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PÁGS.4OA43 REPORTAGEM DOR QUE SE SENTE E NÃO SE MAS NÃO É AMOR. É DOR CRÓNICA

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PÁGS.4OA43

REPORTAGEM

DOR QUE SE SENTE

E NÃO SE VÊ

MAS NÃO É AMOR.

É DOR CRÓNICA

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Saúde. São as patologias musculoesqueléticas, sobretudo as lombalgias, as principais causas da dorcrónica. Afeta mais as mulheres do que os homens e, com o envelhecimento expectável da população,prevêem os peritos que a sua prevalência vai aumentar nos próximos anos. 2018 foi escolhido comoAno Global da Excelência da Educação em Dor, para sensibilizar médicos, doentes e população em geral

Dor que se sente e nãose vê mas não é amor.É dor crónicaCÉU NEVES

Uma dor que se prolonga e que não de-

saparece. Vinte e quatro horas por dia,365 dias por ano. E leva ao desesperopara saber as causas. Os mais despreo-cupados, e que não se queixam, têm di-ficuldade em fazer acreditar que estasdores invisíveis incapacitam. Os maisansiosos, e que se lamentam também,facilmente recebem o rótulo de "não es-tarem bons da cabeça". Mágoas de

quem sofre de dor crónica, sobretudomulheres. Por tudo isto é "precisoaprender a detetar, a tratar e a viver comdores", defendem as associações queelegeram 2018 como o Ano Global daExcelência da Educação em Dor.

Os testemunhos das mulheres e ho-mens que têm dor crónica são muito se-melhantes nas experiências, nos passospercorridos (e perdidos), na incom-preensão até se encontrar um diagnós-tico que minimize as consequências e

as incapacidades acumuladas com osanos. Acreditam que fazer parte de umaassociação as ajudouavivermelhor.

"Foi muito importante ter conhecidoa liga [Portuguesa contra as Dores Reu-máticas] e pessoas com os mesmos pro-blemas. Sofri muito no início, por achar

que exagerava, que não tinha coragempara lidar com a dor", lembra ao DNMargarida Fonseca dos Santos, 57 anos,que há mais de 20 tem dores perma-nentes. Hoje é uma das dirigentes da as-

sociação. Sofre de artroses e espondi-loartrite indiferenciada, doenças here-ditárias e que afetam sobretudo a anca,as costas, as mãos e os pés.

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E escritora e as mulheres que sofremdo mesmo mal acabaram por ser a ins-piração para o romance De Zero a Dez,lançado em 20 14. "Quando ouvi conta-

rem as mesmas histórias que eu é quepercebi o que se passava. É importantepartilhar com as associações de doen-tes, quemláestájápassouporisto, sabecomo lidar com as incapacidades. Esteenvolvimento também é importantepara se ter acesso à informação certa, hátoda uma literacia do doente que é pre-ciso fazer. Não deve ser apenas o médi-co a ter a informação, tem de ser umaequipa."

Deixou de dar aulas na Escola Supe-rior de Música de Lisboa, com uma li-cença ilimitada porque a doença nãolhe permite a reforma antecipada e esteé um dos problemas destas pessoas."É uma das nossas lutas, tem de se ir pe-las patologias que estão por detrás dasdores e é muito complicado conseguira reforma por incapacidade", explicaLúcia Pinto, presidente da associação dedoentes com dor crónica: Força 3 P.

Aprimeirapalavranão precisa de expli-cações, as outras três são paciência, per-sistência e positividade.

"Fundámos a associação para sentir

que há alguém que nos entende. Não éfácil lidar com a dor, não é fácil estarsempre em sofrimento, não é fácil deentenderem." A começar pela entidadepatronal. "Não está sensibilizada para atemática da dor. O problema é que a dornão se vê e pensam que nos queixamossó por queixar", lamenta Lúcia Pinto. Se

se visse, talvez conseguissem repartir ajornada contínua de oito horas ou tra-balhar em casa nos períodos de crise.

Existem há um ano e ainda funcio-nam num espaço da Faculdade de Me-dicina da Universidade do Porto. "Pla-neamos, por isso, estabelecer novas par-cerias, ter a nossa sede para que destaforma possamos disponibilizar serviçosde fisioterapia, de psicologia, de nutri-ção, de apoio social e de tratamentos

complementares através de uma redede voluntariado e de parcerias."Sem reforma apesar de diagnósticoVítor Filipe tem 47 anos e há 1 1 desco-briu que tinha siringomielia ( localiza-da, em geral, na medula espinal e queproduz lesão neurológica) eparapare-sia espástica (espasmos musculares) .

Foi quando as dores o incapacitaram eobrigaram ao internamento. Quatroanos depois, deixou praticamente deandar, precisamente quando fechou afábrica onde trabalhava na MarinhaGrande. "Coincidência ou não", obser-va. O estudo epidemiológico da equipade Castro Lopes, daFaculdade de Medi-cina da Universidade do Porto e publi-cado no Journal ofPain, concluiu quenão é coincidência ( ver texto ao lado) .

"Os HUC [Hospitais Universitários deCoimbra] disseram que não havia nadaa fazer, apenas atenuar a dor", conta Ví-tor Filipe. Marcou consulta com JoãoLobo Antunes, omédico de lisboafale-cido em 2016. Ele mora em Leiria. "To-mava 13 medicamentos e ele disse paraparar tudo. Pensei: Andaste 120 quiló-metros para ouvir isto?' Mas logo depois:'Esperalá, estás ao pé de um Ferrari'."

Alterada a medicação, começou a an-dar devagarinho e a ganhar autonomia.Mobilidade que melhorou significati-vamente na clínica Korporêsio, emGrândola, um tratamentos que fez hácinco anos. "O trabalho que fizeram nãose restringiu à fisioterapia. Também fi-

zeram trabalho mental, o que foi funda-mental. E, embora a minha condição fí-sica esteja mais debilitada, é muito útilpara a execução das tarefas diárias sim-ples, como o andar." As doenças afe-tam-lhe sobretudo as pernas e, agora,também a fala. Faz fisioterapia ondemora, em Leiria. Ocupa-se das tarefasdomésticas, como da filha adolescente.

As grandes limitações físicas, confir-madas por três relatórios da neurologiados HUC (os mais recentes) não lhe ga-rantiram uma reforma por invalidez.Meteu os papéis em 2016, concede-ram-lhe uma "invalidez relativa". Tam-bém não obteve o resultado pretendidocomo Atestado Médico de Incapacida-de Multiuso. "Deram-me 37% de inca-pacidade, o que não dá direito a nada.A única coisa que queria era não pagaras taxas moderadoras, recebo metadeda reforma e são muitos os gastos comconsultas e medicamentos", lamenta--se, concluindo: "Isto porque não fuinuma cadeira de rodas e a usar fraldas! "

Multiplica-se em contactos para as en-tidades responsáveis e dirigentes na-cionais alertando-os para o seu caso, in-cluindo Marcelo Rebelo de Sousa.

Lúcia tem 39 anos e sente dores des-de os 2, movimenta-se numa cadeira derodas. Inicialmente eram as chamadasdores boas, as que avisam que há umainflamação e que deve ser tratada.A partir dos 12 anos tornaram-se per-manentes, mais de dez anos para des-cobrir as causas: dermatomiosite juve-nil e uma doença neuromuscular. É de-

signer e trabalha por conta própria,pode gerir o tempo de acordo com a in-tensidade da dor e numa escala de 0 a 10(o título do romance de Margarida Fon-seca dos Santos) . Os primeiros três nú-meros estão praticamente ausentes.

Margarida Santos demorou anos ater um diagnóstico, até descobrir ummédico que a entendesse, que teve todoo tempo do mundo para a ouvir: o pro-fessor e reumatologista João Fonseca,que a desafiou a escrever umlivro. "Pelaprimeira vez, encontrei alguém quequis ouvir a minha história."

De Zero a Dez é um romance parasensibilizar e tem tido ampla divulgaçãona classe médica. Leonor é a persona-gem principal, "uma mulher a braçoscom uma doença crónica, que, durantemuito tempo, a deixa sem saber comoavançar para lá das dores, sem sabercomo conviver com o cansaço da dor e ador do cansaço. Leonor vê a sua vida es-partilhada por condicionantes que in-fluenciam o seu dia-a-dia, nas mais pe-quenas coisas, mas também o futuro".

E não teve o apoio do marido, que adeixou por não saber como lidar com a

situação, o que distancia a personagemda autora: "Não sei como seria se não ti-vesse o Nuno [o marido] , não sei comoconseguiria, às vezes percebe primeirodo que eu quando está para surgir umacrise. Tenho essa felicidade porque hámuita incompreensão por parte doscompanheiros."

Uma obra premiada e a que se seguiuuma segunda, esta dirigida a adoles-centes e jovens -um público de eleiçãonos mais de cem livros que editou. Re-trata a nova vida do Guilherme, os seusmedos quando percebe que as doresnão o largam. "Está nas Tuas Mãos. Se

Um Problema Entrar na Tua Vida, nãoDesistas de Ser Feliz", é o título. As recei-tas vão para a Associação Nacional deDoentes com Artrites e Reumatismosda Infância.

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Dirige-se a uma faixa etária a que sedeve ter especial atenção, defende AnaPedro (ver entrevista). E que será con-templada nas "várias iniciativas e açõesde sensibilização sobre a dor a desen-volver no Ano Global com o objetivo demelhorar a formação dos profissionaisde saúde, educadores, estudantes, enti-dades governamentais, investigadorese público em geral. Entre estas, uma ex-posição com os desenhos de criançasaté aos 12 anos, "Vou desenhar a minhador", e que vai ser editada em livro.

Sofrer de dor crónica quer dizer quese tem a mesma dor há mais de três me-ses, quepermanece depois dalesão quelhe deu origem ou que existe sem lesão

aparente. Essas dores são mais frequen-

tes nas doenças da coluna (mais a lom-bar mas também a cervical) e patologiasdegenerativas, sobretudo osteoarticu-lares. Ana Pedro explica que "o facto devivermos até mais tarde, de termos umestilo de vida muito sedentário, a obesi-dade e a falta de exercício físico favore -

cem esse tipo de doenças". Além de quehá causas hereditárias.

João Fonseca, médico, docente e di-retor da Unidade de Investigação emReumatologia do da Universidade deLisboa, disse ao DN estarem inscritos 18

mil doentes no Registo Nacional deDoentes Reumáticos (Reuma.pt) e maisde 150 mil consultas. Estes doentes têmtodos dor crónica, sendo que 70% sãomulheres e 30% homens.

"É uma dortotal, afetatodas asdinâmicasda vida deuma pessoa(...) Muitasvezes, jápassoupor muitasespecialida-des médicase chega emdepressão"

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Treino mental ajudaLúcia Pinto tem uma doença neuro -

muscular e que vem de infância. Con-sultas, idas ao psicólogo e ao psiquia-tra, testes e despistes são processos quebem conhece. "Se bem que agora osmédicos estão mais sensibilizadospara estes casos, há uns anos, com tan-tas queixas e dificuldade em se encon-trarem as causas, diziam que não está-vamos bem da cabeça", lamenta. Ela é

mais teimosa do que as dores. "Quan-to mais atacam mais eu resisto. Nãonos podemos deixar levar pelas dores,isso agrava a situação. Por isso é que hámuitos casos de dor crónica associa-dos a depressões." Além da medicação,faz fisioterapia e exercícios de relaxa-mento. "Desfocamo-nos da dor, não avai diminuir, o que muda é a formacomo lidamos com ela. Posso ter um 7

ou 8 [de 0 a 10] mas vou desfocar- me."Faz acupuntura e tem cuidado com aalimentação.

Cristina Catana é psicóloga especia-lizada na dor, há 25 anos no HospitalGarcia de Orta, em Almada, onde exis-te um dos poucos centros multidiscipli-nares e que tem várias especialidadesclínicas. "A dor crónica é uma dor total,é plural, é muito complexa, afeta todasas dinâmicas da pessoa, é uma doença",começa por explicar, sublinhando:"Muitas vezes, quando a pessoa chega aesta consulta já passou por muitas es-pecialidades médicas e as dores raan-têm-se, porvezes evoluíram, e jáchegacomum quadro de depressão."

O que faz em primeiro lugar é ouvir ahistória do paciente, as dores que sente(física, emocional e social), o impactoque têm na sua vida. A partir daqui, étentar dar ordem "a uma casa que ficouvirada de avesso". É importante umgrande autoconhecimento e a aceitaçãodo problema, para o doente se poder ca-

nalizar para o prazer da vida e não paraa infelicidade da perda. "A pessoa temde ser agente de mudança, perceberque pode continuar a viver os seus pro-jetos de vida, aceitar, mas não de umaforma passiva", sublinha Cristina Cata-na. Trabalho que é feito nas consultasindividuais, mas também em consultasde grupo e psicodrama de grupo.

Margarida F. Santos conhece bem o

significado desse ouvir", no seu casoatravés de João Fonseca. Continua mui-to medicada, que complementa com o

ioga e a alimentação certa. E aprendeu"truques" para lidar com a situação. Vá-rias voltas na cama antes de se levantar(acorda com o corpo rígido e dorido) ,

li-mitar as saídas a um período do diaquando possível, vinte minutos a andarem calçada significa que pode não subir

para o autocarro, escrever deitadaquando as dores intensificam.

Éfrequentementeconvidadaparadarformação em escrita criativa, participarem conferências e apresentar os seus li-vros, é autora do bloque 77 Palavras.E quem a vê não imagina as dores quesente. E ela, porvezes, esquece. "O queme custa mais é ter de explicar a doençaquando não consigo fazer uma coisa."

Acidente sem danos para seguradoraDiferente é a situação de Nuno A. (prefe-re não se identificar completamente) ,

ainda a lidar com a revolta pelas incapa-cidades e as dores, mas sobretudo com aMapfre, a companhia de seguros que, nasua opinião, não o ressarciu dos danosprovocados por um acidente laborai.Tem 37 anos e mora em Queluz, desloca-va-se para o trabalho quando um auto-móvel bateu no seu, emmarçode2ol6.

"No centro médico mandaram-mepara o hospital da seguradora. Fuiacompanhado pela ortopedia e doismeses depois fizeram-me uma cirurgia

à coluna, no dia seguinte estava sem do-res e tive alta. Ànoite começaram as do-res, percebi então que estava muito do-pado." As dores não terminaram, per-manentes e intensas. Foi diagnosticadocom uma radiculopatia crónica que faza compressão do nervo ciático.

Um ano depois a seguradora deu-lhealta. "Alta com desvalorização, quandoo próprio neurocirurgião diz que nãoexiste. Ou se tem alta ou não tem", con-ta Nuno, que nada tem a reclamar domédico da companhia, antes de quemacusa de não atender aos relatórios .

Teve o acidente no período experi-mental do emprego, contrato que nãofoi renovado. Não recebe apoios, nemsequer para os tratamentos. "Gasto umamédia de 200 euros em medicamentospor mês." A mulher ficou desemprega-da, entretanto, têm uma filha de 20 me-ses. E tem de lutar nos tribunais para re-ceber os apoios que considera justos.O tribunal do trabalho pediu novos exa-mes e avaliação dos danos. "Disserampara voltar para a seguradora." É nessafase que está.

Fará tudo ao seu alcance para ser tra-tado, sublinha, menos sair do HospitalProf. Dr. Fernando Fonseca, na Amado-ra. É acompanhado na Unidade da Dor,coordenada por Ana Pedro. "É umaequipa impecável. Estão a tratar de mima custo zero. A Dra. Ana disse-me: 'Nãose preocupe que não vamos desistir desi, vamos conseguir dar a volta'."

Toma medicação forte, a esperança,agora é a radioterapia, já que a ozonio-terapia não obteve o efeito desejado.Tem acompanhamento psiquiátrico efaz fisioterapia. "Às vezes as dores sãotão fortes que não consigo sair da cama.Se aminhafflha balança quando estánomeu no colo, já sei que no dia seguintevou andar a segurar- me aos móveis."

Medicina geral com área de estudoO médico de família é fundamental noacompanhamento destes doentes, su-blinham os especialistas que trabalhamcom a dor crónica, incluindo os que têmuma carreira nesta área. Desde logo,porque estão mais próximos e são o pri-meiro elemento de avaliação.

Cristina Catana, especialista e psicó-loga no Centro Multidisciplinar da Dor,

do Hospital Garcia de Orta, defende queo médico de família é a base e deve tercontinuidade. "Aideianão é apessoafi-car na unidade da dor, é que possa re-gressar à comunidade, onde deverá seracompanhado pelo médico de família."

Aquele é um dos poucos centrosmultidisciplinares nesta área do país e

que tem técnicos de saúde com forma-

ções em várias áreas: clínicas e sociais."Há um trabalho de avaliação, de inter-venção e de reabilitação, depois a pes-soa vaia sua vida, embora as portas es-

tejam sempre abertas", defende. O pro-cesso de intervenção demora em regraum ano.

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2018 é o AnoGlobal daExcelênciada Educaçãoem Dor,com váriasiniciativase ações desensibiliza-ção paramelhorara formaçãodosprofissionaisde saúde,educadorese públicoem geral

Dores sãomaisfrequentesnas doençasda coluna(lombare cervical)e patologiasdegenera-tivas,sobretudoosteoarti-culares

Estudosindicamque 70%das pessoasque têm dorcrónicasofrem deansiedadee 60% dedepressão

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A generalidade dos hospitais públi-cos, além dos privados, têm uma unida-de da dor. Contudo, muitas "sofrem defalta de recursos, designadamente mé-dicos especializados no tratamento dador [em Portugal existe uma competên-cia em medicina da dor atribuída pelaOrdem dos Médicos] , enfermeiros e psi-cólogos", refere o neurologista CastroLopes. Entende que uma das lacunas éa formação profissional, situação que oAno Global da Excelência da Educaçãoem Dor, o tema de 2018, visa colmatar."É necessário aumentar a formaçãodos profissionais de saúde sobre o dia-gnóstico e tratamento da dor crónica(apenas duas faculdades de medicinatêm disciplinas específicas, mas são op-tativas) , e também prosseguir a investi-

gação sobre os mecanismos neurobio-lógicos subjacentes à dor na expectati-va de que venham a desenvolver- se no -

vos fármacos, mais eficazes e com me-nos efeitos secundários, bem comooutras estratégias terapêuticas não far-macológicas", diz.

Rui Nogueira, presidente da Associa-

ção Portuguesa de Medicina Geral e Fa-miliar, concorda que "há algumas ne-cessidades de formação como há emtodas as áreas". Acrescenta que essa étambém a preocupação da estruturaque lidera, sendo disso exemplo a ini-ciativa a tomar na próxima reunião, emmarço. "Vamos criar um grupo de estu-dos sobre a dor. O objetivo é aprofundaro conhecimento e a formação nestaárea porque sentimos a necessidade deformar e atualizar conhecimentos."

Sublinha a complexidade destasdoenças e que estes casos devem ter"uma abordagem muito alargada e

orientadapara as redes específicas", de-vendo existir uma maior comunicaçãoentre estas. "O que nos parece óbvio é

que não há justificação para haverdoentes com dor, há muitas opções te-rapêuticas para tratar a dor, tem havidouma evolução notável nesse campo."

Os 25 anos de experiência de CristinaCatana numa unidade da dor levam-naa concluir que tem havido uma evolução

positiva. "Está a acontecer um movi-mento muito interessante entre os mé-dicos de família, que cada vez têmmaisinformação sobre a dor crónica. E háuma primeira fase que tem de ser com omédico de família, é quem os doentescontactam de início. E, na generalidade,conseguem resolver as situações. Quan-do vêem que não o conseguem, são os

próprios que canalizam o doente para asunidades especializadas da dor."

Associaçãode médicosde famíliavai criarum grupo detrabalho paraaprofundar oconhecimentoe a formaçãodestesprofissionais

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CARACTERIZAÇÃO

Estratégia até 2020> O neurologista Castro Lopesé o coordenador da equipada Faculdade de Medicina daUniversidade do Porto que es-tuda a doença e as suas impli-cações. A caracterizaçãoda doença é uma das metasdo Programa Nacional paraa Prevenção e Controlo da Dor

que vai vigorar no período2017-2020.

4,6 mil

> milhões de euros/anoCustos da dor crónica: 2,7 % do

PIB. Dois mil miLhões diretos (con-

sultas, medicamentos) e 2,6 milmiLhões indiretos (absentismo,

reformas), segundo o EuropeanJ. of Health Economics).

37%> Adultos portuguesesSofrem de dor crónica, percen-tagem que é significativamentemaior nas mulheres (46%) do

que nos homens (25%). Estudo

epidemioLógico da FacuLdade de

Medicina da UP {Journal ofPain),

Dor aguda e crónica> A dor aguda é um sintoma limi-tado no tempo que pode e deve

ser controlado. A dor crónica, ao

persistir após a cura da lesão quelhe deu origem ou na impossibili-dade de objetivação de lesão,deve ser encarada não como umsintoma mas como uma doença

por si só, como definiu a EuropeanFederation of Pain em 2001.

Idade e inatividade> Prevalência aumenta com a

idade e é maior nos desempre-gados e nos reformados (inde-pendentemente da idade) e emindivíduos com menor escolari-

dade. A prevalência da dor cró-nica de intensidade moderadaou severa (maior ou igual a cinco

numa escala de zero a dez)é de 14,3%, o que correspondea 1,2 milhões de portugueses.

60> unidades da dor no paísÉ uma estimativa e cobre todoo território. Muitas têm "faLta

de recursos, designadamentemédicos especializados".

Ana Pedro "É umverdadeiro fenómenode saúde pública"

Ana Pedro é presidenteda Associação Portuguesa

para o Estudo da Dor

Tratar a dor é o dia-a-dia de Ana Pe-dro, presidente da APED e coordena-dora da Unidade de Dor Crónica do

Hospital Fernando Fonseca. Defendeuma maior formação dos profissio-nais de saúde e sensibilização da po-pulação, para detetar o problemae aprender a lidar com ele. Consideraeste um problema grave por afetartodas as esferas da vida da pessoacom dor e dos que a rodeiam.

Qual é o principal problemade quem sofre de dor crónica?São múltiplos. Para além do controlo

da dor e eventualmente da doença queestá por base, háincapacidades asso-ciadas e que se refletem a nível do tra-balho, das relações familiares e sociais.Gera ansiedade e depressão, com gran-de impacto na vida da pessoa com dor.Temos ainda de considerar o impactosocioeconómico: consultas, trata-mentos, exames complementares, ci-rurgias, absentismo laborai, baixas

prolongadas, reformas antecipadas.É um problema de saúde pública.Afeta mais as mulheres. Porquê?Além de viverem mais tempo, muitasdas doenças que provocam dor cró-nica são mais prevalentes nas mulhe-res do que nos homens, daí que sejamaior a percentagem de mulherescom dor crónica.Os doentes queixam-se da dificul-dade em se chegar a um diagnóstico.Em média, quanto tempo demoraesse diagnóstico?É altamente variável consoante a si-

tuação clínica da pessoa, o local ondereside, a quem recorre. Tanto pode sermuito rápido como muito lento, de-pende de muitos fatores que não con-seguimos controlar nem homogenei-

zar. Depende se vai ao médico de fa-mília com regularidade, da situaçãode doença subjacente. Todos os mé-dicos devem estar capacitados paratratar os seus doentes, pelo menosnuma fase inicial, considerando quea dor é o sintoma que mais frequen-temente leva o doente ao médico. O tra-tamento em unidades de dor crónicadeve ser reservado para os mais com-plexos.Tem havido avanços?Tem havido francas melhorias. Há ummaiorreconhecimento danecessidadede tratar a dor, nas suas várias ver-tentes, quer por parte dos médicosquerporpartedos doentes, sobretudoquando falamos de situações maiscomplexas e que não podem ficar só

no médico de família. Por isso, é muitoimportante que haja um conheci-mento mais aprofundado e abran-gente do que é a dor, sobretudo a dorcrónica. Tem de haver mais formaçãojunto de todos os profissionais desaúde, dos doentes e da população emgeral.Como estamos comparativamenteaos outros países?

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Os países nórdicos são sempre maisorganizados do que os do Sul, maspenso que estamos no lugar intermé-dio. Houve avanços nomeadamentea nível legislativo: a comparticipaçãode medicamentos, o registo da dorcom a equiparação ao quinto sinalvital, normas e orientações técnicas,entre outros. Saliento que fomos o pri-meiro país a ter um Dia Nacional deLuta contra a Dor. Ainda assim, temosum longo caminho a percorrer.E o facto de se atribuir as queixasa problemas psiquiátricos?Não podemos dissociar a mente do

corpo, porque os dois trabalham emconjunto. Uma situação de dor pro-longada origina ansiedade, depressãoe alterações de humor, da mesmaforma que seapessoa estiver mais an-siosa terá mais dor física. Há realmenteuma ligação grande entre as emoçõese a dor. Provavelmente, todas as pes-soas já vivenciaram um episódio dedor, basta imaginar senti-lo durantetodo o dia vários anos, é natural quefique perturbado, ansioso, angustiado,incapacitado. É um círculo vicioso quetemos de quebrar.Como?Na medida do possível, controlar a dore, em simultâneo, trabalhar as emo-ções para que tenham menos impactona pessoa com dor, assim como o in-verso tratamento da dor crónica é mul-tidisciplinar (não se pode tratar ape-nas a dor física) , deve tratar-se nas suas

múltiplas dimensões.