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EXMO.(A) SR.(A) JUIZ(A) FEDERAL DA __ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO
DISTRIBUIÇÃO COM URGÊNCIA
(Prejuízo iminente aos alunos)
Ref. Procedimento Administrativo n. 1.23.000.000626/2011-27
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da República
que ao final assina, vem perante Vossa Excelência, com fulcro na Constituição Federal de
1988, em seus arts. 127, caput, 129, II e III, 6º e 205 c/c Lei Complementar nº 75/1993, em
seus arts. 1º, 2º, 5º, I, II, d, V, a, 6º, VII, d e 11, c/c a Lei nº 7.347/1985, art. 5º, I, ajuizar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar
em desfavor do INSTITUTO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA ÔMEGA S/S LTDA (FAESPA), Pessoa
Jurídica de Direito Privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica sob o nº
12.646.312/0001-56, com sede na Av. Pedro Alvares Cabral, nº 5220, Bairro Sacramenta,
CEP: 66123-000, Belém/PA;
da LS LTDA (COLÉGIO EVOLUÇÃO), Pessoa Jurídica de Direito Privado, inscrita no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica sob o nº 07.496.267/0001-60, com sede na Av. Almirante
Barroso, nº 3722, Loja Térreo, Bairro Souza, CEP: 66613-710, Belém/PA;
da UNIDADE DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DO ESPÍRITO SANTO - UNIVES, Pessoa
Jurídica de Direito Privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica sob o nº
02.977.618/0001-31, com sede na Av. Maruipe, nº 2535, Bairro Santa Martha, CEP: 29046-
507, Vitória/ES;
da ACADEMIA DE EDUCAÇÃO MONTENEGRO (Faculdade Montenegro), Pessoa Jurídica de
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Direito Privado, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica sob o nº 14.359.764/0001-
82, com sede na Av. São Vicente de Paula, nº 462, CEP: 45745-000, Ibicarai/BA, pelos
fundamentos fáticos e jurídicos a seguir dispostos.
1. DOS FATOS
O Ministério Público Federal, a partir das informações encaminhadas pela
Promotoria de Justiça de Peixe-Boi (fls. 02/05) e do Termo de Declaração nº 63/2011 (fls.
06/07), instaurou o Procedimento Administrativo nº 1.23.000.000626/2011-27, do qual
consta cópia integral acompanhando esta inicial, com o objetivo de apurar a oferta
irregular de cursos de graduação pelo Instituto de Educação Ômega, também denominado
Faculdade de Educação Superior do Pará – FAESPA.
Antes de relatar os fatos, cumpre registrar que o Instituto Ômega e a FAESPA,
embora apresentem-se aos alunos como sendo a mesma instituição, o Boleto Bancário para
pagamento ora aparece como sendo da FAESPA ora como Instituto Ômega (fls. 08/17),
sendo que o CNPJ que consta no Boleto Bancário como sendo da FAESPA é, na realidade, da
empresa LS LTDA, conhecida como Colégio EVOLUÇÃO, que, portanto, figura no pólo
passivo da presente ação.
Com a finalidade de apurar os fatos, o Ministério Público Federal oficiou ao
Ministério da Educação – MEC, que informou que a FAESPA não é instituição de ensino
superior credenciada no MEC, sendo que qualquer oferta de curso de graduação pela
FAESPA é irregular (fls. 32/36).
Instada a se manifestar, a FAESPA informou que não oferece cursos de graduação e
pós-graduação, mas tão somente cursos livres. Quanto à pós-graduação, a FAESPA informou
que cede seu espaço físico para que a UNIVES (Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão do
Espírito Santo), entre outras faculdades, ofertem tais cursos. Cabe transcrever trecho da
manifestação da FAESPA (fls. 41/42), vejamos:
“A FAESPA não oferece cursos de Graduação e Pós-
graduação, apenas oferta cursos de treinamento sem
habilitação acadêmica, denominados “cursos livres”
(atividades e capacitação profissional), onde claramente é
informado ao aluno que a instituição não lhe emitirá
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diploma de curso superior” (…) Apesar da FAESPA não
ofertar cursos de pós-graduação, disponibiliza suas
dependências físicas para Faculdades credenciadas pelo
MEC, dentre essas a UNIVES. (…) Além disso, temos
entrado em contato com instituições credenciadas que
ofertam cursos a distância, para que os alunos, após
ingressos através de processo seletivo e posterior
avaliação, possa essa instituição creditar os
conhecimentos previamente adquiridos, conferindo-lhes
posteriormente diploma de curso superior, estando
dentre elas a UNIVES, assim como outras instituições do
país.”
Já pela manifestação da FAESPA pode-se perceber o objetivo da instituição de
lesar seus alunos. Primeiro, porque informa que só oferece cursos livres, quando na
verdade tratam-se de cursos com características de uma graduação e oferecidos ao
consumidor como tal, conforme folhetos de divulgação colacionados ao procedimento
administrativo às fls. 13/14. Segundo, porque a FAESPA utiliza-se de procedimento não
permitido pela legislação educacional e pelo MEC para diplomar esses alunos, qual seja, o
aproveitamento extraordinário de estudos de forma coletiva.
De acordo com o MEC a forma como a FAESPA está utilizando o aproveitamento
extraordinário de estudos é como uma terceirização do curso superior ou oferta indireta de
curso superior, o que é terminantemente proibido. Ressalte-se que no próprio contrato de
prestação de serviços educacionais a FAESPA já prevê indevidamente a utilização do
aproveitamento extraordinário de forma coletiva, vejamos:
“O CONTRATANTE declara-se ciente de que o curso contratado é uma
graduação livre, passível de reconhecimento por chancelamento,
preferencialmente, com as instituições UNIVES, MONTENEGRO e/ou
por qualquer Instituição de Ensino Superior que seja credenciada e
o respectivo curso de graduação autorizado ou reconhecido pelo
Ministério da Educação e legislação pertinente, sendo de
responsabilidade da CONTRATADA o encaminhamento da
documentação do egresso para convalidação do diploma.” (Cláusula
quinta do contrato – fl. 43)
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De acordo com o MEC, a proibição da utilização do aproveitamento extraordinário
de forma coletiva se dá em virtude do curso superior oferecido de forma indireta não
contar com a fiscalização e avaliação de qualidade do MEC. Tal fato pode ocasionar danos
ao aluno duas vezes; primeiro, porque ele está comprando um curso de graduação que não
lhe dará direito a um diploma válido de nível superior/graduação; e segundo, porque os
serviços educacionais prestados pela instituição não tem qualquer garantia de qualidade
e/ou de atendimento aos requisitos previstos na legislação educacional vigente.
Importante ressaltar, que o dano causado ao aluno não se restringe somente a ele,
mas atinge a toda a sociedade, considerando que muitos alunos que tiveram aulas sem
qualquer adequação à legislação educacional, isto é, com carga horária aquém da
necessária para o pleno desenvolvimento intelectual, sem planos de aula, sem professores
com requisitos mínimos para ministrar aulas em cursos de graduação, serão diplomados da
mesma forma que aqueles alunos que estudaram de acordo com as normas da LDB, sendo
que essa situação pode resultar em maiores danos à coletividade, com a inserção no
mercado de trabalho de profissionais sem a devida qualificação.
Importante ressaltar que a atividade regulatória da educação superior, exercida
pelo Ministério da Educação, é missão constitucionalmente estabelecida no art. 209 da
CF/88, bem como prevista no art. 7º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Portanto, o
ato de autorização exarado pelo MEC não é uma mera exigência feita pela Administração
Pública, mas se trata de uma forma de realizar a regulação, avaliação e supervisão das
instituições e cursos de ensino superior do país.
Assim, diante das informações prestadas pelo MEC, pelos alunos da FAESPA e pela
própria instituição e, ainda, dos documentos juntados aos autos, como contrato de
prestação de serviços educacionais do Instituto Ômega (fls. 23/28 e 43) e os boletos
bancários, este órgão ministerial expediu a Recomendação nº 81/2011 (fls. 59/63), nos
seguintes termos:
a) retire, imediatamente, do seu contrato de prestação de
serviços ou de qualquer documento utilizado pela
instituição, quer para publicidade quer para utilização
interna, os termos “graduação” e “formação superior”,
que, inevitavelmente, induzem o aluno a erro quanto a
natureza do serviço educacional prestado pela FAESPA;
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b) retire, imediatamente, a cláusula quinta do contrato de
prestação de serviços da FAESPA que informa a
possibilidade de aproveitamento dos estudos e
convalidação de diploma;
c) não realize propaganda ou utilize de material
publicitário que induza ao erro a sociedade, com termos
como “vestibular” etc., devendo o texto deixar claro que o
ensino que a instituição oferece é livre e, portanto, sem
autorização legal do MEC e sem direito a diploma
autorizado pelo MEC;
d) não utilize material da instituição, como boletos de
pagamento, lista de frequência, documentos a serem
afixados em quadros de avisos etc., que induzam ao erro os
estudantes dos cursos livres, sendo recomendado que
termos como “graduação” e “licenciatura” não sejam
utilizados, sendo sempre especificados que os cursos são de
natureza livre, portanto, sem diploma autorizado pelo
MEC.”
A FAESPA, por sua vez, informou o acatamento da referida recomendação e a
adoção das medidas recomendadas. Informou, ainda, a paralisação de suas atividades,
restringindo-se apenas à oferta de curso livre de teologia (fls. 81/82).
Entretanto, em reunião realizada na sede da Procuradoria da República no Pará,
entre os alunos da FAESPA e o MPF, restou constatado que a instituição continua
funcionando normalmente no município de São Domingos do Capim e em outros municípios
(fl. 98), tendo sido paralisadas apenas as aulas do curso de Administração e quanto às aulas
de Pedagogia, estas só foram paralisadas porque os alunos se recusaram a continuar as
atividades enquanto não resolvida a situação da instituição.
Nova reunião foi realizada na Procuradoria da República no Pará, dessa vez com a
presença do MEC e dos alunos, também sem a presença da FAESPA, que não foi encontrada
no endereço indicado pela mesma, conforme certidão de fl. 109. Ressalte-se que o
endereço foi indicado pela própria instituição, que antes já recebeu notificações desta
Procuradoria (fl. 64), sendo o endereço indicado em boleto de 2011 da Instituição, à fl. 89
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e 101, além do próprio registro de funcionamento na Prefeitura Municipal de Belém.
Na prefalada reunião, os alunos confirmaram que a FAESPA tinha conhecimento da
data da reunião, contudo esta informou aos alunos que não compareceria. A FAESPA,
conforme informações prestadas pelo advogado dos alunos presentes na reunião, propôs
uma composição aos alunos de São Domingos do Capim, nos seguintes termos:
“encaminhar os alunos à outra instituição credenciada pelo MEC, mais
especificamente a CESUMAR, para, após esse encaminhamento, os
alunos, ao final do curso, submeterem-se a uma prova para obter o
diploma.”
O representante do MEC, presente na reunião, afirmou que o referido
procedimento que a FAESPA quer adotar não é regular, sendo que, nada mais é, do que a
mesma irregularidade que ela já vem utilizando com os seus alunos (Memória de Reunião –
fls. 97/100).
O MEC deixou claro que o procedimento denominado aproveitamento
extraordinário de estudos previsto no art. 47, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação –
LDB, é possível, porém, é uma exceção e somente pode ser utilizado de forma individual
pelos alunos e não de forma coletiva como quer a FAESPA.
Cumpre registrar a ausência da FAESPA na reunião retro mencionada, o que
dificulta sobremaneira qualquer tipo de análise da proposta formulada ou negociação
quanto a melhor forma de minorar os danos já causados aos muitos alunos da instituição.
No que tange às instituições de ensino superior que a FAESPA cita nos seus folhetos
de divulgação e/ou nos boletos bancários como instituições parceiras, como UNIVES e
Faculdade Montenegro e que figuram no pólo passivo da presente demanda, o MEC
encaminhou ao Ministério Público Federal a Nota Técnica nº 271/2011-
GCSUP/SERES/MEC/GDE (fls. 66/80).
Na Nota técnica em apreço, o MEC analisa informação de oferta irregular de curso
superior sem prévio ato autorizativo do MEC pela FAESPA e eventual aproveitamento
automático de conteúdo de curso livre pela Faculdade de Ciências e Educação do Espírito
Santo (UNIVES) e pela Faculdade Montenegro para fins de diplomação.
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Após análise do MEC, restou confirmada a ausência de qualquer ato
autorizativo ou credenciamento da FAESPA ou Instituto Ômega, bem como restou
constatado que as faculdades mantidas pela UNIVES (Faculdade de Ciências e Educação
do Espírito Santo e Faculdade de Educação de Vitória) estão com o credenciamento
vencido e não possuem pedido de recredenciamento ativo no sistema do MEC. Isto é, as
instituições de ensino superior, em tese, parceiras da FAESPA não estão com o seu
credenciamento regular perante o MEC, logo, ainda que o convênio firmado entre elas
tivesse validade, o que não é o caso, estas também não tem autorização para ofertar tais
cursos de graduação.
O MEC constatou, ainda, que a suposta oferta de pós-graduação lato sensu pela
Faculdade de Ciências e Educação do Espírito Santo, Faculdade de Educação de Vitória e
Faculdade Montenegro em municípios diversos das suas sedes por meio de parcerias com a
FAESPA/Instituto Ômega, demonstra fortes indícios de irregularidades, tendo em vista que
estas instituições não possuem qualquer credenciamento para oferta de educação na
modalidade à distância.
Como se pode ver, a partir do mencionado procedimento administrativo,
constataram-se sérias violações aos princípios regentes do ensino e da educação superior
no país, exigindo a pronta ação do Ministério Público Federal como fiscal da higidez e
normalidade do ordenamento jurídico, sobretudo, por envolver os princípios
constitucionais explícitos regentes da matéria, contidos no art. 209, II da CF/88, como se
demonstrará.
Não obstante, o Ministério Público Federal tentou inicialmente solucionar o caso
de forma extrajudicial, por meio de reuniões nas quais buscou, com a presença de uma
representação dos alunos, presença da FAESPA e do MEC, a composição dos danos a que
foram submetidos os alunos e a necessária adequação da conduta da instituição aos
ditames da legislação educacional.
Como se pode perceber, esta composição não foi possível tendo vista a
ausência da FAESPA na reunião realizada, bem como em virtude da ausência também
de qualquer comunicação da FAESPA com o Ministério Público Federal no sentido de
solucionar a lide ou buscar solução viável e legal aos alunos prejudicados.
Ademais, os telefones indicados pela FAESPA (fl. 89 e 91), não atendem
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(Certidão de fl. 112), o que indica que a Instituição não existe mais ou mudou de
endereço sem informar nos autos do Procedimento Administrativo ao MPF.
2. DO DIREITO
2.1 - DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF/88).
No artigo 129 da Constituição da República, estão previstas as suas funções
institucionais, dentre as quais se destacam “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (inciso II) e “promover o inquérito
civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso III).
Em complemento à Constituição, foi editada a Lei Complementar nº 75/1993, que,
tratando do Ministério Público da União, reafirmou, em seu artigo 1°, as suas funções de
guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais
indisponíveis e, no artigo 2º, dispôs incumbir-lhe a adoção das medidas necessárias à
garantia do respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
constitucionalmente assegurados.
Para tanto, essa lei conferiu-lhe o poder de empregar instrumentos capazes de
bem proporcionar o desempenho de seus misteres, dentre os quais o inquérito civil e a
ação civil pública, conforme se verifica no artigo 6º, in verbis:
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:(...)VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais;(...)c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;(sem grifos no original)
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Assim, a legislação pátria, ao tempo em que atribui ao Ministério Público o poder-
dever de proteger os direitos e interesses difusos e coletivos da sociedade, proporciona aos
seus integrantes o acesso ao mecanismo processual talhado para tal finalidade, ou seja, a
ação civil pública. Ação esta prevista na Lei nº 7.347/85 (principal lei de regência), com
expressa previsão da legitimidade do Ministério Público para sua promoção no artigo 5º,
caput, e destinada, conforme o artigo 1º, a tutelar o meio ambiente, o consumidor, os
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a ordem
econômica e a economia popular, a ordem urbanística e qualquer outro interesse difuso ou
coletivo.
Pois bem. Colocado isso, e considerando que o direito ou interesse que se
pretende proteger por meio desta demanda é coletivo (trata-se de direito ou interesse
transindividual, ou seja, de interesse de todos os interessados em participar dos cursos
oferecidos pela instituição e também pela sociedade em geral como destinatária dos
profissionais formados pela FAESPA e diplomados pela UNIVES ou Faculdade Montenegro),
não restam dúvidas de que o Parquet federal é dotado de legitimidade ativa para propor a
presente ação civil pública, sendo mais do que seu poder, e sim verdadeiro dever
funcional.
Sobre aspecto pouco percebido pelos processualistas, diz PAULO DE TARSO
BRANDÃO que quando se trata de interesses decorrentes de conflitos metaindividuais, nem
eles são identificáveis como puramente difuso, coletivo em sentido estrito ou individual
homogêneo. Complementando, menciona o pensamento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
Andrade Nery: “o que caracteriza um direito ou interesse como difuso, coletivo ou
individual homogêneo é o tipo de pretensão deduzida em juízo. Um mesmo fato pode dar
origem à pretensão difusa, coletiva ou individual homogênea.” Com elevado acerto, diz
BRANDÃO que a análise tendente a identificar qual a modalidade de tutela só pode ser
feita quando do julgamento do mérito, não como condição da ação.
Por fim, o artigo 82, I do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)
determina a expressa legitimidade do Ministério Público para a realização da defesa
coletiva em juízo dos interesses coletivos e difusos, nos termos da lei.
Portanto, resta evidente a legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo
ativo da presente demanda judicial.
2.2 - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAMENTO DO FEITO
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Por força do art. 109 da Constituição Federal, as causas que envolverem interesses
da União, exceto aquelas reservadas à justiça do trabalho e a justiça eleitoral, devem
necessariamente serem julgadas pela justiça federal.
O interesse da União na presente demanda consubstancia-se na sua qualidade de
entidade política responsável pela manutenção e organização do sistema federal de ensino,
nos termos do § 1º do art. 211 da CF/88, o que faz por meio do Ministério da Educação,
órgão integrante da administração pública federal direta, ao qual compete credenciar,
autorizar e reconhecer os cursos educacionais de nível superior no território nacional.
Demonstrado o interesse da União no presente caso resta evidenciado, por
consequência a competência da Justiça Federal.
2.3 DO MÉRITO
2.3.1 - DA NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO POR PARTE DO PODER PÚBLICO PARA OFERTA
DE CURSO DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
A Constituição Federal preconiza a liberdade de iniciativa como um dos postulados
da ordem econômica e, mesmo para o ensino, pode haver a convivência da iniciativa
privada com os estabelecimentos públicos. No entanto, o exercício desse direito é balizado
por normas expressamente previstas no texto constitucional.
Assim preceitua a Constituição Federal:
Art.209. O ensino é livre à iniciativa privada atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento de normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público.
Desse modo, para que uma instituição de ensino, seja pública ou privada,
funcione regularmente, faz-se necessário o cumprimento das normas gerais da educação
nacional constantes na Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem
como a autorização por parte do Poder Público, somente conferida mediante prévia
vistoria das instalações físicas e qualificação do corpo docente.
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As Instituições de Ensino Superior também estão sujeitas ao cumprimento
dessas normas, o que implica que devem seguir todo um regramento para poder oferecer
cursos de nível superior, abrir novos cursos e diplomar seus alunos.
Determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em seus artigos 45 e 46:
Art. 45. A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.
Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.
Todas as instituições de ensino Superior, sejam elas públicas ou privadas,
devem necessariamente ser credenciadas junto ao MEC e todos os cursos são criados por
meio de um ato legal, que pode ser chamado de criação ou autorização, dependendo da
organização acadêmica da instituição. Tais exigências justificam-se justamente para a
manutenção do controle e da qualidade das instituições de ensino espalhadas pelo nosso
país, sobretudo as instituições privadas.
Conforme consta do sítio oficial do Ministério da Educação e Cultura, o
credenciamento consubstancia-se na fase inicial para que qualquer instituição de
educação possa efetuar suas atividades regularmente, pois, mesmo nos cursos em que
a autorização e o reconhecimento do curso sejam dispensados, nos termos das leis,
como por exemplo, os cursos de pós-graduação lato sensu, o ato de credenciamento é
indispensável.
Assim, verifica-se que a FAESPA, não possuindo sequer credenciamento junto
ao MEC jamais poderia oferecer cursos de nível superior seja para licenciatura,
bacharelado, ou pós-graduação lato sensu ou strictu sensu , ou ainda direta ou
indiretamente por meio de convênios com outras instituições de ensino.
Da mesma forma, a UNIVES e a Faculdade Montenegro, mesmo credenciadas
pelo MEC (embora com o credenciamento vencido), somente possuem autorização para
ofertar cursos de graduação nas suas sedes, quais sejam, Vitória/ES e Ibicaraí/BA,
respectivamente. Para que possam ofertar cursos de graduação e pós-graduação fora de
sua sede necessitam que esta possibilidade conste no respectivo ato autorizativo, o que
não possuem.
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Isso porque, segundo o MEC a oferta de cursos de graduação deverá obedecer ao
disposto no ato de autorização, pelo que os cursos ofertados na modalidade presencial
terão a oferta limitada a localização geográfica e ao número de vagas estabelecidos no ato
e os cursos ofertados na modalidade à distância também estarão restritos aos polos
credenciados da instituição e ao número de vagas estabelecidos no ato.
O que se percebe nessa “parceria” entre a FAESPA e instituições de ensino
superior credenciadas pelo MEC, como UNIVES e Faculdade Montenegro, é a oferta de
graduação e pós-graduação de forma indireta, como “franquia” ou “terceirização” e
sem qualquer fiscalização do MEC. A FAESPA oferta e ministra os cursos sem a
fiscalização e avaliação do MEC e a UNIVES e Faculdade Montenegro “vendem” seus
diplomas a essas instituições (FAESPA), sem qualquer verificação da qualidade do
ensino prestado, visando tão somente obter vantagens econômicas.
Essa grave ilegalidade, que tem se espalhado pelo interior do Estado do Pará, com
várias instituições sem credenciamento do MEC firmando parcerias com instituições
credenciadas que diplomam esses alunos, deve sofrer a intervenção do Poder judiciário de
forma imediata a fim de resguardar os direitos e interesses da sociedade.
2.3.2 - DA IMPOSSIBILIDADE DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU , EM NÍVEL DE
ESPECIALIZAÇÃO
Conforme informa-nos o MEC, em razão da situação de irregularidade constatada,
a Instituição ora requerida não pode ofertar cursos de graduação em nível superior
conforme demonstrado no tópico anterior. O mesmo ocorre quanto aos cursos de pós-
graduação lato sensu, em nível de especialização, pois a Resolução CNE/CES nº 01 de
08.06.07, que disciplina o seu funcionamento, em seu art. 1º afirma:
art. 1º – Os cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por
instituições de educação superior DEVIDAMENTE CREDENCIADAS
independem de autorização, reconhecimento e renovação de
reconhecimento e devem atender ao disposto nesta Resolução (grifo
nosso)
Da leitura do artigo 1º de referida resolução verifica-se que o ato de
credenciamento é indispensável a qualquer instituição educacional, ao passo que a sua
falta acarreta a impossibilidade de referida instituição ser considerada como instituição
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educacional, podendo tão somente ser considerada como instituição não-educacional. Em
razão disso, pode ofertar apenas os chamados cursos livres, mas nunca diplomas de
pós-graduação lato sensu .
Acrescenta-se ainda a informação ministerial, em processo análogo a este, quanto
a impossibilidade do oferecimento indireto dos cursos cursos de pós-graduação
consubstanciados no tópico 26 da Nota Técnica nº 149/2011-CGSUP/SERES/MEC do MEC (fl.
51 do procedimento em anexo) que afirma:
“Quanto aos cursos de pós-graduação lato sensu, estes poderão ser
ofertados por convênio desde que a IES, credenciada e em situação
regular, se responsabilize diretamente pela contratação e definição
do perfil docente, organização didático-pedagógica do curso ofertado,
integralização, relação das disciplinas, carga horária oferecida e
demais requisitos que demonstrem a presença de qualidade inerente a
sua atuação em sua sede e pela qual obteve autorização do MEC para
funcionar.”
Em razão disso, a FAESPA jamais poderia ter ofertado cursos de pós-graduação Iato
sensu, em nível de especialização.
2.3.3 - DA INCIDÊNCIA DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Os fatos relatados e combatidos nesta Ação Civil Pública reclamam a incidência
das normas de proteção do consumidor (Lei nº 8.078/90) estabelecidas justamente com a
finalidade de coibir práticas desleais, enganosas e abusivas quando do oferecimento ao
mercado de consumo de produtos e serviços.
Os serviços educacionais oferecidos pela FAESPA e chancelados pela UNIVES e
Faculdade Montenegro, por constituírem prestação de serviços educacionais mediante
remuneração ensejam a aplicação das normas de proteção estabelecidas na Lei nº
8.078/90, nos termos do seu art. 3º.
A jurisprudência também se posiciona nesse sentido. Precedente:
CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. SUJEIÇÃO AO CDC. ATRASO NO PAGAMENTO. MULTA MORATÓRIA. LIMITAÇÃO A 2%. LEIS NS. 8.078/90 E 9.298/96. INCIDÊNCIA.
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I. O contrato de prestação de serviços educacionais constitui relação de consumo, nos termos do art. 3º do CDC, de sorte que a multa moratória pelo atraso no pagamento não pode ultrapassar o teto fixado na Lei n. 9.298/96.
II.Agravo improvido.(AGA 200200786895, ALDIR PASSARINHO JUNIOR, STJ - QUARTA TURMA, 19/05/2003)
2.3.4 DA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR E DA PUBLICIDADE
ENGANOSA REALIZADA PELA FAESPA
O art. 6º do CDC elenca exemplificativamente os direitos básicos do consumidor,
dentre os quais se destacam os incidentes sobre o presente caso concreto:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX - (Vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Conforme destacado, percebe-se claramente a violação aos direitos dos
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consumidores na publicação do folder publicitário (fl. 11 e 13/14) distribuído ao público
pela FAESPA, pois nele, a faculdade faz expressa menção de que é Instituição de nível
superior e que seus cursos são reconhecidos pelos MEC, omitindo importantes informações
sobre os serviços educacionais que oferece, sobretudo aquelas referentes aos convênios
que possui com outras instituições de ensino superior.
O Código ainda acrescenta:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
(...)
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Conforme disposto, verifica-se que a FAESPA ludibriou a sua condição de
instituição não credenciada junto ao MEC, através de publicações enganosas, induzindo
em erro o consumidor, movida simplesmente por interesses econômicos, não observando as
regras regulamentares da educação superior nacional.
Tais irregularidades não podem continuar em detrimento das normas de ordem
pública que protegem a educação de qualidade e a prestação de serviços adequados e
regulamentados.
2.3.5 - DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS
SUPORTADOS
Tomando por empréstimo argumentos utilizados em Ação Civil Pública pelo
Ministério Público Federal na Bahia, verificamos que a existência de alunos matriculados
nos cursos ministrados pela FAESPA que exigem credenciamento, autorização e
reconhecimento pelo Ministério da Educação, vinculados contratualmente a essa
instituição mediante remuneração, demonstra a ocorrência de danos patrimoniais e morais
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individuais e coletivos que devem ser necessariamente reparados pela instituição, que vem
oferecendo cursos de forma irregular, conforme já demonstrado.
É que os alunos, não obstante todo o investimento financeiro aplicado em suas
formações acadêmicas além do tempo dedicado, sequer poderão obter do MEC, ao final da
consecução dos anos de estudos, o reconhecimento de seus cursos, e a expedição de seus
respectivos diplomas, haja vista se tratar de cursos oferecidos por instituição irregular
junto ao Ministério competente.
No mesmo passo, a sociedade paraense, como destinatária dos serviços
educacionais prestados de forma regular e qualificada, possui a expectativa em ver
ministrado, pelas instituições de ensino, e deles participar, cursos devidamente autorizados
e fiscalizados pelo Poder Público.
Esses direitos individuais têm uma mesma origem e resultam da ação de um
mesmo agente provocador. Nesses casos, o ordenamento jurídico considera que a atuação
coletiva, pelo menos na fase de conhecimento, é mais vantajosa para a efetiva pacificação
social do conflito. De nada adiantaria que alguns possam se ver ressarcidos da indevida
conduta da FAESPA e da UNIVES e Faculdade Montenegro, enquanto outros, por maior
hipossuficiência, terão que arcar com os danos materiais. Desse modo, justifica-se a
legitimação para obter, in casu, uma condenação genérica em favor dos estudantes e da
sociedade prejudicados, tanto no que se refere aos danos materiais, como no que
concerne aos danos morais suportados.
De fato, ao anunciar e oferecer cursos de forma irregular, como se regulares
fossem, pratica a ré publicidade enganosa, nos termos do art. 37, § 1º do Código de Defesa
do Consumidor, na medida em que seus alunos não terão seus cursos de graduação com
qualquer validade jurídica, suportando, com isso, essas pessoas, danos materiais e morais
em razão da conduta da FAESPA, da UNIVES e Faculdade Montenegro.
Considera-se dano moral aquele que afeta a vítima como ser humano, lesando um
bem integrante da sua personalidade, a sua saúde, a integridade psicológica, o nome, não
atingindo ou diminuindo seu patrimônio.
A moderna doutrina civilista, inspirada nas garantias constitucionais, bem como no
código de defesa do consumidor, passou a admitir a reparação dos danos morais em
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proveito das coletividades, que também são sujeitos de direitos, ainda que de natureza
transindividual.
A esse respeito, o prof. Alexandre de Moraes pontua que a indenização por danos
morais, portanto, terá cabimento seja em relação à pessoa física ou jurídica, bem assim a
coletividade, sofre no aspecto econômico de seus bens jurídicos (Constituição do Brasil
comentada, São Paulo: Atlas. 2002. p. 209).
Hodiernamente, a reparação por danos morais possui previsão no art. 5º, V, da
Constituição da República, nos seguintes termos: “É assegurado o direito de resposta
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
O requisito que enseja a indenização por danos morais é a violação da ordem
jurídica (constitucional e infraconstitucional) por intermédio de uma ação ou de uma
omissão, a qual acarreta lesão de natureza extra-patrimonial. É o que se verifica nos autos
do presente caso.
Os danos materiais, in casu, correspondem à totalidade dos valores pagos em
razão dos contratos firmado entre os consumidores e a FAESPA, por cursos ministrados
de forma irregular.
Já os danos morais revelam-se ante o prejuízo suportado pelos consumidores
ao verem frustadas as suas intenções em obter uma formação acadêmica adequada às
normas legais vigentes e que lhe oportunize concorrer, ao final, no mercado de
trabalho.
Da mesma forma, os danos perpetrados pela FAESPA atingem a moral coletiva, na
medida em que a sociedade como um todo se vê frustrada pelo oferecimento enganoso de
um serviço, o qual, em princípio, lhe seria destinado a obter um legítimo acesso a
educação superior, nos moldes delineados e autorizados pelo Poder Público.
Esses atos suportados de forma homogênea por todos os alunos e difusamente pela
sociedade, provocam indiscutível lesão na esfera psíquica desses agentes e, via de regra,
dão ensejo ao ressarcimento propugnado pelo autor, conforme previsto no inciso, V, e
caput do art. 1º da Lei n. 7.347/85:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
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popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
ll - ao consumidor;
O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, a seu turno, também
contempla a indenização por dano moral, nos incisos, VI e VII do artigo 6º:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
Nesse diapasão, a doutrina de Carlos Alberto Bittar Filho bem esclarece a natureza
do dano material coletivo:
(...) chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo éa injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foimagredido de maneira absolutamente injustificável, do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara da dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. n. 12, São Paulo: Revista dos Tribunais, P. 55).
Veja-se, ainda, a respeito do tema, o preclaro entendimento do Procurador da
República André de Carvalho Ramos:
“Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei de mais forte impera”
(...)
Tal intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém dúvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a
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seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular 'o Brasil é assim mesmo' deveria sensibilizar todos os operadores do direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo”.
Cabíveis, portanto, são as indenizações por danos materiais, morais e coletivos,
ora pleiteados.
2.3.6 - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que
dá ao autor o bem por ele pleiteado, sempre que haja fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação e desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da
alegação.
Como fundamento legal para a concessão de medida liminar em Ação Civil Pública
(com natureza cautelar ou de antecipação de tutela), tem-se a previsão do art. 12 da Lei
nº 7.347/85 (“Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo”). Reforçando esta possibilidade, tem-se, ainda, os arts. 273 e
461 do Código de Processo Civil e o art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor
(aplicável à ação civil pública, por força do disposto no artigo 21 da Lei nº 7.347/85), que
lhe estabelece os requisitos:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.(...)§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
Sobre os requisitos para concessão da liminar (com natureza de antecipação de
tutela), ensina Cândido Rangel Dinamarco1:
Não fala (refere-se ao art. 12 da Lei 7.347/85) em requisito algum mas, se uma justificação pode ser necessária, é porque necessária é também a presença dos requisitos da urgência e da probabilidade; além disso, o contrário equivaleria a desconsiderar o devido processo legal. Mais técnico e explícito, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que ‘sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
1 Nova Era do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 98/99.
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justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu’ (Lei 8078, de 11.9.90, art. 84, §3º). E, como esses dois estatutos se interpenetram mediante recíproca aplicação das normas de uma ao processo regido pelo outro (LACP, art. 21 e CD, art. 90), as exigências do Código de Defesa do Consumidor, como requisitos para antecipar a tutela, impõem-se também na área regida pela Lei de Ação Civil Pública.
Assim, os requisitos para a concessão de liminar, com natureza de antecipação de
tutela, na Ação Civil Pública, são a urgência, ou, nos termos da lei, o justificado receio de
ineficácia do provimento final (requisito que se convencionou chamar periculum in mora),
e a relevância do fundamento da demanda (ou fumus boni juris). No caso em questão, a
concessão da liminar é de todo viável, uma vez que presentes ambos os requisitos.
No caso em questão, a relevância do fundamento da demanda (fumus boni juris)
encontra-se demonstrada por meio desta petição inicial, bem como através do conjunto
probatório constante no procedimento administrativo que a instrui (PA nº
1.23.000.000626/2011-27), fundamentando-se, sobretudo, no direito fundamental à
educação de qualidade e a proteção do consumidor.
O receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora) é patente, em
razão do já início do ano letivo da FAESPA, o que indubitavelmente ocasionará prejuízos
econômicos aos participantes dos seus cursos, enganados por uma publicidade enganosa.
Ademais, ao se aguardar o deslinde da presente querela para, só então, impor à
FAESPA, a UNIVES e a Faculdade Montenegro a efetivação dos direitos por elas lesados,
causar-se-á enorme gravame possibilitando-se a concretização de situações consolidadas
de forma irregular.
Diante do exposto, a concessão do pedido de antecipação de tutela nesta Ação
Civil Pública – cujos requisitos, repita-se, estão presentes – é imprescindível para assegurar
o resultado útil da prestação jurisdicional.
Até porque, ressalte-se que a recomendação expedida por este Parquet não
recomendou a paralisação das atividades e das aulas da FAESPA, o que, neste momento,
revela-se extremamente necessário para evitar que os danos já causados aos alunos sejam
mantidos, bem como evitar que novos danos sejam perpetrados em face de novos alunos.
3. DOS PEDIDOS
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Pelo exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a Vossa Excelência que se
digne em:
3.1. DE INÍCIO, com fulcro no artigo 12 da Lei nº 7.347/85 e no
artigo 84, § 3º, da Lei nº 8.078/90, conceder medida liminar, inaudita
altera pars (dada a urgência da questão), para o fim de determinar:
3.1.1. que a FAESPA e LS LTDA. paralisem imediatamente a divulgação
de todo e qualquer anúncio publicitário oferecendo os cursos de
graduação e pós-graduação lato sensu em nível de especialização, bem
como a divulgação de que seja Instituição de Ensino Superior e que
oferece cursos reconhecidos pelo MEC;
3.1.2 que a FAESPA e LS LTDA suspendam temporariamente suas
atividades referente aos cursos ora questionados, nos termos do art.
56, ,VII do CDC, compelindo a FAESPA a imediatamente interromper as
matrículas nos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em
nível de especialização, ou quaisquer outros assemelhados, e ainda a
não iniciar as aulas dos referidos cursos sem o ato de credenciamento,
autorização e reconhecimento junto ao MEC, conforme cada caso
requer;
3.1.3 que a FAESPA e e LS LTDA abstenham-se de firmar qualquer tipo
de convênio com instituições credenciadas pelo MEC para o fim de
diplomar seus alunos de “cursos livres” (exceto o curso de teologia,
nos termos permitidos pela lei), tendo em vista que o MEC já se
manifestou no sentido da ilegalidade de tais instrumentos.
3.1.4. que a FAESPA. LS LTDA., UNIVES e a Faculdade Montenegro
sejam responsáveis pelo ressarcimento de todos os valores pagos,
individualmente, pelos alunos matriculados, referentes à matrícula,
taxas e mensalidades, com correção monetária;
3.1.5 que a UNIVES e a Faculdade Montenegro abstenham-se de
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firmar qualquer tipo de convênio ou parceria com instituições não
credenciadas pelo MEC, com o objetivo de diplomar os alunos dessas
instituições.
3.1.6 que, sendo deferida a liminar, a FAESPA, LS LTDA., a UNIVES e a
Faculdade Montenegro sejam compelidas a divulgar nos seus sites e
em dois jornais de grande circulação no Estado do Pará, a existência da
presente demanda contra si movida por este Ministério Público Federal
e da decisão proferida pela Justiça Federal, com a indicação de seu
objeto, bem como os motivos da presente demanda, às suas expensas;
3.1.7. a cominação de penalidade administrativa, civil e penal em caso
de descumprimento de quaisquer das medidas judiciais determinadas
por este r. Juízo referente ao presente caso, a critério de V. Exa.,
atento às circunstâncias do caso.
3.2. AO FINAL, julgar a demanda procedente, com a confirmação da
liminar, obrigando:
3.2.1 a FAESPA e à LS LTDA a NÃO publicar qualquer anúncio na qual
se designe como instituição de ensino superior, ou que oferece cursos
de graduação ou pós-graduação lato sensu ou stricto sensu em nível
superior, sem antes realizar o credenciamento, autorização e
reconhecimento junto MEC, conforme cada caso requer
3.2.2 que a FAESPA e LS LTDA. suspendam suas atividades no que
concerne aos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em nível
de especialização, sem que haja o ato de credenciamento, autorização
e reconhecimento junto ao MEC, conforme cada caso requer.
3.2.3 que a FAESPA e LS LTDA. abstenha-se de firmar qualquer tipo de
convênio com instituições credenciadas pelo MEC para o fim de
diplomar seus alunos de “cursos livres” (exceto o curso de teologia,
nos termos permitidos pela lei), tendo em vista que o MEC já se
manifestou no sentido da ilegalidade de tais instrumentos;
3.2.4. que a FAESPA e LS LTDA., UNIVES e a Faculdade Montenegro
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sejam responsáveis pelo ressarcimento de todos os valores pagos,
individualmente, pelos alunos matriculados, referentes à matrícula,
taxas e mensalidades, com correção monetária;
3.2.5 que a UNIVES e a Faculdade Montenegro abstenham-se de
firmar qualquer tipo de convênio ou parceria com instituições não
credenciadas pelo MEC, com o objetivo de diplomar os alunos dessas
instituições.
3.2.6 que a FAESPA, LS LTDA., a UNIVES e a Faculdade Montenegro
sejam compelidas a divulgar nos seus sites e em dois jornais de grande
circulação no Estado do Pará, a existência da sentença de mérito, às
suas expensas;
3.2.7 que a FAESPA, LS LTDA., a UNIVES e a Faculdade Montenegro
sejam condenadas ao pagamento dos danos materiais e morais
individuais e coletivos ocasionados aos seus alunos e a sociedade como
um todo, sendo os danos materiais apurados em liquidação judicial,
tendo em consideração os prejuízos causados a cada um dos alunos,
após a habilitação dos interessados na fase de execução da presente
demanda e os danos morais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais).
4. DOS REQUERIMENTOS
Ainda, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer à Vossa Excelência:
4.1 a citação da FAESPA, da LS LTDA., da UNIVES e da Faculdade
Montenegro e de seus representantes legais, nos endereços indicados
na inicial, para querendo, contestar o presente feito, sob pena de
sofrer a aplicação dos efeitos da confissão e da revelia;
4.2 a intimação da UNIÃO, para manifestar seu interesse em integrar a
presente demanda, no pólo ativo ou passivo da presente relação
jurídica processual;
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4.3 a produção de todas as provas admitidas em direito, em especial a
oral e a documental;
4.4. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, conforme o artigo 18 da Lei nº 7.347/85;
4.5. a condenação dos réus no pagamento de eventuais custas e outras
despesas processuais decorrentes da sucumbência;
4.6. a aplicação dos benefícios previstos no artigo 172, § 2º, do Código
de Processo Civil;
4.7. a juntada dos autos do Procedimento Administrativo nº
1.23.000.000626/2011-27, composto por 1 (um) volume, acostado à
exordial.
Protesta ratificar o alegado por todas as provas em direito admitidas,
especialmente pelos documentos colacionados a esta inicial, que se consideram a íntegra
do Procedimento Administrativo nº 1.23.000.000626/2011-27.
Dá-se à causa, para fins meramente fiscais, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais).
Belém, 27 de fevereiro de 2012.
ALAN ROGÉRIO MANSUR SILVAProcurador da República
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão
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