PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

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i i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Mestrado em Desenvolvimento Econômico Instituto de Economia ELISABETH DA COSTA LIMA PEREIRA PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS ECONÔMICOS NOS ANOS 2000: UMA ABORDAGEM HETERODOXA Campinas, 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Mestrado em Desenvolvimento Econômico

Instituto de Economia

ELISABETH DA COSTA LIMA PEREIRA

PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS

ECONÔMICOS NOS ANOS 2000: UMA

ABORDAGEM HETERODOXA

Campinas, 2019

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ELISABETH DA COSTA LIMA PEREIRA

PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS

ECONÔMICOS NOS ANOS 2000: UMA

ABORDAGEM HETERODOXA

Dissertação apresentada ao Instituto de Economia da

Universidade Estadual de Campinas, como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em

Desenvolvimento Econômico, na Área de Desenvolvimento

Regional e Urbano.

Orientadora: PROFª. DRª. BEATRIZ TAMASO MIOTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA ELISABETH DA COSTA LIMA PEREIRA, E

ORIENTADA PELA PROFª. DRª. BEATRIZ TAMASO

MIOTO.

Campinas, 2019

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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Pereira, Elisabeth da Costa Lima, 1988- P414p Pe r Preços imobiliários e ciclos econômicos nos anos 2000 : uma abordagem

heterodoxa / Elisabeth da Costa Lima Pereira. – Campinas, SP : [s.n.], 2019. Pe Orientador: Beatriz Tamaso Mioto. Pe Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Economia. Pe 1. Mercado imobiliário. 2. Pensamento econômico. 3. Ciclos econômicos. 4.

Mercado imobiliário - Brasil. 5. Mercado imobiliário - Europa. I. Mioto, Beatriz Tamaso, 1983-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Properties prices and economic cycles in the 2000's: a heterodox

approach

Palavras-chave em inglês:

Real state market

Economic thought

Economic cycles

Real state - Brazil

Real state - Europe

Área de concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano

Titulação: Mestra em Desenvolvimento Econômico

Banca examinadora:

Beatriz Tamaso Mioto [Orientador]

Jeroen Johannes Klink

Humberto Miranda do Nascimento

Data de defesa: 09-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-3509-6180 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/1692928206075979

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Economia

ELISABETH DA COSTA LIMA PEREIRA

PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS ECONÔMICOS

NOS ANOS 2000: UMA ABORDAGEM HETERODOXA

Defendida em 09/08/2019

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Drª. Beatriz Tamaso Mioto

Universidade Federal do ABC

Universidade Estadual de Campinas

Prof. Dr. Jeroen Johannes Klink

Universidade Federal do ABC

Prof. Dr. Humberto Miranda do Nascimento

Universidade Estadual de Campinas

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos

membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de

Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da

Unidade.

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Você sabe melhor do que ninguém, sábio Kublai, que jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles. Se descrevo Olívia, cidade rica de mercadorias e de lucros, o único modo de representar a sua prosperidade é falar dos palácios de filigranas com almofadas franjadas nos parapeitos dos bífores; uma girândola d’água num pátio protegido por uma grade rega o gramado em que um pavão branco abre a cauda em leque. Mas, a partir desse discurso, é fácil compreender que Olívia é envolta por uma nuvem de fuligem e gordura que gruda na parede das casas; que, na aglomeração das ruas, os guinchos manobram comprimindo os pedestres contra os muros. [...] Pode ser que isto você não saiba: que para falar de Olívia eu não poderia fazer outro discurso. Se de fato existisse uma Olívia de bífores e pavões, de seleiros e tecelãs de tapetes e canoas e estuários, seria um mero buraco negro de moscas, e para descrevê-la eu teria de utilizar as metáforas da fuligem, dos chiados de rodas, dos movimentos repetidos, dos sarcasmos. A mentira não está no discurso, mas nas coisas.

(Cidades Invisíveis – Italo Calvino)

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AGRADECIMENTOS

Pelo o que acredito de vida, não poderia começar esta página sem agradecer a Deus por

me inspirar e por conduzir toda a minha história e caminhada rumo à busca de um mundo mais

justo e igualitário.

Agradeço à minha querida orientadora Beatriz Mioto, pela sua amizade, críticas

extremamente precisas e por sua disposição em me ajudar a debater um tema que poucos

economistas se aventuram; agradeço por nossas longas conversas, por me inspirar a ser uma

pesquisadora questionadora e por ser a grande incentivadora deste trabalho. Obrigada!

Aos professores do IE, e da Facamp - base da minha formação como economista -,

agradeço pelas aulas que alimentaram minha curiosidade e me fizeram ter um entendimento

mais profundo da forma sob a qual se dá o desenvolvimento econômico do Brasil e do mundo.

Gostaria de agradecer, em especial, à prof. Mariana Fix, pelas dicas valiosas na qualificação e

por me instigar a pesquisar sobre preços imobiliários. Ao prof. Humberto Nascimento, pelas

aulas de Política Econômica e Desenvolvimento Urbano, nas quais tive o primeiro contato com

os debates teóricos, e, também, pelas inúmeras vezes em que me ajudou no processo de

qualificação e trâmites internos. Ao querido prof. Dari Krein, por todas as aulas e conselhos no

período em que estive integrada à área Economia Social e do Trabalho. Ao pessoal da secretaria

da pós e biblioteca por todo apoio, competência e disposição em nos ajudar. Aos professores

externos, agradeço à prof. Arlete Moyses pelas aulas e pelos debates incríveis nas salas do IFCH.

Ao prof. Marcos Barcellos pelas preciosas sugestões na banca de qualificação, as quais, tentei

incluir aqui. Ao prof. Jeroen Klink que me apresentou uma série de autores e textos que foram

amplamente utilizados neste trabalho; além das sugestões na banca de defesa.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Gostaria de

agradecer a esta Instituição por ter financiado 2 anos deste trabalho – que se estendeu bem mais

do que eu imaginava – e por acreditar na pesquisa científica no Brasil.

Gostaria de agradecer, ainda, aos amigos de vida e acadêmicos por todo

companheirismo, conversas e discussões que contribuíram direta ou indiretamente neste

trabalho: Stela, Eliana, Vivi, Má Alamino, Mateus, Patrícias (F. e M), Jef Tales, Bruno, Ricardo

Gonçalves, Rodrigos (Andrade e Jourdain), Ju Furno, Mel, Le Travagin, Bia, à galera do

‘Birinights’ (Henrique, Queren, Isa, Taci), Aline Miglioli, Pietro, Lari Barbosa, Douglas e Grazi.

Agradeço ao CNPEM, instituição que nos faz acreditar na pesquisa, na ciência de ponta

no país e que me acolheu como profissional. Aos amigos que ganhei aí, agradeço à irmã de alma

que reencontrei nesta vida, Thayse Hernandes, por todos os conselhos, risadas, por fazer um

risoto incrível e por ouvir minhas lamúrias, tanto pessoais quanto acadêmicas. Às amigas do

café e de vida: Lauren Menandro, Dani Henzler, Sarita Rabelo, Tati Madruga, Pri Rocha e

Raquel Scatolin por compartilharem suas amizades.

À minha base – a minha família – agradeço por confiarem que eu deveria ter seguido

esta trajetória e por acreditarem em mim, mesmo quando nem eu mesma acredito: minha mãe

Isaura, meu pai Francisco, meus irmãos Guga e Fernando e minha cunhadita Fabi. Obrigada por

tudo e por tanto!

Por fim, à pessoa mais importante para a execução deste trabalho, agradeço ao meu

companheiro Thiago Machado. Te conhecer e poder compartilhar a vida ao seu lado (e ao lado

de nossa gatinha Marie) foi um dos grandes presentes que o mestrado me deu. Obrigada pelas

críticas, estímulos, paciência, amor e apoio incondicional, sem os quais não conseguiria

desenvolver este trabalho e que se tornaram elementos responsáveis pelo o que de melhor

consegui realizar aqui. Muito, muito obrigada!

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RESUMO

O presente trabalho apresenta uma análise da dinâmica do setor imobiliário, a partir da

observação da dinâmica dos preços dos imóveis. Busca-se debater os principais elementos

que podem explicar as tendências de alta e de baixa dos preços, partindo da análise da teoria

econômica e de duas experiências de países: o Reino Unido e o Brasil. Em relação às

vertentes teóricas, observamos como a abordagem neoclássica – que possui maior espaço no

debate econômico do setor imobiliário –; e a abordagem “heterodoxa” – que abrange uma

série de autores críticos, das vertentes keynesiana, pós-keynesiana e institucionalista –

entendem o movimento e os determinantes dos preços, bem como as crises que ocorrem no

setor. A partir desta observação, faz-se uma análise sobre o processo de aumento dos preços

no Reino Unido, desde o fim dos Anos Dourados do capitalismo até o processo de

privatização em massa das moradias públicas e crescimento vertiginoso dos preços, atrelados

ao processo de financeirização e globalização do capital. Na última parte, tratamos do Brasil

com um breve histórico do BNH até os anos 1990, para, em seguida, analisarmos os anos

2000 e 2010 e o ‘boom’ dos preços imobiliários. Analisamos as mudanças conjunturais,

econômicas e políticas do Estado brasileiro que permearam o expressivo aumento no preço

da moradia no país, bem como os agentes e instituições envolvidas, o movimento do capital

imobiliário e as implicações deste processo para a sociedade brasileira.

Palavras-chave: Preços imobiliários. Economia heterodoxa. Reino Unido. Brasil. Ciclos

econômicos. Valorização imobiliária.

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ABSTRACT

This work presents an analysis of the dynamics of the real estate sector, considering the

properties prices dynamics. We try to discuss the main elements that explain trends in

upward and downward in prices, starting from the analysis of economic theory based on the

experience of two countries: The United Kingdom (UK) and Brazil. In relation to the

theoretical aspects, we observe how the neoclassical approach - which is more commonly

applied in the economic debate of the real estate sector -; and the "heterodox" approach -

which comprises a number of critical authors, from the Keynesian, Post Keynesian, and

Institutionalist aspects - understanding the drivers and the price’s determinants and thus the

crises that occur in this industry. We analyzed the process of increase in prices in the UK,

from the end of the Golden Years of capitalism to the process of the mass privatization of

public housing and the rapid price growth linked to the process of financialization and

globalization of the capital. Finally, we looked at Brazil considering a synthesis of the

National Housing Bank history up to the 1990s. Then, we assessed the years 2000 and 2010

and the boom in the property’s prices. We analyzed together the conjunctural, economic and

political changes of the Brazilian State that permeated the significant increase in properties

prices, as well as the agents and institutions involved, the driver of real estate capital and the

implications of this process to Brazilian society.

Keywords: Properties prices. Heterodox economics. UK. Brazil. Economic cycles. Real

estate valorization.

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LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1: VALOR REAL DOS IMÓVEIS, EM ÍNDICE (1960=100), REINO UNIDO, 1952-2014 .......................... 66

GRÁFICO 2: TAXA DE DESEMPREGO, REINO UNIDO, 1971-1985, EM % .................................................. 69

GRÁFICO 3: INFLAÇÃO (RPI) EM 12 MESES, REINO UNIDO, 1970-1999 ................................................. 71

GRÁFICO 4: RENDA DOS 10% MAIS RICOS (À ESQUERDA) E DOS 10% MAIS POBRES (À DIREITA), INGLATERRA,

A PREÇOS CONSTANTES (EM LIBRA),1977-2013 .................................................................................... 74

GRÁFICO 5: TAXA DE VARIAÇÃO DA RENDA MÉDIA DAS FAMÍLIAS E INFLAÇÃO (IPC) ANUAL, REINO UNIDO, EM

%, 1978-2000 ................................................................................................................................... 74

GRÁFICO 6: PREÇO REAL MÉDIO DOS IMÓVEIS, REINO UNIDO, A PREÇOS CONSTANTES DE 1980 (DEFLATOR

IMPLÍCITO IPC), 1980-1995................................................................................................................ 77

GRÁFICO 7: PARTICIPAÇÃO DOS PASSIVOS FINANCEIROS DAS FAMÍLIAS, REINO UNIDO (EM BILHÕES DE LIBRAS;

PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006 ........................................................................................ 78

GRÁFICO 8: PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS (A) PASSIVOS FINANCEIROS (B) NAS EMPRESAS FINANCEIRAS, REINO

UNIDO (EM BILHÕES DE LIBRAS; PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006.......................................... 79

GRÁFICO 9: PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS (A) PASSIVOS FINANCEIROS (B) NO GOVERNO, REINO UNIDO (EM

BILHÕES DE LIBRAS; PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006 ........................................................... 80

GRÁFICO 10: DÍVIDA PÚBLICA (MÉDIA) DE PAÍSES DESENVOLVIDOS¹ E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO², 2006-

2012 (EM % DO PIB) .......................................................................................................................... 85

GRÁFICO 11: OCUPAÇÃO DE CASAS ALUGADAS SOCIAIS E PRIVADAS, EM MILHÕES DE HABITAÇÕES ............. 86

GRÁFICO 12: EVOLUÇÃO PREÇO MÉDIO DE VENDA DOS IMÓVEIS E INFLAÇÃO (RPI), UK, EM NÚMERO ÍNDICE,

1999=100, 1999-2018 ..................................................................................................................... 87

GRÁFICO 13: VARIAÇÃO ANUAL DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS, REINO UNIDO, 2006 A 2017 (EM %) ............. 89

GRÁFICO 14: UNIDADES HABITACIONAIS FINANCIADAS PELO SFH, 1964-2005 ...................................... 101

GRÁFICO 15: RENDIMENTOS REAIS DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS E VARIAÇÃO DO ÍNDICE FIPEZAP*, EM

NÚMERO ÍNDICE (1995=100; DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), 1995-2004 ................................................. 104

GRÁFICO 16: TAXA DE CRESCIMENTO REAL DO PIB E VAB CONSTRUÇÃO CIVIL*, BRASIL, EM %, 2000-2018

........................................................................................................................................................ 109

GRÁFICO 17: TAXA INVESTIMENTO, BRASIL, EM %, 2000-2016 ........................................................... 110

GRÁFICO 18: INVESTIMENTOS PÚBLICOS, BRASIL, EM %, 1995-2015 ................................................... 111

GRÁFICO 19: EVOLUÇÃO SALÁRIO MÍNIMO, BRASIL, EM R$, A PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2002-2018

........................................................................................................................................................ 113

GRÁFICO 20: OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS DIRECIONADOS, BRASIL, EM MILHÕES DE R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2001-2012* ..................................................................................... 114

GRÁFICO 21: VARIAÇÃO ANUAL DO CONSUMO REAL* DAS FAMÍLIAS, BRASIL, EM %, 2001-2017 ............ 115

GRÁFICO 22: TAXA DE JUROS SELIC E TAXA MÉDIA DAS OPERAÇÕES DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO ,

BRASIL, EM %, 2011-2018 ................................................................................................................ 117

GRÁFICO 23: FGTS - DEMAIS APLICAÇÕES (FORA PMCMV), EM UNIDADES E EM VALOR FINANCIADO (A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, EM MIL R$) ........................................................................................ 120

GRÁFICO 24: SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO HABITACIONAL E RELAÇÃO COM O PIB, BRASIL, A PREÇOS

CONSTANTES DE 2017 E EM %, 2002-2010 ....................................................................................... 121

GRÁFICO 25: RECURSOS IMOBILIÁRIOS DIRECIONADOS ÀS DIFERENTES FAIXAS DE RENDA , EM %, 2002-2009

........................................................................................................................................................ 122

GRÁFICO 26: UNIDADES FINANCIADAS SBPE E RECURSOS APORTADOS PARA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2018 (DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), EM MILHÕES DE R$, 2002-2018 ............... 123

GRÁFICO 27: UNIDADES FINANCIADAS SBPE E RECURSOS APORTADOS PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017 (DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), EM MILHÕES DE R$, 2002-2017 ............... 124

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GRÁFICO 28: ENDIVIDAMENTO DAS FAMÍLIAS EM RELAÇÃO À RENDA ACUMULADA EM 12 MESES, BRASIL, EM

PONTOS PERCENTUAIS, 2005-2018 .................................................................................................... 128

GRÁFICO 29: FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (ACUMULADO EM 12 MESES; EM MILHÕES DE R$; PREÇOS

CONSTANTE DE 2017; DEFLATOR IPCA) .............................................................................................. 130

GRÁFICO 30: IVG-R, BRASIL, EM NÚMERO ÍNDICE (ABR/01=100), EM TERMOS NOMINAIS, 2001 A 2018 ...... 132

GRÁFICO 31: IVG-R E FIPEZAP, EM NÚMERO ÍNDICE (DEZ. 2012=100), EM TERMOS REAIS, 2012 A 2018 ...... 135

GRÁFICO 32: MÉDIA NACIONAL PONDERADA DO PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS*, EM R$, A PREÇOS CONSTANTES DE

2017 **, 2001 A 2017 ...................................................................................................................... 136

GRÁFICO 33: MÉDIA NACIONAL PONDERADA PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS E PRINCIPAIS CAPITAIS DO, EM R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2014-2018 ........................................................................................... 137

GRÁFICO 34: MÉDIA NACIONAL PONDERADA DO PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS E CIDADES SELECIONADAS, EM R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2014-2018 ........................................................................................... 138

GRÁFICO 35: CRESCIMENTO NOMINAL DO CUB, IVG-R E INCC, 2007-2018, EM NÚMERO ÍNDICE

(FEV/2007=100) ............................................................................................................................... 141

GRÁFICO 36: PREÇO MÉDIO DO M² DO CUB E ÍNDICE IVG-R, A PREÇOS CONSTANTES DE 2017*, 2007-2018 . 142

GRÁFICO 37: EVOLUÇÃO DO CUB MÉDIO POR COMPONENTES DESAGREGADOS E IVG-R, EM NÚMERO ÍNDICE

(FEV/07=100), 2007-2018 ................................................................................................................ 143

GRÁFICO 38: PARTICIPAÇÃO MÉDIA DE CADA ATIVO NO VOLUME TOTAL (EM R$) EMITIDO DE TÍTULOS DE RENDA

FIXA, 2011-2018 ............................................................................................................................... 145

GRÁFICO 39: EVOLUÇÃO APLICAÇÕES FINANCEIRAS E TAXA DE JUROS IMPLÍCITA DA DÍVIDA, EM NÚMERO ÍNDICE (EM

TERMOS REAIS*, 2006=100), 2006-2018 ............................................................................................ 148

GRÁFICO 40: NÚMERO DE UNIDADES DISTRATADAS, TOTAL E MÉDIO/ALTO PADRÃO, BRASIL, 2015-2018 ........ 152

GRÁFICO 41: PARTICIPAÇÃO DOS TIPOS DE CRÉDITO DIRECIONADOS PARA PESSOA FÍSICA, BRASIL, EM %, 2011-

2018 ................................................................................................................................................ 156

GRÁFICO 42: RELAÇÃO ENTRE META E PRODUÇÃO DE UNIDADES DAS TRÊS FASES DO PMCMV ....................... 158

GRÁFICO 43: EVOLUÇÃO MASSA SALARIAL E IVG-R, BRASIL, EM TERMOS REAIS E EM NÚMERO ÍNDICE

(MAR/2002=100), 2001 A 2016 ........................................................................................................ 160

GRÁFICO 44: PREÇO MÉDIO DE LOCAÇÃO DO M², BRASIL, EM R$ (A PREÇOS CONSTANTES DE 2017), 2015-2018

........................................................................................................................................................ 162

GRÁFICO 45: PREÇO MÉDIO DE LOCAÇÃO DO M² POR CIDADE SELECIONADAS (FIPEZAP), EM R$ (A PREÇOS

CONSTANTES DE 2017), 2015-2018 ..................................................................................................... 163

GRÁFICO 46: MÉDIA MÓVEL MENSAL EM 12 MESES, LOCAÇÃO FIPEZAP E RENDIMENTO MÉDIO REAL HABITUAL

DAS PESSOAS OCUPADAS, EM %, 2016-2018 ......................................................................................... 163

GRÁFICO 47: ÍNDICE DE FORMALIZAÇÃO DO EMPREGO, VARIAÇÃO EM 12 MESES, EM %, 2002-2018 ............. 165

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: CURVA DE RENDA DO ALUGUEL ............................................................................................. 25

FIGURA 2: DETERMINAÇÃO DO PREÇO NO MERCADO IMOBILIÁRIO ................................................................ 28

FIGURA 3: FUNÇÕES PREÇO DE OFERTA (PI) E PREÇO DE DEMANDA (PK) DOS BENS DE CAPITAL .................. 44

FiGURA 4: CICLO MINSKYANO ................................................................................................................ 47

FIGURA 5: ALUGUEL NO REINO UNIDO, POR FAIXA DE IDADE, 2018 .............................................................. 90

FIGURA 6: EVOLUÇÃO DO PREÇO DO METRO QUADRADO DE TERRENOS E DO SALÁRIO MÍNIMO, SÃO PAULO, 1959-

1991 .................................................................................................................................................. 97

FIGURA 7: EVOLUÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM HABITAÇÃO, BRASIL, EM R$, 2003-2009 ............................ 119

FIGURA 8: RANKING DE CRESCIMENTO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS RESIDENCIAIS, 2012 .................................. 134

FIGURA 9: RENTABILIDADE MÉDIA DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS, BRASIL, 2005-2011, EM %. ........................ 151

LISTA DE TABELAS TABELA 1: RELAÇÃO ENTRE O PREÇO MÉDIO DA HABITAÇÃO E A MEDIANA DO RENDIMENTO BRUTO ANUAL EM

FUNÇÃO DO LOCAL DE TRABALHO POR PAÍS E REGIÃO, INGLATERRA E PAÍS DE GALES, 2003 A 2018 ................... 88

TABELA 2: PREÇO MÉDIO DO M² DOS TERRENOS EM SÃO PAULO, EM CRUZEIROS (A PREÇOS CORRENTES DE 1975) E

EM REAIS (A PREÇOS CONSTANTES DE 2018, DEFLATOR IMPLÍCITO INCC) ....................................................... 96

TABELA 3: VALOR MÉDIO DOS FINANCIAMENTOS DO SBPE – 1968/1978 .................................................... 98

TABELA 4: GRAU DE FORMALIZAÇÃO DO TRABALHO E COMPOSIÇÃO SETORIAL DA OCUPAÇÃO NÃO AGRÍCOLA –

BRASIL: 1989 E 1999. ........................................................................................................................ 102

TABELA 5: COMPRA DE CRI PELO FGTS, EM R$ (A PREÇOS CONSTANTES DE 2017), 2002-2016 ................... 146

TABELA 6: RENDIMENTOS REAIS DAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES FINANCEIRAS, TAXA DE JUROS SELIC E DA DÍVIDA,

BRASIL, EM %, 2002-2018 ................................................................................................................. 149

TABELA 7: RENDIMENTOS NOMINAIS DAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES FINANCEIRAS, YIELD, TAXA DE JUROS SELIC E DA

DÍVIDA, BRASIL, EM %, 2008-2018 ...................................................................................................... 153

TABELA 8: SIMULAÇÃO DE APLICAÇÃO ENTRE DIFERENTES ATIVOS, VALORES NOMINAIS, BRASIL, EM R$, 2007-2018

........................................................................................................................................................ 154

TABELA 9: META E UNIDADES CONTRATADAS, PMCMV ........................................................................... 157

TABELA 10: PROPORÇÃO DE DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES EM SITUAÇÃO DE ÔNUS EXCESSIVO COM

ALUGUEL, SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES - 2005 E 2015, EM % .............................................................. 161

TABELA 11: TAXA DE VARIAÇÃO ENTRE DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES EM SITUAÇÃO DE ÔNUS EXCESSIVO

COM ALUGUEL, EM % .......................................................................................................................... 161

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1: DINÂMICA DO CAPITAL: UMA ABORDAGEM TEÓRICA DA VALORIZAÇÃO

IMOBILIÁRIA .......................................................................................................................... 18

1.1 O EQUILÍBRIO NO MERCADO IMOBILIÁRIO: UMA ANÁLISE NEOCLÁSSICA ............................... 20

1.1.1 Neutralidade dos agentes e equilíbrio econômico na tradição neoclássica ......................... 20

1.1.2 Neutralidade e equilíbrio na análise da terra e dos imóveis: Abordagem neoclássica ....... 23

1.1.3 A visão neoclássica de especulação e formação de crises no mercado imobiliário ............ 32

1.2 A DINÂMICA IMOBILIÁRIA NA ECONOMIA CAPITALISTA: A ABORDAGEM HETERODOXA ..... 36

1.2.1 Incerteza, alocação da riqueza e determinação dos preços dos imóveis .............................. 36

1.2.2 Uma análise teórica brasileira do mercado imobiliário ........................................................... 48

1.2.3 Afinal, quais são os determinantes dos preços dos imóveis? ................................................. 54

CAPÍTULO 2: PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS NO REINO UNIDO: AS

CONSEQUÊNCIAS DAS FINANÇAS DESREGULADAS NO PREÇO DOS IMÓVEIS .......................... 62

2.1. REINO UNIDO E O PROCESSO DE DESREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO ..... 64

2.1.1 Avanço do neoliberalismo dos anos 1970 ................................................................................ 67

2.1.2 Processo de securitização e mercado hipotecário britânico................................................... 75

2.1.3 Crise financeira mundial e impactos sociais dos altos preços imobiliários.......................... 83

CAPÍTULO 3: PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS NO BRASIL: AUGE E ‘DECLÍNIO’ DOS

PREÇOS .................................................................................................................................. 93

3.1. O PREÇO DOS IMÓVEIS NO BRASIL: DO BNH AO ANOS 90 ........................................................ 93

3.2. CONJUNTURA, CICLO ECONÔMICO E PREÇOS IMOBILIÁRIOS NA DÉCADA DE 2000 ............ 107

3.2.1 Política e ciclo de expansão econômica nos anos 2000 ........................................................ 107

3.2.2 Os anos 2000 e a dinâmica imobiliária .................................................................................... 118

3.3. O BOOM DOS PREÇOS IMOBILIÁRIOS NO BRASIL ......................................................................... 131

3.3.1 O circuito imobiliário e rentabilidade dos imóveis ............................................................... 138

3.3.2. Rendimento das famílias e preço dos imóveis ...................................................................... 155

CONCLUSÃO ......................................................................................................................166

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................172

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INTRODUÇÃO

“A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão

particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá [...] O meu fim evidente era atar as duas pontas

da vida, e restaurar na velhice a adolescência” (ASSIS, 1899, p. 3-4). Em Dom Casmurro, um

grande clássico da literatura brasileira, a casa exerce um papel fundamental nas experiências de

vida de Bento Santiago (Bentinho) e nos fornece uma série de elementos sobre a realidade social

e econômica dos personagens. Essas abordagens não são só percebidas e evidenciadas com

Machado de Assis, mas também em Aluísio de Azevedo (O Cortiço), além de outros grandes

nomes da literatura internacional, como Italo Calvino (Cidades Invisíveis). Assim, a moradia

exerce um papel de destaque em várias obras não só por ser capaz de caracterizar as relações

sociais entre os indivíduos, mas também, porque a casa tem um protagonismo em nossa vida

cotidiana, já que todos queremos e precisamos “ter um teto” para morar.

A partir dessa percepção, a forma como o mercado das casas – o imobiliário – se

organiza e se desenvolve tem expressão na dinâmica de preços das moradias, não só a partir de

uma necessidade material da vida, mas também como um meio de conservação de riqueza de

determinados indivíduos. Do ponto de vista teórico e histórico, considera-se relevante o

entendimento do funcionamento deste mercado e das forças que o movem. Como Ball (1983)

apontou, os problemas habitacionais mais urgentes se referem às necessidades de vida das

famílias e aos custos de moradia que eles têm de suportar. Neste sentido, acreditamos que

propor um debate a respeito da dinâmica imobiliária se faz muito importante.

Entendemos que as abordagens teóricas, além de explicar os momentos de boom e de

queda dos preços dos imóveis são capazes de alterar a própria dinâmica do setor, a partir da

instrução de diretrizes e políticas públicas. No debate econômico, a renda da terra foi um dos

primeiros objetos de análise que se aproximou diretamente da discussão do mercado

imobiliário. No entanto, em nossa abordagem, partiremos de autores que tem um olhar mais

específico para este setor ou que possuem elementos teóricos mais próximos de uma análise

imobiliária.

Partindo da observação e questionamentos advindos daí, e que se transformaram em

pesquisa da dissertação, tentamos entender quais eram os determinantes dos preços dos imóveis,

tendo em vista os processos de aumentos expressivos nos mercados imobiliários internacionais

e no brasileiro. A partir disso, tentamos apontar as vertentes teóricas que analisam os preços

dos imóveis, sendo elas, a mainstream – neoclássica – e a considerada “heterodoxa”, que

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compreende uma série de autores com visões críticas e mais abrangentes. Dessa análise,

tentamos apontar como as teorias se relacionam com casos práticos e empíricos, de tal modo

que, nosso objetivo é entender quais são os principais determinantes da valorização dos preços

dos imóveis no Brasil no período recente. Para entendermos esse processo, observaremos um

caso paradigmático de aumentos expressivos dos preços imobiliários ao longo dos anos: o

Reino Unido, que enfrentou uma transformação radical no setor habitacional. Para tanto,

achamos necessário apontar as principais visões que a teoria econômica produziu a esse respeito

para um entendimento geral da dinâmica de valorização dos preços em economias com

características distintas, mas com a mesma tendência de aumento.

A vertente da teoria econômica neoclássica tem ganhado os maiores espaços na

discussão sobre os preços. A partir desse escopo, pretendemos apontar as bases metodológicas

e sua influência para muitos autores que abordaram o setor imobiliário a partir do ponto de vista

da eficiência do mercado autorregulado e do equilíbrio da utilidade. Trataremos

especificamente das análises de Alonso (1964), Muth e Mills (1969) e autores mais recentes

como Mourouzi (2011), que tratam o mercado dos imóveis a partir de modelos hedônicos e de

equilíbrio. Além disso, incluímos uma análise da eficiência de determinação de preços de

ativos, a partir da abordagem de Eugene Fama (1970), que ganhou o Prêmio Nobel em

Economia, em 2013, com a tese da Hipótese dos Mercados Eficientes.

Entendemos, no entanto, que esses modelos apresentam uma visão restrita sobre o

comportamento do mercado. Para sustentar essa ideia, incorporamos referenciais teóricos

críticos como Keynes (1937), Minsky (1986), Abramo (1988), Rangel (1962) e Sayad (1977),

que nos trazem as ideais de incerteza e de convenções existentes no mercado imobiliário. Sobre

Minsky, tratamos da hipótese da fragilidade financeira – como uma crítica à abordagem de

Fama. Ademais, trouxemos autores como Ball (1983), Haila (1990) e Nitzan e Bichler (2009),

que apesar de não tratarem especificamente dos preços imobiliários são fundamentais para uma

análise crítica, uma vez que indicam caminhos mais abrangentes, que discorrem sobre o papel

das instituições e dos agentes do mercado imobiliário, como o Estado, os proprietários e os

bancos, e a partir do entendimento que os países possuem culturas, conjunturas e relações

específicas.

Na segunda e terceira parte deste trabalho, escolhemos analisar empiricamente dois

países com características econômicas e sociais bastante diferentes entre si – Reino Unido e

Brasil – justamente para testarmos a nossa hipótese de que o papel do Estado, em conjunto com

os agentes imobiliários e financeiros, é fundamental para explicar os momentos de picos de

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15

alta/baixa dos preços imobiliários. É importante dizermos, no entanto, que existem diferenças

estruturais entre estes países. Como veremos, o Reino Unido foi marcado por um processo

intenso de investimentos públicos e pelas políticas de bem-estar social no pós-guerra – o que

não foi verificado no Brasil. A Europa, de modo geral, viveu um período com crescimento

econômico pujante e sustentável combinado entre as nações, fundamentado na expansão do

comércio. Ademais, foi marcado por uma fase de pleno emprego, distribuição equitativa da

renda, regulação dos fluxos financeiros e estabilidade monetária e cambial, com a presença de

um Estado forte, atuante e indutor de todas as esferas da economia, inclusive, nas políticas

habitacionais.

No Brasil, apesar das fases cíclicas de expansão econômica e investimentos, não houve

uma política de bem-estar social consolidada. Nos anos 1950 houve um direcionamento do

Estado na condução da industrialização pesada no país, via práticas protecionistas à produção

doméstica. Para tanto, foram criados BNDE, a Petrobrás, além das instruções 70 e 113 da

SUMOC que, de modo geral, priorizaram as importações visando os interesses da indústria,

incluindo as realizadas por empresas estrangeiras. Politicamente, a elite industrial via seus

interesses atendidos, em especial com o Plano de Metas do governo JK.

Essas mudanças alteraram o padrão de reprodução do capital no Brasil, a partir da

expansão do setor de bens de capital e da criação de novos mercados. Apesar da economia

nacional ter se tornado menos dependente que no período anterior, as condições sociais da

população ainda eram bastante heterogêneas e desiguais.

Outra questão que difere estes países que analisamos é que a terra e os mecanismos de

crédito são entendidos de forma diferente na Europa, já que, por exemplo, no Brasil há fundos

imobiliários, que, inclusive têm sido capturados pelo capital imobiliário – o que não ocorre no

país europeu.

Entendemos que o mercado imobiliário não é meramente um ambiente com interação

de indivíduos compradores e vendedores, mas um lugar onde uma série de relações,

expectativas, incertezas e políticas macroeconômicas e habitacionais têm papel extremamente

complexas e importantes na formação dos preços do mercado imobiliário.

No caso do Reino Unido, ele foi um dos países – dentro do capitalismo avançado – com

uma das maiores intervenções do Estado nas políticas habitacionais, entre os anos 1940 e 1970.

Foi, também, o país em que mais rapidamente viu esse processo se reverter, a partir da segunda

metade dos anos 1970, com as políticas neoliberais e com um aumento significativo dos preços

dos imóveis – que se agravam cada vez mais nos dias de hoje. Portanto, nosso objetivo

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específico neste capítulo é apontar as principais mudanças na dinâmica imobiliária, dados os

processos de financeirização mundial e de privatização de moradias públicas no Reino Unido,

que foram capazes de alterar completamente a forma como se dá a provisão habitacional e os

preços dos imóveis na década de 2000 e 2010. Para tanto, tentamos fazer um paralelo com a

teoria econômica heterodoxa e institucionalista.

No terceiro capítulo iremos explorar as nuances do mercado imobiliário brasileiro.

Iniciaremos com uma breve discussão do período que vai de meados da década de 1960, com a

implementação do BNH, até o final dos anos 1990. Achamos que seria interessante abordar este

período tendo em vista que o BNH foi o projeto de política habitacional mais estruturado no

país, apesar de uma série de problemas. Esse período também é importante, pois nos dá a tônica

dos preços imobiliários em condições de incerteza e de mudança nas expectativas dos agentes

investidores, devido à crise econômica dos anos 1980, à forte valorização da moeda nos anos

1990 e a expansão do processo de financeirização no país.

Na segunda seção do capítulo 3 iremos apontar as principais transformações

conjunturais e políticas que o Brasil viveu durante os anos 2002-2014, marcado pelo

crescimento da renda, do emprego, do crédito e do consumo, que foram fatores sine qua non

para a ampliação do financiamento habitacional do período. Tratamos aqui, ainda, das

principais fontes de recursos para esse aumento do crédito imobiliário e a instituição do

Programa Minha Casa Minha Vida, programa este capaz de alterar profundamente a dinâmica

do setor imobiliário brasileiro. Além disso, pontuamos o momento de queda do crescimento do

país, o desgaste político que culminou no golpe de 2016 e a reversão no quadro de

financiamento de moradias.

Por fim, na última parte deste capítulo iremos explorar as principais variáveis que tratam

dos preços dos imóveis no Brasil, a partir de 2001. Fizemos uma série de extrapolações, devido

à significativa dificuldade que tivemos em encontrar dados capazes de atender à análise dos

preços imobiliários no país, inclusive no âmbito regional, que é uma das deficiências deste

trabalho: não dar conta das especificidades das regiões. Sobre esta última questão, utilizamos

os dados abertos disponíveis dos preços do m² divulgados pela FipeZap para tentar minimizar

a falta de informações oficiais. Em relação aos demais dados, utilizamos informações de

crédito, rentabilidade de ativos, taxas de juros, endividamento das famílias, massa salarial,

rendimento médio, entre outros, disponíveis, especialmente, no Banco Central e IBGE.

Considerando que estamos lidando com dados de imóveis, achamos mais prudente, na maioria

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17

dos dados imobiliários, usarmos como deflator implícito para correção de preços o Índice

Nacional da Construção Civil (INCC).

Em relação às proxys e simulações que fizemos, apresentaremos a metodologia ao longo

do trabalho. Ademais, como sabemos, há vários segmentos no mercado imobiliário, tais como,

casas, apartamentos, lojas, escritórios, terrenos e glebas (urbanas ou rurais), vagas de garagem

etc. que possuem algumas particularidades, no entanto, neste trabalho estamos trabalhando com

os imóveis em geral, dado o limite de tempo e escopo que temos. A última ponderação que

gostaríamos de fazer diz respeito ao fato de que estamos tratando dados do mercado imobiliário

formal, mas sabemos que em nosso país essa é apenas uma parte do mercado imobiliário global,

que envolve uma série de produtos e agentes não captados nessa pesquisa e que apresenta

interrelação com a dinâmica daquilo que chamamos “mercado formal de moradia". Esperamos

que trabalhos futuros possam dar conta destes problemas que, infelizmente, não conseguimos

tratar e que compreendemos ser centrais. De todo modo, nossa intenção é poder contribuir de

alguma forma para um tema de extrema relevância, que são as determinações e implicações dos

aumentos de preços dos imóveis.

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CAPÍTULO 1: DINÂMICA DO CAPITAL: UMA ABORDAGEM TEÓRICA DA

VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA

“I will not cease from mental fight,” Blake wrote. Mental fight means

thinking against the current, not with it.

Virginia Woolf

Ser pesquisador do mercado imobiliário nem sempre é uma tarefa muito fácil, uma vez

que o tema é bastante amplo e passa, na maioria das vezes, por abordagens do urbanismo e

críticas relacionadas à produção social do espaço e as relações entre o urbano e a vida cotidiana.

No entanto, apesar da abrangência da discussão crítica sobre o assunto, o mercado imobiliário

revela uma lógica de funcionamento que se apresenta a partir de uma variável de mercado pouco

explorada empiricamente entre os críticos: o preço dos imóveis.

A abordagem dos preços é bastante difundida no campo dito neoclássico, especialmente

pós anos 1980. Neste capítulo, em um primeiro momento, pretendemos apontar as principais

bases metodológicas desta abordagem e sua influência sob os demais autores neoclássicos que

tratam da dinâmica da valorização1 imobiliária, a partir de uma análise da eficiência dos

mercados e da homogeneidade e racionalidade dos agentes que buscam maximizar suas

utilidades.

Um dos autores que iniciaram a discussão neoclássica a respeito da dinâmica imobiliária

foi o argentino William Alonso, em 1964, que, a partir de uma análise econômica empírica e

teórica dos mercados habitacionais, criou um modelo de equilíbrio urbano. Este modelo

desenvolveu-se a partir da ideia da existência de um trade off entre agentes econômicos que

buscam um melhor acesso ao centro urbano – denominado por Alonso como centro

monocêntrico.

A partir desta argumentação e de adaptações em suas análises, outros autores ampliaram

o debate neoclássico do processo de valorização imobiliária, como Muth e Mills, que

estenderam o modelo de Alonso, derivando-o a partir da ideia de equilíbrio parcial de Marshall,

como trataremos adiante. Outro autor que apreende uma abordagem neoclássica é Rena

Mourozi, que incorporou em sua teoria algumas críticas aos modelos hedônicos2 do mercado

imobiliário; no entanto, manteve a visão de equilíbrio e de soberania dos consumidores.

1 O termo ‘valorização’, entendido neste trabalho, não se refere à terminologia marxista da teoria do valor, mas,

sim, ao termo recorrente de aumentos expressivos de preços. 2 Os modelos hedônicos pressupõem, de maneira geral, que “de acordo com as preferências individuais, para se

estimar os valores dos bens ou produtos, utiliza-se do preço que aparece no mercado existente. Caso contrário,

pode se recorrer a valores indiretos que se aproximariam ao preço do bem” (NETO; 2003; p. 81). No caso dos

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19

Sobre a questão do equilíbrio, abordamos, ainda, a Hipótese dos Mercados Eficientes

elaborada por Eugene Fama na década de 1970, que pressupõe que os preços dos ativos se

comportam eficientemente, de tal modo que a precificação se dará mediante uma perfeita

análise do mercado.

Argumentamos, no entanto, que estas abordagens possuem limitantes para uma

compreensão mais abrangente do mercado imobiliário, uma vez que estes autores não tratam

de questões centrais para um entendimento aprofundado e real do processo dos preços. Deste

modo, em um segundo momento, utilizaremos a ideia de Keynes (1936) sobre a formação de

preços na sociedade capitalista, pois consideramos importante a noção de incertezas e

convenções na dinâmica do mercado de terras. A partir daí, utilizaremos autores pós-

keynesianos, como Abramo (1988), Minsky (1986) e Dymski (1998; 2009; 2011) para

entendermos o processo volátil de acumulação do capital e o caráter especulativo da

valorização, que culmina em crises sistêmicas.

Ademais, entendemos ser importante em uma análise imobiliária a discussão a respeito

dos agentes que estão envolvidos nos processos de tomada de decisão e na própria dinâmica de

precificação no setor. Considerando esta questão, utilizamos outros autores muito importantes

nesta observação, como Ball (1983; 2013), Haila (2016), Ward e Aalbers (2016), entre outros,

na tentativa de trazermos luz sobre questões pouco exploradas na teoria econômica, mas

extremamente relevantes para um entendimento da participação de uma série de agentes no

mercado imobiliário.

Consideramos esta segunda parte muito importante, devido aos poucos estudos sobre as

análises teóricas econômicas da dinâmica dos preços imobiliários e, também, à necessidade de

um debate amplo do funcionamento deste mercado, uma vez que este é um espaço dominado,

em grande medida, por análises da teoria neoclássica. A difusão das ideias dos autores desta

linha de abordagem se deu, principalmente, devido aos modelos econômicos de otimização e

de equilíbrio.

Em comum com a maioria dos outros aspectos da pesquisa de microeconomia

aplicada, o estudo da habitação foi revolucionado durante as últimas quatro décadas

por dois avanços: primeiro, o desenvolvimento e a rápida difusão de modelos

explícitos de otimização do comportamento por parte dos agentes econômicos; E,

segundo, o desenvolvimento das ferramentas quantitativas que permitem inferir os

imóveis, estes modelos pretendem explicar o comportamento dos consumidores face às características dos imóveis

disponíveis.

Page 20: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

20

parâmetros desses modelos (QUIGLEY, 1997 apud MASTER; WATKINS, 1999; p.

4 – tradução nossa3).

Dado este panorama geral, o capítulo 1 procura apresentar as principais teorias a respeito

de formação de preços dos imóveis e dos agentes envolvidos neste ciclo econômico.

Pretendemos, ao final desse capítulo, apresentar os caminhos metodológicos de cada uma

dessas teorias, de tal modo a dar suporte para os capítulos posteriores.

O intuito é o de expor esse debate em dois pontos essenciais (que se articularão com os

dois próximos capítulos): o primeiro diz respeito à observação de algumas dessas premissas e

se as mesmas são coerentes com os dados da Grã-Bretanha e do Brasil; em segundo lugar,

observar como tais pressupostos acabam – em alguma medida – trazendo transformações na

realidade econômica. Entendemos que a realidade histórica impõe novos parâmetros de

acumulação de capital, ao mesmo tempo em que as teorias ajudam na defesa de determinados

argumentos a tal ponto de, em parte, moldar os próprios projetos econômicos. Portanto,

pretende-se articular alguns elementos da reflexão teórica com a história econômica dos países.

1.1 O EQUILÍBRIO NO MERCADO IMOBILIÁRIO: UMA ANÁLISE NEOCLÁSSICA

1.1.1 NEUTRALIDADE DOS AGENTES E EQUILÍBRIO ECONÔMICO NA TRADIÇÃO NEOCLÁSSICA

A teoria neoclássica tem como fundamento o pensamento desenvolvido durante a

“Revolução Marginalista”4, que teve como expoentes teóricos Jevons, Menger e Walras. Estes

autores desenvolveram essa abordagem a partir de elementos da tradição clássica liberal,

fundamentalmente com elementos da segunda metade do século XIX.

Segundo Romer (1989), a primeira metade do século XIX marcou o domínio teórico de

fundamentos na economia, liderado por autores como David Ricardo e John Stuart Mill. Esses

autores conseguiram difundir princípios básicos da economia e seu método investigativo com

elevado nível de consenso e enraizamento teórico. Nesse cenário, os partidários desses autores

tomavam como ponto de partida a aceitação da teoria do comércio internacional, a relação de

equilíbrio da moeda e do nível de atividade economia, ou seja, tinham como base a Teoria

3 [..], although housing is a commodity that responds to market forces it has a number of special characteristics,

(heterogeneity, durability, and spatial fixity), which require that the standard neoclassical model be modified if

they are to be adequately analyzed (QUIGLEY, 1997 apud MASTER; WATKINS, 1999; p. 4). 4 Há várias controvérsias quanto ao termo “revolução” entre aos autores que adotam o conceito de paradigmas de

Kuhn. Ver mais (SCHUMPETER, 1964, v. 3, p. 102)

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Quantitativa da Moeda (TQM)5 (Santos, 2018). Além disso, adotaram a premissa da mão

invisível do mercado, de tal maneira que a conjunção dessas relações levou à aceitação de que

o sistema capitalista funciona de forma mais adequada e eficiente na medida em que se dá maior

autonomia para as atividades privadas. Desse modo, caberia ao setor público o mínimo de

interferência possível, seja em políticas nacionais, seja via intervenção no setor externo (Santos,

2018).

Estabelecidos esses princípios, o foco de mudança de análise metodológica desses

autores se encontrava em alterar o eixo da teoria do valor6 que observava a formação dos custos

de produção por meio do trabalho, para uma teoria subjetiva, cuja determinação se dá pelo “grau

de bem-estar” que determinado bem ou serviço traz ao indivíduo ou para a sociedade.

Na tradição neoclássica, o equilíbrio pode tomar a forma de equilíbrio geral, como

formulado por Walras, ou pode tomar a lógica de equilíbrio parcial, com a formulação de

Marshall7. A despeito das relações especificas sobre o equilíbrio e suas atribuições, seja no

curto ou no longo prazo, o norte metodológico foi dado pela prerrogativa do equilíbrio nas

relações de produção, de consumo e monetárias, organizados, de forma tácita ou não, por uma

racionalidade utilitária8 que leva a economia ao equilíbrio (Santos, 2018). Nesse caso, trata-se

de uma sociedade cujo modelo teórico se expressa somente na relação de troca e no trade-off,

dados pela restrição orçamentária dos agentes e pela escolha utilitarista entre diferentes bens.

Ademais, esse conjunto de autores possui em comum a tentativa de transformar a

economia numa ciência positiva, tal qual a física e a química. O pressuposto de neutralidade da

ciência, defendido por eles, leva consigo a perspectiva de que a economia e suas “leis”,

representadas nas relações de produção e consumo, nada mais são do que o processo “natural”

das relações econômicas. Neste caso, o ambiente da troca – objeto central de estudo desses

economistas – expressa-se somente numa relação de essência da economia, e, nesse sentido,

isenta de valores morais e de atributos construídos historicamente.

5 Esta teoria foi desenvolvida por David Hume, no século XVIII e melhor desenvolvida por Irving Fisher. A TQM

estabelece uma relação diretamente proporcional entre preços e quantidade de moeda, ou seja, quando há variação

da quantidade de moeda na economia, os preços também sofrerão uma variação para compensar. Assim, o poder

de compra varia inversamente com o nível de preços. 6 Ao contrário do que se entendia na teoria clássica, os neoclássicos reconhecem o ‘valor’ como uma unidade de

troca imutável e consideram que a alocação dos fatores de produção e a satisfação dos consumidores se dá de

forma otimizada. 7 Possas (1989) chega a afirmar que a teoria neoclássica tem como norte metodológico e centro teórico o modelo

de equilíbrio geral de Walras. Marshal partiu deste norte metodológico de Walras e adaptou-o para uma análise

das firmas – por isso, o equilíbrio é tratado como sendo parcial –, a fim de definir as curvas de oferta e de demanda

destas firmas e dos consumidores. 8 Essa racionalidade utilitarista apresenta quase que uma onisciência sobre as relações de mercado.

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Desta prerrogativa de inexistência de valores morais na análise econômica, pressupôs-

se a neutralidade teórica entre os agentes econômicos e o processo de produção, de tal modo a

criar o princípio de que a remuneração de cada fator de produção é igual à sua produtividade

marginal. Neste caso, por exemplo, o salário do indivíduo é igual à sua produtividade marginal,

de tal maneira que o salário real é determinado pela negociação entre trabalhadores e

empresários, dentro de um mercado de livre concorrência, negociação e simetria entre

indivíduos. No caso do setor imobiliário, o custo de produção de um imóvel acompanhará a

produtividade média do setor, de tal modo que, quanto menor o custo do imóvel, menores os

preços.

No caso dos trabalhadores, estes poderiam coincidir os seus salários reais com a sua

desutilidade marginal, ou seja, haveria um trade off entre lazer e trabalho. Segundo esse

pressuposto, o trabalhador faz escolhas entre o benefício de ter uma determinada renda e sua

desutilidade de estar trabalhando ao invés de ter lazer. Portanto, a representação da oferta por

mão-de-obra seria correspondente à desutilidade marginal por mais trabalho, de tal modo que

a oferta de trabalhadores aumentaria na medida em que se aumenta os salários; por outro lado,

a curva de demanda por trabalho obedece a relação inversa, ou seja, quanto menor o salário,

maior a demanda por trabalho9.

Deste modo, Santos (2018) afirma que a teoria neoclássica cria uma ‘metafísica’ das

relações dos agentes econômicos, na medida em que caracteriza tais agentes, sejam eles

trabalhadores ou capitalistas, destituídos de propriedades que permeiam as relações

reais/históricas de produção no capitalismo10. O autor aponta que o norte metodológico do

pensamento neoclássico está construído sob a égide da ideia de equilíbrio. Essa ideia permeia

todo o questionamento do pensamento neoclássico e traz consigo o pressuposto de que o

mercado encontrará seu equilíbrio, caso seja o mais livre possível. Ademais, nos dá a ideia de

que o mercado é algo natural, ou seja, é algo inerente à essência de nossa sociedade e que nos

conduz a um certo tipo de “harmonia social”. Os atributos como a racionalidade utilitarista, a

ideia de igualdade entre os indivíduos (ou agentes econômicos) e a interferência mínima do

Estado operam como instrumentos que operacionalizam a ideia de equilíbrio de mercado nos

mais diversos mercados11. Vale ressaltar que esses princípios trazem consigo valores morais,

9 Para a teoria neoclássica, o desemprego causado pela não aceitação na redução do salário nominal, também pode

ser considerada como desemprego voluntário, pois decorre de uma convenção dos trabalhadores. 10 Como será visto na próxima seção sobre a abordagem heterodoxa. 11 Para maiores detalhes ver Santos (2018)

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por mais que, contraditoriamente, os autores que fundam o pensamento neoclássico atestem que

se trata de uma ciência isenta de valores morais12.

1.1.2 NEUTRALIDADE E EQUILÍBRIO NA ANÁLISE DA TERRA E DOS IMÓVEIS: ABORDAGEM

NEOCLÁSSICA

Entendido o norte metodológico neoclássico, no que se refere à análise da dinâmica de

preços imobiliários, uma das primeiras propostas neoclássicas para o assunto foi a do argentino

William Alonso (1964), que tratou de observar as cidades e densidades populacionais nos EUA

em sua tese de doutorado (COBLENTZ, 1964; p. 171). O autor ampliou a teoria de Von

Thünen13 sobre o uso e o aluguel de terras agrícolas e desenvolveu um modelo da economia

urbana de equilíbrio geral. Neste modelo, a ideia era a de que havia a possibilidade de entender

o uso, a localização e o aluguel da terra a partir de um distrito central de negócios de uma área

metropolitana, definido por ele como cidade monocêntrica.

O modelo monocêntrico explica a cidade seguindo padrões de localização das famílias

em áreas metropolitanas, a partir de um único centro, um distrito empresarial em que se dão

todos os negócios. Neste sentido, Alonso (1964) entende que as rendas da terra14, a densidade

populacional e a altura dos prédios diminuem com a distância do centro da cidade, uma vez que

as famílias pagarão um “prêmio” para evitar deslocamentos dispendiosos de suas residências

até o distrito empresarial central. Desse modo, cada tipo de uso da terra (comércio, habitação e

indústria) possui uma curva de aluguel, que define o valor máximo que qualquer tipo de uso da

terra vai render para um local específico.

Todos os agentes competem por locais de acordo com sua curva de aluguel e as

exigências de acesso às cidades, de tal forma que todos tentarão ocupar o máximo possível de

terra enquanto estiverem dentro dos requisitos de acessibilidade. De acordo com o autor, as

famílias mais pobres se localizarão mais ao centro da cidade, por dependerem mais de

transporte, enquanto às famílias ricas se concentrarão na “franja”, que tem um custo menor por

12 Alguns exemplos desses valores morais, seria a interpretação de que quanto mais livre o mercado, mais o

trabalho conseguiria seguir sua produtividade marginal, ou seja, teríamos uma sociedade sem exploração com base

no capital – ainda que a história econômica não nos apresente tal fato. 13 Von Thünen (1826) desenvolveu um modelo de mercados de terras rurais em que as rendas variavam de acordo

com o acesso a um mercado central. Neste modelo, a fertilidade do solo era a mesma em todos os lugares, mas os

agricultores deveriam enviar seu produto para um mercado central para vendê-lo. Como o transporte era caro, os

fazendeiros ofereceriam mais para a terra que se encontrasse mais próxima do mercado. Ver mais: MESQUITA

(1939). Essa ideia é precursora da cidade monocêntrica de Alonso (1964). 14 A atribuição ‘renda da terra’ colocada pelo autor se difere muito da que costumamos entender em autores

clássicos, como Ricardo e Marx. Na realidade, neste caso, renda da terra em Alonso – e demais neoclássicos – se

refere ao custo do aluguel e não às análises de valor intrínsecas às observações daqueles outros.

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estar mais afastada do centro15. Isso implica que as famílias mais pobres terão que competir

com estabelecimentos industriais e comerciais, que tenderá a criar um sistema segregado de uso

da terra, uma vez que estas famílias não pagarão os preços das terras comerciais e industriais

para os locais centrais.

Assim, Alonso (1964) coloca que um dos entraves ao equilíbrio do mercado imobiliário

é o preço da propriedade, de tal forma que a segregação é explicada pela questão da

acessibilidade, que impacta, inclusive, na densidade populacional de determinada região

(TABUCHI, 1998; p. 335)

Abramo (1988) resumiu a ideia do modelo de Alonso da seguinte maneira:

A renda fundiária, ou aluguel, surge em função da redução nos custos de deslocamento

que uma localização com acessibilidade mais favorável produz. Os indivíduos se

dispõem a pagar uma renda para terem acesso a essa localidade, mas esta decisão de

consumo espacial será pautada pela relação entre os custos de transporte e o aluguel

pago por uso do solo, mediada pelas preferências por densidade, lazer e outras

amenidades e devidamente diferenciadas pelos estratos de renda. A escolha da locação

ótima obedecerá ao critério da substituição com vantagem (trade-off) entre aluguel e

custos em transporte (ABRAMO, 1988, p. 31).

A formulação de Alonso teve uma base teórica e matemática a fim de elucidar a ideia

que as famílias têm preferências dadas por um conjunto de curvas de indiferença16. A função

da renda de aluguel é a quantidade que uma família pode pagar em um lugar diferente (com

custo de transporte diferente), de tal modo a alcançar o mesmo nível de satisfação. Esta ideia

permite pressupor que quantidades díspares de espaço a ser construído possam ser escolhidas

em locais díspares; assim como, permite entender o que já foi colocado acima: famílias de renda

mais elevada se localizem nos subúrbios devido aos custos de se “morar longe”.

A curva da renda do aluguel apontada por Alonso pode ser vista na seguinte ilustração.

Podemos observar que quanto maior a renda a ser dispendida com o aluguel, menor a distância

que este agente terá do distrito central de negócios (CBD). Verificamos o problema que Alonso

apontou, uma vez que as famílias mais pobres não têm condição de competirem com os setores

comerciais e industriais. Como coloca Abramo (1988; p. 81): “a localização dos indivíduos e

as rendas fundiárias são determinadas simultaneamente, obedecendo o critério da maximização

das preferências no livre jogo do mercado”.

15 É importante notar que o autor está olhando para os EUA. Essa dinâmica não se aplica a todos os países; muito

menos aos subdesenvolvidos e periféricos, uma vez que no caso dos países periféricos, como ocorre na cidade de

São Paulo (Brasil), há um espraiamento da população mais pobre para lugares cada vez mais distantes dos centros

dinamizadores, acarretando a ocupação de áreas, inclusive, que se encontram em zonas de risco. 16 Curva de indiferença: sequência de pontos de equilíbrio, entre diferentes bens (no geral são usados dois bens),

em que o consumidor terá o mesmo grau de satisfação.

Page 25: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

25

FIGURA 1: CURVA DE RENDA DO ALUGUEL

Fonte: Extraído de NARVAEZ, PENN, GRIFFTHS (2013; p. 4).

De forma independente, Richard Muth e Edwin Mills, segundo Brueckner (1987),

estenderam o modelo de Alonso, a fim de incluir um setor de produção habitacional, a partir da

ideia marshalliana de equilíbrio parcial. Ao contrário de Alonso, que explorou a ideia de

equilíbrio em um quadro em que as pessoas consomem diretamente a terra, Muth e Mills

apontaram que a terra é um insumo intermediário para o consumo final, que é a produção de

moradia.

Para os autores, o equilíbrio de mercado é resultado de um processo de concorrência

espacial, de tal modo que os agentes, por meio de sua racionalidade, tomam suas decisões no

mercado baseando-se na satisfação de suas utilidades e na forma como este mercado se organiza

(demanda/ oferta), que combina a terra e o capital para produzir o produto final. A partir dessa

perspectiva, os preços das casas, as rendas das terras, as alturas dos prédios e a densidade

populacional diminuem quanto maior for a distância do distrito central de negócios.

Dentro desta ideia proposta por esses dois autores, todos os consumidores ganham a

mesma renda e os desejos são assumidos como sendo idênticos para todos os indivíduos, de tal

modo que o equilíbrio urbano deve produzir níveis de utilidade idênticos para todos. De acordo

com Brueckner (1987; p. 823), esses níveis de utilidade chegarão a um nível de utilidade

máximo, seguindo a restrição orçamentária dos consumidores, uma vez que o preço do metro

quadrado de um imóvel variará, impondo um limite ao consumo de determinadas moradias,

devido ao aumento dos preços.

Portanto, os agentes que vivem mais afastados dos distritos centrais de negócios deverão

ser compensados de alguma forma, de tal maneira que as moradias com localidades mais

afastadas possuirão um preço mais baixo e serão maiores, de modo a atrair os consumidores.

Page 26: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

26

Os consumidores que vivem longe do CBD (Central Business District) devem ser

compensados de alguma forma por seus deslocamentos longos e onerosos (caso

contrário, ninguém viveria voluntariamente a grandes distâncias). A compensação

assume a forma de um preço mais baixo por metro quadrado de habitação em relação

aos locais fechados. O declínio resultante no preço da habitação faz com que os

consumidores se moldem em seu próprio favor, a fim de ter moradias maiores e a

distâncias maiores (BRUECKNER, 1987; p. 824 – tradução nossa)17.

A teoria neoclássica, portanto, parte do pressuposto de uma neutralidade dos agentes

econômicos no processo de alocação de riqueza, como se fosse algo natural, imparcial, tal como

os fundamentos lançados pela “revolução marginalista”.

Essa visão é, ainda hoje, bastante difundida, apesar da incorporação de alguns

elementos. No entanto, o pressuposto de equilíbrio ignora as relações sociais subjacentes à

disputa pelo solo urbano e apresenta uma cidade que é criada a partir de um trade-off entre

agentes econômicos, ignorando o movimento dinâmico do capital, de concentração e da busca

por lucros cada vez maiores. Como sintetizado por Ward e Aalbers (2016), Harvey foi um dos

primeiros críticos à esta visão neoclássica.

Uma parte significativa do ataque de Harvey a essas abordagens centrou-se no

fracasso do modelo de Alonso-Muth em levar em conta a natureza dependente e

poderosa do caminho e das geografias urbanas realmente existentes (1973: 153-194).

Ao introduzir classe e poder no debate sobre a renda, marxistas como Harvey

conseguiram ir além dos modelos simplistas centro-periferia de renda da terra e chegar

a uma compreensão mais completa do papel central da terra na política urbana e vice-

versa (WARD e AALBERS, 2016; p. 10 – tradução nossa)18.

A desconsideração do movimento dinâmico do capital torna a análise teórica

insuficiente para uma análise aprofundada do mercado imobiliário, uma vez que ele funciona

de acordo com a tomada de decisões de indivíduos, que buscam aumentar seus ativos e lucros.

Ademais, ao entender os mercados como lugares de intercâmbios eficientes e ricos em

informações, a abordagem neoclássica de Alonso/Muth/Mills desconsidera uma série de

questões sociais mais profundas na economia, como desigualdade e concentração de renda e a

disparidade de informação entre as pessoas, que interferem no acesso à moradia. A falta desses

17 “Consumers living far from the CBD (Central Business District) must be compensated in some fashion for their

long and costly commutes (otherwise, no one would live voluntarily at great distances). Compensation takes the

form of a lower price per square foot of housing relative to close-in locations. The resulting decline in the price of

housing causes consumers to substitute in its favor, leading to larger dwellings at greater distances”

(BRUECKNER, 1987; p. 824). 18 “A significant portion of Harvey’s attack on such approaches centred upon the failure of the Alonso-Muth model

to take into account the path-dependent and powerladen nature of actually existing urban geographies (1973: 153–

194). By introducing class and power to the rent debate, Marxists such as Harvey were able to move beyond

simplistic centre–periphery models of land rent and come to a fuller understanding of the central role of land in

urban politics and vice versa” (WARD e AALBERS, 2016; p. 10).

Page 27: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

27

e de outros elementos, portanto, inviabilizam uma análise real sobre o funcionamento do

mercado imobiliário.

Mecanismo de determinação de preços imobiliários

Um dos grandes limites da abordagem neoclássica é o fato de não considerar questões

de extrema relevância para um entendimento mais profundo da lógica imobiliária, como o

impacto de políticas públicas, as mudanças na condução de políticas macroeconômicas, a busca

desenfreada por rentabilidades cada vez maiores por partes das empresas, assimetrias de poder,

dinâmica de acumulação de capital, formação de salários e da renda, etc. Essas questões retiram

da abordagem o componente político da determinação de preços.

A falta de elementos importantes em suas análises, tais como os citados acima, levaram

alguns autores neoclássicos a proporem avanços ao marco teórico neoclássico tradicional

(entendido aqui por Alonso, Muth e Mills) sem abandonar, no entanto, o pressuposto

estruturante de equilíbrio. Um dos autores a propor avanços na análise foi Mourouzi-

Sivitanidou (2011), que apontou a importância de um entendimento mais rigoroso da lógica de

preços imobiliários e tentou responder questões que autores de sua mesma base teórica não

levantaram, tal qual: como se dá o funcionamento do mercado imobiliário mediante cenários

macroeconômicos e microeconômicos específicos e como o investimento ocorre. Para este

autor, uma boa compreensão do mercado é entendida a partir da análise “das peculiaridades e

idiossincrasias dos mercados imobiliários [que] é um componente necessário e crucial do

processo de tomada de decisão imobiliário” (MOUROUZI-SIVITANIDOU, 2011 p. 13 –

tradução nossa)19.

No entanto, o autor aponta a ideia da soberania do consumidor no âmbito

microeconômico, de tal modo que, este tem o ‘poder’ de decidir o preço de um imóvel,

determinando o quanto os investidores produzirão e o quanto irão lucrar.

A premissa subjacente ao componente de análise da micro-comercialização é que o

design de produto pró-ativo (e não reativo), combinando as preferências do

consumidor com os atributos de localização e produto, é necessário para maximizar o

valor do projeto. O raciocínio subjacente à esta premissa é que não só as perspectivas

mais amplas do mercado, mas também características idiossincráticas do local e do

projeto são cruciais para determinar o desempenho específico do projeto e os níveis

de renda alcançáveis. Assim, os desenvolvedores imobiliários e investidores podem

maximizar o valor e os lucros, identificando, cuidadosamente, o tipo de produto que

19 [...] the book advances the premise that solid market research, based on a good understanding of the peculiarities

and idiosyncrasies of real estate markets, is a necessary and crucial component of the real estate decision-making

process.

Page 28: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

28

é mais valorizado pelos consumidores no mercado (MOUROUZI-SIVITANIDOU,

2011, p. 19 – tradução nossa)20

.

Outra questão que merece destaque nesta análise é o fato de que, ainda que haja a

consideração de uma análise histórica do mercado, existe o pressuposto de concorrência perfeita

entre os agentes, capaz de canalizar a demanda e impulsionar uma competição homogênea entre

os investidores – desconsiderando que há um poder de mercado assimétrico entre as diferentes

empresas e setores, que podem conceder um maior ou menor poder de barganha.

De qualquer modo, o mercado imobiliário é visto como resultado da interação entre

oferta e demanda, ou, entre vendedores e compradores – basicamente, a ideia do leiloeiro

walrasiano21. Esta interação pode ser observada na figura abaixo, que mostra que o preço de

mercado de um imóvel é determinado como a intersecção das curvas de demanda e oferta,

representando aqui que o preço do imóvel a ser pago por inquilinos (ou compradores) é igual

ao preço que os proprietários (vendedores) estão dispostos a receber, igualando, assim, a oferta

e demanda.

FIGURA 2: DETERMINAÇÃO DO PREÇO NO MERCADO IMOBILIÁRIO

Fonte: Extraído de SIVITANIDOU (2011, p. 49).

20 “The premise underlying the micro-marketability analysis component is that pro-active (and not re-active)

product design, matching consumer preferences for location and product attributes is necessary for maximizing

project value. The underlying rationale of this premise is that not only broader market prospects but also

idiosyncratic project and location features are crucial in determining project-specific performance and achievable

rental revenue levels. Thus, real estate developers and investors can maximize value and profits by carefully

identifying the type of product that is mostly valued by consumers in the marketplace”. 21 Essa ideia supõe que a cada transação de uma fração de terra ou imóvel, todas as outras frações teriam seus

preços reavaliados ao mesmo tempo. É, em tese, a ideia do leiloeiro walrasiano, que negocia com compradores e

vendedores o estoque a todo momento, oferecendo, assim, o melhor preço e o melhor uso para determinada terra

ou imóvel.

Page 29: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

29

Em casos de desajustes, por exemplo, o mercado se readequará a fim de se obter um

novo equilíbrio. Na figura 2 podemos observar este movimento. O preço de mercado (P1) está

abaixo do nível de equilíbrio, de tal modo que o número de unidades habitacionais demandadas

(QD) é maior do que o número de unidades produzidas (QS). Essa situação forçará os preços

das unidades excedentes para cima, fazendo com que alguns compradores abandonem o

mercado e com que alguns vendedores entrem, com o intuito de lucrarem mais. Quando os

preços alcançarem P* (QD=QS), os vendedores não terão mais motivo para alavancarem os

preços, chegando ao equilíbrio.

No segundo caso exposto na figura 2, o preço de mercado está acima do nível de

equilíbrio, implicando que o número de imóveis demandados é menor que o fornecido. Os

vendedores, com o intuito de atraírem compradores, reduzirão seus preços até o ponto em que

haja o equilíbrio.

No caso dos desajustes no mercado imobiliário que geram problemas para a sociedade,

esta visão expõe a existência de ineficiências que impedem o equilíbrio. Um dos exemplos

dessas ineficiências é que a informação específica para determinada área pode não estar

disponível a todos agentes, pois sua coleta é demorada e cara. Essa falta de informação pode

fazer com que os inquilinos e compradores demorem a encontrar os imóveis que desejam,

prolongando o desajuste no mercado. Outros exemplos de ineficiências são apontados, como

atrasos de construção e contratos de aluguel com prazos estendidos, que impedem o ajuste

rápido da demanda e oferta22.

Percebemos, portanto, que a base do pensamento neoclássico nos permite concluir que

a dinâmica de preços dos imóveis impõe uma lógica de crescimento urbano quase que natural,

uma vez que os preços se equilibram de tal modo a permitir uma alocação eficiente de recursos

aos que se dispõem a pagar uma renda da terra correspondente. Há, em suma, o pressuposto de

racionalização do uso do solo, em um mercado neutro na determinação dos preços e quantidades

dos imóveis a serem alocados.

Os modelos de Muth-Alonso não levam em conta, em muitos importantes aspectos, o

caráter monopolista do espaço, e suas análises se baseiam, de fato, em um determinado

ponto de vista do espaço e do tempo, assim como em certas abstrações do marco

institucional da economia capitalista (HARVEY, 1985, p. 175).

22 A partir da ideia de imperfeições da informação no mercado imobiliário, extraída do texto de Rena Mourouzi

Sivitanidou (2011), podemos inferir que se trata de um autor que segue a lógica neokeynesiana. Os autores que

fazem parte dessa vertente econômica seguem o paradigma do equilíbrio, mas aceitam determinadas imperfeições

de mercado que atrapalham, no curto prazo, o equilíbrio econômico e sua maior eficiência. Nesse caso, para eles,

é papel das instituições e do Estado dirimir essas imperfeições de mercado, assim como, minimizar, no caso de

Sivitanidou, a informação incompleta no mercado imobiliário.

Page 30: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

30

Ainda partindo da análise de Alonso, Muth e Mills, outros autores trataram da questão

de precificação dos imóveis sob um ponto de vista de racionalização do uso do solo. É o caso

de Lucena (1981), que seguindo o modelo de equilíbrio proposto por aqueles autores, apontou

que os modelos anteriores poderiam mostrar um inter-relacionamento entre diversos setores, de

tal modo que, poder-se-ia observar como um determinado setor poderia afetar outros.

Ou seja, nos mostra o preço da terra como fator de ligação entre os diversos setores,

e que as alterações nos condicionantes de cada setor alterarão o preço que esses estarão

dispostos a pagar pela terra necessária ao desenvolvimento das diversas atividades, o

que alterará a localização dos mesmos (LUCENA, 1981; p. 68).

A partir desta perspectiva, Lucena (1981) sugeriu que para um entendimento mais

aprofundado do mercado imobiliário ter-se-ia que utilizar um modelo econométrico, a fim de

satisfazer o “embasamento teórico limitado”23. O modelo sugerido pelo autor foi o hedonic

housing prices equations, que busca explicar a variância nos preços dos imóveis através de um

vetor de atributos, que somados apresentam a dinâmica dos preços imobiliários. O autor

utilizado por Lucena (1981) foi Rosen (1974), que construiu um destes modelos hedônicos para

apontar os coeficientes estimados dos preços dada a interação de produtores e consumidores

em um ambiente maximizador de utilidades e de lucro24.

Rosen supõe que ambos, consumidores e produtores, baseiam suas decisões

(locacionais e de quantidades) num comportamento maximizador (supondo

concorrência), e define "funções de valor" que são respectivamente: o preço mínimo

unitário que a firma está disposta a receber pelo tipo de habitação que produz e o preço

máximo que o consumidor está disposto a pagar por um dado tipo de habitação

(conjunto de características) (LUCENA, 1981; p. 77).

De acordo com McMaster e Watkins (1999), estas abordagens micro e

macroeconômicas partem da ideia de que o sistema econômico determina os valores de suas

variáveis e, mais especificamente, de que há um equilíbrio entre as forças econômicas – entre

oferta e demanda; de tal modo que o equilíbrio é atingido onde não há estoque em excesso e

não há escassez de qualquer mercadoria, dado o preço de mercado. Deste modo, como já

apontado acima, o setor imobiliário se comporta em condições de equilíbrio.

A modelagem macroeconômica da habitação, em particular, invoca esses

pressupostos importantes (Marsh e Gibb, 1998), embora, como observado, cada vez

mais analistas estejam reavaliando a adequação da modelagem baseada na

concorrência perfeita, onde os mercados se liberam instantaneamente [...]. A maior

parte da literatura reconhece o lento ajuste de preços traçado nos mercados

imobiliários. No entanto, apesar disso, a literatura demonstra uma adesão persistente

23 Lucena, 1981, p. 69. 24 O modelo proposto por Rosen é considerado referência na observação do mercado imobiliário entre os

neoclássicos (GONZÁLEZ; FORMOSO; 2000, p. 67-68)

Page 31: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

31

na epistemologia, linguagem e modelagem para o princípio central do equilíbrio

(McMASTER, WATKINS; p. 6-7, 1999 – tradução nossa)25

Um ponto interessante a ser observado é que para que os modelos hedônicos possam ser

validados, uma série de “pressupostos básicos” precisam ser respeitados, conforme tabela

abaixo26:

PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA VALIDAÇÃO DE MODELOS HEDÔNICOS DE PREÇOS IMOBILIÁRIOS

1 Homocedasticidade dos resíduos (variância constante)

2 Existência de independência serial dos resíduos (não há autocorrelação)

3 Os resíduos seguem a Distribuição Normal

4 Linearidade da relação entre as variáveis independentes e a variável dependente

5 Não há colinearidade perfeita entre quaisquer variáveis independentes

Fonte: GONZÁLEZ; FORMOSO; 2000, p. 69.,

Podemos apreender dos pressupostos acima a existência de uma uniformidade das

variáveis e atributos considerados no modelo. Por exemplo, ao ter como condição a

homocedasticidade dos resíduos, o modelo pressupõe que os atributos se comportam

homogeneamente; ou ainda, ao considerar que não há autocorrelação dos resíduos, pressupõe-

se que as variáveis são independentes entre si. No entanto, mostraremos nos capítulos seguintes

deste trabalho que o mercado imobiliário funciona dinamicamente e revela uma interação de

diversos agentes, que não se comportam da mesma forma o tempo todo.

Além dos pressupostos básicos a serem seguidos, de acordo com Gonzalez e Formoso

(2000), existem outros requisitos a serem cumpridos, tais quais:

As variáveis importantes foram incluídas (o modelo especificado é similar ao real);

não existem observações espúrias (elementos claramente não adaptados ao modelo,

chamados de outliers); as variáveis independentes não são aleatórias (somente a

variável dependente pode ser estocástica); os resíduos têm média nula; o número de

observações (tamanho da amostra) é maior que o de coeficientes a ser estimado

(GONZÁLEZ; FORMOSO; 2000, p. 69).

Sobre os problemas existentes do modelo, Gonzalez e Formoso (2000) fazem um mea

culpa ao apontar a consideração de tantas condições a serem cumpridas para validação dos

25 “The macroeconomic modelling of housing in particular invokes those important assumptions (Marsh and Gibb,

1998), although, as noted, increasingly analysts are reassessing the appropriateness of modelling predicated on

perfect competition where markets clear instantaneously [...] Most acknowledge the sluggish price adjustment

traced in housing markets. Yet despite this the literature demonstrates a persistent adherence in epistemology,

language, and modelling to the central tenet of equilibrium”. 26 Tabela extraída de GONZÁLEZ; FORMOSO; 2000, p. 69-70.

Page 32: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

32

resultados do modelo, de tal modo que, para garantir resultados “confiáveis”, utiliza-se várias

técnicas estatísticas para a correção de erros.

No mercado imobiliário, diante de suas características peculiares e da dificuldade de

obtenção de dados, há risco de ruptura de várias destas condições. É comum a

ocorrência de multicolinearidade, outliers e não-linearidade dos dados, entre outros.

[...] Quase todas estas condições podem ser garantidas, ou mesmo bem controladas,

existindo técnicas estatísticas para corrigir eventuais problemas. Por exemplo, para o

caso de surgimento de outliers, há tratamentos bem documentados e a solução é

razoavelmente fácil (Belsley et al., 1980; Daniel e Wood, 1980) (GONZÁLEZ;

FORMOSO; 2000, p. 69).

Portanto, podemos concluir que há uma rigidez do modelo hedônico para uma análise

aprofundada de um mercado tão complexo como o imobiliário. Consideramos que o problema

não está no fato do modelo ser baseado em testes econométricos, já que estes podem servir

como uma ferramenta importante para diversas análises. No entanto, ao considerar os mesmos

pressupostos da escola neoclássica, o modelo continua trazendo os problemas metodológicos

de equilíbrio e homogeneidade dos agentes para analisar a dinâmica dos preços imobiliários, o

que consideramos aqui limitados e inviáveis.

1.1.3 A VISÃO NEOCLÁSSICA DE ESPECULAÇÃO E FORMAÇÃO DE CRISES NO MERCADO

IMOBILIÁRIO

Como já apontamos acima, o foco de análise da pesquisa neoclássica é voltado ao

mercado onde os indivíduos – agentes econômicos substancialmente racionais – encontram-se

em busca de bens. A necessidade que os homens sentem por estes bens pode ser encontrada na

medida da escassez, que é refletida pelos preços. Isso supõe a máxima eficiência na alocação

dos recursos: os sujeitos tomam suas decisões no mercado com vistas a adquirir a maior

quantidade de bens com o mínimo de recursos.

Em relação ao mercado imobiliário, é possível, ainda, criar um paralelo com a Hipótese

dos Mercados Eficientes – ideia explorada na década de 1970 por Eugene Fama27. Este autor

desenvolveu uma teoria de que os mercados refletiam todas as informações dos ativos

financeiros, de modo que os agentes tomavam suas decisões de investimento olhando para o

presente e desconsiderando o comportamento passado dos preços das ações, via um random

walk (passeio aleatório, na econometria). Para a interpretação de eficiência de Fama eram

necessárias três condições:

27 Nobel de Economia de 2013.

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33

[...] considere um mercado em que haja: a) Inexistência de custos de transação nas

negociações dos títulos; b) o preço atual de um título reflete toda a informação

disponível, indicando que os movimentos dos preços no tempo são séries de números

aleatórios (correlação serial igual a zero); e c) as mudanças de preços obedecem à

mesma distribuição de probabilidade (FAMA,1970, p.387 – tradução nossa)28.

No mercado, os sujeitos calculam os preços dos ativos com base nos riscos que eles

conseguem apreender das informações disponíveis. Com isso, os preços sãos afetados pela

consciência que os investidores têm dos riscos de todos os ativos disponíveis, o que dificulta a

precificação de um ativo por um valor muito acima do esperado pelos agentes – a média do

mercado. Isso manteria a previsibilidade do mercado de ações.

Este último pressuposto, segundo Pereira e Urpia (2011), se refere a:

Os custos de transação (cost transaction) são custos de compra e venda de um valor

imobiliário, que consiste, principalmente, na comissão de corretagem, margem do

investidor ou de uma taxa (como seria, por exemplo, a taxa cobrada por um banco ou

por uma corretora para negociar títulos do governo). Mas, para Bonotto (2008),

também inclui tributos diretos, bem como quaisquer impostos de transferência pelo

governo e outros impostos diretos (PEREIRA e URPIA, 2011; p. 138).

Segundo Lima (2003), esses pressupostos conferem à HME a discussão em torno dos

preços de ativos no mercado e sua harmonização com a esfera produtiva, pois a boa

funcionalidade desse mercado seria um bom indicador de alocação de capital. Fama (1970)

afirma que o fator determinante de um ativo é o risco (ou beta), elemento que não pode ser

eliminado ou atenuado pelo investidor.

Para saber o risco de um ativo, é feita uma comparação com um investimento

considerado risco zero, como os títulos da dívida pública. O quanto beta variar em relação à

base (ao título sem risco) corresponderá à rentabilidade variável do ativo. A taxa de retorno de

um investimento, por sua vez, seria composta pela soma da constante (alfa, por exemplo) de

uma aplicação sem risco e essa rentabilidade variável (beta).

[TR = a (constante) + b (variável)]

A consequência de determinação de preços por Fama foi depreendida de sua

classificação dos tipos de eficiência e informação disponível dos ativos: fraca, semiforte ou

forte; na qual o único elemento de referência para tal classificação eram os retornos passados

da ação, ou seja, seu histórico. Desta forma, caso o ativo tivesse eficiência fraca, significaria

que não seria possível deduzir seu preço a partir de informações pregressas, isto é, ele possuiria

um alto risco. Caso fosse semiforte, qualquer informação sobre a empresa/ agente – lucros,

28 [...] consider a market in which: (i) there are no transactions costs in trading securities, (ii) all available

information is costlessly available to all market participants, and (iii) all agree on the implications of current

information for the current price and distributions of future prices of each security.

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34

distribuição de dividendos – provocaria impacto imediato nos preços das ações. Por fim, se o

ativo fosse classificado como forte, implicaria dizer que o seu risco era baixo, ou seja, quaisquer

informações não provocariam alterações nos preços de mercado, uma vez que seriam

conhecidas publicamente por todos os agentes, de tal modo que nenhum indivíduo possuiria

informação privilegiada.

Nota-se na hipótese de Fama, dessa forma, que o risco de um ativo reflete tanto o seu

comportamento em relação ao preço base do mercado, quanto em relação a si mesmo, por meio

de uma média de suas rentabilidades anteriores.

No caso do mercado imobiliário, podemos fazer um paralelo com a questão de

especulação dos preços dos imóveis, ou seja, um aumento dos preços sem uma base real

produtiva que justifique este aumento. Considerando a hipótese levantada por Fama, podemos

apreender que não há o problema de especulação no mercado dos imóveis, uma vez em que este

mercado precifica corretamente os imóveis pelo seu valor intrínseco, dadas as informações

disponíveis publicamente a todos os agentes.

Quando questionado sobre a eficiência do mercado imobiliário e sobre o expressivo

aumento dos preços dos imóveis nos EUA nos anos 200029 em entrevista para o FED de

Minneapolis em 2007, Eugene Fama afirmou:

[...] os mercados imobiliários são menos líquidos, mas as pessoas são muito

cuidadosas quando compram casas. Este é geralmente o maior investimento que elas

vão fazer, então elas procuram com bastante cuidado e comparam preços. Os

processos de compra são bastante detalhados30.

Ou seja, para Fama não cabe qualquer comportamento “irracional” na tomada de

decisões dos agentes ao adquirirem um imóvel. É muito claro que as pessoas tomam suas

decisões com cuidado, mas isso não quer dizer que o comportamento dos preços dos imóveis

vai seguir a tendência geral de várias somas de decisões dos agentes – basicamente a ideia

neoclássica de que o macro é a soma das partes. Resumindo, não há especulação ou aumentos

expressivos de preços sem justificativa. Em outra entrevista, ao jornal New Yorker, em 2010,

Fama sinalizou que nem imaginava o que seriam “bolhas” de ativos (ao tratar do crédito

disponibilizado às pessoas para aquisição de imóveis nos EUA).

Eu nem sei o que isso significa. As pessoas que recebem crédito precisam obtê-lo em

algum lugar. Uma bolha de crédito significa que as pessoas economizam muito

durante esse período? Não sei o que significa uma bolha de crédito. Eu nem sei o que

29 Trataremos desta questão com maiores detalhes no próximo capítulo. 30 FED Minneapolis. Interview with Eugene Fama. 2007.

https://www.minneapolisfed.org/publications/the-region/interview-with-eugene-fama

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35

significa uma bolha. Essas palavras tornaram-se populares. Não acho que eles tenham

algum significado (tradução nossa) 31.

A evolução do conceito de eficiência dos mercados ocorreu com a introdução do

“random walk” (já colocado acima), sugerindo que a tendência do preço de ativos não pode ser

determinada. Dessa forma, dentro de cada classe de risco (fraca, semiforte ou forte), haverá

operadores que ganharão e outros que perderão, mesmo que haja igual chance de sucesso. Ou

seja, o comportamento de um ativo no curto prazo é totalmente aleatório, tornando mais

sugestivas ações de período mais longo.

Ao considerar que o preço de um ativo reflete toda a informação disponível, e que os

agentes financeiros tomam suas decisões de acordo com as informações do presente, a HME

desconsidera erros passados na decisão dos preços e custos de transação (custos de compra e

venda). Além disso, pressupõe que os agentes são homogêneos e racionais, logo, reagem de

modo igual às informações disponíveis, que são completas, maximizando, assim, sua utilidade.

Por isso, a visão da hipótese garante que o mercado acionário32 – e considerando aqui o

imobiliário também – é altamente eficiente, descartando a intervenção de qualquer agente ou

instituição, como o Estado. Na existência da eficiência do mercado, as políticas fiscais e

monetárias adotadas não surtem efeito sobre a economia real. Importante destacar que as

abordagens neoclássicas consideram o Estado a partir de uma visão residual, sem um

afastamento total da economia, até porque, a figura do Estado é responsável pelas crises

econômicas que surgem, mas também, cabe a ele o papel de frear os impactos destas mesmas

crises – o que é bastante contraditório.

Podemos concluir, dadas as premissas da hipótese de Fama, ganhadora, inclusive, de

um prêmio Nobel de Economia em plena crise econômica, a não existência de aumento de

preços de preços de ativos sem uma base real, já que as expectativas são baseadas em um

ambiente ergódigo (o futuro é a sombra do passado) e a racionalidade dos agentes permite que

sempre possam tomar as melhores decisões dentre as alternativas possíveis. As crises, portanto,

são temporárias; são apenas um desajuste que tende ao equilíbrio e ocorrem quando os preços

são baseados pela “moda e/ou ondas de otimismo e pessimismo, tal como descrito pela

psicologia convencional dos mercados” (Shiller apud Lima, 2003, p.34).

31 I don’t even know what that means. People who get credit have to get it from somewhere. Does a credit bubble

mean that people save too much during that period? I don’t know what a credit bubble means. I don’t even know

what a bubble means. These words have become popular. I don’t think they have any meaning. NEW YORKER

JOURNAL. Interview with Eugene Fama. 2010.

https://www.newyorker.com/news/john-cassidy/interview-with-eugene-fama 32 Entendido aqui como o mercado em transaciona-se títulos financeiros.

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1.2 A DINÂMICA IMOBILIÁRIA NA ECONOMIA CAPITALISTA: A ABORDAGEM

HETERODOXA

Enquanto a abordagem neoclássica parte do pressuposto da existência de um mercado

imobiliário que tende ao equilíbrio, com agentes racionais que alocam seus recursos

eficientemente, há estudos que partem de um entendimento distinto sobre a dinâmica social

urbana e que entendem o mercado imobiliário de tal modo a englobar agentes e determinações

muito relevantes no panorama geral de análise.

Uma das grandes críticas à escola de pensamento neoclássica é que ao tratar a casa como

uma mercadoria como as demais, os autores não se propuseram a entender a lógica da

propriedade privada e todas as suas relações de mercado, inclusive de participação do Estado.

O tratamento da casa como um bem qualquer ignora o fato de que ela se desenvolve a partir da

terra/localização que é algo não reproduzível e que impõe condições muito específicas de

mercado.

Nesse sentido, a fim de entender a lógica de valorização imobiliária, exploramos nesse

item a análise crítica, do ponto de vista keynesiano e institucionalista, que trata da questão de

convenções, assimetria e interação entre agentes econômicos para um entendimento da

dinâmica de preços e do movimento sistêmico de crises no mercado imobiliário. Acreditamos

que a partir destas análises teremos elementos importantes para um entendimento do processo

de aumento de preços que tem ocorrido no Reino Unido e no Brasil.

1.2.1 INCERTEZA, ALOCAÇÃO DA RIQUEZA E DETERMINAÇÃO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS

Um dos primeiros autores que trataram da questão da formação de preços da terra foi

Marx (1985) que, a partir de uma análise teórica da renda da terra de Ricardo, elaborou uma

teoria da renda da terra apontando fraquezas e limitações do modelo ricardiano. Para Marx, a

terra é uma mercadoria imprescindível para a sociedade, uma vez que é necessária a ocupação

de um espaço para a realização de qualquer atividade, ou seja, para produzir, existe a

necessidade de um lugar para a instalação física da empresa, por exemplo. Ao ser percebida na

sociedade capitalista como um elemento imprescindível a toda produção e atividade humana, o

espaço define a renda de determinado imóvel, que serve como um requisito ou um ‘tributo’ a

ser pago, devido à existência da propriedade privada da terra. Apesar da análise de Marx ser

um ponto de partida para qualquer abordagem crítica, neste trabalho, no entanto, os marcos

teóricos predominantes que utilizaremos serão o keynesiano, pós-keynesiano e institucionalista.

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Uma das grandes inovações do pensamento keynesiano foi a constatação de que a

economia capitalista opera em condições de incerteza e que possui um papel relevante para a

ocorrência de flutuações de investimento e para a determinação pela preferência pela liquidez

por parte dos agentes.

Interessante observar que Keynes tinha como formação econômica a escola neoclássica,

mas, em sua análise rompeu com esta abordagem, uma vez que partiu da análise individualista

neoclássica, construiu uma realidade econômica agregada e desenvolveu uma abordagem de

autonomia da macroeconomia frente aos componentes microeconômicos (Corazza, 2009).

Como aponta Corazza (2009), Keynes partiu de uma observação da realidade com uma

visão estrutural das relações e considerou fundamental o papel da ciência e da história neste

processo, mas sem uma prevalência da ciência sob as análises econômicas.

A hipótese atomista, que funcionou tão esplendidamente na física, sucumbe na

psicologia. Somos confrontados, a todo o tempo, com problemas da unidade orgânica,

das variáveis discretas, da descontinuidade – o todo não é igual à soma das partes,

comparações quantitativas nos enganam, pequenas variações produzem grandes

efeitos, as hipóteses de um continuum uniforme e homogêneo não são satisfeitas

(KEYNES, CW apud CORAZZA, 2009; p. 3).

Uma das grandes contribuições de Keynes foi o fato de que ele não se preocupou apenas

na formulação de uma teoria econômica, mas em intervir efetivamente nas políticas econômicas

e “sua retórica se constituiu num instrumento auxiliar para convencer economistas, governo e

sociedade da necessidade de mudar a política” (CORAZZA, 2009; p. 14). É importante entender

que os autores que seguiram a visão keynesiana e a aprofundaram – os ditos pós-keynesianos –

conseguiram determinar uma ruptura mais profunda com a teoria neoclássica.

Apesar do amplo debate a respeito da posição em que Keynes assumiu na teoria

econômica, pode-se dizer que a abordagem keynesiana foi um avanço teórico, pois, até a II

Guerra Mundial, o pensamento econômico predominante era o de que toda a renda gerava

consumo, ou seja, a poupança dos agentes gerava investimento (famosa Lei de Say). Ademais,

os pressupostos dedutivos (e em menor grau, indutivos) da teoria hegemônica do período eram

baseados no entendimento da dinâmica de crescimento da economia como dada pela existência

permanente de desejos dos consumidores e, por sua vez, dos produtores dispostos em supri-los,

maximizando o uso dos fatores de produção.

Nessa lógica, portanto, percebemos a inexistência da hipótese de crise, uma vez que o

pressuposto fundamental da tradição neoclássica, que é predominante desde Say e Ricardo, é o

de que o empresário produz para satisfazer seus próprios desejos de consumo (Santos 2018).

Nessa lógica, é improvável pensar uma sociedade em que haja desejos insatisfeitos e fatores de

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produção ociosos. Percebemos ainda que o consumidor tem poder de decisão e é hegemônico,

de tal modo que a oferta sempre se ajustará à demanda, desde que os preços sejam flexíveis.

Keynes estava inserido nesse cenário e não se convenceu de que a sociedade operava

sob essa lógica determinista, objeto que o autor inglês investigou, inicialmente, no livro Treatisy

on Probability (Keynes, 1921). Neste livro é analisada a formação da racionalidade e o processo

de tomada de decisões, com uma lógica muita distinta daquela abordada pela tradição

neoclássica. No entanto, sua obra só toma robustez para uma análise econômica quando o autor

observou a crise de 1929 e desenvolveu a sua principal obra, a Teoria Geral do Emprego, do

Juro e da Moeda, em 1936. Para o autor, a tradição neoclássica é uma ciência que apresenta

falsos resultados, pois o fundamento de equilíbrio é um caso especial e raro no funcionamento

da economia. De acordo com Keynes, o equilíbrio é uma hipótese futura e não necessariamente

exequível, e, por ser futura, é naturalmente incerta. Por isso, o economista britânico criou a

teoria da demanda efetiva, que é o resultado da decisão dos empresários em fazer o investimento

hoje que eleva a produção e renda futuramente 33.

Ao propor a demanda efetiva, Keynes considerou que a produção depende das variáveis

de consumo e de investimento, sendo que a primeira é relativamente estável, capaz de ser

estimada, pois depende da renda total e da sua distribuição relativa, que dará a propensão

marginal a consumir. Logo, a variável cíclica e com maior variância na renda é o investimento,

por ser um gasto autônomo que depende da expectativa em relação ao futuro. Essa variável é

fundamental para decidir o nível de emprego no longo prazo e o comportamento da renda, pois,

de acordo com o autor, o investimento determinará o estoque de capital e a abundância ou não

do mesmo.

Nesse ponto, percebemos que quem toma a decisão de investir ou não é o empresário

ou, nos termos de Keynes, o detentor de riqueza34, e não os consumidores, como preconizado

33 A demanda efetiva se difere da Lei de Say, uma vez que nesta lei a oferta agregada será sempre igual demanda

agregada, ou seja, sempre estão no equilíbrio. Já na demanda efetiva, a oferta agregada pode ser inferior ou superior

à demanda agregada, de tal modo que se for inferior, os agentes subestimaram a demanda futura e, se superior, ela

foi superestimada. “Seja Z o preço de oferta agregada do [rendimento] resultante do emprego de N homens e seja

a relação entre Z e N, que chamaremos de função de oferta agregada, representada por Z = ɸ (N). Da mesma forma,

seja D o produto que os empresários esperarem receber do emprego de N homens, sendo a relação entre D e N, a

que chamaremos função da demanda agregada, representada por D = ƒ (N).

Dessa maneira, se para determinado valor de N o produto esperado for maior que o preço da oferta agregada, isto

é, se D for superior a Z, haverá um incentivo que leva os empresários a aumentar o emprego acima de N e, se for

necessário, a elevar os custos disputando os fatores de produção, entre si, até chegar ao valor de N para o qual Z é

igual a D. Assim, o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função da demanda agregada

e da função da oferta agregada, pois é neste ponto o que as expectativas de lucro dos empresários serão

maximizadas. Chamaremos de demanda efetiva o valor de D no ponto de interseção da função da demanda

agregada com a oferta agregada” (KEYNES, 1983; p. 30, grifo do autor). 34 Assumindo aqui detentor de riqueza como sendo uma classe que detém privilégios e não somente empresários

no sentido produtivo.

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na teoria neoclássica35. Dessa forma, o autor nos mostra que há uma hierarquia decisória entre

os agentes da economia e não uma igualdade como na tradição neoclássica. Logo, o grupo de

indivíduos que detém a riqueza possui um poder assimétrico na determinação do nível de

emprego e da renda em relação aos indivíduos que não a detém.

Este capitalista toma suas decisões de investimento a partir de prospecções de

rentabilidade baseadas em uma ampla carteira de ativos de diferentes rentabilidades e graus de

liquidez – tanto produtivos como puramente financeiros – nos quais busca ampliar sua riqueza

monetária. No entanto, as decisões de investimento dos detentores de riqueza são tomadas sob

condições de incerteza, ao contrário do proposto na teoria econômica neoclássica dominante,

que lidava com um sistema onde a quantidade de fatores de produção empregados era dada e

fatos relevantes eram tidos como mais ou menos certos e passíveis de cálculo.

A incerteza quanto ao futuro advém do fato de que o nosso conhecimento a respeito do

futuro é vago e oscilante, e como o objetivo central dos portadores de riqueza é a acumulação

de riqueza, essa incerteza interfere em suas tomadas de decisão, inclusive na escolha de ativos

que irão deter. Como observa Keynes,

Desejo explicar que por ‘incerto’ não pretendo apenas distinguir o que é conhecido

como certo, do que apenas é provável. Neste sentido, o jogo da roleta não está sujeito

à incerteza; nem sequer a possibilidade de se ganhar na loteria. Ou ainda, a própria

esperança de vida é apenas moderadamente incerta. Até as condições meteorológicas

são apenas moderadamente incertas. O sentido em que estou usando o termo é aquele

segundo o qual a perspectiva de uma guerra europeia é incerta, o mesmo ocorrendo

com o preço do cobre e a taxa de juros daqui a vinte anos, ou a obsolescência de uma

nova invenção, ou a posição dos proprietários particulares de riqueza no sistema social

de 1970. Sobre estes problemas não existe qualquer base científica para um cálculo

probabilístico. Simplesmente, nada sabemos a respeito (KEYNES, 1937a; p. 71).

No entanto, é importante salientar que as decisões tomadas pelos agentes não são

tomadas de maneira irracional. Na verdade, Keynes afirma que as pessoas se guiam por fatos

que são merecedores de sua confiança, ainda que seu resultado seja menos eficiente que os

resultados de outras escolhas nas quais há pouco conhecimento. Logo, as decisões na sociedade,

sejam elas econômicas, pessoais ou políticas, não podem depender estritamente da expectativa

matemática, já que as bases desses cálculos são quase inexistentes e é o impulso inato para a

atividade que faz girar as engrenagens (KEYNES, 1985, p. 118). Nessa lógica, Dymski reafirma

a proposta de Keynes: “[...] o futuro é incerto porque os acontecimentos que se desenrolam em

tempo real não obedecem a distribuição de probabilidade predeterminadas” (2004, p. 405).

35 CARVALHO, 1996.

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Por fim, com o intuito de reduzir essas incertezas quanto ao futuro, os agentes recorrem

às convenções sociais, que residem no fato de supor que o cenário das tomadas de decisões não

se alterará abruptamente e que continuarão por um tempo indefinido, a não ser que haja razões

concretas para mudanças. Todavia, isto não quer dizer que nunca haverá mudanças, mas que a

avaliação dos indivíduos mediante estas convenções é correta em relação ao conhecimento dos

fatos que podem afetar o nível de renda e do investimento.

Escolha de ativos em Keynes

A partir da proposta da dinâmica de alocação da riqueza elaborada por Keynes, podemos

entender como se dão as decisões de escolha de ativos por parte dos agentes e sua valorização

– que para nós é relativa aos preços dos imóveis.

Como já dissemos, os detentores de riqueza possuem uma carteira de ativos36, que

podem ter a forma de ativos financeiros – no qual a moeda se destaca, mas entendemos que o

imóvel também toma essa forma, como veremos mais à frente – ou produtivos (como máquinas)

e que são adquiridos mediante a rentabilidade que auferem a seus portadores. Como Belluzzo

(2012) aponta:

No capitalismo, a posse de ativos reprodutivos só se justifica se, além da reprodução

de seu próprio valor, esses ativos – meios de produção – estiverem habilitados a gerar

uma mais-valia (ou como diria Keynes, quase-renda) ao proprietário. Como

propriedade de alguém, no entanto, a riqueza só pode ser avaliada em sua relação com

o ‘poder’ dos demais possuidores de riqueza (BELLUZZO, 2012; p. 118).

Como já dissemos no item anterior, a terra urbana como um ativo possui a propriedade

de ser escassa (não apenas por si mesma, mas pelos produtos dela e nela gerados), ser imóvel e

ter alta durabilidade37. É importante dizer ainda que, por ser imóvel, por não poder ser

reproduzida, por ter elasticidade de produção e substituição baixas38 e ser concentrada nas mãos

de alguns, isto estimula sua escassez.

36 Entendidos aqui como elementos que compõem o estoque de riqueza de uma unidade. 37 Vale destacar uma importante diferença entre Keynes e o neoclássicos nessa questão. A despeito de ambos

concordarem que a terra é escassa e que nela são gerados bens e produtos, a grande diferença se dá na relação dos

agentes econômicos com a terra. Enquanto os neoclássicos, de forma geral, veem tais indivíduos como “iguais”,

Keynes, por sua vez, reconhece a assimetria de poderes e de capacidade de decisão entre esses agentes no momento

em que alocam sua riqueza. Neste caso, a assimetria de poderes dará possibilidades distintas às pessoas que

desejarem possuir terra. 38 A elasticidade, na microeconomia, mede o quanto uma variável pode ser afetada por outra. No caso de uma

elasticidade de substituição baixa, queremos dizer que, ainda que haja aumento de preços dos imóveis, os

indivíduos, em alguma medida, continuarão desejando e consumindo – especialmente, onde a oferta de moradia é

baixa.

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As decisões de investimentos em terra podem ser analisadas sob a perspectiva de escolha

de ativos, proposta no capítulo 17 da Teoria Geral (Keynes, 1936). Keynes explora esta questão

da decisão com base nas expectativas de maneira mais aprofundada e nos permite entender, a

partir da análise de três variáveis, a formação dos rendimentos futuros de um ativo. Reydon

(1992) aponta estas questões, a fim de tratar do mercado de terras agrícolas. O autor deduz a

análise de Keynes, de tal modo que o rendimento esperado de um ativo pode ser definido da

seguinte forma:

Rendimento esperado (P) = q– c + l + a (1.1.)

onde,

(q): Quase-rendas, que podem ser divididas em: bens de capital (indústria); dividendos (ações);

juros (títulos do governo); e aluguéis (imóveis). Do ponto de vista de análise dos imóveis, são

as rendas decorrentes da propriedade privada da terra, como os aluguéis.

(c): Custo de carregamento ou custo de manutenção. Diz respeito ao custo monetário de se

manter o estoque e a taxa de depreciação de um bem. Isso significa, em nossa análise, que estes

são os custos não produtivos de se manter um imóvel, por exemplo, na carteira de ativos de um

agente. Podemos citar como custos de manutenção os impostos prediais, como o Imposto

Predial e Território Urbano (IPTU)39.

(l): Prêmio de liquidez: um rendimento implícito dos ativos. A liquidez se refere à facilidade

de venda de um ativo no futuro, de tal modo que, quanto mais líquido, mais seguro o ativo será.

Logo, o prêmio de liquidez diz respeito à remuneração, sob a forma de juros, que o agente terá

ao abrir mão da segurança que o ativo líquido proporciona. É importante dizer que a liquidez

afeta a valorização dos ativos, especialmente quando olhamos para os imóveis, uma vez que

mudanças conjunturais, ou políticas governamentais como as voltadas para a habitação, podem

afetar a percepção dos indivíduos sobre a liquidez da terra, de tal modo a elevar o seu prêmio40.

39 Mais à frente veremos como a inovação trazida por Minsky, possibilita aperfeiçoar o conceito de custo de

carregamento, na medida em que o autor introduz a dinâmica do passivo das empresas e das famílias no custo de

carregamento. 40 Uma observação interessante de Keynes sobre o prêmio de liquidez da terra na sociedade anterior ao capitalismo,

está na passagem a seguir: “O fato de ser o mundo tão pobre como é em bens de capital acumulados, apesar de

ininterrupta poupança individual durante vários milênios, não deve ser explicado, na minha opinião, pela tendência

da humanidade para a imprevidência, nem mesmo pelas destruições das guerras, mas antes, pelos prêmios de

liquidez que outrora tinha a propriedade da terra e que agora tem a moeda” (Keynes, 1936; p. 233). Pode-se levantar

a hipótese de que na economia feudal a produção era realizada para si e não para o mercado em geral. Portanto,

produzia-se – de forma geral – valores de uso para si e não valores de troca. Como a terra era a principal

“fornecedora de riqueza”, essa característica levava os indivíduos a reterem seus recursos no que era mais seguro

na época, ou seja, na terra, pois era nela que se gerava a riqueza. No entanto, no tempo moderno, com o

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Chamaremos prêmio de liquidez l de certo bem ao montante (medido em termos de si

mesmo) que as pessoas estão dispostas a pagar pela conveniência ou segurança

potenciais proporcionadas pelo poder de dispor dele (excluindo o rendimento ou os

custos de manutenção que lhe são próprios) (KEYNES, 1985; p. 159).

(a): Variação esperada do valor dos ativos, ou seja, o ganho que os indivíduos podem obter no

futuro com a aquisição de um bem. Além de olhar para as variáveis acima explicadas, os

indivíduos analisam quais possíveis ganhos terão com a venda futura de um ativo adquirido no

presente. Para fins do estudo do mercado imobiliário, a variável a é de extrema importância,

especialmente em momentos de rápida valorização dos imóveis.

Desse modo, de acordo com Reydon (1992; p.76), chegamos a um ponto central da

decisão de alocação da riqueza. Quando o detentor de riqueza decide onde aplicar seu dinheiro,

ele leva em consideração a relação entre o prêmio de liquidez e a expectativa das quase-rendas.

No caso particular do mercado imobiliário, o detentor de riqueza avalia a remuneração que o

imóvel pode dar, em termos de valor de aluguel (mesmo que ele more na casa), ou seja, sua

quase-renda. Por outro lado, ele também avalia a expetativa de valorização do imóvel, de tal

modo a poder aumentar seu estoque de riqueza, ou seja, percebemos aqui que este processo se

dá com fortes bases especulativas.

A decisão de onde alocar sua riqueza se dá mediante a escolha entre outros ativos, como

títulos públicos ou privados que remuneram com renda fixa, a depender das convenções, do

indivíduo e da dinâmica de acumulação de capital do país ou da região. No nosso caso

particular, o imóvel se torna um importante “objeto” de procura pela valorização do capital que

pode gerar um processo de especulação imobiliária, fragilizando a economia (como será visto

na abordagem de Minsky e no capítulo dois).

Essa procura e a relação de uma hierarquia de poderes entre os agentes econômicos gera

disputas e, em geral, a impossibilidade de acesso à moradia por uma parcela da população

excluída, que não tem o rendimento necessário para adquirir um imóvel. Nesse caso, se torna

patente que essa assimetria gera uma relação conflituosa, tendo em vista que o acesso à moradia

é um elemento essencial para nossa sociedade.

desenvolvimento do mercado, a forma mais segura e líquida é o dinheiro, pois é a representante geral de todas as

demais mercadorias.

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Ciclo de investimento imobiliário e crise em Minsky

A fim de aprofundar o entendimento da dinâmica de especulação imobiliária, na visão

pós keynesiana temos um importante autor: Hyman Minsky. Ele é um autor que extrapola as

fronteiras inicialmente criadas por Keynes, ao organizar uma série de conceitos e aprofundá-

los. Tal estudo permitiu um melhor entendimento da relação financeira na dinâmica capitalista,

e sua inerente instabilidade, tanto que cunhou a expressão “Hipótese da Instabilidade

Financeira” (HIF).

Entendemos que uma das maiores contribuições de Minsky esteja na análise da

ocorrência de crises mundiais e na ideia de que a instabilidade é endógena. Para o autor, a

própria análise da dinâmica da economia capitalista nos mostra em seu processo de

funcionamento a existência de fatores endógenos que contribuem para a possibilidade de uma

crise econômica.

Deste modo, a instabilidade financeira pode ser entendida como oriunda do processo de

financiamento padrão da economia mundial (por exemplo, a evolução do mercado de capitais

e sua dinâmica), que é baseado na forma de dívidas. Na abordagem de Minsky, as dívidas têm

um importante papel na economia capitalista.

Para tanto, Minksy passou a observar a relação entre passivos e ativos, de tal modo a

colocar o custo desse passivo na função de carregamento dos ativos (ou seja, na função da quase

renda) – apontada acima. (Deos, 1998).

A alocação do passivo no custo de carregamento permitiu o entendimento de uma nova

relação do ciclo econômico e de investimento (ou ciclo de negócios). Minsky desenvolveu um

modelo teórico que dá destaque para a relação entre o crédito e o débito na economia e, por sua

vez, para a capacidade de solvência dos agentes econômicos. O ciclo de crédito proposto

possibilita um ciclo de investimento, a partir dos conceitos dos preços Pk e Pi.

O Pk está relacionado ao custo do capital e à concorrência das empresas, de tal modo

que, com o aumento do investimento aumenta-se a capacidade instalada, que, por sua vez, faz

com que as firmas entrem em uma competição por preços menores, reduzindo o Pk ou a curva

de demanda. Por outro lado, o aumento da exposição das firmas ao crédito aumenta o custo de

carregamento, ou a capacidade das firmas de manterem o fluxo de investimento, pois cada vez

mais as firmas terão que comprometer uma parte de seus lucros para o pagamento de juros.

Caso o montante de juros comece a subir com o aumento do grau de risco, aumenta-se o Pi, ou

a curva de oferta. Quando as duas curvas se encontram, é colocado o limite de expansão dos

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investimentos em termos macroeconômicos41, ou seja, em termos líquidos de aumento do

estoque de capital. Essa dinâmica Pk e Pi, do ponto de vista da firma, concede movimento ao

ciclo de investimento, como pode-se observar na figura 3 abaixo:

FIGURA 3: FUNÇÕES PREÇO DE OFERTA (PI) E PREÇO DE DEMANDA (PK) DOS BENS DE CAPITAL

Investimento

Fonte: Extraído de DEOS (1998; p.42).

Observando o caso das famílias, pode-se destacar que elas possuem uma característica

distinta do ciclo de investimento das empresas. Ao aumentarem seu nível de endividamento, as

famílias só terão capacidade de solvência caso haja um aumento da renda ou um processo de

valorização de seus ativos que possibilite uma ampliação da capacidade de pagamento.

Contudo, o aumento da renda das famílias ou, mais especificamente, dos trabalhadores, está

fortemente ligado ao seu salário (sua capacidade de aumento de riqueza e solvência também

estará fortemente relacionado ao seu salário)42.

Além do aspecto de capacidade de pagamento dos agentes econômicos, existe o

elemento da instabilidade financeira como algo inerente ao nosso sistema de produção, como

Minsky (2010) aponta:

Durante períodos tranquilos de expansão, instituições financeiras, em busca de lucros,

inventam e reinventam “novas” formas de dinheiro, substitutos para a moeda e para a

carteira de títulos, assim como técnicas de financiamento para vários tipos de

atividade. A inovação financeira é uma característica de nossa economia quando

atravessa bons tempos (MINSKY, 2010, p. 253).

41 Apesar de cessar o investimento no nível macroeconômico, ele ainda pode correr no âmbito micro, em geral

atrelado à compra de empresas do mesmo ramo num processo de concentração do capital. 42 Existe uma assimetria de poder no processo produtivo entre aqueles que detêm o capital e os que não detêm.

Kalecki (1928) apresenta que tal assimetria de poderes pode ser expressa na seguinte relação: “o trabalhador gasta

o que ganha e o capitalista ganha o que gasta”. Ou seja, a possibilidade de pagamento, por exemplo, do aluguel,

dependerá de quanto o trabalhador ganha, e que tal decisão não está em suas mãos.

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Essas novas formas de financiamento ampliam a capacidade de investimento da

economia, tanto em ativos físicos quanto em ativos financeiros. Esse ciclo de investimento

aumenta a capacidade de produção e o preço dos ativos financeiros. A expansão de preços das

ações redefine a “capacidade” de solvência das firmas, já que possibilita um novo ciclo de

empréstimos e investimentos. Assim, Minsky reconhece que a firma tenderá a crescer muito

além de qualquer princípio de equilíbrio de mercado ou de estabilidade, sendo irrevogavelmente

instável43. Na busca por maiores lucros, o setor financeiro inova, pois, “inovações,

particularmente nas finanças, asseguram que os problemas da instabilidade continuarão a

surgir." (MINSKY,1986a, p. 287)44.

Para avaliar as características de financiamento, que inclusive passam por esse processo

de inovações, o autor diferencia o caráter estável hedge, o especulativo e o instável ponzi.

O financiamento do tipo hedge está relacionado a algum tipo de processo produtivo,

onde se gera uma expectativa de renda futura (q) maior que o seu custo de carregamento (c)

ou custo de empréstimo45. À medida que os contratos vão vencendo, os mesmos são pagos com

o fluxo de caixa gerado pela firma, tanto no curto como no longo prazo. Portanto, há uma

expectativa compartilhada de pagamento pelo credor e pelo tomador de crédito, de tal modo

que a margem de segurança é alta.

No caso do financiamento do tipo especulativo há refinanciamento de contratos, pois

há, em alguns momentos, somente fluxo de caixa para pagar os juros da dívida, já que a empresa

com financiamento especulativo possui “déficits de dinheiro nos primeiros períodos e

superávits nos períodos distantes” (MINSKY, 1992, p.19). Há, neste caso, rolagem da dívida,

de tal modo que as empresas ou famílias nesta posição estão suscetíveis às mudanças na

condição de refinanciamento nos mercados e aos aumentos das taxas de juros.

Já no financiamento do tipo ponzi há um descasamento entre o prazo de maturação do

projeto e sua captação que é de menor prazo, de tal modo que as empresas ou famílias não

conseguem pagar a dívida principal nem os juros, levando-os à contração de uma dívida maior

para cumprir com a precedente. O funcionamento desse sistema depende de como os mercados

financeiros vão reemprestar ou renegociar essa dívida. Outro tipo de empréstimo seria o

baseado em hipotecas que, ao contrário dos dois anteriores, não geram um fluxo de caixa. Deste

43“No mainstream, a determinação do investimento fica inteiramente por conta da produtividade marginal do

capital, determinada tecnologicamente e com os retornos esperados descontados a uma taxa de juros real, comum

a todos as agentes da economia. Minsky, por sua vez, nega enfaticamente a independência entre o real e o

monetário, entre o investimento e o financiamento. Fazê-lo seria ignorar a principal causa da flutuação do

investimento: o finance” (FAZZARI, 1992) apud DEOS. (1998) 44 Apud por S.S. DEOS (1998) 45 Ver Capítulo 17, Keynes (1996).

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modo, a manutenção do pagamento desse contrato depende da valorização dos ativos do

mutuário46, ou do aumento da renda. Por esse motivo, constitui uma modalidade de dívida de

caráter altamente instável.

Segundo Dymski (2009), uma unidade econômica é considerada ponzi na medida em

que as obrigações de juros que ela deveria atender para suportar sua posição patrimonial

excedem sua receita operacional líquida. Em muitos casos, a decisão de investir tem sua

correlata necessidade de financiamento, e são dois processos especulativos que carregam em si

a marca da incerteza quanto à existência de fluxos de caixa suficientes para cumprimento dos

compromissos financeiros estabelecidos. É nesse sentido que o tomador e o emprestador são

especuladores por natureza.

Se as expectativas quanto à existência de significativos fluxos de caixa são otimistas, a

especulação aumenta e os capitalistas contraem mais dívidas. A economia fica assim suscetível

a um boom especulativo, e é nesse período de estabilidade e otimismo que se gestam os

momentos de instabilidade.

Na figura 4 observamos o quadro típico deste ciclo de crise que Minsky apontava.

46 No capítulo dois nos resgataremos o efeito ponzi e hedge para observar como os imóveis entram na dinâmica de

alocação de riqueza e no ciclo de expansão e crise imobiliária, tendo como objeto central de investigação a crise

de 2008 de subprime nos EUA.

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FiGURA 4: CICLO MINSKYANO

Fonte: Extraído de DYMSKI (1998; p. 86)

De acordo com Dymski (1998), a trajetória do ciclo minskiano se dá forma rápida e

abrupta, devido ao próprio caráter do desenvolvimento do financiamento dos ativos.

A rápida trajetória do crescimento do produto acaba por esgotar a capacidade

industrial e força as firmas a incorrer em dívida para expandir a produção. A

combinação de expectativas eufóricas e pressão competitiva eleva as razões

dívida/renda e os preços dos ativos simultaneamente; a alavancagem é recompensada.

Assim, quando chega o colapso, ele chega de forma dura e rápida (DYMSKI, 1998;

p. 85).

Ao abstrairmos essa lógica da dinâmica entre o ativo e o passivo de Minsky e ao

aplicarmos para o mercado imobiliário poderemos compreender a seguinte questão: o aumento

dos preços no mercado imobiliário causado por um efeito ponzi gera aumento dos preços dos

imóveis. Esse aumento de preços, durante o ciclo de expansão, pode vir acompanhado de uma

expansão no volume de empréstimos no mercado imobiliário. Na medida em que os agentes

econômicos percebem que esse preço não manterá a tendência de alta e que poderá se reverter,

Page 48: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

48

gera-se um impasse e a crise econômica é evidenciada. Isso porque, nesse momento há queda

dos preços dos imóveis associada a uma elevação da taxa de juros desses empréstimos, causada

pelo aumento do risco de inadimplência, tendo como consequência a crise e o descasamento

entre os ativos e passivos.

Ball (1983) reforça esta ideia ao apontar que uma crise no setor imobiliário deve ser

vista para além de uma análise de escassez de habitação ou deterioração do estoque existente.

Deve ser vista sob a ótica dos custos que uma moradia incorre e quem pode e quem não pode

pagá-los. Por fins de exposição, e para não ser repetitiva, a dinâmica de financiamento, hedge,

especulativa e ponzi no mercado imobiliário será observada pela ótica da crise do subprime de

2008 e nesse momento resgataremos tais conceitos na análise do Reino Unido.

1.2.2 UMA ANÁLISE TEÓRICA BRASILEIRA DO MERCADO IMOBILIÁRIO

Tratar dos determinantes da trajetória dos preços dos imóveis no Brasil é uma tarefa

árdua. O Brasil possui uma série de fatores e conjunções que o distinguem de outros países,

inclusive o Reino Unido que analisaremos no capítulo 2, e nos quais se concentram a maior

parte de abstrações teóricas. Por isso, tentaremos, neste item, expor os principais fatores que

corroboram para a evolução do preço imobiliário e suas implicações, considerando, como

apontado por Rangel (1957), “as formações heteronômicas” do Brasil, a partir de uma literatura

econômica brasileira crítica, capaz de fornecer elementos que evidenciem movimentos

especulativos e de aumento dos preços imobiliários para o caso brasileiro.

Na década de 1960 muitos autores brasileiros passaram a observar o mercado

imobiliário, dada a forte ampliação da urbanização e o boom tanto no mercado de imóveis como

no mercado de terras agrícolas, gerando uma série de debates sobre o assunto.

Segundo Bolaffi (1975), partir dos anos 1960, o modelo habitacional escolhido e

adotado pelo governo brasileiro foi o da casa própria. O regime militar, logo após o golpe de

1964, instituiu a questão habitacional popular como um “problema fundamental”. A fim de

viabilizar o modelo da casa própria e resolver este “problema fundamental” foram criados o

Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em 1964.

Análises a respeito do mercado habitacional não são novidade no Brasil, no entanto,

análises críticas da dinâmica de preços dos imóveis são raras. As abordagens teóricas que tratam

criticamente do assunto são bastante escassas no mundo – e o mesmo se aplica ao Brasil. De

todo modo, esta sessão tenta resgatar autores e críticas que se arriscaram na observação da

dinâmica dos preços, vinculando-os ao processo especulativo da valorização, especificamente.

Page 49: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

49

No campo de análise do Brasil, um dos primeiros autores a tratar desta questão foi

Ignácio Rangel, que abordou os determinantes dos preços da terra. Ainda que o autor estivesse

observando as terras agrícolas, entendemos que sua análise possibilita uma crítica interessante

para a observação dos preços dos imóveis.

Segundo Gonçalves (2011), Rangel partiu de duas formulações para a explicação dos

determinantes dos preços da terra: uma marxista e uma keynesiana. Estas duas ideias foram

baseadas sob uma perspectiva do movimento especulativo com terras e sua relação com o perfil

da sociedade brasileira.

Rangel forneceu instrumentos para uma análise dos preços, a partir do comportamento

entre renda fundiária e taxa de lucro (e juro) no processo cíclico econômico. No entanto, como

veremos, o autor descartou a possibilidade de a demanda por terras interferir no preço, uma vez

que “o progresso técnico tanto na agricultura, como na indústria da construção civil, tenderia a

elevar a produtividade por unidade de área, intensificando o uso do solo” (EGLER, 1985;

p.113). Outro autor que tratou de observar a questão de determinantes dos preços, mas a partir

de um processo financeiro, foi Sayad (1977), ao observar que eles são derivados de flutuações

na demanda dos indivíduos.

Como podemos observar, ambos autores trataram do preço da terra em si e não,

especificamente, dos preços dos imóveis. Tentaremos, ao longo desta seção, fazer as mediações

e abstrações possíveis para a moradia, a partir do ponto de vista de autores brasileiros, tendo

em vista, a falta de análises teóricas específicas para o caso do Brasil.

Os preços dos imóveis e dos ciclos econômicos: uma abordagem de Rangel e Sayad

Como dissemos acima, Rangel foi um dos primeiros autores a observar o movimento

dos preços da terra para o caso brasileiro, do ponto de vista de uma análise crítica e de um olhar

à especulação. Como apontamos também, a primeira observação de Rangel (1962) partiu do

uso de categorias marxistas para explicar o preço da terra agrícola, no entanto, sua análise a

respeito do preço da terra e o ciclo econômico nos parecem mais interessantes para um olhar

dos preços no mercado imobiliário.

Para o autor tratar da “questão da terra” era de suma importância para entendermos o

desenvolvimento histórico do Brasil, que para ele se deu de forma dual47. Isso, porque a terra

reflete uma força hegemônica da sociedade, a partir dos latifúndios. Por isso, entender a

dinâmica dos preços era também entender a exclusão das massas ao acesso à terra e à moradia.

47 É importante dizer que, neste trabalho, não abordaremos as questões referentes à dualidade na teoria de Rangel,

mas de suas contribuições para um entendimento da terra urbana e dos preços dos imóveis.

Page 50: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

50

O problema da terra reveste-se de capital importância, particularmente quando se trata

do estudo de uma economia feudal, seja esta clássica ou dual, como a nossa. E esse

problema se torna mais relevante quando essa economia representa a força

hegemônica da sociedade nacional [...] o monopólio [de terras], não no sentido

jurídico-formal do termo, mas no sentido virtual de inacessibilidade prática da terra

para as massas trabalhadoras, esse persiste, graças à eficacíssima barreira dos altos

preços (RANGEL, 1986; p. 148)

Para Rangel, a dinâmica dos preços está associada às fases do ciclo econômico, em uma

relação inversa entre a renda da terra e a taxa de lucro e de juro, mantendo-se a renda constante.

Deste modo, a demanda não influencia nos preços, pelo contrário, é a oferta que os determina,

dado o progresso técnico do setor de construção civil ou da agricultura, que elevam a

produtividade da terra e a intensificação de seu uso, determinando, assim, seu preço.

Em uma fase de reversão do ciclo econômico, no entanto, os preços da terra tendem a

se elevar, uma vez que a terra passa a ser visto como um ativo desejado pelos agentes detentores

de riqueza. O aumento dos preços da terra induz uma expectativa de continuidade da

valorização crescendo a demanda por terras, de tal modo que se cria o que Rangel denominou

de quarta renda, em uma “tentativa de incluir nas três rendas de Marx (absoluta, diferencial 1 e

2), a característica especulativa e expectacional da demanda por terras” (REYDON, 1992; p.

44).

Egler (1985) considera que análise de Rangel (1962) pode ser segmentada, portanto, em

duas dinâmicas. A primeira está relacionada pelo preço da terra enquanto “renda capitalizada”,

ou seja, que “responde de modo direto às variações da renda e de modo inverso a uma taxa de

valorização do capital” (p. 114). A segunda dinâmica apontada é a que se refere à fase

econômica depressiva em que a renda provém de um processo especulativo no mercado de

terras – e que entendemos aqui sob a perspectiva imobiliária. Este processo levaria o preço

acima do explicado pelas taxas de lucro e de juro. De todo modo, “esta parcela agregada

desparece à medida em que a economia volte a aquecer” (EGLER, 1985; p. 114).

A formação da quarta renda e a expectativa de valorização induzem uma compra e venda

especulativa, por isso “o mercado de títulos imobiliários constituir-se como o primeiro mercado

financeiro do Brasil” (EGLER, 1985; p. 115) – mercado financeiro este que, ainda que

incipiente no período de análise de Rangel, alterou o comportamento dos preços. Percebemos

que esta hipótese de alteração do comportamento do preço foi verificada ao observarmos o

período de instituição do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Banco Nacional de

Habitação (BNH) – como veremos adiante.

Rangel (2011) presumiu que o mercado de títulos imobiliários surgiu como uma forma

de defesa da poupança dos indivíduos contra a inflação, fortalecendo a demanda por terras e

Page 51: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

51

seu preço elevado. No entanto, o autor pressupôs que a incorporação de terras pelo Estado e o

desenvolvimento de um mercado de títulos públicos e privados fariam com que o preço dos

imóveis baixasse.

Como dissemos acima, o autor partia de uma base marxista e keynesiana para explicar

o movimento dinâmico dos preços da terra. Sob a perspectiva keynesiana, o Estado tem um

papel fundamental para o crescimento e o desenvolvimento de um país. Logo, Rangel

considerava que o Estado possuía os meios para “frear” os preços das terras e dos imóveis. Em

relação à incorporação de terras, Rangel (2011) defendia que ao satisfazer uma parcela da

demanda agrícola, novos investimentos e inovações tecnológicas, como apontamos acima,

fariam com que houvesse uma maior produtividade do solo, aumentando a rentabilidade de

empresas agrícolas e reduzindo os preços da terra.

O aparecimento da indústria de bens de equipamento agrícola, de adubos, de

inseticidas etc., cuja produção pode ser agora facilmente suplementada pela

importação, pode emergir como circunstância muito feliz. Com efeito, a empresa

agrícola, em cujo ativo figuram, muitas vezes, vastas áreas improdutivas, preferirá

dispor de parte delas, substituindo-as por bens modernos de equipamento agrícola,

melhorando sua rentabilidade, à medida que a taxa de rentabilidade do capital,

fomentada pelas inovações tecnológicas implícitas no suprimento desses bens, vá

superando a taxa de valorização da terra (RANGEL, 2011; p. 190).

Se aplicarmos esta análise no mercado imobiliário, ao incorporar terras urbanas, o

Estado poderia promover ou incentivar o investimento na construção civil e na arquitetura

urbana, construindo edifícios comerciais, imóveis residenciais e indústrias. No entanto, se

observarmos o caso recente brasileiro, veremos que não há queda dos preços dos imóveis com

a incorporação de terras ou pela intensificação dos títulos públicos, muito pelo contrário. Houve

um aumento expressivo dos preços dos imóveis no Brasil. Logo, a hipótese de que a oferta

determina os preços, a nosso ver, é refutada diante dos dados históricos e recentes do mercado

imobiliário48, ainda que concordemos com Rangel de que o Estado é um agente extremamente

relevante em uma análise de dinâmica de preços. Como veremos, a demanda e a oferta são

elementos extremamente importantes, mas os agentes envolvidos na dinâmica imobiliária e as

expectativas de ganhos futuros, a nosso ver, ganham maior relevância no processo de

determinação dos preços.

Outro autor que tratou de observar a dinâmica dos preços foi Sayad (1977; 1982), que

propôs uma análise de entendimento da terra como um ativo de reserva de valor, tal como

entendida na visão keynesiana, uma vez que, ao não poder ser reproduzida, sua elasticidade de

48 Como veremos nos próximos capítulos.

Page 52: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

52

produção e de substituição é baixa. Sayad propôs esta análise por entender que a dinâmica no

Brasil é resultado de uma herança cultural e de um grande crescimento populacional, assim

como da característica conservadora da propriedade fundiária no país.

[...] deve-se apontar como razões para a eleição da terra como reserva de valor

algumas características estruturais da economia brasileira: a herança cultural de um

país cujo processo de industrialização tem apenas meio século; e o rápido crescimento

populacional, que indica a tendência de pressões de demanda sobre a terra e o

crescimento urbano, em especial no caso de investimentos em imóveis urbanos. E,

finalmente, a inércia: a escolha da terra como reserva de valor por alguns faz com que

outros também a escolham. E a inércia tem ainda o lado político: como a propriedade

de terra está garantida pelo poder político dos seus detentores, investir em terras,

portanto, garante ao investidor parte desta proteção (SAYAD, 1982; p. 89).

Devido às características dos mercados de ativos de reserva de valor, de acordo Sayad

(1982), a formação de preços é dependente da expectativa dos investidores quanto ao

crescimento dos preços futuros e, ao contrário da visão da Rangel, independe dos custos de

produção e de incorporação de novas terras. Desse modo, na visão de Sayad (1982), as

expectativas de variação dos preços da terra assumem um papel essencial na determinação do

preço corrente.

Outro fator considerado pelo autor é o fato de que, nas terras agrícolas, o processo de

determinação dos preços incorpora ainda os lucros que determinada área pode gerar. Se

considerarmos as terras urbanas, podemos supor que os investidores, detentores de riqueza,

observarão quais os ganhos que poderiam obter com a valorização dos imóveis. Resumindo, a

decisão de compra ou venda da terra se dará pela comparação entre a expectativa de valorização

e a taxa de retorno esperado.

Sayad (1977) aponta ainda que os preços da terra acompanham o ritmo de investimento

do setor produtivo, de tal modo a amortecer a queda de rentabilidade do capital produtivo,

decorrente de alguma crise econômica. Ou seja, em momentos de crise, em nossa análise, a

moradia serve justamente como uma reserva de valor dos agentes investidores. De todo modo,

os preços imobiliários são determinados em função das expectativas de valorização. Para o

autor, um dos problemas dessa relação é a de que a especulação em ativos imobiliários poderia

concorrer com ativos produtivos e afetar a taxa de formação de capital destinada a estes

investimentos.

Uma questão importante que o autor destaca é que neste processo de formação de

preços, a inflação precisa ser acompanhada por taxas de juros controladas pelo Estado (e abaixo

da taxa de inflação), a fim de que o mercado imobiliário (e rural) seja atraente face a outros

ativos financeiros.

Page 53: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

53

Além disso (não importa que a taxa de inflação se verifique), um ambiente pessimista

quanto à evolução futura da economia dificilmente poderia gerar mercados altistas em

quaisquer mercados de reserva de valor, e não há razão para que o mercado de terras

se constitua uma exceção (SAYAD, 1982; p. 93).

Podemos dizer que esta última observação tem um paralelo com a visão de Minsky, a

respeito do período de ponzi da economia, dada a queda dos preços dos ativos em momentos

de crise. O contrário se revela também, pois, para o autor, os ativos, como os imóveis, são

dependentes da liquidez da economia. Ou seja, momentos de crescimento e liquidez geram

demandas maiores de ativos financeiros e não financeiros, explicando, assim, a elevação dos

preços.

Desse modo, na visão de Sayad, a questão conjuntural é central, pois ao se basear em

expectativas, o sistema se torna instável, gerando, inclusive, crises sistêmicas, como apontado

por Minsky. Sayad (1977), aponta que em períodos de crescimento econômico acelerado fazem

com que os agentes investidores iniciem um processo especulativo com ativos de reserva de

valor, como os imóveis, exigindo taxas de retorno maiores. O contrário também é verificado,

pois:

Qualquer evento no mercado de imóveis [...], como um corte nos empréstimos

hipotecários para a compra de imóveis urbanos, pode gerar uma diminuição da taxa

de retorno esperado dos ativos não produtivos e, portanto, aumentar a taxa de

crescimento do estoque de capital produtivo (SAYAD, 1977; p. 629).

A hipótese levantada por Sayad (1977; 1982) é a de que a intervenção do Estado é

elemento fundamental para explicar os aumentos dos preços da terra agrícola, já que o autor

estava olhando para as medidas nacionais de crédito rural durante os anos 1970. Como ele

colocou, as medidas de incentivo do Estado ao setor fundiário ou imobiliário eram fundamentais

para explicar aumentos dos preços dos imóveis, tendo em vista que, ao entender a terra apenas

como reserva de valor, Sayad concluiu que o determinante dos preços das propriedades é a

demanda, “já que a oferta de novos terrenos e imóveis representaria uma parcela reduzida dos

estoques existentes” (EGLER, 1985; p. 115). Desse modo, as elevações de preços imobiliários

se dariam devido à intensificação de processos especulativos no mercado.

Uma questão, no entanto, que não fica muito clara na análise de Sayad (e na de Rangel)

é a relação entre ativos imobiliários e capital produtivo, já que, para ambos autores, em

momentos de crise ou crescimento, o capital migraria para um dos dois investimentos.

Entendemos que no período de análise destes autores o sistema financeiro ainda era pouco

evoluído e incipiente no Brasil, se comparado à Inglaterra no mesmo período. De qualquer

modo, tanto Rangel como Sayad levantaram elementos para uma análise inicial do processo de

Page 54: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

54

financeirização e especulação financeira, que para nós é central para o entendimento da

dinâmica de elevação dos preços imobiliários e suas implicações no Brasil nos anos 2000.

1.2.3 AFINAL, QUAIS SÃO OS DETERMINANTES DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS?

Como dissemos no início deste capítulo, consideramos que as referências heterodoxas

apontadas nas subseções anteriores nos permitem entender, de maneira crítica, a determinação

dos preços dos imóveis no mundo e no Brasil, no que tange, especialmente, ao período recente.

Estas abordagens teóricas são fundamentais para uma observação lúcida da dinâmica

imobiliária geral e específica ao país que é analisado.

A observação de Keynes (1937a) a respeito das tomadas de decisões dos agentes em

condições de incertezas abriu um leque para a percepção da formação dos preços dos ativos,

inclusive, dos imobiliários. Como apontamos, o detentor de riqueza, no caso imobiliário, avalia

a remuneração que o imóvel pode fornecer, em termos de aluguel ou da expectativa de

valorização, considerando o investimento em outros tipos de ativos, como títulos públicos e

privados.

Sayad (1977), assim como a maioria dos pós-keynesianos, considerou que os preços dos

imóveis são determinados pelas expectativas de sua valorização futura e de que o Estado possui

uma função essencial nesse sentido. Como apontamos, a fim de reduzir a incerteza quanto ao

futuro, o Estado atua como agente estratégico capaz de reduzir a instabilidade nos mercados e

aumentar a confiança dos demais indivíduos.

Outros autores, como Massey (2000)49, Haila (1990; 2016), Ball (1983), Abramo

(1988), entre outros, apesar de não se centrarem em uma análise intrinsecamente voltada aos

determinantes dos preços dos imóveis, levantam questões e nuances extremamente importantes

para nossa análise e para nosso entendimento, especialmente, pós década de 197050. Isso,

porque extrapolam suas abordagens para além do papel do Estado. Autores mais

contemporâneos, como Nitzan e Bichler (2009), apesar de tratarem do movimento geral do

capital, partem de uma análise interessante sobre a dinâmica dos preços dos ativos na economia,

também, para além da figura estatal. Os autores observam o capital de maneira inovadora e

trazem elementos que se aproximam, consideravelmente, de uma análise institucionalista, ao

49 A autora parte da análise de que o espaço construído é resultado de uma série de inter-relações entre indivíduos. 50 WARD e AALBERS (2016).

Page 55: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

55

apontarem que o movimento geral do capitalismo representa a organização de poder de grupos

dominantes na sociedade.

Nitzan e Bichler (2009), partindo de uma análise de um coeficiente denominado hype51,

desdobram o funcionamento da tomada de decisão dos agentes, em cenários mais ou menos

arriscados, ao olharem para suas perspectivas de ganhos futuros. Para os autores, os

movimentos deste coeficiente hype são bastante padronizados, o que permite com que alguns

“insiders” consigam manipular o próprio movimento do hype. Ou seja, dentro de uma lógica

mais ou menos conhecida, alguns agentes são capazes de alterar, endogenamente, o movimento

geral dos demais agentes.

O que queremos dizer com "insiders"? A definição convencional refere-se a um

capitalista que sabe algo sobre lucros futuros que outros capitalistas não sabem.

Exemplos típicos seriam um sócio da KKR que está secretamente orquestrando uma

grande aquisição alavancada, um executivo da Halliburton que está prestes a assinar

um novo contrato com o Departamento de Defesa, ou um financista do JPMorgan-

Chase que foi discretamente informado de um resgate iminente financiado pelo FED

ao Bear Stearns (NITZAN e BICHLER; 2009; p. 191 – tradução nossa52).

Nesta perspectiva, um conhecimento exclusivo faz com que os insiders tenham uma

noção mais adequada se um ativo em questão está under- or over-hyped, ou seja, se está

superestimado ou não. Ao avaliarem esse cenário, e com uma confiança maior do que deve ser

feito para terem lucros maiores, estes agentes compram os ativos que até então não estavam

valorizados e esperam até que eles se valorizem. “Uma vez que seu insight privado se torna

conhecimento público, a ascensão iminente do hype eleva o preço e torna o insider rico”53.

Este agente pode ainda, além de identificar o hype, alterar sua trajetória, como dissemos.

Isso porque, para Nitzan e Bichler (2009), este indivíduo não atua sozinho, mas a partir de uma

coalizão com outros capitalistas, com agentes públicos, especialistas e bancos. Logo, nesta

lógica de análise, o que se torna relevante na tomada de decisão de investimentos e na

determinação de ganhos futuros é o poder envolvido de alguns agentes nas várias esferas da

sociedade.

51 Quando agentes são excessivamente otimistas, o fator hype é maior que 1. O fator é menor que 1 quando estes

agentes são extremamente pessimistas. Quando há uma projeção coletiva correta (que os autores consideram como

improvável), o hype é igual a 1. 52 What do we mean by ‘insiders’? The conventional definition refers to a capitalist who knows something about

future earnings that other capitalists do not. Typical examples would be a KKR partner who is secretly

orchestrating a big leveraged buyout, a Halliburton executive who is about to sign a new contract with the

Department of Defense, or a JPMorgan-Chase financier who has been discretely informed of an imminent Fed-

financed bailout of Bear Stearns (NITZAN e BICHLER; 2009; p. 191). 53Once their private insight becomes public know ledge, the imminent rise of hype pushes up the price and makes

them rich. Ibidem, p. 191.

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56

Portanto, é entendida nesta análise que há uma interação entre Estado e demais agentes.

Esta interação, no entanto, culmina, muitas vezes, em crises sistêmicas, já que outros agentes

acompanharão o movimento inicial dos insiders, de tal modo que os preços dos ativos

negociados serão empurrados para cima. Estes insiders, por saberem que pode haver uma

reversão do ciclo, venderão estes ativos a quem não detém a informação e terão ganhos de

valorização altíssimos. No entanto, como pontuamos na análise de Minsky, o sistema capitalista

é inerentemente instável e suscetível a crises, de tal modo que este movimento de alta terá um

fim. Logo, para Nitzan e Bichler (2009), a questão chave para uma análise dos preços de ativos

é o poder que determinados indivíduos possuem nos mercados e como conseguirão tirar

proveito disso. Conforme pontuou Klink (2018), a relevância da análise de Nitzan e Bichler se

dá no sentido em que se aproximam de uma abordagem a partir da economia política.

Mais particularmente, lançam mão do conceito de capitalização diferencial como

poder, isto é, um processo marcado pelas relações sociais desiguais entre agentes

sociais, que se reflete na capacidade diferenciada para influenciar a circulação de

informações e formação de expectativas (às vezes exageradas, que eles chamam de

hipe) acerca de preços de ativos e empresas (KLINK, 2018; p. 724)

Quando observamos os agentes que interagem no mercado imobiliário, percebemos que

há uma gama ampla de interação, mas que determinadas figuras possuem um papel mais

importante que outras, de tal modo a conseguirem afetar a dinâmica do setor. Por exemplo, se

uma incorporadora ou investidor possui a informação de um agente público de que em

determinada área haverá alguma obra estatal ou privada que valorizará a área, esta

incorporadora/investidor, de antemão, pode comprar terrenos próximos. Como a obra ainda não

foi iniciada, muito provavelmente, os preços estarão mais baixos. Conforme a informação for

se espalhando e a obra se iniciar, a área se tornará mais valorizada e o terreno mais caro, de tal

modo que, esta incorporadora/investidor poderá vender a um preço bem mais elevado do que

comprou, jogando, assim, os preços das áreas próximas para cima.

Seguindo esta lógica, em que determinados agentes possuem uma importância maior,

Ward e Aalbers (2016), por exemplo, tratam de uma análise sobre as visões críticas da teoria

do aluguel dos imóveis e seus principais expoentes. Os autores apontam que Haila (1990) e

Harvey (1980)54 são muito importantes para um entendimento da dinâmica dos preços ao

olharem para os proprietários.

54 Consideramos que Harvey é um dos grandes autores contemporâneos que tratam da dinâmica das cidades e do

preço da terra. No entanto, por uma questão metodológica, não o utilizaremos em nossa análise.

Page 57: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

57

Haila (1990), segundo Ward e Aalbers (2016), entendia que o imóvel passava cada vez

mais a ser enxergado como um ativo financeiro por seus proprietários – em nosso entendimento,

uma visão muito próxima a de Keynes – de tal modo a estarem sujeitos às leis gerais de

acumulação que o ativo pode proporcionar. A autora entendia que a atuação destes agentes se

explicava pelos seus comportamentos gerais – que poderíamos conciliar à ideia de convenções

sociais, a fim de obterem mais lucros no aluguel dos imóveis. Para Haila (1990), o entendimento

dos preços passava pela forma pela qual (i) os proprietários enxergam a propriedade – como

um ativo financeiro puro e (ii) que a renda atribuída deste imóvel tinha uma função

organizadora do mercado e não de acumulação, como proposto por autores como Harvey

(1982).

Ou seja, de acordo com Keer (1996), Haila propunha que para uma análise de preços, a

dinâmica imobiliária teria de ser entendida pelas atividades e comportamentos dos proprietários

dos imóveis e não no sentido de acumulação de capital. Podemos fazer um paralelo com a visão

keynesiana apontada acima de uma certa classe de agentes econômicos que detém certas

informações e riqueza que os possibilita acumularem lucros e mais renda no mercado

imobiliário, depois de analisarem sua carteira de ativos. O comportamento destes agentes,

segundo Haila (1990) seria capaz, portanto, de determinar os preços das propriedades. Apesar

de considerarmos a questão abordada pela autora, sua teoria não é suficiente, por exemplo, para

explicar os momentos de picos de baixa e de alta dos preços. No entanto, na visão de outros

autores como Massey (2000) e Ball (1998), o Estado e outras instituições têm papel

fundamental nesta questão e na legitimação do título de propriedade privada.

Ball (1998) aponta que existem amplas definições para as instituições e seus papeis, de

tal modo que uma abordagem institucional é importante para explicar processos complexos de

desenvolvimento do mercado imobiliário. O autor utiliza como referencial a ideia de estruturas

de provisão de construção (structures of building provision – SoP), que se refere a uma rede de

relações de tipos diversos de agentes e ações para provisão habitacional. O autor aponta que

‘provisão’ abrange “toda gama de desenvolvimento, construção, propriedade e uso” 55 do

imóvel, no caso entendido aqui. Ball (1998) considera uma série de fatores para explicar as

relações no mercado imobiliário. Consideramos, no entanto, as questões mais relevantes para

um entendimento da dinâmica de preços do mercado imobiliário.

A primeira característica fundamental que consideramos é a existência de agentes, sob

a forma de empresas específicas (que no caso, abstraímos para incorporadoras), que aliados aos

55 BALL, 1998; p.6.

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58

mercados envolvidos na provisão habitacional (crédito, por exemplo) são capazes de influir

regras e restrições sob a operação do fornecimento de moradias, que permite, assim “determinar

a natureza do mercado [imobiliário] e a natureza das organizações, afetando a concorrência”

(BALL, 1998; p. 6) e, consequentemente, os preços. Deste modo, percebemos que a análise

keynesiana sobre a existência de agentes que seguem convenções sociais nas tomadas de

decisões se mostra correta.

Outra questão importante que Ball aponta é o fato de que não podemos desconsiderar

fatores sociais específicos para cada um dos SoP’s, pois cada um deles terá relações sociais

institucionais diferentes, inclusive, entre países. Como observaremos nos próximos capítulos,

a Inglaterra e o Brasil apresentam relações institucionais muito diferentes e, de acordo com o

período, são alterados, inclusive, internamente – em caso de um governo mais progressista ou

mais conservador as instituições são alteradas.

Ademais, mudanças tecnológicas, pressões de mercado, preferências individuais,

políticas públicas específicas etc. alteram não só as instituições, mas a própria SoP, o que nos

mostra, mais uma vez, que a análise estática da visão neoclássica é insuficiente para

entendermos o processo dinâmico de formação de preços no mercado imobiliário.

SoPs estão sujeitas às mudanças contínuas, decorrentes de fatores como pressões de

mercado, mudanças tecnológicas, gostos e políticas, e por causa das estratégias das

organizações envolvidas. Não há a priori ponderação da importância dessas

influências potenciais; as respostas só podem vir de investigação específica. Isso

contrasta com a posição evolucionista fortemente determinista da economia dos

custos de transação, que argumenta que as instituições são forçadas ao longo de

caminhos específicos como resultado da minimização dos custos de transação. Os

SoPs são fracamente evolucionários, na medida em que as ações alteram o caminho

do desenvolvimento de um SoP de maneiras que podem não levar a melhorias de

eficiência, sem necessariamente levar à sua morte (BALL, 1998; p. 6 – tradução

nossa56).

Abramo (1988) foi outro autor que observou o movimento do mercado imobiliário.

Como dissemos acima, sabemos que como os agentes baseiam suas expectativas quanto ao

futuro com base em convenções sociais, fatores como instituições, conjuntura econômica e

políticas governamentais podem interferir na demanda por um ativo. Como o mercado

56 SoPs are subject to continual change, arising from factors like market pressures, changes in technologies, tastes

and policies, and because of the strategies of the organizations involved. There is no a priori weighting of the

importance of these potential influences ­ the answers can only come from specific investigation (if at all). This

contrasts with the strongly determinist evolutionary position of transaction­cost economics, which argues that

institutions are forced along particular paths as a result of transaction cost minimization. SoPs are weakly

evolutionary, in that the actions alter the path of development of a SoP in ways that may not lead to efficiency

improvements, without necessarily leading to their demise (for example, the building societies' case cited earlier).

At any point in time, however, there may be no contemporary rationale for the existence of a particular structure

of organisations, institutions and markets ­ it just happens to be there (BALL, 1998; p. 6).

Page 59: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

59

imobiliário urbano depende das expectativas dos agentes, ele se torna bastante especulativo,

uma vez que há uma certa imprevisibilidade em relação à estrutura urbana construída, ou seja,

a incerteza aumenta a especulação. Os grandes incorporadores, neste cenário, são um dos

agentes centrais para o entendimento da construção do espaço urbano (assim como para Ball,

1998) e, consequentemente, do preço dos imóveis. Abramo (1988) afirmou que:

O sucesso de um empreendimento imobiliário depende da capacidade dos capitais

definirem um uso futuro do solo que consiga deslocar a demanda para a região onde

estão investindo. Porém, a decisão das famílias em adquirir um imóvel nessa região

dependerá dos atrativos deste imóvel-localização em relação as outras áreas da

estrutura urbana. Portanto, as decisões de investir dos incorporadores dependem da

estrutura urbana futura” (ABRAMO, 1988, p. 149).

No entanto, os incorporadores não sabem como essa estrutura urbana será dada, gerando

uma incerteza econômica e urbana. Além disso, a incerteza quanto à distribuição espacial dos

imóveis em uma cidade fará com que os capitalistas imobiliários decidam produzir onde alguns

capitais já estejam atuando, revelando uma convenção que não é tão explícita (Abramo, 1988;

p. 151). Como já definimos que a terra urbana é escassa, isto valorizará estas áreas, que serão

mais concentradas e, consequentemente, perceberemos alterações nos padrões de ocupação do

solo nas cidades e nos preços dos imóveis construídos ali.

Sob esse ponto de vista, Keynes pode nos auxiliar na percepção de que o sistema

capitalista funciona sob uma lógica em que os agentes têm a preferência por liquidez, mas

buscam outros ativos para investirem, como os imóveis, a fim de obterem ganhos futuros com

essa aquisição, ou seja, a fuga da liquidez deve vir acompanhada de quase-rendas superiores,

para compensar a perda do prêmio de liquidez. No caso das famílias, podemos supor que terão

como critério de aquisição de um imóvel o preço do aluguel vis a vis o valor da prestação do

financiamento – caso a família consiga crédito –, mas, poderão considerar também a sinalização

de aumento dos preços imobiliários.

De todo modo, como afirma Abramo (1988), serão os capitais imobiliários que

sinalizarão as áreas que terão os imóveis mais valorizados de uma cidade, uma vez que, segundo

o autor, a valorização imobiliária será mais latente nos locais em que padrões urbanos são

alterados, pois sua estrutura se modifica e os agentes antecipam a renda que conseguirão obter

quando houver uma consolidação da estrutura. Desse modo, as famílias com renda mais elevada

se deslocarão para essa nova área devido à valorização, esperando que ela continue aumentando

seu preço, ou seja, o efeito riqueza tem um papel fundamental na decisão da compra de

residência das famílias, mas principalmente na decisão das incorporadoras.

Page 60: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

60

Essas decisões de escolha são tomadas em um cenário de incerteza, daí a necessidade

de convenções. Convenções estas que levam em consideração a conjuntura econômica e o

posicionamento dos demais indivíduos, o que nos permite enfatizar que o comportamento

homogêneo e estático dos neoclássicos é uma falácia.

O resultado no comportamento do mercado imobiliário se afasta consideravelmente

das conclusões neoclássicas: é uma estrutura em constante movimento, com os

acordos feitos e desfeitos em um ambiente de incerteza radical, e onde nas mudanças

há perdedores e os vencedores, este último, geralmente, é o mais forte (JARAMILLO,

2013; p. 19 – tradução nossa57).

Uma das formas de diminuir imprevisibilidade quanto ao futuro, se dá pela associação

entre o Estado e grandes agentes privados do mercado imobiliário; de tal modo a oferecer uma

série de “serviços públicos” para determinada região, que possibilita um rápido processo de

valorização dos imóveis ali existentes, com ganhos inclusive, para esses agentes econômicos.

Esta associação pode se dar também, como dito acima, via a implementação de políticas

públicas de interesse habitacional – no caso brasileiro, podemos citar, por exemplo, o Minha

Casa Minha Vida.

A partir da observação de todas estas análises, podemos, portanto, fazer uma síntese dos

principais pontos que destacamos ao longo deste capítulo e que são elementos importantes na

observação do mercado imobiliário.

No que diz respeito à análise neoclássica, o preço da propriedade se baseia,

fundamentalmente, em uma estrutura estática de equilíbrio, de tal modo que a renda advinda da

terra é meramente “um artifício racional, com a capacidade de selecionar os usos do solo em

localizações em lances competitivos” (HARVEY 1985; p. 176). Logo, o preço é dado pelo

mercado, dada a sua produtividade marginal, que é medida pelo próprio solo e pelos custos de

transporte advindos da localização – como proposto por Alonso e seus seguidores.

Outro aspecto observado nas teorias neoclássicas que tratam do preço imobiliário e sua

precificação é o fato de desconsiderarem questões importantes, como a participação de

instituições na dinâmica imobiliária e a assimetria de poderes entre os indivíduos. No entanto,

ainda com uma série de inconsistências e pressupostos falaciosos, a análise predominante no

arcabouço teórico de precificação da terra é justamente a da teoria neoclássica.

57 El resultado en cuanto al comportamiento del mercado inmobiliario se aleja diametralmente de las conclusiones

neoclásicas: se trata de una estructura en constante movimiento, con acuerdos que se hacen y se deshacen en un

ambiente de incertidumbre radical, y en el que en los cambios hay perdedores y ganadores, estos últimos

usualmente los más fuertes de partida (JARAMILLO, 2013; p. 19)

Page 61: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

61

Tentamos, a partir da segunda parte deste capítulo, observar a contribuição da teoria

keynesiana e pós-keynesiana (especialmente em Minsky), que se encontra na observação da

economia como inerentemente instável, cuja dinâmica monetária exerce papel central, de tal

modo que se reconhece a existência de assimetrias nas relações econômicas.

A partir da observação dos autores keynesianos e pós-keynesianos, apresentamos o

campo de análise dos autores que consideramos institucionalistas que sugerem que, para uma

visão mais abrangente da dinâmica imobiliária, se faz necessária uma abordagem que perpasse

sob o papel das instituições e dos agentes do mercado imobiliário, tal qual, o próprio Estado, os

proprietários e os bancos, a partir de análises socioculturais, políticas e conjunturais específicas.

Acrescentaríamos, ainda, neste leque, as mudanças nas estruturas de mercado, como ocorrido,

por exemplo, no mercado hipotecário da Inglaterra, a partir da década de 1970 – período

marcado pela forte desregulamentação financeira.

É muito importante que frisemos que a depender das condições econômicas e estruturais

de cada país, os preços dos imóveis se comportarão de determinada maneira, ainda que haja

alguma semelhança na atuação do Estado. No caso brasileiro, por exemplo, as grandes áreas

urbanas concentram um mercado informal de moradia bastante considerável e que são

desprovidas de qualidade urbanística e infraestrutura (Bonduki, 2008; p.89). Além disso, a

própria expansão urbana e a conjuntura econômica no Brasil, ao longo do século XIX,

favoreceu um aumento considerável da população nos grandes centros urbanos (FIX, 2011),

com prática comum de aluguéis altos.

Apontamos, enfim, que uma análise estática dos preços dos imóveis, como a proposta

da escola neoclássica, não é suficiente para explicar os picos de alta e de baixa dos preços

justamente por não considerarem uma série de elementos dinâmicos que se alteram ao longo do

tempo. Logo, responder à questão de quais são, afinal, as principais determinações dos preços

dos imóveis é uma tarefa que perpassa por uma série de autores e análises importantíssimas e

que, muitas vezes, não se cruzam – pelo menos não diretamente. Sabemos que os preços são

dados pelas expectativas dos agentes na valorização dos imóveis, a fim de obterem cada vez

mais um rendimento maior, no entanto, estas expectativas possuem um elemento material, ou

seja, elas são baseadas em variáveis reais da economia. Apontar que tipo de ação e medida é

capaz de alterar estas expectativas foi um dos objetivos deste trabalho: reunir as teorias e

abordagens que podem nos dar as principais ‘dicas’ dos determinantes nos períodos de alta e

baixa valorização dos imóveis.

Page 62: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

62

CAPÍTULO 2: PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS NO REINO UNIDO:

AS CONSEQUÊNCIAS DAS FINANÇAS DESREGULADAS NO PREÇO DOS IMÓVEIS

I work out my budget and I’m still sitting thinking, ‘Well I’ve got to find

another three or four pounds to pay that bill’. It sounds ridiculous, but

three or four pounds sometimes can be the difference with getting evicted

... and living in your property. (#101, Female, 45, Journal of Public Health)

O processo de valorização dos imóveis no mundo todo foi muito intenso nos últimos

anos, especialmente nos EUA e em grande parte dos países europeus, como o Reino Unido.

Podemos dizer que foi resultado de um processo anterior de desregulamentação financeira e

comercial, iniciado em fins de 1970 e início dos anos 1980, marcando o fim dos Anos

Dourados58.

Os Anos Dourados marcaram um período (1930-1970) em que o Estado cumpria o papel

fundamental de determinante dinâmico da acumulação do capital “funcionante” e financeiro,

que se dava por meio de gastos públicos e emissão de títulos públicos (BRAGA E CINTRA,

2004; p. 253). Nesse período, o sistema bancário e de crédito era regulamentado e segmentado,

pois os Estados restringiam o tipo de direcionamento dos créditos e financiamentos, além de

uma separação das atividades e regionalização dos ramos de atuação dos bancos. Por exemplo,

nos EUA, as instituições de poupança e empréstimos se especializaram em crédito hipotecário,

enquanto os bancos comerciais, em empréstimos de capital de giro; do ponto de vista do passivo

dos bancos, apenas os comerciais poderiam oferecer depósitos à vista, enquanto os depósitos a

prazo se concentravam nas instituições de poupança. Essas medidas restringiam a concorrência

exacerbada entre as instituições financeiras (BRAGA E CINTRA, 2004; p. 258).

No entanto, os anos 1970 já davam sinais de esgotamento do paradigma tecnológico-

industrial fordista, resultado da incapacidade do sistema técnico vigente de gerar os ganhos de

produtividade suficientes para a manutenção do crescimento nos países, de tal modo que, as

condições técnicas e institucionais necessárias para um regime de acumulação baseado no

consumo de massa haviam atingido seu limite (BOYER, 1990).

Em outubro de 1979, no auge da crise de Bretton Woods, o então presidente do FED,

Paul Volcker, se retirou da reunião mundial do FMI e declarou publicamente que estava contra

58 Os Anos Dourados, segundo Belluzzo (2009), significaram uma excepcionalidade do capitalismo, que marca

uma fase benigna da hegemonia americana, pois foi um período com crescimento econômico pujante e sustentável

combinado entre as nações, fundamentado na expansão do comércio. Ademais, foi marcado por uma fase de pleno

emprego, distribuição equitativa da renda, regulação dos fluxos financeiros e estabilidade monetária e cambial,

com a presença de um Estado forte, atuante e indutor de todas as esferas da economia – “economia subordinada à

política”.

Page 63: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

63

as propostas do FMI e dos demais países-membros e que não permitiria que o dólar continuasse

se desvalorizando, como vinha ocorrendo desde o fim das paridades fixas de câmbio. Após essa

declaração, o presidente do FED subiu “violentamente” a taxa de juros, que passaram de 11,4%

para 18% nos meses seguintes, como resposta à contestação da hegemonia do dólar

(TAVARES, 1997). De acordo com esta autora:

Esta diplomacia do dólar forte custou aos EUA mergulhar a si mesmo e a economia

mundial numa recessão contínua por três anos. Quebraram inclusive várias grandes

empresas e alguns bancos americanos, além de submeterem a própria economia

americana a uma violenta tensão estrutural. (TAVARES, 1997; p. 33)

Essa decisão reafirmou a disposição dos EUA de restaurar a centralidade do dólar,

mesmo que isso se refletisse em um custo alto à sociedade americana, como de fato ocorreu, e

que provocou transformações no ordenamento das estruturas produtivas, financeiras e

ideológicas no pensamento econômico. Nesse período passou a prevalecer os fundamentos do

neoliberalismo, que do ponto de vista econômico, defende a ideia de que o Estado deve

promover a estabilidade monetária, a “liberdade econômica” e garantir o direito à propriedade

privada59.

As ideias neoliberais que emergiram com essas mudanças afetaram as políticas

econômicas adotadas por grande parte dos países, que passaram a implementar a política suply

side economics, que se refere, dentre outras características, à diminuição dos impostos dos mais

ricos, a fim de se gerar poupança para fomentar investimento. Ademais, essas ideias passaram

a estar presentes em várias decisões dos países, tais como: liberalização maior do comércio

internacional e do mercado financeiro, desregulamentação, descompartimentalização e

desintermediação de vários setores da economia (BELLUZZO, 2009).

Outra transformação na década de 80 refere-se à “3° Revolução Industrial”, que criou

um novo paradigma tecnológico-econômico, baseado em transformações nas estratégias das

grandes corporações, em concentração de oligopólios globais (fusões e aquisições) e na

constituição da empresa rede (se referem a redes produtivas globalmente hierarquizadas e com

dispersão espacial dos elos de cadeia) (BRAGA e CINTRA, 2004).

59 Há outras abordagens para uma definição mais abrangente sobre o termo ‘neoliberalismo. Para Harvey (2007;

p.8), o neoliberalismo é uma prática político-econômica que defende o bem-estar humano e que consiste no “livre

desenvolvimento das capacidades e das liberdades empresariais do indivíduo”, em um ambiente caracterizado pela

propriedade privada, livre mercado e livre comércio. O papel que o Estado cumpre é o de criar e preservar o marco

institucional para o desenvolvimento destas práticas.

Page 64: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

64

Segundo Belluzzo (2009), esse processo foi marcado ainda por uma predominância de

finanças desreguladas e securitizadas, nas quais os investidores institucionais60 cumprem papel

essencial como credores dos Tesouros Nacionais, grandes empresas e bancos como devedores.

Nesse processo de globalização prevalecem as “receitas” liberal-conservadoras, tais

como, vantagens comparativas de comércio, privatizações e não intervencionismo do Estado,

predomínio de políticas monetárias sobre as políticas fiscais no instrumental macroeconômico

e liberalização financeira decorrente da “Hipótese de Mercados Eficientes”, que vimos no

capítulo anterior.

A descompartimentalização e desregulamentação do sistema financeiro atingiu

fortemente a forma pela qual se dava o processo de financiamento habitacional. Isso porque, a

regulação existente durante o período dos Anos Dourados estimulava uma centralização e

coordenação mais rigorosa do Estado no financiamento e na construção de residências. Para

mostrarmos essas transformações no setor habitacional, utilizaremos aqui o exemplo do Reino

Unido, em especial a Inglaterra, que mudou suas bases de financiamento de habitação e a

regulação existente, afetando, por conseguinte, os preços dos imóveis.

2.1. REINO UNIDO E O PROCESSO DE DESREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO

Na Europa, a questão habitacional foi uma das prioridades no âmbito de expansão

econômica, especialmente no entre guerras. No caso inglês, a ampliação de políticas voltadas à

habitação se deu a partir dos anos 1930, por meio da expansão do financiamento imobiliário

pelas building societies61 e pela atuação direta do Estado via produção de casas destinadas ao

arrendamento, a partir da administração pelas local authorities62 63.

O divisor de águas no caso inglês, no que se refere às estruturas de financiamento da

habitação, é o Building Societies Act (1939), que impôs a especialização das

instituições, ao mesmo tempo em que lhe concedeu o estatuto de entidades

filantrópicas com as prerrogativas fiscais das mesmas. O grande boom de produção

de habitações tem lugar entre 1951 e 1968 quando o output físico médio atinge 350

60 De modo simplificado, os investidores institucionais são representados pela figura de grandes empresas, bancos

e outras instituições que movimentam volumes significativos no mercado acionário, com carteiras de ativos

expressivas. Os investidores institucionais mais conhecidos são: fundos de pensão e de investimento, seguradoras

e sociedades de capitalização.

No caso dos pequenos investidores, como pessoas físicas e jurídicas, que investem seu próprio dinheiro denomina-

se investidor individual. 61 Uma parcela do crédito hipotecário de consumo popular era refinanciada pelo tesouro inglês. 62 Grupo de pessoas que administram uma determinada região/ cidade. 63 Ao contrário dos EUA, por exemplo, que teve seu foco de provisão habitacional no financiamento da casa

própria e que criou uma série de mecanismos para promover a habitação, como a National Housing Agency.

Page 65: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

65

mil unidades. Neste período de consolidação do fordismo inglês, a participação de

habitações próprias sobe de 30% para quase 60% (MELO, 1991, p. 150).

Ademais, o governo inglês passou a investir maciçamente na produção de casas (council

houses) para famílias que não tinham condições financeiras para arcar com o custo do aluguel

do setor privado e nem de comprar a casa própria, fornecendo assim, casas adequadas e

acessíveis para essas famílias alugarem. Nos anos 1930, a produção de council houses chegou

a 350 mil de unidades (UWE Bristol, 2008).

No entanto, com a II Guerra Mundial, muitas dessas casas foram completamente

destruídas, fazendo com que a Inglaterra enfrentasse seu pior déficit habitacional do século XX.

De acordo com a UWE Bristol (2008), em 1945 foi solicitado pelo governo inglês a produção

de 750 mil novas casas para a população, baseadas na legislação de 1939, prevendo casas de

qualidade e equipadas, porém, a um custo relativamente baixo. No caso da Inglaterra, a

porcentagem de pessoas que alugavam as casas das local authorities subiu para mais de um

quarto da população da Inglaterra – de 10% em 1938 para 26% em 1961.

Para atender a escassez e trazer o custo de produção para baixo, uma nova forma de

construção foi pioneira, comumente chamada de PRC (Pre-cast Reinforced Concrete).

Essas casas eram rapidamente construídas e o trabalho requerido poderia ser menos

qualificado que a construção tradicional. [Esse tipo de construção era feito] com

marcas próprias que haviam sido desenvolvidas e eram comercializadas por diferentes

construtores. Eram feitos, em sua maioria, com painéis de concreto reforçados com

aço, em seguida, parafusados ou construídos com uma estrutura de aço [...] e com a

expectativa de durarem, pelo menos, 60 anos (UWE Bristol, 2008 – tradução nossa)64.

Podemos entender este processo como sendo o resultado de um ‘consenso’ dos governos

no pós-guerra. De acordo com Ball (1983), a partir dos anos 1940, a provisão habitacional foi

um dos três pilares do consumo pessoal das famílias, sendo os outros dois a educação e a saúde,

de tal modo que a situação das moradias no país foi continuamente melhorada nos anos

seguintes.

Desde a década de 1950 até 1980, houve um ganho líquido de 200 a 250.000

habitações por ano. Milhões de favelas foram demolidas, enquanto milhares de

outras habitações foram renovadas para os padrões modernos (BALL, 1983; p.

2 – tradução nossa)65.

64 To meet the shortage and bring the cost of housing down, a new form of construction was pioneered, commonly

called ‘PRC’ (Pre-cast Reinforced Concrete). These houses were quick to assemble and required less skilled labour

than traditional build. They were proprietary brands developed and marketed by different builders. Largely made

from concrete panels reinforced with steel then bolted together or constructed with a steel frame. They were like

the prefabs in that they were built by non-traditional methods from components made in a factory but unlike the

prefabs they were permanent and were expected to last for at least 60 years (UWE Bristol, 2008). 65 Since the earlier 1950s through to 1980 there has been a net gain of 200-250,000 dwellings each year. Millions

of slums have been demolished whilst thousands of other dwellings have been renovated to modern standards

Page 66: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

66

Esse fato é importante em nossa análise, pois nos permite perceber que o processo de

valorização dos imóveis não foi tão intenso na Inglaterra como em outros países (como os

EUA66), uma vez que a atuação e a articulação direta do Estado na provisão de habitação

“seguraram” a elevação dos preços dos imóveis, em um cenário de escassez e de alta demanda.

Como podemos observar no gráfico 1, até a década de 1970 os preços reais dos imóveis no

Reino Unido eram bastante estáveis. Já a partir de 1973 os preços apresentaram uma tendência

de aumento crescente até os anos 1990. Nos anos 2000, os preços voltaram a crescer

consideravelmente. A título de exemplo, a variação real dos preços, entre 1952 e 1962, foi de

7,52%, enquanto a partir da década de 1970 esse processo se reverte e há um aumento de 88%

entre 1962 e 1974. Uma curiosidade é que nos EUA, por exemplo, no mesmo período, os preços

caíram 1,3%67.

GRÁFICO 1: VALOR REAL DOS IMÓVEIS, EM ÍNDICE (1960=100), REINO UNIDO, 1952-2014

Fonte: Nationwide/IPEADATA/Elaboração própria

66 A título de exemplo, enquanto nos EUA, entre 1952 e 1986, os preços dos imóveis aumentaram cerca de 15%

(Shiller, 2015), no mesmo período no Reino Unido os preços cresceram 112%. 67 De acordo com Robertson (1973), os anos 1960 foram marcados por uma forte pressão da National Association

of Home Builders e da U.S. Savings and Loan League no sentido de aumentar a construção de moradias nos EUA,

de tal modo que o Congresso Nacional cedeu às influências e aprovou uma série de medidas de subsídios diretos

à habitação e formando um novo aparato privado de sustentação do mercado hipotecário norte americano. No

entanto, se observarmos a série histórica dos preços imobiliários nos EUA, verificamos que a tendência de

crescimento dos preços se iniciou já na década de 1940.

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Sobre as questões mais específicas de cada um desses momentos de altas e baixas nos

preços, trataremos mais à frente e começaremos pelo período de maior inflexão, tanto

econômica e social quanto em relação à política habitacional britânica: os anos 1970.

2.1.1 AVANÇO DO NEOLIBERALISMO DOS ANOS 1970

A partir dos anos 1970 houve uma reversão no quadro da política habitacional inglesa.

Isso porque, o ministro das finanças Anthony Barber, aprovou uma série de medidas para

integrar a Inglaterra à Comunidade Econômica Europeia (CEE)68, como a liberalização e

expansão do sistema bancário inglês pelo conhecido Competition and Credit Control (1971),

onde os bancos poderiam atuar em diversas esferas, inclusive no mercado hipotecário. Como

dissemos, o mercado hipotecário era restrito às autoridades locais, de tal modo que caberia ao

governo e ao Banco da Inglaterra apenas a responsabilidade por conduzir a taxa de juros do

país. Com uma maior liberalização, os bancos aumentariam suas transações de empréstimos e

a incumbência atribuída ao Estado passou a ser a de somente administrar a oferta de moeda

(CONGDON, 2005).

O crescimento acelerado do crédito bancário aumentou consideravelmente a oferta de

moeda e elevou os preços de ativos financeiros das grandes empresas e instituições financeiras.

A oferta monetária sem uma regulação apropriada gerou uma ampliação de preços geral – a

inflação chegou a 25% em 1975 – elevando, assim, o valor dos imóveis, que já estavam

passando por um processo de desregulamentação, dada a descentralização dos mercados

hipotecários. Os preços imobiliários passaram do patamar médio de 2.000 libras, em 1960, para

9.000 libras, em 1972, segundo dados da Nationwide – como podemos observar no gráfico 1.

O período em que se deu esse processo ficou conhecido como Heath-Barber boom (1972-1975),

em referência ao primeiro-ministro Edward Heath e ao ministro das finanças Anthony Barber69.

Para grande parte de teóricos liberais, como Frederich Hayek e seu discípulo – o

monetarista Milton Friedman – a crise do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 na Inglaterra

e em vários países se deu devido ao “poder excessivo e monopólico” dos sindicatos e

movimentos operários constituídos ao longo dos anos, pois, ao reivindicarem elevações

68 O contexto de destruição e crise na Europa, após o fim da II Guerra Mundial, possibilitou um reordenamento

estratégico entre os países do continente, a partir da década de 1950, que deu origem à Comunidade Econômica

Europeia (CEE). A CEE foi concebida com o intuito de criar um ambiente propício à livre circulação de

mercadorias, capital e trabalho, que pudessem contribuir para a reconstrução dos países europeus (MOTA, LOPES,

ANTUNES; 2010). A CEE deu origem ao Tratado da União Europeia, em 1999. 69 Sobre o boom Heath-Barber, ver CONGDON, 2005.

Page 68: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

68

salariais, corroíam a base de acumulação das empresas, fazendo com que os salários estivessem

acima da produtividade do trabalho. Outra justificativa dos teóricos liberais era a de que os

movimentos sindicais pressionavam o Estado para que mantivesse seus gastos com políticas

sociais – traço marcante dos Anos Dourados –, que, somadas às elevações de salários,

provocavam processos inflacionários e estagnação nos países70.

Com a vitória de Margareth Thatcher para o cargo de chanceler em 1979, as políticas

habitacionais do país foram reduzidas consideravelmente, pois se passou a pregar a ideia da

estabilidade monetária, tornando necessária uma disciplina orçamentária, via redução dos

gastos sociais e restauração da taxa natural de desemprego, ou seja, a “criação de um exército

industrial de reserva para quebrar os sindicatos”, além de um amplo processo de privatização,

incluindo a habitação pública. De acordo com Ball (1983), o investimento em moradias pelas

local authorities representava, em 1981, 15% dos investimentos de 1976.

O que fizeram, na prática, os governos neoliberais deste período? O modelo inglês

foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a

emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos

sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram

níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação

anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma medida

surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo programa de privatização,

começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o

aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais

sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo

avançado (ANDERSON, p. 13; 1995).

Podemos observar, portanto, que o compromisso com o emprego foi abandonado e a

taxa de desemprego cresceu substancialmente na região do Reino Unido, como podemos

observar no gráfico 2 abaixo.

70 Existe um debate muito grande a respeito do esgotamento do funcionamento de Bretton Woods. Um dos

destaques dessa análise é a teoria da regulação francesa, que tem como grandes expoentes Michell Aglietta e

Robert Boyer. A escola da regulação analisa os limites do modo de produção fordista e a crise que se encadeia a

partir dos anos 1970, e coloca que esta se deu devido a um esgotamento deste paradigma tecnológico-industrial

fordista, devido à incapacidade de se obter ganhos de produtividade – imprescindíveis para a manutenção do ciclo

virtuoso dos Anos Dourados. Para uma análise completa da teoria, ver BOYER, 1990.

Page 69: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

69

GRÁFICO 2: TAXA DE DESEMPREGO, REINO UNIDO, 1971-1985, EM %

Fonte: OECD, Main Economic Indicators/ Elaboração própria.

Segundo Richmond (2014), a primeira medida que mudou a questão habitacional da

Inglaterra no governo Thatcher foi o Housing Act, em 1980, que previa o direito de inquilinos

de comprarem as casas em que viviam e depois as venderem, caso quisessem (right to buy).

Mais de 2 milhões de inquilinos adquiriram as casas em que moravam. De acordo com Watson

(2009), a partir do governo Thatcher, houve uma mudança cultural na percepção da casa

própria, que passou a ser entendida como investimento, capaz de gerar riqueza privada,

gerando, assim, um impacto importante na estrutura de preços do mercado imobiliário britânico.

Essa ideia foi ainda mais aprofundada com o processo mundial de financeirização, a partir dos

anos 1990, e foi, provavelmente, baseada no American Dream dos EUA da casa própria71.

Um dos grandes discursos para a implementação da medida adotada pela primeira-

ministra foi o de que a habitação social era uma barreira à mobilidade espacial e,

consequentemente, à máxima mobilidade do trabalho. Isso se deve à noção neoclássica que se

tinha de que a migração é um fator muito importante para a carreira individual das pessoas, de

tal modo a conseguir diminuir diferenças regionais nos salários e no desemprego (VAN HAM

et al., 2010). Em outras palavras, ao ‘libertar’ o mercado imobiliário, o mercado de trabalho

também poderia ser livre.

71 Fix (2011) aponta que a casa própria fazia parte do sonho americano e da ideologia da “homeownership society”

A autora aborda, inclusive, os problemas advindos dessa ideologia.

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Tax

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pre

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(em

%)

Page 70: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

70

Frequentemente o investimento ocorre onde há pessoas qualificadas que desejam

trabalho. Mas deve haver alguma mobilidade. Se hoje as pessoas não estão dispostas

a se mover como fizeram seus pais, a economia não pode prosperar (THATCHER,

1980; apud VAN HAM et al., 2010 – tradução nossa)72.

Além disso, o governo passou a pressupor que as despesas do Estado com política

habitacional eram muito altas e, deste modo, ao repassar os imóveis à iniciativa privada, os

custos do Estado iriam cair, assim como haveria uma maior eficiência, barateando os custos das

moradias. Esse discurso de apoio ao setor privado não foi novidade apenas na Inglaterra. No

caso dos EUA, por exemplo, como aponta Fix (2012), a partir dos anos 1990, as empresas da

construção residencial (homebuilding) passaram por um processo de forte reestruturação

produtiva, via fusões e aquisições, que garantiram um grande poder de definição de preços.

Ball (1983) aponta que o right to buy representou a concessão de isenções fiscais aos

inquilinos com maior capacidade de pagamento, de tal modo que se constituiu uma perda da

receita do governo com aumento de benefícios fiscais para os novos proprietários, o que

demonstra uma contradição.

Essa questão da mobilidade espacial mostrou uma outra face desse processo de

liberalização do mercado imobiliário. Enquanto nos anos 1930-1940 havia uma preocupação

com a qualidade das habitações, nos anos 1980 a qualidade dos novos imóveis foi muito

insuficiente, em termos de distância dos grandes centros e de padrões estruturais (BALL, 1983;

p. 4).

A medida adotada por Thatcher ocorreu em um momento de alta inflação na Grã-

Bretanha, conforme podemos observar no gráfico 3. Em um cenário de altas taxas da inflação

– chegou a 26,9% em agosto de 1975 e 21,8% em maio de 1980 – e somadas à redução de

empregos e salários, podemos supor que a maioria das famílias que passaram a exercer o right

to buy eram aquelas com rendas maiores e com maior capacidade de pagamento das parcelas

dos financiamentos.

72 “Frequently investment goes where there are skilled people wanting work. But there must be some mobility. If

today people aren't willing to move as their fathers did, the economy can't thrive” (THATCHER, 1980; apud VAN

HAM et al., 2010).

Page 71: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

71

GRÁFICO 3: INFLAÇÃO (RPI) EM 12 MESES, REINO UNIDO, 1970-1999

Fonte: ONS/Elaboração própria

À medida que a compra de imóveis por inquilinos aumentava, os preços das casas

seguiam no mesmo sentido. Segundo dados da Nationwide (gráfico 1), os preços cresceram

56% entre 1979 e 1989. O pico dos preços das casas estava acompanhado de uma alta taxa de

desemprego no Reino Unido de 7,3% – 1,6 milhões desempregadas em 1989. Ball (1983)

reafirma este aumento considerável dos preços dos imóveis, especialmente os dos aluguéis:

Em 1980/1 foram solicitados [pelo governo] aumentos médios de 32% nos aluguéis;

em 1981/2 foram para 39%; e, a partir da primavera de 1982, aumentaram outros £

2,50 por semana. Com essa escala de aumento, a partir de abril de 1979, os aluguéis

médios não-renovados mais do que dobraram em três anos (BALL, 1983; p. 8 –

tradução nossa)73.

No entanto, apesar da política ter sido voltada para a aquisição da casa própria, vários

proprietários compraram os apartamentos e os alugam, ainda hoje, por um preço bastante

elevado.

A partir de 1986, a desregulação do sistema financeiro inglês foi bastante intensa,

denominado, inclusive, como big bang, que estimulou a especulação através da prestação de

hipotecas. “Esta rentabilidade foi amparada pelo fracasso de sucessivos governos durante 30

73 “In 1980/1 average rent increases of 32 per cent were sought, in 1981/2 they were 39 per cent; and from spring

1982 they rose by another £2.50 a week. With this scale of increase average unrebated rents more than doubled

in three years from April 1979” (BALL, 1983; p. 8).

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Page 72: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

72

anos para promover os níveis de construção de moradias proporcional ao crescimento da

população. Mais dinheiro fluiu para uma oferta estática de habitação, levando os preços

imobiliários a subir inexoravelmente” (RICHMOND, 2014).

O programa de liberalização defendido pelo governo Thatcher tinha como um de seus

objetivos incentivar a concorrência de preços, inclusive no mercado imobiliário. Supunha-se

que havia interesses de monopólio que deveriam ser combatidos. Além disso, ao haver uma

desregulamentação financeira, haveria um encorajamento suficiente aos empresários

financeiros para introduzir produtos de investimento inovadores (WATSON, 2009).

Watson (2009) argumenta que as mudanças financeiras ocorridas no Reino Unido,

especialmente em relação ao mercado hipotecário, alteraram consideravelmente a trajetória de

preços dos imóveis. Isso porque, com a desregulamentação e o right to buy houve a criação de

mais e mais potenciais proprietários, com a justificativa de gerar riqueza no país.

Este cenário de desregulamentação foi acompanhado pelo aumento de preços dos

imóveis, de queda dos salários e da renda das famílias da Inglaterra. A partir do governo

Thatcher, a Inglaterra passou por uma série de mudanças nas relações de trabalho, que

submeteram o trabalho ao mercado – movimento este que vinha ocorrendo no mundo todo.

As mudanças produtivas e no mercado de trabalho trouxeram o discurso – seguido por

Thatcher – de que uma maior flexibilização do trabalho entre setores geraria menores custos às

empresas. Esse processo se deu devido a três fatores essenciais, segundo Beynon (2003). O

primeiro se refere às transformações nas estratégias das grandes corporações, à concentração

de oligopólios globais e a constituição da empresa rede (se referem a redes produtivas

globalmente hierarquizadas e com dispersão espacial dos elos de cadeia), que afetaram as

relações de trabalho, já que, ao se dispersarem entre os países, houve também um processo de

espraiamento da mão de obra pelo mundo. Esse processo se deu em conjunto com a política

cambial que favoreceu uma reorganização industrial norte americana e que transferiu,

progressivamente, muitas empresas para o leste asiático. O segundo fator diz respeito à

importância que agências multilaterais passaram a ter sobre as decisões econômicas dos países,

que afetam as relações de trabalho, como recomendações de políticas monetárias restritivas e

corte dos gastos, que acabaram por deteriorar ainda mais as relações trabalhistas. Por fim, o

último fator corresponde às mudanças estratégicas dos Estados-nações e os partidos políticos,

antes comprometidos com as políticas de bem-estar, que passaram a atender as demandas da

agenda.

Page 73: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

73

As consequências diretas dessas transformações foram um aumento considerável da

taxa de desemprego do Reino Unido – que passou de 4,7% a.a. em 1979 para 11,2% em 1985

– e uma queda da renda dos mais pobres, enquanto os ricos aumentaram ainda mais sua riqueza,

como podemos observar nos gráficos 4 e 5. Enquanto houve aumento real de 65% na renda dos

10% mais ricos, entre 1977 e 1990, a renda dos 10% mais pobres decaiu 47% em termos reais

no mesmo período. Percebemos que o processo de valorização imobiliária veio acompanhado

de uma profunda concentração de riqueza nas mãos da classe dominante, explicada por todas

estas mudanças na dinâmica do capital a partir do fim do welfare state e da implementação de

uma política econômica draconiana, que se iniciou com Thatcher.

O gráfico 5 nos apresenta o quanto esta situação foi emblemática e problemática, pois,

ao compararmos as taxas de variação entre a renda média das famílias e a inflação do país,

percebemos que, entre 1978 e 2000, a variação da inflação esteve bem mais alta que a renda.

Ou seja, isso nos mostra que, além de ver seus rendimentos reais decaírem entre as décadas de

1970 e 1990, os 10% mais pobres ainda viram a inflação do período corroer boa parte de seus

rendimentos – e não só os 10%, mas também, a maior parte da população. As implicações desta

situação são ainda piores em um cenário em que os preços dos imóveis crescem, especialmente

em um país que tem o aluguel como base habitacional, já que as famílias precisam destinar seus

gastos para consumo geral e para cobrir custos com moradia.

Esses dados são extremamente importantes, pois nos permitem entender o que tem

ocorrido no Reino Unido atualmente, uma vez que, no longo prazo, os problemas tendem a se

acentuar e se tornarem mais graves, devido ao aumento profundo da desigualdade e da pobreza.

Page 74: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

74

GRÁFICO 4: RENDA DOS 10% MAIS RICOS (À ESQUERDA) E DOS 10% MAIS POBRES (À DIREITA), INGLATERRA, A PREÇOS CONSTANTES (EM LIBRA),1977-2013

Fonte: ONS74/IMF75/Elaboração própria.

GRÁFICO 5: TAXA DE VARIAÇÃO DA RENDA MÉDIA DAS FAMÍLIAS E INFLAÇÃO (IPC) ANUAL, REINO UNIDO,

EM %, 1978-2000

Fonte: ONS/Elaboração própria.

74 Office for National Statistics. Disponível em: https://www.ons.gov.uk/ 75 International Monetary Fund. Disponível em: http://data.imf.org/

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Page 75: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

75

Esse cenário nos apresenta, portanto, que a redução da renda dos trabalhadores somada

à alta dos preços das casas – que passaram a ser direcionados pelo mercado – geraram um

problema sério de descompasso entre a possibilidade das pessoas em adquirirem seus próprios

imóveis e ainda terem que arcar com custos elevados do aluguel, e em um cenário de forte

concentração de renda. Como Ball (1983) afirmou: “o equilíbrio das forças políticas no início

dos anos 80, no entanto, levou do papel residual ao declínio uma rede de assistência social para

aqueles que não podiam comprar [uma casa]76.

2.1.2 PROCESSO DE SECURITIZAÇÃO E MERCADO HIPOTECÁRIO BRITÂNICO

Somadas às mudanças internas britânicas, os anos 1980 são notados pela expansão do

processo de securitização de ativos pelo mundo. Sob tal processo, a exposição do credor a um

número de mutuários é agrupada em um único ativo. No caso da compra de um ativo baseado

em hipotecas, esta é financiada como um título de risco relativamente baixo, onde o credor

transfere seus passivos a uma instituição financeira, que emite um lastro para emissão de títulos

e depois os vende no mercado.

De acordo com Watson (2009), o processo de securitização de hipotecas permitiu que

os credores hipotecários aumentassem sua exposição ao mercado de empréstimos, sem ter que

internalizar um aumento de risco proporcional. Em contrapartida, a entrada de diversos agentes

no mercado hipotecário não implicou aumentos no estoque de habitação no Reino Unido.

A securitização permite entrada em todos os segmentos do mercado de empréstimos

hipotecários para pessoas que de outra forma seriam tratadas como riscos de crédito

inaceitáveis para esse segmento específico. Isso expande o ramo de potenciais

compradores de casa a um ritmo mais rápido do que aumentos ao estoque de

habitação. Isso tem o efeito de alimentar as pressões de preços ascendentes no

mercado imobiliário como um todo (WATSON, 2009; p. 65 – tradução nossa77).

A partir de 1986, o processo de desregulamentação financeira no Reino Unido foi

bastante intenso. De acordo com Wainwright (2012), foi neste ano em que os mercados

financeiros na região foram reescritos com a aprovação do Financial Services Act e Building

Societies Act.

[...] em 1986 o Financial Services Act foi aprovado, abrindo os mercados a uma

miríade de novas instituições financeiras, como bancos e credores centralizados;

enquanto o Building Societies Act (1986) permitiu a construção de sociedades,

76 “The balance of political forces in the early 1980s led to its decline to the residual role of a welfare net for those

who could not afford to buy” (BALL, 1983; p. 10). 77 “Securitization therefore provides entry into all segments of the mortgage lending market for people who would

otherwise be treated as unacceptable credit risks for that particular segment. It thus expands the pool of potential

homebuyers at a faster rate than additions to the supply of housing stock come onstream. This has the effect of

feeding upward price pressures in the housing Market as a whole” (WATSON, 2009; p. 65).

Page 76: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

76

desmutualizar e [a possibilidade destas sociedades de construção] tornarem-se bancos

(Leyshon e Thrift 1997, Martin e Turner, 2000 apud WAINWRIGHT, p. 103; 2012 –

tradução nossa)78.

Segundo o autor, as leis tiveram duas implicações para o mercado imobiliário no Reino

Unido. A primeira foi a de que bancos de investimento dos EUA expandiram suas operações e

passaram a estabelecer subsidiárias de empréstimos hipotecários no Reino Unido, e a segunda,

que estes bancos passaram a emitir hipotecas, tornando-se, mais tarde, os maiores

securitizadores no país.

As mudanças nas leis britânicas, a intensificação do processo de securitização a partir

de meados dos anos 1980 e a alta inflação do período foram dramáticos para o mercado

imobiliário. Ajustando os preços da inflação79, os valores reais dos imóveis no reino Unido

quase duplicaram entre 1983 e 1989: o preço médio de um imóvel passou de £ 18.188,15 para

£ 30.713,68 – um aumento de 69%.

Para Watson (2009), este aumento expressivo no valor dos imóveis no Reino Unido se

deu, principalmente, pelas mudanças nas regulamentações e pela incorporação de inovações

financeiras, tal qual, a securitização. Esta visão se distingue dramaticamente da visão

neoclássica sobre os preços dos imóveis e se aproxima da abordagem hetedoroxa, uma vez que

o Estado cumpria, até os anos 1970, um papel fundamental na regulação dos preços e na

provisão habitacional britânica. Como vimos, o discurso do governo Thatcher em relação a uma

melhor alocação dos recursos e de queda do preço imobiliário não se verificou.

A década de 1990 também foi marcada por crise e impactos diretos do mercado

imobiliário. Segundo Jenkins (2010), apesar das altas taxas de desemprego, o Reino Unido

apresentou um forte crescimento econômico, mas com taxas de inflação elevadas. Com o intuito

de controlar este problema, em 1992, o então primeiro ministro John Major tomou a decisão de

aumentar as taxas de juros do Reino Unido para 15%, levando à retirada da libra esterlina do

Mecanismo de Câmbio Europeu (ERM)80 depois de não conseguir manter a moeda acima do

limite inferior proposto pelo mecanismo. Este dia ficou marcado como Black Wednesday.

De acordo com Jenkins (2010), as altas taxas de juros tiveram um impacto severo no

mercado imobiliário no Reino Unido, levando a uma queda significativa nos preços dos imóveis

78 “[...] in 1986 the Financial Services Act was passed, opening up the markets to a myriad of new financial

institutions such as banks and centralized lenders; while the Building Societies Act (1986) allowed building

societies, to demutualize and become banks” (Leyshon and Thrift 1997; Martin and Turner 2000 apud

WAINWRIGHT, p. 103; 2012).

79 Deflator implícito: IPC – a preços constantes de 1980. 80 O ERM exigia que as moedas e taxas de juros entre alguns países-membros da Europa permanecessem dentro

de uma banda em relação a outras moedas.

Page 77: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

77

e um aumento expressivo do endividamento das famílias. Isso ocorreu, pois, com a liberalização

financeira elevou-se o vínculo entre a taxa de juros e a taxa das hipotecas, tornando o sistema

financeiro britânico suscetível, já que, anteriormente, a taxa de juros das hipotecas operava em

um nível abaixo da taxa de juros vigente do país.

À medida que a recessão aumentava, os preços dos imóveis caiam ainda mais,

aumentando o ônus real das dívidas de crédito hipotecário das famílias, levando a cortes no

consumo e aprofundando o ciclo vicioso da recessão. Ao observarmos o gráfico 6, podemos

observar o comportamento dos preços dos imóveis durante os anos 1980 e início dos anos 1990.

Se compararmos o ano de 1995 em relação ao pico mais alto da série (1989), a queda dos preços

foi de 35%. É importante dizer que mesmo com a crise os preços dos imóveis não chegaram ao

patamar anterior à década de 1970, conforme pôde ser verificado no gráfico 1.

GRÁFICO 6: PREÇO REAL MÉDIO DOS IMÓVEIS, REINO UNIDO, A PREÇOS CONSTANTES DE 1980 (DEFLATOR

IMPLÍCITO IPC), 1980-1995

Fonte: ONS/ Elaboração própria

Esta recessão do começo da década de 1990 levou muitas famílias à armadilha da

“negative equity”, que se refere à situação em que um agente deve mais do que efetivamente

vale o imóvel (MOHAN, 2014) e que pode ser verificada pelo ciclo de endividamento de

Minsky. De acordo com o autor, as famílias mais protegidas foram aquelas que fizeram os

maiores pagamentos de suas casas em dinheiro ou fora do mercado hipotecário, o que não era

o caso da maioria das pessoas.

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Page 78: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

78

Se observarmos a participação do passivo na carteira de ativos das famílias, vemos o

aumento expressivo dos empréstimos, a partir dos anos 1980. Considerando a participação

significativa do mercado hipotecário no processo de securitização, podemos supor que a maior

parte destes empréstimos foram destinados ao mercado imobiliário.

GRÁFICO 7: PARTICIPAÇÃO DOS PASSIVOS FINANCEIROS DAS FAMÍLIAS, REINO UNIDO (EM BILHÕES DE

LIBRAS; PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006

Fonte: Sbano (2008) /Bank of England81/ONS/ Elaboração própria

Os dados dos ativos e passivos financeiros das empresas e do governo britânico

complementam as informações das famílias, já que as carteiras de ativos e passivos de securities

daqueles cresceram exponencialmente no período.

No caso das empresas financeiras, percebemos que até 1986 não havia uma quantidade

expressiva de ativos financeiros mobilizados em securities, assim como na carteira de passivos

– justificado pela falta de uma política de ritualização. A crise do início da década pode ter

freado uma expansão maior do processo, mas a partir da segunda metade dos anos 1990 já

percebemos uma reversão do quadro. Entre 1989 e 1999, por exemplo, o crescimento dos ativos

e dos passivos na carteira de investimentos das empresas foi de 183% e 115%, respectivamente

– os maiores valores, se comparados aos demais ativos e passivos.

81 Disponível em: https://www.bankofengland.co.uk/news/statistics

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GRÁFICO 8: PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS (A) PASSIVOS FINANCEIROS (B) NAS EMPRESAS FINANCEIRAS, REINO

UNIDO (EM BILHÕES DE LIBRAS; PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006

Fonte: Sbano (2008)/Bank of England/ONS/ Elaboração própria

Fonte: Sbano (2008)/Bank of England/ONS/ Elaboração própria

No caso dos investimentos financeiros do governo britânico, a inflexão de mudança de

portfólio para securities foi bem mais expressiva, assim como os empréstimos, especialmente

na carteira de passivos, conforme podemos observar nos gráficos 9 (a) e (b) abaixo.

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(b) Passivos Financeiros

Depósitos Securities Empréstimos Outras ações Reservas técnicas de seguro Outros passivos

Page 80: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

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GRÁFICO 9: PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS (A) PASSIVOS FINANCEIROS (B) NO GOVERNO, REINO UNIDO (EM

BILHÕES DE LIBRAS; PREÇOS CONSTANTES DE 2006), 1979-2006

Fonte: Sbano (2008)/Bank of England/ONS/ Elaboração própria

Fonte: Sbano (2008)/Bank of England/ONS/ Elaboração própria

Para além da crise, de acordo com Wainwright (2012), as Bulding Societies (que estão

incluídas na denominação empresas financeiras) sentiam uma certa desconfiança nos

investimentos em securities, tanto que o processo de securitização foi mais lento até o início da

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(b) Passivos Financeiros

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Page 81: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

81

década de 1990, mas se intensificou após a crise. No caso do governo britânico, os

investimentos em passivos securitizados eram um pouco mais altos que os investimentos das

empresas, mas ganharam expressividade a partir de 1995 e se mantiveram altos até os anos

2000. No mesmo período que observamos as empresas (entre 1989 e 1999), o crescimento dos

passivos securitizados do governo foi de 88%.

Esta situação foi cada vez mais intensificada com os governos “New Labour” (1997-

2010), pois a ideologia criada e encorajada era a de que, para que o bem-estar da população

fosse alcançado, as pessoas deveriam criar uma base de ativos para si. Para tanto, o governo

promoveu um forte incentivo à poupança, inclusive, com uma combinação de diretiva moral,

de incentivos fiscais e de intervenção do governo com um apelo publicitário expressivo

(WATSON, 2009).

A política foi promulgada através de uma combinação de diretiva moral ("não se

responsabilize por transmitir chances de vida impedidas aos seus filhos, privando-os

de uma base de ativos herdados"), incentivos fiscais ("por que se preocupar em pagar

impostos em uma proporção de renda que pode ser investida livre de impostos em

contas de poupança especiais?") e intervenção do governo ("se você pode começar a

construir uma base de ativos para alguém que anteriormente teve acesso recusado,

então o governo combinará suas economias com a bolsa pública ") (WATSON, 2009;

p. 69 – tradução nossa82).

Para o autor, o Estado sob a diretriz do New Labour fez muito pouco para assegurar à

população os direitos sociais, concentrando-se, apenas, em apoiar ativos individuais das

pessoas, incentivando (via programas de alfabetização financeira nas escolas) e mesmo

coagindo essa atividade, caso fosse necessário.

De acordo com Richmond (2014), os governos New Labour criaram uma série de

benefícios para habitação focalizados na parcela da população com rendimentos mais baixos,

já que o desmonte do welfare state prejudicou o acesso das famílias à moradia. Esses benefícios

vinham sob a forma de tax credits – ajuda para um familiar com rendimento baixo – e housing

benefit, que foi criado com o intuito de auxiliar famílias que não possuíam imóvel próprio e,

que devido à renda, não conseguiam arcar com os aluguéis. No começo, para o autor, essas

medidas pareciam fazer sentido, mas com mercados de trabalho e habitacional altamente

82 The policy has been enacted through a combination of moral directive (“do not be responsible for passing on

impeded life chances to your children by depriving them of an inherited asset base”), fiscal incentives (“why bother

to pay taxes on a proportion of income that can be invested tax-free in special savings accounts?”), and government

intervention (“if you can begin to build an asset base for someone previously denied access to one then the

government will match your savings out of the public purse”) (WATSON, 2009; p. 69)

Page 82: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

82

desregulamentados e liberalizados, essas medidas equivaliam a subsídios que acentuavam ainda

mais as assimetrias entre inquilinos e proprietários.

Enquanto os preços dos imóveis e do aluguel subiram, esses pagamentos também

cresceram e tornaram-se os maiores gastos do sistema de bem-estar (com a exceção

das pensões). A mídia de direita dominante e o partido conservador desonestamente

reivindicam que esses gastos mostram um problema de desemprego e a ‘dependência’

dos pobres no Estado. O que de fato mostram é que agora apenas o Estado pode

superar a diferença crescente entre os baixos salários e os altos custos das moradias

(RICHMOND, 2014).

Ademais, como pontua Ball (2016), o pouco investimento na área habitacional fez com

que houvesse uma escassez de imóveis e uma escalada de preços neste período, especialmente

na locação, empurrando as famílias para a aquisição de imóveis ou locação de imóveis de baixa

qualidade.

As condições do lado da oferta contribuíram muito para a escalada de preços. Com

poucas exceções, a oferta de imóveis para locação estava estagnada ou em declínio,

com investimentos desencorajados pelos controles de aluguel e, portanto, não

absorveram os aumentos de demanda (Scanlon & Elsinga, 2013). Este [aumento dos

preços] empurrou mais para compra da casa própria ou para imóveis de baixa

qualidade (BALL, 2016; p. 184 – tradução nossa)83.

Considerando essas mudanças no padrão de entendimento da sociedade e a medida

imposta pelo governo, percebemos que ao Estado coube apenas um mero papel paliativo e de

medidas focalizadas para permitir o acesso à moradia, que é, no ponto de vista destes governos,

um meio de acumular riqueza privada e não uma obrigação84.

Segundo Watson (2009), a partir daí, a responsabilidade pelo policiamento do regime

político e econômico, que reproduz os preços das casas, foi transferida do governo para a

sociedade, que foi se ampliando à medida que os preços das casas aumentavam nos anos 2000

e que culminaram, inclusive, na crise de 2008 e em um endividamento das famílias.

83 Supply-side conditions contributed much to price escalation. With a few exceptions, rental-housing supply was

stagnant or declining, with investment discouraged by rent controls, and thus failed to absorb demand increases

(Scanlon & Elsinga, 2013). This pushed more towards either house purchase or poor-quality living (BALL, 2016;

p. 184). 84 Ball (2016; p. 184) entende estas medidas paliativas concedidas pelo Estado como resultado tanto da falta de

terreno para construção como resposta ao problema de escassez de moradia – que não era resolvido.

Page 83: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

83

2.1.3 CRISE FINANCEIRA MUNDIAL E IMPACTOS SOCIAIS DOS ALTOS PREÇOS IMOBILIÁRIOS

Como apontamos anteriormente, a partir da década de 1970, com o marco da

reordenação das finanças globais, foi cada vez mais latente nas economias a adoção de

dinâmicas financeiras desreguladas e securitizadas, especialmente no mercado de crédito.

Como explicamos, esse movimento se deu devido a uma alteração na composição da

riqueza capitalista e na distribuição da renda pós anos 1970, geradas pela generalização do

rentismo. As famílias e empresas passaram a incluir ativos financeiros em seus patrimônios,

por isso, a expectativa de variação dos preços dos ativos passou a exercer papel relevante nas

decisões de empresas e bancos (passou-se a buscar cada vez mais um lucro financeiro maior

que o lucro operacional). Logo, a finança direta e securitizada passou a ganhar maior

importância em relação ao crédito.

A desregulamentação financeira fez com que os bancos comerciais se transformassem

em supermercados financeiros, o que permitiu a securitização do crédito85 e derivativos,

inclusive no Reino Unido. Essa mudança levou a uma maior liquidez para os mercados e

elevado grau de alavancagem, de tal modo que as inovações financeiras foram decorrentes do

aumento da concorrência entre essas instituições financeiras.

Estes ativos são medidos pelo seu grau de confiabilidade. Para saber qual a

confiabilidade do título que estão adquirindo, os investidores requerem que ele seja de elevado

grau de investimento (AA ou AAA), classificação dada por agências de rating86. Além de haver

a transferência de riscos, os bancos passaram, ainda, a se esquivar da regulação dos Acordos de

Basileia87, por meio da remoção dos títulos hipotecários de seus balanços, ou seja, passaram a

fazer operações off shore. Esta falta de regulação e classificação de títulos “podres” (ou

subprimes) do mercado de hipotecas, fez com que o sistema se tornasse cada vez mais instável.

Segundo Gómez et al. (2012), essa expansão tende ao colapso quando a desconfiança e

posição de venda no mercado futuro geram uma queda acentuada no valor dos ativos. “Nesses

momentos, a busca pela redução das perdas resulta em uma corrida pela venda de papéis: diante

85 Resumidamente, a securitização é uma forma de o banco transferir o risco do título hipotecário para os

investidores, que por contrapartida, recebem uma remuneração, mediante o risco que ele oferece. 86 As agências de rating têm a incumbência de classificar os riscos de ativos, hipotecários ou não, de modo a

revelar se os ativos são ou não confiáveis e seu grau de investimento. O problema é que antes do estouro da bolha

imobiliária, muitas dessas agências, por terem em seu portfólio títulos hipotecários, classificavam muitos títulos

“podres” como ótimos (AAA ou AA), mascarando a realidade desses ativos. 87 Acordos de Basileia são formados pelo Comitê de Basileia, que é um fórum organizado pelo Banco de

Compensações Internacionais (BIS), que prega uma supervisão do sistema bancário internacional. Os acordos, em

geral, tentam “nivelar o campo de jogo” entre as instituições financeiras, mediante regulações, a fim de evitar

colapsos generalizados.

Page 84: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

84

da incapacidade dos bancos de cobrirem tal demanda, a desvalorização dos ativos acentua-se”

(Gómez et al., 2012, p. 4).

Segundo os autores, esse movimento levou ao estouro da bolha de crédito, manifestando

os títulos subprimes (no caso, esses títulos eram imobiliários) e, portanto, um excesso de capital

“que precisava ser escoado”. A crise manifestou-se quando esse dinheiro teve que

“desaparecer” ou ser direcionado para outros agentes econômicos, que não os bancos, sendo o

Estado o principal deles. Este era o cenário dos EUA em 2007, mas que se agravou

profundamente com a quebra, em 2008, do Lehman Brothers, um dos maiores bancos norte-

americanos.

A crise, no entanto, tomou proporções sistêmicas e afastou seu epicentro para a Europa,

atingindo o Reino Unido, uma vez que os bancos dessa região, como dissemos anteriormente,

também possuíam títulos americanos em seus portfólios e, com o colapso financeiro, ficaram

extremamente expostos e prejudicados pela desvalorização dos preços desses ativos.

O rebaixamento dos valores dos títulos provocou um processo de crises privadas,

fazendo com que, posteriormente ao início do colapso, os governos passassem a salvar os

bancos e instituições financeiras europeias, por meio de liberalização de recursos, ou seja,

comprando bancos, ativos desvalorizados, fornecendo dinheiro e injetando liquidez nessas

instituições; tendo como objetivo central salvar o sistema financeiro de seus respectivos países

(Gómez et al., 2012).

Esse aumento dos gastos públicos, destinados à salvação do setor financeiro, somados

à profunda recessão econômica do período, acarretou um aumento expressivo da dívida pública

dos países europeus (até mesmo se comparados aos países em desenvolvimento), como

podemos observar no gráfico 10.

Page 85: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

85

GRÁFICO 10: DÍVIDA PÚBLICA (MÉDIA) DE PAÍSES DESENVOLVIDOS¹ E PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO², 2006-2012 (EM % DO PIB)

Fonte: IMF, Fiscal Monitor/ Elaboração própria

No caso do mercado imobiliário da Inglaterra, ainda que as dívidas hipotecárias se

concentrassem na minoria das famílias, o agregado em relação ao PIB era expressivo. Em 2013,

por exemplo, a dívida hipotecária representava 80,6% em relação ao PIB88.

Com a crise financeira de 2008 e uma nova onda neoliberal que tem predominado no

mundo, até as tax credits e o housing benefit têm sido cortados pela medida ‘removal of the

spare room subsidy’ ou, como é mais conhecida, Bedroom Tax89, expondo muitas famílias do

Reino Unido ao risco ficarem desabrigadas, enquanto o preço dos imóveis tem seguido uma

tendência de crescimento (gráfico 1), em um cenário de corte de gastos destinados à habitação.

A imposição desta medida veio com a justificativa de que havia um ônus que famílias

maiores impunham ao sistema habitacional, já que estas requerem, consequentemente, maior

espaço, de tal modo que deveriam receber o pagamento menor de assistência ao aluguel, uma

vez que as famílias são avaliadas pelo governo quanto ao número de quartos que realmente

precisam. É o reflexo muito claro da redução de ações voltadas à assistência social. Como

podemos observar no gráfico 11, as habitações privadas aumentaram consideravelmente, em

88 BALL (2016; p. 185). 89 A bedroom tax é um subsídio habitacional para pessoas de baixa renda e que vivem em council houses,

associações de habitação social ou propriedades cadastradas no programa. Esse subsídio é destinado para cobrir

custos com o aluguel de famílias, de acordo com a quantidade de pessoas empregadas, desempregadas e que vivem

na mesma casa. A medida veio como parte de uma política de corte de gastos públicos e o valor disponibilizado

varia de acordo com a renda da família, membros e a localidade do imóvel.

78,6% 78,1%84,7%

97,8% 104,4%109,5%

112,9%

36,6% 36,3% 34,6% 35,9% 40,7%36,9% 34,7%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Em

%

PeríodoDesenvolvidos Em desenvolvimento

¹ Alemanha, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido.

² Africa do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia.

Page 86: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

86

detrimento das vinculadas ao Estado – local authorities. Entre 1981 e 2015 houve uma queda

de 67% nas habitações sociais, enquanto as habitações de aluguéis privados aumentaram 138%.

GRÁFICO 11: OCUPAÇÃO DE CASAS ALUGADAS SOCIAIS E PRIVADAS, EM MILHÕES DE HABITAÇÕES

Fonte: Housing in England: overview (Department for Communities and Local Government), 2017.

Enquanto tem ocorrido queda nas habitações sociais, os preços dos imóveis continuam

crescendo, o que acarreta aumento do custo com aluguel. Se observamos os dados do preço

médio de venda dos imóveis com o índice de inflação RPI, veremos que entre 1999 e 2018,

ainda com a crise econômica, os preços estiveram bem acima da inflação do período. Inclusive,

os preços dos imóveis do Reino Unido já voltaram ao patamar de 2006. Além disso, como

vimos anteriormente, a renda das famílias mais pobres tem crescido a uma taxa bastante inferior

à inflação. Isso nos mostra a seguinte situação: a taxa de crescimento dos preços imobiliários é

muito maior que os índices de inflação, que, por conseguinte, superam o rendimento médio das

famílias. Ou seja, os preços imobiliários continuam crescendo acima da inflação e as famílias

ainda sofrem a perda de seus rendimentos e com as implicações de políticas como a bedroom

tax.

Page 87: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

87

GRÁFICO 12: EVOLUÇÃO PREÇO MÉDIO DE VENDA DOS IMÓVEIS E INFLAÇÃO (RPI), UK, EM NÚMERO ÍNDICE, 1999=100, 1999-2018

Fonte: Nationwide/ONS/Elaboração própria

De acordo com Gibbons et al. (2018), até 2013 – momento em que foi implementada a

bedroom tax – cerca de 5 milhões de pessoas recebiam benefícios de moradia no Reino Unido.

Destas 5 milhões, 3,4 milhões eram inquilinas em moradias concedidas pelas local authorities

e organizações sem fins lucrativos; e 1,6 milhões eram inquilinas de imóveis de associações

privadas. Conforme apontam os autores, “dado o número de agregados familiares no Reino

Unido (aproximadamente 26 milhões em 2011), isto significa que cerca de 13% das famílias

no Reino Unido ocupavam habitações sociais”90. Além do custo com aluguel, interessante

observar que neste mesmo momento a relação entre o preço médio de venda do imóvel

(habitações existentes) e a mediana do rendimento bruto anual aumentou consideravelmente na

Inglaterra e país de Gales, como podemos observar na tabela abaixo.

90 GIBBONS et al., 2018; p. 3.

80

100

120

140

160

180

200

220

240

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Em

mer

o í

nd

ice

Índice dos preços imóveis RPI - Total

Page 88: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

88

TABELA 1: RELAÇÃO ENTRE O PREÇO MÉDIO DA HABITAÇÃO E A MEDIANA DO RENDIMENTO BRUTO ANUAL EM

FUNÇÃO DO LOCAL DE TRABALHO POR PAÍS E REGIÃO, INGLATERRA E PAÍS DE GALES, 2003 A 2018

Fonte: ONS/Elaboração própria

Como podemos verificar, durante os anos 2000, essa relação já vinha crescendo, no

entanto, justamente a partir da regulamentação do subsídio, essa diferença passou a ser maior

ainda. Isso nos indica que as famílias têm tido custos cada vez maiores com a habitação, tanto

na compra como no aluguel, e sem um aumento proporcional na renda. Por exemplo, os dados

de Londres nos mostram que o preço médio de venda de um imóvel, em 2018, era 12 vezes

maior que a mediana do rendimento anual das famílias. Essa é uma questão extremamente

importante, pois nos revela uma face bastante problemática da questão habitacional no Reino

Unido. Por exemplo, para uma família com um rendimento mediano é quase impossível adquirir

um imóvel em Londres, de tal modo que, muito provavelmente, ela terá que se locomover

longas distâncias para trabalhar.

Outro problema advindo da medida, é que existe uma regulamentação específica para

que a família se torne elegível para receber o subsídio, de tal modo que é considerado questões

como idade, gênero e quantidade de membros nas famílias. No entanto, as associações dão

preferência às famílias que estão em condições insalubres91.

Um dos agravantes da bedroom tax é a escassez de casas na Inglaterra, de tal forma que

as pessoas aptas a receberem o benefício estão sendo forçados a se mover a longas distâncias

para encontrar uma propriedade ou, ainda, alugar casas do setor privado, onde os aluguéis são

ainda maiores. Conforme ranking disponibilizado pela Global Property Guide, os preços

imobiliários no Reino Unido em janeiro de 2019, particularmente em Londres, eram os mais

altos do mundo.

De acordo com Moffat et al. (2016), o advento do subsídio somado ao corte de gastos

para habitação social poderia afetar cerca de 660 mil inquilinos; dessa população afetada quase

2/3 possuía algum grau de deficiência. Segundo os autores, as reformas no sistema de benefícios

91 Ibidem.

REGIÃO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Inglaterra e País de

Gales5,69 6,42 6,61 6,87 7,13 6,90 6,35 6,86 6,71 6,68 6,63 6,88 7,22 7,41 7,57 7,58

Inglaterra 5,81 6,47 6,66 6,93 7,15 6,93 6,41 6,89 6,80 6,71 6,72 6,95 7,33 7,54 7,74 7,70

Londres 7,06 7,48 7,55 7,86 7,94 8,08 7,42 8,36 8,58 8,60 9,09 10,02 10,96 11,89 12,11 12,00

Gales 4,08 4,98 5,72 6,01 6,44 6,18 5,59 5,78 5,47 5,42 5,33 5,46 5,51 5,58 5,61 5,69

Page 89: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

89

têm sido um objetivo de longo prazo de sucessivos governos na Inglaterra, mas a amplitude e

o ritmo de mudança decorrentes desta legislação são mais intensos atualmente do que nos anos

anteriores e com impactos sociais consideráveis. Gibbons et al. (2018) conectaram uma série

de parâmetros para avaliarem o subsídio e chegaram à conclusão de que as famílias sofreram

com uma perda de seus rendimentos globais, já que o aluguel é excessivamente alto, e devido

ao mercado de trabalho, pois a política tem empurrado as pessoas para áreas com menos

oportunidades de emprego.

A adoção da bedroom tax ocorre em um momento de imposição de medidas de

austeridade significativas – introduzidas como resposta à recessão de 2008, mas também em

um momento de aumento do preço dos imóveis no país, como podemos observar a variação no

gráfico 13. Apesar da variação dos imóveis ainda estar abaixo do padrão antes da crise de 2008,

o valor em 2017 já é superior ao período da crise, o que demonstra um reaquecimento do

mercado imobiliário. Segundo Jones (2015), os aluguéis são até sete vezes maiores que a renda

média da população e interessante observar também que é a população mais jovem que tem

arcado com os maiores custos de aluguel, pois estão concentrados no pagamento via associações

privadas.

GRÁFICO 13: VARIAÇÃO ANUAL DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS, REINO UNIDO, 2006 A 2017 (EM %)

Fonte: ONS/ Elaboração própria

Segundo um estudo da Inside Housing (2017), a medida adotada por Thatcher foi

considerada por políticos como “uma das mais importantes revoluções sociais do século XX”.

-15,6

9,1

-20,0

-15,0

-10,0

-5,0

,0

5,0

10,0

15,0

200

6 F

eb

200

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un

200

6 O

ct

200

7 F

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200

7 J

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200

7 O

ct

200

8 F

eb

200

8 J

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ct

200

9 F

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201

0 F

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1 F

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1 J

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2 O

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3 F

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201

3 O

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201

4 F

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201

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201

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201

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eb

201

5 J

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201

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201

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un

201

6 O

ct

201

7 F

eb

EM

%

PERÍODO

Page 90: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

90

De fato, segundo o estudo, foi uma grande mudança no padrão da dinâmica imobiliária no Reino

Unido, já que até 2017 mais de 1,5 milhões de casas foram vendidas no esquema right to buy.

No entanto, 37,6% das casas vendidas sob o right to buy não são ocupadas por antigos inquilinos

“felizes” como os conservadores haviam pretendido, mas sim por empresas do setor privado,

estimulando o aumento dos preços das casas, a falta de acesso à moradia por parte das pessoas

que não possuem recursos para comprar e consequências sociais para o país. Segundo dados da

BBC (2018), se observarmos a proporção do gasto médio com aluguel em diferentes regiões da

Inglaterra, veremos que em 4 cidades de 11 selecionadas o custo ultrapassa 30 % da renda; em

Londres, o gasto com aluguel chega a 50% dos salários.

FIGURA 5: ALUGUEL NO REINO UNIDO, POR FAIXA DE IDADE, 2018

Fonte: Extraído de BBC92 – VOA, ONS, SCOTTISH AND WELSH GOVERNMENTS

É importante notar ainda que medidas de estímulo ao setor privado tornam o mercado

ainda mais especulativo e instável. Como a moradia na Inglaterra tem um histórico de

financiamento estatal, qualquer flexibilidade e abertura do mercado gera um reflexo nos preços

dos imóveis.

O impacto de medidas como esta imposta pelo governo britânico, como apontam os

autores, é que as estratégias de enfrentamento resultaram em dietas nutricionais mais pobres,

casas inadequadamente aquecidas e oportunidades restritas para a interação social. “Ao

contrário das afirmações do governo, nossos participantes [da pesquisa qualitativa] perceberam

que sua saúde e bem-estar foram prejudicados” (MOFFAT et al., 2016).

92 Disponível em: https://www.bbc.com/news/business-46072509

Page 91: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

91

“I felt some of the darkest days of my life took place the last few months [due to the

bedroom tax]. I mean it's just terrible … I mean people just don't realise”.

(entrevistado #25, MOFFAT et al., 2016)

Vemos, portanto, que o processo de aumento dos preços dos imóveis na Inglaterra foi

antecedido por políticas públicas voltadas à provisão habitacional e acompanhados de um

processo especulativo intenso – quando a participação mais ativa do Estado se esvaiu.

Infelizmente, esse afastamento está custando bem mais caro ao Reino Unido.

Tentamos explorar neste capítulo o modus operandi do mercado imobiliário no Reino

Unido, em especial, a partir dos anos 1970. Optamos por tratar deste país por duas razões

centrais: a primeira é o fato de que a sua capital (Londres) tem o segundo maior preço do m² do

mundo – perdendo apenas para Mônaco, e com uma das maiores perspectivas de aumento93. A

segunda razão, e talvez a mais importante, é o fato de que o Reino Unido passou por uma das

maiores transformações no mercado imobiliário nos últimos anos, com destaque pós década de

1970, dadas as mudanças nos padrões de provisão habitacional no país, que impactaram

severamente as famílias.

Conforme a análise empírica e o resgate histórico apresentados neste capítulo, fica

evidente que, ao contrário do que apontam os pressupostos neoclássicos, não existe

autodeterminação dos preços imobiliários sem uma atuação dos Estados Nacionais, seja ela

negativa ou positiva, uma vez que nesta visão o Estado é um mero alocador de recursos e que

sua interferência é prejudicial ao livre funcionamento da economia. Outra constatação que

pudemos observar empiricamente é a de que os consumidores não possuem poder de barganha

na determinação dos preços imobiliários – vide o caso atual do Reino Unido. Pelo contrário, as

pessoas que necessitam de moradia são prejudicadas a qualquer toque de austeridade e corte de

gastos voltados à habitação.

A ideia neoclássica de equilíbrio, ainda que como tendência, não é capaz de explicar as

transformações e flutuações do mercado imobiliário inglês. É insuficiente supor que as

flutuações de preços imobiliários recentes no país, por exemplo, podem ser atribuídas a

pequenos ‘distúrbios’ no mercado e que no longo prazo o equilíbrio é gerado novamente. Isso

incorre na ideia de que o papel das políticas públicas habitacionais é meramente exógeno e sem

relevância em uma análise mais geral.

Acreditamos que, por meio da análise crítica heterodoxa, conseguimos extrair elementos

capazes de mediar as explicações sobre as altas dos preços imobiliários no Reino Unido a partir

dos anos 1970. A primeira delas se encontra no fato de o imóvel passou a ser visto como um

93 Global Property Guide.

Page 92: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

92

meio de acúmulo de riqueza, de tal modo que não cabia mais ao Estado a “obrigação” de

provisão. Neste sentido, o país elegeu uma primeira-ministra que deu o impulso inicial de

privatizações, especialmente no âmbito habitacional (com as moradias que estavam vinculadas

às cooperativas locais e públicas), com a justificativa de tornar o mercado mais desregulado e

“livre”. Além disso, as transformações no sistema financeiro mundial foram extremamente

relevantes na dinâmica dos preços imobiliários no país, especialmente porque o mercado

hipotecário se tornou mais desenvolvido e, pelas medidas implementadas posteriormente, mais

alavancado e instável, assim como descreveu Minsky, em relação ao comportamento das

economias. Ademais, a moradia passou a ser vista como um ativo financeiro e uma forma de

acumular riqueza, e não mais como um direito.

O ápice do aumento dos preços foi verificado na crise de 2008, na qual vimos muito

claramente o esquema ponzi elaborado por Minsky, e que afetou profundamente a dinâmica

econômica do país, devido ao forte processo de endividamento das famílias e queda dos

rendimentos. Sabemos que o Reino Unido enfrenta uma série de problemas devido ao baixo

estoque habitacional e que também interfere no preço. Esse encolhimento do estoque de

moradias, em especial as sociais, pode ser explicado, em grande medida, pelas próprias decisões

políticas destinadas à promoção da casa própria, a partir do right to buy.

Esse processo vai ao encontro da ideia proposta por Ball (1998) relativa às estruturas de

provisão (SoP’s), uma vez que, dada a visão liberal na economia, houve um direcionamento de

políticas macroeconômicas no sentido de ampliar a participação de empresas privadas na

provisão de moradias, tanto para venda como para locação; assim como, atender uma série de

interesses bancários e financeiros, em especial, nos anos 2000. Vimos, portanto, que as

consequências foram severas para a população, devido aos altos preços dos imóveis e às altas

taxas de inflação, que corroem cada vez mais a renda.

Baseados nos autores heterodoxos vistos no capítulo 1, entendemos que o Estado

condiciona determinados movimentos no mercado imobiliário, a partir de leis e políticas

públicas, e é capaz de alterar as expectativas e ações dos agentes. Para além do alto nível de

preço dos imóveis, a falta de políticas públicas e o afastamento do Estado no mercado

imobiliário tem provocado problemas cada vez mais sérios no Reino Unido, gerando impactos,

inclusive, na saúde da população.

Page 93: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

93

CAPÍTULO 3: PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS NO BRASIL: AUGE

E ‘DECLÍNIO’ DOS PREÇOS

A tarefa do economista – após dominar a ciência universal e o manejo

dos seus instrumentos – consiste em examinar, na própria vida,

como esses aspectos reagem sobre o outro; como essas construções

dúplices se comportam umas frentes às outras no complexo que é a

economia nacional; e como esta se comporta em suas relações

igualmente dúplices com o estrangeiro, pois confrontam formações

heteronômicas. Determinar as leis desse comportamento, eis a tarefa

que me propus e que proponho.

Ignácio Rangel

A partir do entendimento de questões teóricas levantadas no capítulo 1 e da observação

da dinâmica do mercado imobiliário no Reino Unido, tentaremos, ao longo desta última parte,

tratar dos principais elementos que ditam o movimento geral dos preços dos imóveis no Brasil.

Para mostrar essas questões, dividimos este capítulo em 3 partes. A primeira delas abrange, de

forma resumida, o período de implementação do BNH, marcado pelo primeiro impulso de

aumento dos preços, até o final da década de 1990 – marcada pelas altas taxas de juros e

valorização de outros ativos, que não os imóveis.

Na segunda parte, tentamos expor os principais pontos de inflexão, tanto conjunturais

como macroeconômicos, que foram capazes de alterar a lógica de consumo, de renda e do

acesso à moradia no país. Por fim, na última seção, trataremos, especificamente, dos preços

imobiliários no Brasil, a partir do ponto de vista do imóvel como um ativo capaz de gerar uma

série de distorções, especialmente, em um cenário de crise econômica.

3.1. O PREÇO DOS IMÓVEIS NO BRASIL: DO BNH AO ANOS 90

As observações dos movimentos dos preços dos imóveis, entre os anos 1960 e 1990 são

bastante escassas no Brasil. De todo modo, tentaremos explicitar nesta seção as tendências neste

período, assim como, contextualizar o leitor historicamente – a partir de 1964 –, já que

entendemos que houve aí um ponto de inflexão na política habitacional que alterou

profundamente a dinâmica do mercado imobiliário.

Neste período, como amplamente conhecido, durante o regime militar, foi criado o

Banco Nacional da Habitação (BNH), como uma resposta do governo à crise de moradia que o

país enfrentava, em um momento de forte urbanização, buscando:

Page 94: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

94

[...] por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era

uma das principais bases de sustentação do populismo afastado do poder e, por outro,

criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes

capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por

prevalecer (BONDUKI, 2008; p. 73).

No mesmo período, foi criado, ainda, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e

instituiu-se o mecanismo de correção monetária; este último com o intuito de conter o processo

de desvalorização da moeda brasileira, alongar o prazo de pagamento da dívida pública

mobiliária, via criação dos títulos de dívida pública – Obrigações Reajustáveis do Tesouro

Nacional (ORTN) – e garantir a aplicação de correção monetária aos contratos imobiliários de

compra, de venda e de aluguéis94.

De acordo com Mioto (2015), o período foi marcado por um protagonismo dos Estados

em toda América Latina. O arranjo institucional e estatal que vinha se formando foi capaz de

alterar a estrutura produtiva do país e ampliar setores que antes tinham pouco espaço na

indústria de bens de capital, como é o caso da construção civil. Além disso, como aponta Bolaffi

(1975), a intenção do governo militar, ao criar mecanismos de apoio à política habitacional, era

controlar a economia do país, que se afundava em uma crise. Em 1964, por exemplo, a inflação

do país atingiu o patamar de 81% a.a95.

Deste modo, o sistema em torno do BNH conseguiu superar os limites que a própria

crise inflacionária impunha ao seu pleno funcionamento. Isso, porque os recursos que seriam

utilizados para a viabilização da política habitacional eram não-inflacionários – via captação do

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)96, criado em 1966.

O sistema engendrado em torno do BNH conseguiu superar o impasse por meio de

uma fórmula que canalizaria para a construção civil recursos gerados no próprio setor

privado. Ao mesmo tempo, o setor privado foi liberado do ônus para o qual os recursos

absorvidos eram destinados (BOLAFFI, 1975; p. 70).

Royer (2009) apresenta a ideia de que todo o sistema que foi montado em torno do BNH

foi desenvolvido a partir de 1965 e, principalmente, para atender aos interesses do setor da

construção civil e com uma concepção financista. Isso porque, o governo instituiu uma série de

medidas de incentivos tributários, como isenção de IPI a produtos do setor. Ademais, o Banco

Central autorizou sociedades de crédito e de financiamento a atuarem, também, como

94 EGLER, 1985. 95 CONTADOR, C.R. Mercado de ativos financeiros no Brasil, 1974; p. 37. 96 “O FGTS é um fundo financeiro formado pela contribuição mensal de empregadores aos seus empregados

mediante depósito de 8% das remunerações em conta vinculada, de natureza privada e sob gestão pública,

conformando uma poupança compulsória do trabalhador que o empregador recolhe na fonte” (ROYER, 2009; p.

50).

Page 95: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

95

sociedades de crédito imobiliário. Esta última medida incentivaria uma expansão da captação

de poupança e empréstimo na economia a partir da criação de funding, especialmente após a

introdução das Cadernetas de Poupança, em 1967. De todo modo, para a autora, foi o FGTS o

instrumento capaz de dar maior impulso aos recursos de operação do BNH.

De acordo com Egler (1985):

[...] a partir de 1966, com a criação de um fundo compulsório sobre salários (FGTS)

sob gestão do BNH e com a introdução das cadernetas de poupança, como instrumento

de captação de recursos para o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE),

remunerando o depositante com juros anuais de 6% além da correção monetária; o

SFH passa a dispor de um volume de recursos capaz de acelerar o crescimento da

construção civil no Brasil (EGLER, 1985; p. 127).

A questão do incentivo à construção civil vai ao encontro da ideia proposta por Fix

(2011). O modelo adotado pelo BNH, segundo a autora, foi o da casa própria, com uma

semelhança ao modelo dos EUA e bem diferente daquele adotado na Inglaterra, via aluguel,

como visto no capítulo dois. Esse paralelo no modelo adotado nos permite entender que a

adoção da casa própria como mecanismo de superação dos problemas de moradia, na verdade,

corresponde à concepção de dinamizar o setor da construção civil em um momento de crise, a

partir da criação de novas residências97.

Para dar suporte às políticas em um cenário de crise, o SFH foi de extrema importância,

pois com ele foi possível que houvesse uma distribuição dos riscos de pagamento dos

mutuários, através de um sistema de seguros e da criação de fundos financeiros específicos, a

fim de evitar flutuações nos empréstimos e depósitos98. Essa dinâmica permitiu que se

desenvolvesse uma estrutura de hipotecas em que o empréstimo habitacional do mutuário

estivesse lastreado no próprio imóvel financiado e, como dissemos acima, era corrigido

anualmente, de acordo com a inflação e com os juros correntes.

Além disso, o SFH reunia instituições públicas e privadas na captação de poupanças

para estes empréstimos habitacionais. Segundo Fix (2011) “com o SBPE, a média anual média

anual de habitações financiadas pelo SFH como um todo passou de 27.047 no biênio 1965/1966,

para 134.940, no período entre 1967 e 1970 – aumento de 399%” (p.94).

Esse processo afetou a dinâmica dos preços da terra urbana no Brasil, que viu uma rápida

valorização dos imóveis. Podemos observar na tabela 2 abaixo, a média dos preços dos imóveis

97 As residências criadas ora eram direcionadas às faixas de renda mais baixa, ora às mais altas. De todo modo,

segundo Royer (2009), foram as faixas de renda médias e mais elevadas que foram as maiores beneficiadas do

programa habitacional do regime militar. 98 EGLER, 1985; p. 128.

Page 96: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

96

urbanos no município de São Paulo entre os anos 1960 e 197099 e percebemos que houve uma

valorização imobiliária crescente e acima da inflação do período. Em 1978, já com uma crise

iminente do BNH, é que percebemos uma queda nos preços dos imóveis. Importante destacar

que, quando trazemos os dados do preço médio dos terrenos a preços de 2018, percebemos que

a variação é bem alta, talvez devido à alta taxa de inflação do período. O crescimento dos preços

em 1972, quando comparado a 1966, foi de quase 300%. Se compararmos o final da série –

1978 – com o ano de maior alta, vemos que os preços caíram 46% em comparação a 1972.

TABELA 2: PREÇO MÉDIO DO M² DOS TERRENOS EM SÃO PAULO, EM CRUZEIROS (A PREÇOS CORRENTES DE

1975) E EM REAIS (A PREÇOS CONSTANTES DE 2018, DEFLATOR IMPLÍCITO INCC)

ANO Média dos preços dos terrenos de São

Paulo, em cruzeiros de 1975 Média dos preços dos terrenos de

São Paulo, em reais de 2018

1966 368,39 39,77

1968 391,61 46,56

1970 655,54 134,47

1972 800,22 155,19

1974 866,14 104,16

1976 983,15 64,41

1978 813,78 84,48

Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos de Coordenadoria Geral de Planejamento do Município

de São Paulo apud EGLER (1985; p. 128)/IPEADATA

Uma questão sobre a valorização dos imóveis no período é a de que, ao concentrar a

produção e financiamento das residências em famílias com renda média e alta100, a elevação

dos preços imobiliários se concentrou em casas que atendessem a esse padrão de renda,

especialmente no período que conhecemos como Milagre Econômico101.

Se cruzarmos os dados dos preços dos terrenos com os de salário mínimo vigente,

veremos exatamente onde esteve concentrada a maioria das moradias financiadas – dada a

99 É importante dizer que no Brasil, até o início dos anos 2000, a falta de dados do mercado imobiliário era latente.

Portanto, procuramos fazer estimativas e comparações com os dados disponíveis no período analisado. 100 Fix (2011) aponta que entre 1969 e 1974 o BNH se afastou do financiamento de imóveis populares, devido às

limitações que o próprio funcionamento do sistema de crédito. “O aumento do crédito e da escala de produção, no

caso da habitação, pode gerar a elevação do custo unitário, diferentemente de outros setores. O encarecimento dos

terrenos dificultou a aquisição de terras com condições mínimas de aproveitamento” (p. 101). 101 O milagre econômico caracterizou-se pelas maiores taxas de crescimento do PIB – cerca de 10% ao ano –, com

relativa estabilidade de preços. Este desempenho foi em decorrência das reformas institucionais e a recessão do

período anterior, que geraram uma capacidade ociosa o setor industrial e as condições necessárias para a retomada

da demanda. Para aprofundar o assunto ver: MELLO, J.M.C.; BELLUZZO, L.G.M. Reflexões sobre a crise atual.

Campinas, IE/Unicamp, 1998.

Page 97: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

97

variação de ambos. Enquanto os preços dos terrenos de São Paulo cresceram 290% entre 1964

e 1986, o salário mínimo decaiu 54,5%102.

FIGURA 6: EVOLUÇÃO DO PREÇO DO METRO QUADRADO DE TERRENOS E DO SALÁRIO MÍNIMO, SÃO PAULO, 1959-1991

Fonte: Extraído de KOWARICK e CAMPANÁRIO (1994) apud SILVA (1997, p. 83).

Tal como os preços dos imóveis, o valor médio dos financiamentos também teve um

aumento expressivo, como podemos observar na figura 7, extraída de Egler (1985). O valor

médio unitário dos financiamentos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE)103

teve uma variação real de 361% entre 1968 e 1974 e o total de unidades financiadas aumentou

28% no mesmo período. Interessante observar que 1976 foi o ano em que se teve o maior

número de unidades financiadas, mas o valor médio unitário não aumentou em comparação a

1974 – talvez explicado pelo fato de que a partir de 1976 os preços caíram 38% em relação ao

período de maior alta, como visto na tabela 2.

102 Informações extraídas de SILVA, 1997. 103 O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) foi criado neste período do Regime Militar, como

uma parte do BNH e do SFH, como um fundo que captação de recursos. Conforme define Royer (2009, p. 52): “o

Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo era composto pelo próprio BNH, que exercia papel de órgão central

do sistema, pelas carteiras imobiliárias das caixas econômicas, federal e estaduais, sociedades de crédito

imobiliário e associações de poupança e empréstimo. Sua implantação ocorreu paralelamente à estruturação do

SFH e do próprio mercado de capitais no país. Até hoje se pode considerar o SBPE como um subsistema ou um

sistema auxiliar do SFH”.

Page 98: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

98

TABELA 3: VALOR MÉDIO DOS FINANCIAMENTOS DO SBPE – 1968/1978

ANO Nº de

habitações, em mil unidades

Média dos financiamentos do

SBPE, em mil cruzeiros de 1975

Média dos financiamentos do SBPE, em milhões

reais de 2018

Valor médio unitário dos financiamentos

do SBPE, em mil cruzeiros de 1975

Valor médio unitário dos financiamentos

do SBPE, em mil reais de 2018

1968 47 6.384 759 135,8 16,1

1970 72 12.753 2.616 177,0 36,3

1972 67 28.332 5.495 422,8 82,0

1974 60 31.145 3.746 619,1 74,5

1976 109 32.704 2.143 300,0 19,7

1978 56 20.016 2.078 357,4 37,1

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BNH – relatórios anuais apud EGLER (1985; p. 129)/ IPEADATA.

Vemos, portanto, que desde o BNH os fundos públicos têm sido utilizados na provisão

habitacional no Brasil, a partir de um processo de ampliação dos financiamentos – processo

este que afetou a dinâmica dos preços imobiliários. A formação de um capital financeiro para

o setor imobiliário pode ter como consequência, de um lado, a dinamização do mercado e, de

outro, o alijamento das pessoas que não podem participar das políticas habitacionais desse

mesmo mercado. Essa questão é um paradoxo, pois a política pode piorar a situação

habitacional de quem está fora dela.

Crise dos anos 80

A partir dos anos 1980, no entanto, houve uma reversão no quadro de crescimento

econômico no Brasil. Esse resultado foi em decorrência do choque de juros, em 1979, praticado

pelos EUA como forma de retomar a diplomacia do dólar forte (já abordado e explicado no

capítulo 2); além do 2° choque do petróleo, que refletiu em um aumento da inflação e

desequilíbrios na balança comercial, resultados da conjuntura recessiva internacional. Em 1982,

a situação econômica se agravou mais ainda devido à diminuição dos fluxos financeiros

internacionais, decorrente da moratória do México e do colapso do mercado financeiro mundial,

levando à diminuição de empréstimos e reservas em moeda estrangeira para o Brasil.

Esse cenário de instabilidade externa e interna, com exportações prejudicadas,

desequilíbrios do balanço de pagamentos (via balança comercial e conta financeira) e com o

agravamento do problema da inflação – além do aumento dos juros – criaram as condições para

a primeira recessão brasileira no pós-guerra. A taxa de crescimento do PIB diminuiu

consideravelmente e o desemprego formal aumentou (devido à queda em 10% da produção

industrial) – “uma queda sem precedentes da atividade econômica” (TAVARES e ASSIS, 1986;

p. 77).

Page 99: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

99

É importante salientar que nesse período as taxas de juros domésticas também se

instabilizaram profundamente. Segundo Belluzzo e Almeida (2002), isso decorria do fato de

que essa variável era condicionada ora com pretensões de retomar o crescimento, ora com o

objetivo de equilibrar as contas externas. Esse movimento instável das taxas de juros e da

inflação gerou um problema adicional: o risco de crédito aumentou para emprestadores e

tomadores, uma vez que a correção monetária não acompanhava a evolução dos preços, em

razão das variações nos índices de inflação; o que acabou comprometendo a utilização da

indexação para o sistema bancário e o padrão de financiamento que o país se baseava nos

períodos anteriores.

Ou seja, com a economia em crise, alto desemprego e arrocho salarial, o padrão de

financiamento do mercado imobiliário via SFH se tornava cada vez mais inviabilizado. Este

cenário agravou a capacidade de pagamento das parcelas dos financiamentos dos mutuários,

aumentando consideravelmente a inadimplência, em um processo de aceleração da inflação,

que chegou ao patamar de 100% a.a., em 1980, e de quase 200%, em 1983.

As altas taxas de inflação no período fizeram com que os preços dos imóveis se

desvalorizassem continuamente, já que o saldo devedor dos mutuários era maior do que o preço

de mercado dos imóveis – que era, como já dissemos, a própria garantia do financiamento. Ou

seja, a indexação das dívidas imobiliárias fez com que estas fossem muito mais elevadas do que

a valorização dos imóveis.

Se abstrairmos este cenário para a teoria, perceberemos que a economia brasileira se

comportava, em alguma medida, como no ciclo minskiano. Isso porque o aumento de preços

dos imóveis só foi possível devido ao ciclo de expansão econômica, marcado pelo Milagre

Econômico. Esse aumento dos preços veio acompanhado de um aumento expressivo no volume

de empréstimos no mercado imobiliário. No momento em que há uma reversão do quadro de

expansão econômica, somado a um cenário de alta inflação, a tendência de alta dos preços caí,

há aumento das taxas de juros dos empréstimos, gerando um descasamento entre ativos e

passivos e expandindo a inadimplência e diminuindo a oferta de crédito.

Royer resume esse período de crise no SFH da seguinte forma:

Em 1983, com o recrudescimento da inflação, o reajuste das prestações foi feito com

80% da variação do salário mínimo (uma das opções oferecidas aos mutuários), índice

sem relação com que foi aplicado aos saldos devedores, gerando um descasamento

importante entre o ativo e o passivo do financiamento. Em 1985, os saldos devedores

foram corrigidos em 246%, creditado aos detentores de contas de poupança e do

FGTS, enquanto as prestações foram reajustadas em 112%. Em 1986, por conta do

Plano Cruzado, as prestações foram convertidas para a moeda então criada, o cruzado,

pelas medias aritméticas das prestações dos seis ou doze meses anteriores a março de

1986, atingindo a totalidade dos contratos (ROYER, 2009; p. 58).

Page 100: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

100

Para Royer (2009), o descasamento dos indexadores das dívidas e encargos foram

centrais para o desmoronamento do funcionamento do SFH. Segundo Eloy et al. (2012), por

outro lado, o estopim para o fim do BNH em 1986 foi justamente a saída encontrada pelo

governo em meio à crise: o incentivo à liquidação das dívidas via descontos de 25%. Este

incentivo chegou a 100% de desconto sobre o saldo devedor, e gerou um crescente desequilíbrio

na operação do BNH, culminando em sua extinção – apesar de viabilizar a manutenção dos

imóveis pelas famílias que conseguiam liquidar os empréstimos (no caso, as de renda mais

elevada).

Essa nova ordem de subsídios não produziu novas unidades ou novos acessos ao

crédito, mas impediu uma crise imediata no SFH, no mercado imobiliário e na

economia, de modo geral, à medida que viabilizou às famílias a manutenção de seus

imóveis e quitação de seus contratos. Ademais os subsídios eram oferecidos de forma

universal, e portanto, beneficiaram sobremaneira os mutuários de renda mais alta

(ELOY et.al.; 2012; p. 4).

De todo modo, percebemos nos anos 1980 uma profunda desarticulação do sistema

financeiro que deu base ao financiamento habitacional nos anos anteriores, seja pela questão

econômica, com as altas taxas de inflação e de juros, seja pela política104. Essa total

desarticulação afetou o cenário dos preços dos imóveis pelas décadas seguintes, que se

apresentavam mais baixos que as décadas anteriores, mas, os imóveis ainda eram restritos à

uma camada da sociedade que detinha uma renda mais elevada.

No entanto, uma questão relevante neste contexto é o fato de que as empresas do setor

de construção civil saíram “fortalecidas” do ciclo de estruturação e crescimento do modelo

BNH. Conforme aponta Mioto (2015), esse fortalecimento se deu de duas maneiras: a primeira

pelos investimentos estatais e associações patronais consolidadas, que garantiram uma maior

acumulação de capital; e pelo processo de concentração e centralização do capital, que

aumentavam a capacidade de capital de giro via sistema financeiro. Deste modo, “mais do que

a acumulação na órbita da produção, os ganhos especulativos em relação à terra acabaram por,

muitas vezes, fundir o construtor com o proprietário ou relegar a construção em si para empresas

menores” (MIOTO, 2015; p. 62). Vemos, portanto, que o momento foi marcado por uma

articulação profunda entre uma série de agentes no mercado imobiliário, que corrobora para as

teses dos autores institucionalistas sobre a existência de determinados agentes que possuem

informações privilegiadas e relações com outros agentes que podem favorecer suas tomadas de

decisão, como vimos no capítulo 1.

104 Segundo Bonduki (2008; p. 75), “ao final dos anos 1980, o BNH havia se tornado uma das instituições mais

odiadas do país”.

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101

Durante o final dos anos 1980 até o início dos anos 1990, a economia brasileira agravava

ainda mais o seu problema com o aumento do endividamento externo e as altas taxas de

inflação. Os governos tentaram, sem sucesso, estabelecer medidas de controle dos preços e da

dívida pública105 – entre 1987 e 1994 foram lançados sete planos de combate à inflação. A

consequência deste cenário era o baixo crescimento econômico, altas taxas de desemprego,

aumento do trabalho informal, desigualdade social, assim como, nenhuma política de incentivo

à habitação. Como podemos observar no gráfico 14, as unidades habitacionais financiadas pelo

SFH despencaram na década de 1980. Entre 1982 e 1983 houve uma queda de,

aproximadamente, 85% nos imóveis financiados.

GRÁFICO 14: UNIDADES HABITACIONAIS FINANCIADAS PELO SFH, 1964-2005

Fonte: BNH, Caixa Econômica Federal e Banco Central do Brasil/ Extraído de FGV (2007).

A partir de 1994, no governo Fernando Henrique Cardoso, com a implementação do

Plano Real, a tão almejada estabilidade da moeda foi alcançada com medidas de contenção

inflacionária – ainda que com um custo social e industrial elevado. Entre elas, podemos destacar

o congelamento dos salários por um ano; e o controle do câmbio, que ao valorizar-se diminui o

valor dos produtos importados e aumenta a concorrência no mercado interno. É importante

ressaltar que esses movimentos foram possibilitados pelo movimento de financeirização, que

representou a entrada de dólares nos países periféricos, inclusive no Brasil, viabilizando a

estabilização do câmbio e, consequentemente, dos preços106.

105 CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise. São Paulo: Editora Unesp, IE Unicamp, 2002. 106 As medidas adotadas, como é amplamente conhecido, impactaram em aumento dos juros e valorização do

câmbio, devido à própria entrada dos capitais especulativos, resultando em aumento da dívida interna e externa.

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102

O fim da inflação foi resultado da fixação do câmbio, o que possibilitou que os preços

dos produtos importados barateados estabelecessem um teto para o mercado nacional e, por

conseguinte, fez com que as empresas nacionais tivessem que baixar seus preços devido à

concorrência, dado o cenário de abertura comercial e financeira. Entretanto, os custos da

estabilização foram cobrados na reestruturação produtiva, nas contas externas, no forte

crescimento da dívida pública (mesmo com o forte aumento dos impostos e a arrecadação com

as privatizações) e, consequentemente, nos fatores sociais.

A queda da inflação somada às privatizações (justificadas, segundo o consenso

econômico liberal, pela baixa eficiência do Estado na condução das empresas estatais107) e à

quebra de muitas empresas privadas – devido à adoção de âncora cambial (juros elevados e

câmbio valorizado) – resultaram em uma redução expressiva do mercado formal de trabalho

brasileiro na década de 1990, como visto na tabela abaixo – o que impossibilitaria, ainda mais,

o financiamento habitacional às famílias, especialmente as de baixa renda.

TABELA 4: GRAU DE FORMALIZAÇÃO DO TRABALHO E

COMPOSIÇÃO SETORIAL DA OCUPAÇÃO NÃO AGRÍCOLA – BRASIL: 1989 E 1999.

Setor de Atividade Grau de Formalização

1989 1999

Indústria de transformação 72,5 62,9

Comércio de Mercadorias 40,6 33,7

Serviço doméstico - -

Construção civil 36,8 20,6

Educação 79,9 75,0

Administração pública 88,1 82,2

Alojamento e alimentação 29,1 27,4

Transporte 60,8 43,4

Serviços auxiliares 51,7 38,9

Reparação e manutenção 20,2 18,2

Outras atividades 78,8 56,8

Serviços pessoais 8,8 8,0

Saúde 73,8 72,1

Serviços domiciliares 50,9 67,0

Outras atividades sociais 62,4 62,1

Outras atividades industriais 74,8 74,4

Serviços de diversão 42,7 33,3

Comunicações 97,3 83,5

Total 51,9 42,7

Fonte: IBGE - PNAD/ Extraído de BALTAR (2003).

107 Conforme vimos no capítulo 2, o movimento de liberalização do mercado de trabalho e das demais esferas do

Estado foi marca do período na dinâmica mundial.

Page 103: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

103

Deste modo, as políticas habitacionais ficaram relativamente estagnadas. Se em um

cenário anterior do BNH as famílias mais pobres não foram as mais beneficiadas com a

ampliação do número de moradias, no contexto dos anos 1990 essa situação foi ainda mais

agravada. De acordo com Castro (1999) apud Royer (2009), os recursos à habitação no período

foram tratados de forma clientelista e assistencialista.

A partir de 1995, os financiamentos à habitação via FGTS retomaram, mas

incorporaram novas regras de funcionamento, como o conceito de descentralização do governo

federal, que passou o controle sob a política urbana e habitacional para os governos locais108.

As novas políticas de habitação local foram direcionadas, segundo Fix (2011), para o Pró-

moradia (programa destinado às famílias de até 3 salários mínimos), para o Habitar-Brasil, para

a Carta de Crédito – voltada para financiamento de famílias com renda de até 12 salários

mínimos – e, para o financiamento para construtoras – programa de Apoio à Produção.

Uma nova linha de financiamento rompe, no entanto, com o paradigma anterior,

segundo Arretche: o Programa Carta de Crédito Individual, o qual, dirigido à

população de até 12 salários mínimos, concedia o financiamento diretamente ao

mutuário final, para que este adquirisse moradia nova ou usada, construísse ou

reformasse sua casa.

Entre 1995 e 1998, a rede de empresas públicas de habitação recebeu 28% dos

recursos do FGTS por meio do Programa Pró-Moradia e Carta de Crédito Associativo

e os outros 76% foram destinados majoritariamente à aquisição de imóveis usados.

Desse modo “... via gestão seletiva das linhas de crédito, ocorreu uma inflexão

significativa na política habitacional: de um modelo centrado no financiamento à

produção de habitações novas, e assentado em uma rede de prestadoras públicas, para

um modelo centrado no financiamento ao mutuário final e, particularmente, destinado

à aquisição de imóveis usados” (ARRETCHE apud FIX, 2011; p. 123).

Entretanto, de acordo com Royer (2009), o programa Habitar-Brasil e o Pró-moradia

foram os que tiveram o menor número de contratações. Fato este que pode ser explicado pela

baixa capacidade de pagamento do governo, que se deteriorava ainda mais com o Consenso de

Washington109 e em um contexto de expressiva alta da dívida pública, que comprometia a

capacidade do Estado em direcionar recursos para muitos setores, prejudicando ainda mais as

políticas habitacionais.

108 Fix (2011) 109 A aplicação do receituário do Consenso de Washington nos anos 1990 se refere, segundo Williamson (1992),

à disciplina fiscal, disciplina nos gastos públicos, reforma fiscal, liberalização do financiamento e do comércio,

taxa de câmbio unificada a um nível competitivo, incentivo aos investimentos externos diretos via redução de

barreiras, privatização e direito da propriedade. Segundo o economista, em relação aos gastos públicos, é

necessário “enxugar” a máquina administrativa pública e redirecionar esses gastos, considerados como “elefantes

brancos”, para outras áreas. Deve-se haver, ainda, aumento da base tributária e corte das taxas tributárias marginais,

de tal modo a se ter uma reforma fiscal. A liberalização do financiamento – com uma taxa de juros positiva e

moderada, a fim de se obter juros determinados pelo mercado – e a liberalização do comércio (redução de tarifas

a 10%) servem como justificativas para aprimorar o comércio e relação entre os países.

Page 104: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

104

É importante acrescentar que, devido às altas taxas de juros aplicadas, outros ativos se

tornaram mais importantes e atraentes para investimentos do que a habitação, uma vez que,

como vários títulos estão lastreados à taxa de juros, em caso de aumentos desta última variável,

os investidores migrarão para outras formas de obtenção de maiores rentabilidades. Como a

taxa de juros SELIC estava muito elevada – em 1995 ela chegou a 53% a.a. –, a rentabilidade

de algumas aplicações financeiras aumentou consideravelmente nos anos 1990, como é o caso

dos fundos de investimento em ações, conforme podermos ver no gráfico 15. No caso da

variação dos preços dos imóveis, que consideramos aqui a cidade de São Paulo, no mesmo

período (1995 a 2004), ela não sofreu grandes variações. Sabemos que incorremos no risco de

não estarmos refletindo o país ao utilizarmos os dados de São Paulo, mas, dada a falta de

informações, acreditamos que a cidade pode nos apontar caminhos por ela possuir um dos

mercados mais dinâmicos do Brasil. Interessante observar que, mesmo com o ataque

especulativo do real, em 1998, os preços de São Paulo não sofreram queda, mas no caso das

aplicações, houve uma mudança de portfólio, dado esse novo cenário econômico.

GRÁFICO 15: RENDIMENTOS REAIS DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS E VARIAÇÃO DO ÍNDICE FIPEZAP*, EM

NÚMERO ÍNDICE (1995=100; DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), 1995-2004

Fonte: BACEN110/Elaboração própria

110 Banco Central do Brasil. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

550

1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4

EMN

ÚM

ERO

ÍND

ICE

Selic Poupança CDB IBOVESPA FIPEZAP Fundos de ações

* Índice FipeZap Histórico de São Paulo

Page 105: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

105

Percebemos que, se comparada aos outros ativos, a variação dos preços dos imóveis foi

bastante ‘estável’ no mercado mais dinâmico do país, justamente pela possibilidade de ganho

em aplicações que forneciam maiores rentabilidades, dada a taxa de juros. Como vimos em

Keynes, os detentores de riqueza avaliam uma série de elementos para compor sua carteira de

ativos e a taxa de juros é um dos mais importantes. Logo, neste cenário, o imóvel não era visto

como um mecanismo de aumento de rendimento pelos grandes investidores, o que talvez tenha

contribuído para um rebaixamento de preços nos anos 1990.

Frente a este cenário, foi criado, em 1997, o Sistema de Financiamento Imobiliário

(SFI), com o intuito de securitizar os créditos imobiliários e garantir uma maior “segurança”

aos contratos111, via Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras de Crédito

Imobiliário (LCI) e Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI)112. Este sistema passaria a captar

recursos no mercado que não dispunha de um funding, como era observado no SFH.

No entanto, de acordo com um estudo da FGV (2007), o SFI não teve sucesso no

financiamento habitacional, mas no comercial – via edificações, justamente pelas altas taxas de

juros das hipotecas. Um dos principais determinantes desse fato decorre justamente dos limites

que as famílias possuíam no sentido de realizar financiamentos, uma vez que a taxa de

desemprego era alta e o rendimento médio baixo.

Em 1999 foi criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que previa como

alternativa ao financiamento comum o arrendamento como forma de aquisição de um imóvel –

que pode ser entendido como o right to buy brasileiro, já que o Programa se constituiu na

ideologia da casa própria como meta final. De acordo com Fix (2011), o tomador do

arrendamento pagava parcelas mensais por 15 anos e ao final do pagamento é que se tornava,

efetivamente, proprietário do imóvel. Além disso, segundo a autora, o programa direcionava-

se à população de renda baixa: entre 3 e 6 salários mínimos. Entretanto, Bonduki (2008) aponta

que o PAR se destinou, majoritariamente, à população de renda média e mais elevada. De

acordo com o autor, “entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos recursos foram destinados a

famílias com renda superior a 5 SM, sendo que apenas 8,47% foram destinados para a

baixíssima renda (até 3 SM)” 113.

Esses dados vão ao encontro de nossa ideia de que, ainda com os poucos dados

existentes de preços imobiliários, entendemos que a década de 1990 foi marcada pela

111 Como observamos no capítulo 2, o processo de securitização no Reino Unido, assim como nos EUA, foi bem

anterior ao verificado no Brasil, o que esclarece, mais ainda, a necessidade de uma análise específica ao caso

brasileiro. 112 FGV, 2007. 113 Bonduki (2008; p. 80).

Page 106: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

106

predominância de investimentos em ativos mais rentáveis que os imóveis, dadas às altíssimas

taxas de juros aplicadas no país – ainda que com o mercado imobiliário desaquecido.

De todo modo, nos cabe destacar que estes 40 anos foram marcados por dois momentos

distintos. O primeiro deles se refere a um movimento de certa regulação do Estado e de

participação ativa na provisão habitacional, a partir da instituição de uma série de mecanismos

para atender a uma demanda reprimida por moradia. No entanto, este movimento foi realizado

de tal maneira que, primeiro, as pessoas que tiveram acesso ao financiamento de moradias eram

pessoas da camada média da sociedade e, segundo, que o aquecimento do mercado imobiliário

e a própria dinâmica do SFH fez com que as pessoas mais pobres não conseguissem ter acesso

à habitação – dado o aumento dos preços dos imóveis e a relativa estagnação da renda.

O segundo momento é marcado pela forte crise econômica nos anos 1980, que

extinguiu, inclusive, o BNH e as principais formas de acesso à moradia no Brasil. Esse processo

levou à queda dos preços dos imóveis, fazendo com que os indivíduos que possuíam recursos

aplicados na poupança comprassem residências, que não acompanhavam a inflação. Essa

redução nos preços se prolongou até os anos 1990 – mesmo com a estabilização monetária. No

entanto, dadas as altas taxas de juros, mesmo com algumas políticas de incentivo, o mercado

imobiliário não se reaqueceu, uma vez que outros ativos, como títulos atrelados à dívida

pública, eram bem mais atraentes aos investidores e famílias com mais recursos, de tal modo

que mantiveram sua riqueza alocada sob a forma monetária.

Logo, nesses dois momentos, verificamos que não existe ‘poder’ do consumidor para a

determinação dos preços, ao contrário do preconizado pela teoria econômica dominante, uma

vez que, nesta abordagem os níveis de utilidade são idênticos para todos, de tal maneira que,

com um aumento da oferta, e dadas as restrições orçamentárias, os preços iriam cair e os

consumidores iriam migrar para a compra de imóveis – o que não ocorreu. Houve, na verdade,

uma série de interações do Estado com demais agentes, principalmente aqueles que detém o

capital, como investidores e o setor da construção civil, que foram capazes de alterar a lógica

de preços residenciais no país, o que nos aponta que o mercado é mais complexo que apenas a

interação entre oferta e demanda de indivíduos. Enquanto que em um momento histórico se

teve uma participação mais atuante no sentido de incentivar a provisão habitacional via

produção pelo setor da construção civil, em outro momento, com o dólar mais valorizado e com

um cenário econômico mais desgastado, vimos que os investidores mudaram suas carteiras de

ativos para outros que pudessem fornecer maiores rendimentos; além do “estrangulamento” do

orçamento das famílias, dada a queda do rendimento e do emprego no período.

Page 107: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

107

Nos anos 2000, no entanto, há uma reversão no quadro dos preços dos imóveis, que se

elevam consideravelmente e, inclusive, acima da inflação. Sobre estas questões,

aprofundaremos a análise na próxima seção.

3.2. CONJUNTURA, CICLO ECONÔMICO E PREÇOS IMOBILIÁRIOS NA DÉCADA DE 2000

Nesta seção tentaremos expor as principais mudanças no padrão econômico brasileiro,

em especial, nas políticas macroeconômicas e habitacionais, que alteraram a lógica de

financiamento e os preços dos imóveis.

Deste modo, dividimos esta seção em duas etapas: na primeira abordaremos os

principais pontos da conjuntura nacional e internacional e das políticas macroeconômicas que

possibilitaram o expressivo aumento do crédito e do consumo, assim como o crescimento

econômico entre 2002 e 2010. Já na segunda parte, resgataremos as principais medidas e

políticas habitacionais e as vincularemos ao cenário macroeconômico, a fim de entendermos os

pontos de ruptura e continuação de padrões no setor. Tendo em vista que a alocação da riqueza

depende das expectativas dos agentes e do rendimento esperado de uma ativo, como vimos no

capítulo 1, apontaremos os elementos capazes de alterar estas variáveis, como a própria atuação

do Estado via políticas públicas no setor imobiliário – que é bastante complexa – e as

transformações nos mercados financeiros, que são capazes de apontar as tendências de

aumentos nos preços.

A partir de uma visão do ‘todo’, pretendemos destacar os principais elementos

conjunturais, os agentes envolvidos e a lógica específica do setor imobiliário, que culminaram

no maior pico dos preços habitacionais da história do Brasil até hoje.

3.2.1 POLÍTICA E CICLO DE EXPANSÃO ECONÔMICA NOS ANOS 2000

Durante os anos 2000 o setor habitacional enfrentou um cenário bastante diferente do

observado na década de 1990. A partir do governo Lula (2003-2010), houve uma série de

medidas que impulsionaram o setor imobiliário brasileiro. É importante destacar, entretanto, o

contexto desse reordenamento e preocupação habitacional, já que a partir de 2004 começou-se

a perceber uma mudança no cenário internacional e nacional.

Ficou evidente na conjuntura do período o chamado “efeito China”. Desde 1978 a China

vinha apresentando altas taxas de crescimento econômico, puxadas por sua industrialização

Page 108: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

108

acelerada e pelas exportações. O aumento da renda no país asiático também acarretou mudanças

nos hábitos alimentares da população, expandindo também a demanda por alimentos. Além

disso, outra variável importante nesta análise é a formação de uma bolha no mercado de

commodities, alimentada pela especulação financeira, que elevou o preço desses produtos. A

produção do aço, por exemplo, cresceu significativamente ao longo dos anos no mundo,

acompanhando esse ritmo de crescimento da China e a consolidação do setor, que permitiu a

formação de grandes grupos internacionais. Apenas como elemento ilustrativo sobre a enorme

demanda de minérios da China, em 2008, a taxa de investimento da economia chinesa superava

os 40% do PIB, sendo 68% destes direcionados à área de infraestrutura. Esse investimento, no

acumulado ao longo dos anos 2000, foi um dos principais vetores para impulsionar o forte

processo de reversão dos preços das commodities e as mudanças nos preços relativos (entre os

bens manufaturados e não manufaturados).

Essa necessidade de importação de produtos primários e commodities pela China (e

outros países que também vinham crescendo) foi fator decisivo para expansão das exportações

brasileiras e consequentemente para o saldo comercial do Brasil que, em 2004, chegou a US$

33 bilhões, ainda que com forte aumento das importações. Nesse mesmo ano, o PIB cresceu

5,8% (como podemos observar no gráfico 16), mas motivado não só por uma ação planejada

do Estado, mas devido ao saldo comercial, aumento dos preços internacionais e seus efeitos

multiplicadores dentro do mercado nacional, além da expressiva redução da vulnerabilidade

externa do Brasil (problema que se mostrou uma constante ao longo da história do Brasil e da

América Latina).

Page 109: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

109

GRÁFICO 16: TAXA DE CRESCIMENTO REAL DO PIB E VAB CONSTRUÇÃO CIVIL*, BRASIL, EM %, 2000-2018

* Dados de 2017 e 2018 e a taxa de crescimento da Construção em 2000 referem-se às Contas Nacionais Trimestrais 4º

Trim./2018 Fonte: CBIC114/Elaboração própria

Além do crescimento expressivo do PIB brasileiro a partir de 2003, o setor da construção

civil também vinha ostentando significativos aumentos em suas atividades. Quando

observamos o Valor Adicionado Bruto (VAB) da construção civil – índice que mede a

contribuição dos produtos e serviços da construção para o PIB total – verificamos que neste

mesmo período o setor teve um crescimento muito expressivo em relação aos anos anteriores.

A taxa de crescimento real do VAB chegou, em 2010, a 13,1% a.a; e do PIB atingiu 7,5% a.a.

Essa taxa de crescimento significativa, tanto do PIB como do VAB da construção civil, talvez

possa ser explicada pelo aumento do consumo, puxado pela ampliação do crédito ao

consumidor e pelo aumento da renda. No caso do VAB, os dados do gráfico 16 nos mostram

que o setor da construção civil estava otimista em relação às perspectivas de obras em

infraestrutura e em imóveis devido ao cenário econômico favorável. Como observamos, o maior

pico de crescimento do VAB foi justamente no mesmo ano em que o PIB brasileiro teve a taxa

mais elevada da série.

Estes dados vão ao encontro das informações sobre taxa de investimento no país (relação

entre a formação bruta de capital fixo e PIB). Conforme podemos observar, em especial, a partir

114 Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Disponível em: http://www.cbicdados.com.br/home/

-10%

-8%

-6%

-4%

-2%

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

14%

PIB - Brasil CONSTRUÇÃO CIVIL - VAB

Page 110: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

110

de 2005, há elevação do patamar de investimento no país, que saiu da marca de 16,6% em 2003

para 20,53% em 2010.

GRÁFICO 17: TAXA INVESTIMENTO, BRASIL, EM %, 2000-2016

Fonte: SCN-IBGE/Elaboração própria

Como vimos no capítulo 1, os investimentos têm papel central nas economias, por seu

caráter dinamizador e por ser chave em processos de transformações industriais e econômicas

de longo prazo. No caso brasileiro, a partir de 2006, além dos investimentos privados, os

investimentos públicos foram centrais para uma orientação de crescimento econômico e, em

consequência, para o mercado imobiliário.

15,0

16,0

17,0

18,0

19,0

20,0

21,0

22,0

2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 2 0 1 5 2 0 1 6

EM %

Page 111: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

111

GRÁFICO 18: INVESTIMENTOS PÚBLICOS, BRASIL, EM %, 1995-2015

Fonte: Extraído de Orair, 2016; p. 15.

Conforme Orair (2016) aponta, os investimentos públicos chegaram ao patamar de 4,6%

do PIB, em 2010. Podemos observar, a tendência de crescimento desta variável foi percebida

em todas as entidades públicas, justificada pelo autor como consequência de um direcionamento

do governo, no sentido de “reassumir seu papel no planejamento estratégico” do país,

consolidado na “formulação de programas estratégicos e na retomada de grandes projetos de

investimentos” (ORAIR, 2016; p. 17).

A partir da percepção de que o processo neoliberalizante dos anos 1990 não surtiu os

efeitos esperados na cadeia produtiva e competitividade industrial, Orair (2016) afirma que

houve uma reconcentração setorial do investimento, de tal modo a sanar os gargalos que o

processo anterior impôs.

Mais do que mera transferência de responsabilidades à iniciativa privada, houve

reconcentração setorial e reconfiguração das articulações entre investimento público

e investimento privado, cabendo ao Estado, em conformidade com esse diagnóstico,

assumir uma posição mais pragmática para promover a retomada dos investimentos,

via intervenção direta ou indireta, por meio de arranjos remodelados com o setor

privado, nos quais as empresas, bancos e fundos públicos desempenhariam papel

proeminente (ORAIR, 2016; p. 17).

Além dos investimentos, a ampliação do consumo é extremamente importante para

nossa análise. Algumas razões conseguem explicar essa questão. A primeira delas foi a adoção

do crédito consignado – que se refere a um empréstimo aos aposentados e funcionários

públicos, descontado diretamente na folha de pagamentos, com taxas muito menores que as do

mercado – como forma de financiamento ao consumo. A segunda causa foi a política de

Page 112: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

112

depósito compulsório da poupança, na qual 6% do que era depositado na poupança seria

destinado às reservas compulsórias dos bancos. Como para os bancos as reservas compulsórias

não são interessantes, o governo deu a eles a opção de que estes 6%, ao invés de irem para as

reservas, fossem destinados ao financiamento automotivo e imobiliário de pessoas físicas. Isso

ajudou a impulsionar o crédito e o consumo.

Se observarmos os dados de consumo das famílias, veremos que esta variável cresceu

significativamente durante os anos 2000. O alto consumo, como sabemos na economia,

dinamiza os setores, garantindo um maior crescimento do país. Por conta do crescimento da

massa salarial, principalmente de setores com renda mais baixa, houve a possibilidade de um

novo arranjo de ampliação do consumo das famílias, que cada vez mais demandavam moradia

e bens duráveis, criando o que alguns economistas denominaram de ciclo virtuoso, marcado

significativamente pelo aumento do crédito. A ampliação do crédito veio acompanhada de uma

política de taxa de juros mais baixa que a da década de 1990, que impulsionou as instituições

financeiras à concessão de empréstimos de longo prazo, como o habitacional. Sigolo (2014),

aponta que este processo aumentou o “interesse de investidores, que começaram a se direcionar

para o setor imobiliário, antes preterido por outros ativos financeiros mais rentáveis, sobretudo

os títulos da dívida pública” (p.71).

Em 2006, com a saída do Ministro da Fazenda Antônio Palloci e a entrada de Guido

Mantega, percebemos uma alteração do padrão das políticas econômicas e adoção de medidas

intencionais para promoção do crescimento econômico do país. Apesar da manutenção do tripé

de política macroeconômica (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário), no

segundo mandato de Lula pretendeu-se acumular reservas internacionais, permitindo um maior

raio de manobra para lidar com a possibilidade de fuga de capitais e com variações cambiais.

Ademais, criou-se uma política de valorização do salário mínimo, na qual o reajuste se dava a

partir da média da variação do PIB dos dois anos anteriores somada ao repasse da inflação do

ano anterior; política esta que permitiu um aumento do poder de compra da população mais

pobre e a elevação do consumo.

O cenário internacional e adoção destas políticas no âmbito interno fizeram com que o

país tivesse um aumento expressivo do PIB, que passou de 1,1% em 2003, para 6,1% em 2007.

A estrutura de emprego e renda também se alteraram profundamente. Segundo dados do IBGE,

entre 2006 e 2007 houve a expansão de 1,5 milhão de novos postos de trabalho, equivalente a

1,6% do número de ocupações no período. Além disso, houve uma melhora nas condições de

Page 113: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

113

trabalho, respondidas pelo aumento da formalização – aumento de 4,3%, em 2007 e do

crescimento real dos rendimentos dos empregados – 13,5%, em 2007.

A valorização do salário mínimo somada à formalização do mercado de trabalho

aumentou consideravelmente a massa salarial dos trabalhadores e, como consequência, as

contribuições para o FGTS e a poupança também tiverem ampliação expressiva.

GRÁFICO 19: EVOLUÇÃO SALÁRIO MÍNIMO, BRASIL, EM R$, A PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2002-2018

Fonte: IBGE115/IPEADATA116/Elaboração própria

Com a crise financeira de 2008, explorada no capítulo anterior, surgiu a percepção no

governo sobre a necessidade de estimular a economia, uma vez que, com a redução da

confiança, os bancos privados diminuíram seus empréstimos e as empresas interromperam suas

produções e começaram a demitir funcionários.

A fim de combater a crise, a partir de 2009, a taxa de juros caiu de 13,65%, em janeiro,

para 8,65% a.a., em agosto de 2009. Ademais, o governo adotou medidas focadas no estímulo

ao consumo via redução de impostos, com a ampliação de crédito ao consumidor por bancos

públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), com a redução do superávit primário e

aumento do gasto público por meio de subsídios para infraestrutura (PAC); além da adoção de

políticas de capitalização do BNDES para investimentos privados de longo prazo e de política

de desvalorização cambial. Como o governo brasileiro já vinha pautando seu crescimento no

consumo, esta medida se fazia necessária para que a economia voltasse a se dinamizar.

115 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/home/ 116Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx

R$ 80

R$ 180

R$ 280

R$ 380

R$ 480

R$ 580

R$ 680

R$ 780

R$ 880

R$ 980

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

EM

R$

Page 114: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

114

Ainda neste contexto de crise financeira mundial e necessidade de estímulo à economia,

o governo Lula antecipou o lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), em

2009, previsto como “carro-chefe” para o lançamento de campanha de Dilma Roussef, em 2010.

Considerou-se o programa, pois ao ter a construção civil como lócus, sabia-se que este é um

dos setores com maior capacidade e alcance de se criar demanda efetiva e emprego. Logo, uma

taxa de juros baixa seria um atrativo cada vez maior para que as famílias adquirissem imóveis.

Se observarmos os dados de crédito direcionado, perceberemos que foi neste momento

em que este tipo de crédito cresceu em relação aos empréstimos totais. Entre dezembro de 2008

e janeiro de 2011, por exemplo, o crédito direcionado habitacional cresceu 103% e o

financiamento total do BNDES aumentou 154% - o aumento deste último talvez possa ser

explicado pelo programa de ampliação de investimento do banco em parceria com empresas

privadas (Programa de Sustentação do Investimento – PSI). É importante destacar que muitos

dos financiamentos concedidos pelo BNDES foram direcionados para o setor de construção

civil e infraestrutura.

GRÁFICO 20: OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS DIRECIONADOS, BRASIL, EM MILHÕES DE R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2001-2012*

* Deflator implícito IPCA – série descontinuada pelo BACEN.

Fonte: BACEN/Elaboração própria

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1.400.000

1.600.000

1.800.000

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

jul/

01

jan

/02

jul/

02

jan

/03

jul/

03

jan

/04

jul/

04

jan

/05

jul/

05

jan

/06

jul/

06

jan

/07

jul/

07

jan

/08

jul/

08

jan

/09

jul/

09

jan

/10

jul/

10

jan

/11

jul/

11

jan

/12

jul/

12

Em

mil

es d

e R

$

Habitacional Rural BNDES Outros CRÉDITO TOTAL

Page 115: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

115

Em 2010, o PIB alcançou o patamar de crescimento real de 7,5% a.a., impulsionado, em

grande medida, pelo consumo das famílias, gerando, assim, um nível de utilização de

capacidade instalada dos setores cada vez maior. Neste mesmo ano, o consumo das famílias, se

comparado a 2000, cresceu 60% e o nível de utilização da capacidade instalada se encontrava

em 86%117 – um dos maiores níveis do período. Em 2011, no entanto, a taxa de crescimento do

consumo passou a cair, e com destaque a partir de 2014, explicada já pelo início da crise

econômica.

GRÁFICO 21: VARIAÇÃO ANUAL DO CONSUMO REAL* DAS FAMÍLIAS, BRASIL, EM %, 2001-2017

* Preços constantes de 2017 (deflator implícito IPCA)

Fonte: BACEN/ Elaboração própria

Percebemos, portanto, que o primeiro mandato de Dilma Rousseff se iniciou logo após

o auge de uma das maiores crises do capitalismo e que desafiou o modelo de crescimento

adotado no governo anterior. Entretanto, de acordo com Serrano e Summa (2014), a brusca

redução da taxa de crescimento da economia brasileira, especialmente a partir de 2011, se deu

mais por erros de política econômica do que por movimentos da economia internacional, uma

vez que a orientação predominante do governo foi no sentido de uma política macroeconômica

contracionista, com corte de gastos públicos e aumento de impostos. Entendemos o gasto

público como um vetor muito importante para a demanda agregada, de tal maneira, que afeta,

inclusive, o consumo das famílias. Vemos no gráfico 21 que a queda no consumo das famílias

se acentuou ainda mais no cenário de políticas econômicas restritivas.

117 Segundo dados da FGV e BACEN.

-6,0%

-4,0%

-2,0%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 2 0 1 5 2 0 1 6 2 0 1 7

Page 116: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

116

Como apontam Cagnin et.al (2013), entre 2011 e 2012, o governo de Dilma apresentou

três orientações distintas. A primeira delas se refere às políticas macroeconômicas no sentido

controlar a demanda agregada da economia brasileira, interpretada erroneamente como causa

da inflação. O Banco Central adotou, no início de 2011, as chamadas “medidas

macroprudenciais”. Tratava-se de uma série de ajustes, com a intenção de controlar o crédito

ao consumidor (por meio do aumento do spread bancário, aumento do IOF e do pagamento

mínimo dos cartões de crédito), elevar a meta do superávit primário, reduzir os gastos públicos

(da administração e das estatais) e elevar a taxa Selic – esta última se elevou em 1,75 ponto

percentual após cinco reuniões consecutivas.

O segundo período, que foi de agosto de 2011 até junho de 2012, se refere ao

aprofundamento da crise do euro – que já pontuamos acima –, que fez com que uma questão

diferente fosse pautada e que se deu mediante a um posicionamento de atuação mais

intervencionista do Estado. Neste sentido, ganhou destaque a redução das taxas de juros

definidas pelo Banco Central, que passaram de 12,5% para 5% a.a., as desonerações tributárias

(como PIS e COFINS) e desvalorização do real – ambas medidas sinalizavam que o governo

abria caminho para estimular o investimento privado118. Por outro lado, contraditoriamente, a

fim de garantir a estabilidade monetária, o governo estabeleceu um compromisso com a

austeridade fiscal.

Segundo Martins (2017), existem duas vertentes que analisam esse movimento do

governo, especialmente em relação às taxas de juros. Na primeira delas, na qual se destaca

Singer (2015), há o entendimento de que o governo apontava na direção de confrontar a

coalização rentista e favorecer a coalização produtivista, com o intuito de acelerar o ritmo de

crescimento. Na outra vertente de análise, inclusive que foi a oficial do Copom, a diminuição

da taxa de juros é explicada por uma análise do cenário internacional e o certo receio que o

Banco Central tinha de que a crise se prolongasse por muito mais tempo – daí a necessidade de

redução.

Neste mesmo contexto, o governo manteve facilitado o crédito imobiliário devido,

especialmente, ao PMCMV. Uma questão interessante que observamos é que neste período,

ainda que os juros estivessem elevados, houve uma expansão considerável do acesso à moradia,

que talvez possa ser explicado pelo fato de que a taxa média dos juros das operações de

118 O governo Dilma acreditava que as desonerações fiscais levariam a um crescimento do investimento privado,

baseado na premissa de que o investimento é função da taxa de lucro e não do volume de demanda. Nesse cenário

de queda das taxas de crescimento da demanda, a redução dos gastos públicos e as desonerações fiscais ampliaram

o ciclo recessivo e a própria capacidade de geração de receita do Estado, que a despeito de estabelecer o

compromisso com o superávit primário, viu o mesmo sendo paulatinamente reduzido.

Page 117: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

117

financiamento imobiliário regulada era um pouco mais baixa que a Selic. Em 2011, por

exemplo, a taxa média da Selic era 12% a.a., já a taxa de juros média do crédito imobiliário

direcionada ao PMCMV se encontrava no patamar de 9% a.a, como podemos observar no

gráfico 22.

GRÁFICO 22: TAXA DE JUROS SELIC E TAXA MÉDIA DAS OPERAÇÕES DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO,

BRASIL, EM %, 2011-2018

Fonte: BACEN/Elaboração própria

Como amplamente discutido no meio econômico, apesar de uma política de redução das

taxas de juros, as medidas austeras de cortes públicos que o governo Dilma se comprometeu se

mostraram ineficientes. Isso porque, não houve um reaquecimento da economia e um controle

efetivo da inflação com as políticas de desincentivo ao consumo. O que ocorreu, na verdade,

foi que, ao frear o consumo, a produção na indústria, principalmente no setor de bens de

consumo duráveis, também foi reduzida, o que agravou a dinâmica cíclica da economia

brasileira. O resultado de todo este processo foi a desaceleração do crescimento econômico a

partir de 2011.

No entanto, é preciso ter claro que o crescimento do PIB, do emprego e do crédito, a

partir de 2003, possibilitaram o resgate da necessidade de uma política habitacional e da

possibilidade de financiamento à população. Com o crescimento da taxa de emprego e da renda

havia uma maior estabilidade e confiança dos credores em relação aos devedores. Essa questão

também é explicada pelo fato de que a habitação é uma mercadoria que normalmente é quitada

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Selic Operações de crédito para financiamento imobiliário

Page 118: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

118

a longo prazo, de tal modo que, as famílias permanecem “endividadas” durante alguns anos.

Considerando que não havia no Brasil uma política habitacional desde o desmonte do BNH, a

taxa de endividamento das famílias em relação à renda acumulada ao ano era relativamente

baixa – 24% em 2007. Logo, havia espaço de financiamento e uma conjuntura econômica

propícia para a adoção de uma política habitacional no país.

3.2.2 OS ANOS 2000 E A DINÂMICA IMOBILIÁRIA

Como vimos na seção anterior, a conjuntura brasileira se transformou

consideravelmente a partir dos anos 2000. O mercado imobiliário foi profundamente

dinamizado neste período, já que, como observado, durante a década de 1990, o setor

habitacional teve pouquíssima prioridade nos investimentos e políticas públicas do governo

brasileiro. No entanto, esse perfil das condições habitacionais começou a ser contornado com a

mudança conjuntural e com a implementação da nova Política Nacional de Habitação (PNH),

que foi elaborada pela Secretaria Nacional da Habitação do Ministério das Cidades entre 2003

e 2004 e pensada sob o aspecto de que cabia ao Estado à função de regulação urbana e do

mercado imobiliário. A PNH previa elevar os investimentos na área de habitação, assim como,

conceder subsídios à população de baixa renda, captar recursos do mercado, o que gerou, de

certa forma, um boom imobiliário no país no período (BONDUKI, 2008, p. 99-100).

A constituição da política representara a retomada do planejamento da área habitacional,

por meio de uma estratégia de longo prazo, com intuito de enfrentar as principais necessidades

de habitação no Brasil, com a participação central do Estado e de demais instâncias da sociedade

e traçar estratégias para inserção da população mais pobre ao direito à moradia.

Se comparados aos escassos recursos investidos na área de habitação nos anos

anteriores, os programas implementados pelo governo federal, as novas leis aprovadas

e as resoluções do CMN119 e do CCFGTS120 deram novas perspectivas ao subsetor

habitacional no país. Por muitos anos não se teve tantos recursos mobilizados para o

financiamento à produção e ao consumo da habitação, incluindo também subsídios

(SIGOLO, 2014; p. 74).

Segundo relatório Avanços e Desafios: Política Nacional de Habitação do Ministério

das Cidades (2010), a partir de 2003 houve uma reorientação do FGTS para atender pessoas

das camadas sociais que recebiam até 3 salários mínimos121 com a introdução de um modelo de

119 CMN: Conselho Monetário Nacional. Segundo Royer (2009), o CMN considera que as operações de

financiamento habitacional, tanto de compra de novos e usados como para produção, estão a cargo do SFH. 120 CCFGTS: Conselho Curador do FGTS. 121 Com a resolução n°460 do CCFGTS, o financiamento passaria a atender famílias com até 5 salários mínimos.

Page 119: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

119

concessão de subsídios, considerando os custos de produção dos imóveis, tamanho e localização

dos municípios. Além disso, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE)122

também teve um papel essencial neste processo que foi o de conferir isenção tributária sobre o

rendimento dos recursos captados pela poupança.

Em 2004, o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou a fração da remuneração

dos recursos captados em depósitos de poupança e limitou a aquisição de letras de

crédito imobiliário e letras hipotecárias pelas instituições integrantes do SBPE,

resultando em um aumento recorde, tanto em contratações quanto no volume

financeiro investido em habitação no país (BRASIL, 2010; p. 22).

A ideia, segundo Fix (2011), era de que esta política seria capaz de evitar que a classe

média se apropriasse dos recursos das classes mais baixas, como ocorrido no BNH. Se

observarmos o quadro abaixo, veremos que entre 2003 e 2008 os recursos aplicados na

habitação foram ampliados em quase 6 vezes, o que contribuiu, como veremos mais à frente,

para o aumento expressivo dos preços dos imóveis. Se considerarmos o ano de lançamento do

Minha Casa Minha Vida, em 2009, o investimento em habitação se ampliou em quase 9 vezes,

conforme podemos observar na figura 7.

FIGURA 7: EVOLUÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM HABITAÇÃO, BRASIL, EM R$, 2003-2009

Fonte: Extraído de BRASIL (2010).

Foi observado, assim, a existência de uma diretriz muito clara de incentivo à habitação

de interesse social no Brasil, a partir de subsídios concedidos pelo governo federal e através do

122 De acordo com Royer (2009; p. 72), o financiamento do SBPE possui as seguintes agregações: aquisições de

imóveis novos, aquisição de imóveis usados e construção empresário (modalidade de financiamento à construção).

Page 120: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

120

FGTS. Segundo Rezende (2011) apud Sigolo (2014), os subsídios do FGTS passaram de R$

363,8 milhões em 2004 para mais de R$ 5 bilhões em 2010. Quando observamos os dados do

FGTS, percebemos que, em 2009, a quantidade de unidades financiadas, assim como o valor

disponibilizado para o financiamento, era bem alta. Neste ano, o FGTS financiou 158.932

moradias, com um valor total de subsídio, a preços de 2017, de R$ 2,8 bilhões. Com o PMCMV,

vemos este número cair consideravelmente – cerca de 90% – já que a maior parte dos recursos

foram direcionados pelo programa habitacional, como veremos na última seção deste trabalho.

GRÁFICO 23: FGTS - DEMAIS APLICAÇÕES (FORA PMCMV), EM UNIDADES E EM VALOR FINANCIADO (A PREÇOS

CONSTANTES DE 2017, EM MIL R$)

Fonte: CEF123/ Elaboração própria

Como podemos ver no gráfico 24, o crédito habitacional teve um papel central no

período, que se refletiu, inclusive, na relação com o PIB. Se compararmos 2010 em relação a

2004, veremos que o saldo das operações de crédito habitacional cresceu 179%; no mesmo

período, a relação com PIB aumentou 107%. Percebemos, portanto, que o crédito habitacional

teve uma participação muito importante para a dinamização da economia, em especial, a partir

de fundos e subsídios do governo.

123 Caixa Econômica Federal. Disponível em: http://www.caixa.gov.br

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2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018Em

mil

R$

Em u

nid

ade

s

Valor Financiado Unidades Financiadas

Page 121: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

121

GRÁFICO 24: SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO HABITACIONAL E RELAÇÃO COM O PIB, BRASIL, A PREÇOS

CONSTANTES DE 2017 E EM %, 2002-2010124

Fonte: BACEN/IPEADATA/Elaboração própria

De acordo com Sigolo (2014), com a criação do Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social (FNHIS) em 2005, a partir de um projeto de lei de iniciativa popular125, houve

uma ampliação de recursos direcionados à moradia de famílias de renda mais baixa, por meio

de uma rede de interações entre fundos e conselhos municipais e estaduais, o que demonstrou

um claro compromisso do governo na provisão de moradia às camadas mais baixas de renda.

Ademais, a lei que criou o Fundo também deu início à iniciativa do Plano Nacional de Habitação

(PlanHab), com o intuito de criar parâmetros para uma política específica para a questão da

moradia, de tal modo a definir modalidades e fontes de recurso.

Como podemos observar no gráfico 25, houve um direcionamento expressivo dos

recursos imobiliários às camadas populares que ganhavam até 3 salários mínimos. Entre 2002

e 2007, por exemplo, o direcionamento de recursos para famílias incluídas nesta faixa passou

de 32% para 77% – um aumento de 141% nos recursos públicos utilizados.

124 Série descontinuada pelo Bacen. 125 Até ser aprovado em 2005, o projeto de lei para criação do FNHIS tramitou no Congresso Nacional por 13 anos

e foi fruto da iniciativa popular daUnião dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo (FIX, 2011; p. 134).

0%

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mil

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R$

Saldo operações de crédito habitacional

Relação crédito habitacional/PIB

Page 122: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

122

GRÁFICO 25: RECURSOS IMOBILIÁRIOS DIRECIONADOS ÀS DIFERENTES FAIXAS DE RENDA, EM %, 2002-2009

Fonte: Elaboração própria a partir de gráfico extraído de BRASIL (2010).

Uma questão interessante pontuada por Mioto (2015) diz respeito ao fato de que, com a

desaceleração econômica em 2005 e as eleições (2006), o “consenso neoliberal” perdeu espaço

na pauta econômica e política e deu lugar à uma visão mais intervencionista do Estado, de tal

modo a dar mais espaço para políticas de estímulo fiscal, valorização do salário mínimo e

investimentos.

É importante pontuarmos, no entanto, que este neste processo havia muitos interesses

envolvidos, entre eles – e principalmente – o setor de construção civil, como colocado por

Hiratuka et al. (2010) apud Mioto (2015) e que acabaram alterando as estratégias das empresas.

Como ressaltam Hiratuka et al. (2010, p.284), especificamente para a indústria, o ciclo

2004-2008 diferenciou-se dos ciclos anteriores não apenas pela sua intensidade e

duração, mas principalmente pelo fato de ter sido sustentado na expansão das

demandas externa e interna, sobretudo por esta última, com peso crescente dos

investimentos. Segundo os mesmos autores, o crescimento da formação bruta de

capital fixo foi maior que o crescimento do PIB entre 2005 e 2008, com grande

participação da construção pesada. Nesse contexto, os investimentos concentraram-se

primeiramente na infraestrutura e nos setores industriais exportadores que depois

extrapolaram para outras indústrias, como o setor imobiliário (HIRATUKA et al.,

2010 apud MIOTO, 2015; p.86).

Bertasso (2012) aponta que há uma relação muito estreita entre os governos e o setor de

construção civil por uma série de questões. As principais se encontram no fato de que o efeito

multiplicador do setor é muito alto, ou seja, uma ampliação no investimento é capaz de gerar

emprego e renda muito rapidamente, aumentando, assim, o consumo e demanda. Deste modo,

32%26%

44% 46%

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64%72%

25% 41%

26% 25%

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100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

ATÉ 3 SM ENTRE 3 E 5 SM ACIMA DE 5 SM

Page 123: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

123

como a autora observa, o poder político que este setor detém é bem considerável, o que acaba

reforçando seus laços com o Estado e com as decisões tomadas no âmbito político e econômico.

[...] os ciclos de negócios da habitação têm seu desempenho atrelado não apenas ao

ritmo “natural” dos negócios privados, mas às políticas macroeconômicas; às políticas

habitacionais (no sentido estrito de determinar as condições de acesso à moradia das

classes médias e pobres); às políticas industriais, que podem alterar os custos de

edificar; às políticas fundiárias e de planejamento urbano mais geral, em que se prevê

a expansão da infraestrutura social e urbana, que influenciam na formação de preços

da terra e da propriedade (BERTASSO, 2012; p. 92)

Sobre o “incentivo” tributário do SBPE apontado acima, Bertasso (2012) observa que,

na verdade, o esforço governamental se direcionava para conceder alguma segurança aos

contratos e no sentido de transformar ativos que até então eram “estéreis” em novas formas de

investimento, ou seja, um processo de securitização dos recebíveis.

Se observarmos a evolução dos recursos direcionados do SBPE, por exemplo,

perceberemos que houve um aumento de 2.100% nas unidades financiadas e de 1.039% nos

recursos, a preços constantes de 2017, direcionados à construção de imóveis, entre 2002 e 2011

– este último foi o maior pico de financiamento no período de 2002 e 2017, como podemos

observar no gráfico 26 abaixo.

GRÁFICO 26: UNIDADES FINANCIADAS SBPE E RECURSOS APORTADOS PARA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2018 (DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), EM MILHÕES DE R$, 2002-2018

Fonte: ABECIP126/ BACEN/Elaboração própria

126Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. Disponível em:

https://www.abecip.org.br/

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DE

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EM

MIL

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DE

R$

UNIDADES FINANCIADAS SBPE

RECURSOS DAS OPERAÇÕES CONTRATADAS PARA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS

Page 124: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

124

Esse quadro nos revela que houve um direcionamento maciço dos recursos do SBPE

para o investimento na construção civil, especialmente, a partir de 2007 – justamente o período

em que Fix (2011) aponta como sendo o momento em que as empresas e construtoras estavam

se movimentando mais ativamente para compra de terrenos urbanos, muitos destes com

localização privilegiada. Ter um ambiente regulatório propício e uma fonte de recurso provida

em parte pela poupança privada, e, em parte por financiamento público, foi essencial para os

grandes incorporadores “desaguarem” seus estoques de terra e terem acesso aos

financiamentos.

Se observarmos o gráfico de direcionamento de recursos para aquisição de imóveis

(gráfico 27), também houve uma mudança expressiva no financiamento: percebemos um

aumento de 1.861%, em 2013 em relação a 2002, nas unidades financiadas e de 3.227% nos

recursos, no mesmo período. Como pontua Sigolo (2014), “o grande volume de financiamento

e o elevado número de unidades habitacionais lançadas nos permitem considerar um verdadeiro

boom imobiliário no setor residencial”127.

GRÁFICO 27: UNIDADES FINANCIADAS SBPE E RECURSOS APORTADOS PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017 (DEFLATOR IMPLÍCITO IPCA), EM MILHÕES DE R$, 2002-2017

Fonte: ABECIP/BACEN/Elaboração própria

127 SIGOLO (2014, p. 70)

19 2029 26

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2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

EM

MIL

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IDA

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EM

MIL

ES

DE

R

UNIDADES FINANCIADAS SBPE

RECURSOS DAS OPERAÇÕES CONTRATADAS PARA AQUSIÇÃO DE IMÓVEIS

Page 125: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

125

Percebemos um direcionamento maciço dos recursos públicos pelo SBPE para o

investimento tanto na aquisição como para a construção de imóveis e, em um momento, como

vimos acima, de redução da taxa de juros básica. De acordo com Royer (2009), o período entre

2007 e 2008 se revelava com o maior número de financiamentos do SBPE da história do SFH.

Se observarmos os anos seguintes, provavelmente motivados pelo Programa Minha Casa

Minha Vida, que discutiremos em seguida, este número quase triplicou em relação ao período

de análise da autora.

Neste mesmo período, delineava-se no governo a implantação do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, que previa aumentar o investimento em

infraestrutura, tanto público como o privado, com a capacidade de promover o crescimento

econômico (Brasil, 2007). Neste programa, previa-se aumentar, consideravelmente, os

investimentos na área urbana, a fim de sanar problemas de assentamento precários.

Em seguida, em 2009, foi criado o PMCMV, com o intuito de continuar dinamizando o

setor de infraestrutura, com destaque à construção civil, em resposta à crise econômica

financeira mundial, construindo, assim, 1 milhão de casas – número ampliado para 3,4 milhões,

em 2012, em sua segunda fase. A primeira fase do programa previa atender 3 faixas de renda e

com metas de construção específicas. Na faixa 1 se concentrariam os financiamentos

subsidiados para famílias com rendimento de, no máximo, 3 salários mínimos; nesta faixa

estava previsto a construção de 400 mil unidades. A faixa 2 seria destinada às famílias com

renda entre 3 e 6 salários mínimos, com a meta de 400 mil unidades; e na faixa 3 seriam

moradias a serem direcionadas às famílias com rendimento de até 10 salários mínimos e com a

construção de 200 mil moradias (MIOTO, 2015; p. 123). Segundo Fix (2011), todo o processo

decisório que envolveu o PMCMV se deu no âmbito da Casa Civil e do Ministério da Fazenda,

em conjunto com os atores da construção civil e sem participação popular.

A estrutura operacional do Ministério das Cidades, que articula as políticas de

habitação, saneamento, transportes e desenvolvimento urbano, não foi mobilizada na

concepção do pacote. O Conselho das Cidades, órgão deliberativo do Mistério, não

foi consultado. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, que deveria

concentrar todos os recursos da política habitacional de modo a uniformizar os

critérios de acesso, ficou também fora do MCMV, exceto na modalidade

―Entidades‖, restrita a 1,5% do subsídio público. Diferentemente, o pacote direciona

os recursos para um fundo público secundário e sem conselho, o Fundo de

Arrendamento Residencial (FAR), mais maleável e desregulado, utilizado para a faixa

de 0 a 3 salários mínimos (FIX, 2011; p. 140).

Logo, percebemos um afastamento do projeto de habitação de interesse popular, com

uma clara sinalização de quais agentes iriam “ditar as regras do jogo”. Como veremos na

Page 126: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

126

próxima seção, considerando as questões importantes que o programa trouxe, o PMCMV foi

um dos grandes impulsionadores dos altos preços dos imóveis ao longo dos anos 2010.

Neste mesmo período foi lançado o PAC 2, que previa atuação nos eixos de saneamento

básico; urbanização de assentamentos precário; construção de rodovias, ferrovias, portos e

aeroportos; investimentos contínuos em geração e transmissão de energia, entre outros128. O

PMCMV, portanto, vinha articulado com as propostas do PAC 2:

[...] o PMCMV nasce como política anticíclica articulada ao Programa de Aceleração

do Crescimento (PAC), relativamente afastada do PLANHAB e do Ministério das

Cidades e vinculada à Casa Civil. Assentado fundamentalmente na estrita lógica

subsídio/financiamento, o PMCMV visa garantir a produção de novas mercadorias e

sua realização, induzindo diversos setores que se articulam na produção da casa

(insumos, máquinas e equipamentos, acabamento etc.) e no abastecimento das

famílias (móveis, eletrodomésticos etc.) (MIOTO, 2015, p. 120)

Ainda no primeiro mandato de Dilma Roussef, as metas de unidades contratadas pelo

MCMV foram alcançadas e cada região teve uma proporção de recursos direcionados

específicos, sendo que o direcionamento seguiu o déficit habitacional de cada uma delas.

Segundo a Fundação João Pinheiro (2018), a destinação se deu da seguinte maneira: 36,8%

para Sudeste, 30,6 para Nordeste, 11,9% para o Sul, 12,4% para Norte e 8,3% para Centro-

Oeste.

O setor de construção civil foi importantíssimo, tanto para manter o nível de

investimento elevado, como para expandir o acesso à moradia. Segundo Bastos (2017; p. 24),

“o investimento privado autônomo em construção civil e infraestrutura aumentou mais do que

o PIB, compensando a queda do investimento industrial e a retração do investimento público

em transportes e aeroportos”. Até abril de 2014, já na fase II, o governo já havia entregado 2,3

milhões de unidades pelo PMCMV.

É importante entendermos que os subsídios foram fatores-chave para esse crescimento

e para garantir o acesso à moradia de uma população que sempre foi excluída. Segundo

Baravelli (2015), entre 2011 e 2013, o Orçamento Geral da União aportou R$ 176 bilhões ao

PMCMV, o que conferiu ao programa um caráter “rooseveltiano”. Não à toa, R$ 25,5 bilhões

de investimento do PMCMV foram destinadas ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR),

que financia exclusivamente projetos de moradia para famílias mais pobres. No entanto,

Arantes e Fix (2009) apontam que este fundo tinha um caráter maleável e desregulado, o que

poderia fazer com que atendesse ao capital da construção – o que de fato ocorreu.

128 O detalhamento de cada um destes projetos do PAC pode ser visto no relatório do PAC 2, disponível em:

http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/f9d3db229b483b35923b338906b022ce.pdf

Page 127: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

127

A história do subsídio habitacional no Brasil é conhecida pela constante captura da

subvenção pelas classes médias e agentes privados da produção imobiliária, ao invés

de atender, na escala necessária, os trabalhadores que mais precisam. Embora essa

tendência deva novamente prevalecer, há que se considerar o interesse político e

eleitoral do governo em atingir a base da pirâmide. Ao contrário do regime militar, no

qual a sustentação era dada sobretudo pelas classes médias, o governo Lula precisa

fazer chegar a casa a uma parcela do seu eleitorado (ARANTES; FIX, 2009, p. 4).

Uma questão que merece atenção no PMCMV é que o programa deu prioridade à

construção de novas moradias e não se comprometeu com a revitalização de edifícios vazios,

por exemplo. Logo, isso nos aponta que o programa visava atender a uma demanda específica

do setor da construção civil, a fim de gerar o crescimento econômico do país. Como vimos na

seção anterior, o programa foi bem-sucedido, em certa medida, uma vez que o PIB alcançou

em 2010 o patamar de crescimento real de 7,5% a.a. No entanto, como já dissemos, ao se basear

em uma dinâmica de consumo, esta lógica não se sustentou a longo prazo.

Este ciclo começou a dar sinais de esgotamento já em 2010, como apontamos acima, e

mesmo as políticas implementadas pelo governo, a fim de estimular a economia, não foram

suficientes para conter reversão do crescimento econômico no país, pelo contrário. A partir de

2013, a taxa de investimento entrou em crescente declínio, como aponta Bastos (2017)129.

Em parte por causa da desaceleração da demanda, e em parte por causa do vazamento

da mesma para importações, a produção industrial permaneceu praticamente

estagnada no nível de 2008 a despeito do conjunto de incentivos, depois da

recuperação em 2009 e 2010. Ou seja, a mudança de preços relativos não teve sucesso

em induzir, em termos agregados, a produção e o investimento privado na indústria

de transformação. O controle de preços administrados, a desoneração da folha salarial

e a queda dos juros (até abril de 2013) não parecem ter mitigado a pressão sobre as

margens unitárias em virtude do encarecimento de passivos externos, insumos e

equipamentos importados trazidos pela depreciação cambial, enquanto a

desaceleração da demanda e seu vazamento para importações praticamente estagnou

quantidades produzidas (BASTOS, 2017; p. 22).

Nesse contexto de crise econômica, se agravava ainda mais a crise política e insatisfação

popular com o governo Dilma, mas que, mesmo assim, venceu as eleições em 2014. Conforme

apontam Pinto et al. (2016), com exceção do setor bancário-financeiro que continuou obtendo

altas taxas de rentabilidade, a maior parte dos setores produtivos dominantes teve queda em

seus rendimentos, de tal modo que a presidenta foi perdendo força e legitimidade, impactando,

inclusive, em uma eleição bastante acirrada.

O segundo mandato da presidenta foi iniciado com uma série de medidas austeras, como

elevação da taxa de juros, que comprometeram ainda mais a renda das famílias e sua capacidade

129 É importante destacar também que o período foi marcado pela alteração da política monetária de quantitative

easing dos EUA, de tal modo que o fluxo de liquidez para os países reduziu consideravelmente; além da crise do

euro.

Page 128: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

128

de pagamento das dívidas, de tal modo que neste período houve um aumento considerável da

inadimplência no país, inclusive no âmbito imobiliário. Como já vimos, com um alto dispêndio

da renda das famílias com o pagamento de juros (e consequente aumento da inadimplência), os

bancos param de ofertar crédito, devido aos riscos inerentes a esta situação. Como podemos

observar no gráfico 28, o endividamento das famílias, em relação à renda, seguiu uma tendência

crescente de aumento, com reversão apenas em 2014 com a brusca queda na concessão de

crédito que, por sua vez, reduziu o nível de endividamento. Somado a isso, a taxa de

desemprego passou a se elevar e o salário médio caiu, o que corrobora para o aumento do

endividamento das famílias, além de uma taxa de inflação que chegou a 11% a.a em 2015. Isso

nos revela, portanto, que a queda do volume de crédito emprestado foi mais intensa do que a

queda no rendimento das famílias.

Interessante notar que não houve no Brasil uma reversão de ciclo de endividamento das

famílias e empresas, tal como no ciclo minskiano, como ocorreu no Reino Unido pós 2008. O

comportamento do Brasil é diferente, justamente, pelas questões internas específicas, como é o

caso da dívida pública – tido como um tipo de ‘investimento’ altamente rentável. Além disso,

o país enfrentava nos anos 2000-2010 uma alta demanda reprimida que ainda não foi suprida,

em especial nas camadas mais pobres da sociedade.

GRÁFICO 28: ENDIVIDAMENTO DAS FAMÍLIAS EM RELAÇÃO À RENDA ACUMULADA EM 12 MESES, BRASIL, EM

PONTOS PERCENTUAIS, 2005-2018

Fonte: BACEN/Elaboração própria

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Page 129: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

129

Adicionado a este cenário econômico e social, a partir de 2014, o país enfrentou uma

séria crise política130, devido à uma série de denúncias de corrupção, que atravancaram ainda

mais o investimento no país, em um momento de tendência de queda da renda da população.

Como veremos na próxima seção, o impacto deste cenário nos preços imobiliários, no entanto,

só começou a ser sentido a partir de 2015.

O ajuste fiscal do segundo mandato de Dilma aprofundou os problemas econômicos e

sociais que o país já vinha enfrentando, uma vez que se entendia que o governo havia “gastado

muito” nos períodos anteriores, aumentando, assim, a dívida pública; além da implementação

do programa de forte redução dos gastos públicos em todas as áreas pelo Ministro da Fazenda,

Joaquim Levy.

Logo após os resultados eleitorais, o governo guinou na direção das políticas

econômicas ortodoxas e da manutenção dos interesses dos segmentos financeiros

(através da elevação da taxa Selic). Joaquim Levy e Nelson Barbosa assumiram,

respectivamente, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento e levaram adiante uma

política de ajuste fiscal que englobava medidas de cortes lineares de despesas

(afetando a educação, apesar do slogan “Pátria Educadora”, a saúde entre outras

áreas), a redução dos direitos trabalhistas e a repatriação do capital brasileiro no

exterior enviado ilegalmente por nossas elites (PINTO et al., 2016; p. 27).

Mediante o argumento ortodoxo de altos níveis de gastos públicos, era necessário,

portanto, que houvesse uma redução dos gastos públicos, dos salários reais e do nível de

emprego, uma desvalorização do real e uma elevação dos preços administrados131, a fim de que

as contas do Estado fossem “ajustadas e equilibradas”. Como uma série de autores denominam,

as políticas implementadas neste período foram conhecidas como “austerícidio”.

Envolta a esta série de conflitos e crises, Dilma Rousseff sofreu um processo de

impeachment em 2016132, que culminou em sua saída da presidência e à posse de seu vice –

Michel Temer.

Mesmo com a saída de Dilma, as políticas implementadas pelo governo não mostraram

sinais de recuperação da economia. Se observarmos os dados de produção industrial, por

exemplo, entre 2014 e 2017, a formação bruta de capital fixo caiu 31%, assim como, queda no

investimento público (gráfico 18). Conforme aponta Orair (2016), as desonerações fiscais que

comentamos acima foram uma das principais responsáveis pela queda do investimento público

– um dos maiores dinamizadores do período de crescimento –, uma vez que o Estado renunciou

130 Sobre esta questão, uma série de autores tratam do assunto mais profundamente. Para este trabalho, utilizamos

Cano (2017), Bastos (2017) e Pinto et al. (2016). 131 De modo sucinto, a fim de controlar os preços gerais, em seu primeiro mandato, o governo Dilma controlou os

preços do petróleo, do gás, entre outros, o que, por sua vez, prejudicou o caixa da Petrobras e a capacidade de

investimento da empresa estatal. 132 Apesar de nossas críticas ao governo do PT, consideramos que este processo foi irregular, caracterizando, na

verdade o que Cano (2017) denomina como golpe parlamentar.

Page 130: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

130

um volume significativo de receitas e ampliou os volumes de empréstimos via BNDES. Este

movimento, além de reduzir o investimento público, diminuiu o privado também, pois apenas

alguns setores foram beneficiados.

Como o gráfico 29 nos apresenta, o investimento em 2018 estava no mesmo patamar de

2008. O governo Temer estava comprometido com o aprofundamento do corte de gastos

públicos, com a Reforma Trabalhista, que foi aprovada em 2018, e com a Reforma da

Previdência. Ambas medidas – como amplamente discutido por Pinto et al. (2016), Bastos

(2017), Cano (2017), entre outros – irão aprofundar problemas estruturais do país, podendo

inibir, inclusive, o acesso à moradia de uma camada mais pobre da sociedade brasileira.

GRÁFICO 29: FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (ACUMULADO EM 12 MESES; EM MILHÕES DE R$; PREÇOS

CONSTANTE DE 2017; DEFLATOR IPCA)

Fonte: BACEN/IPEADATA/Elaboração própria

Percebemos, portanto, que entre os anos 2003 e 2014 os investimentos foram

consideráveis e elementos-chave, em especial no setor habitacional, via uma série de programas

e medidas que foram capazes de dinamizar a economia e o mercado imobiliário.

Dado este contexto da dinâmica imobiliária nos anos 2000 e a conjuntura econômica no

pós-2010, trataremos na próxima seção de observar estritamente o comportamento dos preços

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Page 131: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

131

imobiliários no Brasil no período destacado e a quem favoreceu os crescentes aumentos de

preços.

3.3. O BOOM DOS PREÇOS IMOBILIÁRIOS NO BRASIL

Antes de entramos na discussão, que consideramos como uma das essenciais deste

trabalho, é importante ressaltarmos a dificuldade de uma pesquisa com dados imobiliários, em

especial, os de preços, devido à quase inexistente divulgação de informações pelas bases

oficiais. Por isso, utilizamos nesta seção uma série de proxys e aproximações, a partir dos dados

disponíveis e de nosso entendimento do funcionamento das variáveis.

Gostaríamos de pontuar, ainda, que a existência das disparidades regionais no Brasil

salta aos nossos olhos, mas, dada a pouca informação dos preços imobiliários desagregada por

região, faremos as abstrações a partir de uma análise mais geral do país. Entendemos que este

é um limitante para uma observação mais precisa e que contemple as enormes diferenças entre

os mercados regionais. Além disso, os dados disponíveis utilizados aqui não nos permitem fazer

uma análise mais segmentada do mercado imobiliário, de tal maneira a abranger a contribuição

e impacto dos imóveis de alto, médio e baixo padrão.

Vimos na seção anterior que a década de 2000 foi marcada por uma série de mudanças

no cenário internacional e interno e, em especial, podemos citar as alterações no padrão da

dinâmica do mercado imobiliário. A partir do início da década, vimos um aumento no volume

da produção habitacional, seguido de um crescimento expressivo no preço dos imóveis. A

própria análise desse período e conjuntura contradiz a observação da teoria neoclássica, como

observado no capítulo 1, de que em alguns momentos, quando há aumento da oferta, os preços

tendem a cair. Essa ideia, inclusive, reforça nossa crítica à teoria dominante.

Se observarmos o principal indicador do mercado imobiliário do Brasil – o Índice de

Valores de Garantia de Imóveis Residências (IVG-R), perceberemos este movimento.

Page 132: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

132

GRÁFICO 30: IVG-R, BRASIL, EM NÚMERO ÍNDICE (ABR/01=100), EM TERMOS NOMINAIS, 2001 A 2018

Fonte: BACEN/Elaboração própria.

O Índice de Valores de Garantias de Imóveis Residências (IVG-R) é um índice

calculado pelo Banco Central, lançado em 2013, e tem como objetivo mensurar a tendência de

longo prazo dos preços dos imóveis residenciais no país. O cálculo é feito a partir da avaliação

dos imóveis pelos bancos no momento da concessão do crédito às pessoas físicas, que dão como

garantia de pagamento a alienação fiduciária ou sob a forma de hipoteca. Este cálculo se dá a

partir das variações mensais das medianas dos preços, calculadas pelo IPCA, e em cada uma

das seguintes regiões metropolitanas: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande,

Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e

Vitória133. “Cada região metropolitana é subdividida em áreas geográficas, compostas pelo

menor número de municípios contíguos que possuam uma quantidade mínima de operações

mensais para a construção do indicador” (BACEN, 2013; p. 35)134. Ademais, para mensurar o

cálculo, são utilizadas “janelas” trimestrais, de tal modo que a série é suavizada, a fim de

identificar a tendência de longo prazo dos preços (BACEN, 2017; p. 27).

133 Campo Grande e Vitória foram incluídas em 2017, de acordo com relatório do Bacen divulgado em outubro/17. 134 Solicitei ao Banco Central a disponibilização dos dados abertos por cidade ou por região, mas fui informada

que esses dados não poderiam ser disponibilizados.

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Page 133: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

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O gráfico do IVG-R nos mostra, por exemplo, que a partir de meados de 2003, os preços

subiram, ainda que residualmente, mas ganharam impulso a partir de 2006, período no qual,

passaram a apresentar uma tendência crescente de aumento. Em dezembro de 2006, por

exemplo, a variação nominal em relação ao início da série (abril de 2001) foi de 64%. Se

observamos o período de auge dos preços dos imóveis, entre 2014 e 2015, os preços

continuaram crescendo, mesmo considerando que a economia já estava em retração. Uma

explicação para isso talvez se encontre no fato de que, por um lado há um processo de

especulação muito forte no país e, de outro, que os investidores e proprietários com mais

informações sabem que há uma demanda reprimida por moradia no Brasil, de tal modo que,

mesmo com a crise econômica, poderiam manter os preços de venda altos. Em termos nominais,

em outubro de 2014, por exemplo, a variação em relação a abril de 2001 foi de 450% – variação

esta, bem mais expressiva do que o período do BNH, quando os imóveis apresentaram, como

já apontamos em sessões anteriores, um aumento de 121% entre 1966 e 1978 – considerado

como um dos períodos de maior alta dos preços imobiliários.

Quando observamos os dados em termos reais, a discrepância em relação ao BNH

continua muito elevada. Em relação ao período do BNH, a variação em termos reais foi de 21%,

já o crescimento do IVG-R, entre 2001 e 2014, foi de 82%135. Já em relação ao período de maior

alta dos preços do Reino Unido (em 2007, como vimos), quando fazemos um comparativo com

1999, o aumento dos preços foi de 122%.

Sobre esta última questão, os dados vão ao encontro do que Sigolo (2014) aponta, já que

o Brasil era identificado, em 2012, como uma das lideranças nos rankings de crescimento dos

preços imobiliários, com o maior aumento nominal entre 2010 e 2012. A figura abaixo ilustra

claramente este movimento. O Brasil cresceu 15,2% no período, enquanto Hong Kong teve

aumento de 14,2%. O ranking de preços dos imóveis disponibilizado pela Global Property

Guide136 aponta ainda que a cidade de São Paulo ocupa o 33° lugar no ranking mundial do m²

mais caro do mundo. Se olharmos para a América Latina, São Paulo só perde para Buenos Aires

neste quesito.

135 Valores deflacionados pelo INCC. 136 Disponível em: https://www.globalpropertyguide.com/

Page 134: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

134

FIGURA 8: RANKING DE CRESCIMENTO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS RESIDENCIAIS, 2012

Fonte: Extraído de SIGOLO, 2014; p. 206.

Este movimento crescente de aumento dos preços imobiliários foi identificado no país

todo, em especial, no caso do Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal quando observamos

os dados do Índice FipeZap137.

O Índice FipeZap é uma série de dados disponibilizados a partir de janeiro de 2011 pela

Fipe em parceria com a Zap Imóveis, que nos permite observar a dinâmica de preços por m² em

20 grandes cidades brasileiras, sendo elas: Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Distrito

Federal, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Contagem, Niterói, Porto Alegre, Recife, Salvador,

Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Paulo, Vila Velha,

Vitória e Rio de Janeiro138. Para compor o preço médio do m² dos imóveis, o dado abrange as

seguintes informações: tipo de transação (locação ou venda), tipo de imóvel (apartamento, casa,

terreno etc.), subtipo do imóvel, categoria (sobrado, cobertura etc.), UF, cidade, bairro,

endereço, valor total (R$), área útil (m²), valor do condomínio (R$), número de dormitórios,

imóvel com dívida (sim/não), permuta aceita (sim/não) e entrada facilitada (sim/não). As

137 Como já apontamos, sabemos que cada região possui sua especificidade e dinâmica, mas, em nossa análise,

partiremos de uma abordagem mais geral dos preços. 138 A partir de janeiro de 2013, o cálculo do índice foi alterado de composto nacional para média nacional

ponderada, o que garante uma melhor análise dos dados. Além disso, foram incluídas as cidades: Niterói,

Florianópolis, São Caetano do Sul, Recife, Curitiba, Vitória, Porto Alegre, Santo André, São Bernardo do Campo

e Vila Velha. Campinas, Santos, Goiânia e Contagem foram incluídas em agosto de 2014. Os dados são

disponibilizados em: https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/fipezap/

Page 135: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

135

informações opcionais incluem, entre outras, CEP, valor do IPTU (R$), número de vagas na

garagem, ano de construção, número de andares e número de unidades por andar.

Se considerarmos o ano em que a série da Fipe/Zap é mais completa (a partir de janeiro

de 2013) e compararmos com o IVG-R, poderemos observar que a tendência do movimento

dos preços de ambos dados é muito próxima. Percebemos que há uma leve diferença da variação

do primeiro índice, que pode ser justificada pelo fato de que o índice Fipe/Zap considera o preço

de oferta dos imóveis, enquanto o IVG-R é o preço efetivamente negociado. Como pode haver

algum tipo de negociação entre o proprietário do imóvel e o interessado na compra, o preço

efetivo pode cair.

GRÁFICO 31: IVG-R E FIPEZAP, EM NÚMERO ÍNDICE (DEZ. 2012=100), EM TERMOS REAIS, 2012 A 2018

* Deflator implícito INCC Fonte: BACEN/FipeZap/FGV/Elaboração própria

A partir desta comparação entre ambas variáveis e devido à escassez de informações

sobre os preços reais dos imóveis no Brasil, a partir de dados disponíveis no Banco Central

(IVG-R) e pelo Índice de Preços FipeZap, elaborei uma proxy dos valores do preço médio do

m². A partir da taxa de variação do IVG-R e dos preços disponíveis pelo FipeZap é possível

estimar a dinâmica de preços dos imóveis, desde abril/2001 e, assim, confirmar a tendência de

valorização dos preços no Brasil. O que fizemos, em outras palavras, foi retroagir o preço médio

do m² do FipeZap, a partir da taxa de variação do IVG-R.

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Page 136: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

136

Esta metodologia foi utilizada para os dados a partir de abril de 2001 até dezembro de

2012, já que a série do FipeZap fica mais completa a partir de janeiro de 2013. Consideramos

que poderíamos utilizar esta metodologia, uma vez que a correlação (R²) entre as taxas de

variação do IVG-R e do índice FipeZap, entre janeiro de 2013 (onde a série FipeZap se torna

mais completa) e dezembro de 2017, é de 0,68 – coeficiente com uma correlação moderada139.

Dada a falta de informações históricas sobre os preços imobiliários, acreditamos que esta possa

ser, por enquanto, uma estimativa possível. Portanto, nossa proxy da série histórica dos preços

se comportou da seguinte maneira:

GRÁFICO 32: MÉDIA NACIONAL PONDERADA DO PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS*, EM R$, A PREÇOS CONSTANTES

DE 2017 **, 2001 A 2017

* Proxy de valores entre mar/01 e dez/12 ** Deflator implícito INCC

Fonte: FipeZap/BACEN/IPEADATA/Elaboração própria

Se observarmos o pico dos preços, em valores reais, em fevereiro de 2014, que,

inclusive, acompanha a tendência do IVG-R com pico máximo no mesmo período, o preço

médio do m² dos imóveis no Brasil chegou a custar R$ 9.102,68. Em abril de 2001,

considerando nossa proxy, o valor era de R$ 4.640,45 – um crescimento de 96%. Mesmo com

crise econômica e política que o país enfrentava, em outubro de 2018, o m² do imóvel ainda

estava em quase R$ 8.000. Ou seja, mesmo em um momento de crise, os preços dos imóveis

não chegam nem perto dos níveis anteriores ao boom imobiliário. Se observarmos o IVG-R e a

proxy do preço médio, um imóvel custa hoje, no Brasil, em termos reais, aproximadamente o

139 Feita a partir de uma análise de correlação simples.

0

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18

EM

R$

Page 137: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

137

mesmo valor que custava em 2010, sendo este, como vimos, o ápice do crescimento econômico

no país – diferentemente do período atual.

Quando olhamos para as grandes capitais, percebemos o destaque do Rio de Janeiro na

evolução dos preços dos imóveis. No momento de boom no país, o preço do m² para compra

chegou a custar, de acordo com o índice FipeZap, R$ 12.744 em dezembro de 2014. Como

vimos em gráficos anteriores, este período se destacou por ser o de preços mais elevados da

série. Mesmo assim, o preço do m² da região fluminense, em 2014, custava 45% a mais que a

média nacional. Talvez esse processo também possa ser explicado por questões regionais, uma

vez que a cidade sediou a Copa e as Olimpíadas, de tal modo que o investimento em

infraestrutura possibilitou a ‘valorização’ dos imóveis próximos. Começamos a ver uma

reversão no quadro carioca e nacional, a partir de 2015, com a retração econômica.

Na cidade de São Paulo e no Distrito Federal o preço do m² também se encontrava

bastante elevado no mesmo período, mas em menor grau que o Rio de Janeiro. Em São Paulo,

por exemplo, em dezembro de 2014, o preço do m² estava em R$ 9.771. Mesmo se observamos

os preços em 2018, ainda perceberemos que eles estão altos. Mesmo em Brasília, dentre as

analisadas com menor custo, o preço ainda é bastante elevado. Em Recife, se considerarmos a

compra de um imóvel de 80 m², por exemplo, seu preço será quase R$ 450.000. Isso se deu,

como apontamos acima, em um momento em que houve a predominância da casa própria como

tônica do “movimento expansivo da produção formal privada” (Mioto et al., 2019; p.264).

GRÁFICO 33: MÉDIA NACIONAL PONDERADA PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS E PRINCIPAIS CAPITAIS DO, EM R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2014-2018

Fonte: BACEN/ FipeZap/Elaboração própria

R$ 4.000

R$ 6.000

R$ 8.000

R$ 10.000

R$ 12.000

R$ 14.000

dez/14 dez/15 dez/16 dez/17 out/18

Média Nacional ponderada Rio de Janeiro São Paulo Distrito Federal Florianópolis Belo Horizonte Recife

Page 138: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

138

Nas outras cidades consideradas no índice FipeZap, percebemos o mesmo

comportamento nos preços de compra dos imóveis, mas em menor grau que as grandes capitais.

No caso destacado, Niterói é a cidade com maior custo do m² e que, talvez, possa ser explicado

pela proximidade com a capital com o maior preço da série. São Caetano do Sul e Campinas

também apresentam o mesmo movimento, mas de um modo mais sutil que Niterói. De todo

modo, o preço de venda do m² em Campinas, por exemplo, chega hoje a cerca de R$ 5.300,00.

GRÁFICO 34: MÉDIA NACIONAL PONDERADA DO PREÇO DO M² DOS IMÓVEIS E CIDADES SELECIONADAS, EM R$, A

PREÇOS CONSTANTES DE 2017, 2014-2018

Fonte: BACEN/FipeZap/Elaboração própria

A tendência foi de queda na maior parte das cidades, mas os preços ainda continuam

elevados mesmo com a crise, o que dificulta o acesso à moradia das famílias mais pobres e em

um cenário com poucos incentivos, como veremos mais à frente.

3.3.1 O CIRCUITO IMOBILIÁRIO E RENTABILIDADE DOS IMÓVEIS

Os processos de ampliação dos preços dos imóveis e de expansão do mercado

imobiliário marcaram uma série de alterações na estratégia de muitas empresas do setor, no

sentido de lançarem marcas especializadas e novos tipos de produtos (Fix, 2011). A autora

aponta que as empresas passaram a se capitalizar a partir da abertura de capital e ampliaram sua

atuação para outros estados e cidades. “A abertura de capital na bolsa foi um meio de captar

R$ 4.000

R$ 5.000

R$ 6.000

R$ 7.000

R$ 8.000

R$ 9.000

R$ 10.000

dez/14 dez/15 dez/16 dez/17 out/18

Média Nacional ponderada Niterói São Caetano do Sul Campinas Santo André Santos

Page 139: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

139

recursos para a expansão, um total de R$ 8 bilhões para as empresas (ofertas primárias) e cerca

de R$ 3 bilhões para acionistas controladores (em ofertas secundárias), nos primeiros anos,

entre 2005 e 2008” (FIX, 2011; p. 136).

Uma questão importante que a autora coloca é o fato de que, no caso de crédito ao

consumidor, não ocorreu uma aproximação com o mercado de capitais, tal qual a dos EUA e,

também, da Inglaterra, como vimos, pois, no Brasil, de acordo com representantes do setor, há

uma excessiva preocupação com a segurança da posse do imóvel, o que dificulta um processo

de securitização imobiliária maior. Além dessa questão, acreditamos que a própria concorrência

com outros ativos e a incapacidade de pagamento das famílias, em um país com muita

desigualdade de renda, não permitem a ampliação maior do mercado secundário – o que é

relativamente bom, tendo em vista o caráter inerentemente instável do mercado de capitais. De

todo modo, a autora também aponta o fato de que, mesmo com essas questões, as empresas

reduziram o critério de suas análises de perfil de capacidade de pagamento das famílias, a fim

de que pudessem ampliar os financiamentos.

É interessante notar que a adoção desse tipo de estratégia pelas empresas ocorreu

justamente em um momento em que a rentabilidade dos imóveis só crescia, como veremos mais

à frente. Podemos pressupor que, ao perceberem uma tendência crescente de valorização dos

preços, as empresas enxergaram a possibilidade de obterem taxas de retorno maiores,

reduzindo, inclusive, os critérios para concessão de crédito. Enxergamos, portanto, uma

aproximação com as teorias críticas que abordamos no capítulo 1, já que, as empresas do setor

levavam em consideração a relação entre o prêmio de liquidez e a expectativa de valorização

do imóvel, mediante a escolha entre outros ativos, como títulos públicos, CDB e títulos da

dívida pública, que remuneram com renda fixa.

Para tanto, as empresas aumentaram seu estoque de terras, agravando cada vez mais o

preço dos lugares em que seriam construídos os imóveis, que por sua vez, também teriam

elevações. Como já dissemos, a decisão de investimento de agentes com informações

privilegiadas, ou com alguma articulação política maior, pode alterar a percepção de outros

agentes, que podem passar a investir em regiões próximas, aumentando, assim, os preços. É um

efeito em cadeia, que tende a se acentuar com a ampliação do crédito e sem uma política estatal

mais efetiva de algum tipo de controle. A MRV, por exemplo, ampliou e, mesmo com a crise

econômica atual, continua aumentando seu banco de terras para futuras incorporações (Mioto;

Penha Filho, 2019, no prelo). Conforme apontam os autores, a MRV dispendeu 3,5 bilhões de

reais em estoque de terras e, em termos de Valor Geral de Vendas, a empresa divulga que o

Page 140: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

140

valor estimado é de 40 bilhões de reais – ou seja, a valorização do banco de terras aumentou

em 10 vezes o valor investido.

O estoque de terrenos está diretamente associado à capacidade da empresa em gerar

lucros no futuro e maximizar valor ao acionista. Podemos com isso associar que a

formação do banco de terras projeta expectativas de lucro que produzem impactos

positivos no preço das ações (MIOTO; PENHA FILHO, no prelo).

Esse processo nos revela que o Estado brasileiro ajudou na garantia de expansão dos

lucros do grande capital – representado no mercado imobiliário pelas grandes construtoras e

incorporadoras que passaram, segundo Fix (2011), a adquirir cada vez mais terras, levando a

um considerável aumento dos preços urbanos, devido à concorrência entre empresas na busca

de terras com melhores localizações. Segundo a autora, essa dinâmica motivou, inclusive, a

busca destas grandes empresas a expandirem seus estoques via terrenos nas periferias e cada

vez mais distantes dos centros urbanos.

Além do estoque de terras, é importante que observemos os custos de construção, já que

eles são uma das variáveis que podem alterar os preços dos imóveis e são importantes nas

tomadas de decisão das empresas do setor. Neste trabalho, utilizamos o deflator e base INCC

(já visto em dados anteriores) e o indicador Custo Básico Unitário da Construção Civil

(CUB)140, disponibilizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e que

mede a variação mensal dos custos com material e mão-de-obra utilizados na construção,

considerando alguns pesos, como número de quartos que o imóvel terá e tipo de construção,

entre outras variáveis.

Quando observamos estas duas fontes comparadas ao IVG-R, vemos que a variação do

INCC e do CUB nos anos 2000 é consideravelmente correlacionada, enquanto o IVG-R mostra

uma tendência de crescimento, que se descola dos custos da construção civil, como podemos

observar no gráfico 35. Isso nos revela que os custos da construção seguiam a inflação do

período, enquanto os preços dos imóveis chegaram a estar 188% acima do INCC, em termos

nominais.

140 “Custo por metro quadrado de construção do projeto-padrão considerado, calculado de acordo com a

metodologia estabelecida em 8.3, pelos Sindicatos da Indústria da Construção Civil, em atendimento ao disposto

no artigo 54 da Lei nº 4.591/64 e que serve de base para avaliação de parte dos custos de construção das

edificações.”, que considera os insumos utilizados na produção habitacional, mão-de-obra (pedreiros e serventes),

equipamentos (betoneira) e taxas administrativas, que incluem as horas de trabalho dos engenheiros do setor

(CBIC. Disponível em: http://www.cub.org.br/saiba-mais).

Page 141: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

141

GRÁFICO 35: CRESCIMENTO NOMINAL DO CUB, IVG-R E INCC, 2007-2018, EM NÚMERO ÍNDICE

(FEV/2007=100)

Fonte: CBIC/BACEN/FGV/ Elaboração própria

Como vimos no capítulo 1, a teoria neoclássica pressupõe que as empresas privadas são

mais eficientes que o Estado, de tal modo que uma produtividade maior, inclusive na produção

de moradia, incorre em menores custos de produção que, consequentemente, são repassados

para os preços dos imóveis. No capítulo 2, também vimos que Thatcher usou essa mesma

abordagem para defender uma descentralização da política habitacional do Estado, que

ocasionaria um barateamento dos preços – que, como vimos, não aconteceu; na verdade,

ocorreu o contrário, já que os preços dos imóveis ingleses cresceram às maiores taxas até então

vistas pós segunda guerra mundial. Os dados recentes do Brasil nos evidenciam e confirmam

exatamente a mesma situação, pois, mesmo com a redução dos custos de produção em termos

reais e com a crise econômica instaurada em 2014, os preços dos imóveis continuaram bastante

elevados. Como podemos observar no gráfico 36, enquanto o preço médio do m² cresceu 77%

entre 2007 e 2013, o custo médio da construção caiu 3%. Em relação à série toda, o custo da

construção caiu 5,3%, enquanto o preço médio do m² cresceu 41%, mesmo com a crise

econômica.

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CUB IVG-R INCC

Page 142: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

142

GRÁFICO 36: PREÇO MÉDIO DO M² DO CUB E ÍNDICE IVG-R, A PREÇOS CONSTANTES DE 2017*, 2007-2018

* Deflator implícito INCC

Fonte: CBIC/BACEN/FGV/ Elaboração própria

Quando abrimos os dados do CUB do valor do m² por tipo de componente vemos o quão

mais alto o preço dos imóveis cresceu em relação ao custo de construção. Como podemos

verificar no gráfico 37, mesmo com a ampliação dos custos com despesas administrativas e

com mão-de-obra, o crescimento dos preços dos imóveis não acompanhou estes custos, o que

fortalece a nossa crítica ao pensamento de que os valores imobiliários acompanham os custos

de construção.

R$ 1.300

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Em

R$

Em

mer

o í

nd

ice

Índice IVG-R CUB Médio - R$/m²

5,3% CUB

Page 143: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

143

GRÁFICO 37: EVOLUÇÃO DO CUB MÉDIO POR COMPONENTES DESAGREGADOS E IVG-R, EM NÚMERO ÍNDICE

(FEV/07=100), 2007-2018

Fonte: CBIC/BACEN/FGV/ Elaboração própria

Uma questão interessante que podemos abstrair dessa comparação entre IVG-R e CUB

é que, como vimos, com a crise econômica, os preços imobiliários apresentaram uma tendência

de queda, mas ainda se encontram em um patamar bastante elevado. No entanto, como o gráfico

37 acima nos apresenta, mesmo com a queda, a distância entre o preço dos imóveis e o custo

médio da construção não diminui – inclusive, o custo da construção decaiu ao longo do período.

Sabemos que para uma análise sobre a correlação entre os custos de construção, os

preços dos imóveis e a rentabilidade das empresas é necessário um aprofundamento de estudo

dos dados e variáveis envolvidas. Entretanto, a partir dos dados que apresentamos aqui,

podemos pressupor que as empresas estavam observando o movimento conjuntural da

economia (como a taxa de juros e crédito imobiliário) e os custos advindos da produção civil,

que poderiam implicar maiores rendimentos a partir de uma valorização dos imóveis,

investindo, assim, na produção. Com o PMCMV essa questão foi agravada, pois, como

podemos observar os dados, o custo de produção caiu, mas o preço da moradia cresceu

tendencialmente e a taxa de lucro do segmento aumentou.

A expectativa de valorização crescente dos imóveis somada ao processo de

financeirização do setor da construção civil e do mercado imobiliário, alteraram a gestão das

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MATERIAIS MÃO DE OBRA DESP. ADM

EQUIPAMENTO IVG-R CUB MÉDIO TOTAL

Page 144: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

144

empresas e suas tomadas de decisão quanto ao investimento na área. Como Fix (2011) trata,

ocorreu no Brasil, especialmente a partir de 2008, uma entrada maciça de recursos via fundos

de investimento, com participação, inclusive, do capital internacional.

Esses fundos, como a autora aponta, observam as empresas, em especial as de capital

aberto, estudam seus balanços e os vinculam à conjuntura do setor e acompanham os preços de

suas ações, de tal modo que podem alterar as estratégias e resultados das empresas. Uma

colocação do fundador de uma gestora de fundos de investimento explicita essa lógica:

No final de 2008, as construtoras estavam indo para o vinagre, sendo negociadas a

uma fração do valor patrimonial. Só que nós percebemos que esse setor tinha todos os

ingredientes para funcionar. A taxa de crédito imobiliário em relação ao PIB era

baixíssima. Se o país desse medianamente certo, essa taxa iria aumentar. Há um déficit

habitacional gigante. Tem crédito em longo prazo e instrumentos para garantir

contratos. O que fizemos foi juntar um portfólio de 10 empresas diferentes e comprar

esses papéis como se fosse uma companhia fictícia, juntando todos os balanços.

Consideramos no nosso modelo que uma ou duas pudessem realmente quebrar, mas,

mesmo assim, quem sobrevivesse compensaria o investimento. Demos muita sorte

porque nenhuma quebrou. O governo ajudou baixando os juros e com o programa

Minha Casa Minha Vida. Acho que nesse caso geramos valor a partir de um

pessimismo extremo (ENTREVISTA DE JOÃO SANDRINI À REVISTA EXAME

apud FIX, 2011; p. 168)

Essa questão é central, pois a participação de fundos nas tomadas de decisão das

empresas altera os parâmetros de rentabilidade e temporalidade de resultados, vinculando-os

aos padrões do mercado financeiro (Fix, 2011) – apesar de empresas, como a MRV, terem seu

landbank atual apoiado nos fundos públicos e semi-públicos (Mioto; Penha Filho, 2019, no

prelo). Ademais, desde os anos 1990 o país passa pela institucionalização de uma série de

instrumentos de dívida no sistema financeiro vinculados, inclusive, ao setor imobiliário, como

é o caso dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI).

Atualmente, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) são provavelmente os

que mais chamam atenção no mercado financeiro. Os CRI são definidos no artigo 6

da lei que instituiu o SFI como: “Título de crédito nominativo, de livre negociação,

lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro”

(FIX, 2011; p. 180).

Estes certificados são títulos lastreados em créditos imobiliários, previstos na Lei

9514/97, e que só podem ser emitidos por Companhias Securitizadoras. Com o tempo,

conforme apontam Fix (2011) e Royer (2009), foi se difundindo uma ideia de que se fazia

necessário o desenvolvimento de um mercado secundário do setor imobiliário a fim de “atrair

capitais para a construção e gerar eficiência alocativa de recursos no setor” 141.

141 Carneiro e Valpassos, 2003, p. 35, apud Royer, p. 103.

Page 145: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

145

Não à toa, estes papeis ganharam um protagonismo no setor, especialmente a partir dos

anos 2000, com o boom do setor imobiliário. Segundo dados da Comissão de Valores

Mobiliários (CVM), a participação média dos CRI no total de ativos emitidos em títulos de

renda fixa, entre 2011 e 2018, foi a terceira mais representativa, com 8,8%.

GRÁFICO 38: PARTICIPAÇÃO MÉDIA DE CADA ATIVO NO VOLUME TOTAL (EM R$) EMITIDO DE TÍTULOS DE RENDA

FIXA, 2011-2018

Fonte: O mercado de dívida corporativa no Brasil – CVM, 2018

Sob esta mesma lógica de estímulo ao mercado imobiliário, a partir de 2011, o governo

aumentou consideravelmente a compra de CRI via FGTS – passou de R$ 130,6 milhões para

R$ 2,8 bilhões (valores nominais) – em uma clara tentativa de estimular o crédito imobiliário

securitizado. Em entrevista à Revista Exame, em novembro de 2011, o superintendente do

FGTS, José Maria Oliveira Leão, afirmou: “Só a poupança não vai dar conta... Os agentes

financeiros de maneira geral estão buscando fontes alternativas de recursos para atender o

volume de demanda, e o CRI é uma forma” 142.

142 Disponível em: https://exame.abril.com.br/mercados/fgts-compra-cri-para-estimular-financiamento-

imobiliario/

62,8%

15,1%

8,8%

7,8%

3,5%

2,0%

Debêntures

Notas Promissórias

CRI

FIDC

CRA

Letras Financeiras

Page 146: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

146

Como podemos observar na tabela abaixo, a compra de Recebíveis Imobiliários pelo

FGTS foi constante, especialmente após a criação do PMCMV. Se comparado a 2002, o

crescimento real do montante de CRI do FGTS em 2016 cresceu 6.863%.

TABELA 5: COMPRA DE CRI PELO FGTS, EM R$ (A PREÇOS CONSTANTES DE 2017), 2002-2016

ANO DE CONTRATAÇÃO VOLUME REAL DE COMPRA DE CRI, EM R$ (DEFLATOR

IMPLÍCITO IPCA)

2002 153.683.494

2003 19.134.641

2004 8.713.083

2005 31.152.873

2007 4.627.889

2008 75.697.422

2011 4.219.438.038

2012 3.485.750.507

2013 3.246.526.965

2014 2.171.100.316

2015 700.112.902

2016 10.700.800.622

TOTAL 24.816.738.751 Fonte: CEF/Elaboração própria

Royer (2009), aponta justamente essa questão da atuação do Estado no mercado

secundário imobiliário. Na visão econômica predominante, para que haja retornos atraentes dos

investidores, se faz necessária a intervenção estatal capaz de garantir os investimentos no

mercado de capitais.

Era fundamental que o Estado estruturasse os mercados, criando regras de

investimento, estimulando a demanda dos agentes públicos e privados e, acima de

tudo, implementando um ambiente institucional capaz de transmitir confiança aos

investidores (ROYER, 2009; p. 142).

A autora indica que a partir de 2007 passou a ser predominante o que ela identifica como

“operações de balcão” no setor habitacional. Ela pontua que ao invés do setor público atuar

como articulador da aprovação de leis específicas, destinação de terrenos e aprovações

urbanísticas, no “financiamento de balcão, o controle feito sobre a localização da unidade a ser

adquirida e/ou reformada é feita analisando-se a documentação expedida pelos órgãos de

fiscalização do uso e ocupação do solo das prefeituras municipais” (ROYER, 2009; p.93).

Portanto, caberia ao Estado a garantia de um ambiente propício aos negócios do mercado

secundário imobiliário no período analisado, que afetou, inclusive, os preços dos imóveis –

ainda que sem uma base real –, uma vez que os investidores passaram a considerar cada vez

Page 147: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

147

mais os ganhos que poderiam ser obtidos com os spreads de títulos, como os CRI. Isso implica

dizer que, ainda que houvesse políticas de acesso à moradia, como é o caso do PMCMV, muitas

pessoas ficaram de ‘fora’, já que o financiamento, como Royer (2009) aponta, se tornou um

negócio, um mercado, e não a efetivação de um direito social.

Klink e Souza (2017) complementam esta discussão, pois, para os autores, os fundos

públicos, assim como a regulação do Estado, foram estratégicos no cenário recente de

financeirização.

Mais particularmente, no caso brasileiro, isso remete ao papel estratégico do fundo

público e da regulação num cenário institucional ainda marcado pela baixa penetração

das finanças imobiliárias e pela ausência do mercado de capitais e mercado secundário

consolidados. Pois, nesse cenário específico, a “constante procura ou construção de

novos fluxos de renda associados aos ativos” que podem ser capitalizados (Leyshon

e Thrift, 2007, p. 98) a partir da penetração das lógicas e métricas financeiras tendem

a ocorrer por meio da articulação de projetos e estratégias que mobilizam, nas

múltiplas escalas, o próprio planejamento e a atuação territorial do Estado (KLINK e

SOUZA, 2017; p. 397)

Quando fazemos uma comparação da rentabilidade de algumas aplicações financeiras e

o IVG-R ao longo do tempo, temos um dado extremamente importante. Quando comparamos

a evolução das aplicações, percebemos que o crescimento do preço do IVG-R foi bem mais

expressivo quando comparado à variação da rentabilidade do CDB, que é um dos títulos

atrelados à taxa de juros básica. Em 2013, por exemplo, enquanto o rendimento real do CDB

em relação a 2006 cresceu 33,2%, o IVG-R teve um crescimento de 127,8% no mesmo período.

O gráfico 39 ilustra esta questão de maneira bastante clara, pois podemos perceber que o IVG-

R estava crescendo a taxas muito maiores que outras aplicações financeiras, como ações da

Ibovespa e até a taxa de juros implícita da dívida até 2015, quando há uma reversão.

Page 148: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

148

GRÁFICO 39: EVOLUÇÃO APLICAÇÕES FINANCEIRAS E TAXA DE JUROS IMPLÍCITA DA DÍVIDA, EM NÚMERO ÍNDICE

(EM TERMOS REAIS*, 2006=100), 2006-2018

* Deflator implícito IPCA

Fonte: BACEN/Elaboração própria

Como vimos nas seções anteriores, em relação à taxa de juros praticada na era FHC, a

taxa durante os governos Lula e Dilma foram tendencialmente se reduzindo, de tal maneira que,

por mais que ainda fosse um dos mais altos do mundo, os juros se encontravam em um patamar

bem abaixo ao praticado na década de 1990. Esse processo, por conseguinte, levou à

diversificação da carteira de ativos dos detentores de riqueza, que passaram a olhar o mercado

imobiliário com “bons olhos”, daí a forte expansão dos preços no setor imobiliário, que se

associa com o movimento de políticas públicas para o setor e com a própria dinâmica de

financeirização que apontamos acima. Logo, ainda que os juros fossem extremamente altos,

como a rentabilidade dos investimentos financeiros caiu, dada esta reversão, os agentes

procuraram outros ativos para aplicar seus recursos, como os imobiliários.

Como já apontamos, a variação dos preços de compra dos imóveis altera também a

dinâmica dos aluguéis. Para tentar tratar desta questão, na tabela abaixo, além das aplicações

financeiras e dos dados imobiliários, incluímos ainda a taxa de juros anual SELIC e a taxa de

juros implícita da dívida (que é a média ponderada de juros nominal que incide sobre a dívida

pública brasileira), a fim de termos as referências de rendimento das aplicações. Apresentamos

os dados a partir de 2002, devido à disponibilidade das informações do IVG-R e de algumas

aplicações financeiras. De qualquer modo, acreditamos que a abrangência de análise em dezoito

anos é esclarecedora.

0

50

100

150

200

250

300

2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 2 0 1 5 2 0 1 6 2 0 1 7 2 0 1 8

Taxa de juros implícita da dívida Poupança CDB Fundos de ações IBOVESPA IVG-R

Page 149: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

149

TABELA 6: RENDIMENTOS REAIS DAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES FINANCEIRAS, TAXA DE JUROS SELIC E DA DÍVIDA, BRASIL, EM %, 2002-2018

Ano/ Rentabilidade anual

SELIC Taxa de juros implícita da

dívida Poupança CDB

Fundos de Investimento

em ações IBOVESPA IVG-R

2002 8,3% 2,7% -3,0% 5,8% -3,6% -25,9% -7,6%

2003 6,4% 7,5% 1,7% 11,3% 27,0% 80,5% 4,4%

2004 9,4% 6,3% 0,5% 7,3% 8,9% 9,5% 3,4%

2005 11,6% 10,9% 3,3% 11,3% 10,5% 20,9% 2,8%

2006 9,7% 12,8% 4,9% 10,3% 32,0% 28,9% 10,2%

2007 6,4% 10,2% 3,0% 5,7% 46,5% 37,5% 14,4%

2008 7,3% 8,3% 1,9% 5,5% -35,2% -44,5% 16,8%

2009 4,2% 9,7% 2,5% 4,6% 40,7% 75,1% 20,8%

2010 4,5% 8,4% 0,9% 2,7% 2,5% -4,6% 16,5%

2011 4,1% 9,7% 0,9% 4,2% -12,8% -23,1% 9,2%

2012 1,2% 8,8% 0,6% 1,8% 2,7% 1,5% 4,0%

2013 3,8% 10,4% 0,4% 1,7% -4,2% -20,2% 2,6%

2014 4,9% 12,2% 0,6% 3,4% -14,3% -8,8% -1,3%

2015 3,1% 17,1% -2,3% 1,4% -21,5% -21,7% -11,1%

2016 6,9% 10,8% 1,9% 6,1% 14,6% 30,7% -8,5%

2017 3,8% 10,4% 3,6% 5,4% 28,2% 23,2% -3,5%

2018 2,7% 5,5% 0,6% 2,0% 25,1% 13,1% -5,7%

Taxa Total Acumulada

259,4% 465,7% 124,1% 239,5% 282,1% 235,8% 181,0%

Fonte: BACEN/FipeZap/Elaboração própria

Se observarmos as rentabilidades podemos considerar algumas questões sobre a ideia

de alocação de riqueza. O alto rendimento da taxa SELIC é uma delas, uma vez que, como é

bem sabido, o Brasil, apesar de todos avanços sociais, mantém juros altíssimos que lastreiam a

dívida pública e demais aplicações financeiras. Uma taxa de juros elevada garante uma alta

rentabilidade aos investidores; e uma taxa mais baixa leva os aplicadores a buscarem

alternativas de investimento. É bem elucidativa a queda real da taxa SELIC ao longo dos anos,

mas percebemos que a redução foi mais acentuada a partir de 2009, que foi um ano, inclusive,

marcado pela maior taxa do IVG-R na série (20,8% a.a.). Além do IVG-R, destacamos, ainda,

a rentabilidade das ações da Ibovespa (75,1% a.a.), dos fundos de investimento (40,7% a.a.),

além do crescimento da taxa de juros implícita da dívida pública, que lastreia uma série de

títulos. Percebemos, portanto, que mesmo com a queda da taxa de juros SELIC, os investidores

enxergaram possibilidades de alocação de recursos em ativos mais rentáveis, inclusive no

mercado imobiliário.

Conforme podemos observar na tabela 6, em 2012, como já pontuamos acima, a SELIC

caiu consideravelmente, ao passo que a taxa de juros da dívida cresceu 17% em 2013, em

Page 150: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

150

relação ao ano anterior. Neste mesmo período, o IVG-R continuava apresentando o movimento

de valorização do imóvel, ainda que essa tendência viesse se reduzindo, já que a partir de 2014,

vemos que o processo de aumento dos preços dos imóveis é revertido.

De todo modo, quando olhamos para a série toda, vemos que a valorização imobiliária

teve uma taxa acumulada bastante elevada ao longo do período, que só não foi maior devido à

desaceleração econômica a partir de 2014. A título de curiosidade, no período entre 2010 e

2018, a taxa acumulada dos preços dos imóveis foi de 99,2%, enquanto no período anterior –

2002 a 2009 – a taxa acumulada real foi de 182,4%. Esse dado é relevante, pois reforça ainda

mais nosso argumento de que o imóvel foi visto como um ativo financeiro, capaz de garantir

altas taxas de rentabilidade aos investidores. Além disso, o fato de a taxa dos preços dos imóveis

cair entre 2010 e 2018 aponta para a crítica que se tem ao MCMV, de que o programa veio

como um instrumento para reaquecer o setor imobiliário143 e não com o objetivo exclusivo de

sanar os problemas de direito à moradia.

Vemos, ainda que os fundos de investimento tiveram uma participação considerável ao

longo destes 18 anos, com uma taxa real acumulada de 282%. Uma questão que podemos

colocar aqui, e que pode ser aprofundada em trabalhos futuros, é que uma parte desta alta taxa

acumulada dos fundos entre 2008 e 2018 pode estar relacionada à própria dinâmica imobiliária

do período. Essa suposição vai ao encontro de dados da gestora de fundos Rio Bravo. Segundo

a instituição144, os fundos de investimentos imobiliários145 foram a aplicação financeira mais

rentável entre várias analisadas, com um retorno médio de 375,7% entre 2005 e 2011, ganhando

até dos títulos atrelados à dívida pública.

Os fundos imobiliários são aplicações financeiras em que o dinheiro dos investidores

é usado para a compra de um ou mais imóveis. Essas propriedades serão

posteriormente alugadas para que o rendimento mensal possa ser distribuído aos

quotistas. Quem decide investir em imóveis por meio de fundos tem uma série de

vantagens. A principal delas é que não é preciso pagar Imposto de Renda sobre o

rendimento obtido com aluguéis quando os fundos são listados em bolsa e obedecem

a determinadas regras (REVISTA EXAME, 2011).

143 É importante apontar, no entanto, que mesmo com os reflexos nos preços dos imóveis, a política econômica

adotada nos anos 2000, de modo geral, teve um caráter anticíclico, que possibilitou uma série de avanços na renda,

no emprego da população e nos insumos da construção civil. Essa questão se altera, contudo, quando o Estado, a

partir de instrumentos e mecanismos monetários, adota um caráter rentista em suas medidas, que acabam refletindo

apenas um componente financeiro de atuação, com reflexos, predominantemente, ruins para a sociedade. 144 Exame.com (2011). Disponível em: https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/fundos-imobiliarios-sao-melhor-

aplicacao-desde-2005/ 145 Importante destacar que a maior parte dos fundos de investimentos imobiliários contém em sua carteira imóveis

comerciais.

Page 151: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

151

Podemos observar esta lógica na figura 9, que nos aponta o rendimento acumulado de

uma série de aplicações financeiras. Como vemos, estes dados corroboram para a nossa ideia

de que a expectativa de ganho futuro é um elemento extremamente importante na alocação de

recursos por parte dos investidores, que observam a liquidez da carteira de ativos e suas

rentabilidades. Corrobora, também, na questão de que um cenário propício, como é foi o caso

deste período analisado, pode direcionar políticas públicas específicas a determinado setor.

FIGURA 9: RENTABILIDADE MÉDIA DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS, BRASIL, 2005-2011, EM %.

Fonte: Extraído de Exame.com (2011).

A partir de 2014, no entanto, percebemos que a rentabilidade imobiliária passa a

decrescer – talvez em resposta ao aumento da taxa de juros e a possibilidade de ganhos futuros

em outros ativos. Interessante observar que neste mesmo período houve um aumento expressivo

das unidades distratadas, ou seja, de imóveis devolvidos pelos compradores, nas faixas de

imóveis de médio e alto padrão, conforme podemos observar no gráfico 40 abaixo.

Page 152: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

152

GRÁFICO 40: NÚMERO DE UNIDADES DISTRATADAS, TOTAL E MÉDIO/ALTO PADRÃO, BRASIL, 2015-2018

Fonte: Abrainc146-Fipe/Elaboração própria

Alguns autores defendem que isso ocorreu em decorrência da percepção dos

investidores de imóveis de alto padrão de que havia outros ativos mais lucrativos que os

imobiliários, que se intensificou a partir de 2014. Não pretendemos inferir a hipótese de que o

aumento dos juros interferiu no número de distratos de imóveis mais caros, mas achamos

importante apontar este movimento.

De todo modo, ao longo da série, verificamos que os ativos imobiliários ofertaram altas

taxas de rendimento aos investidores. A fim de ilustrarmos melhor esta questão, que

consideramos de extrema relevância em uma análise do mercado imobiliário, montamos uma

simulação simples de aplicação financeira. Como trabalhamos na tabela 6, com valores reais, e

nesta simulação trabalharemos com os valores nominais, apresentamos na tabela 7 as mesmas

aplicações só que sem desconto da inflação.

146 Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. Disponível em: https://www.abrainc.org.br/indicadores/

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500d

ez/

14

fev/

15

abr/

15

jun

/15

ago

/15

ou

t/1

5

de

z/1

5

fev/

16

abr/

16

jun

/16

ago

/16

ou

t/1

6

de

z/1

6

fev/

17

abr/

17

jun

/17

ago

/17

ou

t/1

7

de

z/1

7

fev/

18

abr/

18

jun

/18

ago

/18

ou

t/1

8

de

z/1

8

Todos os empreeendimentos Empreendimentos MAP (médio e alto Padrão)

Page 153: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

153

TABELA 7: RENDIMENTOS NOMINAIS DAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES FINANCEIRAS, YIELD, TAXA DE JUROS SELIC E

DA DÍVIDA, BRASIL, EM %, 2008-2018

Fonte: BACEN/FipeZap/Elaboração própria

A partir desta base de rendimento nominal das aplicações, incluímos, ainda, a taxa de

rentabilidade do aluguel (yield), disponibilizada pela FipeZap a partir de 2008. O yield é a

percentagem resultante da comparação do preço médio de locação em 12 meses com o preço

médio de venda de um imóvel. Desta comparação, “é possível obter uma medida da

rentabilidade para o investidor que opta por alugar seu imóvel. O indicador é relevante, em

particular, para se avaliar a atratividade do mercado imobiliário em relação a outras opções de

investimento disponíveis”147. A taxa yield pode ser resumida na seguinte fórmula:

𝑦𝑖𝑒𝑙𝑑 =𝑝𝑟𝑒ç𝑜 𝑚é𝑑𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑙𝑜𝑐𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 12 𝑚𝑒𝑠𝑒𝑠

𝑝𝑟𝑒ç𝑜 𝑚é𝑑𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑎 𝑑𝑜 𝑖𝑚ó𝑣𝑒𝑙

Considerando esta definição da taxa yield – e que este dado só é disponibilizado a partir

de 2008 – e a taxa nominal das aplicações financeiras, vamos supor que um investidor tivesse,

em 2007, R$ 100.000,00 para aplicar. Se ele aplicasse esse montante em uma das possibilidades

que consideramos na tabela 3, ele teria a seguinte remuneração bruta ao final de 2018:

147 Boletim FipeZap, dezembro de 2018

Ano/Rentabilidade anual

SELIC (%

a.a.)

Taxa de juros implícita da

dívida Poupança CDB

Fundos de Investimento

em ações IBOVESPA IVG-R YIELD

2008 13,7% 14,7% 7,9% 11,7% -31,4% -41,2% 24% 8,3%

2009 8,7% 14,5% 6,9% 9,1% 46,8% 82,7% 26% 7,7%

2010 10,7% 14,8% 6,9% 8,7% 8,6% 1,0% 23% 6,8%

2011 10,9% 16,9% 7,5% 10,9% -7,2% -18,1% 16% 6,2%

2012 7,1% 15,2% 6,5% 7,8% 8,7% 7,4% 10% 5,7%

2013 9,9% 16,9% 6,4% 7,7% 1,5% -15,5% 9% 5,4%

2014 11,7% 19,4% 7,1% 10,0% -8,8% -2,9% 5% 5,1%

2015 14,2% 29,6% 8,1% 12,3% -13,1% -13,3% -2% 4,8%

2016 13,7% 17,8% 8,3% 12,7% 21,8% 38,9% -3% 4,6%

2017 6,9% 13,7% 6,6% 8,5% 32,0% 26,9% -1% 4,4%

2018 6,4% 9,5% 4,2% 5,6% 29,6% 17,1% 1% 4,1%

Taxa Total Acumulada

294,0% 538,2% 209,1% 272,2% 184,8% 140,1% 270,7% 184,2%

Page 154: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

154

TABELA 8: SIMULAÇÃO DE APLICAÇÃO ENTRE DIFERENTES ATIVOS, VALORES NOMINAIS, BRASIL, EM R$, 2007-2018

Ano/Rentabilidade anual

SELIC POUPANÇA CDB AÇÕES IBOVESPA IVG-R

ALUGUEL QUE IMÓVEL IRIA REMUNERAR

NO ANO

APLICAÇÃO DO ALUGUEL NO

CDB

2007 100.000,00 100.000,00 100.000,00 100.000,00 100.000,00 100.000,00

2008 113.660,00 107.903,45 111.702,22 68.633,91 58.777,04 123.736,60 10.234,24 1.398,00

2009 123.491,59 115.370,78 121.863,59 100.742,73 107.360,82 155.895,87 12.005,27 1.159,38

2010 136.655,79 123.330,22 132.494,19 109.376,36 108.480,93 192.394,08 13.164,89 1.675,99

2011 151.551,27 132.518,56 146.974,27 101.547,53 88.836,59 223.685,55 13.767,44 1.962,09

2012 162.372,04 141.099,61 158.367,82 110.365,69 95.407,62 246.248,09 13.934,29 1.437,26

2013 178.446,87 150.088,48 170.569,38 111.990,46 80.623,44 267.687,60 14.344,05 2.175,70

2014 199.235,93 160.714,90 187.618,92 102.096,13 78.275,51 281.112,81 14.205,91 2.797,67

2015 227.427,81 173.691,05 210.610,23 88.723,66 67.853,80 276.620,72 13.360,21 3.674,23

2016 258.471,71 188.115,54 237.455,09 108.060,58 94.272,78 269.116,90 12.249,80 3.894,36

2017 276.306,26 200.557,68 257.693,64 142.606,04 119.591,36 267.228,18 11.742,30 2.202,27

2018 293.989,86 209.052,72 272.226,24 184.772,95 140.099,81 270.699,34 11.129,77 2.144,43

2007/2018 193.989,86 109.052,72 172.226,24 84.772,95 40.099,81 170.699,34 140.138,17 24.521,40

Fonte: BACEN/FipeZap/Elaboração própria

Os R$ 100.000 aplicados em CDB, que estão atrelados à taxa de juros SELIC, renderiam

R$ 172.226 no período. O mesmo montante, se aplicado na compra de um imóvel e que fosse

alugado em seguida, teria um rendimento de R$ 170.699 referente ao ‘ganho’ com a valorização

do imóvel no período e teria rendido cerca de R$ 140.138 com o aluguel – este último valor

resultado da fórmula do yield. Abstraindo ainda mais, caso este investidor aplicasse o montante

obtido na locação do imóvel em um título de renda fixa, como o CDB, ele teria, ao final do

período, R$ 24.521. Somando estes rendimentos, os R$ 100.000 aplicados em 2007 teriam

rendido, ao final de 2018, R$ 335.358, em termos nominais – um aumento de 335%.

Gostaríamos de salientar, no entanto, que esta simulação é simples e não incorporamos custos

de carregamento do imóvel (como IPTU e demais taxas) e nem impostos advindos de aplicações

financeiras (como IOF). Sabemos que para uma análise mais profunda seria necessária uma

incorporação destes elementos.

De qualquer modo, ao observamos estes números que saltam aos olhos, tanto do IVG-

R, como yield e fundos imobiliários, entendemos que investir no imóvel como um ativo foi,

neste período, uma ‘ótima’ oportunidade aos investidores e empresas do setor da construção

civil, uma vez que a rentabilidade era extremamente alta.

Percebemos que, de maneira geral, esse aumento expressivo dos preços imobiliários

ocorreu durante toda a década de 2000 e que se manteve até 2015, graças ao impulso ao setor

da construção civil com a criação do PMCMV, que apesar de criar um mercado de moradias

para a classe média e baixa, impulsionou os preços para cima – apesar destes crescerem a taxas

Page 155: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

155

menores que nos anteriores. Vemos neste contexto uma série de forças que se relacionaram

neste processo, como incorporadoras, prefeituras e empreiteiras, mas com o Estado, na nossa

visão, como grande articulador de uma série de interesses que vinham no sentido da busca de

maiores taxas de rentabilidade e que aproveitaram o cenário econômico e setorial imobiliário.

Além do PMCMV, este foi um período marcado pelo aumento de recursos direcionados

à população e, também, ao setor da construção civil, a partir de uma série de fontes, como

FGTS, FAR e FAT. Apontamos, no item 3.3.2., que houve um direcionamento considerável de

fundos públicos para a construção civil, conforme pudemos observar.

Essas questões são extremamente importantes, pois interferem no acesso à moradia por

uma série de fatores, como os aumentos dos preços e a securitização de financiamentos, que

afetam as famílias, em especial as mais pobres, já que estas variáveis podem gerar expulsão da

população para as margens das cidades e a priorização dos recursos do Estado para as classes

médias e altas, sejam estes recursos diretos (como o PMCMV) ou indiretos (mediante

instrumentos financeiros, como a taxa de juros). Por fim, tentaremos, na próxima seção,

explorar as implicações dessa série de relações entre aumentos dos preços imobiliários, agentes

financeiros, investidores e Estado para as famílias brasileiras.

3.3.2. RENDIMENTO DAS FAMÍLIAS E PREÇO DOS IMÓVEIS

Como vimos nas seções anteriores, a conjuntura econômica e as políticas

governamentais foram centrais para a ampliação do direito à moradia por boa parte da

população brasileira, explicada pela forte expansão do crédito, inclusive na concessão

habitacional, como apontamos. Podemos observar no gráfico 41 que a participação do crédito

habitacional em relação ao total dos créditos direcionados148 foi bastante expressiva entre 2011

e 2018 para as famílias, representando 65% do volume total disponibilizado.

148 “Créditos direcionados são aqueles destinados a determinados setores ou atividades, realizados com recursos

regulados em lei ou normativo” (BACEN, 2011, p. 4).

Page 156: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

156

GRÁFICO 41: PARTICIPAÇÃO DOS TIPOS DE CRÉDITO DIRECIONADOS PARA PESSOA FÍSICA, BRASIL, EM %, 2011-2018

Fonte: BACEN/Elaboração própria

É bem visível que o crédito habitacional teve um papel fundamental no acesso das

famílias à moradia, em especial, como já pontuamos, devido ao PMCMV. Essa questão é

importante, pois os níveis de financiamento cresceram consideravelmente, assim como os

subsídios às famílias de baixa renda. O programa foi articulado de tal modo a ter três fases: a

primeira se deu em 2009, a segunda em 2012, a qual sofreu uma série de alterações em relação

à anterior, e a terceira ocorreu em 2016, em meio à crise política no país.

O programa, como já dissemos acima, atende três faixas de renda que foram ganhando

mais ou menos importância no decorrer do tempo. Quando observamos os dados, percebemos

que, de modo geral, foram as famílias com renda de até 3 salários mínimos (e onde se concentra

a maior demanda habitacional do país) as mais prejudicadas. Isso, porque, o total produzido na

faixa 1 a partir da segunda fase foi diminuindo em relação à meta colocada, apesar de ter sido

beneficiada com a produção de mais de 1,7 milhões de unidades.

25%

65%

6%

4% 1%

Crédito Rural - Total

Financiamento Imobiliário

- Total

Financiamento com

recursos do BNDES -

Total

Microcrédito - Total

Outros Créditos

Direcionados

Page 157: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

157

TABELA 9: META E UNIDADES CONTRATADAS, PMCMV

PMCMV-1

abril de 2009

Renda familiar de 0 a R$ 4.650

META CONTRATADO

UH % R$ (bilhões) % UH %

FAIXA 1 400.000 40% R$ 18,0 33% 482.741 48%

FAIXA 2 400.000 40% R$ 26,1 47% 375.764 37%

FAIXA 3 200.000 20% R$ 11,0 20% 146.623 15%

1.000.000 55,1 1.005.128

PMCMV-2

setembro de 2012

Renda familiar de 0 a R$ 5.000

META CONTRATADO

UH % R$ (bilhões) % UH %

FAIXA 1 1.600.000 67% R$ 63,2 34% 1.226.605 45%

FAIXA 2 600.000 25% R$ 100,4 53% 1.216.341 44%

FAIXA 3 200.000 8% R$ 24,7 13% 307.054 11%

2.400.000 188,2 2.750.000

PMCMV-3

março de 2016

Renda familiar de 0 a R$ 6.500

META CONTRATADO

UH % R$ (bilhões) % UH %

FAIXA 1 170.000 30% R$ 2,0 2% 53.748 6%

FAIXA 2 200.000 35% R$ 86,5 82% 715.742 80%

FAIXA 3 200.000 35% R$ 17,0 16% 128.110 14%

570.000 105,4 897.600 Fonte: Elaboração própria, a partir de dados extraídos de CASTRO (2018; p. 66).

Podemos observar que das 4,6 milhões de unidades contratadas pelo Minha Casa Minha

Vida, a participação da faixa 1 em relação ao total foi de 38%. A faixa 2 e faixa 3 tiveram

participação de 50% e 13%, respectivamente. Portanto, há uma base que sustenta a crítica de

que o programa favoreceu, especialmente, as camadas médias da sociedade brasileira, em

detrimento daquelas que mais precisam – as das famílias que estão na faixa 1 do programa.

Essa questão fica ainda mais latente quando observamos essas informações

graficamente.

Page 158: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

158

GRÁFICO 42: RELAÇÃO ENTRE META E PRODUÇÃO DE UNIDADES DAS TRÊS FASES DO PMCMV

Fonte: Extraído de CASTRO (2018; p. 67).

Como podemos observar, na primeira etapa do programa, as metas de produção foram

relativamente atendidas, especialmente na faixa 1, que até teve um nível maior contratado que

a meta estimada. No entanto, a partir da Fase 2 os níveis contratados ficaram bem abaixo na

faixa de renda mais baixa, e aumentaram consideravelmente nas faixas 2 e 3. A faixa 2, por

exemplo, teve uma produção 200% maior que o previsto na Fase 2, enquanto que a faixa 1 teve

uma redução de 30% da meta. Conforme apontam vários autores, essas alterações foram em

decorrência, por exemplo, da criação de uma faixa intermediária para famílias que ganham até

R$ 2.350 e aumento dos valores máximos de financiamento, a fim de atender a demanda do

setor da construção, que acabaram por afetar as famílias de mais baixa renda. Essa mudança

nos tetos de financiamento pode estar atrelada, inclusive, à própria lógica do mercado

imobiliário, como uma resposta ao aumento dos preços dos imóveis.

Em relação à Fase 3, implementada durante o governo Temer, vemos que a distribuição

das unidades ficou ainda mais desigual entre as faixas de renda. As camadas de renda média e

alta representam 94% das moradias produzidas. Este dado é interessante, pois esta última fase

foi lançada em um período em que a crise econômica já se agravava e, mesmo assim, a maior

parte das moradias não foi destinada às famílias que mais precisavam.

Sob esta perspectiva, não queremos dizer que o programa não foi importante. Muito

pelo contrário. Em um país com mais de 80% da população vivendo em áreas urbanas, sabemos

da importância de um projeto como o Minha Casa Minha Vida na provisão de moradias às

Page 159: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

159

famílias, em especial às de baixa renda. No entanto, entendemos ser importante um ponto de

vista crítico, a fim de fornecer outros elementos para o debate de políticas habitacionais, em

especial na perspectiva dos preços dos imóveis, uma vez que, como temos visto, o PMCMV,

da maneira como foi articulado, ajudou para que os preços imobiliários disparassem.

Somados aos altos preços dos imóveis, se verificarmos também a evolução da massa

dos salários em circulação, verificado no gráfico 43, perceberemos que o crescimento dos

preços imobiliários se deu de maneira muito mais acentuada do que a renda que os trabalhadores

vinham recebendo149. Ou seja, ainda que o período tenha sido marcado por uma taxa de

desemprego muito baixa e uma alta valorização do salário mínimo, a massa salarial não cresceu

nas mesmas proporções que os preços das casas. Importante, ponderar, no entanto, que a

variável renda é fluxo, enquanto a variação de preços é estoque, logo, é preciso considerar esta

diferença. Entretanto, justamente por serem variáveis com características diferentes

conseguimos observar que o movimento rentista recente tem alargado a diferença entre ambas,

além de dificultar a possibilidade de acesso das famílias ao financiamento imobiliário, cabendo

ao Estado, portanto, o papel de frear este processo. Em outras palavras, parte dos recursos da

política habitacional tem sido “tragados” pelo aumento de preços.

Quando observamos o gráfico, vemos que em fevereiro de 2014 a discrepância de uma

variável para outra chegou a 164% a.a., que nos mostra que o acesso ao financiamento para

quem não tem imóvel é dificultado, ao passo que para aqueles que tem o imóvel ou aplicações

financeiras em fundos imobiliários foi um momento de ganhos.

149 Ainda que uma variável seja de estoque (imóvel) e outra de fluxo (renda), entendemos que ambas são relevantes

nesta análise, dada a falta de dados mais coerentes

Page 160: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

160

GRÁFICO 43: EVOLUÇÃO MASSA SALARIAL E IVG-R, BRASIL, EM TERMOS REAIS E EM NÚMERO ÍNDICE

(MAR/2002=100), 2001 A 2016150

Fonte: IBGE/BACEN/Elaboração própria

Como já vimos na seção anterior, a década de 2000 e meados da década de 2010 foram

marcadas por uma política muito importante de valorização do salário mínimo. No entanto, se

compararmos o rendimento efetivo da economia, ele foi muito abaixo do que a variação dos

preços dos imóveis durante todo o período. Mesmo a partir de 2015, quando os preços

começaram a cair, a distância entre as duas variáveis continuou muito alta. Se comparado a

2002, a taxa de variação do IVG-R em 2015 foi de 128,99%. E se observarmos, os preços não

baixaram aos níveis anteriores à crise.

Para Maricato (2014), os preços dos imóveis cresceram desta forma, pois o Estado se

absteve de qualquer medida mais efetiva, apesar de todas as leis existentes no país.

No mais dos casos, as Câmaras Municipais e prefeituras flexibilizaram a legislação,

ou apoiaram iniciativas ilegais para favorecer empreendimentos privados. Uma

simbiose entre governos, parlamentos e capitais de incorporação, de financiamento e

de construção promoveu um boom imobiliário que tomou as cidades de assalto

(MARICATO, 2014, p.9).

Com um afastamento do Estado no controle dos preços dos imóveis, podemos supor que

foram as famílias as mais prejudicadas com este aumento expressivo, já que tanto as empresas

como setor financeiro estavam lucrando neste processo.

150 Não estendemos a série até 2018, pois o dado disponibilizado pelo IBGE foi descontinuado.

85

105

125

145

165

185

205m

ar/0

2ju

l/0

2n

ov

/02

mar

/03

jul/

03

nov

/03

mar

/04

jul/

04

nov

/04

mar

/05

jul/

05

nov

/05

mar

/06

jul/

06

nov

/06

mar

/07

jul/

07

nov

/07

mar

/08

jul/

08

nov

/08

mar

/09

jul/

09

nov

/09

mar

/10

jul/

10

nov

/10

mar

/11

jul/

11

nov

/11

mar

/12

jul/

12

nov

/12

mar

/13

jul/

13

nov

/13

mar

/14

jul/

14

nov

/14

mar

/15

jul/

15

nov

/15

EM

ME

RO

ÍND

ICE

MASSA SALARIAL IVG-R

Page 161: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

161

Essa falta de controle reflete tanto nos preços de venda dos imóveis quanto nos aluguéis,

já que estes acompanham os preços de venda. Quando observamos os dados do IBGE,

percebemos que o ônus excessivo com aluguel aumentou consideravelmente em todas as

regiões brasileiras. O interessante é que, segundo os dados, as regiões que tiveram maior

destaque no aumento foram a Norte e Nordeste. Mesmo assim, as regiões Sudeste, Sul e Centro

Oeste também apresentaram elevação, puxadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina

e Distrito Federal. Na média, o crescimento dos aluguéis no Brasil, entre 2005 e 2015, foi de

32%.

TABELA 10: PROPORÇÃO DE DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES EM SITUAÇÃO DE ÔNUS EXCESSIVO COM

ALUGUEL, SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES - 2005 E 2015, EM %

2005

Domicílios alugados

Domicílios com ônus excessivo

com aluguel 2015

Domicílios alugados

Domicílios com ônus excessivo com

aluguel

Em % Em % Em % Em %

Brasil 16,0 24,3 Brasil 17,9 32,0

Norte 11,1 18,4 Norte 14,4 29,0

Nordeste 13,1 20,5 Nordeste 15,2 30,5

Sudeste 18,2 27,2 Sudeste 19,5 34,4

Sul 14,8 21,3 Sul 16,7 29,6

Centro-Oeste 19,6 24,6

Centro-Oeste 23,7 29,9

Fonte: IBGE-SIS/Elaboração própria

Interessante também que, ao observarmos estes dados por tipo de núcleo familiar, os

pais com mais de um filho foram os que mais sofreram com o aumento do ônus excessivo de

aluguel, e justamente no Norte e Nordeste do país, conforme podemos observar na tabela abaixo

de variação do período.

TABELA 11: TAXA DE VARIAÇÃO ENTRE DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES EM SITUAÇÃO DE ÔNUS EXCESSIVO

COM ALUGUEL, EM %

2005/2015

Domicílios alugados

Domicílios com ônus excessivo com

aluguel Casal sem filho

Casal com filho

Mulher com filho

Em % Em % Em % Em % Em %

Brasil 12% 32% 38% 52% 50%

Norte 30% 58% 71% 133% 69%

Nordeste 16% 49% 33% 70% 76%

Sudeste 7% 26% 33% 39% 41%

Sul 13% 39% 70% 58% 42%

Centro-Oeste 21% 22% 19% 42% 65%

Fonte: IBGE-SIS/Elaboração própria

Page 162: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

162

Percebemos que em dez anos as famílias com filhos e as mães solteiras foram as mais

afetadas com altos aluguéis no país. Os domicílios alugados na região Sudeste aumentaram

muito pouco, o que, talvez, pode ser explicado pelo fato de que na região foi mais predominante

a compra de imóveis, dado o Minha Casa Minha Vida. De todo modo, mesmo sem um aumento

na proporção de imóveis alugados, conforme dados do FipeZap, ainda com a crise econômica

no país, os preços dos imóveis no Sudeste e no Brasil continuam elevados, apesar de

apresentarem tendência de queda. No entanto, os dados mais consolidados só se iniciam a partir

de 2015, o que inviabiliza uma análise mais aprofundada do período anterior, mas imaginamos

que o preço médio do m² de locação seguiu a tendência de aumento dos preços de venda.

GRÁFICO 44: PREÇO MÉDIO DE LOCAÇÃO DO M², BRASIL, EM R$ (A PREÇOS CONSTANTES DE 2017), 2015-2018

Fonte: FipeZap/BACEN/Elaboração própria

Quando comparado a janeiro de 2015, o preço médio do aluguel do país caiu 31% em

outubro de 2018. De qualquer modo, se considerarmos, por exemplo, uma casa com 60 m², o

preço médio de aluguel será R$ 1.624,70. Ao observarmos a tendência de preços de algumas

cidades, a os valores ficam ainda mais altos, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e

Distrito Federal. A cidade paulista foi a que menos apresentou queda em relação a 2015, com

18%, seguida do Distrito Federal (20%) e Rio de Janeiro (39%) – esta última, como já vimos,

é que apresenta os maiores valores do m² de venda.

R$ 20

R$ 25

R$ 30

R$ 35

R$ 40

Page 163: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

163

GRÁFICO 45: PREÇO MÉDIO DE LOCAÇÃO DO M² POR CIDADE SELECIONADAS (FIPEZAP), EM R$ (A PREÇOS CONSTANTES

DE 2017), 2015-2018

Fonte: FipeZap/BACEN/Elaboração própria

Essas questões são importantes, uma vez que podemos pressupor que mesmo com a

crise econômica, os aluguéis estão altos e, consequentemente, uma parcela da renda da

população tem sido destinada para o direito de morar. Compilamos algumas informações a

respeito do rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas (com carteira assinada) e do

preço médio (m²) de locação no país. Quando observamos a média móvel mensal em 12 meses,

vemos que, cada vez mais, uma variável tem se aproximado da outra.

GRÁFICO 46: MÉDIA MÓVEL MENSAL EM 12 MESES, LOCAÇÃO FIPEZAP E RENDIMENTO MÉDIO REAL HABITUAL DAS

PESSOAS OCUPADAS, EM %, 2016-2018

Fonte: FipeZap/IBGE-PNAC/Elaboração própria

R$ 20

R$ 25

R$ 30

R$ 35

R$ 40

R$ 45

R$ 50

São Paulo Rio de Janeiro Distrito Federal

-2,0%

-1,5%

-1,0%

-0,5%

0,0%

0,5%

1,0%

EM

%

Preço médio do m² - Brasil Rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas

Page 164: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

164

Isso quer nos dizer que ou a taxa de variação do rendimento médio dos empregados não

tem crescido a um patamar suficiente ou que os aluguéis não têm caído como deveriam. Isso é

importante, pois nos fornece elementos para entender os possíveis impactos dos aumentos dos

preços dos imóveis, já que as famílias de renda mais baixa vão comprometendo, cada vez mais,

suas rendas com os custos de aluguel. Esses altos custos têm feito com que muitas famílias

sejam ‘expulsas’ para as periferias das periferias.

A disputa por terras entre o capital imobiliário e a força de trabalho na semiperiferia

levou a fronteira da expansão urbana para ainda mais longe: os pobres foram expulsos

para a periferia da periferia. Novas áreas de proteção ambiental, como a Área de

Proteção dos Mananciais de São Paulo, acabam sendo invadidas pelos sem

alternativas, pois a política habitacional está longe do núcleo central do déficit

(MARICATO, 2013; p. 24).

Essa questão é extremamente importante em um cenário em que as condições de

trabalho e melhores salários estão se precarizando, vide Reforma Trabalhista que foi aprovada

em 2017, durante o governo Temer. Além disso, como pudemos observar em seções anteriores,

o nível de endividamento das famílias aumentou muito nos últimos anos – justificado pelo

crescimento do crédito, mas também pelo desemprego e rebaixamento dos salários. Conforme

o gráfico 47 abaixo nos apresenta, estamos vivendo em um período em que a variação da

formalização do emprego tem decaído.

Page 165: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

165

GRÁFICO 47: ÍNDICE DE FORMALIZAÇÃO DO EMPREGO, VARIAÇÃO EM 12 MESES, EM %, 2002-2018

Fonte: BACEN/ Elaboração própria

Esse cenário no mercado de trabalho agrava a condição de pagamento das famílias tanto

em relação ao aluguel, como dissemos, quanto às parcelas dos financiamentos imobiliários.

Além disso, como temos visto, mesmo com a crise econômica, os preços dos imóveis não

retornaram ao patamar anterior ao boom. Uma explicação possível pode ser tida por Abramo

(1988), já que, como vimos, em momentos de incerteza em relação aos ganhos futuros, como é

o caso do Brasil de hoje, os agentes migram suas expectativas para ativos mais líquidos ou mais

seguros, como é o caso dos imóveis.

O cenário de dissolução da problemática dos altos preços imobiliários parece bastante

distante. E se ocorrer, a tendência é que as grandes empresas e incorporadoras coloquem os

custos de construção como ‘culpados’ dos altos preços que, como vimos, não são os grandes

impulsionadores dos fortes aumentos dos preços dos imóveis no Brasil no período recente.

Outra medida, que vem ocorrendo em várias cidades do mundo, é a redução do tamanho das

novas residências, com a justificativa de aumentar a oferta habitacional. No entanto,

entendemos que estas possíveis soluções não serão efetivas, uma vez que o processo de

valorização imobiliária no Brasil é de caráter especulativo e não devido aos custos elevados de

produção ou à falta de moradias, como vimos nesta seção. De qualquer modo, os dados nos

indicam que as famílias de renda média e baixa são e serão as mais prejudicadas com os altos

preços imobiliários.

-6%

-4%

-2%

0%

2%

4%

6%

8%

EM

%

Page 166: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

166

CONCLUSÃO

Trouxemos a referência de Dom Casmurro como “abre-alas” deste trabalho sobre a

dinâmica imobiliária. Nossa intenção é que tenhamos conseguido “atar as pontas” do processo

e nuances que permeiam os preços dos imóveis.

Como pontuamos, o imóvel na sociedade capitalista é visto como uma mercadoria

bastante peculiar em relação às demais. A instituição da propriedade privada cristaliza essa

ideia de que alguns poucos têm direito à moradia, de tal forma que, os proprietários adquirem

certo poder de determinação de preços neste mercado, considerando suas expectativas frente às

incertezas existentes e aos demais ativos, de tal modo a obterem maiores rendimentos. Essa

ideia nos permite entender que análises neoclássicas de alocação de fatores para o uso do imóvel

e sua precificação são limitadas, uma vez em que o ‘bem-estar’ da sociedade, nesta abordagem,

é medido por uma proporção de troca entre os agentes econômicos, de tal modo a maximizarem

a sua utilidade, de acordo com suas preferências e curvas de restrição orçamentária, que vimos

não ser a realidade.

Ao longo do capítulo 1, tentamos expor a teoria dominante dos preços imobiliários e

que é tida como principal referencial para um entendimento do mercado imobiliário. A teoria

neoclássica trata a determinação dos preços imobiliários de acordo com a maximização da

utilidade do consumidor, a partir de uma avaliação direta do imóvel, ou seja, uma avaliação

dedutível da satisfação que este bem pode trazer de resultados – justamente por isso, a maioria

dos modelos de determinação de preços dos imóveis é considerada hedônica.

Como vimos nas análises propostas por Alonso – na análise da cidade monocêntrica e

na curva do aluguel – e por Muth e Mills – que trataram os preços do mercado imobiliário como

resultado de uma concorrência espacial de agentes, que tende ao equilíbrio –, a oferta de bens

sempre se ajusta à demanda que satisfaz os consumidores, de acordo com atributos que lhe são

melhores. Deste modo, na visão neoclássica, os preços acompanhariam esta demanda, pois “os

bens seriam valorados pelo leque de produtos oferecidos, porque essa diferenciação é

importante para os agentes e pode ser tratada como um pacote de características ofertadas e os

preços observados podem ser com elas comparados”, gerando sempre uma tendência ao

equilíbrio.

Mourouzi-Sivitanidou incluiu questões mais atuais para um entendimento da dinâmica

do mercado imobiliário, no entanto, ao considerar preferências individuais geradoras de um

resultado macro, as teorias neoclássicas desconsideram a importância de políticas

macroeconômicas do Estado e conjunturais na determinação de preços. Eugene Fama, ao

Page 167: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

167

considerar os mercados como eficientes na determinação de preços, homogeneidade entre os

agentes e ineficiência do Estado, não levou em conta questões, como as políticas fiscais,

monetárias e públicas que tem um efeito extremamente importante na alocação de recursos por

parte dos agentes – como visto no caso das rentabilidades das aplicações financeiras no Brasil.

Logo, o mercado imobiliário e os determinantes dos preços na visão mainstream são

vistos mediante uma análise de vetores de características de moradia, ou seja, os imóveis

revelam uma equação de preços em funções de suas características, dadas as necessidades e

satisfação dos consumidores. Vimos, pelas experiências do Reino Unido e Brasil que o mercado

não funciona desta maneira estática, equilibrada e determinada pela atuação dos consumidores.

Na verdade, entendemos que a visão keynesiana, a respeito da assimetria de poderes entre os

detentores de riqueza é que mais se aproxima da realidade, já que a tomada de decisão destes

agentes – que podemos qualificar, por exemplo, como os investidores institucionais – interfere

consideravelmente na economia real. Em Keynes é reconhecido o fato de que sob a lógica

econômica, a sociedade é inerentemente instável, de tal modo que busca certo nível de

estabilidade por meio das convenções. Logo, o equilíbrio entre oferta e demanda é um

acontecimento raríssimo na economia. Além disso, como visto por Rangel e Sayad, que

trataram de uma observação do mercado imobiliário, podemos destacar como a terra/imóveis

se tornam também ativos de especulação, e, nesse sentido, auxiliam na concentração fundiária

e na valorização dos preços. O Estado cumpre um papel fundamental nesta visão, uma vez que

é um grande articulador das políticas e decisões, de tal modo que, pode, dependendo da situação

econômica, favorecer os interesses destes detentores de riqueza.

Além disso, ainda trouxemos Minsky. Ele levantou a hipótese da instabilidade

financeira como intrínseca ao sistema capitalista. Ele entende que há três tipos de

financiamento: hedge, especulativo e ponzi, de tal modo que a partir deles podemos entender o

grau de alavancagem e a instabilidade econômica. Quando observamos o mercado imobiliário

na visão minskiana, podemos supor que dado o ritmo de crescimento, a estrutura de

financiamento do setor e seu grau de endividamento, os preços podem ser alterados e podem

afetar a economia real, gerando crises sistêmicas. Ou seja, Minsky é um importante autor para

nos dar luz aos problemas que podem ser advindos de altas de preços dos imóveis sem algum

tipo de regulação do Estado, como pudemos ver, especialmente no caso britânico. Sobre as

convenções, podemos fazer um paralelo com a teoria de Abramo, Ball, Haila e Nitzan e Bicher,

uma vez que para estes autores as interfaces e relações entre os agentes financeiros,

investidores, bancos, demais instituições e Estados (assim como para Rangel e Sayad) são

Page 168: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

168

extremamente relevantes na determinação do ‘caminho’ que o preço do imóvel irá seguir. Além

disso, a maior parte destes autores entende que a conjuntura e momento histórico de cada um

dos países darão o tom na dinâmica imobiliária.

O exemplo concreto que tentamos expor aqui é justamente o fato das diferenças

existentes entre os dois países que analisamos. Muitas pessoas podem se indagar sobre o fato

de que, ao serem economias com características muito distintas, Reino Unido e Brasil não

poderiam ser observados juntos. No entanto, o que pretendemos aqui não é comparar os dois

países, mas expor que as trajetórias dos preços têm seguido uma tendência parecida, mas os

determinantes de cada um são bastante diferentes, já que o reino Unido tem um histórico, até

os anos 1980, de políticas consistentes de bem-estar social e que sofreu uma inflexão tremenda.

Observamos que a renda média dos 10% mais pobres no Reino Unido, em termos reais,

tem decaído consideravelmente, enquanto a renda média dos 10% mais ricos e o preço médio

do m² têm se ampliando bem acima da inflação. Além disso, a medida right to buy,

implementada com Thatcher, ampliou o mercado privado de moradias, que segue a lógica

capitalista de ampliação do lucro. Logo, a situação é extremamente preocupante, já que a

população pobre que tem visto sua renda crescer bem abaixo da inflação e ainda ter uma parte

dela corroída pelos altos custos com aluguel – como vimos, os aluguéis são até sete vezes

maiores que a renda média da população.

Para complementar a situação, os governos recentes têm diminuído os subsídios aos

aluguéis às famílias mais pobres, pela medida bedroom tax, instituída como resposta austera à

maior crise econômica do capitalismo. Enquanto isso, os preços dos imóveis já estão mais altos

que o pós-crise de 2008.

O mercado imobiliário britânico é extremamente emblemático, pois, através dele,

estamos percebendo uma regressão e uma altíssima concentração de renda em um dos países

mais avançados do mundo. Tentamos advertir para o fato de que a experiência do Reino Unido

pode servir como um alerta para o tipo de modelo habitacional escolhido pelo país a partir dos

anos 1980 e que tem se aprofundado recentemente. Esse modelo pressupõe uma participação

cada vez maior do mercado privado, em detrimento da atuação de políticas estatais, de tal

maneira que os efeitos são perversos para a população, sobretudo a mais pobre. Como vimos,

o acesso à moradia, que está cada vez mais cara, tem sido dificultado e a problemática social

advinda deste processo é mais latente.

Por fim, em nosso último capítulo trazemos a experiência brasileira do mercado

imobiliário. Começamos destacando, de forma breve, a primeira política habitacional no Brasil:

Page 169: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

169

o BNH. Mostramos que, com a implementação desta medida, os preços dos imóveis em São

Paulo (dada a falta de dados para uma análise do Brasil) aumentaram cerca de 300% (a preços

de 1975). Com o fim do BNH – a política habitacional mais estruturada até então –, que

desmobilizou recursos para habitação nos anos 1980, e com a percepção nos anos 1990 de que

outros ativos poderiam ser mais rentáveis, como fundos financeiros e ações, o imóvel deixou

de ser visto pela maior parte dos investidores como um ativo líquido e rentável, minimizando a

especulação neste mercado e pressionado os preços imobiliários para baixo. Entendemos que

este movimento está relacionado com as teorias críticas e heterodoxas, uma vez que, foi a partir

da atuação estatal que se desenvolveu um mercado capitalista mais estruturado, especialmente

com os fundos imobiliários (e que foi mais aprofundado nos anos 2000).

Já os anos 2000/2010, como é amplamente discutido no meio acadêmico, marcaram um

ponto de inflexão na trajetória econômica do país, seja ela pela política interna ou pela

conjuntura externa. Vimos que o país, durante o período, teve altas taxas de crescimento

econômico possibilitadas pelo investimento, especialmente, e pela ampliação da renda e do

consumo, políticas de incentivo ao crédito, em especial, o habitacional. Vimos que a variável

investimento teve um papel central na capacidade de dinamização dos setores econômicos no

período recente. Em relação ao crédito, seu aumento foi dado por uma ação bastante

participativa do Estado brasileiro via os fundos públicos, como o SBPE e o FGTS. Com o

Programa Minha Casa Minha Vida, que veio como uma forma de redinamizar o setor da

construção civil no pós-crise de 2008, tivemos um vislumbre de solução efetiva ao problema

da moradia no país, especialmente para as camadas mais pobres, mas que não foi

completamente vitoriosa neste sentido.

A expansão do mercado imobiliário via ampliação do crédito habitacional dinamizou o

setor da construção civil, que já vinha passando por um processo intenso de financeirização, e

que se viu com a possibilidade de obter taxas de retorno cada vez maiores. Para tanto, as

empresas (incorporadoras e construtoras), inclusive, aumentaram seus estoques de terra,

pressionando os preços para cima. Foi interessante observar que a lógica da teoria econômica

neoclássica que sustenta o argumento de que quanto maior a produtividade, menor o custo não

se sustenta, já que os custos de produção cresceram a taxas muito menores que o IVG-R.

Também comparamos os dados do custo médio da construção com a nossa proxy de preço

médio do m² do imóvel (utilizando dados da FipeZap e do Banco Central) e percebemos que,

enquanto o preço médio do m² cresceu 77% entre 2007 e 2013, o custo médio da construção

caiu 3%.

Page 170: PREÇOS IMOBILIÁRIOS E CICLOS - Unicamp

170

Nesse processo, houve, ainda, a ampliação de fundos de investimento voltados ao setor

imobiliário, de tal modo que, a dinâmica interna das empresas também se alterou, tendo em

vista que deveriam seguir as diretrizes das gestoras dos fundos nos quais as ações estavam

vinculadas. O Estado brasileiro, via FGTS, também participou desse processo, a partir da

compra de Certificados de Recebíveis Imobiliários, aumentando seu portfólio em 6.863% entre

2002 e 2016. Royer (2009) já observava justamente esta questão, uma vez que o movimento do

mercado imobiliário apontava na direção de uma atuação cada vez maior do Estado no mercado

secundário imobiliário, de tal modo que se preconizava que, para que houvesse retornos

atraentes dos investidores, se fazia necessária a intervenção estatal.

Percebemos que havia todos os indícios para o entendimento da moradia não como um

direito, mas como um ativo capaz de garantir rentabilidades cada vez maiores aos seus

investidores, a partir de um movimento “cooperativo” do Estado. Tivemos a confirmação deste

processo quando montamos algumas simulações e proxys, a partir de dados de rentabilidade de

ativos financeiros e os comparamos com as variações do IVG-R e com a taxa de rentabilidade

(yield) disponibilizada pela FipeZap. O imóvel foi um dos ativos que tiveram a maior

rentabilidade real bruta entre 2002 e 2018, com uma taxa total acumulada de 181%.

Como analisamos, o rendimento acumulado dos fundos de investimento imobiliário

(FII’s) superaram várias outras aplicações financeiras e continuam com expectativas de

rentabilidade maiores. Segundo uma reportagem do site Infomoney, datado do dia 20 de maio

de 2019, a rentabilidade dos fundos imobiliários tem superado os dividendos do CDI. Enquanto

o rendimento do CDI estava em 6,34%, os FII’s chegaram a 7,09%. Importante observar que

não incide Imposto de Renda sobre os FII’s, assim como ocorrem com as ações, ou seja, é um

instrumento de acúmulo de riqueza livre de imposto – que poderia ser destinado aos serviços

públicos da coletividade. Em outra reportagem divulgada pela Istoé Dinheiro, em 24 de maio

de 2019, o número de pessoas físicas que investem em FII’s cresceu 40%, passando de 205 mil

para 286 mil, entre finais de 2018 e março de 2019.

Vemos, portanto que as expectativas dos grandes investidores, e de uma parcela da

população que tem acesso ao mercado financeiro, é a de que fundos atrelados ao setor

imobiliário podem garantir rentabilidades cada vez maiores. Essas perspectivas podem,

inclusive, puxar os preços de venda e de locação para cima.

Acreditamos que esta questão seja uma das razões para os preços dos imóveis não

caírem mesmo em meio a uma crise econômica que se prolonga no país, já que a perspectiva

do mercado financeiro é “favorável” ao setor imobiliário. Outra razão, talvez se encontre no

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fato de que os indivíduos que possuem imóvel, tanto para venda, como para locação, entendem

que há uma perspectiva de retomada do aquecimento imobiliário e, por isso, mesmo com a

crise, não vendem seus imóveis, pois acreditam que ele “valha mais”, de tal maneira que a

moradia fica ociosa. Sobre este último aspecto, como Maricato pontuou, isso só ocorre, pois as

leis brasileiras que garantem que um imóvel não deve ficar ocioso não são postas em prática

pela maior parte das federações e municípios do Brasil.

A consequência disso, como vimos na última parte do capítulo 3, é o fato de que muitas

famílias têm sido excluídas do acesso à moradia digna, devido a um alto nível de endividamento

ocasionado pela alta taxa de desemprego no país – que atinge hoje o patamar de 12% – e um

processo de rebaixamento da rendimento médio brasileiro. Esse cenário de endividamento,

somado à queda da renda impossibilita o acesso das famílias ao crédito habitacional. A redução

da renda impossibilita, ainda, o pagamento com o aluguel – em especial às famílias mais pobres

– pois, o custo com a locação de um imóvel continua bastante elevado, mesmo com a crise

econômica.

Por fim, percebemos que o debate sobre o mercado imobiliário está muito longe de se

encerrar. A observação a respeito do comportamento e das expectativas dos agentes em relação

ao mercado é extremamente importante e contínua, uma vez que os investidores, a partir da

observação teórica e empírica que apresentamos, entendem o imóvel como um ativo e,

consequentemente, seu potencial de rentabilidade. Além disso, é importante entender o papel a

que cabe ao Estado neste processo, uma vez que sua articulação como indutor de investimento,

regulador das leis habitacionais, tomador de decisões macroeconômicas e implementador de

políticas públicas habitacionais é central para garantir o acesso à moradia à população, em

especial à mais pobre.

Esperamos que com este trabalho tenhamos ajudado a elucidar as reais determinações

que regem os preços imobiliários, de tal modo a explicitar o que Italo Calvino apontou: “a

mentira não está no discurso, mas nas coisas”.

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