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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 25 (2.652) Cidade do Vaticano terça-feira 23 de junho de 2020 Dignidade e segurança para os migrantes Apelo do Pontífice no final do Angelus NESTE NÚMERO Pág. 2: Mensagem de vídeo a pescadores e marinheiros; Um site por semana; Carta do Papa às religiosas do mosteiro de Santa Rita em Cássia; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; pág. 4: A declaração “Dignitatis humanae”, por Andrea Tornielli; pág. 5: Síntese do documento elaborado pela Mesa interdicasterial sobre a ecologia integral cinco anos após a «Laudato si’», por Isabella Piro; págs. 6/7: Saramago e a miopia do mal, por Sérgio Suchololak; Um vocabulário do Papa Francisco, por Bartolo- meu; Jesuíta e franciscano, por Sean O’Malley; pág 8: Os efeitos da pandemia na vida das comunidades católicas no mundo, por Roberto Cetera; pág. 10: Mensagem de vídeo do Pontífice às Scholas Occurrentes no Dia mundial do meio ambiente; pág. 11: Informações; Faleceu por causa da Covid-19 também Paulinho Paiacã; pág. 12: Angelus de domingo.

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 25 (2.652) Cidade do Vaticano terça-feira 23 de junho de 2020

Dignidade e segurançapara os migrantes

Apelo do Pontífice no final do Angelus

NESTE NÚMEROPág. 2: Mensagem de vídeo a pescadores e marinheiros; Um site por semana; Carta do Papa às religiosas do mosteiro de SantaRita em Cássia; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; pág. 4: A declaração “Dignitatis humanae”, por Andrea Tornielli; pág.5: Síntese do documento elaborado pela Mesa interdicasterial sobre a ecologia integral cinco anos após a «Laudato si’», porIsabella Piro; págs. 6/7: Saramago e a miopia do mal, por Sérgio Suchololak; Um vocabulário do Papa Francisco, por Bartolo-meu; Jesuíta e franciscano, por Sean O’Malley; pág 8: Os efeitos da pandemia na vida das comunidades católicas no mundo,por Roberto Cetera; pág. 10: Mensagem de vídeo do Pontífice às Scholas Occurrentes no Dia mundial do meio ambiente; pág.11: Informações; Faleceu por causa da Covid-19 também Paulinho Paiacã; pág. 12: Angelus de domingo.

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 23 de junho de 2020, número 25

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

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Agradecimento do Pontíficepelos sacrifícios enfrentados durante a pandemia

Numa mensagem de vídeo a pescadores e marinheiros

Por causa do coronavírus «o vosso trabalho demarinheiros e pescadores tornou-se ainda maisimportante, para fornecer à grande famíliahumana alimentos e outros bens de primeiranecessidade. Por isso vos agradeço»: disse oPapa aos trabalhadores do mar através deuma mensagem de vídeo transmitida na tardede quinta-feira, 17 de junho. A seguir, o texto.

Amados irmãos e irmãs!Estes são tempos difíceis para o mundo por-que estamos a lidar com o sofrimento causa-do pelo coronavírus. O vosso trabalho comomarinheiros e pescadores tornou-se aindamais importante, para fornecer à grande fa-mília humana alimentos e outros bens deprimeira necessidade. Por isso, vos agradeço.Também porque se trata de uma categoriamuito exposta. Nos últimos meses, a vossavida e o vosso trabalho mudaram considera-velmente e enfrentastes — e ainda enfrentais— muitos sacrifícios, longos períodos de dis-tância a bordo de navios sem poder descer àterra. A distância da família, dos amigos e

do vosso país, o medo do contágio, todosestes elementos são um fardo pesado a su-portar, agora mais do que nunca.

Gostaria de vos dizer: sabei que não estaissozinhos nem esquecidos. O vosso trabalhono mar afasta-vos muitas vezes, mas estaispresentes nas minhas orações e pensamen-tos, bem como nos dos capelães e dos vo-luntários da “Stella Maris”. O próprio Evan-gelho nos lembra isto quando nos fala deJesus com os seus primeiros discípulos, queeram todos pescadores, como vós. Hoje de-sejo enviar-vos uma mensagem e uma oraçãode esperança, uma oração de conforto e deconsolo contra toda a adversidade e, aomesmo tempo, encorajo quantos trabalhamconvosco na pastoral dos marítimos.

Que o Senhor abençoe cada um de vós,abençoe o vosso trabalho e as vossas famí-lias; e que a Virgem Maria, Estrela do Mar,vos proteja sempre. Também eu vos abençooe rezo por vós. E vós, por favor, não vos es-queçais de rezar por mim. Obrigado!

Carta do Papa às religiosas do mosteiro de Santa Rita em Cássia

Cinco rosas e uma prece

«Que os irmãos e as irmãs marca-dos pela aflição voltem a acorrer aeste oásis de paz, para tomar novoscaminhos rumo à verdade que nosliberta». Estes são os votos do Pa-pa Francisco para a reabertura dosantuário de Santa Rita ao fluxode peregrinos que, do mundo intei-ro, vão habitualmente a Cássia. OPontífice confiou-os a uma cartadirigida à prioresa do mosteiro, ir-mã Maria Rosa Bernardinis.

Com efeito, um fio invisível deafeto e de oração foi tecido nos úl-timos dias entre aquela pequena ci-dade da Úmbria e o Vaticano: a 22de maio, as religiosas tinham envia-do ao Pontífice cinco rosas bentas,segundo a tradição, por ocasião dafesta da padroeira. Um gesto pen-sado não só pelas monjas, mastambém pelos padres agostinianos,para se unir ao Pontífice na invo-cação da intercessão de Santa Ritasobre toda a humanidade atingidapela pandemia. E imediatamentechegou a resposta de Francisco,que concedeu a «toda a comunida-de monástica, aos padres agostinia-nos e às Pequenas Abelhas da Col-meia de Santa Rita» a sua bênção«como sinal de proximidade e degratidão pela oração a favor domeu ministério». A homenagemfloral, «símbolo dos cinco conti-nentes foi colocada aos pés deNossa Senhora», transformando-seimediatamente numa prece comum,

a fim de que «a intercessão da Mãedo Céu e da Santa dos casos im-possíveis nos faça cumprir a vonta-de de Deus, a Quem tudo é possí-vel».

Mais uma vez, o pensamento doPontífice dirigiu-se a quantos sofre-ram as consequências do contágioda Covid-19. «Neste tempo depandemia — escreve Francisco —anunciemos a todos que Jesus é anossa única esperança» e que «noSenhor Ressuscitado o Pai cumpretodas as promessas, oferecendo-nosa maior prova da sua fidelidade».Portanto, acrescenta o Papa, «nãonos resignemos ao sofrimento, nemà morte, mas coloquemo-nos a ca-minho para construir o futuro queDeus quer realizar para todos osseus filhos!».

Como sinal de solicitude pelaItália, dramaticamente atingida pe-lo coronavírus, tinha sido enviadauma rosa também ao presidente daRepública, ao presidente do Con-selho, aos presidentes das regiões eaos presidentes das conferênciasepiscopais regionais. E na vigíliada manifestação «Portas abertas àcolmeia» (16 de junho), as religio-sas apreciaram particularmente aatenção prestada por Francisco às“Pequenas Abelhas”, meninas emoças de famílias em dificuldadeque são acolhidas e ajudadas na es-trutura da Colmeia de Santa Rita,que faz parte do mosteiro.

Um site por semana

Santo António de Pádua/Lisboa

FABIO BO L Z E T TA

Um site na internet para redescobrir a figura de Santo António de Pá-dua/Lisboa, poucos dias depois da memória litúrgica com a qual, no dia13 de junho, a Igreja e a cidade da qual é patrono o celebraram: «Ho-mem medieval, religioso franciscano, pregador, teólogo e santo». No por-tal dos Frades menores conventuais da basílica de Santo António de Pá-dua/Lisboa são publicados os textos dos Sermones, obra literária e teoló-gica do Santo, escrita como instrumento de formação para a vida cristã,explicando a Escritura a partir das leituras da liturgia dominical e festivado seu tempo.

Uma parte online volta a percorrer as principais etapas da sua vida: osprimeiros anos em Lisboa, a entrada no convento agostiniano de São Vi-cente e a transferência para Coimbra (naquela época capital de Portugal,onde foi ordenado sacerdote), a mudança franciscana em 1220, a expe-riência na África, depois como pregador na Itália e na França, o cargo deministro provincial e, após a morte ocorrida em 1231, o seu testamento es-piritual. Este ano, por ocasião do oitavo centenário da “vestidura” francis-cana, os frades da basílica publicaram, durante treze terças-feiras, igualnúmero de “meditações em vídeo”, agora reunidas num livro, que podeser baixado gratuitamente no site da internet Con sant’Antonio in camminolungo i sentieri della vita “Com Santo António a caminho pelas sendas davida”. www.santantonio.org

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número 25, terça-feira 23 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Pontesentre o povo e Deus

E recordou o Dia da consciência

Francisco falou da oração de Moisés

C AT E Q U E S E

A missão dos pastores é ser «pontes entre o povo, ao qual pertencem, e Deus»,afirmou o Papa na audiência geral de quarta-feira 17 de junho, que tevelugar na Biblioteca particular do Palácio apostólico do Vaticano, por causa dapandemia. Continuando o ciclo de catequeses iniciado a 6 de maio, o Pontíficefalou da oração de Moisés.

nós: quando temos dúvidas, mascomo podemos rezar? Nós conse-guimos rezar. E é com a sua fra-queza, e também com a sua força,que ficamos impressionados. Ape-sar de ser encarregado por Deus detransmitir a Lei ao seu povo, de serfundador do culto divino, de sermediador dos mistérios mais altos,contudo não deixa de manter es-treitos vínculos de solidariedadecom o seu povo, especialmente nahora da tentação e do pecado.Sempre ligado ao seu povo. Moisésnunca perdeu a memória do seupovo. E esta é uma grandeza dospastores: não esquecer o povo, nãoesquecer as raízes. É isto que Paulodiz ao seu amado jovem bispo Ti-móteo: “Recorda a tua mãe e a tuaavó, as tuas raízes, o teu povo”.Moisés é tão amigo de Deus quepode falar com Ele face a face (cf.Êx 33, 11); e permanecerá tão ami-go dos homens que sentirá miseri-córdia pelos seus pecados, pelassuas tentações, pela inesperadanostalgia que os exilados têm emrelação ao passado, lembrando-sede quando estavam no Egito.

Moisés não nega a Deus, mastambém não nega o seu povo. Écoerente com o seu sangue, é coe-rente com a voz de Deus. Portan-to, Moisés não é um líder autoritá-rio nem despótico; pelo contrário,o Livro dos Números define-o«mais humilde e paciente do quequalquer homem sobre a terra» (cf.12, 3). Apesar da sua condição pri-vilegiada, Moisés não deixa de per-tencer àquele grupo de pobres emespírito que vivem fazendo da con-fiança em Deus o viático do pró-prio caminho. Ele é um homem dop ovo.

Assim, a forma mais adequadade Moisés rezar será a intercessão(cf. Catecismo da Igreja Católica,2574). A sua fé em Deus é uma sócom o sentido de paternidade quenutre pelo seu povo. Habitualmen-te, a Escritura representa-o com asmãos erguidas para o alto, paraDeus, como se servisse de pontecom a sua pessoa entre o céu e aterra. Até nos momentos mais difí-ceis, até no dia em que o povo re-jeita a Deus e a ele mesmo como

guia, fazendo um bezerro de ouro,Moisés não quer pôr de lado o seupovo. É o meu povo. É o seu po-vo. É o meu povo. Não nega aDeus ou ao povo. E diz a Deus:«Este povo cometeu um grandepecado: fez para si mesmo umdeus de ouro. Rogo-vos que lheperdoeis este pecado! Caso contrá-rio, apagai-me do livro que escre-vestes!» (Êx 32, 31-32). Moisés nãopermuta o povo. Ele é a ponte, eleé o intercessor. Ambos, o povo eDeus, e ele está no meio. Ele nãovende o seu povo para fazer carrei-ra. Não é um carreirista, é um in-tercessor: pelo seu povo, pela suacarne, pela sua história, pela suagente e por Deus que o chamou. Éa ponte. Que bom exemplo paratodos os pastores que devem ser“p onte”. É por isso que se chamampontifex, pontes. Os pastores sãopontes entre o povo a que perten-cem e Deus, a quem pertencempor vocação. Assim é Moisés: “Pe r -doai, Senhor, o seu pecado, pois senão perdoares, apagai-me do livroque escrevestes. Não quero fazercarreira com o meu povo”.

E esta é a oração que os verda-deiros fiéis cultivam na sua vida es-piritual. Embora experimentem asfalhas das pessoas e a sua distânciade Deus, estes orantes não as con-denam, nem as rejeitam. A atitudede intercessão é própria dos Santosque, à imitação de Jesus, são “p on-tes” entre Deus e o seu povo. Nes-te sentido, Moisés foi o maior pro-feta de Jesus, nosso defensor e in-tercessor (cf. Catecismo da IgrejaCatólica, 2577). E também hoje, Je-sus é o pontifex, ele é a ponte entrenós e o Pai. E Jesus intercede pornós, mostra ao Pai as feridas quesão o preço da nossa salvação e in-tercede. E Moisés é a figura de Je-sus que reza por nós hoje, ele in-tercede por nós.

Moisés exorta-nos a rezar com omesmo fervor de Jesus, a intercederpelo mundo, a recordar que ele,

apesar de todas as suas fragilida-des, pertence sempre a Deus. To-dos pertencem a Deus. Os piorespecadores, as pessoas mais perver-sas, os líderes mais corruptos, sãofilhos de Deus e Jesus sente isso eintercede por todos. E o mundo vi-ve e prospera graças à bênção dosjustos, à oração de piedade, estaoração de piedade que o santo, ojusto, o intercessor, o sacerdote, oBispo, o Papa, o leigo, qualquerbatizado, eleva incessantemente pe-los homens, em todos os lugares eépocas da história. Pensemos emMoisés, o intercessor. E quando te-mos vontade de condenar alguém enos irritamos interiormente — irri-tar-se faz bem, mas condenar não— intercedemos por ele: isto ajuda-nos muito.

No final da audiência, saudando emdiversas línguas quantos o seguiamatravés dos meios de comunicação,Francisco recordou o “Dia daconsciência” e dirigiu aos fiéis delíngua portuguesa as seguintesp a l a v ra s .

Hoje é o “Dia da Consciência”,inspirado no testemunho do diplo-mata português Aristides de SousaMendes, que há oitenta anos deci-diu seguir a voz da consciência esalvar a vida de milhares de judeuse outros perseguidos. Que a liber-dade de consciência seja sempre eem toda parte respeitada; e que ca-da cristão dê um exemplo de coe-rência com uma consciência reta eiluminada pela Palavra de Deus.

Dirijo uma cordial saudação aosfiéis de língua portuguesa, encora-jando-vos a tornar-vos, com a vossaoração de intercessão e o vossoexemplo de vida cristã, “luz” paraos irmãos, especialmente paraaqueles que se encontram na escu-ridão das suas fraquezas, de modoque se deixem iluminar pela mise-ricórdia divina. Que Deus vosab enço e!

Estimados irmãos e irmãs,bom dia!No nosso itinerário sobre o temada oração, damo-nos conta de queDeus nunca gostou de lidar comorantes “fáceis”. Nem sequer Moi-sés será um interlocutor “fraco”,desde o primeiro dia da sua voca-ção.

Quando Deus o chama, Moisésé humanamente “um fracasso”. Olivro do Êxodo representa-o na ter-ra de Madian como um fugitivo.Quando era jovem sentiu piedadepelo seu povo, pondo-se tambémda parte dos oprimidos. Mas de-pressa descobre que, apesar dasboas intenções, das suas mãos nãobrota justiça mas, pelo contrário,violência. Eis que se desintegramos sonhos de glória: Moisés já nãoé um funcionário promissor, desti-nado a uma carreira rápida, mas al-guém que perdeu oportunidades, eque agora apascenta um rebanhoque nem sequer é seu. E é precisa-mente no silêncio do deserto deMadian que Deus convoca Moiséspara a revelação da sarça ardente:«“Eu sou o Deus do teu pai, oDeus de Abraão, de Isaac e de Ja-cob”. Moisés escondeu o rosto,pois não se atrevia a olhar paraDeus» (Êx 3, 6).

A Deus que fala, que o convidaa cuidar novamente do povo de Is-rael, Moisés opõe os seus receios eas suas objeções: não é digno da-quela missão, não conhece o nomede Deus, os israelitas não acredita-rão nele, tem uma língua que ga-gueja... E assim muitas objeções. Apalavra que floresce mais frequen-temente nos lábios de Moisés, emcada oração que dirige a Deus, é apergunta: “Porquê?”. Por que meenviastes? Por que quereis libertareste povo? No Pentateuco há atéum trecho dramático, onde Deusrepreende Moisés pela sua falta deconfiança, falta que o impedirá deentrar na terra prometida (cf. Nm20, 12).

Com estes temores, com este co-ração que muitas vezes vacila, co-mo pode Moisés rezar? Na verda-de, Moisés parece um homem co-mo nós. E isto também acontece a

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 23 de junho de 2020, número 25

Assim o Concílio sancionou o direito à liberdade religiosa

A declaração “Dignitatis humanae”ANDREA TORNIELLI

«Este Concílio Vaticano declara quea pessoa humana tem o direito à li-berdade religiosa». Foi a 7 de de-zembro, há 55 anos, e os bispos reu-nidos na Basílica de São Pedro apro-varam um dos documentos do Con-cílio mais longamente debatidos, adeclaração Dignitatis humanae s o b rea liberdade religiosa. «Esta liberdade— afirma o documento — consiste noseguinte: todos os homens devem es-tar livres de coação, quer por partedos indivíduos, quer dos grupos so-ciais ou de qualquer autoridade hu-mana; e de tal modo que, em maté-ria religiosa, ninguém seja forçado aagir contra a própria consciência,nem impedido de proceder segundoa mesma, em privado e em público,só ou associado com outros, dentrodos devidos limites. Declara, alémdisso, que o direito à liberdade reli-giosa se funda realmente na própriadignidade da pessoa humana, comoa palavra revelada de Deus e a pró-pria razão a dão a conhecer. Este di-reito da pessoa humana à liberdadereligiosa na ordem jurídica da socie-dade deve ser de tal modo reconhe-cido que se torne um direito civil».

A contribuição do Papa MontiniA Dignitatis humanae é um texto

que passou por uma transformaçãoradical durante cinco projetos dife-rentes antes de ser aprovado. O pro-blema fundamental, que criou maisdificuldades, foi como definir essa li-berdade. No segundo dos projetospreparados, ela foi apresentada co-mo um direito positivo, como facul-dade de agir e direito de não ser im-pedido de agir. «Mas já no terceiroesquema — recordou o cardeal domi-nicano Jérôme Hamer, na altura umdos teólogos especialistas que cola-borou na redação — a ambiguidadede uma liberdade religiosa definidacomo um direito positivo e negativotinha desaparecido. Falou-se entãode um direito à imunidade, um di-reito a não ser coagido por qualquerpoder humano não só na formaçãoda consciência em matéria religiosa,mas também no livre exercício da re-ligião». Uma contribuição decisivapara a formulação do documento epara a definição de liberdade religio-sa como imunidade veio de PauloVI, que, durante uma audiência pú-blica em 28 de junho de 1965, des-crevendo a liberdade religiosa, afir-mou: «Vereis uma grande parte des-ta doutrina capital resumida emduas propostas famosas: em matériade fé, que ninguém seja impedido!Que ninguém seja forçado»! (nemocogatur, nemo impediatur).

A ordem de votar o projetoO debate na sala foi vivaz, com

62 intervenções orais e cerca de umacentena de contributos escritos. Asdificuldades subsistiram e os órgãosdirigentes do Concílio decidiramnão deixar votar o texto, como soli-citado pelo Secretariado para a uni-dade dos Cristãos. Os receios ex-pressos foram sempre os mesmos: di-reitos iguais conferidos «aos que es-

tão na verdade e aos que estão noerro», a proposição de um modelo«de Estado neutro condenado pelaIgreja», uma doutrina «em oposiçãoà doutrina tradicional da Igreja so-bre a matéria». O Papa Montini in-terveio a 21 de setembro, dando or-dem para que os padres votassem,perguntando-lhes se o texto prepara-do poderia constituir a base para afutura declaração. A votação regista,dos 2.222 presentes, a resposta afir-mativa de 1.997, e negativa de 224 eum voto nulo. O cardeal Pietro Pa-van definirá como “histórica” a in-tervenção papal que decidiu votar op ro j e t o .

A dignidade da pessoaO texto definitivo do documento,

no primeiro parágrafo, diz o seguin-te: «Ora, visto que a liberdade reli-giosa... diz respeito à imunidade decoação na sociedade civil, em nadaafeta a doutrina católica tradicionalacerca do dever moral que os ho-mens e as sociedades têm para coma verdadeira religião e a única Igrejade Cristo». Portanto, a afirmação dodireito à liberdade religiosa nãoequivale a colocar no mesmo planoa verdade e a falsidade, nem a afir-mar indiferença ou arbitrariedade naesfera religiosa. «Uma vez que con-tinua a ser o dever de formar umaverdadeira consciência — observou opadre Gianpaolo Salvini — não háoposição à consciência da Igreja deser a única verdadeira religião... Ofundamento da liberdade religiosa éexpresso de forma assertiva e está in-dicado na doutrina católica da dig-nidade da pessoa humana. Além dis-so, a relação com os dados bíblicos ea revelação é vista de uma forma no-va, que, embora não fale expressa-mente deste direito (que é uma de-terminação civil e jurídica), revela noentanto a dignidade da pessoa hu-mana em toda a sua amplitude deuma forma congruente com a liber-dade do ato de fé cristão».

Contra o ateísmo de Estadonos países do Leste

«O contributo pessoal de Paulo VIpara este documento do Concilio foideterminante», afirmou o cardealPietro Pavan. O Papa interveio paraque o esquema em curso fosse vota-

do e contribuiu para a definição daliberdade religiosa como um direitoà imunidade. O contributo de Mon-tini deve também ser lido à luz daimportante visita à Onu em outubrode 1965 e dos primeiros contactoscom os regimes do Além-Cortina deFerro, com vista a melhorar de algu-ma forma as condições de vida doscristãos e, de um modo mais geral,das populações sujeitas à ditaduracomunista. A declaração Dignitatishumanae sobre a liberdade religiosaserá, de facto, um instrumento útilpara reivindicar o respeito por estedireito elementar nos países onde oateísmo de Estado era professado.

João Paulo II: um dos textosmais revolucionários

Numa mensagem de 7 de dezem-bro de 1995, por ocasião do trigési-mo aniversário da aprovação da de-claração, João Paulo II — que, comopadre conciliar, seguiu de perto ocaminho do documento, contribuin-do para a sua elaboração — afirmou:«O Concílio Vaticano II re p re s e n t o uuma graça extraordinária para aIgreja e uma etapa decisiva na suahistória recente. A Dignitatis huma-nae é, sem dúvida, um dos textosmais revolucionários. É seu o méritoparticular e importante de ter abertocaminho a esse diálogo notável efrutuoso entre a Igreja e o mundo,tão ardentemente instado e encoraja-do por outro notável documentoconciliar, a Constituição PastoralGaudium et spes, publicada naquelemesmo dia. Olhando retrospectiva-mente para os últimos trinta anos,há que admitir que o empenho daIgreja na liberdade religiosa comoum direito inviolável da pessoa hu-mana teve efeitos superiores a qual-quer previsão dos Padres concilia-res». Quatro anos antes, na mensa-gem para o Dia da Paz de 1991, oPapa Wojtyła reiterou que «nenhu-ma autoridade humana tem o direitode intervir na consciência de qual-quer homem». De facto, a consciên-cia é “inviolável”, na medida em queconstitui «a condição necessária paraa busca da verdade digna do homeme para a adesão a ela, se adequada-mente reconhecida». Por isso, decor-re que «todos devem respeitar aconsciência de cada um sem procu-rar impor a sua própria “v e rd a d e ” a

ninguém... A verdade impõe-se uni-camente em virtude de si mesma».

Bento XVIe o exemplo dos mártires

Recordemos também as palavrasque Bento XVI dedicou a este temano seu primeiro discurso à CúriaRomana, a 22 de dezembro de 2005,quando convidou «a considerar a li-berdade de religião como uma ne-cessidade derivante da convivênciahumana, aliás, como uma conse-quência intrínseca da verdade quenão pode ser imposta do exterior,mas deve ser feita pelo próprio ho-mem somente mediante o processodo convencimento. O Concílio Vati-cano II, com o Decreto sobre a liber-dade religiosa, reconhecendo e fa-zendo seu um princípio essencial doEstado moderno, recuperou nova-mente o património mais profundoda Igreja. Ela pode ser conscientede encontrar-se assim em plena sin-tonia com o ensinamento do próprioJesus como também com a Igrejados mártires, com os mártires de to-dos os tempos. A Igreja antiga, comnaturalidade, rezou pelos imperado-res e pelos responsáveis políticosconsiderando isso seu dever; porém,enquanto rezava pelos imperadores,recusou-se adorá-los, e com isto re-jeitou claramente a religião do Esta-do». «Os mártires da Igreja primiti-va — afirmou ainda o Papa Ratzin-ger — morreram pela sua fé naqueleDeus que se revelou em Jesus Cris-to, e exatamente por isso, morreramtambém pela liberdade de consciên-cia e pela liberdade de profissão daprópria fé — uma profissão que pornenhum Estado pode ser imposta,mas que se pode verificar somentecom a graça de Deus, na liberdadeda consciência. Uma Igreja missio-nária que, como se sabe, insiste emanunciar a sua mensagem a todos ospovos, deve empenhar-se pela liber-dade da fé».

D esafiopara o mundo globalizado

Num discurso dirigido aos partici-pantes no congresso internacional“Liberdade religiosa segundo o di-reito internacional e o conflito glo-bal dos valores”, o Papa Franciscoafirmou: «A razão reconhece na li-berdade religiosa um direito funda-mental do homem que reflete a suamais alta dignidade, a de poder pro-curar a verdade e de lhe aderir, e re-conhecer nela uma condição indis-pensável para poder alargar toda asua potencialidade. A liberdade reli-giosa não é só a de um pensamentoou de um culto privado. É liberdadede viver segundo os princípios éticosconsequentes à verdade encontrada,quer em privado quer em público.Este é um grande desafio no mundoglobalizado, onde o pensamento dé-bil — que é como uma doença —abaixa também o nível ético geral, eem nome de um falso conceito detolerância acaba-se por perseguir osque defendem a verdade acerca dohomem e as suas consequências éti-cas».

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número 25, terça-feira 23 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Síntese do documento elaborado pela Mesa interdicasterial sobre a ecologia integral cinco anos após a «Laudato si’»

Uma relação saudável com a criaçãoNa manhã de quinta-feira, 18 de ju-nho, foi apresentado na Sala de Im-prensa o documento «A caminho paracuidar da casa comum – Cinco anosapós a Laudato si’» elaborado pelaMesa interdicasterial da Santa Sé so-bre a ecologia integral. Propomos a se-guir uma síntese do documento.

ISABELLA PIRO

Oferecer uma orientação à ação doscatólicos, mas não só, e chamar to-dos os cristãos a uma relação saudá-vel com a Criação: são estes os obje-tivos do documento interdicasterial«A caminho para cuidar da casa co-mum», difundido por ocasião doquinto aniversário da encíclica “Lau-dato sì”, assinada pelo Papa Francis-co a 24 de maio de 2015 e publicadano dia 18 de junho seguinte. O textofoi elaborado pela Mesa Interdicas-terial da Santa Sé sobre ecologia in-tegral, criada em 2015 para analisar aforma de promover e implementar aecologia integral. Fazem parte delaas instituições ligadas à Santa Séque mais se dedicam a esta área, al-gumas Conferências Episcopais e or-ganizações católicas.

Embora redigido antes da pande-mia da Covid-19, o documento des-taca a principal mensagem da encí-clica: tudo está ligado, não há crisesseparadas, mas uma crise socioam-biental única e complexa que requeruma verdadeira conversão ecológica.A primeira parte inicia com umachamada à necessidade de conversãoecológica, uma mudança de mentali-dade que leva a cuidar da vida e daCriação, o diálogo com o outro e aconsciência da profunda ligação en-tre os problemas do mundo. Sugere-se, portanto, o reforço de iniciativascomo o Tempo da Criação, mastambém de tradições monásticas queensinam a contemplação, a oração, otrabalho e o serviço. Tudo com a fi-nalidade de educar para o conheci-mento da ligação entre o equilíbriopessoal, social e ambiental.

O documento reafirma então acentralidade da vida e da pessoa hu-mana, porque «não se pode defen-der a natureza se não se defender to-do o ser humano». Assim, a indica-ção de aprofundar o conceito de«pecado contra a vida humana», es-pecialmente entre as novas gerações,também para contrastar a «culturado descarte» com uma «cultura doscuidados».

Há também uma forte ênfase dafamília como «protagonista da eco-logia integral»: assente nos princí-pios básicos de «comunhão e fecun-didade», pode tornar-se «um lugareducativo privilegiado onde seaprende a respeitar o ser humano ea Criação». Por este motivo, os Es-tados são exortados a «promoverpolíticas inteligentes para o desen-volvimento familiar». Ao mesmotempo, espera-se que a escola adqui-ra «uma nova centralidade», tornan-do-se um lugar de desenvolvimentoda capacidade de discernimento, depensamento crítico e de ação res-ponsável. Duas, em particular, sãoas sugestões neste âmbito: facilitar asligações casa-escola-paróquia e lan-çar projetos de formação para a «ci-dadania ecológica», ou seja, difundirentre os jovens «um novo modelo

de relações» que vá além do indivi-dualismo em prol da solidariedade,da responsabilidade e do cuidado.

E, neste campo educativo, a uni-versidade também está envolvida: asua tripla missão de ensino, investi-gação e serviço à sociedade deve en-globar a ecologia integral, incenti-vando os estudantes a enveredar por«profissões que facilitem uma mu-dança ambiental positiva». Por isso,a sugestão específica de «estudar ateologia da criação, na relação do serhumano com o mundo», na cons-ciência de que cuidar da Criação re-quer «uma educação permanente»,um verdadeiro «pacto educativo»entre todos os organismos envolvi-dos.

O documento reafirma tambémque «o compromisso de cuidar dacasa comum é parte integrante da vi-da cristã», e não uma opção secun-dária. Mas não é tudo: o cuidado dacasa comum é também «um excelen-te espaço» de diálogo e colaboraçãoecuménica e inter-religiosa, pois coma sua «sabedoria» as religiões po-dem incentivar um estilo de vida«contemplativo e sóbrio» que vise«superar a deterioração do Planeta».

A primeira parte do documentoconclui-se com um capítulo dedica-do à comunicação e à sua «profundaanalogia» com os cuidados da casacomum: ambas, de facto, se baseiamem «comunhão, relação e ligação».Assim, no contexto de uma «ecolo-gia da mídia», os meios de comuni-cação social são instados a realçar asligações entre «o destino humano eo ambiente natural», capacitando oscidadãos e contrastando as chama-das notícias falsas.

A segunda parte do documentoabre com o tema da alimentação e areferência às palavras do Papa Fran-cisco sobre o desperdício: «a comidaque se desperdiça é como se fosseroubada da mesa do pobre» (Ls,50). Aqui está, portanto, a condena-ção do desperdício alimentar comouma injustiça, o apelo à promoçãode uma agricultura «diversificada esustentável», em defesa dos peque-nos produtores e dos recursos natu-rais, e a necessidade urgente de umaeducação alimentar saudável, tantoem quantidade como em qualidade.Há também um forte apelo a con-trastar fenómenos como a apropria-ção de terras, grandes projetos agro-industriais poluentes, e à proteçãoda biodiversidade.

Os ecos deste apelo encontram-setambém no capítulo dedicado à

água, cujo acesso deve ser considera-do «um direito humano fundamen-tal». Também aqui se exorta a evitaro desperdício e superar critérios uti-litaristas que conduzem à privatiza-ção deste bem natural. A seguir vemo apelo à redução da poluição, àdescarbonização do sector energéticoe económico e ao investimento emenergia «limpa e renovável», acessí-vel a todos. Também os mares eoceanos estão no centro da ecologiaintegral: «os pulmões azuis do pla-neta», exigem uma governação cen-trada no bem comum de toda a fa-mília humana e na subsidiariedade.

O texto salienta ainda a urgênciade promover uma «economia circu-lar» que não vise a sobre-exploraçãodos recursos produtivos, mas a suamanutenção a longo prazo, para quepossam ser reutilizados. É necessáriosuperar o conceito de «rejeição»,porque tudo tem um valor, lemos notexto. Mas isto só será possível atra-vés da interação entre inovação tec-nológica, investimento em infraestru-turas sustentáveis e crescimento daprodutividade dos recursos.

O sector privado é chamado aoperar de forma transparente na cor-rente de abastecimento e é auspicia-da a reforma de subsídios para oscombustíveis fósseis e a tributaçãodas emissões de Co2.

Assim, no âmbito do trabalho, es-pera-se a promoção de um desenvol-vimento socioeconómico sustentável,a fim de erradicar a pobreza; são ne-cessários percursos socioprofissionaisa favor dos marginalizados; é neces-sário um trabalho digno, saláriosjustos, a luta contra o trabalho in-fantil e o trabalho não declarado; es-pera-se uma economia inclusiva, napromoção do valor da família e damaternidade; é necessária a preven-ção e erradicação de «novas formasde escravidão», como o tráfico deseres humanos.

O mundo financeiro deve tambémdesempenhar o seu papel, visando a«primazia do bem comum» e procu-rando pôr fim à pobreza. «A própriapandemia da Covid-19 — lê-se notexto — mostra como se deve pôr emquestão um sistema que reduz obem-estar ou permite grandes espe-culações até nas calamidades, sem-pre em desvantagem dos mais po-bres». Fechar paraísos fiscais, sancio-nar as instituições financeiras envol-vidas em operações ilegais, colmataro fosso entre os que têm acesso aocrédito e os que não têm, estão entre

as sugestões feitas, juntamente coma exortação a promover «uma gestãodos bens da Igreja inspirada natransparência, coerência e coragem»numa perspectiva de sustentabilida-de integral.

Em relação às instituições, o do-cumento sublinha a «primazia dasociedade civil», ao serviço da quala política, os governos e as adminis-trações devem estar. Apela a umaglobalização da democracia substan-tiva, social e participativa, a uma vi-são a longo prazo baseada na justiçae na moralidade e à luta contra acorrupção. Nesta perspectiva, seráimportante promover o acesso à jus-tiça para todos, incluindo os pobres,os marginalizados, os excluídos; «re-pensar prudentemente» o sistemacarcerário para promover a reabilita-ção dos presos, especialmente dosjovens condenados pela primeiravez.

O texto insiste então na saúde,definindo «uma questão de equida-de e justiça social» e reafirmando aimportância do direito aos cuidados.«Ao mesmo tempo que as redes eco-lógicas se degradam, as redes sociaistambém se degradam e em ambos oscasos são os mais pobres que pagamas consequências». As sugestões in-cluem o exame dos perigos associa-dos à «rápida propagação de epide-mias virais e bacterianas» e a promo-ção de cuidados paliativos. Por fim,o documento aborda a questão cli-mática, consciente de que tem «umaprofunda “re l e v â n c i a ” ambiental, éti-ca, económica, política e social queincide principalmente sobre os maispobres». Em primeiro lugar, precisa-mos de «um novo modelo de desen-volvimento» que ligue sinergicamen-te a luta contra as alterações climáti-cas e a luta contra a pobreza, «emharmonia com a Doutrina Social daIgreja». Consciente de que «não po-demos agir sozinhos», o documentoapela a um compromisso de desen-volvimento sustentável «com baixasemissões de carbono» para reduziras emissões de gases com efeito deestufa. Entre as propostas apresenta-das neste âmbito, a reflorestação deáreas como a Amazónia e o apoio aoprocesso internacional destinado adefinir a categoria de «refugiado cli-mático» para assegurar a «necessáriatutela jurídica e humanitária» destasp essoas.

O último capítulo é dedicado aocompromisso do Estado da Cidadedo Vaticano, onde existem quatroáreas operacionais em que se apli-cam as indicações da Laudato si’: atutela do ambiente (com a recolhaseparada de resíduos iniciada em to-dos os escritórios) e dos recursos hí-dricos (por exemplo, com circuitosfechados para a água das fontes), ocuidado das áreas verdes (com a re-dução progressiva dos produtos fi-tossanitários nocivos) e a redução doconsumo e dos custos energéticos(em 2008, foi instalado um sistemafotovoltaico no telhado da Sala Ner-vi, enquanto os novos sistemas deiluminação economizadores de ener-gia na Capela Sistina, na Praça deSão Pedro e na Basílica do Vaticanoreduziram os custos respetivamentede 60, 70 e 80%).

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número 25, terça-feira 23 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

A palavracomo reflexo do divino

Um vocabulário do Papa Francisco

De “Batismo” a “Esp erança”

Vai da letra “b” de “Battesimo” à letra “s” de “Sp eranza” oitinerário através das palavras-chave da mensagem e ministériodo Pontífice, proposto no livro Francescamente parlando. Unvocabolario di Papa Francesco, “Franciscamente falando. Umvocabulário do Papa Francisco” (Cidade do Vaticano, Libreriaeditrice vaticana, 2020, 392 páginas), editado por Joshua J.McElwee e Cindy Wooden. Publicamos o prefácio dopatriarca ecuménico de Constantinopla e a introdução docardeal arcebispo de Boston.

Jesuíta e franciscanoSEAN O’MALLEY

Sempre gostei da piada sobre jesuítas efranciscanos que certo dia, andando pe-la rua, de repente são abordados porum jovem que lhes pergunta: «Irmãos,podeis dizer-me qual novena eu deveriarecitar para obter um BMW?». O fran-ciscano responde: «O que é umBMW?». E o jesuíta: «O que é uma no-vena?».

Agora temos um Papa que escapa aestas categorias, reunindo numa únicafigura tanto o jesuíta como o francisca-no. Acho que o Papa Francisco é o je-suíta inaciano por excelência. Abraçoua vocação de ser um seguidor de Iná-cio, que quer ser um Santo como SãoFrancisco. O nosso Papa é completa-mente jesuíta, inaciano na sua totalida-de, e fascinado por São Francisco. Du-rante o seu primeiro ano de pontifica-do, numa entrevista a «La Civiltà Cat-tolica», o padre Antonio Spadaro per-guntou-lhe por que se tornou jesuíta.O Papa respondeu que o tinham atraí-do três aspetos desta ordem: o espíritomissionário, a comunidade e a discipli-na, incluindo o modo como gerem otemp o.

É evidente que o Papa Franciscopossui estas caraterísticas em abundân-cia. Vive a sua vocação de jesuíta comintenso zelo missionário, amor à comu-nidade — que é comunidade em missão

— e com disciplina, na qual nada é des-perdiçado, especialmente o tempo.Pouco antes da sua ordenação, comtrinta e dois anos, Jorge Bergoglio es-creveu um breve credo, e disse que ain-da hoje conserva aquele documento aoseu alcance, como lembrança das suasconvicções fundamentais. Trata-se deum sinal claro do seu hábito de intros-peção, tão profundamente enraizado naformação jesuíta.

O Papa Francisco dedica-se à intros-peção, central na espiritualidade pró-pria desta ordem. A prática do examena empreender individualmente, onde etodas as vezes que as circunstâncias opermitiam, era o modo como Ináciopropunha manter os jesuítas congrega-dos em Deus, para preservar a sua con-centração, não obstante o estilo de vidaativo. O Santo Padre comentou estaatenção espiritual no seu discurso aosbispos brasileiros, durante a Jornadamundial da juventude de 2013, pergun-tando: «Se não formarmos ministroscapazes de aquecer o coração das pes-soas, de caminhar na noite com elas, dedialogar com as suas ilusões e desilu-sões, de recompor as suas desintegra-

ções, o que poderemos esperar para ocaminho presente e futuro?».

O Papa Francisco lembra-nos que nocoração de Deus há um lugar especialpara os pobres. Com efeito, é muitoeloquente na sua defesa dos mais ne-cessitados, e recorda-nos que temos odever de os ajudar através de progra-mas de promoção e assistência, mastambém trabalhando para erradicar ascausas estruturais da pobreza. NaEvangelii gaudium, o Santo Padre lançaum dos seus apelos mais apaixonados afavor dos pobres, ressaltando a impor-tância de lhes prestar assistência pes-soal: «Desejo afirmar, com mágoa, quea pior discriminação que sofrem os po-bres é a falta de cuidado espiritual. Aimensa maioria dos pobres possui umaespecial abertura à fé; tem necessidadede Deus e não podemos deixar de lheoferecer a sua amizade, a sua bênção, asua Palavra, a celebração dos Sacra-mentos e a proposta de um caminho decrescimento e amadurecimento na fé. Aopção preferencial pelos pobres devetraduzir-se, principalmente, numa soli-citude religiosa privilegiada e prioritá-ria» (n. 200).

Afirmou também que o catolicismonão é um “elenco de proibições”. Exor-ta-nos a ser positivos, a exaltar o quenos une e não o que nos divide, a pri-vilegiar a ligação entre as pessoas e ocaminho partilhado, observando que senos concentrarmos nos aspetos que nosunem, depois será mais fácil ultrapassaras diferenças. O Santo Padre sugeretambém que todas as formas de cate-quese sigam o “caminho da beleza”,mostrando aos outros que seguir Cristonão é apenas bom e justo, mas tambémbelo, algo capaz de encher a vida denovo esplendor e profunda alegria, aténo meio das dificuldades.

O Papa Francisco compreende queas palavras que usamos para falar dopovo de Deus e da obra da Igreja sãode grande importância e muitas vezespodem fazer a diferença entre estaraberto a uma maior escuta e ter emconsideração uma vida de fé, ou afas-tar-se, sentindo-se excluído, rejeitadoou marginalizado como indigno. Par-tindo da reflexão espiritual de que to-dos os nossos dons, talentos e conquis-tas são dádivas de Deus, o Santo Padreofereceu-nos um vocabulário queabrangem atenção, solicitude, inclusãoe serviço. Com a ajuda de Deus e como apoio recíproco, podemos valorizarestes ensinamentos e continuar a nossacaminhada como discípulos missioná-rios por Cristo.

Dez anos após a morte do autor de “Ensaio sobre a cegueira”

Saramago e a miopia do mal

Por detrásdos acontecimentos mais dísparesNascido na pequena aldeia de Azinhaga, em Portugal, a 16 de novembro de1922, José Saramago faleceu nas Ilhas Canárias, no dia 18 de junho de hádez anos. Inicialmente dedicou-se à atividade de tradutor e de críticoliterário, publicando uma coleção de poemas e vários textos teatrais,romances e contos. A apreciação da crítica chegou em 1982, com Me m o r i a ldo convento e, sucessivamente, com O ano da morte de Ricardo Reis, mas overdadeiro sucesso internacional veio aproximadamente uma década maistarde, com o controverso Evangelho segundo Jesus Cristo e Ensaio sobre acegueira, que em 1998 lhe valeram o prémio Nobel da literatura. JoséSaramago continuou a escrever até aos últimos anos de vida, assinandoobras de grande relevância, como Todos os nomes, As intermitências da morte eCaim, seu último romance. Não obstante o pessimismo de que muitas dassuas obras estão imbuídas, prestando-se a vários níveis de leitura, no décimoaniversário da sua morte preferimos recordá-lo como um autor que, noentanto, procurou destacar o fator humano que se esconde por detrás dosacontecimentos mais díspares. Para Saramago não existem heróis, masunicamente homens, com as suas virtudes e os seus defeitos, no fundosimples porta-vozes da raça humana, dignos de uma compaixão que noEnsaio sobre a cegueira é bem expressa com as seguintes palavras: «Ser umfantasma deve ser isto, ter a certeza de que a vida existe, porque quatrosentidos o dizem, e não a poder ver». (sérgio suchodolak)

Um mural dedicado a Saramago em Lisboa

SÉRGIO SUCHOD OLAK

No seu discurso por ocasião daatribuição do prémio Nobelde literatura (1998), o escritor

e dramaturgo José Saramago quisprestar uma homenagem deveras cari-nhosa ao seu avô materno, «o ho-mem mais sábio que já conheci, em-bora não soubesse ler nem escrever».Com ele, recordava ainda o roman-cista português, nas noites quentesde verão, algumas vezes «eu dormiadebaixo de uma grande figueira e en-tre os ramos altos da árvore, uma es-trela aparecia-me, e depois, lentamen-

te, escondia-se por trás de uma fo-lha». Enquanto o sono não chegava,a noite povoava-se com as históriasque o embalavam suavemente. «Umdia tinha de chegar em que contariaestas coisas. Nada disto tem impor-tância, a não ser para mim», diziaele, interrogando-se a que melhor“á r v o re ” se poderia encostar.

A entrega do Nobel coincidiu comas celebrações planetárias do cin-quentenário da Declaração dos direi-tos do homem; obviamente, o escri-tor aproveitou a oportunidade pararecordar que «as injustiças ainda semultiplicam, as desigualdades se

agravam, a ignorância cresce, a misé-ria se alastra» no mundo. Com efei-to, a denúncia da opressão e da ini-quidade que corroem o espírito hu-mano distinguiu grande parte da suavasta produção, na qual ele frisa fre-quentemente que se perdeu o sentidode solidariedade e que esta perda le-vou a sociedade contemporânea e assuas estruturas de poder a tornar-seprofundamente míopes. Como se lêna motivação do Nobel, graças «aparábolas portadoras de imaginação,compaixão e ironia, o autor tornaconstantemente compreensível umarealidade fugidia».

O intenso romance Ensaio sobre acegueira (1995) é um válido exemplodisto. Nesta obra, o escritor faz umaanálise lúcida da natureza humana,descrevendo o modo como, de formainesperada e misteriosa, um automo-bilista parado diante do semáforovermelho de repente fica cego, o “pa-ciente zero” daquela que em brevetempo se tornaria uma verdadeiraepidemia, atingindo indiscriminada-mente todos os habitantes de um lu-gar não bem determinado, com a ex-ceção de uma única pessoa, identifi-cada simplesmente como «a mulherdo médico» (na verdade, nesta histó-ria nenhum dos personagens tem no-me próprio), e provocando um cená-rio apocalíptico.

Com efeito, o tema central por de-trás dos acontecimentos absurdos einexplicáveis desta história é o da in-diferença e do egoísmo que, com adifusão da pandemia, se tornam cadavez mais evidentes, e que o autor de-nuncia com veemência, como duracrítica à sociedade em geral e, emparticular, a esta comunidade urbanaespecífica, na qual a cegueira “bran-ca” - assim chamada porque quantossão atingidos ficam como que envol-vidos por um mar de leite - conseguedeturpar as leis mais elementares davida comunitária, revelando o piorque se aninha na alma humana.

Aliás, revendo a natureza da desor-dem que se veio a criar com o surtoda doença, que afetou a populaçãode forma tão indiscriminada e insen-sata, questiona-se se porventura elanão estava presente já antes que a ce-gueira tivesse obscurecido os olhosdas pessoas, se foi a repentina escuri-dão que criou o caos, ou se ele setornou “visível” precisamente porcausa da cegueira.

Levando a resignada protagonistafeminina a dizer: «Penso que não ce-gámos, penso que estamos cegos, ce-gos que veem. Cegos que, vendo,não veem», o autor convida o leitor àconsciência e à responsabilidade dever, enquanto muitos, infelizmente,perderam esta capacidade. Perante oegoísmo exasperado, interroga-se per-plexo se todos nós devemos ser cegospara ver o outro.

Quando os personagens da histó-ria são abandonados à própria sorte,

trancados num hospício onde os re-cursos são praticamente inexistentes,as regras sociais básicas, aprendidasao longo do percurso da vida, esmo-recem de repente. E o espaço deixa-do à sua criatividade, teoricamenteideal para conceber uma nova formade comunidade mais solidária, trans-forma-se pouco a pouco, revelandoao contrário os impulsos mais primi-tivos do ser humano. Em pouco tem-po, a única lei será a do mais fortesobre o mais fraco, em que poucostornam impossível a vida da maioria,desanimada e indefesa. Um mundodo qual a solidariedade é completa-mente banida, onde o homem chegaa anular a própria evolução biológi-ca, cultural e comunitária. Nas garrasdo medo do outro, somente a lutapela sobrevivência parece mantê-lovivo.

Partidário convicto do pessimismoantropológico, mas profundo conhe-cedor do espírito humano, o autorafirma «que nós não somos bons, e épreciso que tenhamos coragem parareconhecer isso», se quisermos aspi-rar ao restabelecimento, e que a nos-sa reação em situações de impotênciae abandono pode tornar-se impiedo-sa e perder qualquer sombra de obje-tividade, levando-nos ao verdadeirodesprezo pelo outro.

No final do período de confina-mento, quando a mulher do médicodeixa o lazareto (onde tinha entradofingindo ser cega para salvar o mari-do) e enfrenta o seu destino, compre-ende que tudo o que acontecera nãomelhorou minimamente a espécie hu-mana. Pelo contrário, o mundo doscegos tristemente abriu o caminhopara o mundo dos bárbaros.

Entrando numa igreja, depara-secom um cenário que a deixa indigna-da. Todos os Santos estão vendados,e até Cristo na cruz, como se se qui-sesse afirmar que o próprio Deus jánão merece ver: «Se os céus não ve-em, que ninguém veja». Na verdade,é o homem que, sentindo-se abando-nado ao seu trágico destino, não querser visto e culpa Aquele que, na suaopinião, não foi capaz de o salvar.

Não obstante a sua visão distópicado mundo, esta história pode fazer-nos refletir sobre os comportamentoshumanos, especialmente nos momen-tos mais complexos e imprevisíveisda vida, se não quisermos mergulharno absurdo. Ainda se pode esperarque para as trevas da razão haja umremédio eficaz, ou seja, o da compai-xão. Um antídoto seguro contra a in-diferença, o único que nos pode levarda cegueira e dureza de coração aorespeito pelo outro, matéria-primafundamental para a construção da ci-vilização do amor. Talvez semelhanteàquela que povoava os sonhos do au-tor que, quando era criança, adorme-cia feliz com o seu avô debaixo deuma grande figueira.

BARTOLOMEU

Écom grande alegria que nos unimos aesta maravilhosa “antologia”, palavragrega que indica uma fascinante seleção

de reflexões estimulantes, uma coletânea de in-teressantes contribuições inerentes a um dosmais eminentes chefes religiosos.

O presente volume reúne reflexões sobre aspalavras-chave da mensagem e do ministériodo nosso amado irmão, o Papa Francisco. To-davia, as palavras são muito mais do que sim-ples comentários, muito mais importantes doque frases comuns. As palavras são expressãointrínseca da vida, o nosso reflexo mais íntimoda divindade, a própria identidade de Deus:«No princípio era o Verbo, e o Verbo estavacom Deus, e o Verbo era Deus» (Jo 1, 1).

Com efeito, deveremos prestar contas de ca-da palavra que sai dos nossos lábios (cf. Mt12, 36). As palavras podem salvar ou destruir(cf. Pr 12, 6), revelar-se produtivas ou destrui-doras (cf. Pr 8, 21), gerar benevolência e edifi-cação (cf. Ef 4, 29), ou amargura e maldição(cf. Rm 3, 14). Acima de tudo, deveríamos es-tar «sempre prontos a responder a todo aqueleque vos perguntar a razão da vossa esperança»(1 Pd 3, 15).

Durante os encontros e as reflexões com onosso irmão, o Bispo de Roma, experimenta-mos a profunda sacralidade das palavras. Re-cordamos e estamos conscientes de que as pa-lavras são capazes de construir pontes, mastambém muros. Portanto, juntos, procuramospromover um diálogo de amor e de verdade,«agindo segundo a verdade na caridade» (Ef4, 15).

Naturalmente, as palavras podem expressare descrever as emoções humanas, mas nuncapoderão narrar de modo exaustivo nem definiradequadamente o coração humano. No entan-to, podem revelar vislumbres no mundo deoutro ser humano, dar voz aos seus interesses

ou às suas preocupações. Se prestarmos aten-ção a quão frequentemente repetimos determi-nadas palavras ou ao modo como as pronun-ciamos, descobriremos as tendências e as pai-xões que dão forma à nossa própria vida.

Por isso, não nos surpreendeu muito desco-brir que os termos selecionados neste volumesão aqueles que distinguem e evocam os prin-cípios fundamentais que o Papa Francisco pri-vilegiou e fez seus:

— O seu ministério é inteiramente dedicadoa Jesus e à Igreja como Corpo de Cristo, aomesmo tempo que continua a salientar os abu-sos clericais e encoraja uma maior responsabi-lização;

— Esforça-se por relacionar os sacramentosda Igreja com a vida concreta do mundo, des-de o batismo até às lágrimas;

— Na Igreja como instituição, deseja menosclericalismo e mais colegialidade, embora con-tinue a admoestar contra a indiferença e aapoiar o discernimento;

— Nas relações entre a sua Igreja e os ou-tros, promove o diálogo e o ecumenismo, oencontro e o abraço;

— Na comunidade global, desvenda a com-plexa ligação entre capitalismo e criação, per-seguição e refugiados;

— Preocupa-se com a família, as mulheres,as crianças e os avós.

Mas, acima de todos os aspetos, o que im-pressiona são as suas virtudes específicas, quedefinem a sua mensagem e dela dão testemu-nho:

— dignidade e justiça,— misericórdia e esperança,— mas, sobretudo, amor e alegria.Este livro transcende as meras palavras. É

um maravilhoso mosaico de elementos colori-dos e cativantes, que revelam o homem miseri-cordioso e compassivo que conhecemos comoPapa Francisco.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 23 de junho de 2020, número 25

Pároco globalOs efeitos da pandemia na vida das comunidades católicas no mundo

ROBERTO CETERA

A nossa viagem sobre os efeitos daCovid na vida da Igreja continuaalém das fronteiras italianas, procu-rando saber não só como os cristãosviveram o tempo da pandemia, mastambém se algo, no modo de rezar ede ser comunidade, mudou e se amudança irá persistir no futuro. Seos dois artigos anteriores já nos mos-traram algumas tendências sobre asquais refletir, as coisas complicam-sebastante quando se atravessa as fron-teiras italianas. Porque não devemosesquecer que o tempo da propaga-ção do vírus é diferente, e na Itália,infelizmente, começou antes em rela-ção a muitos outros países.

Muitas das situações que interpe-lamos nesta rápida volta ao mundoainda estão no meio da tempestade,com as igrejas fechadas para as cele-brações eucarísticas. Começandocom a situação explosiva na Américado Sul. O padre Cristián Borgoño éo simpático pároco de Jesus MestreDivino, uma vasta comunidade detrinta mil habitantes em Santiago doChile: «Aqui os contágios e as mor-tes continuam a crescer, e não há si-nais de diminuição. Trata-se de umasituação epidémica bastante diferen-te da italiana. No sentido em quenão se atinge os mesmos picos dra-máticos, mas existe, como dizem oscientistas, um planalto do qual sedescerá muito lentamente. Isto signi-fica um tempo muito mais longo pa-ra o regresso à normalidade. As igre-jas estão fechadas para as liturgiasdesde 15 de março, mas, realistica-mente, ainda estarão fechadas pelomenos por mais dois meses. Prova-velmente esta situação específica de-ve-se ao facto de o lockdown não sertão rígido como o vosso: há muitotrabalho precário e não regulamenta-do que obriga muitas pessoas a sairde casa de qualquer maneira para sesustentarem financeiramente. Aindahá — recordou — quem venha à igre-ja para rezar, mas começámos ime-diatamente a transmitir missa e cate-quese na nossa web TV, que é muitop opular».

Para a transmissão da missa é se-guido um método interativo: quemse conecta pode recitar as leituras, aoração dos fiéis, cantar os salmos eos hinos; desta forma reduz-se o ris-co de passividade e de distração.“Mudanças?”, pergunta-se o padreCristián. «Pois bem, noto duas coi-sas: as pessoas reorganizaram certa-mente as prioridades da sua vida eestão a experimentar oportunidadese aspetos críticos da vida em co-mum. Aos meus paroquianos casa-dos eu disse em tom de brincadeira:“Coragem. Chegareis primeiro àsbodas de prata, porque um mês decoabitação forçada durante a qua-rentena vale um ano de casamento”.Para nós, sacerdotes, digo a verdade,é difícil. Aqui não é como na Euro-pa, as vocações são escassas, e porisso muitos párocos vivem sozinhos.E três meses de solidão são difíceis.Mesmo se os bispos estejam próxi-mos de nós e nos telefonem frequen-temente».

No Brasil, a situação, como se sa-be, é muito mais grave. AntonellaGrinover, católica, mãe de nove fi-lhos em São Paulo, diz-nos: «Paraalém do sofrimento da doença aqui,a situação está a explodir do pontode vista social. A pandemia juntou-se a uma crise económica grave pré-existente. Aqueles que antes viviamà margem da sociedade estão agoraabandonados a si próprios. Nem se-quer podem pedir esmolas. A Cári-tas faz o que pode, mas os necessita-dos são muitos e os recursos poucos.Do ponto de vista religioso, a únicacoisa que vejo agora é a grande difu-são de mensagens apocalípticas euma leitura da pandemia como casti-go divino por parte das seitas evan-gélicas que aqui são muitas, coisasestranhas que, por vezes, conquistamaté os setores menos cultos dos cató-licos. Tendências que os nossos pas-

bilidades dispondo de uma segundacasa, deixou Nova Iorque, indo paraa Florida, por exemplo, para voltarno final do verão. Na minha paró-quia há muitos imigrantes, italianos,brasileiros e filipinos, que são os queestão a pagar o preço social maiselevado desta situação, com a perdade todas as fontes de rendimento.Nos primeiros dias de julho, esperoque também nós possamos entrar nafase 2 — o governador Cuomo indi-cou quatro fases — na qual as cele-brações litúrgicas serão gradualmen-te retomadas». Duas coisas, segundoPlodari, permanecerão certamenteno tempo: «A dupla via de um mi-nistério pastoral presencial e onlinee, sobretudo, o forte espírito de soli-dariedade que esta tragédia suscitou.Para nós, sacerdotes, houve um bo-nito regresso a uma vida intensa defraternidade. E para mim foi um

razão, em primeiro lugar, com a suaproteção. É demasiado cedo para di-zer de que modo a Igreja mudará,mas creio que estes meses trouxeramà luz dois pontos sensíveis sobre osquais devemos refletir em abundân-cia: o papel da mulher na Igreja e arelação entre leigos e sacerdotes.Mulheres e leigos, empenhados notrabalho pastoral e na caridade, têmsido a espinha dorsal da Igreja nestaturbulência».

Mais uma faixa de mar e em Lon-dres batemos à porta de JonathanBoardman, um sacerdote anglicanomuito ecuménico que, em Roma, a26 de fevereiro de 2017, recebeu oPapa Francisco na igreja de AllSaints. Pároco de Saint Paul, nobairro populoso de Clapham, expli-cou que «os lugares de rito de todasas religiões estão sujeitos às mesmasrestrições dadas pelo governo». Poroutras palavras, só o celebrante e umministro podem participar nos ritos.Ao contrário de nós, anglicanos, asparóquias católicas equiparam-seimediatamente para a transmissão demissas online. O nosso primaz Jus-tin Welby deu-nos indicações dife-rentes, um pouco por relutância emadmitir o princípio de uma Eucaris-tia sem comunidade mas sobretudopor solidariedade para com outrasexpressões religiosas. No entanto, aolongo do período houve uma con-sulta mútua constante com o primazcatólico, cardeal Vincent Gerard Ni-chols. Na próxima segunda-feira, asigrejas serão reabertas pelo menospara a oração individual. Celebreionline apenas na Páscoa e no Pente-costes, e no final da missa — re v e l o u— entreguei as partículas consagra-das dentro de um saquinho a cadafiel que se tinha apresentado à portada reitoria. Liguei-me frequentemen-te com os nossos fiéis para as laudes,as vésperas e as completas, que fo-ram muito seguidas. Em média, oscontactos online eram três vezesmais numerosos do que as pessoasque habitualmente vão à igreja aosdomingos, e temos de apreciar e re-fletir sobre isto. Há muitas pessoasnovas a chegar, porque este foi ummomento para repensarem toda asua vida, o seu verdadeiro significa-do e qual é realmente a prioridade.Permanecer em casa numa cidadecheia de trabalhadores suburbanosfez renascer a sensação de pertençaao lugar onde se vive e, portanto, àprópria paróquia. A situação social ébastante grave. E receio, concluiu,que neste sentido o pior ainda vaichegar no outono: confio tanto nosentido da solidariedade recíprocaque muitos testemunharam nas últi-mas semanas».

Na França, a intervenção do Esta-do na esfera das atividades religio-sas, em nome da laicidade, não é no-vidade. O padre Gaetano Saracino,que regressou recentemente de Paris,afirmou que «esta relação particulardespertou, contudo, ao longo dotempo, uma experiência de fé que,se por um lado não é muito visívelcom gestos exteriores, por outro, seestendeu com formas mais maduras,profundas e conscientes». De que

tores, por causa das restrições, têmdificuldade de contrastar».

Subimos o continente e chegamosaos Estados Unidos, a Nova Iorque.Em Manhattan, na paróquia dedica-da a Nossa Senhora de Pompeia,encontramos o padre Angelo Ploda-ri, que é também o superior dos sca-labrinianos da América do Norte.«Apesar de termos vivido os aconte-cimentos italianos através da televi-são e de termos uma certa vantagemtemporal, chegámos muitas vezesimpreparados a este ciclone. Acimade tudo — salientou —, não imaginá-vamos que teria sido tão violentoaqui. Começámos imediatamente pe-las liturgias e pelo trabalho pastoralonline, o que é muito difícil com osidosos que não têm familiaridadecom a tecnologia. Com eles segui-mos então o método mais prático delevar o boletim paroquial e os subsí-dios à oração doméstica, juntamentecom as compras para os idosos quevivem sozinhos. Quem tinha possi-

grande conforto receber duas vezeso telefonema do cardeal Dolan quecontactou todos os seus párocos».

Voamos sobre o Atlântico, até àfronteira do continente europeu,Dublim, onde nos falou da pande-mia que enfrentou junto com os ca-tólicos da Irlanda, a irmã Kitty, umareligiosa muito ativa das Infant Je-sus Sisters, comprometida no traba-lho social. A irmã Kitty começou afalar com uma voz quebrada pelaemoção, pois perdeu quatro irmãsvítimas da Covid-19 em Cork: «Es-peramos reabrir as igrejas, depois devários adiamentos, com a solenidadede 29 de junho. É claro que foi mui-to difícil, e continua a ser. Do pontode vista social é um desastre, a po-breza tem crescido tanto. As missase a catequese online têm tido grandesucesso. Mas o problema é que onosso clero, em média, é bastanteidoso, não está habituado a utilizaros novos meios de comunicação so-cial e preocupa-se bastante, e com

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número 25, terça-feira 23 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

maneira? «Para começar, com os bo-letins informativos, que não são me-ros boletins paroquiais, mas verda-deiras revistas com perspetivas temá-ticas, teológicas ou sociais. Muitoforte é também a presença cultural,com conferências e concertos, porexemplo, que durante o lockdownfoi transmitida através da Kto, tele-visão do episcopado francês. E de-pois, certamente, orações e missasonline. O “jejum eucarístico” p esoucertamente entre os fiéis, mas a ten-dência, sempre presente, para refletire tematizar transformou uma negati-vidade numa oportunidade de reava-liar a prática eucarística fora da re-petibilidade. E depois, obviamente,solidariedade caritativa, que atingiupicos inesperados.

Também neste caso, a igreja deSaint-Bernard, agora conhecida co-mo “Sainte-Marie des sans-papier”,acolheu muitos imigrantes, pobres edesalojados, privados até de esmolas.Penso que a sensação generalizadade fragilidade alimentou na Françasecular a ideia de que o homem po-de ser habitado por um desejo quenão é apenas o de identidade oumaterialidade».

A última consideração, que não émuito diferente das outras, foi reco-lhida na Suíça, no cantão de Argó-via, onde encontramos padre RolandHäfliger, pároco da Igreja do Sagra-do Coração de Lenzburg, juntamen-te com o missionário para os imi-grantes italianos, padre Luigi Tallari-co. «Começámos de novo a celebrarmissa no Pentecostes. Aqui não hou-ve um lockdown tão severo como naItália, mas agora as medidas paravoltar a celebrar são muito restriti-vas: praticamente apenas 25% doslugares podem ser ocupados, o quesignifica cerca de oitenta nas gran-des igrejas, mas apenas cerca de deznas menores, com a obrigação de re-servar. As indicações dadas pelo go-verno federal foram depois interpre-tadas de várias maneiras pelos con-selhos pastorais, que no sistema dualsuíço têm sempre a última palavraem matéria religiosa. Durante esteperíodo desenvolvemos um trabalhopastoral porta-a-porta em versão di-gital, escrevendo e telefonando à

maioria dos nossos paroquianos, es-pecialmente aos mais frágeis, idosose pobres. Distribuímos muitos bó-nus para os supermercados da re-gião, porque apesar do elevado nívelde bem-estar dos suíços, o descon-forto social fazia-se sentir».

O padre Ewald Volgger é um teó-logo que ensina liturgia em Linz, nonorte da Áustria. «No nosso paísnão houve muito sucesso com asmissas online, porque o nosso cleroé bastante idoso e muitos padres fi-caram em casa por medo de contá-gio. Por outro lado, todos os cris-tãos deste Estado são bastante ido-sos, num país que é hoje muito se-cularizado. Não me parece que temmuitos problemas existenciais, massobretudo preocupações económicas.As missas do cardeal Schönborntransmitidas pela televisão, ao con-trário, foram muito seguidas. Tenhoduas preocupações: que durantemuito tempo poucas pessoas volta-rão à igreja, e a impressão de que aspessoas não aprenderam a rezar emcasa. Trabalhar sobre os jovens e re-educá-los para a oração são as nos-sas prioridades pastorais».

Subimos para norte e atravessa-mos a região do Sudetas até chegara Breslávia, onde encontramos o pa-dre Zacheusz Drążek. «Na Polónia,embora com muitas precauções, re-começámos a missa há duas sema-nas. Na realidade, aqui na nossadiocese, as indicações gerais da con-ferência episcopal são firmes, as de-cisões práticas foram tomadas pelosbispos individualmente, portanto asituação é diferente em cada diocese.Na nossa paróquia franciscana temostrabalhado muito online, e a tradi-cional devoção mariana dos polacostem sido expressa numa interminávelcorrente de rosários. Por outro lado,a prática da oração doméstica, espe-cialmente entre os idosos, nunca fal-tou. No início havia tanto medo, atéalgumas almas mais simples temiamo fim do mundo. Procurámos acom-panhar todos, espiritual, material epsicologicamente. Estamos conscien-tes de que nos espera uma dura re-tomada no outono, com tanto parareconstruir a nível pastoral: será ne-

cessária muita energia, mas tambémmuita criatividade».

Mais uma vez, olhamos para forada Europa indo a Israel. O padreBruno Varriale é o guardião do san-tuário da Anunciação em Nazaré.Mas é também psicólogo e psicote-rapeuta que sabe bem como a pan-demia atingiu a alma e o espírito daspessoas. «Em ambos os níveis, psi-cológico e espiritual, temos trabalha-do muito sobre o tema da dor. Tan-to os meus confrades como a popu-lação cristã de Nazaré sentiram opeso da descoberta repentina da fra-gilidade do nosso ser. Sou muito po-sitivo, porque acredito que muitosreceios foram superados precisamen-te através de um crescimento espiri-tual decisivo, a começar pela cons-ciência da própria criaturalidade.Com uma piada: no final, a vacinado corpo está no espírito. Consegui-mos ser uma referência para muitos.Temos de continuar a trabalhar nes-se sentido: concordo plenamentecom as palavras pronunciadas peloPapa no Domingo de Pentecostessobre a necessidade de não perder-mos este tempo, que pode ser lidocomo um tempo de Graça, uma lon-ga Quaresma de que precisávamos.Deus não perturba a felicidade dosseus filhos, mas Ele prepara-nossempre para uma alegria já grande.Como psicólogo, reelaborei muitoneste tempo Viktor Frankl: é na di-minuição, no sofrimento, na dor queo homem redescobre a essência e overdadeiro significado da sua exis-tência. A humanidade da Encarna-ção, que aqui em Nazaré foi realiza-da, de Jesus que chora Lázaro, quechora por Jerusalém, que experimen-ta o medo no Getsémani, são asimagens poderosas que nos permiti-ram elaborar um mal, que Deus co-nhece bem porque Ele o partilhou».

Terminamos a nossa viagem re-gressando ao coração da Europa,Luxemburgo, onde procuramos umasíntese com o cardeal Jean-ClaudeHollerich, que é também presidenteda Comissão das conferências epis-copais da Comunidade Europeia(Comece). «Também eu fui forçadoa ficar em quarentena por causa deum colaborador que adoeceu, e foiuma graça porque esta autolimitaçãome fez sentir mais solidário com omeu povo. Recomeçámos a missaem público na sexta-feira anterior aoPentecostes, devo dizer, depois deuma minha contestação, porque oGoverno nos tinha esquecido umpouco. Tivemos cento e dez mortes,que para um país muito pequeno co-mo o nosso são muitas. Quase todosidosos e em lares para a terveira ida-de, o que não é uma atenuação, por-que a falta de proteção dos idosos énegativa para a sociedade e para aIgreja. Os nossos sacerdotes têm si-do muito bons e criativos, não sócom as missas online, mas conti-nuando a manter o contacto com to-dos os fiéis, através de telefonemas,Whattsapp e até com o envio ines-perado de um bolo, juntamente comos subsídios litúrgicos. A pandemiacoincidiu com as celebrações doscento e cinquenta anos da nossa dio-

cese: pudemos fazer apenas emstreaming a última peregrinação aosantuário de Maria consoladora dosaflitos. Verifiquei um grande pedidode regresso às igrejas abertas, por-que é natural que em momentos degrave dissolução como este as pes-soas peçam para reafirmar a suaidentidade através de um sentido depertença mais forte».

O que irá ainda mudar? «Bem,entretanto poderia dizer-vos que,neste tempo, ficou bem clara a dife-rença entre aqueles que são cristãosna fé e os que o são por tradiçãocultural. Os primeiros, neste perío-do, amadureceram mais na fé, os se-gundos, quer sejam conservadoresquer liberais, sairão deste tempomuito mais fracos. Certamente quedesta vez haverá uma aceleração for-çada na renovação da Igreja, daqual, em união com o Papa Francis-co, sentimos tanta necessidade. So-bretudo no que se refere à relaçãoentre leigos e presbíteros. Além dis-so, a história ensina-nos que as gran-des epidemias dos séculos passadosproduziram sempre grandes acelera-ções: em cinquenta anos amadurece-ram processos que, noutros tempos,teriam exigido trezentos. Acreditoque a renovação da Igreja vai sofreresta aceleração». O que acontecerá àEuropa? «Houve pouca, muito pou-ca nesta vicissitude. A gestão dasmedidas reativas foi feita totalmenteem dimensão nacional, não se trataapenas de uma questão de desprepa-ro: não houve vontade alguma deceder à soberania nacional. As fron-teiras fechadas entre os países euro-peus têm sido um símbolo disto. Vi-ver o aniversário da invasão do nos-so país durante a segunda guerramundial, quando voltámos a ver asfronteiras fechadas com a Alemanha,foi uma ferida. Devo dizer que setrata de uma crítica que é sobretudoautocrítica: ainda não existe uma di-mensão europeia para a Igreja. Noentanto, há uma grande necessidadedisto. O organismo ao qual presidoé certamente útil, mas não é sufi-ciente. As Igrejas nacionais tambémreagiram à pandemia cada uma porsua conta. Congratulo-me com a re-cente proposta franco-alemã de soli-dariedade europeia em matéria decuidados de saúde, mas nós, Igreja,devemos também ser capazes de de-senvolver projetos de solidariedadecomuns. Estou a pensar, por exem-plo, no fosso económico entre ospaíses do norte e os do sul da Euro-pa, que receio venha a aumentar nospróximos meses: podemos superarunidos a pobreza. As igrejas nacio-nais devem aprender a ouvir-se mu-tuamente e a falar umas com as ou-tras. Gostaria de focalizar um últimoaspeto. Também aqui, mesmo entreaqueles que não sabem italiano, aimagem e as palavras do Papa, nasmissas de Santa Marta e nas celebra-ções da Páscoa, foram de grandeapoio. O Pontífice fez-nos sentiruma única família além de todas asfronteiras, uma única paróquia. Ele éverdadeiramente o pároco global deuma Igreja que cresce e muda nomundo».

Edvard Munch«A criança doente» (1885-1886)

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Mensagem de vídeo do Pontífice às Scholas Occurrentes no Dia mundial do meio ambiente

Gratuidade, sentidoe beleza são o futuro da humanidade

«Gratuidade, sentido e beleza»: eis astrês palavras-chave indicadas peloPapa Francisco aos milhares de jovensde 170 países do mundo inteiro que,com pais e professores, participaram noencontro online que teve lugar a 5 dejunho, por ocasião do Dia mundial domeio ambiente.

Estimados irmãos e irmãsde Scholas!Hoje, depois de todos estes anos emque compartilhamos a questão quenos anima, é uma grande alegria po-der chamar-vos “comunidade”. Co-munidade de amigos, comunidadede irmãos, comunidade de irmãs.

Ainda me recordo do início: doismestres, dois professores, no meio deuma crise, com um pouco de loucu-ra e um pouco de intuição. Algonão programado, vivido na medidaem que avançava.

Enquanto naqueles tempos a crisedeixava uma terra de violência,aquela educação reuniu os jovens,gerando sentido e, portanto, beleza.

Três imagens daquele caminhobrotam no meu coração, três ima-gens que guiaram três anos de refle-xão e de encontro: o louco de “AEstrada”, de Fellini; “A vocação deSão Mateus”, de Caravaggio; e “Oidiota”, de Dostoievski.

O Sentido — o louco — a Vocação— Mateus — e a Beleza.

Os três episódios são a história deuma crise. E nos três, por conse-guinte, está em jogo a responsabili-dade humana. Originalmente, crisesignifica “ru t u r a ”, “corte”, “ab ertu-ra”... “p erigo”, mas também “op or-tunidade”.

Quando as raízes precisam de es-paço para continuar a crescer, o vasoacaba por se romper.

A questão é que a vida é maior doque a nossa própria vida e, por con-seguinte, rompe-se. Mas a vida é as-sim! Cresce, rompe-se.

Pobre humanidade sem crise! Tu-do perfeito, tudo arrumado, tudoengomado. Pobrezinha! Pensemosnisso, uma humanidade assim seriadoentia, muito doente. Graças aDeus isto não acontece. Ela seriauma humanidade adormecida.

Por outro lado, dado que a crisenos anima, chamando-nos à abertu-ra, o perigo apresenta-se quando nãonos ensinam a relacionar-nos comesta abertura. É por isso que as cri-ses, sem um bom acompanhamento,são perigosas, porque podem deso-rientar. E o conselho dos sábios, atépara as pequenas crises pessoais, ma-trimoniais e sociais, é: “Nunca entresna crise sozinho, mas acompanha-do”.

Ali, na crise, o medo invade-nos,fechamo-nos como indivíduos, oucomeçamos a repetir o que convémpara poucos, esvaziando-nos de sen-tido, escondendo a própria chama-da, perdendo a beleza. É isto queacontece quando se atravessa umacrise sozinho, sem reservas. Esta é a

beleza que, como dizia Dostoievski,há de salvar o mundo!

Scholas nasceu de uma crise, masnão levantou os punhos para discu-tir com a cultura, não baixou os bra-ços para se resignar, nem sequer saiua chorar: que desgraça, que temposterríveis! Saiu para ouvir o coraçãodos jovens, para cultivar a nova rea-lidade: “Isto não funciona? Vamos láver”.

Scholas olha através das fendasdo mundo — não com a cabeça —com todo o seu corpo, para ver seda abertura nasce outra resposta.

E isto é educar. A educação escu-ta, ou não educa. Se não ouve, nãoeduca. A educação cria cultura, ounão educa. A educação ensina-nos acelebrar, ou não educa.

Alguém poderia dizer-me: “Mascomo, educar não significa saber ascoisas?”. Não! Isso é saber. Maseducar é ouvir, criar cultura, cele-b r a r.

Foi assim que Scholas cresceu.Nem sequer aqueles dois loucos —os pais fundadores, podemos dizer-lhes rindo — imaginavam que aquela

experiência educativa na diocese deBuenos Aires, após vinte anos, teriacrescido como uma nova cultura,“habitando poeticamente esta terra”,como nos ensinou Hölderlin. Ou-vindo, criando e celebrando a vida.Esta nova cultura, habitando poeti-camente a terra.

Harmonizando a linguagem dopensamento com sentimentos eações. Foi o que me ouvistes dizervárias vezes: linguagem da cabeça,do coração e das mãos, sincroniza-das. Cabeça, coração e mãos quecrescem harmoniosamente.

Em Scholas vi professores e estu-dantes japoneses a dançar com co-lombianos. É impossível? Vi isto. Ejovens israelitas a jogar com palesti-nos. Vi isto. E estudantes do Haiti apensar com aqueles de Dubai. Ecrianças de Moçambique a desenharcom as de Portugal... Vi, entre oOriente e o Ocidente, uma oliveiraque criava a Cultura do Encontro.

Por isso, nesta nova crise que ahumanidade enfrenta hoje, onde acultura demonstrou que perdeu asua vitalidade, quero celebrar o factode que Scholas, como comunidade

que educa, como uma intuição quecresce, abre as portas da Universida-de do Sentido. Pois educar significaprocurar o sentido da realidade. Éensinar a procurar o sentido da reali-dade.

Unindo o sonho das crianças edos jovens com a experiência dosadultos e dos idosos. Este encontrodeve verificar-se sempre, caso contrá-rio não há humanidade, pois não háraízes, não há história, não há pro-messa, não há crescimento, não háp ro f e c i a .

Estudantes de todas as realidades,línguas e crenças, porque ninguém éexcluído quando o que se ensinanão é uma coisa, mas a Vida. A pró-pria vida que nos gera e que nos háde gerar sempre outros mundos.Mundos diferentes, únicos, comotambém nós o somos. Nos nossosmais profundos sofrimentos, alegrias,desejos e nostalgias. Mundos deGratuidade, de Sentido e Beleza. “OIdiota”; a “vo cação”, de Caravaggio;e o louco, de “A Estrada”.

Nunca vos esqueçais destas últi-mas três palavras: gratuidade, senti-do e beleza. Podem parecer-vos inú-teis, sobretudo hoje em dia. Quemse põe a criar uma sociedade procu-rando gratuidade, sentido e beleza?Não funciona, não funciona! No en-tanto, daquilo que parece inútil de-pende toda a humanidade, o futuro!

Ide em frente, inspirai-vos nestamística que foi concedida, que nin-guém inventou; e os primeiros a sur-preender-se foram aqueles dois lou-cos que a fundaram. É por isso quea oferecem, a dão, porque não lhespertence. É algo que receberam co-mo dom. Ide em frente semeando ecolhendo, com o sorriso, com o ris-co, mas todos juntos e sempre demãos dadas para superar qualquercrise.

Deus vos abençoe e, por favor,não vos esqueçais de rezar por mim.O brigado!

O Papa encorajou os participantes na peregrinação virtual de Macerata a Loreto

A coragem de olhar além

«É a primeira vez que assisto a uma peregrinação vir-tual». Na noite de sábado, 13 de junho, o Papa Fran-cisco interveio telefonicamente, pelo oitavo ano conse-cutivo, na edição número 42 da peregrinação Macera-ta-Loreto (Itália), que no entanto este ano foi realizadade uma forma inédita, devido à Covid-19.

Francisco dirigiu-se diretamente «aos amados pere-grinos virtuais, rapazes e moças, homens e mulheres,todos vós que neste momento estais fora do santuáriode Nossa Senhora de Loreto, Mãe da esperança, a Mãeque ajuda a olhar além; nestes momentos tão difíceis,temos necessidade de olhar além com esperança». E oPapa continuou a sua intervenção com estas palavras:«Estou próximo de vós nesta peregrinação virtual e re-zo convosco e por vós, e vós orai por mim. Tende co-ragem! Os tempos que se aproximam, depois destapandemia, não serão fáceis, mas com coragem, fé e es-perança, poderemos ir em frente. Conragem! Pedi hoje

a Nossa Senhora esta coragem. Rezo convosco!». Paraconcluir: «Obrigado a vós e a todos aqueles que cola-boram para esta peregrinação virtual. Que o Senhorvos abençoe, que Nossa Senhora vos ampare. Aben-çoo-vos e, por favor, não vos esqueçais de rezar pormim!».

A edição virtual da peregrinação já tradicional tevelugar só em Loreto, precisamente da praça de NossaSenhora ao interior da basílica da Santa Casa, com apassagem pela porta santa. Naquele momento estavampresentes apenas vinte jovens, em representação dosmilhares de peregrinos que todos os anos dão vida aeste encontro espiritual. Com eles, D. Giancarlo Vecer-rica, bispo emérito de Fabriano-Matelica, e D. FabioDal Cin, arcebispo prelado de Loreto. Francisco con-cluiu a sua mensagem com uma significativa saudaçãoa todos os participantes: «Sois os peregrinos de NossaSenhora!».

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número 25, terça-feira 23 de junho de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 12 de junhoO Senhor Cardeal Luis Antonio G.Tagle, Prefeito da Congregação paraa Evangelização dos Povos.Suas Ex.cias os Senhores Jan Tom-biński, Embaixador da União Euro-peia, em visita de despedida; MartaCartabia, Presidente do TribunalConstitucional Italiano; e os Mem-bros da Presidência Nacional doMovimento Eclesial de Compromis-so Cultural (MEIC).O Rev.do Pe. Pasquale Spinoso, Con-selheiro Eclesiástico da Embaixadada Itália junto da Santa Sé.

No dia 13 de junhoO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBisp os.Suas Ex.cias o Dr. Federico Cafierode Raho, Procurador Nacional Anti-máfia e Antiterrorismo da RepúblicaItaliana; e o Prof. Andrea Monda,Diretor de «L’Osservatore Roma-no».

No dia 15 de junhoO Senhor Cardeal Leonardo Sandri,Prefeito da Congregação para asIgrejas Orientais.

Renúncias

O Sumo Pontífice aceitou a renún-cia:

A 15 de junhoDe D. José Vilaplana Blasco, ao go-verno pastoral da Diocese de Huel-va, na Espanha.

NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

No dia 12 de junhoMembro do Conselho de Adminis-tração da Autoridade de InformaçãoFinanceira, Sua Ex.cia a Sr.a Antonel-la Sciarrone Alibrandi, Pró-ReitoraSubstituta da Universidade Católicado Sagrado Coração (Itália).Chefe de Departamento na Bibliote-ca Apostólica do Vaticano, SuaEx.cia a Sr.a Raffaella Vincenti, atual-mente Secretária da mesma Bibliote-ca Apostólica.

No dia 13 de junhoNúncio Apostólico no Sri Lanka, D.Brian Udaigwe, Arcebispo Titularde Suelli, até agora Núncio Apostó-lico no Benim e no Togo.

No dia 15 de junhoBispo de Huelva (Espanha), D. San-tiago Gómez Sierra, até esta dataBispo Titular de Vergi e Auxiliar deSevilha.Bispo de Salto (Uruguai), D. ArturoEduardo Fajardo Bustamante, atéhoje Bispo de San José de Mayo.Bispo de Caxito (Angola), o Rev.do

Pe. Maurício Agostinho Camuto,C.S.Sp., até à presente data Diretorda Rádio Nacional Católica «Eccle-sia».

D. Maurício Agostinho Camuto,C.S.S.p., nasceu em 26 de dezembro de1963 em Colungo Alto, Diocese deNdalatando, na província do KwanzaNorte, em Angola. Completou os estu-dos teológicos em Brazzaville (Repúbli-ca do Congo). Emitiu a profissão reli-giosa na Congregação do Espírito San-to, a 5 de setembro de 1987, e foi orde-nado Sacerdote em 28 de julho de1991. Após quatro anos de experiênciapastoral a nível paroquial na missãode Landana, na Diocese de Cabinda,foi reitor primeiro do seminário prope-dêutico dos padres espiritanos, na Dio-cese de Malanje (1995-1999), e depoisdo escolasticado dos padres espiritanos,nas Dioceses de Huambo e Benguela(1999-2000). Tendo completado trêsanos de estudos em comunicação socialna pontifícia Universidade salesiana deRoma, regressou à sua terra natal co-mo coordenador da comissão de im-prensa da Conferência episcopal de An-gola e São Tomé - Ceast (2003-2006). Em seguida, foi diretor daemissora nacional católica “Ecclesia”(2006-2010), superior provincial dospadres espiritanos em Angola por doismandatos (2010-2016) e, novamente

(a partir de 2016), diretor da “RádioEcclesia” .

Secretário da Administração do Pa-trimónio da Sé Apostólica (Apsa),Sua Ex.cia o Dr. Fabio Gasperini.Mestre-de-Cerimónias Pontifícias, oR e v. mo Mons. Lubomír Welnitz, doClero da Associação Clerical Obrade Jesus Sumo Sacerdote, atualmen-te Oficial da Penitenciária Apostóli-ca.

No dia 17 de junhoBispo de Uruaçu, no Brasil, o Rev.do

Pe. Giovani Carlos Caldas Barroca,do clero da Arquidiocese de Brasília,até agora Pároco de São Miguel Ar-canjo, no Recanto das Emas – D F.

D. Giovani Carlos Caldas Barrocanasceu no dia 14 de fevereiro de 1969,em Brasília (Brasil), onde estudou filo-sofia e teologia no seminário arquidio-cesano Nossa Senhora de Fátima. Ten-do sido ordenado Sacerdote em 3 dedezembro de 1994, para o clero deBrasília, foi coordenador do setor pas-toral, professor no seminário arquidio-cesano e membro dos conselhos presbite-ral, episcopal e pastoral. Até à presentedata era também vigário episcopal dovicariato leste da mesma Arquidiocese.

Bispo de Gozo, em Malta, o Rev.do

Pe. Anthony Teuma, do clero damesma Diocese, até esta data Dele-gado Episcopal para a Família eResponsável do “John Paul II Fa m i -ly Institute” de Gozo.

D. Anthony Teuma nasceu emXaghra, Gozo (Malta), no dia 11 dejaneiro de 1964, e foi ordenado Sacer-dote em 25 de junho de 1988.

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 5 de junhoD. George Vance Murry, S J., Bispoda Diocese de Youngstown, nos Es-tados Unidos da América.

Il saudoso Prelado nasceu em Cam-den, New Jersey (Estados Unidos daAmérica), a 28 de dezembro de 1948.Recebeu a Ordenação sacerdotal em 9

de junho de 1979 e foi ordenado Bispono dia 20 de março de 1995.

D. James Albert Murray, BispoEmérito de Kalamazoo, nos EstadosUnidos da América.

O venerando Prelado nasceu em Ja-ckson, Diocese de Lansing (EstadosUnidos da América), a 5 de julho de1932. Foi ordenado Presbítero no dia 7de junho de 1958 e recebeu a Ordena-ção episcopal em 27 de janeiro de1998.

A 6 de junhoD. Andrea Veggio, ex-Bispo Auxiliarda Diocese de Verona (Itália).

O venerando Prelado nasceu emManerba del Garda, na Itália, a 28de agosto de 1923. Recebeu a Ordena-ção sacerdotal em 29 de junho de1947 e foi ordenado Bispo no dia 8 desetembro de 1983.

A 9 de junhoD. Francis Lagan, Bispo Titular deSidnacestre, ex-Auxiliar de Derry, Ir-landa.

O saudoso Prelado nasceu emMaghera, Derry (Irlanda), no dia 31de outubro de 1934. Foi ordenado Sa-cerdote em 19 de junho de 1960 e rece-beu a Ordenação episcopal a 20 demarço de 1988.

D. Youssef Béchara, Arcebispo Emé-rito de Antélias dos Maronitas (Lí-bano).

O ilustre Prelado nasceu em Arbet-Kozhaya, na Arquieparquia de Trípolidos Maronitas (Líbano), a 19 de mar-ço de 1935. Recebeu a Ordenação pres-biteral em 19 de abril de 1963 e foi or-denado Bispo no dia 18 de maio de1986.

A 11 de junhoD. John Basil Meeking, Bispo Emé-rito de Christchurch, na Nova Ze-lândia.

O venerando Prelado nasceu a 19 denovembro de 1929, em Ashburton (No-va Zelândia). Foi ordenado Presbíteroem 19 de julho de 1953 e recebeu aOrdenação episcopal no dia 3 de junhode 1987.

Faleceu de Covid-19 também Paulinho Paiacã

Conhecido defensor da floresta pluvial amazónicaMuitos países da América Latina estão, a nível global,entre os que registam o maior número de mortes porcem mil habitantes. Em particular o Equador, o Brasil eo México, juntamente com o Canadá e os Estados Uni-dos, lideram esta triste classificação. Toda a região da

América Latina, com uma média de quase 50.000 novoscasos e mais de duas mil mortes ao dia, está a avançar aum ritmo acelerado para os dois milhões de contágios.No que diz respeito às mortes, a América Latina ultra-passou o número 86.000 mortos e, segundo os especia-listas, poderá chegar a 100.000 em poucos dias.

Na região, o Brasil é o principal protagonista. O Mi-nistério da Saúde de Brasília anunciou que os conta-giados continuam a aumentar e, neste momento, com32.188 novos casos nas últimas 24 horas, atingiram955.377 unidades. Os óbitos totalizaram 46.510, tendosido registados 1.269 no último boletim diário.

Paulinho Paiacã, um dos mais conhecidos defensoresindígenas da floresta amazónica, hospitalizado no dia 8de junho no estado do Pará por complicações ligadas àCovid-19, faleceu há dois dias com 65 anos. Nos anos80, tornou-se um rosto conhecido mundialmente peloseu empenho na luta contra o projeto hidroelétricobrasileiro de Belo Monte, a terceira maior barragem domundo. Segundo a APIB — Associação dos Povos Indí-genas do Brasil — os Caiapós estão entre os 287 indíge-nas que morreram e entre os cerca de 5.500 que, atéagora, resultaram positivos ao vírus no país.O líder indígena Paulinho Paiakan (Afp)

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR ......entre o povo e Deus E recordou o Dia da consciência Francisco falou da oração de Moisés C AT E Q U E S E A missão

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 23 de junho de 2020, número 25

Dignidade e segurançapara os migrantes

Mais responsabilidade no cuidado da casa comum

ANGELUS

É necessário garantir proteção, dignidade e segurança às pessoas obrigadas adeixar a própria terra para evitar perigos e ameaças. Pediu o Papa no finaldo Angelus de domingo, 21 de junho, recordando o Dia mundial dorefugiado celebrado no dia anterior por iniciativa das Nações Unidas.Anteriormente Francisco, partindo do trecho evangélico de Mateus propostopela liturgia (10, 26-33), propôs aos fiéis uma reflexão sobre o convite deJesus a «não ter medo».

gelho “à luz do dia”, ou seja, aber-tamente, e anunciá-lo “sobre os te-lhados” — assim diz Jesus — isto é,publicamente.

A segunda dificuldade que osmissionários de Cristo irão encon-trar é a ameaça física contra eles,isto é, a perseguição direta do seupovo, inclusive a morte. Esta profe-cia de Jesus verificou-se em todosos tempos: trata-se de uma realida-de dolorosa, mas atesta a fidelidadedas testemunhas. Quantos cristãosainda hoje são perseguidos em to-do o mundo! Sofrem pelo Evange-lho com amor, são os mártires dosnossos dias. E podemos dizer comcerteza que são mais do que osmártires dos primeiros tempos:muitos mártires unicamente pelofacto de serem cristãos. A estesdiscípulos de ontem e de hoje quesofrem a perseguição, Jesus reco-menda: «Não temais os que ma-tam o corpo, e não podem matar aalma» (v. 28). Não nos devemosdeixar assustar por aqueles queprocuram extinguir a força daevangelização através da arrogân-cia e da violência. Na verdade, na-da podem fazer contra a alma, ouseja, contra a comunhão comDeus: ninguém a pode tirar aosdiscípulos, pois é um dom deDeus. O único medo que o discí-pulo deve ter é o de perder essedom divino, a proximidade, a ami-zade com Deus, renunciando a vi-ver segundo o Evangelho e cau-sando deste modo a sua morte

moral, que é a consequência dop ecado.

O terceiro tipo de prova que osApóstolos terão de enfrentar, é in-dicada por Jesus no sentimentoque alguns terão de que o próprioDeus os abandonou, permanecen-do distante e silencioso. Tambémaqui nos exorta a não ter medo,porque, apesar de passarmos porestas e outras ciladas, a vida dosdiscípulos está firmemente nasmãos de Deus, que nos ama e nosguarda. São como as três tentações:edulcorar o Evangelho, diluí-lo; se-gunda, a perseguição; e terceira, osentimento de que Deus nos dei-xou sozinhos. Jesus também sofreuesta provação no Jardim das Oli-veiras e na Cruz: “Pai, por que meabandonaste”, diz Jesus. Por vezessentimos esta aridez espiritual; nãodevemos ter medo dela. O Pai cui-da de nós porque o nosso valor égrande aos Seus olhos. O impor-tante é a franqueza, a coragem dotestemunho, do testemunho de fé:“reconhecer Jesus diante dos ho-mens” e ir em frente praticando ob em.

Maria Santíssima, modelo deconfiança e abandono em Deus nahora da adversidade e do perigo,ajuda-nos a nunca ceder ao desâni-mo, e a confiar sempre n’Ele e naSua graça, porque a graça de Deusé sempre mais poderosa do que omal.

No final da prece mariana, depois doapelo a favor dos refugiados, oPontífice falou da relaçãohomem/meio-ambiente, exortando auma maior responsabilidade nocuidado da casa comum. Em seguidaconvidou os fiéis a rezar pelos pais erecordou aos jovens o testemunho deSão Luís Gonzaga no dia da suamemória litúrgica.

Estimados irmãos e irmãs!Ontem, as Nações Unidas celebra-ram o Dia Mundial do Refugiado.A crise provocada pelo coronavírussalientou a necessidade de assegu-rar a proteção necessária tambémaos refugiados, de modo a garantira sua dignidade e segurança. Con-vido-vos a unir-vos à minha oraçãopor um compromisso renovado eeficaz de todos a favor da efetivaproteção de cada ser humano, es-pecialmente daqueles que foramforçados a fugir devido a situaçõesde grave perigo para eles ou paraas suas famílias.

Hoje, na minha terra natal enoutros lugares, celebramos o diadedicado ao pai, aos pais. Garantoa minha proximidade e oração atodos os pais. Todos sabemos queser pai não é um trabalho fácil! Épor isso que rezamos por eles.Lembro-me também, de forma es-pecial, dos nossos pais que conti-nuam a proteger-nos do Céu.

E saúdo todos vós, caros fiéis ro-manos e peregrinos que viestes devárias partes da Itália — agora osperegrinos começam a ver-se e, ca-da vez mais, também de outrospaíses — alguns: vejo as bandei-ras... Saúdo em particular a vós, jo-vens: hoje recordamos São LuísGonzaga, um jovem cheio de amora Deus e ao próximo; faleceu mui-to jovem, aqui em Roma, porquecuidava dos doentes de peste. Àsua intercessão confio os jovens detodo o mundo.

E a todos desejo bom domingo.Por favor, não vos esqueçais de re-zar por mim. Bom almoço e até àvista!

Bento XVIesteve na Alemanhapara visitar o irmãoBento XVI regressou à sua residênciano mosteiro Mater Ecclesiae, no Vati-cano, às 13h45 de segunda-feira 22 dejunho, de volta da Alemanha. Napassada quinta-feira, Joseph Rat-zingher deslocou-se a Regensburgpara visitar o seu irmão de 96 anos,Georg Ratzinger, que está doente.Tendo partido pouco depois das10h00 da manhã do seminário da ci-dade alemã, onde ficou hospedadodurante estes dias, o Papa Eméritodirigiu-se para o aeroporto de Muni-que, embarcando alguns minutos an-tes do meio-dia. Às 13h00 chegou aoaeroporto romano de Ciampino, deonde regressou de carro ao Vaticano.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste domingo (cf.Mt 10, 26-33) faz eco ao conviteque Jesus dirige aos seus discípulospara que não tenham medo, sejamfortes e confiantes diante dos desa-fios da vida, alertando-os para asadversidades que os esperam. Otrecho de hoje faz parte do discur-so missionário com o qual o Mes-tre prepara os Apóstolos para aprimeira experiência de proclama-ção do Reino de Deus. Jesus exor-ta-os insistentemente a “não teremmedo”. O medo é um dos pioresinimigos da nossa vida cristã. Jesusexorta: “não receeis”, “não tenhaismedo”. E Jesus descreve três situa-ções concretas que eles enfrentarão.

Antes de tudo, a primeira, a hos-tilidade daqueles que gostariam desilenciar a Palavra de Deus, edulco-rando-a, diluindo-a ou reprimindoquantos a anunciam. Neste caso,Jesus encoraja os Apóstolos a di-fundir a mensagem de salvação queEle lhes confiou. Até àquele mo-mento, Ele transmitiu-a com pru-dência, quase em segredo, no pe-queno grupo dos discípulos. Maseles deverão proclamar o seu Evan-

Migrantes no antigo quartel militar de Blazuj, Bósnia e Herzegovina (Epa)