Precatórios e o golpe da retenção do ir

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Precatórios e o golpe da retenção do IR Dr. Édison Freitas de Siqueira Mais um caso de desrespeito aos direitos do contribuinte! Os Poderes Executivos Estaduais e Municipais e o centralizador Governo Federal são protagonistas de muitos casos de cobrança indevida de impostos ilegais ou inconstitucionais, bitributação, bases de cálculo convenientemente expandidas, procedimentos de cobrança que atentam contra os direitos humanos, criminalização das dívidas fiscais e até a terrível antecipação ou substituição tributária. Nesse momento, presenciamos mais um capítulo da conturbada e esquizofrênica guerra entre o fisco e os contribuintes. O cenário dessa batalha é o Estado do Rio de Janeiro que, aparentemente, havia avançado no momento em que regulamentou o uso de precatórios na compensação de dívidas fiscais com a Receita Estadual. A Lei Estadual 5.647/2010 parecia um grande avanço porque regulamentava esta compensação em âmbito administrativo. Mesmo com a pacificação do tema por parte do STJ, via de regra os contribuintes somente conseguem compensar suas dívidas fiscais na Receita Estadual quando as solicitam na Justiça. O que parecia ter sido um passo à frente, foi sucedido de dois para trás com a Resolução Conjunta 32/2010, da Secretaria da Casa Civil e da Procuradoria-Geral do Estado. Esta nova norma dispõe sobre as condições para a compensação, entre elas a retenção do Imposto de Renda. Eis o problema! Como uma Lei Estadual pode disciplinar questões sobre o IR, um Imposto Federal, quando sua competência só abrange o ICMS? O Estado do Rio de Janeiro, portanto, usurpa uma atribuição exclusiva da Receita Federal do Brasil. O pior é que a RC 32/2010 determina uma retenção de IR, há muito considerada ilegal pelo Poder Judiciário e pela própria Procuradoria Geral da Fazenda Federal, órgão da Receita Federal. O Poder Judiciário Federal, STJ e STF tornaram pacífico o entendimento jurisprudencial de ser indevida a retenção ou a cobrança de IR sobre indenizações judiciais, notadamente as trabalhistas ou as decorrentes de prática ilegal daquele que é obrigado a indenizar. A indenização não é ganho tributável, mas sim reparação de perda. Imagine os seguintes exemplos: um funcionário do Estado do Rio de Janeiro ganha uma ação judicial/precatório por reparação de salários não pagos na época em que estava na ativa. Seu salário era inferior a R$ 900,00 e, portanto, isento de IR. Passaram-se anos, sem receber a devida remuneração ou horas-extras, fato que desconfigura o valor devido como rendimento. Quando, anos após, houver o pagamento, este constituirá indenização e não salário ou pensão tributável. Este trabalhador tem o direito de receber com o respaldo da Justiça, mas os governos estaduais não respeitam esta decisão e simplesmente não a cumprem. O prazo de cumprimento do precatório acabou vencendo. O funcionário, agora aposentado, na tentativa de dispor dos valores devidos, “vende” o precatório a uma empresa devedora do Estado, para que esta utilize o mesmo como moeda de pagamento por meio de c ompensação. Contudo, o Estado aplica um golpe e diz que irá reter Imposto de Renda sobre a transação, fato que aumenta o deságio sobre o valor pago ao aposentado. Esta artimanha, por conseguinte, além de ilegal, prejudica ainda mais os credores de um Estado que age como um "estelionatário emitente de cheque sem fundos". Igual acontece, por exemplo, com uma empresa ou pessoa física que, depois de ter sido obrigada a pagar um imposto indevido ao Estado, ou ter sido prejudicada em uma desapropriação injusta, quando recebe um precatório para ser restituída ou indenizada, não pode e não deve sofrer cobrança de IR, pois não aufere ganho tributável algum com a indenização, que não enriquece, somente se reparada. A conclusão é a de que precisamos mudar essas imoralidades. A solução encontra-se em trâmite no Congresso Nacional há quase 15 anos. Falo, é claro, dos dois projetos de Lei Complementar que criam o Código dos Direitos do Contribuinte. Com o mesmo texto, ambas as PLC, entre outros preveem o reconhecimento do direito ao pagamento de dívidas para com os Municípios, Estados e a União, por meio de compensação com precatórios. Aliás, isso constava literalmente no Código Civil, até que o Presidente Lula, na primeira semana de seu primeiro mandado, promulgou lei revogando a disposição legal, fato que permitiu, desde então, o calote contra aposentados e outros credores da União. Não é moral defender a quem nos rouba e se usa do Estado para aplicar golpes nos seus cidadãos contribuintes. Contudo, enquanto não seja aprovado o citado código, tal qual já ocorreu no México, na Itália, na Espanha e nos EUA, a solução é a interposição de medidas judiciais, que tanto tornam possível a compensação de precatórios contra os Estados que recusam a forma de pagamento quanto torna inaplicável a prática ilegal de retenção de IR sobre as verbas indenizatórias de quaisquer espécies, já que estas não caracterizam enriquecimento, remuneração ou ganho de capital tributável, mas sim reparação de perda (indenização). http://www.receita.fazenda.gov.br/pessoafisica/irpf/2014/perguntao/perguntas/pergunta- 213.html

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Precatórios e o golpe da retenção do IR

Dr. Édison Freitas de Siqueira

Mais um caso de desrespeito aos direitos do contribuinte!

O s P oderes Executivos Estaduais e Municipais e o centralizador Governo Federal são protagonistas de muitos casos de

cobrança indevida de impostos ilegais ou incons tituc ionais , bitributação, bases de cálculo convenientemente

expandidas, procedimentos de cobrança que atentam contra os direitos humanos, c riminalização das dívidas fis cais e

até a terrível antec ipação ou subs tituição tributária.

Nesse momento, presenciamos mais um capítulo da conturbada e esquizofrênica guerra entre o fis co e os contribuintes.

O cenário dessa batalha é o Es tado do Rio de Janeiro que, aparentemente, havia avançado no momento em que

regulamentou o uso de precatórios na compensação de dívidas fis cais com a Receita Es tadual.

A Lei Es tadual 5 .647/2010 parec ia um grande avanço porque regulamentava es ta compensação em âmbito

adminis trativo. Mesmo com a pac ificação do tema por parte do ST J, via de regra os contribuintes somente conseguem

compensar suas dívidas fis cais na Receita Es tadual quando as solic itam na Jus tiça.

O que parec ia ter s ido um passo à frente, foi sucedido de dois para trás com a Resolução C onjunta 32/2010, da

Secretaria da C as a C ivil e da P rocuradoria-Geral do Es tado. Es ta nova norma dispõe sobre as condições para a

compensação, entre elas a retenção do Imposto de Renda. E is o problema! C omo uma Lei Es tadual pode disc iplinar

ques tões sobre o IR, um Imposto Federal, quando s ua competência só abrange o ICMS? O Estado do Rio de Janeiro,

portanto, usurpa uma atribuição exclusiva da Receita Federal do Bras il. O pior é que a RC 32/2010 determina uma

retenção de IR, há muito cons iderada ilegal pelo P oder Judiciário e pela própri a P rocuradoria Geral da Fazenda Federal,

órgão da Receita Federal.

O P oder Judiciário Federal, ST J e STF tornaram pacífico o entendimento jurisprudencial de ser indevida a retenção ou a

cobrança de IR sobre indenizações judic iais, notadamente as trabalhistas ou as decorrentes de prática ilegal daquele

que é obrigado a indenizar. A indenização não é ganho tributável, mas s im reparação de perda.

Imagine os seguintes exemplos: um func ionário do Es tado do Rio de Janeiro ganha uma ação judic ial/precatório por

reparação de salários não pagos na época em que es tava na ativa. Seu salário era inferior a R$ 900,00 e, portanto,

isento de IR. P assaram-se anos , sem receber a devida remuneração ou horas -extras , fato que desconfigura o valor

devido como rendimento. Q uando, anos após , houver o pagamento, es te cons tituirá indenização e não salário ou

pensão tributável. Este trabalhador tem o direito de receber com o respaldo da Jus tiça, mas os governos es taduais não

respeitam esta decisão e s implesmente não a cumprem. O prazo de cumprimento do precatório acabou vencendo. O

func ionário, agora aposentado, na tentativa de dispor dos valores devidos , “vende” o precatório a uma empresa

devedora do Es tado, para que es ta utilize o mesmo como moeda de pagamento por meio de c ompensação. C ontudo, o

Es tado aplica um golpe e diz que irá reter Imposto de Renda sobre a transação, fato que aumenta o deságio sobre o

valor pago ao aposentado. Esta artimanha, por conseguinte, além de ilegal, prejudica ainda mais os c redores de um

Es tado que age como um "es telionatário emitente de cheque sem fundos".

Igual acontece, por exemplo, com uma empresa ou pessoa fís ica que, depois de ter s ido obrigada a pagar um imposto

indevido ao Es tado, ou ter s ido prejudicada em uma desapropriação injus ta, quando recebe um precatório para ser

res tituída ou indenizada, não pode e não deve sofrer cobrança de IR, pois não aufere ganho tributável algum com a

indenização, já que não enriquece, somente se vê reparada.

A conc lusão é a de que prec isamos mudar es sas imoralidades. A solução encontra-se em trâmite no C ongresso Nacional

há quase 15 anos . Falo, é c laro, dos dois projetos de Lei C omplementar que c riam o C ódigo dos Direitos do

C ontribuinte. C om o mesmo texto, ambas as P LC, entre outros preveem o reconhe cimento do direito ao pagamento de

dívidas para com os Munic ípios , Es tados e a União, por meio de compensação com precatórios .

A liás , is so cons tava literalmente no C ódigo C ivil, até que o P res idente Lula, na primeira semana de seu primeiro

mandado, promulgou lei revogando a disposição legal, fato que permitiu, desde então, o calote contra aposentados e

outros c redores da União. Não é moral defender a quem nos rouba e se usa do Es tado para aplicar golpes nos seus

c idadãos contribuintes. C ontudo, enquanto não seja aprovado o c itado código, tal qual já ocorreu no México, na I tália,

na Espanha e nos EUA, a solução é a interpos ição de medidas judiciais, que tanto tornam poss ível a compensação de

precatórios contra os Estados que recusam a forma de pagamento quanto torna inaplicável a prática ilegal de retenção

de IR sobre as verbas indenizatórias de quaisquer espéc ies , já que es tas não carac terizam enriquec imento,

remuneração ou ganho de capital tributável, mas s im reparação de perda (indenização).

http://www.receita.fazenda.gov.br/pessoafisica/irpf/2014/perguntao/perguntas/pergunta-

213.html