PRECIPITAÇÃO -...

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Hidrologia Aplicada – CIV 226 Precipitação Prof. Antenor R. Barbosa Jr. 1 PRECIPITAÇÃO 1. ASPECTOS GERAIS O regime hidrológico ou a produção de água de uma região (bacia hidrográfica) é determinado por fatores de natureza climática ou hidrometeorológica (precipitação, evaporação, temperatura, umidade do ar, vento, etc.) e por suas características físicas, geológicas e topográficas. Temperatura, umidade e vento são importantes pela influência que exercem na precipitação e evaporação. A topografia é importante pela sua influência na precipitação, além do que determina a ocorrência de lagos e pântanos e influi (juntamente com o solo e a vegetação) na definição da velocidade do escoamento superficial. As características geológicas, além de influenciarem a topografia, definem o local do armazenamento (superficial ou subterrâneo) da água proveniente da precipitação. Para o hidrologista, a precipitação corresponde à água proveniente do vapor d’água da atmosfera que se deposita na superfície da terra sob diferentes formas, como chuva, granizo, neve, neblina, orvalho ou geada. Neste capítulo trata-se da precipitação sob a forma de chuva, por ser incomum a ocorrência de neve no Brasil e pelo fato de que as demais formas pouco contribuem para o regime hidrológico de uma região. A importância do estudo da distribuição e dos modos de ocorrência da precipitação está no fato de que esta constitui-se no principal 1 input na aplicação do balanço hídrico em uma dada região hidrológica. 2. FORMAÇÃO DAS PRECIPITAÇÕES. TIPOS A atmosfera, camada gasosa que envolve a Terra, é constituída por uma mistura complexa de gases que varia em função do tempo, da situação geográfica, da altitude e das estações do ano. De maneira simples, pode-se considerar atmosfera = ar seco + vapor d’água + partículas sólidas em suspensão. A composição média do ar seco é de 99% de nitrogênio mais oxigênio, 0,93% de argônio, 0,03% de dióxido de carbono e o restante de neônio, hélio, criptônio, xenônio, ozônio, hidrogênio, radônio e outros gases. A composição do vapor d’água na atmosfera varia de região para região, estando entre 0% nas regiões desérticas e 4% em regiões de florestas tropicais. As partículas sólidas em suspensão (aerossóis) têm origem no solo (sais de origem orgânica e inorgânica), em explosões vulcânicas, na combustão de gás, carvão e petróleo, na queima de meteoros na atmosfera, etc. A atmosfera pode ser considerada como um vasto reservatório e um sistema de transporte e distribuição do vapor d’água, onde se realizam transformações à custa do calor recebido do Sol. Apresentam-se, a seguir, os modos de formação e os tipos de precipitação. Esta apresentação é feita de uma maneira muito sintética. Não são fornecidos pormenores acerca do mecanismo de formação, nem discutidas as razões de suas variações, pois isto exigiria um maior aprofundamento nos estudos da atmosfera, da radiação solar, dos campos de temperatura e pressão, bem como dos ventos e da evolução da situação meteorológica. 2.1 FORMAÇÃO A formação das precipitações está ligada à ascensão de massas de ar úmido. Essa ascensão provoca um resfriamento dinâmico, ou adiabático, que pode fazer o vapor atingir o seu ponto de saturação, também chamado nível de condensação – o ar expande nas zonas de menor pressão. A partir do nível de condensação, em condições favoráveis e com a existência de núcleos higroscópios 2 , o vapor d’água condensa, formando minúsculas gotas em torno desses núcleos. 1 Também bastante importante é a evaporação, por ser responsável diretamente pela redução do escoamento superficial. 2 Gelo, poeira e outras partículas formam núcleos higroscópios.

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Hidrologia Aplicada – CIV 226 Precipitação Prof. Antenor R. Barbosa Jr. 1

PRECIPITAÇÃO

1. ASPECTOS GERAISO regime hidrológico ou a produção de água de uma região (bacia hidrográfica) é

determinado por fatores de natureza climática ou hidrometeorológica (precipitação, evaporação,temperatura, umidade do ar, vento, etc.) e por suas características físicas, geológicas e topográficas.Temperatura, umidade e vento são importantes pela influência que exercem na precipitação eevaporação. A topografia é importante pela sua influência na precipitação, além do que determina aocorrência de lagos e pântanos e influi (juntamente com o solo e a vegetação) na definição davelocidade do escoamento superficial. As características geológicas, além de influenciarem atopografia, definem o local do armazenamento (superficial ou subterrâneo) da água proveniente daprecipitação.

Para o hidrologista, a precipitação corresponde à água proveniente do vapor d’água daatmosfera que se deposita na superfície da terra sob diferentes formas, como chuva, granizo, neve,neblina, orvalho ou geada. Neste capítulo trata-se da precipitação sob a forma de chuva, por serincomum a ocorrência de neve no Brasil e pelo fato de que as demais formas pouco contribuempara o regime hidrológico de uma região.

A importância do estudo da distribuição e dos modos de ocorrência da precipitação está nofato de que esta constitui-se no principal1 input na aplicação do balanço hídrico em uma dada regiãohidrológica.

2. FORMAÇÃO DAS PRECIPITAÇÕES. TIPOSA atmosfera, camada gasosa que envolve a Terra, é constituída por uma mistura complexa

de gases que varia em função do tempo, da situação geográfica, da altitude e das estações do ano.De maneira simples, pode-se considerar

atmosfera = ar seco + vapor d’água + partículas sólidas em suspensão.A composição média do ar seco é de 99% de nitrogênio mais oxigênio, 0,93% de argônio,

0,03% de dióxido de carbono e o restante de neônio, hélio, criptônio, xenônio, ozônio, hidrogênio,radônio e outros gases. A composição do vapor d’água na atmosfera varia de região para região,estando entre 0% nas regiões desérticas e 4% em regiões de florestas tropicais. As partículas sólidasem suspensão (aerossóis) têm origem no solo (sais de origem orgânica e inorgânica), em explosõesvulcânicas, na combustão de gás, carvão e petróleo, na queima de meteoros na atmosfera, etc.

A atmosfera pode ser considerada como um vasto reservatório e um sistema de transporte edistribuição do vapor d’água, onde se realizam transformações à custa do calor recebido do Sol.

Apresentam-se, a seguir, os modos de formação e os tipos de precipitação. Esta apresentaçãoé feita de uma maneira muito sintética. Não são fornecidos pormenores acerca do mecanismo deformação, nem discutidas as razões de suas variações, pois isto exigiria um maior aprofundamentonos estudos da atmosfera, da radiação solar, dos campos de temperatura e pressão, bem como dosventos e da evolução da situação meteorológica.

2.1 FORMAÇÃOA formação das precipitações está ligada à ascensão de massas de ar úmido. Essa ascensão

provoca um resfriamento dinâmico, ou adiabático, que pode fazer o vapor atingir o seu ponto desaturação, também chamado nível de condensação – o ar expande nas zonas de menor pressão. Apartir do nível de condensação, em condições favoráveis e com a existência de núcleoshigroscópios2, o vapor d’água condensa, formando minúsculas gotas em torno desses núcleos. 1 Também bastante importante é a evaporação, por ser responsável diretamente pela redução do escoamento superficial.2 Gelo, poeira e outras partículas formam núcleos higroscópios.

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Enquanto as gotas não possuírem peso suficiente para vencer a resistência do ar, elas ficarãomantidas em suspensão, na forma de nuvens e nevoeiros. Somente quando atingem tamanhosuficiente para vencer a resistência do ar, elas se deslocam em direção ao solo. Dentre os processosde crescimento das gotas mais importantes estão os mecanismos de coalescência3 e de difusão dovapor.

2.2 TIPOSAs precipitações são classificadas de acordo com as condições que produzem o movimento

vertical (ascensão) do ar. Essas condições são criadas em função de fatores tais como convecçãotérmica, relevo e ação frontal de massas de ar. Assim, tem-se os três tipos principais deprecipitação, que são: a) precipitações convectivas; b) precipitações orográficas; c) precipitaçõesciclônicas (ou frontais).

2.2.1 PRECIPITAÇÕES CONVECTIVASO aquecimento desigual da superfície terrestre provoca o aparecimento de camadas de ar

com densidades diferentes, o que gera uma estratificação térmica da atmosfera em equilíbrioinstável. Se esse equilíbrio é quebrado por qualquer motivo (vento, superaquecimento, etc.), ocorreuma ascensão brusca e violenta do ar menos denso, capaz de atingir grandes altitudes (Figura 1).

Figura 1 – Chuva convectiva: esquema representativo do deslocamento do ar úmido aquecido

As precipitações convectivas, típicas de regiões tropicais, caracterizam-se por ser de grandeintensidade e curta duração, concentrando-se em pequenas áreas. São, por isso, importantes emprojetos desenvolvidos em pequenas bacias, e na análise de problemas de drenagem de maneirageral (cálculo de bueiros, galerias de águas pluviais, etc.), envolvendo problemas de controle daerosão.

2.2.2 PRECIPITAÇÕES OROGRÁFICASAs precipitações orográficas resultam da ascensão mecânica de correntes de ar úmido

horizontais sobre barreiras naturais, tais como montanhas. Quando os ventos quentes e úmidos, quegeralmente sopram do oceano para o continente, encontram uma barreira montanhosa, elevam-se ese resfriam adiabaticamente havendo condensação do vapor, formação de nuvens e ocorrência dechuvas. Essas chuvas são de pequena intensidade, grande duração e cobrem pequenas áreas. Se osventos conseguem ultrapassar a barreira montanhosa, do lado oposto projeta-se uma sombra

3 Fenômeno de crescimento de uma gotícula de líquido pela incorporação em sua massa de outras gotículas com asquais entra em contato.

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pluviométrica, dando lugar às áreas secas, ou semi-áridas, causadas pelo ar seco, já que a umidadefoi descarregada na encosta oposta (Figura 2).

Figura 2 – Esquema ilustrativo das chuvas orográficas

2.2.3 PRECIPITAÇÕES CICLÔNICAS OU FRONTAISAs precipitações ciclônicas ou frontais são aquelas que ocorrem ao longo da superfície de

descontinuidade que separa duas massas de ar de temperatura e umidade diferentes. Essas massasde ar têm movimento da região de alta pressão para a região de baixa pressão, causado peloaquecimento desigual da superfície terrestre (Figura 3).

Figura 3 – Esquema ilustrativo das chuvas frontais

A precipitação frontal resulta da ascensão do ar quente sobre o ar frio na zona de contato dasduas massas de ar de características diferentes. É decorrente de uma frente quente, quando o ar frioé substituído por ar mais quente, ou de uma frente fria, quando o ar quente é substituído por ar frio.

As precipitações ciclônicas são de longa duração e apresentam intensidades de baixa amoderada, espalhando-se por grandes áreas. São responsáveis pela produção de grandes volumesde água e interessam mais nos projetos de hidrelétricas, de controle de cheias e de navegação.

3. GRANDEZAS E MEDIDAS DAS PRECIPITAÇÕESAs grandezas que caracterizam as precipitações são a altura pluviométrica, a intensidade, a

duração e a freqüência da precipitação.A altura pluviométrica, normalmente representada pelas letras h ou P, é a medida da altura

da lâmina de água de chuva acumulada sobre uma superfície plana, horizontal e impermeável. Estaaltura é, normalmente, expressa em milímetros e determinada pelo uso de aparelhos denominadospluviômetros.

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As medidas realizadas nos pluviômetros são periódicas, feitas em geral em intervalos de 24horas, às 7 horas da manhã mais comumente. O recipiente do pluviômetro deve apresentar umvolume suficiente para conter as maiores precipitações dentro do intervalo de tempo definido paraas observações. Esquematicamente, representa-se o pluviômetro na Figura 4.

Figura 4 – Representação esquemática do pluviômetro.

Acima do recipiente do pluviômetro é colocado umfunil com um anel receptor biselado, que define a área deinterceptação. O anel deve ficar bem horizontal.

Em princípio, a altura pluviométrica fornecida peloaparelho não depende da área de interceptação. Contudo,deve-se ter cuidado para não se enganar no cálculo da lâminaprecipitada, que pode ser obtida de: AVol10P ×= , onde Pé a precipitação acumulada em mm, Vol é o volumerecolhido em cm3 (ou ml) e A é a área de interceptação doanel em cm2.

Existem provetas calibradas diretamente emmilímetros para medir o volume de água coletado. Aprecisão de todas as medições de precipitação é o décimo demilímetro.

No Brasil há vários tipos de pluviômetros em operação, sendo os mais comuns: a) tipo Villede Paris, mostrado na Figura 5, em operação (superfície receptora de 400cm2 – empregado pelasagências federais, como DNAEE e Departamento Nacional de Meteorologia); b) tipo Paulista(superfície receptora de 500cm2 – usado pelas agências estaduais, como DAEE/SP); c) tipo Casella(superfície receptora de 200cm2 – utilizado por entidades privadas). Na verdade, a área da superfíciereceptora não é normalizada, variando de aparelho para aparelho entre 100cm2 e 1000cm2.

Figura 5 – Pluviômetro tipo Ville de Paris

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A intensidade da precipitação, i, é a relação entre a altura pluviométrica e a duração daprecipitação: tPi ∆∆= . Geralmente, é expressa em mm/h, mm/min ou mm/dia. Na expressãoanterior, a intensidade da precipitação corresponde a um valor médio no intervalo ∆t. Pode-se,contudo, definir também uma intensidade instantânea: dtdPtPlimi

0t=∆∆=

→∆.

A variabilidade temporal dos eventos chuvosos torna necessário o uso de equipamentoautomático, que permite medir as intensidades das chuvas durante intervalos de tempo inferioresàqueles obtidos com as observações manuais feitas com os pluviômetros. Assim, para a intensidadeda precipitação, utilizam-se aparelhos que registram as alturas no decorrer do tempo, sendo esteschamados pluviógrafos. No Brasil, o modelo mais usado é o de sifão, de fabricação Fuess(superfície receptora de 200cm2) cujo esquema é mostrado na Figura 6, com fotos do aparelho emoperação nas Figuras 7 e 8. Existem, ainda, os tipos basculante (esquema mostrado na Figura 9), debalança, etc.

Figura 4 – Pluviógrafo com reservatório equipado com bóia e sifão

Figura 7 – Pluviógrafo tipo sifão em operação

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Figura 8 – Tambor registrador do pluviógrafo

Figura 9 – Pluviógrafo de cubas basculantes

Ao registro contínuo da precipitação dá-se o nome de pluviograma, ou registropluviográfico. Na Figura 10 apresenta-se um pluviograma típico. Com esse pluviograma quantifica-se a altura pluviométrica, assim como a intensidade da chuva nos intervalos de tempo consideradosdentro da sua duração. Em geral, com a resolução dos pluviógrafos mecânicos convencionaisconsegue-se extrair informações da precipitação em intervalos de tempo superiores a 5min. A títulode exemplo, constrói-se a Tabela 1 para os valores das alturas pluviométricas e das intensidades dechuva obtidos do pluviograma da Figura 10, para cada intervalo de tempo considerado. Com osvalores levantados pode-se, ainda, construir o hietograma da chuva, tomando-se intervalos detempo, no caso, de 10min. Para a chuva do exemplo, tem-se que a sua duração é deaproximadamente 50min, e o total precipitado é de 15,7mm. A intensidade pluviométrica média éobtida dividindo-se o total precipitado pela duração da chuva: no exemplo, iméd =15,7x(60/50)=18,8mm/h. A Figura 11 apresenta o hietograma citado.

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0 10 20 30 40 50 60 700

2

4

6

8

10

12

P (m

m)

t (min)

Figura 10 – Pluviograma típico correspondente a uma dada chuva

Tabela 1 – Altura pluviométrica e intensidade da chuva de 10min, conforme pluviograma da Figura 10

Tempo, t Altura Pluviométrica, P Intensidade de chuva, i(min) (mm) (mm/h)

0 0,00,0

10 0,016,2

20 2,719,2

30 5,916,8

40 8,727,0

50 13,215,0

60 15,70,0

70 15,7

Figura 11 – Hietograma das chuvas de 10min construído com base na análise do pluviograma da Figura 10

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Em resumo, existem os pluviômetros para medidas diárias e os pluviógrafos para medidascontínuas no tempo4. O pluviômetro é o aparelho totalizador, que marca a altura de chuva totalacumulada num dado período de tempo. É mais utilizado para totalizar a precipitação diária,requerendo que o operador more nas proximidades do aparelho. O pluviógrafo é o aparelho queregistra automaticamente as variações da precipitação ao longo do tempo. Pode ser gráfico (comona Figura 8) ou digital e é visitado periodicamente por um observador ou equipe que, normalmente,controla uma rede de aparelhos. Os locais onde são instalados os pluviógrafos e/ou pluviômetrossão denominados postos pluviométricos.

A duração da precipitação, que aqui será denotada por ∆t ou td, constitui-se também emimportante grandeza a caracterizar as chuvas. Ela corresponde ao período de tempo durante o qual achuva cai. As unidades normalmente utilizadas para a duração da precipitação são o minuto ou ahora.

A precipitação é um fenômeno do tipo aleatório. Por isso, a freqüência com que ocorremdeterminadas precipitações deve ser conhecida para uso em projetos associados ao aproveitamentodos recursos hídricos ou de controle do impacto causado por chuvas intensas. Sobre a duração e afreqüência das precipitações muito ainda se falará ao longo do presente curso.

4. ANÁLISE DE DADOS PLUVIOMÉTRICOSO objetivo de um posto pluviométrico é produzir uma série ininterrupta de precipitações ao

longo dos anos, ou permitir o estudo da variação das intensidades ao longo das tormentas. Emqualquer caso, podem ocorrer períodos sem informações, ou com falhas nas observações,decorrentes de problemas com os aparelhos de registro e/ou ausência do operador do posto. Porisso, os dados coletados devem ser submetidos a uma análise preliminar, antes de serem utilizados.

Preliminarmente ao processamento de dados pluviométricos, é necessário proceder-se àdetecção de erros grosseiros nas observações, originados normalmente de: i) registros em dias quenão existem (30 de fevereiro, por exemplo); ii) registros de quantidades absurdas; iii) erros detranscrição (preenchimento errado da caderneta de campo); etc. Somente após a identificação ecorreção destes erros é que os dados estarão prontos para o tratamento estatístico.

4.1 PREENCHIMENTO DE FALHASApós a análise preliminar dos dados, é possível que as séries apresentem falhas ou lacunas.

Contudo, dada a necessidade de se trabalhar com séries contínuas, estas falhas deverão serpreenchidas.

Um método simples para a estimativa do valor para a correção da falha é o chamado métodode ponderação regional. O método, utilizado para o preenchimento de séries mensais ou anuais deprecipitações, toma por base os registros pluviométricos de pelo menos três estações climaticamentehomogêneas (com um mínimo de dez anos de dados) e localizadas o mais próximo possível daestação que apresenta falha nos dados de precipitação. Assim, por exemplo, para um posto Y queapresenta falha, esta será preenchida com base na equação:

++=

3

3

2

2

1

1

X

X

X

X

X

XYY P

PPP

PP

3P

P (01)

onde YP é a precipitação a ser estimada para o posto Y; 321 XXX P e P ,P são as precipitações

correspondentes ao mês ou ano5 que se deseja preencher, observadas respectivamente nas estações

4 O radar também é utilizado para medida de precipitação, sendo capaz de fornecer a informação no tempo e no espaço.5 O método aplica-se somente para períodos grandes, como mês ou ano.

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vizinhas X1, X2 e X3; YP é a precipitação média do posto Y; e 321 XXX P e P ,P são as precipitações

médias nas três estações circunvizinhas.Um método mais aprimorado de preenchimento de falhas consiste em utilizar as regressões

lineares, simples ou múltipla. Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falha e deum posto vizinho são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação de regressãopodem ser obtidas gráfica ou numericamente, através do critério de mínimos quadrados. Noprimeiro caso, num gráfico cartesiano ortogonal são lançados os pares de valores correspondentesaos dois postos envolvidos e traçada, a sentimento, a reta com melhor aderência à nuvem de pontose que passa pelo ponto definido pelos valores médios das duas variáveis envolvidas.

Uma variação do procedimento de cálculo é conhecida como método de ponderaçãoregional baseado nas correlações com as estações vizinhas. Neste caso, são estabelecidasregressões lineares entre o posto pluviométrico com dado a ser preenchido e cada um dos postosvizinhos. De cada uma das regressões lineares efetuadas obtém-se o coeficiente de correlação, r (r ≤1). Para o posto Y, a equação de preenchimento da falha é a seguinte:

321

332211

YXYXYX

XYXXYXXYXY rrr

PrPrPrP

++++

= . (1.1)

Os índices 1Xr ,

2Xr e 3Xr representam, respectivamente, os coeficientes de correlação das chuvas

em Y e X1, Y e X2, e Y e X3.Para o preenchimento de valores diários de precipitação não se deve utilizar esta

metodologia, pois os resultados podem ser muito ruins. Normalmente, valores diários são de difícilpreenchimento devido à grande variação espacial e temporal da precipitação para os eventos defreqüências médias e pequenas.

4.2 ANÁLISE DE CONSISTÊNCIA DE SÉRIES PLUVIOMÉTRICAS – DUPLA MASSAApós o preenchimento da série pluviométrica é necessário analisar a sua consistência dentro

de uma visão regional, isto é, comprovar o grau de homogeneidade dos dados disponíveis numposto com relação às observações registradas em postos vizinhos. Para este fim, é prática comum noBrasil utilizar-se do método de análise de dupla massa (desenvolvido pelo U. S. GeologicalSurvey), método este válido para as séries mensais e anuais.

O método consiste em construir em um gráfico cartesiano uma curva duplo acumulativa,relacionando os totais anuais (ou mensais) acumulados do posto a consistir (nas ordenadas) e amédia acumulada dos totais anuais (ou mensais) de todos os postos da região (nas abscissas),hipoteticamente considerada homogênea do ponto de vista hidrológico.

Se os valores do posto a consistir são proporcionais aos observados na base de comparação,os pontos devem-se alinhar segundo uma única reta (Figura 12). A declividade da reta determina ofator de proporcionalidade entre ambas as séries.

Anormalidades na estação pluviométrica, decorrentes de mudança do local ou das condiçõesde operação do aparelho, de erros sistemáticos, de mudanças climáticas ou de modificação nométodo de observação podem ser identificadas pela análise de dupla massa. Nestes casos, os pontosnão se alinham segundo uma única reta.

Discutem-se, a seguir, alguns casos típicos relativos à aplicação da análise de dupla massaem que são identificados, por diferentes razões, problemas de consistência dos dados.

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0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000 18000 20000 22000 240000

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

20000

22000

24000

1982

1983

1984

1985

1986

19871988

1989

1990

1996

19951994

1993

1992

1991

Análise de Dupla Massa

Prec

ipita

ção

anua

l acu

mul

ada,

mm

(Est

ação

Bre

cha)

Precipitação anual acumulada, mm(média de 4 estações da região)

Figura 12 –Dados de chuva sem problemas de consistência (Estação Brecha – região de Ouro Preto, MG)

a) Mudança de declividade, determinando duas retas.Este caso constitui exemplo típico da presença de erros sistemáticos, da mudança das

condições de observação do aparelho ou de alterações climáticas no local provocadas, por exemplo,pela construção de reservatórios artificiais. Na Figura 13 é apresentado o presente caso de valoresinconsistentes.

Para se corrigir os valores correspondentes ao posto sob análise, existem duaspossibilidades: corrigir os valores mais antigos para a situação atual ou corrigir os valores maisrecentes para a tendência antiga. A escolha da alternativa de correção depende das causas queprovocaram a mudança da declividade. Por exemplo, se forem detectados erros no período maisrecente, a correção deverá ser realizada no sentido de preservar a tendência antiga. Os valoresinconsistentes podem ser corrigidos de acordo com a expressão

Figura 13 – Análise de dupla massa – dados com mudança de tendência

Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce

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( )i00

CiC PP

MM

PP −+= (02)

onde Pc= precipitação acumulada ajustada à tendência desejada; Pi = valor da ordenadacorrespondente à interseção das duas tendências; P0 = valor acumulado a ser corrigido; Mc =coeficiente angular da tendência desejada; e M0 = coeficiente angular da tendência a corrigir.

b) Alinhamento dos pontos em retas paralelasO alinhamento dos pontos segundo

retas paralelas caracteriza a existência deerros de transcrição de um ou mais dados.Pode, ainda, decorrer da presença de anosextremos em uma das séries plotadas. Comoexemplo, a Figura 14 é construída a título devisualização deste caso.

A ocorrência de alinhamentos segundoduas ou mais retas aproximadamentehorizontais (ou verticais) pode ser a evidênciada comparação de postos com diferentesregimes pluviométricos.

Figura 14 – Exemplo de situação característica depresença de erros de transcrição

c) Distribuição errática dos pontosA distribuição errática dos pontos é geralmente resultado da comparação de postos com

diferentes regimes pluviométricos, sendo incorreta toda associação que se deseje fazer entre osdados dos postos plotados.

Uma vez finalizada a análise de consistência, pode ser necessária a revisão dos valorespreviamente preenchidos. O preenchimento das séries é uma tarefa que deve ser efetuada antes daanálise de consistência, para evitar distorções no gráfico de dupla massa. Quando neste gráficoforem observadas modificações de tendências, o preenchimento deverá ser revisado.

5. PRECIPITAÇÃO MÉDIA SOBRE UMA BACIAPara aplicar o balanço hídrico sobre uma bacia, ou para determinar os valores extremos das

chuvas na região, o hidrologista está mais interessado em conhecer a precipitação que cobre todauma área, e não exatamente os valores pontuais.

Nos itens anteriores, o tratamento dos dados pluviométricos e pluviográficos visaramproduzir estimativas pontuais da precipitação. Para calcular a precipitação média é necessárioutilizar as observações dentro da área de interesse e nas suas vizinhanças. Aceita-se a precipitaçãomédia como sendo a altura uniforme da lâmina d’água que cobre toda a área considerada, associadaa um período de tempo (uma hora, um dia, um mês, um ano, etc.).

Para se obter um valor médio da precipitação sobre uma bacia hidrográfica existem trêsmétodos: método aritmético, método de Thiessen e método das isoietas. O cálculo da média porestes métodos pode ser feito para um temporal isolado, para totais mensais precipitados ou para ostotais anuais.

a) Método AritméticoConsidere-se uma bacia hidrográfica com N estações pluviométricas, com as alturas de

chuva medidas em cada estação indicadas por Pi (i = 1, 2, 3, ..., N). A precipitação média na bacia,P , pode ser obtida tomando-se a média aritmética dos valores indicados:

Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce
Joao
Realce

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∑=

=N

1iiP

N1P (03)

A American Society of Civil Engineers (ASCE) recomenda o uso deste método para baciasmenores que 5.000 km2, quando 1) a distribuição dos aparelhos na bacia for densa e uniforme; e 2)a área for plana ou de relevo muito suave (para evitar erros devidos a influências orográficas).Ainda, sugere que as medidas individuais de cada aparelho pouco variem da média, para maiorconfiabilidade. Quando estes requerimentos não forem atendidos, é recomendável o uso de outrométodo.

b) Método de ThiessenNo método de Thiessen, para cada estação define-se uma área de influência dentro da bacia.

Assim, para o posto pluviométrico i tem-se a área Ai, tal que ∑Ai = A (igual à área de drenagem dabacia hidrográfica). A precipitação média é então calculada atribuindo-se um peso a cada altura emcada uma das estações, peso este representado pela área de influência. Portanto,

( )∑=

×=N

1iii AP

A1P (04)

As áreas de influência são determinadas nomapa topográfico da bacia contendo as estações,unindo-se os postos adjacentes por segmentos dereta (realizando triangulações) e, em seguida,traçando-se as mediatrizes desses segmentosformando polígonos. Os lados dos polígonos (oudivisor da bacia) são os limites dentro da bacia dasáreas de influência das estações (Figura 15). Ométodo de Thiessen pode ser utilizado mesmo parauma distribuição não uniforme dos aparelhos e dábons resultados em terrenos levemente acidentados.Facilita o cálculo automatizado, já que uma vezconhecida a rede de pluviômetros, os valores de Aipermanecem constantes, mudando apenas asprecipitações Pi.

Figura 15 – Triangulações do Mét. Thiessen.

Para a medida de Ai utiliza-se o planímetro, ou o método das quadrículas. Embora maispreciso do que o aritmético, o método de Thiessen também apresenta limitações, pois não consideraas influências orográficas.

c) Método das IsoietasNo método das isoietas, em vez de pontos isolados de precipitação, utilizam-se as curvas de

igual precipitação (isoietas). O traçado dessas curvas é extremamente simples, semelhante aotraçado de curvas de nível, onde a altura de chuva substitui a cota do terreno (Figura 16).

Pelo método das isoietas, a precipitação média sobre uma área é calculada multiplicando-sea precipitação média entre isoietas sucessivas (normalmente fazendo-se a média dos valores de duasisoietas) pela área entre as isoietas, totalizando-se esse produto e dividindo-se pela área total, ouseja:

( )∑

⋅+= ++ 1i,i1ii APP21

A1P (05)

sendo,

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Figura 16 – Curvas de isoprecipitação para o método das isoietas.

Pi = valor da precipitação correspondente à isoieta de ordem i;Pi+1 = valor da precipitação para a isoieta de ordem i+1;Ai,i+1 = área entre as isoietas de ordem i e ordem i+1;A = ΣAi,i+1 = área de drenagem da bacia hidrográfica.

O método das isoietas é o mais preciso para a avaliação da precipitação média em uma área.A precisão do método, contudo, depende fortemente da habilidade do analista em traçar o mapa dasisoietas.

6. ANÁLISE DE FREQÜÊNCIA DOS DADOS DE CHUVAA precipitação é um processo aleatório. A sua previsão, na maioria dos problemas, é

realizada com base na estatística de eventos passados. Os estudos estatísticos permitem verificarcom que freqüência as precipitações ocorreram com uma dada magnitude, estimando asprobabilidades teóricas de ocorrência das mesmas.

O conhecimento estatístico das características das precipitações apresenta grande interessede ordem técnica na engenharia, por sua freqüente aplicação nos projetos associados aoaproveitamento de recursos hídricos. Por exemplo, o conhecimento da magnitude das enchentes quepoderiam ocorrer com uma determinada freqüência é importantes para: a) projetos de vertedores debarragens; b) dimensionamento de canais; c) definição das obras de desvio de cursos d’água; d)determinação das dimensões de galerias de águas pluviais; e) cálculo de bueiros, etc. Por outro lado,nos projetos de irrigação e de abastecimento de água, é necessário conhecer também a grandeza dasestiagens que adviriam e com que freqüência ocorreriam.

Nos projetos de obras hidráulicas, as dimensões da obra são determinadas em função deconsiderações de ordem econômica. Portanto, corre-se um risco de que a estrutura venha a falhardurante a sua vida útil. É necessário, então, conhecer este risco. Para isso, analisam-seestatisticamente as observações realizadas nos postos hidrométricos, verificando-se com quefreqüências elas assumiriam cada magnitude. Em seguida, pode-se avaliar as probabilidadesteóricas.

A análise de freqüência dos dados de chuva pode ser feita considerando-se os tipos seguintesde séries:a) série total: os dados observados são considerados na sua totalidade;b) série parcial: constituída por alturas pluviométricas superiores a um valor-base, tomado como

referência, independentemente do ano em que possa ocorrer;c) série anual: constituída pelas alturas pluviométricas máximas de cada ano, no caso de série

anual de chuvas máximas diárias, ou pelos totais anuais precipitados caso a série seja de totaisanuais.

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Uma definição simples para freqüência pode ser dada pelo “número de ocorrências igualadasou superadas de uma dada chuva (de intensidade io e duração td, por exemplo) no decorrer de umperíodo de observação de n anos”. Assim, por exemplo, suponha-se que as observações foram feitasdurante 31 anos. Neste período, uma chuva que foi igualada ou superada 10 vezes tem a freqüênciade 10 em 31 anos. Isto corresponde a uma probabilidade6 P{i ≥ io}=32,3% de ocorrer em um ano.

Uma avaliação rápida da freqüência com que um evento é igualado ou superado pode serfeita através dos métodos Califórnia e de Weibull. Para tal, os dados da série considerada (parcialou anual) devem ser preliminarmente relacionados em ordem decrescente (classificaçãodecrescente) e a cada valor atribuído o seu número de ordem m. A freqüência com que é igualadoou superado o evento de magnitude io e ordem m é dada por:a) no método Califórnia,

F (io) nm= (06)

ou,b) no método de Weibull,

F (io) 1nm+

= , (07)

onde n é o número de anos da série.Nota-se que nos métodos Califórnia e de Weibull, F (io) representa a probabilidade de

excedência, isto é, F = P{i ≥ io}.

6.1 PERÍODO DE RETORNODefine-se período de retorno, Tr, ou intervalo de recorrência de um evento hidrológico

como sendo o intervalo de tempo médio, medido em anos, em que um evento de uma dadamagnitude x0 é igualado ou superado pelo menos uma vez. Assim, se o evento X (chuva ou vazão)de magnitude x0 ocorre ao menos uma vez em Tr anos, tem-se

P{ }r

0 T1xX =≥ , (08)

isto é, o período de retorno, em anos, corresponde ao inverso da probabilidade de excedência. Se,no método de Weibull (ou no método Califórnia), a freqüência F(xo) é uma boa estimativa daprobabilidade teórica P, então

Tr = 1/F(x0) = 1/P{X ≥ x0}. (09)

Cumpre observar que, para períodos de retorno bem menores do que o número de anos deobservação, o valor de F(xo) acima pode dar uma boa idéia do valor real de P{X ≥ x0}. Já paragrandes períodos de retorno deve ser ajustada uma lei de probabilidade teórica, de modo apossibilitar um cálculo mais confiável da probabilidade.

6.2 FREQÜÊNCIA DE TOTAIS PRECIPITADOSUma série anual de totais precipitados é obtida pela soma das precipitações diárias de cada

ano. Por exemplo, para um posto com 20 anos de registros existirão 20 totais anuais. Conforme oTeorema do Limite Central, como o total anual precipitado (ou o total mensal) é formado pela soma 6 Lê-se: “probabilidade de se encontrar uma precipitação i de magnitude igual ou superior a io”. Também,“probabilidade de excedência”.

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dos valores diários (que se admite serem aleatórios), espera-se que a repartição das freqüências seadapte bem à Lei de Gauss (ou distribuição normal).

Indicando por X a variável aleatória e sendo x um determinado total anual de precipitação, afunção de distribuição de probabilidade acumulada da Lei de Gauss é expressa como

( ) dxx21exp

21xF

x 2

∫ ∞−

σµ−−

πσ=

(10)

onde µ e σ representam a média e o desvio-padrão da população, respectivamente, e F(x) é aprobabilidade de um total anual qualquer ser igual ou inferior7 a x. Isto é, ( ) { }xXxF ≤= P . Logo,da definição de período de retorno, neste caso

( ) { }xX11

xF11Tr

≤−=

−=

P(11)

pois { } { }xX1xX ≤−=≥ PP .O ajuste da série de valores anuais de precipitação segundo uma curva normal é muito

facilitado pelo uso de papéis de probabilidade. Com o uso do papel aritmético de probabilidade(alturas das precipitações nas abscissas, em escala linear, e freqüências, ou períodos de retorno nasordenadas, em escala de probabilidade), a distribuição normal se apresenta como uma reta. Esta retapassa por alguns pontos característicos, como X=µ e F(µ)=50%, X=µ−σ e F(µ−σ)=15,87%, eX=µ+σ e F(µ+σ)=84,13%.

É importante observar que a inferência de índices pluviométricos com base nos parâmetrosda distribuição normal só deve ser feita para totais anuais (ou mensais).8

7. ANÁLISE DAS CHUVAS INTENSASChuvas intensas, ou precipitações máximas, são definidas como aquelas chuvas cujas

intensidades ultrapassam um determinado valor mínimo.As principais características das chuvas intensas são a sua intensidade, sua distribuição

temporal (duração) e espacial, e sua freqüência de ocorrência. O conhecimento dessascaracterísticas é de fundamental importância na análise de diversos problemas na engenharia derecursos hídricos9, no projeto de obras hidráulicas, tais como vertedores de barragens, sistemas dedrenagem, galerias de águas pluviais, dimensionamento de bueiros, entre outros. A aquisição dessasinformações passa, atualmente, por grandes transformações, decorrentes da modernização dastecnologias de obtenção dos dados10.

Pode-se afirmar, com base em observações, e mesmo intuitivamente, que:➥ a relação entre a intensidade (i) e a duração da chuva intensa (td) é inversa: ( )n

dtc1i +∝ , sendoc e n constantes;➥ a relação entre a intensidade e a freqüência (ou período de retorno) é tal que, para valoresmáximos (chuvas intensas): mTri ∝ , sendo m constante;

7 Diferentemente dos método de Weibull e Califórnia, F agora representa uma probabilidade de não-excedência.8 No geral, caso a curva teórica não se ajuste bem aos valores empíricos, é recomendável testar o ajuste de outradistribuição, ou o ajuste gráfico pelo traçado de uma curva de melhor aderência aos pontos.9 Cumpre observar, antecipando o que ainda será visto neste curso, que em muitas metodologias, as vazões de projetosão obtidas indiretamente pelo uso de modelos que realizam a transformação de uma chuva em vazão.10 Uso de radares meteorológicos e técnicas de sensoriamento remoto. Essas técnicas, juntamente com as redes detelemedição, permitem uma abrangência significativa na caracterização dos dados de precipitação.

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➥ a relação entre a intensidade e a distribuição da chuva intensa é inversa, isto é, quanto maior aárea de abrangência, menor a intensidade.

Para o último caso, segundo o Drainage Criteria Manual de Denver, para áreas dedrenagem até aproximadamente 25km2 (10 milhas quadradas), as informações pontuais podem serutilizadas em cálculos cobrindo a extensão da área dentro do limite citado. Para áreas maiores,aplicam-se fatores de redução em função da área e da duração da chuva (Figura 17).

Figura 17 – Fator de redução das precipitações máximas pontuais, conforme o U.S. Weather Bureau.

Normalmente, os dados para uma análise de chuvas intensas são obtidos dos pluviogramas(registros pluviográficos). Desses gráficos pode-se estabelecer, para diversas durações, as máximasintensidades ocorridas durante uma dada chuva, sem que necessariamente as durações maioresdevam incluir as menores. As durações usuais são de 5, 10, 15, 30 e 45 minutos e 1, 2, 3, 6, 12 e 24horas.

O limite inferior de duração é fixado em 5 minutos porque este é o menor intervalo que sepode ler nos registros pluviográficos com precisão adequada. Para durações maiores que 24 horaspodem ser utilizadas observações feitas com pluviômetros.

O número de intervalos de duração citado fornece pontos suficientes para definir curvas deintensidade-duração da precipitação, referentes a diferentes freqüências de ocorrência.

A determinação da relação entre a intensidade, a duração e a freqüência (curva i-d-f) deveser feita das observações das chuvas intensas durante um período de tempo suficientemente longo erepresentativo dos eventos extremos do local.

Na análise estatística da estrutura hidrológica das séries de chuva podem ser seguidos doisenfoques alternativos: séries anuais ou séries parciais. A escolha de um outro tipo de série dependedo tamanho da série disponível e do objetivo do estudo. A metodologia de séries parciais é utilizadaquando o número de anos de registro é pequeno (menos de 12 anos de registro) e os períodos deretorno que serão utilizados são inferiores a 5 anos.

A metodologia de séries anuais baseia-se na seleção das maiores precipitações anuais deuma duração escolhida. Com base nesta série de valores é ajustada uma distribuição de extremosque melhor se ajuste aos valores11.

Na construção da curva i-d-f é necessário ajustar uma distribuição estatística aos maioresvalores anuais de precipitação para cada duração escolhida. A metodologia segue a seqüência: a)

11 Utilizam-se, normalmente, as distribuições Pearson tipo III, log-Pearson tipo III, Gumbel e log-Normal para eventosextremos.

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para cada duração são obtidas as precipitações máximas anuais com base nos dados do pluviógrafo;b) para cada duração mencionada é ajustada uma distribuição estatística; c) dividindo a precipitaçãopela sua duração obtém-se a intensidade; d) as curvas resultantes são a relação i-d-f. Comoexemplo, na Figura 18 representa-se uma família de curvas i-d-f obtida para um posto em PortoAlegre.

Figura 18 – Curvas de intensidade-duração-freqüência para a cidade de Porto Alegre (RS).

As curvas também podem ser expressas por equações genéricas, do tipo

( )nd

m

tcTrKi

+⋅= , (12)

onde i = intensidade, geralmente expressa em mm/h; Tr = período de retorno, em anos; td = duraçãoda chuva, em minutos e K, c, m e n são parâmetros do ajuste (determinados para cada local). Naliteratura encontram-se disponíveis várias expressões com a forma da Eq. (12), determinadas poranálise de regressão e válidas para diferentes cidades do país. Na Tabela 2 encontram-se listados osvalores dos parâmetros da Eq. (12) para algumas cidades brasileiras.

Tabela 2 – Parâmetros de equações de intensidade-duração freqüência (TUCCI et al, 1995)

Localidade K m c nSão Paulo 3 462,7 0,172 22 1,025Curitiba 1 239,0 0,150 20 0,740Rio de Janeiro 5 949,2 0,217 26 1,150Belo Horizonte 1 487,9 0,100 20 0,840

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Outro trabalho muito importante e pioneiro, que até hoje é utilizado para o estudo daschuvas intensas, se deve a Otto Pfafstetter e foi apresentado em 1957 sob o título “Chuvas Intensasno Brasil”, publicado pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS)12. O autorpropôs, com base em observações de 98 postos pluviográficos de todo o Brasil (incluindo OuroPreto), uma relação empírica da forma:

( ) ( )[ ]ddTr tc1btaTrP ⋅++⋅⋅=

γβ+α log (13)

sendoP = precipitação máxima, em mm;Tr = período de retorno, em anos;td = duração da chuva, em horas;α = parâmetro que depende da duração da chuva (tabelado);β = parâmetro que depende da duração da chuva e variável de posto para posto (tabelado); eγ, a, b e c = constantes para cada posto.

Valores do coeficiente α da Eq. (13), em função da duração da precipitação, sãoapresentados na Tabela 3. Na Tabela 4, para alguns postos espalhados pelo Brasil, apresentam-se osvalores dos coeficientes β, a, b e c, conforme Pfafstetter, que adotou γ=0,25 para todos os postos.

Tabela 3 – Valores do coeficiente αααα de Pfafstetter (TUCCI et al, 1995)

Duração αααα Duração αααα Duração αααα5 min 0,108 4 h 0,174 3 dias 0,160

15 min 0,122 8 h 0,176 4 dias 0,15630 min 0,138 14 h 0,174 6 dias 0,152

1 h 0,156 24 h 0,1702 h 0,166 48 h 0,166

Tabela 4 – Valores dos coeficiente ββββ, a, b e c de Pfafstetter para algumas cidades brasileiras (TUCCI et al, 1995)

Postos β β β β Pluviográficos 5 min 15 min 30 min 1h–6dias a b c

Belo Horizonte- MG 0,12 0,12 0,12 0,04 0,6 26 20Curitiba – PR 0,16 0,16 0,16 0,08 0,2 25 20Rio de Janeiro – RJ -0,04 0,12 0,12 0,20 0,0 35 10Maceió – AL 0,00 0,04 0,08 0,20 0,5 29 10Manaus – AM 0,04 0,00 0,00 0,04 0,1 33 20Natal – RN -0,08 0,00 0,08 0,12 0,7 23 20Porto Alegre – RS 0,00 0,08 0,08 0,08 0,4 22 20São Carlos – SP -0,04 0,08 0,08 0,12 0,4 29 20

Quando as únicas informações disponíveis são de chuvas registradas pelo uso depluviômetros, a análise das chuvas intensas é, em princípio, feita para as chuvas com duração de 1dia. Pode-se, contudo, fazer a avaliação das chuvas de 24 horas a partir das chuvas máximas de 1dia. Para isso, alguns autores (CETESB, 1986; TUCCI e outros, 1995) desenvolveram relações

12 O conjunto dos dados, na forma de tabelas de altura pluviométrica-intensidade-duração-freqüência, é apresentado nolivro “Drenagem Urbana – Manual de Projeto”, editado pela CETESB – capítulo II, a partir da página 31.

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entre as chuvas de 24 horas e de 1 dia de duração, de mesmo período de retorno. Foi mostrado que,em termos de altura pluviométrica, a chuva máxima de 24 horas pode ser estimada da chuva demáxima de 1 dia, de período de retorno correspondente, segundo a relação

15,1 a 13,1PP dia1Tr

h24Tr = , (14)

válida para períodos de retorno de 5 a 100 anos.Ainda, com base em estudos do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS

(citado em CETESB, 1986), as alturas das chuvas máximas de diferentes durações podem serrelacionadas entre si, conforme fornecido na Tabela 5. Os valores apresentados são válidos paraperíodos de retorno entre 2 e 100 anos.

Tabela 5 - Relações entre chuvas máximas de diferentes durações.Valores médios dos estudos do DNOS

Relação entre as durações Relação entre as alturas pluviométricas

5min / 30min 0,3410min / 30min 0,5415min / 30min 0,7020min / 30min 0,8125min / 30min 0,91

30min / 1h 0,741h / 24h 0,42

Convém observar que os valores de chuvas gerados com base na Eq. (14) e na Tabela 5 nãodevem ser vistos como tendo a mesma precisão dos resultados que seriam obtidos com base nosregistros de pluviógrafos. Servem, contudo, como estimativas das chuvas intensas de menoresdurações quando se dispõem somente de dados diários de chuvas obtidos por pluviômetros.

BIBLIOGRAFIA

TUCCI, C.E.M., org. (1993). Hidrologia. Ciência e Aplicação. Ed. da Universidade - UFRGS / Ed.da Universidade de São Paulo – EDUSP / Associação Brasileira de Recursos Hídricos –ABRH.

TUCCI, C.E.M., PORTO, R.La L. & BARROS, M.T de, org. (1995). Drenagem Urbana. Ed. daUniversidade - UFRGS / Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH.

VILLELA, S.M. & MATTOS, A. (1975). Hidrologia Aplicada. Ed. McGraw-Hill.

RIGHETTO, A.M. (1998). Hidrologia e Recursos Hídricos. EESC/USP – Projeto REENGE.

CETESB (1986). Drenagem Urbana – Manual de Projeto. Convênio CETESB/ASCETEB. SãoPaulo.

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EXERCÍCIOS

1o) Descreva, sucintamente, o princípio de formação das precipitações convectivas, orográficas efrontais.2o) Cite três grandezas características das precipitações e suas respectivas dimensões e unidadesusuais.3o) Sejam quatro estações pluviométricas A, B, C e D da bacia hidrográfica mostrada na Figura 19.a) Estime a precipitação média sobre a bacia pelos métodos aritmético e de Thiessen, com baseainda nos dados da Tabela 6. b) Quais os elementos necessários e como proceder para obter aprecipitação média pelo método das isoietas?

Figura 19 – Bacia hidrográfica e posição de quatro postos pluviométricos.

Tabela 6 – Precipitações nos postos pluviométricos

Posto Pluviométrico A B C DAltura Pluviométrica, P (mm) 25,0 40,0 36,0 30,0

4o) Nas Tabelas 7 e 8 são fornecidos, respectivamente, os dados das séries anual e parcial daschuvas intensas de 1 dia, obtidos a partir de registros em um posto pluviométrico, no período de1958 a 1973.

Tabela 7 – Série Anual

ano 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965P (mm) 85,5 95,2 91,7 157,8 87,2 70,4 130,8 65,3

ano 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973P (mm) 51,4 118,4 58,2 89,4 74,8 128,5 79,4 98,5

Tabela 8 – Série Parcial

Ano P (mm) ano P (mm)1958 85,5 - 67,8 1966 -1959 95,2 - 68,4 1967 118,4 - 71,51960 91,7 - 84,0 1968 -1961 157,8 - 70,2 1969 89,4 - 80,51962 87,2 - 78,4 1970 74,8 - 65,81963 70,4 - 65,7 1971 128,5 - 70,8 - 65,81964 130,8 - 65,8 1972 79,4 - 66,41965 65,3 1973 98,5 - 82,7

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a) Calcular, para as séries anual e parcial, os períodos de retorno correspondentes pelo método deWeibull.

b) Construir as curvas de freqüência das séries anual e parcial:b1) para a série parcial, lançando as alturas pluviométricas, P(mm), em função dos períodos

de retorno (ou freqüências), em papel bi-log;b2) para a série anual, plotando os pares de valores de P(mm) vs. Tr(anos), ou freqüências,

em papel log-probabilístico.c) Determinar as chuvas correspondentes aos períodos de retorno de 2, 5, 10, 50 e 100 anos, com

base nas curvas de freqüência construídas no item (b), para as séries anual e parcial.

5o) Na Tabela 8 são fornecidos os totais anuais referidos a um posto pluviométrico, de 1941 a 1968.a) Efetuar a análise estatística, calculando a média, o desvio-padrão e o coeficiente de variação das

alturas pluviométricas.b) Calcular as freqüências acumuladas e construir o gráfico de probabilidade, lançando os pares de

valores da freqüência acumulada versus altura pluviométrica em papel aritmético deprobabilidade. Traçar, neste gráfico, a reta que representa a lei normal de probabilidade.Sugestão: agrupar os dados em intervalos de classe de 100 mm de amplitude.

c) Obter os prováveis totais anuais precipitados com recorrências de 5, 10, 100 e 1000 anos.

Tabela 8 – Totais anuais precipitados – 1941 a 1968

ano P (mm) ano P (mm) ano P (mm) ano P (mm)1941 1 066,6 1948 1 245,3 1955 1 224,5 1962 1 673,71942 1 489,1 1949 1 410,8 1956 1 412,3 1963 885,91943 1 552,2 1950 1 559,0 1957 1 467,1 1964 1 451,01944 727,1 1951 1 251,5 1958 1 567,2 1965 1 850,01945 1 205,8 1952 1 199,2 1959 1 105,0 1966 1 230,91946 1 429,8 1953 1 248,8 1960 1 833,7 1967 1 649,61947 2 024,9 1954 1 471,0 1961 1 136,3 1968 1 194,6

6o) Uma estação pluviométrica X esteve inoperante por alguns dias de um determinado mês. Nestemesmo mês, os totais precipitados em três estações vizinhas A, B e C foram 126mm, 105mm e144mm, respectivamente. Sabendo-se que as precipitações médias anuais nas estações X, A, B e Csão, respectivamente, 1155mm, 1323mm, 1104mm e 1416mm, estimar o total precipitado naestação X para o mês que apresentou falhas.