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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006 RODRIGO DE ALMEIDA AMOY 607 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NO DIREITO BRASILEIRO Rodrigo de Almeida Amoy* SUMÁRIO: Introdução. 1. O Princípio da Precaução no Direito Ambiental. 2. Estudo Prévio de Impacto Ambiental. 3. A Proteção ao Meio Ambiente nos Tribunais. 4. Conclusão. RESUMO: As pesquisas científicas recomendam uma atuação cautelosa e preventiva em relação a intervenções no meio ambiente. Essa é a essência do princípio da precaução: na dúvida, deve-se decidir em favor do meio ambiente, não do lucro imediato. O estudo de impacto ambiental e seu relatório de impacto ambiental são as principais formas práticas de aplicação desse princípio. Esse é o assunto que abordaremos. ABSTRACT: Scientific research recommend safe and preventive actions towards intervention on the environment. Such is the essence of this principle: in doubt, it must be decided in favor of the environment, not of immediate gains and profits. The environmental impact study and the following report are the main practical applications of such principle. This is the subject faced in this paper. * Advogado. Mesttrando em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU - FDC/ RJ

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RODRIGO DE ALMEIDA AMOY 607

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E ESTUDO DEIMPACTO AMBIENTAL NO DIREITO BRASILEIRO

Rodrigo de Almeida Amoy*

SUMÁRIO: Introdução. 1. O Princípio da Precauçãono Direito Ambiental. 2. Estudo Prévio de ImpactoAmbiental. 3. A Proteção ao Meio Ambiente nos Tribunais.4. Conclusão.

RESUMO: As pesquisas científicas recomendamuma atuação cautelosa e preventiva em relação aintervenções no meio ambiente. Essa é a essência doprincípio da precaução: na dúvida, deve-se decidir em favordo meio ambiente, não do lucro imediato. O estudo deimpacto ambiental e seu relatório de impacto ambientalsão as principais formas práticas de aplicação desseprincípio. Esse é o assunto que abordaremos.

ABSTRACT: Scientific research recommend safeand preventive actions towards intervention on theenvironment. Such is the essence of this principle: in doubt,it must be decided in favor of the environment, not ofimmediate gains and profits. The environmental impactstudy and the following report are the main practicalapplications of such principle. This is the subject faced inthis paper.

* Advogado. Mesttrando em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU - FDC/RJ

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Introdução

A temática da proteção ao meio ambiente deve serpor todos tratada com a máxima seriedade. A nossa CartaMagna dedica todo um capítulo ao meio ambiente, naverdade, um capítulo-artigo, formado pelo art. 225 e seusparágrafos. Dentre as diversas medidas de proteçãoambiental, o inciso IV do § 1º do art. 225 da CR, estabelecea realização de estudo prévio de impacto ambiental paraa instalação de obra ou atividade potencialmente causadorade significativa degradação do meio ambiente. O objetivoé evitar a ocorrência de impactos ambientais adversos,muitas vezes irreversíveis, através de uma atuaçãopreventiva de danos, que crie alternativas menosimpactantes para o ambiente. Diante dos freqüentesproblemas ambientais de caráter planetário que hojevivenciamos, tais como mudanças climáticas abruptas,decorrentes do fenômeno do aquecimento global, é precisoque haja uma mudança de paradigmas, uma alteração deprioridades. As pesquisas científicas recomendam umaatuação cautelosa e preventiva em relação a intervençõesno meio ambiente. Essa é a essência do princípio daprecaução: na dúvida, deve-se decidir em favor do meioambiente, não do lucro imediato. O estudo de impactoambiental e seu relatório de impacto ambiental são asprincipais formas práticas de aplicação desse princípio.Esse é o assunto que abordaremos.

1. O princípio da precaução no direito ambiental

1.1. Noções gerais

Primeiramente, vale ressaltar sobre a importânciado caráter preventivo da legislação ambiental no mundoatual. A razão de ser nada mais é do que a irreparabilidadeda grande maioria dos danos causados ao meio ambiente.A ação administrativa deve pautar-se mais no sentido

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preventivo (educativo ou informativo) do que no repressivo(ou punitivo), já que, como afirmamos, eventual prejuízoque venha a ser causado será em muitos casos irreparável.Assim, é necessário que a legislação se oriente cada vezmais no sentido de conter disposições que visem evitar aocorrência do dano ambiental.

Passemos a analisar em que consiste o princípioda precaução. “Precaução”, analisa Édis Milaré, “ésubstantivo do verbo precaver-se (do Latim prae = antese cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados,cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultarem efeitos indesejáveis”.1 No dizer de Cristiane Derani, oPrincípio da Precaução está ligado aos conceitos deafastamento de perigo e segurança das gerações futuras,como também de sustentabilidade ambiental dasatividades humanas. Este princípio é a tradução da buscada proteção da existência humana, seja pela proteção deseu ambiente como pelo asseguramento da integridadeda vida humana. A partir dessa premissa, deve-se tambémconsiderar não só o risco iminente de uma determinadaatividade como também os riscos futuros decorrentes deempreendimentos humanos, os quais nossacompreensão e o atual estágio de desenvolvimento daciência jamais conseguem captar em toda densidade. 2

Trata-se, efetivamente, de um dos princípios geraisdo direito ambiental brasileiro, norma de observânciaobrigatória, inclusive na aplicação judicial do direito e dalegislação protetiva do meio ambiente. Assim, a partir dasua adoção, o que temos é uma mudança de paradigma.Em termos práticos, significou a rejeição da orientaçãopolítica e da visão empresarial que durante muito tempo

1 MILARÉ, Edis., apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O Princípioda Precaução e sua Abordagem Judicial. Revista de Direito Ambiental, SãoPaulo: Revista dos Tribunais, Ano 06, nº 21, p. 92-102, Jan-Mar. 2001.2 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad,1997, p. 167.

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prevaleceram, segundo as quais atividades e substânciaspotencialmente degradadoras somente deveriam serproibidas quando houvesse prova científica absoluta deque, de fato, representariam perigo ou apresentariamnocividade para o homem ou para o meio ambiente. 3

A orientação que passou a ser seguida é a de que,mesmo diante de controvérsias no plano científico comrelação aos efeitos nocivos de determinada atividade ousubstância sobre o meio ambiente, presente o perigo dedano grave ou irreversível, a atividade ou substância emquestão deverá ser evitada ou rigorosamente controlada. 4

A necessidade de não se correrem riscos éplenamente justificada. Ora, no dia em que se puder tercerteza científica absoluta dos efeitos prejudiciais dedeterminadas atividades potencialmente degradadoras, osdanos por ela provocados serão já nessa ocasiãoirreversíveis. Por isso, pela precaução protege-se contraos riscos. Exemplo perfeito do que foi exposto é o fenômenodo aquecimento da atmosfera previsto pelos cientistas emrazão do aumento da quantidade de óxidos de carbonoemitidos cotidianamente nos países. Não há, no entanto,precisão científica acerca dos efeitos nocivos desseaquecimento global sobre o clima, o nível dos oceanos e aagricultura, havendo somente suspeitas e preocupações(sérias, sem dúvida), quanto aos riscos e conseqüênciasde mudanças climáticas indesejáveis. Obviamente, aausência de certeza absoluta quanto aos danos ambientaisnão afasta a necessidade de agir preventivamente, sob penade se tornarem irreversíveis no futuro, sendo tais medidasde precaução imperativas. 5

3 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e., apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery.Op. cit., p. 94.4 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental.Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 01, nº02, p. 61-62, Abr-Jun. 1996.5 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Op. cit., p. 94.

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O que se quer dizer é que, com a adoção do princípioda precaução, o enfoque na criação, na interpretação e naaplicação do direito ambiental, passou a ser o enfoque dacautela (prudência ou vigilância) no trato das atividadespotencialmente degradadoras do meio ambiente, emdetrimento do enfoque da tolerância com essas atividades. 6

Em suma, se existem fundamentos de ordemcientífica para concluir-se que uma determinada atividadecausa degradação ambiental ou é suscetível de causá-la,por força do princípio da precaução torna-se indispensáveladotarem-se medidas eficazes para impedir essaatividade, ainda que o seu caráter lesivo seja passível decontestação científica. 7

A crítica que fazem alguns é a de que o princípio daprecaução limita-se a uma moratória indeterminada notempo, visando impedir a realização de um projeto ou ainserção de determinado produto no mercado. Afirmamque precaução é inação, sustentando que a aplicação doprincípio contraria a idéia de progresso, limitando oumesmo travando a investigação científica. 8

Tal visão é, data venia, totalmente insensata econivente com os interesses daqueles que pensam quepossuem o que chamarei de “direito de poluir”, ou seja,um direito fictício de poder desenvolver toda e qualqueratividade ou produto, inserindo-os no mercado, sem ascautelas necessárias, pouco importando se asconseqüências dessa atitude causarão futuros danos aomeio ambiente e, consequentemente, às gerações futuras(o que certamente ocorrerá), em troca do lucro imediato.Esse pensamento assume o risco da ocorrência de

6 Ibidem, p. 98.7 Ibidem, p. 99.8 HERMITTE, M. A.; NOIVILLE, C., apud HAMMERSCHMIDT, Denise. O Risco naSociedade Contemporânea e o Princípio da Precaução no Direito Ambiental.Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 08, nº31, p. 136-156, Jul-Set. 2003.

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eventual dano ambiental, ou seja, causando ou nãopoluição e degradação, tanto faz, é a mesma coisa. Oque importa é lucrar o máximo possível no presente e damaneira mais rápida que puderem fazer. Entretanto, a novalinha de pensamento trazida pelo princípio da precauçãonos indica que a ação consiste em tomar as medidas degestão da incerteza, podendo-se, nesse sentido, utilizaro termo inação para designar o comportamentoempresarial e governamental que observa a continuidadede ação sopesada de periculosidade sem arbitrar asmedidas conducentes a evitar o dano. 9

1.2. O princípio da precaução na legislação brasileira

Informa Freitas Martins, 10 que as primeirasreferências embrionárias assentadas na precauçãosurgem em meados dos anos oitenta, em matéria deproteção da camada de ozônio, através da adoção demedidas tendentes a reduzir as emissões de certassubstâncias poluentes. Por certo é que o princípio emanálise está presente no direito alemão desde os anossetenta.

As bases para a adoção do princípio da precauçãona legislação brasileira foram estabelecidas com aaprovação da Lei nº 6.938/81 11 (Lei da Política Nacionaldo Meio Ambiente), que dispôs entre os seus objetivos: acompatibilização do desenvolvimento econômico-socialcom a preservação da qualidade do meio ambiente e doequilíbrio ecológico e a preservação e restauração dos

9 HERMITTE, M. A .; NOIVILLE, C. Op. cit., p. 153.10 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas., apud HAMMERSCHMIDT, Denise. Op.cit., p. 143.11 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a PolíticaNacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação eaplicação, e dá outras providências. Legislação de Direito Administrativo.Legislação de Direito Ambiental e Constituição Federal, São Paulo:Rideel, 2003, p. 1119-1128.

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recursos ambientais com vistas à sua utilização racionale disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI). Em termosde ação concreta foi estabelecida a obrigatoriedade da“avaliação de impactos ambientais” (art. 9º, III). Assim,como leciona Paulo Affonso Leme Machado, indiscutívelse tornou a obrigação de prevenir ou evitar a ocorrênciado dano ambiental, quando este pudesse ser detectadoantecipadamente. Contudo, expressamente, ainda nãohavia sido introduzido o princípio da precaução no Brasil.12

Posteriormente, surge a Resolução nº 001/1986 doCONAMA (que será a seu tempo melhor analisada), a qualdefiniu em seu art. 6º, II, que o estudo de impacto ambientaldesenvolverá:

{…} a análise dos impactos ambientaisdo projeto e de suas alternativas,através de identificação, previsão damagnitude e interpretação daimportância dos prováveis impactosrelevantes, discriminando: os impactospositivos e negativos (benéficos eadversos), diretos e indiretos,imediatos e a médio e longo prazo;temporários e permanentes; seu graude reversibilidade; suas propriedadescumulativas e sinérgicas; a distribuiçãodos ônus e benefícios sociais. 13

O instrumento jurídico estudo de impacto ambiental,como mecanismo materializador do princípio da

12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed.Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 49.13 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.

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precaução, encontra-se atualmente previsto naConstituição da República, no art. 225, § 1º, IV, o qual seráobjeto de análise ainda neste trabalho.

A Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiroem 1992, adotou, em sua declaração de princípios, odenominado princípio da precaução, assim redigido noitem 15 do texto:

De modo a proteger o meio ambiente,o princípio da precaução deve seramplamente observado pelos Estados,de acordo com suas capacidades.Quando houver ameaça de danossérios ou irreversíveis, a ausência deabsoluta certeza científica não deve serutilizada como razão para postergarmedidas eficazes e economicamenteviáveis para prevenir a degradaçãoambiental.

A inserção definitiva do princípio da precaução noordenamento jurídico pátrio ocorreu a partir de duasconvenções internacionais assinadas, ratificadas epromulgadas pelo Brasil. São elas: a Convenção daDiversidade Biológica 14, que assim estabelece em seupreâmbulo:

{…} é vital prever, prevenir e combaterna origem as causas da sensívelredução ou perda da diversidadebiológica e (...) quando exista ameaçade sensível redução ou perda dediversidade biológica, a falta de plena

14 Assinada no Rio de Janeiro em 05 de julho de 1992, ratificada pelo CongressoNacional pelo Decreto Legislativo 2, de 03.02.1994, tendo entrado em vigorpara o Brasil em 29.05.1994.

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certeza científica não deve ser usadacomo razão para postergar medidaspara evitar ou minimizar essaameaça...

E também a Convenção-Quadro das NaçõesUnidas sobre a Mudança do Clima, 15 a qual dispõe entreos seus princípios (art. 3º, 3.):

As partes devem adotar medidas deprecaução para prever, evitar ouminimizar as causas da mudança doclima e mitigar seus efeitos negativos.Quando surgirem ameaças de danossérios ou irreversíveis, a falta de plenacerteza científica não deve ser usadacomo razão para postergar essasmedidas, levando em conta que aspolíticas e medidas adotadas paraenfrentar a mudança do clima devemser eficazes em função dos custos, demodo a assegurar benefícios mundiaisao menor custo possível.16

Mais recentemente, a Lei de Crimes Ambientais (Lei9.605/98 17) estabeleceu que: incorre nas mesmas penasprevistas no parágrafo anterior (reclusão, de um a quatro anose multa) quem deixar de adotar, quando assim o exigir aautoridade competente, medidas de precaução em caso derisco de dano ambiental grave ou irreversível (art. 54, § 3º).

15 Assinada em Nova York em 09 de maio de 1992, ratificada pelo CongressoNacional pelo Decreto Legislativo nº 1, de 03.02.1994, no que passou avigorar para o Brasil em 29.05.1994.16 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 53.17 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sançõespenais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meioambiente, e dá outras providências. Legislação de Direito Administrativo.Legislação de Direito Ambiental e Constituição Federal, São Paulo:Rideel, 2003, p. 1224-1238.

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1.3. Distinção entre princípio da precaução e princípioda prevenção

Embora alguns autores sustentem que não hádiferença entre os princípios, partilho da opinião de queesta existe, embora haja pontos em comum entre eles.Nas duas espécies de princípios encontra-se o elementorisco, mas sob configurações diversas. O princípio daprevenção refere-se ao perigo concreto, enquanto o daprecaução refere-se ao perigo abstrato. 18 No princípio daprecaução, o perigo é potencial ou de periculosidadepotencial que se quer prevenir. No da prevenção, o perigodeixa de ser potencial, já é certo, na medida em que háelementos seguros para afirmar ser a atividadeefetivamente perigosa. Assim, na prevenção, aconfiguração do risco transmuta-se para abandonar aqualidade de risco de perigo, para assumir a do risco deprodução dos efeitos sabidamente perigosos. 19

O princípio da prevenção é uma conduta racionalante a um mal que a ciência pode objetivar e mensurar,que se move dentro das certezas da ciência. A precaução,pelo contrário, enfrenta a outra natureza da incerteza: aincerteza dos saberes científicos em si mesmo. 20

Em caso de certeza do dano ambiental, esclarecePaulo Affonso Leme Machado, este deve ser prevenido,como preconiza o princípio da prevenção. Em caso dedúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo.Essa é a grande inovação do princípio da precaução. Adúvida científica, expressa com argumentos razoáveis,não dispensa a prevenção. 21

18 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo., apudHAMMERSCHMIDT, Denise. Op. cit., p. 147.19 Ibidem, loc. cit.20 HAMMERSCHMIDT, Denise. Op. cit., p. 147.21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 58.

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1.4. Linhas de concretização do pricípio da precaução

Pelo que foi visto até o momento, pode-se verificarque o princípio da precaução articula-se na base de doispressupostos, quais sejam, a possibilidade de quecondutas humanas causem danos coletivos vinculados asituações catastróficas que podem afetar o conjunto deseres vivos, e a falta de evidência científica (incerteza) arespeito da existência do dano temido. Lida-se com umrisco não mensurável, potencial, não avaliável. Suaaplicação demanda um exercício ativo da dúvida, vez quesua lógica visa ampliar a incerteza, sendo que esta nãoexonera de responsabilidade; pelo contrário, ela reforça acriação de um dever de prudência.22

FREITAS MARTINS 23 afirma que a implementaçãodo princípio da precaução gira em torno de sete idéiasfundamentais de concretização, a seguir elencadas.

I – Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente,ainda que não existam provas científicas que estabeleçamum nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos,devem ser tomadas as medidas necessárias para impedira sua ocorrência.

Trata-se de um dos pilares do princípio: a necessidadede atuação ante a falta de evidência científica. A base doprincípio é a idéia de gestão dos riscos ambientais, sendoque para tanto, faz-se necessária a adoção de atitudes deantecipação preventiva, que se revelam, a longo prazo,menos onerosas para a sociedade e o ambiente.

II – Possibilidade de inversão do ônus da prova,cabendo àquele que pretende exercer uma dada atividadeou desenvolver uma nova técnica demonstrar que osriscos a ela associados são aceitáveis.

22 LASCOUNE, P., apud HAMMERSCHMIDT, Denise. Op. cit., p. 145.23 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. Op. cit., p. 148.

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Na lição de Álvaro Luiz Valery Mirra, o princípio daprecaução tem uma relevantíssima conseqüência naesfera judicial, posto que acarreta a inversão do ônus daprova, impondo ao degradador o encargo de provar, semsombra de dúvida, que a sua atividade questionada não éefetiva ou potencialmente degradadora da qualidadeambiental, uma vez que são eles que pretendem alterar ostatus quo ambiental. 24

III – In dubio pro ambiente ou in dubio contraprojectum.

Diante de determinadas situações, é necessáriofazer uma opção, e, nesse caso, a opção deve serfavorável ao meio ambiente. Dessa forma, favorável serápara nós, visto que, sem meio ambiente, não há comopossa a humanidade sobreviver. Isso é fato.

Assim, se a irreversibilidade e a gravidade de umasituação forem temidas, não se deve correr riscos, dando-se prioridade à proteção ambiental. No âmbito de umestudo do risco, de uma avaliação do impacto ambientalou análise custos / benefícios, se uma atividade causadanos sérios e irreversíveis ao ambiente, o risco de errodeve ser ponderado em favor do ambiente.25

Entretanto, sabe-se que, na prática, por enquanto,lamentavelmente, os interesses políticos estão sesobrepondo aos interesses de ordem técnica, os quaissão os que verdadeiramente importam nessas situações.

IV – Concessão de um espaço de manobra aoambiente, reconhecendo que os limites de tolerânciaambiental não devem ser forçados, ainda menostransgredidos.

A idéia fundamental é a de salvaguarda dacapacidade de carga dos sistemas ecológicos, garantindouma ampla margem de segurança, de forma a lidar com

24 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Op. cit., p. 100.25 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. Op. cit., p. 149.

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riscos ainda não identificados. O princípio da precauçãoconcretiza-se na fixação de limites de segurança tão baixosquanto possíveis, critério que envolve a adoção dasmelhores tecnologias disponíveis, disposição de meiostécnicos e humanos aptos a fornecerem uma indicaçãoprecisa dos níveis de qualidade, a sujeição dodesenvolvimento de atividades que apresentem riscos parao ambiente a procedimento de controle e monitorizaçãoe, naturalmente, a formação e sensibilização dos agenteseconômicos para os riscos ambientais e sua gestão.26

V – Exigência de desenvolvimento e introdução demelhores técnicas disponíveis.

Trata-se de um meio alternativo de aplicação doprincípio, pelo qual determina-se a redução da poluição,independentemente da demonstração de efeitos danosos,simplesmente na base de que tal é tecnológica eeconomicamente possível.27 O objetivo é a utilização demétodos e técnicas operacionais limpos, que preservemos recursos naturais ou que impeçam (ou, quando muito,minimizem) quaisquer impactos adversos no ambiente.28

VI – Preservação de áreas e reservas naturais e aproteção das espécies.

O princípio da precaução requer que seja concedidauma margem aos sistemas ecológicos para funcionaremem total liberdade, de forma a salvaguardar determinadasfunções e potencialidades e garantir a preservação dadiversidade genética dos processos ecológicos essenciaise dos sistemas em que se sustenta a vida na Terra. 29

Sustenta Freitas Martins que, recentemente, oprincípio da precaução foi invocado e constitui ofundamento para o não levantamento da moratória na caçaàs baleias em vias de extinção, por se entender que, no

26 Ibidem, p. 150.27 Ibidem, p. 151.28 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. Op. cit., p. 151.29 Ibidem, loc. cit.

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atual estágio de conhecimento, ainda não foi demonstradoque esta espécie encontra-se fora de perigo.30

VII – Promoção e desenvolvimento da investigaçãocientífica e realização de estudos completos e exaustivossobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade.

Esta última linha de concretização do princípio daprecaução constitui o tema central deste trabalho. Aaplicabilidade do princípio em tela está intimamenterelacionada ao estudo de impacto ambiental, pois suaconcepção baseia-se na prevenção. A partir do diagnósticoda importância e amplitude de um determinado risco, épossível definir os meios para evitá-lo.

Portanto, conclui Freitas Martins, a precaução requerque as políticas e decisões que apresentem significativosriscos ambientais sejam precedidas de estudos deavaliação do impacto ambiental, os quais podem constituirum relevante instrumento do princípio da precaução, namedida em que contribuírem para assegurar que asdecisões sejam tomadas com base na melhor informaçãocientífica disponível. 31

Por derradeiro, é importante não perder de vista aadvertência de Paulo Affonso Leme Machado:

A implementação do princípio daprecaução não tem por finalidadeimobilizar as atividades humanas. Nãose trata da precaução que tudo impedeou que em tudo vê catástrofes oumales. O princípio da precaução visaà durabilidade da sadia qualidade devida das gerações humanas e àcontinuidade da natureza existente noplaneta. A precaução deve servisualizada não só em relação às

30 Ibidem, loc. cit.31 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas. Op. cit., p. 152.

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gerações presentes, como em relaçãoao direito ao meio ambiente dasgerações futuras. 32

Por isso, “existindo dúvida sobre a possibilidadefutura de dano ao homem e ao meio ambiente, a soluçãodeve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucroimediato, por mais atraente que seja para as geraçõespresentes”.33

2. Estudo prévio de impacto ambiental

2.1. Noções gerais

Cuidaremos, a partir de agora, especificamente, do estudode impacto ambiental. Trata-se, indiscutivelmente, de umdos instrumentos mais importantes de atuaçãoadministrativa na defesa do meio ambiente introduzidosno ordenamento jurídico brasileiro pela legislaçãoambiental. Muitos autores o consideram como verdadeiromecanismo de planejamento, na medida em que inserea obrigação de levar em consideração o meio ambienteantes da realização de obras e atividades que possam teralgum tipo de repercussão sobre a qualidade ambiental.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA34), como sepode verificar, tem um caráter eminentementepreventivo de danos ambientais. Neste ponto,materializa o princípio da precaução. Cuida-se deinstrumento essencial de aplicação prática do princípio daprecaução. Conforme leciona Álvaro Luiz Valery Mirra:

32 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 50.33 Idem. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 37.34 O estudo de impacto ambiental é conhecido e rotulado, na prática, por suasiniciais EIA. A partir da CR/88, que utilizou a denominação Estudo Prévio deImpacto Ambiental, muitos autores passaram a se referir ao EPIA. Nestetrabalho, por opção pessoal, será utilizada a sigla EIA.

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{…} deve-se priorizar atitudesprudentes em relação aos efeitosnocivos de atividades potencialmentedegradadoras, em atenção à evidência,hoje incontestável, de que os prejuízosambientais são, freqüentemente, dedifícil, custosa e incerta reparação.35

Embora evidente a sua importância, não são rarasas críticas feitas ao estudo de impacto, como fator deatraso e demora na implantação de projetos de relevânciaeconômica e social. Diz-se que, se desejas emperrar umprojeto ou empreendimento, basta submetê-lo ao estudode impacto ambiental. Esta é uma visão errônea, nãopodendo prevalecer.

A realização do estudo necessariamente demandatempo, meses que são imprescindíveis à aprovação deprojetos de empreendimentos que, apesar de relevantespara o desenvolvimento econômico e social e benéficos acurto e médio prazo, podem ser também danosos àqualidade de vida e ao bem-estar da coletividade a longoprazo. Assim, conclui Mirra,

{…} entre decidir com rapidez sobre aimplantação de um empreendimento edecidir com maior margem de acerto, oumenor margem de erro, após cuidadosaavaliação das repercussões ambientais doprojeto, optaram o legislador e o constituintepela segunda alternativa, conscientes danecessidade de adotar-se uma postura desegurança e prudência, em função dadimensão e, muitas vezes, dairreversibilidade de determinadas agressõesambientais supervenientes a

35 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. IMPACTO AMBIENTAL – Aspectos da LegislaçãoBrasileira. 2ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 02.

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empreendimentos bem intencionados, masque, por deficiência na capacidade de preveros impactos nocivos sobre a vida e aqualidade de vida da população durante afase de planejamento, acabam por ter seusefeitos positivos imediatos praticamenteanulados pela seqüência dos anos. 36

Exemplo clássico disso é a construção de grandesbarragens para fins hidrelétricos.

2.2. Conceitos e distinções

2.2.1. Conceito de Impacto Ambiental

O conceito normativo de impacto ambientalencontra-se descrito na Resolução nº 001/86 do CONAMA,em seu art. 1º, cuja redação é a seguinte:

Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteraçãodas propriedades físicas, químicas ebiológicas do meio ambiente, causadapor qualquer forma de matéria ou energiaresultante das atividades humanas que,direta ou indiretamente, afetam:I – a saúde, a segurança e o bem-estarda população;II – as atividades sociais e econômicas;III – a biota;IV – as condições estéticas e sanitáriasdo meio ambiente;V – a qualidade dos recursos ambientais.37

36 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Op. cit. p. 04.37 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.

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O impacto ambiental é, portanto, o resultado daintervenção humana sobre o meio ambiente. Pode serpositivo ou negativo, dependendo da qualidade daintervenção desenvolvida. Se forem positivos, devem serestimulados; se forem negativos, devem ser evitados, eisque causadores de degradação da qualidade ambiental.

Nos termos da Constituição da República, impactoambiental não é qualquer degradação do meio ambiente,mas uma degradação significativa do ambiente. Por outraspalavras, considera-se impacto ambiental a alteraçãodrástica e de natureza negativa da qualidade ambiental.38

2.2.2. Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatóriode Impacto Ambiental (RIMA)

Embora tais expressões sejam vistas, vulgarmente,como sinônimas, na verdade são institutos distintos. Oestudo é de maior abrangência que o relatório e o englobaem si mesmo. O EIA compreende o levantamento daliteratura científica e legal pertinente, trabalhos de campo,análises de laboratório e a própria redação do relatório. 39 ORIMA está previsto no art. 9º da Resolução nº 001/86 doCONAMA, destinando-se especificamente aoesclarecimento das vantagens e conseqüências ambientaisdo empreendimento. Assim, refletirá as conclusões doestudo. Dispõe o parágrafo único do citado art. 9º:

O RIMA deve ser apresentado de formaobjetiva e adequada a suacompreensão. As informações devemser traduzidas em linguagem acessível,ilustradas por mapas, cartas, quadros,gráficos e demais técnicas decomunicação visual, de modo que se

38 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Op. cit. p. 27.39 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit. p. 207.

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possam entender as vantagens edesvantagens do projeto, bem comotodas as conseqüências ambientais desua implementação. 40

Como anota Herman Benjamin:

O EIA é o todo: complexo, detalhado,muitas vezes com linguagem, dadose apresentação incompreensíveis parao leigo. O RIMA é a parte mais visível(ou compreensível) do procedimento,verdadeiro instrumento decomunicação do EIA ao administradore ao público. 41

O RIMA é destinado especialmente aoesclarecimento da opinião pública, devendo serapresentado e discutido em audiências públicas, comoforma de permitir a influência da sociedade sobre decisõesambientais que possam vir a afetá-las direta ouindiretamente, tanto do ponto de vista da transformaçãoambiental, como sobre outros impactos, positivos enegativos, do ponto de vista sócio-econômico.

2.2.3. Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e Estudode Impacto Ambiental (EIA)

Avaliação de impacto ambiental (AIA) e Estudo deImpacto Ambiental (EIA) são, com precisão técnica,

40 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.41 BENJAMIN, Antônio Herman., apud MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 280.

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termos distintos. A AIA é um procedimento ou processo doqual o EIA é, entre outros, instrumento.42 Esta simplesafirmação é a base da distinção entre as expressões. Nemsempre o estudo de impacto será necessário. Assim, sóos impactos significantes de um projeto exigem aelaboração de EIA.

Antônio Inagê Assis de Oliveira, em artigo publicadona Revista de Direito Ambiental nº 17,43 estabelece asdiferenças existentes entre AIA e EIA, bem como apontaas conseqüências práticas dessa distinção, anotando quea exigência contida no inciso IV do § 1º do art. 225 da CR,de forma nenhuma é limitativa do emprego das técnicasde AIA na elaboração de políticas, planos e projetos e que,embora não regulamentada convenientemente, a avaliaçãode impactos ambientais é um instrumento da PolíticaNacional de Meio Ambiente e como tal deve ser encarada.Isso é importante, visto que, uma vez realizado o estudode impacto no procedimento de licenciamento ambiental,em seu momento oportuno, não quer dizer que não possao órgão licenciador exigir do empreendedor a realizaçãode outros estudos de avaliação de impactos ambientais,muitas vezes crucialmente necessários.

2.3. Origem histórica

O primeiro país a ser considerado,necessariamente, deve ser os Estados Unidos. O Estudode Impacto Ambiental – EIA – teve início nos estudos doProf. Lynton Caldwell, nos EUA, onde foram expressos noNational Environmental Police Act (NEPA), de 1969, queestabeleceu os objetivos e princípios da política ambientalamericana. Aquela lei determinou ainda que todas as

42 MILARÉ, Edis. Op. cit., p. 278.43 OLIVEIRA, Antônio Inagê Assis. Avaliação de Impacto Ambiental X Estudode Impacto Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dosTribunais, Ano 05, nº 17, p. 141-153, Jan-Mar. 2000.

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propostas de legislação, ações e projetos federais queafetassem significativamente a qualidade do meio ambienteincluíssem uma detalhada avaliação ambiental. 44 A NEPAé uma lei fundamental para o Direito Ambiental dos diversosEstados norte-americanos, dos quais 18 já adotam “mini-NEPAs”, e de diversos países, pois tem servido deinspiração para muitas legislações nacionais, inclusive abrasileira. 45

2.4. Evolução legislativa no Brasil

A história legislativa do estudo de impacto ambientalno Brasil pode ser considerada como iniciada na décadade 70 do século XX, através do Decreto-lei nº 1.413/75.46

O referido diploma legal introduziu em nosso ordenamentojurídico o zoneamento das áreas críticas de poluição. Oart. 1º determinou que:

As indústrias instaladas ou a seinstalarem em território nacional sãoobrigadas a promover as medidasnecessárias a prevenir ou corrigir osinconvenientes e prejuízos da poluiçãoe da contaminação do meio ambiente.

Assim, as empresas que viessem a ser instaladas apósa data de expedição do Decreto-Lei deveriam ser dotadas deequipamentos capazes de diminuir ou impedir a poluiçãoproduzida por suas atividades. Para tal, efetivamente, fazia-

44 SÉGUIN, Elida e CARRERA, Francisco. Planeta Terra – Uma Abordagem deDireito Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 83.45 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. revista, ampliada eatualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 280.46 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.413, de 14 de agosto de 1975. Dispõe sobre ocontrole da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais.Legislação de Direito Administrativo. Legislação de Direito Ambientale Constituição Federal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1078.

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se necessária uma avaliação prévia dos impactos ambientaisque, eventualmente, pudessem vir a ser produzidos pelainstalação industrial. Este foi o marco fundamental para aobrigatoriedade jurídica das avaliações de impacto ambiental.47

Um momento de grande importância foi alcançado coma edição da Lei nº 6.803/80.48 Foi através desse diploma legalque se estabeleceu de forma clara e precisa a necessidadeda avaliação do impacto ambiental dos empreendimentosindustriais. É importante observar que, nos termos da referidalei, a avaliação é prévia. Vejamos o § 3º do art. 10 da citada lei:

Além dos estudos normalmente exigíveispara o estabelecimento do zoneamentourbano, a aprovação das zonas a quese refere o parágrafo anterior seráprecedida de estudos especiais dealternativas e de avaliações de impactos,que permitam estabelecer aconfiabilidade da solução a ser adotada.

Ademais, de acordo com o art. 9º da lei em exame,a avaliação de impacto prevista no § 3º do art. 10,necessariamente, deveria contemplar alguns itenspreviamente definidos, como emissão de gases, vapores,ruídos, vibrações e radiações; riscos de explosão,incêndio, vazamentos danosos e outras situações deemergência; padrões de uso e ocupação do solo etc.

A Lei nº 6.938/8149 marca uma mudança qualitativano sistema legal de proteção ambiental, pois busca criar

47 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit., p. 295.48 BRASIL. Lei nº 6.803, de 02 de julho de 1980. Dispõe sobre as diretrizesbásicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e dá outrasprovidências. Legislação de Direito Administrativo. Legislação de DireitoAmbiental e Constituição Federal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1110-1113.49 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacionaldo Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outrasprovidências. Legislação de Direito Administrativo. Legislação de DireitoAmbiental e Constituição Federal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1119-1128.

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um sistema estruturado e organicamente coerente demedidas a serem adotadas para o alcance dos objetivosfixados naquele texto normativo. A Avaliação de ImpactoAmbiental (AIA), por força da Lei nº 6.938/81, foi elevada àcondição de instrumento da Política Nacional de MeioAmbiente (art. 9º, III).50

No entanto, a regulamentação do assunto não foifeita por Decreto, mas por Resolução do ConselhoNacional do Meio Ambiente – CONAMA. A resolução maisimportante no campo das avaliações de impacto ambientalé a Resolução nº 001/86.51 A inovação por ela trazida foio emprego da expressão Estudo de Impacto Ambiental.Assim, as avaliações de impacto passaram a serefetivadas através da realização de Estudos de ImpactoAmbiental.52 Posteriormente, a denominação estudo deimpacto ambiental acabou se popularizando de tal maneiraque se introduziu na própria Constituição da República.

A Constituição da República de 198853 significouuma profunda mudança na natureza jurídica dos Estudosde impacto ambiental. Atualmente, o EIA é institutoconstitucional, cuja importância cresce dia-a-dia. Grandeparte das Constituições Estaduais já consagra a exigênciado estudo para o licenciamento de atividades que possamafetar negativamente o meio ambiente.

Pelo fato de a Constituição da República termencionado, em seu art. 225, § 1º, IV, que o estudo deimpacto ambiental deve ser exigido na forma da lei,

50 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit., p. 299.51 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.52 ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. cit., p. 300.53 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05de outubro de 1988. Coleção Saraiva de Legislação: Constituição daRepública Federativa do Brasil. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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algumas vozes doutrinárias têm sustentado que suaexigência é inconstitucional, uma vez que sua imposiçãofoi trazida não por intermédio de lei, mas de resoluções:primeiramente através da Resolução 001/86 e,posteriormente, pela Resolução 237/97, ambas doCONAMA.

Com todo respeito, não entendemos dessa forma.Concordamos com Celso Antônio Pacheco Fiorillo,54 nosentido de que, apesar da aparente inconstitucionalidade,a exigência trazida pelo art. 225, § 1º, IV da CR, é cumprida.Isso porque a lei que se refere o Texto Constitucional é ade nº 6.938/81. Esta, por sua vez, menciona a criação doConselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA),atribuindo expressamente a esse órgão a competênciapara exigir o EIA/RIMA. Como bem anota Álvaro Luiz ValeryMirra:

{…} a hipótese do art. 225, § 1º, IV daCR é de reserva legal relativa, segundoa qual parte da disciplina normativa damatéria pode ser atribuída a outrafonte, diversa da lei formal, desde queesta indique as bases legais em que oato deva se produzir.55

2.5. Competencia para exigir o EIA

Segundo Milaré56 há na matéria um federalismocooperativo. Basicamente, o licenciamento ambiental érealizado pelos órgãos estaduais de controle ambiental.Quanto aos órgãos federais, a competência destes ésupletiva, salvo os casos de expressa determinação legal.

54 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 79.55 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p. 25.56 MILARÉ, Edis, Op. cit. p. 229.

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Os Municípios, em razão do conjunto de competênciasque possuem, poderão, também, fazer exigências quantoà necessidade dos EIA. Competem aos Municípios apenasexigir o estudo quando a obra ou atividade potencialmentecausadora de significativa degradação ambiental estiverincluída no campo do interesse local.

2.6. Atividades, obras e empreendimentos sujeitos aoEIA.

Estabelece a Constituição da República, no seu art.225, § 1º, IV que, incumbe ao Poder Público “exigir, naforma da lei, para instalação de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradação domeio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a quese dará publicidade”.57

O rol dos empreendimentos consideradospotencialmente causadores de significativa degradaçãoambiental vem expresso no art. 2º da Resolução nº 001/86 do CONAMA, que dispõe:

Dependerá de elaboração de estudo deimpacto ambiental e respectivorelatório de impacto ambiental – RIMA,a serem submetidos à aprovação doórgão estadual competente, e doIBAMA, em caráter supletivo, olicenciamento de atividadesmodificadoras do meio ambiente, taiscomo:I – Estradas de rodagem com duas oumais faixas de rolamento;II – Ferrovias;

57 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05de outubro de 1988. Coleção Saraiva de Legislação: Constituição daRepública Federativa do Brasil. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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III – Portos e terminais de minério,petróleo e produtos químicos;IV – Aeroportos, conforme definidospelo inciso I, artigo 48, do Decreto Leinº 32, de 18.11.66;V – Oleodutos, gasodutos,minerodutos, troncos coletores eemissários de esgotos sanitários;VI – Linhas de transmissão de energiaelétrica, acima de 230 KV;VII – Obras hidráulicas para exploraçãode recursos hídricos, tais como:barragem para fins hidrelétricos, acimade 10 MW, de saneamento ou deirrigação, abertura de canais paranavegação, drenagem e irrigação,retificação de cursos d’água, aberturasde barras e embocaduras,transposição de bacias, diques;VIII – Extração de combustível fóssil(petróleo, xisto, carvão);IX – Extração de minério, inclusive osda classe II, definidos no Código deMineração;X – Aterros sanitários, processamentoe destino final de resíduos tóxicos ouperigosos;XI – Usinas de geração de eletricidade,qualquer que seja a fonte de energiaprimária, acima de 10 MW;XII – Complexo e unidades industriaise agroindustriais (petroquímicos,siderúrgicos, cloroquímicos, destilariasde álcool, hulha, extração e cultivo derecursos hídricos);XIII – Distritos industriais e zonasestritamente industriais – ZEI;XIV – Exploração econômica demadeira ou de lenha, em áreas acimade 100 hectares ou menores, quando

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atingir áreas significativas em termospercentuais ou de importância do pontode vista ambiental;XV – Projetos urbanísticos, acima de100 ha, ou em áreas consideradas derelevante interesse ambiental a critérioda SEMA e dos órgãos municipais eestaduais competentes;XVI – Qualquer atividade que utilizarcarvão vegetal, derivados ou produtossimilares, em quantidade superior a 10(dez) toneladas por dia. (Incisoalterado pela Resolução 011 de18.03.86).XVII – Projetos agropecuários quecontemplem áreas acima de 1.000haou menores, neste caso, quando setratar de áreas significativas em termospercentuais ou de importância do pontode vista ambiental, inclusive nas áreasde proteção ambiental. (Incisoacrescentado pela Resolução 011, de18.03.86). 58

O emprego da expressão tais como não deixa dúvidaquanto à enumeração exemplificativa do rol acimatranscrito. O órgão ambiental licenciador poderá exigirEstudo de Impacto Ambiental quando deparar-se com obraou atividade não compreendida expressamente no art. 2º,mas que seja havida como “potencialmente causadora designificativa degradação do meio ambiente” (CR, art. 225,§ 1º, IV).

58 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.

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Segundo Herman Benjamin e Édis Milaré, duassituações devem ser consideradas para a aferição dagravidade do impacto:

{…} a primeira, que apresenta um rolde atividades onde a significância épresumida, vinculando oadministrador que, preso à lei, não podetransigir. A segunda, que engloba oscasos rebeldes à previsão legalespecífica, cuja apreciação, seja paradeterminar ou dispensar o estudo, ficaentregue ao poder discricionário – masnão arbitrário – do órgão de gestãoambiental. 59

Por fim, acaso o Poder Público, atuando na esferade sua competência, dispensar a execução do EIA/RIMArelativamente à obra ou atividade não compreendida noart. 2º citado, mas que seja potencialmente causadora designificativa degradação ambiental, pode o Poder Judiciárioser acionado para garantir a efetividade ao meio ambienteecologicamente equilibrado, direito asseguradoconstitucionalmente. Conforme leciona Paulo de BessaAntunes, nos casos de atividades ou instalações, potencialou efetivamente causadoras de significativa poluição oudegradação ambiental, qualquer licença cuja concessãonão tenha sido precedida de Estudo de impacto ambientalé nula de pleno direito, cabendo ao Poder Judiciáriodeclarar tal nulidade, se provocado por parte legitimamenteinteressada.60

A questão central é definir o que se deve entenderpor degradação “significativa” do meio ambiente, diante

59 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MILARÉ, Edis. Estudo Prévio de ImpactoAmbiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,1993, p. 68.60 ANTUNES, Paulo de Bessa, Op. cit. p. 316.

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da ausência de inclusão da atividade no rol da Resoluçãonº 001/86. O conceito de “significativa degradaçãoambiental” é impreciso e indeterminado, devendo serdelimitado pelo órgão público ambiental no início doprocesso de licenciamento. No entanto, não se trata decompetência discricionária, mas emite a Administraçãojuízo estrito de legalidade, sendo cabível, como jáafirmamos, apreciação pelo Poder Judiciário.

A propósito, o Tribunal de Justiça de São Pauloreconheceu a nulidade de licenciamento concedido a postode venda de combustíveis, a ser implantado em localsituado em área de preservação ambiental, com dispensade estudo de impacto ambiental, cuja realização, porém,se mostrou necessária na instrução do processo, porforça de perícia que constatou ser o empreendimentopotencialmente causador de significativa degradaçãoambiental. Nessa decisão, o TJSP afirmou expressamenteo caráter exemplificativo do rol do art. 2º da Resolução nº001/86 do CONAMA.

AÇÃO POPULAR – Construção deposto de venda de combustíveis emárea de proteção legal do meioambiente – Necessidade do estudo deimpacto ambiental – Carência quantoao pedido de anulação de parecertécnico – Ação acolhida para o fim deanular o alvará de licenciamento daobra – Decisão mantida – Recursosimprovidos, considerado interposto ooficial. (…)Inegável (…) o acerto da r. sentençaao proclamar nulidade do alvará delicenciamento da obra expedido pelaSecretaria do Meio Ambiente.Sem dúvida que um posto de gasolinasempre causa preocupação pelo riscode vazamento do combustível que

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pode causar uma explosão ou danosao meio ambiente pela infiltração nosolo que eventualmente atinge o lençolfreático ou cursos d’água.No caso, os riscos potencializaram-sepor se tratar de área de proteçãoambiental (altos da Serra daCantareira), de rica fauna e flora amerecer preservação, onde o tráfegode veículos de grande porte se tornadifícil por seus estreitos e tortuososcaminhos, com várias curvas que seabrem para abismos, semacostamentos e sem proteção, peloque se pode facilmente visualizar umcaminhão tanque despencando e sechocando com outro veículo, causandodanos ecológicos de monta, comodestacado no parecer da Procuradoriade Justiça.Bem concluiu a r. sentença pelanulidade do ato administrativo, sejapela falta do estudo prévio de impactoambiental que, no caso, mostrou-seimprescindível, seja pela ausência demotivação de sua não realização.Alega-se que não se determinou esseestudo em razão da obra de construçãode um posto de abastecimento decombustíveis não estar incluída no roldo art. 2º da Res. nº 001/86 doCONAMA.No entanto, a discriminação legal nãoé exaustiva, mas meramenteexemplificativa, sendo evidente queexistem outros casos não arroladosque podem causar significativo impactoao meio ambiente, como bem sedecidiu com apoio na manifestaçãoministerial de primeiro grau.

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A perícia concluiu pela invalidade dosalvarás de licença e construção,destacando, em remate, que ‘Seconcluído, o posto de combustíveis iráintroduzir na região um fator de riscoinsuficientemente avaliado, agravandoos impactos ambientais já provocadospelo loteamento Beverly Hills Park e arede viária municipal’ (…). 61

2.7. Momento da realização do EIA

Conforme seu papel de instrumento preventivo dedanos, obviamente deve ser elaborado antes da decisãoadministrativa de concessão da licença ou deimplementação de planos, programas e projetos com efeitoambiental no meio considerado. Daí a Constituição daRepública ter se referido a “estudo prévio de impactoambiental”. 62

Integrando o processo de licenciamento, o EIA nãopode ser enxergado como um documento cartorial,burocrático apenas. Seu objetivo maior é influir no méritoda decisão administrativa de concessão da licença. Seesta já foi expedida ou mesmo se a decisão já está tomada,o EIA perde a sua ratio, não tendo qualquer valor. 63

61 BRASIL. TJSP. 9ª Câm. Dir. Público. Processo nº 47.426-5/6. j. 10.11.99. Rel.Des. Santi Ribeiro. Disponível em http: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 07 dedezembro de 2005.No mesmo sentido posicionou-se a 2ª Câmara de Direito Público dessa mesmaCorte Paulista, a respeito da necessidade de EIA para a construção de umShopping Center: Ação Civil Pública Ambiental – Construção de ShoppingCenter no bairro de Higienópolis – Obrigatoriedade de Estudo Prévio de ImpactoAmbiental (EIA) – Doutrina a respeito do conceito de ‘significativa degradaçãoambiental’ – Legislação infraconstitucional que não exaure as hipóteses –Possibilidade do Judiciário suprir o vácuo (Ap. Cível nº 068.595-5/0-00. j.08.02.2000. Rel. Des. Alves Bevilacqua), in MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Op.cit. p. 47.62 MILARÉ, Edis. Op. cit. p. 297.63 Ibidem, loc. cit.

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O estudo de impacto está inserido na primeira etapado processo de licenciamento e deve ser exigido, elaboradoe aprovado antes da expedição da Licença Prévia (LP),como condição desta, já que é nessa fase que se realizamos estudos de viabilidade do projeto e nenhum outro estudoé mais adequado para tal finalidade do que o EIA.

2.8. Conteúdo mínimo do estudo de impacto ambiental

O art. 5º da Resolução nº 001/86 do CONAMA64

estabelece que o estudo de impacto ambiental deveráobedecer às seguintes diretrizes gerais:

I. contemplar todas as alternativastecnológicas e de localização doprojeto, confrontando-as com ahipótese de não-execução do projeto;II. identificar e avaliarsistematicamente os impactosambientais gerados nas fases deimplantação e operação da atividade;III. definir os limites da área geográficaa ser direta ou indiretamente afetadapelos impactos, denominada área deinfluência do projeto, considerando, emtodos os casos, a bacia hidrográficana qual se localiza;IV. considerar os planos e programasgovernamentais, propostos e emimplantação na área de influência doprojeto, e sua compatibilidade.

64 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.

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No caso concreto, poderão ser determinadasdiretrizes adicionais que, em razão das peculiaridades doprojeto e características ambientais da área, se fizeremnecessárias.

Uma questão polêmica é a da opção (ou alternativa)zero, isto é, a análise dos efeitos produzidos pela nãorealização do empreendimento. Trata-se de comparar asituação ecológica atual da região em que se pretendeimplantar determinado projeto com a situação futura. Deveser analisada também a situação econômico-social da áreade influência do projeto nas hipóteses de realização e denão realização do empreendimento. Relembre-se que, noregime constitucional brasileiro, a regra não é a daintocabilidade do meio ambiente, mas, ao contrário, a dautilização equilibrada.65

Na disciplina do conteúdo do EIA, art. 6º da aludidaResolução, impôs o legislador alguns requisitos técnicosmínimos a serem considerados, a saber:

1. Diagnóstico ambiental da área de influência doprojeto, que tem como objetivo descrever a situaçãoambiental da área atingida antes da implantação doempreendimento. Faz-se uma exposição das interaçõesdos fatores ambientais físicos, biológicos esocioeconômicos, indicando os métodos adotados parasua análise, com o objetivo de descrever as inter-relaçõesentre os componentes bióticos, abióticos e antrópicos dosistema a ser afetado pelo empreendimento.

2. Análise dos impactos ambientais do projeto e deeventuais alternativas para o empreendimento. – inclusive,como já visto, a alternativa de não execução do projeto (adenominada “alternativa zero”), sempre obrigatória –incluindo, necessariamente, identificação, previsão demagnitude e interpretação da importância de cada um

65 ANTUNES, Paulo de Bessa, Op. cit. p. 328.

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deles, permitindo uma interpretação abrangente dasrepercussões do empreendimento sobre o meio ambiente,entendido na sua forma mais ampla. Devem serdiscriminados os impactos positivos (benéficos) enegativos (adversos); diretos e indiretos; imediatos e amédio e longo prazos; temporários e permanentes, bemcomo o grau de reversibilidades dos impactos.

3. Definição de medidas mitigadoras dos impactosnegativos. São aquelas destinadas a impedir, suprimir oudiminuir as conseqüências desfavoráveis da atividade,com a avaliação, ainda, da eficácia dessas medidas.

4. Elaboração de programa de acompanhamento emonitoramento dos impactos ambientais, a ser efetivadodepois da implantação do empreendimento. Esse requisitoé de exigência fundamental em razão de o licenciamentopoder ser modificado – e até revogado – a qualquer tempo.

E se um estudo de impacto descuida de qualquerdestes aspectos obrigatórios?

Faço minhas as palavras de Álvaro Luiz Valery Mirra:

Nessa matéria, vale, a nosso ver, parao Brasil, a lúcida orientação dajurisprudência dos tribunaisadministrativos franceses: um EIA quenão contempla todos os pontosmínimos do seu conteúdo, previstos naregulamentação, é um estudoinexistente; e um EIA que, emboracontemple formalmente esses pontos,não os analisa de forma adequada econsistente, é um estudo insuficiente.E tanto num caso (inexistência do EIA)quanto no outro (insuficiência do EIA) ovício que essas irregularidadesacarretam ao procedimento dolicenciamento é de naturezasubstancial. Conseqüentemente,inexistente ou insuficiente o estudo de

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impacto não pode a obra ou atividadeser licenciada e se, por acaso, já tiverhavido o licenciamento, este seráinválido. 66

2.9. Repercussão dos resultados do EIA sobre olicenciamento

Elaborado e discutido – conforme o caso, inclusiveem audiência pública –, o EIA/RIMA deve ser analisado eaprovado. A competência para a análise e a aprovação doEIA acompanha a competência para o licenciamento daatividade projetada, já que, como visto, o estudo deimpacto, normalmente, integra o processo delicenciamento ambiental, como condição para a obtençãoda licença ambiental prévia (LP).

Questão importante nessa matéria é a concernenteà influência da aprovação do EIA sobre o licenciamentodo empreendimento. Uma vez aprovado o estudo, aconclusão emitida pela equipe que o elaborou vincula oórgão ambiental no licenciamento da obra ou atividade?

Em outras palavras, se a conclusão do estudo é nosentido da viabilidade do empreendimento, deve,necessariamente, ser concedida a licença? Se aconclusão do estudo é pela não implantação doempreendimento, deve, necessariamente, ser negada alicença? Se o EIA aponta alguma alternativa para o projeto,deve ela ser seguida pelo órgão ambiental?

O entendimento dominante é o de que as conclusõesdo EIA não vinculam o órgão administrativo ambiental. Talé o posicionamento de Paulo Affonso Leme Machado,Antônio Herman V. Benjamin e Vladimir Passos de Freitas.Diversamente, sustentando o caráter vinculante daconclusão do EIA para o órgão ambiental, Maria CuervoSilva Vaz Cerquinho e Paulo de Bessa Antunes.

66 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p. 69.

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Os argumentos utilizados pela corrente majoritária,no sentido da não vinculação, são os seguintes, conformemuito bem resumido por Mirra: o objetivo fundamental doEIA é orientar a decisão da Administração e informá-lasobre as conseqüências ambientais de um determinadoempreendimento. Contudo, o estudo de impacto atuabasicamente no plano da motivação do atoadministrativo relativo ao licenciamento. O EIA serve àexplicitação dos motivos que levaram o administrador adecidir pelo licenciamento ou não da atividadepotencialmente lesiva ao meio ambiente. Assim, sempreque o administrador público decidir de maneira divorciadada solução proposta no EIA, ele terá de motivar a decisãoe expor as razões que o levaram a optar por soluçãodiversa. E é essa motivação que permitirá a quem se julgarprejudicado (o empreendedor ou a coletividade) atacarjudicialmente a decisão administrativa.67

Paulo de Bessa Antunes, expoente do entendimentovinculativo da Administração, tem a seguinte posição:

As conclusões do estudo de impactoambiental obrigam a Administração.Com isto, quero dizer que aAdministração não poderá licenciarnenhum empreendimento se arecomendação contida no Estudo deimpacto ambiental for contrária aolicenciamento. E mais, asrecomendações de correção do projeto,igualmente, são cogentes para oadministrador. 68

Continua Paulo de Bessa:

67 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p. 85.68 ANTUNES, Paulo de Bessa, Op. cit. p. 313.

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O comando legal suficiente a ordenartal vinculação existe. É a própria LeiFundamental que determina umalimitação objetiva dadiscricionariedade administrativaquando se trata de licenciamentoambiental. (…) A limitação dadiscricionariedade administrativa éevidente, pois os Estudos de impactoambiental servem para oferecer umaanálise técnica dos efeitos quedecorrerão da implantação do projeto.Vale observar que o Estudo de impactoambiental deve oferecer uma visãoabrangente das conseqüências e, umavez que tais elementos tenham sidofornecidos aos administradores,caberá ao governo realizar um balançoentre todas as opções, consideradas,inclusive, aquelas de naturezasocioeconômica. A vinculação existe,na medida em que a AdministraçãoPública deverá levar em conta, aorealizar a sua decisão para aimplantação ou não do projeto, oselementos que constem do Estudo deimpacto ambiental e do seu relatóriode impacto sobre o meio ambiente. 69

Inicialmente, prosseguindo no pensamento de Paulode Bessa, cumpre relembrar que o Estudo de impactoambiental e o relatório de impacto sobre o meio ambienteconstituem-se em uma análise técnica sobre todas asalternativas e conseqüências que poderão advir para aimplantação de uma determinada atividade econômica,sobretudo. A equipe técnica, em seu trabalho, deverá

69 ANTUNES, Paulo de Bessa, Op. cit. p. 317.

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fornecer um quadro abrangente das conseqüências,considerando-se as variáveis apresentadas. AAdministração Pública fica vinculada ao conteúdo dosestudos.70 Isso significa que o limite da discricionariedadeadministrativa está em decidir no âmbito das questõessuscitadas pelo estudo de impacto.

Conclui Paulo de Bessa o seu raciocínio:

Qual o exato significado da vinculaçãoao conteúdo dos estudos? Aexpressão tem o significado de que aAdministração Pública não poderáapresentar razão para justificar aimplementação do projeto, ou anegativa de implementá-lo, emelementos que não constem dos autosdo EIA/RIMA. Qualquer decisão a sertomada deverá, necessariamente, tercomo base os estudos elaboradospela equipe técnica.71

Não obstante a controvérsia, inclino-me a concordar,por ora, com a corrente majoritária. De fato, a funçãoprimordial do EIA/RIMA é orientar o órgão licenciador arespeito das conseqüências ambientais esocioeconômicas da emissão de uma licença parainstalação, e futura operação, de uma atividade que tenhapotencial para causar significativo dano ambiental.Pesquisas serão desenvolvidas e apresentadas as suasconclusões no sentido de evitar ou minorar a ocorrênciade danos ao meio ambiente. Contudo, não está afastadoo dever da Administração de verificar a fundamentaçãodesse estudo e de acompanhar de perto a sua realização.Sendo assim, é possível o não acolhimento das diretrizes

70 Ibidem, p. 318.71 Ibidem, loc. cit.

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constantes do EIA/RIMA, desde que devidamentefundamentada a decisão.

2.10. Incubência, despesas e responsabilidade pelaelaboração do EIA.

O artigo 7º da Res. 001/86 do CONAMA72 estabeleciaque o EIA, na sua regulamentação inicial, devia serelaborado por uma equipe multidisciplinar habilitada,independente do proponente do projeto (empreendedor),ficando responsável tecnicamente pelos resultadosapresentados. Esse artigo foi revogado expressamentepelo art. 21 da Resolução nº 237/97 do CONAMA.73 Naprática, a exigência de total independência das equipestécnicas não funcionou. Como anota Mirra, floresceu achamada “indústria do EIA/RIMA”, com a criação deescritórios de consultoria privada, nem sempre compropósitos sérios e bom preparo técnico-científico, prontosa favorecer o empreendedor com a manipulação de dadose análises na preparação do estudo.74

Essa mesma Resolução 237/97, em seu art. 11,alterou o sistema anteriormente vigente. In verbis: “Osestudos necessários ao processo de licenciamentodeverão ser realizados por profissionais legalmentehabilitados, às expensas do empreendedor”. Parágrafoúnico: “O empreendedor e os profissionais quesubscrevem os estudos previstos no caput deste artigo

72 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.73 BRASIL. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Legislação deDireito Administrativo. Legislação de Direito Ambiental eConstituição Federal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1215-1224.74 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p.71.

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serão responsáveis pelas informações prestadas,sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais”.

Dessa forma, deixou de ser obrigatória a realizaçãodo estudo de impacto ambiental por equipe técnicadesvinculada do empreendedor. Poderão integrar a equipe,conseqüentemente, até mesmo profissionais dos quadrosda própria empresa ou entidade estatal empreendedora,que permanecerá, como antes, com o ônus de arcar comos custos e despesas do trabalho técnico.

Assim, a remuneração da equipe técnica corre porconta do empreendedor. Vejamos o art. 8º da Res. 001/86do CONAMA:

Correrão por conta do proponente doprojeto todas as despesas e custosreferentes à realização do estudo deimpacto ambiental, tais como: coleta eaquisição dos dados e informações,trabalhos e inspeções de campo,análises de laboratório, estudos técnicose científicos e acompanhamento emonitoramento dos impactos,elaboração do RIMA e fornecimento depelo menos 5 (cinco) cópias.75

Apesar da revogação do art. 7º da Res. 001/86,manteve-se, no sistema brasileiro, a necessidade dehabilitação legal dos profissionais encarregados do EIA ea responsabilidade destes em conjunto com oempreendedor, pelas informações técnicas apresentadas,sujeitando-se, eventualmente, a sanções administrativas,civis e penais (art. 11 da Res. 237/97 do CONAMA).

75 BRASIL. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Estabelece definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais pra uso eimplementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentosda Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 1134-1138.

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Em que pese a omissão normativa atual, deve sermantido o caráter multidisciplinar da equipe incumbida dafeitura do EIA, inerente à própria natureza desse tipo deestudo, como condição para a seriedade do trabalho.

Quanto à responsabilidade da equipe multidisciplinare do empreendedor, será administrativa, civil e penal,conforme o disposto no parágrafo único do art. 11 daResolução 237/97 do CONAMA.

As opiniões apresentadas pelos especialistas ou“técnicos habilitados” devem constar integralmente noestudo, representando isto uma “obrigação de relevanteinteresse ambiental”, conforme o art. 68 da Lei nº 9.605/98. A sonegação, ocultação ou mutilação do conteúdo doEIA pelo empreendedor, ou por qualquer outra pessoa, écausa de nulidade do estudo, que deverá ser refeito. Essescomportamentos tipificam o crime do citado art. 68 da Leide Crimes Ambientais.76

A Constituição da República estabelece o seguinteno § 3º do art. 225:

As condutas e atividades consideradaslesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas,a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação dereparar os danos causados.77

A partir da revogação do art. 7º da Resolução 001/86 do CONAMA, a responsabilidade pela elaboração doEIA é tanto do empreendedor quanto da equipe técnica.No regime da responsabilidade civil objetiva (independentede culpa) não interessa apurar se os técnicos agiram com

76 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Op. cit. p. 224.77 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05de outubro de 1988. Coleção Saraiva de Legislação: Constituição daRepública Federativa do Brasil. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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dolo ou com negligência, imprudência ou imperícia naelaboração do estudo. Pelas omissões e erros do EIAresponde civilmente, de forma direta, o empreendedor.Quanto aos integrantes da equipe técnica, o entendimentoé de que a responsabilidade desta não é objetiva, sendoimprescindível a comprovação de atuação dolosa ouculposa.

2.11. Publicidade do EIA/RIMA e suas discussões emaudiências públicas

A Constituição da República, no art. 225, § 1º, IV,impôs que seja dada publicidade ao estudo de impactoambiental, ampliando os termos do art. 11 da Resolução001/86 do CONAMA que já estabelecia que o RIMA seriasempre acessível ao público, respeitado o sigilo industrial.

Houve o reconhecimento expresso das duas facesda informação em matéria ambiental, destacadas porPaulo Affonso Leme Machado: de um lado, o direito detodos terem acesso às informações a respeito dolicenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental,e, de outro lado, o dever de o Poder Público informarperiodicamente a população a respeito doslicenciamentos ambientais e da realização de estudos deimpacto, antecipando-se à curiosidade do cidadão.78

Em sede de EIA/RIMA, dois princípios fundamentaisse destacam: o princípio da publicidade e o princípio daparticipação pública. Aquele diz respeito ao direito quequalquer cidadão tem de conhecer os atos praticados pelosseus agentes públicos. Este, de maneira extensiva, aplica-se ao direito que tem o cidadão, organizado ou não, deintervir – porque parte interessada – no procedimento detomada da decisão ambiental.79

78 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 38.79 BENJAMIN, Antônio Herman V. apud MILARÉ, Edis. Op. cit. p. 308.

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O instrumento de garantia mais importante para oefetivo exercício dos dois princípios acima mencionadosé a chamada audiência pública, por meio da qual sebusca expor aos interessados o conteúdo do produto emanálise e do RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dospresentes as críticas e sugestões a respeito.80

As audiências públicas são reuniões públicas, quetêm como objetivo informar o público, debater o projeto econhecer as opiniões da população sobre a implantaçãode obras e atividades potencialmente causadoras designificativa degradação ambiental. Nelas é que seapresentam e se discutem os RIMAs.81

A audiência pública, como regulamentada pela Res.009/87 do CONAMA, pode ser convocada em quatrohipóteses:

1ª. quando o órgão ambiental julgar necessário;2ª. por solicitação de entidade civil;3ª. por solicitação do Ministério Público;4ª. a pedido de 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos.Apesar do emprego impróprio do verbo “solicitar”,

havendo a solicitação, a audiência pública deverá serrealizada. Do contrário, a licença concedida não terávalidade. Dessa forma, a audiência pública sempre deveráser realizada quando convocada por qualquer doslegitimados, cuidando-se de direito público subjetivo destes,e não mera faculdade do órgão ambiental licenciante.82

3. A proteção ao meio ambiente nos tribunais

Nosso objetivo neste presente capítulo é conjugar oprincípio da precaução com o estudo de impacto ambiental

80 MILARÉ, Edis. Op. cit. p. 309.81 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p. 80.82 BUGALHO, Nelson R. Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Revista deDireito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 05, nº 15, p. 18-33,Jul-Set. 1999. p. 28.

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e apresentar, através de casos concretos, como vemsendo encarada a exigência do EIA/RIMA pelos tribunaisbrasileiros.

Ao longo deste trabalho, fizemos a opção decaracterizar da forma mais completa possível oinstrumento de proteção ambiental denominado estudo deimpacto ambiental, salientando, por diversas vezes, queo consideramos como a melhor forma de tornar vivo,concreto e presente o princípio da precaução ambiental.Apresentamos até este momento a teoria. Teoria que,dissociada da prática, pouco vale. Nosso propósito nãofoi apenas o de fazer um discurso pró meio ambiente, mastambém, através da pesquisa bibliográfica ejurisprudencial, contribuir no sentido do aperfeiçoamentoda proteção ambiental.

Um primeiro tópico interessante consiste em verificarcomo os tribunais vêm interpretando a questão da“significativa degradação ambiental”, conceito jurídicoindeterminado empregado na CR.

Vejamos, respectivamente, decisões dos TribunaisRegionais Federais da 2ª e da 4ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL.CONSTITUCIONAL. AGRAVOINTERNO EM AGRAVO DEINSTRUMENTO. LIMINAR.CAUTELAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL(EIA). ART. 225 DA CONSTITUIÇÃOFEDERAL.Agravo de instrumento interpostocontra a decisão do M.M. Juízo da 30ªVara Federal do Rio de Janeiro, quedeferiu liminar, nos autos da açãocautelar preparatória da ação civilpública, determinando que a agravantese abstivesse de continuar aconstrução de seu empreendimento

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imobiliário, enquanto nãoprovidenciasse a realização de estudode impacto ambiental.Recurso de agravo interno interpostopelo Ministério Público Federal, emface da decisão do Relator quesuspendeu a eficácia da liminarconcedida.Não obstante não se pretenda afastara importância da construção deempreendimento hoteleiro de tãogrande porte, tanto para odesenvolvimento do país, quanto paraa geração de empregos, não há comose permitir o sacrifício do meioambiente em favor desta construção.O art. 225 da Constituição Federalinstitui como dever do Poder Públicoassegurar que todos tenham direito aomeio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade devida, devendo ser preservado edefendido para as presentes e futurasgerações.Faz-se necessário cumprir a exigênciade elaboração de estudo prévio deimpacto ambiental a ser causado porobra de tal magnitude.Auto-aplicabilidade do inciso IV do art.225, da Constituição Federal.Provimento ao agravo interno.83

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOAMBIENTAL. LICENÇAS CONCEDIDAS

83 BRASIL. TRF da 2ª Região. 2ª T. Processo nº 2003.02.01.001060-6/RJ. j.25.06.2003. Rel. Juiz Sérgio Feltrin Corrêa. Rel. do acórdão. Juiz Paulo EspíritoSanto. Disponível em http: www.trf2.gov.br. Acesso em 10 de dezembro de 2005.

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PELO IAP E AUTORIZAÇÃO DEDESMATE PELO IBAMA ÀSUDERHSA PARA PROCEDERMACRODRAGAGEM DO LITORALPARANAENSE SEM ESTUDO DEIMPACTO AMBIENTAL. SUSPENSÃODAS OBRAS E REPARAÇÃO DOSDANOS AMBIENTAIS. RISCOS DEENCHENTES. SAÚDE PÚBLICA.QUESTÃO SANITÁRIA.1. Não há necessidade de estudo deimpacto ambiental para mera limpezade canais de escoamento e, in casu,a pretensão de nulidade de todas asautorizações, bem como a paralisaçãodas obras de desassoreamento doscanais, deixa ao desamparo aspopulações vizinhas, que sofrem riscosde calamidades decorrentes dascheias, como a proliferação dedoenças como a dengue e aleptospirose, além de danos emresidências, móveis e utensílios.2. A aplicação da Resolução nº 237/97 do CONAMA deve ser feita comrazoabilidade à luz do que dispõe o art.225 da Constituição, sem esquecer quea obra que necessita de estudo deimpacto ambiental / relatório deimpacto ambiental é predicada pela“significativa degradação do meioambiente”.3. Verificando a situação concreta,limpeza e desassoreamento de canaisvintenários, operação que deveriaocorrer periodicamente, anualmentequiçá, não se mostra necessário o EIA/RIMA a cada operação de limpeza, oque seria uma demasia, pelo seu altocusto e complexidade, daí a conclusão

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de que as autoridades avaliaram bema situação, ao dispensá-los, nestecaso.4. Não podem, todavia, ser realizadasobras novas, como o canal entre osbalneários ST Etiene e Albatroz, nobalneário Matinhos, o do Rio da Onçae o ligando o Balneário Monções aocanal do Guaraçu, bem como o próprioalargamento do canal do Guaraçu semos devidos EIA/RIMAs, no qual sediscuta também a opção de “nãofazer”.5. A despeito da função institucionaldos órgãos ambientais-réus, IBAMA eIAP, de fiscalizarem tudo o quanto serefira ao meio ambiente, degradaçãoou restauração, fica mantida acondenação de todos os réus, no quese refere ao cumprimento do Plano deRecuperação Ambiental, inclusive coma promoção da desocupação das áreasinvadidas ou irregularmente ocupadas.6. Parcialmente providos os recursos ea remessa oficial, afastada a condenaçãoem honorários advocatícios, porincabíveis na espécie.84

A respeito do momento em que deve ser elaboradoo estudo de impacto ambiental, bem como a casos delicenciamento com dispensa do EIA, quando este se fazianecessário, assim têm decidido os tribunais:

PROCESSUAL CIVIL. Estabelecimentoindustrial. Fabricação e manipulação de

84 BRASIL. TRF da 4ª Região. 3ª T. Processo nº 2003.040.10147004-5/PR. j.03.09.03. Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Disponível emhttp: www.trf4.gov.br. Acesso em 10 de dezembro de 2005.

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produto químico. Prova Pericial. EstudoPrévio de Impacto Ambiental (EIA) eRelatório de Impacto Ambiental (RIMA).O estudo de impacto ambiental (EIA) eo relatório de impacto ambiental (RIMA)realizado pela FEPAM deve ser anteriorà autorização da obra e/ou autorizaçãoda atividade. Descabe a determinaçãoda realização pela FEPAM do EIA/RIMAdepois de a empresa estar em plenaatividade. A comprovação da atividadepoluidora de empresa em operaçãopoderá ser realizada através de outraprova técnica. Agravo provido. 85

EXPLORAÇÃO EXTRATIVA – Areiade cava – Licença para funcionamento– Falta do RIMA – Revogação – Direitoda Prefeitura para embargar ofuncionamento da empresa extratora –Competência desta para fiscalizar omeio ambiente – Segurança denegada– Decisão mantida – Declaração devoto.(…)Sendo da competência do Municípioconceder licença para extração de areiade cava, mediante exigênciasenumeradas na Lei nº 2.030/81, impôso CONAMA, através da Resolução001/86 (art. 2º), para licenciamento deatividades modificadoras do meioambiente, a exigência ‘de estudo deimpacto ambiental e respectivoRelatório de Impacto Ambiental –RIMA, a serem submetidos àaprovação do órgão estadual

85 BRASIL. TJRS. 2ª Câm. Cível. Processo nº 597044999. j. 28/04/1999. Rel.Des. Arno Werlang. Disponível em http: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 07 dedezembro de 2005.

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competente, e da SEMA (IBAMA) emcaráter supletivo’.Se a Prefeitura Municipal não renova alicença, porque não entregue à empresao RIMA por órgãos do GovernoEstadual, mostra-se lícito o embargolevado a termo, do qual se deuoportunidade para defesa, conforme seinfere do auto de fls. (…). 86

ADMINISTRATIVO. Poder de Polícia.IBAMA. Auto de infração por ausênciade licença ambiental. Pedreira, lixeirae caminhão municipais. Interdição.Inteligência do art. 225, § 1º, IV daConstituição Federal e artigos 17 e 34,IX do Decreto nº 99270/90.(…)É legal a lavratura de auto de infraçãoe interdição de pedreira, quando aatividade se dá sem a elaboração deestudo prévio de impacto ambiental,segundo dispõe o art. 225, § 1º, daConstituição Federal.Decorre dos arts. 17, caput, e art. 34,IV, do Decreto nº 99.270/90 a exigênciade prévio licenciamento pelo IBAMApara construção, instalação, ampliaçãoe funcionamento de atividadeutilizadora de recursos ambientais,bem como empreendimentos capazes,sob qualquer forma, de causardegradação ambiental.Apelação e remessa oficial improvidas. 87

86 BRASIL. TJSP. 3ª Câm. Cível. Processo nº 151.597-1/4. j. 19.11.91. Rel.Des. Silvério Ribeiro. Disponível em http: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 07 dedezembro de 2005.87 BRASIL. TRF da 4ª Região. 4ª T. Processo nº 426.770-8/94-RS. j. 30.06.98.Rel. Juiz Dirceu de Almeida Soares. Disponível em http: www.trf4.gov.br.Acesso em 10 de dezembro de 2005.

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AÇÃO CIVIL PUBLICA. Liminarconcedida pelo Juízo a quo para aparalisação de obras necessárias àduplicação da rodovia Amaral Peixotoe do trevo do parque dos tubos, emMacaé. Suspensa, pelo Relator, aliminar concedida, por ser aludida obraindispensável para garantir a segurançada população, pois acontecemfreqüentes acidentes naquele trecho darodovia. Licença concedida para iniciodas obras pelo órgão licenciador daFEEMA, sendo, todavia, defundamental importância o estudo deimpacto ambiental. Necessidade deultimar o asfaltamento da rodovia paranão se causarem maiores prejuízos aomeio ambiente, à população local eaos usuários daquela. Devem restarsuspensas, contudo, as demais obrasdecorrentes da duplicação da rodoviaaté a elaboração do estudo de impactoambiental fornecido pelo EIA/RIMA.Parcial reforma da decisão. 88

Igualmente importante é a possibilidade deexigência de EIA em relação a empreendimentossujeitos à licitação.89 Uma obra para ser licitada deveconter um “projeto básico”, elaborado pela autoridadecompetente, além dos recursos orçamentáriosnecessários a sua realização. Considerou a Lei nº 8.666/9390, em seu art. 12, VII, a avaliação de impacto ambiental

88 BRASIL. TJRJ – 18ª Câm. Cível. – Processo nº 2004.002.12179. j. 09/08/2005. Rel. Des. Nascimento Povoas Vaz. Disponível em http: www.tj.rj.gov.br.Acesso em 08 de dezembro de 2005.89 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Op. cit. p. 91.90 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, incisoXXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos daAdministração Pública e dá outras providências. Legislação de DireitoAdministrativo. Legislação de Direito Ambiental e ConstituiçãoFederal, São Paulo: Rideel, 2003, p. 559-607.

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como um dos requisitos indispensáveis para a elaboraçãodo projeto básico.

Conclui-se, dessa forma, que, se nenhuma obrapública pode ser licitada sem prévia elaboração eaprovação de projeto básico, o qual deve asseguraradequado tratamento a eventuais impactos ambientais doempreendimento, sem dúvida nenhuma, por ocasião daabertura do procedimento licitatório, o estudo de impactoambiental já deverá ter sido previamente realizado,discutido e aprovado, na fase própria do processo delicenciamento ambiental. Isso significa, finalmente, quesequer se pode pensar seriamente em dar início à licitaçãode uma obra pública potencialmente causadora designificativa degradação ambiental sem que antes seelabore e aprove o EIA/RIMA e sem que antes se obtenha,no mínimo, a licença ambiental prévia do empreendimento,sob pena de ilegalidade do procedimento licitatório.

Vejamos algumas decisões a respeito:

MEIO AMBIENTE – Obra e atividadecausadora de degradação – Estudoprévio de impacto ambiental e relatório– Obrigatoriedade – Abertura de editalde licitação simultaneamente comaelaboração do projeto executivo e dosestudos ambientais –Inadmissibilidade.Para o licenciamento de atividadesmodificadoras do meio ambiente e paraa instalação de obra e atividadepotencialmente causadora dedegradação do mesmo é necessária aapresentação do estudo prévio deimpacto ambiental (EPIA) e daaprovação do relatório de impactoambiental (RIMA), consoantedisposições contidas no art. 225, § 1º,IV, da CR, art. 12, VII, e art. 7º, I c/c

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art. 6º da Lei nº 8.666/93, com aredação dada pela Lei nº 8.883/94 ena Resolução 001/86 do CONAMA. E,para que o projeto de execução possaser elaborado, minimizando asconseqüências da execução da obra,os estudos sobre o impacto ambientaldevem ser feitos antes do processolicitatório, não se admitindo a aberturade edital de concorrência quandoelaborados, simultaneamente, osestudos ambientais e o projetoexecutivo, para se evitar desperdíciode dinheiro público, se, ao final,concluíssem os estudos pelainviabilidade do projeto. 91

PROCESSUAL CIVIL – Agravo deinstrumento – Revogação de liminar emação civil pública.I – A obra pretendida pelo agravado eque teve processo licitatório prévio,dispensou, nessa licitação a inclusãode estudo de impacto ambiental,exigido pela legislação. Somentemediante a realização de tal estudo e aapresentação do respectivo relatório deimpacto ambiental – RIMA, haveriaprocesso licitatório legal e válido, bemcomo, possibilidade de início de obras.II – Agravo de instrumento provido, parareformar a decisão que revogou a liminaranteriormente concedida, para obstara realização da obra de recuperação dafaixa de areia da praia do Leblon. 92

91 BRASIL. TJMG – 5ª Câm. Cível. – Processo nº 62.043/5. j. 22/08/1996. Rel.Des. Campos Oliveira. Disponível em http: www.tj.mg.gov.br. Acesso em 08de dezembro de 2005.92 BRASIL. TRF da 2ª Região. 1ª T. Processo nº 223.147-5/96/RJ. j. 02.12.1997.Rel. Juiz Chalu Barbosa. Disponível em http: www.trf2.gov.br. Acesso em 10de dezembro de 2005.

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Infelizmente, há casos de manipulação de estudosde impacto ambiental, em que empreendedor e equipetécnica, em conluio, alteram ou fabricam seus resultados,apresentando um estudo destoante da realidade, com afinalidade de obter a licença necessária à instalação eposterior operação da atividade. Não gostaríamos de falardesses casos, mas é preciso, visto que acontecem comcerta freqüência.

Um triste exemplo de fraude no estudo de impactoque, não obstante, acarretou na expedição da licençaambiental foi o caso da usina hidrelétrica de Barra Grande,situada na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina.Passemos a uma breve exposição dos fatos:

O projeto consistia em construir uma usinahidrelétrica em Barra Grande. Para obter a licença préviaque permitiu o início da construção da barragem em 1999,a empresa construtora, Baesa – Energética Barra GrandeS.A. baseou-se num estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) fraudulento, elaborado pela empresa de consultoriaEngevix. A existência de dois mil hectares de florestasvirgens de araucárias e mais outros quatro mil hectaresde florestas em estágio avançado de regeneração, o querepresenta 2/3 da área total do reservatório, foicompletamente ignorado pelo relatório.93

No estudo, a área a ser alagada seria constituídapor “pequenas culturas, capoeiras ciliares baixas e camposcom arvoredos esparsos”. O EIA/RIMA afirmava, ainda,que “a formação dominante na área a ser inundada peloempreendimento é a de capoeirões que representam níveisiniciais e, ocasionalmente, intermediários de regeneração”.E o que é pior, garantia que no local não é comum aocorrência da Araucaria angustifolia, espécie ameaçada

93 ZEN, Eduardo Luiz. DENÚNCIA – Fraude no Estudo de Impacto Ambientalgarantiu licença para construção da hidrelétrica de Barra Grande. Zero Hora,Porto Alegre, 01 out. 2004, p. 09-11.

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de extinção e protegida por lei. Baseado nestasinformações, o IBAMA considerou ambientalmente viávela construção da barragem, alegando que a área que seráinundada não tem grande significância quanto a suacobertura vegetal e que a obra não traria graves prejuízosa bens ambientais importantes ou protegidos pelalegislação.94 Esses os fatos.

Não há como deixar de constatar a omissão do órgãoambiental fiscalizador, no caso, o IBAMA. Ainda de acordocom a matéria de Eduardo Luiz Zen, citada na páginaanterior, a constatação da existência das araucárias sófoi feita com o muro da represa praticamente concluído,quando a Baesa, consórcio formado pelo grupo Votorantin,Bradesco, Camargo Corrêa, Alcoa e CPFL, pediu ao IBAMAa emissão da Licença de Operação (LO), para oenchimento do reservatório. O IBAMA solicitou, então, aapresentação de um programa de remoção da vegetaçãoda área a ser alagada. Uma equipe especializada foicontratada para realizar o trabalho. Em maio de 2003, apósir a campo, a equipe apresentou o planejamento daremoção, onde consta que 25% da área do futuroreservatório é composta de vegetação primária, ou seja,Mata Atlântica, principalmente de florestas de araucáriasem ótimo estado de preservação. Já 45% da área a serinundada está composta por vegetação secundária emestado avançado e médio de regeneração e riquíssimaem biodiversidade.95

Quais as conseqüências?A Rede de ONGs da Mata Atlântica e a Federação

das Entidades Ecologistas de Santa Catarina (Feec)ingressaram com ação civil pública contra o IBAMA e aBaesa, pleiteando a anulação do processo delicenciamento ambiental.

94 ZEN, Eduardo Luiz. Op. cit., p. 09.95 Ibidem, p. 10.

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Apesar da fraude, o IBAMA autorizou no dia 17 desetembro de 2004 o desmatamento da floresta, alegandoque não é de interesse público paralisar uma obra emestágio final de conclusão. Um termo de ajustamento deconduta (TAC) foi assinado com a Baesa e representantesdo Ministério Público e dos ministérios do Meio Ambientee das Minas e Energia. No termo, a empresa ficacomprometida a comprar uma área de 5.700 hectares paraconstituição de uma reserva ambiental, além de formarum banco de germoplasma para a preservação dosrecursos genéticos específicos da floresta nativa que seráalagada.96

Em julho do corrente ano o IBAMA concedeu alicença de operação, autorizando o enchimento doreservatório.

Conclusões pessoais sobre o EIA/RIMA da UHE deBarra Grande:

1. Inicialmente, constata-se, na prática, a totalausência de preocupação com o meio ambiente. Falamosaqui do princípio da precaução, de sua materializaçãoatravés do instrumento de proteção ambiental denominadoEIA/RIMA, da proteção especial conferida no textoconstitucional ao meio ambiente. Tudo isso é teoria, éintenção, é preocupação. Na prática, muitas vezes, ascoisas são diferentes, não funcionam da forma como erapara funcionar.

2. Houve omissão de informações relevantes noestudo que serviram para subsidiar a expedição da licença.A omissão foi intencional, não há como entender de outraforma. Agiram de má-fé os empreendedores (ouproponentes do projeto), a empresa construtora e aempresa de consultoria, responsável pelo estudo. Nomínimo, deixaram de cumprir obrigação de relevanteinteresse ambiental, a que se comprometeram a fazê-lo,

96 ZEN, Eduardo Luiz. Op. cit., p. 11.

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o que tipifica o delito do art. 68 da lei nº 9.605/98. Volto afrisar: no mínimo. Devem ser punidos de maneiraexemplar.

3. Flagrante omissão do órgão local do IBAMA, quetem o dever de fiscalizar durante todo o tempo a realizaçãodo EIA/RIMA. O IBAMA, em cinco anos, não conseguiuenxergar que na região existe araucária ao invés decapoeira! Os responsáveis pelo órgão do IBAMA na regiãotiveram dolo e compactuaram abertamente com a farsaem que se constituiu esse EIA/RIMA, além de todo oprocesso de licenciamento. Devem ser responsabilizadospor fazerem “vista grossa”, por atuarem com desídiafuncional e terem acobertado toda a conduta criminosarealizada.

4. Este caso ilustra a banalização em que se tornouo processo de licenciamento ambiental. Não se trata deum caso isolado, mas reflete a pressão política que oEstado brasileiro tem recebido dos grandes gruposeconômicos para flexibilizar a legislação ambiental edistribuir licenças sem critérios. O processo delicenciamento não se trata mais de uma questão técnica,mas política. No final, quem sai no prejuízo é o meioambiente e a coletividade.

5. Se já não fosse bastante toda a imensa cadeia deomissões intencionais que culminou com a construçãoda usina hidrelétrica, mais decepcionante e revoltante foia decisão tomada pelo IBAMA, consistente em autorizar odesmatamento da cobertura vegetal de araucárias, sob oargumento de que não é de interesse público paralisar umaobra em estágio de conclusão. Ora, não é de interesse dacoletividade, que elege os governantes de uma nação quese diz democrática, justamente para cuidar de seusinteresses, o descaso total com que vem sendo tratado omeio ambiente. A destruição das araucárias é do interessedos poucos poderosos e influentes, detentores do podereconômico, que com absolutamente nada se importam, anão ser com a obtenção de riquezas pessoais ao custo

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que tiver de ser. A decisão pela derrubada da floresta seresume a isto: É ilegal? Sim, mas e daí?

Não importa o valor que foi gasto com a realizaçãoda vultosa obra, não é esta a questão. O que interessa éque temos um processo viciado desde a sua origem, comconseqüências drásticas para o meio ambiente, que, valelembrar, é alvo de especial proteção pela Constituição daRepública. O desfecho dessa trágica história é exemplodas constantes e diárias violações perpetradas em faceda nossa Carta Magna, não apenas com relação à questãoambiental, mas, sobretudo, às graves violações aosdireitos humanos praticadas pelos Estados.

4. Conclusão

Por fim, forçoso retirar algumas conclusões destetrabalho monográfico:

Em primeiro lugar, o estudo de impacto ambiental eseu relatório de impacto ambiental, quando realizados comseriedade e transparência, constituem-se em um dos maisimportantes instrumentos de proteção ao meio ambienteà nossa disposição.

Vimos que, não obstante a realização de EIA/RIMAem seu momento oportuno, isto é, antes da expedição dalicença prévia, outros estudos ambientais podem serexigidos pelo órgão público ambiental, sempre que semostrarem imprescindíveis.

A função primordial do EIA/RIMA é orientar a decisãoadministrativa de concessão ou não da licença ambiental,não possuindo suas conclusões caráter vinculante para oórgão ambiental.

Em que pese a existência desse eficaz instrumentode proteção ambiental, na prática, o processo delicenciamento de atividades e empreendimentos compotencial para causar degradação do meio ambiente nãovem sendo levado a sério, aliás, talvez nunca tenha sidolevado a sério até hoje.

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Por derradeiro, concluo que ainda há muita coisa aser feita e enquanto o meio ambiente não for tratado peloEstado – em todos os níveis da Federação – comoprioridade absoluta, muitos danos continuarão ocorrendoe seus causadores permanecerão impunes.

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