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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 15 (2.511) Cidade do Vaticano quinta-feira 12 de abril de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +{!z!&!#!,! Sobre a exortação apostólica «Gaudete et exsultate» A santidade no mundo de hoje Do âmago do pontificado GIOVANNI MARIA VIAN Nasce do âmago do pontificado de Francisco o documento sobre a santidade no mundo de hoje. E o fio condutor que percorre toda a exortação apostólica Gaudete et exsultate é uma chamada à radica- lidade do Evangelho, em alterna- tiva a uma «vida medíocre, super- ficial e indecisa». Um texto talvez inesperado para muitos e que, ao contrário, com uma abordagem e caraterísticas sem dúvida pessoais, revela o rosto mais autêntico do Papa. Com referência constante à Escritura e à continuidade da tra- dição cristã, garantida frequente- mente pelo testemunho de mu- lheres: «a nossa mãe, uma avó», realça Bergoglio, sempre atento à componente feminina da Igreja. A primeira citação não bíblica é tirada, portanto, da homilia de Bento XVI para o início do ponti- ficado, com a menção à realidade misteriosa, e apesar disso tão ver- dadeira, da comunhão dos santos, graças à qual «estamos circunda- dos, conduzidos e guiados pelos amigos de Deus». Mas não se trata só de figuras formalmente proclamadas santas ou beatas, co- mo no caso do primeiro modelo de santidade contemporânea cita- do, o de uma mulher muito jo- vem, Maria Gabriella Sagheddu, que ofereceu a sua vida pela uni- dade dos cristãos. Uma caraterís- ticas do texto, querida ao Papa, consiste em sublinhar uma santi- dade que se poderia definir ferial, ou seja, de todos os dias, no con- texto comunitário cristão vital. É a existência diária da Igreja militante, simples e exemplar, que permanece escondida à história: homens que trabalham «a fim de trazer o pão para casa», doentes muitas vezes sozinhos, «consagra- das idosas que continuam a sor- rir»; numa única eficaz expressão, aquela «classe média da santida- de» descrita pelo escritor francês Joseph Malègue que fascinou o jovem Bergoglio. Dimensão quo- Santos sim, mas não «super-ho- mens» nem «perfeitos». Simples- mente pessoas comuns — maridos e esposas, pais e avós, trabalhadores, consagrados e consagradas — que «não têm medo de ousar mais» e to- dos os dias se deixam «amar e liber- tar por Deus», transformando a pró- pria vida numa «missão» constante ao serviço dos outros. É a santidade «da porta ao lado», aquela dos que «vivem próximos de nós e são um reflexo da presença de Deus», que está no centro da exorta- ção apostólica Gaudete et exsultate, assinada pelo Papa Francisco no dia de São José e apresentada a 9 de abril, solenidade da Anunciação do Senhor. Um texto que não tem pre- tensões de ser um manual teológico nem o tom de um tratado doutrinal, mas antes a familiaridade de um va- de-mécum que pretende acompanhar quem não se resigna a «uma vida medíocre, superficial e indecisa», e aspira à «vida verdadeira», à «felici- dade para a qual fomos criados». «Há uma só tristeza, a de não ser santo» repete o Pontífice citando León Bloy e recordando que a santi- dade não faz o homem «menos ho- mem» porque é «o encontro da de- bilidade com a força da graça». É es- te o ponto de partida: a «chamada» é sempre «uma mensagem que Deus deseja dizer ao mundo» através de uma pessoa que oferece «o próprio testemunho nos afazeres diários, lá onde se encontra». Mesmo através de «pequenos gestos» como fazer as compras ou parar na rua diante de um pobre: porque a santidade, gos- tava de dizer o cardeal Van Thuân, é essencialmente «fazer ações ordiná- rias de maneira extraordinária». PÁGINAS 8 E 9 CONTINUA NA PÁGINA 8 Vassily Kandinsky, «All Saints Day I» Peregrinos da diocese de Brescia O jovem Montini PÁGINA 11 Com os braços abertos Apelo a favor da Síria Não ao extermínio de pessoas inermes «Chegam da Síria notícias terríveis de bombardeamentos com dezenas de vítimas, das quais muitas são mulheres e crianças. Notícias de tantas pessoas atingidas pelos efei- tos de substâncias químicas conti- das nas bombas. Rezemos por to- dos os defuntos, pelos feridos, pe- las famílias que sofrem». Com es- tas palavras no Regina caeli, o Pa- pa Francisco condenou o ataque químico ocorrido na madrugada de sábado em Duma, a principal cidade do Ghouta oriental. PÁGINA 3 No dia da divina misericórdia Da graça da vergonha à alegria do perdão PÁGINA 3 «A misericórdia de Deus não conhe- ce confins e com o vosso ministério sois sinal concreto de que a Igreja não pode, não deve e não quer criar barreira ou dificuldade alguma que impeça o acesso ao perdão». De res- to, «o “filho pródigo” não teve que passar pela fronteira: foi acolhido pelo pai, sem obstáculos», frisou o Papa no longo e pormenorizado dis- curso que dirigiu aos missionários da misericórdia, recebidos na Sala Régia do Palácio apostólico no dia 10 de abril. Vindos a Roma dos cinco conti- nentes para o segundo encontro com Francisco — organizado pelo Pontifí- cio conselho para a promoção da nova evangelização dois anos depois da instituição deste ministério espe- cial durante o jubileu extraordinário — foram mais de 550 os que a seguir participaram na celebração eucarísti- ca presidida pelo Papa na basílica do Vaticano. PÁGINA 4

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 15 (2.511) Cidade do Vaticano quinta-feira 12 de abril de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +{!z!&!#!,!

Sobre a exortação apostólica «Gaudete et exsultate»

A santidade no mundo de hoje

Do âmagodo pontificado

GI O VA N N I MARIA VIAN

Nasce do âmago do pontificadode Francisco o documento sobrea santidade no mundo de hoje. Eo fio condutor que percorre todaa exortação apostólica Gaudete etexsultate é uma chamada à radica-lidade do Evangelho, em alterna-tiva a uma «vida medíocre, super-ficial e indecisa». Um texto talvezinesperado para muitos e que, aocontrário, com uma abordagem ecaraterísticas sem dúvida pessoais,revela o rosto mais autêntico doPapa. Com referência constante àEscritura e à continuidade da tra-dição cristã, garantida frequente-mente pelo testemunho de mu-lheres: «a nossa mãe, uma avó»,realça Bergoglio, sempre atento àcomponente feminina da Igreja.

A primeira citação não bíblicaé tirada, portanto, da homilia deBento XVI para o início do ponti-ficado, com a menção à realidademisteriosa, e apesar disso tão ver-dadeira, da comunhão dos santos,graças à qual «estamos circunda-dos, conduzidos e guiados pelosamigos de Deus». Mas não setrata só de figuras formalmenteproclamadas santas ou beatas, co-mo no caso do primeiro modelode santidade contemporânea cita-do, o de uma mulher muito jo-vem, Maria Gabriella Sagheddu,que ofereceu a sua vida pela uni-dade dos cristãos. Uma caraterís-ticas do texto, querida ao Papa,consiste em sublinhar uma santi-dade que se poderia definir ferial,ou seja, de todos os dias, no con-texto comunitário cristão vital.

É a existência diária da Igrejamilitante, simples e exemplar, quepermanece escondida à história:homens que trabalham «a fim detrazer o pão para casa», doentesmuitas vezes sozinhos, «consagra-das idosas que continuam a sor-rir»; numa única eficaz expressão,aquela «classe média da santida-de» descrita pelo escritor francêsJoseph Malègue que fascinou ojovem Bergoglio. Dimensão quo-

Santos sim, mas não «super-ho-mens» nem «perfeitos». Simples-mente pessoas comuns — maridos eesposas, pais e avós, trabalhadores,consagrados e consagradas — que«não têm medo de ousar mais» e to-dos os dias se deixam «amar e liber-

tar por Deus», transformando a pró-pria vida numa «missão» constanteao serviço dos outros.

É a santidade «da porta ao lado»,aquela dos que «vivem próximos denós e são um reflexo da presença deDeus», que está no centro da exorta-

ção apostólica Gaudete et exsultate,assinada pelo Papa Francisco no diade São José e apresentada a 9 deabril, solenidade da Anunciação doSenhor. Um texto que não tem pre-tensões de ser um manual teológiconem o tom de um tratado doutrinal,

mas antes a familiaridade de um va-de-mécum que pretende acompanharquem não se resigna a «uma vidamedíocre, superficial e indecisa», easpira à «vida verdadeira», à «felici-dade para a qual fomos criados».

«Há uma só tristeza, a de não sersanto» repete o Pontífice citandoLeón Bloy e recordando que a santi-dade não faz o homem «menos ho-mem» porque é «o encontro da de-bilidade com a força da graça». É es-te o ponto de partida: a «chamada»é sempre «uma mensagem que Deusdeseja dizer ao mundo» através deuma pessoa que oferece «o própriotestemunho nos afazeres diários, láonde se encontra». Mesmo atravésde «pequenos gestos» como fazer ascompras ou parar na rua diante deum pobre: porque a santidade, gos-tava de dizer o cardeal Van Thuân, éessencialmente «fazer ações ordiná-rias de maneira extraordinária».

PÁGINAS 8 E 9

CO N T I N UA NA PÁGINA 8

Vassily Kandinsky, «All Saints Day I»

Peregrinos da diocese de Brescia

O jovem Montini

PÁGINA 11

Com os braços abertos Apelo a favor da Síria

Não ao extermíniode pessoas inermes

«Chegam da Síria notícias terríveisde bombardeamentos com dezenasde vítimas, das quais muitas sãomulheres e crianças. Notícias detantas pessoas atingidas pelos efei-tos de substâncias químicas conti-das nas bombas. Rezemos por to-dos os defuntos, pelos feridos, pe-las famílias que sofrem». Com es-tas palavras no Regina caeli, o Pa-pa Francisco condenou o ataquequímico ocorrido na madrugadade sábado em Duma, a principalcidade do Ghouta oriental.

PÁGINA 3

No dia da divina misericórdia

Da graça da vergonhaà alegria do perdão

PÁGINA 3

«A misericórdia de Deus não conhe-ce confins e com o vosso ministériosois sinal concreto de que a Igrejanão pode, não deve e não quer criarbarreira ou dificuldade alguma queimpeça o acesso ao perdão». De res-

to, «o “filho pródigo” não teve quepassar pela fronteira: foi acolhidopelo pai, sem obstáculos», frisou oPapa no longo e pormenorizado dis-curso que dirigiu aos missionáriosda misericórdia, recebidos na SalaRégia do Palácio apostólico no dia10 de abril.

Vindos a Roma dos cinco conti-nentes para o segundo encontro comFrancisco — organizado pelo Pontifí-cio conselho para a promoção danova evangelização dois anos depoisda instituição deste ministério espe-cial durante o jubileu extraordinário— foram mais de 550 os que a seguirparticiparam na celebração eucarísti-ca presidida pelo Papa na basílicado Vaticano.

PÁGINA 4

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

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GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

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Em diálogo com o cardeal Sandri por ocasião da coleta para a Terra Santa

Ajudemos os cristãos a permanecerNICOLA GORI

Os meios de comunicação social de-sempenham um papel decisivo nadifusão do fundamentalismo: por is-so, é importante conhecê-los e usá-los de modo construtivo e proativo,para vencer com os mesmos meiosquantos semeiam ódio, falou o car-deal Leonardo Sandri, prefeito daCongregação para as Igrejas orien-tais, nesta entrevista concedida aL’Osservatore Romano por ocasiãoda coleta da Sexta-Feira Santa.

Através da coleta os fiéis de todo omundo são sensibilizados a fim deexercer a caridade para com os irmãosque vivem nos lugares santos. Comosão utilizadas as somas recolhidas?

Desejada por Paulo VI, a coletaatualmente é dividida da seguintemaneira: 65 por cento é destinado àcustódia da Terra Santa dos fradesmenores franciscanos, presentes na-quela região há oitocentos anos, co-mo foi recordado pelas celebraçõesdo passado mês de outubro. O res-tante 35 por cento à Congregaçãopara as Igrejas orientais. Como sepode ver dos anexos que foram pu-blicados juntamente com a cartadeste ano, todos os contributos ser-vem para manter os lugares santosda redenção, mas também para per-mitir que continuem a ser habitadose visitados por parte dos fiéis locaise dos peregrinos que esperamos con-tinuem a ser numerosos de todas aspartes do mundo. De facto, os san-tuários e os locais adjacentes devemser preservados e continuamenteadaptados e, ao mesmo tempo, de-vem ser ajudadas todas as realidadesdas Igrejas locais: os seminários, asuniversidades, as escolas, os hospi-tais, as diversas atividades de sacer-dotes, religiosos e religiosas. O quese pode distribuir, relativamente àimportância da presença, no fundorepresenta algumas gotas num ocea-no, mas cada uma delas é preciosa

porque consente que os pequenos efrágeis rebentos continuem a brotare crescer, não obstante as fadigas eas armadilhas. Sem dúvida, as gran-des intervenções permanecerão epo-cais: penso nos maravilhosos restau-ros da basílica da Natividade em Be-lém, que agora se concentram nascolunas, enquanto se está a estudar arecuperação total do mosaico do pa-vimento; e no restauro do oratóriodo Santo Sepulcro, concluído há umano, assim como nas obras do Te r raSancta museum que procedem comcolaborações científicas internacio-nais de altíssima qualidade. Mas, tu-do isto seria nada sem as comunida-des vivas que ali permanecem comesperança. Com efeito, é a sua pre-sença que preserva um diálogo ecu-ménico diário, que com frequênciatem início dentro das paredes do-mésticas, e consente também aqueleinter-religioso quer no dia a dia querna realidade como a Bethlehem Uni-v e rs i t y ou a American University of

Ma d a b a , só para citar duas delasmuito importantes.

Infelizmente, o drama da guerra na Sí-ria e nalgumas regiões do Iraque conti-nua. Quais fatores se opõem a uma so-lução dos conflitos?

A libertação da esplanada de Ní-nive e a declaração de derrota doDaesh no Iraque tinham feito espe-rar numa mudança de horizonte,mas a estrada parece ainda longa.Fazemos votos para que as tensõesentre governo central e regional doCurdistão possam chegar a um ple-no esclarecimento, caso contrário, se-rão sempre os pobres e os simples,pertencentes a todas as confissões, apagar por conflitos armados ou ins-tabilidades políticas. Continuamos adirigir um pensamento especial àscomunidades cristãs, que desejamfirmemente continuar a ser protago-nistas ativas da vida da nação e dasua reconciliação e reconstrução,mas além de tantas proclamações as-sistem com preocupação a projetos

de lei que parecem especular umconfessionalismo no mínimo perigo-so. Por outro lado, não obstante osmedia internacionais tenham silen-ciado a notícia, há poucas semanasfoi realizado um dia de oração vivi-do pelas Igrejas no Iraque para co-memorar uma família cristã trucida-da num episódio de violência, e es-tamos gratos pela presença na mani-festação até de alguns altos represen-tantes do governo. De qualquer ma-neira, também o Iraque sofre, assimcomo a martirizada Síria, que há se-te anos vive um conflito absurdo,pela contraposição de interesses daspotências regionais, e das superpo-tências suas aliadas a nível interna-cional. Continuam louvavelmente osencontros bilaterais e multilateraispara os acordos de paz, multiplicam-se as visitas de chefes de Estado eministros dos negócios estrangeiros,mas depois infelizmente continua-sea assinar contratos faraónicos parafornecer armas e nos perguntar ondeestão as intenções reais para a dis-tensão, o desarmamento e a reconci-liação. Todos podemos consultar osdiversos relatórios em circulação so-bre as violações da liberdade religio-sa e vemos que a situação é muitotriste; é urgente continuar a refletirde modo sereno e profundo sobreuma nova maneira de pensar e ela-borar a laicidade no contexto doPróximo e Médio Oriente, como jáindicava o Sínodo de 2010 no núme-ro 29. E ajudar o mundo islâmico aapoiar no seu âmbito, inclusive comfactos concretos, quanto foi elabora-do de modo encorajador depois docongresso organizado em maio pas-sado pela universidade Al-Ahzar, noqual participou também o Papa.

Que papel podem desempenhar as Igre-jas orientais católicas no processo deconstrução de uma sociedade dedicadaà uma convivência pacífica?

Se partirmos do conceito de “ci-dadania” que evoquei antes em rela-ção à declaração de Al-Ahzar, com-preendemos bem que os cristãos,desde sempre cidadãos daquelas re-giões, desejam sê-lo realmente sobre-tudo hoje. Já no passado alguns in-telectuais cristãos contribuíram parao chamado “desp ertar” árabe, comorepete frequentemente o jesuíta Sa-mir Khalil, e também hoje gostariamde poder continuar a oferecer a pró-pria presença através da cultura, doensino, das estruturas assistenciais ede cuidado, que em muitos países daregião nos quais é possível manterabertas estas atividades são realida-des de excelência que garantem atéintervenções para enfrentar as emer-gências. Afirma o padre Samir que«o que deveria caracterizar os cris-tãos certamente não é o facto de se-rem menos radicais do que os mu-

Trabalhos de restaurona basílica da Natividade em Belém

CO N T I N UA NA PÁGINA 6Celebração eucarística em Qaraqosh, na planície de Nínive

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

No Regina caeli o apelo a favor da Síria

Nada justifica o extermíniode pessoas inermes

Um novo e urgente apelo a favor da paz na Síria — de onde continuam a chegar«notícias terríveis de bombardeamentos com dezenas de vítimas» de «tantaspessoas atingidas pelos efeitos de substâncias químicas contidas nas bombas» —foi feito pelo Papa no final do Regina caeli de 8 de abril. Depois de ter celebradoa missa da divina misericórdia no adro da basílica de São Pedro, antes deconceder a bênção conclusiva o Pontífice guiou a recitação da antífona mariana,durante a qual dirigiu os bons votos aos irmãos e irmãs das Igrejas Orientaisque celebravam a Páscoa, segundo o calendário juliano, e saudou os povos rom esinti presentes para o seu Dia internacional, o “Romanò Dives”.

suscitado os encha de luz e de paz,e conforte as comunidades que vi-vem em situações particularmentedifíceis.

Dirijo uma saudação especial aosRom e aos Sinti aqui presentes, porocasião da seu Dia internacional, o“Romanò Dives”. Desejo paz e frater-nidade aos membros destes povosantigos, e faço votos de que o dia dehoje favoreça a cultura do encontro,com a boa vontade de se conhecer erespeitar reciprocamente. É este ocaminho que leva a uma integração

verdadeira. Queridos Rom e Sinti,rezai por mim e rezai juntos pelosvossos irmãos refugiados sírios.

Saúdo os demais peregrinos aquipresentes, os grupos paroquiais, asfamílias, as associações; e coloque-mo-nos juntos sob o manto de Ma-ria, Mãe da Misericórdia.

Eis o apelo do Papa a favor dapopulação síria.

Da Síria chegam notícias terríveis debombardeamentos com dezenas devítimas, das quais muitas são mulhe-

res e crianças. Notícias de tantaspessoas atingidas pelos efeitos desubstâncias químicas contidas nasbombas. Rezemos por todos os de-funtos, pelas famílias que sofrem.Não há uma guerra boa e outra má,nada pode justificar o uso destesinstrumentos de extermínio contrapessoas e populações inermes. Reze-mos a fim de que os responsáveispolíticos e militares escolham outrocaminho, o da negociação, o únicoque pode levar a uma paz que nãoseja da morte e da destruição.

Amados irmãos e irmãs!Antes da Bênção final, dirijamo-nosem oração à nossa Mãe celeste. Masantes ainda desejo agradecer a todosvós que participastes nesta celebra-ção, em particular aos Missionáriosda Misericórdia, reunidos para o seuencontro. Obrigado pelo vosso servi-ço!

Aos nossos irmãos e irmãs dasIgrejas Orientais que hoje, segundoo calendário juliano, celebram a So-lenidade da Páscoa, faço os meuscordiais bons votos. O Senhor res-

Uma criança é socorrida em Duma (Ap)

Da graça da vergonha à alegria do perdãoFrancisco celebrou a missa no domingo da divina misericórdia

O Papa Francisco celebrou na praça deSão Pedro, na manhã de 8 de abril, amissa do segundo domingo de Páscoa,ou da divina Misericórdia.Concelebraram cinco cardeais, oarcebispo Rino Fiscihella, presidente dopontifício Conselho para a promoção danova evangelização, numerososarcebispos, bispos e os sacerdotesmissionários da misericórdia, enviadospelo Papa ao mundo inteiro comoapóstolos do sacramento dareconciliação, durante o jubileuextraordinário de 2016. Eis a homiliado Pontífice.

No Evangelho de hoje, o verbo veraparece várias vezes: «Os discípulosse alegraram por verem o Senhor»(Jo 20, 20); depois disseram a Tomé:«Vimos o Senhor» (v. 25). Mas oEvangelho não descreve como o vi-ram, não descreve o Ressuscitado,apenas destaca um detalhe: «Mos-trou-lhes as mãos e o lado» (v. 20).Parece significar que os discípulosreconheceram Jesus desse modo:através das suas chagas. O mesmoacontece com Tomé: ele tambémqueria ver «a marca dos pregos emsuas mãos» (v. 25) e, depois de tervisto, acreditou (cf. v. 27).

Apesar da sua incredulidade, te-mos de agradecer a Tomé, pois a elenão bastou ouvir dizer dos outrosque Jesus estava vivo, e nem sequerpoder vê-lo em carne e osso, masquis ver dentro, tocar com a mão nassuas chagas, os sinais do seu amor.O Evangelho chama Tomé de «Dídi-mo» (v. 24), ou seja, gêmeo; e nissoele é verdadeiramente nosso irmãogêmeo. Pois também a nós não bas-ta saber que Deus existe: um Deus

ressuscitado, mas longínquo, nãopreenche a nossa vida; não nos atraium Deus distante, por mais que sejajusto e santo. Não: Nós tambémprecisamos “ver a Deus”, “tocar coma mão” que Ele tenha ressuscitado, eressuscitado por nós.

Como podemos vê-lo? Como osdiscípulos: por meio das suas cha-gas. Olhando por ali, compreende-ram que Ele não os amava de brin-cadeira e que os perdoava, emboraentre eles houvesse quem o tivessenegado e abandonado. Entrar nassuas chagas significa contemplar oamor sem medidas que brota do seucoração. Esse é o caminho. Significaentender que o seu coração bate pormim, por ti, por cada um de nós.Queridos irmãos e irmãs, podemosnos considerar e chamar-nos cristãos,e falar sobre muitos belos valores dafé, mas, como os discípulos, precisa-mos ver Jesus tocando o seu amor. Só

assim podemos ir ao coração da fé e,como os discípulos, encontrar umapaz e uma alegria mais fortes quequalquer dúvida (cf. vv. 19-20).

Tomé, depois de ter visto as cha-gas do Senhor, exclamou: «Meu Se-nhor e meu Deus!» (v. 28). Queriachamar a atenção para esse pronomeque Tomé repete: meu. Trata-se deum pronome possessivo e, se refleti-mos sobre isso, podia parecer forade lugar referi-lo a Deus: comoDeus pode ser meu? Como possofazer que o Todo-Poderoso sejameu? Na realidade, dizendo meu,não profanamos a Deus, mas honra-mos a sua misericórdia, pois foi Eleque quis “fazer-se nosso”. E, comonuma história de amor, dizemos-lhe:“Fizestes-vos homem por mim, mor-restes e ressuscitastes por mim e ago-ra não sois somente Deus; sois omeu Deus, sois a minha vida. Em vósencontrei o amor que eu procurava e

muito mais, como nunca teria imagi-nado”.

Deus não se ofende de ser “nos-so”, pois o amor exige familiaridade,a misericórdia requer confiança. Jáno início dos dez mandamentos,Deus dizia: «Eu sou o Senhor, teuDeus» (Êx 20, 2) e reiterava: «poiseu sou o Senhor teu Deus, um Deuszeloso» (v. 5). Aqui está a propostade Deus, amante zeloso, que seapresenta como teu Deus; e do cora-ção comovido de Tomé brota a res-posta: «Meu Senhor e meu Deus!».Entrando hoje, através das chagas,no mistério de Deus, entendemosque a misericórdia não é mais umade suas qualidades entre outras, maso palpitar do seu coração. E então,como Tomé, não vivemos mais comodiscípulos vacilantes; devotos, mashesitantes; nós também nos torna-mos verdadeiros enamorados do Se-nhor! Não devemos ter medo destapalavra: e n a m o ra d o s do Senhor!

Como saborear este amor, comotocar hoje com a mão a misericórdiade Jesus? O Evangelho também nossugere isso, quando aponta que namesma tarde da Páscoa (cf. Jo 20,19), ou seja, logo depois de ressusci-tar, Jesus, em primeiro lugar, dá oEspírito para perdoar os pecados. Paraexperimentar o amor, é preciso pas-sar por ali: deixar-se perdoar. Dei-xar-se perdoar: pergunto a mimmesmo e a cada um de vós: “deixo-me perdoar?”. “Mas, Padre, ir con-fessar-se parece difícil...”. Diante deDeus, somos tentados a fazer comoos discípulos no Evangelho: trancar-mo-nos por detrás de portas fecha-

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

Aos missionários da misericórdia o Papa recordou que a Igreja não deve criar obstáculos ao perdão de Deus

Com os braços abertos«A Igreja não pode, não deve e nãoquer criar barreira ou dificuldadealguma que impeça o acesso aoperdão», frisou o Pontífice no discursodirigido aos missionários damisericórdia, recebidos na sala Régiana manhã de 10 de abril. Vindos aRoma dos cinco continentes para osegundo encontro com Francisco —organizado pelo pontifício Conselhopara a promoção da novaevangelização — mais de 550participaram na audiência papal.

Estimados Missionários!Bem-vindos, obrigado, e espero quequantos foram nomeados bispos nãotenham perdido a capacidade de“m i s e r i c o rd i a r ”. Isto é importante!

Para mim é uma alegria encontrar-me convosco, depois da bonita ex-periência do Jubileu da Misericór-dia. Como bem sabeis, no final da-quele Jubileu extraordinário o vossoministério deveria ter-se concluído.E no entanto, refletindo sobre ogrande serviço que prestastes à Igre-ja, e sobre todo o bem que fizestes eoferecestes a tantos crentes com avossa pregação e acima de tudo coma celebração do sacramento da Re-conciliação, julguei oportuno que ovosso mandato pudesse ser prolon-gado por mais um pouco de tempo.Recebi numerosos testemunhos deconversões que se realizaram atravésdo vosso serviço. E vós sois testemu-nhas disto. Devemos realmente reco-nhecer que a misericórdia de Deusnão conhece confins e, com o vossoministério, sois um sinal concreto deque a Igreja não pode, não deve enão quer criar barreira ou dificulda-de alguma que impeça o acesso aoperdão do Pai. O “filho pródigo”não teve que passar pela alfândega:foi acolhido pelo Pai, sem obstácu-los.

Estou grato a D. Fisichella pelassuas palavras de introdução e, aoscolaboradores do Pontifício Conse-lho para a Promoção da Nova Evan-gelização, por terem organizado es-tes dias de oração e de reflexão. Es-tendo o meu pensamento a quantosnão puderam vir para que, contudo,se sintam partícipes e, não obstantea distância, cheguem também a eleso meu apreço e a minha gratidão.

Gostaria de compartilhar convos-co algumas reflexões para dar maiorapoio à responsabilidade que colo-quei nas vossas mãos, e a fim de queo ministério da misericórdia, quesois chamados a viver de modo to-talmente particular, possa manifes-tar-se do melhor modo, segundo avontade do Pai, que Jesus nos reve-lou, e que à luz da Páscoa adquire oseu sentido mais completo. E comestas palavras — talvez o discurso se-ja um pouco longo — gostaria deressaltar a doutrina do vosso minis-tério, que não é uma ideia — “faça-mos esta experiência pastoral, e de-pois veremos como corre” — não! Éuma experiência pastoral que tematrás de si uma verdadeira doutrina.

Uma primeira reflexão é-me suge-rida pelo texto do profeta Isaías, on-de se lê: «No tempo da graça, aten-der-te-ei; no dia da salvação, socor-rer-te-ei [...] o Senhor consolou oseu povo, comoveu-se e teve piedade

dos seus que viviam na aflição. Siãodizia: “O Senhor abandonou-me, oSenhor esqueceu-me”. Pode umamulher esquecer-se daquele queamamenta? Não sentir ternura pelofruto das suas entranhas? E aindaque ela o esquecesse, Eu nunca teesqueceria» (Is 49, 8.13-15). Trata-sede um texto repleto do tema da mi-sericórdia. A benevolência, a conso-lação, a proximidade, a promessa deamor eterno... são todas expressõesque tencionam manifestar a riquezada misericórdia divina, sem a poderesgotar num único aspeto.

Na sua segunda carta aos Corín-tios, retomando este texto de Isaías,São Paulo atualiza-o parece desejaraplicá-lo precisamente a nós. Assimescreve: «Como seus colaboradores,exortamos-vos a não receber a graçade Deus em vão». Com efeito, Elediz: «Ouvi-te no tempo favorável eajudei-te no dia da salvação. Este éo tempo favorável, este é o dia dasalvação!» (6, 1-2). A primeira indi-cação oferecida pelo Apóstolo é quenós somos os colaboradores deDeus. É fácil averiguar como é in-tensa esta chamada. Alguns versícu-

p erdoados”» (Jo 20, 21-23). Esta res-ponsabilidade posta nas nossas mãos— dela somos responsáveis! — exigeum estilo de vida coerente com amissão que recebemos. É ainda oApóstolo que o recorda: «A nin-guém demos qualquer motivo de es-cândalo, para que o nosso ministérionão seja criticado» (2 Cor 6, 3). Por-tanto, ser colaboradores da miseri-córdia pressupõe viver o amor mise-ricordioso, que nós fomos os primei-ros a experimentar. Não poderia serde outro modo.

Neste contexto, voltam-me à men-te as palavras que Paulo, no final dasua vida, já idoso, escrevia a Timó-teo, seu fiel colaborador que ele dei-xará como seu sucessor na comuni-dade de Éfeso. O Apóstolo dá gra-ças ao Senhor Jesus por o ter cha-mado para o ministério (cf. 1 Tm 1,12); confessa que fora «blasfemo,perseguidor e injuriador»; e no en-tanto — diz — «alcancei misericór-dia» (1, 13). Confesso-vos que muitasvezes, muitas vezes, medito sobre es-te versículo: “Fui tratado com mise-r i c ó rd i a ”. E isto fez-me bem, infun-de-me coragem. Por assim dizer, sin-

existência pessoal. Sem dúvida, nãose trata de se conformar com o factode ser pecador, como pretendendojustificar-se todas as vezes, anulandoassim a força da conversão. Mas énecessário recomeçar sempre por es-te ponto firme: Deus tratou-me commisericórdia. Eis a chave para nostornarmos colaboradores de Deus.Experimentamos a misericórdia e so-mos transformados em ministros damisericórdia. Em síntese, os minis-tros não se põe acima dos outros,como se fossem juízes em relaçãoaos irmãos pecadores. O verdadeiromissionário da misericórdia reflete-sena experiência do Apóstolo: Deusescolheu-me; Deus confia em mim;Deus colocou a sua confiança emmim, chamando-me, não obstante euseja um pecador, a ser seu colabora-dor para tornar a sua misericórdiareal e eficaz, e levar a tocá-la com amão.

Este é o ponto de partida, diga-mos assim. Vamos em frente.

Todavia, às palavras do profetaIsaías São Paulo acrescenta algo ex-tremamente importante. Os que sãocolaboradores de Deus e administra-dores da misericórdia devem prestaratenção a não tornar vã a graça deDeus. Escreve: «Exortamos-vos anão receber a graça de Deus emvão» (2 Cor 6, 1). Eis a primeira ad-moestação que nos é dada: reconhe-cer a ação da graça e o seu primadona vida, tanto nossa como das pes-soas.

Sabeis que gosto muito do neolo-gismo “p r i m e re a r ”. Como a flor daamendoeira, assim se define o Se-nhor: “Eu sou como a flor da amen-do eira”. P r i m e re a r. A primavera, pri-m e re a r. E gosto deste neologismo pa-ra expressar exatamente a dinâmicado primeiro gesto com o qual Deusvem ao nosso encontro. O p r i m e re a rde Deus nunca pode ser esquecido,nem considerado óbvio, caso contrá-rio não se compreende plenamente omistério da salvação levado a cabomediante o ato da reconciliação queDeus realiza através do mistério pas-cal de Jesus Cristo. A reconciliaçãonão é, como muitas vezes se pensa,uma nossa iniciativa particular, nemo fruto do nosso compromisso. Sefosse assim, cairíamos naquela formade neopelagianismo que tende a so-brestimar o homem e os seus proje-tos, esquecendo que o Salvador éDeus, e não nós. Devemos reiterarsempre, mas sobretudo no que se re-fere ao sacramento da Reconciliação,que a primeira iniciativa é do Se-nhor; é Ele quem nos precede noamor, mas não de forma universal:caso por caso. Ele precede em todosos casos, com cada pessoa. Por isso,a Igreja «sabe dar o primeiro passo— deve fazê-lo — sabe tomar a inicia-tiva sem medo, ir ao encontro, pro-curar os afastados e chegar às encru-zilhadas dos caminhos para convidaros excluídos. O Evangelho diz-nosque a festa foi feita com eles (cf. Lc14, 21). Vive um desejo inexaurívelde oferecer misericórdia, fruto de terexperimentado a misericórdia infini-ta do Pai e a sua força difusiva»(Exort. Apost. Evangelii gaudium,24).

los antes, Paulo tinha expresso omesmo conceito, dizendo: «Portan-to, desempenhamos o encargo deembaixadores em nome de Cristo, eé o próprio Deus quem exorta atra-vés de nós. Em nome de Cristo, nósvos rogamos — parece que se põe dejoelhos — reconciliai-vos com Deus!»(5, 20). A mensagem que nós trans-mitimos como embaixadores em no-me de Cristo é aquela de fazer aspazes com Deus. O nosso apostola-do é um apelo a procurar e recebero perdão do Pai. Como se vê, Deustem necessidade de homens que le-vem ao mundo o seu perdão e a suamisericórdia. Foi a mesma missãoque o Senhor ressuscitado transmitiuaos discípulos, no dia seguinte à suaPáscoa. «Jesus disse-lhes mais umavez: “A paz esteja convosco! Assimcomo o Pai me enviou a mim, tam-bém Eu vos envio a vós”. Depois deter pronunciado estas palavras, so-prou sobre eles, dizendo-lhes: “Rece-bei o Espírito Santo. Àqueles aquem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quemnão os perdoardes, não lhes serão

to-o como o abraço do Pai, as carí-cias do Pai. Repetir isto, a mim pes-soalmente, dá muita força, porque éa verdade: também eu posso dizer:“Fui tratado com misericórdia”. Agraça do Senhor foi superabundantenele; agiu de maneira a levá-lo acompreender quanto fosse pecadore, a partir daqui, levá-lo a descobriro núcleo do Evangelho. Por isso, es-creve: «Eis uma verdade absoluta-mente certa e merecedora de fé porparte de todos: Jesus Cristo veio aeste mundo para salvar os pecado-res, dos quais eu sou o primeiro. Seencontrei misericórdia, foi para queprimeiro em mim Jesus Cristo mani-festasse toda a sua magnanimidade»(1, 15-16). No fim da vida, o Apósto-lo não renuncia a reconhecer quemera, não esconde o seu passado. Te-ria podido fazer o elenco de tantossucessos, mencionar tantas comuni-dades que tinha fundado... mas pre-fere evidenciar a experiência quemais o impressionou e marcou na vi-da. A Timóteo indica o caminho apercorrer: reconhecer a misericórdiade Deus, antes de tudo na própria

Kaye Redman, «A alegria de sermos encontrados»

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Quando um penitente se aproxi-ma de nós, é importante e consola-dor reconhecer que temos diante denós a primícia do encontro já ocorri-do com o amor de Deus que, com asua graça, abriu o seu coração tor-nando-o disponível à conversão. Onosso coração sacerdotal deveria sen-tir o milagre de uma pessoa que en-controu Deus e que já experimentoua eficácia da sua graça. Não poderiaexistir verdadeira reconciliação, seela não tivesse início na graça de umencontro com Deus, que precedeaquele que teve connosco, confesso-res. Este olhar de fé permite delinearbem a experiência da reconciliaçãocomo acontecimento que tem a suaorigem em Deus, o Pastor que, logoque se apercebe da ovelha tresma-lhada, vai à sua procura até a encon-trar (cf. Lc 15, 4-6).

A nossa tarefa — e este é um se-gundo passo — consiste em não tor-nar vã a ação da graça de Deus, masem sustentá-la e em permitir que elaalcance o seu cumprimento. Às ve-zes, infelizmente, pode acontecerque um sacerdote, com o seu com-portamento, em vez de aproximar openitente, o afaste. Por exemplo, pa-ra defender a integridade do idealevangélico, descuidam-se os passosque uma pessoa dá no dia a dia.Não é assim que se alimenta a graçade Deus! Reconhecer o arrependi-mento do pecador equivale a acolhê-lo de braços abertos, para imitar opai da parábola, que recebe o filhoquando volta para casa (cf. Lc 15,20); significa nem sequer deixar queele acabe de falar. Isto sempre meimpressionou: o pai nem sequer odeixou falar, e abraçou-o. Ele tinhao discurso preparado, mas [o pai]abraçou-o. Significa nem sequer dei-xar que termine de pronunciar aspalavras que tinha preparado para sedesculpar (cf. v. 22), porque o con-fessor já entendeu tudo, conscientede que, também ele, é um pecador.Não há necessidade de fazer sentirvergonha a quem já reconheceu opróprio pecado e sabe que errou;não é preciso investigar — aquelesconfessores que perguntam, pergun-tam por dez, vinte, trinta, quarentaminutos... “E como foi feito? E co-mo?...” — não é necessário indagar,onde a graça do Pai já interveio; nãoé permitido violar o espaço sagradode uma pessoa no seu relacionar-secom Deus. Um exemplo da Cúriaromana: falamos muito mal da Cúriaromana, mas aqui dentro existemsantos. Um cardeal, Prefeito de umaCongregação, tem o hábito de irconfessar à igreja de Santo Espírito“in Sassia” duas, três vezes por se-mana — tem o seu horário fixo — e

um dia, explicando, disse: «Quandome dou conta de que uma pessoacomeça a ter dificuldade de falar, eeu compreendo do que se trata, di-go: “Entendi. Vai”. E aquela pessoa“re s p i r a ”». É um bom conselho:quando se sabe do que se trata, “en-tendi, vai”.

Aqui adquire todo o seu significa-do a bonita expressão do profetaIsaías: «No tempo da graça, aten-der-te-ei; no dia da salvação, socor-rer-te-ei» (49, 8). Com efeito, o Se-nhor responde sempre à voz dequem clama a Ele com coração sin-cero. Quantos se sentem abandona-dos e sozinhos podem experimentarque Deus vem ao seu encontro. Aparábola do filho pródigo narra que«ainda estava longe, quando o seupai o viu e, movido de compaixão,correu ao seu encontro» (Lc 15, 20).E lançou-se-lhe ao pescoço. D eusnão permanece ocioso, à espera dopecador: corre ao seu encontro, por-que a alegria de o ver voltar é dema-siado grande, e Deus tem esta pai-xão de rejubilar, de se alegrar quan-do vê chegar o pecador. Até pareceque o próprio Deus tem um “cora-ção inquieto”, enquanto não volta aencontrar o filho que se tinha perdi-do. Quando recebemos o penitente,temos necessidade de o fitar nosolhos e de o ouvir para lhe permitirsentir o amor de Deus que perdoanão obstante tudo, que o revestecom roupas de festa e lhe põe nodedo o anel, sinal de pertença à suafamília (cf. v. 22).

O texto do profeta Isaías ajuda-nos a dar mais um passo no mistérioda reconciliação, onde diz: «Aqueleque tem piedade deles guiá-los-á econduzi-los-á rumo à nascente» (49,10). Além disso a misericórdia, queexige a escuta, permite orientar ospassos do pecador reconciliado.Deus liberta do medo, da angústia,da vergonha e da violência. O per-dão é realmente uma forma de liber-tação para restituir a alegria e o sen-tido da vida. Ao brado do pobreque invoca ajuda, corresponde o cla-mor do Senhor que promete aos pri-sioneiros a libertação, e àqueles queestão nas trevas diz: «Vinde à luz!»(49, 9). Um convite a sair da condi-ção de pecado, para retomar a vestede filhos de Deus. Em síntese, a mi-sericórdia libertando restitui a digni-dade. O penitente não hesita em las-timar-se pelo pecado cometido; e osacerdote não o culpabiliza pelo maldo qual se arrependeu; ao contrário,encoraja a olhar para o futuro comolhos novos, conduzindo-o “rumo ànascente” (cf. 49, 10). Isto significaque o perdão e a misericórdia permi-tem voltar a olhar para a vida comconfiança e engajamento. É comodizer que a misericórdia abre à espe-rança, cria esperança e se alimentade esperança. A esperança é tambémrealista, é concreta. O confessor émisericordioso até quando diz: “Va iem frente, vai, vai”. Dá-lhe esperan-ça. “E se acontece algo?” — Vo l t a ,não há problema. O Senhor esperapor ti sempre. Não tenhas vergonhade voltar, porque o caminho estácheio de pedras e de cascas de bana-na, que te fazem escorregar.

Santo Inácio de Loyola — p ermitique faça um pouco de publicidade àfamília — tem um ensinamento signi-ficativo a este propósito, pois fala dacapacidade de fazer sentir a consola-

ção de Deus. Não há só o perdão, apaz, mas também a consolação. As-sim escreve: «A consolação interior[...] afasta qualquer perturbação eatrai completamente ao amor do Se-nhor. Esta consolação ilumina al-guns, a outros revela muitos segre-dos. Afinal, com ela todas as penassão prazer; todas as canseiras, des-canso. Para quem caminha com estefervor, com este ardor e com estaconsolação interior não há fardo tãogrande que não pareça suave, nempenitência, nem pena alguma tãogrande que não seja dulcíssima. Estaconsolação revela-nos o caminho quedevemos seguir e aquele que deve-mos evitar; repito: esta consolaçãorevela-nos o caminho que devemosseguir e aquele que devemos evitar.É preciso aprender a viver em conso-lação. Ela — acrescenta Inácio —nem sempre está em nosso poder;ela vem em determinados momen-tos, segundo o desígnio de Deus. Etudo isto para a nossa utilidade»(Carta à irmã Teresa Rejadell, 18 dejunho de 1536: Epistolário, 99-107). Ébom pensar que precisamente o sa-cramento da Reconciliação pode tor-nar-se um momento favorável parafazer sentir e crescer a consolação in-terior, que anima o caminho do cris-tão. E quero dizer isto: nós, com a“espiritualidade das queixas”, corre-mos o risco de perder o sentido daconsolação. Até de perder aqueleoxigénio, que é viver em consolação.Às vezes é intensa, mas há sempreuma consolação mínima, que é con-cedida a todos: a paz. A paz é o pri-meiro grau de consolação. Não po-demos perdê-lo, porque é precisa-mente o oxigénio puro, sem smog,da nossa relação com Deus. A con-solação. Da mais alta à mais baixa,que é a paz.

Volto às palavras de Isaías. Ali en-contramos também os sentimentosde Jerusalém, que se sente abando-nada e esquecida por Deus: «Siãodizia: “O Senhor abandonou-me, oSenhor esqueceu-me”. Pode umamulher esquecer-se daquele queamamenta? Não sentir ternura pelofruto das suas entranhas? E aindaque ela o esquecesse, Eu nunca teesqueceria» (49, 13-15). Por um lado,parece estranha esta repreensão diri-gida ao Senhor, de ter abandonadoJerusalém e o seu povo. Com muitomais frequência, lê-se nos profetasque é o povo quem abandona o Se-nhor. Jeremias é muito claro a talpropósito, quando diz: «O meu po-vo cometeu uma dupla perversidade:abandonou-me, a mim, fonte deágua viva, para cavar cisternas, cis-ternas fendidas que não retêm aágua» (2, 13). É pecado abandonarDeus, virar-lhe as costas e olhar sópara nós mesmos. Uma dramáticaconfiança em si, que está cheia deimperfeições e não é capaz de darestabilidade e consistência à vida.Sabemos que esta é a experiênciaquotidiana que vivemos pessoalmen-te. E no entanto, há momentos emque realmente sentimos o silêncio eo abandono de Deus. Não apenasnas grandes horas obscuras da hu-manidade de todas as épocas, quefazem surgir em muitos a interroga-ção acerca do abandono de Deus.Penso agora na Síria de hoje, porexemplo. Acontece que até nas vicis-situdes pessoais, inclusive nas dossantos, se possa fazer a experiênciado abandono.

Como é triste a experiência doabandono! Ela tem vários graus, atéà separação definitiva quando chegaa morte. Sentir-se abandonado levaà desilusão, à tristeza, por vezes aodesespero, e às diversas formas dedepressão de que hoje muitos so-frem. E contudo, cada tipo de aban-dono, por mais paradoxal que possaparecer, está inserido na experiênciado amor. Quando se ama e se expe-rimenta o abandono, então a prova-ção torna-se dramática e o sofrimen-to adquire traços de violência desu-mana. Se não estiver inserido noamor, o abandono torna-se insensatoe trágico, porque não encontra espe-rança. Portanto, é necessário queaquelas expressões do profeta sobreo abandono de Jerusalém por partede Deus sejam colocadas na luz doGólgota. O brado de Jesus na Cruz:«Meu Deus, meu Deus, por que meabandonaste?» (Mc 15, 34), dá vozao abismo do abandono. Porém, oPai não lhe responde. As palavrasdo Crucificado parecem ressoar novazio, porque para o Filho este si-lêncio do Pai é o preço a pagar afim de que mais ninguém se sintaabandonado por Deus. O Deus queamou o mundo a ponto de dar oseu próprio Filho (cf. Jo 3, 16), aponto de o abandonar na Cruz,nunca poderá abandonar ninguém:o seu amor estará sempre ali, perto,será maior e mais fiel do que qual-quer abandono.

Depois de ter reiterado que Deusnão se esquecerá do seu povo, Isaíasconclui afirmando: «Eis que estásgravado na palma das minhas mãos»(49, 16). Incrível: Deus “tatuou” omeu nome na sua mão. É como umselo que me dá certeza, com o qualpromete que nunca se afastará demim. Estou sempre diante dele; cadavez que Deus olha para a sua mão,recorda-se de mim, porque ali gra-vou o meu nome! E não nos esque-çamos de que, enquanto o profetaescreve, Jerusalém é realmente des-truída; o templo já não existe; o po-vo é escravo no exílio. E no entanto,o Senhor diz: «Tenho sempre sob osmeu olhos as tuas muralhas» (ibid.).Na palma da mão de Deus as mura-lhas de Jerusalém são sólidas comouma fortaleza inexpugnável. A ima-gem é válida também para nós: en-quanto a vida se destrói sob a ilusãodo pecado, Deus mantém viva a suasalvação e vem ao nosso encontrocom a sua ajuda. Na sua mão pater-na volto a encontrar a minha vidarenovada e projetada para o futuro,cheia do amor que somente Ele po-de concretizar. Volta à mente tam-bém o livro do amor, o Cântico dosCânticos, onde encontramos uma ex-pressão semelhante àquela evocadapelo profeta: «Põe-me como um selono teu coração, como um selo nosteus braços» (8, 6). Como se sabe, afunção do selo era impedir que algode íntimo pudesse ser violado; nacultura antiga era considerado umaimagem para indicar que o amor en-tre duas pessoas era tão sólido e es-tável, a ponto de continuar depoisda morte. Continuidade e perenida-de estão na base da imagem do seloque Deus pôs em si mesmo para im-pedir que alguém possa pensar quefoi abandonado por Ele: «Eu nuncate esquecerei» (Is 49, 15). Selo. Ta-tuagem.

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CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

çulmanos na cultura árabe, mas deo serem permanecendo abertos àsoutras culturas». E, acrescento, vi-vendo a força revolucionária doEvangelho. Tentemos pensar naprofecia representada pelos princí-pios da doutrina social da Igreja,em contextos nos quais com fre-quência a lacuna entre famílias ri-quíssimas e pobres é impressionantee onde o fundamentalismo intelec-tual cria bolsas de violência precisa-mente entre os mais necessitadosque se tornam combatentes. Nestenosso tempo permanece válida a in-tuição do padre Andrea Santoro emrelação ao intercâmbio entre as anti-gas igrejas cristãs do Oriente e asnossas no Ocidente.

Qual o melhor remédio contra o fun-damentalismo?

Devemos reafirmar com clarezaque quem representa alguma formade autoridade, religiosa ou política,deve banir ensinamentos ou leiturasfundamentalistas. Será um caminholongo e difícil, porque não é umarealidade que surgiu ontem, masdevemos confiar que esta estradapossa ser percorrida. Se este propó-sito é válido, o melhor remédio é aeducação, exercida com programasescolares não ideológicos nem sectá-rios, e transmitida por figuras edu-cativas que sejam também testemu-nhas críveis. Recordemo-nos contu-do que nos submetemos ao risco deuma leitura fundamentalista da rea-lidade ou de uma ditadura do pen-samento único sob pressão de al-guns grupos de poder também noOcidente, como muitas vezes o Pa-pa Francisco evocou em relação aosensinamentos sobre a teoria do gen-der ou as derivas de eutanásia nos

tratamentos. Em ambos os contex-tos, oriental e ocidental, os meiosde comunicação têm um valor deci-sivo, por isso é muito importanteconhecê-los e saber usá-los de mo-do construtivo e proativo, vencendoassim no mesmo campo os semea-dores de ódio e do aviltamento dadignidade humana.

Em muitas situações de dificuldade ede êxodo nas quais se encontram ascomunidades cristãs nalguns países doMédio Oriente, o que podem fazer oscristãos do Ocidente?

Nestes anos a sensibilidade au-mentou muito e devemos ser gratospor quanto foi feito. Juntamentecom os pastores das Igrejas orien-tais repitamos com vigor: ajudai-nosa permanecer! E com o Pontíficedigamos mais uma vez: um MédioOriente sem cristãos não pode serverdadeiro Médio Oriente. Deve serfeito sempre um atento discerni-mento sobre todas as iniciativasque, por um lado, favorecem até demodo legítimo um verdadeiro aban-dono daquelas regiões; deve-se pro-por com vigor, por parte dos atoresda política internacional, um mode-lo de convivência e integração queevite as fórmulas de “re s e r v a s ”, istoé, territórios nos quais vivam exclu-sivamente cristãos, protegidos masisolados das sociedades das quais fi-zeram parte por séculos, e privandode um elemento de possível equilí-brio as sociedades já marcadas pelapolarização confessional interna aomundo muçulmano entre os com-ponentes sunitas e xiitas e os seusrepresentantes regionais. Sem dúvi-da devem ser ajudados e apoiadosos países, especialmente Líbano eJordânia, que recebem centenas demilhares de refugiados e correm orisco de desestabilização interna.

Em diálogo com o cardeal SandriCO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 3

das. Eles faziam isso por temor enós também temos medo, vergonhade abrir-nos e contar os nossos pe-cados. Que o Senhor nos dê a graçade compreender a v e rg o n h a : de vê-lanão como uma porta fechada, mascomo o primeiro passo do encontro.Quando nos sentimos envergonha-dos, devemos ser agradecidos: querdizer que não aceitamos o mal, e is-so é bom. A vergonha é um convitesecreto da alma que precisa do Se-nhor para vencer o mal. O dramaestá quando não se sente vergonhapor coisa alguma. Não devemos termedo de sentir vergonha! E assimpassemos da vergonha ao perdão!Não tenhais medo de vos envergo-nhar! Não tenhais medo!

Contudo, há uma porta fechadadiante do perdão do Senhor: é a re -signação. A resignação é sempreuma porta fechada. Os discípulos aexperimentaram quando, na Páscoa,constatavam que tudo tinha voltadoa ser como antes: ainda estavam lá,em Jerusalém, desalentados; o “ca-pítulo Jesus” parecia terminado e,depois de tanto tempo com Ele, na-da tinha mudado: “Resignemo-nos”. Também nós podemos pen-sar: “Sou cristão há muito tempo,porém nada muda em mim, cometosempre os mesmos pecados”. Então,desalentados, renunciamos à miseri-córdia. Entretanto, o Senhor nos in-terpela: “Não acreditas que a mise-ricórdia é maior do que a tua misé-ria? Estás reincidente no pecado?Sê reincidente em clamar por mise-ricórdia, e veremos quem leva a me-lhor!”. E depois — quem conhece osacramento do perdão o sabe — nãoé verdade que tudo permanece co-mo antes. Em cada perdão recebe-mos novo alento, somos encoraja-dos, pois nos sentimos cada vez

mais amados, mais abraçados peloPai. E quando, sentindo-nos ama-dos, caímos mais uma vez, sentimosmais dor do que antes. É uma dorbenéfica, que lentamente nos separado pecado. Descobrimos então quea força da vida é receber o perdãode Deus, e seguir em frente, de per-dão em perdão. Assim segue a vida:de vergonha em vergonha, de per-dão em perdão. Esta é a vida cristã.

Depois da vergonha e da resigna-ção, existe outra porta fechada, àsvezes blindada: o nosso pecado; opróprio pecado. Quando cometoum grande pecado, se eu, com todaa honestidade, não quero me per-doar, por que o faria Deus? Estaporta, no entanto, está fechada sóde um lado: o nosso; para Deusnunca é intransponível. Ele, comonos ensina o Evangelho, adora en-trar justamente através “das portasfechadas” — como escutamos —quando todas as passagens parecembloqueadas. Lá Deus faz maravi-lhas. Ele nunca decide separar-se denós, somos nós que o deixamos dolado de fora. Mas quando nos con-fessamos, tem lugar o inaudito: des-cobrimos que precisamente aquelepecado, que nos mantinha distantesdo Senhor, converte-se no lugar doencontro com Ele. Ali o Deus feri-do de amor vem ao encontro dasnossas feridas. E torna as nossaschagas miseráveis semelhantes àssuas chagas gloriosas. Trata-se deuma transformação: a minha chagamiserável torna-se semelhante àssuas chagas gloriosas. Pois Ele émisericórdia e faz maravilhas nasnossas misérias. Como Tomé, peça-mos hoje a graça de reconhecer onosso Deus: de encontrar no seuperdão a nossa alegria; de encon-trar na sua misericórdia a nossa es-p erança.

No domingo da divina misericórdia

Livres para servirPalavras do Papa Francisco sobre o livro do Êxodo

«É curioso — escreve Giuseppe Dell’Orto na in-trodução ao livro Liberi per diventare servi. Il librodell’Esodo nelle parole del Papa [“Livres para nostornarmos servos. O livro do Êxodo nas palavrasdo Papa”], por Alessandra Peri (Roma, Castelvec-chi, 2018, 192 páginas) — que à objeção de Moisés(quem sou eu para ir ter com o faraó) Deus nãoresponda com “Tu serás...” mas com um “Eu esta-rei/estou contigo” (3, 11-12). A verdadeira identi-dade de Moisés é fornecida não pelo que ele fezou fará nem por aquilo que ele é, mas pela rela-ção estabelecida por Deus com ele e com o povo.E assim Moisés já não estará à mercê daquilo queoutros e a história passada decidiram acerca dele;não será definido apenas com base naquilo doque fugiu, mas será definido no futuro pela pre-sença de Deus. A frase “Eu estou contigo” é amais simples que se possa imaginar sob um pontode vista sintático, mas ela requer um salto de qua-lidade da parte do destinatário».

Um trecho que deixa entender a responsabili-dade implicada pelo dom gratuito da amizade deDeus e o valor de método de um livro que foi de-finido o Evangelho do Antigo Testamento; para-digma de existência e arquétipo de qualquer ex-

periência de escravidão e de liberdade. O livro doÊxodo — admite Dell’Orto — é certamente o maiscitado nas homilias e nos discursos do Papa Fran-cisco. Contudo, considerando bem, serve de pará-bola e ícone do seu magistério, independentemen-te da frequência com que são comentadas algu-mas perícopes, ilustrando plenamente o sentidodaquela Igreja em saída que desde o início do seupontificado representou o centro da pastoral doPontífice. Através da experiência do Êxodo e daAliança, o Senhor chama o seu povo à liberdadedos filhos de Deus, a liberdade de amar e de es-colher o bem.

A lei que o povo recebe representa, de certomodo, o “manual de instruções” do dom da liber-dade e da vida.

O próprio Israel se constituiu como povo nodeserto antes de possuir os dois elementos essen-ciais para a existência de uma nação na antiguida-de: um território e um soberano. A lei define asverdadeiras fronteiras de Israel, fronteiras de com-p ortamento.

Por conseguinte a lei, mais do que a pertença aum território, define a identidade do israelita; poroutras palavras, é a sua verdadeira pátria. Uma

«pátria portátil», como a definiu o poeta de ori-gem judaica Heinrich Heine, análoga, num certosentido, àquela em que viveu a etnia sui generis(citando a célebre frase cunhada por Paulo VI) dacomunidade dos cristãos.

Marc Chagall«Moisés e a sarça ardente» (1966)

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Missa no altar da Cátedra

Força de atração

Ouvimos do Livro dos Atos: «Comgrande poder os apóstolos davam teste-munho da ressurreição do Senhor Je-sus» (4, 33).

Tudo começa pela Ressurreição deJesus: dela deriva o testemunho dosApóstolos e, através dela, são gera-das a fé e a vida nova dos membrosda comunidade, com o seu estiloevangélico simples.

As Leituras da Missa de hoje fa-zem com que sobressaiam estes doisaspetos inseparáveis: o re n a s c i m e n t opessoal e a vida da comunidade. En-tão, dirigindo-me a vós, queridos ir-mãos, penso no ministério que estaisa desempenhar desde o Jubileu daMisericórdia. Um ministério que semove em ambas as direções: ao ser-viço das pessoas, para que “re n a s -çam do alto”, e ao serviço das comu-nidades, a fim de que vivam comalegria e coerência o mandamentodo amor.

Neste sentido, a Palavra de Deusoferece hoje duas indicações quegostaria de vos comunicar, pensandoprecisamente na vossa missão.

O Evangelho recorda que quemfor chamado para dar testemunhoda Ressurreição de Cristo deve elemesmo, em primeira pessoa, “nascer doalto” (cf. Jo 3, 7). Caso contrárioacabamos por nos tornar como Ni-codemos que, mesmo sendo mestreem Israel, não entendia as palavrasde Jesus quando dizia que para «vero reino de Deus» é preciso «nascer

do alto», nascer «da água e do Espí-rito» (cf. vv. 3-5). Nicodemos nãocompreendia a lógica de Deus, que éa da graça, da misericórdia, pelaqual quem se torna pequeno é gran-de, quem se torna último é primeiro,quem se reconhece doente é curado.Isto significa dar deveras o primadoao Pai, a Jesus e ao Espírito Santona nossa vida. Atenção: não quer di-zer tornar-se sacerdotes “p ossuídos”,quase como se fôssemos depositáriosde qualquer carisma extraordinário.Não. Sacerdotes normais, simples,mansos, equilibrados, mas capazesde nos deixarmos regenerar constan-temente pelo Espírito, dóceis à suaforça, livres interiormente — antes detudo de nós mesmos — por sermosmovidos pelo “vento” do Espíritoque sopra onde quer (cf. Jo 3, 8).

A segunda indicação relaciona-secom o serviço à comunidade: ser sa-cerdotes capazes de “elevar” o sinalde salvação no “deserto” do mundo, is-to é, a Cruz de Cristo, como fontede conversão e de renovação paratoda a comunidade e para o própriomundo (cf. Jo 3, 14-15). Em particu-lar, gostaria de realçar que o Senhormorto e ressuscitado é a força quecria a comunhão na Igreja e, atravésda Igreja, na humanidade inteira. Je-sus disse antes da Paixão: «E eu,quando for levantado da terra, atrai-rei todos a mim» (Jo 12, 32). Estaforça de comunhão manifestou-sedesde o início na comunidade de Je-rusalém onde — como confirma o Li-

vro dos Atos — «a multidão dos quehaviam abraçado a fé tinha um sócoração e uma só alma» (4, 32). Erauma comunhão que se fazia partilhaconcreta dos bens, portanto «entreeles tudo era comum» (ibid.) e «en-tre eles não havia ninguém necessita-do» (v. 34). Mas este estilo de vidada comunidade era também “conta-gioso” externamente: a presença vivado Senhor Ressuscitado produz umaforça de atração que, através do tes-temunho da Igreja e das diversasformas de anúncio da Boa Nova,tende a alcançar todos, sem excluirninguém. Vós, estimados irmãos,pondes ao serviço deste dinamismotambém o vosso específico ministé-rio de Missionários da Misericórdia.Com efeito, quer a Igreja quer omundo de hoje têm particularmentenecessidade da Misericórdia paraque a unidade desejada por Deusem Cristo prevaleça sobre a ação ne-

gativa do maligno que se aproveitade tantos meios atuais, bons em si,mas que se forem mal usados, emvez de unir separam. Nós estamosconvictos de que «a unidade é supe-rior ao conflito» (Evangelii gaudium,228), mas sabemos também que sema Misericórdia este princípio nãotem força para agir na realidade davida e da história.

Queridos irmãos, recomeçai a par-tir deste encontro com a alegria deser confirmados no ministério daMisericórdia. Confirmados antes detudo na grata confiança de serdesvós em primeiro lugar chamados arenascer sempre de novo “do alto”,do amor de Deus. E, ao mesmo tem-po, confirmados na missão de ofere-cer a todos o sinal de Jesus “eleva-do” da terra, para que a comunidadeseja sinal e instrumento de unidadeno meio do mundo.

Após o encontro na Sala Régia, o Papa presidiu à missa no altar da Cátedra dabasílica vaticana com os missionários da misericórdia. No final o Papa ofereceu acada missionário a reprodução artística de um fragmento da porta santa dabasílica de São Pedro.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5 Com os braços abertosE concluo. É esta certeza típica

do amor que somos chamados a am-parar em quantos se aproximam doconfessionário, para lhes dar a forçade acreditar e esperar. A capacidadede saber recomeçar de zero, não obs-tante tudo, porque Deus nos pegasempre pela mão e nos leva a olharem frente. A misericórdia pega pelamão e infunde a certeza de que oamor com o qual Deus ama derrotatodas as formas de solidão e deabandono. Desta experiência, a qualinsere numa comunidade que recebetodos e sempre, sem qualquer distin-ção, que sustém quem quer que este-ja em necessidade e em dificuldade,que vive a comunhão como fonte devida, os Missionários da Misericór-dia são chamados a ser intérpretes etestemunhas.

Nas semanas passadas, impressio-nou-me particularmente uma Coletado tempo quaresmal (Quarta-feira da4ª semana) que, de certo modo, pa-rece fazer uma síntese destas refle-xões. Partilho-a convosco, para queela se torne nossa oração, nosso esti-lo de vida:

«Ó Pai, que daisa recompensa aos justose não rejeitais o perdãoaos pecadores arrependidos,

ouvi a nossa súplica:a humilde confissãodas nossas culpasnos obtenhaa vossa misericórdia».Amém!

E gostaria de concluir com doisepisódios de dois grandes confesso-res, ambas ocorridas em Buenos Ai-res. O primeiro, um sacramentino,que tinha desempenhado trabalhosimportantes na sua congregação, foiprovincial, mas encontrava sempretempo para ir ao confessionário.Não sei quantos, mas a maioria doclero de Buenos Aires ia confessar-secom ele. Inclusive quando São JoãoPaulo II esteve em Buenos Aires epediu um confessor, da Nunciaturafoi a ele que chamaram. Era um ho-mem que te dava a coragem de irem frente. Vivi esta experiência, por-que me confessei com ele na épocaem que eu era provincial, para não ofazer com o meu diretor jesuíta...Quando começava, dizia: “Bem,bem, está bem”, e animava-te: “Va i ,vai!”. Como era bondoso! Faleceucom 94 anos e confessou até um anoantes, e quando não estava no con-fessionário, tocavam a campainha eele descia. Certo dia, eu era vigário-geral e saí do meu quarto, onde es-

tava o fax — como eu fazia todos osdias de manhã cedo, para ver as no-tícias urgentes — era Domingo dePáscoa e havia um fax: “O ntem,meia hora antes da vigília pascal,veio a falecer o padre Aristi”, esteera o seu nome... Fui almoçar na ca-sa de repouso para sacerdotes ondepassei a Páscoa com eles e, no re-gresso, fui à igreja situada no centroda cidade, onde havia o velório. Láestava o caixão e duas velhinhas querecitavam o rosário. Aproximei-me enão havia nem sequer uma flor. Pen-sei: mas ele é o confessor de todosnós! Isto impressionou-me. Senti co-mo a morte é horrível! Saí e cami-nhei 200 metros, onde havia umquiosque de flores, daqueles queexistem nas ruas; comprei algumasflores e voltei. E, ao colocar as floresali, perto do caixão, vi que nas suasmãos havia o rosário... O sétimomandamento reza: “Não roubarás”.O rosário ficou ali, mas enquanto eufazia de contas que arrumava as flo-res, fiz assim e peguei na cruz. E asvelhinhas, aquelas velhinhas, olha-vam. Trago comigo aquela cruz des-de aquele momento e peço a ele agraça de ser misericordioso; trago-asempre comigo. Isto deve ter ocorri-do mais ou menos no ano de 1996.Peço-lhe esta graça. Como são gran-des os testemunhos destes homens!

Depois há outro caso. Este estávivo, tem 92 anos. É um capuchi-nho, e tem uma fila de penitentes,de todas as cores, pobres, ricos, lei-gos, sacerdotes, alguns bispos, reli-giosas... todos, nunca acaba. É umgrande perdoador, mas não alguémde “mangas largas”, um grande per-doador, um grande misericordioso.E eu sabia disto, conhecia-o, fuiduas vezes ao santuário de Pompeia,onde ele confessava em Buenos Ai-res, e saudei-o. Agora tem 92 anos.Naquela época, quando veio ter co-migo, talvez tivesse 85. E disse-me:“Quero falar contigo, porque tenhoum problema. Tenho um grande es-crúpulo: às vezes desejo perdoar de-mais”. E explicava-me: “Não possoperdoar uma pessoa que me vem pe-dir o perdão e diz que gostaria demudar, que fará tudo, mas não sabese conseguirá... E contudo eu per-doo! E por vezes sinto uma angús-tia, tenho um escrúpulo...”. E eudisse-lhe: “Que fazes, quando tevem este escrúpulo?”. E ele respon-deu-me assim: “Vou à capela, à ca-pela interna do convento, diante doTabernáculo e, sinceramente, peçodesculpa ao Senhor: “Senhor, per-doai-me, hoje perdoei demasiado.Perdoai-me... Mas prestai atenção,porque fostes Vós que me destes omau exemplo!”. Assim rezava aquelehomem.

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Apresentação da exortação apostólica «Gaudete et exsultate»

Por que falar de santidade?ANGELO DE DO N AT I S

Por que uma exortação apostólica so-bre a chamada à santidade? Não seriaporventura esta linguagem eclesial sópara «peritos no assunto» (isto é reli-giosos)? Com efeito a palavra «santida-de» é considerada um pouco antiquadaprecisamente pelo mundo contemporâ-neo ao qual a exortação pretende diri-gir-se. Quem exprimiria hoje com estapalavra aquilo a que o seu coração as-pira, para si e para a própria existênciaquotidiana?

Estas breves considerações, que tal-vez expressem o pensamento de muitaspessoas, indicam-nos imediatamentequal é o desafio que a exortação pre-tende enfrentar: mostrar a atualidadeperene da santidade cristã, apresentan-do o seu conteúdo, tal como é narradopela Escritura, de modo que possa serproposta a todos como meta desejáveldo próprio caminho humano, comouma chamada que Deus dirige a cadaum. O Papa Francisco sintetiza assim:a santidade é «a vida verdadeira, a feli-cidade para a qual fomos criados» (1).

nos contentar e «ir vivendo». A perten-ça ao Senhor Jesus e à Igreja dissolve-se e esvazia-se de sentido se não manti-ver direita a direção do caminho na tra-jetória da santidade e fatalmente decaina busca do «outro», daquilo que nadatem a ver com a construção do reino deD eus.

A finalidade da exortação não é ofe-recer «um tratado sobre a santidade,com tantas definições e distinções»; «omeu objetivo humilde — escreve o PapaFrancisco — é fazer ressoar mais umavez a chamada à santidade, procurandoencarná-la no contexto atual, com osseus riscos, desafios e oportunidades»(2). Já o concílio Vaticano II re a l ç o ucom vigor esta chamada universal, rea-firmando o facto de que ela se dirige atodos: «Munidos de tantos e tão gran-des meios de salvação, todos os fiéis,seja qual for a sua condição ou estado,são chamados pelo Senhor à perfeiçãodo Pai, cada um por seu caminho»(Lumen gentium, 11). O Papa retoma ereafirma esta questão do concílio, atua-lizando-a e tornando-a mais compreen-sível e atraente para o homem de hoje.

Dos temas tratados pelo Papa, dis-correrei sobre o primeiro (a chamada àsantidade) e o último capítulo (o com-bate espiritual, a vigilância e o discerni-mento). Gianni Valente, sobre o segun-do, dedicado a dois inimigos da santi-dade, o pelagianismo e o gnosticismo;Paola Bignardi o terceiro e o quarto ca-pítulos: viver as bem-aventuranças hojee algumas caraterísticas da santidadeno mundo atual.

No que diz respeito ao primeiro ca-pítulo, gostaria de analisar quatro pon-tos fundamentais, que representam asdimensões da chamada à santidade.

Antes de tudo o Papa quer dizer-nosque a santidade não é diferente da vidaque levamos todos os dias, mas é exata-mente esta mesma nossa existência co-mum vivida de maneira extraordinária,porque se tornou bonita pela graça deDeus, pela ação do Espírito Santo rece-bido no batismo. De facto, o fruto doEspírito é uma vida vivida na alegria eno amor, e nisto consiste a santidade.Não há condições particulares: a santi-dade não é apanágio de quem vive de-dicando muito tempo à oração ou aoestudo teológico ou exercendo um mi-nistério particular na Igreja mas é a vi-da nova que por dom de Deus é con-cretamente possível a todos, «nas ocu-pações de cada dia, onde cada um seencontra» (14). Francisco recorda as pa-lavras do cardeal vietnamita VanThuan, durante os longos dias de cár-cere: «viver o momento presente, cu-mulando-o de amor» (17). O Papa in-tencionalmente dá exemplos de santi-dade tirando-os da vida diária: «os paisque criam os seus filhos com tantoamor, os homens e mulheres que traba-lham a fim de trazer o pão para casa,os doentes, as consagradas idosas quecontinuam a sorrir» (7). São os santos«da porta ao lado», ou «a classe médiada santidade» (7, título de um livro deJoseph Malegue). Por isso, a um certoponto o Papa Francisco muda de estiloe dirige-se diretamente ao seu interlo-

cutor, a quem o está a ler, para lhe di-zer que a santidade, isto é a vida verda-deira e feliz, é deveras possível tambéma ti: «Deixa que a graça do teu Batis-mo frutifique num caminho de santida-de. Deixa que tudo esteja aberto aDeus e, para isso, opta por Ele, escolheDeus sem cessar. Não desanimes, por-que tens a força do Espírito Santo paratornar possível a santidade e, no fundo,esta é o fruto do Espírito Santo na tuavida» (15; mas o tu aparece tambémnos números 10, 14, etc.). O concílio,no trecho já citado, dizia: todos sãochamados, «cada um pelo seu cami-nho». Não se trata de copiar obras dossantos, porque afinal cada um tem asua vida e o seu lugar no mundo; aocontrário, «sob o impulso da graça di-vina, com muitos gestos vamos cons-truindo aquela figura de santidade queDeus quis para nós» (18). Mesmo se aminha vida tivesse afundado no pecadoe na falência, a chamada à santidade al-cança-me onde eu estiver para me pro-porcionar um recomeço e uma possibi-lidade de resgate.

Outro ponto: sozinhos não podemosser santos. O individualismo e a preten-são de autossuficiência não levam à vi-da verdadeira. Precisamos dos outros,temos necessidade de sentir que a nossavida está inserida na do Povo de Deus,sobre o qual o Espírito de Deus derra-ma a sua santidade. Deus não nos salvasozinhos, mas assim como Ele quis re-velar-se entrando na história de um po-vo, numa «dinâmica popular», escreveo Papa (6), também o nosso percursode aproximação ao Senhor e de cresci-mento na fé só é possível dentro da«complexa rede de relações interpes-soais que se estabelecem na comunida-de humana» (6). Francisco cita a homi-lia para o início do ministério petrinode Papa Bento XVI: «Não devo carregarsozinho o que, na realidade, nunca po-deria carregar sozinho»; o santo Povode Deus «protege-me, ampara-me eguia-me». Na Igreja encontro o teste-munho dos outros, dos santos canoni-zados, das pessoas mais humildes, dequem possui a «constância de conti-nuar a caminhar dia após dia» (7); naIgreja «encontrarás tudo o que precisaspara crescer rumo à santidade: a Pala-vra, os Sacramentos, os santuários, a vi-da das comunidades, o testemunho dossantos e uma beleza multiforme que

deriva do amor do Senhor» (15). NoPovo de Deus está presente um estilomasculino e outro feminino de viver asantidade, ambos «indispensáveis pararefletir a santidade de Deus neste mun-do» (12). E ainda «fora da Igreja Cató-lica e em áreas muito diferentes» o Es-pírito suscita «sinais da sua presença,que ajudam os próprios discípulos deCristo» (9, citando Novo Millennioineunte). Como se compreende, a espiri-tualidade cristã é essencialmente comu-nitária, eclesial, muito diversa e distan-te de uma visão elitista ou de heroismoindividual da santidade.

A fonte da qual brota a santidade é oSenhor Jesus, a meta para a qual tendeé a história humana, a transformaçãoda história no reino de Deus. Este éum ponto central. Escreve o Papa quecada homem que vem a este mundoprecisa «de conceber a totalidade dasua vida como uma missão» (23).Quando me questiono: «Por que nasci?Por que vivo e para que serve a minhavida? Qual é o meu contributo para ocrescimento deste mundo?», interrogo-me sobre qual é a minha missão. Poisbem, «cada santo é uma missão» (19),isto é um enviado do Pai para encarnare tornar presente Cristo, o homem no-vo, no mundo. De facto Jesus é a fontede toda a santidade: o Espírito Santoreproduz hoje, em nós, as feições dorosto de Cristo. Contudo, cada um deum modo diverso: há santos que repro-duzem a sua vida escondida de Nazaré,outros a sua proximidade aos últimos;os casados tornam-se sacramento deCristo esposo, os presbíteros sacramen-to do Cristo Bom Pastor... «Contem-plar os seus mistérios leva-nos a encar-ná-los nas nossas opções e atitudes»(20). Por outro lado Cristo foi enviadopelo Reino, por isso diz Francisco,sempre dirigindo-se a cada um de nósseus leitores, também tu «não te santi-ficarás sem te entregares de corpo e al-ma, dando o melhor de ti neste com-promisso» de construção do reino (25).A santidade cristã não exime do com-promisso pela história humana, ao con-trário! Os santos são perigosos revolu-cionários, porque estão decididos apôr-se em questão totalmente pela mis-são que lhes foi confiada pelo Pai. Sa-bem que quem perder a vida pelo rei-no, encontrá-la-á como Jesus. Franciscoafirmou na Evangelii gaudium (87-92)

que da espiritualidade cristã não se po-de tirar a encarnação nem a cruz, talvezpara se dedicar a um Deus do bem-es-tar pessoal, separado das vicissitudeshumanas, da carne sofredora dos seusfilhos. Não há santidade cristã quandoa espiritualidade se separa da história, eem nome de uma comunhão vaga, tal-vez com «energias harmonizadoras»,esquece a comunhão com os outros se-res humanos e a busca do rosto do ou-tro, esquece a fraternidade e a revolu-ção da ternura. A nós é confiado o de-ver de acolher esta chamada à santida-de, feita de imitação de Jesus e com-promisso com Ele para a transformaçãoda história humana: «Oxalá consigasidentificar a palavra, a mensagem deJesus que Deus quer dizer ao mundo

graça do Espírito transforma-se numolhar permanente sobre a realidade:aquela que está no nosso coração (osnossos pensamentos, sentimentos, dese-jos, ali onde Deus estimula, atrai, con-sola...) e a realidade que nos circunda,onde o Espírito age suscitando aquelesa que o concílio chama os «sinais dostempos» (Gaudium et spes, 11). «Discer-nimento» é deveras uma palvra-chavedeste pontificado, porque indica o esti-lo e a modalidade espiritual com a qualo discípulo de Jesus e a comunidadesão chamados a interpretar as realida-des da vida, a decidir escolhendo avontade de Deus, a realizar o seu reinono mundo: Não se trata só de inteli-gência ou de bom senso, nem sequerde utilizar a contribuição das ciênciashumanas (psicologia, sociologia...) con-siderando-as resolutivas. O discerni-mento transcende tudo isto, porquepondo-se no silêncio e na oração diantedo Senhor, com uma atitude de abertu-ra total, «predispomo-nos a escutar: oSenhor, os outros, a própria realidadeque não cessa de nos interpelar de ma-neiras novas». «Somente quem tem aliberdade de renunciar ao seu ponto devista parcial e insuficiente, aos seus há-bitos, aos seus esquemas, está realmentedisponível para acolher uma chamadaque quebra as suas seguranças» (172).O Papa Francisco, por exemplo, pede atodos os cristãos «que não deixem defazer cada dia, em diálogo com o Se-nhor que nos ama, um sincero examede consciência» (169), criando assim navida pessoal um espaço de solidão e deprece no qual ler e compreender a pró-pria vida, aceitando os apelos de Deus.

«Hoje em dia, tornou-se particular-mente necessária a capacidade de dis-cernimento» porque «sujeitos a umzapping constante... podemos facilmentetransformar-nos em marionetes à mercêdas tendências da ocasião» (167).

Concluo com a citação belíssima dafrase que se encontra sobre o túmulode Santo Inácio de Loyola e que o Pa-pa Francisco recorda em nota para des-crever a vida vivida na atitude perma-nente do discernimento: «Non coerceri amaximo, contineri tamen a minimo divi-num est, “é divino não se assustar comas coisas maiores e, simultaneamente,cuidar das menores”.Texto integral da exortação apostólica(link: http://w2.vatican.va/content/fran-cesco/it/ap ost_exhortations/do cu-ments/papa-francesco_esortazione-ap_20180319_gaudete-et-exsultate.html)

Na Sala de imprensa da Santa SéA exortação apostólica do Papa sobre a chamada à santidade no mundocontemporâneo foi apresentada a 9 de abril na Sala de imprensa daSanta Sé. Intervieram o arcebispo Angelo De Donatis, vigário-geral deSua Santidade para a diocese de Roma, o jornalista Gianni Valente e aex-presidente da Ação católica italiana, Paola Bignardi. Introduzidos pelodiretor da Sala de imprensa Greg Burke, que transmitiu também umvídeoclip sobre o documento pontifício, os três relatores apresentaram ascinco partes nas quais ele está dividido e responderam a algumasperguntas dos jornalistas acreditados. Por fim quatro pessoas de diversasnacionalidades e culturas, que leram antecipadamente a Gaudete etexsultate, ficaram à disposição dos meios de comunicação para exprimir ecompartilhar as suas impressões. Trata-se do refugiado afegãoMohammad Jawad Haidari, muçulmano, que obteve um master emreligião e mediação cultural na universidade La Sapienza de Roma; docanadense Adam Hincks, diácono jesuíta e astrofísico; da religiosafrancesa Ir. Josepha, da fraternidade monástica de Jerusalém; e daitaliana Veronica Polacco, cineasta e ex-atriz, recentemente convertida aocatolicismo.

pessoal, em contacto finalmente com averdade de nós mesmos, poderemos vi-ver um diálogo sincero com o Senhor edeixar-nos invadir por Ele. «Não te-nhas medo de apontar para mais alto,de te deixares amar e libertar por Deus.Não tenhas medo de te deixares guiarpelo Espírito Santo. A santidade não tetorna menos humano, porque é o en-contro da tua fragilidade com a forçada graça» (34).

Permiti que acrescente algumas pala-vras sobre o último capítulo, porque setrata de uma parte importantíssima da

manizador com a misericórdia deDeus) para a destruição da nossa reali-dade de filho de Deus que é a corrup-ção (164-165). É necessário exercer umagrande vigilância, porque o corrupto éaquele que vive uma «cegueira cómodae autossuficiente, em que tudo acabapor parecer lícito» (165). Satanás é ca-paz de «se disfarçar em anjo de luz»,para nos enganar e nos fechar de novona autorreferencialidade mais radical(165).

Como fazer? O Papa convida-nos apedir o dom do discernimento. Esta

Angu Walter, «Oração da noite»

Jorge Cocco,«O sermão da montanha»

Sue Killingsworth, «Vi uma grande multidão»

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Do âmago do pontificado

tidiana, aliás, já presente na nova rea-lidade, e por conseguinte também nalinguagem, das primeiríssimas comu-nidades cristãs, como sobressai porexemplo nas saudações das cartas deSão Paulo aos Romanos e aos Corín-tios, apenas trinta anos depois da pre-gação de Jesus.

A pregação de Cristo está na raizdo documento papal, desde o títuloderivado da conclusão das bem-aven-turanças no evangelho segundo Ma-teus e que evoca outras duas exorta-ções apostólicas: a programática dopontificado (Evangelii gaudium) e umtexto quase esquecido de Paulo VI so-bre a alegria cristã (Gaudete in Domi-no). E precisamente as bem-aventu-ranças evangélicas são evocadas peloPontífice, comentadas e sintetizadasnuma série eficaz de sabor francisca-no, desde a primeira («Ser pobre nocoração: isto é santidade») até à oita-va («Abraçar diariamente o caminho

do Evangelho mesmo que nos acarre-te problemas: isto é santidade»).

Até ao «grande protocolo» do juízofinal descrito no vigésimo quinto ca-pítulo do evangelho de Mateus sobreo qual, ao longo destes cinco anos,voltou a falar com frequência o PapaFrancisco, cujo ensinamento demasia-das vezes é mutilado por simplifica-ções e caricaturas mediáticas, não ra-ramente maldosas, mas sobretudo dis-tantes da realidade. Um ensinamentoque, ao contrário, evoca constante-mente a tradição cristã, como na últi-ma parte deste documento dedicada àvida cristã que é «um combate perma-nente»: contra o mal e mais exata-mente contra o demónio, «terrívelrealidade» acerca da qual o Pontíficecita um texto pouco conhecido dePaulo VI e escreve páginas importan-tes. No final de um documento ex-traordinário muito pessoal sobre achamada à santidade no mundo con-temporâneo que se encerra com umavisão comovedora da maternidade deMaria, santa entre os santos.

exortação. O título explica que o cami-nho para a santidade implica o comba-te e requer a atitude de uma vigilânciaconstante. Para o viver, devemos pediro dom do discernimento.

O combate é contra «a mentalidademundana», «contra a própria fragilida-de e as próprias inclinações» desorde-nadas, mas é também «uma luta contrao Maligno» (159-161). O Papa Francis-co, como sabemos, fala sobre isto comfrequência e na exortação frisa quequando se fala do Inimigo não se tratasó de «um mito, uma representação,um símbolo, uma figura ou uma ideia»(161), mas «um ser pessoal que nosatormenta» (160). No Pai-Nosso a últi-ma invocação na realidade é «livrai-nosdo Maligno». A finalidade do Inimigoé separar-nos de Deus, fazendo-nospassar da experiência do pecador per-doado, “m i s e r i c o rd i a d o ” (o pecado co-mo lugar do encontro libertador e hu-

Ser cristão significa receber deDeus o dom de uma vida boa,rica de sentido, plena de sabor,pôr-nos num caminho que nostorne «mais vivos, mais huma-nos» (32). Contra o mal de vi-ver ou a aceitação (falsamentepacífica) do não sentido darealidade para se limitar a ha-bitar o próprio fragmento deexistência, Deus oferece umcaminho de santidade, corajosoe humanizador, para ser vividono seguimento de Cristo e narede das relações com os ou-tros. Deus é o três vezes Santo,e derrama sobre os homens asua vida divina: «Sede santos,porque eu o Senhor, sou san-to» (Levítico 11, 44), transfigu-rando a existência do homem etornando-a cada vez mais àimagem e semelhança da sua.

É evidente que com estaexortação o Papa Franciscoquer chamar a atenção sobre oque é decisivo e essencial navida cristã e ajudar-nos a man-ter amplo o nosso olhar, contraa tentação de reduzir a visãoou de perder o horizonte, de

com a tua vida» (24).Esta proposta de vi-

da, que é a santidadecristã, tende gradual-mente a conformar ohomem com Cristo uni-ficando e integrando asua vida. Oração e açãono mundo, tempos desilêncio e tempos deserviço, vida familiar ecompromisso do traba-lho, «tudo pode ser re-cebido e integrado co-mo parte da própria vi-da neste mundo, en-trando a fazer parte docaminho de santifica-ção» (26). A busca demomentos de solidão ede silêncio, distancian-do-nos da corrida febrilda qual é feita a nossavida, visa esta unifica-ção interior sob o olharde Deus. Neste espaço

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

Maria e a santidade

Sob o seu manto

No Orientee no OcidenteA santidade «redescoberta, vivida ecelebrada na Igreja» está no centro dolivro do cardeal prefeito daCongregação para as causas dos santosI santi e la Madre di Dio (Cidade doVaticano, Libreria editrice vaticana,2018, 404 páginas). Em particular, opurpurado visa o objetivo da «grandeconstelação dos santos marianospresentes no Oriente e no Ocidente».Publicamos um excerto tirado daprimeira parte dedicada à «Mãe deDeus, mestra dos santos».

Pelos responsáveis da economia

Intenção de oração para o mês de abril«Para que os responsáveis do pensamento e da gestão económica tenhama coragem de rejeitar uma economia de exclusão e saibam abrir novos ca-minhos», eis a intenção do Papa Francisco contida na mensagem vídeopara o mês de abril confiada à Rede mundial de oração e divulgada nainternet (www.thepopevideo.org).

Na filmagem veem-se as peças de um dominó sobre as quais estão re-presentados os rostos de homens e mulheres de todas as línguas, culturas,raças e continentes. Irmana-os a busca de um trabalho e de um sustentoeconómico digno, porque, como afirma o Papa, «a economia não podepretender aumentar apenas o lucro, reduzindo o mercado do trabalho ecriando desta forma novos excluídos». Neste sentido, ela «deve seguir ocaminho de empresários, políticos, pensadores e agentes sociais que põeem primeiro lugar a pessoa e fazem o possível para garantir que hajaoportunidade de trabalho digno».

No vídeo, de repente, vê-se uma mão que começa a derrubar as peçasdo dominó. Deste modo, uma em cima da outra, caem também as ima-gens dos rostos das pessoas. Até quando outra mão, com uma etiquetacolocada de maneira transversal na fila das peças, interrompe a quedadando vida a um movimento oposto ao precedente e reerguendo simboli-camente as pessoas representadas. Portanto, o convite do Pontífice: «Le-vantemos unidos a nossa voz para que os responsáveis do pensamento eda gestão económica tenham a coragem de rejeitar uma economia de ex-clusão e saibam abrir novos caminhos».

Traduzido em nove línguas, o vídeo, assim como os precedentes, foipreparado pela Rede mundial de oração do Papa com a agência La Ma-chi, que se ocupa da produção e da distribuição, em colaboração com Va-tican Media que o gravou.

ANGELO AM AT O

Uma das orações marianas mais an-tigas contém uma invocação à mise-ricórdia materna da Virgem: «Sob atua misericórdia nos refugiamos»(século III). A tradução latina “subtuum praesidium” (“sob a tua prote-ção”) não exprime exatamente o gre-go “eusplanchnia”. Mas, um antifo-nário ambrosiano do século XII tra-duz corretamente: “Sub tuam miseri-c o rd i a n ”.

Num hino natalício, Romano oMelodista (século VI) descreve a ati-tude misericordiosa de Maria em re-lação a Adão e Eva, entristecidos pe-

São Bernardo, comentando a in-tervenção de Maria em Caná, escre-ve: «Sendo misericordiosa e benig-níssima, teve compaixão da vergo-nha deles. E por que se admirar queas vísceras da piedade mostrem pie-dade?».

Herbert de Losinga (início do sé-culo XII) descreve com muitos por-menores a intervenção milagrosa deMaria para a cura de um monge,que provavelmente era o beneditinoHermanno Contratto, falecido em1054 e suposto autor da Salve Rai-nha: «Tendo aproximado dele sobforma de um médico, pôs a mão nopeito daquele sofredor e perguntou-

preservas do abismo do desespero;infundes o remédio da esperança eabraças com afeto materno quem édesprezado pelo mundo inteiro; tuassistes e não abandonas; reconciliaso mistério com o juiz terrível».

Para o cisterciense Helinando deFroidmont (século XIII) Maria «é amãe da misericórdia, e portanto sedeixa facilmente enternecer pelas lá-grimas dos penitentes; imediatamen-te atende as orações dos humildes;depressa dirige-se ao juiz, que é seuFilho, para o implorar em benefíciodeles».

«Benigna, piedosa e misericordio-sa, ela — diz Oglério de Lucédio (sé-culo XIII) — apressa-se sempre a aju-dar e confortar quantos clamam porela na tribulação».

Para Santo António de Pádua (sé-culo XIII) «a misericórdia do Senhorprovidenciou um refúgio de miseri-córdia em nome de Maria para oshomicidas até voluntários».

O carmelita flamingo, ArnoldBostius (século XV) imagina o se-guinte diálogo entre Jesus, juiz jus-to, e Maria, mãe misericordiosa: «Seo Filho de Deus, por exigência dejustiça dissesse: Farei morrer este in-justo infiel, a Virgem clementíssimaresponderia: E eu far-lo-ei reviver,por meio da misericórdia, porquesou a Mãe da misericórdia».

No segundo milénio a misericór-dia materna de Maria continua a sercelebrada quer no Ocidente quer noOriente. Por exemplo, a tradiçãorussa, através de Cirilo de Turov (sé-culo XII), chamado pela sua elo-quência o Crisóstomo russo, dirige-se a Maria com apelativos de cle-mência como «Mãe benigna», «Se-

nhora Misericordiosa»; «Protetorabenigna diante de Deus».

São Demétrio de Rostov (1651-1709), fecundo escritor sacro, canoni-zado pela Igreja ortodoxa russa em1757, na sua primeira homilia para afesta da Proteção da Mãe de Deus(P o k ro v ) faz realçar a misericórdiasem limites de Maria, superior a dasmães terrenas: «Na verdade é maisprovável que lancemos o nosso filhodentro da boca de um lobo do que aMãe da Misericórdia abandone aostormentos dos inimigos alguém quenela encontra refúgio. O pai e a mãeàs vezes expõem os seus filhos narua, a Mãe de misericórdia nunca osabandona, recebe todos como Mãede uma disponibilidade insuperável,nutre-os com o leite da graça divi-na».

O teólogo ortodoxo AleksandrSchmeman (1921-1983), da diásporarussa, ilustrando a festa da proteçãoda Virgem num período de marxis-mo imperante na Rússia, escrevia:«Ainda hoje, na sua grande desven-tura, o nosso povo se distingue como sinal da sua Proteção [...]. Esta-mos certos e acreditamos que tam-bém ela agora, a Misericordiosa, in-tercede com a oração e o pranto pe-lo destino da Rússia».

la sua situação miserável: «Pondefim às lamentações, far-me-ei vossaadvogada junto do meu Filho [...].Tenho um Filho misericordioso emuito compassivo».

Portanto, com razão, a Salve Rai-nha chama Maria «mãe de miseri-córdia». Este comportamento maria-no foi interpretado iconograficamen-te através do símbolo do manto, queprotege ora um grupo de fiéis (tradi-ção ocidental) ora uma cidade intei-ra (tradição oriental). Na Etiópiafesteja-se o chamado «Pacto de mi-sericórdia» concordado entre Jesus eMaria para salvar os pecadores quese confiam a ela.

Na idade média latina, os títulos«Mater misericordiae» e «ReginaMisericordiae» tiveram grande realcetanto nas orações monásticas comonas devoções populares. A funçãomaterna de Maria era vista precisa-mente na prática da sua misericórdiasem limites para com os fiéis. «Mise-ricordíssima» e «Mãe da misericór-dia» implora-a, por exemplo, Maurí-lio de Rouen (século XI) numa suainspirada oração mariana: «Mãe san-ta, mãe imaculada, mãe incorruptívelde misericórdia, mãe de piedade ede indulgência, abre o seio da pieda-de e acolhe a mim que estou mortopor causa dos pecados [...]. Estarãosempre próximas a mim a tua graça,a tua misericórdia e a tua proteção; ese tiver que cair no inferno, é lá queme procurarás e de lá me tirarás afim de me restituires ao teu Filho».

córdia e da graça».«Maria, mãe de misericórdia, tira-

me da lama da fealdade e do pânta-no da miséria» implora o beneditinoinglês Guilherme de Malmesbury(século XII).

Num sermão Ricardo de São Vi-tor (século XII) pergunta: «O que háde mais misericordioso que a bem-aventurada Maria, que é chamadapor todos os fiéis mãe de misericór-dia? Todos os que a invocam comverdadeira fé comprovam que ela édeveras mãe de misericórdia».

Inclusive Pedro de Celle (séculoXII) questiona-se: «Cessará a Mãe deamamentar quantos o seu Filho veiosalvar? Poderá a Mãe da misericór-dia abster-se de nutrir com um fluxoabundante de leite quantos pelosquais o seu Filho pôde e quis exalaro espírito?».

O abade beneditino Egberto deSchönau (século XII) explica assim amisericórdia de Maria: «Sabemosque tu és mulher de inestimávelbondade e exatamente a mãe da mi-sericórdia, porque tu tens atravessa-do este mundo impuro e obscenosem manchar o teu caminho; e mes-mo estando com os pecadores, dian-te de Deus tornaste luminosa deuma tal santidade que só tu merecesaproximar-te do trono do Rei eter-no. Não sentes horror pelo pecador,apesar do seu cheiro fétido; não odesprezas se olhando para ti suspirae com coração penitente implora atua intervenção. Com mão piedosa o

«Proteção da Mãe de Deus»(século X V, Novgorod)

lhe de qual doença setratava. Após o seu vene-rável contato, a enfermi-dade dele desapareceutão depressa que as do-res dos seus membros sa-raram imediatamente. Eela disse-lhe: Sou a mãeda misericórdia. Acaboude dizer isto e o enfermosentiu-se bem e a bem-aventurada Virgem vol-tou para a sua glória».

A misericórdia de Ma-ria como intervenção te-rapêutica foi evocadatambém por Gofredo deAdmont (século XII), pa-ra o qual o Espírito San-to «reuniu no coraçãoda destemida VirgemMaria todos os grãos dagraça medicinal, isto é,todos os dons da miseri-

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

A uma peregrinação da diocese de Brescia

O jovem Montini

«Descobrir como era Giovanni BattistaMontini na juventude, na sua família,como estudante, no oratório, quaisforam os seus sonhos»: eis o «dever decasa» confiado pelo Papa Franciscoaos jovens da diocese de Brescia(Itália), recebidos na manhã de 7 deabril na sala Paulo VI.

Queridos jovensb em-vindos!Dizem que onde há juventude hábarulho, mas aqui há silêncio...

[exclamações de alegria dos jo-vens].

Agradeço-vos o vosso acolhimentofestivo. Estou grato ao vosso Bispopela sua introdução e às pessoas quevos acompanham nesta peregrina-ção. Obrigado a todos!

Impressionaram-me as palavrasdaquele jovem, há pouco citadas pe-lo Bispo, e que eu já tinha ouvidoantes: “Mas verdadeiramente os bis-pos acham que os jovens podemajudar a Igreja a mudar?”. Não seise aquele jovem, que formulou estapergunta, está aqui entre nós... Estáaqui?... Não está, muito bem. Masde qualquer forma posso dizer, a elee a todos vós, que também eu apre-cio deveras esta pergunta. Apraz-meque o próximo Sínodo dos bispos,sobre “Os jovens, a fé e o discerni-mento vocacional”, seja preparadopor uma escuta verdadeira dos jovens.E posso testemunhar que isto está aser feito. Também vós mo demons-trais, com o trabalho que progridena vossa diocese. E quando digo“escuta verdadeira” refiro-me inclusi-ve à disponibilidade a mudar algo, acaminhar juntos, a compartilhar ossonhos, como dizia aquele jovem.

Mas também eu tenho o direitode fazer perguntas, e gostaria de for-mular uma. Vós justamente vos

questionais se nós, bispos, estamosdispostos a ouvir verdadeiramente ea mudar algo na Igreja. E eu per-gunto-vos: vós estais dispostos a ou-vir Jesus e a mudar algo de vós mes-mos? Deixo a pergunta para que en-tre no vosso coração. Repito-a: estaisdispostos a ouvir Jesus e a mudar al-go de vós mesmos? Se estais aqui,penso que é assim, mas não possonem quero dá-lo por certo. Cada umde vós reflita dentro de si, no pró-prio coração: estou disposto a fazermeus os sonhos de Jesus? Ou entãotemo que os seus sonhos possam“p erturbar” os meus?

E qual é o sonho de Jesus? O so-nho de Jesus é aquele que, nosEvangelhos, se chama reino de Deus.O reino de Deus significa amor aDeus e amor entre nós, formar umagrande família de irmãos e irmãscom Deus como Pai, que ama todosos seus filhos e que se enche de ale-gria quando um daqueles que se

perdeu volta para casa. Este é o so-nho de Jesus. Pergunto: estais dis-postos a fazê-lo vosso? Estais dis-postos a fazê-lo vosso? Estais dis-postos também a mudar para abra-çar este sonho? [os jovens respon-dem: sim!]. Muito bem!

Jesus é muito claro. Diz: «Se al-guém quiser vir após mim — ou seja,comigo, atrás de mim — negue-se asi mesmo...». Por que usa Ele estapalavra, que soa um pouco desagra-dável, “negar-se a si mesmo”? Por-quê? Em que sentido deve ser enten-dida? Não quer dizer desprezaraquilo que o próprio Deus nos con-cedeu: a vida, os desejos, o corpo, osrelacionamentos... Não, Deus quistudo isto e deseja-o para o nossobem. E no entanto, Jesus pede aquem o quiser seguir, que “se neguea si mesmo”, porque em cada um denós existe aquilo que na Bíblia sechama o “homem velho”: há um“homem velho”, um eu egoísta quenão segue a lógica de Deus, a lógicado amor, mas segue a lógica oposta,a do egoísmo, do fazer o próprio in-teresse, muitas vezes disfarçado deuma boa fachada, para o esconder.Vós conheceis todas estas coisas, fa-zem parte da vida. Jesus morreu naCruz para nos libertar desta escravi-dão do homem velho, que não é ex-terna, mas interna. Quantos de nóssão escravos do egoísmo, do apegoàs riquezas, dos vícios. Estas são es-vravidões internas. É o pecado, quenos faz perecer dentro. Somente Ele,Jesus, pode salvar-nos deste mal,mas há necessidade da nossa colabo-ração, que cada um de nós diga: “Je-sus, perdoai-me, dai-me um coraçãocomo o vosso, humilde e cheio deamor”. É bonita esta oração: “Jesus,perdoai-me, dai-me um coração co-mo o vosso, humilde e cheio deamor”. Assim era o Coração de Je-sus. Assim amava Jesus. Assim viviaJesus.

Sabeis? Jesus leva a sério umaoração como esta! Sim, e a quantosconfiam nele, proporciona experiên-cias surpreendentes. Por exemplo,ter uma nova alegria por ler o Evan-gelho, a Bíblia, um sentido da bele-za e da verdade da sua Palavra. Ouentão, sentir atração pela participa-ção na Missa, que para um jovem

não é muito comum, não é verdade?E, ao contrário, sente-se o desejo deestar com Deus, de permanecer emsilêncio diante da Eucaristia. Ou en-tão, Jesus faz-nos sentir a sua pre-sença nas pessoas que sofrem, doen-tes, excluídas... Pensai naquilo quesentistes, quando fizestes algo bom,quando ajudastes alguém. Não éverdade que sentistes uma boa sen-sação? É isto que Jesus oferece. ÉEle quem nos muda, é exatamenteassim. Ou então, dá-nos a coragemde cumprir a sua vontade, indo con-tracorrente, mas sem orgulho, nempresunção, sem julgar os outros...Todos estes são seus dons — são seusdons! — que nos fazem sentir cadavez mais vazios de nós mesmos esempre mais repletos dele.

Os santos demonstram-nos tudoisto. Por exemplo, São Francisco deAssis: era um jovem cheio de so-nhos, mas tratava-se de sonhos domundo, não de Deus. Jesus falou-lhe no Crucifixo, na igrejinha deSão Damião, e a sua vida mudou.Abraçou o sonho de Jesus, despo-jou-se do seu homem velho, negou oseu eu egoísta e acolheu o Eu de Je-sus, humilde, pobre, simples, miseri-cordioso, repleto de alegria e de ad-miração pela beleza das criaturas.

E pensemos também em GiovanniBattista Montini, Paulo VI: justa-mente, estamos habitaudos a recor-dá-lo como Papa; mas antes ele foium jovem, um rapaz como vós, deum povoado da vossa terra. Gostaria

Francisco recebeu a fundadora do Cedal

Arte de viver juntos

Senhora, caros amigos!Estou feliz por vos receber esta manhã para vos saudar e prestar homena-gem ao vosso compromisso ao serviço da paz, da defesa dos direitos hu-manos, da proteção da nossa terra e do apoio ao desenvolvimento deuma sociedade mais humana e fraterna.

Senhora, aprecio a sua missão como fundadora do Centre d’Etude dudéveloppement en Amérique Latine (CEDAL). A sua criatividade incansáveldeu frutos através dos “Dialogues en humanité”, cujos encontros visam cen-trar de novo as políticas na humanidade, para construir uma cidadaniaque cuide da “casa comum”. É bom suscitar uma arte de viver juntoscom simplicidade, benevolência e fraternidade, assim como educar para acultura do respeito e do encontro, a única capaz de construir um futuro àaltura do ideal do homem.

Através da Encíclica Laudato si’ e de várias mensagens, convocando opróximo Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, faço votos a fim de que anossa história humana possa tornar-se uma florescência de libertação,crescimento, salvação e amor (cf. Enc. Laudato si’, 79). Enquanto transmi-to a todos vós a minha gratidão pela vossa generosidade e dedicação, as-seguro-vos a minha oração e abençoo-vos de coração.

Na manhã de 6 de abril, o Papa Francisco recebeu em audiência, nabiblioteca particular do Palácio apostólico, a fundadora do Centre d’Etude dudéveloppement en Amérique Latine, Henryane de Chaponay, vinda de Pariscom um séquito de cerca de dez pessoas.

de vos dar uma tarefa, um “dever decasa”: descobrir como era GiovanniBattista Montini na juventude; comoera na sua família, como estudante,no oratório... quais foram os seus“sonhos”... Procurai descobrir isto.

Estimados rapazes e moças, agra-de-vos esta visita, que me dá alegria,muita alegria. Obrigado! Que o Se-nhor vos abençoe e Nossa Senhoravos acompanhe ao longo do cami-nho. A vida é um caminho! É preci-so caminhar... E recomendo-vos: nãovos esqueçais de rezar por mim.O brigado!

E agora gostaria de vos concedera Bênção, mas antes, todos juntos,rezemos a Nossa Senhora: “Ave Ma-ria...”.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

Gregório de Nareknosso contemporâneo

Audiência ao presidenteda República da Arménia

as escolas teológicas e filosóficas dotempo e pela promoção das artes.Todos os problemas pertinentes e asperguntas fundamentais da épocaressoaram, de um modo ou de ou-tro, na vida e no pensamento deGregório de Narek (em arménio,Krikor Narekatsi), um dos grandesmísticos do cristianismo mundial.

As informações sobre a sua vidasão bastante escassas. Nasceu em950. Ordenado monge em 977, cedofoi nomeado mestre de patrística,posição reservada aos monges que setinham distinguido intelectualmente.Assimilou plenamente as ciências es-colásticas conhecidas como trivium equadrivium, e era perito em filosofiae espiritualidade oriental.

Considerado santo ainda em vida,Gregório produziu uma obra que éjustamente definida o ápice da espi-ritualidade arménia, assim comouma das obras-primas do misticismomundial. O livro é conhecido comdiversos títulos e, popularmente,com o de N a re k . A identificação doautor com a obra é tal que torna di-fícil distinguir entre ele e o N a re k ,expressão autêntica da luta contínuade Gregório para entrar em comu-nhão com Deus. A obra é uma reco-lha de 95 discursos, com 336 subdi-visões. Não se trata de uma prece aDeus, mas de um «diálogo comDeus, do fundo do coração».

O colóquio entre Deus e o ho-mem apresenta duas questões cen-trais: quem é o ser humano? Qual éa sua vocação no mundo? No N a re kestas perguntas são enfrentadas sobdiversas perspetivas e em diferentescontextos, mas sempre numa relaçãodialética com Deus. O autor estádiante de Deus, representando a hu-manidade inteira. Buscando Deus,

de; é uma cura poderosa para corpoe alma. Ele dirige-se a Deus como aum verdadeiro curador: «Sara-mecomo um médico». Com efeito, oNarek é essencialmente um livro deoração.

A liturgia da Igreja arménia estácheia de preces tiradas do N a re k .Muitas vezes os fiéis põem o N a re kdebaixo do travesseiro dos doentes,julgando que tem o poder de curar.O Narek é uma tentativa audaz de secolocar diante de Deus em nome detoda a humanidade, para conversarcom Ele, protestar contra a injustiçae o sofrimento, deplorar a crueldadedos seres humanos e enfrentar a rea-lidade do pecado. É também a vigo-rosa busca de uma nova visão da

ménios daquela região foram obriga-dos a abandonar a terra natal junta-mente com o seu rei Senequerim, le-varam consigo algumas relíquias dosanto e colocaram-nas no mosteirode Arak. Hoje os dois mosteiros jánão existem, mas São Gregório deNarek continua a viver no coraçãode cada arménio, com o seu “monu-mento eterno”. Este santo monge,mediante o seu diálogo com Deus, oseu pedido de sentido e de salvação,e a sua luta pela libertação e a trans-formação permanece nosso eternocontemp orâneo.

*Catholicos da Igrejaarménia apostólica da Cilícia

Na manhã de 5 de abril, o presidente da República da Arménia, SerzhSargsyan, foi recebido em audiência pelo Papa Francisco. Sucessivamenteencontrou-se com o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, acompa-nhado pelo secretário para as Relações com os Estados, arcebispo PaulRichard Gallagher.

Durante os colóquios cordiais expressaram viva satisfação pelas boasrelações existentes entre a Santa Sé e a Arménia, evidenciando que ainauguração da estátua de São Gregório de Narek, doutor da Igreja, nosJardins do Vaticano, foi uma ocasião para promover ulteriormente tais re-lações, assim como aquelas entre a Igreja arménia apostólica e a Igrejacatólica.

Prosseguindo o encontro, referiram-se ao contexto político regional, fa-zendo votos por uma solução das situações de conflito e foram tratadosoutros temas de atualidade internacional, além da condição dos cristãos edas minorias religiosas, especialmente nos cenários de guerra.

ARAM*

Na história arménia, o séculoX é geralmente consideradoo início da “era da prata”.

Este período distinguiu-se pelaprosperidade da vida monástica, pe-la fundação de mosteiros e igrejas,pela criação de ricas obras literárias,por uma interação mais estreita com

ele procura a própria identidade edestino. A compreensão que tem desi mesmo é determinada e condicio-nada por Deus. Sem Deus, conside-ra-se «desprovido de significado ede finalidade». Compreende o seuser, a sua existência e o seu destinounicamente em Deus e por meio deD eus.

Gregório é um grande místico,um teólogo extraordinário e umpoeta humanista. Estas três dimen-sões da sua pessoa e do seu pensa-mento estão intimamente interliga-das. O seu misticismo não é negaçãode si, mas sobretudo afirmação de simesmo, destinada a recuperar e a re-descobrir a imagem de Deus no serhumano. O misticismo do autor étambém existencial; nasce de umaespiritualidade vivida. Não é umafuga do mundo; ao contrário, é umcompromisso no mundo de injustiçae de sofrimento, com a clara ideia detransformar a humanidade e a cria-ção com a graça de Deus, através deJesus Cristo e no poder do EspíritoSanto.

A teologia de Gregório é mais es-piritual que racional, mais existencialque metafísica, mais dialogal queprescritiva. O autor leva a teologiapara fora dos seus confins doutrinaise da esfera transcendente, desenvol-vendo-a no contexto de uma relaçãoviva com Deus e com a sua criação.A composição deste pioneiro do re-nascimento arménio não é uma for-ma clássica de hinologia, mas poesiapura, tocada pela graça divina; nosseus versos estão presentes os misté-rios e as belezas da natureza.

A teologia de Gregório é tantodialogal como dialética. A visão doabsoluto provém do alto e gera umaresposta humana. Para o autor, oateísmo é uma impossibilidade onto-lógica. Deus é a fonte, o centro e ofim da vida humana. O pecado ori-ginal do primeiro homem criou umadivisão entre os seres humanos eDeus. Não se trata de uma dicoto-mia ontológica; é provisória, por serdevida ao pecado humano. O fimdo processo, sustentado pelo amor epela graça de Deus, é reconciliação eunificação com Deus. Em Gregório,o conceito de unificação com Deus éo ortodoxo de theosis, realçado pelomisticismo oriental. A theosis é a in-corporação na natureza divina, semfusão nem mistura. Ela só é alcança-da mediante a intervenção da graçadivina e a resposta humana obedien-te. A theosis não é pessoal; o proces-so abrange a criação inteira. A metado misticismo do autor não é a des-coberta do infinito, mas a redesco-berta de si mesmo no infinito e pormeio do infinito. É também umaprofunda consciência da presençasalvífica de Deus, no poder do Espí-rito Santo, na humanidade e em to-da a criação.

O pensamento de Gregório é do-minado por criativa imaginação e ri-ca alegoria. A sua imaginação é tãovasta e profunda que supera os con-fins do concreto e do visível, e pro-cura penetrar até no mistério divino.O diálogo apaixonado com Deustranscende lógica e razão. É precisolê-lo várias vezes para discernir asprincipais correntes do seu pensa-

Escreveu uma obra que é justamentedefinida o ápice da espiritualidadearménia, assim como uma das obras-primas do misticismo mundial

nha sido compa-nheiro de muitos ar-ménios e que o po-vo arménio o tenhaconsiderado uma“segunda Bíblia”.

Segundo a tradi-ção, Gregório fale-ceu em 1003 e foisepultado no mos-teiro de Narek. Em1021, quando os ar-

mento e entender o seu significado.Com efeito, cada frase, e até cadapalavra do N a re k , descerra ao leitoruma renovada dimensão ou um no-vo horizonte. O autor recorre abun-dantemente a metáforas e temas bí-blicos, e a sua linguagem é parabóli-ca e repleta de contrastes e parado-xos.

Para Gregório, a oração é o fulcroda relação entre Deus e a humanida-

humanidade e de uma autênticaexistência humana, transformada pe-la graça divina. O autor recorda atodos os teólogos que a teologia nãoé um discurso teológico a respeitode Deus mas, fundamentalmente,um esforço de fé, amparado pela ra-zão, para falar com Deus, e que fa-zer teologia implica engajar-se numarelação viva com Deus e a sua cria-ção. Não é ocasional que o Narek te-

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

O Papa Francisco inaugurou a estátua do santo arménio

Um doutor da Igrejanos jardins do Vaticano

Saudaram-se diante do monte Ararat, no mosteirode Khor Virap, libertando duas pombas num voode amizade, fraternidade e paz. Voltaram a en-contrar-se no Vaticano na manhã de 5 de abril,nos jardins diante da sede do Governatorato, paraa inauguração da estátua de bronze de São Gre-gório de Narek, grande arauto da solidariedadeuniversal. O Papa Francisco e Karekin II, catholi-cos de todos os arménios, renovaram assim oabraço e a oração conjunta partilhados há doisanos, em junho de 2016, por ocasião da visita doPontífice à Arménia. Estavam presentes também ocatholicos da Igreja arménia apostólica da Cilícia,Aram I; o patriarca católico Grégoire Pierre XXGhabroyan, da Cilícia dos arménios; e o presiden-te da República da Arménia, Serzh Sargsyan.

O verdadeiro “mestre de cerimónias” deste en-contro foi São Gregório de Narek, poeta, monge,místico e teólogo do século X, figura-chave dacultura e do universo espiritual da Arménia, au-têntica ponte entre Oriente e Ocidente, voz deum ecumenismo que afunda as suas raízes nos sé-

culos. Durante a visita de 2016, o Papa Franciscodefiniu o seu Livro das Lamentações como a«constituição espiritual» do povo e falou dele co-mo de um «doutor da paz», citando trechos dasua obra, como a passagem em que escrevia: «Re-cordai-vos, Senhor, daqueles que, na estirpe hu-mana, são nossos inimigos, mas para o bem deles:cumpri neles perdão e misericórdia. Não extermi-neis aqueles que me mordem: transformai-os! Ex-tirpai a conduta terrena viciosa, e enraizai emmim e neles a boa». E na missa celebrada emGyumri, definiu o santo poeta — que o próprioFrancisco incluiu entre os doutores da Igreja uni-versal no dia 12 de abril de 2015 — como «grandearauto da misericórdia divina». Naquela ocasião,a 25 de junho de 2016, o Papa passou no meio damultidão para saudar a comunidade católica locale, a bordo do jipe, quis que ao seu lado estivesseKarekin II para lançar uma concreta e visívelmensagem de diálogo, paz e fraternidade.

Foi exatamente naquela viagem, durante a visi-ta de cortesia ao palácio presidencial de Yerevan,que o presidente da República Sargsyan, ofere-cendo ao Pontífice uma pequena estátua de SãoGregório de Narek, desejou que um dia a imagemdo místico pudesse encontrar lugar também noVaticano. A obra, de bronze, foi colocada nos jar-dins do Vaticano, atrás da basílica de São Pedro,entre a estação e o palácio do tribunal, ao longoda rua que dá para a praça da Casa Santa Marta.O autor é David Erevantsi, artista de Yerevan en-gajado na preservação das tradições arménias nomundo inteiro. Foi realizada totalmente em bron-ze numa fundição da República Checa. «Que es-ta imagem de São Gregório de Narek seja benzi-da e santificada pelo sinal da santa Cruz e dosanto Evangelho, e pela graça deste dia», caden-ciou solenemente o Papa Francisco, recitando afórmula de bênção durante a cerimónia, que setornou ocasião para um breve momento de oraçãocomum.

O Pontífice chegou às 12h20, acompanhado pe-lo arcebispo Georg Gänswein, prefeito da CasaPontifícia. Estavam com o Papa na plataformaposta diante da estátua ainda coberta, além deKarekin II, a Aram I e Grégoire Pierre XX Gha-broyan, os cardeais Leonardo Sandri, prefeito da

Congregação para as Igrejas orientais, e Kurt Ko-ch, presidente do pontifício Conselho para a pro-moção da unidade dos cristãos. Ao lado, o presi-dente arménio Sargsyan. Estavam presentes tam-bém diversas autoridades religiosas e civis.

Quem deu início ao rito — dirigido pelo mestredas celebrações litúrgicas pontifícias, monsenhorGuido Marini, coadjuvado pelo cerimoniário JánDubina — foi o Papa Francisco com o sinal dacruz. Depois, sete seminaristas do pontifício Colé-gio arménio entoaram um hino dedicado aos san-tos tradutores e doutores da Igreja. Após a leiturado trecho do Evangelho de João (15, 9-17) no qualJesus, durante a última Ceia, confia aos Apóstoloso mandamento do amor: «O que vos mando éque vos ameis uns aos outros», foi recitada umaoração de São Gregório, tirada do Livro das La-mentações. Eis o texto, de grande profundidadeteológica e beleza poética: «Senhor, o fogo é paraVós como orvalho que refresca; e a chuva, comochama que arde. Sois poderoso ao configurar apedra como forma que inspira, e ao erigir o racio-nal como estátua que não fala nem respira. Tor-nais digno de honra o devedor desanimado e jul-gais com justiça quem é considerado puro. Reme-teis à delícia dos bens quem está próximo damorte, e resgatais o desavergonhado, depois deter ungido de alegria o seu rosto. Endireitaisquem está condenado ao precipício da imundície,e estabeleceis na solidez da rocha quantos vaci-lam».

No final, o embaixador Minasyan descerrou aestátua para que o Papa Francisco a benzesse.

Imediatamente depois, Aram I, Ghabroyan eKarekin II sucederam-se nas preces de intercessãopela paz. O rito concluiu-se com a recitação co-mum do Pai-Nosso e com um abraço fraterno.

Aos participantes na semana nacional espanhola para os institutos de vida consagrada

Tempo de se reapropriar das raízes«O meu grande receio é que os nos-sos jovens percam as raízes. Receioisto. Talvez o trabalho de hoje sejapreparar o caminho para que se vejao que Joel anunciou: “os idosos so-nharão e os jovens profetizarão” (2,28)». Afirmou o Papa Francisco nu-ma mensagem vídeo enviada ao cla-retiano Carlos Martínez Oliveras, di-retor do Instituto teológico de vidareligiosa de Madrid, e aos demaissetecentos participantes na quadra-gésima sexta semana nacional paraos institutos de vida consagrada, queteve início no tarde de quinta-feira 5de abril.

O encontro, que terminou no dia8 na Fundação Paulo VI da capitalespanhola, teve como tema: «Cha-mou aqueles que amou. Jovens, dis-cernimento e vida consagrada». A fi-nalidade da iniciativa, promovidapelo Instituto teológico madrileno, édirigir o olhar ao próximo sínododos bispos e refletir sobre jovens evocações, com uma atenção especial

à vida religiosa. Participaram, entreoutros, os cardeais Carlos OsoroSierra e Óscar Rodríguez Maradia-ga, o arcebispo José Rodríguez Car-ballo, e frei Alois de Taizé.

O cenário de fundo da semana,realçou o Pontífice na mensagem, éa falta de vocações. Contudo, frisou,

«não podemos continuar com estequeixume, ficar ali com o nosso te-ma musical de lamentar o fim dasglórias do passado quando o Senhornos diz: “Olha em frente e rapara noque deves fazer”».

Contudo, aconselhou Francisco, énecessária atenção para «não fazer

proselitismo». Ao contrário, é preci-so procurar «maneiras de abrir cami-nhos para que o Senhor possa falar,a fim de que o Senhor possa cha-mar». Sobretudo, não serve «fazercampanha de tipo comercial, porquea chamada de Deus não faz partedos modelos de marketing. É umacoisa diferente. Por isso, ganhai co-ragem e ide em frente!».

«Hoje como nunca — afirmou oPontífice — é necessário que os jo-vens instaurem um diálogo com osidosos». Neste sentido, «o diálogoentre os avós e os netos é um diálo-go intergeracional de alto nível. Ain-da estamos a tempo: não o perca-mos». Depois Francisco exortou aencontrar «a maneira de ouvir aspreocupações dos jovens e tambémas dos idosos: colocai-os juntos e tu-do correrá bem».

«Em relação ao número de voca-ções — concluiu o Papa — o Senhorque decida. Nós fazemos aquilo queEle nos pediu: rezar e testemunhar».Vincent van Gogh, «Três raízes e troncos» (1890)

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

Ao instituto do Prado

Os pobres têm direito ao Evangelho

Protagonistas da Igrejaem saída

O Papa à comunidade Emanuel

A exortação «a ser protagonistas da “Igreja em saída”» foi dirigida pelo PapaFrancisco aos membros da Communauté de l’Emmanuel, recebidos em audiênciana manhã de 7 de abril, na sala Clementina. Tendo sido fundada em Paris nosanos setenta do século passado, a partir de um grupo de oração de renovaçãocarismática católica, desde 2009 a comunidade é reconhecida como associaçãopública internacional de fiéis.

Diletos amigos!Estou muito feliz por vos receber,por ocasião do vosso encontroanual, que desta vez se realiza emRoma. Esta peregrinação é o sinalda plena participação da Comunida-de Emanuel na comunhão de toda aIgreja católica. Para mim é tambéma ocasião para agradecer a vossa fi-delidade e a vossa afeição ao Suces-sor de Pedro, para vos transmitir oapreço com que considero o vossocompromisso missionário já presenteem todos os continentes, e para vosencorajar à perseverança no futuro.

Este futuro está marcado pelo re-cente reconhecimento da Associaçãoclerical da Comunidade Emanuel,no dia 15 do passado mês de agosto,estrutura que se tornou oportuna de-vido às numerosas vocações sacerdo-tais que o carisma de Emanuel susci-ta e para uma maior fecundidade daevangelização. Longe de isolar ospresbíteros dos outros membros daComunidade, leigos ou consagrados,desejo que este reconhecimento, aocontrário, vivifique a boa comunhãoentre os estados de vida dos quais

vós fazeis experiência há mais dequarenta anos, na complementarida-de das diversas vocações. Convidotambém as vossas comunidades amanter um vínculo cada vez mais es-treito com a realidade tão rica daparóquia do lugar em que elas vi-vem, e a integrar-se de bom gradona pastoral orgânica da Igreja parti-cular (cf. Exort. Apost. Evangeliigaudium, 29).

O carisma da Comunidade Ema-nuel está inscrito no seu nome:Emanuel, Deus connosco. É essen-cialmente da contemplação do mis-tério da encarnação, em particularda adoração eucarística, que vóshauris o dinamismo missionário paraanunciar a Boa Nova a todos aque-les aos quais Jesus oferece a sua ami-zade. Encorajo-vos a levar os ho-mens e as mulheres do nosso tempoa descobrir, onde quer que o Espíri-to vos envie, a Misericórdia deDeus, que nos amou a ponto de ha-bitar no meio de nós. Esta Miseri-córdia do Senhor, sempre presenteno meio do seu povo, pede para serproposta com novo entusiasmo, atra-

vés de uma renovada pastoral, parapoder sensibilizar o coração das pes-soas e para as animar a reencontraro caminho do regresso ao Pai (cf.Bula Misericordiae vultus, 15). Possa,onde a vossa Comunidade está pre-sente, manifestar-se a Misericórdiado Pai, de modo especial pelos maispobres — no coração ou no corpo —curando as suas feridas com a conso-lação do Evangelho, com a solidarie-dade e a atenção (ibid.).

Caros amigos, a ComunidadeEmanuel, desde as suas origens, sou-be manifestar um dinamismo realpara anunciar a Boa Nova de modovivo e jubiloso. Exorto-vos a perma-necer radicados em Cristo medianteuma sólida vida interior e confiandono Espírito Santo, que vem em aju-da da nossa fragilidade e nos curade tudo o que debilita o nosso com-promisso missionário; a conservar nocoração este fervoroso desejo detransmitir a alegria do Evangelhoaos que não a conhecem ou que a

perderam; a ser protagonistas da“Igreja em saúda”, que é o principaldos meus desejos. «A Igreja contaconvosco, com a vossa fidelidade àPalavra, com a vossa disponibilidadeao serviço e com o testemunho devidas transformadas pelo EspíritoSanto!» (Discurso na Vigília de Pen-tecostes, 3 de junho de 2017).

Juntamente convosco agradeço to-do o caminho que percorrestes sob oimpulso do Espírito Santo, o qualquer que estejamos constantemente acaminho; e convido-vos a permane-cer sempre à escuta dele, porque nãoexiste maior liberdade do que se dei-xar guiar pelo Espírito, permitindo-lhe que nos ilumine e nos conduzapara onde quiser.

Confio todos vós à intercessão daVirgem Maria, pedindo-lhe queoriente os vossos passos e ampare osvossos esforços. Abençoo-vos e, porfavor, não vos esqueçais de rezar pormim. Obrigado!

Os pobres têm direito ao Evangelho, reiterou o PapaFrancisco no discurso dirigido aos membros dafamília do Prado, recebidos em audiência na manhãde 7 de abril, na sala do Consistório.

Prezados irmãos e irmãs!É-me grato receber-vos por ocasião da vossa pere-grinação a Roma, como membros da família doPrado, comprometidos a dar quotidianamente avida no seguimento e a exemplo de Padre Antoi-ne Chevrier, ao serviço dos mais pobres. Este en-contro oferece-me a oportunidade de dar graças aDeus, juntamente convosco, pelo caminho percor-rido desde a época em que o vosso beato funda-dor, impressionado com a indigência dos mais de-serdados do seu tempo, decidiu tornar-se próximodeles, para que pudessem conhecer e amar JesusCristo. Desde então, a planta desenvolveu-se demaneira admirável: vós já sois uma bonita famíliade sacerdotes, de religiosas e de leigas consagra-das, distribuídos em vários países, habitados pelomesmo amor de Jesus, que se fez pobre entre ospobres, e pelo mesmo ardor para evangelizar.

Também a nossa época conhece as suas pobre-zas, antigas e novas, materiais e espirituais, e aonosso redor muitas pessoas experimentam sofri-mentos, feridas, misérias e angústias de todos ostipos. Elas vivem com muita frequências distantesda Igreja, ignorando completamente a alegria e aconsolação que derivam do Evangelho. A missãoa realizar no meio delas é imensa, e a Mãe Igrejasente-se feliz por poder contar com o apoio dosdiscípulos de Padre Chevrier. Com efeito, nãoposso deixar de aprovar e encorajar a ação pasto-ral que vós promoveis, segundo o carisma próprio

dos vossos Institutos, um carisma que me sensibi-liza pessoalmente e que está no centro da renova-ção missionária à qual a Igreja inteira é chamada;pois existe uma «íntima ligação entre evangeliza-ção e promoção humana, que se deve necessaria-mente exprimir e desenvolver em toda a açãoevangelizadora» (Exort. Apost. Evangelii gaudium,n. 178).

Por ocasião da beatificação de Padre Chevrier,em 1986 em Lião, o santo Papa João Paulo II p ro -

pôs-vos diversas orientações, que bem conheceis,para fortalecer o vosso dinamismo e, por minhavez, não posso deixar de as renovar. Citando ape-nas uma delas, ele exortou-vos: «Falai de JesusCristo com a mesma intensidade de fé de PadreChevrier. [...] Os pobres têm o direito que se lhesfale de Jesus Cristo. Têm direito ao Evangelho eà totalidade do Evangelho» (Discurso ao Institutodo Prado, 7 de outubro de 1986). Com efeito, façoquestão de recordar que a imensa maioria dos po-bres têm uma abertura particular à fé; precisamde Deus, e a falta de atenção espiritual no que selhes diz respeito constitui a pior discriminação:«A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privi-legiada e prioritária» (Evangelii gaudium, n. 200).

Estimados irmãos e irmãs, convido-vos a regres-sar continuamente à magnífica figura do vossofundador, a meditar sobre a sua vida, a pedir asua intercessão. A experiência espiritual que eleviveu intensamente — uma compaixão imensa pe-los pobres, a compreensão e a partilha dos seussofrimentos e, ao mesmo tempo, uma contempla-ção do despojar-se de Cristo que se fez um deles— foi a nascente do seu fervor apostólico. E sê-lo-á também do vosso dinamismo missionário.

O Espírito Santo vos ilumine ao longo dos ca-minhos que vos chamar a percorrer; vos ampareperante os desafios e as dificuldades. Enquantoconfio os vossos Institutos e todos os seus mem-bros à intercessão do Beato Antoine Chevrier, re-zo à Virgem Maria a fim de que os proteja sob asua salvaguarda maternal, e concedo-vos de cora-ção a Bênção Apostólica.

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número 15, quinta-feira 12 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕES

Fa l e c e uIgnace Pierre VIII

Ignace Pierre VIII Abdel-Ahad, Patriarca eméri-to de Antioquia dos sírios, faleceu no dia 4 deabril. Estava internado no Hafassah Ein Karemcampus, onde recentemente fez um tratamentoquimioterápico. Nascido a 28 de junho de 1930em Alepo, na Síria, foi ordenado Sacerdote nodia 17 de outubro de 1954. A 29 de junho de1996 foi nomeado Exarca patriarcal de Jerusa-lém dos sírios (Palestina e Jordânia), eleito si-multaneamente Bispo Titular de Batne dos sí-rios, tendo recebido a Ordenação episcopal a21 de junho de 1997. No dia 16 de fevereiro de2001 foi eleito Patriarca de Antioquia dos síriose recebeu a ecclesiastica communio de João PauloII a 20 de fevereiro. Renunciou ao governopastoral em 25 de janeiro de 2008.

Seminário em Fátima promovido pela Ccee e Secam

Europa e Áfricaperante a globalização

Na esteira de uma crescente colaboração pastoral, de 12 a 15 de abril, tem lugar no santuário de Fá-tima o seminário sobre «O significado da globalização para a Igreja e para as culturas na Europa ena África», organizado pelo Conselho das conferências episcopais da Europa (Ccee) e pelo Simpó-sio das conferências episcopais da África e Madagáscar (Secam). Há mais de uma década os doisorganismos promovem uma série de encontros para fortalecer a comunhão e aprofundar a reflexãosobre os grandes desafios da Igreja.

O tema será introduzido por uma intervenção de Livia Franco, docente no Instituto de estudospolíticos da Universidade católica portuguesa. Os trabalhos preveem três sessões para enfrentar oimpacto da globalização na juventude, nas migrações e na compreensão do homem e da ecologiahumana. Cada uma delas será introduzida por duas intervenções, respetivamente de um bispo euro-peu e de um bispo africano. Na conclusão, as sínteses de dois prelados, um europeu e um africano,procurarão traçar a missão do bispo diante dos desafios da globalização. No encerramento do semi-nário, os episcopados divulgarão uma mensagem final sobre as suas deliberações.

O encontro tem lugar em Fátima, a convite do patriarca de Lisboa, cardeal Manuel Clemente,presidente da conferência episcopal portuguesa, que estará presente no simpósio, assim como dobispo de Leiria-Fátima, D. António Augusto dos Santos Marto, que transmitirá a saudação da dio-cese local.

Os trabalhos serão orientados pelo cardeal Angelo Bagnasco, presidente da Ccee, e pelo arcebis-po Gabriel Mbilingi, presidente do Secam. Os dois responsáveis intervirão, a 12 de abril, na sessãoinicial, que terá lugar em Lisboa, na sede do Seminário dos Olivais.

O precedente encontro entre a Ccee e o Secam realizou-se em Mumemo (Moçambique), de 29 a31 de maio de 2015, sobre o tema: «A alegria da família». Naquela ocasião, participaram tambémum casal, alguns religiosos, leigos e leigas.

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:

A 5 de abrilSua Ex.cia o Senhor Serzh Sargsyan, Presidenteda República da Arménia, com o Séquito.Sua Santidade Karekin II, Patriarca Supremo eCatholicos de todos os Arménios, com o Séquito;e Sua Santidade Aram I, Catholicos da Igreja Ar-ménia Apostólica da Cilícia, com o Séquito.

A 6 de abrilOs Senhores Cardeais Fernando Filoni, Prefeitoda Congregação para a Evangelização dos Povos;e Sérgio da Rocha, Arcebispo de Brasília (Brasil);D. Luis Francisco Ladaria Ferrer, Prefeito daCongregação para a Doutrina da Fé, com D. JuanIgnacio Arrieta Ochoa de Chinchetru, Secretáriodo Pontifício Conselho para os Textos Legislati-vos; e D. Georges Pontier, Arcebispo de Marselha(França), Presidente da Conferência dos Bisposda França, com D. Pascal Delannoy, Bispo deSaint-Denis, Vice-Presidente; D. Pierre-MarieCarré, Arcebispo de Montpellier, Vice-Presidente;e o Rev.mo Mons. Olivier Ribadeau Dumas, Se-c re t á r i o - G e r a l .

A 7 de abrilO Senhor Cardeal Severino Poletto, ArcebispoEmérito de Turim (Itália); e D. Andrea BrunoMazzocato, Arcebispo de Údine (Itália).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 7 de abrilDo Cardeal Francesco Coccopalmerio, por moti-vo de idade, ao cargo de Presidente do PontifícioConselho para os Textos Legislativos.De D. Wilfredo D. Manlapaz, ao governo pasto-ral da Diocese de Tagum (Filipinas).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 5 de abrilAuxiliar de Los Angeles (E UA ), o Rev.mo Mons.Marc V. Trudeau, do clero da mesma Diocese, atéesta data Reitor do Seminário Saint John em Ca-marillo, simultaneamente eleito Bispo Titular deTinis in Proconsulari.

D. Marc V. Trudeau nasceu no dia 20 de maio de1957, em Hollywood (EUA). Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 6 de agosto de 1991.

A 6 de abrilBispo de Hildesheim (Alemanha), o Rev.do Pe .Heiner Wilmer, S.C.I., até esta data Superior-Ge-ral dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus.

D. Heiner Wilmer, S.C.I., nasceu em Schapen(Alemanha), no dia 9 de abril de 1961. Recebeu aOrdenação sacerdotal a 31 de maio de 1987.

Bispo de Orán (Argentina), o Rev.do Pe. Luis An-tonio Scozzina, O.F.M., até hoje Coordenador doInstituto Santo Tomás de Aquino do CampusRosario da Universidade Católica da Argentina.

D. Luis Antonio Scozzina, O.F.M., nasceu a 6 demaio de 1951, em San Lorenzo (Argentina). Foi orde-nado Sacerdote no dia 9 de março de 1980.

A 7 de abrilPresidente do Pontifício Conselho para os TextosLegislativos, D. Filippo Iannone, Arcebispo-BispoEmérito de Sora-Cassino-Aquino-Pontecorvo (Itá-lia), até esta data Secretário Adjunto do mesmoPontifício Conselho.

Núncio Apostólico no Azerbaijão, D. Paul Fitzpa-trick Russell, atualmente Núncio Apostólico naTurquia e no Turquemenistão.Bispo de Tagum (Filipinas), o Rev.do Pe. MedelS. Aseo, do clero da mesma Diocese, até hojeMissionário na Saint Mary Parish, Greensburgh,Pennsylvania (E UA ).

D. Medel S. Aseo nasceu em Maniki (Filipinas),no dia 27 de junho de 1954. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 7 de abril de 1979.

Bispo de Nyìregyháza para os católicos de rito bi-zantino (Hungria), o Rev.do Pe. Ábel Szocska,OSBM, até agora Administrador Apostólico sedevacante da mesma Eparquia.

D. Ábel Szocska, OSBM, nasceu a 21 de setembrode 1972, em Vinohradiv (Ucrânia). Foi ordenadoSacerdote no dia 30 de setembro de 2001.

A 9 de abrilVisitador Apostólico para os fiéis greco-católicosromenos na Europa Ocidental, o Rev.do Pe. Cris-tian Dumitru Crişan, atualmente pároco da paró-quia greco-católica romena de São Jorge em Parise reitor da missão greco-católica romena na Fran-ça.

A 10 de abrilAdministrador Apostólico sede vacante de Guizédos Coptas (Egito), o Rev.do Pe. Toma Adly Zaki,até agora Reitor do Seminário Maior Copta deMaadi, simultaneamente eleito Bispo Titular deCabasa. O Prelado assumiu o nome de Tomás.

D. Tomás Adly Zaki nasceu em Minya (Egito), a5 de novembro de 1966. Foi ordenado Sacerdote nodia 20 de abril de 2001.

Prelados falecidos

Adormeceu no Senhor:

No dia 1 de abrilD. Ricardo Pedro Chaves Pinto Filho, ArcebispoEmérito de Pouso Alegre (Brasil).

O ilustre Prelado nasceu em Capelinha (Brasil),no dia 6 de agosto de 1938. Foi ordenado Sacerdotea 29 de junho de 1967. Recebeu a Ordenação episco-pal em 2 de abril de 1990. Renunciou ao governopastoral da Diocese no dia 28 de maio de 2014.

Início de Missãode Delegado Apostólico

D. Leopoldo Girelli, Arcebispo Titular de Ca-preae, em Jerusalém e na Palestina (7 de feverei-ro ) .

Início de Missãode Núncios Apostólicos

D. Francisco Escalante Molina, Arcebispo Titularde Gratiana, no Gabão (9 de janeiro).D. Angelo Accattino, Arcebispo Titular de Seba-na, na Bolívia (13 de fevereiro).

Igrejas CatólicasO rientais

O Sínodo dos Bispos da Igreja Arquiepiscopal-Mor dos Sírio-Malancares elegeu Bispo Coadju-tor da Eparquia de Pathanamthitta (Índia), D.Samuel Mar Irenios (Kattukallil), até esta dataAuxiliar de Trivandrum dos Sírio-Malancares; eBispo Coadjutor da Eparquia de Muvattupuzha(Índia), D. Yoohanon Mar Theodosius (Kochu-thundil), até agora Bispo da Cúria Arquiepisco-p a l - M o r.

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 12 de abril de 2018, número 15

Na audiência geral o Papa falou sobre o batismo

O nossosegundo aniversário

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!Os cinquenta dias do tempo litúrgico pascalsão propícios para refletir sobre a vida cristãque, por sua natureza, é a vida que provémdo próprio Cristo. De facto, somos cristãosna medida em que deixamos Jesus Cristo vi-ver em nós. Então, por onde começar a fimde reavivar esta consciência se não peloprincípio, pelo Sacramento que acendeu emnós a vida cristã? Pelo Batismo. A Páscoa deCristo, com a sua carga de novidade, chegaaté nós através do Batismo para nos trans-formar à sua imagem: os batizados perten-cem a Jesus Cristo, Ele é o Senhor da suaexistência. O Batismo é o «fundamento detoda a vida cristã» (Catecismo da Igreja Ca-tólica, 1213). É o primeiro dos Sacramentos,porque é a porta que permite a Cristo Se-nhor habitar a nossa pessoa e, a nós, imer-gir-nos no seu Mistério.

O verbo grego “batizar” significa “imer-gir” (cf. CIC, 1214). O banho com a água éum rito comum em várias crenças para ex-primir a passagem de uma condição paraoutra, sinal de purificação para um novoinício. Mas para nós cristãos não deve pas-sar despercebido que se é o corpo a ser

tejar — pelo menos recordar — o dia do re-nascimento? Dar-vos-ei um dever de casa,uma tarefa hoje para fazer em casa. Quan-tos de vós que não se recordam a data dobatismo, perguntem à mãe, aos tios, aos ne-tos, perguntem: “Sabes qual é a data do ba-tismo?", e nunca mais a esqueçais. E demosgraças ao Senhor por aquele dia, porque éprecisamente o dia em que Jesus entrou emnós, que o Espírito Santo entrou em nós.Compreendestes bem o dever de casa? To-dos devemos saber a data do nosso batismo.É outro aniversário: o aniversário do renas-cimento. Não vos esqueçais de fazer isto,por favor.

Recordemos as últimas palavras do Res-suscitado aos Apóstolos: são precisamenteum mandato: «Ide e fazei discípulos todosos povos, batizando-os em nome do Pai edo Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).Através da lavacro batismal, quem crê emCristo é imerso na própria vida da Trinda-de.

De facto, a do Batismo não é uma águaqualquer, mas a água sobre a qual é invoca-do o Espírito que «dá a vida» (Credo). Pen-semos no que Jesus disse a Nicodemos paralhe explicar o nascimento para a vida divi-na: «Quem não nascer da água e do Espíri-to não pode entrar no Reino de Deus. Oque nasceu da carne é carne, e o que nasceudo Espírito é espírito» (Jo 3, 5-6). Portantoo Batismo é também chamado “re g e n e ra ç ã o ”:acreditamos que Deus nos salvou «pela suamisericórdia, com uma água que regenera erenova no Espírito» (Tt 3, 5).

que chamamos catecumenato, evidente quan-do é um adulto que pede o Batismo. Mastambém as crianças desde a antiguidade,são batizadas na fé dos pais (cf. Rito do Ba-tismo das crianças, Introdução, 2). E sobreisto gostaria de vos dizer algo. Alguns pen-sam: mas por que batizar uma criança quenão entende? Esperemos que cresça, quecompreenda e seja ela mesma a pedir o Ba-tismo. Mas isto significa não ter confiançano Espírito Santo, porque quando batiza-mos uma criança, naquela criança entra oEspírito Santo, e o Espírito Santo faz comque cresça naquela criança, desde pequeni-na, virtudes cristãs que depois florescerão.Sempre se deve dar esta oportunidade a to-dos, a todas as crianças, de ter dentro de sio Espírito Santo que as guie durante a vida.Não deixeis de batizar as crianças! Ninguémmerece o Batismo, que é sempre dom gra-tuito para todos, adultos e recém-nascidos.Mas como acontece com uma semente cheiade vida, este dom ganha raízes e dá frutonum terreno alimentado pela fé. As promes-sas batismais que a cada ano renovamos naVigília Pascal devem ser reavivadas todos osdias a fim de que o Batismo “cristifique”:não devemos ter medo desta palavra; o Ba-tismo “cristifica-nos", quem recebeu o Batis-mo e é “cristificado” assemelha-se a Cristo,transforma-se em Cristo, tornando-se deve-ras outro Cristo.

Antes da audiência, o Papa Franciscoencontrou-se com uma delegação dosparticipantes no campeonato mundialautomobilístico com motores elétricos “fórmulaE”, que darão vida no dia 14 a um grandeprémio no circuito romano do Eur. Ao Pontíficefoi apresentado o carro com o número 1,conduzido pelo piloto brasileiro Lucas deGrassi, presente com os seus dezenovecompanheiros e os responsáveis por este«laboratório da mobilidade ecológica». Nofinal da audiência geral, saudando os diversosgrupos presentes, Francisco dirigiu a seguintesaudação aos fiéis de expressão portuguesa.

Dirijo uma cordial saudação aos peregrinosde língua portuguesa, particularmente aosfiéis de Portugal e do Brasil. Queridos ami-gos, ser batizado significa ser chamado àsantidade. Imploremos a graça de poder vi-ver os nossos compromissos batismais comoverdadeiros imitadores de Jesus, nossa espe-rança e nossa paz. Que Deus vos abençoe!

Para o cristão o batismo é «outro aniversário: o dorenascimento», frisou o Papa Francisco na audiênciageral de quarta-feira, 11 de abril. Aos fiéis reunidos napraça de São Pedro o Pontífice — depois de terconcluído na semana passada o ciclo de catequeses sobrea missa — ofereceu uma reflexão dedicada ao«sacramento que acendeu em nós a vida cristã».

imergido na água, é a alma que é imersa emCristo para receber o perdão do pecado eresplandecer de luz divina (cf. Tertuliano,Sobre a ressurreição dos mortos, VIII, 3; CCL 2,931; PL 2, 806). Em virtude do EspíritoSanto, o Batismo imerge-nos na morte e res-surreição do Senhor, afogando na pia batis-mal o homem velho, dominado pelo pecadoque separa de Deus, e fazendo com quenasça o homem novo, recriado em Jesus.N’Ele, todos os filhos de Adão são chama-dos para a vida nova. Ou seja, o Batismo éum renascimento. Estou certo, certíssimo deque todos nós recordamos a data do nossonascimento: tenho a certeza. Mas questiono-me, com alguma dúvida, e pergunto-vos: ca-da um de vós recorda qual foi a data dopróprio batismo? Alguns dizem sim — estábem. Mas é um sim um pouco débil, por-que talvez muitos não recordem. Mas se fes-tejamos o dia do nascimento, como não fes-

Por conseguinte, o Batismo ésinal eficaz de renascimento, paracaminhar em novidade de vida.Recorda-o São Paulo aos cristãosde Roma: «Ignorais, porventura,que todos nós que fomos batiza-dos em Jesus Cristo, fomos bati-zados na sua morte? Pelo batis-mo sepultámo-nos juntamentecom Ele, para que, assim comoCristo ressuscitou dos mortos,mediante a glória do Pai, assimcaminhemos nós também numavida nova» (Rm 6, 3-4).

Imergindo-nos em Cristo, oBatismo torna-nos também mem-

bros do seu Corpo, que é a Igreja, e participa-mos da sua missão no mundo (cf. CIC 1213).Nós batizados não estamos isolados: somosmembros do Corpo de Cristo. A vitalidadeque brota da pia batismal é ilustrada por es-tas palavras de Jesus: «Eu sou a videira, vósas varas: quem está em mim e eu nele, essedá muito fruto» (cf. Jo 15, 5). A mesma vi-da, a do Espírito Santo, escorre de Cristopara os batizados, unindo-os num só Corpo(cf. 1 Cor 12, 13), crismado pela santa unçãoe alimentado na mesa eucarística.

O Batismo permite que Cristo viva emnós e a nós que vivamos unidos a Ele, paracolaborar na Igreja, cada um segundo aprópria condição, para a transformação domundo. Recebido uma única vez, o lavacrobatismal ilumina toda a nossa vida, guiandoos nossos passos até à Jerusalém do Céu.Há um antes e um depois do Batismo. OSacramento pressupõe um caminho de fé,

Cristina Rutkowski,«Batismo: água e fogo»