Prêmio FCW 2010

52
Os vencedores do prêmio Conrado Wessel de arte, ciência e cultura 2010 ESPECIAL Fundação Conrado Wessel F C W prêmio

description

Prêmio Fundação Conrado Wessel 2010

Transcript of Prêmio FCW 2010

Page 1: Prêmio FCW 2010

Os vencedores do prêmio Conrado Wessel de arte, ciência e cultura 2010

E s p E c i a l

Fundação Conrado Wessel

fc wp r ê m i o

Page 2: Prêmio FCW 2010

Conselho curador e diretoria da FCW

conselho curador

Presidente

Dr. Antonio Bias Bueno Guillon

Membros

Dr. José Álvaro Fioravanti

Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto

Dr. José Hermílio Curado

Capitão PM Kleber Danúbio Alencar Júnior

Dr. Reinaldo Antonio Nahas

Prof. Stefan Graf Von Galen

diretoria executiva

Diretor Presidente

Dr. Américo Fialdini Júnior

Diretor Vice-Presidente

Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese

superintendente

Dr. José Moscogliatto Caricatti

Coordenador Científico

Dr. Erney Plessmann de Camargo

Coordenador Cultural

Dr. Carlos Vogt

coordenação desta edição

Dr. José Moscogliatto Caricatti

Fundação Conrado WesselRua Pará, 50 - 15º andar

Higienópolis - 01243-020

São Paulo, SP - Brasil

Tel./fax: 11 3237-2590

www.fcw.org.br

[email protected]

Page 3: Prêmio FCW 2010

índice

4 FCW investiu 60,5% de seu orçamento, por 10 anos, em prêmios e doações

8 Os caminhos que levaram Conrado Wessel a inventar um novo papel fotográfico

12 Fundação busca premiar personalidades cujo trabalho se volta para

a sociedade

18 Jairton Dupont é um dos 100 químicos mais influentes do mundo

24 Angelita Habr-Gama alia o talento nas cirurgias às ações de prevenção contra o câncer de intestino

30 Nelson Pereira dos Santos é diretor de alguns dos filmes fundamentais do cinema brasileiro

38 Veja os ensaios fotográficos que ganharam

o Prêmio FCW de Arte

50 As instituições parceiras da fundação e o júri responsável pela seleção

as f

oto

s d

as p

ág

ina

s 5

-7,

14,

16-1

9 e

ca

pa s

ão

de

au

tor

ia d

os f

otó

gr

afo

s f

er

na

nd

o s

ilv

eir

a,

pe

dr

o v

er

tu

lli

e p

oli

ni

pr

izm

ic

8

4

18

24

30

38

Page 4: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

4

Nos últimos 10 anos a Fundação Conrado Wessel (FCW) destinou, em média, 60,5% de seu orçamen-to bruto para o apoio à arte, à ciência e à cultura

e doações. Os restantes 39,5% foram usados em despesas de manutenção patrimonial, administração e apoio a entidades. Os números indicam como a fundação acre-dita na premissa exaustivamente confirmada de que não pode haver crescimento de um país sem a contribuição da ciência. Também não se deve esquecer que a necessidade preliminar do investimento em ciência é o investimento em educação. Portanto, para o desenvolvimento nacional é preciso oferecer uma educação sólida a todos os cida-dãos. Será o crescimento social de uma população educada e preparada que gerará as melhores formulações para o desenvolvimento nacional. A FCW tem dirigido a maior parte de seu orçamento para ajudar nessa evolução.

Desde 2001 a fundação distribui anualmente os Prê-mios FCW aos melhores cientistas, artistas e escritores do país. E desde 2007 patrocina o Prêmio Almirante Ál-varo Alberto, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também concedeu 15 bolsas de estudo complementares no exterior para os ganhadores dos Grandes Prêmios Capes de Teses e uma bolsa de graduação em música, de quatro anos, na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Bancou a publicação de 15 edições dos Anais da Academia Brasilei-ra de Ciências e de seis livros, três científicos e três de

Fundação Conrado Wessel investiu 60,5% de seu orçamento, por 10 anos, para premiar arte, ciência, cultura e fazer doações

Apoio ao desenvolvimento nacional

Page 5: Prêmio FCW 2010

Moises Bonella: bolsa no exterior e apresentação na festa dos Prêmios FCW

ficção. Com a FAPESP, publica anualmente este suplemento es-pecial, completando agora oito anos de parceria.

Foi o fotógrafo, inventor e em-presário da indústria fotográfica Ubaldo Conrado Augusto Wessel quem propôs esse apoio à arte, à ciência e à cultura e colocou seu pa-trimônio à disposição dessa ideia. Seus objetivos se concentraram em duas linhas de atuação. Uma delas era fazer “aporte de recur-sos para utilização educativa, cultural e científica”, mediante doações. Para isso, a fundação re-cebeu uma relação de entidades definidas por ele, por meio das quais ela destina anualmente os recursos à educação e à formação cultural e científica. São elas: Al-deias Infantis SOS do Brasil, Asso-ciação Benjamin Constant, Corpo de Bombeiros da Polícia Militar, Exército de Salvação, Fundação Antonio Prudente. As demais entidades são escolhidas pela di-retoria da fundação e indicadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Outra meta de Conrado Wessel era distribuir prêmios a cientistas e artistas como for-ma de incentivo. A FCW tratou então de buscar parceria com instituições nacionais ligadas à ciência e à cultura. Essas insti-tuições determinam os nomes a premiar mediante reunião de seus representantes na Comissão Julgadora dos Prêmios FCW. São elas: FAPESP, Academia Brasilei-ra de Letras, Academia Brasileira de Ciências, CNPq (órgão do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia), Coordenação de Aperfeiçoamen-to de Pessoal de Nível Superior (Capes, órgão do Ministério da Educação), Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pes-

Clá

ud

io e

tg

es

Page 6: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

6

quisa (Confap), Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e Sociedade Brasileira pa-ra o Progresso da Ciência (SBPC). As premiações distinguem pes-quisadores, escritores e artistas brasileiros reconhecidos inter-nacionalmente e é essa uma das razões que levaram a fundação a se tornar referência nacional no meio acadêmico.

A FCW nasceu oficialmente como instituição priva-

da em 1994 para se cumprir o desejo de Wessel, expresso em testamento feito em 1988, cin-co anos antes de sua morte. No documento está determinada a criação da fundação à qual destinava “todos os bens” para cumprir as duas incumbências exigidas por ele. Como determi-na a lei, a FCW funciona sob a vigilância do Ministério Público e é gerida por administradores que devem seguir o estatuto e a legislação. Para evitar o colapso do patrimônio original, crescer e impedir que a organização se torne insolvente é preciso que a administração seja eficiente e parcimoniosa na gestão.

Wessel legou um patrimônio inicial constituído de 41 imóveis na capital paulista, em grande parte alugados, nos bairros da Barra Funda, dos Campos Elísios e de Santa Cecília, que totalizavam 18.722 metros quadrados (m²) de área construída. E seis outros imó-veis em Higienópolis, onde deveria ser erguido “um empreendimento imobiliário cuja renda seria desti-nada à concessão de prêmios”, de acordo com o testamento. A ges-tão de seu patrimônio demonstra um crescimento de 630% a partir de 2000, quando terminou a tran-sição do espólio de Wessel para a fundação e, simultaneamente, tomou posse a nova adminis-tração, que imprimiu outra di-nâmica para reverter o perfil de

rentabilidade patrimonial: des-concentrou, construiu novos e maiores prédios, fez aquisições e atualizou a carteira imobiliá-ria. Hoje são 51 imóveis e mais de 22.000 m² construídos.

Um Conselho Curador e uma Diretoria Executiva formam a ad-ministração da FCW. A gestão da primeira diretoria foi iniciada em 1995 e para ela Wessel havia indi-cado os seus testamenteiros como diretores nos três primeiros anos da fundação. O Ministério Públi-co nomeou os dois testamenteiros – um diretor administrativo e um diretor gerente financeiro – que ocuparam a direção por tempo de mandato superior ao especificado pelo fundador Wessel. Eles per-maneceram nos cargos não por três, mas por cinco anos.

Para o Conselho Curador, Wessel não indicou ninguém, mas o Ministério Público nomeou um afilhado dele em sua home-nagem. Desse conselho também fazem parte permanentemente três representantes das entidades beneficiárias, ou seja, aquelas que recebem uma doação significati-va da FCW a cada ano. No caso, a Fundação Antonio Prudente, o Corpo de Bombeiros e a Associa-ção Benjamin Constant. Após o período de transição e auditoria dos bens houve a posse da nova Diretoria Executiva em fevereiro de 2000. A partir daí, o legado de Wessel foi administrado de acor-do com os objetivos definidos para o patrimônio da FCW.

E sses objetivos são dois, como já foi dito acima: doações e

prêmios à arte, à ciência e à cul-tura. As doações vêm dos recursos obtidos com as locações dos imó-veis. Os prêmios distinguem os nomes reconhecidos na ciência geral, na ciência aplicada ao cam-po, à água, ao meio ambiente, à tecnologia, à biologia; na medici-na; e na cultura. Para esse fim, a

Page 7: Prêmio FCW 2010

por fotógrafos e publicitários vin-culados à APP, Abrafoto, revista About, revista Fotografe Melhor, Bi-blioteca Nacional, Clube de Cria-ção de São Paulo, PUC-Rio, Fun-dação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fotosite, Museu da Imagem e do Som, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e Universidade de São Paulo.

D epois de 10 anos de inves-timento em prêmios para

ciência e em bolsas de estudo, foi possível apreciar um resultado notável. Na festa da premiação dos ganhadores de 2010, realiza-da na Sala São Paulo em junho de 2011, na capital paulista, hou-ve a apresentação do violinista Moises Bonella, acompanhado pelo pianista Ney Fialkow, pro-fessor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bonella, de 22 anos, ganhou bolsa de qua-tro anos (2007-2011) da FCW para cursar música na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, estimulado pelo pianista Arnal-do Cohen. Talentoso, em abril o jovem músico recebeu da própria universidade norte-americana o Artistic Excellence Award.

Também em abril, durante a festa de aniversário de 60 anos do CNPq, a instituição federal homenageou a FCW com uma Menção Honrosa de Agradeci-mento aos serviços prestados no reconhecimento do valor cientí-fico no Brasil.

Apenas uma parte das ativi-dades da FCW está exposta nesta edição. O destaque é para os per-fis dos ganhadores dos prêmios de Ciência, Medicina e Cultura (a partir da página 18), as fotos dos vencedores de Arte (página 38), além da biografia de Conrado Wessel (página 8). O livro com as peças de todos os fotógrafos fina-listas será lançado no segundo semestre de 2011. ✦

mo tinha 68% da área, a fundação recebeu 17% das cotas (68% x 25% = 17%); e como a Obra Santa Zita detinha 32% da área, ficou com 8% das cotas (32% x 25% = 8%). O Shopping Pátio Higienópolis foi construído e é de seu movimento comercial que vem a maior parte da renda destinada aos vencedores dos Prêmios FCW.

Para conceder os prêmios de Ciência e Cultura a personalidades ou entidades de reconhecimento nacional, a fundação tem oito ins-tituições parceiras (ver página 50). A partir deste ano a Marinha do Brasil integrará permanentemen-te a Comissão Julgadora dos Prê-mios FCW de Ciência e Cultura. Na concessão do prêmio de Arte, a comissão julgadora é formada

fundação usou os seis imóveis de Higienópolis para transfor má-los no empreendimento Shopping Pátio Higienópolis.

Na época surgiram numerosas propostas para os seis terrenos. A mais atraente delas foi construir um shopping. Entretanto eram ne-cessários no mínimo 15.000 m² de área e a fundação tinha apenas 68% do necessário. Para chegar aos 100% foi preciso se unir a mais dois proprietários vizinhos, a Obra de Santa Zita e a empresa Plaza. O conjunto então formado atingiu 15.223,22 m². A participação no empreendimento foi estabeleci-da em 25% das cotas para a FCW e a Obra de Santa Zita; e 75% para o investidor responsável pelo custo de implantação e construção. Co-

diploma do CNPq que homenageia a FCW

ed

ua

rd

o C

esa

r

Page 8: Prêmio FCW 2010

Augusto Ubaldo Conrado Wessel (1891-1993) era fotógrafo, inventor, empresário e tinha grande conhecimento de química. Também gostava de

escrever e deixou depoimentos datilografados contando seus tempos de fotógrafo amador, quando adolescen-te, e as batalhas que travou para conseguir erguer sua fábrica de papel fotográfico. Em um de seus rascunhos de memória ele anotou: “Já quando menino tinha ten-dência de querer saber como as coisas eram feitas, por exemplo, queria saber por que a fotografia em parte era executada no escuro, por que a chapa fotográfica, mesmo depois de exposta, não apresentava vestígios da imagem fotografada, somente com o revelador, como num passe de mágica, aparecia o objeto fotografado em seus menores detalhes”. A curiosidade aliada a suas próprias experiências o levou a ganhar, aos 15 anos, os três primeiros lugares em um concurso promovido pela Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo para as melhores fotos de animais, em 1907, mesmo competindo com profissionais.

Wessel queria mais. Não bastava ser um excelente fotógrafo. Ele desejava criar um produto capaz de con-correr com as maiores empresas internacionais da época no ramo: a Agfa, a Gevaert e a Kodak. Por isso apro-veitou todas as oportunidades não só para desenvolver suas habilidades com a máquina fotográfica, mas para aprofundar-se nas técnicas de gravação e revelação e no que mais tivesse a ver com fotos. Quando o governo de São Paulo começou a promover uma política agressiva de promoção do consumo de café, carro-chefe do desenvol-vimento paulista no início do século XX, o presidente do estado, Jorge Tibiriçá, baixou um decreto determinando f

oto

s a

ce

rv

o f

un

da

çã

o c

on

ra

do

we

sse

l

Os caminhos que levaram Conrado Wessel

a inventar um novo papel fotográfico

Insista, não desista

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

8

Page 9: Prêmio FCW 2010

conrado wessel, aos 58 anos, o papel desenvolvido por ele e já em parceria com a Kodak

Page 10: Prêmio FCW 2010

“exibições cinematográficas de vistas das fazendas e indústrias” para fazer propaganda no exte-rior. Para isso foi chamado um cinegrafista da empresa francesa Gaumont – o senhor Colliot, se-gundo Wessel – para filmar fa-zendas. O jovem fotógrafo, que falava francês, foi contratado para acompanhá-lo pelo estado, auxiliando-o nas revelações e nas filmagens. Quando o cinegrafis-ta voltou para a França, deixou com Wessel um certificado de cinegrafista concedido pela Gau-mont no qual o considerava apto a substituí-lo, se necessário.

“Insista, não desista”, di-zia Wessel quando lhe pediam conselhos sobre situações difí-ceis, aparentemente incontor-náveis. Ele investiu na própria formação, trabalhou seis anos pesquisando e levou outros cin-co aperfeiçoando sua invenção de um novo papel fotográfico. Quando decidiu estudar no K.K. Graphischen Lehr und Versu-chsanstalt, em Viena, na Áus-tria, ele sabia que o instituto era avançado na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia e clichês (placas de metal para im-pressão de imagens e textos). Sua pretensão era aprimorar-se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, Guilherme, que consi-derava a clicheria um segmento

de muita perspectiva – em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, todas com máquinas e processos primitivos.

Em Viena, Wessel iniciou seus estudos no instituto em julho de 1911 e terminou em dezembro de 1912. Fez o estágio profissional obrigatório em uma das mais importantes empresas especia-lizadas na área de mídia, gráfi-ca e fotografia, a casa Beissner & Gottlieb, finalizado em 1913. Quando voltou para São Paulo, em 1914, trazia na bagagem as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que instalou para seu pai na rua Guaiana-ses, 139. Ele, no entanto, logo percebeu que precisava estudar mais. Conseguiu inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou entre 1915 e 1919. Lá se tornou amigo e au-xiliar de laboratório de Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e

eletroquímica do curso de en-genharia química.

Hottinger confiava-lhe a pre-paração do laboratório nas aulas práticas e o incentivava a conti-nuar sua pesquisa. Ao concluir sua “fórmula satisfatória” para o papel que desejava sentiu o im-pacto da descoberta: o que fazer? Não tinha recursos para insta-lar uma fábrica. “Havia pouco dinheiro, faltavam máquinas, papel etc.”, escreveu Wessel. Ou seja, faltava quase tudo. Por in-dicação de um cliente, porém, ele soube de um professor que de-sejava vender equipamentos de uma fábrica de papel fotográfico que não dera certo. Conrado Wes-sel comprou as máquinas – “re-gateando o máximo”, segundo ele – e as instalou na propriedade do pai, à rua Lopes de Oliveira, 198, em 1921.

Alguns anos antes, em 1916, Guilherme Wessel havia contra-tado o escritório Moura, Wilson & Co., do Rio de Janeiro, repre-sentante da International Patent

escritório Moura, wilson & co. comunica ao pai de wessel a provável concessão da patente

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

10

Page 11: Prêmio FCW 2010

Agency, para requerer os direitos pela invenção do papel fotográfi-co Wessel. Em carta de 4 de maio de 1921, o escritório informava que o ministro da Agricultura despachara favoravelmente o pedido de privilégio solicitado. Guilherme e Conrado estavam liberados para divulgar a inven-ção ou fazer qualquer negócio que desejassem com ela.

As dificuldades não pararam aí e outros obstáculos precisaram ser contornados. Foi preciso aperfeiçoar a produção até con-seguir um papel confiável para o mercado e vencer a resistên-cia inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais. Nos anos seguintes houve grande insta-bilidade política no país, como os episódios da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, e a revolução paulista de 1924. Nes-se último ano, em particular, os fornecedores tradicionais de pa-pel não conseguiam abastecer os

fotógrafos em razão do conflito e eles começaram a usar aque-le fabricado por Wessel. Quan-do veio a paz, ele já estava com sua fábrica em plena atividade e um produto de primeira linha pronto, o cartão-postal Jardim. Em pouco tempo ganhou o mer-cado e alcançou sua meta traça-da ainda adolescente, de ter um produto tão bom ou melhor que os grandes fabricantes mundiais de papel fotográfico.

A produção cresceu e com o passar dos anos o empresário co-meçou a ser assediado por empre-sas do exterior. Tornou-se inicial-mente fornecedor da Kodak e, em 4 de julho de 1936, garantiu para a empresa norte-americana a tota-lidade da produção de papel, que ficou conhecido por muito tempo com o nome Kodak-Wessel. O pra-zo do contrato foi de 10 anos. Em 1947 visitou a sede da companhia em Rochester, nos Estados Uni-dos, para negociar a renovação

da parceria por mais 10 anos com opção de compra de sua patente. Desse acordo surgiu nova fábrica, em 1949, e a partir de 1954 a pa-tente passou definitivamente aos norte-americanos, que difundi-ram o papel inventado por Wessel ao redor do mundo.

O tempo demonstrou a corre-ção da assertiva de Conrado Wes-sel – “insista, não desista”. E quem ganhou com isso foi o país, pela instituição da Fundação Con-rado Wessel, destinatária do patrimônio por ele amealhado a partir da sua fórmula de papel fotográfico. Ele deixou a vontade de que ela fosse instituída com seus bens, pelo testamento la-vrado em 11 de maio de 1988. E, com ela, devolveu à sociedade tudo o que conseguiu, porque estabeleceu para a fundação a grande finalidade de incentivo à arte, à ciência e à cultura, que se realiza mediante prêmios, bol-sas, publicações e apoios. ✦

cartão-postal do viaduto do chá, centro de são Paulo, em 1930, impresso no papel da fábrica wessel

Page 12: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

12

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

12

Os critérios adotados na premiação de Ciência, Arte e Cultura pela Fundação Conrado Wessel (FCW), ao longo dos já quase 10 anos de outor-

ga, demonstram o acerto de seu caráter fundamental: os ganhadores têm uma carreira profissional meritória reconhecida na sua especialidade, em nível internacio-nal. Além disso, entretanto, há nos escolhidos alguns predicados que compõem um perfil voltado à eficácia claramente social: trabalho incessante, integridade pes-soal, inovação em produzir alternativas de qualidade de vida, de distribuição de benefícios acessíveis a todos.

As entidades parceiras da fundação endossam tais critérios. Ano após ano, os responsáveis pela decisão de laurear os melhores cientistas, artistas e fotógrafos se esmeram em aprimorar as normas que regem o Prêmio FCW. Esse esforço tem levado a algumas mudanças, em especial nas subcategorias de cada área. O Prêmio de Arte é dirigido agora para o ensaio, após um período de privilégio à fotografia publicitária, até 2009. O Ensaio Fotográfico já estava presente antes, dividido entre En-saio Inédito e Ensaio Publicado, mas de modo secundá-rio. Tornou-se representativo da Arte e não se distingue mais entre publicado ou inédito. O total da premiação para os três primeiros colocados atinge R$ 200 mil, in-cluída a tributação.

Os resultados de inscrições para o Prêmio FCW de Arte, que se realizam via internet, revelam uma intensa

FCW busca premiar personalidades

cujo trabalho se volta para a sociedade

Eficácia social

Page 13: Prêmio FCW 2010

fo

tos: 1

Leo

Ra

mo

s/ 2

Lia

ne

ne

ve

s/ 3

ed

ua

Rd

o c

esa

R

Nelson

Angelita

Jairton

2010

Page 14: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

14

200

9participação nacional. Entre as regiões, em virtude da concen-tração populacional, o Sudeste e o Sul correspondem ao maior número. Mas as inscrições re-tratam o país todo. Houve 207 inscritos, assim distribuídos: 38 dos estados do Nordeste, 7 do Norte, 8 do Centro-Oeste, 8 do Distrito Federal, 28 do Sul e 109 do Sudeste.

A premiação de Cultura, a exemplo de Ciência e Arte, vem sendo modificada com o objetivo de ser mais plural. Os organizadores dos Prêmios FCW sempre tiveram em mente que o ganhador dessa área não de-veria vir apenas da literatura. Os escritores Lya Luft (2003), Ferreira Gullar (2004), Fábio Lu-cas (2005) e Ruth Rocha (2006) foram os primeiros vencedores. A partir de Affonso Ávila (2007) algumas mudanças se fizeram sentir. A principal contribui-ção para a cultura brasileira do poeta mineiro não está na excelência de sua poesia, mas na divulgação para o mundo do acervo barroco mineiro. Ele edita pesquisas sobre o tema, por exemplo, na revista Barroco, conhecida no exterior.

Após Ávila, foram premiados o dramaturgo Ariano Suassuna (2008), também um homem de ampla atuação cultural, e Anto-nio Nóbrega (2009), versado em música clássica e dança que faz um trabalho com grande par-ticipação popular no seu Insti-tuto Brincante, em São Paulo. Em 2010 o ganhador Nelson Pe-reira dos Santos – que recebe o prêmio agora, em 2011 – vem do cinema. Nos próximos anos po-derá vir da televisão, das artes plásticas ou da dança.

A modificação mais significa-tiva já definida para as próximas edições diz respeito à Comissão Julgadora, com o ingresso da representação do Comando da Marinha no grupo de jurados de

Jeferson Lima da silva

Ricardo Pasquini

João de oliveira

antonio nóbrega f

oto

s: 1

Leo

Ra

mo

s/ 2

Ja

de

R R

oc

ha

/ 3

ed

ua

Rd

o c

esa

R/

4 s

iLv

ia m

ac

ha

do

Page 15: Prêmio FCW 2010

200

8

200

7

Fulvio Pileggi

ivo Pitanguy

Leopoldo de meis

iván izquierdo

ariano suassuna

affonso Ávila

ernesto Paterniani

hisako higashi

fo

tos

2007:

1 L

ian

e n

ev

es 2

ed

ua

Rd

o c

esa

R 3

bio

mo

tta

/ae

4 g

LÁu

cia

Ro

dR

igu

es

fo

tos 2

008: 2

Pau

Lo s

oa

Re

s/e

sa

Lq

Page 16: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

16

Ciência, enfatizando a opção de incentivo às pesquisas no mar. A decisão reporta ao primeiro prêmio de Ciência Aplicada ao Mar, em 2002, e à presença per-manente a partir de então de um representante da Marinha entre os jurados. A presença de ora em diante vai traduzir um convênio ainda em esboço com a FCW para que novas atividades mútuas se desdobrem entre a Marinha e a fundação, assim como está em elaboração igual entendimento com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeronáutica (DCTA). Os laureados em Ciência, Medi-cina e Cultura recebem, por ora, R$ 300 mil cada um.

As personalidades da ciência e da cultura que tenham con-tribuído para a sociedade são o alvo preferencial da FCW. De 2002 a 2010 ganharam o prêmio 76 cientistas, escritores, artis-tas e fotógrafos (ver os ganhadores de Ciência e Cultura nas páginas 13, 14 e 15), além de cinco Prêmios Al-mirante Álvaro Alberto (este em parceria com o Conselho de De-senvolvimento Científico e Tec-nológico, CNPq). A parceria en-tre a Pesquisa FAPESP e a FCW per-mitiu que todos tivessem seus principais trabalhos descritos em reportagens de edições co-mo esta. No caso dos fotógrafos, as imagens foram publicadas. Duas instituições, o Instituto Agronômico de Campinas e o Museu Paraense Emílio Goeldi, além de três escolas estaduais, também foram premiados.

Ao reconhecer o talento de ca-da um com prêmios que chegam a R$ 300 mil e uma escultura do artista plástico Vlavianos, é pos-sível notar a linha paralela por onde caminham a FCW e os lau-reados. As biografias mostram não apenas o mérito científico e cultural de cada um deles – in-dicam também o quanto o país vem ganhando com o trabalho de décadas realizado por eles. ✦

200

620

05

200

420

03

maria inês schmidt

adib Jatene

Ricardo brentani

césar victora

brito cruz

Wanderley de souza

sergio mascarenhas

isaias Raw

21

Page 17: Prêmio FCW 2010

cr

éd

ito

fo

tos

1 m

igu

eL

bo

yaya

n 2

ed

ua

Rd

o t

av

aR

es

3 m

aR

co

s e

ste

ve

s/e

mb

Ra

Pa 4

div

uLg

ão

5

Léo

Ra

mo

s 6

asc

om

/in

Pa

cr

éd

ito

fo

tos

1 Le

o R

am

os 2

, 3

ed

ua

Rd

o c

esa

R 4

, 5

mig

ue

L b

oya

yan

6 F

Ra

nc

isc

o e

mo

Lo/J

oR

na

L d

a u

sP

cr

éd

ito

fo

tos

1, 3

, 4

mig

ue

L b

oya

yan

2, 5

ed

ua

Rd

o c

esa

R

6 Â

ng

eLo

ab

Re

u/u

FLa

cr

éd

ito

fo

tos

1 m

igu

eL

bo

yaya

n 2

aR

qu

ivo

Pe

sso

aL

4

o R

am

os 5

ed

ua

Rd

o c

esa

R

Philip Fearnside

aziz ab’sáber

magno Patto Ramalho

dieter muehe

José galízia tundisi

carlos nobre

alberto Franco

Lya Luft

Fábio Lucas

Ruth Rocha

Ferreira gullar

Jairo vieira

Luiz carlos Fazuoli

aldo Rebouças

6543

Page 18: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

18

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

18

Em fevereiro deste ano o químico gaúcho Jairton Dupont, 52 anos, recebeu mais um reconhecimen-to público pela importância e consistência do seu

trabalho. Ele foi escolhido como um dos 100 químicos mais influentes da década pela agência internacional Thomson Reuters. Único brasileiro da lista, onde figura em 83º lugar, Dupont diz se sentir muito satisfeito, mas divide os créditos. “Qualquer um de nós quando tem o seu trabalho reconhecido se sente recompensado, mas eu gosto de pensar que é um reconhecimento do traba-lho de um grupo, uma ilha de excelência de que tenho o privilégio de estar à frente”, diz o professor do Depar-tamento de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde coordena um gru-po de pesquisa dedicado a estudos com líquidos iônicos orgânicos para aplicação principalmente no refino de petróleo na indústria petroquímica. A distinção se soma a muitos outros prêmios já recebidos pelo pesquisador, como o Humboldt Young Research Award, concedido pelo Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia da Alemanha em 2005, honraria que ele descreve como uma das mais importantes. Em 2007 ganhou o prêmio Scopus da Elsevier-Capes e em 2008 a medalha do Journal of the Brazilian Chemical Society, o Prêmio Finep Inventor-Inovador e o World Intellectual Property Organization Award.

A história de vida de Dupont é bastante parecida com a trajetória de muitos brasileiros do interior que se mu-

Jairton Dupont, um dos 100 químicos mais

influentes do mundo, diz que ainda há

muito a descobrir na sua especialidade

Fascínio pela descoberta

ciê

ncia

ge

ral

Page 19: Prêmio FCW 2010

fo

tos l

ian

e n

ev

es

culdades materiais eram muitas, mas ao relembrar a infância ele parece viajar no tempo e a des-creve como maravilhosa. “As lembranças são de uma infância com a maior liberdade possível, em que jogava taco, bola de gude, tomava banho de rio.” Começou a estudar à noite aos 13 anos pa-ra poder trabalhar durante o dia. Aos 14 anos teve o seu primeiro registro em carteira como balco-nista de uma loja de ferragens. Decidiu que seria professor de matemática pela facilidade que

tinha em aprender a matéria e en-siná-la aos colegas. Fez vestibular na Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul (PUC-RS) para licenciaturas curtas em ciên-cias, curso de dois anos e meio de duração, que permitia aos alunos lecionar matemática, física, quí-mica e biologia.

No final do primeiro semestre foi convidado por uma das pro-fessoras de pedagogia a dar aulas em colégio particular de Porto Alegre. Pouco tempo depois, começou a lecionar também em

daram para a capital nas décadas de 1960 e 1970. Nascido em um pequeno vilarejo de imigrantes suíços formado no final do sécu-lo XIX, chamado Desvio Blauth e hoje pertencente à cidade de Farroupilha, mudou-se aos 6 anos com a família para Canoas, cidade-satélite de Porto Alegre, já que a irmã mais velha havia ingressado na universidade. “A obsessão dos meus pais era que os filhos estudassem”, relata. “E esse foi um dos maiores legados que eles me deixaram.” As difi-

Dupont em sua sala, onde há um constante entra e sai de alunos

Page 20: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

20

um colégio estadual. Enquanto cursava ciências, passou a achar a matemática muito monótona e lógica. “A química era um fas-cínio, porque não tinha quase nada de equacionável, era tudo empírico e havia um mundo a descobrir”, lembra. Logo depois que decidiu fazer química come-çou a cursar a licenciatura plena, também na PUC. Uma das ou-tras habilidades que sempre te-ve, ele conta, é o aprendizado de idiomas. Como falava com certa facilidade o francês, decidiu ao término do curso de graduação em 1982 ir para a França fazer uma especialização, mesmo sem ter bolsa. “Na época, entre alguns círculos estudantis de es-querda, aprender inglês era se render ao imperialismo norte- -americano”, diz, ressaltando que hoje ri quando se lembra disso. “Ao chegar à França, a primeira coisa que me fizeram aprender foi o inglês, porque é a língua da ciência.”

Fez o curso de especialização e emendou com o doutorado,

ambos na Universidade Louis Pasteur de Strasbourg. Ao ter-

minar, recebeu um convite para fazer pós-doutoramento na Uni-versidade de Oxford, na Ingla-terra, período que deveria durar um ano e foi esticado para três, porque conheceu a sua mulher, a colombiana Martha, com quem teve depois de 23 anos de convi-vência a filha Isabel Cristina, hoje com 2 anos e meio. “Fiquei esperando que ela terminasse o doutorado para que pudésse-mos vir ao Brasil, que Martha

"Há preconceito

na ciência.

Tivemos muita

dificuldade

para publicar

os primeiros

artigos

científicos

do grupo"

ainda não conhecia”, diz. A volta se deu em 1990, com uma bolsa de recém-doutor e, desde 1992, quando prestou concurso para professor adjunto, está na UFRGS. A partir dessa época foi criado na universidade o grupo de pesquisa em catálise, que hoje é referência mundial. “Em 1992, nós éramos o terceiro ou quarto grupo formado no mundo, não tinha mais ninguém trabalhan-do nessa área.” A descoberta do impacto das pesquisas produzi-das só veio muito depois, quan-do os pesquisadores começaram a perceber que as citações aos trabalhos publicados havia au-mentado consideravelmente e pelos convites recebidos de todas as partes do mundo para fazer conferências. Para os jovens que estão começando, Dupont alerta que a ciência tem seus preconcei-tos. “Sabemos muito bem disso porque tivemos muita dificul-dade para publicar os primeiros artigos científicos do grupo”, re-lata. Eles foram publicados em periódicos científicos de terceira categoria. Agora grande parte desses artigos encontra-se entre os mais citados nas publicações

na inglaterra, no dia do casamento com Martha

ar

qu

ivo

pe

sso

al

/ r

ep

ro

Du

çã

o l

ian

e n

ev

es

Page 21: Prêmio FCW 2010

"Os cientistas

que ficaram no

país criaram

esse sistema de

ciência que tem

muito mais valia

para mim e para

a sociedade"

internacionais. Por isso ele faz uma recomendação: “Mesmo quando se recebe um não, é pre-ciso persistir”.

O interesse pelos compostos iônicos, um assunto prati-

camente desconhecido naqueles idos da década de 1990, envolve um dos colegas e grande amigo pessoal de Dupont, o professor Roberto Fernando de Souza, di-retor do Instituto de Química da UFRGS. O pesquisador diz que ainda se lembra do dia em que, no corredor, ele perguntou: “Jairton, tu viste o artigo do Yves Chauvin, em que a dimerização de olefinas [hidrocarboneto] é feita com sal fundido?”, relata Dupont, que respondeu: “Você está louco?”. O uso de compostos iônicos orgânicos para acelerar as reações químicas era novidade na época. O francês, autor do ar-tigo, ganhou o Prêmio Nobel de Química em 2005, mas por outra linha de pesquisa. O espanto de Dupont deu lugar à descoberta de que o assunto estava come-çando a entrar na pauta. Tanto que logo depois desse episódio os pesquisadores gaúchos fo-ram procurados pela Petrobras com a proposta de montar um grupo de trabalho para estudar o tema que interessava à empre-sa. Esses sais, que são natural-mente líquidos à temperatura ambiente, não evaporam e são ótimos condutores de eletricida-de. Além do refino de petróleo, eles podem ser usados na produ-ção de substâncias de interesse farmacêutico ou como lubrifi-cantes de robôs e equipamentos enviados para o espaço. Alunos da UFRGS foram enviados para aprender com o grupo do profes-sor Chauvin na França. “A pri-meira patente brasileira de uso de líquido iônico foi depositada pelo professor Roberto quando estava na França em um ano sa-bático”, conta Dupont.

A aplicação dos líquidos iô-nicos em catálise abriu um no-vo leque de oportunidades para o grupo de pesquisa, que conta atualmente com 25 professores. O grupo tem três patentes conce-didas e 10 depositadas, a maioria em parceria com a Petrobras. As patentes são ligadas à catálise, mas também para novas aplica-ções vislumbradas para líquidos iônicos, como geração de hidro-gênio e energias alternativas.

isabel Cristina, de 2 anos e meio: sempre com o pai

“Aprendemos a duras penas que é melhor primeiro patentear e depois publicar. Existem várias patentes no mundo baseadas em desenvolvimentos feitos pelo nosso grupo”, diz o pesquisador. “Isso só foi possível porque esse grupo, ao qual pertenço, decidiu que era possível fazer ciência apesar de todas as dificuldades que se tinha na época.” Dupont elogia os cientistas que saíram do país e fizeram sucesso lá fo-ra, mas diz que valoriza muito o cientista brasileiro que fez car-reira no Brasil. “Os que perma-neceram criaram esse sistema de ciência que tem muito mais valia para mim e para a sociedade do que os outros que estão fora.”

A escolha de Dupont pela química se revela também

no seu prazer em cozinhar. Para ele, a cozinha é um laboratório. “Eu não conheço nenhum bom químico que não seja um bom cozinheiro.” O segredo para se sair bem é fazer com prazer. “Eu

Page 22: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

22

me sinto dono de mim mesmo quando estou fazendo um prato e me sinto muito bem se os outros gostarem do que eu fiz”, atesta o gaúcho, que não esconde a imen-sa alegria de ter sido pai quase aos 50 anos. Dupont diz que ser cientista é maravilhoso para quem gosta de viajar e conhecer diferentes culturas. “Nos meus cinco anos de França e três de In-glaterra, aprendi todo o ritual de como se prepara um prato, como se serve e como se come.”

Na universidade, Dupont se divide entre a sua sala de dimen-sões acanhadas e os laboratórios onde orienta os alunos, em sua maioria bastante jovens, com um vaivém constante. O profes-sor gosta de estar cercado deles e não se recusa a viajar para aten-der pedidos de estudantes inte-

ressados em aprender mais sobre a linha de pesquisa que lidera. “É difícil em um ambiente hostil produzir algo novo, por isso ele tem que ser o mais diverso, onde o embate e as ideias fluam”, diz. Desde que foi anunciado como um dos 100 maiores químicos do mundo, em uma lista que tem 70 dos Estados Unidos, 7 da Alemanha e 4 do Reino Unido, o professor já deu muitas entre-vistas para diversos veículos de comunicação. O que sobressai ne-las é a sua postura extremamente politizada, em que ressalta o fato de ser o único ibero-americano – e também o único pesquisador de países emergentes como China e Rússia na lista. Para figurar na relação, os escolhidos deveriam ter publicado pelo menos 25 ar-tigos em uma década e recebido, no mínimo, citações em 50 dife-rentes publicações. Todas essas exigências foram superadas com folga por Dupont. Entre 2000 e 2010, ele publicou 120 artigos so-bre química e obteve 6.964 cita-ções, o que resultou em mais de 58 citações por artigo.

P ara o pesquisador, o fato de a esmagadora maioria dos

figurantes da lista ser dos Esta-dos Unidos resulta de o país ter criado uma ilha de excelência em pesquisa. “As instituições brasileiras, principalmente as universidades, foram pensadas e criadas com outro papel, ao contrário das instituições norte---americanas onde trabalham es-ses pesquisadores”, diz Dupont. “No Brasil, ainda se acredita que a formação possa se dar na sala de aula, com quadro-negro, giz e livro. É uma formação livres-ca, em que a pesquisa passa ao largo”, observa. Ele ressalta que as instituições brasileiras não estão preparadas para atender a demanda da sociedade para ciên-cia e tecnologia. “O marco legal a que as nossas universidades es-

Entre 2000 e

2010, Dupont

publicou 120

artigos

científicos sobre

química e

obteve 6.964

citações

Page 23: Prêmio FCW 2010

tão submetidas é completamente inadequado, porque somos tra-tados como uma simples repar-tição pública.” Dupont diz que esse modelo brasileiro não tem como responder à ciência, que necessita de liberdade, agilidade e facilidade para adquirir dados, reagentes, equipamentos e até contratar pessoas.

“Se não houver uma mudan-ça no marco legal onde se realiza mais de 90% da ciência, tecnolo-gia e inovação, não vamos conse-guir fazer frente aos demais paí- ses que compõem o BRIC”, diz. A sigla BRIC refere-se ao Brasil, Rússia, Índia e China, que se destacaram no cenário mundial pelo rápido crescimento de suas economias em desenvolvimento. “Para isso também é preciso que as universidades com programas de pós-graduação de excelência assumam o seu papel.” Dupont

na cozinha da casa em porto alegre, Dupont faz suas experiências culinárias

alega que essas universidades, em boa parte, em vez de fornecer os doutores de que o país neces-sita nesse momento, preferem criar mais cursos de graduação ou até cursos tecnólogos. É fun-damental, na sua avaliação, que nesse momento de avanço na economia o Brasil coloque mais densidade tecnológica e de co-nhecimento nos produtos que exporta. “A não ser que o Brasil queira continuar a ser um eter-no exportador de commodities com muito pouco valor agregado aos seus produtos”, diz. Para isso o país precisa formar mais mes-tres e doutores.

A título de exemplo, ele cita que o sistema brasileiro fe-

deral não tem mais do que 90 mil doutores, segundo levantamento do Ministério da Ciência e Tecno-logia, dos quais 6 mil são quími-

cos. “Só a cidade de Boston, nos Estados Unidos, tem esse número de químicos”, compara. Dupont diz que o país tem um proble-ma de escala. “Para atacar esse problema temos que investir desde o ensino fundamental até o mais elevado, mas é pre-ciso que as instituições assu-mam essa responsabilidade”, afirma. “Sem doutores, não vamos conseguir universalizar um ensino de qualidade.” Para o pesquisador essa é uma oportu-nidade única, que não pode ser desperdiçada. “O Brasil conse-guiu montar algo exemplar no mundo nos últimos 50, 60 anos, que foi a criação da pós-gradu-ação brasileira. Temos alguns programas de pós de excelên-cia no Brasil capazes de iniciar o processo para responder a essa demanda de gente qualificada do mais alto nível.” ✦

Page 24: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

24

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

24

Em outubro deste ano, quando estiver na sede da Sociedade Italiana de Cirurgia, em Firenze, para receber mais um prêmio internacional, a médica

Angelita Habr-Gama fará um discurso de agradecimento cujo título será “Tailored treatment of rectal cancer. Haute couture” (Tratamento individualizado do câncer retal. Alta-costura). A brincadeira misturando inglês e francês resume de certa forma o que ela pensa sobre sua atividade como cirurgiã coloproctologista. Ao mesmo tempo que age para extirpar tumores e reparar cirurgicamente o intestino e o reto, Angelita usa a agulha e a sutura com a fineza de uma estilista. “A concentração, a manipulação precisa, a leveza e a delicadeza no operar são impressionantes”, relata Rodrigo Oliva Perez, médico que trabalha na equipe dela. “Quando a cirurgia acaba parece que foi trivial. Mas basta operar sem ela para sentir como é difícil.”

Tal segurança e tranquilidade têm algumas origens. A primeira delas está na ampla experiência de Angelita como cirurgiã e na história construída por ela na medicina brasileira. O rol de conquistas é extenso: primeira mu-lher residente em cirurgia geral do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 1958; primeira cirurgiã a estagiar em coloproctologia no tradicional Saint Mark’s Hospital, de Londres, em 1961; primeira professora titular em cirurgia do Departamento de Gastroenterologia (FMUSP), em 1998; primeiro médico latino-americano e primeira mulher a

Angelita Habr-Gama alia talento para

operar às ações de prevenção de câncer

Alta-costura nasala de cirurgia

me

dic

ina

Page 25: Prêmio FCW 2010

ed

ua

rd

o c

esa

r

afirma ser privilegiada. Não tem problemas físicos que a atrapa-lhem no dia a dia nem necessi-ta de óculos. “Só a vejo colocar óculos para ler cardápio com letras miúdas de restaurantes com pouca luz”, diz a arquiteta Maria Pia Barreira Marcondes, casada com um dos sobrinhos do também médico Joaquim Gama Rodrigues, marido de Angelita. “De fato, ela opera sem óculos e se gaba disso”, conta Perez.

Angelita é filha de libaneses que se conheceram e casaram na Ilha do Marajó, no Pará. Foi lá

também que ela nasceu, em 1931, assim como cinco de seus seis ir-mãos – só a caçula é paulistana. A decisão de ir para São Paulo foi tomada depois que um dos irmãos morreu em consequência de apen-dicite aguda, mesmo tendo recebi-do atendimento hospitalar. O de-sapontamento do pai, Kalil Nader Habr, o levou a vender o empório que tinha para arriscar uma vida melhor na capital paulista, onde a família se instalou na Vila Ma-riana e abriu uma mercearia na frente da antiga estação de bon-des. Angelita tinha então 7 anos.

integrar o seleto grupo de 17 mem-bros honorários da European Sur-gical Association, em 2006, entre numerosos outros títulos. Tam-bém foi ela a responsável por tirar a coloproctologia da subespecia-lização das cirurgias do aparelho digestivo para transformá-la em disciplina própria, em 1995.

O utra razão que faz seu trabalho parecer simples

é atribuída ao prazer em reali-zá-lo. “Não saio estressada das operações. Para mim, nunca foi um peso”, diz. Além disso, ela

angelita: "Não saio estressada das operações. Para mim, nunca foi um peso"

Page 26: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

26

O s estudos foram todos com-pletados em escolas públi-

cas estaduais: Marechal Floriano, Caetano de Campos e Presidente Roosevelt. Neste último ela fez o científico – um dos cursos do período, em paralelo ao clássico, atual ensino médio – e fundou com sua turma um clube de vo-leibol, o Adamus, que existe até hoje. “No momento de escolher a profissão decidi que não que-ria fazer o magistério e tentaria a medicina, ao contrário do que desejavam meus pais”, recorda---se Angelita, que fez um ano de cursinho preparatório antes de ser aprovada em 7º lugar e come-çar o curso em 1952.

Uma vez na faculdade, a jo-vem começou a observar as clí-nicas que poderiam interessá-la em uma futura especialidade. “Quando passei pelo setor de cardiologia, com o professor Luiz Décourt, participei de mi-nha primeira pesquisa científica, no 3º ano”, conta. Angelita pas-sou também períodos em outros setores, como no de nefrologia, com Tito Ribeiro de Almeida – pioneiro do rim artificial –, e no de gastroenterologia, com José Fernando Pontes.

angelita ainda menina na Ilha do Marajó, onde

nasceu, e com o professor alípio correa Netto, que a

conduziu ao altar

No 6º e último ano do curso ela entrou em uma cirurgia co-mo acadêmica auxiliar. Um dos residentes que havia participado da operação mandou que Angeli-ta fizesse a sutura da parede ab-dominal do doente. Ela disse que nunca havia feito, mas ele insis-tiu. “Quando comecei a costurar percebi imediatamente: é disso que eu gosto”, contou, mais de 50 anos depois dessa primeira cirurgia. “Eu havia aprendido corte e costura quando menina e tinha habilidade manual pa-ra aquilo.” O problema é que só havia oito vagas na residência de cirurgia para cerca de 30 can-didatos. Quando foi se inscrever para fazer o concurso, o profes-sor responsável a censurou: ela não deveria tentar tomar a vaga de outro cirurgião. A experiência

do médico mais velho indicava que ela logo se casaria, teria fi-lhos e acabaria abandonando a cirurgia. “Disse a ele que quem decidiria a minha vida seria eu. Fiz o concurso e passei em pri-meiro lugar.”

E ra, então, o momento de es-colher a especialidade. Ela

optou por trabalhar com Alípio Correa Netto, ex-reitor da USP, um médico que se tornou lendá-rio no HC pela competência como cirurgião, professor humanista e no trato com alunos e pacientes. Foi ele quem dividiu a cirurgia geral em especialidades médicas no hospital, como gastroentero-lógica, cardíaca, plástica, pediá- trica etc. “Ele entendeu que o cirurgião-geral não podia fazer tudo. E colocou as pessoas mais

fo

tos a

rq

uIv

o P

esso

al

Page 27: Prêmio FCW 2010

vida familiar intensa: 28 sobrinhos e sobrinhos-netos no total

habilidosas nessas áreas”, diz Joaquim Gama Rodrigues, que fez carreira junto com Angelita na universidade, onde se conhe-ceram. A jovem médica tinha simpatia especial pela cirurgia plástica. Alípio Correa, porém, a estimulou a ir para a gastroen-terologia. “Ele dizia que a gente sente mais que está atuando co-mo médico na área de gastro, as doenças são mais graves e ajuda-mos mais as pessoas”, conta ela. Depois da residência, Angelita e o futuro marido foram trabalhar na clínica do eminente cirurgião Arrigo Raia, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Em 1960 ocorreu em São Pau-lo um congresso internacional de coloproctologia, sob a presi-dência de Daher Cutait. Um dos convidados presentes era Basil Morson, então diretor do Saint Mark’s Hospital, o principal centro hospitalar do mundo es-pecializado em coloproctologia da época. “Aquele encontro médico me entusiasmou e sugeri ao pro-fessor Alípio passar um período no Saint Mark. Ele concordou.” Começou então uma longa cor-respondência com Morson. No início o médico britânico res-pondeu dizendo que aquele era um hospital de médicos homens, não de mulheres. Alípio e Ange-lita insistiram e o pesquisador inglês acabou cedendo. Quando chegou lá, com jeito, trabalho e talento, ela conquistou a todos, incluindo as enfermeiras. Era no vestiário delas que Angelita trocava de roupa porque na épo-ca não existia vestiário feminino para médicas no hospital.

No Saint Mark ela aprendeu sobre as doenças inflamatórias do intestino, muito mais co-muns na Europa e nos Estados Unidos do que no Brasil, onde ainda se conhecia pouco sobre essas patologias. Também tra-balhou com os melhores médi-cos pesquisadores do setor, co-

mo Lockhart-Mummery, Alan Parks e com o próprio Morson, renomado patologista. “Voltei com a cabeça aberta e comecei a aplicar aqui o que aprendi lá”, diz. Em 1964 casou-se com Joa-quim e, na ausência do pai, já morto, foi levada ao altar por Alípio Correa Netto.

Embora sempre tenha feito pesquisas, seus trabalhos cientí-ficos ganharam maior relevância a partir da década de 1990. Ange-lita dedicou boa parte de seus esforços ao combate ao câncer de reto, tanto na prevenção como no tratamento. Em relação ao cân-cer de reto, desde 1991 acredita-va – como acredita até hoje – que muitos doentes que tinham esse tipo de câncer não precisavam fa-zer a colostomia definitiva após a retirada de todo o reto, ânus e esfincteres. Em 1974 o cirurgião norte-americano Norman D. Ni-gro criou o conceito de que câncer de ânus pode ser tratado, de iní-cio, com uma terapia combinada

de rádio e quimioterapia. Essa é uma grande vantagem porque em boa parte dos casos o tumor desa-parece sem operação. “Ora, se é possível curar o câncer de ânus, por que não o de reto baixo?”, in-dagava ela, na época. Começou então a tratar doentes com radio-quimioterapia antes da cirurgia e não operava de imediato quan-do o tumor desaparecia. Outros médicos do Brasil e do exterior indicam sempre a cirurgia após o tratamento mesmo quando há regressão total do tumor.

E la explica: “Quando o câncer é no reto alto, não é preciso,

em geral, fazer radioquimiote-rapia e operamos de imediato. Agora, quando o câncer é bem perto dos esfincteres, para curar o doente, se não fizer radioqui-mioterapia, tem de se amputar o reto e fazer a colostomia defini-tiva. Quando se faz radioquimio-terapia, de início, neoadjuvante [sem cirurgia] em cerca de 25% a

Page 28: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

28

30% das vezes o tumor desapare-ce sem, a meu ver, a necessida-de de operar”. No caso de câncer de ânus, 70% desaparece; de reto baixo, 30%. Ela operou alguns desses doentes com regressão clínica considerada completa e viu que na peça cirúrgica não havia tumor. “Decidi não mais operar doentes se houver re-gressão clínica do tumor.” Para confirmar o desaparecimento do tumor, ela segue os pacien-tes de perto. Sempre avisa que o tumor pode voltar e, se isso ocorrer, não há solução fora da cirurgia. A aceitação desse novo procedimento foi difícil. Os mé-dicos resistiam e diziam que não operar de imediato não era ético porque havia a possibilidade de recidiva. “Mas o que é ético para o doente?”, argumenta Angeli-ta. “Seria operar quem clinica-mente não tinha mais tumor, fazer uma colostomia definitiva e na peça cirúrgica que foi re-movida não encontrar tumor?” Hoje a radioquimioterapia para câncer de reto baixo é consenso. A conduta de não operar é que não é aceita em consenso, sendo reservada apenas para centros de pesquisa.

O s numerosos trabalhos cien-tíficos de Angelita têm hoje

uma repercussão maior do que no passado graças, em parte, à siste-matização dos dados científicos. “Ela sempre publicou muito, mas o impacto das publicações mu-dou, para melhor, nos últimos 15 anos”, explica Rodrigo Perez. “Antes ela era reconhecida como uma grande cirurgiã, de técnica refinada, e pelo conhecimento. De vários anos para cá Angelita passou a ser muito conhecida também pela pesquisa científi-ca que realiza.” Os convites para conferências e aulas internacio-nais tiveram então um cresci-mento brutal. Hoje há um grupo de médicos e pesquisadores jo-vens que trabalham diretamen-te com Angelita e Joaquim Gama na clínica de ambos, atuam na cirurgia, colaboram na organi-zação de cursos nacionais e in-ternacionais, e na publicação de trabalhos científicos e resultados das pesquisas.

Em 1978, Angelita e Joaquim Gama organizaram um congres-so de prevenção de câncer de estômago e intestino, este últi-mo com incidência crescente no Brasil, provavelmente em razão

do consumo de muitos alimentos conservados, corados artificial-mente e processados. “No ano passado foram registrados 26 mil casos, mas até há pouco tempo eram 10 mil. Nos Estados Uni-dos chegam a 100 mil por ano”, avisa. A Associação Brasileira de Prevenção ao Câncer de Intestino (Abrapreci) foi fundada por ela e um grupo de colegas e demais pro-fissionais da saúde em 2004 com a preocupação de conscientizar mé-dicos e alertar a população para a doença. A entidade criou um intestino gigante, com mais de 20 metros, e o expôs em parques e shopping centers. O "intestinão", como Angelita o chama, é uma réplica ampliada do cólon para exposição pública. As pessoas andam por ele e, em uma visita monitorada, ficam conhecendo doenças como hemorroidas, di-vertículos, pólipos, câncer etc. As informações são transmitidas por meio de um vídeo de três minutos que informa sobre prevenção do câncer colorretal e as doenças re-lacionadas. “O intestinão já rodou por muitas cidades brasileiras do Amazonas, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Brasília etc. Foi também exposto no Canadá.”

o marido Joaquim Gama e angelita durante cirurgia

ar

qu

Ivo

Pe

sso

al

ed

ua

rd

o c

esa

r

Page 29: Prêmio FCW 2010

N o ano passado, com a asses-soria da equipe de Angelita,

o Hospital Oswaldo Cruz inaugu-rou um centro de saúde no bairro paulistano da Mooca com o obje-tivo de detectar e prevenir câncer no intestino. Visitadores vão às casas das pessoas e levam um en-velope com o teste para pesquisa de sangue oculto nas fezes. Os moradores colhem amostras de fezes e o pessoal do centro retira o material para análise. Os testes positivos indicam necessidade de se fazer colonoscopia. Se for cons-tatado pólipo, ele é removido, e, se for câncer, o paciente é ope-rado gratuitamente no Oswaldo Cruz. O projeto tem o patrocínio do Ministério da Saúde e apoio da prefeitura de São Paulo.

Com esse número de ativi-dades e projetos pode-se imagi-nar o pouco de tempo que resta para a vida social de Angelita e Joaquim. “Eles são grandes par-ceiros, embora diferentes. Ele é calmo; ela é agitada, quer fazer e experimentar tudo, enquan-to ele chama a atenção para os riscos”, diz a sobrinha Maria Pia. Prevendo a intensidade da vida profissional, o casal deci-

diu que não teria filhos antes mesmo do casamento. “Foi uma decisão consciente”, con-ta Angelita. Nenhum dos dois se arrepende. Os 28 sobrinhos e sobrinhos-netos garantem uma vida familiar calorosa.

Uma característica que cha-ma a atenção dos colaboradores de Angelita é seu interesse pela informática, segundo a médica Luciana Camacho Lobato, gas-

estudantes dentro do intestino gigante: foco na conscientização

troenterologista da clínica de Joa- quim e Angelita Gama e chefe do setor de motilidade digestiva da Universidade Federal de São Paulo. “Lê os artigos no iPad, usa iPhone e prepara aulas capricha-díssimas no Mac. E quando via-ja sempre traz o que há de mais moderno em conhecimentos científicos e em informática para aplicar aqui”, diz Luciana.

A ngelita é assumidamen-te vaidosa, com cabelos,

roupas e unhas sempre impecá-veis, estas pintadas de verme-lho. Houve época em que ela só usava esmalte de cores claras, o que era ruim porque o povedine, substância presente no desinfe-tante usado para lavar as mãos antes da cirurgia, manchava as unhas. Até descobrir que a cor vermelha, sua preferida, não é afetada pelo povedine. “Agora só uso vermelho. É importante cultivar os pequenos prazeres, pois quando passam os anos alguns dos grandes prazeres se reduzem”, diz Angelita, enquan-to mira sua pequena e adorada coleção de objetos de cristal sobre a mesa do consultório. ✦

Seus esforços

foram dedicados

a combater o

câncer de reto,

tanto na

prevenção como

no tratamento

ab

ra

Pr

ec

I

Page 30: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

30

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

30

Nelson Pereira dos Santos iniciou, nos anos 1950, “o cinema moderno no Brasil a partir do diálo-go com o neorrealismo italiano e com escritores

brasileiros”. Ou não? Na verdade, ele teria dado à luz o “proto-Cinema Novo” em Rio 40 graus (1955) e Rio Zona Norte (1957), lado a lado com Roberto Santos em O grande momento (1958), a partir de “um diálogo maior com o neorrealis-mo e a comédia popular brasileira”. Faz sentido? A uma conveniente distância do veredicto de seu colega Glauber Rocha em Revisão crítica do cinema, de 1963, e da avaliação do crítico Ismail Xavier, em Cinema brasileiro moderno, de 2001, ainda que sejam ambos respeitáveis comentários, Nelson Pereira dos Santos, 82 anos, finaliza neste primeiro se-mestre de 2011 dois filmes sobre Tom Jobim, A luz do Tom e A música do Tom, enquanto esboça um novo projeto em torno de uma grande personagem da história do Brasil – por enquanto um segredo. É um homem em pleno domínio da sua capacidade de realizar.

Tomado por impressionante vitalidade, o diretor dos dois Rios mais famosos do cinema brasileiro, e também de Vidas secas (1964), Como era gostoso o meu francês (1971), O amuleto de Ogum (1974), Tenda dos milagres (1977) e Memórias do cárcere (1984), para ficar apenas nos títulos mais me-moráveis de quase três dezenas de filmes que fez em 60 anos de carreira, é capaz de alimentar por horas uma conversa fascinante sobre o cinema brasileiro, sua histó-ria, seus desafios, mazelas político-culturais, suas arti-

Diretor de alguns dos filmes

fundamentais do cinema brasileiro,

é mestre na articulação de grupos

e expressões culturais

Dos sonhos às cenas do Brasil

cu

ltu

ra

Page 31: Prêmio FCW 2010

leo

ra

mo

s

baseadas em obras de Jorge Ama-do, agitam o ambiente cultural de Salvador: Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, Os pas-tores da noite, de Marcel Camus, e Tenda dos milagres, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Mais que as outras, esta nova filma-gem do já celebrado diretor de três extraordinários clássicos do cinema brasileiro, Rio 40 graus, Rio Zona Norte e Vidas secas, espalha um indisfarçável frisson entre os intelectuais e a pequena classe média intelectualizada da capi-tal baiana.

Em parte, esse clima buliçoso explica-se pelas oportunidades

de trabalho que o filme de Nel-son Pereira dos Santos abria aos talentos locais. Os consagrados atores do teatro baiano Nilda Spencer e Arildo Deda, por exem-plo, iriam contracenar com Hugo Carvana e Nildo Parente, entre colegas levados do Rio. O cineasta baiano Agnaldo Siri Azevedo iria dividir a assistência de direção do filme com o ator Emmanuel Cavalcanti e trabalhar lado a lado com o diretor de fotografia Hélio Silva, seus assistentes e a jovem cenógrafa Tizuka Iamasaki, en-tre tantos outros técnicos trans-plantados do Rio para Salvador. Mas a abertura de postos tempo-

culações com outras expressões e dimensões da cultura e suas possi-bilidades futuras. Com otimismo, mesmo quando desfia queixas, com humor, mesmo quando pa-rece não haver muitas razões para risos, Nelson Pereira dos Santos alterna, a visões críticas gerais, deliciosas micro-histórias de suas filmagens Brasil adentro e de suas conquistas mundo afora.

Sua invejável fluência abre- -se à recuperação de antigas me-mórias que ajudam a elucidar que personagem ele mesmo é. E vale aqui um retorno a mea-dos do ano 1975. Três produções cinematográficas simultâneas,

Nelson Pereira dos santos, em pleno domínio da sua capacidade de realizar

Page 32: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

32

va

Nto

eN

Pe

re

ira

rários de trabalho em área tão difícil, embora animadora, não basta para compreender o clima fervilhante que se instaura em torno da Tenda. Afinal, também convocavam alguma mão de obra local as produções de Dona Flor e de Os pastores da noite.

Certamente contribui para a alegre agitação a experiência inusitada que Tenda dos milagres prometia a conhecidas figuras da terra sem nenhuma intimidade com o palco, caso do artista plás-tico Juarez Paraíso, escalado para viver ninguém menos que o pro-tagonista Pedro Archanjo, em sua fase madura. Insólito? Não para Nelson Pereira dos Santos, que já trouxera do Rio o compositor Jards Macalé, destinando-lhe também o mesmíssimo papel de Pedro Ar-chanjo, o sábio bedel da Faculdade de Medicina, na fase jovem. E que muito tempo antes, no começo dos anos 1960, ajudara a desentra-nhar de um oficial aposentado da Marinha, 43 anos, àquela altura às voltas com o teatro amador e

Grande otelo (esq.) em Jubiabá. Com Nelson Pereira ele fez também Rio Zona Norte

energia para transitar, fluir por entre esses grupos, absorvendo a particular atmosfera de cada um, fazendo-as convergir por vezes, para, no final, apresentar-se ín-tegro naquilo que criava por meio dessa convivência, guiado por seu foco original.

De certa forma é essa mes-ma dinâmica que ele traz hoje à cena, quando escapa a rótulos, reduz a dimensão de seu víncu-lo ao neorrealismo italiano e diz que é sempre preciso “sair fora dos estreitos caminhos da histó-ria do cinema”. O neorrealismo, ensina ele, o professor de cinema de algumas universidades em diferentes oportunidades, “era uma lição de produção, não de conteúdo”. Era um movimento fundado “na ideia de que qual-quer um, sem grandes estrelas e sem tecnologia sofisticada, podia fazer filmes e assim se espalhou pelo mundo, incluin-do os Estados Unidos”. Munido dessa indicação do caminho, a cada um cabia “procurar sua rea-

palhaço de circo na pequena Pal-meira dos Índios, o notável ator brasileiro Jofre Soares. Foi do convite de Nelson Pereira para que Jofre vivesse um fazendeiro em Vidas secas, baseado na obra- -prima homônima de Graciliano Ramos, que o ator surgiu para a cinematografia nacional. Traba-lhar com amadores era, portanto, coisa normal para ele.

P ode-se certamente apostar que o ambiente eufórico tam-

bém reflete o poder de atração do cineasta de talento várias vezes comprovado. Mas, talvez, o gran-de agente da oxigenação do am-biente soteropolitano naqueles dias seja uma marca personalíssi-ma de Nelson Pereira dos Santos, ou seja, sua capacidade de articu-lar com leveza, graça e um sedu-tor sorriso nos lábios, os grupos culturalmente mais distintos, sem se distanciar jamais de seu objetivo original, nem sempre claro para os interlocutores. Ou, dito de outro modo, sua imensa

Page 33: Prêmio FCW 2010

lidade, buscar conteúdos em seu próprio contexto”. Nelson Pereira observa um tanto impaciente a vacuidade que haveria em um cineasta brasileiro prender-se, por exemplo, ao conteúdo mo-ralista de um Vittorio de Sica, “à escassez da grana, à família que foi destruída na guerra”. Ora, no primeiro romance brasilei-ro, argumenta, referindo-se a Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, “o cara é simplesmente um tre-mendo bandido e vai ser polícia!” Tudo é muito diverso. E não seria possível fazer nada culturalmen-te relevante sem essa busca de um conteúdo próprio, original de uma sociedade, sem descar-tar, ao mesmo tempo, as lições de uma outra sociedade.

N a verdade, já em fevereiro de 1975, em entrevista ao

crítico Jean-Claude Bernardet motivada por O amuleto de Ogum, Nelson Pereira dizia não existir mais “aquela idealização” que houve em sua geração: “Partir para um modelo de fora e de-pois voltar à nossa realidade”. Ele procurava naquele momento tornar seus os valores populares, fazer um filme, inclusive no tra-tamento dado aos ritos umban-distas, que trouxesse uma visão popular da realidade, fora da an-tiga posição autoral que levava os cineastas brasileiros a não se preocuparem com o público. “A tradição que sempre pinta para um intelectual brasileiro, para uma pessoa das classes médias, é de ser diferente do povo, de se desligar do que acha negativo no povo. Isso vai mesmo desde a po-sição racial até usos e costumes,

tas, ele próprio incluído, tinham “uma visão muito distanciada da realidade, uma espécie de condensação dessa realidade em termos quase científicos”. Matiza um pouco: “Não muito, mas se pretendia científica. Assumimos em primeiro lugar a posição de cientista e, em segundo lugar, a posição de autores de filmes ligados ao povo, com o qual que-remos ter uma posição íntima e generosa”. A primeira posição, falsa, porque os cineastas não tinham a condição de adquirir o instrumental científico, àquela altura lhe parecia eliminada. “E nos entregamos diretamente à chamada cultura popular.” Ele apela à divisão vislumbrada na sociedade brasileira pelo críti-co Paulo Emílio Sales Gomes entre ocupados e ocupantes, cultura e cultura popular, para falar de sua opção: “Saber um pouco mais a respeito do nosso ser cultural, se ligar mais a ele, praticar uma observação mais aberta, menos facciosa”.

Nelson Pereira

buscava uma

visão popular

da realidade,

fora da antiga

posição autoral

despreocupada

com o público

e todo um desejo de reproduzir um modelo de sociedade ora eu-ropeu, ora americano. E o que acho que está acontecendo agora é que nenhum modelo mais está nos engraçando.”

Nessa mesma entrevista a Bernardet, que está publicada com revisões na segunda edição de Cinema brasileiro: propostas para uma história (Companhia das Le-tras, 2009), ele diz que os cineas-

leo

ra

mo

s

Um jeito novo de olhar o morro, o samba, o

povo brasileiro

Page 34: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

34

1. arduíno Colasanti (Como era gostoso meu francês) 2. Jece valadão e Grande otelo 3. ana Beatriz (Rio 40 graus) 4. Glória Pires e Carlos vereza (Memórias do cárcere) 5. roberto Bataglin e Glauce rocha (Rio 40 graus)

4

321

5

É munido, portanto, dessa ba-se reflexiva em permanente

revisão que Nelson Pereira dos Santos seguirá para seus próxi-mos filmes, Tenda dos milagres logo ali à frente. E, claro, tomado por sua intensidade de artista, por sua visível energia criativa, tra-ços completamente fascinantes de sua personalidade no olhar de sua mulher, Ivelise Ferreira. “É essa intensidade que vejo no processo de criação de Nelson, quando ele fica muito consigo mesmo, conhecendo, desenvol-vendo, aprimorando um proje-to”, ela diz. Mas é também essa intensidade que se apresenta na capacidade que ele tem “de juntar grupos com muita simplicidade”. Ivelise, que forma com Nelson Pe-reira um casal desde 1991, embora só tenham passado a viver juntos no eterno apartamento dele, no Humaitá, bairro tradicional da

Zona Sul do Rio de Janeiro, em 2000, vocaliza com tranquilidade o que tantos amigos têm repetido dele ao longo dos anos: “Nelson é carinhoso, generoso, brincalhão, e em tamanho grau que viver com ele é uma coisa muito boa”. Mais que otimista, ainda que manten-do a língua sempre afiada em sua diatribe contra a cegueira do Esta-do brasileiro no trato das questões do cinema e da cultura em geral, Nelson Pereira dos Santos é, se-gundo Ivelise, “uma pessoa mui-to feliz”. E ele de fato transmite essa sensação de felicidade, um tanto rara entre seus pares. Tal-vez a felicidade, ela arrisca uma explicação, seja alimentada em parte pelo reconhecimento ao seu trabalho, que ao mesmo tempo lhe dá imensa energia para criar sempre, para seguir criando.

O cinema existe na vida de Nelson Pereira dos Santos, ele diz,

sil

via

ma

Ch

ad

o

Para o

cineasta, é

preciso

"sair fora

dos estreitos

caminhos

da história

do cinema"

Page 35: Prêmio FCW 2010

participar dos intensos debates de revisão do realismo francês. Tinha decidido estudar cinema no Instituto Superior de Estudos Cinematográficos (Idhec) e lá conheceu Rodolfo Nanni, para quem faria, dois anos mais tarde, a primeira assistência de direção em O saci. Mas passados alguns meses, ele, que queria ficar al-guns anos em Paris, voltou a São Paulo. Compromissos inadiáveis o chamavam. Aos 21 anos, preci-sava terminar o curso de direito e reencontrar Laurita Sant’Anna, sua namorada desde os 16 anos e que seria sua mulher por mais de 40 anos. Ela estava grávida do primeiro dos três filhos do casal (Nelson, Ney e Márcia).

Confusões de data à parte, a rigor, a primeira incursão cine-matográfica de Nelson Pereira dos Santos foi mesmo Juventude, o documentário de 45 minutos preparado para o Festival de Ber-lim em 1950 – uma tarefa partidá-ria. O parceiro da empreitada foi Mendel Charatz, um estudante de engenharia apaixonado por cine-ma, que tinha uma distribuidora de filmes estrangeiros de 16 milí-metros e um laboratório completo num porão da avenida Angélica. Depois veio o trabalho em O saci,

O futuro cineasta também frequentava assiduamente o ci-nema e, militante comunista desde adolescente na Escola Es-tadual Presidente Roosevelt, lhe pareceu simplesmente natural, estudante de direito na famosa faculdade do largo São Francis-co, vinculada à Universidade de São Paulo, preparar em 1950 (em 1949, insiste Nelson, contrarian-do os dados de sua biógrafa) um documentário sobre os trabalha-dores de São Paulo para o Festival da Juventude de Berlim, valendo-se de um laboratório improvisado no porão da casa de um amigo. “Tinha uma boa sequência, uma relação fluente entre os planos”, ele diz.

A ntes, em 1949 (de novo, se-gundo Helena Salem. Para o

cineasta, a viagem foi posterior ao documentário), Nelson che-gara à Europa e, com o apoio do pintor Carlos Scliar e de outros intelectuais brasileiros ligados ao Partido Comunista que se en-contravam em Paris, conheceu Henri Langlois, o responsável pe-la Cinemateca Francesa, e uma espécie de grande pai da cinefilia francesa do meio do século, que iria gerar a nouvelle vague. Ali pôde

desde sempre. Irmão mais novo de Saturnino, Maria Antonieta e José, ele é Nelson simplesmente porque seu pai gostara muito da personagem Lord Nelson, num filme sobre o famoso almirante inglês. Helena Salem precisa a história, em sua indispensável biografia do cineasta, Nelson Perei-ra dos Santos: o sonho possível do cinema brasileiro (Record, 1996). O filme era o mudo The divine lady (1927), “muito bonito”, e seu Antonio Pereira dos Santos, pai de Nelson, gostara de-le demais, segundo a mãe, dona Angelina Binari dos Santos, que preferia para o filho o nome de Marco Antonio. “Só que o Santos numa balança tinha a educação, ele era muito educado, e noutra a teimosia. Só fazia o que ele queria. O Nelson ficou idêntico, educadís-simo, não desdiz ninguém, mas só faz o que quer”, dona Angelina contou a Helena. Ficou Nelson, portanto, o nome do menino nascido em 22 de outubro de 1928, filho de um alfaiate, caipira pau-lista, e de uma dona de casa, filha de italianos do Veneto ancorados no Brás, na capital paulista. “O ci-nema estava praticamente dentro da minha casa, meus pais iam ao cinema três vezes por semana”, Nelson conta.

aC

er

vo

re

GiN

a f

ilm

es

Nelson assistindo e dirigindo cena de Fome de amor com irene stefânia e leila diniz

Page 36: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

36

produção do neorrealismo italia-no, sobre a filmagem com ama-dores etc., se apresenta ali para olhar de um jeito novo o morro, o samba, os pequenos vendedores de amendoim, o povo brasileiro, em oposição a Copacabana, à ex-ploração capitalista, à corrupção dos coronéis, distribuídos em vá-rios episódios que se interpene-tram. Dificuldades intransponí-veis de produção foram vencidas, as críticas e a oposição do Partido Comunista foram ignoradas, tu-do para que o filme fosse feito. E se tornasse uma vitória impres-sionante, inclusive com reconhe-cimento internacional.

“Foi Rio 40 graus que mais mo-vimentou a área de cinema”, diz Nelson falando sobre seus filmes preferidos. “Segundo Glauber Ro-cha, Rio 40 graus foi a revolução que antecedeu a Revolução Cubana”, ele completa, sorriso nos lábios. Mas a crítica aplaudiria muito os seguintes Rio zona norte e Vidas secas, que foi filmado no sertão

Rio 40 graus

é a fundação

do cinema

de Nelson

Pereira e um

grande marco

do cinema

brasileiro

Nelson e equipe na filmagem de A música do Tom

ive

lise

fe

rr

eir

a

quando conheceu Ruy Santos e Alex Viany que, em seguida, o convidaria para ser assistente de direção em Agulha no palheiro.

C omeçava assim a mudança do paulista para o Rio de

Janeiro. Veio em seguida a as-sistência de direção em Balança mas não cai, de Paulo Vanderlei, que lhe trouxe algum dinheiro e a possibilidade de conhecer de perto o subúrbio carioca – a família foi morar em Jacarezi-nho, perto das filmagens. “Em Jacarezinho vi pela primeira vez uma roda de samba nas feijoa-das para as quais era convidado. E depois disso preparar o roteiro e a produção de Rio 40 graus não foi uma aventura de uma garo-tada, mas alguma coisa feita com seriedade e método”, Nel-son Pereira diz.

Rio 40 graus, com Hélio Silva como diretor de fotografia e o histórico organizador das jorna-das de cinema na Bahia, Guido

Araújo, como continuísta, é a fundação do cinema de Nelson Pereira dos Santos e um grande marco do cinema brasileiro. Tudo que Nelson estudara, discutira, aprofundara, deglutira, nos anos anteriores, sobre os processos de

Page 37: Prêmio FCW 2010

honoris causa e à cadeira número 7 da Academia Brasileira de Le-tras, conquistados ao longo de uma vida extraordinária, não termina sem que ele elogie a qualidade do atual cinema bra-sileiro. Ou reclame dos imensos obstáculos que continuam se le-vantando contra a exibição dos filmes nacionais e declare que “o cinema brasileiro é vitorioso do ponto de vista do conteúdo e da forma, mas está condenado a ser marginal por razões mercado-lógicas”. Tudo com muita razão e paixão. Até porque, como diz Ivelise, que o conheceu na época de formação do Polo de Cinema de Brasília, que pretendia se contrapor ao fechamento da Em-brafilme e à desastrosa política de Fernando Collor de Mello, e ali mesmo, jovem mulher de 28 anos, se apaixonou para sempre pelo homem de 61 anos, Nelson Pereira dos Santos é um homem irremediavelmente apaixonado e apaixonante. ✦

Para o diretor,

"o cinema

brasileiro

está condenado

a ser marginal

por razões

mercadológicas"

alagoano porque em Juazeiro da Bahia, primeira locação escolhi-da, as chuvas haviam feito o ser-tão florir – circunstância aprovei-tada por Nelson Pereira para fazer Mandacaru vermelho (1961).

O cineasta inclui entre seus preferidos o notável Memórias do cárcere (1984), outro filme basea-do na obra de Graciliano Ramos, que fala de uma ditadura ante-rior, a do Estado Novo, quando o país está saindo da ditadura dos militares. No ano de sua estreia, Memórias do cárcere arrastou ao ci-nema 1,5 milhão de espectadores, um estrondoso sucesso em termos brasileiros. Mas também inclui Tenda dos milagres e Jubiabá que lhe permitiram devolver ao público to-do o prazer que a leitura de Jorge Amado lhe propiciava desde seus tempos de adolescente. E Como era gostoso o meu francês, cujo roteiro ele começou a imaginar em conver-sas com a antropóloga Laurita, numa época que atravessava com frequência a Baía de Guanabara

para dar aulas na Universidade Federal Fluminense.

A conversa com Nelson Pe-reira dos Santos, motivada pelo Prêmio Conrado Wessel, que se soma a muitos outros prêmios nacionais e internacionais – co-mo o Prêmio de Crítica do Fes-tival de Cannes por Memórias do cárcere –, aos títulos de doutor

dirigindo o programa de tv A música segundo Tom Jobim, de 1984, entre dorival Caymmi e Jobim

aC

er

vo

iN

stit

Uto

aN

toN

io C

ar

los J

oB

im

Page 38: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

38

Fotógrafos finalistas

Adriana Medeiros André VieiraAraquém AlcântaraBreno RotatoriJoão Roberto Ripper Lalo de AlmeidaMárcio VasconcelosMarco MendesPaulo PereiraRicardo TelesRodrigo ZeferinoYêda Bezerra de Mello

ar

te

Realidade empreto e branco

Orepórter fotográfico gaúcho Tadeu Vilani ficou com o primeiro lugar do Prêmio FCW de Arte. Ele ganhou com o ensaio fotográfico intitulado

TV P&B, que retrata a retirada de moradores de uma favela próxima ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, onde eles eram fotografados com molduras de aparelhos velhos de TV. “Captei o momento daquelas pessoas como uma manifestação inconsciente de serem vistos, na esperança de uma vida melhor para a comunidade”, disse Vilani.

O ensaio Drom, o caminho cigano deu o segundo lugar para o mineiro Gui Mohallem, radicado em São Paulo. Kenji Arimura, também residente na capital paulista, levou o terceiro lugar com Índios contemporâneos. Vilani receberá R$ 114 mil e os outros dois R$ 42,8 mil. Eles foram escolhidos entre 15 finalistas de 207 inscritos. O tema foi “O Brasil e os brasileiros”. A seleção foi feita por sete jurados coor-denados pelo professor Rubens Fernandes Junior, crítico de fotografia e diretor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

Page 39: Prêmio FCW 2010

ensaiofotográfico

1º lugarTV P&B, de Tadeu Vilani

Page 40: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

40

Page 41: Prêmio FCW 2010
Page 42: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

42

Page 43: Prêmio FCW 2010
Page 44: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

44

Page 45: Prêmio FCW 2010

ensaiofotográfico

2º lugarDrom, o caminho cigano,de Gui Mohallem

Page 46: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

46

Page 47: Prêmio FCW 2010
Page 48: Prêmio FCW 2010

Esp

ecia

l P

rêm

io C

on

rad

o W

ess

el

| P

esq

uis

a F

aP

EsP

48

Page 49: Prêmio FCW 2010

ensaiofotográfico

3º lugarÍndios contemporâneos,de Kenji Arimura

Page 50: Prêmio FCW 2010

Fun da ção de Am pa ro à Pes qui sa do Es ta do de São Pau lo – FA PESPLigada à Se cre ta ria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, é uma das prin ci pais agên ci as de fo men to à pes qui sa ci­en tí fi ca e tec no ló gi ca. Des de 1962 con ce de au xí lio à pes qui sa e bol sas em to das as áre as do co nhe ci men to, fi nan ci an do ati vi da des de apoio à in ves ti ga ção, ao in ter câm bio e à di vul ga ção da ci ên cia e tecnologia em São Paulo.

Co or de na ção de Aper fei ço a men tode Pes so al de Ní vel Su pe ri or – CapesVin cu la da ao Mi nis té rio da Edu ca ção, pro mo ve o de sen vol vi men to da pós­gra du a­ção na ci o nal e a for ma ção de pes so al de alto ní vel, no Bra sil e no ex te ri or. Sub si dia a for ma ção de re cur sos hu ma nos al ta men te qua li fi ca dos para a do cên cia de grau su pe ri or, a pes qui sa e o aten di men to da de man da dos se to res públicos e privados.

Con se lho Na ci o nal de De sen vol vi men to Ci en tí fi co e Tec no ló gi co – CNPqFun da ção vin cu la da ao Mi nis té rio da Ci ên cia e Tec no lo gia para apoio à pes­qui sa bra si lei ra, que con tri bui di re ta men te para a for ma ção de pes qui sa do res (mes tres, dou to res e es pe ci a lis tas em vá ri as áre as do co nhe ci men to). É uma das mais só li das es tru tu ras pú bli cas de apoio à ci ên cia, tec no lo gia e ino va ção dos paí ses em desenvolvimento.

So ci e da de Bra si lei ra para o Pro gres so da Ci ên cia – SBPCFun da da há mais de 50 anos, é uma en ti da de ci vil, sem fins lu cra ti vos, vol ta da prin ci pal men te para a de fe sa do avan ço ci en tí fi co e tec no ló gi co e do de sen vol­vi men to edu ca ci o nal e cul tu ral do Bra sil.

Aca de mia Bra si lei ra de Ci ên ci as – ABCSo ci e da de ci vil sem fins lu cra ti vos, tem por ob je ti vo con tri bu ir para o de sen vol vi­men to da ciência e tecnologia, da edu ca ção e do bem­es tar so ci al do país. Reúne seus membros em 10 áre as das Ciências: Ma te má ti cas, Fí si cas, Quí mi cas, da Ter­ra, Bi o ló gi cas, Bi o mé di cas, da Saúde, Agrárias, da Engenharia e Humanas.

Aca de mia Bra si lei ra de Le tras – ABLFun da da em 20 de ju lho de 1897 por Ma cha do de As sis, com sede no Rio de Ja­nei ro, tem por fim a cul tu ra da lín gua na ci o nal. É com pos ta por 40 mem bros efe ti vos e per pé tu os e 20 mem bros cor res pon den tes es tran gei ros.

Departamento de Ciência e Tecnologia AeroespacialCriado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aero­náuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia.

Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à PesquisaOrganização sem fins lucrativos que tem por objetivo maior articular os interesses das agências estaduais de fomento à pesquisa em todo o país. Criado oficialmente em 2007, o conselho já agrega fundações de 22 estados mais o Distrito Federal.

Instituições Parceiras da FCW

Page 51: Prêmio FCW 2010

Júri dos prêmios FCW de 2010

ciência parceira que indicouJacob Palis Jr. | Presidente ABCAdalberto Ramon Vieyra CapesCarlos Alberto Aragão de Carvalho Filho CNPq Carlos Alberto Pereira Tavares ConfapCarlos Vogt FCWEduardo Moacyr Krieger FAPEsPErney Plessmann de Camargo FCWGlaucius Oliva CNPqJorge Almeida Guimarães CapesJosé Galízia Tundisi FCWJosé Oswaldo siqueira CNPqJosé Roberto Drugowich de Felício FCWMarco Antonio Raupp sBPCMarco Antonio sala Minucci DCTAWanderley de souza FCW

medicina Renata Caruso Fialdini | Presidente FCWEliete Bouskela ConfapErney Plessmann de Camargo FCWGuilherme suarez Kurtz CapesHelena Bonciani Nader sBPCMarco Antonio Zago CNPqMario José Abdalla saad FAPEsPProtásio Lemos da Luz FCWWanderley de souza FCW

cultura Celita Procopio de Carvalho | Presidente FCWAna Mae Tavares Bastos Barbosa FCWCarlos Vogt FCWCelso Lafer ABCDomício Proença ABLJoão Grandino Rodas FCWJosé Murilo de Carvalho ABCMaria Manuela Carneiro da Cunha sBPCMartha Tupinambá de Ulhôa CapesWrana Panizzi CNPq

arte / ensaio fotográfico Rubens Fernandes Junior | Presidente FCWJoaquim Marçal Ferreira de Andrade Biblioteca Nacional/IconografiaLuiz Braga Fotógrafo/BelémMárcio Rodrigues Premiado em Ensaio Fotográfico 2009Ricardo de Leone Chaves Editor de Fotografia do Zero HoraRonaldo Entler Unicamp e FAAPTiago sobreira de santana Premiado de Ensaio Fotográfico 2006

Page 52: Prêmio FCW 2010

15 de novembro de 2011

15 a 20 de novembro de 2011

24 e 25 de novembro de 2011

10 de março de 2012

19 a 23 de março de 2012

25 de junho de 2012

Prazo para recebimento

das indicações (Ciência e Cultura)

Preparação dos dossiês

dos indicados (Ciência e Cultura)

Julgamento e escolha dos premiados

(Ciência e Cultura)

Prazo para recebimento

das inscrições (Arte)

Escolha dos premiados (Arte)

Cerimônia de premiação

Cronograma da premiação 2011

Fundação Conrado Wessel | www.fcw.org.br