Prescrição e decadência no novo Código Civil

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  • 8/14/2019 Prescrio e decadncia no novo Cdigo Civil

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    Prescrio e decadncia no novo Cdigo Civil(08.10.03)

    Miguel Reale nega que o novo Cdigo Civil haja adotado qualquer critriocientfico, para distinguir prescrio e decadncia. Diz:

    O terceiro princpio que norteou a feitura deste nosso Projeto e vamosnos limitar a apenas trs, no por um vcio de amar o trino, mas porqueno h tempo para tratar de outros, que esto de certa maneira implcitosnos que estou analisando o terceiro princpio o "princpio daoperabilidade". Ou seja, toda vez que tivemos de examinar uma norma

    jurdica, e havia divergncia de carter terico sobre a natureza dessanorma ou sobre a convivncia de ser enunciada de uma forma ou deoutra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz que da essncia doDireito a sua realizabilidade: o Direito feito para ser executado; Direitoque no se executa j dizia Jhering na sua imaginao criadora comochama que no aquece, luz que no ilumina, O Direito feito para ser

    realizado; para ser operado. Porque, no fundo, o que que ns somos ns advogados? Somos operadores do direito: operamos o Cdigo e asleis, para fazer uma petio inicial, e levamos o resultado de nossaoperao ao juiz, que verifica a legitimidade, a certeza, a procedncia ouno da nossa operao o juiz tambm um operador do Direito; e asentena uma renovao da operao do advogado, segundo o critriode quem julga. Ento, indispensvel que a norma tenha operabilidade, afim de evitar uma srie de equvocos e de dificuldades, que hoje entravama vida do Cdigo Civil.Darei apenas um exemplo. Quem que, no Direito Civil brasileiro ouestrangeiro, at hoje, soube fazer uma distino ntida e fora de dvida,entre prescrio e decadncia? H as teorias mais cerebrinas e bizantinas

    para se distinguir uma coisa de outra. Devido a esse contraste de idias,assisti, uma vez, perplexo, num mesmo ms, a um Tribunal de So Paulonegar uma apelao interposta por mim e outros advogados, porqueentendia que o nosso direito estava extinto por fora de decadncia; e,

    poucas semanas depois, ganhvamos, numa outra Cmara, por entender-se que o prazo era de prescrio, que havia sido interrompido! Por isso, ohomem comum olha o Tribunal e fica perplexo. Ora, quisemos pr umtermo a essa perplexidade, de maneira prtica, porque o simples o sinalda verdade, e no o bizantino e o complicado.Preferimos, por tais motivos, reunir as normas prescricionais, todas elas,enumerando-as na Parte Geral do Cdigo. No haver dvida nenhuma:ou figura no artigo que rege as prescries, ou ento se trata de

    decadncia. Casos de decadncia no figuram na Parte Geral, a no serem cinco ou seis hipteses em que cabia prev-la, logo aps, ou melhor,como complemento do artigo em que era, especificamente, aplicvel.

    Qual o tratamento dado decadncia? H, por exemplo, o direito dodoador de revogar a doao feita, por ingratido. A, o prazo tipicamentede decadncia. E ento a norma vem acoplada outra: a norma deoperabilidade est jungida ao direito material. Como se v, cada norma dedecadncia est acoplada ao preceito cuja decadncia deve serdecretada. De maneira que, com isso, no h mais possibilidade dealarmantes contradies jurisprudenciais.

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    O critrio da operabilidade leva-nos, s vezes, a forarmos um pouco,digamos assim, os aspectos teorticos. Vou dar um exemplo, para mostrarque prevalece, s vezes, o elemento de operabilidade sobre o elemento

    puramente teortico-formal. Qual o prazo de responsabilidade de umconstrutor, pela obra que ele entregou, numa empreitada de material e de

    lavor, ou seja, de mo-de-obra e com fornecimento de material? umprazo de cinco anos um prazo extenso. Porm estabelecemos que, noobstante a aparncia de uma norma prescritiva, ela devia ser colocadacomo norma de decadncia, para que no houvesse dvida na

    jurisprudncia, nem dvida na responsabilidade, quer do proprietrio,quer do empresrio, um a exigir uma responsabilidade, outro a fazer facequilo que assumiu como obrigao contratual [1].

    Humberto Theodoro Jnior assevera que

    O novo Cdigo tomou posio no debate travado no direito comparado eoptou por conceituar a prescrio como perda da pretenso (art. 189),idia que se aproxima da posio romana (actio) e que a atual do direitoalemo e suo. Com isso, facilitada restou a configurao dos casos dedecadncia (art. 207), aos quais se dedicou regulamentao separada(arts. 207 a 211) [2].

    Para haver prescrio, acrescenta, necessrio que:

    a) exista o direito material da parte a uma prestao a ser cumprida, aseu tempo, por meio de ao ou omisso do devedor;

    b) ocorra a violao desse direito material por parte do obrigado,

    configurando o inadimplemento da prestao devida;c) surja, ento, a pretenso, como conseqncia da violao do direitosubjetivo, isto , nasa o poder de exigir a prestao pelas vias judiciais;e, finalmente;

    d) se verifique a inrcia do titular da pretenso em faz-la exercitardurante o prazo extintivo fixado em lei [3].

    Nessas condies, resta claro que no se sujeitam a prescrio os direitospotestativos ou formativos, que no so direitos a uma prestao e, por issomesmo, no do lugar a pretenses que possam prescrever. Tais direitos

    podem estar sujeitos a prazo decadncia, se fixado prazo para o seuexerccio.

    Diz ainda Humberto Theodoro Jnior:

    So, por fim, estranhas prescrio (e tambm decadncia,acrescentamos), pois tambm no veiculam pretenso alguma e apenasbuscam a certeza acerca de uma relao ou situao jurdica. Enquantosubsistir a incerteza ou dvida, cabvel ser a ao declaratria, pouco

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    imortando quanto tempo dure essa situao. o que se d, v.g., com aao de declarao de nulidade absoluta do negcio jurdico.

    Nessas condies, permanece valioso o critrio proposto por Agnelo AmorimFilho, em notvel artigo, publicado em 1961 [4], que adaptamos ao novoCdigo Civil.

    CRITRIO CIENTIFICO PARA DISTINGUIR A PRESCRIO DA DECADNCIA EPARA IDENTIFICAR AS AES IMPRESCRlTlVEIS

    AGNELO AMORIM FILHO

    (Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraba)

    I O PROBLEMA EM FACE DA DOUTRINA E DA LEI

    II - CRITRIOS QUE TM SIDO APRESENTADOS PARA DISTINGUIR A PRESCRIO DADECADNCIA

    III - A MODERNA CLASSIFICAO DOS DIREITOS E OS DIREITOS POTESTATIVOS

    IV CRTICAS FEITAS EXISTINCIA DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    V - FORMAS DE EXERCCIO DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    VI - MODERNA CLASSIFICAO DAS AES

    VII - AES CONSTITUTIVAS

    VIII - FUNDAMENTOS E EFEITOS DA PRESCRIO

    IX - FUNDAMENTOS E EFEITOS DA DECADINCIA

    X - CASOS ESPECIAIS DE AES CONSNTUTIVAS

    XI - AES DECLARATRIAS

    XII - AES APARENTEMENTE DECLARATRIAS

    XIII - O PROBLEMA DA IMPRESCRITIBILIDADE DAS AES

    XV CONCLUSES

    I O PROBLEMA EM FACE DA DOUTRINA E DA LEI

    A questo referente distino entre prescrio e decadncia to velhaquanto os dois velhos institutos de profundas razes romanas - continua adesafiar a argcia dos juristas. As dvidas, a respeito do assunto, sotantas, e vm se acumulando de tal forma atravs dos sculos, que, ao ladode autores que acentuam a complexidade da matria, outros, maispessimistas, chegam at a negar - certo que com indiscutvel exagro - a

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    existncia de qualquer diferena entre as duas principais espcies de efeitosdo tempo sobre as relaes jurdicas. o que informa DE RUGGIERO(Instituies de Direito Civil, vol. 1, pg. 335 da trad. port.). J BAUIDRY-LACANTINRIE e ALBERT TISSIER declaram que so falveis, ou imprestveis,os vrios critrios propostos para distinguir os dois institutos. Acentuam,

    ainda, que no se pode, a priori, estabelecer diferena entre prescrio edecadncia, e sim examinar caso por caso, para dizer, a posterior, se omesmo de prescrio ou de decadncia. CLVIS BEVILQUA, por sua vez,afirma que "a doutrina ainda no firme e clara neste domnio" (TeoriaGeral, pg. 367 da 2 ed.). Para AMLCAR DE CASTRO, "uma das maisdifceis e obscuras questes de direito essa de distinguir a prescrio dadecadncia" (Rev. Tribs., 156/323). GIORGI diz que a cincia ainda noencontrou um critrio seguro para distinguir a prescrio das caducidades(Teoria de Las Obligaciones, vol. 9, pg. 217). E CMARA LEAL,inegavelmente o autor brasileiro que mais se dedicou ao estudo do assunto,chegando mesmo a elaborar um mtodo prtico para se fazer a distino

    entre os dois institutos, diz que esse "um dos problemas mais rduos dateoria geral do direito civil" (Da Prescrio e da Decadncia, 1. ed., pg.133).

    incontestvel, porm, que as investigaes doutrinrias, confirmadas pelagrande maioria da jurisprudncia, j conseguiram, pelo menos, chegar auma concluso: a de que os dois institutos se distinguem. Deste modo, faltaapenas encontrar uma regra, um critrio seguro, com base cientfica, para sefundamentar tal distino, de modo a se tornar possvel identificar, a priori,os prazos prescricionais e os decadenciais, o que, sem dvida, no constituiempreendimento fcil.

    H tambm um outro problema de capital importncia, intimamenterelacionado com aquele da distino entre prescrio e decadncia, e aoqual no se tem dispensado a necessria ateno. o que diz respeito sdenominadas aes imprescritveis. Como identificar tais aes? Ou -reunindo os dois problemas - como saber se determinada ao estsubordinada a um prazo de prescrio, a um prazo de decadncia (por viaindireta), ou se ela imprescritvel?

    II - CRITRIOS QUE TM SIDO APRESENTADOS PARA DISTINGUIR A PRESCRIO DA

    DECADNCIA

    O critrio mais divulgado para se fazer a distino entre os dois institutos aquele segundo o qual a prescrio extingue a ao, e a decadnciaextingue o direito. Entretanto, tal critrio, alm de carecer de basecientfica, absolutamente falho e inadequado, uma vez que pretende fazera distino pelos efeitos ou conseqncias. O critrio apontado apresenta-se, assim, com uma manifesta petio de princpio, pois o que se desejasaber, precisamente quando o prazo atinge a ao ou o direito. O que seprocura a causa e no o efeito.

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    Processo distintivo indiscutivelmente mais vantajoso do que aquele osugerido por CMARA LEAL, assim resumido pelo seu autor:

    de decadncia o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateralou bilateral, quando prefixado ao exerccio do direito pelo seu titular. E de prescrio, quando fixado, no para o exerccio do direito, mas para oexerccio da ao que o protege. Quando, porm, o direito deve serexercido por meio da ao, originando-se ambos do mesmo fato, de modoque o exerccio da ao representa o prprio exerccio do direito, o prazoestabelecido para a ao deve ser tido como prefixado ao exerccio dodireito, sendo, portanto, de decadncia, embora aparentemente se afigurede prescrio". (CMARA LEAL, Da Prescrio e da Decadncia, 1. ed.,

    pgs. 133 e 134).

    Todavia, o critrio proposto por CMARA LEAL, embora muito til na prtica,se ressente de dupla falha: Em primeiro lugar, um critrio emprico,

    carecedor de base cientfica, e isso reconhecido pelo prprio CMARALEAL, pois ele fala em "discriminao prtica dos prazos de decadncia dasaes" (op. cit., pg. 434). Com efeito, adotando-se o referido critrio, fcilverificar, praticamente, na maioria dos casos, se determinado prazo prescricional ou decadencial, mas o autor no fixou, em bases cientficas,uma norma para identificar aquelas situaes em que o direito nasce, ouno, concomitantemente com a ao, pois esse o seu ponto de partidapara a distino entre os dois institutos. Em segundo lugar, o critrio emexame no fornece elementos para se identificar, direta ou mesmoindiretamente (isto , por excluso), as denominadas aes imprescritveis.

    Faz-se necessrio, assim, intensificar a procura de um outro critrio, e temosa impresso que, tomando-se como ponto de partida a modernaclassificao dos direitos desenvolvida por CHIOVENDA e, particularmente, acategoria dos direitos potestativos, chegar-se-, indubitavelmente, quelecritrio ideal, isto , a um critrio dotado de bases cientficas e que permite,simultnea e seguramente, distinguir, a priori, a prescrio da decadncia, eidentificar as denominadas aes imprescritveis. o que nos propomosdemonstrar com o presente trabalho.

    III - A MODERNA CLASSIFICAO DOS DIREITOS E OS DIREITOS POTESTATIVOS

    Segundo CHIOVENDA (Instituies, 1/35 e segs.), os direitos subjetivos sedividem em duas grandes categorias: A primeira compreende aquelesdireitos que tm por finalidade um bem da vida a conseguir-se medianteuma prestao, positiva ou negativa, de outrem, isto , do sujeito passivo.Recebem eles, de CHIOVENDA, a denominao de "direitos a umaprestao", e como exemplos poderamos citar todos aqueles que compem

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    as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais. Nessas duasclasses h sempre um sujeito passivo obrigado a uma prestao, sejapositiva (dar ou fazer), como nos direitos de crdito, seja negativa (abster-se), como nos direitos de propriedade. A segunda grande categoria a dosdenominados "direitos potestativos", e compreende aqueles poderes que a

    lei confere a determinadas pessoas de influrem, com uma declarao devontade, sobre situaes jurdicas de outras, sem o concurso da vontadedessas. Desenvolvendo a conceituao dos direitos potestativos, dizCHIOVENDA:

    Esses poderes (que no se devem confundir com as simples manifestaesde capacidade jurdica, como a faculdade de testar, de contratar esemelhantes, a que no corresponde nenhuma sujeio alheia), seexercitam e atuam mediante simples declarao de vontade, mas, emalguns casos, com a necessria interveno do Juiz. Tm todas de comumtender produo de um efeito jurdico a favor de um sujeito e a cargo deoutro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se quele

    efeito, permanecendo sujeito sua produo. A sujeio um estadojurdico que dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou qualqueratitude dele. So poderes puramente ideais, criados e concebidos pelalei..., e, pois, que se apresentam como um bem, no h exclu-los de entreos direitos, como realmente no os exclui o senso comum e o uso jurdico. mera petio de princpio afirmar que no se pode imaginar um direito aque no corresponda uma obrigao. (Instituies, trad. port., 1/41, 42).

    VON TUHR, por sua vez, conceitua os direitos potestativos nos seguintestermos:

    Em princpio: quando se trata de modificar os limites entre duas esferasjurdicas, necessrio o acordo dos sujeitos interessados. A possibilidadeque tm A e B de modificar suas relaes jurdicas recprocas, no pode,evidentemente, conceber-se como um direito, pois no pressupe maisque a capacidade geral de produzir efeitos jurdicos. Sem embargo,distinta a situao quando A ou B tm a faculdade de realizar amodificao em virtude de sua s vontade. Tais faculdades soinumerveis e ilimitadamente diversas, porm sempre se fundamentamem certos pressupostos exatamente determinados. Neste caso cabe falarde direitos; so os potestativos. (Derecho Civil, vol. L, tomo 1, pg. 203da trad. cast.).

    Como exemplos de direitos potestativos podem ser citados os seguintes: opoder que tm o mandante e o doador de revogarem o mandato e a doao;o poder que tem o cnjuge de promover a separao; o poder que tem ocondmino de desfazer a comunho; o poder que tem o herdeiro de aceitarou renunciar a herana; o poder que tm os interessados de promover ainvalidao dos atos jurdicos anulveis (contratos, testamentos,casamentos, etc.); o poder que tem o scio de promover a dissoluo dasociedade civil; o poder que tem o contratante de promover a resoluo docontrato por inadimplemento (art. 475, do Cd. Civil), ou por vciosredibitrios (art. 441); o poder de escolha nas obrigaes alternativas (art.

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    252); o poder de interpelar, notificar, ou protestar, para constituir em mora;o poder de alegar compensao; o poder de resgatar imvel vendido comclusula de retrovenda; o poder de dar vida a um contrato medianteaceitao da oferta; o poder de requerer a interdio de determinadaspessoas; o poder de promover a resciso das sentenas; o poder assegurado

    ao filho de desobrigar os imveis de sua propriedade alienados ou gravadospelo pai fora dos casos permitidos em lei; o poder assegurado ao cnjuge ouseus herdeiros necessrios para anular a doao feita pelo cnjuge adlteroao seu cmplice. Muitos outros exemplos ainda poderiam ser citados.

    Da exposio feita acima se verifica facilmente que a principal caractersticados direitos potestativos o estado de sujeio que o seu exerccio cria paraoutra ou outras pessoas, independentemente da vontade dessas ltimas, oumesmo contra sua vontade. Assim, por exemplo, o mandatrio, o donatrioe os outros condminos, sofrem os efeitos da extino do mandato, dadoao, e da comunho, sem que possam se opor realizao do ato que

    produziu aqueles efeitos. No mximo, a pessoa que sofre a sujeio pode,em algumas hipteses, se opor a que o ato seja realizado de determinadaforma, mas nesse caso o titular do direito tem a faculdade de exerc-lo poroutra forma. Ex.: diviso judicial, quando os demais condminos noconcordam com a diviso amigvel.

    Outras caractersticas dos direitos potestativos: so insuscetveis de violaoe a eles no corresponde uma prestao. Tais caractersticas soencontradas em todos os exemplos enumerados acima.

    A categoria dos direitos potestativos conceituada por vrios outros autoresem termos mais ou menos equivalentes aos de CHIOVENDA e VON TUHR:ENNECERUS-KIPP e WOLF, Tratado de Derecho Civil, vol. 1, tomo 1, trad.cast., pg. 294; LEHMANN, Tratado de Derecho Civil, vol. 1, pgs. 128 e129; GUILHERME ESTELITA, Direito de Ao - Direito de Demandar, pgs. 88e 89; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. V, pg. 242; J.FREDERICO MARQUES, Ensaio sobre a Jurisdio Voluntria, pg. 241;ORLANDO GOMES, Introduo ao Direito Civil, pg. 119; e LUS LORETO,Revista Forense, 98/9.

    IV CRTICAS FEITAS EXISTINCIA DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    A categoria dos direitos potestativos, embora admitida por vrios autores,principalmente na Alemanha e na Itlia, tambm tem sido muito combatida.Entretanto, CHIOVENDA, ao redigir as suas Instituies de Direito ProcessualCivil, afirmou que "... as vivas controvrsias dos ltimos anos em torno aosdireitos potestativos agora se aplacaram e a categoria pode considerar-seem definitivo, tambm na Itlia, reconhecida pela doutrina e pela prpriajurisprudncia, que lhe consagrou a utilidade prtica em importantesaplicaes" (vol. 1, pg. 43 da trad. port.).

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    As principais objees feitas existncia dos direitos potestativos so asseguintes: alega-se que eles nada mais so do que faculdades jurdicas, ou,ento, manifestaes da capacidade jurdica, e que no se pode admitir aexistncia de um direito ao qual no corresponda um dever. Todavia, na

    exposio que faz da sua doutrina, CHIOVENDA d resposta cabal eantecipada a todas aquelas objees. Assim, acentua ele, em primeirolugar, que o exerccio de um direito potestativo cria um estado de sujeiopara outras pessoas, coisa que no ocorre com o exerccio das merasfaculdades. Por sujeio, como j vimos, deve-se entender a situaodaquele que, independentemente da sua vontade, ou mesmo contra suavontade, sofre uma alterao na sua situao jurdica, por fora do exercciode um daqueles poderes atribudos a outra pessoa e que recebem adenominao de direitos potestativos.

    precisamente o que ocorre com o poder, assegurado aos contratantes, de

    promoverem a decretao de invalidade dos contratos anulveis, exemplotpico de direito potestativo. Se um dos contratantes pretende exercit-lo,pode faz-lo sem o concurso da vontade do outro, e esse, embora no possase opor, fica sujeito aos efeitos do ato: sua esfera jurdica afetada por umamanifestao da vontade alheia, independentemente da prpria vontade.

    J o mesmo no ocorre com o exerccio das denominadas faculdadesjurdicas: tal exerccio s afeta a esfera jurdica de terceiro com aquiescnciadeste. Ex.: o proprietrio tem o poder de vender a coisa, mas s a compraquem quer - ningum obrigado a faz-lo. O exerccio desse poder no criaum estado de sujeio para terceiros sem a vontade desses. Tal poder ,

    por conseguinte, uma mera faculdade, e no um direito potestativo.

    Por ai se verifica que no assiste qualquer parcela de razo a CUNHAGONALVEs quando identifica os direitos potestativos com as faculdadesjurdicas e cita, como exemplos, os atos de andar, comer, beber, dormir,danar, ler e escrever (Princpios de Direito Civil Luso-brasileiro, vol. 1, pg.62, e Tratado de Direito Civil, vol. 1, tomo l, da l, ed. bras.). Tais atos,entretanto, so faculdades que nem sequer podem ser classificadas dejurdicas e muito menos podem ser classificadas de direitos potestativos,pois no criam estados de sujeio para terceiros.

    Com referncia s outras objees feitas existncia dos direitospotestativos, convm atentar para as consideraes que CHIOVENDA faz arespeito do contedo jurdico da expresso "bem", a qual abrange, entreoutras coisas, "...a modificao do estado jurdico existente, quando se tenhainteresse de interromper uma relao jurdica ou de constituir uma nova". Earremata: "...pois que (tais poderes) se apresentam como um bem, no hexclu-los de entre os direitos, como realmente no os exclui o senso comume o uso jurdico" (Instituies, vol. 1, pg. 42). Como reforo deargumentao, poder-se-ia invocar, ainda, a opinio de PONTES DEMIRANDA:

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    Toda permisso de entrar na esfera jurdica de outrem direito;

    ...................................................................................................................

    A todo direito corresponde sujeito passivo - ou total, nos direitos absolutos,

    ou determinado, nos direitos relativos. Os direitos formativos, quergeradores, quer modificativos, quer extintivos, no so sem sujeitos

    passivos: h sempre esfera jurdica alheia em que se opera a eficcia doexerccio de tais direitos. (Tratado de Direito Privado, vol. V, pg. 245).

    certo que, em virtude da grande semelhana entre os dois institutos,torna-se muito sutil, em alguns casos, a distino entre os direitospotestativos e as meras faculdades, mas a questo fica grandementefacilitada se se levar em conta, como fator distintivo, a sujeio, pois essa sexiste nos direitos potestativos.

    Deste modo, aqueles que no querem, de forma alguma, ver nos direitospotestativos uma categoria autnoma de direitos subjetivos, tm queadmitir, necessariamente, que eles constituem, pelo menos, uma classeespecial de faculdades - isto aquelas faculdades cujo exerccio cria umestado de sujeio para terceiros. O problema se reduzira, ento, a umasimples questo de natureza terminolgica. De qualquer forma, no seroafetadas as concluses que temos em vista no presente estudo.

    V - FORMAS DE EXERCCIO DOS DIREITOS POTESTATIVOS

    Os direitos potestativos se exercitam e atuam, em princpio, mediantesimples declarao de vontade do seu titular, independentemente de apelos vias judiciais, e em qualquer hiptese sem o concurso da vontade daqueleque sofre a sujeio. Exs.: os direitos de revogao do mandato, deaceitao da herana, de dar vida a um contrato mediante aceitao daoferta, de escolha nas obrigaes alternativas.

    Em outros casos, que compem uma segunda categoria, os direitospotestativos tambm podem ser exercitados mediante simples declaraoda vontade do seu titular, sem apelo via judicial, mas somente se aqueleque sofre a sujeio concordar com tal forma de exerccio. Se no houver

    concordncia, o titular do direito potestativo pode recorrer via judicial paraexercit-lo. Tal via funciona, ai, apenas subsidiariamente. Exs.: o direitoque tem o condmino de dividir a coisa comum; o direito que tem o doadorde revogar a doao; o direito que tem o filho de desobrigar os imveis desua propriedade alienados ou gravados pelo pai fora dos casos expressos emlei; o direito que tem o cnjuge, ou seus herdeiros necessrios, para anular adoao feita pelo cnjuge adltero ao seu cmplice; o direito que tem ovendedor de resgatar o imvel vendido com clusula de retrovenda.

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    Finalmente, h uma terceira categoria de direitos potestativos que s podemser exercidos por meio de ao. A ao, aqui, j no tem cartersimplesmente subsidirio, ou facultativo - mas obrigatrio - como forma deexerccio do direito. Conseqentemente, nessa terceira categoria no sedispensa a propositura da ao nem mesmo quando todos os interessados,

    inclusive aqueles que sofrem a sujeio, esto de acordo em que o direitoseja exercitado por outra forma. por esse motivo que CALAMANDREI d, atais procedimentos judiciais, a denominao de aes necessrias, e a elasfaz referncia em vrias passagens dos seus Estudios sobre el Proceso Civil(pgs. 37, 152, 233, 238, 239 e 240 da trad. cast.).

    O que tem em vista a lei, ao eleger a via judicial como forma especial eexclusiva de exerccio dos direitos potestativos dessa terceira categoria, conceder maior segurana para determinadas situaes jurdicas cujaalterao tem reflexos acentuados na ordem pblica. Nessa categoriaEDUARDO COUTURE inclui, de modo geral, aqueles direitos potestativos que

    dizem respeito ao estado civil das pessoas (Fundamentos del DerechoProcesal Civil, pg. 221). Exs.: o direito de invalidar casamento nulo ouanulvel; o direito que tem o pai de contestar a paternidade dos filhos desua mulher; o direito que tem o filho de pleitear o reconhecimento de suapaternidade, quando o pai no o reconheceu voluntariamente; o direito quetm determinadas pessoas de requererem a interdio de outras, etc., etc.

    Corolrio da natureza especial destas aes constitutivas necessrias aimpossibilidade de ser aplicado a elas o princpio da confisso ficta,consubstanciado no art. 319 do Cdigo de Processo Civil.

    Ao propor uma daquelas aes por meio das quais so exercidos os direitospotestativos da segunda e da terceira categorias, o respectivo autor nopleiteia do ru qualquer prestao, seja prestao de dar, de fazer, de no-fazer, de abster-se, ou de outra espcie. O que ele visa com a propositurada ao , apenas, criar, extinguir, ou modificar determinada situaojurdica, e isso feito independentemente da vontade, ou mesmo contra avontade da pessoa ou pessoas que ficam sujeitas aos efeitos do ato. Assim,o ru da ao, embora no fique obrigado a uma prestao, sofre umasujeio. o que ocorre, por exemplo, com a ao proposta pelo cnjugecoacto para anular o casamento: julgada procedente, o efeito da sentenano a condenao do outro cnjuge a uma prestao, e sim a anulao do

    casamento. A tal efeito o outro cnjuge fica sujeito, mesmo contra suavontade.

    Como se verifica fcil e prontamente, h uma ntida diferena de contedoentre tais aes e aquelas outras que caracterizam a atividade jurisdicional eque so propostas exatamente com o objetivo de compelir o ru a umaprestao.

    VI - MODERNA CLASSIFICAO DAS AES

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    A concepo dos direitos potestativos induziu a substituio da tradicionalclassificao das aes, oriunda do direito romano, e que levava em conta anatureza do direito cuja defesa se pretendia com o exerccio da ao (aesreais, pessoais, mistas e prejudiciais), por uma outra classificao que

    tivesse em vista a natureza do pronunciamento judicial pleiteado."Classificao segundo a carga de eficcia", conforme a conceituou PONTESDE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, 5/483).

    De acordo com essa orientao, CHIOVENDA classificou as aes em trsgrupos principais: condenatrias, constitutivas e declaratrias (Instituies,1/67).

    Lana-se mo da ao condenatria quando se pretende obter do ru umadeterminada prestao (positiva ou negativa), pois, correlativo ao conceitode condenao o conceito de prestao". Deste modo, um dos

    pressupostos da ao de condenao "a existncia de uma vontade de leique garanta um bem a algum, impondo ao ru a obrigao de umaprestao. Por conseqncia, no podem jamais dar lugar a sentena decondenao os direitos potestativos" (CHIOVENIDA, op. cit., 1/267).

    J a ao constitutiva (positiva ou negativa) cabe quando se procura obter,no uma prestao do ru, mas a criao de um estado jurdico, ou amodificao, ou a extino de um estado jurdico anterior.

    Por a se verifica, de pronto, que as duas mencionadas espcies de aocorrespondem exatamente, com rigorosa preciso, queles dois grandes

    grupos nos quais CHIOVENDA divide os direitos: as aes condenatrias someios de proteo daqueles direitos suscetveis de violao ("direitos a umaprestao"); e as aes constitutivas so meios de exerccio daquelesdireitos insuscetveis de violao ("direitos potestativos").

    Quanto s aes declaratrias, tm elas por objetivo conseguir uma "certezajurdica". Ou, segundo a conceituao de CHIOVENDA:

    verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer, certificar aexistncia do direito (j direito a uma prestao, j direito potestativo),sem o fim de preparar a consecuo de qualquer bem, a no ser a certeza

    jurdica................................................................................................................

    O autor que requer uma sentena declaratria, no pretende conseguiratualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, sejaque o bem consista numa prestao do obrigado, seja que consista namodificao do estado jurdico atual; quer, to-somente, saber que seudireito existe ou quer excluir que exista o direito do adversrio; pleiteia, no

    processo, a certeza jurdica e nada mais. (Instituies, l, vol., pgs. 265 e303).

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    Por enquanto, deve ficar bem fixada esta noo, que tem importncia capitalno desenvolvimento de alguns aspectos do presente estudo: o objetivo daao declaratria a obteno de uma "certeza jurdica-", e nada mais. Nasdeclaratrias, conseqentemente, o autor "no colima a realizao do

    direito" (CHIOVENDA, op. cit., 1/302).Convm acentuar, porm, que as sentenas condenatrias e as constitutivastambm tm certo contedo declaratrio, ao lado do contedo condenatrioou constitutivo, pois toda sentena deve conter, necessariamente, adeclarao da existncia da relao jurdica sobre a qual versa. O que asdistingue das declaratrias propriamente ditas que, nestas, tal contedo total, ao passo que nas outras duas espcies parcial. Em outras palavras:as sentenas declaratrias so puramente declaratrias, ao passo que ascondenatrias so, simultaneamente, declaratrias e condenatrias. Omesmo se pode dizer com referncia s constitutivas: so, simultaneamente,

    declaratrias e constitutivas (CALAMANDREI, Estudios sobre el Proceso Civil,pg. 282; Lus MACHADO GUIMAREs, in Rev. For., 101/8; LOPES DA COSTA,Direito Procesual Civil Brasileiro, 1 ed., 1/84; ALFREDO BUZAID, AoDeclaratria, 95; e TORQUATO CASTRO, Ao Declaratria, pg. 19).

    Ainda a respeito da classificao das aes, faz-se necessrio registrar quealguns autores admitem outras categorias alm daquelas trs j referidas,como, por exemplo, as aes executrias, as aes determinativas, as aesmandamentais, etc. Todavia, EDUARDO COUTURE acentua, com muitapropriedade, que a classificao tricotmica abarca todas essas aes, asquais, de resto, nem sequer chegam a formar categorias particulares.

    (Citao feita por NLSON CARNEIRO na Rev. For., 136/51).

    VII - AES CONSTITUTIVAS

    A natureza do presente estudo exige que, a esta altura, nos detenhamos umpouco na anlise das aes constitutivas. Tm elas por objetivo o exercciode duas categorias de direitos potestativos: a) - aqueles que, por medida desegurana dos negcios jurdicos, a lei no permite sejam exercidosmediante simples declarao de vontade, nem mesmo quando esto deacordo todos os interessados, inclusive aquele que sofre a "sujeio" (aes

    constitutivas necessrias, segundo a terminologia adotada porCALAMANDREI). Ex.: as aes anulatrias de casamento; e b) - aquelesdireitos potestativos que so exercidos por meio de ao apenassubsidiariamente isto , quando os outros interessados no concordam emque eles sejam exercidos mediante simples declarao de vontade. Ex.: aao de diviso.

    Pelo que foi dito acima, j se pode concluir que as aes constitutivas tm asseguintes caractersticas: a) - no pressupem a existncia de leso a umdireito, como ocorre nas aes condenatrias; b) - por meio delas no se

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    exige uma prestao do ru, mas apenas se pleiteia a formao,modificao, ou extino de um estado jurdico; c) - no so meio para serestaurar um direito lesado, mas meio pelo qual se exercitam duas classesde direitos potestativos; d) - no tm por objetivo a satisfao de umapretenso, se se entender como tal "o poder de exigir de outrem uma

    prestao", pois os direitos potestativos so, por definio, "direitos sempretenso"; (quando muito h, nas aes constitutivas, uma pretenso denatureza especial, isto , uma pretenso dirigida contra o Estado, ou umapretenso tutela jurdica, ou "pretenso prestao jurisdicional", comoquer PONTES DE MIRANDA, mas ele mesmo acentua que no se deveconfundir "pretenso de direito material" com "pretenso tutela jurdica" -Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, l, ed., 1 vol., pg. 19);finalmente: e) - as sentenas proferidas nas aes constitutivas (positivas ounegativas) no so suscetveis, e nem carecem, de execuo, pois ocontedo de tais aes se esgota com o provimento judicial que determina acriao, modificao, ou extino do estado jurdico. (Somente quando a

    ao constitutiva se encontra cumulada com uma ao condenatria quese pode cogitar de execuo, mas a a execuo diz respeito a essa ltima.Ex.: a ao para rescindir o contrato de compra e venda de coisa recebidacom vcio redibitrio, e reaver o preo pago, mais perdas e danos - art. 443).

    Convm acentuar, finalmente, que embora as sentenas proferidas nasaes constitutivas produzam, normalmente, efeitos ex nunc, no contrrio sua natureza, e at mesmo freqente, a produo de efeitos extunc, conforme ensinam CHIOVENDA (Instituies, 1/286), PONTES DEMIRANDA (Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. 2, pg. 468, da 1,ed.), GOLDSCHMIDT (Derecho Procesal, pg. 112), e PRIETO CASTRO

    (Derecho Procesal Civil, tomo I, pg. 65).

    VIII - FUNDAMENTOS E EFEITOS DA PRESCRIO

    Acentua SAVIGNY que, durante muito tempo, a prescrio foi um institutocompletamente estranho ao direito romano, mas, ao surgir o direitopretoriano, passou a constituir uma exceo antiga regra da duraoperptua das aes. Por ltimo, a exceo se converteu em regra geral

    (Sistema del Derecho Romano, tomo IV, pgs. 181 e 185 da trad. cast.).Tendo ainda em vista o direito romano, diz o mesmo autor que o principalfundamento da prescrio a necessidade de serem fixadas as relaesjurdicas incertas, suscetveis de dvidas e controvrsias, encerrando-se ditaincerteza em um lapso determinado de tempo (op. e vol. cits., pg. 178).

    Por sua vez, ensina PONTES DE MIRANDA que o instituto da prescrio"serve segurana e paz pblicas", e este, precisamente, o ponto devista que, de modo geral, prevalece, a respeito do assunto, na doutrina e najurisprudncia, embora ainda haja quem procure apresentar, como

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    fundamento do mesmo instituto, o castigo negligncia, a aplicao doprincipio dormientibus non sucurrit ius.

    Mas h um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessafundamentalmente s concluses do presente estudo: os vrios autores que

    se dedicaram anlise do termo inicial da prescrio fixam esse termo, semdiscrepncia, no nascimento da ao (actio nata), determinado, talnascimento, pela violao de um direito. SAVIGNY, por exemplo, no captuloda sua monumental obra, dedicado ao estudo das condies da prescrio,inclui, em primeiro lugar, a actio nata, e acentua que esta se caracteriza pordois elementos: a) - existncia de um direito atual, suscetvel de serreclamado em juzo; e b) - violao desse direito (op. cit., tomo IV, pg. 186).Tambm CMARA LEAL afirma, peremptoriamente:

    sem exigibilidade do direito, quando ameaado ou violado, ou nosatisfeita sua obrigao correlata, no h ao a ser exercitada; e, sem onascimento desta, pela necessidade de garantia e proteo ao direito, no

    pode haver prescrio, porque esta tem por condio primria a existnciada ao.

    .................................................................................................................

    Duas condies exige a ao, para se considerar nascida (nata) segundo aexpresso romana: a) um direito atual atribudo ao seu titular; b) umaviolao desse direito, qual tem ela por fim remover.

    ................................................................................................................

    O momento de incio do curso da prescrio, ou seja, o momento inicial doprazo, determinado pelo nascimento da ao - actioni nondum natae nonpraescribitur.

    Desde que o direito est normalmente exercido, ou no sofre qualquerobstculo, por parte de outrem, no h ao exercitvel.

    Mas, se o direito desrespeitado, violado, ou ameaado, ao titularincumbe proteg-lo e, para isso, dispe da ao... (CMARA LEAL, DaPrescrio e da Decadncia, pgs. 19, 32 e 256).

    Opinando no mesmo sentido, podero ser indicados vrios outros autores,

    todos mencionando aquelas duas circunstncias que devem ficar bemacentuadas (o nascimento da ao como termo inicial da prescrio, e aleso ou violao de um direito como fato gerador da ao).

    Convm acentuar que quando se diz que o termo inicial do prazoprescricional o nascimento da ao, utiliza-se ai a palavra ao" nosentido de "pretenso", isso , no mesmo sentido em que ela usada nasexpresses "ao real" e "ao pessoal", pois, a rigor, a prescrio nocomea com a ao e sim com a pretenso; est diretamente ligada a essa,e s indiretamente quela. A pretenso, como se sabe, um conceito

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    relativamente antigo, concebido no sculo passado como decorrncianecessria do princpio da autonomia do direito de ao, mas ainda poucoutilizado pela maioria dos autores nacionais. Com ele se designa um dossentidos da actio romana: o poder de exigir de outrem, extrajudicialmente,uma prestao; "a exigibilidade ou a prpria exigncia de uma prestao,

    positiva ou negativa (HLIO TORNAGHI, Processo Penal, 2 vol., pg. 140,da 1 ed.); a ao no sentido material, contraposta ao no sentidojudicial (ORLANDO GOMES, Introduo ao Direito Civil, pg. 397). Ou,conforme acentuou WINDSCHEID, que foi o fixador dos contornos dapretenso: " a actio do direito romano e do direito comum desprovida detodo aparato processual (apud LIEBMANN, Tratado de Derecho Civil, vol. 1,pg. 138). Note-se ainda, para melhor ressaltar a diferena, que a pretenso um poder dirigido contra o sujeito passivo da relao de direitosubstancial, ao passo que a ao processual poder dirigido contra oEstado, para que esse satisfaa a prestao jurisdicional a que estobrigado. A rigor, s quando a pretenso no satisfeita pelo sujeito

    passivo, ou seja, s quando a sujeito passivo no atende a exigncia dotitular do direito, que surge, como conseqncia, a ao, isto , o poder deprovocar a atividade jurisdicional do Estado. Em resumo: violado o direito(pessoal ou real), nasce a pretenso (ao material) contra o sujeito passivo;recusando-se o sujeito passivo a atender a pretenso, nasce a aoprocessual, com a qual se provoca a interveno do Estado. E tambm hcasos em que a pretenso nasce antes da violao do direito. o que ocorre,por exemplo, nas obrigaes subordinadas a prazo e nas quais no seconvencionou local para o pagamento (art. 327 do Cd. Civil): vencido oprazo, sem que o credor tenha ido receb-lo no domiclio do devedor, e semque esse ltimo haja manifestado recusa em efetuar o pagamento, no se

    pode dizer que tenha havido leso do direito do primeiro, mas inegvelque, com o vencimento da obrigao, nasceu a pretenso, isso , o poder,para o credor, de exigir a prestao do devedor. De qualquer forma, apretenso sempre um prius lgico imediato em relao ao: a ao nonasce diretamente da violao do direito, mas da recusa do obrigado emsatisfazer a pretenso. E se quase nunca se atenta para tal circunstncia, ese quase sempre se confunde pretenso com ao, porque, na maioria doscasos, se prope a ao processual (contra o Estado), sem se exercitar antesa pretenso contra o sujeito passivo da relao substancial, pois a lei noexige que uma s seja proposta depois de desatendida a outra. Nasconsideraes feitas, e nas que se seguem, deve ficar ressalvado o ponto de

    vista daqueles que, abraando a doutrina mais moderna - e talvez a maisacertada - vem no direito de ao, rigorosamente, um direito de tal modoautnomo e abstrato, que preexiste relao de direito substancial. Paraesses, no h como falar em nascimento da ao, do mesmo modo que nose pode falar em carncia de ao. Para eles, a recusa do sujeito passivoem satisfazer a pretenso no determina o nascimento da ao, pois essa jexistia. Tal recusa apenas representa uma das condies para o exerccioda ao.

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    As digresses feitas acima impem a concluso de que, sob o ponto de vistadoutrinrio, no rigorosamente correto afirmar que o prazo prescricionalcomea a fluir a partir do nascimento da ao processual oriunda da lesodo direito (ou - para usar a terminologia da doutrina mais atualizada - apartir da reunio das condies para o exerccio da ao), pois alm de no

    se originar a ao, diretamente, da violao do direito, ainda h casos emque aquele prazo necessariamente deve comear a correr antes da leso dodireito e, conseqentemente, antes que o titular possa, a rigor, propor aao (processual). Serve para ilustrar a assertiva o exemplo anteriormentecitado, da divida qurable (art. 327 do Cd. Civil) sujeita a prazo, em que ocredor, na data do vencimento, no foi receber o pagamento no domiclio dodevedor, nem esse manifestou recusa em efetuar o pagamento, no tendohavido, assim, violao do direito do primeiro, nem, conseqentemente,nascimento da ao. Se se entender que, no caso, o prazo prescricionaldeve comear a fluir com o nascimento da ao decorrente da violao dodireito, chegar-se- concluso - evidentemente absurda - de que tal prazo

    jamais ter incio, ou, ento, que seu inicio ficar dependendoexclusivamente da vontade do credor: somente quando ele procurar odevedor, para receber o pagamento, e houver recusa da parte desse(caracterizando-se, assim, a violao do direito), que comear a fluir ditoprazo.

    Foi, talvez, para atender a tais situaes, que o Cdigo Civil alemointroduziu em seu texto, exatamente na seo que trata da prescrio, oconceito de pretenso (Anspruch), que extremamente til na prtica: "Opoder de exigir de outrem uma prestao" ( 194). E acrescentou, no 198:"A prescrio comea com o nascimento da pretenso". Acentue-se que,

    quando o mencionado Cdigo, em seu 194, fala em "poder de exigir, estsubentendido que o poder de exigir extrajudicialmente (tendo em vista apossibilidade de realizao espontnea do direito por parte do sujeitopassivo), e no o poder de exigir por via judicial. Esse ltimo constitui a aopropriamente dita (ou ao judicial), e corresponde ao outro sentido que osromanos davam actio.

    Desde que o incio do prazo prescricional determinado pelo nascimento dapretenso, segue-se, dai, como concluso lgica e inevitvel, que a primeiracoisa atingida pela prescrio a pretenso, e no a ao. Pode at havercasos em que se verifica a prescrio da pretenso, sem que a ao haja

    sequer nascido. O exemplo citado acima, com apoio no art. 327 do CdigoCivil, tambm de utilidade aqui: assim, decorrido o prazo prescricional(iniciado com o vencimento da obrigao), sem que haja comparecido aodomiclio do devedor, e sem que esse haja manifestado recusa em efetuar opagamento, prescreveu a pretenso (desde que o interessado tenhaoferecido a exceo de prescrio), embora, a rigor, no tivesse nascido aao. Em resumo: a ao, que posterius lgico em relao pretenso, atingida apenas indiretamente pela prescrio: desde que uma pretensofica encoberta pela prescrio, tambm fica encoberta a ao porventura

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    originada daquela pretenso (ou que tinha na mesma pretenso uma dascondies para o seu exerccio).

    Por outro lado, se se entender que a prescrio atinge de modo direto a ao(processual), ter-se- que concluir, necessariamente, que a pretenso (como

    prius lgico que , em relao ao), ficar inclume; persistir o poder docredor de exigir a prestao (embora apenas extrajudicialmente); e frustrar-se-, desse modo, a principal finalidade da prescrio.

    Chegar-se- tambm, por um caminho mais curto, concluso de que aprescrio atinge diretamente a pretenso, se se levar em conta que aprescrio uma exceo de natureza substancial, e que tais excees soutilizadas, precisamente, contra as pretenses, e no contra os direitos nemcontra as aes.

    Compreende-se facilmente o motivo da escolha da pretenso como termo

    inicial do prazo de prescrio. que o estado de intranqilidade social que oinstituto da prescrio procura limitar no tempo, no resulta somente dapossibilidade de propositura da ao, mas tambm de um fato que semprelhe anterior, e que pode at ocorrer sem que haja nascido a ao: apossibilidade de exerccio da pretenso. Pouco, ou nada, adiantaria paralisara ao, com o objetivo de alcanar aquela paz social, se a pretensopermanecesse com toda sua eficcia.

    Deste modo, fixada a noo de que o nascimento da pretenso e o inicio doprazo prescricional so fatos correlatos, que se correspondem como causa eefeito, e articulando-se tal noo com aquela classificao dos direitos

    formulada por CHIOVENDA, concluir-se-, fcil e irretorqivelmente, que sos direitos da primeira categoria, (isto , os "direitos a uma prestao"),conduzem prescrio, pois somente eles so suscetveis de leso ou deviolao, e somente eles do origem a pretenses, conforme ficouamplamente demonstrado. Por outro lado, os da segunda categoria, isto ,os direitos potestativos - (que so, por definio, "direitos sem pretenso",ou "direitos sem prestao", e que se caracterizam, exatamente, pelo fatode serem insuscetveis de leso ou violao) - no podem jamais, por issomesmo, dar origem a um prazo prescricional.

    Por via de conseqncia chegar-se-, ento, a uma segunda concluso

    importante: s as aes condenatrias podem sofrer os efeitos daprescrio, pois so elas as nicas aes por meio das quais se protegemjudicialmente os direitos que irradiam pretenses, isto , os da primeiracategoria da classificao de CHIOVENDA. Com efeito, as condenatrias soas nicas aes que servem de meio para se obter judicialmente, com ainterveno do Estado, satisfao das pretenses no atendidasextrajudicialmente pelos sujeitos passivos das relaes jurdicassubstanciais. Igual satisfao no possvel obter, jamais, por via de aesconstitutivas ou declaratrias, pois essas tm finalidades diversas. Assim,

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    desde que a prescrio atinge diretamente as pretenses, somente as aescondenatrias podem sofrer seus efeitos.

    Se, a ttulo de verificao do acerto daquelas concluses, as aplicarmos aosvrios prazos para propositura de aes enumerados no art. 206 do Cdigo

    Civil, verificaremos o seguinte: 1) todos os prazos do mencionadodispositivo que so classificados, pela doutrina e pela jurisprudncia, comoprazos de prescrio, stricto sensu, se referem a aes condenatrias; 2) osdemais prazos (que so classificados pela doutrina e pela jurisprudnciacomo prazos de decadncia) no se referem a aes condenatrias. Alis,se analisarmos o Cdigo Civil alemo, faremos algumas observaesinteressantes, que vm confirmar, plenamente, aquelas concluses a quechegamos com referncia ao art. 206 do Cdigo Civil brasileiro: o dispositivodo Cdigo alemo ( 196), que fixa os prazos especiais de prescrio,enumera exclusivamente pretenses ligadas a direitos pertencentes primeira categoria da classificao de CHIOVENDA, isto , "direitos a uma

    prestao", que so os nicos suscetveis de violao, so os nicos dosquais se irradiam pretenses e so os nicos protegidos por meio de aescondenatrias.

    As consideraes feitas acima conduzem, pois, inevitavelmente, fixaodesta primeira regra, indispensvel distino entre prescrio edecadncia: - TODAS AS AES CONDENATRIAS (E SOMENTE ELAS) ESTOSUJEITAS A PRESCRIO.

    Passemos, agora, ao instituto da decadncia.

    IX - FUNDAMENTOS E EFEITOS DA DECADINCIA

    Por que razo h prazos de prescrio e prazos de decadncia? Por que haes que conduzem prescrio e aes que conduzem decadncia,quando seria muito mais simples unificar os conceitos e dar uma sdenominao aos principais efeitos da incidncia do tempo sobre as relaesjurdicas? exatamente porque os dois institutos, embora tendofundamentos comuns, divergem quanto ao objeto e quanto aos efeitos.

    Realmente, ao conceituarem a decadncia, doutrina e jurisprudncia, na sua

    grande maioria, embora no forneam critrio seguro para distingui-la daprescrio, acentuam um fato de importncia capital: o efeito imediato dadecadncia a extino do direito, ao passo que o da prescrio acessao da eficcia da ao (entenda-se: da pretenso). Isto, porm, nobasta para distinguir os dois institutos, e o problema permanece de p.Examinemos a questo sob outro aspecto.

    Quando enumera os princpios concernentes ao exerccio dos direitos, o Prof.ORLANDO GOMES inclui dois que interessam de perto matria emdiscusso: o da disponibilidade, segundo o qual o exerccio dos direitos

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    facultativo (ningum obrigado a exerc-los); e o da inesgotabilidade, deacordo com o qual os direitos no se esgotam pelo no-uso (Introduo aoDireito Civil, pg. 122). Pode-se dizer, assim, que a exemplo do que ocorriacom as aes no direito romano antes de surgir o instituto da prescrio,tambm os direitos, em principio, tm durao perptua.

    Todavia, conforme j vimos anteriormente, h certos direitos cujo exerccioafeta, em maior ou menor grau, a esfera jurdica de terceiros, criando paraesses um estado de sujeio, sem qualquer contribuio da sua vontade, oumesmo contra sua vontade. So os direitos potestativos. natural, pois, quea possibilidade de exerccio desses direitos origine, em algumas hipteses,para os terceiros que vo sofrer a sujeio, uma situao de intranqilidadecuja intensidade varia de caso para caso. Muitas vezes aqueles reflexos seprojetam muito alm da esfera jurdica dos terceiros que sofrem a sujeio echegam a atingir interesses da coletividade, ou de parte dela, criando umasituao de intranqilidade de mbito mais geral. Assim, a exemplo do que

    ocorreu com referncia ao exerccio das pretenses, surgiu a necessidade dese estabelecer tambm um prazo para o exerccio de alguns (apenas alguns)dos mencionados direitos potestativos, isto , aqueles direitos potestativoscuja falta de exerccio concorre de forma mais acentuada para perturbar apaz social. Da fixar a lei (alm de outros), prazos para o exerccio dosseguintes direitos potestativos: direito de preempo ou preferncia; direitode propor ao rescisria; direito que tm os cnjuges de promover aanulao do casamento; direito que tm os contratantes de rescindir ouanular os contratos, etc., etc. Convm acentuar, a esta altura, que nemtodos aqueles prazos esto ligados propositura de uma ao, pois, como jvimos, h direitos potestativos que se exercem por outro meio que no o do

    procedimento judicial, mas, mesmo assim, podem estar subordinados a umprazo. Por exemplo: o exerccio do direito de preempo ou preferncia nose faz por meio de ao, porm est subordinado a um prazo (art. 516 doCd. Civil). Assim, pode-se dizer, com relao aos direitos potestativossubordinados a prazo, que o prazo no fixado, propriamente, para apropositura da ao, mas para o exerccio do direito. E se quase sempre nose atenta para essa circunstncia porque, na maioria dos casos, taisdireitos, quando subordinados a prazo, se exercitam por meio de ao.

    Tambm se verifica a situao inversa: h direitos potestativos que seexercitam (facultativa ou mesmo obrigatoriamente) por meio de ao, mas,

    apesar disso, no esto subordinados a prazo. Exs.: os direitos potestativosexercitados por meio das aes de diviso e investigatria de paternidade.Essa observao deve ficar bem acentuada, porque o ponto de partidapara a construo da teoria da imprescritibilidade, que pretendemos expormais adiante.

    Com referncia queles direitos potestativos para cujo exercicio a lei noachou necessrio fixar um prazo especial, fica prevalecendo, ento, oprincpio geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade ("os direitos no seextinguem pelo no-uso"), pois no h dispositivo estabelecendo um prazo

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    geral para que os direitos potestativos sejam exercitados sob pena deextino. Relativamente a tais direitos s h prazos especiais. J o mesmono acontece com os direitos da outra categoria (os "direitos a umaprestao" da classificao de CHIOVENDA): as aes por meio das quaisesses direitos so protegidos, ou esto subordinadas a prazos especiais no

    art. 207 do Cdigo, ou esto subordinadas aos prazos gerais do art. 206, poisesse ltimo artigo s se aplica s aes condenatrias, que so as nicasligadas s pretenses reais e pessoais.

    As consideraes feitas acima levam, inevitavelmente, concluso de que,quando a lei, visando paz social, entende de fixar prazos para o exercciode alguns direitos potestativos (seja exerccio por meio de simplesdeclarao de vontade, como o direito de preempo ou preferncia; sejaexerccio por meio de ao, como o direito de promover a anulao docasamento), o decurso do prazo sem o exerccio do direito implica naextino deste, pois, a no ser assim, no haveria razo para a fixao do

    prazo. Tal conseqncia (a extino do direito) tem uma explicaoperfeitamente lgica: que (ao contrrio do que ocorre com os direitossuscetveis de leso) nos direitos potestativos subordinados a prazo o quecausa intranqilidade social no , propriamente, a existncia da pretenso(pois deles no se irradiam pretenses) nem a existncia da ao, mas aexistncia do direito, tanto que h direitos desta classe ligados a prazo,embora no sejam exercitveis por meio de ao. O que intranqiliza no a possibilidade de ser exercitada a pretenso ou proposta a ao, mas apossibilidade de ser exercido o direito. Assim, tolher a eficcia da ao, edeixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrio), de nada adiantaria,pois a situao de intranqilidade continuaria de p. Infere-se, da, que

    quando a lei fixa prazo para o exerccio de um direito potestativo, o que elatem em vista, em primeiro lugar, a extino desse direito, e no a extinoda ao. Essa tambm se extingue, mas por via indireta, comoconseqncia da extino do direito.

    O mesmo fato no observado com referncia outra categoria de direitos(os "direitos a uma prestao"): a lei no fixa - e nem tem motivos para fixar- prazo para o exerccio de nenhum deles. Com relao a esses direitos, osprazos que existem, fixados em lei, so to-somente para o exerccio daspretenses que deles se irradiam. Assim, o decurso do prazo sem exerccioda pretenso, implica no encobrimento da eficcia dessa (desde que o

    interessado oferea a exceo de prescrio) e no na extino do direitoque ela protege, pois - repita-se - em face dos denominados "direitos a umaprestao", a pretenso e a ao funcionam como meios de proteo e nocomo meios de exerccio.

    Por conseguinte, tambm se impe, necessariamente, a concluso de que sna classe dos potestativos possvel cogitar-se da extino de um direitoem virtude do seu no-exerccio. Dai se infere que os potestativos so osnicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadncia, umavez que o objetivo e efeito dessa , precisamente, a extino dos direitos

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    no exercitados dentro dos prazos fixados. A concluso imediata ,igualmente, inevitvel: as nicas aes cuja no propositura implica nadecadncia do direito que lhes corresponde so as aes constitutivas quetm prazo especial de exerccio fixado em lei, e apenas essas, pois - insista-se - a lei no fixa prazos gerais para o exerccio de tais aes, a exemplo do

    que ocorre com as condenatrias (art. 205).Finalmente, se, para testar o acerto daquelas concluses, analisarmos osvrios prazos especiais enumerados no art. 206 do Cdigo Civil,verificaremos que todos aqueles classificados pela doutrina e pelajurisprudncia como sendo prazos de decadncia, correspondem,exatamente, a direitos potestativos e a aes constitutivas.

    Deste modo chegamos, por deduo, a esta segunda regra: OS NICOSDIREITOS PARA OS QUAIS PODEM SER FIXADOS PRAZOS DE DECADNCIASO OS DIREITOS POTESTATIVOS E, ASSIM, AS NICAS AES LIGADAS AO

    INSTITUTO DA DECADNCIA SO AS AES OONSTITUTIVAS QUE TM PRAZOESPECIAL DE EXERCCIO FIXADO EM LEI.

    Com a aplicao das duas regras deduzidas acima, torna-se extremamentefcil distinguir a prescrio da decadncia: se se trata de ao condenatria,o prazo de prescrio da pretenso que lhe corresponde; e se se trata deao constitutiva, o prazo de decadncia do direito exercitado por meiodela.

    Entretanto convm atentar para alguns fatos que so corolrios daexposio feita acima: l) Tanto na decadncia quanto na prescrio a ao

    (judicial) no atingida de modo direto, e sim, indiretamente. De mododireto so atingidos o direito (na decadncia) e a pretenso (na prescrio).2) A decadncia opera ipso jure: produz efeito extintivo imediato a partir daconsumao do prazo, e como diz respeito extino do direito, dela o juizpode, e deve, conhecer de ofcio, independentemente de provocao dointeressado, pois no se conceberia que ele fosse basear sua deciso em umdireito que deixou de existir. Enquanto isso, a prescrio s atua opeexceptionis, e por isso pode-se mesmo dizer que o efeito imediato daconsumao do prazo prescricional um efeito criador: faz nascer, em favordo prescribente, uma exceo substancial cuja atuao dependeexclusivamente da sua vontade - se o prescribente no oferecer a exceo

    de prescrio dela o juiz no pode conhecer ex-officio, ainda tendo cinciada consumao do prazo prescricional. Alis, a prescrio no tem efeitoextintivo nem mesmo quando oferecida a exceo e transitada em julgado adeciso que a acolheu; o prescribente pode renunciar prescrio, e nessecaso h, como conseqncia, a restaurao da pretenso primitiva, e no onascimento de uma nova pretenso. Tal no ocorreria se houvesse, por forado uso da exceo de prescrio, extino da pretenso primitiva.

    A seguir trataremos de alguns casos especiais que podem suscitar dvidas.

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    X - CASOS ESPECIAIS DE AES CONSTITUTIVAS

    O primeiro caso que pode oferecer alguma dificuldade na aplicao das duasregras fixadas acima aquele a que se refere o artigo 475 do Cdigo Civil:O adquirente decai do direito de obter a redibio ou abatimento no preono prazo de trinta dias se a coisa for mvel, e de um ano se for imvel,contado da entrega efetiva; se j estava na posse, o prazo conta-se daalienao, reduzido metade. Como se verifica do texto indicado, ocomprador tem, sua disposio, dois caminhos representados por aes denatureza diversa (condenatrias e constitutivas), dos quais pode fazer usoalternativamente: a) pode ele propor uma ao para haver abatimento dopreo (ao condenatria), ou b) propor uma ao para rescindir o contrato(ao constitutiva), cumulada com uma ao para reaver o preo pago maisperdas e danos (ao condenatria). Como aplicar, na hiptese, o critriodistintivo proposto acima, desde que esto presentes os dois tipos de aes

    que servem de base distino? O prazo de prescrio ou de decadncia?Para solucionar o caso, deve-se levar em conta, no a natureza das aesque esto em jogo, e sim que, quando a lei coloca aqueles dois caminhos disposio do interessado, estabelece em seu favor um poder de opo. Atal poder a outra parte tem que se sujeitar, independentemente da prpriavontade, ou mesmo contra sua vontade: conceder abatimento no preo; ousofrer os efeitos da resciso do contrato, com a devoluo do preo pago,mais perdas e danos, conforme tiver sido a escolha do titular do poder. V-se, assim, que esto presentes, naquele poder, os elementos caractersticosde um legtimo direito potestativo: exerccio dependente exclusivamente da

    vontade do titular, e estado de sujeio que nasce para o outro membro darelao jurdica. Deste modo, os aludidos prazos so fixados para o exercciodaquele direito potestativo (o direito de opo) e, conseqentemente,devem ser classificados como prazos decadenciais. essa, realmente, aclassificao dada por PONTES DE MIRANDA (op. cit., vol. 6.-9, pgs. 140,340, e 341); CMARA LEAL (op. cit., pgs. 145 e 146); ORLANDO GOMES (op.cit., pg. 393); e CARLOS MAXIMILANO, Hermenutica e Aplicao do Direito,pg. 352.

    Outro prazo que merece referncia especial o do art. 1.251, do Cdigo Civil[5]: a ao do proprietrio do prdio desfalcado contra o do prdio

    aumentado pela avulso, ao condenatria ou constitutiva? O prazo deprescrio da ao, ou de decadncia do direito a que ela corresponde?

    primeira vista parece tratar-se de ao condenatria, pois afigura-se que,ao propor a ao, o autor pretende do ru uma prestao, isto , a entregada parte acrescida ao seu imvel pela avulso. Ocorre, porm, que aavulso no resulta de ato do proprietrio do imvel beneficiado, contrrioao direito do outro proprietrio, e sim de fato da natureza que tem comoefeito jurdico a constituio de um direito de propriedade em favor doproprietrio do imvel beneficiado, se no houver reclamao do outro

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    proprietrio dentro do prazo de um ano. Deste modo, a ao em anlise notem efeito condenatrio, e sim efeito constitutivo negativo: visa evitar quese crie um novo direito de propriedade sobre a poro de terra objeto daavulso, ou que se crie esse novo direito independentemente deindenizao. Trata-se, pois, de ao constitutiva, e conseqentemente o

    prazo de decadncia. Esse entendimento coincide com o de PONTES DEMIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. VI, pgs. 358 e 359); CARLOSMAXIMILIANO (Hermenutica e Aplicao do Direito, pg. 351 da 5, ed.); eCMARA LEAL (Da Prescrio e da Decadncia, pg. 146 de l ed.).

    XI - AES DECLARATRIAS

    Quando expusemos a classificao das aes adotada por CHIOVENDA,verificamos que, ao lado das aes condenatrias (ligadas ao instituto daprescrio), e das aes constitutivas (ligadas ao instituto da decadncia),

    existe uma terceira categoria, a das aes declaratrias. Qual a posiodessas ltimas em face dos dois institutos? Esto ligadas a eles, ou a algumdeles?

    Conceituando as aes declaratrias e, simultaneamente, distinguindo-asdas condenatrias e das constitutivas, diz CHIOVENDA:

    O autor que requer uma sentena declaratria no pretende conseguiratualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, sejaque o bem consista numa prestao do obrigado, seja que consista namodificao do estado jurdico atual; quer, to-somente, saber que seudireito existe ou quer excluir que exista o direito do adversrio; pleiteia no

    processo a certeza jurdica e nada mais. (Instituies, 1/302 e 303).

    A obteno dessa "certeza jurdica' , no dizer do mesmo autor, a maisautnoma e a mais elevada funo do processo (op. e pg. cits.).

    A "certeza jurdica" surge, assim, como efeito, no apenas imediato, mastambm nico, das aes e sentenas declaratrias, e precisamente o queacentua CHIOVENDA quando afirma que a sentena declaratria "... noensarta (sic) outro efeito que o de fazer cessar a incerteza do direito..." (op.cit., 1 vol., pg. 286).

    Realmente, a noo de obteno da "certeza jurdica" est sempre ligada aoconceito de ao declaratria: CHIOVENDA (Instituies, 1 vol., pgs. 286,321, e 324); Ensayos de Derecho Procesal Civil, 1 vol., pg. 32 da trad.cast.); e TORQUATO CASTRO (Ao Declaratria, pgs. 27 e 88).

    Por conseguinte, pode-se dizer que as sentenas declaratrias no do, notiram, no probem, no permitem, no extinguem e nem modificam nada.Em resumo: no impem prestaes, nem sujeies, nem alteram, porqualquer forma, o mundo jurdico. Por fora de uma sentena declaratria,no mundo jurdico nada entra, nada se altera, e dele nada sai. As sentenas

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    desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a "certeza a respeito doque j existe, ou no existe, no mundo jurdico. exatamente o principioconsagrado no nosso Cdigo de Processo Civil quando trata de tais aes: "Ointeresse do autor poder limitar-se declarao da existncia, ouinexistncia de relao jurdica ou declarao da autenticidade ou

    falsidade de documento" (art. 3).Fixado o conceito, pergunta-se: as aes declaratrias esto ligadas prescrio ou decadncia? Parece-nos que nem a uma coisa nem a outra,conforme se passa a demonstrar.

    J vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional est ligado, necessriae indissoluvelmente, a uma pretenso, de modo que, se no h prestao areclamar, no h como cogitar de prescrio da ao. J vimos, igualmente,que fato semelhante ocorre com o instituto da decadncia: todo prazodecadencial est ligado, tambm necessria e indissoluvelmente, ao

    exerccio de um direito, de modo que s sofrem os efeitos (indiretos) dadecadncia aquelas aes que so meios de exerccio de alguns direitospertencentes a uma categoria especial.

    Ora, as aes declaratrias nem so meios de reclamar uma prestao, nemso, tampouco, meios de exerccio de quaisquer direitos (criao,modificao ou extino de um estado jurdico). Quando se prope umaao declaratria, o que se tem em vista, exclusivamente, a obteno da"certeza jurdica", isto , a proclamao judicial da existncia ou inexistnciade determinada relao jurdica, ou da falsidade ou autenticidade de umdocumento. Da fcil concluir que o conceito de ao declaratria

    visceralmente inconcilivel com os institutos da prescrio e da decadncia:as aes desta espcie no esto, e nem podem estar, ligadas a prazosprescricionais ou decadenciais. Realmente, como j vimos, o objetivo daprescrio liberar o sujeito passivo de uma prestao, e o da decadncia, ode liber-lo da possibilidade de sofrer uma sujeio. Ora, se as aesdeclaratrias no tm o efeito de realizar uma prestao, nem tampouco ode criar um estado de sujeio, como ligar essas aes a qualquer dos doisinstitutos em anlise? Se o nico efeito de tais aes a declarao daexistncia ou inexistncia de uma relao jurdica, ou da autenticidade oufalsidade de um documento, qual a finalidade da fixao de um prazo para oseu exerccio? E quais seriam as conseqncias do decurso do prazo sem

    propositura da ao? A relao inexistente passaria a existir? E a existentedeixaria de existir? O documento falso passaria a autntico? E o autnticopassaria a falso? Mesmo admitindo-se, para argumentar, a possibilidade deconseqncias to absurdas, a ao no seria, nestes casos, declaratria, esim constitutiva.

    Para ficar ainda mais acentuada a incompatibilidade entre as aesdeclaratrias e os institutos da prescrio e da decadncia, basta atentarpara o seguinte: Diz CHIOVENDA que as sentenas declaratrias podem terpor objeto qualquer direito, inclusive de natureza potestativa (Instituies,

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    1/331; e Ensayos de Dere,cho Procesal Civil, pg. 127). Dai pode-se concluirque os direitos, objeto das aes declaratrias, so, tambm, objeto de umadas outras duas categorias de aes (condenatrias ou constitutivas), e talconcluso d origem a mais um argumento favorvel ao ponto de vista quesustentamos. Realmente, desde que as situaes jurdicas que se colocam

    no campo de atuao das aes declaratrias j so tuteladas por um dosoutros dois tipos de aes cuja finalidade precpua a realizao do direito(condenatrias ou constitutivas) e se estas, por sua vez, j se encontramligadas a um prazo extintivo (prescricional ou decadencial), seria absurdoadmitir outro prazo de igual natureza para a ao declaratria que tivessepor objetivo a mesma situao jurdica. Se se entender de outra forma, qualdos dois prazos deve prevalecer? O da ao declaratria ou o outro?Levando em considerao o ponto assinalado, acentuam CHIOVENDA(Ensayos de Derecho Procesal Civil, 1/129 da trad. cast.) e FERRARA (ASimulao dos Negcios Jurdicos, pg. 458 da trad. port.), que quando aao condenatria est prescrita, no razo para se considerar tambm

    prescrita a correspondente ao declaratria, e sim para se considerar quefalta o interesse de ao para a declarao da certeza.

    E se se levar em conta que a prescrio e a decadncia tm uma finalidadecomum, que a paz social, ainda ficar mais evidenciada a desnecessidadede se fixar prazo para as aes declaratrias, pois, no produzindo elas (e asrespectivas sentenas), como de fato no produzem, qualquer modificaono mundo jurdico (mas apenas a proclamao da certeza jurdica), seuexerccio, ou falta de exerccio, no afetam, direta ou indiretamente, a pazsocial.

    Alm do mais, se se quisesse fixar um prazo extintivo para as aesdeclaratrias, de que natureza seria este prazo? Prescricional oudecadencial? O legislador que pretendesse fazer uma escolha se deparariacom um obstculo intransponvel: como as aes declaratrias no tm porfinalidade a restaurao, nem tampouco o exerccio de direitos, elas nopodem ser atreladas nem ao instituto da prescrio nem ao da decadncia.

    Diante de tudo isso, a concluso que se impe a seguinte: as aesdeclaratrias devem ser classificadas como aes imprescritveis. E esta,realmente, a classificao dada pela maioria dos doutrinadores. Entremuitos outros: CHIOVENDA (Instituies, 1/62; Ensayos, 1/32); PONTES DE

    MIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. 6, pgs. 129, 130 e 285) eFERRARA (Da Simulao dos Negcios Jurdicos, pg. 458).

    XII - AES APARENTEMENTE DECLARATRIAS

    Problema intimamente ligado ao das aes declaratrias, e que mereceexame mais detido, o daquelas aes que poderiam receber adenominao de "aparentemente declaratrias", em virtude de seremgeralmente classificadas como declaratrias, embora sejam, na realidade,

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    constitutivas. So as denominadas "aes de estado". Pelo menos elas nopodem ser consideradas declaratrias dentro da concepo moderna dessetipo de aes, isto , aquelas aes por meio das quais se procura,exclusivamente, obter uma certeza jurdica. o que procuraremosdemonstrar.

    Da conceituao da ao declaratria se infere, naturalmente, que uma dassuas principais caractersticas a facultatividade ou voluntariedade: ela utilizada quando algum quer, apenas, estabelecer a certeza jurdica arespeito da existncia ou inexistncia de determinada relao jurdica, masningum obrigado a prop-la para que desta relao decorram efeitosjurdicos. A relao jurdica existe (ou inexiste), e seus efeitos se produzem(ou no se produzem), independentemente de sua declarao judicial. Emresumo: pode-se dizer que no h aes declaratrias "obrigatrias" ou"necessrias", como as h na classe das constitutivas. Assim, por exemplo,se no h dvidas a respeito da existncia de determinada relao jurdica,

    isto , se coincidem as vontades de todos os possveis interessados, nosentido de reconhecerem a existncia da relao; ou, em outras palavras, seno h incerteza a respeito da existncia da mesma relao, a aodeclaratria se torna desnecessria. E mesmo havendo incerteza, ouincoincidncia das vontades dos interessados, no indispensvel propositura da declaratria para que a relao jurdica exista e produza seusefeitos, pois, como j vimos, a finalidade nica das aes declaratrias aobteno da certeza jurdica, e no a produo de quaisquer outros efeitos.O interessado na declarao pode at achar prefervel aguardar-se paratutelar seu direito por um meio mais enrgico, que no seja apenas odeclaratrio. O que certo, porm e deve ficar bem ressaltado, que, com

    ou sem ao declaratria, os efeitos jurdicos da relao se produzem damesma forma.

    Tais inferncias encontram pleno apoio nestes ensinamentos deGOLDSCHMIDT a respeito do "interesse declaratrio' e da incerteza jurdica,ligados s aes declaratrias:

    Desaparece o interesse na declarao se o demandado declara nopretender discutir no futuro o direito do autor, ou renunciar ao direito deque se jactou.

    ................................................................................................................

    Falta esta insegurana quando a demanda deva procurar, no oesclarecimento de relaes jurdicas controvertidas concretas edeterminadas, e sim, a declarao de relaes ainda incontrovertidas".(Derecho Procesal Civil, pg. 107 da trad. cast.).

    Ora, nada do que foi assinalado acima (e que caracterstico das aesdeclaratrias), ocorre com as denominadas "aes de estado". Assim, se sepretende obter o reconhecimento de determinado estado pessoal e aproduo dos efeitos dele decorrentes, necessrio e indispensvel a

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    propositura da competente ao de estado, mesmo havendo absoluta einabalvel certeza a respeito da existncia desse estado, e mesmo havendocoincidncia das vontades e acordo expresso de todos os interessadospossveis e imaginveis, prximos ou remotos. Por conseguinte, nica eexclusivamente por meio de ao possvel: o marido contestar a

    paternidade dos filhos de sua mulher (art. 1.601); o filho impugnar oreconhecimento (art. 1.614); o filho demandar o reconhecimento da filiao,quando os pais no o tenham feito voluntariamente; o cnjuge promover adecretao da invalidade do casamento nulo ou anulvel.

    H, ainda, algumas outras circunstncias observadas nas aes de estado,em geral, e que as incompatibilizam, inteiramente, com o carterdeclaratrio que se lhes pretende atribuir. Assim, em primeiro lugar:somente determinadas pessoas (e no todos os interessados) podem propora ao de estado. Ora, noo elementar e fundamental, que as sentenasdeclaratrias no produzem qualquer alterao no mundo jurdico, pois elas

    no tm como efeito a aquisio, modificao ou extino de direitos, e sima proclamao da "certeza jurdica". Deste modo, se as aes de estadofossem aes declaratrias, no havia razo para se permitir sua utilizaoapenas a determinadas pessoas, e no a todos os interessados. Se suautilizao limitada, porque as aes de estado tm outros efeitos queno a simples proclamao da "certeza jurdica".

    Em segundo lugar: o Cdigo Civil estabelece prazos extintivos para oexerccio de vrias aes de estado. Qual a conseqncia da extino doprazo para exerccio de uma ao de estado? A impossibilidade de serproclamada, da por diante, a "certeza jurdica"? Isto no teria sentido, nem

    finalidade. O legislador no iria estabelecer, como conseqncia da extinodaquele prazo, apenas a impossibilidade de se proclamar a "certezajurdica", deixando subsistirem os efeitos inerentes ao estado objeto daao, efeitos esses que independem da proclamao daquela certeza: adeclarao da "certeza jurdica", ou a permanncia da situao de"incerteza", no atingem, e nem podem atingir, os efeitos das relaesjurdicas. Estas existem, e produzem efeitos, independentemente daproclamao da "certeza jurdica", como j vimos. Em concluso: se hprazo para o exerccio de algumas aes de estado, porque a lei tem emvista alcanar, com a extino do prazo, no a impossibilidade de seproclamar a "certeza jurdica", mas a impossibilidade de serem obtidos os

    efeitos decorrentes do estado objeto da ao. Conseqentemente, afinalidade das aes de estado no a proclamao da "certeza jurdica,mas a obteno daqueles efeitos, e assim elas devem ser classificadas comoconstitutivas (positivas o ou negativas), e no como declaratrias.

    A brevidade do presente estudo no permite uma anlise detalhada de todasas aes de estado, mas no resistimos tentao de assinalar algumasparticularidades observadas com relao a um dos tipos mais caractersticoda classe - a ao investigatria de filiao. Tais particularidades tambmacentuam a incompatibilidade que existe entre as aes de estado e as

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    Entretanto, para demonstrar, de incio, e independentemente de qualqueroutra considerao, que existem aes imprescritveis no direito brasileiro,basta atentar para as concluses absurdas a que conduziria a adoo deponto de vista diferente. Assim, por exemplo, um contrato firmado por ummenor de oito anos, ou por um louco judicialmente declarado como tal, ou a

    compra e venda de um imvel de alto valor feita por instrumento particular,apesar de serem atos nulos, passariam a produzir todos os seus efeitos,como se vlidos fossem, e no poderiam mais ter sua nulidade decretada,aps o decurso do prazo geral de prescrio, e depois de atravessados, comreferncia aos incapazes, os obstculos legais que se opem fluncia dosprazos prescricionais. Outro exemplo: O casamento que um pai contrassecom sua prpria filha, apesar de ser ato nulo, passaria a produzir efeitos,como se vlido fosse, e tambm no poderia mais ter sua nulidadedecretada, depois que se consumasse o prazo prescricional geral. Ora,ningum pode admitir concluses to estapafrdias, nem mesmo invocandoo texto legal. Assim, foroso concluir, desde j, no sentido da existncia

    de, pelo menos, algumas aes imprescritveis: aquelas aes de nulidademencionadas nos exemplos citados. E se se admite que h algumas aesimprescritveis, j fica aberta uma brecha no sistema que, aparentemente,resulta da letra dos mencionados dispositivos. Por ai, ento, podero seradmitidas outras aes igualmente imprescritveis, pois outras existem. Equais so elas? Como identific-las a priori? Qual o critrio a adotar? Soas perguntas que nos propomos responder a seguir.

    Antes, porm, torna-se mister examinar um assunto de naturezaterminolgica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que oproblema que temos em vista fique bem equacionado. o que diz respeito

    manifesta impropriedade da expresso "aes imprescritveis", pois talexpresso no corresponde, com exatido, ao sentido em que ela utilizadacomumente. Costuma-se usar tal expresso com o objetivo de designaraquelas aes que no esto sujeitas, direta ou indiretamente, a qualquerprazo (prescricional ou decadencial). Esse objetivo no corresponde, todavia, compreenso lgica e gramatical da expresso. "Imprescritvel" significa"que no prescreve" ou no sujeito a prescrio". Deste modo, lgica egramaticalmente, a expresso abrange, no s: a) as aes no sujeitas nema prescrio nem a decadncia, como tambm b) as aes sujeitas adecadncia (indiretamente, por fora da extino do direito a elascorrespondente), pois estas ltimas tambm so "aes que no

    prescrevem". A expresso em foco tem, por conseguinte, uma compreensomais ampla do que o sentido em que utilizada, pois abrange uma categoriade aes (aquelas sujeitas a decadncia) que no se tem em menteabranger quando se faz uso dela. Talvez a anomalia decorra da confusoque muitos faz entre os institutos da prescrio e da decadncia, ou dadificuldade que h em distingui-los. Mas, como a preciso dos conceitos fundamental nos domnios do direito, h necessidade de se substituda aexpresso "aes imprescritveis" por uma outra que corresponda comexatido idia que se pretende exprimir e concilie a realidade com algica. Para esse fim no vemos outra melhor do que a expresso "aes

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    perptuas", que submetemos, neste momento, apreciao dos doutos.Alis, no direito romano, essa expresso designava, inicialmente, aquelasaes que no estavam sujeitas a qualquer prazo extintivo, e, depois,quando todas as aes ficaram subordinadas a prazos, passou a designaraquelas aes sujeitas ao prazo mais longo (SAVIGNY, Sistema tomo IV, pg.

    185).O problema da identificao das denominadas "aes imprescritveis" temsua soluo grandemente facilitada com a fixao daquelas duas regras, jdeduzidas acima, destinadas a identificar as aes ligadas prescrio ou decadncia. Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode serdefinido por excluso, estabelecendo-se como regra que: so perptuas(imprescritveis) todas aquelas aes que no esto sujeitas nem prescrionem a decadncia. Por a se verifica, facilmente, que so perptuas(imprescritveis): a) todas as aes meramente declaratrias; e b) algumasaes constitutivas (aquelas que no tm prazo especial de exerccio fixado

    em lei). Quanto s aes condenatrias, no h, entre elas, aes perptuas(imprescritveis) pois todas so atingidas, ou por um dos prazos especiais doart. 206 ou pelo prazo geral do art. 205.

    Com efeito, j vimos anteriormente que no h qualquer razo para olegislador subordinar as aes declaratrias a prazos, pois o seu uso, ou no-uso, no afeta, direta ou indiretamente, paz social, uma vez que elas nadacriam e nada modificam, apenas declaram a "certeza jurdica. J vimos,tambm, que h at mesmo uma impossibilidade lgica em filiar as aesdeclaratrias aos institutos da prescrio ou da decadncia, uma vez queelas no so meio de se exercerem pretenses, nem meio de exerccio de

    direitos potestativos.

    Quanto s aes constitutivas, a lei s fixou prazo para propositura dealgumas delas. A demais aes constitutivas, no estando, como no esto,sujeita a qualquer prazo, devem ser classificadas como imprescritveis (ouperptuas, segundo a denominao que propusemos) . Com relao aosdireitos exercidos por meio destas aes constitutivas, fica prevalecendo oprincipio geral da perpetuidade dos direitos.

    Convm acentuar que no existe, com referncia s aes declaratrias e sconstitutivas, qualquer dispositivo fixando prazo geral para aquelas no

    atingidas por prazos especiais, de vez que os 206 e 205 s se aplica saes condenatrias.

    J temos, assim, elementos para fixar a terceira e ltima regra: SOPERPTUAS (ou imprescritveis) TODAS AS AES DECLARATRIAS, ETAMBM AQUELAS AES CONSTITUTIVAS PARA AS QUAIS A LEI NO FIXAPRAZO ESPECIAL DE EXERCCIO.

    Os resultados da aplicao da regra deduzida acima coincidem com aopinio generalizada a respeito da imprescritibilidade das aes

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    declaratrias, da ao de diviso, de vrias aes de estado, inclusive ainvestigatria de paternidade; da ao de demarcao, e de quase todas asaes de nulidade. Com a mesma regra ficam, pois, eliminadas aquelasdiscusses irredutveis a respeito da prescritibilidade da ao investigatriade paternidade: ela imprescritvel porque constitutiva e no tem prazo

    especial fixado em lei para o seu exerccio. O mesmo raciocnio exposto nopresente captulo conduz soluo de um outro problema igualmentetormentoso, que exige desenvolvimento maior do que o permitido pelanatureza do presente trabalho: o da imprescritibilidade das excees.Realmente, sendo as excees, como so, direitos potestativos se no tmprazo de exerccio fixado em lei, prevalece, com relao a elas, o princpioda perpetuidade dos direitos. Ou - para usar a terminologia ainda em vigor -as excees so, em princpio, imprescritveis.XV CONCLUSES

    Reunindo-se as trs regras deduzidas acima, tem-se um critrio dotado de

    bases cientficas, extremamente simples e de fcil aplicao, que permite,com absoluta segurana, identificar, a priori, as aes sujeitas a prescrioou a decadncia, e as aes perptuas (imprescritveis). Assim:

    1) - Esto sujeitas a prescrio (indiretamente, isto , em virtude daprescrio da pretenso a que correspondem): - todas as aescondenatrias, e somente elas;

    2) - Esto sujeitas a decadncia (indiretamente, isto , em virtude dadecadncia do direito potestativo a que correspondem): - as aesconstitutivas que tm prazo especial de exerccio fixado em lei;

    3) - So perptuas (imprescritveis): - a) as aes constitutivas que notm prazo especial de exerccio fixado em lei; e b) todas as aesdeclaratrias.

    Vrias inferncias imediatas podem ser extradas daquelas trs proposies.Assim: a) no h aes condenatrias perptuas (imprescritveis), nemsujeitas a decadncia; b) no h aes constitutivas sujeitas a prescrio; ec) no h aes declaratrias sujeitas a prescrio ou a decadncia.

    Uma grande vantagem do critrio aqui sugerido que, tendo como um dos

    pontos de partida, para sua deduo, a categoria dos direitos potestativos,pode, contudo, ser acolhido e utilizado at mesmo por aqueles que noreconhecem essa categoria, desde que admitam a existncia de aesconstitutivas, pois as duas situaes so perfeitamente conciliveis,conforme acentua CARNELUTTI (Sistema de Derecho Procesal Civil, 1/172).

    A fica, pois, exposto o critrio que, como contribuio das mais modestaspara a soluo do tormentoso problema, apresentamos ao exame e criticados doutos.

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    [1] Miguel Reale, Viso geral do Projeto do Cdigo Civil. Disponvel em:Acesso em08.10.03

    [2] Humberto Theodoro Jnior, Da prescrio e da decadncia no novo Cdigo Civil brasileiro. In: ALVIM, Arruda; CSAR,Joaquim Portes de Cerqueira Csar; ROSAS, Roberto (orgs.). Aspectos controvertidos do novo Cdigo Civil. So Paulo: Revistados Tribunais, 2003.

    [3] Ibidem.

    [4] Agnelo Amorim Filho, Critrio cientfico para distinguir a prescrio da decadncia e para identificar as aesimprescritveis. Revista de Direito Processual Civil. So Paulo, v. 3, p. 95-132, jan./jun. 1961.

    [5] Art. 1.251. Quando, por fora natural violenta, uma poro de terra se destacar de um prdio e se juntar a outro, o donodeste adquirir a propriedade do acrscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenizao, se, em um ano, ningumhouver reclamado.

    Pargrafo nico. Recusando-se ao pagamento de indenizao, o dono do prdio a que se juntou a poro de terra deveraquiescer a que se remova a parte acrescida.www.tex.pro.br