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1 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO CIVIL : EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR INÉRCIA DO CREDOR A prescrição é tema que sempre suscitou debates acalorados e construção das mais variadas teses e visões sobre sua existência, sua caracterização, seu desenvolvimento ao longo do tempo, sua diferenciação face a outros institutos do direito – notadamente a decadência – e suas modificações face a determinados eventos, que podem lhe suspender, interromper ou de algum modo obstar o curso natural. O tempo é elemento fundamental na ciência do direito. É, inclusive, de vulgar conhecimento o adágio latino dormientibus non sucurrit ius ou, o direito não socorre os que dormem. Os romanos, de fato, foram praticamente os criadores da idéia de que não basta haver um direito a ser pleiteado, defendido, tutelado mas, que tal defesa ou posicionamento se dê num determinado lapso temporal, sendo o decurso de prazo, para os romanos, um dos elementos extintivos das obrigações 1 . A prescrição, assim, seria uma causa de extinção de obrigações e de direitos para a qual não concorre o titular com sua ação, mas apenas com sua omissão e inação. Constrói-se um raciocínio ilativo : se o titular deste ou daquele direito nada fez para protegê-lo, tutelá-lo ou em face dele algo pleitear, depreende-se daí uma conclusão indicativa de desinteresse por parte desse mesmo titular, sendo a prescrição o ônus natural cabível para tal postura. Nesse sentido, a prescrição serviria como uma forma de não eternizar uma situação cujo deslinde natural – considerando como natural as formas clássicas de extinção (pagamento, novação, remissão, compensação etc) – deixou de ser verificado pela postura unilateral de uma das partes em não exercer seu direito (inércia ou omissão). Numa definição clássica, poderíamos dizer que prescrição é a maneira pela qual se dá a aquisição de um direito ou a liberação de uma obrigação, 1 Cf. MARKY, Thomas (1995), Curso Elementar de Direito Romano, p. 149, São Paulo : Saraiva;

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PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO DIREITO CIVIL : EXTINÇÃO DA

EXECUÇÃO POR INÉRCIA DO CREDOR

A prescrição é tema que sempre suscitou debates acalorados e

construção das mais variadas teses e visões sobre sua existência, sua caracterização, seu

desenvolvimento ao longo do tempo, sua diferenciação face a outros institutos do direito

– notadamente a decadência – e suas modificações face a determinados eventos, que

podem lhe suspender, interromper ou de algum modo obstar o curso natural.

O tempo é elemento fundamental na ciência do direito. É, inclusive,

de vulgar conhecimento o adágio latino dormientibus non sucurrit ius ou, o direito não

socorre os que dormem. Os romanos, de fato, foram praticamente os criadores da idéia

de que não basta haver um direito a ser pleiteado, defendido, tutelado mas, que tal

defesa ou posicionamento se dê num determinado lapso temporal, sendo o decurso de

prazo, para os romanos, um dos elementos extintivos das obrigações1.

A prescrição, assim, seria uma causa de extinção de obrigações e de

direitos para a qual não concorre o titular com sua ação, mas apenas com sua omissão e

inação. Constrói-se um raciocínio ilativo : se o titular deste ou daquele direito nada fez

para protegê-lo, tutelá-lo ou em face dele algo pleitear, depreende-se daí uma conclusão

indicativa de desinteresse por parte desse mesmo titular, sendo a prescrição o ônus

natural cabível para tal postura.

Nesse sentido, a prescrição serviria como uma forma de não

eternizar uma situação cujo deslinde natural – considerando como natural as formas

clássicas de extinção (pagamento, novação, remissão, compensação etc) – deixou de ser

verificado pela postura unilateral de uma das partes em não exercer seu direito (inércia

ou omissão).

Numa definição clássica, poderíamos dizer que prescrição é a

maneira pela qual se dá a aquisição de um direito ou a liberação de uma obrigação,

1 Cf. MARKY, Thomas (1995), Curso Elementar de Direito Romano, p. 149, São Paulo : Saraiva;

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pela inação do titular do direito ou credor da obrigação, durante um lapso temporal

previsto legalmente2.

Caminhando de forma mais objetiva em direção ao tema desse

pequeno estudo, há que se registrar que a prescrição não gera efeitos apenas sobre a

fruição do direito materialmente considerado. O antigo Código Civil de 1916,

regramento de direito material ou substantivo por excelência, elencava em seu artigo

172 algumas causas interruptivas da prescrição e, dentre estas, indica já no inciso I ser a

citação pessoal feita ao devedor, ainda que ordenada por juiz incompetente suficiente

para obstar o curso natural da prescrição. O novo Código Civil de 2003 praticamente

mantém na íntegra o texto do antigo 172, apenas fundindo-o com o 173 que passa a ser

parágrafo único daquele, e recebendo o nº 202.

Vale lembrar que o artigo 219 do Código de Processo Civil, mutatis

mutandis, parece ter seguido, segundo se depreende de sua dicção, a mesma fórmula já

insculpida na lei civil substantiva. O próprio inciso I, do art. 202 do novo Código Civil,

leciona que quanto à interrupção da prescrição por despacho de juiz, há que se observar

a forma da lei processual.

Apenas para efeitos de ilustração, e para que possamos adentrar à

análise da prescrição intercorrente em si mesma, convém, ainda que de forma breve,

tecer alguns comentários sobre decadência que, assim, difere-se de uma maneira

preliminar da prescrição, segundo alguns doutrinadores, pelo fato de que não se

interrompe e nem se suspende por motivo algum, a não ser o efetivo exercício do direito

correspondente3, seja de que modo for. Na decadência, se o direito surge junto com a

ação que lhe é correspondente, a perda do direito de ação passa a ser algo subsidiário,

consequencial ante a própria extinção do direito ou, se o direito de ação for localizado

em situação posterior ao surgimento do direito material em si, a decadência deste

impede o manejo daquela.

2 Cf. DINIZ, Maria Helena (1998), Dicionário Jurídico, vol. III, p. 698, São Paulo : Saraiva; 3 DINIZ, op. cit., vol. II, p. 12;

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O acima exposto, porém, contém em si uma discussão ou mesmo

discussões mais amplas. Apenas para exemplificar, podemos citar a área tributária, em

que a questão da decadência, tratada de forma básica no artigo 173 do CTN gera

refregas doutrinárias consideráveis4, e mesmo o direito do consumidor que, em seus

artigo 26 e 27, prevê tanto a decadência quanto a prescrição, mas com o ali disposto,

criou mais celeuma e discussão do que pacificação do tema, já que de uma relação de

consumo pode ser gerado um dano de natureza pessoal, cuja ação correspondente

poderá ser manejada em até 10 anos (205, Código Civil), em oposição aos 5 anos

previstos no Código de Defesa do Consumidor (art. 27).

Mas, adentremos à prescrição intercorrente que poderíamos definir

ou caracterizar pela inércia do credor na fase de execução da ação, fato gerador da

paralisação do processo, devendo contra ele ser computado o prazo prescricional

correspondente.

O instituto da prescrição intercorrente é nascido do direito do

trabalho, estando inclusive sumulado junto ao Supremo Tribunal Federal, no verbete de

nº 327, que de forma bem objetiva diz que o direito trabalhista admite a prescrição

intercorrente. Todavia, na área do direito do trabalho, há doutrinadores que vêem até

em falhas eventuais da própria secretaria da vara a possibilidade de geração de

prescrição na fase executória – além da própria inoperância do exeqüente – o que não se

admite no direito civil de modo algum.

A questão por nós apresentada é se no direito civil, se numa

execução de cunho civil, se poderia admitir a aplicação da prescrição intercorrente.

4 Ver CASTRO, Alexandre Barros (2000), Teoria e Prática do Direito Processual Tributário, p. 72 a 80, São Paulo : Saraiva. Nesta obra, o autor tece comentários interessantes ao destacar a questão do empréstimo dos institutos da decadência e da prescrição, oriundos do direito civil e de natureza privada, para o direito tributário, de natureza pública e características bastante diferenciadas do direito civil, situação que, segundo se depreende na obra em foco, geraria conflitos de forma preliminar : (...) o campo privado é hóspede de interesses que ora envolvem relações disponíveis, ora referem-se a situações de ordem pública, insuscetíveis de regramento ou convenções de cunho particular; ao passo que, na seara tributária, sempre estaremos diante de direitos indisponíveis, de natureza ex lege (...). Sobre o mesmo tema, ver interessante trabalho de Marcos Donizzetti Sampas, intitulado Tributos sujeitos a lançamento por homologação, prazo de vencimento e decadência, p. 52 a 66, in “Revista Dialética de Direito Tributário”, vol. 53, fevereiro de 2000;

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Na prática, o que se vê é o envio ao arquivo de uma execução, seja

de título judicial ou extrajudicial, sempre que o autor não lhe dar regular andamento ou

mesmo o fazendo não lograr êxito algum, especialmente no que toca à penhora.

Destarte, se citado o executado, mas inviabilizada a penhora de qualquer bem de sua

titularidade, o caminho forçoso será, ao menos de plano, o do arquivamento,

procedimento adotado para que se possa ofertar ao exeqüente a possibilidade de que, no

futuro e com a potencial modificação da situação patrimonial do devedor, possa ele

voltar a carga com seu crédito, desarquivando os autos e prosseguindo com a execução

de maneira regular.

Se, no entanto, adotamos a prescrição intercorrente como instituto

também aplicável ou existente no direito civil, vemos a situação acima mudar,

operando-se potencial prescrição sobre o crédito buscado mesmo enquanto arquivado os

autos da execução, seja em que modalidade for.

O Supremo Tribunal Federal apresenta duas súmulas, de nºs 150 e

264, em que expressamente estatui a questão da prescrição aplicada também à execução,

este último verbete aplicado aqui por analogia, vez que referente à ação rescisória.

Todavia, tais súmulas não encerram o assunto. A de nº 264 trata da ação rescisória e,

mesmo falando em prescrição intercorrente, não se refere diretamente à execução,

menos ainda de natureza civil e, a de nº 150, versa somente sobre prescrição da

execução, sem mencionar o adjetivo intercorrente, o que igualmente não extingue o

presente debate.

A execução, que para alguns sequer pode ser chamada de ação5, é

talvez o instituto processual que mais discussões gera na atualidade. A polêmica é

amplamente compreensível. O regramento para a execução é tão profuso quanto

minudente e, no afã de garantir a lisura da constrição patrimonial que forçosamente se

fará presente sobre o devedor, escolheu o legislador o caminho do detalhamento e da

oferta de um largo menu de recursos e meios defensórios ao devedor.

5 Ver, a esse respeito, a obra de GRECO FILHO, Vicente (1995) Curso de Direito Processual Civil, vols. I, II e III, São Paulo, Saraiva;

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Apenas à guisa de exemplo, podemos destacar o artigo 680 do

Código de Processo Civil que trata justamente da execução por título extrajudicial em

que ocorreu citação válida, ocorreu penhora regular, mas o devedor não ofertou seus

embargos de defesa, não opôs resistência alguma. O raciocínio natural aqui seria a

aplicação analógica da revelia ao executado, aliás, como corolário do mesmo adágio que

inserimos no início deste estudo, qual seja, dormientibus non sucurrit ius e, detalhe

importante, sem necessidade de prolação de sentença.

De fato, a jurisprudência maciça indica este caminho (RJTJESP

71/184; RTFR 88/120; JTA 33/108; RP 6/313; RT 475/137; JTA 33/273; JTA 37/80;

JTA 38/308; JTA 43/76, Bol. AASP 1.039/215), mas impende registrar que estudiosos

de peso discordam dessa postura, declarando que com tal raciocínio a petição inicial

passaria a ter autoridade comparável, se não superior, à da coisa julgada, só porque

contra aquela peça processual nada alegou o executado (...) e com uma vantagem : a

de que, enquanto a sentença pode ser rescindida, não há o que rescindir numa

execução por título extrajudicial, que não tem sentença alguma6.

Justamente com base nessa discordância, é que não só estudiosos

como o citado acima, bem como alguns julgados, vão além na questão exposta e

defendem que a ausência de embargos do devedor impede a caracterização de coisa

julgada, já que não haverá sentença, possibilitando que o mesmo devedor, futuramente,

interponha ação autônoma com vistas a desconstituir o título exeqüendo :

“Inocorre preclusão, e portanto a validade e eficácia do título

executivo extrajudicial podem ser objeto de posterior ação de

conhecimento, quando na execução não forem opostos embargos

do devedor (...)” (Superior Tribunal de Justiça, REsp. Ag. 8.089,

Rel. Min. Athos Carneiro, DJU 20.05.91)

“Não sendo embargada a execução, inexiste sentença, não se

podendo falar de coisa julgada capaz de impedir a propositura da 6 NEGRÃO, Theotonio (1999), Código de Processo Civil Anotado, p. 679, nota 680:4, São Paulo : Saraiva

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ação anulatória do lançamento fiscal” (Superior Tribunal de

Justiça, REsp.9.401-0, Rel. Min. Peçanha Martins, DJU 25.10.93)

O problema ou questão acima é, contudo, apenas um dos vários que

interpenetram a execução e seu exercício. A prescrição intercorrente pretende ser mais

uma desses pontos de conflito ou discussão na execução.

A questão da prescrição intercorrente se insere, portanto, como

mais um ponto na problemática da execução, e um ponto que, uma vez mais, favorece o

devedor e lança um ônus a mais sobre os ombros do credor, qual seja o de velar pela

não configuração da prescrição no curso da execução.

Mas, e se o credor, muito embora diligente, nada encontra em nome

do devedor, passível de penhora ou constrição ? Nessa hipótese forçoso notar que a

prescrição, capitaneada pelo tempo, deitará seus efeitos sobre um feito judicial que,

provavelmente e ante a constatação do credor de que aquele procedimento não o levará

à satisfação de seu crédito, findará por ser abandonado mas que, mesmo no arquivo,

poderá ainda beneficiar o devedor.

Adotemos, de modo meramente exemplificativo, o caso de um

credor de uma nota promissória no valor de R$ 100.000,00 (valores atuais) que,

executando esta nota em 1982, nada logra em seu favor, ou seja, cita o devedor-sacado,

mas este não indica bens para penhora e nem consegue o primeiro estes encontrar.

Desinteressa-se o credor-exequente por tal situação, como até mesmo parece ser o

óbvio. Remetido ao arquivo, o feito ali repousa por 20 longos anos, momento em que o

mesmo credor o desarquiva para prosseguir com a execução, já então vintenária, em

face do mesmo devedor, ao ser noticiado que este último, aquinhoado pela boa sorte, foi

premiado em mais de R$ 1.000.000,00 na loteria federal, loteria esportiva ou megasena.

Note-se que para o exemplo em tela, estamos adotando a prescrição

do antigo Código Civil de 20 anos (art. 177), adotando-se a idéia de que o diploma legal

de 1916 estava vigente quando da emissão da nota promissória destacada.

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É importante frisar que já não há mais que se indagar sobre a

retroatividade da citação como forma de interrupção da prescrição na execução (art.

617, Código de Processo Civil), porquanto adotamos, de modo proposital por certo,

situação em que o devedor foi validamente citado, mas não pôde a execução se

desenvolver pelas razões acima descritas.

Ante o exemplo acima, devemos nos indagar se o devedor poderá

argüir a prescrição intercorrente, pelo decurso de 20 anos não só da propositura do feito

mas também de sua paralisação, como meio seu de defesa e se essa alegação será

aceitável, do ponto de vista jurídico.

Pelo que aqui vimos até aqui, a resposta parece ser positiva. A ação

em foco decorre de direito pessoal (crédito materializado em nota promissória) e sobre

este tipo de direito vige o artigo 205 do novo Código Civil que, de resto, apenas

diminuiu o previsto no antigo Código Civil de 1916 que, em seu artigo 177, estatuía em

20 anos o exercício para essa natureza de ação. Em seguida, basta fazer ponte lógica

com a súmula 150 do Supremo Tribunal Federal, já citada, e teremos como

caracterizada a prescrição da execução só que, no caso, na modalidade intercorrente.

Há que se gizar, porém e como fecho desse estudo, que o raciocínio

acima está ainda sujeito a um fechamento lógico mais consistente, afinal, não podemos

esquecer que a alegação do devedor pela prescrição intercorrente seria argumento

bastante discutível mesmo do ponto de vista jurídico, já que não pode a parte alegar a

própria torpeza em seu benefício (nemo suam propriam turpitudinem profitare potest) o

que, no caso em foco, se não fica materialmente comprovado, fica pelo menos suposto,

afinal, a ausência de bens do devedor – o que certamente foi causado por ele próprio

devedor e não pelo credor – acaba por lhe beneficiar de maneira indireta, por fim.

Por derradeiro, mostra-se útil comentar que os Magistrados de 1a

Instância, de um modo geral e provavelmente estimulados pela quantidade colossal de

feitos existentes sobre seus cuidados, vem demonstrando pouca paciência ou tolerância

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com a execução que no seu entender não se desenvolve, ameaçando o credor, de forma

constante, com a possibilidade não mais do arquivamento puro e simples, procedimento

até hoje encontradiço nas execuções como acima se comentou, mas sim com a extinção

da própria execução, invocando, para tanto, o disposto nos artigos 598 (aplicação

subsidiária do processo de conhecimento à execução) e 267, III (extinção da ação),

ambos do Código de Processo Civil.

Não há espaço aqui para esgotar o tema acima, diverso da

prescrição intercorrente, mas fica consignado que a linha adotada pelo raciocínio em

tela não pode ser recepcionada e isto, para se dizer o mínimo, porque o artigo 598 do

Código de Processo Civil fala em aplicação subsidiária do processo de conhecimento, o

que implica em reconhecer que a tutela subsidiária buscada deve inexistir nas

disposições atinentes ao procedimento executório, o que para o caso não ocorre, haja

vista que há, efetivamente e expressamente, tutela legal específica para a extinção de

uma execução (vide artigos 794 e 795 do Código de Processo Civil).

CONCLUSÃO

A título de conclusão, convém apenas repetir ou colocar em termos

mais diretos, que este autor acredita na possibilidade de aplicação da prescrição

intercorrente também na esfera civil e entre partes particulares, feitas as ressalvas e

considerações devidas.

Igualmente digno de nota, e como contraponto ao que foi aqui

exposto, é a constatação de que com a citação de apenas dois exemplos marcantes no

âmbito da execução – a questão da execução sem embargos do artigo 680 e a prescrição

intercorrente em si – vemos ser necessário, no mínimo, um debate amplo entre os

aplicadores, cultores e artífices do direito sobre o instituto da execução, fazendo com

que o direito de defesa, sempre louvável e constitucionalmente garantido, não seja

guindado a condição de verdadeiro anteparo à prestação jurisdicional, objetivo final do

Poder Judiciário.

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Nada pode ser mais frustrante para o Poder Judiciário que emitir

uma ordem que não é obedecida, que é burlada, que é desconsiderada, cai no vazio e

não exprime eficácia. Explicar a um credor leigo nas letras forenses que, muito embora

tenha ele proposto a ação cabível para buscar seu crédito, essa foi extinta por decurso de

prazo e tendo sido este, muitas vezes, gerado pela malícia do devedor, é colocar uma

pedra a mais no castelo de frustrações já erigido pela população tendo por sujeito o

mesmo Poder Judiciário citado.

Urge, pois, proceder a uma verdadeira reforma no capítulo das

execuções em nosso Código de Processo Civil, a fim de tornar tais previsões

harmoniosas com o os fins últimos da própria prestação jurisdicional que é, como todos

sabemos e esperamos, distribuir Justiça.

Antonio Celso Baeta Minhoto

Advogado em São Paulo,

Mestre em Direito Político e Econômico

pelo Mackenzie, Professor no curso de Direito do IMES –

Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul

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