Primeiro passo para uma grande conquista Sonhar. · chocolate, na maior naturalidade, amassa a...

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Primeiro passo para uma grande conquista...

Sonhar{ }

Segundo passo, Acreditar. Terceiro passo, Agir.

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Primeiro passo para uma grande conquista...

Sonhar{ }

Segundo passo, Acreditar. Terceiro passo, Agir.

Março de 20122ª impressão

Direitos de Publicação reservados a André Pasqualini

Livro inicialmente escrito em outubro de 2003

Para maiores informações sobre como adquirir:[email protected]

Editoração e programação visual: André Pasqualini Arte da Capa: Érica Arthuzo/Criaturas

andre
Typewritten Text
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Sobre o Autor

André Pasqualini, nascido em São Paulo, maisprecisamente no bairro da Mooca, as 22:30 minutos dodia 26 de maio de 1974.

Tem apenas o Segundo Grau, técnico em Administraçãode Empresas. Depois de passar em um concurso público,começou a trabalhar na Comgás, exatamente no dia 26de maio de 1992, quando completou 18 anos, trabalhouaté dezembro de 1999, em vários cargos, começandocomo Contínuo, Auxiliar de Escritório e saindo comoOperador de Rádio.

Começou então a “tentar” trabalhar na área deinformática. Hoje sobrevive fazendo “biscates”1 na área.Sempre autodidata, hoje faz sites para internet,diagramação gráfica (este livro inclusive), multimídia,edição de vídeo, suporte a hardware e até instalaaquecedores a gás se preciso.

Pratica o cicloturismo desde 1993, já fez diversas viagens,entre elas, as de maiores destaques foram: 1996, quandopedalou até o Paraná, narrada nesse livro, e a viagemdo Projeto 1000 pelo Tietê, quando em janeiro de 1997,pedalou 1.184km beirando o Rio Tietê, desde a suanascente em Salesópolis, até a sua foz, no Rio Paraná,divisa com Mato Grosso do Sul, ambas com seu parceiroCláudio Nadaleto.

Já tentou competir, participando algumas vezes da 9 dejulho, sem grandes resultados, e dos Jogos Operários1. Bicos, pequenos trabalhos autônomos.

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do Sesi, este narrado no livro. Suas pretensões são devoltar a fazer grandes viagens de bike e começar a treinar,voltado para competição. Quem sabe participar dos JogosPanamericanos do Rio de Janeiro em 2007, como já diziao poeta: “Sonhar não custa nada”.

Também tenta ser ator, atualmente está no Grupo Vale aPena, grupo teatral que faz apresentações filantrópicasno Hospital do Câncer, em São Paulo. Também já teveuma banda de rock, onde era vocalista.

Resumindo, é um cara que ainda não sabe o que quer,ou seja, quer ser tudo mas por enquanto não é nada, aomenos para os outros, pois para ele, é um cara que vivea vida como ninguém e que esta cansado de falar sobreele na terceira pessoa. Já que não arrumei ninguém parafalar de mim... “Já que não tem tu, vai tu mesmo”.

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Ia ver uma amiga que trabalhava no Center Norte,famoso Shopping de São Paulo, que fica na marginal,ao lado do Rio Tietê. O ônibus fazia final no TerminalRodoviário do Tietê, preferi descer um ponto antes, dooutro lado da marginal e atravessar a pé a ponte Cruzeirodo Sul, sobre o Rio Tietê.

Foi a primeira vez na minha vida que estava tãopróximo deste Rio. Geralmente, nós paulistas estamossempre correndo e não damos muita atenção para queacontece ao nosso redor. Aliás, 90% do que sabemossobre nossa cidade, vemos pela televisão. Quantospassam todos os dias sobre o Tietê, mas nunca pararampara olhá-lo.

Nesse dia, parei sobre a ponte e fiquei observandoo Rio. Percebi o quanto ele era sujo, bem mais do quepela televisão. Nas margens, onde a água bate, a terraé negra. Parece que foi queimada. Ao redor observeialgumas fábricas, chaminés, nas marginais vários carros.Voltei a olhar o Rio.

Vi uma dessas garrafas “Pet”1 boiando. Ondedeveria haver grama, só havia entulhos, garrafas, sacosde lixo, etc. Pensei, “Caramba, mas não foi nem ogoverno e nem essas fábricas que jogaram aqueleentulho todo ali!”.

Olhei para a calçada e percebi que era praticamenteimpossível andar 10 metros sem pisar em nenhumasujeira, em seguida passa um homem comendo umchocolate, na maior naturalidade, amassa a embalageme suavemente abre os dedos. Aquele papel desliza de

131. Garrafas plásticas de 2 litros.

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sua mão e cai no chão.

Nesse momento, via a população inteira da cidadejogar papéis no chão, latas pelas janelas dos carros, viasacos rolando barranco abaixo, um turbilhão depensamentos tomou conta de mim e só conseguia veruma coisa. Homens destruindo.

Só enxergava isso, mais nada. Como uma nuvemde gafanhotos, os vi descendo em uma plantação edestruindo tudo e, em pouco tempo, não há mais nada.

Então eles começam a voar novamente a procurade outra plantação. Assim eles voam, de plantação emplantação, apenas destruindo, até que chega ummomento em que não há mais plantações. Eles voampor quilômetros e nada.

Nenhuma árvore ou grama, só terra estéril. Umverdadeiro deserto. Então eles vão perdendo a força,aos poucos caem e vão sendo engolidos pela terra, logonão vemos nenhum gafanhoto vivo.

Vejo um gafanhoto se contorcendo, tentandosobreviver, mas a areia começa a cobri-lo, olhando maisatentamente, percebo que este gafanhoto é bastantefamiliar. Então percebo que sou eu, quem está jogadoao chão, morrendo, como uma praga que não tem maiso que destruir.

Mas eu não sou uma praga! Eu não quero ser, nemquero que meus filhos sejam. O que fazer então? Nãotenho o poder para, simplesmente, exterminar esta praga,

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nesse momento falei que não iria tentar mudar o mundoe sim tentar mudar a mim. Não serei uma praga e tentareiensinar meus filhos a não serem uma.

A partir daquele momento prometi a mim que iriamudar e que mostraria a todo mundo que todos podemmudar, mudar para melhor. Venho então uma idéiamaluca em minha mente. “Vou pedalar beirando este rio,desde a nascente dele até sua foz”.

Ainda bem que ninguém lê pensamentos e apenaseu fiquei como testemunha, na mesma hora percebi otamanho do absurdo que estava querendo fazer,completamente fora das minhas possibilidades. Resolvicontinuar a minha caminhada, mas aquilo continuavamartelando na minha cabeça. Mas continuei, assim comoa vida continuou.

Fazia uns dois meses que eu havia comprado minhaprimeira bike de verdade. Considero esta a minhaprimeira, pois quando tinha uns 6 anos de idade, eu emeu irmão Carlos, ganhamos nossas primeiras bicicletas.

Sempre fomos de família bem simples e só Deussabe o quanto meu pai ralou para comprar aquelasmagrelas. E nós, como éramos crianças muito ativas,nem um ano se passou e elas ficaram praticamentedestruídas.

Quem anda de bicicleta sabe que às vezes é maisbarato comprar uma bike do que mantê-la. Meu pai, paranossa felicidade, levou-as até uma bicicletaria, mandoupintar, trocar relação1, pneu e tudo mais que tivesse

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1. Trocar o conjunto das marchas na bicicleta, câmbio, coroa, catraca, ou seja, aspeças que dão tração na bicicleta.

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direito. Pena que esta foi a última vez que as vimos, poismeu pai nunca teve dinheiro para ir buscá-las.

Bem, voltando a bike mais recente, comprei-aincentivado por um amigo, Adelmo Moreira Leite, quetrabalhava comigo na Comgás, ele comumente faziapasseios de bicicleta nos finais de semana. Sempre quefazia um desses passeios, assim que revelava as fotosmostrava para nós.

Ele morava em Diadema e ia até o Riacho Grande,Casa da Marquesa de Santos e Pico do Jaraguá.Realmente eu ficava impressionado e com muita vontadede passar por aquelas experiências também.

Nas minhas primeiras férias na Comgás resolvi quecompraria minha bike, acontece que naquela época, euainda era sustentado pelo meu pai, embora ganhasseaté mais do que ele, mas como a casa era dele, tinhaque dar satisfação de tudo.

Escondia até quanto ganhava pois, com certeza,teria que contribuir com muito mais no sustento da galera.

Mirão e Adelmo emuma viagem a

Paranapiacaba.

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Então o que fazer?Sabia que se eu aparecesse com uma bike em casa,

com certeza meus pais iriam reclamar. Então precisavaantes ganhar moral. Imaginem só, minha mãe com seus5 filhos, tinha que lavar toda nossa roupa no braço, poisainda não tinha máquina de lavar.

Vou comprar uma máquina de lavar então... Masse eu comprasse uma máquina boa, com certeza nãosobraria nada para gastar com a bike. Comprei entãoum Tanquinho, pois me falaram que era muito bom.

Mandei entregar em casa, sem avisar a minha mãe,ela só não devolveu porque tinha o meu nome na nota,além do mais ela nunca imaginaria que alguém fossecapaz de amenizar o seu sofrimento diário.

Só o tanquinho ainda era muito pouco. Achei umanúncio de uma centrífuga de roupa, fiz meus cálculos evi que comprando os dois, gastaria metade do valor, deuma máquina de lavar decente. Peguei o meu irmão efomos num sábado de manhã até a Arapuã (nem sei maisse existe esta loja).

Comprei e cheguei em casa com o presente, minhamãe já estava me dando beijos na boca só com otanquinho. Quando viu a centrífuga, virei rei de vez. Masbastou o tempo de entregar e instalar a centrífuga, saide casa e fui até a loja de bike que havia aberto a menosde um mês ao lado da minha casa.

Já havia até escolhido a bike que queria, a marcada bicicleta era Three Head e câmbio Sun Race.

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Daqueles com uma alcinha de ferro para apertar, caso ocâmbio não estivesse segurando as marchas. Compreium guidão clip de alumínio, capa de gel para o selim,capacete (bem “meia boca” por sinal), velocímetro e todosos acessórios que achava serem úteis.

Quando apareci com a bike, meus pais nem tiveramcoragem de reclamar, apenas acharam bonita, atéesboçaram um chiado, mas realmente tenho que admitirque fui muito inteligente, pelo menos desta vez.

Primeira etapa superada. A segunda etapa seriatreinar para agüentar um passeio com o Adelmo, resolvientão aproveitar minhas férias para começar otreinamento, já que apenas o trajeto da minha casa até adele, daria quase 20 quilômetros.

Eu morava no Campo Limpo, zona sul de São Paulo,em uns prédios (Residencial Califórnia) que estão do ladoda nova Estação Campo Limpo do Metrô, quemacompanhou a campanha para governador do Alckmin,deve ter visto, pois ele explorou demais esta estação.

Diga-se de passagem, eu escrevi este livro em julhode 2003 e até agora, ela estava inacabada. Naquelaépoca ainda estavam construindo a Av. Carlos CaldeiraFilho, hoje uma alternativa a Estrada de Itapecerica, comoligação do Capão Redondo com Santo Amaro.

Sempre que podia pegava a pista em construçãopara fugir do trânsito pesado da Estrada de Itapecericae do relevo, já que a Carlos Caldeira é totalmente plana.Certa vez eu passei pela avenida em obras e eles haviam

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acabado de jogar aquele pixe em estado líquido noasfalto. Nem preciso falar que tive que jogar minhabermuda, camiseta e até a cueca no lixo.

Bem, tinha um colega que morava em umcondomínio ao lado do meu, no Morumbi Sul. Sabia queele andava de vez em quando de bike e chamei-o para iraté o Shopping Morumbi, uns 10 quilômetros da minhacasa.

Para ir foi tranqüilo, mas antes de chegar em casa,me estatelei no meio da rua do condomínio de tãocansado que estava, andei 20 quilômetros e chegueidestroçado, imaginei como ficaria se andasse 100quilômetros em um dia, o que aconteceria caso fizesseum passeio com a galera do Adelmo.

Após dois dias, eu resolvi ir com uma galerinha atéo Parque do Ibirapuera. Quem é de São Paulo, anda debike e nunca foi pedalando até o “Ibira”1, não pode dizerque é realmente um ciclista (sem discriminação, peloamor de Deus, é que muitos de nós consideramos chegaraté o Ibirapuera, pedalando, a primeira grande conquistade um ciclista).

Em resumo, o parque fica a mais ou menos, 16 kmde casa e o sofrimento foi quase o mesmo, a ida foitranqüila, mas a volta...

Na esquina da Geovani Gronchi com a Av. JoãoDias, havia um posto de gasolina para quem acessava aestrada de Itapecerica pela Geovani, isso em 1.993. Bem,quase desmaiei, fiquei uns 10 minutos deitado, tentando

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1. Apelido que os paulistanos deram ao Parque do Ibirapuera.

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recuperar forças para poder chegar em casa, faltavam 3km.

Ainda na mesma semana, tinha que ir até o meutrabalho resolver uns problemas e chamei uns amigosque toparam. Eu trabalhava na Rua Augusta, no prédioda Comgás, a uma quadra da Avenida Paulista.

À distância da minha casa era de 26 km, ou seja,andaria mais de 50 km em um dia, fazia apenas umasemana que havia comprado a minha “magrela”1. Osofrimento novamente se deu na volta.

Na marginal do rio Pinheiros sentido Interlagos, logoapós passar pelo Parque Burle Marx, tem uma subidinhade matar, quando consegui vencê-la me estateleinovamente no chão do acostamento.

Mesmo com os sofrimentos passados nos últimospasseios, achava que estava pronto para sair com oAdelmo, então decidi que seria naquele final de semana.

Sai bem cedo e pedalei 18 km até chegar na casadele, lá reunimos uma galera e caímos na estrada. Elemorava próximo a Imigrantes.

Seguimos por ela até chegar em São Bernardo,onde sofri o primeiro susto. Resolvemos subir a AvenidaPiraporinha, que “pirambeira”2, mas até então tudo bem.Acontece que na descida, estava a uns 60 km/h,descendo e segurando no freio. Perto do final da descida,simplesmente perdi meu freio traseiro e logo depois odianteiro.

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1. Carinhoso apelido que os ciclistas, geralmente, dão as suas bikes. 2. Forteaclive ou declive, depende do ponto de vista.

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Lá em baixo havia um farol que estava fechado paramim, se fosse reto acertaria alguém em cheio. Na basedo desespero, vi um acesso ao corredor central deônibus, entrei mas não conseguia parar a minha bike.

Mais adiante, havia um ônibus parado no ponto,como o corredor tem apenas duas pistas, uma para cadasentido, teria que ultrapassá-lo.

Acontece que vinha um outro ônibus na mãocontrária, resolvi então pedalar mais rápido ainda, paradar tempo de ultrapassar antes que eles se cruzassem.Sinceramente me senti um dublê no filme Matrix1.

Foram segundos, ultrapassei o ônibus pelaesquerda e voltei para a direita, a esta altura já estavana parte plana e, apelando ao bom e velho “Bamba”2,consegui frear a minha bike com os pés.

Finalmente parado, quando percebi que “ainda”estava vivo, resolvi ver o que havia acontecido com osmeus freios. As pastilhas passaram do ponto de pressão,ficando presas na roda, perto dos raios. Eram modelosCant Lever3, tão vagabundos quanto aos câmbios SunRace. Hoje em dia, se tem um item na minha bike que eunão economizo, são os freios.

Continuando, entramos na Avenida PresidenteKennedy, passamos pela Área Verde chegando naRodovia Anchieta. Íamos pela pista central, ondeantigamente a liberavam para carros somente nos diasde trânsito intenso. Haviam muitos ciclistas quepedalavam por esta pista e nós fizemos o mesmo.

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1. Alusão a perseguição de motos do filme Matrix Reloaded. 2. Antiga marca detênis, famosa pelo comercial aonde o motorista perde o freio e usa o tênis parafrear sua Brasília, no melhor estilo Flinstone. 3. Modelo de freio para bicicleta.

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De repente um pessoal que estava a pé nos parou.Acabaram de ter suas bikes roubadas. Antes de sechegar ao Riacho Grande existe uma grande favela dolado esquerdo da Anchieta, no sentido litoral, logo apósa fábrica de carros da Volkswagen.

Ladrões pularam na frente deles com revólveres etomaram suas bikes. Meu coração saiu pela boca, só depensar em perder a minha bicicleta, que era meiovagabunda mas tudo bem. No entanto, perdê-lasignificaria o fim, pois não teria condições de compraroutra tão cedo. Não tinha coragem de continuar e muitomenos de voltar.

Sempre fui pobre, mas nunca me conformei com aidéia de abrir mão das coisas que eu gosto por medo,ninguém tem esse direito. Saímos da pista central evoltamos ao acostamento, reunimos uma galera e fizemosum comboio, “Vamos todos juntos e rápidos, nem queseja pra sair do acostamento e ir para o meio da pista”.

Anchieta, logo após a favela onde ocorreram os assaltos.

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Realmente é muito mais fácil para os ladrões nosabordarem na pista central, até por que quem vem decarro pela pista lateral, não vê o que acontece na central,devido a diferença de nível entre as pistas. A lateral émelhor para trafegar, porque neste ponto se inicia umapequena descida, que termina na Represa Billings, emRiacho Grande.

Estava com tanto medo que via gente em tudo queera moita na beira da estrada, comecei a apertar o ritmo,quando percebi estava só. Não tinha coragem de aliviarpara eles me alcançarem. Então cai para a pista doscarros e pedalei mais forte ainda, alcancei 70 km/h e sóparei num retorno, isso porque eu vi uns guardasrodoviários.

Meu velocímetro já marcava mais de 40 kmrodados. Estava tão longe de casa que desisti de pensarse agüentaria ou não voltar pedalando. Seguimos pelaEstrada Velha de Santos, o Caminho do Mar, atéchegarmos na casa da Marquesa de Santos.

Pelo que pesquisei, espero que esteja certo, estaera a casa que Dom Pedro I construiu para a sua amante,

Claudio no Caminhodo Mar. Estrada que

leva até a Casa daMarquesa de Santos.

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a Marquesa de Santos. Local ideal para uma paradinhaestratégica, durante os trajetos que ele fazia entre o Riode Janeiro e São Paulo.

Hoje é um mini museu, com alguns móveis antigos,relíquias, etc. Falaram que existe um porão onde ficavamos escravos, mas naquela época eu era meio “ignorantão”e não me atentava a esses detalhes. Deus sabe o quantome arrependo por isso. Hoje eles colocaram um portão auns 100 metros da casa proibindo totalmente o acesso acasa.

Falando mais sobre a casa, ela tem uma visãomaravilhosa de onde dá para ver o mar em dias semneblina. A partir da casa, existe uma trilha que desceuns 50 metros, saindo em uma pequena corredeira. Amaioria das pessoas continuam descendo, pois maisabaixo, existem algumas piscinas naturais.

A trilha é bem pesada, íngreme e muitas vezesperigosa. Uma vez resolvemos descer e achamos umapiscina natural onde existem duas pedras perfeitas parasaltos. Uma com uns 10 metros de altura e outra, ondeseu ponto mais alto tinha uns 9 metros.

A idade média dos frequentadores era muito baixa,devia girar em torno de 18 e 20 anos. Muita garotada,alguns levavam até bebida, não era incomum achar cacosde garrafas no meio da trilha.

Muita molecada tentando mostrar sua coragem, suaforça. Infelizmente muitos confundem coragem comnegligência e imprudência. Segundo relatos, vários já

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morreram ali, caindo nas pedras durante a descida, ouna subida da trilha. Realmente é uma trilha muitoperigosa, onde o risco de acidentes é alto.

Mas neste dia nós não descemos e sim subimos,continuando a corredeira até o outro morro, perto da linhade trem. Como duas montanhas formando um pequenovale, de um lado a Casa da Marquesa e no mesmo nívelna outra montanha, a linha do trem.

Na subida em direção a linha do trem existem 3platôs até o topo, um melhor do que o outro. Entãocomeçamos a subida, no primeiro nível havia muitaspessoas e uma pequena piscina natural. No segundo onúmero de pessoas era bem menor, mas não haviapiscina, apenas uma pequena queda d’água.

Subimos mais ainda, até o mais difícil e, para anossa sorte, não havia ninguém, com isso ficamos bemà vontade. Tanto é que eu fiquei sentado numa pedra,que sujou a minha bermuda de lodo. Como só havia agente tirei a minha bermuda e peladão, fui pra quedad’água limpá-la, na maior inocência.

Estava lavando a minha bermuda, quando o Adelmochama pelo meu nome. Ao me virar ele diz: “Olha opassarinho!”. Bem... Esta foi minha primeira experiênciacom nú artístico.

Hora de voltar, pegamos um vento a favor que nosajudou muito. Depois que chegamos na casa do Adelmoem Diadema, senti que não estava muito cansado. Lávou eu então, agora sozinho, para a minha casa.

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Comecei a me lembrar que, dias atrás eu semprechegava “esbagaçado”1 em casa mas, naquela vez,estava até que bem, não doía nada até chegar perto daminha casa.

A uns 800 metros do Condomínio, na AvenidaCarlos Caldeira, de repente o músculo da minha batatada perna começou a estalar. A cada giro que dava nopedal, o estalo ia piorando, até que não agüentei e descida bike. Empurrava um pouco e voltava a pedalar, uns100 metros depois voltava a estalar de novo. Descia eempurrava, assim foi até chegar em casa.

Lá eu tive umas das minhas mais agradáveissurpresas. Quando entrei no Condomínio, havia umamolecada conversando, eles me perguntaram de ondeeu vinha. Contei e mostrei o velocímetro, havia pedaladomais de 110 km. Começaram então a fazer váriasperguntas e eu respondendo, notava que eles seempolgavam com minha narrativa.

E isso começou a ocorrer diversas vezes, sempreque chegava de uma viagem ou passeio, tinha que fazerum “pit stop”2 com a galera, não demorou muito e comeceia levá-los aos meus passeios. Senti neles uma certaadmiração positiva, eu na época com meus 20 anos eeles todos na faixa dos 14.

Sempre me respeitavam muito, quando saíamosninguém ficava fazendo loucuras correndo riscos,estavam sempre equipados na medida do possível. Atésugestão nutricional cheguei a dar para a mãe de umdeles, pois ela estava gostando tanto daquela mudança

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1. Cansado. 2. Parada rápida.

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de atitude do filho, aquela preocupação repentina com asaúde. Mas ela não sabia direito o que dar de comer, epedia dicas, pois queria aproveitar aquela fase do filho eeliminar as “tranqueiras” do seu cardápio.

Isso fez eu aprender o quanto é importante dar oexemplo para os mais jovens, ainda mais quando somosadmirados por eles, devido a algo que fazemos. Senti napele o quanto a gente pode ajudar um jovem e o quantonós somos responsáveis quando eles se desvirtuam.

Se analisarmos a vida desses garotos que seenvolvem com drogas, veremos que os maiores culpadossomos nós, de alguma maneira.

Voltando para a seqüência de viagens, havia umcarinha que trabalhava na Comgás, também era amigodo Adelmo e que sempre ia trabalhar de bike. Certa vez,quando entrava no trabalho, o vi chegar, ele deu um saltosobre um buraco na calçada, entrando direto na rampaque dá acesso ao estacionamento.

Confesso que “paguei um pauzinho” para a pequenamanobra. Este cara trabalhava na informática, eu já tinhamais de um ano de empresa e pouco conversávamos.Quando fazíamos era indiretamente, através de amigoscomuns, na xerox ou no refeitório, geralmente em paposde futebol.

Ele era São Paulino fanático e eu Palmeirensedoente. Eu já alimentava uma certa bronca de SãoPaulinos em geral, devido aos vários “capotes” 1que meutime, comumente, levava daquela equipe de Raí e Cia2.

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1. Quando o Palmeiras perdia para o São Paulo. 2. Famosa equipe do SãoPaulo, campeã mundial de interclubes em 92 e 93. Na época o Capitão do timeera o jogador Rai.

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Também não fazia muita questão de estabelecerum vínculo maior, na verdade era puro preconceitomesmo, pois ele torcia para um time enjoado e com umatorcida muito metida, ainda mais naquela época, em queo São Paulo ganhava tudo em cima do meu Palmeiras.

Um dia conversando com o Adelmo, na sala dele,combinando um passeio de bike, apareceu este cara.Então, o Adelmo que estava planejando um passeio atéa casa da Marquesa o convidou.

Ele já andava de bike, mas nada muito forte, vinhatodos os dias de bicicleta e fazia pequenos passeios devez em quando, mesmo assim ele topou.

O nome deste carinha é Claudio Nadaleto.Combinamos de nos encontrar na casa do Adelmo, poisera caminho para todos.

Eu cheguei e logo depois apareceu o Claudio.Chamamos o Adelmo, que por sua vez chamou oMaurício (Mirão) e o Rogério.

No primeiro passeio foram alguns amigos do Adelmoque não tinham muita resistência, o que acabousegurando a turma, mas desta vez foi uma galera maishomogênea. Comecei a sentir a diferença que faz umbom trabalho de equipe.

Quando estávamos na Anchieta, furou o pneu daminha bike, ainda bem que o Adelmo havia levado umacâmera reserva, senão eu estaria perdido. Quando agente começa a pedalar, achamos que bike é como carro,

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quando fura pneu é só achar uma borracharia, pagar quealguém arruma, mas não é bem assim.

Primeiro, de carro, você troca o pneu furado porum estepe e pode dirigir normalmente até umaborracharia. De bike você tem que ir empurrando e olhelá. Sem contar quando você acha uma borracharia, maso borracheiro se recusa a arrumar o pneu. Isso jáaconteceu comigo.

Um ciclista tem que estar muito bem preparado paranão ficar no meio do caminho. Ter ferramentas, remendosde pneus, câmaras reservas e por aí a fora. Bem,arrumamos a minha bike e tocamos em frente.

Já em Riacho Grande, pegamos o começo daEstrada Velha. Até a casa da Marquesa, tem uns 20 kmnum trecho praticamente plano. Como estávamos em 5e num ritmo muito bom, vencemos a distância muitorapidamente, graças a constante troca de vácuo. Emmeia hora estávamos lá.

A volta também foi tranqüila. O mais interessantedesta viagem foi que cheguei em casa sem sentirabsolutamente nada. Quer dizer que em menos de ummês, eu sai do zero e em poucos dias já pedalava maisde 100 km em um dia.

Tudo bem que os meus 19 anos na época ajudarame muito, mas que esta sensação de conquista e de quenada é impossível, praticamente ditou todas as minhasatitudes, a partir daquele momento.

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Esta pequena vitória fez nascer um novo AndréPasqualini, que pode até não conseguir tudo o que quer,mas jamais será por falta de tentativas.

Aqueles passeios começaram a ficar constantes emnossas vidas, principalmente após este que eu acabeide narrar.Agora, eu e o Claudio estreitamos nossasamizades, pois tínhamos um novo prazer em comum: abicicleta.

E outros esportes também, tanto é queparticipávamos juntos de várias categorias nasolimpíadas da empresa, vôlei, pebolim (ou totó para oscariocas), truco, tênis de mesa, etc. Mas a nossa amizaderealmente começou sobre duas rodas.

Pelo menos umas duas vezes por mês fazíamospasseios de bicicleta. Nosso destino, na maioria dasvezes, era a casa da Marquesa. Geralmente variávamoso caminho da volta.

Uma vez voltamos por uma trilha passando pelastorres de Energia. Voltando pela estrada velha1,avistamos a direita uma trilha. O Adelmo falou “Vamosentrar aqui pois esta trilha corta caminho”.

Que roubada... A trilha caminhava embaixo dastorres de energia, perfeita para quem curte Montain Bike.Vários “Down-hills” e “Up-hills” (descidas e subidas).

Em alguns trechos, tínhamos que subir empurrandoas magrelas. Finalmente saímos na Estrada Velha,levamos mais de 1 hora para percorrer uma distância

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1. Estrada Velha de Santos, o Caminho do Mar.

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que, normalmente perderíamos 15 minutos. Um beloatalho que o Sr. Adelmo nos mostrou. Mas valeu pelaemoção das descidas e pela aventura.

Outra vez soubemos de um caminho que corta oRiacho Grande e saindo perto da Imigrantes. Pegamosuma estradinha bem gostosa, cheia de curvas, compequenas descidas e subidas. Saí em disparada,praticamente como se disputasse uma pequena corridacom a galera, logo a frente chegamos em uma balsa.

A nossa sorte foi que apostamos esta corrida, poisquando cheguei, o operador da balsa já estava subindoas correntes.

Ainda bem que o operador me viu de longe eesperou um pouco. Eu cheguei e pedi para ele segurarum pouco mais por causa dos meus amigos, que foramchegando um a um.

Na verdade estávamos na loucura, pois nãotínhamos certeza de onde sairia aquela estrada. Para anossa sorte, ela sai, a mais ou menos, uns 2 km antesdo pedágio da Rodovia dos Imigrantes.

O engraçado é que esta estrada com a balsa ficamuito perto da capital, mesmo assim, tenho certeza quepouquíssimas pessoas sabem da sua existência.

Certa vez eu aproveitei um feriadão e decidi visitarmeus primos no interior de São Paulo, na cidade de SãoMiguel Arcanjo, região do Vale do Ribeira. São 200quilômetros da minha casa, queria ir pedalando, mas com

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certeza não agüentaria o tranco. Decidi ir de ônibus elevar a bike no bagageiro.

Fui trabalhar de bicicleta e na hora de ir embora,pedalei até a Barra Funda, coloquei a magrela em umônibus e caí na estrada. Minha bike parecia um jegue decigano, cheia de “parafernália”1.

Velocímetro, guidão clip, lanterna, realmente elaestava bem chamativa. Já na cidade era engraçado veras reações das pessoas. Eu passeava com o meu primoe todo mundo ficava olhando, mas ninguém falava nada.

Então trocamos de bike e fui pedalando com a dele.Me afastei, deixando-o ir na frente. Como meu primo ébem conhecido na cidade, todos o paravam para elogiara bike e fazer perguntas.

Eu ia logo atrás, com o maior orgulho da minhabike. Pode parecer besta mas eu estava adorando asensação, como se estivessem elogiando um filho meu.

Num dos dias de minha estada, resolvemos irpedalando até o Taquaral, região onde tem algumaspiscinas naturais. Segundo o pessoal de lá, a distânciaera de uns 15 quilômetros, portanto, daria para ir de bikenuma boa. Um sol delicioso rachava nossa cabeça.

No caminho tem umas “pirambeiras cavernosas”2,atingíamos mais de 70 km/h. Eu estava de chinelo,bermuda e com a camiseta amarrada na cabeça. Depoisde uns 10 quilômetros avistamos uma placa: “Cuidado,trecho em descida longo e sinuoso”.

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1. Equipamentos e acessórios. 2. Pirambeiras, são as descidas e cavernosaspelo fato de serem um pouco perigosas. Muitas curvas fechadas.

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Dei risada, comecei a pedalar e logo a bike já estavaa 60 km/h, eles chamam a descida de “7 curvas”, emboraaja 11. Curvas perigosas, logo no começo tem uma paraa direita, que a fiz bem fechada. Nem terminei a curva jáhavia outra para a esquerda.

Como fechei muito na primeira curva, acabeientrando muito aberto na segunda, entrando no trechosujo da pista, onde os carros não costumam passar.

Estava muito rápido e o tombo era inevitável. Sefreasse caía, se tentasse fazer a curva caía, se fossereto caía. Não sei aonde, pois era um barranco, mascairia.

Pode parecer conversa fiada, mas realmente, todosesses pensamentos passaram por mim naquelesmilésimos de segundos antes de tomar a decisão. Opteiem tentar fazer a curva, e tentei. Mas não consegui.

A minha roda traseira deslizou e fui com o joelhoesquerdo no chão, ralei por alguns metros, masnovamente tomei outra decisão, virei de costas parapoupar um pouco o joelho.

O asfalto estava pelando de quente, quandofinalmente parei, 10 metros depois do ponto em que cai,comecei a saltar e gritar: “Água, água!”.

Meu primo Ricardo correu, pegou a caramalhola(garrafinha) que estava na minha bike e chuá! Caiu umasduas gotas. Olhei para o meu joelho que parecia umacouve-flor. Meu primo falou para a gente continuar a

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descida, pois lá no final tinha uma vila, onde poderia melimpar.

Lá em baixo tinha um bar e um campinho de futebol,fui até uma torneira e me lavei. E agora? Como vouconseguir ir embora deste jeito? Fui então tentar arrumaruma carona, aproveitar a hospitalidade interiorana e acharuma boa alma que me levasse até um hospital. Fui parao meio da pista e comecei a dar sinal para os carros.

Quase fui atropelado várias vezes. Acho que elespensaram que eu era algum zumbi saído do filme “A voltados Mortos Vivos”. Depois de uns 20 minutos passouum amigo do Ricardo no sentido para quem ia aoTaquaral.

Contei a história e como ele tinha que resolver umnegócio perto do Taquaral pediu para eu tentar pegarcarona, pois ele ia demorar um pouco. Tudo bem, jáestava fu@#$% mesmo.

Passaram 30, 40, 50 minutos, uma hora e nada.No começo estava pedindo ajuda, mas aquela altura jáqueria pagar, foi quando passou uma jardineira no sentidooposto.

Pedi para levar eu e as bikes até o hospital, quepagaria uns 20 reais. Ele disse que ia descarregar unsmateriais logo na frente e na volta me pegava.

Uma hora e meia depois, aparecem voltando osamigos do Ricardo. “Ainda esta aqui? Sobe agora que agente vai te levar”, eu disse que agora nem precisa mais,

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arrumei uma pick-up já combinei o preço, mas elesinsistiram. Deixei meu primo lá com as bikes e com umagrana para pagar o carreto.

Quase duas horas depois do acidente conseguichegar na Santa Casa de São Miguel. Uns 10 minutosdepois chega meu primo. Eu estava todo ralado, olhavapara meu joelho e via minha rótula, ainda estava com osdois cotovelos ralados, os ombros e as costas.

Tenho cicatrizes até hoje, principalmente no joelho.Como tenho muitos pêlos nas pernas, a cicatriz ficaevidenciada, pois há um desfalque bem no meio dojoelho. Nunca mais nasceu pêlos no local da ralada.

Na Santa Casa colocaram uma travessa desta deferro embaixo da minha perna, pegaram uma bisnagacom algo meio vermelho, cor de sangue, não sabia oque era. Jogaram quase um litro no meu joelho.

Vi estrelas... Depois me contaram que era iodo.Praticamente tomei um banho na maca, lavaram todosmeus ralados, fizeram um curativo e me liberaram. Saído Hospital parecendo uma múmia.

Ainda tinha que levar a bike embora. Como nãotinha muito que fazer, fui pedalando, meu joelho doíademais, mas não tinha outra alternativa.

Para dormir era uma maravilha, de um lado nãoconseguia por causa do ombro e do cotovelo, do outrotambém não, pelo mesmo motivo. De costas impossível,de bruços piorou, por causa do meu joelho.

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Depois de várias tentativas consegui dormirdeitando de bruços e colocando uma almofada embaixoda minha coxa esquerda, assim meu joelho não tocavana cama. Acontece que eu me mexo demais enquantodurmo.

Nem preciso falar quantos dias de sofrimentopassei. O pior ainda estava por vir. Tinha que voltar paraSão Paulo e encarar outra fera... Meu Pai.

Em São Miguel me levaram até a Rodoviária,coloquei a bike no ônibus e vim embora. Na Barra Funda,em São Paulo, tentei ir de metrô, mas não me deixaram,expliquei a situação, implorei, quase chorei, sem sucesso.

O que me revolta é que em vários países, existemvagões sem nenhum banco, assim você pode ir com asua bike. Quantas pessoas moram num raio de uns 3km de uma estação e poderiam ir de bicicleta? Entrariamno metrô, desceriam e continuariam pedalando.

Nem que cobrassem mais caro, mesmo assim seriavantagem, pois a gente economizaria com outro ônibuse com tempo. Essas pequenas coisas é que precisamser feitas para fazer com que a gente deixe nossos carrosna garagem a andemos mais de bicicleta.

Continuando, não consegui ir de metrô com a bike,mesmo sendo um domingo, metrô vazio, mostrando meujoelho machucado, mas não teve jeito.

Tive que ir pedalando até a Praça das Bandeiras,chegando lá, perguntei para o motorista do “busão”1 se

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1. Ônibus.

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poderia subir com a bike, expliquei a situação, mostreimeu curativo, inclusive já estava escorrendo sangue, porcausa da pedalada que dei.

O Motorista foi super compreensivo e deixou colocara magrela dentro do ônibus. Cheguei em casa, quandoapareci na porta do condomínio empurrando a bike, meuirmão que estava na rua pensou: “Chiii!!! o Andréempurrando a bike? Só pode ter dado merda”. Jáprevendo a minha situação.

Estava de calça de moletom e camiseta, meusbraços estavam enfaixados até o punho. Entrei em casae meu pai já perguntou, “Que foi isso?”, respondi “Leveium tombinho...”. Escutei então aquele sermão de praxe,“vou jogar fora essa merda...” isso porque ele nem viumeu joelho.

Entrei no meu quarto mas todos vieram atrás, minhamãe e meus irmãos. Mostrei meu joelho e falei para elesnão contarem para meu pai. Dei um tempo e comecei adesfazer a mala, mas ninguém saía do meu quarto,queriam ouvir minhas histórias e, principalmente,(sanguinários) verem meu joelho.

Comecei então tirar a faixa para dispensar a galera,bem na hora que consigo tirar tudo, meu pai entra noquarto. “Seu fi#$% louco, você nunca mais vai andarnaquela porcaria, onde já se viu e bla, bla, bla...”

É realmente, nunca mais... Quinze dias depois, jáestava na estrada novamente, vendo meu joelhocicatrizando...

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Viagem ao Clube de Campo da ADC-Comgás

Outra viagem interessante, foi para São Lourençoda Serra. O Grêmio da Comgás tem um pequeno clubede campo na cidade. Lá eles construíram uma quadra,um quiosque com churrasqueira onde, de vez em quando,os funcionários utilizavam para passar o dia, e atéacampar. O Claudio já havia feito isso várias vezes.

Aliás, ele era o único da turma que sabia comochegar no clube, então combinamos com a galera umpasseio até lá. Sempre que íamos à Casa da Marquesa,geralmente o ponto de encontro era na casa do Adelmo,que fica ao lado da Rodovia dos Imigrantes.

Com isso eu sempre acabava pedalando uns 40km a mais do que o resto do pessoal. Desta vez eumorava mais perto do destino, portanto a galera marcoude se encontrar em casa.

O combinado foi o seguinte, o Claudio seencontraria com o Cazuza (o Alexandre, outro amigo daComgás, que acabou se empolgando com as nossashistórias) na Vila Mariana. Dali eles iriam até a casa doAdelmo e juntos com o Rogério e o Mirão (Maurício) iriamaté a minha casa.

Fiquei um pouco ansioso, pois era a primeira vezque eu tinha que ficar esperando alguém. As horas iampassando e nada, até pensei que eles haviam desistido.

Já eram 9 horas e nada, fiquei olhando pela janela,quando vejo uns ciclistas vindo do lado oposto da

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avenida, como se eles tivessem passado direto pelaminha casa. E foi isso que aconteceu.

Quando entraram no prédio noto a falta de alguém,então perguntei para o Adelmo: “Cadê o Claudião???”.Ele usou uma frase que ficaria sendo lembrada durantesemanas na empresa: “Deve estar jogado em algumasarjeta por ai!”.

Dedução lógica, como iríamos chegar até o grêmiose ninguém sabia o caminho? Resolvemos tentar a sorte.Como a incumbência do itinerário era sempre minha e,por incrível que pareça, todos confiavam plenamente,quis seguir pela Estrada de Itapecerica, pois ela terminaem um ponto bem avançado da BR, após o Posto daPolícia Rodoviária.

Assim não corremos o risco de ter nossas bikesapreendidas, como se estivéssemos cometendo umcrime, mas “o seguro morreu de velho”. Na verdade,nunca foi proibido o tráfego de bicicletas nas estradasfederais, apenas nas estaduais (do estado de São Paulo).

Isso porque aqui existia uma Lei, super atual, de1950 que proíbe o trânsito de pedestres, charretes, carrosde bois e bicicletas nas rodovias estaduais.

Graças ao nosso Deus, com o novo Código deTrânsito, esta lei não tem mais validade. Acontece quena época não tínhamos a experiência, nem oconhecimento que temos hoje. Então resolvemos nãoarriscar, seguimos por dentro de Itapecerica até sair naBR depois da Polícia Rodoviária.

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Ainda tivemos um contratempo, pois os rolamentosda minha roda dianteira quebraram e a rodasimplesmente travou. Minha sorte é que isso aconteceunuma subida.

Paramos em uma bicicletaria, arrumei o rolamentoe tocamos o barco. Chegamos em São Lourenço daSerra. Resolvemos entrar na cidade e perguntar para osmoradores se alguém sabia aonde ficava o grêmio daComgás.

Já repararam como é difícil encontrar alguémnessas cidades pequenas que conheçam bem a região?E quando conhecem, geralmente, é só de nome, namaioria das vezes jamais foram até o local. Geralmenteas pessoas conhecem alguém que conhece realmentetudo, então nos mandam para essa pessoa.

Bem, depois de umas cinco explicações diferentesde como chegar ao grêmio, resolvemos escolher a queparecia ser mais convincente e partimos para dentro deuma estrada de terra.

Apenas depois de uns 3 km de muita subida edescida, achamos uma alma viva no meio do mato.Perguntamos se ele conhecia o grêmio e esta simpáticapessoa nos disse que estávamos na estrada errada.

Voltamos para a BR-116 e achamos a estradacorreta. Havia uma plaquinha, muito bem escondida,indicando o caminho do grêmio. Várias subidas ebifurcações finalmente chegamos no grêmio depois de 7km de estrada de chão1. Na verdade, só descobrimos

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1. Estrada de terra.

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que era o lugar certo, porque avistamos uma bicicletaconhecida dentro do grêmio.

Isso mesmo, o Claudio perdeu a hora e veio aonosso encontro, mas por outro caminho, por issoacabamos nos desencontrando. Entramos no Grêmio sópara dizer que chegamos e logo tivemos que voltar, poisjá se passavam das 3 da tarde.

Na volta, começou o suplício, o Claudio voltou coma gente até o subidão, antes de começar a pista dupla.Naquela época, a pista dupla ia até o clube TriânguloAzul1. Pegamos uma carona com um caminhão queestava subindo a uns 15km/h, mas como o Claudio estavacom “um pouco de pressa” pois tinha um encontro as18:00 lá na Vila Mariana, por isso ele continuou grudadono caminhão ainda na reta.

A esta altura, a galera já havia ficado minutos atrás,então resolvi parar e esperar. Quando nosreencontramos, falei com o Adelmo da decisão do Claudioe continuamos. A noite começou a cair e ainda estávamosna BR-116.

Ao mesmo tempo começou a bater uma fome “dematar” e ela foi aumentando. Comecei a sentir tonturas,já estava com hipoglicemia2. Desde o início da fome,parávamos em postos da estrada para saber se haviaum restaurante, mas já era domingo a noite e a maioriaestava fechado.

Já quase entrando em desespero achamos umrestaurante, próximo da entrada para Itapecerica da

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1. Um antigo clube lazer que já mudou de nome diversas vezes. 2. Carência deglicose no sangue.

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Serra. Pedi um bife a parmegiana e detonei a salada,mas eu havia ficado muito tempo sem comer, e devidouma forte indisposição, não consegui comer, por maisque eu estivesse adorando.

Mesmo depois que comemos, ainda não estavalegal, mas foi só a digestão começar a fazer efeito, parame recuperar. Em menos de uma hora já estava inteiro,nem parecia que a pouco estava quase desmaiando.

Estava próximo de casa e comecei a apertar o ritmo,para desespero do pessoal. Cheguei em casa a 22 horase o velocímetro da minha bike marcava pouco mais de100 km.

Para azar do pessoal, cada um ainda tinha quechegar nas suas devidas casas. O Adelmo chegou pertoda meia noite e o Cazuza só a uma da manhã, isso porquequando estava quase chegando em sua casa, não é queo cara teve coragem de colocar sua bike em um ônibus,para vencer a última subida?

Segundo relatos dele, no domingo ele nãoconseguia andar e quase não foi trabalhar na segunda.Mesmo com os problemas e contratempos, este passeiofoi muito interessante e divertido.

A esta altura a bike já era vício, um gostoso esaudável vício. Sempre fazíamos passeios de bicicleta,quase todos os finais de semana. Mas com o passar dotempo, os trajetos começaram a se repetir e começou aperder um pouco da graça. O lado bom é que bateu avontade de ir um pouco mais além.

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Sampa - Peruíbe. A Tentativa.

Para os nossos passeios haviam cinco “pontasfirmes”1: eu, Claudio, Adelmo, Mirão e o Rogério. Durantenossos passeios esboçamos combinar uma viagem parao litoral. A idéia era ir acampar em Itanhaém, pois oClaudio conhecia bem a cidade.

Da turma apenas o Adelmo era casado, portantomais difícil de colocá-lo na trip, tentamos convencê-lo,mas na verdade, não era ele que tínhamos que convencere sim o “Freio de mão”2 (como diz nosso grande amigoValmir, que trabalhava conosco na Comgás), ou seja, apatroa do Adelmo. Nosso brother tentou argumentar, atécolocou o Claudio para falar com ela, que fez a seguintepergunta: “Você é casado?”.

Bem, já tínhamos uma baixa, tentamos então oRogério e o Mirão. Eles nos falaram que iriam, masfaltando alguns dias, também desistiram. Sobrou entãoeu o Claudio. Era 1994, ano de Copa do Mundo e o Brasilteria um jogo contra Camarões naquele dia, uma sexta-feira.

Neste dia eu fui trabalhar de bicicleta e bagagem.Saímos da Comgás e fomos, eu e o Claudio para suacasa, assistimos ao jogo e na saída surgiu um problemano pé-de-vela3 da bike do Claudio. Neste dia aconteceualgo bem engraçado. Fazia alguns meses que o Claudiohavia comprado uma bike nova, uma Trek de alumínio.

Naquela época nós não entendíamos muito, oumelhor, não manjávamos porcaria nenhuma de bicicleta.

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1. Pessoas com quem você pode contar. 2. Carinhoso e simpático apelido que oValmir dava para nossas esposas e namoradas. 3. Conjunto de peças queincluem o pedal, e a coroa da bicicleta.

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Para se ter uma pequena noção, o Claudiocomprou sua bike numa loja de luminárias na Rua daConsolação. Quando eu a vi, notei que realmente eradiferente, tinha a barra central do quadro cortando aomeio, canos bem grossos, no melhor estilo das CaloiAluminium, era verde com umas pintas pretas, e umadesivão, escrito “Trek”.

Minha bike era daquele “Cromomolibideno”, ou algoassim, sei lá. A única coisa que eu sei é que ela eramuito pesada, para mim era de ferro mesmo, mas ambasde 18 marchas. A bike do Claudio deveria ser mais levedo que a minha, já que era de alumínio, mas quando eufui erguê-la, percebi que era bem mais pesada.

Achei estranho e pedi para o Claudio erguê-las e,realmente, a dele era mais pesada. Como se ela era dealumínio? Resolvi tirar a prova. Fui até o apartamentodele, peguei um imã de geladeira e ploct. Grudou na hora.

Ahahahaha! O cara ficou muito nervoso, só eleacreditou que ela era uma Trek mesmo. Agora vamosassim mesmo, não temos mais tempo para reclamações.Acontece que, ainda havia um problema com sua bike etivemos que ir até a oficina do Luis, um amigo dele paraarrumar o pé-de-vela.

As horas foram passando e finalmente às 22 horassaímos. Era nossa primeira viagem para valer, poisestávamos preparados para pedalar por mais de um dia,apesar de não ter a menor idéia das dificuldades queiríamos encontrar. Vou fazer uma descrição geral dasnossas bikes e equipamentos.

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O Claudio com sua “Trek” (que carinhosamenteapelidamos de Treko), uma lanterninha bem simples apilha, marca Cataye, se não me engano, uma mala deescoteiro, daquelas com uma armação de ferro paracarregar uma barraca, uma pochete e um capacete nomelhor estilo Menino Maluquinho na cabeça.

Eu com a minha bike Three Heads e câmbio SunRace, que já devo ter descrito anteriormente. Minha sorte,foi que ganhei de um amigo uma lanterna da Panasonic,que ele havia trazido recentemente do Japão. Era “muitolouca”, quem via minha bike a noite e de longe, achavaque era uma moto. Iam 4 pilhas grandes e o suporte dasbaterias era parafusado no local onde, geralmente,colocamos as garrafas. Tinha até farol alto, eraimpressionante, nunca achei algo parecido no Brasil,infelizmente.

Ambas as bikes tinham pneu slick1 Kenda, daqueleslargos, refletores traseiros e velocímetro. Eu tambémlevava uma mala de Trekking2 nas costas. Aliás, a minhaera um pouco mais moderna e confortável que a do meuparceiro, pois tinha uma proteção acolchoada e tudo mais.

Nossas roupas foram super planejadas para aviagem. Eu de bermuda de surf e camiseta e o Claudiode calça e blusa de moletom.

Eu também levava roupas de frio na mala, mascomo eu suo demais, não posso pedalar por muito tempoagasalhado, pois minha roupa fica toda molhada e o ventome faz congelar. Claudio estava levando uma jaqueta decouro para chuva, lembranças da sua época de

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1. Modelo de pneu, sem cravos. Liso com apenas algumas ranhuras para chuva,embora exista pneus totalmente lisos como os da Formula 1. 2. Malas própriaspara caminhadas, alpinismo, etc.

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motoqueiro. Levamos algumas ferramentas, máquinafotográfica, câmara de pneu, bolachas, algumas frutassecas e seja o que Deus quiser, vamos embora.

Saímos tarde por dois motivos. O primeiro foi pelomedo de ser assaltado, já que íamos passar bem emfrente daquela favela da Anchieta, onde comumenteroubavam bikes da galera. A neurose era tanta, queachávamos que do alto do morro, os ladrões poderiamnos ver e descer para nos roubar.

O outro motivo era que desceríamos a EstradaVelha de Santos. Como o acesso é proibido, nossaintenção era dar um “pelé”1 no guarda que fica na guarita,ao lado da Casa da Marquesa de Santos. Queríamoschegar tarde o suficiente, para pegar o guarda dormindo.

Agora vamos começar a viagem em si. A saída sedeu por volta das 22 horas na casa do Claudio, pela

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Parada na Anchieta. Repare na minha bike a da esquerda. Veja aslanternas que disse anteriormente, no lugar das garrafas o suporte paraas pilhas.

1. Refere-se a driblar algo, ou seja, naquela ocasião era para passar pelosguardas sem ser visto.

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Vergueiro até cair na Anchieta. Seguimos peloacostamento na contra mão. Tamanha era nossainexperiência, que tínhamos medo de andar no mesmosentido dos carros, por isso pedalamos um longo trechona contra mão.

Foram vários os problemas, pois as bikes nãotinham uma boa iluminação dianteira e se ligássemos aslanternas, além de gastar pilha muito rápido, sem dúvidaatrapalharíamos os carros. A essa altura já percebemoso nosso segundo grande erro, o de trazer malas nascostas.

Vocês não imaginam o sofrimento, pois tínhamosque ficar com a bunda grudada ao selim. Nas descidasnão pedalávamos, pois era o único momento de alívio,ficávamos de pé sem encostar no banco, sinceramenteeu achava que a minha bunda ficaria deformada parasempre. Prometi a mim mesmo que nunca mais levarianada nas costas, compraria um bagageiro e carregariaaté minha mãe, se necessário.

Achamos que, com peso na roda traseira nossoesforço seria maior, mas é preferível fazer mais esforço,fortalecendo as pernas, do que sofrer carregando pesoe destruindo nossas costas. Seguimos um longo trechona contra mão da rodovia, até chegarmos ao ponto doterror. A favela...

Apagamos nossos piscas, passamos para o outrolado da rodovia, pois a favela ficava no sentido Litoral-Sampa. Fizemos umas cinqüenta orações e “sentamosa bota”1 até chegar no acesso a Estrada Velha de Santos.

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1. Gíria que os Paulistas se referem a andar muito rápido.

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Restavam apenas uns 20 km até chegar a Casa daMarquesa.

A noite estava bem estrelada, mas não havia lua,mesmo assim não precisávamos de lanternas, pois davapara enxergar a pista. Este trecho é gostoso para sepedalar, porque só tem pequenos aclives e declives, ondepodemos desenvolver uma boa média de velocidade.

Naquela época nossa média de velocidade, nosnossos passeios, não passava dos 20km/h, o que jáachávamos um absurdo de bom. O começo da estradafoi bem tranqüilo, mas só até chegarmos ao trecho ondeexistem vários bares e restaurantes a beira da represa.

É claro que todos estavam fechados, masinfelizmente este pessoal tem uma mania besta de deixarcães como guarda-costas, protegendo a propriedadedeles. Não haveria problemas caso eles não ficassemcompletamente soltos.

Foi uma loucura, a gente ouvia os latidos cada vezmais alto, mas graças a escuridão, não víamos nada,quando estávamos muito próximos deles percebíamosvários vultos, não era um ou dois, mas uns quatro oucinco, tirávamos a bunda do selim e “sentávamos a bota”novamente, até que os latidos se abafassem.

Um alívio temporário, pois a medida que esses seabafavam, surgiam novos latidos ao longe, ficando cadavez mais perto. Então começava tudo de novo. Atéparecia uma corrida de revezamento, quando uns secansavam logo na frente haviam outros bem dispostos

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para trocarem os bastões e continuarem a perseguição.Dava para imaginar o bafo quente deles nos meus pés eisso aconteceu, pelo menos umas dez vezes, em umtrecho de 10 km.

Cheguei ao limite, não agüentava mais correr edecidi que se aparecesse outro na minha frente, eudesceria e o encararia na dentada. Mas para a minhasorte e a dos cachorros, finalmente chegamos na Casada Marquesa.

Era quase 23 horas e ainda havia uma galera lá,como de praxe, sempre que o Brasil ganhava um jogo, opessoal ia para as ruas para comemorar, nesse dia teveuma turma que resolveu ir até a Casa da Marquesatambém.

Falamos com o segurança, explicando quequeríamos ir até Itanhaém, mas ele não podia nos liberar,senão teria que liberar aqueles cachaceiros também.Embora o nosso motivo seja bem mais nobre, já que odeles era descer com umas garotas, fumar uns baseadose transar tranquilamente.

O guarda mandou a gente dar um tempo, estepessoal desistir e ir embora. Naquela época, a EstradaVelha era liberada para passeios a pé durante o dia.Podia-se ir até o litoral ou se aventurar nas diversas trilhasda região.

Tudo sem organização nenhuma, pois muitos iam,não com o sentido exploracionista ou preservacionista,e sim para poderem beber e se drogar, sem grandes

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riscos de serem pegos pela polícia. Isso é uma das coisasque me abomina em relação as drogas, além do fato defazer um tremendo mal a saúde, ser obrigado a viver seescondendo como um bandido.

Esta coisa de já estar acostumado a tomar peteleco1

da polícia não é para mim. Além do fato dessas pessoas,na grande maioria, não se importar com preservaçãonenhuma.

Como elas já estão se destruindo, geralmente elasnão se preocupam em não deixar rastros de destruiçãopor onde passam, como garrafas quebradas, camisinhasusadas e todo tipo de lixo que possamos imaginar.

Devido a essa galera, tivemos que ficar enrolandoaté o último carro que lá estava se cansar e voltar paracasa. Eu estava deitado, quase dormindo, morrendo desono, de repente o Claudio me chama.

O silêncio já dominava o local e o guarda deviaestar cochilando. Havia apenas uns cavaletes e umacancela ao lado da guarita. Primeiro passamos as malase deixamos logo depois da curva.

Então foi a vez das bikes, abrimos um pequenovão entre os cavaletes e passamos com cuidado, quandoestávamos colocando as malas nas costas, vimos a luzda guarita acender. Mas aí já era tarde, mais um obstáculosuperado.

Era nossa primeira descida pela Estrada Velha,sabíamos que ela estava fechada para reforma, pois

1. Tapas e pequenas agressões.

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houve um desbarrancamento num trecho, mas nãosabíamos onde e suas reais proporções.

Logo de cara, comecei a agradecer pelo presenteque meu amigo Feijão trouxe do Japão. Pegamos umaneblina tão forte que não víamos mais que 3 metros anossa frente, a lanterna do Claudio não iluminavapraticamente nada, em compensação a minha pareciafarol de milha.

Então começamos a descer juntos, enquanto eleiluminava o chão mais próximo de nós, eu clareava apista mais à frente. A lanterna iluminava muito, fazia jusas 4 pilhas grandes que carregava.

Não andamos muito e a neblina ficou para trás,então a visão passou a ser deslumbrante, era mais oumenos 1 hora da manhã e paramos num ponto paraapreciar a paisagem, vimos toda Cubatão e o Litoral.

Avistamos a Petrobrás e sua torre queimando emenormes labaredas. Dava para sentir o calor que aquelefogaréu emanava.

O céu totalmente estrelado, conforme descíamosaquela torre que estava lá em baixo ia ficando maispróxima, até que em certo ponto ela estava acima denossas cabeças. Mais a frente, encontramos o trechoperigoso, onde metade da pista havia desbarrancado.

Nossa sorte é que não pegamos a neblina naqueleponto, do contrário, realmente não sei se teríamos tempopara fazer algo, pois não havia uma proteção e abaixo

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havia um barranco com pelo menos uns 50 metros nomínimo.

Metros a frente, outro desbarrancamento, só queagora a coisa era mais feia, pois a pista simplesmentesumiu. Estava sendo feita uma outra pista, mais paradentro do barranco.

Julho de 1994, esta foi a primeira vez que passamospela estrada velha, mas não a última, como vocês irãoconferir ainda neste livro.

A descida da serra é realmente impressionante, ascurvas formam verdadeiros cotovelos de tão fechadas ea inclinação é muito forte. Uma bike sem freios decentes,com certeza trará problemas, já que você é obrigado adescer pressionando o tempo todo.

Em certos pontos além de curvas de quase 180graus, ao invés de asfalto o chão é de paralelepípedo, osereno da noite deixa a pista um verdadeiro sabão.

Depois dos pequenos “guard-rails”1, há penhascosonde dá para cair por um bom tempo, até quebrar oprimeiro osso. Ainda pretendo descer aquilo tudo duranteo dia, deve ser bem mais divertido e belo para se admirar.

Seguimos sem maiores transtornos, ao chegar nopé da serra. Obrigatoriamente passamos ao lado daPetrobrás, era quase 1 hora da manhã e um visual dignodo filme “O Exterminador do Futuro”, o dourado dosmetais iluminava nossa passagem, aquele barulho deferro se chocando ecoava.

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1. Proteções de ferro, comuns em rodovias para evitar que os veículos saiam dapista.

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Simplesmente fantástico, não pela poluição quetudo isso gera, mas sim pelo visual. Logo então chegamosna barreira que fica no pé da serra. Como eles tem queproibir a entrada de pessoas, acho que o segurança ficoumeio perdido ao ver dois malucos de bicicleta surgindodo nada, a aquela hora da noite.

Logo depois da cancela, entramos na RodoviaPiaçaguera, sentido Praia Grande, mas nem bementramos na rodovia tivemos a prova concreta que aindanão estávamos preparados para uma verdadeira viagemde bike.

Primeiro começou uma ventania, nessa hora eu jáestava com uma calça de moletom e uma blusa de soft,bem grossa. Com um vento sul muito forte, nãoconseguíamos pedalar a mais do que 5 km/h, um

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Depois das erosões, no pé da serra. Nesse momento não havia umanuvem no céu.

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absurdo. Logo depois veio a chuva, os pingos eram tãogrossos que doía quando atingia nossa pele, avistamosum viaduto e pensamos: “vamos parar lá em baixo eesperar a chuva passar”.

Ahahahaha... O vento era tanto que a chuva nospegava de qualquer jeito, continuamos pedalando atéque achamos um posto de gasolina.

Esse é um daqueles postos enormes, com váriasbombas para caminhões. Fomos até a última e debaixoda cobertura, ficamos esperando a chuva passar.

Uma hora depois e nada, a chuva só aumentava.Já estava quebrado e começou a bater o sono, eu tentavaem vão me ajeitar em algum lugar para dar uma cochilada,tentava encostar na bomba de gasolina ou no pilar, masnão tinha jeito, qualquer lugar era muito desconfortável.

Minha mala é daquelas arredondadas, um perfeitotravesseiro, mas o piso parecia uma cama de faquir, comuns retângulos em relevo, torturante. O sono começavaa apertar, então o Claudio falou para eu dormir enquantoele olhava as bikes, nem cadeados nós levamos.

Usei a minha mala como travesseiro e dei umacochilada, acordei com a claridade do dia. Olhei para ooutro lado da minha mochila e lá estava o Claudio dormiacomo uma pedra.

Nossas bikes estavam ao nosso lado sem nada asprendendo, mas infelizmente a chuva, embora com menorintensidade, continuava firme.

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Realmente não estávamos nada preparados parachuva e decidimos abortar a viagem, quando surgiu outroproblema. Como voltar?

Não dava para subir a Imigrantes, pois com certezaos guardas nos parariam, sem contar a chuva que nãoiria acabar tão cedo. Resolvemos pedir carona a algumcaminhoneiro que fosse subir a serra.

Começou outro drama, ninguém queria nos darcarona, por mais que a gente explicasse a situação, adesculpa era a mesma. O carro é da empresa, é proibido,essas coisas.

Foi então que depois de mais de 2 horas, encostouum caminhão. Pelo visto, parecia ser particular.Explicamos novamente a situação, ele concordou em noslevar e mandou colocarmos as bikes na caçamba.

Colocamos as magrelas na carroceria e subimos aImigrantes. Chegando aqui na Ricardo Jafet, descemos,eu fui para minha casa e o Claudio para a dele.

Depois de vários dias de sol pegamos uma frentefria que quebrou nossas pernas. Continuou chovendosem parar durante todo o final de semana, mais umdetalhe para levar em conta antes de qualquer viagem:previsão do tempo.

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Fim da viagem. Depois de mais de duas horas, arrumamos uma caronapara subir a serra.

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A Crise

O começo do ano de 1995 foi muito problemáticopara mim. Problemas familiares me levaram a sair decasa e ter que arrumar um lugar pra morar. E ainda passeia ter que, praticamente, sustentar a minha família.

Precisava de dinheiro para alugar uma casa, masestava duro, pois havia gasto muito na minha bike.Troquei a relação, freios, coloquei vários acessórios. Paraa época, minha bike estava muito moderna.

Eu deveria já ter gasto com aquela bike, algo emtorno de mil reais. Mas como me apertei, tive que medesfazer dela e de todos meus acessórios.

Me lembro bem, vendi para um amigo a minha bike,todas as peças e equipamentos por R$130,00 (que amigohein?).

Minha vida estava um inferno, levei um pé danamorada, perdi minha bike e ainda tinha que sustentaruma casa cheia de gente.

Fiquei completamente louco, parei de malhar, bateuuma “deprê”1 muito forte. Mas só o tempo cura as feridas.Apareceu então a oportunidade de participar de umacorrida, os Jogos Operários do Sesi. Mas como, se nembike eu tinha ?

A opção era pegar uma emprestada, tentei voltar apedalar, apenas usando bikes dos outros. O Adelmoqueria combinar um passeio com a gente. O Claudio tinha

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1. Abreviação de Depressão.

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duas bikes, a famosa “Treko” e uma caloi 10 que ficavaencostada e as vezes ele tirava para treinar um poucomais forte.

O Adelmo nos convidou a ir até o Pico do Jaraguá.Aceitamos e combinei de dormir na casa do Claudio, masantes teria um futebol no Grêmio da empresa. Se nãome engano era época de Campeonato e depois do jogo,sempre tinha um pagode no salão do Grêmio. Depois dapartida, eu e o Claudio ficamos na festa.

Como é bom ser jovem, devia ter bem uns 21 anos,“enchi a lata”1 no Grêmio e depois fui com o Claudio, decarro, para a casa dele. Não conseguia nem andar direito.Chegamos no seu apartamento e ele perguntou se queriacomer algo, então mandei ver em uma macarronada queestava sobrando na sua casa.

Nem preciso falar que, de madrugada, levantei ecoloquei tudo pra fora. Mas a culpa foi dele, é claro, ondejá se viu dar de comer para alguém naquela condiçãodeplorável em que me encontrava?

As nove da manhã, chega o Adelmo. Que bom, maisalguém pra nos ajudar a lavar o carpete e tentar tiraraquele cheiro de azedo. Nós nem poderíamos sonharem a mãe do Claudio chegar e notar que aquilo haviaacontecido na casa dela.

A nossa sorte é que a empregada do Claudio, aIvete, fez um milagre. Nós até conseguimos limpar, masaquele cheiro horrível havia ficado, então ela terminou oserviço. Hoje, quando falamos que os jovens são todos

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1. Bebi muito.

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estúpidos, não é para diminuí-los ou menosprezá-los. Épor que hoje, ao vê-los, nos enxergamos anos atrás evemos o quanto éramos idiotas.

Tudo bem, se quer beber, beba, o que já é umabsurdo, pois esporte e bebida simplesmente nãocombinam. Mas já que bebeu, precisa ser até cair? Claroque não, na verdade a gente vive querendo mostrar atodos e para nós mesmo, o quanto somos fortes.

Mas é exatamente esta nossa vitalidade que nosleva a cometer atos insanos, como dirigir completamentealterado, agredir pessoas por futilidades, usar drogas epor que não matar alguém?

A grande maioria das tragédias têm um únicocomeço. Um jovem tentando provar o quanto é forte.Fazendo isso a gente simplesmente pára de pensar eraciocinar.

Quando atingimos uma idade um pouco mais além,lá pelos 27 anos, percebemos que não temos mais amesma energia vital de anos atrás. Aquela que nos davaforça para agüentar uma balada na quinta à noite, chegarem casa às 6 horas da manhã, tomar um banho e irtrabalhar.

Os hormônios que temos em excesso naadolescência, faz com que nosso corpo atinja o seu limitee se recupere num menor espaço de tempo. Quandoparamos de crescer, a produção desses hormôniosdiminuem drasticamente e a partir desta idade, sefizermos estripulias, ficaremos debilitados por um tempo

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muito maior, do que anos atrás, comprometendo nossosobjetivos mais importantes. Naquele meu caso, meuobjetivo era andar de bike novamente.

Voltando ao passeio, saímos da casa do Claudio,ele com a Caloi 10, eu com a “Treko” e o Adelmo comsua bike de sempre. Chamamos mais gente, mas pravariar, vários “amarelaram”. Até que consegui ir bem, masquando chegamos na subida do pico, eu vi o quantoestava despreparado.

O Claudio foi embora, o fato de estar de Caloi 10 ede não ter uma marcha muito leve, o obrigou a manterum ritmo mais forte. Fomos então, eu e o Adelmão “véiode guerra” bem na boa. Algumas paradas para fotos,descanso, até chegarmos ao topo.

Eu estava por cima, literalmente, vendo lá de cimatoda a cidade pequenina. Mais um desafio vencido e semque eu tivesse uma bicicleta. Ainda tinha que participardos Jogos do Sesi.

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Eu acima e o Adelmo ao lado,durante a subida do Pico do

Jaraguá.

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Na volta, nem preciso falar que foi uma delíciadescer o Pico do Jaraguá. O lado ruim é que foi muitorápido, você leva quase uma hora pra subir e nem 10minutos para descer.

Já na cidade fui ficando para trás, parecia que abike estava com o freio preso e a galera, sem muitapaciência. Resolvi parar e ver o que estava acontecendo.

Não é possível, não posso estar tão mal assim?Parei quase chegando na Vila Mariana, onde o Claudiãomorava, quando vi que o rolamento do eixo da rodatraseira estava quebrado.

Tudo bem que eu estava fora de forma, mas nãoprecisava exagerar. Finalmente chegamos e haviavencido mais uma etapa na preparação para os JogosOperários.

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Adelmo, Claudio e as magrelas. A cidade aos nossos pés.

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Mais um desafio

Hoje, quando me recordo, vejo o tamanho dabesteira que fiz ao tentar participar de uma corrida.Quanta pretensão minha, além de estar completamentefora de forma, nem bike eu tinha. Mais uma vez conteicom os amigos e usei a Caloi 10 do Claudio.

Das inúmeras dificuldades que enfrentei, conseguitirar algo de bom. Em primeiro lugar a experiênciaadquirida e em segundo lugar, saber que eu tenho amigose o quanto posso contar com eles.

Eu morava em Embu das Artes, naquela época,não tinha carro e a corrida seria em uma avenida naZona Leste, perto do metro Carrão. Para se ter uma idéia,o percurso era de 20 km, já a distância da minha casaaté o local é de quase 40 km. Eu nem consegui treinardireito para essa corrida, fui totalmente na raça.

Tentei algum apoio do grêmio da Comgás, mas omáximo que eu consegui foi que eles fizessem a minhainscrição. Não tinha como ir até o local, a não serpedalando, se fizesse isso me desgastaria de besteira.Então falei com o meu amigo, Flávio, que se dispôs ame levar. Dormi na casa dele e cedinho acordamos efomos para a corrida.

Ao chegar vi um senhor atrás de um carro, percebique ele estava pedalando numa bicicleta, mas não saiado lugar. Não entendi, achei muito estranho, não eraergométrica, era uma bicicleta mesmo, foi quando eupercebi que ele estava em cima de um rolo. Foi a primeira

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vez que vi um. Para quem não sabe, o rolo é umaestrutura de ferro com 3 rolos que fica no chão. Entãovocê equilibra a bicicleta sobre ele e começa a pedalar.

É um pouco complicado, pois a bike não fica presa,é mais ou menos a sensação de pedalar sobre umaesteira, caso você se desequilibre e saia do rolo, o tombopode ser feio.

Eu não tinha a menor idéia do que comer, muitomenos dinheiro. Como eu dormi na casa do meu amigopara ir com ele, não tomei um café da manhã muitoreforçado e eu não tive coragem de pedir algo mais, nãoqueria abusar ainda mais da boa vontade dele.

Acho que comi só uns pães de forma, isso se eucomi, nem me lembro. Apenas me lembro que bateu umafome e não havia uma padaria, ou algo mais confiávelpor perto. Foi quando avistei um “tiozinho” com um isopor.Ele estava vendendo aqueles iogurtes de morango.Naquela época era comum ver camelôs vendendo emsinais de trânsito.

Me lembro que, quando criança, nós fazíamos afesta quando meus pais compravam iogurte, pois nãoera qualquer um que tinha essa possibilidade. Acho queé por isso que ainda hoje, sempre que posso, me divirtocomendo esses danoninhos.

Comprei então um iogurte e mandei para dentro.Enquanto me preparava chegaram duas Kombis, umacheio de atletas e outra cheia de bicicletas. Era a equipeda Caloi.

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Achei uma covardia eu me matando para poderparticipar da corrida e eles chegando em equipe, commecânicos, médicos, etc. Daqui a pouco chega mais duasKombis, agora com a equipe da Eletropaulo.

Naquele momento, já comecei a perder a corrida.Enquanto os caras chegam com equipe, comendo lanchenatural, bem preparados e dispostos, eu estava ali,detonado, raquítico, fora de forma e com uma enormefome. Na época eu deveria pesar uns 65 quilos, tanto éque a roupa de ciclista, ficava folgada em mim. Reparemna foto, a roupa era a mesma, por sinal a tenho até hoje.Estava começando com uma volta atrás.

Como eu nunca havia participado de uma corridanão tinha muita idéia do que fazer. Tentei me basear nasnarrações das São Silvestre onde eles falavam dos

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A esquerda eu antes da corrida e a direita uns 3 anos depois, com oClaudio, na viagem a Ibiúna. Para se ter uma idéia do nosso preparo,nesse dia quebramos nosso recorde de velocidade, atingindo 86km/h,descendo a serra de São Roque.

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coelhos que saem como loucos na frente e pensei: “voudeixar os caras se matarem lá na frente e depois eu pegoeles na resistência”.

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Nem preciso falar o queaconteceu, né?

Na largada a galera saiu com força e eu fui ficandopara trás. Tinha um cara que me passava, daí eupedalava, ficava um pouco atrás dele e o ultrapassavanovamente, fomos assim por várias voltas. Não sabiaque existia vácuo no ciclismo, nem tinha noção dadiferença que ele faz.

Continuei e percebi que todas as vezes quecompletava a volta, o pelotão que estava na frentechegava cada vez mais perto de mim. Então eles foram

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Largada para os Jogos Operários do Sesi.

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chegando, até que chegaram de vez. Nessa hora pareciaque a bike estava mais leve e eu conseguia pedalar juntocom o pessoal.

Minha velocidade média pulou de 30 para 45km/h.Continuei então por quase uma volta, quando, de repente,começo a sentir uma fisgada no músculo da minhapanturrilha(batata da perna). Essa fisgada foi aumentandoa cada giro que dava no pedal.

A dor começou a aumentar, aumentar, até que nãoagüentei mais, parei e me joguei no chão. Nossa comodoía, neste momento o Flávio vem no meu socorro, poisele achou que eu havia caído. Chamou um médico quedisse que era câimbra apenas. Mas isso foi o suficientepara eu desistir da corrida.

Todas as vezes que me lembro da situação, olhoas fotos, vejo o quanto eu estava mal e mesmo assimainda acreditava que um dia iria fazer a viagem do RioTietê. Aquela que profetizei numa tarde de 1993. Haviamse passado dois anos.

Hoje percebo claramente que estavacompletamente fora de forma, mas ainda bem que eunão tenho a experiência de hoje. Ainda bem que eu eraum idiota, pois se eu fosse uma pessoa consciente comohoje, provavelmente teria desistido da minha viagem logoapós este desastre.

Como sempre continuei minha vida na pindaíba1 enão tive mais tempo, nem dinheiro, para comprar umabike nova para mim. Resolvi tirar minhas férias.

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1. Sem dinheiro.

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Conversando com o Claudio percebi que as datasde nossas férias bateriam. Então sugeri fazer uma viagemjuntos. Pensei em passar uma temporada na casa dealgum amigo no litoral ou na colônia de férias da empresa.

Teria que ser algo barato, já que eu não tinha muitagrana. Foi quando ele deu a idéia de continuarmos aquelaviagem fracassada de 1994, para Peruíbe.

Falei que tudo bem, o problema seria a bicicleta.Eu ainda não tinha uma. Mais uma vez apelei para osamigos, desta vez meu chará, o André, que trabalhavacomigo na Comgás.

Além da amizade, tínhamos em comum o fato deleparticipar da minha banda. Isso mesmo, além de tudoisso, eu ainda me metia a besta em fazer música. Elehavia comprado, a pouco tempo, uma bike CaloiAluminium e resolveu me emprestar.

A peguei quase dois meses antes das minhas férias,assim tive um pouco mais de tempo podendo melhor mepreparar para a viagem. O tempo foi passando e pareciaque a bicicleta era minha. Tenho certeza que ele jamaisa pediria de volta, mas prometi a mim mesmo que, quandotivesse dinheiro a compraria e pagaria bem mais do seuvalor.

Daria o dinheiro sem avisar, simplesmente ochamaria de canto e com o dinheiro na mão e oentregaria. Sem falar “tal dia eu te pago”, assim não criariaexpectativas e recebendo um dinheiro que não estivessecontando, sem dúvidas, faria melhor proveito. Outra

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vitória, pois um dia consegui fazer o que pretendia,contarei detalhes em um outro livro, se Deus quiser,seguindo essa linha cronológica.

Equipei a bicicleta do meu amigão, coloquei umbagageiro, velocímetro, lanternas e demais acessórios.Mais um pouco de treino e estava pronto para pedalar.Até onde? Nem nós sabíamos.

Começamos a planejar a viagem, nossa únicacerteza é que desceríamos a estrada Velha de Santos,portanto adaptaríamos nosso trajeto para este fim. Masdeveríamos descer de madrugada, para pegar o guardadormindo e pular a cancela à surdina.

Lá no litoral pedalaríamos até Itanhaém, ficandoacampado na casa do “Linha” (o nome dele é Ademir,outro funcionário gente boa da Comgás, que liberou oquintal da casa dele para gente). Depois seguiríamosaté Iguape, cidade onde a galera da empresa sempreviajava, pois já havia alguns esquemas para eles.

Claro que o esquema é mulher, como havia um hotelque eles sempre ficavam, combinamos de passar por láe ficar com eles durante o final de semana. A diária era50 reais, podendo hospedar até cinco pessoas noapartamento, saindo assim, 10 reais por cabeça.

De lá iríamos para Cananéia, até lá nunca tínhamosido, portanto, haviam duas opções. A primeira era ir pelaestrada, uns 100km de distância, a segunda era ir pelapraia da Ilha Comprida.

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Esta ilha parece um salsichão, tem 60 km decomprimento e uns 6 km de largura em média. Noextremo norte tem uma balsa que liga a ilha a Iguape. Jáno extremo sul outra balsa que a liga com Cananéia.

Depois de Cananéia, nossa intenção era subir atéa Eldorado e conhecer a Caverna do Diabo.

Isso era o que havíamos planejado, mas logo aliaprendemos que para uma viagem de bicicleta tersucesso, só planejamento não bastaria. Deveríamos tertambém muito jogo de cintura, coragem e sensatez pararesolver todos os problemas que aparecem nessasocasiões.

Portanto, com tudo esquematizado e planejado,vamos para o mais importante: a viagem.

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Sampa – Cananéia – janeiro de 1996

Experiência é tudo, é gostoso visualizar a nossaevolução durante os anos. Hoje quando me lembro dospreparativos para esta viagem, fica muito claro eu haviamelhorado muito desde o primeiro passeio, mas haviaainda muito a aprender.

O Claudio se deu um pouco melhor, devido ao fatode ter sido escoteiro. Assim ele pôde utilizar todo seuconhecimento adquirido no escotismo. Mesmo assim,ainda muitas surpresas estavam a nós reservadas.

Tentamos planejar, da melhor maneira possível,esta viagem. Primeiro passo foi arrumar uma bicicleta egraças ao meu amigo e xará, André, garanti o meu meiode transporte. O roteiro já estava planejado. Então erasó cair na estrada e se divertir.

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Saída da casa do Claudio na Vila Mariana.

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Saímos de São Paulo no dia 31 de janeiro de 1996,às 22:20h, do prédio do Claudio na Vila Mariana. O pontode partida foi assim escolhido porque era mais próximoda rodovia Anchieta.

Por um dos motivos da primeira viagem, resolvemossair neste horário para chegar na cancela da Casa daMarquesa por volta da 01:00 da manhã de quinta.Provavelmente o guarda estaria dormindo e poderíamoscruzar a cancela sem chamar atenção. Para nãoacontecer como naquela noite de 1994 onde ficamos das23:00 até as 01:00 esperando o guarda dormir.

Graças a experiência da última tentativa, resolvi quenão levaria bagagem nenhuma nas costas, comprei umbagageiro, arrumei um saco bem grande para o caso dechuva e amarrei bem a minha mala e a barraca nobagageiro.

O Claudio adaptou um antigo alforge de moto, asua bike, mas não levou em consideração meus apelos,e resolveu levar nas costas, a mesma mala da outraviagem.

Aquela curta aventura, quando tentamos chegar aolitoral, foi o suficiente para eu prometer nunca maispedalar com uma mala nas costas. Como meu amigonão chegou a sofrer tanto, deixou para sofrer dessa vez.Colocamos nossos “pinicões” na cabeça e tocamosviagem.

Não tivemos muitos problemas no começo, indopela Anchieta numa boa até chegar em Riacho Grande,

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início do Caminho do Mar. Lembrei-me daquelescachorros punks que nos aterrorizaram na outra viagem.A minha sorte foi que eu havia aprendido uma novatécnica com meu irmão, para afastar os dóceis cães.

Uma vez quando pedalávamos numa tremendasubida perto de casa, um cachorro saiu correndo atrásde nós. Por instinto, tirei a bunda do selim e pedalei.Então o cachorro preferiu atacar meu irmão, que nãotinha o mesmo pique que eu, instintivamente ele pegoua caramanhola e chuá!!! Atirou água no cachorro, queno mesmo instante correu como um vampiro da cruz.

Que idéia sensacional, quer dizer que eu pedaleifeito um condenado daquela vez, por pura falta decriatividade e raciocínio rápido. Então adentramos naestrada, armados de garrafas nas mãos. Por incrível quepareça, não víamos cães. Deviam estar em greve, já quenenhum se atreveu a nos atacar.

Melhor ainda, nós é que estávamos em melhorforma, pois quando eles nos ouviam, já estávamos muitopróximo, sem chances para nos alcançarem e muitomenos de dar o alarme para os demais.Notamos quealguns tentaram, mas não obtiveram sucesso.

Apenas quase no final, um solitário cãozinho nosaguardava no meio da pista. Só não esperava sermetralhado com água pela gente. Desta vez, o dia foi docaçador.

Chegamos então a cancela da Casa da Marquesa,uns 500 metros antes, apagamos nossas lanternas,

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faltando uns 200 metros descemos das bikes e seguimosempurrando-as sorrateiramente.

Não havia iluminação na pista próxima a cancela eocultos no breu, paramos, deixei a minha bike com oClaudio.

Caminhei até um cavalete na cancela, abri umespaço. Voltei e enquanto pegava a minha bike o Claudiojá havia passado a sua. Encostou a bike, correu parafechar o cavalete assim que passei pela cancela.

Enquanto nos preparávamos, uma luz se acendeuna guarita. Aquele abraço para o guarda, pois jácomeçamos a descida.

Logo após o primeiro susto. Vou narrar como sevocês estivessem ouvindo a versão do Claudio.

“Estávamos descendo a serra e segurando bem ofreio para não passarmos reto em nenhuma curva, nossavelocidade variava entre 50 e 60km/h, eu descia na frentee o André logo atrás, de repente, ouvi um ‘Kaplof’, seguidode um ‘tum’, ‘brek’, ‘bum’. Pensei, comigo, ‘acabou aviagem’. Nesse instante parei e olhei para trás, vejo oAndré de pé no meio da estrada, sem a bike. Que seráque esse cara aprontou?”

Como dito, estávamos descendo a mais ou menos50km/h, isso porque usávamos muito os freios, minhamão doía de tanto apertar o manete, já que a descida daestrada é “cavernosa”. Muito íngreme, as curvas as vezesparecem ser de 180º.

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A estrada não foi feita de asfalto comum e sim deplacas de cimento. que formam duas fileiras. Devido aomovimento da terra e a erosão, em certos pontos essasplacas se afastam muito, deixando um vão no meio dapista.

Estava justamente num trecho como este, quandoeu passei, mas a minha bike não. Ficou com a roda dafrente encravada no vão, mas eu continuei a descida, sóque sem a bike.

Mais uma vez a experiência falou mais forte, depoisde vários tombos a gente acaba “aprendendo a cair”, egraças também aos equipamentos de segurança, a luvae o capacete, quando cai no chão, a luva me protegeu,me torci no ar e cai rolando sobre a minha cabeça.

O único revés que tive foi uma ralada no cotovelodireito e uma luva rasgada. Acabei parando de pé, porincrível que pareça. Então voltei, peguei minha bicicletaque estava presa no vão, endireitei o guidão, tirei a poeirae continuei a viagem numa boa.

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Descendo a estradaVelha, logo após otombo que levei.

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Como narrei na primeira viagem, previmosencontrar um trecho onde a pista estivesse comproblemas de desbarrancamento, só não imaginávamoscomo estaria. Pelos boatos possivelmente a coisa haviapiorado. Depois de um bom trecho em descida pudemoscomprovar.

Simplesmente não havia mais pista e no meio delapassava uma corredeira. Grandes pedras devem terrolado e destruído a via. Da outra vez, apenas metadeda pista estava desbarrancada, desta vez a pista foilevada inteira morro a baixo.

Tivemos que desmontar as malas das bicicletas epassar pelas pedras, uma coisa por vez. Primeiro foramas malas e depois as bikes nas costas. Perdemos umameia hora no mínimo para vencer um trecho de 50 metros.

Continuamos, mas como desgraça pouca ébobagem, encontramos logo a frente um outro trecho,bem pior que o primeiro. No final da pista havia umpenhasco com, pelo menos, uns 100 metros de quedalivre. Novamente desmontamos tudo e fomos passandouma coisa por vez, mais uns 40 minutos perdidos.

Finalmente continuamos a nossa descida,chegando na cancela ao pé da serra, como sempre, nemperdemos muito tempo, passamos e ficou por issomesmo.

Entramos na Rodovia Pedro Taques e seguimosrumo ao litoral sul, inclusive, passamos em frente ao postoque paramos da última viagem. Eram mais de 3 horas

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da manhã. Não estava frio, tanto é que eu pedalava semcamiseta, com uma média de quase 20km/h. Podeparecer baixa hoje em dia, mas na época, estava sendoum sacrifício mantê-la.

Eu não conhecia bem o litoral, não tenho casa enem parente com casa na praia e, se não me engano,aquela deveria ter sido a quarta vez na vida que eu desciapara o litoral.

Já o Claudio era bem mais experiente neste ponto,tanto é que ele me mostrava um morro que terminavabem próximo a pista e falava que bem na frente deleestava o trevo de Mongaguá. Uma tentativa de meanimar, mostrando um objetivo visível.

O problema que esta rodovia é um retão sem fim,começa na Praia Grande e só termina em Peruíbe. Estetrecho tem mais de 60km só de reta. Da Praia Grandeaté aquele morro, teríamos que pedalar uns 20km.

O tempo ia passando e o morro não diminuía, eraincrível, aquela luta para a velocidade não cair abaixode 20km/h.

Nós brincávamos, dizendo que se a média fossede 30km/h estávamos bem. Se caísse para 25, teríamosque começar a se preocupar. A 20km/h era o limite, abaixodisto já poderíamos chamar o resgate e voltar para casa.

Depois de muito sufoco chegamos ao trevo deMongaguá às 5 da manhã. Jantamos dois pacotes debiscoito e tiramos algumas fotos.

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Faltava muito pouco para chegar em Itanhaém eprocurar a casa do Linha, nosso amigo da Comgás,saímos de Mongaguá e começamos a enfrentar novosproblemas.

Sabemos que em cidades Litorâneas e do Interior,a bicicleta é muito mais difundida como meio de transportedo que em São Paulo.

Na verdade, não tenho certeza do quanto a bicicletaé difundida como meio de transporte nas demais capitaise grandes cidades do nosso país, mas com certeza, achoque o valor e respeito a ela, é muito maior no litoral doque em São Paulo.

Devido ao relevo, trânsito e a falta de respeitos comos ciclistas, a grande maioria dos ciclistas de São Pauloutilizam a bicicleta apenas como lazer.

Em São Paulo, comparando com qualquer cidadedo país, existe um número proporcionalmente muitopequeno de ciclistas que a utilizam como meio detransporte.

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Breakfast às 5 damanhã no Trevo de

Mongaguá.

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Aqui é necessário ter um bom preparo para irtrabalhar de bicicleta todos os dias, a não ser que àdistância casa-trabalho seja inferior a 2 km, algo muitoraro de ocorrer.

Eu comecei a falar tudo isso porque, nesta hora,por volta das 5:50h da manhã é grande o número depessoas que vão ao trabalho de bike. Mas infelizmente,a grande maioria destes ciclistas tem o costume de andarna contramão, por achar mais seguro, o que não éverdade.

Qualquer problema que aconteça, nós estaremosindo de encontro aos veículos, sem contar o vento contraque pegamos quando estamos na contramão.

O correto e determinado por lei é que andemos nomesmo sentido que os demais veículos. Se por acasoalgum carro queira nos pegar, não importa se ele vemde frente ou de trás, ele simplesmente irá pegar.

Agora se a gente ficar com medo dos riscos quepoderemos correr, ainda mais quando não depende dasnossas ações, então que fiquemos trancados em casa,torcendo para que nenhum avião caia em nossascabeças.

Quase 6 horas da manhã e estamos muitocansados. A escuridão ainda tomava conta, já que nãohavia iluminação naquele trecho da estrada. Nossaslanternas, além de não iluminar nada, não tinham grandeautonomia de bateria. Não víamos nada, só o breu, derepente havia um vulto em minha frente. Tive tempo

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apenas de desviar. Enquanto me restabelecia do susto,um novo vulto apareceu novamente.

Era justamente a galera que estava pedalando nacontra mão. Até o raiar do sol, travávamos uma luta contraa sorte, torcendo para não trombar com nenhum vultoque aparecesse, de repente, em nossa frente.

Finalmente chegamos em Itanhaém, às 7 horas damanhã. Paramos em uma padaria e tomamos um café.Já devidamente “comidos” resolvemos procurar a casado Linha. Eu não tinha a menor idéia de onde ficava,mas o Claudio já a conhecia de outra viagem.

Então fiquei nas mãos dele, algo raro nas nossasviagens. Como em qualquer parceria, a nossa semprefoi boa, pois não havia grandes conflitos, cada um tinhauma certa incumbência, havendo respeito e confiançanas decisões do parceiro.

Aproveitamos as habilidades de “muquirana” doClaudio e sempre deixei com ele a administração dodinheiro. Ele controlava, fazia cálculos, sempre que queriaalgo tinha que pedir a ele.

Já eu, como sempre tive um bom senso de direção,era o navegador da parceria, sendo responsável por nosguiar. Graças a Deus nunca cometi um erro grave,apenas quando o mapa é quem esta errado.

Mas nesse dia fiquei a sua mercê, a casa ficava napraia Cibratel 2, depois da colônia de férias do Itaú. Senão me falha a memória, era praticamente a última praia

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de Itanhaém, logo após estava a praia da Gaivota, já emPeruíbe.

Avistamos a Colônia e caímos nas quebradas.Roda, roda, roda e nada de encontrar a casa. Pedala,pedala e nada. Já eram quase 10 horas da manhã.

Não sei como é hoje, mas naquela época, as ruaseram todas de terra e havia uma casa aqui, outra ali,não tinha como distinguir o que era lote e o que era rua,placas de sinalização então, era artigo de luxo.

Demos várias voltas e nada. Desistimos de procurar,já estavámos pregados, precisando dormir, saímos aprocura de um lugar para acampar.

Uma galera falou para subirmos uma rua que sairiano Camping. De repente, subindo a rua o Claudio avistauma casa no meio do nada e fala: “Brow, é aquela”.

Era uma casa sem vizinhos ao redor, nenhuma casaem volta. Não tínhamos as chaves, o que pedimos foium lugar para armar a barraca. O Linha até deixou acaixa d’água cheia para a gente.

Como havia muitas casas parecidas, confesso quefiquei cismado, na dúvida se não estávamos invadindo acasa de alguém, só acreditei mesmo, quando o Linha areconheceu pelas fotos.

Nem ele deve ter acreditado que iríamos. Até selamentou quando mostramos as fotos, dizendo quepoderia nos emprestar as chaves, mas nem era

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necessário. Para nós bastava um lugar coberto paradormir e nos proteger de uma provável chuva.

Entramos na casa e começamos a armar oacampamento. A altura o sono já batia forte demais,apenas armamos a barraca e desmaiamos por volta das11 horas da manhã.

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Na casa do Linha, fim da primeira etapa.106,70km pedalados em 5,11 h. Média de20km/h.

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Segunda Etapa: Itanhaém - Iguape

Acordei às 21 horas e olhei para o céu. Estava calor,mas no horizonte umas nuvens com trovões me deixaramapreensivo. Voltei a cochilar e acordamos em definitivoa 1 hora da manhã.

Sairíamos de madrugada, na expectativa de chegarem Iguape até o final da tarde, juntos com outros colegasde trabalho da Comgás. Iguape era a cidade para ondea galera ia em finais de semana e feriados para “azarar”.

O que não deixava de ser o nosso intuito também,como tínhamos mais uns 10 dias livres, passaríamos ofinal de semana em Iguape, junto com o pessoal que iriade carro. Nossos amigos já conheciam uma turma emIguape, inclusive a mulherada. Nossa intenção era aliviarum pouco daquelas tensões que os jovens na faixa dos20 anos geralmente tem.

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1 da manhã, arrumando as tralhas antes de cair no mundo.

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Havia outro do detalhe, era minha segunda vez emIguape, portanto eu já conhecia o Hotel Itaicy, aqueleque eu disse anteriormente, que a diária era de R$50,00.Como no apartamento cabe até 5 pessoas lá, pagaríamospor dia 10 reais para cada um.

Outro atrativo, é que no apartamento tem umacozinha bem equipada. Assim nós faríamos as comprasno mercado, para fazer a própria comida.

Como iríamos nos encontrar com mais 3 pessoas ,gastaríamos no máximo uns 20 reais cada. Perfeito, poisnossa grana estava curta.

Mas vamos voltar para viagem, pois ainda nemsaímos de Itanhaém.

Até arrumar toda a tralha, conseguimos sair as 2:30da manhã. Entramos na Rodovia Pedro Taques, sentidoa BR-116. Eu nunca fui muito fã de pedalar no breu, já oClaudio parece que só funciona de noite. Vamos emborafazer o quê? Aquela reta sem fim, numa escuridão ondevocê não consegue enxergar nada.

As lanternas já haviam ido para o espaço, pois aspilhas acabavam muito rápido. Mesmo assim, com elasou sem nada, não fazia muita diferença. Um pouco decalor e umas trovoadas em nossa direção. Era só o quefaltava, chover bem agora.

Nesta viagem estávamos preparados para a chuva,mas ninguém gosta de pedalar debaixo d’água. Derepente a chuva apertou com força e para a nossa sorte

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estávamos bem perto de um posto de gasolina fechado.Chegamos ao posto às 3 da manhã e ficamos esperandoa chuva passar.

As horas iam passando e aquele barulho infernaldas gotas caindo na telha de ferro do posto. Ao lado doposto havia um bordel, e como estava noite e com muitachuva, não parecia haver muito movimento.

Já eram 4 horas e as poças de água começam ainvadir um lugar que a pouco estava seco. Repeteco daprimeira tentativa de viagem, quando tivemos que abortarpor causa da chuva.

Como era verão e esta devia ser uma chuva daépoca e não uma frente fria, nossa esperança é que logoacabasse. Já era 5 horas da manhã e eu não agüentavade sono e frio, as poças de água já invadiram todo oposto de gasolina.

3 da manhã, esperando a chuva passar.

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Em um puro ato de desespero, tento achar umaporta naquela casinha dentro do posto. Ela estavatrancada, queria achar algum lugar que eu pudesse daruma cochilada.

Olhamos para o bordel. Por incrível que pareça, aprimeira coisa que venho em mente foi se daria paradormir lá. Mas, como havia dito antes, com pouco dinheironão dava nem para tentar entrar para perguntar.

Sem ter aonde dormir e praticamente dominado pelosono, maliciosamente, o Claudio tira uma foto bemquando estava no único ponto onde poderia sentar semmolhar a bunda. Ainda tem coragem de falar que fiqueiesperando o posto abrir para poder abastecer.

5 da manhã. A água já invadiu o posto.

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Seis horas da manhã e a noite começava a irembora levando consigo a chuva. Como a pista aindaestava molhada, ensacamos nossas malas e caímos nomundo.

Passamos, até que enfim, por Peruíbe ondefinalmente o vento faz a curva para um lado e a estradapara outro, entramos na SP-165, famosa Estrada daBanana. E como tem bananeiros nesta estrada, pareceque só dá isso naquela região.

Chegamos em Pedro de Toledo às 9 horas damanhã, parada para o café. Por coincidência o dono doestabelecimento conhecia meu ex-sogro que tinha (achoque ainda tem) uma casa em Peruíbe. Sempre que iapara lá por esta estrada, tomava um café nestalanchonete.

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9 horas, vai um cafezinho?

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Voltamos para a Estrada da Banana, pois aindateríamos que encarar uma pequena serrinha, já queestávamos no nível do mar e até Miracatu deve se elevaruns 300 metros.

Infelizmente ou felizmente, não existe uma maneirade percorrer todo litoral de São Paulo só pelas praias. Éque depois de Peruíbe, começa a o Parque Estadual daJuréia, umas das poucas áreas de Mata Atlântica nativaainda preservada. Até índios ainda vivem lá, embora jácivilizados mas ainda inimputáveis.

Para se chegar até o outro lado da Juréia temosque dar esta volta, não existe outra maneira, a não serpelo meio do mato, mas aí só com uma autorizaçãoespecial.

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Depois da pequena serrinha, entrando na BR-116.

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Depois de uma pequena serra, entramos na BR-116, são 18 quilômetros até a SP-222, a estrada que noslevaria a Iguape. Logo no começo, mais uma serra. São8 quilômetros de subida até chegarmos no topo.

Neste momento o Claudio começa a sentir asdesvantagens de ter trazido uma mala nas costas. “Brow,minhas bolas adormeceram”. Provavelmente resultadoda pressão que ele é obrigado a fazer contra o selim,graças aquela enorme mala.

O pior que estávamos no meio da subida, e não dápara parar antes de se chegar no topo. Mas com umpouco de sofrimento, finalmente chegamos. No alto temuma bica e a divisa de Iguape com Miracatu.Aproveitamos a parada estratégica para o Claudiodescansar e para um “miojão” básico.

Hora da alegria, hora da descida, uma ladeira ferozque descemos a mais de 70km/h. Que delícia, embora onosso recorde seja 86 km/h, esta descida é gostosaporque é longa, com mais de 6 quilômetros.

Depois da descida estávamos no nível do mar, ai ésó reta, quase 40 km até Iguape. Para variar, semprefugindo da chuva, às vezes não tem jeito, temos queencarar.

Seguimos na estrada dos retões intermináveis, vocêpedala uns 5 quilômetros e chega numa curva, mais 6 eoutra curva, pelo menos é de dia e dá para admirar apaisagem. Num desses retões quem vemos bem nanossa frente?

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A chuva é claro, paramos embaixo de um ponto deônibus, para dar um tempo e empacotar as malas.

Ai eu comecei a perceber o quanto é importante terum Claudio na bagagem. Falei para ele, “Poxa brow,estava querendo beber algo, mas não água e sim algomais denso, como leite, sei lá” e ele me responde, “Nãoseja por isso”.

Nessa hora ele abre a sua mala, tira uma caixaredonda de plástico, parecida com essas ondeguardamos anzóis de pesca, e em um doscompartimentos, retira algo embrulhado num papelalumínio, “Toma! Leite em pó”. Nessas horas vemos oquanto é bom ter um amigo “Macgyver”1.

Com as bikes devidamente empacotadas,seguimos. Depois de vários retões chegamos até umaponte que liga o continente à região central de Iguapeque, na verdade, é uma Ilha circundada pelo Rio Ribeira

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Ao fundo o que temos? a chuva é claro.

1. Série da tv onde o personagem principal inventava bombas com o que tinhanas mãos.

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do Iguape. Depois da Ponte temos mais uns 5 km atéchegar na cidade.

Mas quando tudo parecia perfeito, começo a sentira bike pesada. Pedalo com toda a força e nada, o Claudiocomeça a disparar, sem muita paciência. Ele deveriaachar que eu estava fazendo corpo mole. Até eu achava.

Não agüentando mais resolvi parar e ver o queestava acontecendo, se o problema era a bike ou ociclista. Desço da bike e vejo a roda traseira encostandono quadro. Meu pneu era daquele “trator”, ou seja, comdentes, próprio para cross e não slick. O atrito do pneudeixou uma marca no quadro e fez comer vários dentes.

Aos trancos e barrancos alcancei o Claudio queme esperava na entrada da cidade. Mostrei para ele oestrago na minha bike, quebraram-se dois raios e aindaentortou o eixo. Assim ele viu que não era frescura.Chegamos na cidade por volta das 16:30h, até entãohavíamos percorrido quase 260km.

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Fim da segunda etapa. 257,98 km percorridos em 13 horas e 12minutos. Média de 19,5 km/h.

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Gostoso nessa hora é sentir a reação das pessoas.Não é a todo o momento que duas pessoas de bicicletase cheias de bagagem chegam a uma pequena cidade.Ainda mais a esta onde o município mais próximo fica a50 km dali.

Sempre que chegamos em algum lugar,primeiramente damos uma volta com as bikes pelacidade, assim reconhecemos o terreno, o que ajuda ame orientar.

Quase sempre paramos em uma lanchonete paracomer algo, não demora muito para sermos abordadoscom perguntas, entre elas a clássica “estão vindo deonde?”.

Isto acontece quase sempre e tentamos ser tãosimpáticos como eles. Geralmente o papo começa comum e logo estamos cercados por várias pessoas, ouvindoatentamente a narração das nossas aventuras erespondendo o resto de dúvidas do pessoal.

Às vezes alguém fala que nos viu na estrada. Eu,particularmente acho esta parte a melhor da viagem, umasensação de “vencemos e conseguimos”, algo muito bom.

Nesse momento estamos com um astral muitoelevado, acho que devemos emanar uma energia tãopositiva, que faz com que as pessoas se aproximem paraum papo de compadres.

Depois do “tur” pela cidade, demos entrada no hotele saímos para fazer compras. A essa altura, nossos

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camaradas deviam estar saindo de São Paulo echegariam, provavelmente, às 21:00h.

As horasp a s s a r a m ,preparamos nossorango, um hot-dogc a p r i c h a d o .Comemos e demosuma descansadabásica. Já eram maisde 10 horas da noitee nada dos caraschegarem, comecei aficar preocupado.

Se elesfurarem, estamosperdidos, vamosdeixar toda a nossagrana no hotel. Paratentar esquecerdecidimos nos trocare cair na noite,encontramos umagarota, rolo de umdos nossos amigos.

Comentamos que a galera estava por chegar, entãoela nos falou que ouviu no Jornal uma notícia sobre umproblema na BR-116. Um buraco que se abriu no meioda estrada não deixando ninguém passar.

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Um bom Macgyver tem que saber cozinhartambém.

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Infelizmente ela não tinha maiores detalhes,começou então a torcida para que isso não impedisse opessoal. Perto da meia noite o Claudião já começa aresmungar, reclamando do sono.

Realmente ele nunca foi chegado numa balada,mesmo assim nós estávamos cansados, 24 horas no ar,desde Itanhaém e eu não conhecia a galera de lá comomeus amigos. Resolvemos ir dormir e esperar o diaseguinte quando, provavelmente, alguém haveriachegado.

Acordamos no dia seguinte e fomos passear pelacidade, pegamos a balsa, demos um pulo na IlhaComprida, voltamos a encontrar nossa coleguinha eperguntamos se tinha notícias.

Realmente havia aberto uma cratera no meio darodovia pegando as duas vias da BR. Não passavaveículos de lado algum, o pior é que a cratera abriu bemno trecho entre a Estrada da Banana, aquela quepegamos vindo do litoral e a SP-222 que liga Iguape aBR, não tinha nem como eles virem pelo litoral, ficamosilhados.

Nessa hora comecei a me preocupar com a grana,sem os caras para rachar o apê, nem sei se daria praficar ainda hospedado lá, devíamos ter uns 200 reais eiríamos gastar pelo menos 100 com a hospedagem.

Começamos a procurar outro lugar para ficar, masos poucos que haviam não tinham vagas. Poderíamosaté ter ficado em uma barraca, mas ai já é muito arriscado.

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O final de semana foi muito ruim, como abriu aquelacratera, não havia quase ninguém na cidade. As poucasmulheres que haviam, só queriam saber de cara comcarro. Nenhuma queria andar no nosso bagageiro.

Sem muita opção resolvemos ficar no hotel. Essaidade é complicada, devido a enorme quantidade dehormônios, arriscamos até o último momento para tentaralgo, mas saímos de lá sem arrumar ninguém e semdinheiro.

Gastamos 100 reais que não podíamos e tivemosque apelar para o bom coração do dono do hotel, quequeria cobrar mais um dia de diária, porque a gente iadormir do domingo para a segunda. Depois de muitoimplorar eles nos deram o dia de graça.

Falei para eles que estávamos fazendo umaviagem, que faríamos uma matéria numa revistaespecializada e que colocaria uma menção na matéria.

Não fiz nenhuma matéria para revista nenhuma,mas já que agora tenho a chance, não me custa nadafazer a propaganda, afinal eles foram muito legais eatenciosos com a gente.

Quem um dia quiser ir para Iguape, fique no HotelItaicy, um local maneiro, bem limpo e aconchegante,ficava na Rua São Miguel, 123. Nem sei se ainda existe,mas se existir e ainda tiver como na época, vale a pena.Tem até ar condicionado.

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Terceira Etapa: Iguape - Cananéia

Depois de um final de semana onde não comemosninguém, resolvemos nos dedicar ao que estavarealmente nos dando prazer, ou seja, pedalar. Havia duasmaneiras de chegar em Cananéia. A primeira era pegaruma estrada até Pariquera-Açu. A segunda era ir pelaIlha Comprida, direto pela praia.

Perguntamos para várias pessoas e não achamosninguém que havia ido pela praia. Então, por onde ir? Éclaro que o melhor lugar é por onde ninguém foi: pelaIlha.

A Ilha Comprida tem esse nome porque realmenteé comprida (Dãaa). Ela tem 70 quilômetros de extensãoe 6 quilômetros, em média, de largura.

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Pedalando na Ilha Comprida em direção a Cananéia.

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A região habitável, pelo menos naquela época,antes do término da ponte que liga Iguape a IlhaComprida, eram as extremidades. A ponta norte próximaa Iguape, bem mais populosa, e a ponta ao sul, próximaa Cananéia, ou seja, no miolo, haviam trechospraticamente desertos.

O vento soprava em nossas costas, fazendo a gentegirar a 30km/h de média. Diminuíamos o ritmo sempreque havia aqueles esgotos, muito comum no litoral. Nãoqueríamos encher a bike de merda.

Na verdade, nosso cuidado era evitar que as peçasmais expostas da bicicleta, corrente, catraca erolamentos, tivessem o menor contato possível comaquela água salobra. Já que a maresia faz um enormeestrago nas peças de ferro.

Nesse momento aconteceu uma cena triste , mastriste ao mesmo tempo. Vimos uma criança brincando,com a maior naturalidade naquela água. Quem costumair a praia sabe bem do que estou falando.

Aqueles esgotos mesmo, que ninguém temcoragem de pisar. A criança metia a mão, rolava, depoisenfiava a mão na boca e tudo isso bem na frente damãe, tia, sei lá o que era.

A cena era bem bonita, aquela tia gorda com aquelemaiô “despenca, mas não cai”, esparramada na areia eao lado, a criança com a boca no esgoto. Bem na horaque passei, o Claudio grita: “Pô André, passa devagarsenão esse esgoto vai encher a bike de merda”. A tia

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ficou olhando para gente como se pensasse: “Tem merdaai?”.

Esses obstáculos eram bem comuns, mas quantomais nos afastávamos da civilização, a quantidadedesses rios ia diminuindo. Foi assim por um bom tempo,sempre diminuíamos o ritmo para passar devagar.Acontece que não encontrávamos apenas canais feitospelo homem, havia alguns naturais também.

Depois de tantos cuidados para não molhar abicicleta, encontramos um rio aonde a água ia quase atéo joelho, cruzamos por uns 3 rios como esse no trajeto.Bem, pelo menos não é cheio de merda, né?

Eu adoro mapas e sempre ando com um, nãoimporta aonde eu vá. Quando viajo, as vezes chego aparar nas cidades só para comprar um. Eu adoro ficar

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Depois de passar devagar pelos esgotos, evitando molhar a bike,olhe o que encontramos no meio do caminho.

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estudando, analisando o melhor caminho, o mais curto,etc. Pelo mapa sabia que aquela região parece umarquipélago, pois Ilha do Cardoso, Ilha Comprida,Cananéia e Iguape, são ilhas ligadas com o continente,quando muito, por pontes ou balsas.

O engraçado é que quando olhamos o mapa, aindamais quem mora em São Paulo, tem uma sensação deque se você esta no mar e quer ir para a BR, terá quesubir a serra. Como depois de Cananéia tentaríamos iraté Eldorado, nossa impressão era que teríamos quesubir a serra novamente, para desespero nosso.

Bem, como vocês podem ver nas fotos, achamosque aquela imensa montanha a nossa frente era a serraque deveríamos subir para chegar em Eldorado. Só deolhar ficava desanimado, mas faltava muito ainda, nossovelocímetro não marcava nem 300 km. Aliás, jápedalamos quase 300...

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A frente a Ilha do Cardoso. Montanha que achávamos ser aSerra do Mar.

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Os quilômetros iam passando, a civilização também,a esquerda o mar, a direita só mato. Às vezes algumaspequenas Dunas. Para trás um final de semana commuitas dores de cabeça. À frente apenas novidades econquistas.

O velocímetro marcava 298 km. Vi que estavachegando a hora de finalmente dividir meu sonho comalguém. Aquela viagem maluca que um dia idealizei,quando atravessava uma ponte, a pé, sobre o rio Tietêem 1993.

Se já esqueceu leia as primeiras linhas deste livro.Até este momento, ninguém sabia deste meu sonho,apenas meu amigo Isaac, que trabalhava na xerox daComgás.

Contei a ele por acaso, no calor de um bate papo,falei como quem quisesse desabafar. Nessa hora ele ficouquieto por alguns segundos. Logo imaginei que viriaalguma piadinha tirando um sarro da minha cara, comosempre fazia. Sem falar nada ele apertou a minha mão edisse:

“Se ouvisse isso da boca de qualquer outra pessoaeu daria risada. Mas como ouvi de você e te conhecendo,como conheço, sei que um dia você irá conseguir e estareido seu lado nesse dia.”. Fiquei branco perto do negão,depois disto não tive coragem de contar a mais ninguéme olha que eu sou boca mole.

Nem ao Claudio tive coragem de contar. Mas haviaprometido a mim que faria a viagem de qualquer maneira,

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caso atingisse os 300 km em perfeitas condições, semnenhuma ajuda a não ser das minhas pernas.

Até aquele momento nem eu acreditava queconseguiria tal façanha, mas naquela praia maravilhosa,o sol praticamente a pino. Eu transpirava alegria, umaenorme satisfação de ter conseguido chegar até ali. Euma sensação de que poderia ir muito, mas muito maislonge.

299 km, começa uma contagem regressiva, nossosvelocímetros marcam uma pequena diferença naquilometragem, questão de metros, então começamos acontar o que estava menor.

299.1, 299.2, 299.5, faltavam apenas 500 metros.Pedalávamos mais forte. 299.7, 299.8, 299.9, menos de100 metros, eu estava bêbado de tanta alegria, quebravaali todos os meus recordes pessoais. E pensar que aalguns anos atrás eu quase desmaiei depois de pedalar15 km.

Olhei para o velocímetro, marcava 299.99. Nãoexiste um número que simbolize mais a superação doque o 9, quem não se lembra da virada do milênio, mesmosabendo que a virada se daria apenas no final de 2000.Quantas foram as pessoas que fizeram questão decomemorar em 1999?

Foi a primeira vez que este número realmente teveum significado importante na minha vida. A primeira demuitas outras e, se Deus quiser, aparecerá mais vezes.Já imagino o meu 99º aniversário. E se depender apenas

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de mim e da ciência este número vai aparecer no 199º.TREZENTOS QUILÔMETROS !

Uma gritaria frenética ecoa naquela praia deserta,não me continha, nem queria mais parar de pedalar. Eugritava, erguia os braços para comemorar, ninguém comotestemunha, só meu amigo e Deus, naquela praiacompletamente deserta, apenas duas figuras queacabaram de vencer, até então, o maior desafio de suasvidas.

Nessa hora, não existe nada melhor do que criarum desafio ainda maior. Então eu disse “Brow, na nossapróxima viagem, cruzaremos o estado de São Paulointeiro, beirando o rio Tietê, até a divisa de São Paulocom Mato Grosso do Sul”.

Percebi que ele deu uma engolida seca, paraemendar disse na mesma hora: “Isso é só o começo,ainda temos o Brasil e o Mundo para desbravar”.

Antes mesmo do Claudio tentar pular fora, algunsquilômetros a frente, logo após um outro rio daquelesque desemboca no mar, avistamos um carro.

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Pode comemorar... 300 quilômetros.

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De longe parecia um Jipe, de perto percebemosque era um Gurgel. Aliás faz muito tempo, que eu vi umcarro desse. Sinal que estou ficando velho. Como foi oprimeiro ser humano que vimos depois de horas, paramospara conversar.

O Senhor estava com a mulher, seu filho e se nãome engano mais alguém, não sei se era a sua mãe ousua sogra. Não me lembro direito, mas acho que seunome era Fernando.

Ele começou a perguntar de onde vínhamos, elevou um susto quando falamos que era de São Paulo, oengraçado é que ele, como todo mundo que, ou ficasabendo das nossas viagens, ou que nos encontra nasestradas pergunta se temos patrocínio. Se elessoubessem o quanto isso é complicado...

Bem, claro que falamos que não, nem sabia seconseguiríamos chegar, quanto mais formalizar umcompromisso com uma empresa. Aproveitei o momentoe falei que queríamos fazer, no ano seguinte, a viagemdo Tietê.

Expliquei a idéia da viagem, se bem que, naverdade, o Claudio compreendeu o projeto junto com oFernando, porque logo depois daquele momento deeuforia, não tocamos mais no assunto, Ficoucompletamente no ar, como mais uma piração minha.

Mas nessas horas é que acredito que Deus existe,e sempre que pode, dá uma mãozinha para gente. Nãoé que esse cara trabalhava na Cetesb em São Paulo?

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Coincidentemente uma estatal, onde constantemente iafazer alguns serviços para a Comgás.

Além de trabalhar na Cetesb, ele conhecia pessoasimportantes, nos deu o telefone do Sr. Mario Mantovani.Na época era o presidente do SOS Mata Atlântica. Duvidoque iria passar pela minha cabeça procurar eles, masaquele encontro fez com que eu decidisse levar a sériominha loucura.

Sem dúvidas, nossa responsabilidade começou acrescer ali, logo que voltei a São Paulo, na mesmasemana os procurei. Foi quando eu conheci o Samucaque trabalhava no Núcleo Pró-Tietê. Hoje ele está naWWF. Ele foi muito atencioso e nos ajudou demais. Elee toda a galera da SOS que participaram do projeto, foramfundamentais para o sucesso da viagem do Tietê.

Olha eu novamente fugindo do assunto, nemchegamos em Cananéia ainda, portanto de volta a praia.Nos despedimos do pessoal e continuamos a pedalada.

Chegamos então no trecho da Ilha Compridapróximo da estrada que leva a Cananéia. Como disseantes, a Ilha Comprida tem habitantes apenas nas duasextremidades. No norte perto de Iguape e no sul próximoa Cananéia.

A parte da Ilha com Iguape é bem povoada, emborasem muita organização. Vários loteamentos clandestinos,é sem dúvida a parte feia da Ilha. Já no outro extremonão há muitas casas, apenas alguns quiosques e umaestrada de terra. Pelo menos na época existiam apenas

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algumas casas na beira da estrada principal e em umapequena rua paralela a praia, dava pra contar, havia nomáximo umas 20 casas em toda a praia. Um verdadeiroparaíso.

Como nosso dinheiro havia praticamente acabado,ficamos procurando um bom lugar para acampar. Na praiahavia alguns quiosques e o primeiro que vimos,conseqüentemente, o mais longe da estrada principal,era bem bonitinho. Tinha uma cobertura boa, perfeita paranossa barraca. Havia até como esticar uma rede.

Já tínhamos onde acampar, mas antes precisamosconhecer Cananéia. Mais 3 km e cruzamos a ilha, ondetem a balsa que leva a Cananéia.

Perto da balsa havia alguns quiosques vendendoporções, sucos, cervejas, essas coisas, um clube depesca e uma pequena prainha. Algumas criançasnadando e outras subindo no píer da balsa e mergulhandono canal. Nem pensei duas vezes, arranquei a minharoupa, fiquei só de sunga e dei vários “tchibuns”. Quedelícia.

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Final da terceira etapa.342,98 km em 17,51hs.Média de 19 km/h. E unstchibuns, afinal ninguémé de ferro.

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Quarta Etapa: Cananéia - Paraná

Chegamos em Cananéia por volta de 2 horas datarde. Nosso estômago estava nas costas. O dinheirosuper contado, pelos nossos cálculos poderíamos gastarsó 5 reais por dia cada um. Loucura total.

Primeira atitude foi procurar uma bicicletaria.Conhecemos então o seu Ninho, uma pessoa muitosimpática, que nos deu uma grande força. Tambémindicou um restaurante na avenida, com o nome deBacharel.

Conhecer o seu Ninho foi muito bom, graças a Deusnossos caminhos se cruzaram várias vezes, não só nestaviagem como vocês ainda poderão conferir. No caminhodo restaurante, paramos em alguns outros para compararos preços.

Estava girando em torno de 6 a 7 reais por cabeça.Começava a entrar em desespero, quando estou comfome fico muito nervoso, irritado. Este é um momentocrítico para mim, caso alguém me aborreça durante essafase, posso até de perder a cabeça.

Ficava xingando até a 50º geração dos meusamigos, como eles não foram para Iguape conformecombinamos, tivemos que gastar 60 reais a mais doplanejado, consequentemente quebrando nossas pernas.

Depois de uma pesquisa que só nos irritava (nósnão, mais a mim, pois o Claudio estava até que tranqüilo),chegamos ao Bacharel.

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O preço do comercial com bife era 5 reais. Eu,completamente atordoado de fome falei: “Vamos logocomer nesse restaurante então”, pedimos doiscomerciais. Enquanto esperava, contamos nossa históriae eu sempre resmungando.

Conhecemos o Pop, gerente do restaurante e oAgnaldo, que trabalhava na cozinha. O Pop perguntou oque íamos beber e na lata respondi “Água!”. Então eletrouxe uma garrafa de 1 litro e meio.

Como a sede era muita, bebemos tudo, assim quechegou. Não demorou e ele trouxe uns pães e um molho.Bravo perguntei: “Tem que pagar isso?”. O Pop disseque não, que estava incluso no preço.

Ainda bem, porque estava uma delícia. Comemostudo muito rápido e logo que acabaram-se os pães.Chegou a hora de chegarem os pratos. Primeiro umatravessa enorme com arroz, depois uma outra com feijão.Mais duas travessas enormes, uma com fritas e outracom salada.

Para completar chegou um bife enorme, acho queera de alcatra, devia ter sido cortado bem no miolo, muitogrande. Enquanto eu e o Claudio rachávamos astravessas, o Pop vem até nós e fala que o Agnaldo seenganou e fez apenas um almoço. Mas que ele ia jáestava fazendo outro... “Pára, não precisa, a gente comeisso mesmo, esta ótimo!!!”.

Pagar 5 reais em um rango para dois? É tudo debom! Tiramos a barriga da miséria e ainda ele deu um

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refrigerante de 2 litros de cortesia. Nem preciso falar queele ficou sendo nosso point durante toda nossa estadana cidade.

Fim de tarde em Cananéia. Paramos na praçacentral, em frente à balsa que liga a cidade a IlhaComprida. Uma temperatura muito agradável, o sol jácomeçava a se por. Estavam na praça eu, Claudio, seuNinho e mais uns 3 senhores pescadores.

Eles nos contaram histórias da cidade, que segundoeles é a mais antiga do Brasil, colonizada antes mesmodo descobrimento oficial. Consta que uma expediçãoexploratória comandada por Gaspar Lemos chegou em1502, com o cartógrafo Américo Vespúcio, para

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Este é o Bacharel, na janela temos da esquerda para a direita oClaudio, Pop e o Agnaldo.

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estabelecer o marco do Tratado de Tordesilhas. Traziamcom eles um Bacharel condenado pelo rei de Portugal.Acontece que o documento da sua expulsão é datadode 1497, bem antes do descobrimento.

Em 1531 chegou aqui uma outra expedição destavez colonizadora, comandada por Martim Afonso deSouza. Ao chegar eles encontraram o Bacharel, seiseuropeus vivendo em família, duzentos mestiços e maismil e quinhentos índios vivendo na comunidade deMaratayama como era chamada a antiga Cananéia.

Estes dados foram tirados do Diário de Navegaçãoda Armada de Pêro Lopes, irmão de Martim Afonso.

Entre tantas curiosidades contaram sobre o tubarãobranco que foi capturado pelos pescadores e hojeencontra-se empalhado no museu da cidade.

Falaram sobre da Ilha do Cardoso, dos índios quelá vivem, da fauna. Um dia eles acharam um macacobugio, típico da região, mas albino (sem pigmentação) etodo loiro, este macaco tinha mais de 1 metro de altura.

Eita papo gostoso, durou horas, quando dei por mimjá era quase 8 da noite. Foi quando vi a Lua mais bela detoda a minha vida. Da cidade de Cananéia não se avistao mar devido a Ilha Comprida, quando vimos a Lua, elajá estava sobre as árvores da ilha, o que não é muitoalto.

A sua luz prateada refletia no canal formando umavisão maravilhosa, seu Ninho nos falou que, ao contrário

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do sol, quando vemos a Lua nascer da praia, ela vaisubindo dando saltos. E não gradativamente como o sol.

Ele me explicou que este fenômeno é gerado poruma ilusão de ótica. Entre diversos defeitos meu, oprincipal é o de falar muito, falo pelos cotovelos. Emcompensação, uma das minhas maiores virtudes é saberescutar. Adoro ouvir histórias, conhecer os costumes daregião, sua cultura, etc.

Eu aprecio muito aquelas pessoas que demonstramclaramente, que amam a terra em que nasceram. Essaspessoas geralmente, além de gostar, procuram saber detudo sobre ela.

Não só na busca de melhorar a sua qualidade devida e da sua região, mas também para poder contar aquem se interesse, como é sua terra e suas belezas.Eprincipalmente suas maravilhosas histórias, estas queficarão para sempre gravadas em minha mente.

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Morro de Cananéia visto durante a travessia da balsa.

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Já era noite, ficamos mais um tempo na cidade,jantamos e fomos para a Ilha procurar um lugar paraacampar. Sempre que pegávamos a balsa, noschamavam até a cabine.

Ficávamos de papo com os comandantes e issoacontecia sempre. Nos 3 dias que passamos na cidade,essa história se repetia.

Chegamos na praia e não havia uma alma viva.Apenas em feriados e finais de semana alguns quiosquesficavam abertos. Como era uma segunda feira, estavatudo fechado.

Fomos até aquele quiosque que vimos quandochegamos na cidade, armamos o acampamento edormimos tranquilamente.

Nosso acampamento. Um quiosque de praia que só abre em finais desemana e feriados.

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No dia seguinte guardamos nossas tralhas evoltamos para Cananéia. Constantemente, na travessiado canal de balsa, ou enquanto esperávamos, quasesempre víamos os botos nadando no canal.

Certa vez, esperando a balsa do lado da Ilha, vi umboto tentando almoçar. Primeiro vi um peixe pulando forada água, sabe quando a gente atira uma pedra na águae ela vai saltando várias vezes até afundar?

O peixe fez mais ou menos isso: ele ia pulandofora d’água numa velocidade absurda, de repente ocorreum rebojo1 enorme no meio do rio e aparece um botosaltando para fora d’água. Ele pegou o peixe praticamenteno ar.

Como fez falta uma filmadora naquele momento. Afoto era muito difícil de tirar, devido à alta velocidade doataque. Num outro ataque o peixe se saiu um poucomelhor, ele foi saltando até que acabou o rio e ele caiuno meio do mato da margem. Na verdade não sei se foium bom negócio para ele, mas do boto ele escapou.

Chegamos em Cananéia, mas queríamos conhecera Ilha do Cardoso, o problema era o dinheiro. A grana jáestava muito curta, até liguei para meu irmão pedindouma grana emprestada para poder voltar, pois não tinhadinheiro nem para o ônibus.

Enquanto dávamos um tempo na praça encostouuma pessoa perguntando se queríamos ir para o Marujá(uma vila da Ilha do Cardoso) falei que sim e ele falouque levava a gente na boa, por 100 reais...1. Movimento brusco dentro da água. Nesse caso o movimento foi causado peloBoto.

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Dei muita risada, eu devo ter cara de turista. Nessahora vimos que a única maneira de chegar lá seria anado.

Foi quando ficamos sabendo de um barco da Dersa(o Munduba) que faz este trajeto. O preço para osmoradores era R$1,80, já para turistas custava R$18,00.

Percebemos que nosso problema era a falha nacomunicação, ou seja, estávamos falando com aspessoas erradas.

Não deveríamos procurar pescadores, e simmoradores que fazem este trajeto. Fizemos amizade comuns hippies que vendiam seus “badulaques” na praça.

Eles deram uma dica excelente, mandaram a genteir até a prefeitura e falar que estávamos fazendo umapesquisa ambiental. Com isso eles nos dariam umacarteirinha para pegar o Munduba, pagando o preço demorador.

Demorô! Na prefeitura o Claudio usou toda a suacategoria e arte com as palavras e conseguimos aautorização. Pena que naquele dia não poderíamos pegaro barco, como a viagem era demorada, ele tinha horas edias certos.

Se não me engano, na segunda ele saía deCananéia, fazia todo o trajeto e dormia em Ariri. Na terça,ele voltava. Na quarta ele ia e voltava no mesmo dia.Seria esse último então, já que planejamos nossa voltaa Sampa para quinta.

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Quarta-feira bem cedo, lá estávamos no píer daDersa esperando a saída do Munduba. O trajeto é bemlongo, mais de 80 km só de ida e a velocidade do barcoé mais desanimadora ainda. Numa comparação, o trajetoCananéia – Maruja feito de voadeira, que chega a 60Km/h, é feito em pouco menos de uma hora. De Munduba,o mesmo trajeto demora 3 horas.

Cartão de residente que ganhamos na prefeitura.

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O trajeto do barco seria o seguinte: a primeiraparada na Vila do Maruja, que fica na Ilha do Cardoso. Asegunda parada na Vila de Ararapira, já no estado doParaná, Ilha das Peças. Finalizando na Vila do Ariri,Estado de São Paulo.

Se observar no mapa dos dois estados e traçar umalinha imaginária continuando a divisa de São Paulo comParaná, o correto é que a Ilha das Peças e a Ilha doCardoso fossem divididas.

Ficaria a parte de Ararapira para São Paulo e umpedaço da Ilha do Cardoso, o Pontal e a Praia da Baleia,para o Paraná.

Como isso dificultaria um pouco a administraçãodas divisas, segundo moradores, houve um acordo entreos estados. Assim a Ilha do Cardoso ficou para São Pauloe a Ilha das Peças para o Paraná.

O que era comum nas balsas, continuou valendopara o Munduba, tínhamos trânsito livre dentro do barco.Viajamos na cabine, junto com a tripulação.

Nossa intenção era de chegar na divisa do estado,então fomos até Ararapira. Nos avisaram que não haviamuita gente morando lá, apenas uma família e algunsParaguaios catadores de caranguejo.

Inclusive, o único morador oficial da vila era o irmãode um tripulante do Munduba. Sempre que podia, estetrazia mantimentos para ele. Naquele dia, estava levandoum botijão de gás.

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Depois de Ararapira, o Munduba iria para Ariri, ficariaparado por uns 40 minutos e faria o trajeto de volta.Enquanto isso, conheceríamos a vila.

A viagem de Munduba foi muito longa e cansativa,o tempo estava bem nublado, ameaçando chuva. Nãodava para tirar muitas fotos das montanhas da ilha porcausa das nuvens. Em compensação a todo o momentoapareciam botos.

Mas mesmo com a máquina na mão era muito difícilfotografá-los, primeiro porque a máquina não era tãomoderna assim. Segundo, porque eles apareciam esumiam muito rápido, era muito difícil acertar o local exatoem que eles emergiriam.

Havia poucas pessoas no barco com a gente eesses poucos iam todos para o Maruja. Lá o barco ficoupraticamente vazio, mais uns 40 minutos e chegamosem Ararapira.

O Munduba parado no pier de Ararapira. Chegamos ao Paraná,de barco, mas as bicicletas estavam com a gente, sempre.

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No meio de uma floresta de Mata Atlântica, haviaum píer destruído e uma clareira. Dentro umas 5 casas,duas abandonadas, uma bem simples onde moravamos paraguaios e outra mais ajeitada aonde morava oirmão do tripulante. No meio da vila havia uma Capelinha.

Este morador é quem tomava conta da igreja, haviauma quinta casa, essa aparentava ser mais ajeitada.

Segundo este morador, era uma casa de veraneiodo dono do Estadão, ou um dos donos. No dia ele disseo nome, mas como não anotei, não lembro mais.

Disse que o dono da casa aparecia por lá umasduas vezes por ano. Isso que é se esconder, não há luz,nem televisão. Havia um único radinho de pilha, sempilhas, é claro e o único acesso era de barco.

Fizemos várias perguntas, segundo ele o nome deArarapira vem das araras azuis da região.

Ele morava com a mulher e mais dois filhos, elesnão estudavam devido as dificuldades do trajeto. Erapraticamente inviável ir de barco todos os dias para aescola. A mais próxima fica em Cananéia.

Perguntei o que eles almoçaram e ele me respondeu“Ainda nada, não pesquei o almoço, deu preguiça”, dandouma risadinha como “se tem, tem, se não tem, paciência”.

E o que você faz para viver? “Vivo da pesca. Estenatal foi bom, pesquei um robalo de 8 quilos. Só essepeixe garantiu a ceia”.

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Realmente a carne do robalo é muito cara, chegaaté uns 10 reais o quilo. Depois fomos visitar a capelinha,tiramos uma foto e em 2 minutos ele nos mostrou toda avila.

Era só girar e ir apontando para os lados, pronto,uma volta completa já conhecíamos tudo. Não havia ummeio de se chegar na vila a não ser de barco ou pelomeio do mato.

No outro lado desta ilha fica a reserva do Superagui,onde recentemente foi catalogado uma nova espécie deMico Leão que só existe lá. Há também muitos índios,segundo moradores, esses índios foram alocados pelaFunai nesta região, depois que a Ilha do Cardoso virouum parque estadual.

Ou seja, os índios não são nativos, não que nuncahouve índios nestas florestas, pelo contrário conforme

A Capela de Ararapira e na porta, toda a população local.

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disse anteriormente, provavelmente os nativos destaregião devem ter sido dizimados, como aconteceu coma maioria das tribos de índios deste pais.

Quem conhece um pouco de história, deve saberque, na época do descobrimento, estima-se que aquihabitavam cerca de 5 milhões de índios. Hoje estenúmero deve girar em torno de 50 mil.

Ele também disse que, certa vez apareceram váriosíndios em sua casa, deveria ser umas 9 horas da noite.Chovia forte, eles pararam em sua casa e pediram umabrigo. Iam em direção ao Superagui.

Uns 8 pelo menos, havia entre eles crianças emulheres, todos descalços. Deram um tempo, tomaramum café e caíram para dentro da mata no meio da noite.

Recentemente estive na Ilha do Cardoso, napassagem de ano de 2002/2003 e me falaram queArarapira virou uma vila fantasma. Segundo os boatos,apareceu uma mulher assombrando a vila.

Ela tinha as mãos e os pés arredondados. Osparaguaios foram os primeiros a fugir, hoje parece quenão mora mais ninguém na vila.

Ouço um apito. É o Munduba nos chamando,nossas bikes estavam em cima do barco. Caso a genteperdesse o barco, teríamos que voltar a nado. Antes deir embora, o Claudio pegou um pote de margarina queestava na nossa bagagem e deixou para eles. Nóstínhamos apenas mais um dia e o pote estava quase

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cheio, sem dúvida eles tiraram muito mais proveito quenós.

A bordo do Munduba, mais uma parada no Maruja,onde subiram alguns índios. Estes cheios de cestas depalha para venderem na cidade.

Outra dúvida que me surge, como devemos trataros Índios? Devemos deixá-los isolados no meio do matoou tentar civilizá-los? A melhor resposta, na minha opiniãoé tratá-los como seres humanos antes de qualquer coisa,afinal, eles são seres absolutamente iguais a nós, nemmelhores nem piores.

E como qualquer ser humano, eles devem, antesde mais nada, serem respeitados. Eles também tem

Parada no Maruja. Só fui realmente conhecer a Ilha do Cardoso, 6anos depois.

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conflitos interiores, problemas, preocupações e sonhos,como todos nós.

Se eles querem ficar isolados do mundo, no meioda floresta, devemos respeitá-los e não incomoda-los.Já aqueles que querem interagir com os“caraíbas”(homem branco), colocar bermuda, ganhardinheiro, comprar um carro, devemos respeitar também.

Todo mundo evolui, todo mundo muda. Não quesejamos mais evoluídos do que eles, longe disso. Maseles tem o direito, também de tentar entender a nossacultura e absorver os nossos conhecimentos, da mesmamaneira que tentamos entendê-los e estuda-los.

Se ele conseguir absorver nossos conhecimentose integrando aos seus, ele pode buscar uma evoluçãomuito maior que nós poderíamos atingir, e por que não?

E por que não associar a nossa tecnologia, com orespeito que eles tem ao meio ambiente? Acho que acimade tudo eles devem ser livres, como nós, para escolheremo caminho a seguir.

De volta ao barco, estamos retornando a Cananéia,o tempo está quente, mas o céu ainda nublado. Umaviagem longa e cansativa, mas sempre em companhiados botos.

Chegamos na cidade, demos um tempo e fomos apraia, para curtimos a noite, armei a rede e lá dormi,deixando a barraca para o Claudião. Aquela sensaçãogostosa de dever cumprido novamente me dominava.

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Acima, o tempo feio não permitiutirarmos melhores fotos dasmontanhas da Ilha do Cardoso. Aolado o bilhete do mundoba e abaixonosso trajeto, depois de mais de 7horas de barco, percorremos,aproximadamente 80 km.

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Última Etapa - Voltando para casa

No dia seguinte eu parecia que estava flutuando.Como acordar depois de um jogo de futebol, onde a suaequipe acabara de passar pelas eliminatórias da Copado Mundo. Aquela sensação de dever cumprido, mesmocom os contratempos.

Meu irmão já havia depositado a grana e hoje, euiria voltar e reencontrar a minha cama deliciosa. Comoera bom, não foi como planejamos, mas foi muito bommesmo.

Quantas pessoas conhecemos, quantos lugares,quantas dificuldades e o mais importante, quantos novosprojetos para realizar. Aquela viagem colocou pilhasnovas em mim. Nada é impossível, tudo depende apenasde nós.

Passamos a manhã na Ilha, curtimos, caímos nomar. Por volta do meio dia, arrumamos nossa tralha, nosdespedimos da Ilha Comprida e fomos para Cananéia.Já éramos íntimos do pessoal, a todo o momento nosparavam para uma deliciosa prosa. Aproveitamos paranos despedir dos novos amigos.

Compramos nossas passagens e fomos almoçar.Nos despedimos do Pop, e do Agnaldo, fomos até oSupermercado arrumar uns papelões para embrulhar asmagrelas.

Era uma norma da empresa de ônibus. Quasesempre temos problemas quando queremos voltar de

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ônibus. Algumas empresas simplesmente não levambicicletas, outras cobram uma taxa, outras pedem paraembalar as bikes. Já outras mandam você enfiar elasde qualquer jeito no bagageiro e ainda te convidam parair até um boteco tomar uma cerveja.

Essa falta de critérios atrapalha bastante, depoisde uma viagem longa, você não pode contar com nada.Não sabe se a empresa deixará você colocar a bicicletano ônibus ou não. Uma tremenda falta de bom senso.Mas pelo menos conseguimos trazer as magrelas paracasa.

A despedida foi só alegria, eu parecia Jesus Cristo,aquele cabelão e mais de duas semanas sem fazer abarba. Não via a hora de brigar com a gilete.

Hoje tem uma ponte que liga Cananéia aoContinente, mas na época não havia outra opção a nãoser a balsa. De longe vimos a balsa sair do continentepara nos pegar.

Logo que entramos na BR, não andamos muito echegamos ao local da erosão. Realmente a cratera

Saída de Cananéia, esperando a balsa que vem do outro lado.

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engoliu as duas vias da rodovia. Fizeram então uma pistade terra ao lado para os carros passarem, um por vez, jáestava escurecendo e resolvi tentar tirar uma foto.

Nem eu acreditava que pudesse sair, mas até quea foto ficou bem legal, dá pra se ter uma noção doprejuízo. Enfiei a cabeça para fora do ônibus e mandeiver.

Continuamos e depois de muito pinga-pinga,conseguimos chegar em casa.

Primeiro eu, que na época, morava em Embu dasArtes, cidade da Grande São Paulo. Desci na BR, tireiminha bike do bagageiro. Já o Claudio foi até a Rodoviária

Erosão que aconteceu na BR-116, emMiracatú. Graças a esse buraco, ninguémconseguiu passar por dois dias para ladonenhum.

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do Tietê, desembalou sua bike e foi para a sua casa naVila Mariana.

Depois disto ainda fiz diversas viagens, sendo quea principal, foi quando percorremos 1.184km beirando orio Tietê. O Claudio ainda fez uma, desta vez sozinho,até o Chuí.

Neste livro contei apenas 10% de nossas aventuras,temos muito mais experiências que atualmente estãogravadas apenas na minha memória. Agora só nos restatrabalhar e torcer para continuar escrevendo e fazendonovas aventuras.

Espero que tenha gostado e que este livro seja útilde alguma forma, seja para te incentivar a praticar o

Na BR-116 perto de casa. Fim da viagem para mim.

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cicloturismo, ou para fazer você refletir e ver que nuncaé tarde para nós realizarmos um sonho.

Se eu consegui começando do zero, qualquerpessoa consegue, pois ninguém é melhor que ninguéme posso te garantir uma coisa, você jamais se arrependeráde ter vivido uma experiência como essa, pois o primeiropasso para uma grande conquista...

Sonhar...

Um abraço e até a próxima.

Claudio em sua casa na Vila Mariana.

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