Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março,...

15
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 22 (2.649) Cidade do Vaticano terça-feira 2 de junho de 2020 Na solenidade de Pentecostes o Pontífice celebrou a missa em São Pedro e recitou o Regina caeli da janela do Estúdio particular Para curar da carestia de esperança Francisco retomou os temas contidos na mensagem recentemente enviada às Pom Sem o Espírito Santo a missão é propaganda Entrevista a António Guterres As ameaças globais exigem solidariedade ANDREA MONDA NAS PÁGINAS 6 E 7 Neste tempo de recuperação após a fase mais aguda da pandemia «en- contramo-nos na fome de esperança e precisamos de apreciar o dom da vida, o dom que cada um de nós é», disse o Papa Francisco durante a missa de Pentecostes, celebrada na manhã de domingo, 31 de maio, no altar da Cátedra da Basílica de São Pedro. «Pior do que esta crise, há só o drama de a desperdiçar, fechan- do-nos em nós mesmos», advertiu o Pontífice, exortando-nos a invocar o Espírito Santo para libertar os nos- sos corações «da paralisia do egoís- mo» e acender em cada um «o dese- jo de servir» e «fazer o bem». Por isso invocou: «Vinde, Espírito Santo: Vós que sois a harmonia, fazei de nós construtores de unidade; Vós que sempre vos doais, dai-nos a co- ragem de sair de nós mesmos, de nos amar e ajudar uns aos outros, de nos tornarmos uma só família».Tam- bém no Regina caeli — que o Papa voltou a recitar da janela do Estúdio particular do Palácio Apostólico do Vaticano, na presença de numerosos fiéis reunidos na Praça de São Pedro a uma rigorosa distância de seguran- ça — ressoou o convite a confiar à intercessão do Paráclito a unidade da Igreja, «uma comunidade recon- ciliada e pronta para a missão». No final da antífona mariana, Francisco recordou o Sínodo dos Bispos para a Amazónia, que se concluiu há sete meses, e pediu aos fiéis que rezas- sem por aquela região. PÁGINAS 2 E 3 ANDREA TORNIELLI A 5 de julho de 1968, dirigindo-se à Assembleia geral do Conselho ecu- ménico das Igrejas, Inácio, então Metropolita de Laodiceia, falou da ação do Espírito na vida da Igreja e em cada fiel, com estas palavras: «Ele é a novidade que age no mun- do, é a presença de Deus connosco e “une-se ao nosso espírito”. Sem o Espírito Deus está distante, Cristo permanece no passado, o Evange- lho é letra morta, a Igreja simples organização, a autoridade domínio, a missão propaganda, o culto sim- ples evocação e o agir humano mo- ral de escravos». No dia da alegria de Pentecostes, que se tornou ainda mais festivo devido ao regresso do Papa à jane- la, com a praça de São Pedro nova- mente povoada de fiéis, a Igreja volta a tomar consciência da sua ta- refa missionária. Uma tarefa que não brota de projetos nem de pla- nos pastorais, mas da grata reverbe- ração de um dom recebido, vivido na simplicidade e na normalidade da vida cristã. «A missão, a “Igreja em saída”, não são um programa, uma intenção a realizar por esforço de vontade, escreveu Francisco na sua mensagem para o Dia missioná- rio mundial de 2020, citando um trecho do seu livro-entrevista “Sem Ele nada podemos fazer”. É Cristo quem faz a Igreja sair de si mesma. Na missão de proclamar o Evange- lho, movemo-nos porque o Espírito nos impele e nos carrega». No dia de Pentecostes, disse o Papa na homilia da Missa celebrada em São Pedro, «descobrimos a primeira obra da Igreja: o anúncio. E no en- tanto vemos que os apóstolos não preparam uma estratégia; quando estavam fechados ali, no Cenáculo, não fizeram estratégias, não, não prepararam um plano pastoral...». Tanto a homilia como a mensagem para o Dia missionário mundial es- tão ligadas a outra importante men- sagem, que Francisco enviou nos dias passados às Pontifícias Obras Missionárias (Pom). Nesse docu- mento — arquivado rapidamente, ou interpretado como confirmação de projetos já em andamento — o Papa lembrou que o horizonte da missão da Igreja é a normalidade da vida de todos os dias, não os ce- náculos elitistas, e que Jesus encon- trou os seus primeiros discípulos enquanto eles estavam empenhados no seu trabalho diário, «não num congresso, nem num seminário de formação, nem sequer no templo». À rede das Pontifícias Obras Mis- sionárias, Francisco não propôs projetos de reforma nem de nova fundação. Falando evidentemente de um risco presente e atual, pediu às Pom que não compliquem o que é simples, sugerindo ao contrário que elas continuem a ser instrumen- to ao serviço do Papa e das Igrejas locais. Texto inédito de Francisco Com o olhar de Jesus O hífen no meio da palavra (“com-unico”) não é um erro de impressão, mas um sublinhado deliberado. Diversi e uniti. Com-unico, quindi sono é um novo volume publicado pela Livraria Editora Vaticana — Dicastério pa- ra a comunicação da Santa Sé que tem como tema ocasiões de diálogo “em ação”, na sua decli- nação concreta. O texto faz parte de “Troca de dons", coleção “ecu- ménica” da editora que recolhe os textos e discursos do Pontífice acompanhados de um texto inédi- to que publicamos neste número. PÁGINAS 8 E 9

Transcript of Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março,...

Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 22 (2.649) Cidade do Vaticano terça-feira 2 de junho de 2020

Na solenidade de Pentecostes o Pontífice celebrou a missa em São Pedro e recitou o Regina caeli da janela do Estúdio particular

Para curar da carestia de esperança

Francisco retomou os temas contidos na mensagem recentemente enviada às Pom

Sem o Espírito Santo a missão é propaganda

Entrevista a António Guterres

As ameaças globaisexigem solidariedade

ANDREA MONDA NAS PÁGINAS 6 E 7

Neste tempo de recuperação após afase mais aguda da pandemia «en-contramo-nos na fome de esperançae precisamos de apreciar o dom davida, o dom que cada um de nós é»,disse o Papa Francisco durante amissa de Pentecostes, celebrada namanhã de domingo, 31 de maio, noaltar da Cátedra da Basílica de SãoPedro. «Pior do que esta crise, há sóo drama de a desperdiçar, fechan-do-nos em nós mesmos», advertiu oPontífice, exortando-nos a invocar oEspírito Santo para libertar os nos-sos corações «da paralisia do egoís-mo» e acender em cada um «o dese-jo de servir» e «fazer o bem». Porisso invocou: «Vinde, Espírito Santo:Vós que sois a harmonia, fazei denós construtores de unidade; Vósque sempre vos doais, dai-nos a co-ragem de sair de nós mesmos, denos amar e ajudar uns aos outros, denos tornarmos uma só família».Tam-bém no Regina caeli — que o Papavoltou a recitar da janela do Estúdioparticular do Palácio Apostólico doVaticano, na presença de numerososfiéis reunidos na Praça de São Pedroa uma rigorosa distância de seguran-ça — ressoou o convite a confiar àintercessão do Paráclito a unidadeda Igreja, «uma comunidade recon-ciliada e pronta para a missão». Nofinal da antífona mariana, Franciscorecordou o Sínodo dos Bispos paraa Amazónia, que se concluiu há setemeses, e pediu aos fiéis que rezas-sem por aquela região.

PÁGINAS 2 E 3

ANDREA TORNIELLI

A 5 de julho de 1968, dirigindo-se àAssembleia geral do Conselho ecu-ménico das Igrejas, Inácio, entãoMetropolita de Laodiceia, falou daação do Espírito na vida da Igreja eem cada fiel, com estas palavras:«Ele é a novidade que age no mun-do, é a presença de Deus connoscoe “une-se ao nosso espírito”. Sem oEspírito Deus está distante, Cristopermanece no passado, o Evange-lho é letra morta, a Igreja simplesorganização, a autoridade domínio,a missão propaganda, o culto sim-ples evocação e o agir humano mo-ral de escravos».No dia da alegria de Pentecostes,que se tornou ainda mais festivodevido ao regresso do Papa à jane-la, com a praça de São Pedro nova-mente povoada de fiéis, a Igrejavolta a tomar consciência da sua ta-refa missionária. Uma tarefa quenão brota de projetos nem de pla-nos pastorais, mas da grata reverbe-ração de um dom recebido, vividona simplicidade e na normalidadeda vida cristã. «A missão, a “I g re j aem saída”, não são um programa,uma intenção a realizar por esforçode vontade, escreveu Francisco nasua mensagem para o Dia missioná-rio mundial de 2020, citando umtrecho do seu livro-entrevista “Sem

Ele nada podemos fazer”. É Cristoquem faz a Igreja sair de si mesma.Na missão de proclamar o Evange-lho, movemo-nos porque o Espíritonos impele e nos carrega».No dia de Pentecostes, disse o Papana homilia da Missa celebrada emSão Pedro, «descobrimos a primeiraobra da Igreja: o anúncio. E no en-tanto vemos que os apóstolos nãopreparam uma estratégia; quandoestavam fechados ali, no Cenáculo,não fizeram estratégias, não, nãoprepararam um plano pastoral...».Tanto a homilia como a mensagempara o Dia missionário mundial es-tão ligadas a outra importante men-sagem, que Francisco enviou nosdias passados às Pontifícias ObrasMissionárias (Pom). Nesse docu-mento — arquivado rapidamente,ou interpretado como confirmaçãode projetos já em andamento — oPapa lembrou que o horizonte damissão da Igreja é a normalidadeda vida de todos os dias, não os ce-náculos elitistas, e que Jesus encon-trou os seus primeiros discípulosenquanto eles estavam empenhadosno seu trabalho diário, «não numcongresso, nem num seminário deformação, nem sequer no templo».À rede das Pontifícias Obras Mis-sionárias, Francisco não propôsprojetos de reforma nem de novafundação. Falando evidentemente

de um risco presente e atual, pediuàs Pom que não compliquem o queé simples, sugerindo ao contrárioque elas continuem a ser instrumen-to ao serviço do Papa e das Igrejaslo cais.

Texto inédito de Francisco

Com o olharde Jesus

O hífen no meio da palavra(“com-unico”) não é um erro deimpressão, mas um sublinhadodeliberado. Diversi e uniti.Com-unico, quindi sono é um novovolume publicado pela LivrariaEditora Vaticana — Dicastério pa-ra a comunicação da Santa Séque tem como tema ocasiões dediálogo “em ação”, na sua decli-nação concreta. O texto faz partede “Troca de dons", coleção “ecu-ménica” da editora que recolhe ostextos e discursos do Pontíficeacompanhados de um texto inédi-to que publicamos neste número.

PÁGINAS 8 E 9

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: € 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assinaturas.or@sp c.va

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

As pessoas são maisimportantes que a economia

Sobre o valor da oração dos justos

REGINA CAELI

«Agora que a praça está aberta, podemos voltar. É um prazer!»: Franciscosaudou assim os numerosos fiéis que, respeitando a distância de segurança,voltaram a 31 de maio a reunir-se na praça de São Pedro para assistir aoRegina caeli dominical recitado ao meio-dia pelo Pontífice da janela doEstúdio particular do Palácio apostólico do Vaticano. Um encontro quefaltava há três meses devido às medidas adotadas para conter a pandemia docoronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi aúltima vez que o Pontífice recitou a prece mariana de maneira tradicional.Ontem, finalmente, o regresso à normalidade, graças também às forças daordem que garantiram o acesso em segurança e o distanciamento interpessoal.A seguir, as palavras do Santo Padre comentando o evangelho de Pentecostes.

internas. O encontro com o Senhorressuscitado inverte a existênciados Apóstolos e transforma-os emtestemunhas corajosas. Na verdade,imediatamente a seguir diz: «Assimcomo o Pai me enviou, também euvos envio a vós» (v. 21). Estas pala-vras deixam claro que os Apóstolossão enviados para prolongar a mes-ma missão que o Pai confiou a Je-sus. «Eu envio-te»: não é tempo deficar preso, nem de se lamentar: delamentar os “bons tempos”, aquelestempos passados com o Mestre. Aalegria da Ressurreição é grande,mas é uma alegria expansiva, quenão deve ser guardada para si mes-mo, mas deve ser doada. Nos do-mingos do Tempo pascal, ouvimosprimeiro este mesmo episódio, emseguida o encontro com os discípu-los de Emaús, depois o Bom Pas-tor, os discursos de despedida e apromessa do Espírito Santo: tudoisto com o objetivo de fortalecer afé dos discípulos - e também a nos-sa - tendo em vista a missão.

E precisamente para animar amissão, Jesus dá aos Apóstolos oseu Espírito. O Evangelho diz:«soprou sobre eles e disse-lhes:“Recebei o Espírito Santo”» (v.22). O Espírito Santo é fogo quequeima os pecados e cria novos ho-mens e mulheres; é fogo de amorcom o qual os discípulos poderão“incendiar o mundo”, esse amor deternura que prefere os pequeninos,os pobres, os excluídos... Nos sa-cramentos do Batismo e da Confir-mação recebemos o Espírito Santocom os seus dons: sabedoria, inte-lecto, conselho, força, conhecimen-to, piedade, temor a Deus. Este úl-timo dom - o temor a Deus - éprecisamente o oposto do temorque antes paralisava os discípulos:

é o amor ao Senhor, é a certeza dasua misericórdia e bondade, é aconfiança de que podemos avançarno rumo por Ele indicado, semnunca perder a sua presença eap oio.

A festa de Pentecostes renova aconsciência de que a presença vivi-ficante do Espírito Santo habitaem nós. Também nos dá a coragemde sair das paredes protetoras dosnossos “cenáculos”, pequenos gru-pos, sem nos acomodarmos numavida tranquila nem nos fecharmosem hábitos estéreis. Elevemos ago-ra o nosso pensamento a Maria.Ela estava lá, com os Apóstolos,quando o Espírito Santo veio, foiprotagonista da primeira Comuni-dade da admirável experiência doPentecostes, e oremos a Ela paraque obtenha para a Igreja um espí-rito missionário fervoroso.

No final do Regina caeli o Paparecordou o Sínodo amazónico e voltoua falar da crise causada peloc o ro n a v í r u s .

Amados irmãos e irmãs!Há sete meses terminou o SínodoAmazónico; hoje, festa de Pente-costes, invoquemos o Espírito San-to para que dê luz e força à Igrejae à sociedade amazónica, que foiduramente atingida pela pandemia.São muitos os infetados e os mor-tos, também entre os povos indíge-nas, particularmente vulneráveis.Por intercessão de Maria, Mãe daAmazónia, rezo pelos mais pobrese indefesos daquela querida Re-gião, mas também pelos mais po-bres e indefesos de todo o mundo,

e apelo a que não faltem cuidadosde saúde a ninguém. Cuidar daspessoas, não poupar para a econo-mia. Cuidar das pessoas, que sãomais importantes do que a econo-mia. Somos nós, as pessoas, o tem-plo do Espírito Santo, não a eco-nomia.

Hoje, em Itália, celebra-se o DiaNacional de Socorro, para promo-ver a solidariedade para com osdoentes. Renovo o meu apreço atodos aqueles que, especialmenteneste período, ofereceram e dedi-cam o seu testemunho de cuidadospara com os outros. Recordo comgratidão e admiração todos aquelesque, ao apoiarem os doentes nestapandemia, perderam a sua vida.Rezemos silenciosamente pelos mé-dicos, voluntários, enfermeiros, to-dos os profissionais de saúde emuitos que sacrificaram a sua vidadurante este período.

Desejo-vos a todos um feliz Do-mingo de Pentecostes. Precisamostanto da luz e do poder do Espíri-to Santo! A Igreja precisa dela, pa-ra poder caminhar unida e corajo-samente, dando testemunho doEvangelho. E toda a família huma-na precisa dela, para sair desta cri-se mais unida e já não dividida.Sabeis que de uma crise como estanão se sai da mesma maneira, co-mo antes: ou se sai melhor ou pior.Que tenhamos a coragem de mu-dar, de ser melhores, de ser melho-res do que antes e de ser capazesde construir positivamente a pós-crise da pandemia.

Por favor, não vos esqueçais derezar por mim. Bom almoço e até àvista, na praça!

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Agora que a praça está aberta, po-demos voltar. É um prazer!

Hoje celebramos a grande festade Pentecostes, em memória daefusão do Espírito Santo sobre aprimeira comunidade cristã. OEvangelho hodierno (cf. Jo 20, 19-23) reconduz-nos à noite de Páscoae mostra-nos Jesus ressuscitado queaparece no Cenáculo, onde os dis-cípulos se refugiaram. Eles tinhammedo. «Pôs-se no meio deles e dis-se-lhes: “A paz seja convosco!”» (v.19). Estas primeiras palavras pro-nunciadas pelo Ressuscitado: «Apaz seja convosco» devem ser con-sideradas mais do que uma sauda-ção: exprimem o perdão, o perdãoconcedido aos discípulos que, paradizer a verdade, o tinham abando-nado. São palavras de reconciliaçãoe de perdão. E também nós, quan-do desejamos a paz aos outros, es-tamos a perdoar e a pedir perdão.Jesus oferece a sua paz precisamen-te a estes discípulos que têm medo,que sentem dificuldade em acredi-tar no que viram, ou seja, no tú-mulo vazio, e que subestimam otestemunho de Maria de Magdalae das outras mulheres. Jesus per-doa, perdoa sempre, e oferece apaz aos seus amigos. Não vos es-queçais: Jesus nunca se cansa deperdoar. Somos nós que nos cansa-mos de pedir perdão.

Ao perdoar e reunir os discípu-los à sua volta, Jesus faz deles umaIgreja, a sua Igreja: que é uma co-munidade reconciliada e pronta pa-ra a missão. Reconciliada e prontapara a missão. Quando uma comu-nidade não está reconciliada, nãoestá pronta para a missão: estápronta para discutir consigo mes-ma, está pronta para [discussões]

Page 3: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Na solenidade de Pentecostes o Pontífice celebrou a missa na basílica de São Pe d ro

O Espírito cura-nosda carestia de esperança

Na manhã de 31 de maio, domingo dePentecostes, o Papa Francisco celebroua missa no altar da Cátedra, nabasílica de São Pedro. Publicamos aseguir a homilia que o Pontíficeproferiu depois da proclamação doEvangelho.

«Há diversidade de dons espirituais,mas o Espírito é o mesmo»: assimescreve Paulo aos Coríntios. E conti-nua: «Há diversidade de serviços,mas o Senhor é o mesmo; e há di-versos modos de agir, mas é o mes-mo Deus que realiza tudo em to-dos» (1 Cor 12, 4-6). D i v e rs i d a d e e omesmo, diversos e um só: o Apóstoloinsiste em juntar duas palavras queparecem opostas. Quer-nos dizerque este um só que junta os d i v e rs o sé o Espírito Santo. E a Igreja nasceuassim: diversos, unidos pelo EspíritoSanto.

Recuemos até aos inícios da Igre-ja, no dia de Pentecostes, e fixemosos Apóstolos: entre eles, temos pes-soas simples, habituadas a viver dotrabalho das suas mãos, como ospescadores, e está Mateus, certamen-te dotado de instrução pois fora co-brador de impostos. Existem origense contextos sociais diversos, nomeshebraicos e nomes gregos, tempera-mentos pacatos e outros ardorosos,ideias e sensibilidades diferentes.Eram todos diferentes. Jesus não osmudara, nem os uniformizara, tor-nando-os modelos em série. Não.Deixara as suas diversidades; e agoraune-os, ungindo-os com o EspíritoSanto. A união — a união deles queeram diversos — vem com a unção.No Pentecostes, os Apóstolos com-preendem a força unificadora do Es-pírito. Veem-na com os própriosolhos, ao constatar que todos, apesarde falar línguas diversas, formam umsó povo: o povo de Deus, plasmadopelo Espírito, que tece a unidadecom as nossas diferenças, que dáharmonia porque, no Espírito, háharmonia. Ele é a harmonia.

Mas voltemos à Igreja de hoje.Podemos interrogar-nos: «O que éque nos une, em que se baseia anossa unidade?» Também entre nósexistem diversidades, por exemplode opinião, preferência, sensibilida-de. A tentação, porém, é defendersempre de espada desembainhada asnossas ideias, considerando-as boaspara todos e pactuando apenas comquem pensa como nós. E esta é umatentação ruim, que divide. Mas, estaé uma fé à nossa imagem, não éaquilo que deseja o Espírito. Nessecaso, poder-se-ia pensar que aquiloque nos une fossem as próprias coi-sas em que acreditamos e os pró-prios comportamentos que adota-mos. Mas não! Há muito mais: onosso princípio de unidade é o Espí-rito Santo. E a primeira coisa queEle nos lembra é que somos filhosamados de Deus; nisto, todos iguaise, todavia, somos todos diferentes.O Espírito vem a nós, com todas asnossas diversidades e misérias, paranos dizer que temos um só e mesmoSenhor, Jesus, um só e mesmo Pai;por isso, somos irmãos e irmãs. Par-tamos daqui! Olhemos a Igreja co-

mo faz o Espírito, não como faz omundo. O mundo vê-nos de direitae de esquerda, com esta ideologia,com aquela; o Espírito vê-nos do Paie de Jesus. O mundo vê conservado-res e progressistas; o Espírito vê fi-lhos de Deus. O olhar do mundo vêestruturas, que se devem tornar maiseficientes; o olhar espiritual vê ir-mãos e irmãs implorando misericór-dia. O Espírito ama-nos e conhece olugar de cada um no todo: para Elenão somos papelinhos coloridos le-vados pelo vento, mas ladrilhos in-substituíveis do seu mosaico.

Tornamos ao dia de Pentecostes edescobrimos a primeira obra daIgreja: o anúncio. Vemos, porém, queos Apóstolos não preparam uma es-tratégia; quando estavam fechadoslá, no Cenáculo, não montavam aestratégia, não; não preparavam umplano pastoral. Teriam podido divi-dir as pessoas por grupos segundoos vários povos, falar primeiro aosde perto e depois aos que eram delonge, tudo bem ordenado... Teriampodido também temporizar umpouco no anúncio e, entretanto,aprofundar os ensinamentos de Je-sus, para evitar riscos... Mas não! OEspírito não quer que a recordaçãodo Mestre seja cultivada em gruposfechados, em cenáculos onde tende-mos a «fazer o ninho». E esta éuma doença má que pode vir àIgreja: uma Igreja não comunidade,nem família, nem mãe, mas ninho.O Espírito abre, relança, impele pa-ra além do que já foi dito e feito,Ele impele para além dos recintosduma fé tímida e cautelosa. Nomundo, sem uma estrutura compac-ta e uma estratégia calculada é umfracasso. Na Igreja, ao contrário, oEspírito assegura ao arauto a unida-de. E os Apóstolos partem: sem pre-paração, lançam-se, saem. Anima-osum único desejo: dar o que recebe-ra m . Como é belo aquele princípioda Primeira Carta de João: aquiloque nós recebemos e vimos, damo-lo a vós (cf. 1, 3)!

Finalmente chegamos a compreen-der qual é o segredo da unidade, osegredo do Espírito. O segredo daunidade da Igreja, o segredo do Es-pírito é o dom. Porque Ele é dom,vive doando-Se e, assim, nos man-tém unidos, fazendo-nos participan-tes do mesmo dom. É importanteacreditar que Deus é dom, que nãose comporta tomando, mas dando. Epor que é importante? Porque onosso modo de ser crentes dependede como entendermos Deus. Se ti-vermos em mente um Deus que to-ma, que Se impõe, desejaremos tam-bém nós tomar e impor-nos: ocuparespaços, reivindicar importância,procurar poder. Mas, se tivermos nocoração que Deus é dom, muda tu-do. Se nos dermos conta de queaquilo que somos é dom d’Ele, domgratuito e imerecido, então tambémnós quereremos fazer da própria vi-da um dom. E amando humilde-mente, servindo gratuitamente e comalegria, ofereceremos ao mundo averdadeira imagem de Deus. O Es-pírito, memória viva da Igreja, lem-bra-nos que nascemos de um dom ecrescemos doando-nos; não poupan-do-nos, mas dando-nos.

Queridos irmãos e irmãs, olhemosno íntimo de nós mesmos e pergun-temo-nos o que é que impede denos darmos. Há — por assim dizer —três inimigos do dom; os principaissão três, sempre deitados à porta docoração: o narcisismo, a vitimizaçãoe o pessimismo. O n a rc i s i s m o leva aidolatrar-me a mim mesmo, a com-prazer-me apenas com o lucro pró-prio. O narcisista pensa: «A vida éboa, se eu ganho com ela». E assimchega a dizer: «Por que deveria eudoar-me aos outros?» Nesta pande-mia, faz um mal imenso o narcisis-mo, o debruçar-se apenas sobre aspróprias carências, insensível às dosoutros, o não admitir as próprias fra-gilidades e erros. Mas o segundo ini-migo, a vitimização, também é peri-goso. A vítima lamenta-se todos os

dias do seu próximo: «Ninguém mecompreende, ninguém me ajuda,ninguém me quer bem, estão todoscontra mim!» Quantas vezes ouvi-mos estas lamentações! E o seu cora-ção fecha-se, enquanto se interroga:«Por que não se doam a mim os ou-t ro s ? » No drama que vivemos, comoé má a vitimização! Como é maupensar que ninguém nos compreen-de e sente aquilo que sentimos nós!Isto é o fazer a vítima. Por fim, te-mos o pessimismo. Neste caso, a la-dainha diária é: «Nada vai bem, asociedade, a política, a Igreja...» Opessimista insurge-se contra o mun-do, mas fica inerte e pensa: «As s i mpara que serve doar-se? É inútil».Agora, no grande esforço de recome-çar, como é prejudicial o pessimis-mo, ver tudo negro, repetir que nadavoltará a ser como antes! Pensandoassim, aquilo que seguramente nãovolta é a esperança. Nestes três — oídolo narcisista do espelho, o deus-espelho; o deus-lamentação: «sinto-me alguém nas lamentações»; e odeus-negatividade: «é tudo negro, étudo escuro» — encontramo-nos nacarestia da esperança e precisamos deapreciar o dom da vida, o dom queé cada um de nós. Por isso, necessi-tamos do Espírito Santo, dom deDeus que nos cura do narcisismo, davitimização e do pessimismo; curado espelho, das lamentações e da es-curidão.

Irmãos e irmãs, peçamo-lo: Espíri-to Santo, memória de Deus, reavivaiem nós a lembrança do dom recebi-do. Libertai-nos das paralisias doegoísmo e acendei em nós o desejode servir, de fazer bem. Porque piordo que esta crise, só o drama de adesperdiçar fechando-nos em nósmesmos. Vinde, Espírito Santo! Vósque sois harmonia, tornai-nos cons-trutores de unidade; Vós que sempreVos doais, dai-nos a coragem de sairde nós mesmos, de nos amar e aju-dar, para nos tornarmos uma únicafamília. Amen.

Page 4: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

Mensagem em vídeo a todos os desportivos para apoiar a iniciativa a favor de médicos e enfermeiros

A corrida da vidaPara apoiar a iniciativa debeneficência promovida pelos atletas doencontro “We Run Together – SimulC u r re b a n t ” a favor dos profissionais desaúde dos hospitais de Bergamo eBrescia (Itália), o Papa Franciscotransmitiu uma mensagem a todo omundo desportivo, oferecendo um dompessoal. Eis o texto lido pelo Papadurante a audiência.

Prezados amigos e amigas desporti-vos!Amanhã, 21 de maio, ter-se-ia reali-zado em Castel Porziano o encontrointernacional de atletismo “We RunTogether — Simul Currebant”. Cam-peões olímpicos teriam corrido — p e-la primeira vez — com atletas parao-límpicos, atletas com deficiênciamental e com refugiados, migrantese prisioneiros, que seriam tambémjuízes da competição. Todos juntos ecom igual dignidade. Um testemu-nho concreto do modo como o des-porto deveria ser: isto é, uma “p on-te” que une mulheres e homens dediferentes religiões e culturas, pro-movendo inclusão, amizade, solida-riedade e educação. Ou seja, uma“p onte” de paz.

Amanhã não se poderá correr comas pernas, mas poder-se-á corrercom o coração. A “alma” deste En-contro inclusivo é solidária: correrjuntos. E assim os numerosos atletasque aderiram — e que, com prazer,eu teria encontrado pessoalmente —colocarão à disposição alguns obje-tos e experiências desportivas parauma iniciativa de beneficência. Todaa receita será destinada aos profissio-

nais de saúde dos Hospitais “Pa p aJoão XXIII” de Bergamo e da “Fo n -dazione Poliambulanza” de Brescia,ambos símbolos da luta contra apandemia que atingiu o planeta in-teiro. Trata-se de uma iniciativa paraajudar e agradecer às enfermeiras,

aos enfermeiros e ao pessoal hospita-lar. São heróis! Todos eles vivem asua profissão como uma vocação,heroicamente, arriscando a própriavida para salvar os outros. Jesus dis-se: «Ninguém tem maior amor do

que aquele que dá a sua vida pelosoutros» (cf. Jo 15, 13).

Estou feliz que esta iniciativa sejapromovida por Athletica Vaticana,uma realidade que dá testemunhoconcreto, nas ruas e no meio daspessoas, da solidariedade do despor-to. O primeiro gesto de Athletica Va-ticana consistiu em acolher comoatletas “honorários” alguns jovensmigrantes e uma menina com umagrave doença neurodegenerativa.Hoje vieram aqui para me encontrar.

Com Athletica Vaticana, colab orampara esta iniciativa as “ChamasA m a re l a s ”, o Grupo Desportivo daPolícia Fiscal e o “Pátio dos Gen-tios”, estrutura do Pontifício Conse-lho para a Cultura que promove oencontro e o diálogo entre crentes enão-crentes. Todos demonstraramsempre uma sensibilidade particularpelas necessidades reais das pessoas:em especial pelas famílias assistidaspelo Dispensário pediátrico SantaMarta, ativo aqui no Vaticano háquase cem anos. Além deles, nesteprojeto desportivo inclusivo e paratodos, colabora também o ComitéRegional da Federação italiana deatletismo do Lácio.

Encorajo-vos, caras amigas e ami-gos atletas, a viver cada vez mais avossa paixão como uma experiênciade unidade e solidariedade. Precisa-mente os verdadeiros valores do des-porto são deveras importantes paraenfrentar este tempo de pandemia e,acima de tudo, o difícil reinício. Écom este espírito que vos convido acorrer, juntos, a corrida da vida.Obrigado por tudo o que fazeis!

Ao ritmo do mais frágilAudiência a Athletica Vaticana, pessoas deficientes, migrantes e presos

Uma iniciativa inclusiva de Athletica Vaticana (Praça Navona, 13 de outubro de 2019)

Na manhã de 20 de maio o Papa recebeu, na Biblioteca particular, osrepresentantes dos atletas que deveriam ter participado no meeting «We RunTogether – Simul Currebant», organizado pela Athletica Vaticana para 21 demaio — mas que foi adiado devido à pandemia — juntamente com as “Chamasa m a re l a s ”, o Pátio dos gentios e a Federação italiana de atletismo do Lácio. Ainiciativa desportiva e de solidariedade, com forte caráter de inclusão concreta daspessoas mais frágeis, foi apresentada ao Papa pelo cardeal Gianfranco Ravasi,presidente do pontifício Conselho para a cultura, dicastério ao qual a Secretariade Estado confiou a Athletica Vaticana. A seguir, o discurso improvisado peloPontífice.

digamos assim, de prática de veloci-dade ou de jogos, não! Isto é verda-de, mas há mais. É dar aos outros.O lema da associação é muito im-portante: não estais separados dosoutros, “You run together”, correisjuntos, juntos!

E há sempre uma atitude que en-contramos no trecho do Evangelho,dos dois discípulos que correram aosepulcro de Jesus, na manhã da Res-surreição (cf. Jo 20, 3-6). O mais no-vo [João] chega primeiro, e o maisvelho [Pedro] fica para trás. Mas hásempre o respeito de esperar o ou-tro. E existe uma antiga regra me-dieval para os peregrinos, para quemfazia peregrinações a santuários naIdade Média — ainda hoje, pense-mos por exemplo em Santiago de

Compostela — uma regra que diz: épreciso caminhar ao ritmo do maisfraco, daquele que caminha mais de-vagar. “Não, eu vou primeiro...”.Não. É preciso ir ao ritmo. Comofez João: sim, chegou primeiro, masaguardou o outro. É algo muitobom que, como humanidade, deve-mos aprender: ir ao ritmo das pes-

soas que têm outro passo, ou pelomenos considerá-las e integrá-las nonosso ritmo. Obrigado, obrigadopor tudo isto! E agora gostaria defazer um... sejamos francos: um dis-curso. Assim, a todas as associações,a todos vós, para que permaneça co-mo uma mensagem a todos os pre-sentes neste encontro convosco.

Agradeço a todos vós o trabalho quedesempenhais: cada um faz algo pe-la comunidade, pelos outros. E estaé a alegria, não é verdade? A alegriade fazer algo pelos outros. E depois,como resultado, recebe-se dos ou-tros. Mas o que o Cardeal mencio-nou, a alegria de dar, de oferecer, deoferecer a beleza do desporto, a pos-sibilidade de cada um: oferecer algoque tenho, para a alegria e a felici-dade dos outros. E isto é bom, éuma atitude humana, criativa. E aspessoas oferecem até a vida pelosoutros: as mães pelos filhos, os paispelos filhos, e muitos outros... Daraos outros algo que é meu. E vósdais aos outros a beleza, a beleza dodesporto. Isto é importante: compre-ender como dar a beleza. Isto ajuda,pois o que fazeis não é um exercício,

Page 5: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Barreira poderosaface à inundação do mal

Sobre o valor da oração dos justos

C AT E Q U E S E

A oração é “a barreira” e “o refúgiodo homem diante da inundação domal que cresce no mundo”, salientouo Papa Francisco na audiência geralde quarta-feira, 27 de maio, nabiblioteca particular do PalácioApostólico do Vaticano, sem apresença dos fiéis, devido às medidasde distanciamento para conter apandemia. Continuando o ciclo decatequeses iniciado no dia 6, o Papacentrou a sua meditação na “o ra ç ã odos justos”.

Bom dia, queridos irmãos e irmãs!Dedicamos a catequese de hoje àoração dos justos.

O desígnio de Deus para a hu-manidade é bom, mas na nossa vi-da quotidiana experimentamos apresença do mal: é uma experiên-cia de todos os dias. Os primeiroscapítulos do livro do Génesis des-crevem a dilatação progressiva dopecado nas vicissitudes humanas.Adão e Eva (cf. Gn 3, 1-7) duvidamdas intenções benévolas de Deus,pois pensam que têm a ver comuma divindade invejosa que impe-de a sua felicidade. Por isso, a re-belião: já não acreditam num Cria-dor generoso que deseja a felicida-de deles. Cedendo à tentação domaligno, o seu coração é arrebata-do por delírios de omnipotência:«Se comermos o fruto da árvore,tornar-nos-emos como Deus» (cf.v. 5). E esta é a tentação: esta é aambição que entra no coração.Mas a experiência vai na direçãooposta: os seus olhos abrem-se edescobrem que estão nus (cf. v. 7),sem nada. Não vos esqueçais disto:o tentador é um mau pagador, elepaga mal.

O mal torna-se ainda mais agres-sivo com a segunda geração huma-na, é mais forte: é a história deCaim e Abel (cf. Gn 4, 1-16). Caimtem inveja do irmão: há o vermeda inveja; embora ele seja o primo-génito, vê Abel como um rival, al-guém que ameaça a sua primazia.O mal insinua-se no seu coração eCaim não consegue dominá-lo. Omal começa a entrar no coração: ospensamentos são sempre de julgarmal o outro, com suspeita. E istoacontece também com o pensa-mento: “Ele é malvado, irá ferir-me”. E este pensamento começa aentrar no coração... E assim a his-tória da primeira fraternidade aca-ba com um homicídio. Hoje pensona fraternidade humana... guerrasem toda a parte.

Na descendência de Caim desen-volvem-se as profissões e a arte,mas também a violência, expressapelo cântico sinistro de Lamec, queressoa como um hino de vingança:«Por uma ferida matei um homem,e por uma contusão um menino[...] Se Caim será vingado sete ve-zes, Lamec sê-lo-á setenta vezes se-te» (Gn 4, 23-24). Vingança: “Va i spagar pelo que fizeste!”. Mas quemo diz não é o juiz, sou eu. E arvo-ro-me em juiz da situação. E assimo mal alastra-se como mancha deóleo, até ocupar todo o quadro:«O Senhor viu que a maldade doshomens era grande na terra, e quetodos os pensamentos do seu cora-ção estavam continuamente volta-dos para o mal» (Gn 6, 5). Osgrandes afrescos do dilúvio univer-sal (caps. 6-7) e da torre de Babel(cap. 11) revelam que há necessida-de de um novo começo, como quede uma nova criação, que terá oseu cumprimento em Jesus Cristo.

E no entanto, nestas primeiraspáginas da Bíblia está escrita tam-bém outra história, menos vistosa,muito mais humilde e devota, querepresenta o resgate da esperança.Não obstante quase todos se com-portem de forma cruel, fazendo doódio e da conquista o grande mo-tor da existência humana, há pes-soas capazes de orar a Deus comsinceridade, capazes de escrever odestino da humanidade de umamaneira diferente. Abel oferece aDeus um sacrifício de primícias.Após a sua morte, Adão e Eva tive-ram um terceiro filho, Set, dequem nasceu Enós (que significa“mortal”), e diz-se: «E a partir deentão, o nome do Senhor começoua ser invocado» (4, 26). Em segui-da surge Enoc, personagem que“caminha com Deus” e que é arre-batado ao céu (cf. 5, 22.24). E, porfim, há a história de Noé, um ho-mem justo que «andava comDeus» (6, 9), diante do qual Deussuspende o seu propósito de elimi-nar a humanidade (cf. 6, 7-8).

Lendo estas narrações, tem-se aimpressão de que a oração é a bar-ragem, o refúgio do homem peran-te a inundação do mal que cresceno mundo. Considerando bem,oramos também para nos salvar-mos de nós próprios. É importanterezar: “Senhor, por favor, salva-mede mim mesmo, das minhas ambi-ções, das minhas paixões”. Osorantes das primeiras páginas daBíblia são homens artífices de paz:com efeito, quando é autêntica, a

oração é livre dos instintos de vio-lência e é um olhar dirigido aDeus, a fim de que Ele volte a cui-dar do coração do homem. No Ca-tecismo lê-se: «Esta qualidade daoração é vivida por uma multidãode justos em todas as religiões»(CIC, n. 2.569). A oração cultivajardins de renascimento em lugaresonde o ódio do homem só foi ca-paz de alastrar o deserto. E a ora-ção é poderosa, porque atrai o po-der de Deus, e o poder de Deus dásempre vida: sempre! É o Deus davida, e faz renascer!

É por isso que o senhorio deDeus passa através da cadeia desteshomens e mulheres, muitas vezesmal compreendidos ou até margi-nalizados no mundo. Mas o mun-do vive e cresce graças à força deDeus, que estes seus servos atraemmediante as suas preces. Não sãouma cadeia barulhenta, raramentesão notícia, mas contudo são muitoimportantes para restituir confiançaao mundo! Lembro-me da históriade um homem: um importantechefe de governo, não desta época,do passado. Um ateu sem sentidoreligioso no coração, mas quandoera criança ouvia a sua avó rezar, eisto permaneceu no seu coração. Enum momento difícil da sua vida,aquela recordação voltou ao seucoração e ele disse: “Mas a avó re-zava...”. Assim, começou a orarcom as fórmulas da avó e ali en-controu Jesus. A oração é uma cor-rente de vida, sempre: muitos ho-mens e mulheres que rezam, se-meiam vida. A oração, a pequenaoração, semeia vida: por isso é tãoimportante ensinar as crianças a re-zar. Dói encontrar crianças que nãosabem fazer o sinal da cruz. É pre-ciso ensiná-las a fazer bem o sinalda cruz, porque esta é a primeiraoração. É importante que as crian-ças aprendam a orar. Depois, tal-vez possam esquecer, seguir outrocaminho; mas as primeiras precesaprendidas quando são criançaspermanecem no coração, porque

constituem uma semente de vida, asemente do diálogo com Deus.

O caminho de Deus na históriade Deus passou através deles: pas-sou por um “re s t o ” da humanidadeque não se conformou com a lei domais forte, mas pediu a Deus querealizasse os seus milagres e, sobre-tudo, que transformasse o nossocoração de pedra em coração decarne (cf. Ez 36, 26). E isto ajuda aoração: pois a oração abre a portaa Deus, transformando o nosso co-ração muitas vezes de pedra numcoração humano. E é necessáriatanta humanidade, pois ora-se bemcom a humanidade.

No final da catequese o Santo Padresaudou em diversas línguas os fiéisque o seguiam através dos meios decomunicação, entre os quais os deexpressão portuguesa.

Saúdo os ouvintes de línguaportuguesa, recordando-vos que aoração abre a porta da nossa vida aDeus. E Deus ensina-nos a sair denós mesmos para ir ao encontrodos outros mergulhados na prova,dando-lhes consolação, esperança eapoio. De coração, vos abençoo emnome do Senhor!

Saúdo os fiéis de expressão ára-be que acompanham esta reuniãoatravés dos meios de comunicaçãosocial. A oração não muda Deus,mas nós mesmos, tornando-nosmais dóceis à sua santa vontade. Aoração faz-nos entrar lentamentena luz divina que purifica o nossocoração de todas as trevas. O Se-nhor abençoe todos vós e vos pro-teja sempre de todo o mal!

Dirijo o meu pensamento aosidosos, aos jovens, aos enfermos eaos recém-casados. No clima depreparação para a iminente Soleni-dade de Pentecostes, exorto-vos aser sempre dóceis à ação do Espíri-to Santo, a fim de que a vossa vidaseja sempre animada e iluminadapelo amor que o Espírito de Deusderrama nos corações. A todos vósa minha bênção!

Page 6: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

Entrevista ao Secretário-Geral das Nações unidas António Guterres

As ameaças globais exigem uma nova solidariedadeProfunda gratidão ao Papa Francisco pelo seu apoio a um cessar-fogo mundial

ANDREA MONDA

«A pandemia deve ser uma cam-painha de alarme. As ameaças glo-bais mortais exigem uma nova uni-dade e solidariedade». Afirmou oSecretário-Geral das Nações Uni-das, António Guterres nesta entre-vista exclusiva aos media do Vati-cano.

Recentemente o senhor lançou umapelo à paz no mundo atingido pelapandemia. Uma iniciativa que maisuma vez se associa à do Papa Fran-cisco — com o qual se encontrou noVaticano no final do ano passado etransmitiu uma mensagem de vídeo —que nunca deixa de apelar pelo fimde todas as guerras. O senhor disse:a fúria do vírus ilustra a loucura daguerra. Na sua opinião, por que é di-fícil fazer passar esta mensagem?

Antes de mais, gostaria de reite-rar a minha profunda gratidão aoPapa Francisco pelo seu apoio aomeu apelo global a um cessar-fogoe ao trabalho das Nações Unidas.O seu compromisso global, a suacompaixão e os seus apelos à uni-dade reafirmam os valores funda-mentais que norteiam o nosso tra-balho: reduzir o sofrimento huma-no e promover a dignidade huma-na.

Quando solicitei um cessar-fogo,a minha mensagem às partes envol-vidas em conflitos no mundo intei-ro foi simples: os combates devemcessar para que possamos concen-trar-nos no nosso inimigo comum,a Covid-19.

Até agora, o apelo recebeu oapoio de 115 governos, organiza-ções regionais, mais de 200 gruposda sociedade civil e outros líderesreligiosos. Dezasseis grupos arma-dos comprometeram-se a pôr termoà violência. Além disso, milhões depessoas assinaram online um pedi-do de apoio.

Mas a desconfiança continua aser grande e é difícil traduzir estescompromissos em ações que façama diferença na vida das pessoasatingidas pelo conflito.

Os meus representantes e envia-dos especiais estão a trabalhar in-cansavelmente em todo o mundo,com a minha participação diretaquando é necessária, para transfor-mar as intenções expressas em ces-sar-fogos concretos.

Continuo a exortar as partes emconflito, e todos aqueles que po-dem influenciá-las, a colocarem asaúde e a segurança das pessoasem primeiro lugar.

Gostaria também de mencionaroutro apelo que fiz e que consideroessencial: um apelo à paz domésti-

ca. Em todo o mundo, com a pro-pagação da pandemia, assistimosinclusive a um aumento preocu-pante da violência contra as mulhe-res e as jovens.

Pedi aos governos, à sociedadecivil e a quantos no mundo podemajudar, que se mobilizem para me-lhor proteger as mulheres. Peditambém aos líderes religiosos detodos os credos que condenem ine-quivocamente todos os atos de vio-lência contra mulheres e jovens, edefendam os princípios fundamen-tais da igualdade.

Há alguns meses, muito antes dosurto da pandemia, o senhor falou domedo como se fosse a mercadoria maisfácil de vender. Trata-se de uma ques-tão que agora, nas últimas semanas,corre o risco de ser ainda mais am-plificada. Como pensa contrastar, so-

bretudo neste período difícil, o senti-mento de medo que se difunde entreas pessoas?

A pandemia de Covid-19 não éapenas uma emergência de saúdeglobal.

Nas últimas semanas, tem havi-do um aumento das teorias daconspiração e dos sentimentos xe-nófobos. Em alguns casos, foramatacados jornalistas, profissionaisda saúde ou defensores dos direitoshumanos apenas por desempenha-rem o seu trabalho.

Desde o início desta crise, tenhoapelado à solidariedade entre socie-dades e países. A nossa respostadeve basear-se nos direitos huma-nos e na dignidade humana.

Exortei igualmente as institui-ções educativas a concentrarem-seno alfabetismo digital e exortei amídia, especialmente as sociedades

de informação, a fazerem muitomais para denunciar e eliminarconteúdos racistas, misóginos oudanosos, em conformidade com odireito internacional em matéria dedireitos humanos.

Os líderes religiosos têm um pa-pel crucial a desempenhar na pro-moção do respeito recíproco nassuas comunidades e não só. Ocu-pam uma posição adequada paradesafiar mensagens inexatas e pre-judiciais e para encorajar todas ascomunidades a promover a não-violência e a rejeitar a xenofobia, oracismo e qualquer forma de into-lerância.

O medo é certamente alimentado pe-las falsas notícias das quais de recen-te o senhor denunciou uma propaga-ção crescente. Como podemos combatera desinformação sem correr o risco de,em nome desta batalha, ofuscar direi-tos e liberdades fundamentais?

As pessoas no mundo queremsaber o que fazer e a quem se diri-gir para obter conselhos. Em vezdisso, são obrigadas a gerir umaepidemia de desinformação que, secorrer mal, pode pôr vidas em pe-rigo.

Presto homenagem aos jornalis-tas e a quantos controlam a infor-mação, face à grande quantidadede histórias e postes enganosos pu-blicados nas redes sociais.

Em apoio deste compromisso,lancei uma iniciativa das NaçõesUnidas em resposta às comunica-ções, denominadas Verified, que vi-sam fornecer às pessoas informa-ções precisas e baseadas em factos,encorajando simultaneamente solu-ções e solidariedade à medida quepassamos da crise para a retomada.

Os líderes religiosos tambémtêm um papel a desempenhar, utili-zando as suas redes e capacidadesde comunicação para apoiar os go-vernos na promoção das medidasde saúde pública recomendadas pe-la Organização Mundial da Saúde— do distanciamento físico à boahigiene — e para desmentir infor-mações e boatos falsos.

Entre as informações infundadas quechegam diariamente ao público encon-tram-se, nestes dias, muitas críticasàs agências da Onu, como por exem-plo à Organização Mundial da Saú-de (Oms). Qual é a sua opinião so-bre isto?

Ao lamentarmos as vidas perdi-das devido ao vírus, ficamos angus-tiados porque haverá muitas mais,especialmente em lugares menoscapazes de fazer face a uma pande-mia.

«Não uma vacina ou curas para um paísou região ou para metade do mundo, mas uma vacinae curas acessíveis, seguras, universalmentedisponíveis e eficazes para todos. Esta vacinadeve ser a vacina do povo»

«Para quem é responsável a pergunta última não é: como me desenrascoheroicamente nesta situação, mas: qual poderá ser a vida da geração vindoura»(D. Bonhoeffer)

PÓS-PA N D E M I A

Page 7: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Olhando para trás, a evoluçãoda pandemia e a resposta interna-cional serão essenciais. Mas nestemomento a Organização Mundialda Saúde e todo o sistema da Onucorrem contra o tempo para salvarvidas.

Estou particularmente preocupa-do com a falta de solidariedadeadequada com os países em vias dedesenvolvimento — tanto para lhesproporcionar aquilo de que necessi-tam para responder à pandemia deCovid-19 como para fazer face aodramático impacto económico e so-cial sobre os mais pobres do mun-do.

A Organização Mundial da Saú-de e todo o sistema das NaçõesUnidas estão plenamente mobiliza-dos para salvar vidas, prevenir acarestia, aliviar a dor e planear are t o m a d a .

Definimos um plano de respostahumanitária global de 7,6 biliõesde dólares para as populações maisvulneráveis, incluindo os refugia-dos e as pessoas deslocadas inter-namente. Até agora, os doadoresofereceram quase um bilião de dó-lares e eu continuo a envidar esfor-ços para assegurar que este planoseja totalmente financiado.

As nossas equipas estão a traba-lhar em diferentes países, em coor-denação com os governos, paramobilizar financiamentos, ajudar osministérios da saúde a estarem pre-parados e apoiar medidas económi-cas e sociais, desde a segurança ali-mentar e a educação a partir de ca-sa até às transferências monetáriase muito mais.

As nossas operações de paz con-tinuam a cumprir os seus impor-tantes mandatos de proteção e aapoiar os processos de paz e políti-cos.

As redes de distribuição da Onuforam disponibilizadas aos paísesem vias de desenvolvimento, commilhões de kits para testes, respira-dores e máscaras cirúrgicas quechegam agora a mais de uma cen-tena de países. Organizámos voossolidários para levar mais forneci-mentos e operadores a dezenas depaíses da África, Ásia e AméricaLatina.

E, desde o início, mobilizei ascompetências de que a família dasNações Unidas dispõe para forne-

cer uma série de relatórios e infor-mações políticas a fim de ofereceranálises e conselhos para propor-cionar uma resposta eficaz e coor-denada por parte da comunidadeinternacional.( h t t p s : / / w w w. u n . o rg / e n / c o ro n a v i -ru s / u n - s e c re t a r y - g e n e r a l )

Vivemos numa época em que os ata-ques ao multilateralismo se multipli-cam. É necessário, na sua opinião,reforçar a confiança nas instituiçõesinternacionais? E como se pode fazeristo?

A colaboração e a contribuiçãode todos os Estados — incluindo osmais poderosos — é essencial nãosó para combater a Covid-19, mastambém para enfrentar os desafiosda paz e da segurança que se apre-sentam. São também essenciais pa-ra ajudar a criar as condições parauma retomada efetiva no mundodesenvolvido e em vias de desen-volvimento.

O vírus demonstrou a nossa fra-gilidade global. E esta fragilidadenão se limita aos nossos sistemasde saúde. Atinge todas as áreas donosso mundo e das nossas institui-ções.

A fragilidade dos esforços glo-bais coordenados é salientada pelanossa incapacidade de responder àcrise climática, pelo risco crescentede proliferação nuclear, pela nossaincapacidade de nos reunirmos pa-ra melhor regular a rede.

A pandemia deve ser uma cam-painha de alarme. As ameaças glo-bais mortais exigem uma nova uni-dade e solidariedade.

O senhor congratulou-se publicamentecom a iniciativa europeia de desenvol-ver a vacina contra a Covid-19. Noentanto, precisamente a descoberta davacina pode fazer nascer em alguns atentação de ocupar uma posição do-minante no seio da comunidade inter-nacional. Como se pode evitar esteperigo? E como fazer com que, antesda vacina estar disponível, sejam ex-perimentados os tratamentos que serevelem eficazes?

Num mundo interligado, nin-guém está seguro enquanto não oestiverem todos.

Esta foi, em resumo, a essênciada minha mensagem no lançamen-

to do “ACT Accelerator” — ou seja,colaboração global para acelerar odesenvolvimento, produção e aces-so equitativo a novos diagnósticos,terapias e vacinas para a Covid-19.

Deve ser considerada um bempúblico. Não uma vacina ou curaspara um país, uma região ou parametade do mundo — mas uma va-cina e curas acessíveis, seguras, efi-cazes, facilmente administráveis euniversalmente disponíveis para to-dos, em toda a parte. Esta vacinadeve ser a vacina do povo.

Como pode acontecer que na lutacontra o vírus existam países de pri-meira e de segunda categoria? Contu-do, corre-se o risco de que a pande-

emergência para um primeiro gru-po de países em vias de desenvolvi-mento. O Banco Mundial indicouque, com os recursos novos e exis-tentes, pode conceder um financia-mento de 160 biliões de dólaresnos próximos 15 meses. O G20apoiou a suspensão dos pagamen-tos da dívida dos países mais po-b re s .

Aprecio plenamente estas medi-das, que podem proteger as pes-soas, o emprego e trazer benefíciospara o desenvolvimento. Contudo,não é suficiente e será importanteconsiderar medidas adicionais, in-cluindo a redução da dívida, paraevitar crises financeiras e económi-cas prolongadas.

Há quem diga que depois da pande-mia o mundo não voltará a ser omesmo. Qual poderá ser o futuro dasNações Unidas no mundo de ama-nhã?

A retomada da pandemia ofereceoportunidades para conduzir omundo por um caminho mais se-guro, mais saudável, sustentável einclusivo.

As desigualdades e lacunas naproteção social que surgiram deuma forma tão dolorosa deverãoser enfrentadas. Teremos também aoportunidade de colocar em pri-meiro plano as mulheres e a igual-dade de género para ajudar a cons-truir uma resiliência a futuros cho-ques.

«A pandemia de Covid-19 não é apenas uma emergênciade saúde global. Nas últimas semanas houve umaumento das teorias da conspiração e dos sentimentosxenófobos. Nalguns casos foram atacados jornalistas, agentesda saúde ou defensores dos direitos humanos unicamentepor terem desempenhado o seu trabalho»

mia aumente no mundo o fosso entrericos e pobres. Como se pode evitar is-to?

A pandemia está a trazer à luzdesigualdades em todo o mundo.Desigualdades económicas, noacesso aos serviços de saúde e mui-to mais.

O número de pessoas pobres po-derá aumentar para 500 milhões —o primeiro aumento em trintaanos.

Não podemos permitir que istoaconteça e, por conseguinte, conti-nuo a apelar a um pacote globalde ajudas que tenha o valor de pe-lo menos 10% da economia mun-dial.

Os países mais desenvolvidospodem fazê-lo com os próprios re-cursos, e alguns já começaram aaplicar essas medidas. Mas os paí-ses em vias de desenvolvimentoprecisam de um apoio substancial eu rg e n t e .

O Fundo Monetário Internacio-nal já aprovou o financiamento de

A retomada também deve cami-nhar ao lado da ação pelo clima.

Pedi aos governos para assegu-rem que os fundos destinados a re-vitalizar a economia sejam utiliza-dos para investir no futuro, e nãono passado.

O dinheiro dos contribuintes de-ve ser utilizado para acelerar a des-carbonização de todos os aspetosda nossa economia e dar priorida-de à criação de empregos verdes.Chegou o momento de impor umataxa sobre o carvão e obrigar ospoluidores a pagar pela sua polui-ção. As instituições financeiras e osinvestidores devem ter plenamenteem conta os riscos climáticos.

Os objetivos do desenvolvimentosustentável e o Acordo de Paris so-bre as mudanças climáticas conti-nuam a ser o nosso modelo.

Chegou o momento de sermosdeterminados. Determinados a der-rotar a Covid-19 e a sair da crise,construindo um mundo melhor pa-ra todos.

O Papa Francisco com o Secretário-Geralda Onu durante a audiênciade 20 de dezembro de 2019

Page 8: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Texto inédito do Papa Francisco

Com o olhar de JesusQ uando estava a cami-

nho, um homem cor-reu ao seu encontro e,lançando-se de joelhosdiante dele, pergun-

tou-lhe: «Bom Mestre, que hei defazer para alcançar a vida eterna?».Jesus respondeu-lhe: «Por que mechamas bom? Só Deus é bom. Co-nheces os mandamentos: não mata-rás, não cometerás adultério, nãoroubarás, não darás falso testemu-nho, não cometerás fraudes, honra-rás o teu pai e a tua mãe». Então,ele retorquiu: «Mestre, tenho ob-servado tudo isto desde a minhamocidade». Então, fixando-o, Jesusamou-o e disse-lhe: «Só te faltauma coisa: vai, vende tudo o que

tens, dá o dinheiro aos pobres, eterás um tesouro no céu; depois,vem e segue-me!». Mas diante des-tas palavras ele entristeceu-se e foi-se embora pesaroso, pois possuíamuitos bens.

Jesus olha ao seu redor e disseaos discípulos: «Quão dificilmenteentrarão os ricos no Reino deDeus!». Os discípulos ficaram as-sombrados com as suas palavras;mas Jesus replicou: «Filhos, comoé difícil entrar no Reino de Deus!É mais fácil passar um camelo pelofundo de uma agulha do que en-trar um rico no Reino de Deus».Ainda mais admirados, diziam unsaos outros: «Então, quem pode sal-var-se?». Mas Jesus olhando para

eles, disse: «Aos homens isto é im-possível, mas não a Deus; pois aDeus tudo é possível» (Mc 10, 17-27).

Os três Evangelhos sinóticos re-latam o episódio do “jovem rico”,daquele homem (na realidade, daleitura dos textos não se deduz aidade exata) que pergunta a Jesuso que deve fazer para alcançar a vi-da eterna. Este breve diálogo con-tém um detalhe narrado apenas pe-lo Evangelho de Marcos; no meioda conversa, entre uma pergunta euma resposta, o evangelista escreveque «fixando-o, Jesus amou-o»(Mc 10, 21). Um pormenor que meparece decisivo. Um detalhe quediz muito sobre o estilo de Jesus,sobre aquele estilo que é “essên-cia”, “substância” e nos indica umcaminho para viver no mundo co-mo homens autênticos. Ser homemsignifica comunicar, entrar em con-tacto com o mundo e com os ou-tros, construir relações.

Enquanto os dois falam, Jesusnão pensa simplesmente no quequer dizer ao seu interlocutor, maspensa nele, em quem está à suafrente, aliás, ainda antes de pensar,olha para ele, fita-o com amor. Je-sus mostrou este estilo não só aojovem rico, mas a todas as pessoascom as quais se encontrou. Nofundo, o Evangelho é (também) anarração dos muitos encontros queJesus teve ao longo do seu cami-nho pelas estradas da Palestina.Em certos casos é fácil imaginarque aconteceu aquele “fixando-o,amou-o”, mesmo quando não é di-to explicitamente, também nos ou-tros encontros de Jesus; pensemosna vocação de Mateus (fixado comum olhar de eleição e, ao mesmotempo, de misericórdia), no diálo-go noturno com Nicodemos, oucom a samaritana perto do poço deJacob, e talvez até nos mais rápi-dos, com a cananeia e com Za-queu. Sem dúvida, aquele olhar é omesmo com que Jesus oferece asua face a Judas, chamando-lhe“amigo”, o mesmo olhar com quefita Pedro quando o galo canta e,embora tenhamos dificuldade de oentender, é o mesmo olhar comque observa em silêncio o espetá-culo miserável do rei Herodes, queespera dele um seu gesto milagrosoantes de o mandar, desapontado, irter com Pilatos. Também no diálo-go com o procurador romano, Je-sus tê-lo-á fixado com amor.

A fé cristã baseia-se nesta sim-ples afirmação: Jesus é de naturezadivina e Deus é amor. Este funda-mento determina uma série de con-sequências e altera a maneira docristão de estar no mundo. Sem

aquele olhar de amor a comunica-ção humana, o diálogo entre aspessoas pode facilmente tornar-seapenas um duelo dialético, masaquele olhar revela que em jogo háoutra questão, vertiginosa, que nocentro não tem o mérito da discus-são mas muito mais, o próprio sen-tido da existência, minha e do meuinterlo cutor.

É interessante o termo que oevangelista usa: “fixou-o”, um ver-bo que supõe uma atitude contem-plativa que por sua vez requer umadilatação temporal, uma pausa domomento, quase para saborear ca-da um dos seus instantes. Sobretu-do nas sociedades ocidentais o ver-bo “fixar”, a atitude contemplativaparece já não ter cidadania, poisdesapareceu da paisagem diária, davida de todos os dias. Ninguém fi-xa ninguém, aliás, quando istoacontece desencadeiam-se automa-ticamente uma sensação de mal-es-tar e uma reação, como se estivés-semos diante de um perigo. Per-deu-se assim algo, ninguém fita osolhos do outro, ninguém “está” p e-rante o outro, detendo por um ins-tante a corrida frenética do tempoa que estamos submetidos. Pensan-do nesta condição, ao regressar daviagem à Ásia em novembro passa-do, manifestei a minha esperançade que o Ocidente recuperasse doOriente o sentido da “p o esia”, en-tendendo com esta bonita palavraprecisamente o sentido da contem-plação, do deter-se e conceder-seum momento de abertura a si pró-prio e aos outros, no sinal da gra-tuidade, da pura abnegação. Semaquele “suplemento” da poesia,sem esse dom, sem a gratuidade,não pode nascer um verdadeiro en-contro, nem uma comunicação pro-priamente humana. Os homens“comunicam” não apenas porquetrocam informações, mas porqueprocuram construir uma comu-

nhão. Portanto, as palavras devemser como pontes lançadas paraaproximar as diferentes posições,para criar um terreno comum, umlugar de encontro, de confronto ede crescimento.

Esta aproximação tem comocondição inicial que se esteja dis-posto a escutar com paciência asposições uns dos outros, pois fixar,olhar, pressupõe aceitar ser fixado,fitado: na comunicação oferecemo-nos uns aos outros.

Sobre este assunto temos muitoa aprender da lição do santo car-deal John Henry Newman. A suareflexão centrou-se particularmentena dimensão da imaginação e na“disp osição” do coração, que de-sempenha um papel mais impor-tante em relação ao da razão, a fimde que um homem possa ser verda-deiramente tocado pela experiênciada fé. Newman compreendeu quemuitas vezes as pessoas debatiam eacabavam por discutir não porquestões relativas ao conteúdo dodebate, mas por uma predisposiçãode maior ou menor abertura ao in-terlocutor. A sua reflexão não eraabstrata, ele partia da experiênciade diálogo constante com o seu ir-mão mais novo, Charles, que se ti-nha tornado ateu. «Não te encon-tras no estado de espírito de quemestá disposto a ouvir argumentos,sejam eles quais forem», escreve aoirmão que, a seu ver, acaba por cairna incredulidade devido a uma«inaptidão do coração, não do in-telecto», pois quando se trata deargumentos religiosos, os homenstendem a ver tudo «através da len-te de hábitos anteriores». O queera válido para o irmão Charles,hoje vale para a sociedade contem-porânea, na qual é difícil encontrarum ateísmo que seja fruto de umestado de espírito de hostilidadeaberta ao Evangelho, mas é maisfácil deparar-se com uma indiferen-

ça que brota de uma série de pre-conceitos e de uma imaginação quepermanece ao nível da superficiali-dade e não se deixa impressionarpela força explosiva dos símbolos edas mensagens do Cristianismo. Sea disposição pessoal é fundamen-tal, então o esforço necessário emcada ocasião de comunicação con-siste em vivê-la como um encontroverdadeiro e não superficial, queabra a um diálogo fecundo e gene-rativo, que ponha em movimentoum dinamismo capaz de baralhar etransformar as “predisp osições”,por outras palavras, que se abra àconversão.

É preciso ter coragem. Como ti-ve a oportunidade de dizer a 4 defevereiro de 2019, no encontro in-ter-religioso no Fo u n d e r ’s Memorialde Abu Dhabi, um diálogo eficaz«pressupõe a própria identidade, aque não se deve abdicar para agra-dar ao outro; mas, ao mesmo tem-po, requer a coragem da alteridade,que supõe o pleno reconhecimentodo outro e da sua liberdade [...].sem liberdade, já não se é filho dafamília humana, mas escravo [...].A coragem da alteridade é a almado diálogo, que se baseia na since-ridade de intenções [...]. Em tudoisto, é indispensável a oração: esta,ao mesmo tempo que encarna a co-ragem da alteridade em relação aDeus, na sinceridade da intenção,purifica o coração de se fechar emsi mesmo».

Identidade e alteridade existemjuntas, e só podem conviver numcontexto de coragem, liberdade eoração. A alteridade é vital para aidentidade. Nunca sem o outro, o tí-tulo de um bonito ensaio de Mi-chael de Certeau é um belo “lema”que pode distinguir a existênciahumana que encontra a sua pleni-tude e o seu significado último norelacionamento. Um coração fecha-do em si mesmo adoece e “i n c ru s -ta-se” de resíduos que impedem asua palpitação saudável e vivifican-te. A relação tem um seu “re s p i ro ”,que precisa de um ritmo e de oxi-génio puro, condições asseguradassomente pela presença do outro. Aminha identidade é um ponto departida, mas sem a alteridade caino vazio, murcha e corre o risco demorrer. Sem o reconhecimento daalteridade, não só o outro morre,mas também eu próprio. Contudo,o aspeto importante é que para ser“pleno”, este reconhecimento deveabrir-se ao reconhecimento da li-berdade do outro. Este ponto écrucial. Aqui entramos mais umavez no coração do Cristianismo. Otexto do Evangelho, do qual parti-mos, vem ainda em socorro, desta

vez com o segundo termo contidonaquela frase de poucas palavras:«Fixando-o, amou-o». Jesus nãoolha para o outro como um “esp e-táculo”, mas como uma pessoa, co-mo um dom, como um ser queDeus quis criar livremente (poramor) e colocar no seu caminho.No seu olhar de amor, já está inse-rida a dimensão da liberdade. Sóse ama na liberdade e só o amorverdadeiro torna e deixa livres osoutros. Deste ponto de vista, é ilu-minante o modo como termina oepisódio narrado por Marcos; po-deríamos dizer que o final é amar-go, que “acaba mal”. O interlocu-tor de Jesus está desiludido, deso-rientado e vai embora “p esaroso”.O evangelista explica também omotivo desta atitude («porque pos-suía muitos bens»), que se poderiatraduzir também da seguinte for-ma: “Porque não era uma pessoal i v re ”. Como se os bens impedis-sem o bem: uma vida politeísta su-foca a possibilidade de uma vidaplena, “eterna”, como pergunta ojovem, que não por acaso enumeratodos os mandamentos da lei, queele respeita sem que isto lhe tenhadado a felicidade pela qual o seucoração está sedento. A liberdade éo núcleo desta vicissitude existen-cial, os muitos bens não permitemo acesso a uma liberdade autêntica.É precisamente a liberdade o “tem-p ero” essencial para tornar plena-mente humana a existência daspessoas na Terra e, por conseguin-te, também cada ato de comunica-ção. Sem liberdade não há verda-de, cada relação torna-se ficção, hi-pocrisia, escorrega na superficiali-dade ou, pior ainda, na instrumen-talização. Aproximo-me do outropara o “usar” e assim acabo por

lhe tirar a liberdade. Ao contrário,é precisamente uma relação basea-da no amor que garante a nossa li-berdade e a dos outros, não obs-tante isto signifique expor-se aorisco. Amar significa estar abertoao risco. Fitando o jovem à suafrente, Jesus não o “esquadrinha”para encontrar os seus pontos fra-cos, mas contempla-o como se ti-vesse acabado de sair das mãoscriadoras de Deus Pai e está felizcom a sua existência, ama-o, pois,e chama-o a superar todas as pri-sões e feridas passadas, rumo a umfuturo de plenitude, respondendoassim à sua pergunta sobre a possi-bilidade de uma vida eterna. Nestegesto Jesus expõe-se ao risco, a suaé uma aposta no outro, no homem,e como tal a possibilidade de fra-casso é real. Com efeito, o final pa-rece encerrar-se de forma malogra-da; a palavra de Jesus, a Palavra deDeus, não teve efeito algum, a co-municação entre os dois, vista co-mo uma disputa dialética, não pro-duziu fruto algum, ambos “p erde-ram”; é o “drama da liberdade”,usando as palavras de Dostoievski.Mas não é o fim, intui-se das pala-vras posteriores de Jesus: deste dra-ma pode brotar o gesto da oração,da abertura à alteridade de Deus, aquem “nada é impossível”. E é in-teressante que Jesus faça esta afir-mação solene, mais uma vez, “fi-xando o olhar neles”.

Possa o olhar de Deus pousarsempre sobre a nossa vida e nós,por nossa vez, entrando em relaçãoe comunicando com os outros ho-mens, possamos ter o mesmo olharde Jesus que nos fixa com os olhosdo amor gratuito e generoso, até àoblação total de si mesmo.

Troca mútua de donsO hífen no meio da palavra (“com-unico”) não é um erro de impressão, masum sublinhado deliberado. Diversi e uniti.Com-unico, quindi sono (Cidade doVaticano, Lev, 2020, 206 páginas) é umnovo volume publicado pela LivrariaEditora Vaticana — Dicastério para acomunicação da Santa Sé que tem comotema ocasiões de diálogo “em ação”, nasua declinação concreta. O texto faz partede “Troca de dons", coleção “ecuménica”da editora que recolhe os textos ediscursos do Pontífice acompanhados deum texto inédito e de uma introduçãogeralmente assinada por um representantedos irmãos e irmãs das Igrejas eComunidades Eclesiais separadas. Damesma coleção fazem parte o volumeNostra Madre Terra. Una lettura cristianadella sfida dell'ambiente (Cidade doVaticano, Lev, 2019, 144 páginas) quereúne os discursos do Papa sobre o cuidado da criação e é introduzida peloprefácio do Patriarca Ecuménico de Constantinopla Bartolomeu, e La preghiera. Ilrespiro della vita nuova com o prefácio do Patriarca Kirill de Moscovo (Cidade doVaticano, Lev, 2019, 208 páginas). O fio vermelho que liga os livros é oecumenismo dos fiéis, aquele ecumenismo prático que se manifesta nas iniciativascomuns dos cristãos para a salvaguarda da Criação e da ecologia interior de cadaser humano, que é parte da Criação. Diversi e uniti contém o prefácio de JustinWelby, Arcebispo de Cantuária, primaz de toda a Inglaterra e líder mundial daComunhão Anglicana e as reflexões do Santo Padre sobre as relações humanas:relações entre pessoas criadas à imagem de Deus. “As relações humanas maisbonitas e frutuosas”, salienta Justin Welby, “são aquelas que se baseiam no amorde Deus por nós”. Com o olhar de Jesus é o texto inédito do Papa Francisco, quecomeça pela história do “jovem rico” “que pergunta a Jesus o que há de fazerpara alcançar a vida eterna”. Sem o “olhar de amor” de Deus “a comunicaçãohumana — escreve o Papa Francisco — o diálogo entre as pessoas pode facilmentetornar-se apenas um duelo dialético”. Diversi e uniti. Com-unico quindi sono embreve estará disponível em várias línguas. Os direitos foram vendidos às editorasRomana Editorial (língua espanhola), Catholic Truth Society CTS (língua inglesapara Inglaterra, Irlanda e Austrália), Our Sunday Visitor (língua inglesa para osEstados Unidos), Paulinas Portugal (língua portuguesa), Editura Arquidiocese deBucareste (língua romena), Editions Salvator (língua francesa) e Kršćanskasadašnjost (língua croata). O jovem rico numa imagem do filme «O Evangelho segundo Mateus» de Pier Paolo Pasolini (1964)

DEDICAD O À COMUNICAÇÃO E ÀS RELAÇÕES HUMANAS O NOVO VOLUME DA COLEÇÃO «T RO CA DE D ONS»

Page 9: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

Tecer uma nova história na partilhaNa mensagem para o Dia das comunicações sociais

PAOLO RUFFINI

Partilhar é a palavra-chave: é is-to que o Papa Francisco, nasua mensagem deste ano, nos

convida a fazer: partilhar contando anossa história, partilhar escutando ahistória dos outros e tecer, na parti-lha, uma nova história.

Partilhar entre nós e partilhar comDeus: este é o caminho.

Contarmo-nos a Deus para dar acada história um sentido, um dina-mismo, uma perspetiva de redenção.

Há uma passagem muito bonitana mensagem.

Aquela em que o Papa diz: «AEle (ao Senhor) podemos narrar ashistórias que vivemos, levar as pes-soas, confiar situações. Com Ele, po-demos recompor o tecido da vida,cosendo as ruturas e os rasgões».

Nestes dias de tribulação por cau-sa do coronavírus, todos nós — maisou menos — folheámos o álbum dasnossas memórias.

Refletimos sobre as nossas vidas;sobre as oportunidades que soube-mos colher, e sobre as que perde-mos, desperdiçamos.

Pensámos no que vivemos, e la-mentamos o que não vivemos.

Contamos histórias que atravessa-mos e imaginámos caminhos quenão percorremos.

Abençoamos a civilização digitalpela partilha que nos permitiu, e pe-las distâncias que cancelou.

Mas também tememos o risco deque a dimensão remota acabe porsubstituir definitivamente a proximi-dade corporal.

Nas últimas semanas aplaudimoso florescimento de iniciativas espon-tâneas, capazes de unir o que antesestava dividido, de convocar homense mulheres de boa vontade.

Assustamo-nos também perante oapodrecimento de ressentimentosnunca resolvidos, o renascimento depreconceitos, o ressurgimento datentação de resolver tudo apontandoeste ou aquele bode expiatório.

Separados uns dos outros, redes-cobrimos acima de tudo a beleza donós, a beleza — de “comunicar” comDeus — de falar com Ele no plural,de falar com Ele sobre nós, sobre osnossos medos, as nossas preocupa-ções, as nossas expetativas. Sem se-parar as minhas das dos outros.

Ao experimentarmos a separação,compreendemos o sentido da comu-nhão.

Medimos a distância entre o quepensávamos que nos unia e o querealmente nos unia.

Sem a capacidade de reconduzir aexperiência à unidade, não há sabe-doria, nem conhecimento; tudo sereduz a uma lista de factos sem his-tória.

Nestes dias, talvez o tenhamoscompreendido melhor, mas estamossempre na mesma encruzilhada.

Trata-se da orientação a dar àscoisas. Em direção ao bem ou aomal.

É também assim na comunicação.Podemos confiar apenas na tecnolo-gia, ou dar-lhe uma alma.

Podemos perder-nos na incomuni-cabilidade, ou podemos encontrar-nos na comunhão.

Podemos sentir em cada um denós a responsabilidade da busca daverdade, ou tornar-nos instrumentos(conscientes ou inconscientes) da di-fusão de notícias falsas.

Podemos negar ou compreenderos sinais do tempo.

Podemos comunicar desespero ouesperança. Mas tudo depende deonde baseamos a nossa esperança.

Depende da nossa capacidade deestarmos dentro da realidade semsermos corrompidos por ela.

Cabe a nós escolher, como disse oPapa Francisco há algumas semanas,no ddia 27 de março, na praça deSão Pedro vazia.

Cabe a nós escolher o que impor-ta e o que passa, separar o que é ne-cessário do que não é.

Precisamos de uma mudança deritmo: uma atitude diferente, umaconfiança maior, de mais fé, umolhar puro, capaz de se admirar, deser surpreendido pela verdade deD eus.

Para dar uma nova forma às coi-sas de ontem; para garantir que oisolamento não se torne solidão; pa-ra responder à união doente da pan-demia com a união saudável da boavontade; para encontrar um novo emais sadio equilíbrio entre local eglobal, precisamos do nosso teste-munho criativo; precisamos da nossainteligência; precisamos acima de tu-do da nossa fé e das nossas obras.

Assim, olhando para trás, para aforma como comunicámos antes dapandemia, é necessário fazer um sé-rio exame de consciência.

Será que já comunicámos real-mente antes? Ou a comunicação quelamentamos é como as cebolas doEgito.

Quanto a nossa comunicaçãoconstruía comunidade? E quanto, aocontrário, grupos fechados?

E como pode esta travessia do de-serto tornar-nos hoje mais reaisquando finalmente nos encontramosde novo nas ruas, nas praças, nasi g re j a s ?

Paradoxalmente, a impossibilidadede nos encontrarmos, durante o pe-ríodo de quarentena, e a perspetiva

de nos encontrarmos apenas a umadistância adequada nos próximostempos (que promete não ser curta)devolveram-nos o desejo de relaçõesverdadeiras com os outros.

Fizeram-nos ver com novos olhosos nossos vizinhos, a rua, o bairro.Fizeram-nos sentir como é grande atarefa para a qual, como crentes, so-mos todos chamados a testemunharaquilo em que acreditamos; a cons-truir comunidades acolhedoras e so-lidárias.

Já se podem ver os sinais, as se-mentes.

Mas é preciso que se enraízemnum solo bom.

Cabe a nós oferecer (tambématravés da comunicação) nos territó-rios a nossa rede de significado, detrabalho, de partilha. Cabe a nós,servos inúteis, mas chamados a seros ramos da nova vida.

Como disse o Papa Francisco, ca-be a nós «encontrar a coragem deabrir espaços onde todos possamsentir-se chamados e permitir novasformas de hospitalidade, fraternida-de e solidariedade» (Momento ex-traordinário de oração, Adro da ba-sílica de São Pedro, sexta-feira, 27 demarço de 2020).

A comunicação deve ser refunda-da numa rede que seja simultanea-mente global e local. Digital e real.Feita para unir, não para dividir.

Doar, não vender ou comprar.Dar à tecnologia uma dimensão quea transcenda.

Se a obrigação da distância físicase mantiver, se o vírus se tornar en-démico, caberá à comunicação assu-mir o papel de antiviral, permitindoo “nós”, impossibilitado pela distân-cia.

Separar isolamento de solidão,distância física de distância social.

Se, ao contrário, a obrigação deestarmos fisicamente distantes aca-bar, como todos esperamos, o modocomo nos reencontraremos depende-rá da forma como tivermos sabidoreconstruir o nosso estar juntos.

Ao contrário do que se pensa fre-quentemente, “comunicar” não éapenas “transmitir informação” (que,por sua vez, pode ser falsa, e nãov e rd a d e i r a ) .

A comunicação (mesmo de infor-mação) não consiste apenas em ga-

rantir que as coisas ditas a partir docentro cheguem a todos.

A comunicação eclesial não trans-mite catequese do alto.

Comunicar — estamos a redesco-bri-lo — é mais do que isto. É muitomais. Não há comunicação sem averdade de um encontro.

Comunicar é estabelecer relações,é estar com. É por isso que devemospensar em como utilizar a rede, paramanter viva (apesar da distância) arelação encarnada entre as pessoas.Construir uma economia de partilha,do s h a re . Perfilar as pessoas não deacordo com a sua capacidade deconsumo, mas com a sua capacidadede dom.

O dom pode assumir muitas for-mas: pode-se doar o próprio tempo,as próprias habilidades, o própriodinheiro, a própria oração.

Mas as pessoas estão dispostas adoar unicamente quando percebemque estão a colaborar para construirum valor recíproco.

Devemos aprender a partilharmais nos nossos bairros, nas nossasruas, nos nossos condomínios; teste-munhando o nosso ser Igreja, ofere-cendo o nosso ser Igreja como o me-lhor lugar para estarmos juntos.

Hoje, mais do que nunca, é tem-po que a Igreja saia dos seus muros,e não que pense em si mesma comoestática, mas como dinâmica; quenão fique parada à espera, mas quese mova e parta para construir a co-munhão através de todos os instru-mentos de comunicação; que dê vidaa projetos de colaboração para re-censear, aperfeiçoar, classificar o ex-cesso comunicativo caraterístico dohomem.

Chegou o momento de pensar nacomunicação como numa forma deredistribuir o excesso de materiais,do conhecimento e do amor.

Hoje, mais do que nunca, é aunião que faz a força. Mesmo quenos pareça o contrário.

Um provérbio africano diz quepodemos ser o sorriso daqueles quenos precederam.

Eis então: cada história pode serresgatada, redimida pela partilha deum sorriso que se torna uma narra-ção.

Papa Francisco a 27 de marçona praça de São Pedro vazia

Page 10: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Uma conferência sobre o pensamento social de João Paulo II proferida por Jorge Mario Bergoglio em 2003

O trabalho e a dignidade do homemRelatamos longos excertos do texto —publicado em italiano no volume edita-do por Antonio Spadaro “Nei tuoi occhiè la mia parola” (Rizzoli, Milão,2016, páginas LI-955), que recolhe ho-milias e discursos proferidos por JorgeMario Bergoglio em Buenos Aires entre1999 e 2013 — da conferência proferi-da pelo então cardeal arcebispo da ca-pital argentina sobre o pensamento so-cial de João Paulo II.

JORGE MARIO BERGO GLIO

«Duc in altum» — «Fazei-vos ao lar-go!» — «Sem hesitação!» — «Emprofundidade!». A exortação de Je-sus a Pedro, que João Paulo II fezsua e que nos transmitiu com reno-vado ardor apostólico, convida-nos aentrar hoje na sua ampla doutrinasocial. João Paulo II foi certamenteo Pontífice que mais escreveu sobrea “questão social”: surpreendem-nosas três encíclicas, inúmeros discursose homilias, e a constante referênciaao social em todos os seus docu-mentos, não só pela vastidão mastambém pela amplitude dos hori-zontes, pela coragem e profundidadecom que o Papa faz sua toda a dou-trina social da Igreja e a repropõe deuma forma renovada e fervorosa. Ir“mais em profundidade” no seu pen-samento há algo semelhante às tra-vessias que o Senhor fez com osseus discípulos, quando os instruiuna rica e misteriosa realidade do la-go de Genesaré, símbolo do mundoe da história. Na forma fechada daLaborem exercens e da Sollicitudo reisocialis, palpita a doutrina social daIgreja em forma universal e concre-ta, iluminada pelo Evangelho. E nabrisa do mar ouvimos a promessa deuma pesca abundante. Desde o iní-cio do seu pontificado, o Papa ope-rário convida-nos a entrar onde a vi-da social do homem é jogada pelosremos, pela força de lançar de novoas redes: no mundo do trabalho e dasolidariedade. [...]

Tendo presentes os dois elementosda doutrina social da Igreja subli-nhados pelo Papa — «a proteção dadignidade e dos direitos da pessoano contexto de uma relação justa en-tre trabalho e capital e a promoçãoda paz» (Tertio millennio adveniente,22) — nesta breve exposição refletire-mos sobre a questão do trabalho. Efá-lo-emos na perspetiva da “espiri-tualidade do trabalho”.

Explico a razão desta escolha.Na Novo millennio ineunte (NMI),

esta nova espiritualidade de solida-riedade e comunhão, mencionadapelo Papa, apresenta uma sínteseclara a que ele chama “uma espiri-tualidade do trabalho” [...] que pre-tende ser o paradigma da Igreja donovo milénio. As características des-ta espiritualidade são muito bem ex-postas: «Espiritualidade da comu-nhão significa em primeiro lugar tero olhar do coração voltado para omistério da Trindade, que habita emnós e cuja luz há-de ser percebidatambém no rosto dos irmãos que es-tão ao nosso redor» (NMI 43).

Sucessivamente o Papa especificatrês âmbitos em que devemos prepa-rar-nos para a comunhão à luz dapresença de Deus no rosto de cadahomem. Caracterizamo-los desta for-

ma: sermos capazes de pertencer aum só corpo [...], sermos capazes deter uma visão que valorize a nossaprópria organicidade [...], sermos ca-pazes de dar espaço sem dominar osespaços [...].

Pensemos que esta espiritualidadede comunhão, com as suas múltiplasrepercussões em cada esfera concretada vida eclesial, tem um significadoparticular, se for aplicado a esta es-piritualidade do operário que o Papaconvida os trabalhadores a cultivar.Notemos, diga-se de passagem, quea comunhão e o trabalho são asduas únicas realidades que caracteri-zam a espiritualidade no documen-to.

Vejamos porquê.Neste ponto, queremos perguntar-

nos qual é o conceito que João Pau-lo II tem do trabalho do homem.

Todos sabemos que a Redemptorhominis, a sua primeira Encíclica(1979), foi programática. O Papapensou que era necessário partir dohomem, deste homem cujo significa-do profundo e final se encontra ape-nas em Jesus Cristo, o Redentor dohomem. Dois anos mais tarde, em1981, João Paulo II publicou L a b o re me x e rc e n s (Le). Outra encíclica progra-mática que João Paulo II dedicou«ao homem no amplo contexto des-ta realidade que é o trabalho». [...]

Sublinhamos antes de mais estavisão do Papa que nos fala de umaespiritualidade que «começa e faz-seao largo no caminho do homem».De um homem, é bom sublinhá-lo,imerso no mistério de Jesus CristoRedentor, não de um homem apenasem dimensão vertical, mas de umhomem contextualizado na realidadee na história do ponto de vista dotrabalho [...].

O Papa repete isto na perspetivada própria essência do homem, a es-sência da qual deriva a missão de“dominar a terra” e que implica a“livre decisão de ser colaboradoresdo Criador”. A profecia de RomanoGuardini está aqui subjacente quan-do, no seu livro Il Potere, apontou arazão fundamental para a mudançade paradigma que está a ocorrer ca-da vez mais no nosso mundo mo-derno. Guardini afirmou que o riscomais representativo e decisivo danossa civilização atual era que o po-der se estivesse a transformar cadavez mais em algo anónimo. Daqui,como de uma raiz, se desenvolvemtodos os perigos e injustiças que

atualmente sofremos. E o antídotoproposto por Guardini mais não erado que fazer com que cada um fosseresponsável de maneira solidária pe-lo poder. Neste ponto exato reside avisão de João Paulo II do trabalhohumano como lugar onde o homemdecide livremente o uso do podercomo serviço e colaboração na obracriativa de Deus para o bem dosseus irmãos.

O trabalho é um lugar onde todosos princípios da doutrina social daIgreja e da sociedade adquirem con-cretude. João Paulo II sempre afir-mou que o primeiro ponto fixo dadoutrina social, do qual todos os ou-tros derivam, é este: «A ordem socialestá centrada no homem». Ao ho-mem que trabalha, queremos acres-centar o homem que trabalha de for-ma livre, criativa, participativa e soli-dária.

Neste homem que trabalha, con-centram-se e vinculam-se concreta-mente os outros princípios.

Com o trabalho, cumpre-se oprincípio do “destino universal dosb ens”.

Com o trabalho torna-se real “alegitimidade da propriedade privada,como condição indispensável da au-tonomia pessoal e familiar”.

Na valorização do trabalho — detodos os tipos de trabalho — comofonte de onde provêm todos os bensque tornam possível a vida em socie-dade, está enraizado o conceito dosdeveres e direitos que devem regularo Estado e esclarece-se o papel doEstado como promotor e guardiãodo bem comum. [...]

Unindo, num só olhar, a espiri-tualidade de comunhão e a espiri-tualidade do trabalho podemos afir-mar que:

O fator comum de qualquer espi-ritualidade de comunhão, do pontode vista do indivíduo, é este olhardo coração. Um olhar cordial é umolhar que inclui. Perante o conceitoque reduz o trabalho ao mero em-prego, que tem como fim a produ-ção de bens que servem apenas al-guns, o olhar espiritual considera otrabalho como expressão de todas asdimensões do homem: da mais fun-damental, que pertence à “re a l i z a ç ã oda pessoa”, à mais elevada, que oconsidera um “serviço” de amor.

Sob um ponto de vista objetivo,este olhar cordial, que aborda simul-taneamente “o mistério da Trindadee o mistério de cada rosto humano”,

faz-nos apreciar o caráter vinculativodo trabalho, leva-nos a ver cada ho-mem como “alguém que me diz res-p eito” e eleva o esforço de cada uma “dom para todos”. Ao redor destesvalores desenvolve-se uma sociedadehumana sem excluir classe alguma.Ao mesmo tempo, o próprio traba-lho abre estes “espaços de participa-ção” de que o Papa fala e transfor-ma-os em espaços reais, concretos edignos de participação.

O trabalho constrói a dignidadedo homem, ligando a sua dimensãopessoal e a sua dimensão social, masnão só, tem uma dignidade muitoelevada cuja razão última está enrai-zada em Jesus Cristo. [...]

Se atribuirmos o justo valor aoque significa que o Senhor nos redi-miu com toda a sua vida — ações,palavras e gestos, alegrias e sofri-mentos — os seus longos anos detrabalho silencioso e diário no pe-queno mundo de Nazaré devem terna nossa mente o justo peso que lhefoi atribuído pela sua importância.Se no Evangelho eles palpitam emsilêncio é precisamente por isto: por-que o valor de uma espiritualidadedo trabalho é em si mesma silencio-sa, humilde, contida. “A mais altadignidade do trabalho”, é assim queo Papa descreve a obra de Jesus, fei-ta com as suas próprias mãos.

E isto porque o trabalho está en-raizado na sua dignidade na própriaTrindade: “Meu Pai trabalha e eutambém trabalho”, diz o Senhor. Foiprecisamente uma imagem de traba-lho que o Papa enfatizou, para que aconservemos no coração a fim depodermos enfrentar os problemasque obscurecem o horizonte do nos-so tempo.

«Basta pensar na urgência de tra-balhar pela paz, de estabelecer pre-missas sólidas de justiça e solidarie-dade nas relações entre os povos, dedefender a vida humana desde a suaconceção até ao seu fim natural. E oque dizer, além disso, das muitascontradições de um mundo “globali-zado”, onde os mais fracos, os maispequeninos e os mais pobres pare-cem ter muito pouco a esperar?».

Neste mundo, diz o Papa, «a es-perança cristã deve brilhar». E qualé, então, a imagem universal e con-creta que ele nos apresenta como amais clara e eficaz da esperança cris-tã? É a imagem de Jesus, Mestre decomunhão e serviço. «É significativo— diz o Papa — que o Evangelho deJoão, onde os sinópticos narram ainstituição da Eucaristia, proponha,ilustrando assim o seu profundo sig-nificado, a história do “lava-p és”, naqual Jesus se torna mestre de comu-nhão e serviço (cf. Jo 13, 1-20). OSenhor quis permanecer connoscona Eucaristia, imprimindo nesta pre-sença sacrifical e convivial (o humil-de serviço do lava-pés era feito pelosescravos) a promessa de uma huma-nidade renovada pelo seu amor (Ec-clesia de Eucharistia)».

Na celebração deste “trabalho” emque, imitando o Redentor, a Igreja“realiza a Eucaristia”, condensam-setodas as tensões escatológicas docristianismo: o compromisso detransformar o mundo e toda a exis-tência para que se torne Eucaristia.

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

Fonte inexaurívelVigésimo quinto aniversário da encíclica “Ut unum sint”, sobre o empenho ecuménico

RICCARD O BURIGANA

A 25 de maio de 1995, na solenidadeda Ascensão do Senhor, João PauloII assinou a carta encíclica Ut unumsint sobre o empenho ecuménicocom o qual o Pontífice pretendeu re-lançar o ardente desejo de unidadeem todos os cristãos, os quais «sequerem verdadeira e eficazmente fa-zer frente à tendência do mundo atornar vão o Mistério da Redenção[...] devem professar juntos a mesmaverdade sobre a Cruz», como lemosna introdução do documento. Preci-samente nestas primeiras palavras,João Paulo II indicou as profundasrazões que o levaram à elaboraçãoda encíclica: o compromisso assumi-do pelo Concílio Vaticano II para aconstrução da unidade visível daIgreja que para os crentes assumiuum valor completamente novo nohorizonte da celebração do ano 2000«que será para eles Jubileu sagrado,comemoração da Encarnação do Fi-lho de Deus, que Se fez homem pa-ra salvar o homem»; a raiz do cami-nho ecuménico em Cristo que «cha-ma todos os seus discípulos à unida-de»; a herança dos mártires cristãos,especialmente os do século XX, que«são a prova mais significativa deque todo o elemento de divisão po-de ser vencido e superado com odom total de si próprio à causa doEvangelho»; as novas exigências daação missionária a serem enfrentadasnuma perspetiva ecuménica, a fimde tornar a evangelização do mundocada vez mais eficaz; a centralidadedo papel do Bispo de Roma «comosucessor do Apóstolo Pedro, cujamissão visa particularmente lembrara exigência da plena comunhão dosdiscípulos de Cristo».

Com a encíclica «que, na sua ín-dole essencialmente pastoral, querser um contributo e apoio para o es-forço de todos os que trabalham pe-la causa da unidade», o Papa quisreafirmar a escolha “i r re v e r s í v e l ” fei-ta pela Igreja Católica com o Concí-lio Vaticano II «a percorrer o cami-nho da busca ecuménica, colocando-se assim à escuta do Espírito do Se-nhor, que ensina a ler com atençãoos “sinais dos tempos”». Esta esco-lha já tinha dado muitos frutos, co-mo indicam os passos dados parasuperar as divisões na recompreen-são das identidades de cada tradiçãocristã numa perspetiva de comunhãoplena e visível, mas era necessáriofazer algo mais no sentido de umaconversão diária capaz de captar asriquezas e os valores do caminhoecuménico para a missão de procla-mar e testemunhar a Palavra deDeus da parte de todos os cristãos.

Fazendo um balanço da situaçãodo percurso ecuménico a partir docompromisso ecuménico da Igrejacatólica — refletindo sobre o que foifeito e dito pelos cristãos para a uni-dade nas últimas décadas (que a en-cíclica recordava ser apenas «umaetapa, ainda que promissora e positi-va») — parecia necessário indicarquais eram os passos a dar paraprosseguir no caminho que deveriaconduzir «ao restabelecimento daunidade plena e visível de todos os

batizados». Era necessário encorajara receção do que já tinha sido feito,aprofundar a dimensão da espiritua-lidade e da santidade ecuménica, re-lançar a ação missionária, sustentadapela oração.

Na agenda dos temas a tratar parao desenvolvimento da investigaçãoteológica e do testemunho cristão daunidade visível da Igreja, foi reserva-do um lugar muito especial à «ques-tão da primazia do Bispo de Roma”,também à luz do interesse que se ti-nha manifestado no movimento ecu-ménico nos últimos tempos. A pro-posta de abordar este tema surgiutambém da importância que a Igrejacatólica atribuiu à questão da prima-zia petrina precisamente para oaprofundamento da comunhão entreos cristãos, relançando assim um de-bate que tinha abrangido todo o sé-culo XX e assumido um valor ecle-siológico completamente novo com acelebração do Concílio Vaticano II.

A questão da primazia petrina edas formas do seu exercício constituisem dúvida um elemento central daencíclica, mas abre perspetivas quevão muito além deste tema. De fac-to, se por um lado a encíclica consti-tui um passo significativo na receçãoecuménica do Concílio Vaticano II,introduzindo inovações significativasem relação à linha indicada por Pau-

lo VI (especialmente com uma sériede gestos que colocam no centro abusca de uma nova fraternidade), aUt unum sint insiste, com clareza,sobre a dimensão quotidiana do ca-minho ecuménico que não se podelimitar «ao encontro e à troca depontos de vista», mas deve incidirna experiência de fé de cada crente,referindo-se àquela dimensão que«orienta para Jesus Redentor domundo e Senhor da história». Nestadupla acepção — uma receção inova-dora do Vaticano II e da dimensãoquotidiana do ecumenismo — a encí-clica pode ser plenamente compre-endida, refazendo as palavras e osgestos pela unidade de João Paulo IIque, precisamente no ano da publi-cação do documento, entre outrascoisas, propôs uma recuperação evalorização do património espiritual,tradição teológica e litúrgica doOriente cristão, partindo da tradiçãodas Igrejas plenamente unidas emRoma, com a publicação de duascartas apostólicas, a Orientale lumen(2 de maio de 1995), por ocasião docentenário da Orientalium dignitas doPapa Leão XIII, e a do quarto cente-nário da União de Brest (12 de no-vembro). Vai-se além da dimensãoda Igreja que deve respirar «com osdois pulmões», para delinear umaIgreja católica empenhada diaria-

mente, em todas as suas articulações,na construção da unidade, reafir-mando uma profunda fidelidade aoensinamento de Jesus Cristo, a partirde uma conversão pessoal que ajudea viver a unidade na diversidade.

Em muitas ocasiões, além dos en-contros com os responsáveis dasIgrejas e dos organismos ecuméni-cos, que muitas vezes tiveram lugardurante as viagens apostólicas doseu pontificado, João Paulo II dedi-cou-se a afirmar a prioridade da di-mensão quotidiana do testemunhoecuménico na Igreja, como aconte-ceu, apenas para dar um exemplo,com a publicação, a 25 de março de1993, pelo Pontifício Conselho paraa Promoção da Unidade dos Cris-tãos, da segunda edição do D i re t ó r i opara a Aplicação dos Princípios e dasNormas do Ecumenismo. O Diretório,citado explicitamente na Ut unumsint, foi revisto precisamente para in-corporar quanto podemos chamar ossinais dos tempos do percurso ecu-ménico, tal como foi configuradocom o Vaticano II.

Devido ao seu conteúdo e perspe-tivas, desde a publicação, a Ut unumsint provocou, não só no seio daIgreja católica, um amplo e vivo de-bate que se centrou sobretudo naquestão da autoridade, num sentidoeclesiológico que permitiu progres-sos significativos na reflexão sobre arelação entre a Igreja universal e aIgreja local, como demonstram osnumerosos documentos oficiais ondea encíclica é citada. Questionou-se, econtinua a ser questionado, alémdos muitos diálogos bilaterais queenvolvem a Igreja católica a váriosníveis, sobre as formas de exercíciodo magistério petrino como formapossível de viver a comunhão, tendosempre presente que os cristãos sãoperegrinos que devem confiar «o co-ração ao companheiro de estradasem suspeitas nem desconfiança, eolhar antes de tudo para o que pro-curamos: a paz no rosto do únicoDeus» (Papa Francisco, Evangeliigaudium, 244).

Vinte e cinco anos depois, a encí-clica sobre o empenho ecuménico Utunum sint é sempre uma fonte pre-ciosa para compreender a vocaçãoecuménica da Igreja católica, aomesmo tempo que encoraja a refle-xão sobre o papel de João Paulo IIno desenvolvimento do caminhoecuménico. Da leitura dos seus tex-tos, mais do que das interpretaçõesque lhes foram dadas, mesmo nasúltimas semanas, que parecem resul-tar da avaliação de um único gesto ede uma só palavra, pode-se verquanto foi prioritário o empenhodiário de João Paulo II na constru-ção da unidade visível da Igreja.Compromisso, construção, unidadealimentada por uma conversão docoração de todos os cristãos, reto-mando assim um tema recuperadodo Vaticano II, da descoberta deuma relação privilegiada com o povojudeu, na distinção profunda entrecaminho ecuménico e diálogo inter-religioso, na descoberta da própriaidentidade como premissa indispen-sável e fundamental para viver a uni-dade na diversidade.Pormenor da primeira página de 31 de maio de 1995

Page 12: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Carta ao presidente do pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos

Gestos proféticos pelo caminho da unidadeO Espírito Santo «inspire novos gestosproféticos e fortaleça a caridadefraterna entre todos os discípulos deCristo». Eis os bons votos com osquais termina a carta que o Papaenviou ao cardeal Kurt Koch,presidente do pontifício Conselho paraa promoção da unidade dos cristãos,por ocasião do vigésimo quintoaniversário da encíclica “Ut unumsint”, de João Paulo II: um texto,frisou Francisco, que confirma «demodo irreversível o compromissoecuménico da Igreja católica».Publicamos a nossa tradução da carta,que foi divulgada na manhã de 25 demaio.

Ao amado IrmãoCardeal KURT KOCH

Presidente do Pontifício Conselhopara a Promoção

da Unidade dos CristãosAmanhã completam-se vinte e cincoanos desde que São João Paulo IIassinou a Carta Encíclica Ut unumsint. Com o olhar dirigido para ohorizonte do Jubileu do Ano 2000,ele queria que a Igreja, no seu cami-nho rumo ao terceiro milénio, tivessebem presente a premente oração doseu Mestre e Senhor: «Que sejamum só!» (cf. Jo 17, 21). Por isso es-creveu esta Encíclica, que confirmou«de maneira irreversível» (UUS, n. 3)o compromisso ecuménico da Igrejacatólica. Publicou-a na Solenidadeda Ascensão do Senhor, colocando-asob o sinal do Espírito Santo, artífi-ce da unidade na diversidade, e éneste mesmo contexto litúrgico e es-piritual que a comemoramos e a vol-tamos a propor ao Povo de Deus.

O Concílio Vaticano II re c o n h e c e uque o movimento em vista do resta-belecimento da unidade de todos oscristãos «surgiu pela graça do Espí-rito Santo» (Unitatis redintegratio, 1).Afirmou também que o Espírito, en-quanto «realiza a diversidade de gra-ças e de ministérios», é «o princípioda unidade da Igreja» (ibid., n. 2). Ea Ut unum sint reitera que «a diver-sidade legítima não se opõe de mo-do algum à unidade da Igreja mas,pelo contrário, aumenta a sua digni-dade e contribui em grande medidapara o cumprimento da sua missão»(n. 50). Com efeito, «só o EspíritoSanto pode suscitar a diversidade, amultiplicidade e, ao mesmo tempo,realizar a unidade [...] É Ele quemharmoniza a Igreja» porque, comodiz São Basílio Magno, «Ele mesmoé a harmonia» (Homilia na Catedralcatólica do Espírito Santo, Istambul,29 de novembro de 2014).

Neste aniversário, dou graças aoSenhor pelo caminho que Ele nosconcedeu percorrer como cristãos,em busca da plena comunhão. Tam-bém eu compartilho a impaciênciasaudável daqueles que, às vezes,pensam que poderíamos e devería-mos esforçar-nos mais. No entanto,não nos deve faltar fé e reconheci-mento: ao longo destas décadas fo-ram dados muitos passos para curarferidas seculares e milenares; aumen-taram o conhecimento e a estima re-cíprocos, ajudando a superar precon-ceitos enraizados; desenvolveram-se

os diálogos da teologia e da carida-de, bem como várias formas de cola-boração no diálogo da vida, nos pla-nos pastoral e cultural. Neste mo-mento dirijo o meu pensamento aosmeus queridos Irmãos colocados àfrente das várias Igrejas e Comuni-dades cristãs; e abrange todos os ir-mãos e irmãs de cada tradição cristã,que são os nossos companheiros deviagem. Como os discípulos deEmaús, podemos sentir a presençade Cristo ressuscitado, que caminhaao nosso lado e nos explica as Escri-turas, e reconhecê-lo na fração do

pão, à espera de partilharmos juntosa Mesa eucarística.

Renovo a minha gratidão a quan-tos atuaram e trabalham neste Di-castério para manter viva na Igreja aconsciência desta meta irrenunciável.Tenho o prazer de recordar, em par-ticular, duas iniciativas recentes. Aprimeira é um Vade-mécum ecuménicopara Bispos, que será publicado nopróximo outono, como incentivo eorientação para o exercício das suasresponsabilidades ecuménicas. Comefeito, o serviço da unidade constitui

um aspeto essencial da missão doBispo, que é «o princípio e o funda-mento visível da unidade» na suaIgreja particular (Lumen gentium, 23;cf. CDC, 383 § 3; CDCIO, 902-908). Asegunda iniciativa é o lançamento darevista Acta Œcumenica que, reno-vando o Serviço de Informação doDicastério, se propõe como subsídiopara aqueles que trabalham ao servi-ço da unidade.

No caminho que conduz à plenacomunhão é importante recordar avereda percorrida, mas é igualmenterelevante perscrutar o horizonte fa-zendo, com a Encíclica Ut unumsint, esta pergunta: «Quanta est nobisvia?» (n. 77), «quanto caminho nosresta a percorrer?». Uma coisa é cer-ta: a unidade não é principalmente oresultado da nossa ação, mas é domdo Espírito Santo. No entanto, «elanão chegará como um milagre, nofinal: a unidade vem a caminho, oEspírito Santo fá-la a caminho»(Homilia nas Vésperas, São Paulo Fo-ra dos Muros, 25 de janeiro de2014). Portanto, invoquemos comconfiança o Espírito, a fim de queEle oriente os nossos passos e cadaum sinta com renovado vigor a cha-mada a trabalhar pela causa ecumé-nica; Ele inspire novos gestos profé-ticos e fortaleça a caridade fraternaentre todos os discípulos de Cristo,«para que o mundo creia» (Jo 17, 21)e se multiplique o louvor ao Pai queestá nos Céus.

Vaticano, 24 de maio de 2020.

Nova embaixadora da Argentinaapresentou as credenciais

Na manhã de sábado, 23 de maio, o Papa Francisco recebeu em audiência Sua Excelência a senhora MaríaFernanda Silva, nova Embaixadora da Argentina, por ocasião da apresentação

das Cartas com as quais é acreditada junto da Santa Sé

Sua Excelência a senhora María Fernanda Silva, novaembaixadora da República Argentina junto da SantaSé, nasceu a 20 de dezembro de 1965. Formada emciências políticas com especialização em relações in-ternacionais pela Pontifícia universidade católica deBuenos Aires, entrou na carreira diplomática a 1 de ja-neiro de 1993, desempenhando, entre outros, os se-guintes cargos: funcionária do ministério dos Negó-

secretaria de Política latino-americana (outubro de2014), ministra extraordinária e plenipotenciária deprimeira classe, e encarregada interina dos Negóciosna embaixada junto da Santa Sé (2015), deputy juntodos três organismos das Nações Unidas com sede emRoma: Fao, Fundo Internacional para o Desenvolvi-mento Agrícola — Fida, e Programa alimentar mun-dial — Pma (2016).

Georges Rouault, «Os discípulos de Emaús»

cios estrangeiros (Mne) nadireção da América doSul, segunda secretária daembaixada no Chile, dele-gada junto da Comissãoeconómica para a AméricaLatina (Cepal), primeirasecretária do Mne na dire-ção da Europa ocidental,conselheira no Gabinetedo ministro dos NegóciosEstrangeiros, conselheira esubdiretora para os Negó-cios regionais, chefe da se-ção Política na embaixadana Venezuela (2007), se-cretária-geral da Uniãodas nações sul-americanas(Unasur), com sede emQuito, na qualidade de re-presentante da Argentina(2012), responsável peladireção do Caribe na sub-

Page 13: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

Congregação para as causas dos santos

Promulgação de decretos

No dia 26 de maio, o Santo Padre Francisco recebeu em audiência o se-nhor cardeal Angelo Becciu, prefeito da Congregação para as causas dossantos. Durante a audiência, o Sumo Pontífice autorizou a mesma Con-gregação a promulgar os seguintes Decretos, relativos:

— ao milagre, atribuído à intercessão do Beato Cesare de Bus, sacerdo-te, fundador da Congregação dos padres da Doutrina cristã (Doutriná-rios); nascido a 3 de fevereiro de 1544 em Cavaillon (França) e falecidoem Avignon (França), em 15 de abril de 1607;

— ao milagre, atribuído à intercessão do Beato Charles de Foucauld(chamado Carlos de Jesus), sacerdote diocesano; nascido em Estrasburgo(França) em 15 de setembro de 1858 e falecido em Tamanrasset (Argélia)no dia 1 de dezembro de 1916;

— ao milagre, atribuído à intercessão da Beata Maria Domingas Man-tovani, cofundadora e primeira superiora-geral do Instituto das pequenasirmãs da Sagrada Família; nascida em 12 de novembro de 1862 em Castel-letto di Brenzone (Itália) e aí falecida a 2 de fevereiro de 1934;

— ao milagre, atribuído à intercessão do Venerável Servo de Deus Mi-chael McGivney, sacerdote diocesano, fundador da Ordem dos Cavaleirosde Colombo, v.d. The Knights of Columbus; nascido em 12 de agosto de1852 em Waterbury (Estados Unidos da América) e falecido em Thomas-ton (Estados Unidos da América) no dia 14 de agosto de 1890;

— ao milagre, atribuído à intercessão da Venerável Serva de Deus Pau-line Maria Jaricot, fundadora das Obras do “Conselho para a propagaçãoda fé” e do “Rosário vivo”; nascida a 22 de julho de 1799 em Lyon (Fran-ça) e aí falecida em 9 de janeiro de 1862;

— ao martírio dos Servos de Deus Simeone Cardon e 5 companheiros,religiosos professos da Congregação cisterciense de Casamari (Itália);mortos por ódio à Fé em Casamari, de 13 a 16 de maio de 1799;

— ao martírio do Servo de Deus Cosma Spessotto (no século: Sante),sacerdote professo da Ordem dos frades menores; nascido em Mansué(Itália), a 28 de janeiro de 1923, e morto por ódio à Fé em San Juan No-nualco (El Salvador), em 14 de junho de 1980; e

— às virtudes heróicas do Servo de Deus Melchior Maria de MarionBrésillac, bispo titular de Prusa, ex-vigário apostólico de Coimbaore, fun-dador da Sociedade das missões africanas; nascido em 2 de dezembro de1813 em Castelnaudary (França) e falecido em Freetown (Serra Leoa) nodia 25 de junho de 1859.

Fé, dom divino e resposta humanaLUÍS EUGÊNIO SANÁBIO E SOUZA*

O que é a fé ? A fé é um dom so-brenatural que Deus concede gratui-tamente ao homem. Considerandoque a livre iniciativa de Deus pede alivre resposta do homem, podemosentender que a fé é também um atoautenticamente humano. Na fé, a in-teligência e a vontade humanas coo-peram com a graça divina. Para ex-plicar isso, uma expressão em latimesclarece : “Credere est actus intellectusassentientis veritati divinae ex imperiovoluntatis a Deo motae per gratiam“ —“Crer é um ato da inteligência queassente à verdade divina a mando davontade movida por Deus através dagraça” (S. Tomás de Aquino, S . Th .II-II,2, 9). Embora sublinhando o ca-ráter sobrenatural da fé, a Igreja Ca-tólica também destaca o valor da ra-cionabilidade da fé.

No século I V, Santo Agostinho ex-plicou que a fé, se não for pensada,nada é, ou seja, crer nada mais é se-não pensar consentindo; todo o quecrê pensa; crendo, pensa e pensan-do, crê. Se se tira o assentimento, ti-ra-se a fé, pois, sem o assentimento,realmente não se crê (Santo Agosti-nho, De fide, spe et caritate, 7: CCL64, 61.). A fé transcende a razão,mas ela também tem uma dimensãoracional. A teologia é a reflexão ra-cional sobre a revelação divina, quea Igreja aceita pela fé como verdadesalvífica universal. No século XII,Santo Anselmo recordou que “Fides

quaerens intellectum” — “a fé procurac o m p re e n d e r ”. Assim, um conheci-mento mais penetrante despertarápor sua vez uma fé maior, cada vezmais ardente de amor.

Mas o motivo de crer não é o fatode as verdades reveladas por Deusaparecerem como verdadeiras e inte-ligíveis à luz de nossa limitada razãonatural. Aquele que crê, crê por con-fiança na autoridade de Deus querevela e não pode nem enganar-se,nem enganar-nos. Segundo a famosaexpressão de Santo Agostinho, “in-tellige ut credas: crede, ut intelligas” —“eu creio para compreender, e com-preendo para melhor crer”. Sem dú-vida, as verdades da fé podem pare-cer obscuras à razão e à experiênciahumanas, mas “maior est certitudoquae est per divinum lumen, quamquae est per lumen rationis naturalis”— “a certeza dada pela luz divina émaior que a que é dada pela luz darazão natural” (S. Tomás de Aqui-no). Então, dez mil dificuldades nãofazem uma única dúvida (dizia omemorável Cardeal Newman no sé-culo XIX).

A fé é distinta da razão. No sécu-lo XIX, o Concílio Vaticano I re c o r -dou que existem duas ordens de co-nhecimento, distintas não apenas pe-lo seu princípio, mas também peloseu objeto. Pelo seu princípio, por-que, se num conhecemos pela razãonatural, no outro, fazemo-lo pormeio da fé divina; pelo objeto, por-que, além das verdades que a razãonatural pode compreender, é-nos

proposto ver os mistérios escondidosem Deus, que só podem ser conheci-dos se nos forem revelados do Alto(Concílio Vaticano I: D F, IV). Essemesmo Concílio explicou que aindaque a fé esteja acima da razão, nãopoderá jamais haver verdadeira de-sarmonia entre uma e outra, por-quanto o mesmo Deus que revela osmistérios e infunde a fé, dotou o es-pírito humano da luz da razão(Concílio vaticano I : D F, IV parágra-fo 3).

A Igreja Católica ensina que a féé um ato pessoal e ao mesmo tempoeclesial. A fé da Igreja precede, gera,

sustenta e alimenta a fé dos fiéis.Por isso, a Igreja é “Mater et Magis-t ra ”, isto é, “Mãe e Mestra” de todosos crentes. Assim, no século III, SãoCipriano pôde dizer que ninguémpode ter a Deus por Pai, que não te-nha a Igreja por mãe. O ato de fé épor sua natureza voluntário. Por is-so, a Igreja afirma que jamais é lícitoa alguém levar os homens a abraçara fé católica por coação, contra aprópria consciência (Código de Di-reito Canônico, cân. 748 § 2).

Escritor

O grupo francês foi acompanhado pelo ardeal Barbarin

Audiência do Papaà comunidade Làzare

Na manhã de sexta-feira, 29 de maio, o Papa recebeu em audiência na Casa Santa Marta umadelegação da comunidade francesa Làzare, que desde 2011 promove experiências de vida comum, emapartamentos partilhados, entre jovens e pessoas que viveram na rua. Com o grupo — acompanhado

pelo cardeal Philippe Barbarin, arcebispo emérito de Lyon — o Pontífice entreteve-se longamente,respondendo às perguntas dos presentes sobre diversos temas.

Page 14: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

número 22, terça-feira 2 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕES

AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 23 de maioSua Ex.cia a Sra. María FernandaSilva, Embaixadora da Argentina,para a apresentação das Cartas Cre-denciais.O Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; e D. Claudio Maniago, Bis-po de Castellaneta (Itália).Sua Ex.cia o Dep. Nicola Zingaretti,Presidente da Região do Lácio (Itá-lia).

No dia 26 de maioO Senhor Cardeal Angelo Becciu,Prefeito da Congregação para asCausas dos Santos.

No dia 28 de maioO Senhor Cardeal Luis FranciscoLadaria Ferrer, Prefeito da Congre-gação para a Doutrina da Fé; D. An-tonio De Luca, Bispo de Teggiano-Policastro (Itália); e D. Stefano Rus-so, Bispo Emérito de Fabriano-Ma-telica, Secretário-Geral da Conferên-cia Episcopal Italiana.Sua Ex.cia o Sr. Carlos Ávila Moli-na, Embaixador de Honduras, emvisita de despedida.

RenúnciasO Sumo Pontífice aceitou a renúncia:

A 23 de maioDe D. Edmundo Luis Flavio Abas-toflor Montero, ao governo pastoralda Arquidiocese Metropolitana deLa Paz (Bolívia).De D. John Hung Shan-chuan,S.V.D., ao governo pastoral da Arqui-diocese Metropolitana de Taipei( Ta i w a n ) .

A 27 de maioDe D. Eugène Lambert Adrian Ri-xen, ao governo pastoral da Diocesede Goiás (Brasil).

NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

No dia 21 de maio

Núncio Apostólico na Bielorrússia,D. Ante Jozić, Arcebispo TitularEleito de Cissa.

No dia 22 de maioBispo Auxiliar da Arquidiocese Me-tropolitana de Lublin (Polónia), oR e v. do Cón. Adam Piotr Bab, do cle-ro da mesma Sede, até agora Párocoda Paróquia de São José e Diretordo Departamento para a Pastoral Ju-venil, simultaneamente eleito BispoTitular de Arna.

D. Adam Piotr Bab nasceu a 30 dedezembro de 1974 em Lublin, na Poló-nia, e foi ordenado Sacerdote em 22 demaio de 1999.

No dia 23 de maioArcebispo Metropolitano de La Paz(Bolívia), D. Percy Lorenzo GalvánFlores, até esta data Bispo Preladoda Prelazia Territorial de Corocoro.Arcebispo Metropolitano de Taipei(Taiwan) e Administrador Apostóli-co das Ilhas Kinmen ou Quemoy eMatsu, D. Thomas An-Zu Chung,até à presente data Bispo de Kiayi.

No dia 25 de maioMembro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências, Sua Ex.cia oProf. Eric Steven Lander, Presidentee Diretor Fundador do “Broad Insti-tute of Massachusetts Institute ofTechnology and Harvard” (Cam-bridge, Estados Unidos da Améri-ca).

No dia 26 de maioBispo de Wagga Wagga (Austrália),D. Mark Stuart Edwards, O.M.I., atéhoje Bispo Titular de Garba e Auxi-liar da Arquidiocese de Melbourne.Bispo de San Felipe (Chile), oR e v. do Pe. Gonzalo Arturo Bravo Sa-lazar, do clero da Diocese de Valpa-raíso, até esta data Pároco da Paró-quia de “El Salvador del Mundo”em La Matriz — Valparaíso e Deca-no da Faculdade Eclesiástica de Teo-logia da Pontifícia Universidade Ca-tólica de Valparaíso.

D. Gonzalo Arturo Bravo Salazarnasceu em Valparaíso, no Chile, a 30de dezembro de 1962, e recebeu a Or-denação sacerdotal no dia 12 de outu-bro de 1997.

Bispo Auxiliar da Arquidiocese Me-tropolitana de Santiago (Chile), oR e v. do Pe. Julio Esteban LarrondoYáñez, do clero da mesma Sede, atéagora Pároco da Paróquia de “Nues-tra Señora de Lourdes” e VigárioEpiscopal do setor sul de Santiago,simultaneamente eleito Bispo Titularde Magarmel.

D. Julio Esteban Larrondo Yáñeznasceu em em Santiago, no Chile, em23 de agosto de 1959, e foi ordenadoPresbítero a 12 de dezembro de 1992.

Bispo Auxiliar da Arquidiocese deAlba Iulia (Roménia), o Rev.do Pe .László Kerekes, do clero da mesma

Sede, até à presente data Pároco daParóquia do Beato Eusébio, em Târ-gu Secuiesc, simultaneamente eleitoBispo Titular de Tharros.

D. László Kerekes nasceu em 23 dejulho de 1968, em Ghelinţa (Gelence),na Roménia, e recebeu a Ordenaçãopresbiteral no dia 16 de maio de 1993.

No dia 27 de maioBispo da Diocese de Goiás, no Bra-sil, o Rev.do Pe. Jeová Elias Ferreira,do clero da Arquidiocese de Brasília,até hoje Vigário-Geral e Pároco daParóquia de Nossa Senhora de Na-zaré, em Planaltina-D F.

D. Jeová Elias Ferreira nasceu em24 de agosto de 1961 em Sobral, noEstado do Ceará (Brasil). Concluiu osestudos de Filosofia e Teologia no semi-nário Nossa Senhora de Fátima, naArquidiocese de Brasília. Em seguida,obteve a licenciatura em Teologia pasto-ral em Bogotá (Colômbia). Foi ordena-do Sacerdote no dia 30 de novembro de1991 e incardinado na Arquidiocese deBrasília, onde desempenhou os seguintescargos: administrador da quase-paró-quia Nossa Senhora das Graças, emSamambaia-DF; pároco das paróquiasda Santíssima Trindade, em Ceilândia-DF, e de Nossa Senhora do Rosário deFátima, em Sobradinho-DF; membrodos conselhos pastoral, presbiteral e pa-ra os assuntos financeiros; e vigárioepiscopal.

Bispo Auxiliar da Arquidiocese Me-tropolitana de São Sebastião do Riode Janeiro (Brasil), o Rev.do Pe. Cé-lio da Silveira Calixto Filho, do cle-ro da mesma Sede, até esta data Pá-roco da Paróquia de Nossa Senhorade Fátima, no Vicariato EpiscopalSuburbano, simultaneamente eleitoBispo Titular de Segia.

D. Célio da Silveira Calixto Filhonasceu no dia 8 de maio de 1973 emPassos, diocese de Guaxupé-MG. Antesde iniciar a formação para o sacerdó-cio, estudou Engenharia mecânica naUniversidade Federal do Rio de Janei-ro. Depois concluiu os estudos de Filo-sofia na faculdade “João Paulo II”, noRio de Janeiro (1996-1997), e de Teo-logia no Instituto superior de Teologia,no Rio de Janeiro (1998-2001). Alémdisso, frequentou um curso de especiali-zação em História da filosofia na fa-culdade de São Bento, no Rio de Ja-neiro, obtendo a licenciatura em Teolo-gia na Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio de Janeiro (2014). Recebeua Ordenação sacerdotal em 28 de se-tembro de 2002 e foi incardinado naarquidiocese de São Sebastião do Riode Janeiro, onde desempenhou as se-guintes funções: vigário paroquial deSão José Operário; vigário forâneo dasegunda forania do vicariato de Leo-poldina; diretor espiritual do seminárioarquidiocesano São José; e membro docabido dos cónegos da Catedral metro-politana de São Sebastião do Rio deJ a n e i ro .

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 20 de novembro de 2019D. André Jin Daoyuan, Bispo “semjurisdição” da Diocese de Chang-

zhi/Luan, em Shanxi (China Conti-nental).

O saudoso Prelado nasceu a 13 dejunho de 1929, no povoado de Beishe,distrito de Lucheng, na China Conti-nental. Recebeu a Ordenação presbite-ral no dia 1 de julho de 1956. No gra-ve contexto dos anos 50, foi preso epermaneceu no cárcere por aproxima-damente treze anos. Recordado comoPastor devoto e zeloso para com o seupovo, dedicou-se em particular à pasto-ral vocacional, contribuindo para for-mar muitos sacerdotes e religiosas e, aomesmo tempo, para construir váriosedifícios de culto da Diocese de Chang-zhi/Luan.

A 23 de marçoD. José Ma Zhongmu, Bispo Eméri-to de Yinchuan/Ningxia (ChinaContinental), não reconhecido peloGoverno. Foi o primeiro, e até agoraúnico, Bispo de etnia mongol.

O venerando Prelado nasceu no dia1 de novembro de 1919, no povoado deChengchuan (Mongólia Interior), ondevivia desde 2005. Foi ordenado Sacer-dote em 31 de julho de 1947. Em1958, depois de ter recusado a aderir àAssociação patriótica, foi condenado atrabalhos forçados. Tendo sido libertadodez anos mais tarde, obrigaram-no con-tudo a trabalhar como operário na suaaldeia, numa instalação de gestão daágua. Recebeu a Ordenação episcopal a8 de novembro de 1983 e foi destinadoao cuidado pastoral dos fiéis de etniamongol de Yinchuan/Ningxia. Muitoamado pelos membros da comunidade,dedicou-lhe um catecismo e outros tex-tos de doutrina no próprio idioma e,com a ajuda de alguns fiéis, traduziuem língua mongol o Novo Testamento eo Missal Romano.

A 7 de maioD. José Zhu Baoyu, Bispo Eméritode Nanyang, Henan (China Conti-nental).

O ilustre Prelado nasceu a 2 de ju-lho de 1921, em Pushan, Henan, naChina Continental. Recebeu a Ordena-ção sacerdotal em 1957. Por causa dasua fé, de 1964 a 1967 foi condenadoa trabalhos forçados e, em 1981, nova-mente a dez anos de trabalhos, comoantirrevolucionário. No dia 19 de mar-ço de 1995, festividade de São José, foiordenado Bispo Coadjutor de Na-nyang, cujo governo pastoral assumiuem 23 de novembro de 2002.

A 23 de maioD. Johann Weber, Bispo Emérito deGraz-Seckau (Áustria).

O saudoso Prelado nasceu em Graz,na Áustria, a 26 de abril de 1927. Foiordenado Presbítero em 2 de julho de1950 e recebeu a Ordenação episcopalno dia 22 de setembro de 1969.

A 26 de maioD. Óscar Lino Lopes Fernandes,Bispo Emérito de Benguela, em An-gola.

O ilustre Prelado nasceu em Malan-je (Angola), no dia 30 de setembro de1931. Recebeu a Ordenação sacerdotalem 26 de julho de 1964 e foi ordenadoBispo a 2 de fevereiro de 1975. Renun-ciou a governo pastoral da sua Dioceseno dia 18 de fevereiro de 2008.

Page 15: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coronavírus: de facto, a 1 de março, primeiro domingo de Quaresma, foi a última vez que o Pontífice recitou a prece

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 2 de junho de 2020, número 22

No final da tarde de sábado, 31 de maio, vigíliado domingo de Pentecostes, o Santo Padrepresidiu à recitação do Santo Rosário na Grutade Lurdes dos Jardins do Vaticano. Uniram-seao Papa Francisco, nesse momento de oraçãotransmitido em mundovisão, os Santuáriosmarianos. As contas do Rosário foram recitadaspor algumas mulheres e homens em representaçãode várias categorias de pessoas particularmenteatingidas pela emergência causada pela Covid-19. Um médico e uma enfermeira, uma pessoaque se curou e outra que perdeu um familiar, umsacerdote capelão hospitalar, uma religiosaenfermeira, uma farmacêutica, uma jornalista,um voluntário da Proteção Civil e uma jovemfamília à qual, precisamente neste período, nasceuum filho. O Papa introduziu o Rosário com aseguinte prece.

Ó Maria,Tu resplandeces sempre no nosso caminhocomo um sinal de salvação e de esperança.Confiamo-nos a ti, Saúde dos enfermos,que permaneceste, junto da cruz, associada aosofrimento de Jesus,mantendo firme a tua fé.Tu, Salvação do povo romano,sabes do que precisamose temos a certeza de que no-lo providenciaráspara que, como em Caná da Galileia,possam voltar a alegria e a festadepois desta provação.Ajuda-nos, Mãe do Divino Amor,a conformar-nos com a vontade do Paie a fazer aquilo que nos disser Jesus,que assumiu sobre si as nossas enfermidadese carregou as nossas dorespara nos levar, através da cruz,à alegria da ressurreição. Amém!À tua proteção, recorremos, Santa Mãe deD eus;não desprezes as nossas súplicas na hora dap ro v a ç ã omas livra-nos de todos os perigos, ó Virgemgloriosa e bendita.

Após a oração do Terço, o Santo Padre recitou aseguinte oração a Maria.

À tua proteção recorremos, Santa Mãe deD eus.Na dramática situação atual, carregada de so-frimentos e angústias que oprimem o mundointeiro, recorremos a ti, Mãe de Deus e nossaMãe, refugiando-nos sob a tua proteção.Ó Virgem Maria, volve para nós o teu olharmisericordioso nesta pandemia do coronavíruse conforta quantos se sentem perdidos e cho-ram os seus familiares mortos e, por vezes, se-pultados de uma maneira que fere a alma.Sustenta aqueles que estão angustiados porpessoas enfermas de quem não se podemaproximar, para impedir o contágio. Infundeconfiança em quem vive ansioso com o futuroincerto e as consequências sobre a economia eo trabalho.Mãe de Deus e nossa Mãe, alcança-nos deDeus, Pai de misericórdia, que esta dura pro-vação termine e volte um horizonte de espe-rança e paz. Como em Caná, intervém juntodo teu Divino Filho, pedindo-lhe que confor-te as famílias dos doentes e das vítimas e abrao seu coração à confiança.Protege os médicos, os enfermeiros, os agen-tes de saúde e os voluntários que, neste perío-do de emergência, estão na vanguarda, arris-

cando a própria vida para salvar outras vidas.Acompanha a sua fadiga heroica e dá-lhes for-ça, bondade e saúde.Permanece junto daqueles que assistem noitee dia os doentes, e dos sacerdotes que procu-ram ajudar e apoiar todos, com solicitude pas-toral e dedicação evangélica.Virgem Santa, ilumina as mentes dos homense mulheres de ciência, a fim de encontraremas soluções justas para vencer este vírus.Assiste os responsáveis das nações, para queatuem com sabedoria, solicitude e generosida-de, socorrendo aqueles que não têm o neces-sário para viver, programando soluções sociaise económicas com clarividência e espírito desolidariedade.Maria Santíssima toca as consciências paraque as somas enormes usadas para aumentar eaperfeiçoar os armamentos sejam, ao contrá-

rio, destinadas a promover estudos adequadospara prevenir catástrofes deste género no futu-ro .Mãe amadíssima, faz crescer no mundo o sen-tido de pertença a uma única grande família,na certeza do vínculo que une todos, paraacudirmos, com espírito fraterno e solidário, atanta pobreza e a inúmeras situações de misé-ria. Encoraja a firmeza na fé, a perseverançano serviço, a constância na oração.Ó Maria, Consoladora dos aflitos, abraça to-dos os teus filhos atribulados e alcança-nos agraça que Deus intervenha com a sua mãoomnipotente para nos libertar desta terrívelepidemia, de modo que a vida possa retomarcom serenidade o seu curso normal.Confiamo-nos a ti, que resplandeces sobre onosso caminho como sinal de salvação e deesperança, ó clemente, ó piedosa, ó doce Vir-gem Maria. Amém!

Recitação do rosário nos Jardins do Vaticano em ligação com os santuários mundo

Mãe do Divino Amorlivra-nos de todos os perigos

Saudaçãono final da prece

No final da recitação do Rosário, o SantoPadre pronunciou estas palavras.

Dizem-me que estão ligados muitos san-tuários da América Latina, e gostaria dedirigir uma saudação em espanhol.

Em todos vós, nos Santuários daAmérica Latina, vejo Guadalupe e mui-tos outros, que estão em ligação connos-co, unidos em oração. Saúdo-vos na mi-nha língua materna. Obrigado por es-tardes próximos de todos nós.

Que a nossa Mãe de Guadalupe nosacompanhe!