

números, mas tendo em vista o objetivo desse artigo, nossa atenção se volta, sobretudo

para o movimento de ampliação das matriculas por meio do conveniamento, estratégia

que figura como sendo uma das privilegiadas pelos municípios. E, de modo mais

específico, nos interesse pensar como esse tipo de estratégia poderá se configurar como

uma política pública municipal e poderá repercutir no cotidiano das instituições de

educação, ou dito de outro modo, nas próprias práticas pedagógicas. Procuramos refletir

sobre essa questão a seguir.

A imbricada relação entre política pública e prática pedagógica

Conforme procuramos destacar nas análises acima, parece que uma das

estratégias dos municípios para ampliar o atendimento, e atender as exigências legais, é

a ampliação das práticas de conveniamento. Essa estratégia foi amplamente incentiva na

década de 1990, quando foi fortalecida a lógica da “parceria” constituindo o terceiro

setor numa combinação de público e privado, gerando também o conceito de “público

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não estatal”, saída indicada para não “ferir” a Lei da Responsabiliade Fiscal (LRF),

criada no bojo da reforma do Estado na década 1990.

Assim, as áreas com altos déficits de atendimento, como educação infantil,

receberam “incentivo para sua „comunitarização‟, apelido bonito para informar à

população (especialmente aos mais pobres) que o Estado não tinha mais condições de

ampliar o referido atendimento” (ARELARO, 2008 p.54, grifos da autora). Desse modo

é possível pensar que, a estratégia de conveniamento não é uma ação recente, no

entanto, o que observamos é que, com a lei da obrigatoriedade da matricula aos 4 anos

parece que será impulsionada essa estratégia. E, com isso o risco é que os municípios ao

optarem por esse tipo de estratégia acabem consolidando uma política na qual os

recursos públicos são cada vez mais comprometidos para manutenção dos

conveniamentos, o que gera menor recursos para manutenção e ampliação para seu

próprio sistema de ensino.

Para além dessas questões, a criação de uma “rede” alternativa a rede pública

implica em interpelar, entre outras coisas, como ocorre a regulamentação desse setor?

Na presente pesquisa observamos que, de modo geral, as secretarias possuem um setor

ou pessoas específicas para acompanharem as instituições conveniadas, no entanto,

quando observamos essa distinção questionamos: isso também não acaba reforçando

uma dicotomia ? Isto é, quando no interior da própria secretaria há separação entre

quem atende as instituições da rede municipal, e quem atende a rede conveniada isso

pode gerar duplas orientações, duplas sistematizações de trabalho.

Outrossim, historicamente a rede conveniada no país foi constituída por

instituições domiciliares, filantrópicas e comunitárias, que dentre suas características

possuem o fato de possuírem leigas no desenvolvimento das funções educativas

cotidianas; e de terem fragilidades curriculares, posto que em geral, essas instituições

sugiram no vácuo do Estado, de modo que as práticas pedagógicas são orientadas,

muitas vezes, pela lógica educativa que os adultos/as vivenciaram; o que por vezes, são

experiências de educação infantil na lógica de antecipação ou preparação para o ensino

fundamental. Em outras palavras, vários estudos nas ultimas décadas aponta para as

fragilidades pedagógicas e curriculares de muitas dessas instituições.

Importante ainda ressaltar que, por vezes, esses espaços são locais adaptados,

com infraestrutura deficitária e que, pouco oportunizam as crianças vivenciarem

diferentes experiências e descobertas. Desse modo, essas características históricas

presente nas instituições conveniadas podem fazer com que a realidade cotidiana,

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partilhada por adultos e crianças, escape da compreensão desses espaços como lócus

privilegiado de vivência como

um espaço que abriga ações educativas abrangentes, não apenas de

conhecimentos sistematizados e organizados por áreas, mas também de

saberes oriundos das praticas sociais, das culturas populares, das relações e

interações, dos encontros que exigem a constituição de um tempo e um

espaço de vida em comum no qual se possa compartilhar vivencias sociais e

pessoais (BARBOSA e RICHTER, 2015, p. 187).

Ao considerar-se esses aspectos, podemos então interrogar: a) a quem é ensinado

o quê, como, por quem e em que circunstâncias? Isto é, quem são as crianças que

frequentavam as instituições conveniadas? O que será privilegiado em seu processo

educativo? Qual prática pedagógica será privilegiada? De acordo com Fortunati (2009)

a concepção de criança que os adultos possuem repercute diretamente no discurso e nas

práticas pedagógicas, desse modo, trabalhar com crianças em espaços coletivos é muito

mais que atender suas necessidades fisiológicas e de proteção, é também desenvolver

uma profissionalidade e uma competência comunicativa, relacional, de observação e de

reflexão que oportuniza, ao adulto, criar situações e espaços desafiadores, com

diferentes possibilidades de exploração e vivência para as crianças. Assim, as

circunstâncias em que a educação infantil é gestada são fundamentais.

E, ainda no esforço de pensar as repercussões do conveniamento como uma

estratégia de ampliação de matriculas para educação infantil, devemos também inquerir,

ainda seguindo Dale (2004) quais são as consequências sociais e individuais destas

estruturas e processos? Essa questão, muito inquietadora nos remete novamente ao fato

de que, em geral as instituições conveniadas possuem acompanhamento das secretarias

de educação, mas não necessariamente são regulamentas por essas. Ou seja, as práticas

pedagógicas poderão ser muito diferentes das desenvolvidas nas instituições do sistema

público.

Essa diferenciação nos incomoda porque, embora ainda não possamos afirmar

que o sistema público já avançou e consolidou práticas pedagógicas que afastaram

definitivamente o “espectro da forma escolar” como denomina Freitas (2007), os

documentos orientadores, as formações e mesmo algumas leis e resoluções procuram

indicar a organização curricular e a prática pedagógica fundadas em uma abordagem

que incentiva a investigação, a descoberta, a invenção e não a “aplicação” de técnicas e

cumprimento de objetivos. E tendo em vista o caráter das instituições conveniadas, elas

podem ou não seguir essas orientações.

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3607ISSN 2177-336X

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Para continuar as reflexões

As reflexões e inquietações apresentadas nesse texto nos impelem tanto

continuar investigando como as políticas municipais estão sendo gestadas, quanto

ampliar a discussão do como, as opções políticas dos governos locais não são escolhas

aleatórias, neutras e sem repercussões no cotidiano das instituições educativas. De modo

especial, no campo da educação infantil, área que ainda procura consolidar um currículo

e uma prática pedagógica que rompa tanto com o modelo disciplinar baseado muito

mais nos resultados do que no processo, quanto com práticas forjadas a partir de

definições prévias e que impede, muitas vezes, as investigações e hipóteses infantis.

Não podemos esquecer também, que de acordo com Robertson e Verger (2012),

sob a égide da “parceria público – privado - PPP”, no âmbito da educação pública, se

observa uma crescente expansão do setor privado, no entanto, segundo os autores,

“governar a educação por meio da PPP é mais que uma questão de coordenar os

serviços de educação, envolvendo agentes públicos e privados” (ROBERTSON E

VERGER, 2012, p.1135). Antes as atuais parcerias são um,

Guarda-chuva perfeito, pois enquanto o propósito subjacente de gestão da

educação são garantidos de acordo com a lógica de mercado, dada a presença

do setor privado como responsável pela oferta, o Estado assegura o ambiente

político favorável e, o mais importante, o seu financiamento (ROBERTSON

E VERGER, 2012, p. 1143).

Desse modo, pensamos que ao procurar analisar as políticas públicas e suas

repercussões no cotidiano da educação infantil precisamos novamente retomar e

fortalecer alguns debates, como por exemplo, a urgência em se compreender que,

o modo de realizar a formação de crianças pequenas em espaços públicos de

educação coletiva significa repensar quais as concepções a defender em um

estabelecimento educacional. Ao mesmo tempo, impõe considerar quais são

suas funções, de que maneira pode organizar seus modelos de gestão e sua

proposta pedagógica, assim como instiga a se deter em qual será seu

currículo, tendo em vista a perspectiva de um longo processo de

escolarização (BARBOSA, 2009, p.08).

Notas:

1. Para uma discussão mais detalhada das análises de documentos desses organismos indicamos a tese de

doutoramento: CAMPOS, Rosânia. Educação infantil e organismos internacionais: uma análise dos

projetos em curso na América Latina e suas repercussões no contexto nacional. 2008. Tese (Doutorado).

Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,

2008.

2. Apesar do relatório da pesquisa ser público e disponibilizado no site do Centro Internacional de

Estudos e Pesquisa sobre a Infância (CIESP), não consta data de sua publicação, mas indica o período

investigado na pesquisa, qual seja de 2004 a 2013.

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3. Cada ano esse GT possuem um tema em especial para o debate e informações governamentais. Em

2013 o tema do encontro foi “Política de Educação Infantil, Inclusão, Alfabetização na Idade Certa e a

Garantia dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento das Crianças do Ciclo de Alfabetização do

Ensino Fundamental”.

4. Esses dados foram computados a partir da adaptação, da metodologia do IDH Global pelo Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea) e pela Fundação João Pinheiro. No cálculo, foram usadas as informações dos últimos

Censos Demográficos do IBGE.

5. O programa Brasil carinhoso compõe o “Plano Brasil sem miséria” e segue uma agenda de atenção

básica à primeira infância. E, no que diz respeito a educação esse programa garante: a) Antecipação do

custeio (Fundeb) para creches e pré-escolas de rede própria ou conveniada com o objetivo de estimular

a abertura de novas vagas pelas prefeituras, que antes levavam até um ano e meio para receber o

repasse; b) Complementação equivalente a R$ 1.362 por ano para cada criança do Bolsa Família

matriculada em creche, dinheiro que pode ser utilizado em manutenção e compra de fraldas, por

exemplo; c) Aumento em 66% do valor repassado para alimentação escolar, em creches e pré-escolas.

Referências

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das creches conveniadas. IN ADRIÃO, Theresa e PERONI, Vera (orgs.). Público e

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Edicoes Leitura Critica, 2015.

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2004.

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Pesquisa desenvolvida pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisa sobre a Infância

(CIESPI ) em convênio com a PUC – Rio, em parceria com o Instituto C&A. [Disponível:

http://www.ciespi.org.br/primeira_infancia/pesquisas/pesquisas-nacionais].

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RODAS POÉTICAS NO ATELIÊ: EXPERIÊNCIAS DE LINGUAGEM NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Sandra Regina Simonis Richter

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC

Dulcimarta Lemos Lino

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC

RESUMO

O trabalho estabelece interlocução entre o estudo da imaginação poética como

experiência de linguagem e o eixo Didática e prática de ensino, desde a temática das

Práticas pedagógicas e concepções de novas culturas escolares, para propor uma

abordagem teórico-metodológica que aproxima educação, arte e infância a partir da

interação propositiva entre adultos e crianças pequenas em rodas poéticas no tempo e

espaço do ateliê. A interlocução entre as fenomenologias de Bachelard, Merleau-Ponty

e Ricouer permite interrogar, na Educação Infantil, a fragmentação do corpo em

diferentes linguagens espelhada na lógica escolar da organização curricular por áreas do

conhecimento. A inclusão do ateliê, através de tempos e espaços compostos por rodas

poéticas, redimensiona o planejamento na Educação Infantil porque rompe com a forma

escolar e mostra que são os adultos docentes os provocados em sua potência sensível e

inteligível para que as crianças, com eles, aprendam a complexificar a sua.

Esta comunicação estabelece interlocução entre estudos realizados nos últimos

anos em torno da dimensão poética da linguagem na educação da infância e o eixo

Didática e prática de ensino, especificamente com o tema Práticas pedagógicas e

concepções de novas culturas escolares. A intenção é apresentar uma abordagem

fenomenológica que aproxima educação, arte e infância para interrogar, nos projetos

educativos na Educação Infantil, a fragmentação do corpo espelhada na lógica escolar

da organização curricular por áreas do conhecimento. Tradição iconoclasta que sustenta

a divisão do corpo em “linguagens” visual, oral, gestual, sonora, escrita. Contra essa

tendência, a proposta de planejar e organizar tempos e espaços compostos por rodas

poéticas no ateliê com crianças pequenas permite considerar que “o corpo não é primo

pobre da língua, mas seu parceiro homogêneo na permanente circulação de sentido” (LE

BRETON, 2009, p. 42).

A interrogação pelos encontros linguageiros1 entre adultos e crianças pequenas

na Educação Infantil emerge do interesse reflexivo em deter-se no fenômeno da

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linguagem como experiência de mundo, ou seja, como devir de diferentes modos de

adultos e crianças exercerem variações da sua potência linguageira. Tanto a infância

quanto a educação e a arte dizem respeito à temporalidade dos começos. A experiência

de começar é uma das mais densas de sentido na convivência mundana e, por isso, a

intenção que orienta o grupo de pesquisa é acolher o pensamento pedagógico que pode

emergir da confluência entre os campos da literatura, das artes plásticas e da música

para propor uma abordagem teórico-metodológica no que se refere à ação de planejar,

organizar e realizar mediações lúdicas através de rodas poéticas no espaço e tempo do

ateliê2.

A opção pela interlocução fenomenológica na pesquisa educacional emerge da

intenção reflexiva de resistir à tendência pedagógica de cindir a experiência linguageira

do corpo “fenomênico indiviso” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 476 e 479) que age no

mundo. O desafio está em ser a fenomenologia uma abordagem filosófica, “uma

maneira de pensar e não uma prerrogativa pragmática” (MACHADO, 2010, p. 14),

portanto uma possibilidade de pensar e compartilhar o encontro com as crianças em

situação nas rodas poéticas e não uma proposta de método a ser seguida no ateliê. O

interesse da pesquisa é estudar os encontros entre adultos e crianças pequenas no ateliê

como modo de promover abertura ao tempo da ação do corpo jogar com o gesto de fazer

aparecer algo no mundo e não apenas pelos resultados alcançados ou esperados.

Tal intenção desafia a pesquisa educacional perseguir outros modos de pensar a

relação entre educação, arte e infância: em dimensões e não em estruturas, conceitos,

representações. Em oposição à metafísica, o termo dimensão é aqui referido no sentido

fenomenológico que lhe dá Merleau-Ponty (1999b, p.206) ao negar a divisão metafísica

entre sensível e inteligível. A dimensionalidade esboça uma compreensão de

irredutibilidade entre sentir e pensar ao apontar que cada “sentido” é um “mundo”, no

qual o sentido de “mundo” assume “este conjunto em que cada „parte‟, quando a

tomamos por si mesma, abre de repente dimensões ilimitadas – torna-se parte total”

(MERLEAU-PONTY, 1999b, p. 202). Cada “parte”, cada “sentido”, apesar de

incomunicável para as outras, faz parte do todo como rumo, como abertura imprevisível

de cada sentido para os outros sentidos. Trata-se de pensar que, para bebês e crianças

pequenas, não há sentido em fragmentar possibilidades de ação e interação no mundo a

partir da histórica cisão ocidental entre saber manual e saber intelectual (AGAMBEN,

2012), isto é, entre saber sensível e conhecimento intelectivo.

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Nessa abordagem, prévias concepções de “arte” e suas adjetivações em

contemporânea, moderna ou outra, não permitem pensar a potência das crianças

pequenas começarem um gesto no mundo ao definirem uma ação já determinada por

sua nomeação, ou seja, por prévias classificações e discursos. Prévias expectativas que

impedem compreender que “arte não se sabe, se faz para saber” (DERDYK, 2010, 34).

Este fazer os gregos antigos diziam poiesis.

O termo “poético” remete ao termo grego poïein, que por sua vez remete para o

sentido de fazer ou realizar como execução do ato criador e inventivo de auto-produção

que caracteriza o devir humano. Nas palavras de Morin (2002, p. 99), “todo devir está

marcado pela desordem: rupturas, cismas, desvios são as condições de criações,

nascimentos, morfogêneses”. Assim, expandimos o termo poético para além da poesia

até o sentido de produção de sentido, de energia inauguradora de sentido ou inovação

(RICOEUR, 2002), para afirmarmos com Meschonnic (2001, p. 292) que a experiência

poética emerge cada vez que “uma forma de vida transforma uma forma de linguagem e

se reciprocamente uma forma de linguagem transforma uma forma de vida”. Essa força

transformativa, capaz de multiplicar em nós sentidos, na especificidade do ato de operar

no mundo em linguagem – pois não pode operar no vazio – para criar e inventar ritmos,

imagens, significados, torna-se fonte de conhecimento insubstituível. De poiein

originaram as palavras poeta, poema e poiesis.

O poeta, o artista, quando produz, está invocando a linguagem em sua força

instauradora de sentidos para seu agir no mundo comum. É esta força expressiva e

lúdica da linguagem, e somente esta, que faz as obras serem poéticas ou artísticas.

Todos os poetas, todos os artistas, produzem obras quando nelas está um fazer operativo

na especificidade da produção de linguagem. Cada produção artística plasma solução

trazida por uma experiência produtiva de linguagem a um problema singular. Não se

trata genericamente de produzir sentidos – ou linguagem, mas de instaurar um sentido

particular que promove abertura a outros modos de perceber a convivência no mundo.

Isto é, a dimensão poética da linguagem exige compreender que cada produção artística

apresenta ou plasma uma experiência de pensamento dada pela especificidade de sua

materialidade, isto é, emerge do vocabulário das ferramentas ou da sintaxe da matéria,

dos pigmentos, do barro, da pedra, da madeira, do metal, do som, do gesto, da voz, da

palavra, do silêncio.

Nessa compreensão, torna-se importante investigar argumentos que permitam

aprender a interrogar e a enfrentar mitos e equívocos na abordagem das possibilidades e

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impossibilidades dos termos arte e poético na educação de crianças pequenas em

contextos de vida institucional constituída para os acolherem. Cada vez mais podemos

observar a banalidade da ideia de arte como liberdade, como “permissividade” ao

acompanhar o uso do termo em amplas justificativas para abordar infância

“poeticamente”, nas quais é geralmente vulgarizado como “criatividade” ou

“autonomia”; como “livre expressão” ou “livre imaginação”.

O que não encontramos é a explicitação da complexidade que especifica o

fenômeno poético, ou seja, sua íntima relação com a experiência lúdica – na

composição da inseparabilidade entre tensão, divertimento e alegria (HUIZINGA, 1999)

– de produzir sentidos singulares que promovam abertura a modos plurais de sentir e

pensar, ou seja, aquela que permite compartilhar uma compreensão particular do

mundo. A necessidade de jogar, de brincar,

que se manifesta em quase todas as atividades do ser humano, como a arte,

faz-se presente ainda naquela criação que nos tornou definitivamente a

espécie que somos: a linguagem. Ela que estabelece os alicerces de nosso

pensamento e organiza a realidade, que nos permite construir um universo

significativo para além do meramente físico e palpável, revela-se em sua

essência, um grande, complexo, intrincado e deslumbrante jogo (DUARTE

Jr, 2010, p. 17).

A interlocução entre as fenomenologias da imaginação poética em Gaston

Bachelard, do corpo operante em Maurice Merleau-Ponty e da ação narrativa em Paul

Ricoeur, aliada aos princípios da complexidade em Edgar Morin e Francisco Varela,

vem permitindo ao grupo de pesquisa compreender que esse jogo linguageiro emerge do

encontro de um corpo indiviso que simultaneamente age, observa, brinca, interroga e

interpreta num mundo imerso em linguagem, com pessoas que vivem em linguagem,

em um mundo culturalmente organizado e significado pela experiência linguageira.

Nesse sentido, não se trata de apresentar modelos ou julgar adequações ou

inadequações, mas reivindicar para a Educação Infantil a compreensão pedagógica da

alteridade temporal entre adultos e crianças nos modos de interpretar e participar da

vida pública.

Educação infantil e experiência de linguagem no ateliê

A entrada dos bebês e das crianças pequenas na Educação Básica coloca ao

pensamento pedagógico a exigência de refletir a tradição ocidental de conceber a

linguagem como representação de mundo, uma “ilusão objetivista bem instalada em

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nós” (MERLEAU-PONTY, 2012, p. 240), pois a complexidade que tece a docência na

Educação Infantil exige substituir as explicações e informações das coisas e do mundo

pela experiência do corpo com as coisas no mundo. Significa considerar o ponto de vista

de quem realiza a ação, de quem toma a decisão de iniciar um gesto que dá outro rumo

às coisas. Trata-se de considerar na Educação Infantil a alteridade linguageira no

encontro entre adultos e crianças e assim afirmar que as crianças não sabem "menos":

sabem diferente (COHN, 2005).

Essa compreensão exige a intencionalidade pedagógica de voltar-se para a

experiência brincante das crianças pequenas com a linguagem como ações intimamente

comprometidas com a tensão dos ensaios, das tentativas, dos desvios, das explorações,

dos acasos e repetições ocorridos no tempo do percurso para alcançá-las, pois tais

tensões fazem parte dos processos de produção de sentidos singulares no coletivo. Diz

respeito ao esforço – à tensão – da conquista (a alegria e o divertimento) e não às

respostas previamente dadas ou o acaso das circunstâncias.

O importante, aqui, é a intencionalidade de planejar e organizar materialidades e

instrumentos, favorecendo tempos e espaços constituídos na e pela inter-relação entre as

dimensões da linguagem que se provocam reciprocamente pela constante migração de

uma forma de estesia – aisthesis – para outra. Essa provocação ou movimento tensivo

entre sensível e inteligível, talvez seja o que Janine Ribeiro (2003, p. 57) denomina de

“criação sinestésica” por seu poder de constantemente migrar de uma forma de

aisthesis, de percepção, para outra como capacidade de habitar a linguagem de muitos

modos e de traduzir um modo em outro. Para o autor, nenhuma dimensão da linguagem

pode extrair apenas de si riquezas infindáveis, pois exigem ser confrontadas por

diferentes modos de estar em linguagem (RIBEIRO, 2003).

O ateliê, como ação do grupo de pesquisa, conjuga um espaço e um tempo

experimental de linguagem, um lugar de conviver simultaneamente com diferentes

temporalidades na ação de junto viver narrativas que fecundam ideias ao instaurarem

gestos transformativos – transfigurativos – no mundo. Um tempo-espaço po(i)ético de

produção de sentidos culturais. Produção que diz respeito ao movimento lúdico entre

permanências e mudanças nas expressões culturais, pois como destaca Certeau (2012, p.

244), entre o que permanece e o que muda nos modos culturais de narrar e significar o

vivido,

Lá existe jogo: um divertimento, uma transgressão, uma travessia

“metafórica”, uma passagem de uma ordem a outra, um esquecimento

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efêmero no interior dos padrões estabelecidos da memória. Todos esses

movimentos estão relacionados a organizações e continuidades. Mas aí

introduzem a discreta proliferação de uma criatividade.

É nesse duplo sentido de pertencimento e de renovação que educação e

formação cultural formam um indissociável par em torno da resistência à restrição da

ação lúdica de narrar e produzir sentidos no cotidiano da Educação Infantil apenas como

texto verbal oral ou escrito. O corpo em movimento no mundo é capaz de produzir

sentidos cantando, desenhando, pintando, falando, modelando, escrevendo, dançando.

Por isso, muito do que sabemos dos modos de sentir, imaginar e perceber das mais

diversas pessoas, agrupamentos sociais, lugares e épocas, obtemos a partir de muitos

modos de narrar o seu vivido: música, teatro, poesia, pintura, dança, cinema,

arquitetura, artefatos.

Planejar, organizar e realizar com as crianças pequenas encontros com as artes

plásticas, com a literatura e com a música no espaço e no tempo do ateliê, teve o

objetivo de contribuir com o processo educacional de apresentar às crianças

materialidades que elas têm muito interesse em explorar e intensa curiosidade de

manusearem e transformarem. A intenção foi promover encontros “brincantes” entre

adultos e crianças como modo de ambos ampliarem repertórios em suas interações

linguageiras e não “ensinar” desenho, pintura, poesia, música.

O ateliê é simultaneamente um espaço físico e um espaço metafórico: um lugar

para ações educativas que acolhem as tentativas, os tateios, as errâncias, os tempos

lentos, o não saber o que fazer, um lugar para que surjam interrogações, para que o

fracasso seja acomodado, para que a indecisão apareça. Não se trata de dizer que nessa

ação educativa tudo possa acontecer por acaso, ou que no ateliê as ações sejam

aleatórias. Mas também não se trata de uma ação totalmente planejada de antemão, não

é um "programa" ou instrução que segue determinada ordem prévia. A complexidade da

dinâmica no ateliê está em, ao mesmo tempo, promover abertura ao acaso e exigir

organização, planejamento ou projeto. É na conjunção entre o lúdico e a lucidez – entre

a imprevisibilidade do acaso e a intenção do projeto pedagógico que a produção de

sentidos singulares e coletivos emerge e acontece.

As crianças, no ateliê, ficam encantadas com as possibilidades de jogar e brincar

com palavras, formas e imagens, cores, sons e gestos. Os adultos se surpreendem

maravilhados com este encantamento. Uma troca de energia. No jogo da imaginação

material (que Bachelard aponta também como imaginação poética ou criadora), o

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devaneio e a ficção são poderosos, pois são capazes de nos levar a viver o não vivido

ainda: a projetar ações no mundo. Esta complexa experiência brincante com a

linguagem é difícil de ser considerada nos projetos educativos com crianças pequenas

no cotidiano da Educação infantil porque exige disponibilidade tanto para a escuta ao

processo aparentemente caótico das narrativas das crianças pequenas quanto para

sustentar a imprevisibilidade de seus movimentos.

Se infâncias são ideadas a partir de determinadas expectativas adultas – uma

espera, uma esperança, uma concepção sempre histórica, as crianças não são ideias, pois

estão aqui e agora, presença em carne, nervos e ossos, pernas e corações, na casa, na

escola, no quintal, na cidade, compartilhando com adultos uma coexistência comum

marcada pela necessidade de interpretarem e compartilharem sentidos culturais. Na

convivência com adultos e outras crianças, gradualmente conquistam repertórios de

mundo, de palavras, de gestos, de sentidos, no ato mesmo de brincarem e explorarem

possibilidades linguageiras de significar a coexistência no mundo.

Rodas poéticas com crianças pequenas no ateliê

A convivência lúdica com crianças pequenas no tempo e espaço do ateliê da

universidade, aliada aos estudos em torno da dimensão poética da linguagem a partir da

interlocução entre as fenomenologias de Bachelard, de Merleau-Ponty e de Ricoeur,

favoreceu ao grupo de pesquisa a intencionalidade de constituir “rodas poéticas” como

processo de interação propositiva intensa entre as crianças e os adultos. Envolveu o

planejamento e a organização da oferta tanto de espaços e tempos para o encontro com a

cor, com a luz, com a sombra, com a voz, com o traço, com a argila, com a poesia, com

a sonoridade, quanto com a especificidade de materialidades e instrumentos.

As rodas poéticas vêm permitindo ao grupo afirmar (e mostrar) a relevância

pedagógica do encontro (interação propositiva) entre adultos e crianças no complexo

processo de aprender o poder inventivo de estar em linguagem. Nas rodas poéticas,

adultos e crianças brincam e jogam3, tomam decisões, enfrentam os acasos, ensaiam

tentativas, repetem, rearranjam, enfim, vivem experiências de linguagem na experiência

mesma do corpo viver a tensão que é interrogar o mundo e a alegria e divertimento que

é transformá-lo sem cindir ou hierarquizar sensível e inteligível.

Nesta perspectiva, a experiência lúdica nas rodas poéticas exige ser explicitada

em seus modos de constituir-se “roda”. Bachelard (1989) diria em seus modos de se

constituir uma fenomenologia do redondo. Para o filósofo, “tudo o que é redondo

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convida à carícia” (BACHELARD, 1989, p. 239). À sensação, ao sensível, ao estésico,

portanto à participação. Para o poeta Octávio Paz (1991, p. 52),

Sentir é antes de tudo sentir alguma coisa ou alguém que não somos nós.

Sobretudo: sentir com alguém. Até para se sentir a si mesmo, o corpo busca

outro corpo. Sentimos através dos outros. Os laços físicos e corporais que nos

unem com os demais não são menos fortes que os laços jurídicos,

econômicos e religiosos.

O termo poético refere à ação gestual e material que faz aparecer algo no mundo,

a captura do agir fazendo-se como execução de um ato complexo de produção de

sentido que dá outro curso às coisas através do esforço de um corpo que sente pensando

e pensa sentindo, ou seja, como pensamento em ato (Valèry, 1999). Diz respeito,

portanto, ao corpo sensível operante, a uma experiência de pensamento sempre

encarnada. Para Arendt (2014), “fazer aparecer algo no mundo” consiste na

“fabricação” ou obra do homo faber , pois

consiste na reificação que ocorre quando se escreve algo, quando se pinta

uma imagem ou se modela uma figura ou se compõe uma melodia, tem a ver

com o pensamento que a precede; mas o que realmente transforma o

pensamento em realidade e fabrica as coisas do pensamento é a mesma

manufatura (workmanship) que, com a ajuda do instrumento primordial que

são as mãos humanas, constrói as coisas duráveis do artifício humano

(ARENDT, 2014, p.210).

O interesse do grupo de pesquisa, portanto, é sustentar a intencionalidade

pedagógica de favorecer experiências transformativas que considerem a complexidade

vital de aprender o poder inventivo da linguagem fabricar artifícios, desde a infância, a

partir de um pensamento pedagógico valorado tanto pela razão quanto pela imaginação.

A participação na roda supõe uma coordenação interativa que busca o

entrelaçamento entre o singular de cada um no coletivo, que intencionalmente ajuda a

promover o encontro entre histórias de vida diferentes e modos particulares de sentir e

pensar. Por isso, a roda exige tempo para aprender a compartilhar gestos e ferramentas

como modo de integrar cada um no movimento do poema ou na história contada, no

aparecer do desenho ou da modelagem, na escuta das sonoridades, na tensão de

sustentar a imprevisibilidade das ações.

A roda poética desdobra-se em várias e estas podem ocorrer simultaneamente no

espaço do ateliê: roda em torno da ação de riscar e rabiscar, em torno da argila, dos

instrumentos musicais, do retroprojetor. Inicialmente, na chegada das crianças, acontece

a grande roda, com todos os participantes, na qual a poesia e a música tornam-se o

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elemento agregador porque organizam a escuta a partir do interesse e curiosidade das

crianças pelo que pode ocorrer com as palavras vocalizadas e cantadas pelo adulto.

Ambos, crianças e adultos, passam a brincar com as palavras e os sentidos, com os

ritmos, sons, imagens, corpo e movimento. Pela e na brincadeira, a criança acompanha o

adulto, entra nas palavras e participa do ritmo do seu corpo também ensaiando

movimentos e se apropriando de ritmos. Ritmos que, por ocorrerem no corpo, não

podem ser ensinados, só podem ser vividos por cada um.

Esse movimento consome tempo para sua constituição no tempo mesmo que

cada um necessita para sentir-se participante de sua constituição. Assim, quando estão

na mesa ou no chão, em torno de uma ação com materialidades e instrumentos, também

constituem rodas poéticas marcadas pelo exercício da liberdade que os jogos

linguageiros permitem experienciar. Cabe destacar que a brincadeira em cada roda é

desencadeada pela especificidade da materialidade e instrumentos oferecidos, pelo

“como” fazer e não pelo “o que” devem fazer. Ou seja, a brincadeira vai surgir

desencadeada pelo desafio imposto pela resistência da materialidade em jogo, do que há

para nela explorar e insistir com as mãos, gestos e palavras exigidos a colocarem

“ordem” (HUIZINGA, 2004, p. 13) nas novidades confusas do vivido, e não pela

expectativa adulta de um resultado prévio.

Planejamento e gestão do inesperado

O pensamento pedagógico, historicamente demarcado pela polarização entre a

“sabedoria da prática” e as “lições da teoria”, entre saber manual e saber intelectual,

desconsidera o fundo cultural e social tecido pela humana potência de produzir e refazer

o mundo no ato de interpretar e transfigurá-lo em sentidos e significados no coletivo. A

fragmentação se desdobra nas concepções de realidade a partir da polarização entre

razão e imaginação e instala o esquecimento da ludicidade, a eliminação do prazer da

atenção estésica implicada em toda ação que promove integração entre sensível e

inteligível.

A inclusão do ateliê, através de tempos e espaços compostos por rodas poéticas,

redimensiona o planejamento na Educação Infantil porque rompe com a forma escolar.

Para além do aspecto físico adequado, o ateliê constitui um espaço acolhedor dos

diferentes tempos das crianças em oposição à “sala de aula” na qual tudo deve ser igual

para todos, e os ritmos das crianças e dos adultos condicionados a uma unidade, a de

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aluno ou a de professor. Por sua vez, as distintas “rodas” no ateliê, ao favorecerem

lugares e tempos de explorar, movimentar, investigar, recomeçar, tatear, indagar e

inventar, promovem abertura à fabulação e ao ficcional. Favorecem a constituição de

um campo lúdico que autoriza efetivar ações arriscadas e contingentes a partir de

“cacos” de imagens, formas, cores, palavras, densidades, texturas, silêncios, manchas,

traços, fragmentos que vão articulando aprendizagens dos fazeres, dos gestos, das

narrativas. Campo lúdico que exige tanto dos adultos quanto das crianças interpretarem

a imprevisibilidade que é viver – e pensar – juntos, mostrando a relevância pedagógica

do corpo adulto acompanhar e acolher o esforço e a conquista de um corpo criança em

transformação, desafiado a aprender participando do mundo pela tomada de decisão de

iniciar a ação gestual e material que faz aparecer algo.

A interação lúdica entre adultos e crianças pequenas vivida no ateliê permitiu ao

grupo de pesquisa constatar que a intencionalidade de repetir as mesmas ações – escutar

e vocalizar poesias, soar e barulhar, traçar linhas, tingir superfícies, modelar massas,

falar, cantar e dançar – através de diferentes rodas: no chão, nos cantos, em volta das

mesas ou dos retroprojetores, favorecem a produção de narrativas que vão tecendo os

encontros. Gradualmente, em movimento crescente de interesse e envolvimento, as

crianças aprendem a perseguir suas narrativas nos desenhos, nas pinturas, nas projeções

de luz e sombras, nas poesias, nas canções e nas modelagens com argila, aprendendo o

poder inventivo das fabulações e a força transformativa dos gestos do corpo sobre a

materialidade das coisas. Aqui, torna-se difícil definir as fronteiras entre ciência e arte.

Tanto a arte quanto a ciência apresentam aspectos comuns em seus diferentes

modos de ler e interpretar o mundo, pois seja no ateliê seja no laboratório opera-se sobre

materiais, grande parte deles comuns à prática das artes e à realização de processos

envolvidos nas investigações científicas sobre a matéria. A ação transformadora sobre a

materialidade do mundo, pelos diferentes esforços que provoca no corpo, torna-se fonte

de instrução e informação do real insubstituível nos processos de aprender a operar

ideias e imagens para constituir narrativas que significam a experiência singular de

conviver no grupo.

Trata-se de um paradoxo pedagógico: para alcançar contextos e situações

singulares de inovação e invenção de sentidos no coletivo há que previamente planejar e

organizar tempos e espaços, materiais e instrumentos a serem disponibilizados à

repetição dos sucessos alcançados na exploração lúdica e “caótica” das crianças.

Planejar e organizar tempos e espaços de criação linguageira exigem aquilo que

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no grupo de pesquisa denominamos de “gestão do inesperado”, aquela que autoriza a

experimentação, a tentativa, a errância, enfim, aquela que intencionalmente acolhe no

coletivo experiências ou situações que nem os adultos nem as crianças sabem como

serão concluídas. Supõe compreender que é aos adultos docentes que cabe a tarefa de

aprenderem a imaginar e planejar para poderem provocar e desafiar o raciocínio lúdico

das crianças.

As rodas poéticas no ateliê mostram que são os adultos que têm que imaginarem

ao serem desafiados em sua potência sensível e inteligível (experiências de linguagem)

para que as crianças, com eles, aprendam a complexificar a sua. Sempre são os outros

que nos alcançam a linguagem. Como diz Certeau (2012, p. 143) cultura “consiste não

em receber, mas em exercer a ação pela qual cada um marca aquilo que outros lhe dão

para viver e pensar”. Em nossos estudos e ações no ateliê, alcançamos que provocar a

imaginação e desafiar o raciocínio das crianças é também provocar e desafiar os adultos

docentes a juntos ensaiarem, investigarem, explorarem e transformarem sentidos em

narrativas que signifiquem a convivência nas rodas poéticas. Eis o desafio ... confiar nas

crianças. Um desafio eminentemente pedagógico.

Notas

1. O termo “linguageiro” é aqui utilizado no sentido que lhe dá Merleau-Ponty (1991)

ao conceber o corpo como linguagem e pertencimento ao mundo. Concepção que rompe

com a clássica descrição da percepção como “representação” objetiva de um mundo

dado à consciência subjetiva. Há uma significação “linguageira” da linguagem que não

se prende ao “penso”, mas ao “posso” que diz respeito a ser próprio do gesto humano

inaugurar sentidos. Maturana (1998) utiliza o termo “linguageiro” para enfatizar o

caráter de atividade, de comportamento e não de uma “faculdade” própria da espécie.

2. O projeto de extensão “Oficinas Poéticas” com Escolas Municipais de Educação

Infantil, vinculado ao projeto de pesquisa, ocorre desde 2011 na sala do ateliê da

universidade, junto ao Núcleo de Arte e Cultura.

3. Ver justificativa de Grigorowitschs (2010, nota p. 231) para o pressuposto que os

termos brincar/jogar são conceitos complexos e ambíguos, que no viver envolvem, ao

mesmo tempo, reprodução e criatividade, portanto não é imperativo diferenciá-los, pois

o objetivo é exatamente destacar essa ambiguidade, esse duplo caráter. Para a autora, as

crianças “jogam” e “brincam” ao mesmo tempo, transitando entre esses dois possíveis

polos conceituais, e por essa razão não é possível afirmar a existência dessas ações de

forma dicotômica.

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DIDÁTICA E EDUCAÇÃO INFANTIL: DESAFIOS E PROCESSOS DE

REFLEXÃO CONSTITUÍDOS NO DIÁLOGO ENTRE A UNIVERSIDADE E A

CRECHE

Paulo Sergio Fochi

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Queila Almeida Vasconcelos

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

RESUMO

Este trabalho é fruto da reflexão acerca das práticas pedagógicas com crianças de zero a

três anos, evidenciadas nos estágios de docência das alunas do curso de Pedagogia de

uma universidade privada do interior do Rio Grande do Sul, nas modalidades regular e

PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) e suas

implicações provenientes do encontro entre o currículo do curso de pedagogia e o

currículo das escolas de educação infantil. Nesse sentido propomos uma discussão a

partir do material empírico gerado a partir da experiência de supervisão de estágios, do

qual emergem questões importantes para pensar a respeito da didática e da docência na

educação infantil. As reflexões provenientes do exercício da docência que as alunas da

Pedagogia apresentam em seus estágios convocam a pensar formas de desacomodar

práticas assistencialistas, higienistas e escolarizantes, ainda bastante presentes na

escolas de educação infantil. Nesse sentido, observamos que o currículo do curso de

pedagogia, composto por disciplinas específicas sobre educação de crianças pequenas,

por horas práticas e de estágios supervisionados nas escolas de educação infantil

contribui significativamente com a reflexão das alunas para construção de estratégias

didáticas que garantam a organização do tempo, dos espaços, dos materiais e de suas

ações respeitando o direito das crianças à uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Pedagogia; Estágio; Docência na Educação Infantil.

TRAJETÓRIA E NOVIDADES DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

BRASILEIRA

O significado da prática docente na Educação Infantil no Brasil vem sendo

constituído desde a década de 1980 quando as creches passaram a fazer parte dos

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sistemas de educação dos municípios, visto que antes disso a grande maioria respondia

às secretarias de assistência ou saúde. Essa mudança de perspectiva está ligada à

emergência da temática acerca dos direitos das crianças nas discussões políticas e

sociais no mundo (Constituição Federal Brasileira (Brasil,1988); Constituição dos

Direitos das Crianças (ONU,1989); Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,

1996)) que culminam em um investimento nas pesquisas com e sobre as crianças,

posicionando-as como sujeitos de direitos e que, portanto precisam ter garantido o

acesso à uma educação escolar de qualidade.

Concomitante a isso, na última década, o acesso de bebês em espaços coletivos

de educação tem crescido significativamente. Este fato, por um lado, significa a busca

pela garantia dos direitos dos meninos e meninas a frequentarem a creche e, por outro,

implica em um desafio para a formação de professores que atuarão nestes espaços.

Porém apesar do cenário de mudanças na lógica do atendimento às crianças pequenas,

que passa a ter o foco em um projeto educativo e não assistencial e higienista, a maior

parcela dos profissionais responsáveis pelas creches e pré-escolas continuou a mesma

dos projetos anteriores.

Ao mesmo tempo, ainda não temos acumulado saberes necessários para refletir

o que compõem esta “didática dos bem pequenos”, ou, da “didática do fazer” como

definem Bondioli e Mantovani (1998, p. 31). Sabemos, no entanto, que muitos daqueles

saberes da tradição pedagógica não atendem as necessidades dos bebês e das crianças

bem pequenas na creche, tampouco, dos professores. A docência na creche é uma

profissão que está sendo inventada.

A exigência de formação em nível superior para os docentes das escolas de

Educação Infantil brasileira aparece pela primeira vez na Lei Nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil,

1996), porém não com caráter de obrigatório, visto que tanto para a Educação Infantil

como para os anos iniciais do Ensino Fundamental continua sendo aceita a formação

mínima de nível médio em curso de magistério ou curso normal. Em 2001 PNE -

Programa Nacional de Educação - 2001-20101 prevê

Estabelecer um Programa Nacional de Formação dos Profissionais de

educação infantil, com a colaboração da União, Estados e Municípios,

inclusive das universidades e institutos superiores de educação e

1 Reiteradas nas Metas 7 e 16 do atual PNE - 2014 – 2024.

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organizações não-governamentais, que realize as seguintes metas: a)

que, em cinco anos, todos os dirigentes de instituições de educação

infantil possuam formação apropriada em nível médio (modalidade

Normal) e, em dez anos, formação de nível superior; b) que, em cinco

anos, todos os professores tenham habilitação específica de nível

médio e, em dez anos, 70% tenham formação específica de nível

superior. (BRASIL, 2001, p.46)

Desta forma em 2010 esperava-se que 70% dos professores de educação infantil

brasileiros tivessem concluído o curso superior de Pedagogia. A meta prevista foi quase

alcançada, visto que no Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica de

2012, o percentual de professores da Educação Infantil com curso superior é de 63,6%,

(Brasil, 2012, p. 39). Este investimento realizado na formação dos professores acontece

simultaneamente ao processo de qualificação da legislação para a educação infantil no

Brasil, que em 2009 aprova a Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (DCNEI), através do Parecer CNE/CEB 20/2009 (Brasil, 2009).

Com a promulgação das DCNEI inicia-se também um processo de reformulação

do papel docente nas instituições de educação infantil, pois há neste documento, de

caráter mandatório, uma mudança significativa no conceito da prática pedagógica, uma

vez que,

Tais práticas são efetivadas por meio de relações sociais que as

crianças desde bem pequenas estabelecem com os professores e as

outras crianças, e afetam a construção de suas identidades.

Intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, as práticas

que estruturam o cotidiano das instituições de Educação Infantil

devem considerar a integralidade e indivisibilidade das dimensões

expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e

sociocultural das crianças, apontar as experiências de aprendizagem

que se espera promover junto às crianças e efetivar-se por meio de

modalidades que assegurem as metas educacionais de seu projeto

pedagógico. (Brasil, 2009, p.6)

As DCNEI propõe então, uma mudança de perspectiva na organização curricular

da educação infantil, que até então era fundamentada legalmente pelos Referenciais

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 1998) que apesar de conter

conceitos importantes sobre a infância, as crianças e a ação docente, dividia as

propostas para a educação das crianças em conteúdos e áreas do conhecimento de

acordo com as duas faixas etárias (creche e pré-escola). Como decorrência disso, a

docência na educação infantil também precisa ser (re)pensada e (re)significada.

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O CURRICULO DA PEDAGOGIA COMO SUBSÍDIO PARA QUALIFICAÇÃO DO

FAZER DOCENTE

A organização curricular do curso de Pedagogia da Universidade na qual foi

realizado este estudo oferece às alunas duas atividades acadêmicas específicas na área

da educação infantil, sendo elas: Infância e Educação Infantil I; Infância e Educação

Infantil II. Além destas, existem outras disciplinas relacionadas aos conhecimentos

curriculares tais como ciências naturais, ciências sociais, matemática, linguagem oral e

escrita, linguagens artísticas e culturais e educação física que abordam de forma

ampliada as possibilidades de propostas relacionadas à esses conteúdos ao longo da

educação básica. Embora tenhamos claro que a abordagem feita nessas disciplinas

muitas vezes não atendem a especificidade das crianças da educação infantil,

especialmente aquelas com idade inferior a três anos, consideramos que contribuam na

construção de repertórios e saberes necessárias à docência de um modo geral.

Também fazem parte do currículo do curso de Pedagogia, disciplinas compostas

por horas de práticas nas escolas, que provocam as alunas a observar e refletir sobre a

realidade das escolas infantis e propor pequenas intervenções que posteriormente são

discutidas em aula com os demais colegas e professores. Esse exercício viabiliza que as

alunas que ainda não atuam nas escolas possam experimentar-se enquanto professoras

de crianças pequenas possibilitando assim uma escolha consciente da área em que irão

atuar depois de formadas. Para as professoras que já atuam nas escolas infantis, a

experiência permite refletir sobre a própria prática confrontando fazeres com as

aprendizagens construídas na academia. Não falamos aqui de confronto com a teoria,

pois acreditamos que não há uma divisão entre teoria e prática, mas sim uma escolha

consciente e adequada dos docentes universitários de apresentar aos alunos teorias

fundamentadas por experiências práticas que refletem conceitos que respeitam os

direitos das crianças.

Desta forma, a experiência de práticas e estágios supervisionados contribui com

a reflexão acerca das práticas realizadas nas duas etapas, especialmente no que diz

respeito ao tempo e à aprendizagem através do brincar. Nesse sentido, é importante

recuperar a ideia de Alarcão (2002, p.225) sobre “a atitude de que a experiência, se

refletida e conceitualizada, tem um enorme valor formativo e de que a compreensão da

realidade, que constitui o cerne da aprendizagem, é um produto do sujeito enquanto

observador participante”. Assim, pode-se dizer que a possibilidade de propor ao

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professor parar frente a sua experiência, mobiliza-o a buscar compreender e significar as

suas práticas. Pode ser interessante seguir esse caminho no interior das escolas de

Educação Infantil, haja vista a presença de ações naturalizadas e, muitas vezes, sem

sentido sendo praticadas diariamente.

Também existem duas atividades acadêmicas voltadas para a elaboração do

estágio em docência na educação infantil (Estágio em docência na Educação Infantil I;

Estágio em docência na Educação Infantil II). No primeiro estágio, as alunas são

convidadas para iniciarem suas primeiras incursões na escola que no estágio seguinte

farão a intervenção. O objetivo é poder reconhecer as dinâmicas de funcionamento de

uma instituição de educação infantil bem como conseguir confrontar com o quadro

teórico que foi sendo constituído ao longo do processo de formação das alunas. Ao

longo do semestre, os encontros que ocorrem na universidade se transformam em um

espaço para que as alunas possam dizer e refletir sobre o que está se passando com sua

experiência de ser, ou, tornar-se professora. Como afirma Contrerás (2010, p.249), nos

“interessa a visão de quem faz, cria, escuta, pensa e vai fazendo emergir algo que nasce

de se escutar, pensar e olho o que se faz”.

O segundo estágio é organizado em horas teóricas iniciais nas quais as alunas

dedicam-se a estudar sobre o planejamento na Educação Infantil e passam a organizar

os primeiros passos do projeto que será desenvolvido no período de prática

supervisionada de estágio. Nesta segunda etapa que tem a duração de 170 horas de

intervenção direta nas escolas de educação infantil, as alunas do curso regular assumem

a responsabilidade por turmas de educação infantil do setor público ou privado e são

acompanhadas semanalmente na Universidade pelo professor responsável pela atividade

acadêmica, sendo que na modalidade PARFOR esse acompanhamento é realizado por

uma professora e uma supervisora de estágio. Nos encontros de supervisão os grupos de

estagiárias apresentam seus percursos, observações, registros e interpretações e

experimentam um processo de discussão sobre sua prática com o grupo de colegas, a

partir desse encontro definem-se os próximos passos do trabalho com as crianças.

Os professores responsáveis pela atividade acadêmica de Estágio em Educação

Infantil II realizam visitas às escolas onde as alunas estão atuando, com o intuito de

provocar reflexões a partir da ação docente observada. Após essas visitas, são realizadas

devolutivas com as alunas que contribuem com a continuidade dos planejamentos,

projetos e ações das estagiárias. Ao longo desta atividade acadêmica as alunas

produzem um relatório de estágio que evidencia o percurso do grupo de crianças e da

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prática docente. Neste relatório as estagiárias produzem uma narrativa sobre o trabalho

realizado, onde deixam claras suas intencionalidades pedagógicas na trajetória do

estágio e a constante reflexão e avaliação das propostas relativas aos espaços, tempos,

materiais e ações ofertados às crianças.

A (SUPER)VISÃO DO ESTÁGIO: ENTRE O SONHO E O POSSÍVEL

A função do professor universitário que supervisiona o estágio dos discentes está

permeada por uma série de desencontros, mas também de encantamento. Há o

desencontro entre o referencial prático e teórico oferecido às alunas, discutido e

refletido ao longo das atividades acadêmicas, que trazem no seu cerne a ideia de uma

educação infantil que seja fundamentada no respeito à escuta e ao tempo das crianças e

a realidade apressada, repleta de relações superficiais que compõe grande parte das

escolas infantis em nosso país. Por outro lado, há também a descoberta, junto com as

estagiárias, de estratégias didáticas que conseguem reverter em certa medida alguns dos

descompassos causados por anos de práticas escolarizantes na Educação Infantil.

Assim, colocar-se diante da experiência concreta das instituições de Educação

Infantil e refletir sobre o lugar das crianças significa enfrentar as nossas crenças sobre a

imagem de criança que orientam nossas formas de atuar e de se relacionar com os

meninos e as meninas para poder ressignificá-las. Talvez esse seja um ponto de

encontro mais coerente entre teoria e prática (HOYUELOS, 2004).

Na proposta de supervisão de estágio também perseguimos formas de tentar

compreender a dimensão de currículo que as DCNEI afirmam como sendo um

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes

das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio

cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a

promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de

idade. (BRASIL, 2010, p.12).

Essa tarefa tem sido importante para avançarmos nas escolhas das estagiárias,

quer seja por (i) compreender as práticas do cotidiano como uma das dimensões

curriculares e, a partir disso, organizar os contextos de modo a garantir que as crianças

possam viver boas experiências de aprendizagens cotidianas; ou, ainda, (ii) por refletir e

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reconhecer os patrimônios que as crianças têm e, a partir desses, propor modos de

articular com aqueles que a humanidade já sistematizou.

Tanto a ideia de criança como a de currículo atuam como postulados durante as

indicações de repertório e leituras apresentados nas atividades acadêmicas, como nas

discussões acerca das práticas realizadas pelas alunas guiando as reflexões e

problematizações que dela emergem. Compreender e significar tais ideias atravessam

obrigatoriamente a reflexão sobre a própria prática, sobre o exercício político exercido

no cotidiano das escolas. Consideramos político tal exercício, pois envolve aquilo que

Pinazza (2014, p.55) chamaria de “uma ação engajada moralmente”, ou seja, trata-se um

posicionamento do sujeito, de um modo de estar implicado em um contexto.

Atuar na educação implica uma ação engajada moralmente e orientada

para a compreensão ampliada dos processos educativos, visto pelos

seus impactos sobre a vida dos indivíduos e da coletividade, em uma

perspectiva temporal que extrapola o plano do imediato. (PINAZZA,

2014, p.55).

Para dizer a verdade, compreender os impactos daquilo que diariamente estamos

fazendo nas creches e pré-escolas demanda desnaturalizar matrizes fortemente

constituídas em cada adulto que opera dentro das instituições, assim, para produzir

rupturas, o que buscamos é criar um espaço legítimo para as dúvidas e perguntas.

Talvez dessa forma seja possível constituir uma “formação que mobilize os professores,

a partir de suas aprendizagens experienciais, providenciando oportunidade de interpretá-

las e reconstruí-las por meio do exercício reflexivo individual e coletivo” (PINAZZA

2014, p.55).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visão de criança que buscamos que as alunas e futuras, ou já pedagogas em

exercício na educação básica brasileira, é aquela proposta pela Diretriz Curricular para a

Educação Infantil – DCNEI, que a afirma como um

sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas

cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva.

Brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,

narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,

produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p.12).

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Essa ideia de criança não representa algo simples de ser incorporado nas práticas

do cotidiano. Ainda somos fortemente atravessados por crenças que minimizam as

competências das crianças, que não autorizam a sua participação nas decisões do

cotidiano e, em muitas ocasiões, as tratamos como sujeitos vazios, sem nenhum tipo de

experiência prévia, praticamente um sujeito sem história e sem identidade. Reverter esse

pensamento significa estar atento às ações das crianças no cotidiano e refletir sobre elas

com nosso pares,

Isso porque talvez os interesses de aprendizagem das crianças sejam

também um convite para novas aprendizagens para os adultos, para

despirmo-nos daquilo que já fazemos há tanto tempo para construir

possibilidades de aprender outras coisas, de outros jeitos, com outros

fins. (VASCONCELOS, 2015, p. 111)

Nesse sentido, temos militado pela qualificação do currículo dos cursos de

pedagogias, de forma que esses contemplem tanto mais horas práticas das alunas nas

escolas, como escolhas coerentes do repertório teórico oferecido ao longo da graduação.

Pois acreditamos que o estágio é uma etapa de compartilhamento que só tem sentido e

valor educativo quando nascida de reflexão e de ressignificação da prática educativa,

buscando capturar os “espaços vazios, momentos em que, aparentemente, nada

acontece, mas que possuem a síntese e a beleza da vida” (FOCHI, 2015, p.54). E, para

isso nossas alunas precisam ter tido a possibilidade de entrar em contato com práticas,

teorias e ideias que sustentem suas reflexões e confrontos na construção de novas

estratégias didáticas que respeitem o direito das crianças pequenas à uma educação de

qualidade em nossas escolas.

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