Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale...

15
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 16 (2.512) Cidade do Vaticano quinta-feira 19 de abril de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +{!"!&!#!]! Durante o Regina caeli Francisco renovou o apelo aos responsáveis políticos mundiais Ação comum pela paz E invocou respeito e tratamentos adequados para Vincent Lambert e para Alfie Evans Debate francês sobre o final da vida Opor-se à eutanásia à obstinação e ao abandono CONTINUA NA PÁGINA 5 LUCETTA SCARAFFIA N a França, onde se intensifi- cam os trabalhos dos Esta- dos gerais da bioética, a propósito de um importante docu- mento sobre o final da vida, apre- sentado pelo Conseil économique, social et environnemental (Cese), muito esperado pela opinião públi- ca, aconteceu aquilo que à primeira vista pode parecer um lamentável incidente. Com efeito, as organiza- ções católicas votam de modo di- verso: as Associations familiales ca- tholiques (Afc) pareciam até favo- ráveis à eutanásia e ao suicídio as- sistido, enquanto que outras, as ju- venis, evitaram a decisão, declaran- do-se despreparadas sobre o tema. Não há dúvida que a situação, como foi denunciado pelas Afc que falaram de «comunicação desleal», foi forçada, ou até manipulada pe- los meios de comunicação, com a finalidade de realçar uma divisão no mundo católico, onde na reali- dade há apenas uma diversidade de pensamento sobre o modo de enfrentar situações complexas. Cla- reza sobre o tema veio da Société française d’accompagnement et des soins palliatifs (Sfap), associação para o acompanhamento e os trata- mentos paliativos, que comentou positivamente os primeiros onze pontos do documento, ou seja, aqueles que coincidem com a lei Claeys-Leonetti de 2016 e com a sua atuação, enquanto que desa- provou os pontos 12, 13 e 14, que parecem contradizer os preceden- tes, propondo claramente interven- ções eutanásicas. Este episódio é revelador de uma situação bioética na qual a realida- de das experiências vividas põe diante de situações muito compli- cadas e difíceis, que podem ser de- batidas e interpretadas diversamen- te, mesmo no quadro geral mas abstrato de uma partilha dos prin- cípios da Igreja a este propósito. Portanto, não é por acaso que pre- cisamente as associações das famí- lias, cujos membros vivem uma re- Numa carta aos bispos do Chile o Papa pediu perdão às vítimas dos abusos Dor e vergonha Prefácio do Pontífice Justiça social PÁGINAS 8 E 9 A intuição do ator norte-americano Quando Anthony Quinn previu um Papa argentino GIOVANNI MARIA VIAN NA PÁGINA 10 «Profundamente abalado pela atual situação mundial», o Papa Francisco invocou uma ação mais incisiva por parte da comunidade internacional, que «apesar dos instrumentos à dis- posição», tem «dificuldade em con- cordar uma ação comum a favor da paz na Síria e noutras regiões do mundo». No Regina caeli de domin- go 15 de abril, o Pontífice garantiu a sua oração incessante e convidou «todas as pessoas de boa vontade a continuar a fazer o mesmo. Faço um apelo novamente — disse — a todos os responsáveis políticos, para que prevaleçam a justiça e a paz». O Papa dirigiu o pensamento aos dois jornalistas equatorianos e ao motorista sequestrados e assassina- dos na fronteira com a Colômbia, exprimindo proximidade ao «queri- do povo» do Equador. O Pontífice confiou também às orações dos fiéis «as pessoas que vi- vem, às vezes por muito tempo, em estado de enfermidade grave, assisti- das medicamente nas suas necessida- des primárias». Foi explícita a sua referência aos casos do francês de quarenta e um anos Vincent Lam- bert, que vive há dez anos em esta- do vegetativo, e de Alfie Evans, o menino de vinte e três meses inter- nado em Liverpool por causa de uma doença neurológica degenerati- va para o qual os médicos estabele- ceram a suspensão dos tratamentos. Precedentemente, ao comentar o Evangelho da liturgia dominical, Francisco falou do valor do corpo na luz da ressurreição. E, referin- do-se em particular «às crianças, às mulheres, aos idosos maltratados» recordou que «cada ofensa, ferida ou violência ao corpo do nosso pró- ximo, é um ultraje a Deus criador». Um tema retomado também na ho- milia pronunciada durante a missa na paróquia romana de São Paulo da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da tarde. PÁGINA 5 O Papa sente «dor e vergonha» face aos testemunhos das «muitas vidas crucificadas» por causa dos «graves abusos» cometidos por sacerdotes e consagrados no Chile. Numa carta enviada aos bispos do país depois da «missão especial» realizada nos dias passados pelo arcebispo Char- les Scicluna e pelo sacerdote Jordi Bertomeu Farnós, o Pontífice reco- nhece «os graves erros de avaliação e perceção da situação» que foram feitos «por falta de informações ve- rídicas e equilibradas». E, após «uma atenta leitura das atas», invo- ca dos prelados chilenos «colabora- ção e assistência no discernimento das medidas que deverão ser adota- das a breve, médio e longo prazo a fim de restabelecer a comunhão eclesial no Chile, para remediar na medida do possível o escândalo e restabelecer a justiça». Por isso Francisco convocou a Roma os bis- pos «para dialogar sobre as conclu- sões da supracitada visita e sobre as minhas conclusões». Além disso, es- creve, «desde já peço desculpa a quantos ofendi e espero poder fa- zê-lo pessoalmente, nas próximas semanas, nos encontros que terei com os representantes das pessoas entrevistadas». PÁGINA 7

Transcript of Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale...

Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 16 (2.512) Cidade do Vaticano quinta-feira 19 de abril de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +{!"!&!#!]!

Durante o Regina caeli Francisco renovou o apelo aos responsáveis políticos mundiais

Ação comum pela pazE invocou respeito e tratamentos adequados para Vincent Lambert e para Alfie Evans

Debate francês sobre o final da vida

Opor-se à eutanásiaà obstinação e ao abandono

CO N T I N UA NA PÁGINA 5

LU C E T TA SCARAFFIA

Na França, onde se intensifi-cam os trabalhos dos Esta-dos gerais da bioética, a

propósito de um importante docu-mento sobre o final da vida, apre-sentado pelo Conseil économique,social et environnemental (Cese),muito esperado pela opinião públi-ca, aconteceu aquilo que à primeiravista pode parecer um lamentávelincidente. Com efeito, as organiza-ções católicas votam de modo di-verso: as Associations familiales ca-tholiques (Afc) pareciam até favo-ráveis à eutanásia e ao suicídio as-sistido, enquanto que outras, as ju-venis, evitaram a decisão, declaran-do-se despreparadas sobre o tema.

Não há dúvida que a situação,como foi denunciado pelas Afc quefalaram de «comunicação desleal»,foi forçada, ou até manipulada pe-los meios de comunicação, com afinalidade de realçar uma divisãono mundo católico, onde na reali-dade há apenas uma diversidadede pensamento sobre o modo deenfrentar situações complexas. Cla-reza sobre o tema veio da Sociétéfrançaise d’accompagnement et dessoins palliatifs (Sfap), associaçãopara o acompanhamento e os trata-mentos paliativos, que comentoupositivamente os primeiros onzepontos do documento, ou seja,aqueles que coincidem com a leiClaeys-Leonetti de 2016 e com asua atuação, enquanto que desa-provou os pontos 12, 13 e 14, queparecem contradizer os preceden-tes, propondo claramente interven-ções eutanásicas.

Este episódio é revelador de umasituação bioética na qual a realida-

de das experiências vividas põediante de situações muito compli-cadas e difíceis, que podem ser de-batidas e interpretadas diversamen-te, mesmo no quadro geral masabstrato de uma partilha dos prin-cípios da Igreja a este propósito.Portanto, não é por acaso que pre-cisamente as associações das famí-lias, cujos membros vivem uma re-

Numa carta aos bispos do Chile o Papa pediu perdão às vítimas dos abusos

Dor e vergonha

Prefácio do Pontífice

Justiça social

PÁGINAS 8 E 9

A intuição do ator norte-americano

Quando Anthony Quinnpreviu um Papa argentino

GI O VA N N I MARIA VIAN NA PÁGINA 10

«Profundamente abalado pela atualsituação mundial», o Papa Franciscoinvocou uma ação mais incisiva porparte da comunidade internacional,que «apesar dos instrumentos à dis-posição», tem «dificuldade em con-cordar uma ação comum a favor dapaz na Síria e noutras regiões domundo». No Regina caeli de domin-go 15 de abril, o Pontífice garantiu asua oração incessante e convidou«todas as pessoas de boa vontade acontinuar a fazer o mesmo. Faço umapelo novamente — disse — a todosos responsáveis políticos, para queprevaleçam a justiça e a paz».

O Papa dirigiu o pensamento aosdois jornalistas equatorianos e aomotorista sequestrados e assassina-dos na fronteira com a Colômbia,exprimindo proximidade ao «queri-do povo» do Equador.

O Pontífice confiou também àsorações dos fiéis «as pessoas que vi-vem, às vezes por muito tempo, emestado de enfermidade grave, assisti-das medicamente nas suas necessida-des primárias». Foi explícita a suareferência aos casos do francês dequarenta e um anos Vincent Lam-bert, que vive há dez anos em esta-do vegetativo, e de Alfie Evans, o

menino de vinte e três meses inter-nado em Liverpool por causa deuma doença neurológica degenerati-va para o qual os médicos estabele-ceram a suspensão dos tratamentos.

Precedentemente, ao comentar oEvangelho da liturgia dominical,Francisco falou do valor do corpona luz da ressurreição. E, referin-do-se em particular «às crianças, àsmulheres, aos idosos maltratados»

recordou que «cada ofensa, feridaou violência ao corpo do nosso pró-ximo, é um ultraje a Deus criador».Um tema retomado também na ho-milia pronunciada durante a missana paróquia romana de São Pauloda Cruz em Corviale (páginas 2 e 3),que o Pontífice visitou na parte dat a rd e .

PÁGINA 5

O Papa sente «dor e vergonha» faceaos testemunhos das «muitas vidascrucificadas» por causa dos «gravesabusos» cometidos por sacerdotes econsagrados no Chile. Numa cartaenviada aos bispos do país depois

da «missão especial» realizada nosdias passados pelo arcebispo Char-les Scicluna e pelo sacerdote JordiBertomeu Farnós, o Pontífice reco-nhece «os graves erros de avaliaçãoe perceção da situação» que foram

feitos «por falta de informações ve-rídicas e equilibradas». E, após«uma atenta leitura das atas», invo-ca dos prelados chilenos «colabora-ção e assistência no discernimentodas medidas que deverão ser adota-das a breve, médio e longo prazo afim de restabelecer a comunhãoeclesial no Chile, para remediar namedida do possível o escândalo erestabelecer a justiça». Por issoFrancisco convocou a Roma os bis-pos «para dialogar sobre as conclu-sões da supracitada visita e sobre asminhas conclusões». Além disso, es-creve, «desde já peço desculpa aquantos ofendi e espero poder fa-zê-lo pessoalmente, nas próximassemanas, nos encontros que tereicom os representantes das pessoase n t re v i s t a d a s » .

PÁGINA 7

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assin a t u r a s @ o s s ro m .v a

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

Numa comunidade de periferia

As lágrimas de Emanuele

Te r r ade fronteira

GIANLUCA BICCINI

Escreve-se Corviale, mas lê-se «ser-pentone» [serpentão]. Porque desdequando foi construído este bairroda periferia ocidental de Roma seidentifica com o tristemente conhe-cido «monstro» de cimento comum quilómetro de comprimento:um complexo residencial compostopor dois enormes prédios-dormitó-rio transformados por pontes numúnico edifício de dez andares noqual foram construídos 1200 aparta-mentos. Edificado no início da dé-cada de 80 do século passado aolongo da via Portuense, hoje hospe-da, com grandes dificuldades, cercade sete mil pessoas, principalmenteidosos. E foi aqui que o Papa Fran-cisco no domingo 15 de abril reali-zou a visita pastoral à paróquia deSão Paulo da Cruz.

No início da tarde o bispo deRoma passou de carro ao lado desteexemplo vergonhoso de arquiteturaurbana — símbolo de degradação nacultura de massa, imortalizado tam-bém por filmes — indo em seguidaà vizinha igreja paroquial de viaPoggio Verde. É a segunda comuni-dade romana que o Papa visita em2018.

Portanto mais “uma periferia” edas mais esquecidas, mesmo se opároco, padre Roberto Cassano es-clarece que hoje «já não há a delin-quência do passado» porque «a zo-na foi parcialmente requalificada.Com os dias mais longos passeia-setranquilamente até à noite». Moti-vos de orgulho são a biblioteca mu-nicipal, que conserva treze mil volu-mes e um catálogo bem fornecidode DVD s, a piscina gerida pelas Acli,o futebol social e o protagonismode associações e cooperativas, e dospróprios animadores da paróquia,que propõem diversas iniciativas pa-ra promover a participação dos resi-dentes. «Nós — diz o sacerdote —ajudamos cem famílias pobres, cercade 310 pessoas. Na medida do pos-sível procuramos pagar as contas eos alugueres de quem não conseguefazê-lo».

Não obstante isso, continua a in-sinuar-se uma espécie de descon-fiança não só entre quem consideraCorviale e a sua monotonia umaterra de fronteira da qual se manterdistante; mas entre os próprios ha-bitantes, condenados a um destinode isolamento do resto da cidadepor causa da falência de algumasexperimentações arquitetónicas quena época, também seguindo umacerta orientação ideológica, eramconsideradas inovadoras, mas que,muito depressa, se revelaram catas-tróficas.

Eis por que a chegada do Papa,tal como aconteceu em 1992 com

João Paulo II, pode ser a ocasiãopara um novo impulso. Uma possi-bilidade de resgate há anos espera-da, ou seja, desde quando — antesque o projeto estivesse concluído,devido a numerosos despejos pen-dentes naquele período — começa-ram a chegar as primeiras famílias.Políticas de povoação cegas e insen-satas fizeram afluir para aquela quedeveria ser uma comunidade urbanaautossuficiente, com classes sociaisheterogéneas mas integradas, ape-nas categorias em dificuldade e compoucos recursos: beneficiários daslistas do Instituto autónomo das ca-sas populares (Iacp), desalojados,pessoas provenientes dos bairros delata, ocupantes pertencentes a movi-mentos de luta pela casa, aos quaisse juntaram com o tempo hóspedesirregulares e imigrados.

CO N T I N UA NA PÁGINA 3

Esperança de reinserção

«Quem dera que todos nós pudés-semos chorar como Emanuele quan-do sentimos uma dor como ele temno coração. Ele chorava pelo pai eteve a coragem de o fazer diante denós, porque no seu coração senteamor pelo pai». Emanuele é o me-nino matriculado no segundo anode catecismo para a primeira comu-nhão que se tornou o símbolo davisita do Papa a Corviale. Foi esco-lhido entre as quatro crianças quelhe formularam perguntas durante oprimeiro encontro do Pontífice comesta comunidade de periferia: comos pequenos no campo desportivoda paróquia de São Paulo da Cruz.

Mas no momento de pegar no

microfone Emanuele só conseguiusussurrar «Não consigo!» antes dese debulhar em lágrimas. Franciscoencorajou-o: «Vem cá! Vem contar-me no ouvido». Então o menino le-vantou-se e foi ter com o Papa, quelhe deu um forte abraço consolador.Entre lágrimas e soluços Emanueleconseguiu com voz baixa confiden-ciar-lhe a própria preocupação e, nomeio dos aplausos de todos os pre-sentes, o bispo de Roma revelou:«Pedi a permissão a Emanuele parafazer em público a pergunta — afir-mou — e ele concordou». Em segui-da, leu-a: «Há pouco tempo o meupai faleceu. Ele era ateu, mas fezbatizar os quatro filhos. Era um ho-

mem bom. Meu pai está no céu?».E a resposta de Francisco foi umapequena lição de catecismo: «Quebonito que um filho diga do seupai: “Era bom”... É um belo teste-munho do filho que herdou a forçado pai e, também, teve a coragemde chorar diante de todos nós. Seaquele homem foi capaz de criar fi-lhos assim, é verdade, era um ho-mem bom». Certamente, prosse-guiu, «aquele homem não tinha odom da fé, não era crente, mas bati-zou os filhos. Tinha um bom cora-ção». E agora o menino «tem a dú-vida de que o pai, por não ter sidocrente, não esteja no céu». Contudono final, tranquilizou-o o Papa, «sóDeus diz quem vai para o céu».Mas, perguntou, «como é o coraçãode Deus diante de um pai assim?Como vos parece?». E a resposta deFrancisco foi que «Deus tem umcoração de pai. E diante de um painão crente que foi capaz de batizaros filhos e de lhes dar aquela bon-dade, pensais que Deus seria capazde o deixar longe de si?», pergun-tou, deixando a questão suspensa,para depois prosseguir: «Então,Emanuele, esta é a resposta. Deuscertamente estava satisfeito com oteu pai, porque é mais fácil batizaros filhos quando se é crente, do queos batizar sem o ser... Deus gostoumuito disto. Fala com o teu pai, re-za por ele. Obrigado pela tua cora-gem» concluiu, convidando o audi-tório a recitar o Pai-Nosso. «Falá-mos do pai — disse — e o nosso paié Deus. Rezemos todos ao nosso

Na sala do catecismoo Papa encontrou-secom os detidos enga-jados num projeto deresgate social atravésdo trabalho artesanalnaquela paróquia.Nesta ocasião, o Pa-pa voltou a reafirmarque «qualquer penadeve ter sempre umaesperança», pois«quando o cárcerenão tem uma janelade esperança de rein-serção causa maismal do que bem».

Page 3: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

O pecado envelhece o coraçãoFrancisco visitou a paróquia romana de São Paulo da Cruz em Corviale

Na tarde de 15 de abril, terceiro do-mingo de Páscoa, o Pontífice foi em vi-sita pastoral à paróquia romana deSão Paulo da Cruz em Corviale. Pu-blicamos a seguir a homilia pronuncia-da por Francisco depois da leitura doevangelho de Lucas (24, 35-48), du-rante a missa celebrada na igreja paro-quial.

Os discípulos sabiam que Jesus ti-nha ressuscitado, porque Maria Ma-dalena o dissera de manhã; depoisPedro tinha-o visto; em seguida osdiscípulos que voltaram de Emaústinham contado o encontro com Je-sus ressuscitado. Sabiam-no: ressus-citou e vive. Mas aquela verdadenão tinha entrado no coração. Aque-la verdade, sim, sabiam-na, mas du-vidavam. Preferiam conservar aquelanovidade na mente, talvez. É menosperigoso manter uma novidade namente do que tê-la no coração. Émenos perigoso.

Estavam todos reunidos e o Se-nhor apareceu. E inicialmente elesassustaram-se e pensaram que se tra-tava de um fantasma. Mas Jesus diz-lhes: «Não, vede, tocai-me. Vede aschagas. Um fantasma não tem cor-po. Vede, sou Eu!». Mas por quenão acreditavam? Por que duvida-vam? Há uma palavra no Evangelhoque nos dá a explicação: «Porquedevido à alegria ainda não acredita-vam e ficaram estupefactos...». Devi-do à alegria não conseguiam acredi-tar. Era tanta aquela alegria! Se istoé verdade, é uma alegria imensa!«Ah, eu não acredito. Não consigo».Não podiam acreditar que houvessetanta alegria; a alegria que leva aCristo.

Acontece também a nós quandonos dão uma boa notícia. Antes de areceber no coração dizemos: «É ver-dade? Mas como sabes isso? Onde oouviste?». Fazemo-lo para ter a cer-

teza, porque, se isto é verdade, éuma alegria imensa. Isto acontece anós com coisas pouco significativas,imaginai os discípulos! Era tanta aalegria que era melhor dizer: «Não,não acredito». Mas estava ali! Sim,mas não podiam, não podiam acei-tar; não podiam deixar passar para ocoração aquela verdade que viam. Eno fim, obviamente, acreditaram. É

esta a “juventude renovada” que oSenhor nos dá. Na oração da Coletafalámos disto: a “juventude renova-da”. Nós estamos habituados a enve-lhecer com o pecado... O pecado en-velhece o coração, sempre. Torna oteu coração duro, velho, cansado. Opecado cansa o coração e perdemosum pouco a fé em Cristo Ressuscita-do: «Não, não penso... Isto causaria

tanta alegria... Sim, sim, está vivo,mas está no céu para os seus assun-tos...». Mas os seus assuntos sou eu!Cada um de nós! Mas não somoscapazes de fazer esta ligação.

O apóstolo João, na segunda Lei-tura, diz: «Se alguém pecou temosum advogado junto do Pai». Nãotenhais medo, Ele perdoa. Ele reno-va. O pecado envelhece-nos, mas Je-sus, ressuscitado, vivo, renova-nos. Éesta a força de Jesus ressuscitado.Quando recebemos o sacramento daPenitência é para sermos renovados,para rejuvenescermos. E Jesus res-suscitado faz isto. É Jesus ressuscita-do que hoje está no meio de nós: es-tará aqui no altar; está na Palavra...E no altar estará assim: ressuscitado!É Cristo que nos quer defender, oAdvogado, quando nós pecámos,para nos rejuvenescer.

Irmãos e irmãs, peçamos a graçade acreditar que Cristo está vivo,ressuscitou! Esta é a nossa fé, e seacreditarmos nisto, as outras coisassão secundárias. Esta é a nossa vida,esta é a nossa verdadeira juventude.A vitória de Cristo sobre a morte, avitória de Cristo sobre o pecado.Cristo está vivo. «Sim, sim, agorarecebo a Comunhão...». Mas quan-do recebes a Comunhão, tens a cer-teza de que Cristo está vivo ali, queressuscitou? «Sim, é um pouco depão abençoado...». Não, é Jesus!Cristo está vivo, ressuscitou e per-manece entre nós e se não crermosnisto, nunca seremos bons cristãos,não o podemos ser.

«Mas por que devido à alegriaainda não acreditavam e estavamcheios de admiração». Peçamos aoSenhor a graça de que a alegria nãonos impeça de acreditar, a graça detocar Jesus ressuscitado: tocá-lo noencontro mediante a oração; no en-contro através dos sacramentos; noencontro com o seu perdão que é ajuventude renovada da Igreja; noencontro com os doentes, quando osvamos visitar; com os presos, osmais necessitados, as crianças, osidosos. Se sentirmos vontade de fa-zer algo de bom, é Jesus ressuscita-do que nos impele a isso. É semprea alegria, a alegria que nos faz jo-vens. Peçamos a graça de sermosuma comunidade jubilosa, porquecada um de nós tem a certeza, temfé, encontrou Cristo ressuscitado.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 2

pai, Deus». Animado, o pequenoEmanuele voltou ao seu lugar epouco depois estava entre os minis-trantes que desempenharam o servi-ço junto do altar durante a missa.

As três perguntas anteriores fo-ram formuladas por Leonardo, doprimeiro ano de preparação para acomunhão, e por Carlotta e Edoar-do, respetivamente no primeiro esegundo ano de crisma. Na ordemperguntaram-lhe qual era o seu tre-cho preferido do Evangelho e por-que; se as pessoas que não são bati-zadas se podem considerar filhosde Deus; e como se sentiu quandofoi eleito Papa. A Leonardo o Pon-tífice disse que só responderia«contanto que vós, quando regres-sardes a casa, procureis e leiais otrecho do Evangelho». Depois reve-lou que se trata da narração do en-contro entre Jesus e Mateus: «umespeculador, um traidor da pátria —definiu-o — que cobrava os impos-tos». Depois, prosseguiu, «dava odinheiro ao exército que ocupava aPalestina na época, aos romanos. E

isto é um pecado grave. Uma pes-soa apegada ao dinheiro é terrível».De facto «estas pessoas eram des-prezadas por todos». Mas «Jesuspassa, vê-o e diz-lhe: “Levanta-te,vem”». Assim «aquele traidor, pe-cador», surpreendido, mas no final«levantou-se e seguiu Jesus». Por-tanto, eis o motivo por que Francis-co aprecia este excerto: «Porque —explicou — nele se vê a força queJesus tem para mudar um coração.Este era um dos piores, e no entan-to Jesus conseguiu mudá-lo. Talvezconheçais pessoas que dizem: “nun-ca poderei ser bom, porque tenhomuitas situações às minhas costas,nunca poderei mudar”»; mas «Je-sus é capaz de mudar o mais mal-vado e fazer dele um evangelista,um apóstolo e um santo».

Respondendo a Carlotta, o Papaafirmou que «todos somos filhos deDeus. Também os que acreditamnoutras religiões, distantes, quepossuem ídolos». Até «os mafiosossão filhos de Deus»; só que «prefe-rem comportar-se como filhos dodiabo» e «a diferença» é que«Deus criou todos, amou todos e

colocou no coração de todos aconsciência para reconhecer o beme distingui-lo do mal. Todos sabem,compreendem o que é bom e sadio;até as pessoas que não conhecemJesus» nem «o cristianismo; todostêm isto na alma, porque foi Deusquem o semeou. Mas quando fostebatizada, naquela consciência en-trou o Espírito Santo e reforçou atua pertença a Deus e naquele sen-tido tornaste-te mais filha de Deus,porque és filha de Deus como to-dos, mas também com a força doEspírito Santo». Depois convidou arezar a fim de que os mafiosos«voltem a reconhecer Deus», paraque «se convertam».

Por fim à pergunta sobre a elei-ção, o Pontífice respondeu: «Sósenti que Deus desejava aquilo, le-vantei-me e fui em frente. Não sentinada de espetacular: nem medo,nem alegria especial. O Senhorchama muitas vezes: saudei um devós que está em busca da vocação...Mas quando o Senhor chama, dá-tea paz. É o que se sente quando háuma verdadeira chamada do Se-nhor: paz. Senti paz», concluiu.

Numa comunidade de periferia

Page 4: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

Uso e consumo das imagens no tempo da internet

A cegueirado homo photographicus

GA E TA N O VALLINI

«U m novo renascimento da fotografia»:é o anúncio enfático da recente pu-blicidade de uma famosa marca de

telemóveis ao apresentar a última jóia da casa: umsmartphone com câmara tripla posterior, poten-cializada por uma inteligência artificial. Antesvendiam-se telemóveis capazes de fazer fotogra-fias. Agora vendem-se máquinas fotográficas quetelefonam. É um sinal dos tempos, emblemáticode uma sociedade na qual o culto da imagem pre-domina, fruto da segunda revolução digital, cara-terizada pela supremacia da internet e das redessociais. A aldeia global vive numa “iconosfera”.Facebook, Google, Twitter, Instagram, Snapchatsão os novos mediadores da realidade e transfor-maram-nos em v o y e u rs , em pessoas que observamas vidas dos outros, mas das quais acabamos,mesmo sem querer, por nos sentirmos co-protago-nistas.

O consumo exagerado de produtos de telefoniamóvel, com uma obsolescência — até programada— que se concretiza em poucos meses e gera umacorrida frenética para obter o último modelo, ca-da vez mais eficiente, modificou o nosso modo deser e de nos relacionar com o mundo. O excessode imagens gerado por este turbilhão alimentadopela rede está a fazer com que as próprias ima-gens modifiquem a sua natureza. Tudo isto abre areflexões inéditas sobre a essência e o papel da fo-tografia, mas apresenta também novos desafios,que não são fáceis de enfrentar. Reflexões e desa-fios que são objeto do interessante livro de JoanFontcuberta La furia delle immagini. Note sullapostfotografia (2018, Turim, Einaudi, 233 páginas),que procura conferir um sentido a esta asfixiantemassificação iconográfica, mas também forneceros critérios para gerir o seu fluxo irreprimível.

Fotógrafo, estudioso e crítico, Fontcuberta con-centra a atenção nos modos como a imagem nosfocaliza e nos atinge, frisando a sua perspetiva so-ciológica e antropológica. E parte de uma per-gunta: «Devemos questionar-nos se esta alastra-dora miríade de fotografias não constitua na reali-dade uma espécie de metástase». Um tumor quese desenvolveu provavelmente com a primeira ob-jetiva montada num telemóvel, mas que teve ori-gem com a montagem do primeiro sensor digitalnuma máquina fotográfica, substituindo a velhapelícula e dando assim início à revolução e, con-sequentemente, à era da pós-fotografia. O homop h o t o g ra p h i c u s , a espécie para a qual evoluímos,segundo a definição do estudioso, agora vive nummundo em que «pela primeira vez somos produ-tores e consumidores de imagens». Imagens quejá não são uma mediação com o mundo mas asua matéria-prima, não obstante sejam cada vezmais evasivas e, portanto, difíceis de controlar.

Para Fontcuberta, a pós-fotografia «refere-se àfotografia que flui no espaço híbrido da sociedadedigital e que é consequência da superabundânciavisual». Não estamos na presença da invenção deum processo, mas da demolição de uma cultura,ou seja, «o desmantelamento daquelas modalida-des visuais que a fotografia impôs de maneira pre-dominante por um século e meio». E para que oconceito seja mais claro, o estudioso faz umacomparação com outra passagem para a época re-

volucionária. «A fotografia — explica — provo couna pintura apenas uma mudança de rota, mas nãoa riscou do mapa; exatamente o contrário do queaconteceu entre a pós-fotografia e a fotografia,porque esta última parece que foi eliminada». Pe-lo menos da maneira como a conhecemos até ago-ra.

O evento do digital pôs também o problema damanipulabilidade da foto, que trouxe consigo umceticismo generalizado sobre a veridicidade daimagem e portanto uma rescisão do contrato so-cial com a fotografia até agora aceite, baseado naconfiança na noção de traço fotográfico. Certa-mente, manipulava-se também na câmara escura,mas hoje as possibilidades são praticamente infi-nitas.

Na era da pós-fotografia, escreve Fontcuberta,o mundo transformou-se num espaço dominadopela instantaneidade, pela globalização e peladesmaterialização da autoria no momento em queas noções de originalidade e propriedade estão adesaparecer. Hoje qualquer um pode apropriar-sefacilmente de uma imagem alheia. O lema pareceser: partilhar é melhor do que possuir.

Mas vivemos também num mundo caraterizadopor uma «modernidade acelerada e intensificada,na qual a urgência e a quantidade se tornam qua-lidade». A tal propósito, o estudioso propõe oexemplo de um dos principais jornais de HongKong. Em 2010 demitiu os seus oito fotógrafos

locais e ofereceu máquinas digitais a um grupo deentregadores de pizas a domicílio. Motivo? Che-gavam primeiro. Resumindo, passou-se a ideia deque vale mais uma imagem incerta fotografadapor um amador no momento clou do que uma fo-to perfeita mas inexistente como notícia porqueatrasada. «A partir deste recente exemplo dedarwinismo tecnológico — explica Fontcuberta —deduz-se uma mudança de cânone no fotojorna-lismo: a velocidade prevalece sobre o instante de-cisivo, a rapidez sobre o requinte».

Fotografar é para todos uma nova forma natu-ral de relação com os outros. Neste contexto o fe-nómeno das selfies constitui um sintoma significa-tivo, que «declara a supremacia do narcisismo so-bre o reconhecimento do outro». «Estas fotogra-fias — explica o autor — não são recordações paraconservar mas mensagens para enviar e trocar» e«continuam a alimentar a necessidade psicológicade aumentar a afirmação de si mesmo».

As conclusões não são tranquilizadoras. Comoafirma o crítico de arte José Luis Brea, citado porFontcuberta, «em grande parte as imagens eletró-nicas possuem a qualidade das imagens mentais.Aparecem em lugares dos quais desaparecem logoa seguir. São espectros, meros espectros, alheios aqualquer princípio de realidade». Não existem,desaparecem, ninguém as recorda. Vivem o tempode uma visualização, de um like fugaz. Desta for-ma, hoje as imagens-ícone, que se imprimem namemória coletiva, são cada vez mais raras.

Então em que consiste o valor de uma fotogra-fia num contexto em que todos são fotógrafos?Para o autor, «na capacidade de atribuir a umaimagem uma finalidade e um sentido, fazendo demodo que seja significativa», isto é, útil para umdeterminado uso. Disto resulta que «a autoria — aartisticidade — já não afunda as suas raízes no atofísico da produção, mas no ato mental de norma-lizar os valores que possam conter ou acolher asimagens: que são subentendidos ou que lhe foramatribuídos». Para os fotógrafos “v e rd a d e i ro s ” odesafio é conseguir encontrar rotas novas, na rea-lidade não fáceis, mas capazes de os fazer emergirdeste oceano que engole tudo. Neste sentido comfrequência é útil um olhar externo, capaz de ofe-recer outra perspetiva e de construir um discursoonde houver substância, mas num vazio de pro-grama aparente. Todavia há outra alternativa inte-ressante para a foto de arte: a exploração da web(e dos arquivos) para uma operação de re-media-ção. É o caso, por exemplo, das obras de fotogra-fias que na realidade não fotografam mas criamcom as imagens dos outros.

Portanto, a massificação das imagens subverteuas regras com as quais nos relacionávamos comelas. O risco é que os efeitos de tal massificaçãonos façam perder o controle da situação. «Nummomento em que a imagem constitui o espaço so-cial do homem — sugere Fontcuberta — não pode-mos permitir que saiam do trilho, não podemospermitir que as imagens se revoltem e reajam con-tra nós». Isto é: perdemos a soberania sobre asimagens, devemos recuperá-la. Talvez seja uma vi-são demasiado apocalíptica, certamente provoca-tória, sobre a qual contudo seria bom refletir. Pelomenos para nos reeducar a ver.

Christopher Baker«Hello World!» (2008)

Page 5: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Ofender o corpo ultraja DeusPrece pelos três sequestrados assassinados no Equador

«Cada ofensa ou ferida ou violênciacontra o corpo do nosso próximo é umultraje a Deus Criador», afirmou oPapa Francisco durante o Regina caelirecitado com os fiéis na praça de SãoPedro, ao meio-dia de 15 de abril,terceiro domingo de Páscoa.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!No centro deste terceiro Domingode Páscoa está a experiência do Res-suscitado, feita pelos seus discípulos,todos juntos. Isto é evidenciado es-pecialmente pelo Evangelho, quenos introduz mais uma vez no Cená-culo, onde Jesus se manifesta aosApóstolos, dirigindo-lhes esta sauda-ção: «A paz esteja convosco!» (Lc24, 36). É a saudação de Cristo Res-suscitado, que nos dá a paz: «A pazesteja convosco!». Trata-se tanto dapaz interior, como da paz que se es-tabelece nos relacionamentos entreas pessoas. O episódio narrado peloevangelista Lucas insiste muito sobreo realismo da Ressurreição. Jesusnão é um fantasma. Com efeito, nãose trata de uma aparição da alma deJesus, mas da sua presença real, como Corpo ressuscitado.

Jesus apercebe-se que os Apósto-los se sentem perturbados ao vê-lo,que estão desconcertados, porquepara eles a realidade da Ressurreiçãoé inconcebível. Julgam ver um fan-tasma; mas Jesus Ressuscitado não éum fantasma, é um homem de corpoe alma. Por isso, para os convencer,diz-lhes: «Vede as minhas mãos e osmeus pés — mostra-lhes as chagas! —sou Eu mesmo! Tocai e vede: um es-pírito não tem carne nem ossos, co-mo vedes que Eu tenho» (v. 39). Edado que isto não parece ser sufi-ciente para vencer a incredulidadedos discípulos, o Evangelho diztambém algo interessante: a alegriaque tinham dentro de si era tãogrande que não podiam acreditar:“Não, não pode ser! Não pode serassim! Não é possível tanta alegria!”.E para os convencer, Jesus disse-lhes: «Tendes aqui algo para co-mer?» (v. 41). Eles oferecem-lhe umpouco de peixe assado; Jesus toma-o

e come-o diante deles, para os con-v e n c e r.

A insistência de Jesus sobre a rea-lidade da sua Ressurreição ilumina aperspetiva cristã sobre o corpo: ocorpo não é um obstáculo, nem umaprisão da alma. O corpo é criadopor Deus, e o homem só é completoem união de corpo e alma. Jesus,que venceu a morte e ressuscitou emcorpo e alma, faz-nos entender quedevemos ter uma ideia positiva donosso corpo. Ele pode tornar-se oca-sião ou instrumento de pecado; con-tudo, o pecado não é provocado pe-lo corpo, mas pela nossa debilidademoral. O corpo é um dom maravi-lhoso de Deus, destinado, em uniãocom a alma, a manifestar plenamen-te a imagem e a semelhança d’Ele.Portanto, somos chamados a tergrande respeito e cuidado do nossocorpo e do corpo dos outros.

Cada ofensa ou ferida ou violên-cia contra o corpo do nosso próximoé um ultraje a Deus Criador! Dirijo

o meu pensamento, em particular, àscrianças, às mulheres e aos idososmaltratados no corpo. Na carne des-tas pessoas encontramos o Corpo deCristo. Cristo ferido, desprezado, ca-luniado, humilhado, flagelado, cruci-ficado... Jesus ensinou-nos o amor.Um amor que, na sua Ressurreição,se demonstrou mais forte do que opecado e a morte, e quer resgatar to-dos aqueles que experimentam nopróprio corpo as escravidões do nos-so tempo.

Num mundo onde demasiadas ve-zes prevalecem a prepotência contraos mais frágeis e o materialismo quesufoca o espírito, o Evangelho dehoje chama-nos a ser pessoas capa-zes de olhar em profundidade,cheias de admiração e de grande ale-gria por termos encontrado o Se-nhor ressuscitado. Chama-nos a serpessoas que sabem acolher e valori-zar a novidade de vida que Ele se-meia na história, para a orientar ru-mo aos novos céus e à nova terra.

Que nos ampare neste caminho aVirgem Maria, a cuja intercessão ma-ternal nos entregamos com confian-ça.

No final da oração mariana, depois deter recordado a beatificação do mártirLuciano Botovasoa em Madagáscar, oSanto Padre renovou o seu apelo emprol da paz na Síria. Sucessivamente,convidou os fiéis a rezar pelos trêshomens raptados e assassinados noEquador, e por Vincent Lambert e AlfieEvans, desejando que «cada doenteseja sempre respeitado na suadignidade e cuidado de modoadequado à sua condição».

Caros irmãos e irmãs!Hoje em Vohipeno, em Madagáscar,é proclamado beato o mártir Lucia-no Botovasoa, pai de família, teste-munha coerente de Cristo até ao sa-crifício heroico da vida. Preso e as-sassinado por ter manifestado a suavontade de permanecer fiel ao Se-nhor e à Igreja, representa para to-dos nós um exemplo de caridade ede fortaleza na fé.

Estou profundamente preocupadocom a atual situação mundial naqual, não obstante os instrumentos àdisposição da comunidade interna-cional, se tem dificuldade de concor-dar uma ação comum a favor da pazna Síria e noutras regiões do mun-do. Enquanto rezo incessantementepela paz e convido todas as pessoasde boa vontade a continuar a fazer omesmo, apelo-me de novo a todosos responsáveis políticos, a fim deque prevaleçam a justiça e a paz.

Foi com pesar que recebi a notíciado assassínio dos três homens rapta-dos no fim de março na fronteira en-tre o Equador e a Colômbia. Rezopor eles e pelos seus familiares, e es-tou próximo do amado povo equa-toriano, encorajando-o a ir em frenteunido e pacífico, com a ajuda do Se-nhor e da sua Santíssima Mãe.

Confio à vossa oração as pessoas,como Vincent Lambert, na França, opequeno Alfie Evans, na Inglaterra,e outros em vários países, que vivemàs vezes há muito tempo em estadode grave enfermidade, assistidas me-dicamente nas suas necessidades pri-márias. Trata-se de situações delica-das, muito dolorosas e complexas.Oremos a fim de que cada doenteseja sempre respeitado na sua digni-dade e cuidado de modo adequadoà sua condição, com a contribuiçãoconcorde dos familiares, dos médi-cos e dos outros agentes da saúde,com grande respeito pela vida.

Saúdo com carinho todos vós, pe-regrinos da Itália e de muitas partesdo mundo: as famílias, os gruposparoquiais, as escolas e as associa-ções. Saúdo de modo especial osfiéis da Califórnia; assim como os deArluno, Pontelongo, Scandicci, Ge-nova-Pegli e Vibo Valentia; as crian-ças da Escola “Filhas de Jesus”, deModena; e o grupo “Amigos dePaulo VI”, de Pescara.

Desejo um bom domingo a todos!E, por favor, não vos esqueçais derezar por mim. Bom almoço e até àvista!

Michel Ciry, «Incredulidade de Tomé»

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Debate francês sobre o final da vida

lação direta com a realidade, se en-gajaram a favor de um confrontomenos abstrato e por conseguintemenos áspero. Porque não se tratasó de um conflito ideológico, em-bora as vozes mais fortes sejamaquelas de quem invoca a autode-terminação de cada um a decidirsobre o próprio fim, mas de umadramática situação real.

Quem acompanhou num hospitalo fim de um parente, por vezes ido-so ou muito idoso, sabe que a obs-tinação terapêutica se faz, quasepor obrigação, com a finalidade deevitar eventuais procedimentos le-gais por parte das famílias. Assim,para se tutelarem, os hospitais se-guem minuciosamente os protoco-

los de tratamento, que são iguaispara qualquer idade, para todas ascondições, e deste modo, fatalmen-te, prolongam a vida e portanto asdificuldades e o sofrimento a mui-tos enfermos.

Paralelamente a esta praxe, quederiva de uma compreensível exi-gência defensiva das instituiçõeshospitalares, há depois a realidadede uma assistência muito menosatenta à vida do doente idoso. Da-do que, como consequência da criseeconómica, sobre os médicos hospi-talares e acima de tudo sobre os en-fermeiros já pesa uma carga de tra-balho crescente, os idosos são mui-tas vezes esquecidos, descuidados.Portanto, pode-se constatar nomesmo paciente dois processosopostos, mas paralelos: obstinação

terapéutica e abandono. Perante es-ta realidade complexa e dolorosa épositivo que as famílias procuremuma saída, contrária à eutanásiamas ao mesmo tempo contráriatambém a esta dupla condição deobstinação e abandono.

Então, salvaguardando os princí-pios gerais da oposição à eutanásia,seria oportuno que famílias e médi-cos trabalhassem juntos para en-frentar este problema do ponto devista real, concreto, ligado às expe-riências de cada um. O princípio daencarnação quer dizer também ca-pacidade de passar dos valores ge-rais para as situações concretas, ver-dadeiras, aquelas que encontramostodos os dias. E quer dizer, sobre-tudo, aprender novamente a enfren-tar a morte.

Page 6: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

Declaração da Coica

Salvar os povos indígenas

Aprovado o documento preparatório

Rumo ao sínodopan-amazónico

Marcha no Rio de Janeiropor Marielle Franco

Milhares de pessoas percorreram as ruas do Rio de Janeiro, no do-mingo 15 de abril, para pedir justiça depois do assassinato, há ummês, de Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes, as-sassinados a 14 de março pouco depois de terem participado numdebate público. A representante política, eleita para o Conselhomunicipal do Rio de Janeiro em 2016, era conhecida pela sua de-fesa dos direitos das mulheres e das populações das favelas nasquais se estava a alastrar o narcotráfico. Alguns dias antes do seuhomicídio, Franco fora nomeada relatora da comissão de supervi-são da intervenção das forças armadas com tarefas de segurançapública no Rio de Janeiro.

Amnesty International lançou um apelo às autoridades brasilei-ras para que deem prioridade à identificação dos responsáveis e osentreguem à justiça. «A sociedade brasileira precisa de saber quemmatou Marielle e porquê», declarou Jurema Werneck, diretora ge-ral de Amnesty International no Brasil. Todos os anos milhares depessoas morrem assassinadas neste país sul-americano.

Está pronto o documento pre-paratório do Sínodo para aAmazónia, que terá lugar emoutubro de 2019. O texto, queinclui um questionário final, foiexaminado e aprovado durantea primeira reunião do Conselhopré-sinodal da assembleia espe-cial do Sínodo dos bispos paraa região Pan-Amazónica, presi-dida pelo Papa Francisco.

Os trabalhos, realizados a 12e 13 de abril, iniciaram com aintervenção do secretário-geral,cardeal Lorenzo Baldisseri, oqual agradeceu ao Pontífice asua presença e dirigiu uma sau-dação especial aos membros doConselho pré-sinodal e aos pe-ritos convocados para a reu-nião, alguns dos quais perten-centes à Rede Eclesial Pan-Amazónica (Repam).

Nas sessões de trabalho foiexaminado precisamente o pro-jeto de documento preparatóriopara a assembleia especial, queterá como tema: «Amazónia:novos caminhos para a Igreja epara uma ecologia integral».Os membros manifestaram oseu apreço ao texto, preparadopela Secretaria geral do Sínodocom a ajuda dos peritos, e ofe-

receram sugestões úteis para oseu melhoramento.

No debate foi frisada a im-portância da região Pan-Ama-zónica para o inteiro planeta.Em particular, membros e peri-tos confrontaram-se acerca dasituação pastoral do território eda necessidade de empreendernovos caminhos para uma in-culturação do Evangelho maisincisiva junto das populaçõesque nele habitam, em particularas indígenas. Em segundo lugarrefletiram sobre a crise ecológi-ca que diz respeito à região efrisaram a exigência de promo-ver uma ecologia integral, na li-nha traçada pela encíclica Lau-dato si’.

No final do debate o Conse-lho pré-sinodal aprovou o do-cumento, que em seguida serátransmitido às conferênciasepiscopais concernidas e aosdemais organismos que a eletêm direito para iniciar a con-sultação pré-sinodal.

Na conclusão dos trabalhos,o Papa agradeceu aos membrosdo Conselho e demais partici-pantes as suas contribuições e oespírito de comunhão manifes-tado durante a reunião.

RO CÍO LANCHO

A Coordenação das Organizações Indí-genas da Bacia Amazónica (Coica) e asorganizações-membro dos nove paísesda bacia amazónica redigiram uma de-claração dirigida aos governos nacio-nais, pedindo coerência nas suas políti-cas de desenvolvimento e respeito pelosdireitos dos povos indígenas e dos seusterritórios, considerando que a Amazó-nia e a sua diversidade biológica e cul-tural são recursos estratégicos a nívelglobal.

Da declaração fez-se eco também aRede Eclesial Pan-Amazónica (Repam),no seu compromisso de recordar aomundo que o clamor da terra e dos po-vos exige respostas. Recordou-o recente-mente a Repam da Venezuela, com umcomunicado no qual denunciou o mode-lo extrativista adotado tanto no seu paíscomo noutras partes da América Latina,«porque é um modelo que implica umdesenvolvimento insustentável, um em-pobrecimento acelerado, uma grande de-pendência das variações do mercado ge-rido pelas corporações transnacionais, eum enfraquecimento sem precedentesdos Estados nacionais que restam à mer-

dígenas, outras são locais, como porexemplo, na Colômbia, onde «se exi-gem garantias constitucionais plenas afim de que haja participação dos povosindígenas no âmbito da aplicação doacordo de paz com as Farcs, respeitandoo direito fundamental ao consentimentoprévio, livre e informado».

No caso do Equador, afirma-se que anova plataforma petrolífera e as conces-sões minerárias são uma ameça perma-nente para os territórios indígenas. NoPeru os territórios das populações au-tóctones estão sob a ameaça constanterepresentada pelas concessões florestais,pela atividade extrativista, pelas mono-culturas, pelas infraestruturas, pelos blo-cos petrolíferos, pelo tráfico ilícito deterras, pelo tráfico de pessoas e pelascultivações de coca.

Por isso, da Venezuela chega um ape-lo a fim de que se abram mesas de ne-gociação com as organizações nacionaisdos povos indígenas. No Brasil, a legali-zação dos territórios indígenas aindanão foi concluída. Além disso, a explo-ração minerária e o impacto e poluiçãoproduzidos pelo cianureto ou pelo mer-cúrio são um problema quer na GuianaFrancesa quer no Suriname. Na Guiana

Na declaração recorda-se que a baciaamazónica é habitada há mais de dezmil anos e que atualmente nessa regiãovivem 390 povos indígenas, mais de 66em isolamento voluntário, e mais de 2,5milhões de indígenas com uma diversi-dade cultural única. Além disso, frisa-seque as florestas tropicais da Amazóniasão um ecossistema estratégico para en-frentar a mudança climática. Ao mesmotempo, adverte-se que essa região estásubmetida a uma pressão enorme dasatividades extrativas, minerárias e doshidrocarbonetos, das infraestruturas edas monoculturas, assim como da pre-sença de «outros agentes externos quegeram impactos ambientais e sociais ir-reversíveis». A tudo isto se acrescenta apressão dos investimentos chineses «quenão respeitam os padrões mínimos in-ternacionais e que provocam graves im-pactos ambientais e sociais». Os repre-sentantes das organizações indígenas na-cionais amazónicas expressam preocupa-ções e solicitudes concretas de cada rea-lidade nacional. Entre estas, algumassão comuns a todos os países, como adenúncia da perseguição dos chefes in-

pede-se ao governo nacional que se ini-cie um diálogo construtivo a fim de quese compreenda plenamente a importân-cia das terras e dos territórios para ospovos indígenas. Depois de ter apresen-tado estas dificuldades e preocupações,a Coica propõe uma série de resoluçõesonde se pede aos governos o respeitopela «aplicação do direito ao consenti-mento livre, prévio e informado, e o di-reito à participação em todas as deci-sões, políticas e leis que se refiram demodo direto ou indireto» às populaçõesindígenas. Pedem-se também «a in-demnização, direitos de passagem, com-pensação e reembolso pelas consequên-cias e impactos socioambientais sofridospelos territórios indígenas».

Ao mesmo tempo, reafirmou-se o de-ver de respeitar «a vida e a inviolabili-dade dos mais de 66 povos indígenasem isolamento voluntário na bacia ama-zónica». Foi pedido ainda que os gover-nos nacionais, em coordenação com ospovos indígenas, iniciem ou retomem adelimitação e a legalização dos mais decem milhões de hectares nos nove paísesda bacia amazónica.

cê das corporações, in-serindo-se lentamenteno mercado interna-cional».

Questões que refle-tem também os sinaisde alarme lançadospela Coica no textoassinado pelos povosindígenas da baciaamazónica em defesados seus direitos e dosseus territórios e dasua contribuição paraenfrentar a mudançaclimática global. A de-claração nasceu do en-contro realizado emQuito, de 16 a 19 demarço, no âmbito doconselho de coordena-ção e do conselho di-retivo da Coica.

Page 7: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Numa carta aos bispos do Chile o Papa pediu perdão às vítimas dos abusos

Dor e vergonhapor tantas vidas crucificadas

O Papa sente «dor e vergonha» face aos testemunhos de «tantas vidas crucificadas»por causa dos «graves abusos» cometidos por sacerdotes e consagrados no Chile.Numa carta enviada aos bispos do país depois da «missão especial» realizada nosdias passados pelo arcebispo Charles Scicluna e por monsenhor Jordi BertomeuFarnós, o Pontífice reconheceu «os graves erros de avaliação e discernimento dasituação» que foram feitos «por falta de informações verídicas e equilibradas» econvocou a Roma os bispos «para dialogar sobre as conclusões da supracitadamissão e sobre as minhas conclusões».

de coração e com humildade. Em se-guida, quando me entregaram o re-latório e, sobretudo, a sua avaliaçãojurídica e pastoral das informaçõesrecolhidas, admitiram diante de mimque se sentiam esmagados pela dorde tantas vítimas de graves abusosde consciência e de poder e, em par-ticular, dos abusos sexuais cometidoscontra menores por diversos consa-grados do vosso país, que foram ne-gados no momento e que lhes rou-baram a inocência.

Como pastores, devemos expressaro mesmo sincero e cordial agradeci-mento a quantos, com honestidade,coragem e sentido de Igreja, pedi-ram um encontro com os meus en-viados para lhes mostrar as feridasda própria alma. D. Scicluna e oR e v. do Pe. Bertomeu referiram-meque alguns bispos, sacerdotes, diáco-nos, leigos e leigas de Santiago e deOsorno foram à paróquia Holy Na-me de Nova Iorque ou à sede deSotero Sanz, em Providência, comuma maturidade, um respeito e umaamabilidade que impressionavam.

Além disso, nos dias seguintes àmissão especial, foram testemunhasde outro louvável acontecimento,que deveríamos ter presente para ou-tras ocasiões, pois não só se manteveo clima de confidencialidade que secriou durante a Visita, mas em mo-mento algum se cedeu à tentação detransformar aquela missão delicadanum circo mediático. A este propósi-

to, desejo agra-decer às diversasorganizações e aosmeios de comunicação o seuprofissionalismo ao tratar este casotão delicado, respeitando o direitodos cidadãos à informação e à boareputação dos declarantes.

Agora, depois de uma atenta lei-tura dos atos desta “missão espe-cial”, penso poder afirmar que todosos testemunhos recolhidos falamcom modéstia, sem aditivos nem le-nitivos, de muitas vidas crucificadase confesso-vos que isto me causa dore vergonha.

Tendo em consideração tudo isto,escrevo a vós, reunidos na 115ª as-sembleia plenária, para solicitar hu-mildemente a vossa colaboração eassistência no discernimento das me-didas que deverão ser adotadas embreve, médio e longo prazo para res-gatar a comunhão eclesial no Chile,a fim de reparar na medida do pos-sível o escândalo e restabelecer a jus-tiça.

Tenciono convocar-vos a Romapara dialogar acerca das conclusõesda supracitada visita e das minhas

conclusões.Considero este

encontro como ummomento fraterno, sem pre-

conceitos nem ideias preconcebidas,com a única finalidade de fazer res-plandecer a verdade nas nossas vi-das. No respeitante à data, peço aosecretário da Conferência episcopalque me comunique as possibilida-des.

No que me diz respeito, reconhe-ço, e desejo que o transmitais fiel-mente, que incorri em graves errosde avaliação e discernimento da si-tuação, sobretudo por falta de infor-mações verídicas e equilibradas.Desde já peço desculpa a todos osque ofendi e espero poder fazê-lopessoalmente, nas próximas sema-nas, nos encontros que terei com re-presentantes das pessoas entrevista-das.

«Permanecei em mim» (Jo 15, 4):estas palavras do Senhor ressoamcontinuamente nestes dias. Falam derelações pessoais, de comunhão, defraternidade que atrai e convoca.Unidos a Cristo como os ramos à vi-deira, convido-vos a inserir na vossaoração dos próximos dias uma mag-nanimidade que nos prepare para omencionado encontro e que nos per-mita depois transformar em açõesconcretas aquilo sobre o que iremosrefletir. Talvez fosse até oportunopôr a Igreja no Chile em estado deoração. Agora mais que nunca nãopodemos voltar a cair na tentação daverbosidade e permanecer em temas“universais”. Nestes dias, olhemospara Cristo. Olhemos para a sua vi-da e para os seus gestos, sobretudoquando se mostra compassivo e mi-sericordioso com quantos erraram.Amemos a verdade, peçamos a sabe-doria do coração e deixemo-nos con-v e r t e r.

Aguardando notícias vossas e pe-dindo a D. Santiago Silva Retama-les, Presidente da Conferência Epis-copal do Chile, que publique a pre-sente missiva o mais depressa possí-vel, concedo-vos a minha bênção epeço-vos, por favor, que não deixeisde rezar por mim.

Vaticano, 8 de abril de 2018

FRANCISCO

Visita «ad limina»dos prelados das Antilhas

Na manhã de segunda-feira, 16 de abril, o Santo Padre recebeu os preladosda Conferência episcopal das Antilhas, em visita «ad limina»

Aos senhores Bispos do ChileAmados irmãos no episcopado!

O recebimento, na semana passa-da, dos últimos documentos quecompletam o relatório que os meusdois enviados especiais ao Chile meentregaram a 20 de março de 2018,num total de mais de 2.300 páginas,leva-me a escrever-vos esta carta.Garanto-vos as minhas preces e de-sejo partilhar convosco a convicçãode que as dificuldades presentes sãotambém uma ocasião para restabele-cer a confiança na Igreja, confiançainfringida pelos nossos erros e peca-dos, e para curar algumas feridasque continuam a sangrar no conjun-to da sociedade chilena.

Sem a fé e sem a oração, a frater-nidade é impossível. Por isso, neste2º domingo de Páscoa, dia da mise-ricórdia, ofereço-vos esta reflexãocom os votos de que cada um de vósme acompanhe no itinerário interiorque estou a percorrer nas últimas se-manas, a fim de que seja o Espíritoquem nos guie com o seu dom e nãoos nossos interesses ou, pior ainda, onosso orgulho ferido.

Por vezes, quando semelhantesmales nos deturpam a alma e noslançam no mundo fragilizados, ame-drontados, entrincheirados nos nos-sos confortáveis “palácios de inver-no”, o amor de Deus vem ao nossoencontro e purifica as nossas inten-ções para amar como homens livres,maduros e críticos. Quando osmeios de comunicação nos fazemsentir vergonha apresentando umaIgreja quase sempre em novilúnio,desprovida da luz do Sol de justiça(cf. Santo Ambrósio, H e x a m e ro n I V,8, 32) e temos a tentação de duvidarda vitória pascal do Ressuscitado,penso que como São Tomé não de-vemos temer a dúvida (cf. Jo 20,25), mas a pretensão de querer versem confiar no testemunho de quan-tos ouviram dos lábios do Senhor apromessa mais bela (cf. Mt 28, 20).

Hoje peço-vos para falar não decertezas, mas da única coisa que oSenhor nos concede experimentartodos os dias: a alegria, a paz, o per-dão dos nossos pecados e a ação daSua graça.

A este propósito, desejo expressara minha gratidão a D. Charles Sci-cluna, Arcebispo de Malta, e aoR e v. do Pe. Jordi Bertomeu Farnós,oficial da Congregação para a Dou-trina da Fé, pelo seu ingente traba-lho de escuta serena e empática das64 testemunhas que ouviram recen-temente em Nova Iorque e em San-tiago do Chile. Enviei-os para ouvir

Robert Delaunay«Sol e lua»

Page 8: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Prefácio do Pontífice ao livro «Poder e dinheiro»

Justiça social

Padre Fiorito e Bergoglio

Denúncia abertaFoi explicitamente autorizado e encorajado pelo próprio Papa Francisco ovolume Potere e denaro. La giustizia sociale secondo Bergoglio (Roma, Città NuovaEditrice, 2018, 168 páginas), cuidado por Michele Zanzucchi e para o qual oPontífice escreveu o prefácio, que publicamos nesta página. O curador, jornalistae escritor, propõe uma seleção de discursos e textos papais sobre riqueza epobreza, justiça e injustiça social, cuidado e desprezo da criação, finançassaudáveis e perversas, empresários e especuladores. Por um lado o livro,publicado no dia 12 de abril, apresenta-se como uma denúncia aberta dos malesque ameaçam o mundo da economia e das finanças, dos aspetos negativos daglobalização, que ampliam o fosso entre ricos e pobres e criam novas formas deescravidão; por outro, quer tornar-se expressão daquele espírito evangélicopregado por Francisco, que convida a nunca perder a esperança, com a claraconsciência, como escreve no prefácio, de que «estamos a viver numa épocadifícil, mas cheia de oportunidades novas e inéditas». Uma consciência queconstitui um estímulo a «transformar este mundo doentio» e que leva areanimar a esperança, que representa «talvez a virtude mais preciosa hoje».

JOSÉ LUIS NA R VA J A

Depois da eleição de Francisco, a13 de março de 2013, entre asmuitas perguntas que foram fei-

tas relativamente à sua pessoa e à suahistória, encontramos também aquelarelativa às raízes do seu pensamentoem geral e, em particular, do seu pen-samento teológico.

De 1968 a 1978 Jorge Mario Bergo-glio concluiu a sua formação como je-suíta e iniciou o seu ministério sacerdo-tal, inicialmente como mestre dos novi-ços e depois como provincial. No mo-mento da sua ordenação sacerdotal

vam artigos dos professores da Faculda-de. Pelas suas capacidades inteletuais eespirituais, padre Fiorito tornou-se umponto de referência inquestionável paraos seus estudantes.

Já como provincial, Bergoglio atri-buiu a padre Fiorito dois encargos im-portantes na província: docente da«Terceira provação» (ou seja, a últimaetapa da formação dos jesuítas) e dire-tor do «Boletín de Espiritualidad».Pertencem a esta fase a maior parte dosestudos de padre Fiorito sobre a espiri-tualidade da Companhia de Jesus, emparticular sobre os Exercícios de SantoInácio e do discernimento espiritual.

ral. (…)Nas experiências partilhadas entre os

jovens jesuítas do grupo de padre Fio-rito havia uma «base comum»: a refe-rência constante à «fé dos nossos ante-passados, dos nossos pais, dos nossosancestrais». Fiorito reconhece esta basehistórica comum no fundamento teóri-co da sua reflexão, na qual apresentauma síntese da história e da fé da na-ção argentina: «A nossa terra absorveu,ao longo da sua história de quase qua-tro séculos, dois importantes impactos:o dos conquistadores, que deu origem àmestiçagem; e o dos migrantes, quedeu origem à maioria dos argentinos dehoje. Em ambos os casos, a fé serviucomo agente de união, e isto não pode

festivo do crente. É uma fé que se ex-prime com gestos simples, transmitidosde pai para filho: «Esta é a fé ligada àcultura que se chama “p opular”, masque não deixa, por isso, de ser cultura.(...) É feita de costumes e tradições, esente a vida e a morte, e conhece a lutapela vida através do seu trabalho sobrea natureza (as coisas), com os outroshomens (na sociedade), e na busca domistério do seu destino (Deus e oAlém, que já é, mas ainda não). Estacultura é uma “sab edoria” — no sentidoetimológico do termo: “sab or” das coi-sas — que conhece o aspeto positivo e onegativo da realidade, e que sabe (...) oque significa amar, e que intui qual de-ve ser o seu comportamento moral».

Religiosidade popularPublicamos breves excertos do artigo «Afigura de padre Miguel Ángel Fiorito naformação de Jorge Mario Bergoglio:“religiosidade popular” e “teologia dacultura”», publicado pela revista «CiviltàCattolica».

Ilustração da capa do livrorealizada por Stefano Maria Girardi

(1969), tinha quase 33 anos. Naqueleperíodo, uma pessoa teve uma grandeinfluência sobre ele: padre Miguel Án-gel Fiorito (1916-2005), que foi reitor daUniversidade del Salvador (1970-1973)em Buenos Aires, professor de metafísi-ca, e também decano (1964-1969) naFaculdade de Filosofia do ColégioMassimo de San Miguel, e diretor darevista «Stromata», na qual se publica-

Neste ambiente de formação, alémdos estudos formais na Faculdade, ha-via também uma troca inteletual infor-mal, em que se compartilhavam as lei-turas, as reflexões pessoais e as preocu-pações pastorais e eclesiais. É impor-tante ter em conta este diálogo teológi-co, que influenciou profundamente opensamento do futuro Papa. Eram osanos imediatamente a seguir ao Vatica-

no II. A receção do Concílio tinha sus-citado na América Latina pensamentoscontrastantes e uma forte conscienciali-zação do continente. Os estudantes eos padres do Colégio seguiram com in-teresse os desenvolvimentos do Concí-lio e, em seguida, participaram ativa-mente no seu processo de receção eatuação.

Do ponto de vista histórico, situamo-nos num momento de renovação, que —em poucas palavras — foi consideradade duas maneiras contrastantes: algunsentenderam a «renovação» como mu-dança, outros como rejuvenescimento. AIgreja latino-americana experi-mentava uma tensão entres estesdois pontos de vista, nem semprecom uma clara orientação.

Mas neste período verificou-setambém um particular «modo deser» no ambiente inteletual doColégio Massimo. O estudo, a re-flexão e a troca fazem amadurecerideias que ganham forma concep-tual em artigos que aparecem nasduas já citadas publicações da Fa-culdade: a revista «Stromata», defilosofia e teologia, e o «Boletínde Espiritualidad», orientado pa-ra a formação espiritual e pasto-

ser esquecido por nenhum projeto na-cional. A fé é algo que, pela sua essên-cia — ou melhor, pela sua própria exis-tência no coração do homem — age co-mo princípio unificador. A cultura na-cional está impregnada desta históriade fé. Há uma estrita relação entre omodo de viver a fé modelada pelo tra-balho dos missionários, homens e mu-lheres de Deus, e a maneira de levarem frente a existência».

Padre Fiorito descreve esta forma decultura do povo fiel argentino, que vivea sua fé comunitariamente, de modoque toda a sua vida adquire o caráter

Capela do seminário do Colégio Massimo de San Miguel (Buenos Aires, Argentina)

Aeconomia é um componentevital para cada sociedade, de-termina em boa parte a quali-

dade de vida e até de morte, contri-bui para tornar a existência humanadigna ou indigna. Por isso, ocupaum lugar importante na reflexão daIgreja, que considera o homem e amulher pessoas chamadas a colaborarno projeto de Deus também atravésdo trabalho, da produção, da distri-buição e do consumo de bens e servi-ços. Portanto, desde as primeiras se-manas do pontificado, tive a oportu-nidade de abordar questões relativasà pobreza e à riqueza, à justiça e àinjustiça, às finanças saudáveis e àsp erversas.

Se hoje olharmos para a economiae os mercados globais, um dado quesobressai é a sua ambivalência. Porum lado, nunca como nestes anos, aeconomia permitiu a biliões de pes-soas o acesso ao bem-estar, aos direi-tos, a uma saúde melhor e a muitasoutras coisas. Ao mesmo tempo, aeconomia e os mercados desempe-nharam um papel na exploração ex-cessiva dos recursos comuns, no au-mento das desigualdades e na dete-rioração do planeta. Por conseguinte,uma sua avaliação ética e espiritualdeve saber mover-se nesta ambivalên-cia, que emerge em contextos cadavez mais complexos.

O nosso mundo é capaz do melhore do pior. Sempre foi assim, mas hojeos meios técnicos e financeiros ampli-ficaram as potencialidades de bem ede mal. Enquanto em determinadaspartes do planeta se afoga na opulên-cia, noutras não se dispõe do mínimopara sobreviver. Nas minhas viagenspude ver estes contrastes, além doque já tinha visto na Argentina. Vi o

tou ulteriormente o fosso que separaos mais ricos dos mais pobres, geran-do novas precariedades e escravidões.

A atual concentração de riquezas é,em grande parte, fruto dos mecanis-

senvolvimento das populações. Alémdisso, a falta de regulamentação e decontroles adequados favorece o au-mento de capital especulativo, quedescuida os investimentos produtivosa longo prazo, mas busca o lucroimediato.

Primeiro como simples cristão, de-pois como religioso e sacerdote, e su-cessivamente como Papa, julgo queas questões sociais e económicas nãopodem ser alheias à mensagem doEvangelho. Por isso, no sulco dosmeus predecessores, procuro pôr-meà escuta dos protagonistas presentesno cenário mundial, dos trabalhado-res aos empresários e aos políticos,dando voz em particular aos pobres,aos descartados, a quantos sofrem.Ao difundir a mensagem de caridadee justiça do Evangelho, a Igreja nãopode permanecer em silêncio dianteda injustiça e do sofrimento. Ela po-de e quer unir-se aos milhões de ho-mens e mulheres que dizem não à in-justiça de modo pacífico, trabalhandopor uma maior equidade. Em toda aparte há pessoas que dizem sim à vi-da, à justiça, à legalidade e à solida-riedade. Muitos encontros me confir-mam que o Evangelho não é umautopia, mas uma esperança real, atépara a economia: Deus não abando-na as suas criaturas à mercê do mal.Pelo contrário, convida-as a não secansarem de colaborar com todos pa-ra o bem comum.

O que digo e escrevo sobre o po-der da economia e das finanças querser um apelo, a fim de que os pobressejam tratados melhor e as injustiçasdiminuam. Em particular, peço cons-

tantemente que se deixe de lucrarcom as armas, correndo o risco dedesencadear guerras que, além dosmortos e dos pobres, só aumentamos fundos de poucos, fundos muitasvezes impessoais e maiores do que areceita dos Estados onde se encon-tram, fundos que prosperam à custado sangue inocente. Nas minhasmensagens sobre questões económi-cas e sociais, pretendo despertar asconsciências, sobretudo de quantosespeculam e exploram o próximo,para que se volte a encontrar o senti-do da humanidade e da justiça. Porisso, não posso deixar de denunciarcom o Evangelho na mão os pecadospessoais e sociais cometidos contraDeus e contra o próximo, em nomedo deus dinheiro e do poder comofim em si mesmo. Exprimo-me comsolicitude, também porque estouconsciente de que outras crises eco-nómicas mundiais não são impossí-veis. Quando se verifica a queda dasfinanças separadas da economia real,muitos pagam as consequências, eentre muitos deles, sobretudo os po-bres e quantos se tornam pobres, en-quanto que os ricos, de um modo oude outro, em geral safam-se.

Que fazer? Uma coisa que me pa-rece importante é despertar a cons-ciência para a gravidade dos proble-mas. É aquilo que faz Michele Zan-zucchi reunindo, organizando e tor-nando acessível aos leitores as sínte-ses de alguns dos meus pensamentossobre o poder da economia e das fi-nanças. Espero que isto possa ser útilpara conscientizar e responsabilizar,favorecendo processos de justiça e deequidade. Não é suficiente um poucode bálsamo para curar as feridas deuma sociedade que muitas vezes tratatodos e tudo como mercadoria, mer-cadoria que, quando se torna inútil, édeitada fora, segundo aquela culturado descarte da qual falei tantas vezes.Somente uma cultura que valoriza to-dos os recursos à disposição da socie-dade, mas em primeiro lugar os hu-manos, pode curar as graves enfermi-dades. Os cristãos e os homens deboa vontade estão chamados a sentir-se protagonistas desta cultura da va-lorização. Portanto, conscientizar evalorizar, mas também renegar. Exis-tem nãos a dizer à mentalidade dodescarte: é preciso evitar a uniformi-dade com o pensamento único, fa-zendo corajosamente escolhas boas econtracorrente. Como ensina a Escri-tura, todos podem arrepender-se,converter-se, tornar-se testemunhas eprofetas de um mundo mais justo esolidário.

Muitos, muitíssimos homens e mu-lheres de todas as idades e latitudesjá estão alistados num inerme “exér-cito do bem”, que não dispõe de ou-tras armas, a não ser a paixão pelajustiça, o respeito pela legalidade e ainteligência da comunhão. É porven-tura exagerado pensar em introduzirna linguagem da economia e das fi-nanças, da cooperação internacional

paradoxo de uma economia globali-zada, que poderia alimentar, cuidar eabrigar todos os habitantes que po-voam a nossa casa comum, mas que— como indicam algumas estatísticaspreocupantes — concentra nas mãosde pouquíssimas pessoas a mesma ri-queza que é prerrogativa de aproxi-madamente metade da populaçãomundial. Constatei que o capitalismodesenfreado das últimas décadas dila-

mos do sistema financeiro. Além dis-so, tendo em consideração as finan-ças, vemos que um sistema económi-co baseado na proximidade, na erada globalização, encontra muitas difi-culdades: as instituições financeiras eas empresas multinacionais alcançamtais dimensões que chegam a condi-cionar as economias locais, levandoos Estados a ter sempre mais dificul-dade de trabalhar para o bem do de-

e do trabalho a palavra “comunhão”,declinando-a como cuidado do próxi-mo e da casa comum, solidariedadeefetiva, colaboração real e cultura dodom? O bem não é quietismo e nemnos leva a ser submissos. A arte deamar, único manual de instruções doexército do bem, exige ao contrárioque sejamos ativos, requer a capaci-dade de nos engajarmos primeiro, denão nos cansarmos de procurar o en-contro, de aceitarmos sacrifícios e determos muita paciência com todospara estabelecermos uma reciprocida-de melhor. Os três atributos que, tra-dicionalmente, a nível mais alto com-petem a Deus, são o verdadeiro, obom e o belo. Não é por acaso que aIgreja fala de três virtudes teologais:a fé, a caridade e a esperança. Os se-

res humanos podem voltar a desco-brir-se tanto mais verdadeiros, bons ebelos, quanto mais entrarem no cír-culo virtuoso de Deus, que é comu-nhão e amor. Por isso, estas três vir-tudes trazem benefícios inclusive àeconomia. É possível: a constataçãode que numerosos trabalhadores, em-presários e administradores já labu-tam ao serviço da justiça, da solida-riedade e da paz confirma-nos que ocaminho da verdade, da caridade eda beleza é árduo, mas viável e ne-cessário, também na economia e nasfinanças.

Como este livro testemunha, omeu pensamento insere-se na veredatraçada pelo riquíssimo patrimónioda Doutrina Social da Igreja. Todospodem fazê-lo seu, simplesmente ace-

dendo àquele Compêndio da DoutrinaSocial da Igreja, que citei tantas ve-zes, porque em poucas palavras ofe-rece um panorama do pensamentoeclesial em matéria social. Entre ostextos por mim redigidos, justamenteo autor privilegiou a ExortaçãoApostólica Evangelii gaudium e a En-cíclica Laudato si’. Ao mesmo tempo,não foi possível cortar as raízes co-munitárias do meu pensamento, queafundam de modo particular na Igre-ja da América Latina. Por exemplo,sou devedor à grande assembleia deAparecida, durante a qual se voltou apropor aos cristãos um método paraa vida social: ver, julgar e agir. Ouseja, podemos ver a realidade quenos circunda, à luz da Providência deDeus; julgá-la segundo Jesus Cristo,Caminho, Verdade e Vida; e agir demaneira consequente na Igreja e comtodos os homens de boa vontade.

Aos olhos de Deus, o mundo cria-do é bom, e o ser humano é muitobom (cf. Gn 1, 4-31). O pecado man-chou e continua a macular a bonda-de originária, mas não pode cancelara marca da imagem de Deus, presen-te em cada homem. Por isso, não de-vemos perder a esperança: vivemosnuma época difícil, mas cheia deoportunidades novas e inéditas. Nãopodemos deixar de acreditar que,com a ajuda de Deus e juntos — re p i -to-o, juntos — é possível melhorar es-te nosso mundo e reanimar a espe-rança, que talvez seja a virtude maispreciosa hoje. Se estivermos juntos,unidos no seu amor, o Senhor per-manece no meio de nós, segundo asua promessa (cf. Mt 18, 20); portan-to, está connosco também no meiodo mundo, nas fábricas, nas empresase nos bancos, assim como nas casas,nas favelas e nos campos de refugia-dos. Podemos, devemos esperar.

Page 9: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

A intuição do ator norte-americano que não conhecia Bergoglio

Quando Anthony Quinn previu um Papa argentino

Pormenor do desenho de Judith (Bélgica) publicado no livro«O amor antes do mundo. Papa Francisco escreve às crianças» (Rizzoli, 2016)

GI O VA N N I MARIA VIAN

A 9 de março, durante as congrega-ções gerais, o arcebispo de BuenosAires falara por pouquíssimos minu-tos. As palavras do cardeal argentinoinsistiam sobre a «suave e reconfor-tante alegria de evangelizar», expres-são de Paulo VI que, em poucos me-ses, teria inspirado o título, Evangeliigaudium, do longuíssimo documentoprogramático do pontificado. «AIgreja é chamada a sair de si mesmae ir às periferias, não só às geográfi-cas, mas também àquelas existen-ciais: as do mistério do pecado, dador, da injustiça, da ignorância e daausência de fé, as do pensamento, ede todas as formas de miséria» dis-sera Bergoglio aos cardeais, o qualna conclusão delineava também operfil do próximo pontífice, «umhomem que, através da contempla-ção de Jesus Cristo e da adoração deJesus Cristo, ajude a Igreja a sair desi mesma rumo às periferias existen-ciais».

Portanto, tratava-se de um Papamissionário, aquele descrito três diasantes do início do conclave pelo ar-cebispo de setenta e seis anos deBuenos Aires, candidato excluídodurante as previsões jornalísticasmais frequentes, talvez devido à ida-de avançada, esquecendo porém queRatzinger no momento da eleição játinha até completado setenta e oitoanos. Como se sabe, o cardeal Ber-goglio foi eleito na Sistina depois deapenas um dia de votações, causan-do uma surpresa igual unicamenteàquela, clamorosa, da eleição deWo j t y ła: João Paulo II tinha-se apre-sentado como «Bispo de Roma»,que veio «de um país distante»,Francisco descreveu-se «bispo deRoma» buscado «quase ao fim domundo».

E Bergoglio é essencialmente umPapa missionário, coerente com asua vida de jesuíta, que se formoudurante o período do Concílio e,por motivo de idade, também pri-meiro pontífice a não ter participadono Concílio Vaticano II. Contudo,do Concílio o Papa nutriu-se comconvicção e, portanto, é filho, nosentido pleno.

Com efeito, não é por acaso quena brevíssima intervenção durante aSede vacante a única citação literal,além daquela acabada de ser men-cionada da Evangelii nuntiandi dePaolo VI, foi tirada de um dos prin-cipais documentos conciliares, aGaudium et spes. Porém, evocadosno breve texto são também um temaquerido ao teólogo jesuíta Henri deLubac, o da “mundanidade espiri-tual”, e o motivo patrístico (estuda-do por outro jesuíta, Hugo Rahner)do mysterium lunae. Segundo estaimagem simbólica, a lua representa aIgreja porque, como o astro notur-no, atravessa fases minguantes ecrescentes, mas sobretudo não pos-sui luz própria porque é iluminadapelo sol, ou seja, por Cristo. Refe-rências ainda mais interessantes se ti-vermos em conta que Bergoglio nãoama muito as citações, além das bí-blicas.

Como demonstrou com prontidãoa escolha de um nome papal não sóem descontinuidade com os prece-dentes, mas totalmente novo, Fran-cisco é radicalmente diferente dospredecessores, mesmo se apresentaelementos de continuidade substan-cial com os pontífices que se sucede-ram desde o tempo do Concílio Va-ticano II, e não raramente faz ques-

publicado em 1963. Encontrando-se,muitos anos depois, em Roma como jornalista e escritor espanhol Artu-ro San Agustín, durante a conversaacabaram por falar sobre um possí-vel pontífice latino-americano. Tal-vez um mexicano, disse então o jor-nalista, mas sem hesitar o ator retor-quiu com segurança que o primeiroseria um argentino, dando logo a se-

mente pelo jesuíta, que na altura ti-nha cinquenta e quatro anos, apare-ce a expressão miserando atque eligen-do. Tiradas do comentário medievalde Beda sobre a chamada do publi-cano por parte de Jesus, as três pala-vras tornar-se-ão dois anos mais tar-de o mote episcopal de Bergoglio,nomeado em 1992 auxiliar de Bue-nos Aires. Porque o Senhor, naqueledia em que iniciava a primavera aus-tral, teve misericórdia dele e o esco-lheu (miserando atque eligendo), preci-samente como tinha acontecido como apóstolo que desde então o tinhaseguido.

A história e as vicissitudes dramá-ticas da Argentina nos últimos trintaanos do século XX são o contexto noqual se colocam a trajetória pessoale o papel público de Bergoglio, pri-meiro entre os jesuítas e depois co-mo bispo da capital. Trajetória e pa-pel que permitem reconstruir o per-fil de um religioso que se formou se-gundo a tradição exigente e dúctilda Companhia de Jesus, ordem defronteira, e posto diante da prova deanos muito duros. A estes seguiu-seo início ofegante e inquieto do novoséculo, marcado por dificuldadeseconómicas e sociais crescentes, emgeral no grande país sul-americanoe, em particular, em Buenos Aires,megalópole caraterizada por contras-tes evidentes. Uma situação à luz daqual se compreende perfeitamenteporque entre as preocupações do Pa-pa esteja a centralidade das perife-rias, reais e metafóricas, já descritasna citada intervenção de Bergoglioantes da eleição como «as do misté-rio do pecado, da dor, da injustiça,da ignorância e falta de fé, do pen-samento e de todas as formas de mi-séria».

No início de 2001 o arcebispo ar-gentino foi criado cardeal e no outo-no substituiu durante o sínodo o re-lator designado, constrangido na suadiocese de Nova Iorque pelo ataquede 11 de setembro. A este exórdionum cenário católico internacionalseguiram-se em 2005 a sede vacantee o conclave durante o qual, combase em reconstruções aliás não veri-ficáveis, Bergoglio recebeu um nú-mero considerável de votos. E naconferência geral do episcopado lati-no-americano de Aparecida, realiza-da em 2007, o papel e a eficácia daliderança do cardeal sobressaíram deforma inequivocável. Compreende-seentão facilmente como, depois da re-núncia de Bento XVI, a figura do ar-cebispo de Buenos Aires estivessepresente na mente dos eleitores (me-nos, como já foi mencionado, que osoutros). E a escolha rapidíssima doscardeais, tendo em conta as impres-sões de quem há tempos conheciaBergoglio, deve ter sido consideradapelo eleito — acostumado a grandesreflexões espirituais — como um ul-terior momento da chamada sentidaem anos já longínquos.

Francisco, Papa novo sob váriosaspectos, manifestou imediatamenteuma relação muito estreita com opredecessor, quase para mostrar acondição normal da novidade, senti-da ao contrário por muitos como ex-plosiva, da sua renúncia. Com efei-

tão de os realçar. Sobretudo, massem ênfase e com um uso muito es-casso de citações, várias vezes fez re-ferência a Paulo VI, que em 2014proclamou beato e que está para de-clarar santo. E no mesmo ano cano-nizou juntos João XXIII e João PauloII, Papas muito diferentes entre eles,com uma espécie de equilíbrio ha-giográfico. Escolha aliás análogaàquela feita em 2000 por Wojtyłacom a beatificação simultânea dePio IX e de Roncalli, meio séculodepois do relançamento, novo e es-petacular, de uma dimensão inco-mum e problemática como a santi-dade papal. Com efeito, durante aprimeira metade dos anos cinquentaPio XII tinha por sua vez beatificadoe canonizado Pio X.

Se já em 1963 Montini, poucosdias antes de ser eleito no conclave,falava sobre a possibilidade de umPapa não italiano, não são numero-sos os que ao contrário, conformereferi, esperavam em 1978 um polacoe em 2005 um alemão. Singularmen-te, quem de qualquer forma previuna época de João Paulo II a eleiçãode um argentino não foi contudoum prelado ou um vaticanista, maso ator norte-americano de origemmexicana Anthony Quinn. Ele tinhainterpretado em 1968 o Papa ucra-niano imaginário Kiril no filme Th eShoes of the Fisherman, inspirado noromance homónimo de Morris West

guir uma gargalhada. Nenhum dosdois interlocutores conhecia o jesuítaBergoglio, aliás, não era ainda car-deal, mas depois da sua eleição SanAgustín lembrou-se perfeitamentedaquela singular previsão.

Portanto, argentino, mas nascidonuma família de emigrantes italianoscom sólidas raízes piemontesas, qua-se uma ponte entre o Velho e o No-vo Mundo, ou melhor, «o fim domundo» evocado pelo novo Papanas primeiras palavras pronunciadasda varanda de São Pedro naquelanoite fria e chuvosa de fim de inver-no. Além disso, um pontífice prove-niente de uma ordem religiosa — co-mo não tinha acontecido desde 1831,quando foi eleito o camaldolenseCappellari — e pela primeira vez umjesuíta, segundo uma escolha de vi-da amadurecida progressivamentepelo Papa desde quando, a 21 de se-tembro de 1954, com quase dezoitoanos, intuiu qual teria sido o seu ca-minho espiritual.

Foi o próprio Bergoglio quemcontou em 1990 a história da sua vo-cação, ainda não era bispo, numalonga carta (de facto inédita e publi-cada quase integralmente no finaldeste livro) sobre o salesiano origi-nário de Lodi Enrique Pozzoli, queo tinha batizado a 25 de dezembrode 1936, oito dias após o seu nasci-mento. Era a festa de São Mateus ena narração datilografada pessoal-

Page 10: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

to, o Pontífice já o tinha encontradoprolongadamente dez dias depois daeleição e, com um gesto sem prece-dentes, quis retomar a sua encíclica,já quase concluída, e assinando-a fê-la sua. Lumen fidei tornou-se destemodo o primeiro documento deFrancisco, que alguns meses maistarde expôs as suas linhas programá-ticas na exortação apostólica Evange-lii gaudium. Este foi o primeiro ele-mento do trítico que ritmou os pri-meiros três anos do pontificado,completado pela encíclica socialLaudato si’, dedicada ao cuidado dacriação, e por outra exortação, Am o -ris laetitia, fruto dos dois sínodos so-bre a família. Os três são textosmuito longos, caraterizados por um

tomada nas primeiras semanas depontificado, de viver em Santa Mar-ta, a poucos passos da basílica deSão Pedro, ou seja, numa residênciaonde estão hospedados algumas de-zenas de eclesiásticos e pessoas depassagem; portanto, já não no apar-tamento do Palácio apostólico, habi-tado por quase um século e meiopelos predecessores depois da Toma-da de Roma. Obviamente, a resso-nância da escolha de Francisco foienorme. Considerado como sinal desimplicidade, a decisão foi explicadapor Bergoglio sobretudo como ne-cessidade de não se isolar. Uma ex-plicação, a de Francisco, não con-trastante com a percepção pública,mas na realidade diferente, em coe-

1968 ela tinha sido abolida porMontini, enquanto a mentalidade decorte foi várias vezes repreendida se-veramente por Bergoglio por ser ex-pressão daquela mundanidade espiri-tual deplorada na intervenção queprecede o conclave. Não faltaramobviamente críticas e resistências,inevitáveis e frequentes em cadapontificado, mas equilibradas atual-mente pelo larguíssimo consenso pú-blico do qual goza a figura e a obrado Papa. E também a relação doPontífice com a Cúria evoca sobre-tudo aquela exigente de Paulo VI,caraterizada aliás por um conheci-mento amadurecido ao longo detrinta anos do mundo do Vaticano, esob um ponto de vista privilegiadocomo o dos vértices da Secretaria deEstado de 1937 a 1954.

Exatamente um mês após a elei-ção, pondo em prática uma sugestãoque tinha sobressaído nas reuniõesdos cardeais durante a sede vacante,Francisco instituiu um conselho deoito cardeais para a reforma da Cú-ria e para o governo da Igreja. E es-colheu os conselheiros em represen-tação dos cinco continentes (três pa-ra a América, dois para a Europa,um para a África, um para a Ásia,um para Oceânia), acrescentandotambém o seu secretário de Estado,o italiano Pietro Parolin, que no-meou alguns meses mais tarde e quepouco depois, no seu primeiro con-sistório, criou cardeal. É necessárioobservar que também na escolha doscardeais, Bergoglio está a acentuar atendência a consolidar e a ampliar apresença de eclesiásticos não euro-peus, que já é maioritária entre oseleitores (ou seja, os cardeais queainda não completaram oitentaanos).

Deste modo, Francisco leva aoápice o processo de internacionaliza-ção do colégio cardinalício — e con-sequentemente dos organismos cu-riais — empreendido pela primeiravez com as decisões de Pio XII em1946, poucos meses após a conclusãoda Segunda guerra mundial. Na re-forma da Cúria, incrementada enor-memente durante os pontificados deJoão Paulo II e de Bento XVI, o Papateve que pôr em primeiro lugar, porcausa do repetir-se dos escândalos,

as estruturas financeiras e económi-cas sobre as quais teve que intervirvárias vezes. Todavia, permanececentral o objetivo de simplificação ede racionalização, indispensável paraum papel e uma função que devemser exemplares, como tinha indicadoPaulo VI no discurso à Cúria de 21de setembro de 1963, exatamente trêsmeses depois da eleição.

No governo da Igreja o Pontíficedesenvolveu ulteriormente os ele-mentos de colegialidade introduzi-dos na época do Concílio, conformeuma escolha evidente em primeirolugar na convocação das assembleiassinodais, que nos primeiros anos dopontificado enfrentaram o tema cru-cial da família. A perspetiva é a quecarateriza Bergoglio, ou seja, a mis-são. Por conseguinte, a saída de fe-chamentos, clericalismos, autorrefe-rencialidade para permitir o testemu-nho e o anúncio do Evangelho.

E Francisco repete-o constante-mente com um modo de comunicardeveras eficaz, que une tradição euma inteligência capaz de compreen-der os fenómenos e as contradiçõesda contemporaneidade, criticadatambém severamente mas nuncacom palavras de condenação. Cen-trais nesta comunicação são as pre-gações de Santa Marta, muito segui-das. Mas também as entrevistas, nu-merosas como nunca antes, e as con-ferências de imprensa durante as via-gens internacionais. Sobretudo estasúltimas permitem que o Papa se ex-presse com prontidão, quase comonuma conserva particular, emb oramuitas vezes os meios de comunica-ção tendem a nivelar Bergoglio comestereótipos redutivos: que não o re-presentam realmente e sobre osquais ele mesmo ironiza, comoquando garante que o Papa é católi-co, pelo menos quanto o são os críti-cos preocupados com a sua ortodo-xia.

Meio século após a conclusão doConcílio, que renovou profunda-mente o rosto do catolicismo, masque ainda deve ser deveras compre-endido, as perspetivas do pontifica-do de Francisco têm que enfrentaros mesmos desafios, num contextohistórico mesmo se radicalmentemudado. Portanto, o Papa olha parao compromisso dos leigos: em parti-cular, confrontando-se com a ques-tão feminina, cada vez mais incan-descente, e com a necessidade deuma nova cultura política. Mas tam-bém com a questão dos pobres nocenário de uma globalização a sergovernada e no contexto de um am-biente cada vez mais degradado e noqual são precisamente os pobres osque mais sofrem. Inclusive o diálogoecuménico e o com as religiões não-cristãs foi retomado com força pelopontífice, considerando-o frutuoso —repete constantemente Bergoglio —somente sé for clara a própria identi-dade. Uma identidade que para oPapa buscado «quase ao fim domundo» é missionária, porque sefunda no anúncio do Evangelho.

Uma cena do filme«The Shoes of the Fisherman» (1968)

amplo recurso a documentos deepiscopados dos diversos continen-tes. Desta forma, reflete-se nestesdocumentos papais a dimensão cole-gial da primazia romana, papelexemplar de comunhão e de serviçoque o Pontífice evocou com força nodiscurso conclusivo do primeiro sí-nodo e que exerce diariamente nogoverno da Igreja.

A novidade mais evidente e ex-pressiva do novo Papa foi a decisão,

rência com outra decisão:a de convidar em algunsdias da semana algumasdezenas de fiéis para par-ticipar na missa matutinacelebrada pelo Papa nacapela de Santa Marta.

Numa perspetiva histó-rica, a escolha do pontífi-ce constitui a superaçãodefinitiva do trauma edas consequências da To-mada de Roma, que tinhalevado literalmente à res-trição e à auto-reclusãodos seus predecessores aolongo de sessenta anos,de 1870 a 1929, dentrodos palácios e dos jardinsdo Vaticano. Passaramdepois outros trinta anosantes que os Papas voltas-sem a sair deveras do âm-bito do Vaticano e de Ro-ma, e foi Paulo VI quemviajou, de 1964 a 1970, pe-la primeira vez pelos cin-co continentes. Permane-

cia contudo o isolamento simbólicono Palácio apostólico, que foi supe-rado pela escolha de Santa Marta epor outros gestos eloquentes, como,limitando-me a dar um exemplo, osexercícios espirituais junto com osprelados da Cúria, que já não sãopregados no Vaticano, mas numa re-sidência religiosa fora de Roma.

Nesta tendência à simplificação énecessário incluir a minimização dosresíduos da antiga corte papal. Em

O livroSilvina Pérez e Lucetta Scaraffiareconstruiram em Francesco, il Papaamericano (Milano, Vita e Pensiero, 2017,144 páginas) o perfil de Bergoglio e dosprimeiros cinco anos de pontificado, com oacréscimo do seu escrito, que remonta a1990, Storia di una vocazione. Quemapresentou o livro em Milão,a 26 de março na Universidade Católicado Sagrado Coração, introduzido peloreitor Franco Anelli, foram o cardealpresidente da Conferência episcopalitaliana Gualtiero Bassetti, arcebispo dePerugia - Città della Pieve, o bispoassistente eclesiástico geral do ateneuClaudio Giuliodori e o historiador VittorioEmanuele Parsi. Publicamos uma parte daintro dução.

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

Missas matutinas em Santa MartaQuinta-feira, 12 de abril

Tempo de alegria«Hoje os cristãos são perseguidos,degolados, enforcados na África eno Médio Oriente, ainda mais doque nos primeiros séculos», pois oseu «testemunho incomoda» ummundo que «resolve tudo com o di-nheiro»: de resto, há dois mil anos«o suborno» chegou até «ao sepul-cro» para corromper os guardas eassim negar a Ressurreição. O Paparelançou o encorajamento a não termedo de «professar Jesus», sugerin-do que se viva a mesma corajosa ex-periência dos Apóstolos, ou seja,«uma vida de obediência, testemu-nho e concretude», sem ceder a«compromissos mundanos» comuma «fé superficial».

«Este tempo pascal — afirmou oPapa — é tempo de alegria, a Igrejaquer que seja assim: tempo de ale-gria, de alegria diante da vitória deCristo ressuscitado». E para os pró-prios Apóstolos «foi um tempo dealegria», embora «a alegria que vive-ram nos primeiros 50 dias não fosseigual àquela que viveram depois davinda do Espírito Santo».

Com efeito, explicou, «a alegriados primeiros 50 dias era verdadeira,mas “duvidosa”, não a entendiam

templo. Diante da porta chamada“Fo r m o s a ” havia sempre um paralíti-co que pedia esmola, e Pedro e Joãocuram o paralítico» que, «feliz, sal-ta, dança, vai e dá testemunho».Mas, acrescentou Francisco, «os sa-cerdotes estão inquietos, chamam osApóstolos e proíbem-nos de anun-ciar Jesus. Depois, põem-nos na pri-são. O anjo de Deus liberta-os» eeles, imediatamente, «voltam a ensi-nar no templo».

Retomando diretamente o trechodos Atos proposto pela liturgia (5,27-33), o Papa recordou que «o co-mandante e os assistentes vão ondeos Apóstolos pregavam e levam-nosao sinédrio». Depois, «o sumo sa-cerdote interrogou-os, dizendo:“Não vos tínhamos proibido expres-samente de ensinar neste nome?”».Eis «a proibição: é proibido o nomede Jesus, é proibido anunciar o no-me de Jesus». Mas perante o sumosacerdote, «Pedro, que receoso tinharenegado o Senhor», tem a coragemde responder simplesmente: «É pre-ciso obedecer a Deus e não aos ho-mens. O Deus dos nossos pais res-suscitou Jesus, que vós matastes,crucificando-o. Deus elevou-o à suadireita como chefe e salvador, paradar a Israel a conversão e o perdãodos pecados. E destes acontecimen-tos somos testemunhas, nós e o Es-

gar-se a Deus, cumprir a sua vonta-de e dizer: “Sou o teu filho, estoucontigo, que és o meu pai, e farei tu-do para seguir aquilo que quise-re s ”».

«É verdade, somos frágeis e caí-mos em pecados, nas nossas debili-dades», reconheceu o Pontífice. Mas«a boa vontade, a graça de Deus, le-vanta-nos», e assim «vamos em fren-te: “Quero obedecer”». Por isso, a«primeira caraterística do comporta-mento, do modo de agir destesApóstolos é a obediência». Cons-cientes de que, como declara Pedro,«é preciso obedecer primeiro a Deuse depois aos homens». Portanto, énecessária «uma atitude de obediên-cia: o cristão é um servo, como Je-sus, que obedece a Deus». E é tam-bém «verdade que a obediência éum modo um pouco diferente de re-solver os problemas: diante da Res-surreição, os Apóstolos resolveram aquestão com a graça do EspíritoSanto, com a obediência».

Ao contrário, interrogou-se o Pa-pa, «como resolveram tudo os sacer-dotes que queriam comandar?». Fi-zeram-no «com uma gorjeta: o su-borno chegou até ao sepulcro», pois«quando os soldados assustados fo-ram ter com eles para lhes dizer averdade, interrogaram-nos, dizendo:«Estai tranquilos”. Meteram as mãosno bolso e disseram-lhes: “To m a i ,dizei que vos tínheis adormecido”».E é exatamente com este sistema que«o mundo resolve».

Então, é necessária a «obediênciaa Deus, não ao mundo, porque omundo resolve os problemas com so-luções mundanas; e a primeira solu-ção mundana, que é própria do “se-nhor”, do diabo, é o dinheiro». É o«próprio Jesus quem lhe atribui acategoria de “senhor” quando diz:“Não podemos servir a dois senho-res, Deus e o diabo».

A «segunda caraterística» dos pri-meiros cristãos é o «testemunho:dou testemunho de Jesus». E osApóstolos realmente «dão testemu-nho porque não têm medo de anun-ciar Jesus no templo, mas tambémdepois, quando saíram da prisão:são corajosos, mas com a coragemdo Espírito». De resto, «o verdadei-ro testemunho cristão é uma graçado Espírito, e isto incomoda. O tes-temunho cristão incomoda, é maisfácil dizer: “Sim, Jesus ressuscitou,subiu ao Céu, enviou-nos o Espírito,creio em tudo isto”, mas procuramosuma vereda de compromisso com omundo».

Aliás, «o testemunho cristão nãoconhece vias de compromisso», re-cordou Francisco. Ao contrário, «co-nhece a paciência de acompanhar aspessoas que não compartilham anossa fé, o nosso modo de pensar,de tolerar, de acompanhar, mas denunca vender a verdade».

Com a força da «obediência»: eiso «testemunho que incomoda tan-to»: é suficiente pensar em «todas asperseguições que existem, a partirdaquele momento até hoje: pensai —convidou o Pontífice — nos cristãosperseguidos na África, no MédioOriente; hoje há mais do que nosprimórdios, na prisão, degolados,enforcados, por professar Jesus». Éo «testemunho até ao fim».

Finalmente, a terceira caraterísticados discípulos são as «concretudes».

Sexta-feira, 13 de abril

A verdadeira liberdadeNum mundo «esquizofrénico», cada«vez mais escravo» de modas, ambi-ções e dinheiro, eis a verdadeira li-berdade proposta por Jesus e reali-zada, também nas provações, pelosapóstolos e pelos muitos cristãos quehoje são vítimas das perseguições,permanecendo contudo sempre li-vres. Trata-se de um verdadeiro hinoà liberdade o que o Papa Franciscorelançou na missa.

«Uma das palavras que se repetemuito neste tempo pascal é “lib erda-de”, ser livre» observou imediata-mente o Papa no início da homilia.E «Jesus, com a sua obra redentora,voltou a doar-nos a liberdade, a li-berdade de filhos».

«Na linguagem diária — re c o n h e -ceu Francisco — muitas vezes pensa-mos que ser livre significa fazer oque eu quero e com frequência»;mas quer dizer também «tornar-seescravo, porque se aquilo que euquero é algo que mantém o meu co-ração oprimido, eu sou escravo dis-so, não livre».

«A liturgia de hoje faz-nos refletirsobre três pessoas que são livres»,explicou o Pontífice referindo-se aostrechos dos Atos dos Apóstolos (5,34-42) e do Evangelho de João (6, 1-15) proclamados durante as leituras.E «faz-nos bem refletir sobre cadaum deles». Começando por Gama-liel que é apresentado «neste trecho,colocado no final daquela longa his-tória da cura do paralítico, que le-mos nestes dias, onde os doutores

CO N T I N UA NA PÁGINA 13

Os Apóstolos «incomodavam com otestemunho porque tinham a cora-gem de falar das realidades concre-tas, não contavam fábulas». Tinhama «concretude» que os levava a di-zer: «Não podemos negar aquiloque vimos e tocamos». Eis «o con-creto — esclareceu o Papa — e cadaum de nós, irmãos e irmãs, viu e to-cou Jesus na própria vida».

«Acontece muitas vezes que ospecados, os compromissos e o medonos fazem esquecer este primeiro en-contro, que mudou a nossa vida»,explicou. Talvez permaneça «umarecordação diluída» que «nos faz sercristãos, mas “inconsistentes”, indeci-sos, superficiais». Por este motivo,acrescentou, devemos «pedir sempreao Espírito Santo a graça da concre-tude: Jesus passou pela minha vida,pelo meu coração, o Espírito entrouem mim e talvez depois eu o tenhaesquecido»: eis a importância de ter«a graça da memória do primeiroencontro». E «por isso, o testemu-nho daquelas pessoas era concreto:“Não podemos negar aquilo que vi-mos e tocamos”».

«O tempo pascal é um tempo pa-ra pedir a alegria», concluiu o Pon-tífice, sugerindo que a peçamos«uns pelos outros: mas a alegria quevem do Espírito Santo, que dá o Es-pírito Santo; a alegria da obediênciapascal, do testemunho pascal, darealidade da Páscoa».

pírito Santo, que Deus infundiu emquantos lhe obedecem».

A primeira que sobressai é «a pa-lavra “ob ediência”», disse o Pontífi-ce, recordando que «também noEvangelho de hoje (Jo 3, 31-36) Je-sus fala da obediência». Portanto,afirmou, «a vida destes cristãos, des-tes Apóstolos que receberam o Espí-rito Santo, é uma vida de obediên-cia, de testemunho, de concretude».

Uma «vida de obediência», pros-seguiu Francisco, «para que sigam ocaminho de Jesus que obedeceu aoPai até ao último momento: “Pai, sefor possível — pensemos no hortodas Oliveiras — que não se faça aminha vontade, mas a tua». Esta é a«obediência até ao fim» e «faz-nosrecordar quando o Senhor rejeitaSaul: “Não quero sacrifícios, nemholocaustos, mas obediência”».

«Obediência — insistiu Francisco— foi o que fez o Filho, o caminhoque Ele nos abriu; obediência é ape-

bem: sim, tinham visto o Senhor, es-tavam felizes, mas depois não conse-guiam entender». E questionavam-se: «Como terminará esta história?».A ponto que, exatamente «no mo-mento da Ascensão, perguntam aoSenhor: agora como será, como sefará a revolução?».

Em síntese, os Apóstolos «enten-diam porque viam o Senhor, masnão compreendiam tudo: foi o Espí-rito Santo quem lhes fez entendertudo e lhes deu coragem, aquele mo-do de agir totalmente diverso». As-sim, reiterou o Papa, «podemos di-zer que a alegria dos primeiros 50dias era receosa; mas após a vindado Espírito Santo há a alegria cora-josa, que é certa: certa pela graça doEspírito».

Precisamente «no âmbito destaalegria corajosa — afirmou, referin-do-se à narração dos Atos dos Após-tolos — acontece o que ouvimos naprimeira leitura: Pedro e João vão ao

Kerri Blackman, «Escolhi a alegria»

Page 12: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Laboratório de diálogo e encontroO Papa à Villanova University

As universidades «estão chamadas a ser laboratóriosde diálogo e encontro ao serviço da verdade, dajustiça e da defesa da dignidade humana a todos osníveis», disse o Papa Francisco no discurso quedirigiu a uma delegação da Villanova University deFiladélfia, recebida em audiência na manhã desábado, 14 de abril, na Sala Clementina.

Queridos amigos!Sinto-me feliz por dar as minhas boas-vindas aosenhor, Padre Presidente, ao Conselho e aos Ad-ministradores da “Villanova University”, por oca-sião do vosso encontro em Roma. Rezo a fim deque a vossa estadia na Cidade Eterna seja fontede renovação espiritual para cada um de vós.

Como herdeira da grande “escola” agostiniana,inspirada na busca da sabedoria, a vossa Universi-dade foi fundada a fim de preservar e transmitir ariqueza da tradição católica às novas gerações deestudantes que, como o jovem Agostinho, procu-ram o verdadeiro significado e o valor da verda-deira vida. Em fidelidade a esta visão, a Universi-dade, como comunidade de pesquisa e de estudo,deve confrontar-se também com os complexos de-safios éticos e culturais que surgem devido às mu-

danças epocais que hoje investem o nosso mundo.A minha esperança é de que, em cada aspeto dasua vida e missão, a “Villanova University” p erseve-re no seu compromisso de comunicar os valoresintelectuais, espirituais e morais que podem pre-parar os jovens para participar com sabedoria eresponsabilidade nos grandes debates que cons-troem o futuro da sociedade.

Um aspeto urgente desta tarefa educativa é odesenvolvimento de uma visão universal, “católi-ca” da unidade da família humana e de um com-promisso na efetiva solidariedade necessária paracombater as graves desigualdades e injustiças quedeixam marcas no mundo de hoje. As universida-des, por sua natureza, estão chamadas a ser labo-ratórios de diálogo e encontro ao serviço da ver-dade, da justiça e da defesa da dignidade humanaa todos os níveis. Isto é particularmente verdadei-ro para uma instituição católica como a vossa,que contribui para a missão da Igreja de promo-ver o crescimento autêntico e integral da famíliahumana rumo à sua definitiva plenitude em Deus(cf. Const. ap. Veritatis gaudium, 1).

Ninguém melhor do que Santo Agostinho co-nheceu o desassossego do coração humano en-

quanto não encontra repouso em Deus que, emJesus Cristo, nos revela a verdade mais profundaacerca da nossa vida e do nosso destino último.Que estes dias de reflexão, debate e encontro vosconfirmem no vosso compromisso a favor da mis-são da Universidade ao serviço da verdade quenos torna livres (cf. Jo 8, 32). Com afeto confio-vos, assim como as vossas famílias e toda a comu-nidade da “Villanova University” às preces de San-to Agostinho e de Santa Mónica, e a todos conce-do a minha Bênção Apostólica em penhor de ale-gria e paz no Senhor Jesus Ressuscitado.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 12

Missas em Santa Marta

da lei, os sacerdotes, tinham a “bata-ta quente” na mão e não sabiam co-mo resolver esse problema». Mas já«tinham resolvido bem, no parecerdeles, outro»: o «dos soldados dian-te do sepulcro: tinham pago com di-nheiro». Mas, afirmou o Papa, «nes-te caso não se podia usar o mesmosistema nem sequer resolvê-lo pren-dendo» os apóstolos, «porque viramque o anjo de Deus os libertou».Por conseguinte, o problema delesera o que fazer com os discípulos.

«Gamaliel, homem livre, pensacom calma, fá-los refletir e» olhandotambém para a «história recente»,sugere: «Tende paciência, não vosapresseis, concedei algum tempo,pensai no que aconteceu com Teu-das, com Judas o Galileu, que pare-ciam ser precisamente os salvadorese acabaram todos mal». Contudo, oconselho de Gamaliel é que «o tem-po» faça «o seu trabalho: refletir».

«O homem livre não tem medodo tempo: deixa que Deus trabalhe»explicou Francisco. E, precisamente,«dá espaço para que Deus aja notempo: o homem livre é paciente».Gamaliel «era um hebreu — não eraum cristão, não tinha reconhecidoJesus salvador — mas era um homemlivre: formula o seu pensamento,oferece-o aos demais e é aceite». Deresto, «a liberdade não é impacien-te» reconheceu o Papa. Aliás, «averdadeira liberdade tem a paciênciade saber esperar, de deixar que Deusaja».

É verdade, prosseguiu o Pontífice,«também Pilatos pensa com a cabe-ça fria», a ponto que se «apercebeque Jesus era inocente». Além disso«também a esposa» se saiu «comaquela história do pesadelo e au-mentou o seu receio». Mas Pilatos«não conseguiu resolver o problemaporque não era livre, estava apegadoà promoção». O seu pensamento fi-

xo era mais ou menos este: «Se mecorrer bem aqui na Judeia, depoischegará uma promoção para outrolugar mais importante». Em síntese,Pilatos não era um homem «livre:pensava bem, mas faltava-lhe a cora-gem da liberdade por ser escravo docarreirismo, da ambição, do seu su-cesso».

Ao contrário «Gamaliel é umexemplo de homem livre, que hoje aIgreja nos oferece» insistiu Francis-co. Indicando a seguir como «outroexemplo, Pedro e João que tinhamcurado o paralítico e agora estavamdiante do sinédrio». No final, «o si-nédrio libertou-os de novo, mas“mandaram que fossem flagelados”— eram inocentes — “e ordenaram-lhes que não falassem em nome deJesus”». Por conseguinte, Pedro eJoão, mesmo «tendo sido flageladosinjustamente, depois “foram-se em-bora do sinédrio felizes por terem si-do julgados dignos de sofrer ultrajesem nome de Jesus”».

Eis «a alegria de imitar Jesus: éoutra liberdade, maior, mais ampla,mais cristã». E Pedro teria podidodirigir-se «ao juiz e fazer causa con-tra o sinédrio — dizendo “fui flagela-do injustamente” — e pedir uma in-demnização». Mas «Pedro sentia-sefeliz, João sentia-se feliz, por teremsofrido em nome de Jesus». E «tal-vez — acrescentou Francisco — namente deles, pensassem naquelas pa-lavras de Jesus: “Bem-aventuradosvós, se fordes insultados, persegui-dos, por causa do meu nome. Bem-aventurados”». É precisamente «estaa alegria que eles sentiam: eram li-vres — digamos assim — no sofri-mento por seguir Jesus». É «aquelaatitude cristã» que nos faz reconhe-cer: «Senhor, tu concedeste-me tan-to, sofreste muito por mim. O queposso fazer por ti? Toma, Senhor, aminha vida, a minha mente, o meucoração, tudo é teu».

O Papa quis propor, de novo, aatitude dos discípulos, tal como estádescrita nos Atos: «Retiraram-se,pois, da presença do conselho, rego-zijando-se por terem sido julgadosdignos de padecer afronta pelo no-me de Jesus». Uma atitude que re-vela, explicou, «outra liberdade».Com efeito, se «a primeira era a li-berdade de um homem justo», que«refletia bem e procurava o bem, es-ta é a liberdade de um apaixonadode Jesus Cristo, selada pelo EspíritoSanto, com a fé em Jesus Cristo: tufizeste isto por mim, eu faço isto porti». E não devemos esquecer, recor-dou Francisco, que «até hoje há tan-tos cristãos na prisão, torturados,que levam em frente esta liberdadede confessar Jesus Cristo». Portanto,insistiu, «eis o segundo exemplo dehomens livres: o primeiro é Gama-liel, o segundo são apóstolos, mascom motivos diferentes».

«O terceiro exemplo é o próprioJesus — que faz o milagre da multi-plicação dos pães, e não usou a vari-nha mágica: foi feito precisamentemediante o poder de Deus que Jesustinha em si, porque ele é Deus». E«o povo apercebeu-se disso» afir-mou o Papa, repetindo as palavrasdo Evangelho: «Vendo os sinais quetinha realizado, o povo dizia: “Ele édeveras o profeta — é ele, afinal vol-tou, chegou — aquele que vem aomundo!”».

Diante do povo «entusiasmado»,Jesus «sabendo que o vinham buscarpara o fazer rei — pois quando o po-vo se move deste modo, faz a revo-lução, e fazem-no rei — re t i ro u - s enovamente no monte, sozinho». Emsíntese «afastou-se do triunfalismo,não se deixou enganar por estetriunfalismo: era livre».

Francisco sugeriu que pensemosna «primeira vez que Jesus sentiuesta liberdade, e no-la ensinou, nodeserto quando foi tentado por Sa-tanás» que lhe ofereceu riquezas, di-

zendo-lhe: «tu podes transformar aspedras em pão, e também as pedrasem ouro, em prata». E a resposta deJesus é «não». Mas eis que imedia-tamente Satanás insiste, dizendo ain-da: «tu podes fazer este milagre,lançar-te do templo, e o povo acre-ditará». Mas a resposta de Jesus ésempre «não, porque era livre». E«a liberdade dele consistia em seguira vontade do Pai». Portanto, quan-do Satanás propõe de novo «um in-tercâmbio: faz-me um ato de adora-ção, e eu dar-te-ei tudo», Jesus dizde novo «não: o Pai quer outro ca-minho de salvação». E «acabará nacruz: Jesus é o exemplo de maior li-b erdade».

«Pensemos hoje na minha liberda-de, na nossa liberdade», convidou oPontífice, repropondo os três exem-plos: «Gamaliel, Pedro e João e opróprio Jesus». E sugerindo algumasperguntas diretas: «a minha liberda-de é cristã? Sou livre ou sou escravodas minhas paixões, das minhas am-bições, de muitas coisas, das rique-zas, da moda?». É verdade, obser-vou o Papa, «parece uma brincadei-ra, mas quantas pessoas são escravasda moda!».

Portanto, Francisco continuou apropor perguntas para um exame deconsciência: «sou livre e sei pensarcom a cabeça fria, como Gamaliel, edar espaço a Deus, na minha vida?Sou livre? E quando chega algumsofrimento, falo com Jesus, e digo“tu sofreste tanto por mim, para merestituíres a dignidade de filho, euofereço isto? Sou livre como Jesus,que seguiu a vontade do Pai pararestabelecer a nossa filiação?».

«Pensemos na nossa liberdade —concluiu o Pontífice — neste mundoque é um pouco “esquizoide”, “es-quizofrénico”», a tal ponto que«brada “liberdade, liberdade, liber-dade!” mas é mais escravo, escravo,escravo: pensemos nesta liberdadeque, em Jesus, Deus nos concede».

Page 13: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

Beatificação de Lucien Botovasoa

Testemunha da alegria

Congregação para as causas dos santos

Promulgação de decretos

Religiosas na linha de frente

A 14 de abril, o Papa Francisco recebeu em audiência o cardeal AngeloAmato, S.D.B., prefeito da Congregação para as causas dos santos. Du-rante a audiência, o Pontífice autorizou a promulgação dos decretos re-lativos:

— às virtudes heroicas do servo de Deus Varghese Payapilly, sacerdotediocesano, fundador da congregação das Sisters of the Destitute; nasci-do em Konthuruthy (Índia) a 8 de agosto de 1876 e falecido em Erna-kulam (Índia) a 5 de outubro de 1929;

— às virtudes heroicas do servo de Deus Emanuel Nunes Formigão,sacerdote diocesano, fundador da congregação das Religiosas reparado-ras de Nossa Senhora de Fátima; nascido em Tomar (Portugal) a 1 dejaneiro de 1883 e falecido em Fátima (Portugal) a 30 de janeiro de 1958;

— às virtudes heroicas do servo de Deus Ludovico Longari, sacerdoteprofesso da congregação dos Sacerdotes do Santíssimo Sacramento; nas-cido em Montodine (Itália) a 20 de junho de 1889 e falecido em Ponte-ranica (Itália) a 17 de junho de 1963;

— às virtudes heroicas da serva de Deus Isabel Bruyère, fundadora dacongregação das Irmãs da caridade de Ottawa; nascida em L’Assomp-tion (Canadá) a 19 de março de 1818 e falecida em Ottawa (Canadá) a 5de abril de 1876;

— às virtudes heroicas da serva de Deus Margarida Ricci Curbastro(no século: Costanza), fundadora da congregação das Servas do Sagra-do Coração de Jesus agonizante; nascida em Lugo de Romagna (Itália)a 6 de outubro de 1856 e ali falecida a 7 de janeiro de 1923;

— às virtudes heroicas da serva de Deus Florência Joana Profilio, fun-dadora do Instituto das irmãs franciscanas da Imaculada Conceição deLipari; nascida em Pirrera (Itália) a 30 de dezembro de 1873 e falecidaem Roma a 21 de fevereiro de 1956;

— às virtudes heroicas da serva de Deus Maria Dolores de Cristo Rei(no século: Maria Di Majo), fundadora da congregação das Servas mis-sionárias de Cristo Rei; nascida em Palermo (Itália) a 16 de dezembrode 1888 e ali falecida a 27 de junho de 1967;

— às virtudes heroicas da serva de Deus Justa Domínguez de Vidaur-reta e Idoy, superiora da província espanhola da Sociedade das filhas dacaridade de São Vicente de Paulo; nascida em Azpeitia (Espanha) a 2de novembro de 1875 e falecida em Madrid (Espanha) a 18 de dezembrode 1958.

Nos dias 1 e 5 de maio

Francisco visitaráo Divino Amore Tor Vergata

Duplo compromisso romano parao Papa em maio. Francisco visitaráno dia 1 o Santuário do DivinoAmor e no dia 5 Tor Vergata,anunciou o diretor da Sala de im-prensa da Santa Sé, Greg Burke, a10 de abril, informando que na so-lenidade de São José Operário oPontífice estará no santuário deCastel de Leva para a recitação dorosário na abertura do mês dedica-do a Maria; e que às 11 horas dodia 5 presidirá na esplanada deTor Vergata, na periferia orientalda cidade, a um encontro interna-cional com os neocatecumenais,por ocasião do cinquentenário doinício do caminho em Roma.

Um «extraordinário modelo de vidacristã e social», um «autêntico mestrede vida reta: bom cidadão, pai cari-nhoso, esposo zeloso». Foi sintetiza-da desta forma a figura de LucienBotovasoa na missa de beatificaçãocelebrada no dia 15 de abril em Ma-dagáscar. Lucien morreu mártir — as-sassinado in odium fidei a 16 de abrilde 1947, durante a revolta para a in-dependência do país — mas não éexemplar apenas a extraordinarieda-de do seu testemunho final: a elaacrescenta-se a extraordinariedade deuma vida normal, simples, vivida demaneira cristã no dia a dia.

O perfil do novo beato foi traçadopelo cardeal Maurice Piat, bispo dePort-Louis, que presidiu, em repre-sentação do Papa Francisco, ao ritocelebrado na aldeia de Vohipeno on-de Lucien Botovasoa nasceu em1908. O purpurado leu a homilia pre-parada para a ocasião pelo cardealAngelo Amato, prefeito da Congre-gação para as causas dos santos, oqual teve que renunciar à participa-ção devido a uma greve das compa-nhias aéreas.

Ao repercorrer a biografia de Boto-vasoa, damo-nos conta de nos encon-trarmos imediatamente diante de«uma inteligência brilhante»: diplo-mou-se no colégio dos jesuítas deFianarantsoa, em seguida tornou-sepreceptor paroquial em Vohipeno,poliglota, desportivo, músico. Umcristão «convicto e entusiasta» quedecidiu viver a santidade na vida ma-trimonial. Casou-se com SuzanneSoazana, quando tinha vinte e doisanos, e tiveram oito filhos. Sobretudoum aspeto emerge das recordações dequem o conheceu: a «alegria». Umaalegria declarada por um rosto «sem-pre sorridente».

Na homilia descreve-se que, aoabraçar a escolha franciscana da or-dem secular, Lucien viveu-a com en-tusiasmo: abandonou as roupas caras,jejuava duas vezes por semana, dedi-cava muitas horas noturnas à oração:«Franciscano na alma sente-se sem-pre contente, reza continuamente,onde quer que vá está sempre com oterço nas mãos». O testemunho cris-tão do beato foi oferecido nos peque-nos gestos diários, pelo exemplo deuma vida honesta e generosa: «Nun-ca perdia a paciência — disse o car-

deal Piat — e parecia impermeável àcólera. A sua simples presença erauma repreensão para os malvados».

«Homem justo e livre» foi preso econdenado à morte. Antes de ser de-capitado, conseguiu perdoar quem oassassinava e a profetizar a conversãodo rei Tsimihono, que o tinha man-dado prender. O que se realizou 17anos depois.

Precisamente o trágico fim terrenodo beato Lucien deixou uma herançapreciosa a cada cristão: «Ele ensina-nos a viver integralmente o Evange-lho, que é o livro da vida e não damorte, do amor e não do ódio, dafraternidade e não da discriminação.O Evangelho é o livro da verdade enão da ignorância». Deixou sobretu-do a herança do perdão: «o perdãoinclusive aos inimigos, e o convite aviver na fraternidade e em paz comtodos». Olhando para este pai de fa-mília «de uma bondade sobre-huma-na e fé inabalável», a homilia lidapelo cardeal Piat concluiu-se com aexortação a aprender «a viver comalegria e em harmonia a nossa vidafamiliar e social».«Women Religious On the

Frontlines» foi o título da movi-mentada conferência, organizadapela embaixada dos Estados Uni-dos junto da Santa Sé com aUnião das superioras-gerais(Uisg), que se realizou no dia 11de abril em Roma. Vozes prove-nientes de diversos continentestestemunharam o delicado, precio-so e às vezes perigoso trabalhoque as religiosas de várias congre-gações desempenham nas zonasde guerra e contra o tráfico de se-res humanos. Este trabalho emprimeira linha, como revelaram osmuitos testemunhos, encontraenorme conforto e apoio nas pala-vras do Papa Francisco que, nosseus pronunciamentos, denunciaconstantemente os dramas do trá-fico, das escravidões modernas edas guerras, absurdas e desuma-nas. Do Sudão do Sul, Filipinas,América do Sul, Síria, Camboja,Nigéria, sem esquecer o Ocidenteque compra as pessoas como sefossem mercadorias: entre dificul-dades de mil tipos, o compromissodas religiosas a favor das vítimas éminucioso e vital. «Onde estáuma de nós, ali estamos todas»

disse a irmã Patricia Murray daUisg durante a saudação inicial. Aembaixadora Callista L. Gingrichhomenageou em particular a irmãMaria Elena Berini, religiosa deSanta Joana Antida Thouret pre-sente no congresso, que há algu-mas semanas recebeu o internacio-nal Women of Courage Award,atribuído anualmente pelo depar-tamento de Estado americano amulheres que se distinguem pelaprópria coragem. A irmã MariaElena Berini, nascida em Sondrioem 1944, depois de décadas passa-das no Chade (1972-2007) viveatualmente na República Centro-Africana, onde desempenha a suaobra pastoral numa região nafronteira com o Chade e os Cama-rões. O arcebispo Paul RichardGallagher, secretário para as Rela-ções com os Estados, concluiu ocongresso com um pronunciamen-to muito pessoal: de facto, Gal-lagher recordou os anos que pas-sou na Líbia, no Burundi, naGuatemala e na Austrália, narran-do o trabalho indómito, corajoso ede fronteira de muitas religiosascatólicas.

Page 14: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

número 16, quinta-feira 19 de abril de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 14 de abrilOs Senhores Cardeais Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBispos; Fernando Filoni, Prefeito daCongregação para a Evangelizaçãodos Povos; e Angelo Amato, Prefeitoda Congregação para as Causas dosSantos.

A 16 de abrilD. Peter Henrici, ex-Auxiliar deChur (Suíça).Suas Ex.cias os Senhores ArmindoFernandes do Espírito Santo Vieira,Embaixador de Angola; e PavelVo šalík, Embaixador da RepúblicaCheca, ambos em visita de despedi-da.Os seguintes Prelados da Conferên-cia Episcopal das Antilhas, em visita«ad limina Apostolorum»: D. Ro-bert Rivas, Arcebispo de Castries(Santa Lúcia), com o ArcebispoEmérito, Cardeal Kelvin Edward Fe-lix; D. Gerard Maximin County,Bispo de Kingstown (São Vicente e

Granadinas); D. Gabriel Malzaire,Bispo de Roseau (Dominica); D.Clyde Martin Harvey, Bispo deSaint George (Granada); o Rev.mo

Mons. Robert Llanos, Administra-dor Diocesano de Saint John’s-Bas-seterre (Antígua e Barbuda, SãoCristóvão e Nevis); D. David Macai-re, Arcebispo de Fort-de-France(Martinica); D. Jean-Yves Riocreux,Bispo de Basse-Terre (Guadalupe);D. Emmanuel Lafont, Bispo deCayenne (Guiana Francesa); D.Kenneth David Oswin Richards, Ar-cebispo de Kingston (Jamaica), como Arcebispo Emérito, D. Donald Ja-mes Reece; D. Lawrence Sidney Ni-casio, Bispo de Belize City—Belmo-pan (Belize); D. Patrick ChristopherPinder, Arcebispo de Nassau (Baha-mas); D. Wiesław Śpiewak, Bispo deHamilton (Bermudas); D. CharlesJason Gordon, Arcebispo de Port ofSpain (Trindade e Tobago); Admi-nistrador Apostólico «sede vacanteet ad nutum Sanctae Sedis» deBridgetown (Barbados), com o Arce-bispo Emérito, D. Joseph EverardHarris; D. Francis Alleyne, Bispo deGeorgetown (República Cooperativada Guiana); D. Karel MartinusChoennie, Bispo de Paramaribo (Su-riname); D. Luigi Antonio Secco,Bispo de Willemstad (Aruba, Cura-çao, São Martinho, Bonaire, SantoEustáquio, Saba, Ilhas BES); e D.Burchell Alexander McPherson, Bis-po de Montego Bay (Jamaica).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 12 de abrilDe D. Braulio Sáez García, O.C.D.,ao cargo de Auxiliar da Arquidioce-se de Santa Cruz de la Sierra (Bolí-via).

No dia 16 de abrilDe D. Stefan Soroka, ao governopastoral da Arquieparquia de Fila-délfia dos Ucranianos (E UA ).

No dia 17 de abrilDe D. José María Arancedo, ao go-verno pastoral da Arquidiocese deSanta Fe de la Vera Cruz (Argenti-na).

No dia 18 de abrilDe D. Stanley Roman, ao governopastoral da Diocese de Quilon (Ín-dia).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 14 de abrilMembros da Congregação para asCausas dos Santos, o Senhor Car-deal Giuseppe Versaldi, Prefeito daCongregação para a Educação Cató-lica; D. Romano Rossi, Bispo de Ci-vita Castellana; D. Orazio FrancescoPiazza, Bispo de Sessa Aurunca; eD. Daniele Libanori, Bispo Auxiliarde Roma.

A 16 de abrilAdministrador Apostólico «sede va-cante» da Arquieparquia de Filadél-

fia dos Ucranianos (E UA ), D. AndriyRabiy, atualmente Auxiliar da mes-ma Sede.

A 17 de abrilArcebispo Metropolitano de SantaFe de la Vera Cruz (Argentina), D.Sergio Alfredo Fenoy, até hoje Bispode San Miguel.

A 18 de abrilBispo de Quilon (Índia), o Rev.mo

Mons. Paul Antony Mullassery, doclero da mesma Diocese, até agoraVigário-Geral da mesma Sede.

D. Paul Antony Mullassery, nasceuem Kaithakody (Índia), no dia 15 dejaneiro de 1960. Foi ordenado Sacerdo-te a 22 de dezembro de 1984.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 9 de abrilD. Felipe Tejeda García, ex-Auxiliarda Cidade do México (México).

O ilustre Prelado nasceu em Guada-lajara (México), a 21 de janeiro de1935. Foi ordenado Sacerdote no dia 4de junho de 1966. Recebeu a Ordena-ção episcopal em 4 de março de 2000.

No dia 14 de abrilD. Rinaldo Fidel Brédice, BispoEmérito de Santa Rosa (Argentina).

O saudoso Prelado nasceu no dia 11de setembro de 1932, em Tortugas (Ar-gentina). Recebeu a Ordenação sacer-dotal a 22 de dezembro de 1956. Foiordenado Bispo em 19 de março de1992.

Início de Missãode Núncios Apostólicos

D. James Patrick Green, ArcebispoTitular de Altino, na Dinamarca (23de fevereiro).D. James Patrick Green, ArcebispoTitular de Altino, na Islândia (5 demarço).

Igrejas CatólicasO rientais

A 12 de abril, o Santo Padre deu oseu consentimento à eleição canoni-camente realizada pelo Sínodo dosBispos da Igreja greco-católica ucra-niana, do Rev.do Pe. Petro Loza,C.S S.R., atualmente Administradorda paróquia dos Santos Pedro ePaulo em Chernihiv (Arquieparquiade Kiev), ao cargo de Auxiliar deSokal-Zhovkva dos Ucranianos, si-multaneamente eleito Bispo Titularde Panio.

D. Petro Loza, C.SS.R., nasceu a 3de junho de 1979, em Kolodyantsi(Ucrânia). Foi ordenado Sacerdote nodia 26 de agosto de 2007.

Nos meses de abril e maio

Calendáriodas celebrações

p re s i d i d a spelo Santo Padre

Mensagem do Papa ao congresso das Cáritas italianas

Até às periferias humanasAbril

20 S E X TA -FEIRA

Visita pastoral a Alessano e aMolfetta (Itália).

22 4º DOMINGO DE PÁSCOA

Basílica de São Pedro, 9h15.Ordenações presbiterais. SantaMissa.

Maio

1 TERÇA-FEIRA

Santuário do Divino Amor(Roma). Santo Rosário para oinício do mês mariano, 17h00.

19 SÁBAD O

Sala do Consistório, 10h00.Consistório Ordinário Públicopara algumas Causas de Canoni-zação.

20 DOMINGO DE PENTECOSTES

Basílica de São Pedro, 10h00.Capela Papal. Santa Missa.

Cidade do Vaticano,11 de abril de 2018

Monsenhor Guido MariniMestre das Celebrações

Litúrgicas Pontifícias

«Uma dedicação cada vez maior àcausa dos últimos e dos pobres,que chega até às periferias huma-nas e existenciais da sociedadeatual, para ser autênticos apóstolosda caridade»: foram os votos que oPapa Francisco dirigiu aos partici-pantes no quadragésimo congressonacional das Cáritas diocesanas ita-lianas, inaugurado no dia 16 deabril em Abano Terme, na provín-cia de Pádua. Numa carta assinadapelo cardeal secretário de EstadoPietro Parolin, o Pontífice obser-vou que o encontro se realiza «nagrata recordação de monsenhorGiovanni Nervo, primeiro presi-dente da Cáritas italiana, e demonsenhor Giuseppe Pasini, dire-tor durante dez anos», dois «sacer-dotes zelosos que, com o seu pen-samento e o precioso testemunhode vida, enriqueceram a Igreja ita-

liana com uma herança que conti-nua a produzir frutos de autênticacaridade e misericórdia».

Mais de seiscentos diretores eagentes estão reunidos até ao dia19 para tratar o tema «Jovemé...#umacomunidadequepartilha».Portanto, jovens e comunidade fo-ram as duas palavras-chave do de-bate que se abriu com a oraçãopresidida pelo arcebispo de Gori-zia, D. Carlo Roberto Maria Re-daelli, membro da presidência daCáritas italiana. Foi dado espaço aexperiências e vozes que falaramde contactos com a pobreza de ruae do sul do mundo, de cárcere,droga, falta de trabalho e de pers-petivas, mas também de esperança,fé, serviço, de uma vida nova quenasce precisamente das experiên-cias e dos erros cometidos.

Page 15: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E …€¦ · da Cruz em Corviale (páginas 2 e 3), que o Pontífice visitou na parte da t a rd e . PÁGINA 5 O Papa

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de abril de 2018, número 16

Renovado apelo do Papa Francisco por Vincent Lambert e pelo pequeno Alfie Evans

D eusé o único dono da vida

Prezados irmãos e irmãsbom dia!Prosseguimos, neste Tempo de Pás-coa, as catequeses sobre o Batismo.O significado do Batismo sobressaiclaramente da sua c e l e b ra ç ã o , por issodirijamos a ela a nossa atenção.Considerando os gestos e as palavras

dos anos, fazendo ressoar de muitasmaneiras a sua chamada a nos con-formarmos com o seu Filho Jesus.Portanto, o nome é importante! Émuito importante! Os pais pensamno nome que darão ao filho já antesdo nascimento: também isto faz par-te da espera de um filho que, no

da redenção que Cristo nos adquiriupela sua cruz» (Catecismo da IgrejaCatólica, n. 1.235). Na celebração fa-zemos o sinal da cruz nas crianças.Mas gostaria de retomar um temado qual já vos falei. As nossas crian-ças sabem fazer bem o sinal dacruz? Muitas vezes vi crianças quenão sabem fazer o sinal da cruz. Evós, pais, mães, avôs, avós, padri-nhos e madrinhas, deveis ensinar afazer bem o sinal da cruz, porque is-to significa repetir o que se fez noBatismo. Entendestes bem? Ensinaras crianças a fazer bem o sinal dacruz. Se o aprenderem desde a in-fância, fá-lo-ão bem mais tarde,quando forem adultos.

das refeições, diante de um perigo,em defesa contra o mal, à noite an-tes de dormir, significa dizer a nósmesmos e aos outros a quem perten-cemos, quem desejamos ser. Por issoé muito importante ensinar as crian-ças a fazer bem o sinal da cruz. E,como fazemos ao entrar na igreja,podemos fazê-lo também em casa,conservando num pequeno vaso ade-quado um pouco de água benta —algumas famílias fazem-no: assim,cada vez que entramos ou saímos,fazendo o sinal da cruz com aquelaágua recordamo-nos que somos bati-zados. Não vos esqueçais, repito: en-sinai as crianças a fazer o sinal dac ru z !

compreender melhor este dom, queé o Batismo, e recordar o dia donosso Batismo. Na quarta-feira pas-sada pedi para fazer os deveres decasa e, cada um de nós, recordar odia do Batismo, em que dia fui bati-zado. Sei que alguns de vós o sa-bem, outros não; os que não o sa-bem, perguntem aos parentes, àque-las pessoas, aos padrinhos, às madri-nhas... perguntem: “Qual é a datado meu Batismo?”. Porque o Batis-mo é um renascimento, é como sefosse o segundo aniversário. Enten-destes? Cumprir este dever de casa,perguntar: “Qual é a data do meuBatismo?”.

Antes de tudo, no rito de acolhi-mento pergunta-se qual é o nome docandidato, porque o nome indica aidentidade de uma pessoa. Quandonos apresentamos, dizemos imediata-mente o nosso nome: “Chamo-meassim”, para sair do anonimato; anó-nimo é quem não tem um nome. Pa-ra sair do anonimato dizemos ime-diatamente o nosso nome. Sem umnome permanecemos desconhecidos,sem direitos nem deveres. Deus cha-ma cada um pelo nome, amando-nosindividualmente, na realidade danossa história. O Batismo acende avocação pessoal a viver como cristão,que se desenvolverá durante a vidainteira. E comporta uma respostapessoal, não emprestada, com um“copia e cola”. Com efeito, a vidacristã é tecida com uma série de cha-madas e respostas: Deus continua apronunciar o nosso nome ao longo

próprio nome terá a sua identidadeoriginal, inclusive para a vida cristãligada a Deus.

Sem dúvida, tornar-se cristão éum dom que vem do alto (cf. Jo 3,3-8). A fé não se pode comprar, massim pedir e receber como dom. “Se-nhor, concedei-me o dom da fé!”, éuma bonita oração! “Que eu tenhafé!” é uma bonita prece. Pedi-la co-mo dom, mas não se pode comprá-la, pede-se. Com efeito, «o Batismoé o sacramento daquela fé, com aqual os homens, iluminados pelagraça do Espírito Santo, respondemao Evangelho de Cristo» (Rito doBatismo das Crianças, Introdução ge-ral, n. 3). A formação dos catecúmenose a preparação dos pais, assim como aescuta da Palavra de Deus na pró-pria celebração do Batismo, tendema suscitar e a despertar uma fé since-ra, em resposta ao Evangelho.

Se os catecúmenos adultos mani-festam pessoalmente aquilo que de-sejam receber como dom da Igreja,as crianças são apresentadas pelospais, com os padrinhos. O diálogocom eles permite que exprimam avontade de que os pequenos rece-bam o Batismo e, à Igreja, a inten-ção de o celebrar. «Expressão de tu-do isto é o sinal da cruz, que o cele-brante e os pais traçam na testa dascrianças» (Rito do Batismo dasCrianças, Introdução, n. 16). «O si-nal da cruz... manifesta a marca deCristo impressa naquele que vai pas-sar a pertencer-lhe e significa a graça

A cruz é o distintivo que manifes-ta quem somos: o nosso falar, pen-sar, olhar e agir estão sob o sinal dacruz, ou seja, sob o sinal do amor deJesus até ao fim. As crianças sãomarcadas na testa. Os catecúmenosadultos são marcados também nossentidos, com estas palavras: «Rece-bei o sinal da cruz nos ouvidos, paraouvir a voz do Senhor»; «nos olhos,para ver o esplendor da face deDeus»; «nos lábios, para responderà palavra de Deus»; «no peito, paraque Cristo habite nos vossos cora-ções mediante a fé»; «nos ombros,para sustentar o jugo suave de Cris-to» (Rito da iniciação cristã dos adul-tos, n. 85). Tornamo-nos cristãos namedida em que a cruz se imprimeem nós como uma marca “pascal”(cf. Ap 14, 1; 22, 4), tornando visível,inclusive exteriormente, o modo cris-tão de enfrentar a vida. Fazer o sinalda cruz quando acordamos, antes

vossos entes queridos!

No próximo sábado terão lugarem Washington as reuniões primave-ris do Banco mundial. Encorajo osesforços que, mediante a inclusão fi-nanceira, procuram promover a vidados mais pobres, favorecendo umautêntico desenvolvimento integral erespeitador da dignidade humana.

Volto a chamar a atenção paraVincent Lambert e para o pequenoAlfie Evans, e gostaria de reiterar efortemente confirmar que o únicoSenhor da vida, desde o início atéao fim natural, é Deus! E o nossodever, o nosso dever é fazer tudo pa-ra preservar a vida. Pensemos em si-lêncio e rezemos a fim de que sejarespeitada a vida de todas as pessoase, especialmente, destes dois nossosirmãos.

Oremos em silêncio!

da liturgia, podemos compreen-der a graça e o compromissodeste Sacramento, que deve sersempre redescoberto. Fazemosmemória dela na aspersão coma água benta, que se pode reali-zar no domingo, no início daMissa, assim como na renova-ção das promessas batismais,durante a Vigília pascal. Comefeito, quanto se verifica na ce-lebração do Batismo suscitauma dinâmica espiritual queatravessa toda a vida dos bati-zados; é o início de um proces-so que nos permite viver unidosa Cristo na Igreja. Portanto, re-gressar à nascente da vida cristãleva-nos a compreender melhoro dom recebido no dia do nos-so Batismo e a renovar o com-promisso de lhe corresponderna condição em que estamoshoje. Renovar o compromisso,

Em vista das reuniões primaverisdo Banco mundial, que terãolugar no próximo sábado emWashington, o Pontífice encorajou«os esforços que, mediante ainclusão financeira, procurampromover a vida dos maispobres». Depois, renovou o apeloa favor de Vincent Lambert e dopequeno Alfie Evans.

Dirijo uma cordial saudaçãoaos peregrinos de língua portu-guesa, nomeadamente aos gru-pos vindos das dioceses de Cas-cavel, Natal, São José do RioPreto e São José dos Campos,encorajando todos a ser teste-munhas do amor que Jesus nosdemonstrou com o seu sacrifí-cio na Cruz. Que a Cruz seja osinal de uma vida de jubilosadoação ao próximo. De bomgrado vos abençoo a vós e aos

O Papa com Thomas Evans, o jovem pai de Alfie,em Santa Marta antes da audiência na praça de São Pedro

Felicitações de Franciscono aniversário de Bento XVI

«Muitas vezes vi crianças que não sabem fazer o sinal da cruz»: começando poresta constatação, na audiência geral de quarta-feira 18 de abril o Papa pediuaos «pais, mães, avôs, avós, padrinhos e madrinhas» presentes na praça de SãoPedro que ensinem as crianças «a fazer bem o sinal da cruz, porque isto significarepetir o que se faz no Batismo». Com efeito, ao primeiro sacramento da iniciaçãocristã é dedicado o ciclo de catequeses, inaugurado na semana passada. Para asua reflexão, Francisco inspirou-se no trecho tirado do Evangelho de João (3, 5-6), que descreve o diálogo entre Jesus e Nicodemos. A seguir, a meditação doSanto Padre.

O Papa Francisco ofereceu porBento XVI a missa celebrada a 16de abril e, em seguida, transmi-tiu-lhe os seus votos pessoaispelo nonagésimo primeiro ani-versário. Num clima tranquilo efamiliar, Joseph Ratzinger cele-

brou a festa juntamente com oirmão Georg no mosteiro MaterEcclesiae, nos jardins do Vatica-no onde, à tarde, a banda musi-cal da Guarda suíça pontifíciaexecutou algumas peças musi-cais em sua honra.