Presidente nega interferir na PF e manda repórteres ... · no Rio de Janeiro, foco de interesse da...

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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política - Página: Capa e A11 - Publicação: 06/05/20 URL Original: Presidente nega interferir na PF e manda repórteres calarem a boca Presidente nega interferir na PF e manda repórteres calarem a boca Presidente se recusou a responder perguntas da imprensa sobre troca de comando na Polícia Federal O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mandou repórteres calarem a boca na manhã deste terça-feira (5) quando foi questionado sobre as recentes mudanças na Polícia Federal . Bolsonaro ainda atacou a Folha, chamando o jornal de "canalha", "patife" e "mentiroso". Em declaração pela manhã em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro mostrou uma imagem que reproduzia a manchete da edição impressa da Folha desta terça-feira e, referindo-se à manchete " Novo diretor da PF assume e acata pedido de Bolsonaro ", disse que não interferiu na corporação. "Que imprensa canalha a Folha de S.Paulo. Canalha é elogio para a Folha de S.Paulo. O atual superintendente do Rio de Janeiro, que o [ex-ministro Sergio] Moro disse que eu quero trocar por questões familiares." "Não tem nenhum parente meu investigado pela Polícia Federal, nem eu nem meus filhos, zero. Uma mentira que a imprensa replica o tempo todo, dizer que meus filhos querem trocar o superintendente [da PF no Rio]", completou o presidente. Nomeado um dia antes , o novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Souza, decidiu trocar a chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro , foco de interesse da família de Jair Bolsonaro. Carlos Henrique Oliveira, atual chefe da PF no estado, foi convidado para ser o diretor-executivo, número dois na hierarquia do órgão. Durante sua fala, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se havia pedido a mudança na superintendência da PF no Rio. Foi aí que ele disse para os profissionais calarem a boca. "Cala a boca, não perguntei nada", respondeu a um primeiro questionamento, feito por uma repórter de O Estado de S. Paulo. "Folha de S.Paulo, um jornal patife e mentiroso". Questionado em seguida pela Folha, o presidente gritou novamente: "cala a boca, cala a boca". A Folha se manifestou em nota. "Mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro desrespeita a liberdade de expressão e insulta o jornalismo profissional. Seguiremos altivos e vigilantes, cobrindo os atos desta administração com isenção e independência, como fizemos em todos os governos. E, não, a Folha não vai se calar." Moro disse em sua despedida que Bolsonaro queria trocar o diretor-geral para interferir politicamente na polícia. O ex-ministro afirmou também que o presidente queria mudanças no Rio e em Pernambuco. Como mostrou o Painel, Alexandre Ramagem, que teve a nomeação suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal), também já tinha decidido trocar o comando da PF no Rio. Neste terça-feira, para rechaçar que teria promovido ingerência na PF, Bolsonaro disse que Carlos Henrique Oliveira será diretor- executivo da corporação, o "zero dois" da estrutura da polícia. "Para onde ele [Oliveira] está indo? Para ser diretor-executivo da Polícia Federal. Ele vai sair da superintendência —são 27 superintendências— para ser diretor-executivo. Eu tô trocando ele? Eu tô tendo influencia sobre a Polícia Federal? Isso é uma patifaria", afirmou. "[Ele] está saindo de lá [RJ] para ser diretor-executivo a convite do atual diretor-geral. Não interferi nada. Se ele fosse desafeto meu e, se eu tivesse influência na Polícia Federal, ele não iria para lá. Não tenho nada contra o superintendente do Rio de Janeiro e não interfiro na PF." A troca na PF do Rio será investigada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no inquérito que apura as acusações de Sergio Moro a Bolsonaro. No final da manhã desta terça, Bolsonaro deixou o gabinete presidencial e permaneceu por cerca de 20 minutos na rampa do Palácio do Planalto. Acompanhado do ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, o mandatário acenou para um pequeno grupo de apoiadores que estava em frente ao edifício. Em seguida, o presidente perguntou por dois fotógrafos que no domingo (3) foram agredidos na manifestação pró-Bolsonaro em frente ao Planalto . Apenas um deles, o fotógrafo Orlando Brito, estava no local —Dida Sampaio, de O Estado de S.Paulo, não se encontrava no palácio no momento. Bolsonaro convidou Brito para um almoço. Segundo relatou o fotógrafo, na conversa que mantiveram Bolsonaro disse não apoiar

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Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política -Página: Capa e A11 - Publicação: 06/05/20URL Original:

Presidente nega interferir na PF e manda repórterescalarem a bocaPresidente nega interferir na PF e manda repórterescalarem a bocaPresidente se recusou a responder perguntas da imprensa sobre troca decomando na Polícia FederalO presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mandou repórteres calarem a boca na manhã deste terça-feira (5) quando foiquestionado sobre as recentes mudanças na Polícia Federal. Bolsonaro ainda atacou a Folha, chamando o jornal de "canalha","patife" e "mentiroso".Em declaração pela manhã em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro mostrou uma imagem que reproduzia a manchete daedição impressa da Folha desta terça-feira e, referindo-se à manchete "Novo diretor da PF assume e acata pedido deBolsonaro", disse que não interferiu na corporação."Que imprensa canalha a Folha de S.Paulo. Canalha é elogio para a Folha de S.Paulo. O atual superintendente do Rio deJaneiro, que o [ex-ministro Sergio] Moro disse que eu quero trocar por questões familiares.""Não tem nenhum parente meu investigado pela Polícia Federal, nem eu nem meus filhos, zero. Uma mentira que a imprensareplica o tempo todo, dizer que meus filhos querem trocar o superintendente [da PF no Rio]", completou o presidente.Nomeado um dia antes, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Souza, decidiu trocar a chefia da Superintendência da PFno Rio de Janeiro, foco de interesse da família de Jair Bolsonaro. Carlos Henrique Oliveira, atual chefe da PF no estado, foiconvidado para ser o diretor-executivo, número dois na hierarquia do órgão.Durante sua fala, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se havia pedido a mudança na superintendência da PF no Rio. Foi aíque ele disse para os profissionais calarem a boca."Cala a boca, não perguntei nada", respondeu a um primeiro questionamento, feito por uma repórter de O Estado de S. Paulo."Folha de S.Paulo, um jornal patife e mentiroso". Questionado em seguida pela Folha, o presidente gritou novamente: "cala aboca, cala a boca".A Folha se manifestou em nota. "Mais uma vez o presidente Jair Bolsonaro desrespeita a liberdade de expressão e insulta ojornalismo profissional. Seguiremos altivos e vigilantes, cobrindo os atos desta administração com isenção e independência,como fizemos em todos os governos. E, não, a Folha não vai se calar."Moro disse em sua despedida que Bolsonaro queria trocar o diretor-geral para interferir politicamente na polícia. O ex-ministroafirmou também que o presidente queria mudanças no Rio e em Pernambuco. Como mostrou o Painel, Alexandre Ramagem, queteve a nomeação suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal), também já tinha decidido trocar o comando da PF no Rio.Neste terça-feira, para rechaçar que teria promovido ingerência na PF, Bolsonaro disse que Carlos Henrique Oliveira será diretor-executivo da corporação, o "zero dois" da estrutura da polícia."Para onde ele [Oliveira] está indo? Para ser diretor-executivo da Polícia Federal. Ele vai sair da superintendência —são 27superintendências— para ser diretor-executivo. Eu tô trocando ele? Eu tô tendo influencia sobre a Polícia Federal? Isso é umapatifaria", afirmou."[Ele] está saindo de lá [RJ] para ser diretor-executivo a convite do atual diretor-geral. Não interferi nada. Se ele fosse desafetomeu e, se eu tivesse influência na Polícia Federal, ele não iria para lá. Não tenho nada contra o superintendente do Rio deJaneiro e não interfiro na PF."A troca na PF do Rio será investigada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no inquérito que apura as acusações deSergio Moro a Bolsonaro.No final da manhã desta terça, Bolsonaro deixou o gabinete presidencial e permaneceu por cerca de 20 minutos na rampa doPalácio do Planalto. Acompanhado do ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, o mandatário acenou para um pequeno grupo deapoiadores que estava em frente ao edifício.Em seguida, o presidente perguntou por dois fotógrafos que no domingo (3) foram agredidos na manifestação pró-Bolsonaro emfrente ao Planalto. Apenas um deles, o fotógrafo Orlando Brito, estava no local —Dida Sampaio, de O Estado de S.Paulo, não seencontrava no palácio no momento.Bolsonaro convidou Brito para um almoço. Segundo relatou o fotógrafo, na conversa que mantiveram Bolsonaro disse não apoiar

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os episódios de agressão a profissionais de imprensa registrados no domingo, mas destacou que ele não é responsável pelocomportamento da multidão. O presidente também, ainda segundo o relato de Brito, alegou que não pode controlar o que seusapoiadores fazem numa manifestação e acrescentou que jamais daria ordens para alguém agredir outra pessoa.Nesta terça, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prestou solidariedade aos jornalistas e veículos e disse ser"lamentável a escalada autoritária no país".Wilson Witzel (PSC), governador do Rio, também condenou o ataque.Posse de RolandoO termo de posse de Rolando no comando PF foi assinado em uma cerimônia reservada no gabinete do presidente, cerca de dezminutos após a publicação. Auxiliares de Bolsonaro disseram que a posse-relâmpago foi para agilizar o processo e não deixar aPF sem comando por mais tempo.Na semana passada, Alexandre Ramagem, amigo da família do presidente, teve a nomeação suspensa por decisão do ministroAlexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Bolsonaro chegou a dizer que iria recorrer, mas não apresentounenhum ato jurídico formal sobre o assunto até o momento.Foi Ramagem o responsável pela indicação de Rolando. Eles trabalharam juntos nos últimos meses na Abin. De acordo comauxiliares do presidente ouvidos pela Folha, Bolsonaro foi aconselhado a ter pressa para escolher um novo nome para o órgãoapós a decisão de Moraes.Na avaliação de ministros do Supremo, a presença do presidente no ato antidemocrático do domingo (3) foi um aceno paraseguidores. A leitura é a de que foi uma tentativa de passar a mensagem de que é ele quem manda e que não admitiria umasegunda anulação de sua nomeação.No entanto, dentro da corte, a opinião majoritária é de que não haveria nenhuma possibilidade de suspender a escolha deRolando, que é diferente da primeira.Moraes se baseou especificamente no fato de uma investigação ter sido aberta para apurar as acusações feitas por Moro e queenvolviam Ramagem, como o escolhido por Bolsonaro para ter mais controle na PF.A PGR (Procuradoria-Geral da República) solicitou nesta segunda (4) diligências no inquérito conduzido por Celso de Mello. Entreas medidas, Augusto Aras pede depoimentos de cinco delegados, entre eles Carlos Henrique Oliveira, Ramagem e MaurícioValeixo, ex-diretor-geral.De novo centro das atenções, o Rio foi pivô da primeira crise envolvendo a PF e Bolsonaro.Em agosto do ano passado, o presidente atropelou a cúpula e anunciou a troca do chefe do Rio, que era Ricardo Saadi. Depois,Bolsonaro chegou a dizer que Alexandre Saraiva, superintendente do Amazonas, assumiria o comando no local.Em dezembro, enfim, com a situação aparentemente mais tranquila, Carlos Henrique, que era o nome defendido pela direção daPF na época, assumiu o Rio. Nem seis meses depois, no entanto, deve se mudar novamente, se aceitar o convite de Rolando.A preocupação com investigações sobre sua família, desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigospolíticos e fake news são alguns dos pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar explicar a obsessão dopresidente com o Rio.Sua candidatura em 2018 o colocou como muito próximo dos bastidores da PF, por ter sua segurança feita pelo órgão—Ramagem chegou a coordenar uma das equipes, após a eleição, a partir do fim de outubro daquele ano.Segundo relatos, bastidores da Superintendência da PF no Rio, intrigas entre grupos e outras ocorrências passaram a chegarrapidamente a Bolsonaro desde a campanha.Depois, as relações foram mantidas, e os assuntos viraram mais importantes, principalmente após vir à tona a investigação deseu filho Flávio e também pelo fato de seu mandato ter começado.A presença ou ausência do chefe da PF no edifício do órgão era motivo de perguntas por parte do presidente, por exemplo.Funções de delegados específicos também viravam alvo de reclamações de Bolsonaro.Mais recentemente, no episódio envolvendo o porteiro, o presidente chegou a insinuar que o ocorrido era parte de um plano dogovernador Wilson Witzel (PSC-RJ). Antes aliados, os dois viraram inimigos políticos desde o final do ano passado.A partir disso, nos bastidores, Bolsonaro reclamava de que o adversário não virava alvo de investigações.Seus contatos na PF também inflamavam a irritação, dizendo que tipo de apuração poderia vir a ser feita para atender osanseios do presidente e espalhavam que os trabalhos não andavam como deveriam.Até um despacho de um delegado em um caso que envolvia supostamente um aliado de Bolsonaro, o deputado federal HélioNegão (PSL-RJ), virou um dos ingredientes da crise.O documento recuperava casos de anos anteriores para levantar a possibilidade de um homem citado no inquérito ser, naverdade, o parlamentar. Em seguida, no entanto, dizia que não era, mas mandara o caso para os órgãos de inteligência etambém decretara sigilo —dois procedimentos considerados fora do padrão para o tipo de investigação.A desconfiança da cúpula da polícia era que se tratava de uma fraude, com o objetivo de gerar desconfiança na PF do Rio. Comomostrou o Painel, Alexandre Ramagem, que teve a nomeação suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal), também tinhadecidido trocar o Rio.Investigações que envolvem entorno de BolsonaroFake news

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Em março de 2019, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar aexistência de fake news que atingem membros da corte.Paralelamente, em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no Congresso.Desde então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis quefazem parte do arco de apoio do presidente da República.No final de abril, a Folha revelou que a PF identificou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidenteJair Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news.Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem deconfiança de Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho.

Atos pró-golpe

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar os atos do dia 19 de março.O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O objetivo é apurar possível violação da Lei deSegurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira”.A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas, Daniel da Silveira (PSL-RJ) e CaboJunio Amaral (PSL-MG), por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos.Na mira da PF também estão youtubers bolsonaristas que chamaram público para os atos. Bolsonaro, que participou dosprotestos em Brasília, não será investigado, segundo interlocutores do procurador-geral.Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizá-los, ele podevir a ser alvo.

Caso Queiroz

Em agosto de 2019, Bolsonaro anunciou que trocaria o então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, por questõesde gestão e produtividade.A corporação passava por momento delicado, após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial aposentado e ex-assessordo hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio.Ele é o pivô da investigação do Ministério Público que atingiu o primogênito do presidente. Relatório federal apontou amovimentação de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.A suspeita é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolverparte de seus salários aos deputados.Nomeado nesta segunda-feira (4) pelo presidente Bolsonaro, o novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza,decidiu trocar a chefia da corporação no Rio

Entenda o interesse de Bolsonaro na troca do chefe daSuperintendência da PF no RioNesta terça-feira, presidente atacou a imprensa e negou interferência naPolícia FederalNa manhã desta terça-feira (5), quando mandou repórteres calarem a boca ao ser questionado sobre as recentes mudanças naPolícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro disse que não interferiu na corporação.Nomeado um dia antes, o novo diretor-geral da PF Rolando Souza, decidiu trocar a chefia da Superintendência da PF no Rio deJaneiro, foco de interesse da família de Jair Bolsonaro, como revelou o Painel. O novo superintendente do Rio ainda não foidefinido.Carlos Henrique Oliveira, atual chefe da PF no estado, foi convidado para ser o diretor-executivo, número dois na hierarquia doórgão. A ação de Rolando, o novo chefe da PF, gerou estranhamento dentro da corporação, especificamente por três motivos:1) a mudança no Rio era um pedido de Bolsonaro, segundo Sergio Moro;2) Rolando e Oliveira se conhecem há algum tempo, mas não têm relação de amizade ou proximidade;3) Oliveira está há menos de seis meses como chefe no Rio de Janeiro, o que é considerado pouco tempo para uma troca.No Alvorada, Bolsonaro disse que não tem nenhum parente investigado pela PF. Mas, como mostrou reportagem da Folha, a PFno Rio tem uma série de apurações e interesses que esbarram nele e em sua família.A preocupação com investigações, desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos políticos e fake newssão alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar desvendar o que há no Rio.Capitão reformado do Exército e defensor de pautas das forças de segurança desde o início da vida política, Bolsonaro sempremanteve contato com agentes e delegados das polícias. O filho Eduardo virou escrivão da PF, o que também estreitou laços. NoRio, onde a família mora, a aproximação foi ainda maior.A candidatura a presidente levou ao auge das relações principalmente com integrantes da Polícia Federal, que faziam sua

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segurança diária. Segundo relatos, bastidores da Superintendência da PF no Rio, intrigas entre grupos e outras ocorrênciaspassaram a chegar rapidamente a Bolsonaro desde a campanha.Desde o episódio envolvendo um porteiro do seu condomínio na Barra da Tijuca, na investigação do assassinato de MairelleFranco (PSOL), Bolsonaro passou a se preocupar ainda mais com o Rio.O presidente chegou a insinuar que o ocorrido era parte de um plano do governador Wilson Witzel (PSC-RJ). Antes aliados, osdois viraram inimigos políticos desde o final do ano passado.A partir disso, nos bastidores, Bolsonaro reclamava de que o adversário não virava alvo de investigações. Seus contatos na PFtambém inflamavam a irritação, dizendo que tipo de apuração poderia vir a ser feita para atender os anseios e espalhavam queos trabalhos não andavam como deveriam.O caso da "rachadinha" do então gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio não está com a PF, mas o órgão tocava naépoca investigações envolvendo personagens em comum. Aliados do presidente, no entanto, divulgam por diversas vezes que apolícia possui uma série de informações deste assunto, guardadas em sigilo.Flávio é investigado desde janeiro de 2018 pelo Ministério Público sob a suspeita de recolher parte do salário de seusempregados na Assembleia de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônioe organização criminosa.?No pronunciamento de sua despedida do governo, Moro disse que ouviu "expressamente" do presidente que ele queria não só atroca do diretor-geral como também novamente a do superintendente do Rio.Moro afirmou que os pedidos não tinham uma razão ou causas aceitáveis. Segundo relatos, o ex-ministro detalhou os episódiosem seu depoimento no inquérito que está com o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.O ex-ministro citou também que o presidente havia expressado preocupação com inquéritos que estão no STF. A Folha mostrouque a Polícia Federal vê o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) como um dos articuladores de um esquema criminoso defake news.Respeitado entre os pares, Oliveira conhece há anos o novo diretor-geral, mas não tem relação de amizade ou proximidade comele, o que aumentou a desconfiança em alguns setores da PF.Antes de assumir a chefia Rio, em dezembro do ano passado, ele ficou menos de um ano no comando da superintendência dePernambuco. E, agora, ainda não completou seis meses na nova função.Como mostrou o Painel, Alexandre Ramagem, primeira opção de Bolsonaro mas barrado pelo Supremo, também tinha decididofazer a troca no estado, como um dos seus primeiros atos, nas poucas horas que ficou como diretor-geral, antes de ter suanomeação suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.INVESTIGAÇÕES DA PF QUE ENVOLVEM ENTORNO DE BOLSONAROFake news

Em março de 2019, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar aexistência de fake news que atingem membros da corte.Paralelamente, em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no Congresso.Desde então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis quefazem parte do arco de apoio do presidente da República.No final de abril, a Folha revelou que a PF identificou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidenteJair Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news.Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem deconfiança de Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho.

Atos pró-golpe

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar os atos do dia 19 de março.O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O objetivo é apurar possível violação da Lei deSegurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira”.A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas, Daniel da Silveira (PSL-RJ) e CaboJunio Amaral (PSL-MG), por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos.Na mira da PF também estão youtubers bolsonaristas que chamaram público para os atos. Bolsonaro, que participou dosprotestos em Brasília, não será investigado, segundo interlocutores do procurador-geral.Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizá-los, ele podevir a ser alvo.

Caso Queiroz

Em agosto de 2019, Bolsonaro anunciou que trocaria o então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, por questõesde gestão e produtividade.A corporação passava por momento delicado, após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial aposentado e ex-assessor

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do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio.Ele é o pivô da investigação do Ministério Público que atingiu o primogênito do presidente. Relatório federal apontou amovimentação de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.A suspeita é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolverparte de seus salários aos deputados.Nomeado nesta segunda-feira (4) pelo presidente Bolsonaro, o novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza,decidiu trocar a chefia da corporação no Rio

Caso Marielle

O nome de Bolsonaro foi colocado nas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) a partir dodepoimento de um porteiro do condomínio onde vivia o presidente antes de assumir o Palácio do Planalto, em janeiro de2019.A citação veio à tona em outubro do ano passado, quando o Jornal Nacional, da TV Globo, veiculou reportagem que fezmenção ao nome do presidente na investigação do assassinato, ocorrido em março de 2018.Segundo o Jornal Nacional revelou à época, o depoimento de um porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem casa naBarra da Tijuca, na zona oeste do Rio, indicaria que um dos acusados pelo assassinato teria chegado ao local e dito queiria à casa do então deputado federal. Isso teria acontecido horas antes da morte de Marielle.O Ministério Público, porém, disse em seguida que o depoimento do porteiro não condizia com as provas técnicas obtidase que ele pode ter mentido. Além disso, no dia da morte de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília. Dias depois, o porteiroafirmou à Polícia Federal ter cometido um erro ao mencionar o presidente.Já em fevereiro deste ano foi concluído um laudo do ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli), da Polícia Civil do Rio,realizado em cinco HDs apreendidos no condomínio, onde moravam tanto Bolsonaro como o policial militar aposentadoRonnie Lessa, um dos acusados e preso pelo homicídio.O laudo aponta que o porteiro que interfonou para Lessa não é o mesmo que prestou depoimento apontando oenvolvimento de Bolsonaro.

Fantasmas de Carlos Bolsonaro

O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu em setembro do ano passado dois procedimentos para investigar o vereadorCarlos Bolsonaro (PSC) pela suspeita do uso de funcionários fantasmas em seu gabinete e da prática de "rachadinha"—quando o servidor devolve parte do salário para o parlamentar.A informação sobre a abertura dos procedimentos foi divulgada pela revista Época e confirmada pela Folha.Da mesma maneira que ocorre com outros casos, aliados de Bolsonaro também por vezes afirmam que a investigaçãoestá com a Polícia Federal.

Governo Witzel

No episódio envolvendo o porteiro do caso Marielle, o presidente chegou a insinuar que o ocorrido era parte de um planodo governador Wilson Witzel (PSC-RJ). Antes aliados, os dois viraram inimigos políticos desde o final do ano passado.A partir disso, nos bastidores, Bolsonaro reclamava de que o adversário não virava alvo de investigações.Seus contatos na PF também inflamavam a irritação, dizendo que tipo de apuração poderia vir a ser feita para atender osanseios do presidente e espalhavam que os trabalhos não andavam como deveriam.

Ataque à imprensa mostra disposição autoritária eantidemocrática de Bolsonaro, dizem estudiososNa manhã desta terça (5), presidente mandou repórteres calarem a boca eatacou a FolhaA atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de mandar repórteres calarem a boca e de voltar a atacar a Folha comxingamentos, na manhã desta terça-feira (5), configurou uma conduta antidemocrática e passível até de enquadramento naesfera criminal, dizem especialistas em direito.Entidades que representam o jornalismo e estudiosos sobre o autoritarismo também veem uma aproximação do presidente, aomenos no discurso, com uma ruptura da democracia.Pela manhã, o presidente apareceu na porta do Palácio da Alvorada com uma cópia da edição impressa da Folha, e, referindo-se à manchete “Novo diretor da PF assume e acata pedido de Bolsonaro”, disse que não interferiu na corporação e chamou ojornal de “canalha”.Questionado sobre o tema por um repórter do jornal O Estado de São Paulo, disse: “Cala a boca, não perguntei nada”. “Folha

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de S.Paulo, um jornal patife e mentiroso”, disse. Indagado em seguida pela Folha, o presidente gritou novamente: “Cala aboca, cala a boca”.Na internet, a manifestação do presidente foi comparada a uma entrevista de 1983, durante a ditadura militar, com o generalNewton Cruz. O general mandou o repórter Honório Dantas, que questionava sobre retrocessos democráticos, calar a boca.Quanto ao aspecto criminal do comportamento do mandatário, há divergência entre especialistas ouvidos pela Folha.Para o professor da FGV-SP Oscar Vilhena, os atos de Bolsonaro configuraram crime de responsabilidade previsto naConstituição.“O presidente mais uma vez hostiliza os meios de comunicação e em particular a Folha de S.Paulo. Esse tipo de conduta volta-se a intimidar e constranger o livre exercício da liberdade de imprensa. Ao afrontar o exercício de direito fundamental previstona Constituição o presidente evidentemente incorre na hipótese do artigo 85, inciso 3”, afirma.A avaliação de Vilhena é compartilhada pela criminalista e conselheira do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo) MariaElizabeth Queijo. “É um comportamento atentatório à liberdade de imprensa. Não é um direito só do jornalista, há o direito dasociedade de ser informada. E é um chefe de Estado, tem um peso, tem um significado. Isso me faz pensar que, no conjunto daobra, essa conduta possa, no limite, levar a uma responsabilidade maior dele."A criminalista ressalva que embora os crimes de responsabilidade possam levar à abertura de processos de impeachment, háum forte aspecto político nesse tipo de procedimento. Em razão disso, as manifestações desta terça, se consideradas de formaisolada, dificilmente levariam ao início de um caso desse tipo.Marcelo Nobre, advogado que atua nos tribunais superiores e foi conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), diz que hádecisões judiciais que já reconheceram a possibilidade de empresas como a Folha serem vítimas de crime contra a honra.“Foram ofensas ditas por ele, injuriosas e difamatórias contra a Folha de S.Paulo. Há precedentes admitindo ofensas a pessoasjurídicas."Parte dos especialistas, porém, não considera que a conduta de Bolsonaro tenha configurado crime, apesar de ser reprovável.“Não vejo no campo jurídico penal a possibilidade de se acionar o presidente por esse ataque, mas é um ataque à imprensa quemerece resposta política. Do ponto de vista político, é lamentável, como cidadão, verificar esse destempero, essa falta decompostura do presidente”, diz o criminalista Alberto Zacharias Toron.Já o advogado Rodrigo Dall’Acqua aponta que, ainda que “a manifestação do presidente seja chocante, o Código Penal não punea grosseria”.O conselheiro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo e criminalista Leandro Sarcedo diz que o presidentemostrou um comportamento autoritário que merece reprovação, mas do ponto de vista técnico do direito penal não praticou umato ilícito.Acadêmicos de outras áreas veem um comportamento com traços de autoritarismo do presidente.Professor de ciência política da UFMG, Leonardo Avritzer diz que Bolsonaro tem como projeto político se relacionar com oscidadãos sem moderadores, para evitar pluralismo de opinião. “Bolsonaro não chega a ser um líder autoritário, mas ele seenquadra naquilo que hoje a ciência política cada vez mais fala, que são aqueles líderes políticos que minam a democracia dedentro."A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz afirma que o presidente se aproxima cada vez mais de uma "onda autoritário-populista" internacional."São governos que acreditam, e ele [Bolsonaro] repete isso o tempo todo, que democracia é ganhar a eleição, quando a gentesabe que democracia começa quando se ganha a eleição. São governos que, quando ganham a eleição, passam a usar o estadocomo se fosse uma propriedade privada", diz.Para ela, esse tipo de governo acha que tem uma comunicação direta com o povo, por meio das redes sociais, e não precisa dosespecialistas e da imprensa. "Por isso o ataque constante de Bolsonaro e da sua equipe aos cientistas, à academia, àsinstituições e, em particular, aos jornalistas."Entidades que representam a imprensa e seus profissionais também condenaram a atitude do presidente.A ANJ (Associação Nacional de Jornais) disse, em nota, que “mais uma vez, o presidente mostra sua incapacidade decompreender a atividade jornalística e externa seu caráter autoritário”."Cala a bora já morreu, senhor presidente", declarou a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), em nota. "Ao cassar a palavrados jornalistas, Bolsonaro tentou impedir que uma questão de interesse público fosse tratada."A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirma que o presidente “demonstrou mais uma vez seu desprezopela liberdade de imprensa e de expressão, dois princípios fundamentais em qualquer democracia”.

Ataques do presidente à imprensa passam de 'arroubos'a tática conscienteHá um público para se comprazer ou se indignar diariamente comdeclarações de Bolsonaro e seus asseclasJá se observou que a política brasileira hoje é algo entre “Sexta-Feira 13” e “Feitiço do Tempo”. Os domingos são nosso Dia da

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Marmota, o momento pré-agendado para que o presidente apareça com apoiadores para defender uma ruptura da ordeminstitucional que renegará no dia seguinte, mas dali a dois dias sugerirá de novo.Quando as referências ao nazismo provocaram a demissão do secretário da Cultura Roberto Alvim, comentei nesta Folha queele caíra não por suas preferências políticas, mas por ser pego manifestando-as. A punição não fora pelo conteúdo de suaperformance, mas porque ele perdera a mão num jogo que praticamente todo o entorno de Jair Bolsonaro joga diariamente hátempos.Houve quem entendesse “perder a mão” como uma minimização do ocorrido, mas o sentido era outro. Tratava-se de indicarque, nesta série de repetições, não estamos lidando com “arroubos” que serão depois “corrigidos” “quando a cabeça esfriar”,mas com uma tática consciente que se aproveita da disposição dos outros de seguir tratando tais momentos como exceçõespara continuar disseminando sua mensagem.Os compartilhamentos indignados na internet, os editoriais e as notas oficiais de repúdio não impõem limites a este mecanismo,eles são parte já contabilizada do mesmo. Se a grita for alta, basta emitir um desmentido ou queixar-se das más interpretações—e voltar à carga dias depois.O erro de Alvim foi ter ido tão longe que deixou de ser possível fingir que ele se excedera ou enganara. Ele quebrou o pacto deplausibilidade que permite que um lado finja não querer dizer aquilo que efetivamente diz enquanto o outro finge acreditarquando eles pedem desculpas; ele não ajudou as instituições a ajudá-lo.A questão é: se cada vez mais gente sabe que esta é a natureza da brincadeira, por que continua brincando? A pergunta temvoltado com força porque o tom e a a frequência dos “arroubos” vindos do Palácio do Planalto têm subido a olhos vistos.Especialmente em relação à imprensa, já que, nos últimos três dias apenas, vimos um jornalista agredido por uma turbabolsonarista e o próprio Bolsonaro atacar a Folha e um de seus funcionários.Uma primeira resposta poderia apontar para a “falha no sistema” que a extrema direita aprendeu a explorar. Nas vacas magrasdo jornalismo contemporâneo, conteúdo “polêmico” (preconceituoso, calunioso, falso etc.) vende, e quem oferecer este tipo deconteúdo receberá cobertura midiática grátis.Há um público para se comprazer ou se indignar diariamente com declarações de Bolsonaro e seus asseclas, e uma indústriapara prover este serviço em troca de cliques e publicidade. Isto faz com que, em países onde a extrema direita avança, aimprensa se comporte como um viciado, incapaz de dizer não àquilo que sabe poder matá-lo.É uma escolha difícil, entre o imperativo do lucro e o instinto de autopreservação. Mas assim como o problema do viciado éconfiar que com ele será diferente, talvez falte às empresas de comunicação convencer-se que os riscos são reais e seu statusatual não necessariamente as protegerá da degradação do ambiente democrático.Só isto explica que as Redações ainda não tenham tornado obrigatórias medidas que têm se tornado mais comuns nos últimostempos. Medidas como jamais dar o título (que todos leem) para uma afirmação falsa que será desmentida no corpo do texto(que pouca gente lê) sem deixar clara sua falsidade.Ou como nunca divulgar o “outro lado” de um debate sem deixar claro, quando for o caso, que trata-se de uma posiçãominoritária, desacreditada pela maioria dos membros de uma comunidade de pares, alvo de críticas e suspeitas etc.O dever jornalístico de oferecer todos os ângulos não pode dar peso igual àquilo que é praticamente consenso e o que é erro oufabricação.Mas talvez seja hora de um pouco mais de ousadia. Circulou recentemente no Twitter que diversas redes de TV nos EUA haviamdecidido não mais divulgar os pronunciamentos do presidente Donald Trump sobre a Covid-19 por entender que isto deixara deser de interesse público. Ironicamente, a notícia era falsa, embora baseada no fato que muitas emissoras não dão espaço aovivo ao presidente sem checadores à mão.Mas ela gera um bom experimento de pensamento, especialmente quando um estudo aponta correlação entre declarações deBolsonaro e a queda de adesão à quarentena. E se os principais meios de comunicação deixassem de cobrir o “cercadinho” doAlvorada? E se decidissem parar de divulgar afirmações que servem para criar confusão e diminuir a eficácia das medidassanitárias já tomadas?O crescimento recente da extrema direita repete um padrão observado nos anos 1930: uma grande crise financeira seguida poruma crise de legitimidade em que as elites, incapazes de chegar ao poder com forças políticas próprias, se convencem quepodem usar a extrema direita contra a esquerda e a favor de seus privilégios. Sabemos como a história acabou da primeira vez:as elites só descobriram tarde demais que eram elas que estavam sendo usadas.Penso nisso sempre que, diante do último abuso de poder do atual governo, os jornais se contorcem para encontrar equivalentenos governos do PT e reforçar a ideia de uma polarização simétrica entre esquerda e extrema direita.Não percebem que estão reforçando a narrativa bolsonarista na qual tudo, inclusive o ataque à imprensa e às liberdadesdemocráticas, se justifica contra uma ameaça fantasma comunista? Ou acreditam poder seguir explorando-a indefinidamente?Espero que em breve não descubramos da pior maneira que estavam errados.

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