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Riscos Ambientais e Formação de Professores (Actas das VI Jornadas Nacionais do Prosepe) 151 Precipitações intensas e prolongadas após incêndios florestais – O papel dos socalcos na erosão e deposição. Exemplos de bacias hidrográficas afluentes aos rios Alva e Alvoco (Serras do Açor e da Estrela) José Fialho ([email protected]) Luciano Lourenço ([email protected]) Resumo As serras da Cordilheira Central de Portugal têm sido, desde há milhões de anos, palco de episódios espectaculares, uns mais do que outros, mas todos eles protagonizados por intempéries mais ou menos violentas que, umas vezes pela sua impressionante força e, outras vezes, pela sua repetição, “movem montanhas”, como o comprovam os depósitos existentes no sopé. Nos últimos tempos, os incêndios florestais, ao destruírem a vegetação e, por conseguinte, ao deixarem o solo exposto directamente ao embate das gotas de água da chuva, vieram contribuir para acelerar os efeitos erosivos provocados por estas intempéries. Com efeito, como a água das chuvas passa a precipitar-se sobre vertentes desnudadas, a sua acção erosiva intensifica-se, mesmo com valores normais de pluviosidade, e aumenta significativamente quando, por vezes, a chuva se manifesta de forma mais violenta e concentrada, situações que originam uma erosão mais vigorosa. Como estruturas capazes de contrariar estes processos erosivos, mormente após os incêndios florestais, surgem os socalcos, pois enquanto se mantêm conservados funcionam como verdadeiras estruturas anti-erosão. Com efeito, a comparação de dados referentes à erosão dos solos, recolhidos após incêndios florestais em socalcos e em vertentes naturais, não deixa qualquer dúvida sobre a acção anti-erosiva dos socalcos, mesmo em situações de temporal. Ora, o objectivo da comunicação é o de apresentar resultados concretos, através de casos de estudo, da evolução de vertentes em condições hidrometeorológicas ditas adversas. Palavras chave: condições hidrometeorológicas adversas; riscos, erosão; incêndio florestal; socalcos; Terrisc; serra do Açor..

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Precipitações intensas e prolongadas apósincêndios florestais – O papel dos socalcos naerosão e deposição. Exemplos de baciashidrográficas afluentes aos rios Alva e Alvoco

(Serras do Açor e da Estrela)

José Fialho ([email protected])Luciano Lourenço ([email protected])

Resumo

As serras da Cordilheira Central de Portugal têm sido, desde hámilhões de anos, palco de episódios espectaculares, uns mais do queoutros, mas todos eles protagonizados por intempéries mais ou menosviolentas que, umas vezes pela sua impressionante força e, outras vezes,pela sua repetição, “movem montanhas”, como o comprovam os depósitosexistentes no sopé.

Nos últimos tempos, os incêndios florestais, ao destruírem a vegetaçãoe, por conseguinte, ao deixarem o solo exposto directamente ao embatedas gotas de água da chuva, vieram contribuir para acelerar os efeitoserosivos provocados por estas intempéries.

Com efeito, como a água das chuvas passa a precipitar-se sobrevertentes desnudadas, a sua acção erosiva intensifica-se, mesmo comvalores normais de pluviosidade, e aumenta significativamente quando,por vezes, a chuva se manifesta de forma mais violenta e concentrada,situações que originam uma erosão mais vigorosa.

Como estruturas capazes de contrariar estes processos erosivos,mormente após os incêndios florestais, surgem os socalcos, pois enquantose mantêm conservados funcionam como verdadeiras estruturas anti-erosão.

Com efeito, a comparação de dados referentes à erosão dos solos,recolhidos após incêndios florestais em socalcos e em vertentes naturais,não deixa qualquer dúvida sobre a acção anti-erosiva dos socalcos, mesmoem situações de temporal.

Ora, o objectivo da comunicação é o de apresentar resultados concretos,através de casos de estudo, da evolução de vertentes em condiçõeshidrometeorológicas ditas adversas.

Palavras chave: condições hidrometeorológicas adversas; riscos, erosão; incêndioflorestal; socalcos; Terrisc; serra do Açor..

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Introdução

Em Portugal, os processos de erosão hídrica acelerada, verificados após aocorrência de incêndios florestais, acarretam um aumento do risco de grandesmovimentos em massa, normalmente com consequências muito graves para aspopulações que, após sofrerem enormes prejuízos causados pelo fogo, são denovo afectadas, agora pela água pois é a água que vem provocar novos e avultadosdanos às suas infra-estruturas e campos agrícolas.

Nas áreas serranas, a vincada morfologia com declives muito elevados,obrigou o ser humano a adaptar as técnicas de agricultura, de forma a conseguirum pouco de terra para cultivar. Deste modo, as vertentes encheram-se desocalcos, que, para além de proporcionarem solos férteis para as culturas agrícolas,funcionam como óptimas estruturas anti-erosão, dado que ao gerarem rupturasde declive, reduzem a velocidade da água de escorrência e consequentemente,aumentam as taxas de infiltração.

Com condições normais de precipitação, nas áreas queimadas, como teremosa oportunidade de verificar, os socalcos servem para travar a erosão. Contudo,com condições meteorológicas extremas, estas estruturas são por vezes danificadase os riscos podem manifestar-se plenamente, podendo levar mesmo à infelizperda de vidas humanas.

Para avaliar a importância dos processos erosivos neste contexto,desenvolvemos este trabalho com o principal objectivo de comparar situaçõesatmosféricas adversas, em áreas afectadas por grandes incêndios florestais, tendopor base episódios ocorridos em 1988 e 2006, na serra do Açor, permitindo,desta forma, retirar conclusões sobre a importância da preservação dos camposem socalcos e da vegetação.

Esta investigação foi desenvolvida no âmbito projecto Terrisc que tem comoprincipais objectivos a inventariação das estruturas de socalcos existentes, do seuestado de conservação, da ocupação e uso do solo, visando uma definição deestratégias de preservação e valorização dessas paisagens, bem como aregularização hídrica das vertentes e a prevenção de riscos naturais, nomeadamente,da ocorrência de incêndios florestais e, consequentemente, da erosão hídricaacelerada.

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Metodologia

Para atingir os objectivos deste trabalho, recorreu-se a dados de escorrênciae erosão obtidos entre 1988 e 1989, em parcelas de erosão e pluviómetrostotalizadores instalados na serra da Lousã, (Lourenço, 1989), e a dados recolhidosnos 6 campos experimentais do projecto Terrisc, dos quais, 3 são constituídospor uma parcela de erosão e uma estação meteorológica (Loriga, Piódão eColcurinho), e os restantes, apenas com parcela de erosão (Cabeça, Porto Silvadoe Cimo da Ribeira), todos eles instalados em campos de socalcos (fig.1).

Foram ainda efectuados reconhecimentos de campo, com o intuito deverificar, in loco, o resultado dos episódios de precipitação intensa ocorridosnos dias dezasseis de Junho e catorze de Julho de 2006 e dos episódios deprecipitação prolongada, dos meses de Setembro e Outubro do mesmo ano,destacando os dias 21 e 25, respectivamente, dentro área de estudo do já referidoprojecto.

A metodologia baseou-se na interpretação das imagens e informações obtidas,bem como na observação directa e nas medições efectuadas no campo,permitindo focar os aspectos essenciais do funcionamento de pequenas ribeirase ravinas, perante chuvas anormalmente violentas, revelando os resultados reaisda erosão hídrica acelerada.

Resultados

1. Caracterização física da área estuda

A área estudada pelo Terrisc é demasiado vasta (143,4 km2) para sercaracterizada com muito pormenor, tanto mais que os episódios que iremosapresentar, são muito limitados tanto no espaço, separados por apenas algunsquilómetros, como no tempo. Estes factos levam-nos a apresentar umacaracterização mais geral, correspondendo às bacias hidrográficas do rio Alvocoe da ribeira de Pomares.

Estas duas bacias pertencem ao mais importante maciço montanhoso dePortugal, a Cordilheira Central, com a serra da Estrela a desenvolver-se emmateriais predominantemente graníticos e a serra do Açor em xisto. A altitude

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de ambas as serras ultrapassa os 1000 m, atingindo 1993 m na Torre, serra daEstrela e 1342 m, em São Pedro do Açor (Fig. 1).

A litologia desta área deixa prever um aumento da vulnerabilidade, dada abaixa permeabilidade das rochas magmáticas presentes, que, juntamente com osxistos e os grauvaques, contribuem para baixas taxas de infiltração e coeficientesde escoamento superficial elevados. Em consequência, podem observar-se, comalguma frequência, ravinamentos e movimentos em massa, tais comodesabamentos, desmoronamentos e deslizamentos, processos erosivos que seacentuam sempre que ocorre perda de coberto vegetal, em consequência deincêndios florestais.

Morfologicamente, observa-se uma rede de drenagem bem organizada,com um encaixe vigoroso, aproveitando, na maioria dos casos, linhas de fragilidade,como falhas e fracturas, pelo que existe uma grande rigidez em algumas linhasde água, que se desenvolvem através de pequenos tramos rectilíneos. Emresultado do encaixe, verificam-se elevados declives, na maior parte da área deestudo (fig. 2).

Fig. 1 - Enquadramento geográfico da área de estudo e localização dasáreasamostra de pormenor e os campos experimentais.

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Fig. 2 - Declives da área de estudo.

Do ponto de vista climático, a imponência e orientação geográfica desta massaterrestre, interfere na deslocação das massas de ar húmidas vidas de Oeste,funcionando como barreira de condensação, fazendo com que as vertentes expostasa poente registem maiores quantitativos pluviométricos, em detrimento das vertentesexpostas a nascente, onde a massa de ar já chega com muito menos humidade,dado que a perdeu ao subir a montanha. Assim, nas 3 estações meteorológicas,foram registados quantitativos médios de cerca de 880 mm, no período de Janeiroa Setembro de 2006, provando que é uma área com uma grande disponibilidadede água para a erosão. As temperaturas médias rodaram os 15 ºC, com a humidaderelativa média de 66%, (QUADRO I).

2. Factores que contribuíram para a erosão

A erosão, definida como o conjunto de processos – desgaste, transporte eacumulação – que modelam a superfície da terra (BATOUXAS e VIEGAS, 1998),resulta da conjugação dos agentes naturais presentes, das condiçõesgeomorfológicas e do tipo de coberto vegetal. Como tal, cada área será mais ou

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menos propensa a determinados processos erosivos, mediante as condiçõesmeteorológicas que se fizerem sentir, o tipo de litologia e existência ou não devegetação.

Os processos que contribuem mais directamente para a erosão naárea de estudo são a precipitação e o gelo, enquanto que,indirectamente, são o relevo e os incêndios florestais e, porconsequência, a inexistência de coberto vegetal. No entanto, este sóserá considerado se ainda não houver água de escorrência suficientepara amortecer o impacte, sendo o responsável pela criação dassuperfícies de colmatação ou OPS – organizações peliculares superficiais(CORDEIRO, A. M. R., 2004)

Por sua vez, o gelo também assume uma importância significativano que respeita à preparação do material para ser posteriormentearrastado, através do destacamento das partículas, efectuado pelas agulhasde gelo (fot. 1). Estas formam-se em altitude, em noites muito frias,normalmente correspondentes a situações anticiclónicas e em locaisonde o solo se apresenta desprovido de vegetação.

Os pequenos clastos destacados que ficaram disponíveis para seremtransportados pelas primeiras chuvas, apresentam dimensões que, nos casosobservados, variam entre mícrones e 2 cm.

O declive é essencial para que se verifique erosão, sendo considerado comoo limiar o valor de 30% para desencadear movimentação (REBELO, F. e CAMPAR,A., 1986). Contudo, o declive, por si só, pode não ser muito relevante, mas se

QUADRO I – Condições meteorológicas locais, no período de Janeiro a Setembrode 2006

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conjugarmos elevados declives com falta de vegetação, obtemos umaerodibilidade muito elevada.

A vegetação é, pois, essencial, principalmente na protecção das vertentescontra a erosão hídrica, dado que, para além de aumentar a capacidade deinfiltração do solo, em detrimento da escorrência superficial, segura, não só aspartículas minerais do solo, mas também calhaus de maior porte.

Deste modo, os incêndios florestais, ao eliminarem o referido factor deprotecção que antes era oferecido pela vegetação, aceleram a erosão hídrica,sendo indirectamente os principais responsáveis pelos episódios erosivosverificados, tanto em 1988 como em 2006, na serra do Açor.

3. Os socalcos enquanto estruturas anti-erosão

Os socalcos foram construídos para possibilitar a prática de agricultura emvertentes declivosas, de modo a evitar a erosão dos solos e a provocar,consequentemente, a regularização hídrica das vertentes. Na actualidade funcionamtambém como interface entre a floresta e os pequenos aglomerados populacionais,sendo, pois, essenciais à protecção das aldeias contra os fogos florestais, porapresentarem uma descontinuidade horizontal no coberto vegetal. (fot.2).

Fot. 1 - Agulhas de gelo com material mineral e orgânico destacados, na parcela de erosãoda Cabeça.

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A realidade mostra-nos que estas antigas estruturas se têm revelado muitoeficientes na protecção contra a perda de material mineral dos campos agrícolas,favorecendo a infiltração da água das chuvas, contribuído assim para fazeraumentar a humidade do solo, essencial para a instalação da vegetação.

No entanto, a ausência da sua utilização agrícola e, consequentemente, da suaconservação a médio e longo prazo, vai acarretar uma destruição parcial ou totaldos muros de suporte dos socalcos, levando ao aumento do risco de movimentosem massa, que pode levar à perda de todo o solo agrícola presente no patamar.Neste caso, a sua reconstrução será muito difícil, por razões de ordem sócio

Fot. 2 - Socalcos em bom estado, a jusante do lugar da Cabeça.

económica, fazendo prever uma crescente degradação destas paisagens, e umconstante aumento do risco de movimentos em massa.

Para além disso, devido ao abandono a que muitas desta infra-estruturasestão votadas, a instalação de um coberto vegetal arbustivo e/ou arbóreo, fazaumentar o risco de incêndio, tanto de ignição como de propagação, perdendo,deste modo, paulatinamente, a capacidade de protecção que antes oferecia aospovoados (LOURENÇO, L e NAVE, A, 2006a).

Mas os campos de socalcos também necessitam de protecção da águaproveniente da vertente a montante, que, sendo em quantidades elevadas, poderialevar à danificação dos patamares e dos muros de suporte a jusante. Desta forma,são construídas estruturas complementares para desviar esse excesso de águados campos agrícolas, nomeadamente diques e valados. Quando se assiste àdegradação, ao entulhamento ou ruptura de uma destas estruturas, perante chuva

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mais ou menos intensa, verifica-se que todos os patamares a jusante vão começara sofrer danos, podendo levar mesmo à queda de muros e, consequentemente,à erosão dos solos (fot. 3).

Fot. 3 - Pormenor de um dique rebentado, com a destruição parcial dos patamares.Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Melo.

4. Erosão após incêndios f lorestais em condiçõesmeteorológicas normais

Os efeitos da erosão acelerada em vertentes, na sequência deincêndios florestais, bem como a evolução de vertentes e erosão dossolos, nas serras de xisto do centro de Portugal, em consequência deincêndios florestais e em particular a análise de casos observados em1987, na sequência do grande incêndio florestal que, entre 13 e 20 de Setembroincinerou 10 900 ha de mato e floresta, numa vasta área da serra do Açor (Viegaset al, 1988), foram oportunamente objecto de análise (Lourenço, 1988a e 1988b),

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pelo que não nos vamos agora deter nesses aspectos. Apenas pretendemosestabelecer uma análise comparativa entre os valores que em 1989 registámosnas parcelas experimentais instaladas na serra da Lousã (Lourenço, 1989a, 1989b,e 1991) e os que em 2006 observámos na serra do Açor.

A escorrência respondeu, normalmente, à precipitação. No entanto, verificou-se que essa resposta variou mediante uma série de factores, ligados, por um lado,ao tipo, quantidade e duração da precipitação e, por outro, ao contexto do local,pedológico, vegetal, litológico e topográfico.

Com a informação disponível, retirada dos trabalhos realizados em 1988 e1989, na serra da Lousã (Lourenço, 2004, p. 93 - 131), foi possível efectuarcomparações com os valores de precipitação, escorrência e material erosionado,recolhidos em 2005 e 2006 em vertente e em patamar, em condições atmosféricase litológicas idênticas, de forma a compreender o comportamento e o papeldesempenhado pelos socalcos na regularização hídrica das vertentes.

Deste modo, em coberto vegetal de castanheiros, verificou-se que, paravalores idênticos de precipitação, se registaram quantitativos de escorrência muitosemelhantes, tanto em patamar como em vertente. No primeiro período, naparcela do Piódão, verificou-se que a escorrência foi mais elevada,comparativamente ao resto da amostra. Este facto resultou das primeiras chuvadasterem sido obrigadas a escoarem-se à superfície, em virtude da camadahidrofóbica criada após o grande incêndio.

No que respeita à quantidade de material erosionado, ele é quase inexistenteem ambas as parcelas, nunca ultrapassando as 10 g/m3. Deste modo, verificou-se que, com vegetação, o comportamento da erosão foi muito idêntico nos doiscasos, (figs 3 e 4).

Em contrapartida, em área ardida, os valores de escorrência foram, emambos os casos, mais elevados do que na situação anterior. Na vertente, mesmocom precipitações inferiores às registadas no patamar, registou-se quantitativosde água de escorrência muito superiores, o que facilmente se compreende dadoo maior declive que facilita a escorrência e dificulta a infiltração, levando a que aquantidade de material erosionado fosse, de igual forma, muito superior, tendo-se registado, num dos períodos, cargas sólidas transportadas de 300 g/m3, naparcela GAMO, valor que se pode considerar como muito relevante, em termosde erosão (figs: 5 e 6).

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A análise comparativa dos resultados obtidos nas parcelas de erosão nãodeixa qualquer dúvida quanto ao importante papel dos socalcos como infra-estruturas anti erosão, papel que ainda sai reforçado quando analisamos osresultados das outras situações estudadas (Lourenço et al, 1991 e 2006).

Fig. 3 – Análise comparativa dos valores da precipitação e da escorrência,registados nas parcelas do Piódão, em 2006, (à esquerda) e do GAHC, na serra

da Lousã m 1989, (à direita), ambas situadas sob coberto de castanheiros.

Fig. 4 – Análise comparativa dos valores da escorrência e do materialerosionado, registados a parcela do Piódão, em 2006, (à esquerda) e na parcela

GAHC, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas sob coberto decastanheiros.

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Com efeito, em todas elas, os valores do material erosionado, recolhidoapós situações de incêndio florestal, foram incomparavelmente menores nasparcelas instaladas sobre socalcos do que nas montadas em vertentes, o que éfacilmente compreensível, em função do que foi dito anteriormente e em que opapel do declive se revelou crucial.

Fig.5 – Análise comparativa dos valores da precipitação e da escorrência,registados nas parcelas do Porto Silvado, em 2006, (à esquerda), e na parcela

GAMO, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas em área ardida.

Fig. 6 – Análise comparativa dos valores da escorrência e do material erosionado, registados nas parcelas do Porto Silvado, em 2006, (à esquerda) e na parcela GAMO, na serra da Lousã, em 1989, (à direita), ambas em área ardida.

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5. Erosão após incêndios f lorestais em situaçõesmeteorológicas particularmente adversas

5.1. Consequências de temporais anteriores a 2006

Os efeitos dos temporais na intensificação da erosão em vertentes afectadaspor incêndios florestais são já bem conhecidos (Lourenço, L. 1988c, Lourenço,L e Direito, A.C.,1994 e Lourenço, L. e Lopes, A.C., 2004), do mesmo modoque estão identificados os locais onde o risco de erosão normalmente se manifestacom mais intensidade e que correspondem a intervenções antrópicas nas vertentes,que , no presente, a maior parte das vezes estão relacionadas com a abertura deestradas e caminhos florestais, enquanto que, no passado, foram feitas paratransformar as vertentes declivosas em terras agrícolas, através da construção desocalcos, que ficaram protegidos dos enxurradas por diques que marginavam osvalados que recebiam a água das chuvas.

Sempre que, por falta de manutenção ou porque a carga arrastada não estáem consonância com o dimensionamento das infra-estruturas de condução daságuas pluviais, sejam os valados de antanho, sejam os aquedutos ou as manilhasde agora, ocorrem entupimentos que, de um modo geral, obrigam ao desviodos cursos de água, intensificando-lhes o seu poder erosivo.

Não vamos agora fazer uma análise sistemática das muitas situações analisadasanteriormente , nem das causas que as originaram, referindo apenas, a titulo deexemplo, três dessas situações, cada uma num material litológico diferente, apenaspara reforçar que não dependem apenas do tipo de material litológico, masantes têm a ver com retirada da vegetação que antes protegia o solo e a vertentedo embate directo da água da chuva, favorecia a infiltração e dificultava oescoamento superficial. Retirada a cobertura vegetal pelo incêndio florestal, quetambém alterou a estrutura e a textura do solo, o poder erosivo da água da chuvaaumenta muito, e independentemente do substrato rochoso ser constituído porxisto (fot. 4), granito (fot. 5) ou calcário (fots. 6 e 7).

No entanto, quer pela sua importância relativamente a estes, quer porque nassuas imediações se voltaram a repetir situações análogas em 2006, os efeitosprovocados pelo temporal que, em 23 de Julho de 1988, se abateu sobre ocabeço da Sorgaçosa, afectando as bacias hidrográficas das ribeiras de Pomares,Aldeia e Avelar (fig. 7), merecem uma breve referência.

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Com efeito, as pequenas ribeiras afluentes à Sorgaçosa transformaram-sesubitamente em torrentes de lama, pedras, troncos e água que, rompendo diques,retomaram os antigos cursos, levando tudo à sua passagem. Até uma casa,construída numa antiga linha de água, ficou seriamente danificada (fots. 8 e 9).

Na ribeira do Carvalhal que passa nas proximidades do Espinho e se situana vertente oposta à da Sorgaçosa, a mesma intempérie, também provocouerosão intensa, derivado ao rebentamento de vários diques.

Este facto levou a que o curso de água retomasse o leito original, danificandoalgumas quelhadas1 (fot. 10). Os estragos provocados por estas chuvadasalastraram-se a toda a bacia hidrográfica da ribeira de Pomares. Os danoscentraram-se nas pequenas represas, pontes e pontões que atravessaram a ribeirae a inundação de campos agrícolas marginais, levou a que pastos e hortas, setivessem transformado em amontoados caóticos de calhaus, situação que, aliás,voltou a suceder em 2006.

Fot. 4 – Estrada de acesso à Quinta deBelide, concelho de Góis, em 1991,destruída na sequência de um episódiopluvioso intenso ocorrido após o grandeincêndio florestal de 1990.

Fot. 5 – Estrada de acesso ao, concelhode Manteigas, destruída na sequência doepisódio pluvioso intenso da madrugadado dia 15 para 16 de Outubro, ocorridonas cabeceiras do ribeiro da Albagueira,cuja floresta tinha sido destruída por umincêndio em Agosto de 1991.

1 Designação dada aos socalcos nas áreas serranas em estudo.

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Fot. 6– Caminho florestal de Cascalheira,Cortes, Leiria, destruído no dia 9 deDezembro de 2003, na sequência doepisódio pluvioso intenso que ocorreunuma das áreas afectadas pelo incêndioda serra de Aire, de 2 de Agosto de 2003.

Fot. 7 – Caminho florestal de ValeFernando, Cortes, Leiria, destruído nasequência do episódio pluvioso que, nodia 8 de Março de 2004, afectou outradas áreas fustigadas pelo incêndio daserra de Aire de 2 de Agosto de 2003.

5.2. Consequências dos temporais ocorridos em 2006 –precipitações intensas e prolongadas

5.2.1. Precipitação intensa – Junho e Julho de 2006

18 anos após, a situação repetiu-se! A área afectada é sensivelmentea mesma (fig. 8) e a conjugação de factores análoga. Com efeito, emJulho de 2005, ocorreu um dos maiores incêndios de que há registo,em território nacional, tendo ardido 17 444 ha de floresta e mato. Cerca de umano depois, em Junho de 2006, uma instabilidade atmosférica leva à formaçãode trovoadas muito fortes, por todo o país. A cidade de Coimbra, assim comooutras cidades portuguesas, foram atingidas por vários desses fenómenosatmosféricos, provocando danos nas infra-estruturas, principalmente, viárias.

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Fig. 7 – Localização das áreas mais afectadas na bacia hidrográfica da ribeira dePomares, mostrando o limite do grande incêndio de 1987. 1 –Área não ardida; 2– Área mais afectada pelo temporal de Junho de 1988; 3 – Área onde os efeitos

erosivos mais se fizeram sentir

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Sobre as bacias hidrográficas das ribeiras de Pomares e do Piódão (fig. 8),precipitaram-se, em menos de uma hora, cerca de 22 mm de chuva2 (fig. 9),sendo este valor muito elevado, se atendermos à curta duração da trovoada.

Fot. 8 – Casa da Sorgaçosa construída numa antiga linha de água, após atempestade. Cliché: Comarca de Arganil

Fot. 9 – Casa da fotografia anterior, depois da reconstrução.2 Registos da estação meteorológica instalada pelo NICIF, nas proximidades doPiódão. Contudo, nas cabeceiras da bacia hidrográfica esse valor terá sido maiselevado, em função da maior altitude, de acordo com o testemunho de váriosobservadores locais.

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Fot.10 – Pormenor da ribeira e de um socalco parcialmente destruído.

As consequências do temporal, em termos erosivos, fizeram-se notar emtoda a bacia, principalmente através das acumulações deixadas nas piscinas fluviaisde vários locais, como Soito da Ruiva, Sobral Magro, Pomares, Avô, Piódão,Foz de Égua e Vide. Verificaram-se, também ravinamentos, nas proximidades dasFontes do Cide e, sobretudo, na pequena bacia hidrográfica do Gondufo (fig. 8).

As piscinas fluviais ficaram total ou parcialmente cobertas por material mineralde todas as dimensões arrancados às vertentes, ao qual se juntaram troncos eramos de árvores queimadas. As estruturas ficaram completamente inutilizáveise, no caso específico do Soito da Ruiva, a sua reabilitação será muito difícil (fot.11), já que o acesso só se efectua a pé, e a população envelhecida não tem grandeforça anímica para reverter a situação. Em Sobral Magro, a pequena represatambém se encontrava danificada, já que, neste caso, os troncos e os grandesramos transportados na enxurrada “encalharam” na estrutura de betão, servindode barragem, tanto à água, como a todo o material que nela era transportado,tendo-se verificado uma forte acumulação de pedras e terra a montante da represa(fot. 12).

Nas restantes piscinas fluviais os problemas foram idênticos aos descritosanteriormente. Nas proximidades das Fontes do Cide, ocorreu uma situaçãotípica de entulhamento das manilhas da estrada, que levou a que a água corressepor cima desta, transportando consigo material sólido, sem, no entanto, danificara via. A particularidade desta situação, prende-se com o facto de ter sido apenas

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uma ribeira a funcionar, dado que, outra, afastada escassos metros, não funcionoucom a mesma violência. Isto permite-nos aferir a localização do limite da trovoada.No cruzamento do Gondufo, outra obstrução de entrada de manilha, provocouuma acumulação de material sobre a estrada e o deslizamento da berma queprovocou a mobilização de muito material mineral e que causou estragos narede viária (fot. 13).

Fot. 11 – Piscina fluvial de Soito da Ruiva, entulhada pelos calhaus trazidos naenxurrada.

Fot. 12 – Pormenor do entulhamento ocorrido na piscina fluvial de SobralMagro.

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Fot. 13 – Deslizamento próximo do Gondufo, com danificação da estrada.

3 Pelas razões indicadas na nota anterior, nas cabeceiras das ribeiras, coincidentes com onível culminante da serra do Açor, os valores da pluviosidade terão sido bem maiselevados.

Menos de um mês depois, dia 14 de Julho de 2006, uma depressão deorigem térmica, centrada na Península Ibérica, gerou fortes chuvas de origemtermo-convectiva, ligadas a nuvens do tipo cumulonimbo, com um enormedesenvolvimento vertical. Verificou-se, inclusivamente, a queda de grandes pedrasde granizo, provando que o forte arrefecimento das massas que ascendiam, erafeito de forma muito brusca e em altitudes muito elevadas. A estaçãometeorológica do Piódão registou uma queda pluviométrica de cerca de 40 mmno espaço de uma hora (fig. 10). No entanto, testemunhas locais afirmaram quea chuvada foi concentrada em menos de meia hora, o que agrava ainda mais asituação3.

Se anteriormente considerámos 22 mm um valor elevado, estamos,assim, perante um valor muito superior, que, em situações análogas,só poderia causar muitos danos. Desta vez, os estragos concentram-sequase exclusivamente na bacia hidrográfica da ribeira do Piódão, ondeo risco se manifestou com mais intensidade, já que, para além dos avultadosdanos materiais, se registou a morte de um homem.

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Fig. 11 – Esboço de localização das barrocas das cabeceiras da Ribª do Piódão, mais afectadaspelos temporais de 16 de Junho e 14 de Julho de 2006. 1 - Peneda das Sombras, 2 -Depósito de confluência, 3 - Viveiro das trutas, 4 - Obstrução de manilha - B.ca dos Prados,5 - Obstrução de manilha - B.ca dos Pereirinhos, 6 - Perfil 1, 7 - Perfil 2, 8 - Perfil 3, 9 - Perfil4, 10 - Perfil 5 (ver Fig. 65), 11 - Bloco de grandes dimensões, 12 - Aqueduto da B.ca dosPrados, obstrução, 13 - Aqueduto da B.ca do Cadoiço, obstrução, 14 - Garagens destruídas, 15 - Parque de estacionamento, destruído, 16 - Piscina fluvial soterrada.

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este tipo de travessias. Podendo ser uma solução prática, ela é muitas vezes ineficazpor duas ordens de razões.

A primeira delas é porque, quase sempre, estão sub-dimensionadas, face aoregime torrencial que os caudais destas linhas de água atingem em situações de

Fot. 14– Pormenor do leito da ribeira escavado a montante do viveiro das trutas.

Fig. 12 – Perfil longitudinal da barroca dos Prados e perfis transversais dasecção entre o viveiro das trutas e do aqueduto.

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Fot. 15– Vista geral do viveiro das trutas (em segundo plano, à direita)atulhado como os materiais trazidos pela enxurrada.

Fot. 16– Pormenor do terraço de confluência, visto de jusante, e o desmantelamentoprovocado pela enxurrada do dia 14 de Julho de 2006.

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precipitação extrema, mormente quando se conjugam com vertentes despidasde vegetação, por antes ela ter sido incinerada pelos incêndios florestais. A segundatem a ver com o facto de serem colocadas sub-horizontalmente, o que dificultao arrastamento do caudal sólido, ou seja, dos detritos e, em consequência, leva aque estes se acumulem à entrada ou no interior e, assim, obstruam a passagemdos caudais obrigando-os a escoar-se sobre o asfalto (fot. 17).

Nestes casos, as manilhas com 80 cm de diâmetro, não deram resposta aoenorme afluxo de água, resultando no galgamento da estrada e à sua destruiçãoparcial, por um processo de remontar de cabeceiras (fot. 18) que, se não fortravado, acabará por destruí-la completamente.

Mesmo em situações em que os caudais são menos abundantes, éfrequente observar a acumulação de detritos à entrada das manilhasque, paulatina e progressivamente, ajudam à sua provável obstrução(fot.s 19 e 20)

Antigamente, quando era necessário atravessá-las, havia um grande «respeito»pelas linhas de água, resultante de um longo conhecimento acumulado sobre omodo de funcionamento do seu regime torrencial. Deixava-se sempre espaçopara a livre circulação das águas, de modo a evitar que as infra-estruturas

Fot. 17– Pormenor da albufeira criada a montante da estrada , localizada a jusante doviveiro, em resultado da obstrução da entrada das manilhas, momentos antes da

enxurrada.

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Fot. 18– Vista geral da área afectada nas imediações do viveiro das trutas.

Fot. 19 – Vista geral da deposição dos materiais na Barroca dos Prados , resultante daobstrução das manilhas que deveriam assegurar a sua passagem.

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construídas fossem danificadas. De igual modo, quando era necessário procederao estreitamento do vale, para conquistar terra para a agricultura, o estreitamentodas margens das ribeiras era feito de modo a compensar em altura de água aredução da largura, podendo manter-se assim a superfície molhada.

Prevenindo as situações, os antigos evitavam a necessidade de reconstruçãodas infra-estruturas e o dispêndio de mais mão de obra, que, assim, poderia serusada noutros fins, bem como os recursos financeiros, no passado sempre escassos,sobretudo nas áreas serranas, o que implicava uma boa gestão dos existentes.

Um exemplo paradigmático desta situação corresponde à do pontão existenteno antigo caminho do Torno para o Piódão, sobre a barroca do Soito Escuro,tributária da ribeira do Piódão, sob o qual foi colocada uma manilha de 80 cmde diâmetro, quando o caminho foi transformado em estrada (fot. 21)

Outro exemplo, ainda mais flagrante, diz respeito à solução adoptada parao atravessamento da ribeira do Piódão, para efeitos de implantação do parquede estacionamento e da travessia da estrada para o Torno e Foz de Égua. Bastavaatentar na solução anteriormente usada para atravessamento da ribeira,imediatamente a jusante do parque, pelo antigo caminho de comunicação doPiódão com o exterior, para imaginar que, mais cedo ou mais tarde, a soluçãoencontrada levantaria problemas, como se confirmou.

Fot. 20 – Pormenor do rail de protecção, neste caso aos materiaistransportados, tendo evitado que muitos se tivessem depositado sobre a estrada.

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Com efeito, a ponte do caminho pedonal deixou o leito com uma largurade 2,60 m. No ponto central do vão, o arco tem uma altura de 5,30 m (fot. 21),o que corresponde a uma possível superfície molhada com cerca de 10 m2, aqual permite o escoamento de um caudal significativo. Por exemplo, para umavelocidade média de 10 m/s corresponde a 100 m3/s.

A construção da ponte, que data do início do séc. XX, foi feita com apreocupação de deixar superfície suficiente para escoamento de caudaisinstantâneos abundantes e de manter o declive do talvegue, para evitar aacumulação da carga sólida (fot. 22).

Mais recentemente, a construção dos aquedutos na barroca doCadoiço, no final da década de sessenta ou início da de setenta doséculo passado, dimensionado com 1,10 de largura por 2,20 de altura, ou seja,cerca de 2,5 m2 de superfície e o da barroca dos Prados, posterior a 1974,dimensionado com 2 m de largura por 2,20 m de altura, ou seja, cerca de 5 m2

Fot. 21 – Pormenor da travessia da barroca onde se vê o arco do antigo. No seuinterior encontra-se uma manilha de 80 cm de diâmetro, colocada para permitir

o alargamento e a posterior implantação da estrada.

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(fots. 23 e 24) no conjunto, corresponde a menos de 7 m2, valor bem inferior aoda ponte pedonal, anteriormente descrita.

Acresce, além disso, que não respeitaram o declive dos respectivos talvegues,tendo ficado com soleiras sub-horizontais que, ao dificultarem o arrastamentodos detritos, facilitam a sua acumulação e, por conseguinte, a posterior obstruçãodas entradas dos aquedutos (fot. 25).

Ora, entre estes aquedutos e a ponte antes referida, situada a jusante, foiimplantado o já antes mencionado parque de estacionamento. A soluçãoencontrada para a sua implantação consistiu em intubar a barroca dos Pradosapós a sua confluência com a do Cadoiço, reduzindo-a a uma superfície molhadade 1,75 m2, uma vez que o diâmetro das manilhas é de 1,5 m (fot. 26), ou seja,manifestamente incapaz de escoar as afluências, em pontas de cheia, provenientesdas duas barrocas que nelas confluem.

Fot. 22 – Vista geral da Ponte do caminho pedonal do antigo acesso ao Piódão (arco emsegundo plano) bem como da nova ponte pedonal de acesso à piscina fluvial, anterior à

enxurrada, uma vez que esta foi destruída. Comparar a dimensão de superfície deixadaem cada uma delas, para o escoamento do caudal.

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Fot. 23 – Pormenor do aqueduto daribeira do Cadoiço.

Fot. 24 – Pormenor do aqueduto daribeira dos Prados.

Fot. 25 – Aspecto da obstrução doaqueduto da fot. 24, a montante da

estrada.

Fot. 26 – Pormenor do diâmetro dasmanilhas situadas por debaixo do parque de

estacionamento do Piódão.

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Não será pois de admirar que no dia dia 14 de Julho, em que, com base nasobservações efectuadas na barroca dos Prados, se estimaram, em certos locais,superfícies molhadas instantâneas de 47 m2, as manilhas fossem insuficientespara escoarem tamanhos caudais. A própria ponte ficou submersa.

Como o parque de estacionamento estava instalado sobre a ribeira e asmanilhas de betão ficaram com a entrada completamente obstruída pelo materialtransportado pela enxurrada, a água passou sobre o parque, provocando a suatotal destruição (fot. 27).

Os estragos processaram-se ao longo de toda a linha de água e foramparticularmente também avultados na piscina fluvial da aldeia, já que a estruturaficou totalmente coberta por material, até à altura do pontão das comportas. Ofacto de duas das três comportas se encontrarem fechadas, pois já estávamosem meados de Julho, agravou a situação, já que uma foi insuficiente para permitira livre passagem da água tanto mais que ficou obstruída com troncos e ramos,obrigando a deposição, a montante, da carga sólida transportada, a qual fossilizoucompletamente a piscina (fot. 28).

Imediatamente a montante da piscina e para acesso à mesma, existia umaponte pedonal que foi levada pela corrente e arrastou consigo um turista que a ia

Fot. 27 – Aspecto da destruição do parque de estacionamento, visto da ponteantiga, onde se pode ver a manilha que canalizava a ribeira.

Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

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Fot. 28 – Piscina fluvial do Piódão, completamente coberta pelos materiais da enxurrada.Ao fundo, maquina usada para remover esses materiais.

Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

a atravessar e viria a falecer, só tendo sido encontrado mais de uma semanadepois, apesar dos esforços dos intervenientes nas operações de busca (fot. 29).

Esta morte, muito provavelmente, poderia ter sido evitada, se não tivessemsido criados, a montante, uma série de estrangulamentos à normal circulaçãodos caudais.

5.2.2. Precipitação prolongada – Setembro e Outubro de 2006

A entrada do Outono foi assinalada pelo início de precipitaçãoque, com maior ou menor regularidade se prolongou pelos mesesseguintes, ao ponto este Outono se dos mais pluviosos de que há registo, tendosido considerado no 3º mais chuvoso desde 1931, depois de 1960 e 1965. Porexemplo, o mês Outubro registou em certas áreas , um aumento de pluviosidadesuperior a 250 %, relativamente à média de referência de 1961 – 1990, paravalores de Portugal Continental (IM, 2006) (fig. 13). Por todo o país registaram-se valores muito elevados de precipitação acumulada, que apenas durante os

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meses de Setembro Outubro e Novembro atingiu os 253 mm em Faro, 708,6mm em Castelo Branco, 750,4 em Viana do Castelo mm e 1042 mm nas PenhasDouradas.

Toda esta pluviosidade foi causada por uma situações sinópticas muitoparticulares, que provocaram precipitações prolongadas.

O mês de Setembro caracterizou-se por temperaturas mais elevadas do quea média mensal, e com valores diários de precipitação bastante elevados, porexemplo com 107 mm em Lamas de Mouro, no dia 23, 99,1 em Viana doCastelo, no dia 25 e 40 mm em Castro Daire, no dia 21 (INM, 2006). A situaçãosinóptica destes dias foi caracterizada pela sucessiva passagem de depressõesbarométricas, às quais se associaram sistemas frontais e linhas de instabilidade.

Por sua vez, o dia 25 de Outubro de 2006 foi o que registou maiorprecipitação na área de estudo. Em termos sinópticos, caracterizou-se pelaexistência de um grande anticiclone sobre a Escandinávia, conjugado com odeslocamento do anticiclone dos Açores para latitudes mais baixas e a presençade um grupo altas pressões que se estendia em cunha desde o Norte de Áfricaaté ao interior da Rússia, funcionando como uma forte barreira à penetração eao rápido deslocamento das massas de ar de oeste para leste (fig.14). Esta situação

Fot. 29 – Pormenor das buscas, envolvendo maquinaria pesada e meioscinotécnicos da Guarda Nacional Republicana.Fotografia cedida por Eng.ª Cristina Almeida.

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Fig. 13 – Precipitação total de Outubro de 2006 .Percentagem em relação ao período de 1961 -1990.

IM, 2006

contribuiu para a frontogénese que, associada ao centro de baixas pressões noAtlântico Norte, situado à latitude da Península Ibérica, percorreu, no seudeslocamento para nordeste o litoral atlântico do continente europeu.

Os sistemas frontais assim gerados foram muito activos, com massas de arrelativamente quentes e bastante húmidas, resultado do constante fornecimentode fluxos de calor latente e vapor de água, transferidos do oceano Atlântico,com temperaturas anormalmente altas para a época, para a atmosfera. Destemodo, originaram-se elevados valores de precipitação registados um pouco portodo o Continente.

A formação de um núcleo de ar frio em altitude a Oeste da Península Ibéricacontribuiu para agravar a situação, formando uma vasta área de baixas pressões,

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bastante cavada, frente às costas de Portugal Continental, intensificando ainstabilidade, através de quantitativos pluviométricos muito elevados e ventodo quadrante sul moderado ou mesmo forte com rajadas (IM, 2006).

Na área de estudo, as estações meteorológicas de Loriga e Piódão4,concordantes com a situação de todo o país, registaram valores depluviosidade anormalmente altos, tanto no mês de Setembro (figs. 15 e 16),como no mês de Outubro (figs. 17 e 18).

Os totais de precipitação para Loriga e Piódão foram no primeiro mêsde 168,79 mm e 128,97 mm, respectivamente. No mês seguinte, de Outubro,os valores foram de 679,98 mm e 535,45 mm, quantitativos que podemosclassificar como muito elevados.

No entanto, apesar da queda pluviométrica se ter efectuado ao longode todo o Outono destacam-se alguns dias, principalmente em Outubro,devido aos valores elevadíssimos que, indubitavelmente, causaram ainda maiserosão e, consequentemente, mais estragos nas áreas anteriormente afectadas.

No mês de Setembro destaca-se o dia 21, onde se precipitaram 52,81mm em Loriga e 30,48 no Piódão, concentrando cerca de 40 % da chuvaocorrida, em ambos os casos, em apenas meia hora, com valores de 20,57

Fig. 14 – Situação sinóptica do dia 25 de Outubro de 2006, 12h UTM –adaptado de Metoffice.gov.uk

4 Devido a sucessivas avarias na estação meteorológica do Colcurinho, não foramconsiderados os poucos dados daí retirados durante este período.

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Fig. 19 – Pluviosidade ocorrida no dia 21 de Setembro de 2006, nas estaçõesmeteorológicas de Loriga e Piódão.

Os campos em socalco, mesmo em bom estado, sofreram fortes danos,principalmente os que interceptavam pequenas linhas de água e, cujas levadasforam incapazes de conduzir as respectivas afluências para fora dos patamares.Dado que o aporte de água foi tão elevado, as referidas estruturas não osuportaram, tendo rebentado, potenciado danos tanto no patamar como nomuro (fot. 30). O facto das ribeiras terem saído do percurso imposto pelohomem e terem voltado a correr onde seriam os seu leitos naturais, provocouintensa erosão, dado que no processo de encaixe das pequenas linhas de água, é

Fig. 20 – Pluviosidade ocorrida nos dias 22 e 25 de Outubro de 2006, na estaçãometeorológica do Piódão.

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transportada uma apreciável quantidade de solo agrícola em grande partepertencente a campos em socalcos (fot.31).

Nas vertentes queimadas pelo fogo, a erosão hídrica acelerada também sefez notar, em particular através da reactivação de pequenas torrentes comescavamento dos antigos leitos, em parte fossilizados, onde processos dedeslizamento abriram profundas cicatrizes nos depósitos que fossilizavam osvaleiros, conseguem-se visualizar com grande detalhe tanto a bacia de recepçãocomo o canal de escoamento e o ainda cone de dejecção (fot.32). Assistiu-setambém ao das já existentes, tendo mesmo aberto cicatrizes em antigas ravinasquase fossilizadas (fot. 33).

O destacamento e movimentação de material mineral proveniente destesdepósitos, em conjugação com o arrancado às vertentes, foi, desta feita, o maiorfornecedor de carga sólida para transporte fluvial, visto que a maioria dos leitosjá se encontraria na rocha mãe, tendo, por isso, pouco material para fornecer.

Ao nível das infra-estruturas, principalmente das viárias, esta situação emnada diferiu dos acontecimentos transactos, voltando a verificar-se uma destruiçãoparcial ou total das vias de comunicação, em função da colocação de manilhas

Fot. 30 – Patamares destruídos,cobertos com material arrancado da

vertente, Loriga.

Fot. 31 – Patamares destruídos, notando-se o sulco aberto pela linha de água queprocura encaixar-se, Chãs de Égua.

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mal dimensionadas e que não respeitam o declive natural das linhas de água, peloque, tal como seria de esperar, não suportaram a passagem dos caudais, maisuma vez carregados com material mineral e vegetal, extremamente abundantes.

Assistiu-se, de novo, a situações em que as estradas, mesmo quando nãototalmente destruídas, ficaram intransitáveis (fot.34). A que passa junto ao viveirode trutas, foi completamente destruída, tendo mesmo desaparecido todo omaterial do aterro da estrada e permanecido, como irónico testemunho, partesdas manilhas de canalização da barroca dos Prados (fot.35). A erosão ocorridafoi de tal forma intensa, que se pode observar a rocha exposta à superfície, factoinverso ao que aconteceu em Junho e Julho, onde a estrada serviu de barreira aoescoamento, obrigando à deposição do material sólido, como documentado na fot.15.

Deste modo, a precipitação quando ocorre sobre áreas ardidas, gera sempreerosão, tal como foi largamente documentado ao longo deste trabalho.

Fot. 32 – deslizamento recente, quese estendeu ao longo do canal de

escoamento até ao cone de dejecção,EN 230, Piódão - Teixeira.

Fot. 33 – Antiga ravina, notando-se oreinício do processo erosivo, junto às

Casas Figueiras.

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Os diferentes níveis de desgaste e perda de solos variam em função daduração e quantidade de precipitação, que, nos casos apresentados, se traduzirampor avultados danos que, só com grande perseverança e muita vontade dasentidades competentes, se vão conseguir minimizar.

Considerações finais

A presença de uma morfologia movimentada como a que ocorre nasmontanhas do centro de Portugal proporciona aos processos erosivos um papelde enorme importância na modelação da paisagem. Por vezes, os incêndiosflorestais, que progressivamente têm vindo a alterar a vegetação que cobre estasserras, têm, igualmente, vindo a potenciar episódios impressionantes de erosãohídrica acelerada.

Fot. 34 – Rede viária parcialmentedestruída e intransitável devido aoentulhamento da manilha que canalizavao curso de água por debaixo da estrada Chãs de Égua - Piódão.

Fot. 35 – Vista do viveiro das trutas, noleito da barroca dos prados, a montanteda estrada totalmente destruída.Comparar com a fot.18, que apresenta um pormenor 4 meses antes.

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Ao compararmos em condições físicas idênticas, o comportamento daerosão em socalcos e em vertentes, comprovamos que os socalcos agrícolas sãoefectivamente eficazes no combate à erosão hídrica. Os socalcos econcomitantemente, os muros de pedra solta que os suportam, são uma peçachave para a preservação das áreas montanhosas, funcionando por um ladocomo estruturas anti-erosão e, por outro, como estruturas capazes de reduzir orisco de propagação do fogo, razão pela qual devem ser mantidos e preservados,o que implicará um grande esforço para levar a cabo esta tarefa, que tem tantode difícil como de audaciosa.

Por outro lado, não podemos concluir sem deixar uma recomendação noque concerne ao uso de manilhas nas linhas de água, para facilitar o seuatravessamento por estradas e caminhos florestais.

Se as manilhas constituem um processo expedito, porque é poucodispendioso e de fácil aplicação, para resolver o problema, não devem, poroutro lado, vir elas próprias a constituírem problemas no futuro, o que seráfacilmente evitável se forem aplicadas as seguintes três medidas:

1. Dimensionar o diâmetro das manilhas de modo a que possas escoarpontas de cheia produzidas por aguaceiros intensos, sobre vertentes declivosas edesprovidas de vegetação, provenientes da área de recepção situada a montantedas mesmas.

2. Colocação das manilhas de modo a respeitar o normal decliveda linha de água, ou seja, de modo a facilitar o escoamento da carga sólida,evitando a sua deposição no interior das manilhas e sem criar rupturas de declive,sobretudo a montante, a qual facilita a obstrução da entrada das manilhas.

3. Afeiçoar em forma cónica o espaço envolvente da entrada das manilhas,como se de um funil se tratasse, de modo a facilitar a canalizações da água eoutros materiais – ramos, troncos, pedras e lixo diverso para o interior dasmanilhas.

A aplicação da primeira destas medidas e eventualmente também da terceira,poderá onerar um pouco o custo da obra mas, se o compararmos com osganhos que se podem acautelar em termos futuros, certamente não será umcusto supérfluo, mas sim um investimento irrisório face aos lucros que podepermitir, não só em termos da não destruição da paisagem, mas também doscustos que a recuperação de alguns dos danos provocados acarreta, já que outros,como as vidas humanas, nem sequer são quantificáveis.

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Que estes exemplos levem os gestores do território a reflectirem, a extrair asdevidas conclusões e, mais importante, que levem os decisores políticos à aplicaçãodas medidas propostas pelos técnicos.

No entanto, convém nunca esquecer, que todos os episódios pluviososmencionados só tiveram as consequências apresentadas porque ocorreram sempredepois de incêndios florestais. Com efeito, estes ao destruírem a cobertura vegetale, por conseguinte, ao retirarem o papel de protecção que esta oferece ao solo,contra o poder erosivo das gotas de água da chuva e do escoamento superficialque se segue, contribuem decisivamente para a aceleração dos processos erosivos.

Deste modo, os efeitos dos incêndios florestais não terminam com a extinçãodas chamas, pois perduram e continuam a manifestar-se de forma negativa, porvezes, durante muito tempo, pelo que prevenir os incêndios também significatravar a erosão e combater a desertificação.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Eng.ª Cristina Almeida Melo a cedênciadas fotografias e ao Sr. Francisco Lopes Fontinha a visita guiada quenos proporcionou à barroca dos Prados e, a ambos, a prontadisponibilidade que sempre apresentaram para connosco colaboraremnas explicações dos factos ocorridos.

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