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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 44 (2.539) Cidade do Vaticano terça-feira 30 de outubro de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +{!#!z!&!&! MISSA C O N C L U S I VA DO SÍNODO À escuta da realidade GIOVANNI MARIA VIAN Concluiu-se o terceiro sínodo do pontificado de Francisco, vigésima oitava assembleia (entre ordi- nárias, extraordinárias e especiais) em pouco mais de meio século, desde quando Paulo VI instituiu o sínodo dos bispos algumas semanas antes da con- clusão do concílio, e desde quando o novo orga- nismo se reuniu pela primeira vez, dois anos mais tarde. Dados que sozinhos mostram como, entre luzes e sombras, esta instituição já entrou na nor- malidade do catolicismo pós-conciliar. Como se sabe, a praxe sinodal está ligada às próprias ori- gens do cristianismo e ao seu configurar-se já em idade tardo-antiga, para depois caracterizar ao longo dos séculos e de várias maneiras a vida e o desenvolvimento das suas diversas confissões. Bergoglio insistiu várias vezes sobre a impor- tância da sinodalidade, e teceu um elogio desta dimensão ao concluir a assembleia dedicada aos jovens. Francisco interveio logo depois da aprova- ção por ampla maioria, ponto por ponto, que se prolongou por horas, do longo documento a que ela deu origem. Improvisando, o Pontífice voltou a afirmar que o sínodo «não é um parlamento», mas «um espaço protegido» para que o Espírito Santo nele possa agir. E acrescentou imediata- mente a seguir: «O resultado do sínodo não é um documento, já o disse no início. Estamos cheios de documentos. Não sei se externamente este do- cumento surtirá algum efeito, não sei. Mas certa- mente sei que o deve surtir em nós». Por dois motivos: porque «somos nós os destinatários do documento, não as pessoas externas» e porque «foi o Espírito que fez tudo isto, e volta a nós», insistiu. Depois, comentando o evangelho na missa con- clusiva da assembleia reunida no Vaticano por mais de três semanas, o Papa explicou «o cami- nho da fé» (e a própria praxe do sínodo, que em grego significa precisamente “caminhar juntos”): um «caminho» — assim nos Atos dos Apóstolos é denominado o próprio cristianismo — ajudado an- tes de tudo pela escuta. «Como é importante para nós ouvir a vida», ou seja, as «necessidades do próximo» exclamou Francisco. E, dirigindo-se aos jovens, «desculpai-nos se muitas vezes não vos ouvimos; se em vez de vos abrir o coração, vos enchemos os ouvidos», disse. Tons autocríticos que se repetem no longuíssi- mo documento aprovado pelo sínodo e que vá- rias vezes ecoaram nestas semanas também no debate na sala e nos círculos menores, como a propósito da escassíssima valorização do papel das mulheres na Igreja. «A fé passa pela vida» frisou ainda o Papa: por conseguinte, não deve ser concentrada apenas em «formulações doutri- nais», que não tocam o coração, ou então «só no fazer», que «corre o risco de se tornar moralismo e de se reduzir ao social», mas deve «levar por diante a obra de Deus à maneira de Deus, na proximidade», explicou. Acerca da dimensão evangélica da proximidade representada pela «antiga história do samaritano, como disse Montini encerrando o concílio, Fran- cisco voltou a falar no Angelus insistindo de novo sobre o «estilo sinodal» e da escuta, que deve ter em consideração a realidade. Porque «é importan- te que se difunda um modo de ser e de trabalhar juntos, jovens e idosos, na escuta e no discerni- mento, para chegar a escolhas pastorais que cor- respondam à realidade». Em comunhão e com franqueza

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Ano XLIX, número 44 (2.539) Cidade do Vaticano terça-feira 30 de outubro de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +{!#!z!&!&!

MISSA C O N C L U S I VA D O SÍNOD O

À escuta da realidade

GI O VA N N I MARIA VIAN

Concluiu-se o terceiro sínodo do pontificado deFrancisco, vigésima oitava assembleia (entre ordi-nárias, extraordinárias e especiais) em pouco maisde meio século, desde quando Paulo VI instituiu osínodo dos bispos algumas semanas antes da con-clusão do concílio, e desde quando o novo orga-nismo se reuniu pela primeira vez, dois anos maistarde. Dados que sozinhos mostram como, entreluzes e sombras, esta instituição já entrou na nor-malidade do catolicismo pós-conciliar. Como sesabe, a praxe sinodal está ligada às próprias ori-gens do cristianismo e ao seu configurar-se já emidade tardo-antiga, para depois caracterizar aolongo dos séculos e de várias maneiras a vida e odesenvolvimento das suas diversas confissões.

Bergoglio insistiu várias vezes sobre a impor-tância da sinodalidade, e teceu um elogio destadimensão ao concluir a assembleia dedicada aosjovens. Francisco interveio logo depois da aprova-ção por ampla maioria, ponto por ponto, que seprolongou por horas, do longo documento a queela deu origem. Improvisando, o Pontífice voltoua afirmar que o sínodo «não é um parlamento»,mas «um espaço protegido» para que o EspíritoSanto nele possa agir. E acrescentou imediata-mente a seguir: «O resultado do sínodo não é umdocumento, já o disse no início. Estamos cheiosde documentos. Não sei se externamente este do-cumento surtirá algum efeito, não sei. Mas certa-mente sei que o deve surtir em nós». Por doismotivos: porque «somos nós os destinatários dodocumento, não as pessoas externas» e porque«foi o Espírito que fez tudo isto, e volta a nós»,insistiu.

Depois, comentando o evangelho na missa con-clusiva da assembleia reunida no Vaticano pormais de três semanas, o Papa explicou «o cami-nho da fé» (e a própria praxe do sínodo, que emgrego significa precisamente “caminhar juntos”):um «caminho» — assim nos Atos dos Apóstolos édenominado o próprio cristianismo — ajudado an-tes de tudo pela escuta. «Como é importante paranós ouvir a vida», ou seja, as «necessidades dopróximo» exclamou Francisco. E, dirigindo-se aosjovens, «desculpai-nos se muitas vezes não vosouvimos; se em vez de vos abrir o coração, vosenchemos os ouvidos», disse.

Tons autocríticos que se repetem no longuíssi-mo documento aprovado pelo sínodo e que vá-rias vezes ecoaram nestas semanas também no

debate na sala e nos círculos menores, como apropósito da escassíssima valorização do papeldas mulheres na Igreja. «A fé passa pela vida»frisou ainda o Papa: por conseguinte, não deveser concentrada apenas em «formulações doutri-nais», que não tocam o coração, ou então «só nofazer», que «corre o risco de se tornar moralismoe de se reduzir ao social», mas deve «levar pordiante a obra de Deus à maneira de Deus, naproximidade», explicou.

Acerca da dimensão evangélica da proximidaderepresentada pela «antiga história do samaritano,como disse Montini encerrando o concílio, Fran-cisco voltou a falar no Angelus insistindo de novosobre o «estilo sinodal» e da escuta, que deve terem consideração a realidade. Porque «é importan-te que se difunda um modo de ser e de trabalharjuntos, jovens e idosos, na escuta e no discerni-mento, para chegar a escolhas pastorais que cor-respondam à realidade».

Em comunhãoe com franqueza

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

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Quinta-feira, 18 de outubro

No caminho da pobrezaFoi com uma oração pelo cardealErnest Simoni, no dia do seu 90ºaniversário, que o Papa começou acelebração da missa. O purpuradoalbanês — preso na noite de Natalde 1963 e libertado só em 1990, apósuma vida de trabalhos forçados —estava acompanhado pelo cardeal ar-cebispo de Florença, Giuseppe Beto-ri. E durante a homilia o Pontíficedirigiu-se ao cardeal Simoni, recor-dando a perseguição da qual foi víti-ma precisamente por ser cristão.Mas as perseguições, afirmou comforça o Papa, ocorrem ainda hoje etambém no sínodo dos bispos foramapresentados testemunhos heroicosde jovens fiéis ao Evangelho até aomartírio.

No início da homilia, Franciscoobservou que «na oração da coletavimos que o Senhor, por meio deSão Lucas», cuja festa se celebra ho-je, «quis revelar a sua predileção pe-los pobres». E «sabemos isto graçasaos escritos de São Lucas: o seuEvangelho e os Atos dos Apósto-los».

Exatamente o trecho do Evange-lho de Lucas (10, 1-9), proposto pelaliturgia de hoje, realça que «quandoo Senhor envia os seus 72 discípulos,envia-os “em pobreza”, dando-lhesconselhos de pobreza». É «a pobre-za do discípulo: o Senhor quer queo caminho do discípulo seja pobre».

Se o discípulo estiver apegado aodinheiro, às riquezas, «não será ver-dadeiro discípulo», insistiu o Pontí-fice, sugerindo que «existem trêsmaneiras de viver a pobreza na vidados discípulos, várias pobrezas, trêsetapas — podemos dizer — de diver-sas pobrezas».

«A primeira é: desapegado do di-nheiro, das riquezas». Enviando osdiscípulos, Jesus recomenda-lhes quenão levem «bolsa, nem mochila,nem sandálias» e diz: «Ide pregarcom o mínimo». E, «se na labutaapostólica forem necessárias estrutu-ras ou organizações que parecem serum sinal de riqueza, usai-as bem».Mas sempre «desapegados». Emsíntese, é preciso um «coração po-bre». Com efeito, «a condição paracomeçar o caminho do discipulado éa pobreza».

A este propósito, Francisco convi-dou a pensar «naquele jovem, tãobom a ponto de comover o Coraçãode Jesus». Aquele jovem «não foicapaz de o seguir porque possuíamuitos bens e o seu coração estavaapegado às riquezas». Ao contrário,afirmou o Pontífice, «se quiseres se-guir o Senhor, escolhe o caminho da

Sexta-feira, 19 de outubro

Com o fermentodo Espírito

Prontos a corrigir-nos quando erra-mos, a levantar-nos quando caímos,a arrepender-nos quando pecamos,mas sempre em frente com «o fer-mento do Espírito Santo», semprejubilosos porque «foi prometidauma felicidade muito maior»: eis operfil do cristão — muito distante datriste hipocrisia de quem pensa ape-nas em parecer bem — traçado peloPapa Francisco.

«A liturgia de hoje apresenta-nosduas pessoas diferentes, que crescemde maneira diversa: de modo opostouma da outra», observou o Pontífi-ce. Francisco explicou que «noEvangelho Jesus fala do fermento“que faz crescer”: usou esta palavranoutro excerto do Evangelho, quan-do explicou o reino de Deus». Comefeito, recordou o Papa referindo-setambém ao trecho litúrgico de Lucas(12, 1-7), «o fermento faz crescer amassa, a farinha, para fazer o pão,mas aqui, fala-se de um fermentomau, um fermento que em vez de fa-zer crescer, estraga. Faz crescer, maspara dentro».

«É o fermento dos fariseus, dosdoutores da lei daquela época, dossaduceus», esclareceu o Pontífice.Com efeito, Jesus «diz ao povo»:“estai atentos, guardai-vos bem dofermento dos fariseus, que é a hipo-crisia”». Pois «estas pessoas fizeramuma ação de crescimento mas nãopara fora: não, para dentro, fechadasem si mesmos, preservadas pelasaparências». São pessoas, insistiu

pobreza» e se tiveres riquezas, é por-que «o Senhor as deu a ti para ser-vir o próximo». Mas «o teu cora-ção» deve ser «desapegado» delas.Além disso, insistiu o Papa, «o discí-pulo não deve ter medo da pobreza,aliás, deve ser pobre: esta é uma dasvárias formas de pobreza que o Se-nhor pede aos seus discípulos».

Depois, disse Francisco prosse-guindo a sua meditação, «há outraforma de pobreza» que podemos re-conhecer nas palavras de Jesus:«Ide, eis que vos envio como cordei-ros entre os lobos». É «a pobrezadas perseguições, os discípulos doSenhor, perseguidos por causa doEvangelho: também hoje há muitos,caluniados».

A este propósito, revelou o Papa,«ontem, na sala do Sínodo, um bis-po de um país onde existe a perse-guição, falou de um rapaz católico,vítima de um grupo de jovens fun-damentalistas que odiavam a Igreja;foi espancado e depois atirado parauma cisterna, onde lançavam lama equando esta chegou ao pescoço», in-timaram-no: «pela última vez, re-nuncias a Jesus Cristo?». E ele:«Não!». Assim, «atiraram uma pe-dra e mataram-no». E «como todosouvimos, isto não aconteceu nos pri-meiros séculos, mas há dois meses!».E «é um exemplo», afirmou Francis-co: «Mas quantos cristãos sofremhoje perseguições físicas: “Este blas-femou! À forca!”. É assim. Persegui-ções que persistem há tanto tempo,e o nosso irmão nonagenário poderádizer-nos muitas coisas», acrescen-tou o Papa, referindo-se precisamen-te ao cardeal Simoni.

«Mas há outras perseguições»,prosseguiu o Pontífice. A começarpela «perseguição da calúnia, dasmaledicências, e o cristão fica em si-lêncio, tolera esta “p obreza”». Sim,acrescentou, «às vezes é preciso de-fender-se para não dar escândalo».Há «pequenas perseguições no bair-ro, na paróquia: pequenas, mas sãoa prova de uma pobreza». E «é a se-gunda forma de pobreza que o Se-nhor nos pede: a primeira é deixaras riquezas, não viver com o coraçãoapegado aos bens; a segunda, aceitarhumildemente as perseguições, tole-rá-las. Esta é uma pobreza».

Depois, Francisco explicou que hátambém «uma terceira forma», suge-rida pela primeira leitura da liturgiade hoje, tirada da segunda carta doApóstolo São Paulo a Timóteo (4,10-17). Trata-se da «pobreza da soli-dão, do abandono: quando o discí-pulo, que saiu com muita vitalidadepara anunciar o Senhor, também to-lerou as perseguições, no fim da vi-da sente-se abandonado por todos».E «este trecho de Paulo, do grande

Paulo que nada temia, é um exem-plo desta pobreza».

A tal ponto que Paulo «escreve aoseu filho — filho espiritual — Timó-teo, bispo: “Meu filho, Demas aban-donou-me, Crescente partiu para aGalácia; Tito, para a Dalmácia. SóLucas permaneceu comigo. Alexan-dre, o ferreiro, tratou-me muito mal:fez oposição cerrada à nossa prega-ção. Na minha primeira defesa notribunal não houve quem me assis-tisse — o grande Paulo ficou sozinhodiante dos juízes pagãos — todos medesampararam. Contudo, o Senhorassistiu-me e deu-me forças».

«O abandono do discípulo: aque-le jovem de 17, 18, 20 anos — afir-mou o Papa — que com tanto entu-siasmo deixa as riquezas para seguirJesus; aquela jovem que faz o mes-mo e depois, com força e fidelidade,tolera calúnias, perseguições diárias,ciúmes, também pequenas ou gran-des perseguições, no final o Senhorpode pedir-lhe isto: a solidão dofim».

«Penso no maior homem da hu-manidade, e esta qualificação sai doslábios de Jesus: João Batista: omaior homem nascido de mulher»,disse o Papa. João era um «grandepregador: as pessoas iam ter com elepara ser batizadas. Como acabou?Sozinho, na prisão. Pensai no que éuma cela, no que eram as celas da-quela época, pois se as de hoje sãoassim, imaginai as de outrora». EJoão acabou «sozinho, esquecido,degolado por causa da debilidade deum rei, do ódio de uma adúltera edo capricho de uma jovem: acabouassim o maior homem da história».

Mas «sem ir tão longe — p ro s s e -guiu — muitas vezes nas casas de re-pouso, onde vivem sacerdotes ou re-ligiosas que dedicaram a vida à pre-gação, sentem-se sozinhos, apenascom o Senhor: ninguém se recordadeles». E «Jesus prometeu ao pró-prio Pedro esta terceira forma de po-breza: quando eras jovem, ias ondequerias; quando fores velho, levar-te-ão para onde não queres».

«A pobreza como caminho dodiscípulo», afirmou o Papa. Sim, «odiscípulo pobre, porque a sua rique-za é Jesus. Pobre, porque não viveapegado aos bens: primeiro passo.Pobre, porque é paciente diante dasperseguições, pequenas ou grandes:segundo passo. Pobre, porque entraneste estado de espírito no final davida, que nos recorda o de São Pau-lo: abandonado». E «o caminho dopróprio Jesus acaba com esta oraçãoao Pai: “Pai, Pai, por que me aban-donaste?”».

«Que esta revelação sobre a predi-leção do Senhor pela pobreza —concluiu Francisco — nos ajude a ir

em frente e a rezar pelos discípulos,por todos os discípulos, quer sejamsacerdotes, religiosas, bispos, papas,leigos: todos. Para que saibam per-correr o caminho da pobreza comoo Senhor quiser».

Missas matutinas em Santa Marta

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Francisco, que «se preocupam comas aparências: como se mostram: têmque me ver bem e assim finjo quesofro quando jejuo — o que diz Je-sus — e deste modo, quando dou es-mola, mando tocar a trombeta».

Em síntese, afirmou Francisco, «apreocupação deles é preservar aquiloque têm dentro: o egoísmo; que nin-guém os incomode; a segurança». E«quando há algo que os põe em di-ficuldade, eles olham para o outrolado».

A este propósito, o Papa sugeriuque se pense, referindo-se sempre aoEvangelho, «naquele homem que foiespancado e deixado meio morto pe-los salteadores, na berma da estra-da», e aquelas pessoas «olham parao outro lado». A mesma atitude quetêm «quando veem um leproso: afas-tam-se o mais depressa que podempara não se tornarem impuros». Edeste modo «preservam o que têmdentro, e crescem para dentro, por-que fazem leis internas — tudo — efora sempre a aparência».

«Este fermento — diz Jesus — éperigoso. Precavei-vos. É a hipocri-sia», prosseguiu Francisco. Comefeito, o Senhor «não tolera a hipo-crisia: este aparecer bem, até comboas maneiras, mas com maus hábi-tos dentro». E «Jesus diz: “fora soislindos, como os sepulcros, mas den-tro há putrefação ou destruição, hád e s t ro ç o s ”». Por conseguinte, frisouo Papa, «este fermento que faz cres-cer para dentro é um fermento quefaz crescer sem futuro, porque noegoísmo, no dedicar-se a si mesmo,não há futuro, não há futuro».

«Ao contrário, outro tipo de pes-soa é a que vemos com um fermentodiferente, que é o oposto: faz crescerpara fora», explicou o Pontífice.«Aliás, que faz crescer como herdei-ros, para ter a sua herança», acres-centou referindo-se ao trecho da car-ta de São Paulo aos Efésios (1, 11-14), proposto como primeira leitura:«Irmãos em Cristo, fomos feitos he-rança, predestinados» ou seja, expli-cou o Papa, «projetados para fora».

Portanto, afirmou Francisco, «aspessoas têm um fermento — aindanão sabemos qual é — que os fazcrescer para fora». E se também«por vezes erram, corrigem-se; acon-tece que caem mas levantam-se; ou-tras vezes pecam mas arrependem-se». Mas «sempre para fora, paraaquela herança, porque foi prometi-da». Contudo, disse ainda o Pontífi-ce, «estas pessoas são alegres, por-que lhes foi prometida uma felicida-de muito maior: que serão glória,louvor de Deus».

Segundo São Paulo, prosseguiuFrancisco, «o fermento destas pes-soas é o Espírito Santo, que nos esti-mula a ser louvor da sua glória, daglória de Deus: “fostes selados como Espírito Santo da Promessa, que éa garantia da nossa herança”». Istosignifica, explicou, que «temos a ga-rantia, agora vamos rumo à totalida-de e aguardamos a redenção comple-ta».

Jesus, insistiu o Papa, «quer-nosassim: sempre a caminho com o fer-mento do Espírito Santo que nuncafaz crescer para dentro, como osdoutores da lei, como os hipócritas».Pois «o Espírito Santo impele-te pa-ra fora, para o horizonte». E é preci-samente assim que o Senhor «deseja

que os cristãos sejam: gente que vaisempre em frente, com dificuldades,sofrimentos, problemas, quedas, massempre em frente na esperança deencontrar a herança, porque tem ofermento da garantia, que é o Espíri-to Santo».

Portanto «duas pessoas», sinteti-zou o Pontífice. A primeira é «umaque, guiada pelo próprio egoísmo,cresce para dentro: tem um fermento— o egoísmo — que a faz crescer pa-ra dentro e preocupa-se apenas emmostrar-se bem, equilibrada, bem».Em síntese, «que não se vejam osseus maus hábitos: são os hipócritas,e Jesus diz: “p re c a v e i - v o s ”» deles.

Ao contrário, a outra pessoa é for-mada pelos cristãos. Ou melhor, re-conheceu o Papa, «deveríamos sercristãos, mas também há cristãos hi-pócritas, que não aceitam o fermen-to do Espírito Santo». Precisamente«por isto Jesus nos admoesta: “p re -cavei-vos do fermento dos fari-seus”». Com efeito, não devemos es-quecer que «o fermento dos cristãosé o Espírito Santo, que nos impul-siona para fora, nos faz crescer, comtodas as dificuldades do caminho,mesmo com todos os pecados, mas

Terça-feira, 23 de outubro

Identidade e herançaA identidade e a herança do cristãosão constituídas pela esperança, tal-vez «a virtude teologal mais esqueci-da» e «mais difícil de entender», su-blinhou o Papa na missa. O Pontífi-ce, na homilia, inspirando-se como

esperares, nunca serás desiludido.Nunca, nunca». Além disso, «é tam-bém uma virtude concreta». Mas,poderia ser a objeção, «como podeser concreta, se eu não conheço oCéu nem o que me espera?». E maisuma vez a resposta não deixa espaçoa dúvidas: a esperança é a herançado cristão, portanto esperança «ru-mo a algo», não rumo «a umaideia» nem a «um lugar bonito». Èmais: ela «é um encontro». A pontoque «Jesus — observou o Papa — su-blinha sempre este aspeto da espe-rança, este estar à espera». Como noEvangelho hodierno, em que ela érepresentada no encontro «do pa-trão, quando ele regressa de umafesta». Ou como quando Jesus «fa-la, na parábola, das jovens estultas edas jovens prudentes»: com efeito,também naquele caso foi «um en-contro com o Senhor que regressadas bodas, com o esposo». Porque«é sempre um encontro, um encon-tro com o Senhor. É concreto».

Mas, infelizmente, observou Fran-cisco, «muitas vezes, não conhece-mos isto... ou temos uma ideia estra-nha sobre a esperança... “sim, estare-mos no Céu, ali... ali há música, hácantos, uma bela festa...” — “Mas se-rá tediosa?! — “Não, não, mas seráb onita...”: não. Encontraremos o Se-nhor. É um encontro». E fazendouma confidência pessoal, o Papa ex-plicou que quando ele pensa na es-perança lhe vem à mente sobretudouma imagem: «a mulher grávida, amulher que espera um filho. Vai aomédico, mostra-lhe a ecografia —“ah, sim, o menino... está bem”...Não!». Pelo contrário, «ela está fe-liz! E todos os dias toca a sua barri-ga para acariciar aquele menino, estáà espera do bebé, vive na expetativadaquele filho». E «esta imagem po-de fazer-nos entender o que significaa esperança: viver para esse encon-tro. Aquela mulher imagina comoserão os olhos do filho, como será oseu sorriso, se será loiro ou moreno..pensa no encontro com o filho». Porconseguinte, reafirmou o Pontífice,«esta imagem, esta figura pode aju-dar-nos muito a compreender o queé a esperança» e a «questionar-nos:“Eu espero assim, concretamente, ouespero um pouco de forma generali-zada, um pouco de maneira gnósti-ca?”. A esperança é concreta, é detodos os dias, pois é um encontro. Etodas as vezes que encontrarmos Je-sus na Eucaristia, na oração, noEvangelho, nos pobres, na vida co-munitária, damos mais um passo emdireção a este encontro definitivo».Por isso, auspiciou que os cristãostenham «a sabedoria de saber reju-bilar com os pequenos encontros davida com Jesus, preparando o en-contro definitivo».

Um auspício reproposto nas con-siderações conclusivas nas quaisFrancisco, resumindo, explicou quea identidade é «o grande dom deDeus que nos tornou uma comuni-dade, nos tornou herdeiros disto»: eque a herança «é aquela força com aqual o Espírito Santo nos leva emfrente com a esperança». Com aexortação final a pensar «hoje nestasduas palavras: qual é o meu bilhetede identidade? De que modo soucristão? E também: como é a minhaesperança? O que espero como he-rança?».

de costume nas leituras (tiradas dacarta de São Paulo aos Efésios 2, 12-22 e do Evangelho de Lucas 12, 35-38), identificou imediatamente «duaspalavras com as quais podemos des-crever a mensagem litúrgica destedia: cidadania e herança».

Refletindo sobre a primeira, expli-cou que o apóstolo na leitura «fala-nos acerca disto». Trata-se, esclare-ceu de «um dom que Deus nos con-cedeu, a todos nós: tornou-nos cida-dãos, ou seja, deu-nos identidade.Ofereceu-nos o bilhete de identida-de». Aliás, o Senhor «em Jesus revo-gou a Lei para recriar em si mesmotudo, para reconciliar todos, tambémnós, todos... eliminando a inimizadeque tínhamos com Ele. Veio paraanunciar “paz a vós”, a todos. Eagora, “podemos apresentar-nos aoPai num só Espírito”; fez-nos“um”». Em síntese «esta é a nossacidadania: “Assim sendo, vós já nãosois estrangeiros nem hóspedes, masconcidadãos dos santos” em Jesus en'Ele, também vós “edificados jun-tos” para vos tornardes habitação doEspírito Santo». Portanto, «a nossaidentidade consiste precisamente emser curados pelo Senhor, construídoscomo comunidade e ter o EspíritoSanto dentro. Um cristão é isto. E aforça é o Espírito que ele tem den-tro». Consequentemente, «caminha-mos, com esta força, com esta segu-rança, com esta firmeza: somos con-cidadãos e Deus está connosco. Naverdade, Ele leva-nos em frente, faz-nos caminhar».

Para onde? Rumo a «outra pala-vra» que o Pontífice quis propor: ouseja, «a herança. Identidade e heran-ça. E a herança é o que Jesus nosexplica no Evangelho: a herança é oque nós procuramos no nosso cami-nho, o que receberemos no final;mas devemos procurá-la todos osdias, ir rumo a esta herança». E tu-do isto está resumido, afirmou aindao Papa, na «grande virtude da espe-rança, talvez a virtude teologal maisesquecida, a mais difícil de enten-der», mas «é aquela que nos fazavançar no caminho da nossa identi-dade, em direção à herança». Comefeito, os cristãos sabem «o que sig-nifica a fé: é fácil compreendê-la epraticá-la. As três — fé, caridade eesperança — são um dom. A fé, com-preendemo-la bem. A caridade émais difícil de perceber: consiste emfazer o bem, em relação a Deus eaos outros. Mas, que significa a es-perança?», questionou-se Francisco.E a resposta foi que «a nossa heran-ça é um pouco difícil de entender».Portanto, imaginando uma espéciede diálogo esclareceu: «“Sim, sim,significa esperar: mas que significaesperar, aguardar...? O que esperas,tu?” — “Eu, sim, espero o Céu!” —“Mas que é o Céu, para ti?” — “Sim,é a luz, sim, é encontrar todos osSantos, é uma felicidade eterna...”mas não é fácil compreender o quesignifica a esperança. Viver na espe-rança significa caminhar, sim, rumoa um prémio, rumo à felicidade quenão temos aqui, mas que teremoslá... é uma virtude difícil de perce-b er».

Mas além das dificuldades, a es-perança tem inclusive outras carate-rísticas, que o Papa enumerou: porexemplo, «é uma virtude humilde,muito humilde»; e, sobretudo, «éuma virtude que nunca desilude: se

Bob Smerecki, «Espírito Santo»

sempre com a esperança». E «o Es-pírito Santo é precisamente a garan-tia daquela esperança, daquele lou-vor, daquela alegria». Por isso, «estepovo, que tem no coração o EspíritoSanto como fermento, é jubiloso, aténos problemas e dificuldades». Aocontrário, «os hipócritas esqueceramo que significa ser jubiloso».

«Que o Senhor nos conceda agraça — concluiu Francisco — de irsempre em frente com o fermentodo Espírito Santo, que nos impulsio-na rumo àquela herança que o Se-nhor preparou para todos».

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

Das raízes brota o futuroO Papa recomendou aos jovens que façam frutificar a experiência dos idosos

Na tarde de terça-feira, 23 de outubro, o PapaFrancisco, juntamente com os padres sinodais,encontrou-se no Augustinianum de Romacom jovens e idosos provenientes de todo omundo, no âmbito do projeto internacionalSharing the Wisdom para uma nova aliança en-tre as gerações. Num diálogo que se prolon-gou por mais de uma hora, o Pontífice res-pondeu a seis perguntas, três das quais feitaspor jovens e por três idosos. Apresentamos anossa tradução do diálogo.

“Falso e de plástico”: é a cultura da maqui-lhagem, o que conta são as aparências; o queconta é o sucesso pessoal também à custa deespezinhar o próximo, ir em frente com estacompetição que tu dizes — eu tenho aqui asperguntas escritas, para não sair fora do tema—. E a tua pergunta é: como ser felizes nestemercado da competição, neste mercado daaparência? Tu não proferiste a palavra mas eupermito-me dizê-la: neste mercado da hipocri-sia; digo-o não em sentido moral, mas emsentido psicológico-humano: mostrar o quenão se tem dentro, parecer dum modo masdentro há o vazio, por exemplo, ou o afã paraconseguir algo, não é assim?

Sobre isto sinto que te devo manifestar umgesto, um gesto para explicar o que te preten-do dizer com a minha resposta. O gesto é oseguinte: a mão estendida e aberta. A mão dacompetição está fechada e prende: prendersempre, acumular, muitas vezes a caro preço,à custa de aniquilar os outros, por exemplo, àcusta do desprezo do próximo, mas... esta écompetição! O gesto da anti-competição é es-te: abrir-se. E abrir-se a caminho. A competi-ção geralmente está parada: faz os seus cálcu-los, muitas vezes inconscientemente, mas estáparada, não se põe em jogo; faz cálculos, masnão se põe em questão. Ao contrário, a matu-ração da personalidade dá-se sempre a cami-nho, põe-se em questão. Usando uma expres-são comum: suja as mãos. Porquê? Porquetem a mão estendida para cumprimentar, paraabraçar, para receber. E isto faz-me pensar noque dizem os santos, também Jesus: “há maisalegria em dar do que em receber”. Contra es-ta cultura que aniquila os sentimentos, há oserviço, servir. E verás que as pessoas maismaduras, os jovens mais maduros — m a d u ro sno sentido de desenvolvidos, seguros de si,sorridentes, com sentido do humorismo — sãoos que têm as mãos abertas, estão a caminho,com o serviço. E a outra palavra: que arris-cam. Se tu na vida não arriscares, nunca, nun-ca serás madura, nunca dirás uma profecia, te-rás unicamente a ilusão de acumular para tesentires segura. É uma cultura do descarte,mas para aqueles que não se sentem descarta-dos é a cultura da certeza: ter todas as certe-zas possíveis para estar bem. E vem-me àmente aquela parábola de Jesus: o homem ri-

co que tinha feito uma colheita tão abundanteque não sabia onde armazenar o grão. E dis-se: “Construirei celeiros maiores e assim esta-rei tranquilo”. A certeza para toda a vida. EJesus diz que esta história acaba do seguintemodo: «Estulto: esta noite morrerás» (cf. Lc12, 16-21). A cultura da competição nuncaconsidera o fim; só vê o fim que se propôs noseu coração: conseguir, subir, de qualquer for-ma, mas sempre espezinhando cabeças. Aocontrário, a cultura da convivência, da frater-nidade é uma cultura do serviço, uma culturaque se abre e suja as mãos.

É este o gesto. Não sei, não me quero repe-tir mas penso que seja esta a resposta essen-cial à tua pergunta. Queres salvar-te desta cul-tura que te faz sentir uma fracassada, destacultura da competição, desta cultura do des-carte, queres viver uma vida feliz? Abre: ogesto da mão sempre estendida assim, o sorri-so, a caminho, nunca sentada, sempre a cami-nho, suja as mãos. E serás feliz. Não sei, sintoque devo dizer-te isto.

[Tony e Grace Naudi, de Malta, casados há 43anos, avós] Chamo-me Tony. A minha esposaGrace e eu crescemos uma família de quatro fi-lhos, um rapaz e três moças, e temos cinco netos eoutro que está para nascer. Como muitas famí-lias, demos aos nossos filhos uma educação católi-ca, e fizemos o possível para os ajudar a viver apalavra de Deus na sua vida diária. Contudo,não obstante os nossos esforços, como pais, paratransmitir a fé, os filhos algumas vezes são muitocríticos, contestam-nos, parece que rejeitam a suaeducação católica. O que lhe devemos dizer? Paranós a fé é importante. É doloroso ver os nossosfilhos e os nossos netos distantes da fé ou muitoocupados com coisas mais mundanas ou superfi-ciais. Diga-nos uma palavra de encorajamento ede ajuda. O que podemos fazer enquanto pais eavós para partilhar a fé com os nossos filhos e osnossos netos?

Há uma coisa que eu disse certa vez, por-que me surgiu espontânea, acerca da transmis-são da fé: a fé deve ser transmitida “em diale-to”. Sempre. O dialeto familiar, o dialeto...Pensai na mãe daqueles sete jovens sobre aqual lemos no Livro dos Macabeus: por duasvezes a narração bíblica diz que a mãe os en-

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ORembrandt van Rijn« Ap re s e n t a ç ã ode Jesus no templo»

[Federica Ancona, Itália, 26 anos] Hoje, nós jo-vens, estamos sempre expostos a modelos de vidaque exprimem uma visão “usa e deita fora”,aquela a que Vossa Santidade chama “cultura dodescarte”. Parece-me que hoje a sociedade nos es-timule a viver uma forma de individualismo quedepois termina na competição. Não me pedem pa-ra mostrar o meu valor, mas para ser sempre me-lhor que os outros. Tenho a impressão de quequem cai neste mecanismo acaba por se sentirfracassado. Qual é, ao contrário, o caminho paraa felicidade? Como faço para viver uma vida fe-liz? Como podemos, nós jovens, olhar para dentrode nós e compreender o que é deveras importante?Como podemos criar relações verdadeiras e autên-ticas quando à nossa volta tudo parece falso, deplástico?

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

corajava “em dialeto”, na língua materna, por-que a fé tinha sido transmitida assim, a fétransmite-se em casa. Sempre. Foram precisa-mente os avós, nos momentos mais difíceis dahistória, que transmitiram a fé. Pensemos nasperseguições religiosas do século passado, nasditaduras genocidas que todos conhecemos:eram os avós que ensinavam os netos a rezar,a fé, e os levavam secretamente ao batismo.Por que não os pais? Porque os pais estavamenvolvidos na filosofia do partido, de ambasas partes [nazista e comunista] e, se escapavaque batizavam os filhos, teriam perdido o tra-balho, por exemplo, ou teriam sido vítimas deperseguições. Uma professora de um destespaíses contou-me que na segunda-feira depoisda Páscoa tinham que perguntar às crianças:“O que comestes ontem em casa?”, simples-mente, e os que diziam “ovos, ovos”, elas ti-nham que informar e os pais eram punidos.Assim eles [os pais] não podiam transmitir afé: eram os avós quem o fazia. E tiveram, nes-tes momentos de perseguição, uma granderesponsabilidade nisto, assumida por elesmesmos, e levavam-na por diante, secretamen-te, com os métodos mais elementares.

Retomo: a fé deve ser transmitida sempreem dialeto: o dialeto de casa. E também odialeto da amizade, da proximidade, mas sem-pre em dialeto. O senhor não pode transmitira fé com o Catecismo: “lê o Catecismo e terásfé”. Não. Pois a fé não são apenas os conteú-dos, há a maneira de viver, de avaliar, de reju-bilar, de se entristecer, de chorar...: é a vidainteira que conduz a ela. E a sua pergunta éum pouco — permito-me — parece expressarum pouco um sentido de culpa: “Talvez te-nhamos falhado na transmissão da fé?”. Não.Não se pode dizer isto. A vida é assim. Noinício vós transmitistes a fé, mas depois vive-se, e o mundo faz propostas que entusiasmamos filhos ao longo do seu crescimento, e mui-tos afastam-se da fé porque fazem uma esco-lha, nem sempre má, mas muitas vezes incons-ciente, entre os valores, entram em contactocom ideologias mais modernas e afastam-se.Quis prolongar-me sobre esta descrição datransmissão da fé para dizer o meu parecer. Oprimeiro aspeto é não se assustar, não perdera paz. A paz, falar sempre com o Senhor:“Nós transmitimos a fé e agora...”. Tranquilos.Nunca procurar convencer, pois a fé, como aIgreja, não cresce por proselitismo, cresce poratração — esta é uma frase de Bento XVI — ouseja, por testemunho. Ouvi-los, acolhê-losbem, os netos, os filhos, acompanhá-los em si-lêncio.

Vem-me à mente um episódio de um sindi-calista — um dirigente, um sindicalista que euconheci — que com 20/21 anos cedeu à depen-dência do álcool. Vivia sozinho com a mãe,porque a mãe o tivera quando era moça. Eleembebedava-se. E de manhã via que a mãesaía para ir trabalhar: o trabalho dela era lavartoalhas, camisas, como se lavavam naqueletempo, com uma tábua. Trabalhava o dia to-do, e o filho ali... E ele via a mãe, mas fingiaque dormia — não tinha trabalho numa épocaem que havia muito trabalho — e reparava co-mo a mãe parava, olhava para ele com ternurae ia trabalhar. Isto mexeu com ele: aquele si-lêncio, aquela ternura da mãe desmoronou to-das as resistências e um dia ele disse: “Não,não pode ser assim”, mexeu-se, amadureceu eformou uma boa família, uma boa carreira...Silêncio, ternura... Silêncio que acompanha,não o silêncio da acusação, não, aquele queacompanha. É uma das virtudes dos avós. Vi-mos tantas coisas na vida que com frequênciasó o silêncio bom, caloroso, pode ajudar.

Depois, se nos questionarmos acerca dascausas deste afastamento, há sempre uma sócausa que abre as portas às ideologias: os tes-temunhos negativos. Nem sempre acontece nafamília, não, a maior parte são testemunhosnegativos de pessoas de Igreja: sacerdotesneuróticos, ou pessoas que dizem ser católicase levam uma vida dupla, incoerências, pelofacto de procurarem dentro das comunidadescristãs coisas que não são valores cristãos...São sempre os testemunhos negativos queafastam da vida [de fé]. E depois, as pessoasrecebem estes exemplos negativos, acusam.Dizem: “Eu perdi a fé porque vi isto e aqui-lo...”. E têm razão. E é necessário apenas ou-tro testemunho, o da bondade, da mansidão,da paciência, o testemunho que deu Jesus nasua paixão, quando Ele sofria e era capaz decomover os corações.

Aos pais e aos avós que têm esta experiên-cia, aconselho muito amor, muita ternura,compreensão, testemunho e paciência. E ora-ção, oração. Pensai em Santa Mónica: venceucom as lágrimas. Era grande. Mas nunca dis-cutir, nunca, porque isto é uma cilada: os fi-lhos querem levar os pais à discussão. Não.Melhor dizer: “Não sei responder a isto, pro-cura noutra parte, mas procura, procura...”.Evitar sempre a discussão direta, porque istoafasta. E sempre o testemunho “em dialeto”,ou seja, com aquelas carícias que eles enten-dem. Eis.

[Rosemary Lane, Estados Unidos da América,30 anos) Tive o privilégio de passar um ano arecolher a sabedoria dos idosos de todo o mundopara o livro «La saggezza del tempo». Aconteceuque perguntei a alguns idosos como enfrentam assuas dificuldades, as suas incertezas em relaçãoao futuro. Uma mulher sábia, Conny Caruso,disse-me que eu nunca me devo render. Devo tra-balhar, lutar, ter confiança na vida. Mas hoje aconfiança não pode ser considerada certa. Tam-bém de Vossa Santidade eu sinto esta mensagemde confiança. Faz-me refletir que a confiança sejaproposta por pessoas que já viveram muitos anos.Nós, jovens, vivemos uma vida difícil, vivemosnum mundo instável e cheio de desafios. O quediria, como avô, a jovens que querem ter confian-ça na vida, que desejam construir um futuro àaltura dos seus sonhos?

“O que diria o senhor, como avô, a jovensque querem ter confiança na vida, que dese-jam construir um futuro à altura dos seus so-nhos?”. Eis a pergunta. Fizeste um bom tra-balho, com estas entrevistas! É uma boa expe-riência que nunca esquecerás, nunca! Umalinda experiência.

Parto da última frase: “à altura dos seus so-nhos”. Sonhos é a última palavra. E a resposta

é a seguinte: começa a sonhar. Sonha tudo.Vem à minha mente aquela bonita canção:«Nel blu dipinto di blu, felice di stare lassù».Sonhar assim, descaradamente, sem vergonha.Sonhar. Sonhar é a palavra. E defender os so-nhos como se defendem os filhos. Isto é difí-cil de compreender mas é fácil de sentir:quando tens um sonho, uma coisa que não sa-bes como a expressar, mas a preservas e a de-fendes para que o hábito diário não te privedela. Abrir-se a horizontes que são contra osfechamentos. Os fechamentos não conhecemos horizontes, os sonhos sim! Sonhar, e seguiros sonhos dos idosos, os sonhos deles; não sóouvi-los, gravá-los, e depois dizer “agora va-mos divertir-nos”. Não. Lavai-os em vós. Osonho que recebemos de um idoso é um peso,custa levá-lo por diante. É uma responsabili-dade: devemos levá-los por diante.

Há um ícone que vem do Mosteiro de Bo-se, que se chama “A Sagrada Comunhão”, ouseja, um monge jovem leva por diante umidoso, leva em frente os sonhos de um idoso,e não é fácil, vê-se que nisto tem dificuldade.Nesta pequena imagem tão bonita vê-se umjovem que foi capaz de assumir sobre si os so-nhos dos idosos e os leva em frente, para osfazer frutificar. Talvez isto sirva de inspiração.Tu não podes carregar sobre ti todos os ido-sos, mas os sonhos deles sim, levando-os emfrente, leva-os, que te fará bem. Não só ouvi-los e escrevê-los, não: assumi-los e levá-lospor diante. E isto muda o teu coração, faz-tecrescer, amadurecer. É a maturação própria deum idoso.

Eles, nos sonhos, dir-te-ão também o quefizeram na vida: contar-te-ão os erros, as fa-lências, os sucessos, dir-te-ão isto. Assume-o.Assume toda esta experiência de vida e vai emfrente. Este é o ponto de partida.

“O que diria Vossa Santidade aos jovensque querem ter confiança na vida?”: carregasobre ti os sonhos dos idosos e leva-os pordiante. Isto far-te-á amadurecer. Obrigado.

[Fiorella Bacherini, Itália, 83 anos] Estou preo-cupada. Tenho três filhos. Um é jesuíta, como osenhor. Escolheram a sua vida e vão em frentepelo seu caminho. Mas olho também ao meu re-dor, olho para o meu país, para o mundo. Vejocrescer as divisões e a violência. Por exemplo, fi-quei muito impressionada pela dureza e pelacrueldade das quais fomos testemunhas no trata-mento dos refugiados. Não quero discutir de polí-tica, falo da humanidade. Como é fácil fazercrescer o ódio entre as pessoas! E vêm-me à men-te os momentos e as recordações de guerra que euvivi quando era criança. Com quais sentimentoso senhor está a enfrentar este momento difícil dahistória do mundo?

Obrigado! Gostei daquele “não falo de po-lítica, mas de humanidade”. É sábio!

Os jovens não têm a experiência das duasguerras. Aprendi isto do meu avô, que comba-teu na primeira, nas margens do Piave; apren-di muitas coisas da sua narração. Até as can-ções um pouco irónicas contra o rei e a rai-nha, aprendi tudo isto. As dores, as dores daguerra... O que deixa uma guerra? Milhões demortos, no grande massacre. Depois veio a se-gunda, e eu conheci-a em Buenos Aires, commuitos migrantes que chegaram: numerosíssi-mos, depois da segunda guerra mundial. Ita-lianos, polacos, alemães, muitíssimos. E ou-vindo-os, compreendi que todos nós entendía-mos o que é uma guerra, que ali não se co-nhecia. Acho que é importante que os jovensconheçam os efeitos das duas guerras do sécu-lo passado: é um tesouro negativo, mas umtesouro para transmitir, para criar consciên-cias. Um tesouro que também fez crescer a ar-

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Mario Rudelli, «A ajuda»

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

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te italiana: o cinema do pós-guerra é uma es-cola de humanismo. É importante que elesconheçam isto, para não cair no mesmo erro.Que eles conheçam como cresce um populis-mo: por exemplo, pensemos nos anos de 1932-33 de Hitler, aquele jovem que tinha prometi-do o desenvolvimento da Alemanha depois deum governo que falhara. Que saibam comocomeçam os populismos.

A senhora disse uma palavra deveras feia,mas muito verdadeira: “semear ódio”. E nãose pode viver semeando ódio. Nós, na expe-riência religiosa da história da religião, pensa-mos na Reforma: semeamos muito ódio, mui-to, de ambas as partes, protestantes e católi-cos. Eu disse isto explicitamente em Lund [naSuécia, no encontro ecuménico], e agora, hácinquenta anos, lentamente, compreendemosque aquele não era o caminho, e procuramossemear gestos de amizade e não de divisão.Semear ódio é fácil, e não apenas no cenáriointernacional, mas até no bairro. Uma pessoavai, fala mal de uma vizinha, de um vizinho,semeia ódio, e quando se semeia ódio há divi-são, há maldade na vida quotidiana. Semearódio com comentários, com bisbilhotices... Dagrande guerra desço aos mexericos, mas sãoda mesma espécie. Semear ódio também comintrigas na família, no bairro, significa matar:matar a fama do outro, matar a paz e a con-córdia em família, no bairro, no lugar de tra-balho, fazer aumentar as invejas, as competi-ções das quais falava a primeira jovem. O quefaço eu — era a sua pergunta — quando vejoque o Mediterrâneo é um cemitério? Digo-lhea verdade, eu sofro, rezo, falo. Não devemosaceitar este sofrimento. Não digamos “mas so-fre-se em toda a parte, vamos em frente...”.Não, isto não é bom. Hoje há a terceira guer-ra mundial em pedaços: um pedacinho aqui,outro ali, lá e lá... Olhai para os lugares deconflito. Falta de humanidade, agressão, ódioentre culturas, entre tribos, também uma de-formação da religião para poder odiar melhor.O caminho não é este: esta é a vereda do sui-cídio da humanidade. Semear ódio, preparara terceira guerra mundial, que se está a travarem pedaços. E acho que não exagero nisto.Vem-me à mente — e é preciso dizer isto aosjovens — a profecia de Einstein: «A quartaguerra mundial será travada com paus e pe-dras”, porque a terceira terá destruído tudo.Semear ódio e fazer crescer o ódio, criar vio-lência e divisão é um caminho de destruição,de suicídio, de outras destruições. Isto podeser encoberto [justificado] com a liberdade,pode ser camuflado com muitos motivos!Aquele jovem do século passado, nos anos 30,disfarçava-o com a pureza da raça; e aqui, osmigrantes. Acolher o migrante é um mandatobíblico, porque “tu mesmo foste migrante noEgito” (cf. Lv 19, 34). Depois, pensemos: aEuropa foi feita pelos migrantes, muitas cor-rentes migratórias ao longo dos séculos cons-truíram a Europa de hoje, as culturas mistura-ram-se. E a Europa sabe bem que nos mo-mentos difíceis outros países, da América, porexemplo, tanto do Norte como do Sul, aco-lheram os migrantes europeus; ela sabe o queisto significa. Antes de expressar um juízo so-bre o problema das migrações, nós devemosreconsiderar a nossa história europeia. Eu soufilho de um migrante que partiu para a Ar-gentina, e na América muitas pessoas têm umsobrenome italiano, são migrantes. Foram re-cebidos de coração, de portas abertas. Mas ofechamento é o início do suicídio! É verdadeque os migrantes devem ser acolhidos, acom-panhados, mas sobretudo integrados. Se nósacolhermos “assim” [como calha, sem um pla-no], não prestaremos um bom serviço: há otrabalho da integração. Nisto, a Suécia foi umexemplo há mais de quarenta anos. Eu vivi-ode perto: na época das nossas ditaduras mili-tares, quantos argentinos e uruguaios foramrefugiados na Suécia! E foram imediatamente

novo cemitério europeu: chama-se Mediterrâ-neo, chama-se Egeu. É isto que lhe quero di-zer. E obrigado por ter feito esta pergunta,não por política, mas por humanidade. Obri-gado!

[Jennifer Tatiana Valencia Morales, Colômbia,20 anos] Reunindo as histórias deste livro, fiqueiprofundamente impressionada com a vida dosidosos. Vossa Santidade já deve ter ouvido mui-tas história na sua vida! O que o levou a aceitareste projeto e a ouvir as histórias de vida daspessoas idosas, apresentadas neste livro? Este li-vro contém muitas histórias de idosos que vivemsituações de grande pobreza, pessoas irrelevantesaos olhos do mundo, da sociedade. Ninguém asouviria. Depois de ouvir histórias de vida, o se-nhor sente-se sensibilizado, mudado? Vossa Santi-dade gosta de ouvir histórias de vida? Isto aju-da-o, na sua profissão de Papa?

A última pergunta: “Vossa Santidade gostade ouvir histórias de vida? Isto ajuda-o, nasua profissão de Papa?”. Sim, gosto, gosto!Quando estou nas audiências de quarta-feira,começo a saudar as pessoas, paro onde hácrianças e idosos. E ganho em experiência,muitas experiências quando ouço os idosos.Só vos direi uma, que se refere à família. Cer-ta vez havia um casal que celebrava o 60° ani-

versário de casamento, mas eram jovens, por-que naquela época as pessoas se casavam jo-vens. Hoje, para fazer com que um filho secase, a mãe deve deixar de passar a ferro assuas camisas, porque caso contrário ele não sevai embora de casa! Mas naquela época aspessoas casavam-se jovens. Eu perguntei-lhes:“Valeu a pena percorrer este caminho?”, eeles, que olhavam para mim, fitaram-se nosolhos e depois voltaram a olhar para mim, etinham os olhos molhados; então responde-ram-me: “Estamos apaixonados!”. Eu nuncapensava numa resposta tão “mo derna” da par-te de um casal que celebrava 60 anos de ma-trimónio! Encontramos sempre novidades,coisas novas que nos ajudam a ir em frente.

Além disso, mais uma coisa: eu tive umaexperiência casual de diálogo com os idosos,quando eu era jovem. Eu gostava de os ouvir.Uma nossa vizinha gostava muito de ópera, eeu adolescente, com 16-17 anos, acompanhava-a à ópera, sim, no “g a l i n h e i ro ” [a galeria], on-de era menos caro... Depois, eu falava muitocom as minhas duas avós: eu era curioso acer-ca da vida delas, impressionavam-me. Algoque recordo muito sobre os idosos é uma se-nhora que vinha a casa para ajudar a minhamãe a lavar: era uma siciliana, imigrante, quetinha dois filhos; vivera a guerra, a segundaguerra, e depois partira com os filhos; ela

Das raízes brota o futuro

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integrados. Escola, trabalho... Integrados nasociedade! E quando estive em Lund, no anopassado, fui recebido no aeroporto pelo Pri-meiro-Ministro e depois, dado que ele nãopodia vir para se despedir, enviou uma minis-tra, acho que da cultura... Na Suécia, ondetodos são loiros, ela era um pouco morena:una ministra da cultura assim... Mais tarde eusoube que ela é filha de uma sueca e de ummigrante da África. Tão integrada que chegoua ser ministra do país. É assim que funciona aintegração! Ao contrário, a tragédia de Zaven-tem [na Bélgica], que todos nós recordamos,não foi provocada por estrangeiros: foram jo-vens belgas que a cometeram. Mas jovens bel-gas que tinham sido guetizados num bairro.Sim, foram recebidos, mas não integrados. Ocaminho não é este! Um governo deve ter —os critérios são estes — o coração aberto parareceber, boas estruturas para construir a sendada integração e também a prudência de dizer:posso até este ponto, mas não além. E por is-so é importante que a Europa inteira chegue aum acordo sobre este problema. Pelo contrá-rio, o fardo mais pesado é carregado pela Itá-lia, Grécia, Espanha e, em medida menor, porChipre, estes três-quatro países... É importan-te!

Mas, por favor, não semear ódio! E hoje,pediria a todos que por favor olhassem para o

não é o bilhete de identidade que temos: anossa identidade tem raízes e, ouvindo os ido-sos, nós encontramos as nossas raízes, como aárvore, que tem as próprias raízes para crescer,florescer e dar fruto. Se cortares as raízes daárvore, ela não crescerá, não produzirá frutose talvez morra. Há uma poesia — eu disse-omuitas vezes — uma poesia argentina de umdos nossos grandes poetas, Bernárdez, que re-za assim: «O que a árvore tem de florido, de-riva daquilo que ela tem de enterrado». Masnão se deve ir às raízes para se fechar ali, co-mo um conservador fechado, não. É precisofazer — e ouvi isto na sala do Sínodo, foi umdestes bispos sábios quem o disse — é precisofazer como a trufa — a trufa é cara! — ela nas-ce perto da raiz, assimila tudo e depois, olhaque joia, a trufa! E como faz mal para os bol-sos, comprar uma!

Tirar a linfa das raízes, as histórias, e istodá-te a pertença a um povo. E depois é estapertença que te confere a identidade. Se medisseres: por que existem tantos jovens “líqui-dos” hoje, nesta liquidez cultural que está namoda, que não sabes se são “líquidos” ou“gasosos”...? Não é culpa deles! É culpa des-te separar-se das raízes da história. E não setrata de ser como eles [os idosos], mas dehaurir a linfa, como a trufa, de crescer e ir

contava histórias de guer-ra, e aprendi muito dador daquelas pessoas, oque significa deixar opaís, a ponto que acom-panhei aquela mulher atéà morte, com 90 anos. Ecerta vez quando nos se-paramos e por um meuato de egoísmo a perdi devista, sofri muito porquenão voltei a encontrá-la.

Tive uma bonita expe-riência com os idosos; elesnão me assustavam. Euestava sempre com os jo-vens, mas... E medianteestas experiências entendia capacidade de sonharque os idosos têm, porquete dão sempre um conse-lho: “Vai assim, faz isto...conto-te isso, não te es-queças daquilo...”. Umconselho não imperativo,mas aberto e com ternura.E estes conselhos transmi-tiam-me um pouco o sen-tido da história e da per-tença. A nossa identidade

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

em frente com a história. Identidade, perten-ça a um povo.

E outra experiência que eu tive, já como sa-cerdote e como bispo, é aquela que fazem osjovens quando vão visitar um lar de idosos.Em Buenos Aires, uma pequena experiência.[Os jovens diziam:] “Vamos lá? Mas é chato,com os velhos!”. Esta era a primeira reação.Depois vão, com o violão, iniciam... e os an-ciãos começam a despertar, e no final são osjovens que já não querem sair! Continuam atocar, porque se cria este vínculo.

Enfim, a figura bíblica: quando Maria eJosé levam o Menino ao Templo, são doisanciãos que os recebem. Aquele homem sá-bio [Simeão] que a vida inteira sonhou en-contrar, ver o Libertador, o Salvador! E cantaaquela liturgia, inventa uma liturgia de lou-vor a Deus. E a idosa [Ana] que estava noTemplo, com a mesma esperança, começa atagarelar e diz por toda a parte: “É isto, é is-so...”, sabe transmitir aquilo que descobriuno encontro com Jesus. Eis a imagem dosdois anciãos! A Bíblia repete que eles são im-pelidos pelo Espírito. E diz que os jovens,Maria e José, com Jesus, querem observar aLei do Senhor. É uma imagem muito bonitado diálogo e da riqueza que se transmite nis-to, que é riqueza de pertença e de identida-de. Não sei se respondi...

[Martin Scorsese, Estados Unidos da América,75 anos] Realizo filmes há muito tempo, mascresci na classe trabalhadora, nos bairros periféri-cos de Nova Iorque. Ali há uma igreja, a cate-dral de São Patrício: é a primeira catedral cató-lica de Nova Iorque. Passei muito tempo naquelaigreja. Mas fora daquela igreja, a realidade eramuito diferente: havia pobreza, violência... Quan-do eu era criança entendi que os sofrimentos queeu via não estavam na televisão, nem nos filmes:estavam precisamente ali, diante dos meus olhos,eram reais. Compreendi que na rua havia umaverdade e que na igreja se apresentava outra ver-dade, e que elas não eram, ou não pareciam seriguais. Foi verdadeiramente muito difícil uni-las,reconciliar estes dois mundos. Muitas vezes oamor de Jesus parecia algo completamente “àparte”, alheio, alieno em relação àquilo que euvia acontecer na rua. Tive sorte, porque os meuspais eram bons, amaram-me, e também porqueconheci um sacerdote jovem, extraordinário, que setornou uma espécie de mentor para mim e paraos outros, nos anos da formação. Porém, aindahoje, olhando ao nosso redor — jornais, televisão— o mundo parece marcado pelo mal. Hoje aspessoas têm muita dificuldade de mudar, de acre-ditar no futuro. Já não se acredita no bem. As-sistimos também aos penosos fracassos humanosna própria instituição da Igreja. Como podemosnós, pessoas idosas, fortalecer e orientar os jovens

nas experiências que eles deverão enfrentar na vi-da? Santo Padre, como pode sobreviver a fé deum jovem ou de uma jovem neste furacão? Comopodemos ajudar a Igreja neste esforço? De quemodo, hoje, um ser humano pode levar uma vidaboa e justa, numa sociedade onde aquilo que im-pele a agir são avidez e vaidade, onde o poder semanifesta com violência? Como posso viver bem,quando experimento o mal?

“Como, de que modo pode sobreviver a féde um jovem ou de uma jovem neste furacão?Como podemos ajudar a Igreja neste esfor-ço?”. Eis a pergunta. Trata-se verdadeiramentede um furacão! Quando éramos crianças tam-bém se manifestava um fenómeno que sempreexistiu, mas não tão forte como agora... Hoje,vê-se mais claramente aquilo que a crueldadepode fazer a uma criança... O problema dacrueldade: como se age em relação à cruelda-de? Crueldade em toda a parte. Crueldadefria nos cálculos, para arruinar o outro... Euma das formas de crueldade que me impres-siona, neste mundo dos direitos humanos, é atortura. Neste mundo, a tortura é pão de to-dos os dias, parece normal, e ninguém fala. Atortura é a destruição da dignidade humana.Certa vez, eu acompanhava os pais jovens, efalei sobre o modo como corrigir as crianças,como as castigar: às vezes é necessária a “filo-sofia prática” do bofetão, uma pequena bofe-tada, mas nunca no rosto, nunca, porque istotira a dignidade. Vós sabeis onde dá-la — eudizia aos pais — mas nunca no rosto. E a tor-tura é como uma bofetada na face, é brincarcom a dignidade das pessoas. A violência! A

violência para sobreviver, a violência em de-terminados bairros, onde se não roubares nãocomes. E isto faz parte da nossa cultura, quenós não podemos negar, porque é a verdade edevemos reconhecê-la.

Mas deixo esta pergunta: como agir em re-lação à crueldade? A grande crueldade — faleisobre a tortura — e a pequena crueldade queexiste entre nós? Como ensinar, como explicaraos jovens que a crueldade é um caminho er-rado, uma estrada que mata, não apenas apessoa, mas também a humanidade, o sentidode pertença, a comunidade? E aqui há umapalavra que devemos dizer: a sabedoria dopranto, a dádiva do choro. Diante destas vio-lências, desta crueldade, desta destruição dadignidade humana, o pranto é humano e cris-tão. Peçamos a graça das lágrimas, porque opranto enternece o coração, abre o coração.Chorar é fonte de inspiração. Nos momentosmais intensos da sua vida, Jesus chorou. Nomomento em que Ele viu o fracasso do seupovo, chorou sobre Jerusalém. Chorar. Nãotenhais medo de chorar por estas coisas: so-mos humanos.

Além disso, é preciso compartilhar a expe-riência; e volto a falar do dialeto e da empa-tia. Compartilhar a experiência com empatia,com os jovens: não se pode manter uma con-versa com um jovem, sem empatia. Onde en-contro esta empatia? Não condenar os jovens,assim como os jovens não devem condenar osidosos, mas ter empatia: empatia humana. Euvou-me embora, porque sou velho, mas tupermanecerás, e esta é a empatia da transmis-são dos valores.

E depois, a proximidade. A proximidadefaz milagres. A não-violência, a mansidão, aternura: estas virtudes humanas que parecempequenas, mas são capazes de superar os con-flitos mais difíceis, mais desagradáveis. Proxi-midade, como fez você quando era criançaaproximando-se daquelas pessoas que sofriammuito, e dali talvez tenha adquirido a sabedo-ria que hoje nos mostra nos seus filmes. Pro-ximidade àqueles que sofrem. Não ter medo.Proximidade aos problemas. E proximidadeentre jovens e idosos. São poucas coisas: man-sidão, ternura e proximidade. É assim que setransmite uma experiência e que se faz ama-durecer. Os jovens, nós mesmos e a humani-dade.

Estou-vos grato por todas estas perguntas epor esta vossa reflexão, que me fez falar umpouco demais! Agradeço o vosso trabalho,obrigado a vós, jovens sinodais, e a vós, ido-sos. Peço-vos que rezeis por mim. Obrigado!

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O Santo Padrecom Martin Scorsese

Encontro com o catholicos Karekin II

Na tarde de quarta-feira24 de outubro, o Papa Franciscorecebeu em audiência Karekin II

patriarca supremo e catholicosde todos os Arménios

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Em comunhão e com franquezaFrancisco fez um primeiro balanço do sínodo dos bispos na missa conclusiva

SÍN

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Carta aos jovensPublicamos a seguir o texto da carta dirigida pelos padres sinodais aosjovens do mundo inteiro e lida durante a celebração.

A vós, jovens do mundo, nos dirigimos, nós padres sinodais, comuma palavra de esperança, de confiança, de consolação. Neste diasreunimo-nos para ouvir a voz de Jesus, «o Cristo eternamente jo-vem», e para reconhecer n’Ele as vossas muitas vozes, os vossos gri-tos de exultação, as lamentações, os silêncios.

Conhecemos as vossas buscas interiores, as alegrias e as esperan-ças, as dores e as angústias que constituem o vosso desassossego.Desejamos que agora ouçais uma palavra da nossa parte: desejamosser colaboradores da vossa alegria, a fim de que as vossas expetati-vas se transformem em ideais. Estamos convictos de que estareisprontos para vos comprometerdes com a vossa vontade de viver, pa-ra que os vossos sonhos se concretizem na vossa existência e na his-tória humana.

As vossas debilidades não vos desanimem, as fragilidades e os pe-cados não sirvam de obstáculo para a vossa confiança. A Igreja évossa mãe, não vos abandona, está pronta para vos acompanhar pornovos caminhos, pelas sendas de altura onde o vento do espírito so-pra mais forte, dissipando as neblinas da indiferença, da superficia-lidade, do desânimo.

Quando o mundo, que Deus amou a ponto de lhe oferecer o seuFilho Jesus, está fechado nas coisas, no sucesso imediato, no prazer,e esmaga os mais frágeis, vós ajudai-o a erguer-se e a dirigir o olharpara o amor, a beleza, a verdade, a justiça.

Durante um mês caminhamos juntamente com alguns de vós emuitos outros, unidos a nós através da oração e do carinho. Agoradesejamos continuar o caminho em todas as partes da terra, onde oSenhor Jesus nos envia como discípulos missionários.

A Igreja e o mundo têm necessidade urgente do vosso entusias-mo. Tornai-vos companheiros de caminho dos mais frágeis, dos po-bres, dos feridos pela vida.

Sede o presente, sede o futuro mais luminoso!

«Trabalhamos em comunhão e com franqueza, com odesejo de servir a Deus e oa seu povo», disse o PapaFrancisco, traçando um balanço do sínodo dos bispos,durante a homilia da missa de encerramento,presidida na praça de São Pedro na manhã dedomingo 28 de outubro.

O episódio escutado é o último narrado peloevangelista Marcos no ministério itinerante de Je-sus, que, pouco depois, entra em Jerusalém paramorrer e ressuscitar. Assim, Bartimeu é o últimoque segue Jesus ao longo do caminho: de mendi-go na margem da estrada para Jericó, torna-sediscípulo que vai juntamente com os outros paraJerusalém. Também nós caminhamos juntos, «fi-zemos sínodo» e agora este Evangelho corroboratrês passos fundamentais no caminho da fé.

Antes de mais nada, olhemos para Bartimeu: oseu nome significa «filho de Timeu». O própriotexto o especifica: «Bartimeu, o filho de Timeu»(Mc 10, 46). Mas o Evangelho, ao mesmo tempoque o reitera, põe a descoberto um paradoxo: opai está ausente. Bartimeu jaz sozinho na estrada,fora de casa e sem pai: não é amado, mas aban-donado. É cego e não tem quem o ouça; e, quan-do queria falar, mandavam-no calar. Jesus ouve oseu grito. E, quando se encontra com ele, deixa-ofalar. Não era difícil intuir o pedido que fariaBartimeu: é óbvio que um cego queira ver ou rea-ver a vista. Mas Jesus não tem pressa, reservatempo para a escuta. E aqui temos o primeiropasso para ajudar o caminho da fé: e s c u t a r. É oapostolado do ouvido: escutar, antes de falar.

Em vez disso, muitos dos que estavam com Je-sus repreendiam Bartimeu para que estivesse cala-do (10, 48). Para estes discípulos, o indigente eraum transtorno no caminho, um imprevisto noprograma preestabelecido. Preferiam os seus tem-pos aos do Mestre, as suas palavras à escuta dosoutros: seguiam Jesus, mas tinham em mente osseus projetos. Trata-se de um risco do qual sem-pre nos devemos precaver. Ao contrário, para Je-sus, o grito de quem pede ajuda não é um trans-

torno que estorva o caminho, mas uma questãovital. Como é importante, para nós, escutar a vi-da! Os filhos do Pai celeste prestam ouvidos aosirmãos: não às críticas inúteis, mas às necessida-des do próximo. Ouvir com amor, com paciência,como Deus faz connosco, com as nossas oraçõesmuitas vezes repetitivas. Deus nunca se cansa,sempre se alegra quando o procuramos. Peçamos,também nós, a graça de um coração dócil a escu-tar. Gostaria de dizer aos jovens, em nome de to-dos nós, adultos: desculpai, se muitas vezes nãovos escutamos; se, em vez de vos abrir o coração,vos enchemos os ouvidos. Como Igreja de Jesus,desejamos colocar-nos amorosamente à vossa es-

não delega em ninguém da «grande multidão»que o seguia, mas encontra Ele pessoalmente Bar-timeu. Diz-lhe: «Que queres que Eu faça por ti?»(10, 51). Que queres — Jesusa molda-se a Bartimeu,não prescinde das suas expetativas — que Eu faça— fazer, não se limita a falar — por ti — não se-gundo ideias preestabelecidas para todos, mas pa-ra ti, na tua situação. É assim que Deus procede,envolvendo-se pessoalmente com um amor depredileção por cada um. Na sua maneira de pro-ceder, ressalta já a sua mensagem: assim a fé ger-mina na vida.

A fé passa para a vida. Quando a fé se concen-tra apenas em formulações doutrinárias, arrisca-sea falar apenas à cabeça, sem tocar o coração. Equando se concentra apenas na ação, corre o riscode tornar-se moralismo e reduzir-se ao social. Aocontrário, a fé é vida: é viver o amor de Deus quemudou a nossa existência. Não podemos ser dou-trinaristas ou ativistas; somos chamados a levarpara a frente a obra de Deus segundo o modo deDeus, na p ro x i m i d a d e : unidos intimamente a Ele,em comunhão entre nós, próximo dos irmãos.

cuta, certos de duas coisas: que a vos-sa vida é preciosa para Deus, porqueDeus é jovem e ama os jovens; e que,também para nós, a vossa vida é pre-ciosa, mais ainda necessária para sea v a n ç a r.

Depois da escuta, um segundo pas-so para acompanhar o caminho de fé:fazer-se próximo. Vejamos Jesus, que

No Angelus o Papa deplorou o ato de violência na sinagoga de Pittsburgh

Apagar os focos de ódioApós a celebração da missa napraça de São Pedro, o Papapresidiu à recitação do Angelus,falando sobre a experiência vividadurante as semanas do sínodo dosbispos.

Prezados irmãos e irmãs, bomdia! Mas não parece tão bom![chove e há vento]Hoje de manhã, na Basílica deSão Pedro, celebramos a Missa deencerramento da Assembleia doSínodo dos Bispos, dedicada aosjovens. A primeira Leitura, doprofeta Jeremias (31, 7-9), estavaparticularmente em sintonia comeste momento, porque é uma pa-lavra de esperança que Deus ofere-ce ao seu povo. Uma palavra deconsolação, fundada sobre o factode que Deus é Pai para o seu po-vo, que o ama e cuida dele comoum filho (cf. v. 9); abre-lhe à fren-te um horizonte de futuro, umasenda acessível, praticável, ao lon-go da qual poderão caminhartambém «o cego e o coxo, a mu-lher grávida e a que deu à luz» (v.8), ou seja, as pessoas em dificul-dade. Porque a esperança de Deusnão é uma miragem, como certaspublicidades, nas quais todos sãosadios e bonitos, mas é uma pro-messa para pessoas reais, comqualidades e defeitos, potenciali-dades e fragilidades, como todosnós: a esperança de Deus é umapromessa para pessoas como nós.

Esta Palavra de Deus exprimebem a experiência que vivemosnas semanas do Sínodo: foi umtempo de consolação e de esperança.Foi-o sobretudo como momentode escuta: com efeito, ouvir exigetempo, atenção, abertura da men-te e do coração. Mas este com-promisso transformava-se cadadia em consolação, sobretudoporque tínhamos no meio de nósa presença vivaz e estimulantedos jovens, com as suas históriase as suas contribuições. Atravésdos testemunhos dos Padres sino-dais, a realidade multiforme dasnovas gerações entrou no Sínodo,por assim dizer, de todas as par-tes: de todos os continentes e demuitas e diversificadas situaçõeshumanas e sociais.

Com esta atitude fundamentalde escuta, procuramos ler a reali-dade, compreender os sinais des-tes nossos tempos. Um discerni-mento comunitário, feito à luz daPalavra de Deus e do EspíritoSanto. Este é um dos dons maisbonitos que o Senhor oferece àIgreja católica, ou seja, o de reco-lher vozes e rostos das realidadesmais variadas e assim poder ten-tar uma interpretação que tenhaem consideração a riqueza e a

complexidade dos fenómenos,sempre à luz do Evangelho. As-sim, nestes dias, confrontamo-nossobre o modo de caminhar jun-tos, enfrentando numerosos desa-fios, como o mundo digital, o fe-nómeno das migrações, o sentidodo corpo e da sexualidade, o dra-ma das guerras e da violência.

Os frutos deste trabalho já es-tão a “fermentar”, como faz o su-mo das uvas nos barris depois davindima. O Sínodo dos jovens foiuma boa vindima e promete umbom vinho. Mas gostaria de dizerque as primícias desta Assembleiasinodal deveriam estar precisa-mente no exemplo de um métodoque se procurou seguir, desde afase preparatória. Um estilo sino-dal que não tem como objetivoprincipal a redação de um docu-

atentado ocorrido nos EstadosUnidos, Francisco recordou abeatificação celebrada no dia 27 deoutubro na Guatemala.

Caros irmãos e irmãs!Exprimo a minha proximidade àcidade de Pittsburgh, nos EstadosUnidos da América, e em especialà comunidade judaica, atingidaontem por um terrível atentadona sinagoga. O Altíssimo acolhaos defuntos na sua paz, conforteas suas famílias e ampare os feri-dos. Na realidade, todos fomosferidos por este desumano gestode violência. O Senhor nos ajudea apagar os focos de ódio que sepropagam nas nossas sociedades,fortalecendo o sentido de huma-nidade, o respeito pela vida, os

mento, que contudo é precioso eútil. Mas mais do que o docu-mento, é importante que se di-funda um modo de ser e traba-lhar juntos, jovens e idosos, naescuta e no discernimento, parachegar a opções pastorais corres-pondentes à realidade.

Por isso, invoquemos a inter-cessão da Virgem Maria. A Ela,que é a Mãe da Igreja, confiemosa ação de graças a Deus pelodom desta Assembleia sinodal. Eque agora Ela nos ajude a levarem frente o que experimentamos,sem medo, na vida diária das co-munidades. O Espírito Santo façacrescer, com a sua sábia fantasia,os frutos do nosso trabalho, paracontinuarmos a caminhar junta-mente com os jovens do mundoi n t e i ro .

No final da prece mariana, depoisde ter recordado as vítimas do

valores morais e civis, e o santotemor de Deus, que é Amor e Paide todos.

Ontem, em Morales, na Guate-mala, foram proclamados BeatosJosé Tullio Maruzzo, religiosodos Frades Menores, e Luís Ob-dulio Arroyo Navarro, assassina-dos por ódio à fé no século pas-sado, durante a perseguição con-tra a Igreja, comprometida a pro-mover a justiça e a paz. Louve-mos o Senhor e confiemos à in-tercessão deles a Igreja guatemal-teca, assim como todos os irmãose irmãs que, infelizmente aindahoje, em várias partes do mundo,são perseguidos por ser testemu-nhas do Evangelho. Um aplausoaos dois Beatos, todos!

Desejo bom domingo a todosvós e, por favor, não vos esque-çais de rezar por mim. Bom al-moço e até à vista!

Proximidade: aqui está o segredo para transmitir,não algum aspeto secundário, mas o coração dafé.

Fazer-se próximo é levar a novidade de Deus àvida do irmão, é o antídoto contra a tentação dasreceitas prontas. Interroguemo-nos se somos cris-tãos capazes de nos tornar próximo, capazes desair dos nossos círculos para abraçar aqueles que«não são dos nossos» e a quem Deus ansiosamen-te procura. Sempre existe aquela tentação quereaparece tantas vezes na Escritura: lavar as mãos,desinteressar-se. É o que faz a multidão no Evan-gelho de hoje, é o que fez Caim com Abel, é oque fará Pilatos com Jesus: lavar as mãos. Nós,pelo contrário, queremos imitar Jesus e, comoEle, meter as mãos na massa, sujá-las. Ele, o ca-minho (cf. Jo 14, 6), por Bartimeu deteve-se aolongo da estrada; Ele, a luz do mundo (cf. Jo 9,5), inclinou-se sobre um cego. Reconhecemos queo Senhor sujou as mãos por cada um de nós e, fi-xando a Cruz, recomecemos de lá, da lembrançade Deus que se fez meu próximos no pecado e namorte. Fez-se meu próximo: tudo começa de lá.E, quando por amor d’Ele também nós nos faze-mos próximos, tornamo-nos portadores de vida no-va: não mestres de todos, não especialistas do sa-grado, mas testemunhas do amor que salva.

Te s t e m u n h a r é o terceiro passo. Olhemos os dis-cípulos que chamam Bartimeu: não vão junto de-le, que mendigava, levar uma moedinha para ocontentar ou dar-lhe conselhos; vão em nome deJesus. De facto, dirigem-lhe apenas três palavras,todas de Jesus: «Coragem, levanta-te que Ele cha-ma-te» (10, 49). No resto do Evangelho, só Jesusdiz «c o ra g e m ! », porque só Ele ressuscita o cora-ção. No Evangelho, só Jesus é que diz «levanta-te», para curar o espírito e o corpo. Só Jesus cha-ma, mudando a vida de quem o segue, colocandode pé quem está por terra, levando a luz de Deusàs trevas da vida. Tantos filhos, tantos jovens, co-mo Bartimeu, procuram uma luz na vida! Procu-ram amor verdadeiro. E como Bartimeu que, ape-sar da multidão, só invoca Jesus, também eles im-ploram vida, mas frequentemente só encontrampromessas falsas e poucos que se interessem ver-dadeiramente por eles.

Não é cristão esperar que os irmãos inquietosbatam às nossas portas; somos nós que devemosir ter com eles, não lhes levando a nós mesmos,mas Jesus. Ele manda-nos, como aqueles discípu-los, para encorajar e levantar em seu nome. Man-da-nos dizer a cada um: «Deus pede para te dei-

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

No projeto de documento final

A experiência dos discípulos de Emaús

Décima nona congregação geral

Contagiados pela alegria

O projeto de documento final foi apresentadoe entregue na Sala nova do sínodo, na manhãde terça-feira, 23 de outubro, aos padres quedeste modo agora poderão ler atentamente otexto e depois propor observações para cortar,acrescentar ou substituir formulações. Pararealizar este trabalho, eles têm à sua disposi-ção os formulários adequados e, além disso,poderão também tomar a palavra na sala naquarta-feira.

As indicações foram sugeridas pelo cardealsecretário-geral Lorenzo Baldissri durante adécima oitava congregação, na presença de252 padres sinodais. Em seguida, o cardeal re-lator-geral, Sérgio da Rocha, apresentou operfil do projeto de documento final, que temcomo fio condutor a experiência dos discípu-los de Emaús. Salientando que é fruto de umtrabalho de equipe, muito desafiador, tendoem conta também o pouco tempo. Os verda-

deiros autores do documento participaram to-dos no sínodo, com uma menção especial àscontribuições da comissão para a redação emcujos trabalhos, no final da tarde de segunda-feira, estava presente pessoalmente também oPapa Francisco.

O cardeal Sérgio da Rocha, evidenciou ain-da a atitude de escuta que caraterizou a as-sembleia, a ponto de permitir estruturar a ri-queza dos contributos e das experiências. Ou-tra atitude fundamental, acrescentou, foi aoração, com a preciosa ajuda das pausas de si-lêncio entre as intervenções sugeridas pelopróprio Pontífice. Depois, os dois secretáriosespeciais — o jesuíta Giacomo Costa e o sale-siano Rossano Sala — apresentaram ponto porponto o projeto do documento final que, co-mo foi recordado, poderá ser modificado emelhorado, em espírito de serviço, com ascontribuições de todos os padres.

Entre os vários encontros marcados que es-tão a surgir da experiência sinodal, o cardealBaldisseri recordou em particular dois. Namanhã de quinta-feira cerca de 300 padrescom auditoras, auditores e alguns jovens ro-manos, realizaram uma peregrinação a pé decerca 6 km, partindo às 9h00 do Monte Má-rio, percorrendo a «via Francígena» até à ba-sílica de São Pedro onde, ao meio-dia, no al-tar da cátedra, foi celebrada a missa com apresença do Papa Francisco. Durante a pere-grinação, organizada pelo Pontifício Conselhopara a promoção da nova evangelização, hou-ve algumas stationes para consentir momentosde oração e de recolhimento.

Além disso, auditoras e auditores prepara-ram um pequeno espetáculo para o fim do sí-nodo, no átrio da Sala Paulo VI, para teremcom o Pontífice e com os padres sinodais ummomento de festa todos juntos.

Correções, modificações, aprofun-damentos, acréscimos: o sínododos bispos está emergido plena-mente no labor limae sobre o pro-jeto de documento final.

Na décima nona congregaçãogeral, na manhã de quarta-feira24 de outubro, os 253 padres pre-sentes na sala começaram, comefeito, a propor uma série de alte-rações ao texto apresentado pelacomissão. O Papa Francisco esta-va ausente devido à audiência ge-ral na praça de São Pedro, e porisso a oração inicial foi guiadapelo secretário-geral, cardeal Bal-disseri, sendo presidente delegadode turno o cardeal Sako.

ilustrou também aos padres osprocedimentos para a eleição dopróximo Conselho de secretaria,que será composto por 21 mem-bros, com 16 eleitos por áreasgeográficas, 4 de nomeações pon-tifícias, ao passo que um deles se-rá representado por um chefe di-castério.

Quarenta e quatro padres pedi-ram a palavra e todos expressa-ram substancialmente grandeapreço pelo trabalho desempe-nhado pela comissão, que teve atarefa de recolher todos os módu-los apresentados pelos círculosmenores nos últimos dias. Surgiu,conforme foi explicado, um docu-mento no qual sobressai a cons-

Diversas intervenções enfrenta-ram os parágrafos dedicados aotema dos abusos. Foram dadassugestões também terminológicaspara expressar da melhor formapossível o sentido de uma Igrejaferida profundamente pelos cri-mes de uma parte dela, do per-dão pedido às vítimas, da tolerân-cia zero em que a misericórdiaacompanha a justiça. Também noque diz respeito às partes dedica-das à sexualidade, foi pedida umalinguagem mais clara, mais atentaàs pessoas, menos influenciadapelas modas, em que se evidenciamelhor a relação de reciprocidadeentre homem e mulher, e não seja

marginalizada a virtude da casti-dade. Ulteriores sugestões disse-ram respeito à atenção aos sacer-dotes jovens, à colegialidade, à si-nodalidade, ao clericalismo, à for-mação sacerdotal, ao papel dosmovimentos eclesiais, mas tam-bém ao apoio à espiritualidadeindividual, ao acompanhamento,à missionariedade, à educação eàs escolas, aos migrantes, ao pa-pel das mulheres e à diaconia.

Um padre apresentou um mó-dulo coletivo para pedir que sejamais evidenciada a opção prefe-rencial pelos jovens. Os quais,disse, são uma bênção para aI g re j a .

Este Sínodo quer serum sinal da Igreja

que realmente escuta e que nem sempretem uma resposta pré-fabricada

já pronta. #Synod2018

(@Pontifex_pt)

Antes de uma série de interven-ções, foi lido na sala o primeiroesboço da carta que os padres si-nodais tencionam enviar aos jo-vens do mundo inteiro e que serálida domingo 28 durante a missaconclusiva. Os padres foram con-vidados a propor modificações ea dar sugestões que serão harmo-nizadas no texto final. E já demanhã, chegaram as primeirasobservações. O cardeal Baldisseri

Assim como maior espaço deveriaser dado à liturgia. De várias par-tes, foi observado que o texto de-veria acentuar os aspectos positi-vos, fazer sobressair o que é bom:uma Igreja que não se desfaz dopassado, mas que tem vontade dese renovar a favor dos jovens ejuntamente com os jovens. E fá-lona alegria, por ser contagiada pe-la alegria e pelo entusiasmo dasnovas gerações.

ciência de que a res-posta aos jovens estána Igreja enquanto tal.Por conseguinte, umresultado não só for-mal, de atitude e delinguagem, mas subs-tancial. Contudo, nãofaltaram algumas ob-servações relativas aoestilo e conteúdo.

Um padre, revelou aexcessiva fragementa-riedade da qual é víti-ma o tema da cateque-se, que ao contráriodeveria ser valorizado.

Willard Johnson, «Dança de alegria»

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

No final da peregrinação dos padres sinodais e dos jovens

Diante do túmulo de Pedro com o Papa

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Era grande a multidão curiosa à chegada deuma peregrinação particular: cardeais, bispos,sacerdotes, religiosos, religiosas e numerososjovens que cantavam e rezavam juntos cami-nhando. Portanto, muitos fiéis agruparam-sepor detrás das barreiras na praça de São Pe-dro e depois na basílica do Vaticano na ma-nhã de quinta-feira, 25 de outubro, para assis-tir ao momento culminante — a profissão defé presidida pelo Papa Francisco — da peregri-nação ao túmulo de São Pedro, realizada pe-los padres sinodais percorrendo uma parte davia Francígena.

Foram centenas os participantes — entre osquais cerca de duzentos padres sinodais, oi-tenta entre jovens e auditores e peritos leigose uma centena de jovens da diocese de Roma— na peregrinação que percorreu uma distân-cia de seis quilómetros a pé da via Camilluc-cia através da reserva natural de Monte Marioe viale Angelico, até à basílica de São Pedro.A iniciativa foi promovida pelo Pontifícioconselho para a promoção da nova evangeli-zação durante o sínodo.

Os peregrinos realizaram uma parte da eta-pa 45, ou seja, o último troço da via Francíge-na, aquele que, partindo do pórtico sul da ca-tedral de Canterbury, passando pela França epela Suíça, conduz até à basílica de São Pe-dro em Roma e depois ainda mais a sul, atéJerusalém. O Monte Mario, com uma altitudede 139 metros, é o relevo mais elevado destazona de Roma. Os viandantes na Idade Mé-dia chamavam-no Mons Gaudii, referindo-seà sensação de admiração que sentiam quando,chegando a esta altura, podiam vislumbrarpela primeira vez a cúpula da basílica de SãoPe d ro .

A peregrinação desenrolou-se em três statio,em cada uma das quais foi lido um salmo,precedido de uma exortação e de uma refle-xão inspirada pela Escritura e pelos lugaresdo martírio do apóstolo Pedro. Houve espaçotambém para a oração do rosário, recitado se-gundo as intenções do Papa Francisco, que a29 de setembro convidou todos os fiéis a reci-tar a coroa mariana todos os dias, durante omês de outubro, e a unir-se deste modo emcomunhão e em penitência, como povo deDeus, para pedir à Mãe de Deus e a São Mi-guel arcanjo para proteger a Igreja do malig-no, que procura sempre separar de Deus.

Quando chegaram à basílica de São Pedro,os participantes pararam diante do altar daConfissão. À chegada do Papa recitaram comele a profissão de fé. Em seguida, no altar dacátedra, foi celebrada a missa — com a presen-ça do Pontífice — presidida pelo cardeal Lo-

renzo Baldisseri, secretário-geral do Sínododos bispos. A homilia foi proferida pelo arce-bispo Rino Fisichella, presidente do Pontifícioconselho para a promoção da nova evangeli-zação, o qual explicou o sentido da peregrina-ção realizada à luz da vida e da vocação dePedro. O evangelista Lucas, recordou, noquinto capítulo do seu evangelho narra a vo-

cação de Pedro. Ele pescou a noite toda masnada veio às redes. Jesus aproxima-se e diz-lhe para se fazer ao largo e para lançar as re-des. Pedro não conhecia Jesus, observou oprelado, mas certamente ficou fascinado comeste primeiro encontro com ele. Estava cansa-do e desiludido, mas disse: «Confiando natua palavra, lançarei as redes». Na prática, Pe-dro confiou em Jesus, mesmo sem nunca o tervisto, sem o conhecer.

Nisto, comentou D. Fisichella, recebe-se umprimeiro ensinamento, o que o evangelistaJoão repropõe no capítulo 15 do seu Evange-lho; «Sem mim, nada podereis fazer. Quempermanecer em mim, dará muito fruto». Pe-dro, frisou o prelado, compreende lentamenteque deve confiar, que precisa da graça deDeus. Mas logo que o apóstolo vê que confiarem Jesus dá fruto, toma consciência aindamaior de quem é o Senhor e afirma: «Afasta-te de mim: sou um pecador. Afasta-te, Jesus,sou indigno de estar ao teu lado». Contudo,acrescentou D. Fisichella, Jesus tem outro pla-no.

Descobre-se assim um Pedro — a c re s c e n t o uo arcebispo — com um caráter generoso, aspe-to típico da juventude. Com efeito, ele deixatudo e segue Jesus. Não duvida nem hesita. Eesta generosidade manifesta-se também nosanos seguintes vividos ao lado de Cristo. Defacto, recordou D. Fisichella, ele sobe com Je-sus ao Tabor, faz a sua profissão de fé, está nohorto das Oliveiras, corta a orelha a Malco.Passo após passo, Pedro compreende que nãoé ele quem se salva, mas é Jesus, é Deus queo salva.

Entretanto o sínodo chegou à décima nonacongregação geral, realizada na tarde de quar-ta-feira 24, com a participação de duzentos ecinquenta padres sinodais, sob a presidênciado cardeal Desiré Tsarahazana. Na presençado Papa Francisco, prosseguiram as interven-ções livres sobre o projeto do documento fi-nal. Os participantes nos trabalhos tiveram apossibilidade de tomar a palavra e entregarampor escrito à Secretaria do Sínodo as suas ob-servações.

Momento de festa foi a oferta do volumeDocat a todos os jovens auditores. O Papa en-tregou-o pessoalmente a cada um deles numclima de grande alegria. Trata-se de um com-pêndio da doutrina social da Igreja inspiradonos documentos pontifícios mais importantes.A publicação segue Yo u c a t , que foi queridapor Bento XVI para explicar o Catecismo daIgreja católica aos jovens. Docat pretende seruma guia para o compromisso social do cris-tão pensada e realizada precisamente para asnovas gerações. O volume inspira-se sobretu-do em textos de encíclicas papais, da Rerumnovarum de Leão XIII à Laudato si’ de Francis-co, mas não faltam referências a outros docu-mentos, como a exortação apostólica Am o r i slaetitia.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

xares amar por Ele». Quantas vezes, emvez desta mensagem libertadora de salva-ção, nos levamos a nós mesmos, as nossas«receitas», as nossas «etiquetas» na Igreja!Quantas vezes, em vez de fazer nossas aspalavras do Senhor, despachamos comopalavra d’Ele as nossas ideias! Quantas ve-zes as pessoas sentem mais o peso das nos-sas instituições que a presença amiga deJesus! Então parecemos uma ONG, uma or-ganização paraestatal, e não a comunidadedos redimidos que vivem a alegria do Se-n h o r.

Ouvir, fazer-se próximo, testemunhar.No Evangelho, o caminho de fé termina,de maneira bela e surpreendente, com Je-sus que diz: «Vai, a tua fé te salvou» (10,52). E todavia Bartimeu não fez profissões

de fé, não realizou ação alguma; pediuapenas piedade. Sentir-se necessitado desalvação é o início da fé. É o caminho dire-to para encontrar Jesus. A fé, que salvouBartimeu, não estava nas suas ideias clarassobre Deus, mas no facto de o procurar, deo querer encontrar. A fé é questão de en-contro, não de teoria. No encontro, Jesuspassa; no encontro, palpita o coração daIgreja. Então serão eficazes, não as nossashomilias, mas o testemunho da nossa vida.

E a todos vós que participastes neste«caminhar juntos», digo obrigado pelovosso testemunho. Trabalhamos em comu-nhão e com ousadia, com o desejo de ser-vir a Deus e ao seu povo. Que o Senhorabençoe os nossos passos, para podermosescutar os jovens, fazer-nos próximo e tes-temunhar-lhes a alegria da nossa vida: Je-sus!

Em comunhão e com franqueza

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

Intervenções dos cardeais Sako e Baldisseri na vigésima segunda congregação geral

Próximos do Papa

A proposta do documento final do sínodo foilida na sala, no sábado 27 de outubro, e entre-gue à assembleia. Na manhã e no início datarde deu-se início à leitura do texto. Sucessi-vamente, teve lugar a votação de cada um dos167 pontos; o documento está subdivido emtrês partes e doze capítulos, por um total desessenta páginas, incluindo o índice.

A vigésima primeira congregação, presididapelo cardeal Sako, foi inaugurada com o con-sentimento de todos os presentes — manifesta-do com um aplauso — à Carta dos padres si-nodais aos jovens, que foi lida na manhã dedomingo na praça de São Pedro, na conclusãoda missa de encerramento do sínodo, antes dabênção conclusiva do Papa.

O cardeal secretário-geral, Lorenzo Baldis-seri, apresentou também o dom pessoal que oPapa Francisco quis oferecer a todos os parti-cipantes. Foi o próprio Pontífice quem o mos-trou na sala: um baixo-relevo de bronze querepresenta Jesus e o jovem discípulo amado,realizado pelo artista italiano Gino Giannetti

e foi cunhado em apenas 460 exemplares pelaCasa da moeda do Estado da Cidade do Vati-cano. O presente do Papa foi acolhido porum longo aplauso e pelos gritos de alegria dogrupo das auditoras e dos auditores. Um cli-ma de fraternidade vivido na sala desde o iní-cio dos trabalhos e confirmado na manhãtambém pelo canto festivo Happy birthdayentoado para o aniversário de uma auditora.

Portanto, a manhã inteira foi dedicada àleitura do documento final, em língua italia-na. Após a hora média, alternaram-se nas lei-turas os dois secretários especiais — o salesia-no Rossano Sala e o jesuíta Bruno Forte,membro da comissão para a redação.

O cardeal relator-geral Sérgio da Rocha ex-plicou que «este documento final é o resulta-do de um verdadeiro trabalho em equipe mui-to desafiador, dado que o tempo à disposiçãofoi deveras pouco». O cardeal agradeceu tam-bém todos «os que se empenharam para a re-colha do material, a análise das contribuiçõese a redação deste texto». Além dos secretários

especiais, os agradecimentos foram dirigidostambém aos peritos e aos funcionários da Se-cretaria do sínodo: um agradecimento que oPapa Francisco quis renovar pessoalmente,saudando todos, um por um, inclusive os tra-dutores, antes do início dos trabalhos.

E se a «comissão para a redação seguiu oprocesso e ontem no final da manhã aprovouo documento», observou o cardeal da Rocha,«os verdadeiros autores», são precisamente ospadres sinodais, «juntamente com os outrosparticipantes no sínodo e, de maneira particu-lar, os jovens».

O cardeal relator geral recordou também«que, como diz a constituição Episcopalis com-munio, o documento é “oferecido ao RomanoPontífice”»: o Papa «é o seu destinatário prin-cipal». Com efeito, à tarde, na conclusão davotação, o texto foi entregue a Francisco.

Foram 364 os módulos recolhidos no finalda tarde de quarta-feira, informou o cardealda Rocha: «Nestes últimos dois dias eles fo-ram tomados em consideração», acolhendo-osa fim de «integrar o mais possível» e «melho-rar o projeto de documento final».

Na tarde de sexta-feira do dia 26 houvetempo para um momento de alegria e de fes-ta, como sinal de gratidão dos auditores e dasauditoras ao Papa e aos padres. No palcomontado no átrio da sala Paulo VI os jovensimprovisaram-se atores, cantores, solistas e ar-tistas.

O pequeno espetáculo, que teve lugar no fi-nal da vigésima congregação geral e que foicoordenado pelo padre Thomas Rosica, ini-ciou com a exibição de dois jovens africanos,Paul Vincent Nneji da Nigeria, que cantouacompanhado pela guitarra, e Henriette Ca-mara da Guiné, que recitou algumas poesias.

Depois, foi a vez do cardeal Lorenzo Bal-disseri, secretário-geral do Sínodo, que tocouum trecho ao piano. Depois dele seguiram-sepoesias, cantos, peças musicais e danças, comexibições de representantes dos cinco conti-nentes: Percival Holt e Cherylanne Menezes(Índia), alguns membros do coro da diocesede Roma, dirigido por monsenhor Marco Fri-sina, Oksama Pimenova (Rússia), a irmã Na-thalie Becquart (França), Thomas Andonie(Alemanha), um jovem da Oceânia e um gru-po de jovens americanos que realizaram umflash mob com o título Eis-me aqui.

Por fim, Gioele e Federica apresentaram aoPapa uma carta de agradecimento em nomede todos os seus coetâneos. Nela, os jovens,agradecendo a Francisco «por nos ter dado oespaço para percorrer juntos um pequeno tre-cho de história, garantiram ao Pontífice o«pleno apoio» e a «oração quotidiana».

«Nós — escreveram entre outras coisas —queremos afirmar que partilhamos o teu so-nho: uma Igreja em saída, aberta a todos, so-bretudo aos mais débeis, uma Igreja hospitalde campo. Somos já parte ativa desta Igreja equeremos continuar a comprometer-nos con-cretamente para melhorar as nossas cidades eescolas, o mundo sociopolítico e os ambientesde trabalho, difundindo uma cultura da paz eda solidariedade e colocando no centro os po-b re s » .

Precedentemente, sob a presidência do car-deal Bo e na presença do Papa, os padres si-nodais elegeram dezasseis membros do déci-mo quinto conselho ordinário da Secretariageral do Sínodo dos bispos. Foram escolhidosum bispo eparquial para as Igrejas orientaiscatólicas, três prelados para a África, três paraa América Latina, dois para a América seten-trional, três para a Ásia, três para a Europa eum para a Oceânia. A estes acrescentam-seum chefe de dicastério, com base no tema dapróxima assembleia sinodal, e quatro mem-bros de nomeação pontifícia.CO N T I N UA NA PÁGINA 13

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Os 167 pontos do relatório final do sínododos bispos foram votados quase por unani-midade pelos padres reunidos durante a vi-gésima segunda e última congregação geral,que teve lugar na tarde de 27 de outubro.

O documento — dividido em três partes,com 12 capítulos e 167 parágrafos, num totalde 60 páginas — começando a partir do Ins-trumentum laboris, recolhe o fruto das maisde três semanas de confronto que distingui-ram a décima quinta assembleia geral ordi-nária, iniciada a 3 de outubro e solenementeencerrada no dia 28, com a missa na basílicade São Pedro. Agora, o relatório está nasmãos do Pontífice, chamado a avaliar aquiloque os padres, no seu “caminhar juntos”,propuseram cum Petro et sub Petro.

Na sala nova do sínodo estavam presentes249 padres e, por conseguinte, a maioriaqualificada de dois terços foi estabelecida em166 preferências. A coesão dos votos foi no-tável: quase todos os parágrafos obtiveramum consenso amplamente superior ao quó-rum previsto. Os procedimentos de votaçãorealizaram-se rapidamente e sem particularesdificuldades. No final, depois de o longoaplauso de toda a sala ter sancionado a

aprovação do documento, intervieram o car-deal presidente delegado de turno, LouisRaphäel I Sako, e o cardeal secretário-geral,Lorenzo Baldisseri.

Na sua saudação, o patriarca Sako subli-nhou que as semanas de trabalho constituí-ram uma expressão da sinodalidade eclesial.«Nós orientais — afirmou — estamos habi-tuados ao sínodo e à sinodalidade. Mas ex-perimentar a sinodalidade com toda a Igrejatem um sabor especial, graças ao EspíritoSanto». E isto, acrescentou, só se encontrana Igreja católica. O purpurado relevou queos padres permaneceram unidos, não obstan-te «as diferenças dos nossos países, das nos-sas línguas e das nossas culturas, porqueCristo nos une e nos envia para a mesmamissão de anunciar o Evangelho e servir osnossos irmãos e irmãs, com alegria e entu-siasmo».

Por isso, toda a Igreja católica esteve pre-sente no sínodo mediante os seus represen-tantes, mas de modo particular através doPontífice, sucessor de Pedro. Com «a suapresença quase diária — disse, dirigindo-se a

Vigésima e vigésima primeira congregações gerais

Rumo à meta final

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Novo apelo do Pontífice na conclusão da assembleia

Oração e penitênciapara defender a Igreja

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Vigésima segunda congregação geral

Francisco — e a sua escuta dócil, o seu acom-panhamento paterno e as suas palavras proféti-cas, nasceu este documento final, que certa-mente será um ponto de referência para umarenovada pastoral nas nossas diversas dioce-ses».

O sínodo, prosseguiu o cardeal iraquiano,«foi uma dádiva para nós e para a Igreja intei-ra. Aquilo que pensamos como linhas-guia, vi-vemo-lo com uma profunda tomada de cons-ciência, com fraternidade, dinamismo e ale-gria». Por isso, «estamos verdadeiramente sen-sibilizados, edificados e transformados. Vive-mos um caminho de escuta, de discernimento,e o acompanhamento extraordinário, primeiropara nós e para os nossos jovens. Percorremoseste caminho com muito amor e comunhão,sob a guia do Papa».

Por isso, convidou as novas gerações a fazerouvir a sua voz, para construir uma sociedademais fraterna, mais justa e mais pacífica. En-fim, o cardeal Sako lançou um apelo ao Pontí-fice, aos padres sinodais e aos jovens, a não seesqueceram dos cristãos do Oriente. «Se oOriente ficar desprovido de cristãos — afirmou

— o cristianismo permanecerá sem raízes. Te-mos necessidade do vosso apoio humanitário eespiritual, bem como da vossa solidariedade,amizade e proximidade, até que a tempestadepasse».

Também o cardeal Baldisseri ressaltou que aassembleia foi uma experiência «de profundacomunhão eclesial, vivida com a adesão da fé eo afeto do coração por parte de cada um denós, provenientes de todas as partes da terra».Neste sínodo, acrescentou o secretário-geral,todo o povo de Deus «nos sustentou com aoração, acompanhando os pastores reunidoscom Vossa Santidade, Santo Padre, com gestosde solidariedade e simpatia». Desde o primeiroanúncio, recordou, os jovens do mundo inteiro«puseram-se em movimento para se sentir pró-ximos dos pastores, pedindo para ser ouvi-dos». E «nesta grande preparação experimen-tamos momentos elevados, como no pré-sino-do; como o intercâmbio e a reciprocidade quese verificaram através dos numerosos contactosvia web, que se ampliaram nos dias da própriacelebração da assembleia» no Vaticano.

Depois, o purpurado agradeceu pessoalmen-te aos jovens: a sua presença, as suas contribui-ções, o seu entusiasmo, as suas intervenções e

sugestões. «Eles — realçou — mostraram-nos ovigor da sua juventude, a generosidade, a fan-tasia e o empreendedorismo. Gostaria de mefazer intérprete dos padres sinodais e dos de-mais participantes, agradecendo-lhes». Em se-guida, o cardeal manifestou a sua gratidão aoPapa por ter convocado os padres em Romapara celebrar esta assembleia sinodal. «Senti-mo-nos próximos de Vossa Santidade — afir-mou — e queremos expressar-lhe filial afeto eprofunda adesão ao seu ministério petrino. Asua proximidade diária sensibilizou-nos pro-fundamente e encorajou-nos a viver estes diascom tranquilidade e fraternidade, como pude-mos experimentar». Com efeito, observou ocardeal Balidisseri, vivemos «dias intensos, ri-cos de reflexões espirituais, de importantescontribuições pastorais, que permitiram mani-festar o rosto belo, luminoso e plural da Igrejapresente em todos os continentes. Houve umgrande esforço da parte de todos para a cele-bração deste sínodo».

A congregação concluiu-se com o cântico doTe Deum. No final, o Papa Francisco deteve-sebrevemente a saudar alguns padres, delegadosfraternos e auditores.

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A Igreja «defende-se contra o grande acusadormediante a oração e a penitência», reiterou oPapa no discurso pronunciado no encerramento daúltima congregação geral do sínodo dos bispos, queteve lugar na tarde de 27 de outubro.

Também eu devo dizer obrigado, a todos. AoCardeal Baldisseri, a D. Fabene, aos Presiden-tes delegados, ao Relator, aos Secretários espe-ciais — eu disse que tinham “deixado a pele”no documento preparatório; agora, acho quenos deixam os ossos, porque perderam tudo! —obrigado aos Peritos: vimos como se passa deum texto mártir para uma comissão mártir, pa-ra aquela de redação, que fez isto com muitoesforço e muita penitência. Obrigado! Obriga-do a todos vós, aos Auditores e, entre os Audi-tores, especialmente aos jovens, que aqui naSala nos trouxeram a sua música — “música” éa palavra diplomática para dizer barulho, masé assim... Obrigado!

Duas coisinhas que me estão a peito. Primei-ra: afirmar mais uma vez que o Sínodo não éum Parlamento. É um espaço protegido paraque o Espírito Santo possa agir. Por isso, as in-formações que se dão são gerais e não são ascoisas mais particulares, os nomes, o modo dedizer as coisas, com que o Espírito Santo tra-balha em nós. E este foi um espaço protegido.Não esqueçamos isto: foi o Espírito quem tra-balhou aqui. Segunda coisa, como eu disse noinício, o resultado do Sínodo não é um docu-mento. Estamos cheios de documentos. Nãosei se este documento terá algum efeito fora,não sei. Mas sei com certeza que ele deve tê-loem nós, deve agir em nós. Nós fizemos o do-cumento, a comissão; fomos nós que o estuda-mos e que o aprovamos. Agora, o Espírito ofe-rece-nos o documento para que trabalhe nonosso coração. Somos nós os destinatários dodocumento, não as pessoas fora. Que este do-cumente aja; e é preciso recitar orações com odocumento, estudá-lo, pedir luz... O documen-to é principalmente para nós. Sim, ajudarámuitas outras pessoas, mas nós somos os pri-

meiros destinatários: foi o Espírito que realizoutudo isto, e volta para nós. Por favor, não po-demos esquecer-nos disto!

E uma terceira coisa: penso na nossa Mãe, aSanta Mãe Igreja. Os últimos três números so-bre a santidade [no documento] mostram noque consiste a Igreja: a nossa Mãe é Santa,mas nós, filhos, somos pecadores. Somos todospecadores! Não nos esqueçamos daquela ex-pressão dos Padres, a “casta meretrix”, a Igrejasanta, a Mãe santa com filhos pecadores. E porcausa dos nossos pecados, o grande Acusadoraproveita-se sempre, como reza o primeiro ca-pítulo de Job: dá voltas pela Terra procurandoalguém para acusar. Neste momento está aacusar-nos fortemente, e esta acusação torna-seaté perseguição; o Presidente de hoje [o Pa-triarca Sako] pode dizê-lo: o seu povo [a Igre-ja no Iraque] é perseguido, assim como o sãomuitos outros do Oriente ou de outras partes.

E torna-se também outro tipo de perseguição:acusações contínuas para sujar a Igreja. Mas aIgreja não deve ser conspurcada; nós, filhos,somos todos sujos, mas a Mãe não. E por issoé o momento de defender a Mãe; e a Mãe édefendida contra o grande Acusador mediantea oração e a penitência. Por isso pedi, nestemês que termina daqui a poucos dias, que serecite o Terço, que se reze a São Miguel Ar-canjo, que se ore a Nossa Senhora, a fim deque ampare sempre a Mãe Igreja. Continue-mos a fazê-lo. Trata-se de um momento difícil,porque quando nos ataca a nós, o Acusadorataca a Mãe, mas na Mãe não se toca. Era istoque eu queria dizer de coração, no final do Sí-no do.

E agora, o Espírito Santo oferece este docu-mento a todos nós, inclusive a mim, para refle-tirmos sobre o que nos quer dizer. Muito obri-gado a todos, obrigado a todos!

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

Calendário das celebrações presididas pelo Papa

NOVEMBRO

2 S E X TA -FEIRA

COMEMORAÇÃO

DE TOD OS OS FIÉIS

DEFUNTOS

Cemitério laurentino, 16h00. San-ta Missa

3 SÁBAD O

Basílica de São Pedro, Altar daCátedra, 11h30. Capela Papal,Santa Missa em sufrágio dos Car-deais e Bispos falecidos durante oano

18 33º DOMINGO

D O TEMPO COMUM

Basílica de São Pedro, 10h00.Santa Missa, Dia Mundial dosP o b re s

DEZEMBRO

8 SÁBAD O

SOLENIDADE

DA IMACULADA CONCEIÇÃO

DA BEM- AVENTURADA

VIRGEM MARIA

Praça da Espanha, 16h00, Ato deveneração à Imaculada

12 Q UA R TA -FEIRA

FE S TA DA BEM- AVENTURADA

VIRGEM MARIA

DE GUA D A L U P E

Basílica de São Pedro, 18h00,Santa Missa pela América Latina

24 SEGUNDA-FEIRA

SOLENIDADE

D O NATA L D O SENHOR

Basílica de São Pedro, 21h30, Ca-pela Papal, Santa Missa da Noite

25 TERÇA-FEIRA

SOLENIDADE

D O NATA L D O SENHOR

Varanda central da Basílica deSão Pedro, 12h00, Bênção “Urbiet Orbi”

31 SEGUNDA-FEIRA

SOLENIDADE DE MARIA

SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS

Basílica de São Pedro, 17h00, pri-meiras Vésperas e “Te Deum” emação de graças pelo ano transcor-rido

JANEIRO DE 2019

1 TERÇA-FEIRA

SOLENIDADE DE MARIA

SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS

Basílica de São Pedro, 10h00, Ca-pela Papal, Santa Missa, LII D iaMundial da Paz

6 DOMINGOSOLENIDADE

DA EP I FA N I A D O SENHOR

Basílica de São Pedro, 10h00, Ca-pela Papal, Santa Missa

13 DOMINGO DEPOIS DA EP I FA N I AFE S TA D O BAT I S M O

D O SENHOR

Capela Sistina, 9h30, SantaMissa e Batismo de algumascrianças

23 Q UA R TA -FEIRA —28 SEGUNDA-FEIRA

Viagem Apostólica ao Panamá

Cidade do Vaticano23 de outubro de 2018

Mons. GUID O MARINIMestre das Celebrações

Litúrgicas Pontifícias

Os dois mártires beatificados na Guatemala

Modelos para a Igreja universalA proximidade em relação aos pobres e adefesa da justiça são os traços fundamentaisque irmanam os dois novos beatos que, a 27de outubro, foram elevados às honras dosaltares: o missionário franciscano italianoTullio Maruzzo e o catequista indígena LuisObdulio Arroyo Navarro, franciscano secu-lar, primeiro beato mártir nativo da Guate-mala. Quem sublinhou estas caraterísticas eindicou os dois mártires como modelos paraa Igreja universal, e especialmente para acomunidade guatemalteca, foi o cardeal An-gelo Becciu, o qual em Morales, em repre-

sentação do Papa Francisco, presidiu à mis-sa de beatificação.

Ao padre Tullio e ao seu fiel colaborador,disse o prefeito da Congregação para ascausas dos santos durante a homilia, ade-quam-se as bem-aventuranças propostas pe-la liturgia: com efeito, ambos tinham «oestilo de vida simples e alegre, caraterísticode quem é pobre em espírito; o zelo fervo-roso pelo Evangelho, que apoia os agentesde paz; o cuidado atento para com os po-bres e a defesa corajosa dos últimos, que di-stingue os homens de boa vontade».

O purpurado sintetizou com algumas re-ferências significativas o testemunho de vidados dois novos beatos. Padre Tullio, o «pa-stor bom», partiu do Veneto para levar apalavra de Deus aos «lugares desconhecidose impenetráveis do vicariato apostólico deIzabal», e por isso «nada deixou por tentar:a formação dos catequistas, o cuidado dacomunidade de base, o amor pelos pobres edoentes», sempre guiado pela «fantasia cria-tiva do Espírito». Luis Obdulio viveu a suavocação na dimensão do serviço desempe-nhado também nas incumbências mais sim-ples, sustentado pela «virtude cristã da for-taleza», ao lado de padre Tullio até ao sacri-fício extremo.

Com efeito, o franciscano, com a sua açãopastoral que socorria os pobres camponesesexaustos devido «à hostilidade dos latifun-diários», levou efetivamente em frente «umadenúncia profética e corajosa dos abusosdos poderosos locais», acabando assim porser considerado um subversivo. E foi preci-samente «no final de um dia de intenso tra-balho apostólico» que os dois, ao regressarda paróquia, foram «assassinados e abando-nados na berma da estrada».

É significativo, sublinhou o cardeal Bec-ciu, que a beatificação, além de marcar oquinquagésimo aniversário da ereção do vi-cariato apostólico de Izabal, tenha sido cele-brada no mês de outubro, tempo dedicadotradicionalmente às missões. De facto, o sa-crifício de padre Tullio e de Luis Obdulio,faz «dirigir um pensamento grato e comovi-do a todos, missionários e missionárias» que«deixaram a própria pátria e ofereceram avida para anunciar o Evangelho». Seguindoo seu exemplo e a sua herança espiritual,concluiu o purpurado, a comunidade cristãde toda a Guatemala é chamada «a realizaruma profunda renovação espiritual» para«mostrar o rosto de uma Igreja que é sinalde esperança e rica do amor de Deus queabraça todos, sobretudo os descartados e osoprimidos».As cruzes colocadas no lugar do martírio dos dois beatos

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número 44, terça-feira 30 de outubro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 24 de outubroNa parte da tarde: Sua Santità Kare-kin II, Patriarca Supremo e Catholi-cos de todos os Arménios, com oSéquito.

No dia 25 de outubroO Senhor Cardeal Luis FranciscoLadaria Ferrer, Prefeito da Congre-gação para a Dottrina da Fé; D.Luis Mariano Montemayor, NúncioApostólico na Colômbia; e D. Stefa-no Russo, Bispo de Fabriano-Mate-lica (Itália), Secretário-Geral daConferência Episcopal Italiana.

No dia 26 de outubroO Senhor Cardeal Peter Kodwo Ap-piah Turkson, Prefeito do Dicastériopara o Serviço do DesenvolvimentoHumano Integral; D. Maurizio Bra-vi, Observador Permanente da SantaSé junto da Organização Mundialdo Turismo (OMT); e o Senhor Car-deal Antonio Maria Vegliò, Presi-dente Emérito do Pontifício Conse-lho para a Pastoral dos Migrantes eItinerantes.Sua Ex.cia o Senhor Dennis A. Sa-voie, Embaixador do Canadá, em vi-sita de despedida.

No dia 29 de outubroSuas Ex.cias o Senhor Seyed TahaHashemi, Embaixador da RepúblicaIslâmica do Irão, para a apresenta-ção das Cartas Credenciais; e a Se-nhora María Fernanda EspinosaGarcés, Presidente da AssembleiaGeral da Organização das NaçõesUnidas, com o Séquito.

espiritualidade morfortina, emitindo osvotos perpétuos a 6 de outubro de1990. Após a Ordenação sacerdotal,que teve lugar em 23 de março de1991, desempenhou os seguintes cargos:colaborador na paróquia de Castelver-de di Lunghezza, Roma (1991-1992);capelão militar no hsopital da Mati-nha, Lisboa (1992-1993); vigário nasparóquias de Castro Verde, Beja(1993-1995); vigário paroquial emPóvoa de Santo Adrião e formador depostulantes em Lisboa (2007-2011);capelão da escola naval em Alfaiete(2008-2011); pároco de Póvoa deSanto Adrião, Lisboa (2011); e vigárioforâneo da vigararia de Loures-Odive-las, Lisboa (2014). Além disso, nacongregação monfortina portuguesa de-sempenhou as funções de conselheiro dosuperior maior da delegação nos man-datos de 2003-2006, de 2013-2015 ede 2016, ano em que o Papa Francis-co o nomeou “missionário da misericór-dia”; e, de 2001 a 2007, superior dacomunidade de Castro Verde, Beja.

Auxiliar da Diocese do Porto (Por-tugal), o Rev.mo Mons. Armando Es-teves Domingues, até à presente da-ta Vigário-Geral da Diocese de Vi-seu, simultaneamente eleito BispoTitular de Centenaria.

D. Armando Esteves Dominguesnasceu a 10 de março de 1957, emOleiros (Portugal). Fez os estudos defilosofia e de teologia no seminário dio-cesano de Viseu e foi ordenado Sacerdo-te no dia 13 de janeiro de 1982, tendosido incardinado na mesma diocese.Sucessivamente, desempenhou os seguin-tes encargos: pároco em várias paró-quias, capelão militar, professor de edu-cação moral e religiosa católica, ecóno-mo diocesano, assistente regional dos

escoteiros católicos e primeiro pároco deNossa Senhora do Viso.

Enviado Especial às celebrações do60° aniversário da reconstrução daCatedral da Arquidiocese de Manila(Filipinas), que terão lugar no dia 8de dezembro, na mesma BasílicaMetropolitana da Imaculada Concei-ção, o Senhor Cardeal ThomasAquino Manyo Maeda, Arcebispode Osaka (Japão).

Membro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências Sociais, SuaEx.cia o Prof. Marcelo Suárez-Oroz-co, Decano da UCLA GSE&IS e “D is-tinguished Professor” de Educação(Los Angeles, Califórnia, EstadosUnidos da América).

Audiências

Renúncias

Nomeações

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

A 24 de outubroD. Pellegrino Tomaso Ronchi, BispoEmérito de Città di Castello (Itália).

O venerando Prelado nasceu na lo-calidade de Riolo Terme, na Itália, nodia 19 de janeiro de 1930. Tendo sidoordenado Sacerdote capuchinho em 21de março de 1953, recebeu a Ordena-ção episcopal a 5 de janeiro de 1985.

A 26 de outubroD. Valentin Masengo Nkinda, Bispode Kabinda, na República Democrá-tica do Congo.

O ilustre Prelado nasceu a 10 de de-zembro de 1940, em Kahako (Repúbli-ca Democrática do Congo). Recebeu aOrdenação sacerdotal no dia 16 de ju-lho de 1969 e foi ordenado Bispo em18 de fevereiro de 1996.

INFORMAÇÕES

Credenciais do novo embaixadorda República islâmica do Irão

(Argentina), e recebeu a Ordenação sa-cerdotal em 5 de dezembro de 1986.

No dia 27 de outubroSecretário Adjunto do Conselho deCardeais, para ajudar o Santo Padreno governo da Igreja Universal e pa-ra estudar um projeto de revisão daConstituição Apostólica «Pastor Bo-nus», sobre a Cúria Romana, eMembro do Pontifício Conselho pa-ra os Textos Legislativos, o Rev.mo

Mons. Marco Mellino, até esta dataVigário-Geral da Diocese de Alba(Itália), simultaneamente eleito Bis-po Titular de Cresima.

D. Marco Mellino nasceu em Cana-le (Itália), 3 de agosto de 1966, e foiordenado Sacerdote no ano de 1991.

Bispo Ordinário Militar para Portu-gal, o Rev.do Pe. Rui Manuel SousaValério, Membro da Companhia deMaria (Monfortinos), até hoje Páro-co de Póvoa de Santo Adrião, noPatriarcado de Lisboa, e Vigário fo-râneo.

D. Rui Manuel Sousa Valério nas-ceu a 24 de dezembro de 1964, em Vi-la Nova de Ourém (Portugal). Fre-quentou o ensino médio no semináriodos missionários monfortinos em Fáti-ma, fez o noviciado em Bari (1984) ecompletou os estudos de filosofia naUniversidade lateranense e de teologia,na Gregoriana, onde obteve a licencia-tura em teologia dogmática. De 1995 a1996 participou num curso de apro-fundamento acerca dos escritos de SãoLuís Maria Grignon de Monfort e da

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 27 de outubro

De D. António Maria Bessa Taipa,ao cargo de Auxiliar da Diocese doPorto (Portugal).

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 26 de outubroAuxiliar de San Isidro, na Argenti-na, o Rev.do Pe. Guillermo Caride,até agora Vigário-Geral da mesmaSede, simultaneamente eleito BispoTitular de Iomnium.

D. Guillermo Caride nasceu a 25de maio de 1962, em Buenos Aires

Sua Excelência o Doutor Seyed Taha Hashemi, novoembaixador da República islâmica do Irão junto daSanta Sé, nasceu em Zarand-Kerman, a 23 de novem-bro de 1958. É casado e tem cinco filhos.

Obteve o doutorado em medicina (Universidade deTeerão, 1989) e em direito islâmico (Estúdio teológicode Teerão e de Qom, 2007), e a especialização empsicologia comportamental (Universidade Berkeley deJacarta, 2013) e em psicologia geral (UniversidadePeyam-e Nur, 2017). Desempenhou os seguintes car-gos: vice-diretor do conselho de coordenação da pro-paganda islâmica e diretor do Corpo Dahe-ye Fajr daRevolução islâmica (1980-1992); diretor do centro depesquisas informáticas sobre as ciências islâmicas(1992-2018); membro do conselho diretivo e do conse-lho dos garantes do departamento para a propagandaislâmica do Estúdio teológico de Qom (1994-2004);representante parlamentar de Qom e membro da dire-ção da Assembleia legislativa islâmica (1996-2000); di-retor do conselho de vigilância sobre a organizaçãoda radiotelevisão da República islâmica do Irão (1997-2000); diretor responsável do jornal nacional «En-tekhab» (1998-2004); vice-diretor jurídico e interna-cional da organização para o património cultural, oartesanato e o turismo (2004-2005); diretor do comitédo património cultural e natural — comissão nacionalda Unesco (2004-2007); membro do comité da cultu-ra e civilização do supremo conselho da Revolução

cultural (2004-2017); diretor do instituto de pesqui-sas sobre o património cultural e o turismo (2005-2007); vice-reitor cultural e social da Livre universi-dade islâmica (2013-2016); membro do conselho paraa cultura geral (2013-2017); conselheiro médico doreitor da Livre universidade islâmica (2016-2017);membro do conselho científico do instituto de pes-quisas sobre o património cultural e o turismo; econselheiro do diretor executivo do instituto para aprevidência social.

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de outubro de 2018, número 44

Reconhecer finalmente o génio feminino

Não só um ato de justiça

Declaração conclusiva do primeiro diálogo budista-cristão entre monjas

Marco miliário

Almeida Júnior, «Saudade»

O primeiro diálogo internacional bu-dista-cristão entre monjas «foi ummarco miliário para favorecer a com-preensão recíproca e a amizade entrenós, como religiosas, de maneira apoder construir pontes que unam osnossos diferentes caminhos espiri-tuais», afirmaram-no conjuntamente— numa declaração divulgada no fi-nal dos trabalhos — as participantesna conferência «Ação contemplativae contemplação ativa: monjas budis-tas e cristãs em diálogo», que tevelugar em Taiwan, de 14 a 18 de outu-b ro .

Organizada pelo pontifício Con-selho para o diálogo inter-religioso,em colaboração com a Associaçãodas superioras maiores das religiosasem Taiwan, Dialogue interreligieuxmonastique/Diálogo inter-religiosomonástico e o Mosteiro budista deFo Guang Shan, que a hospedou, aconferência teve início com a sauda-ção do Venerável Hsin Bao às seten-

ta monjas provenientes de Taiwan,Coreia, Japão, Índia, Sri Lanka,Myanmar, Tailândia, Singapura,Hong Kong, Camboja, Filipinas,Brasil, Itália, Alemanha, Noruega eEstados Unidos.

Na declaração final em oito pon-tos, encorajadas pelos fecundos re-sultados do congresso, as participan-tes reconhecem — entre outras coisas— que, não obstante permaneçamfirmes nas respetivas convicções maisprofundas, contudo é possível apren-der umas das outras a enriquecer-seespiritual, cultural e socialmente, etornar-se deste modo testemunhashumildes e credíveis. Além disso,elas julgam que o seu testemunho deum estilo de vida que consegue sersignificativo e alegre, através do de-sapego do consumismo, do materia-lismo e do individualismo, possaanimar outros a percorrer o caminhoda virtude. Portanto, ressaltam a im-

portância de ser contemplativas naação, trabalhando juntas para mani-festar ternura a quantos vivem emnecessidade, e levar esperança e pu-rificação às suas vidas, convictas deque o diálogo inter-religioso consti-tui um caminho que homens e mu-lheres devem percorrer juntos. Porconseguinte, o encorajamento a queaumentem as religiosas que contri-buem com o seu “génio feminino”para a realização de modos novos ecriativos de diálogo inter-religioso,assim como para a abertura nas co-munidades, a fim de que esta cola-boração possa ser acolhida.

Além disso, constatando a necessi-dade de ajudar estudantes, professo-res, pais e outros grupos sociais, afim de que sejam embaixadores depaz e harmonia, e de os preparar pa-ra que sejam, no mundo, uma vozque convida a humanidade a seguiro caminho da purificação ecológica

e da não-violência, as monjas reco-nhecem que «o amor é a nossa lin-guagem comum», que exorta a ir-mos além de «nós mesmos paraabraçar o “o u t ro ”, apesar das dife-renças existentes entre nós». Final-mente, declaram que se sentem maispróximas umas das outras «quandounimos os corações e as mentes, se-guindo os nossos respetivos cami-nhos espirituais, e portanto constata-mos a necessidade de prosseguir estepercurso comum para nos enriquece-mos reciprocamente e para melhoraro mundo».

Depois, todos os participantesmanifestaram gratidão aos organiza-dores por terem criado uma atmosfe-ra agradável e pela cordial hospitali-dade e amizade que caraterizaram odiálogo, assim como às autoridadescivis, ao Mosteiro de Fo GuangShan, à Igreja católica local e à Ur-suline University of Languages deWenzao, pelo seu generoso apoio.

LU C E T TA SCARAFFIA

A rainha Isabel conferiu a Imelda Poole, reli-giosa católica de Mary Ward, recentementefestejada na embaixada britânica junto daSanta Sé, o prestigioso Order of the BritishEmpire pelos esforços envidados para com-bater as modernas formas de escravidão. Oseu exemplo luminoso recorda a todos que asreligiosas são as pessoas que mais se dedi-cam, nas várias parte do mundo, na luta con-tra o tráfico de seres humanos e contra ascondições de vida e de trabalho que evocamos tempos sombrios da escravidão, infeliz-mente ainda muito difundidas. Talvez até emexpansão.

O facto de serem as mulheres e os meno-res as vítimas principais desta infeliz condi-ção explica só parcialmente tal vocação femi-nina no seio da Igreja. Na realidade, istoacontece porque as mulheres são as mais te-nazes e corajosas na batalha contra os explo-radores. E são também as que, mesmo nãopodendo debelar a chaga sob o ponto de vis-ta social, permanecem ao lado das vítimaspara partilhar as suas condições desumanasde vida. Porque sabem que só o amor silen-cioso, mas constante, pode curar feridas as-sustadoras e voltar a dar esperança, até só acoragem de ir vivendo.

Num âmbito totalmente diferente, é assi-nalado um caso semelhante num artigo pu-blicado na revista «Acta Paediatrica»: os paisde filhos afetados por doenças irreversíveis,aos quais são administrados continuamentecuidados paliativos inclusive através de equi-pamentos salva-vidas que não são fáceis deusar, preferem contudo, na maioria dos ca-sos, curá-los em casa. As vantagens são cla-ras: evitam-se formas infecciosas às quais osdoentes são fatalmente expostos nos hospi-tais, as crianças continuam a participar na vi-da familiar e são melhor suportadas psicolo-gicamente. Porém, esta escolha significa queos familiares, depois de ter frequentado cur-

sos de preparação específicos, devem ocupar-se pessoalmente dos filhos doentes o dia in-teiro. E é evidente que, dia após dia, quantosprestam os cuidados encontram dificuldadescrescentes: ao cansaço físico acrescentam-se afalta de sono, o isolamento social e a dimi-nuição dos recursos económicos.

Ninguém vai ficar surpreendido ao desco-brir que, na maioria dos casos, são as mãesque assumem a tarefa destes cuidados. E ho-je já não podemos dizer «porque os pais tra-balham para manter a família», dado quetambém as mães poderiam fazer o mesmo,sair, encontrar gente e, nas situações maisafortunadas, realizar-se numa profissão. Istoacontece porque as mulheres, mais do que oshomens, sabem assumir a responsabilidadedo cuidado, do sacrifício, do amor quotidia-no e, sobretudo, anular a própria identidadea favor de outra pessoa.

Trata-se indubitavelmente daquilo a queJoão Paulo II chamou «génio feminino», re-conhecendo a sua grandeza e importância.Mas hoje questionamo-nos se este reconheci-mento pode ser suficiente, se a igreja pode,especialmente numa situação de crise internae externa, continuar de facto a ignorar estasmulheres, continuar a não ouvir a sua voz, oseu pensamento. Se pode continuar a pensarque elas não são as testemunhas mais credí-veis e convincentes do Evangelho, sobretudoporque ricas de experiências espirituais e hu-manas que hoje são particularmente necessá-rias para a evangelização, indispensáveis parauma instituição em dificuldade.

Como escreve Anne-Marie Pelletier, «o pe-dido é para ver e ouvir as mulheres, não sim-plesmente pelo facto de elas exigirem esteato de justiça, mas para que todos reconhe-çam e aprendam, com o que muitas delas vi-vem, qual é o rosto da igreja serva e pobre,também materna, rosto que se encarna me-nos naturalmente na realidade do que emquanto é evocado nos discursos».