UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE...

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FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS - FDC PROGRAMA DE MESTRADO UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. MARIA CLAUDIA CAIRO CHILETTO CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ 2007

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FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS

CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE - UNIFLU

FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS - FDC

PROGRAMA DE MESTRADO

UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL.

MARIA CLAUDIA CAIRO CHILETTO

CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ

2007

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MARIA CLAUDIA CAIRO CHILETTO

UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL.

Dissertação de Conclusão de Curso do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito de Campos.

Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Maria de Azevedo Gomes.

CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ

2007

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UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL.

MARIA CLAUDIA CAIRO CHILETTO

Dissertação submetida à Banca Examinadora, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do Grau de Mestre em Direito – Área de Concentração

em Relações Privadas e Constituição, do Programa de Pós-graduação em Direito,

da Faculdade de Direito de Campos.

Aprovada em: ____________________________

Banca Examinadora:

_______________________________________________

Prof. Dr. Eduardo Takemi Dutra dos Santos Takaoka

_______________________________________________

Profª. Drª Heloisa Helena Gomes Barboza

_______________________________________________

Profª. Drª. Rosângela Maria de Azevedo Gomes

(Orientadora)

CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ

2007

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Aos meus pais, in memoriam, Carlos e Yara, pelos exemplos e ensinamentos de vida deixados no meu coração e que me fazem sempre mais acreditar que não haverá desconcertos no mundo, enquanto tivermos esperança, caridade e humanidade.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus – do qual todas as coisas dependem – por sua infinita misericórdia e bondade em conduzir minha vida.

À minha orientadora professora Rosângela Gomes, pelas orientações não somente jurídicas, mas principalmente aquelas que nos ensinam a enxergar a vida com otimismo. Obrigada por acreditar em mim.

Ao professor Leonardo Greco, pela generosidade e compreensão no decorrer de todas as minhas dificuldades.

As professoras Zoraide Amaral, Miriam Fontenelle, Bethânia Assy, e aos professores Danilo Doneda, Auner Pereira Carneiro e Leonardo Mattietto o meu carinho.

A minha querida mãe do coração, Geysa, exemplo de apoio, preocupação e aconchego nas horas mais difíceis.

À Ana Stingel e ao Dr. Roberto Piedade pela confiança na minha capacidade. Aos meus tios Frederico e Maria da Penha pelo amor que demonstram com

algumas palavras de força e de perseverança. À amiga Eglantine que me mostrou que existia o mestrado da Faculdade de

Direito de Campos. À filósofa, Helena, que muitas vezes com o seu amor ao saber me

impulsionou a ultrapassar mais uma etapa. À Lana e Emília pela amizade inabalável de tantos anos. À Luciana pela sua sensibilidade e paciência. À Irmã Gertrude, minha mãe espiritual, pelas suas intermináveis orações e

pela sua constante presença em minha vida. Ao meu primo Alexandre que me faz sentir que nunca estou só. A Lene por cuidar dos meus pais e agora de mim. Enfim, à todos aqueles que contribuíram para a realização deste trabalho,

meus sinceros agradecimentos. .

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O medo de perder a si mesmo é legítimo, pois é o medo de já não ser capaz de falar consigo mesmo. E não apenas a dor e a tristeza, mas também a alegria e a felicidade, e todas as outras emoções, seriam inteiramente insuportáveis se tivessem de permanecer mudas, inarticuladas.

Arendt, Hannah. Responsabilidade e Julgamento.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 161.

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RESUMO

CHILETTO, Maria Claudia Cairo. Uniões homoafetivas: uma nova concepção de família na perspectiva do direito civil-constitucional. 2007. 105 f. Dissertação (Mestrado em Relações Privadas e Constituição) – Faculdade de Direito de Campos, Rio de Janeiro, 2007. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os demais ordenamentos infra-constitucionais são omissos no que diz respeito às uniões homoafetivas. Essa falta de previsão legal torna-se discriminatória na medida em que não confere legalmente caráter de entidade familiar a essas uniões, cuja existência não se pode negar enquanto fato social. Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade formal e substancial, da solidariedade, da liberdade e da não discriminação, o exame das uniões homoafetivas encontra resguardo nas novas tendências do Direito de Família, tendo em vista que o eixo central da idéia de entidade familiar deslocou-se do grande formalismo da celebração matrimonial para a livre manifestação do afeto. A Constitucionalização do Direito Civil garante a essas minorias desfavorecidas um status de entidade familiar, concedendo-lhes direitos e deveres iguais às uniões heterossexuais.

Palavras-chave: Homossexualismo; União Homoafetiva; União Estável; Dignidade Humana; Família; Adoção; Princípios Constitucionais.

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ABSTRACT

CHILETTO, Maria Claudia Cairo. Uniões homoafetivas: uma nova concepção de família na perspectiva do direito civil-constitucional. 2007. 105 f. Dissertação (Mestrado em Relações Privadas e Constituição) – Faculdade de Direito de Campos, Rio de Janeiro, 2007. The 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil and other infra-constitucional orders are omissive concerning homoaffective unions. This lack of legal forecast becomes discriminatory in a way that it does not legally give character of familiar entity to these unions, whose existence cannot be denied as a social fact. Considering the principle of the human being dignity, of the formal and substantial equality, of the solidarity, of the freedom and non-discrimination, the examination of the homoaffective unions finds defense in the new trends of the Family Law, taking into consideration that the central axis of the idea of familiar entity was moved from the great formalism of the marriage celebration to the free manifestation of the affection. The Constitucionalization of the Civil Law guarantees to these desfavored minorities a status of familiar entity, granting equal duties and rights to the heterosexual unions.

Key-words: Homossexualism; Homoaffective unions; Durable Unions; Human Dignity ; Family; Adoption; Constitutional Principle.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

CCB Código Civil Brasileiro

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

CID Classificação Internacional das Doenças

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

NCC Novo Código Civil

PEC Proposta de Emenda Constitucional

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

TRF Tribunal Regional Federal

TSE Tribunal Superior Eleitoral

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SUMÁRIO

RESUMO/ABSTRACT

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

CAPÍTULO I – DA TRANSFORMAÇÃO DA FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO.............................................................................................................15 1.1 Da Família Tradicional Codificada à Família Contemporânea

Constitucionalizada.......................................................................................15 1.1.1 A família tradicional: base do sistema originário do Código Civil de 1916......18 1.1.2 A sistematização do direito civil-constitucional: incidência nas relações

familiares.........................................................................................................23 1.1.3 Novos paradigmas da família contemporânea constitucionalizada................ 28

1.2 A Família Concebida no Código Civil de 2002......................................... 33 1.2.1 Breve historicidade...........................................................................................35

1.2.2 As características e a hermenêutica civil-constitucional................................. 38 1.2.3 As relações familiares na atual codificação.....................................................41 CAPÍTULO II – UMA NOVA ENTIDADE FAMILIAR POSSIBILITADA PELA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: A UNIÃO HOMOAFETIVA.........................................................................................................46 2.1 A União Homoafetiva.....................................................................................46 2.1.1 Diversidade de expressões para designar a união entre iguais................... 46 2.1.2 Breve esboço histórico sobre a homossexualidade.........................................49 2.1.3 Realidade social e ausência de legislação.................................................. 52 2.2 Os Princípios Constitucionais como Vetores para o Reconhecimento da

União Homoafetiva como Entidade Familiar...............................................58 2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana..................................................... 60

2.2.2 Princípio da igualdade................................................................................... 64

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2.2.3 Princípio da liberdade...................................................................................... 66

2.2.4 Princípio da solidariedade................................................................................67

2.2.5 Princípio da afetividade................................................................................... 69

2.3 A União Homoafetiva como Entidade Familiar............................................71

2.3.1 A união homoafetiva como entidade familiar à luz dos princípios constitucionais..................................................................................................71

2.3.2 A união homoafetiva como entidade familiar fundamentada na interpretação

constitucionalizada do art. 226, caput, e §§ 3º e 4º da CRFB/88.................... 73 CAPÍTULO III – RELAÇÕES HOMOAFETIVAS: REFLEXÕES E INOVAÇÕES JURISPRUDÊNCIAIS................................................................................................80 3.1 A Posição da Jurisprudência.................................................................. 80 3.2 Algumas Decisões Existentes em nossos Tribunais.............................. 82 3.2.1 Possibilidade jurídica do pedido.................................................................... 82 3.2.2 Analogia com a chamada união estável...................................................... 82 3.2.3 A entidade familiar é caracterizada por meio do afeto sem distinção de

sexo..................................................................................................................84 3.2.4 Partilha de bens como mera conseqüência................................................. 85 3.2.5 Direito à herança..............................................................................................86 3.2.6 Pensão por morte do companheiro homossexual........................................... 86 3.2.7 Admissibilidade de adoção...............................................................................87 3.2.8 Inclusão de companheiro em plano de assistência médica............................ 88 3.2.9 Inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º da CRFB/88. Relação homossexual

estável..............................................................................................................89 3.3 O Supremo Tribunal Federal defende a relevância da discussão sobre a

união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.............................................................................................................91

CONCLUSÃO............................................................................................................94 REFERÊNCIAS..........................................................................................................97

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INTRODUÇÃO

O que se almeja, no presente estudo, é demonstrar a viabilidade do

reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares numa visão

fundamentada na constitucionalização do direito de família.

As considerações que passarão a ser desenvolvidas pretendem contribuir

para a análise e estimular o debate indispensável ao tema, visando a aprimorar o

estudo de um assunto que apenas aflorou recentemente para o contexto jurídico,

mas que, entretanto, já está a superar a barreira do silêncio persuasivo do descaso.

Cabe afirmar que mesmo diante da ausência de previsão legal, o Direito não

pode esquivar-se, ao ser invocado, a prestar a devida solução aos conflitos de

interesses que lhes são apresentados. É certo que a responsabilidade do Judiciário

aumenta, ainda mais, quando da existência de lacunas legislativas.

É por isso que o aplicador do direito deve utilizar-se de todas as ferramentas

legais que estiverem ao seu alcance para que, assim, possa ser feita justiça.

O tema é polêmico e está no auge das discussões doutrinárias e

jurisprudenciais, mas como todo fato social de relevância jurídica precisa ser

examinado com cautela, respeito e visibilidade.

O capítulo primeiro dessa pesquisa trata das transformações da família no

direito brasileiro, a partir da concepção matrimonializada, hierarquizada,

patrimonializada, patriarcalista da família, conforme a visão do Código Civil de 1916,

influenciado pela legislação napoleônica e pela predominância da ideologia religiosa

na conduta ético-moral de cada membro do grupo familiar.

Durante longo período de tempo a sociedade conviveu com comportamentos

humanos direcionados a inobservância da igualdade entre as pessoas;

discriminações sem subterfúgios; privilégios de classe em detrimento de outra; a

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ótica do “ter” predominando com relação à do “ser”, enfim o patrimônio se

sobrepondo ao afeto. Isto significa que nem sempre a legislação consegue garantir a

proteção, equanimimente, dos direitos a todos os cidadãos, ao contrário, podendo

não amparar o que não é da conveniência daqueles que lidam com as leis. Tarefa

essa, então, transferida para o juiz que através da aplicação dos princípios

constitucionais e, também, dos princípios gerais do direito passam a suprir lacunas e

proteger direitos marginalizados.

A Constituição Federal de 1988 representou a positivação de novas

conquistas sociais e individuais, trazendo grandes mudanças no que pertine ao

Direito de Família. A interpenetração do Direito Constitucional no Direito Civil

expressou grande avanço nas soluções de questões não cogitadas na codificação.

Uma releitura do Direito Civil à luz da Constituição significou uma total transformação

do Direito focalizado nos aspectos humanístico, solidarista, funcionalizado,

preocupando-se com a dignidade da pessoa humana, portanto semeando esperança

de uma nova concepção de família.

Já o Código Civil de 2002 não correspondeu aos anseios e expectativas nele

depositadas. Recepcionou apenas as matérias já sedimentadas na jurisprudência,

deixando de fora várias questões relevantes que deveriam ser jurisdicizadas pelo

Estado.

Após uma reflexão sobre a desconstituição do modelo de família tradicional

para um novo paradigma da família contemporânea, fundada precipuamente na

afetividade como valor jurídico, o capítulo segundo cuida da possibilidade,

propriamente dita, do reconhecimento das uniões homoafetivas como uma espécie

de união estável, conseqüentemente, como entidade familiar.

Alicerça-se juridicamente a família homoafetiva nos princípios constitucionais

que regem todo o ordenamento e, para promoção de efeitos jurídicos às uniões

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homoafetivas, na aplicação da analogia ao art. 226, § 3º da CRFB/88, que trata

aparentemente de forma literal da união estável entre o homem e a mulher. Concluir-

se-à que o art. 226 e seus parágrafos são meramente exemplificativos e que, além

disso, o caput do art. 226 é, conseqüentemente, norma geral de inclusão que tem

como característica regular as hipóteses não previstas na norma, desde que

semelhantes a ela, de maneira idêntica, onde só poderia ser excepcionada se

existisse outra norma de exclusão explícita, o que não ocorre, nesse caso, no

ordenamento jurídico pátrio.

Finalizando a análise do trabalho, o capítulo terceiro descreve diversos

julgados sobre vários temas na concessão dos direitos à união das pessoas do

mesmo sexo, ratificando essas uniões como entidades familiares.

O tema do reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas como entidades

familiares é tratado pelo ministro Celso de Mello, membro da maior Corte deste país,

como relevantíssima questão constitucional, propondo que seja examinado como

argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Enfim, o que se visa no presente estudo é demonstrar que o reconhecimento

das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares não está

condicionada à existência de uma legislação infraconstitucional, numa pretensão de

defender tão-somente a necessidade de uma tipificação detalhada da lei sobre

essas uniões, mas sim calcada numa interpretação crítica e construtiva. Na

contemporaneidade, esse objetivo só é alcançado mediante a prática da

hermenêutica civil-constitucional, ou melhor, da interpretação do Direito Civil através

de valores constitucionais.

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DA TRANSFORMAÇÃO DA FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 Da Família Tradicional Codificada à Família Contemporânea

Constitucionalizada.

O Direito Civil, principalmente o direito de família, encerra uma conexão

imediata com os valores que vigoram e que são adotados por determinada

sociedade em certo período histórico. Porventura, por essa inconfundível

particularidade, seja a área do direito a amargar maior opressão e a experimentar a

inquietação existente entre fato social e norma jurídica. Além disso, incide sobre o

direito de família o desejo de conceber e revelar, por meio de previsões legais, o que

estaria fora do mundo das normas, quais sejam: o afeto e a sexualidade humana.

Importante observar que as transformações de ordem social, econômica,

tecnológica e política ocorridas no mundo moderno trouxeram uma verdadeira

revolução no comportamento dos indivíduos. Essas mudanças atingiram

significativamente a vida privada das pessoas e, conseqüentemente a família.

A relação familiar e o comportamento do ser humano no meio social se

desenvolveram e com isso o Código Civil de 1916 passa a não mais espelhar tão-

somente um modelo exclusivo de família – o casamento, norteado na desigualdade

e ancorado no autoritarismo patriarcal. Esse modelo se caracterizava pelo acúmulo

do poder econômico e social da família na imagem do marido-pai. A família

contemporânea não se adequa mais às funções inflexivelmente determinadas pelo

atributo de se ser homem ou mulher. Os filhos não estão mais sujeitos à obediência

inquestionável do pai. A nova família não é apenas o seio da imortalidade dos

vínculos consangüíneos e da defesa do nome e de bens patrimoniais dos

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antepassados, objetivos estes que, antigamente, se estabeleciam na razão de ser

de toda a sua constituição.

Cabe enfatizar que a família contemporânea não se depara mais com uma

única maneira de se manifestar. Sendo plural, a família acolheu e absorveu as

modificações decorrentes dos costumes da sociedade, bem como: o ingresso da

mulher no mercado de trabalho, os meios contraceptivos, os avanços da engenharia

genética, entre outros. Mesmo com tantas transformações a família permanece viva,

acompanhando os anseios do homem moderno, tendo sua função e papel

reestruturados, pois, para se formar uma família o amor passa a ser primazia, e não

uma imposição do meio social.

A admissão da família moderna no tecido normativo brasileiro ocorreu com o

advento da Constitucional Federal de 1988 que, a partir dos artigos 226 e

parágrafos, constatou normativamente e por intermédio dos princípios

constitucionais que as formas e as organizações familiares são plurais e são

consubstanciadas na solidariedade e assistência mútua dos seus integrantes do que

no comando da lei. O teor do texto constitucional no que tange ao direito de família

legitimou e reconheceu juridicamente o que a vida cotidiana na sociedade há muito

tempo já expressava: múltiplas formas de entidade familiar, onde o lar é o lugar de

abrigo e da manifestação do afeto entre seus membros. O modelo clássico de

família, assim, vai sendo substituído pela concepção do modelo contemporâneo de

família.

Para Rosana Amara Girardi Fachin:

“O desenvolvimento dessa temática passa pela dimensão “constitucionalizada” do Direito de Família devido às suas implicações, especialmente a superação do modelo da grande família matrimonializada e o reconhecimento de novos desenhos das relações familiares.1

1 FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família no novo milênio: uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 80-81.

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Insista-se dizer que o papel do afeto, com o advento da Lei Maior, passa a ter

atribuição preponderante juridicamente no sentido do reconhecimento das novas

entidades familiares: casamento; união estável e a família monoparental, além

daquelas não previstas expressamente.

A Constituição adotou um “sistema aberto”, pois, ainda que tenha abarcado

novas formas de famílias, não o fez de forma a incluir todas as uniões afetivas

possíveis e já averiguadas no cenário social. No capítulo destinado à família, a Carta

Maior deixou de considerar explicitamente as uniões formadas por pessoa do

mesmo sexo, como também não declarou uma tutela típica para outros arranjos

familiares, tais como: os constituídos por avós e netos, irmãos entre si, tios e

sobrinhos, demonstrando que existem situações não envolvidas pelo direito

positivado, deixando para a jurisprudência e legislação infraconstitucional a

incumbência de construí-lo pela concretização dos princípios constitucionais e da

aplicação dos direitos fundamentais.

Logo, a ordem constitucional, de forma específica, por meio do art. 226 e seus

parágrafos, consagrou novos modelos de organização familiar e, de forma ampla,

pelo princípio que direciona o ordenamento infraconstitucional para a promoção da

dignidade da pessoa humana, tornou viável juridicamente o reconhecimento de

outras formas de expressão da sexualidade, permitindo maneiras distintas de

constituição de família que não somente aquela fundada no casamento.

A possibilidade de reconhecimento da união homoafetiva como entidade

familiar deriva do princípio da igualdade visto sob o ângulo da não-discriminação por

causa do sexo e, portanto, em função da liberdade de orientação sexual, decorrente

da autonomia ética que lhe deve ser assegurada para definir o que entende como

seu projeto de realização pessoal e seu contexto de felicidade.

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Essa transição da família codificada para família constitucionalizada

representa, para o Direito brasileiro, uma mudança radical de paradigma, cujo valor

fundamental do ordenamento está alicerçado no princípio da dignidade humana.

1.1.1 A família tradicional: base do sistema originário do Código Civil de 1916.

O Código Civil de 1916 trata as relações jurídicas pertinentes à família, em

plano destacado, como uma família no molde patriarcal, fundada exclusivamente no

casamento, patrimonializada, hierarquizada, transpessoal e, necessariamente,

heterossexual.

A política legislativa oriunda da França, através do Code Civil, a

preponderância religiosa, herança deixada pela igreja e o arquétipo sócio-político

adotado de Portugal originaram o Código Civil que demarca as funções entre

homem e mulher no seio familiar e que determina formas de conduta peculiar a cada

ente familiar, diferenciando todos os filhos advindos de relações não propriamente

vinculadas ao casamento.2 A família era delineada no modelo análogo ao da família

romano-canônica.

Numa sociedade abalizadamente patriarcal e de raiz ruralista, a família

brasileira funcionava como uma unidade de produção: quanto mais filhos, maior a

força de trabalho, portanto aumentando também as condições de sobrevivência. A

família era um grupo amplo, onde a autoridade do chefe ultrapassava a família

nuclear, se prolongando aos outros entes: avós, tios, sobrinhos etc., até mesmo

empregados. Como unidade de produção a família buscava a soma de patrimônio e

sua posterior transmissão à prole.

2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família. Curitiba: Juruá, 1991, v. 1, p. 57.

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A chefia era sempre exercida pelo marido-pai, homem com total poder de

direção exclusiva da família: fixação do domicílio, responsável pela administração

dos bens comuns e particulares da mulher e a representação legal, cuja origem tinha

um caráter econômico, preocupado com sua sobrevivência material, biológica e

cultural, um modus vivendi egocêntrico. O marido está inserido no vértice da

pirâmide familiar, determinando o destino de todas as pessoas que lhe eram

subordinadas: filhos, parentes e empregados.

A característica patriarcal e hierarquizada da família está devidamente

consubstanciada nos seguintes artigos do Código de 1916: O marido é o chefe da

sociedade conjugal (art. 233); toca-lhe a representação legal da família (art. 233, I);

administrar os bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir

administrar (art. 233, II), o direito de fixar o domicílio da família (art. 233, III); prover a

manutenção da família (art. 233 IV); o trabalho profissional da mulher depende da

autorização do marido (art. 233, V); a mulher assume necessariamente com o

casamento os apelidos do marido (art. 240).

Evidente discriminação se percebe em relação à mulher na esfera familiar. A

mulher ocupava posição de inferioridade na sociedade conjugal, devendo plena

obediência e submissão ao marido, desempenhando o papel de esposa e mãe. O

Código Civil agasalhava a idéia de sua incapacidade e lhe repudiava a legitimidade

para praticar certos atos jurídicos, quando da contração de núpcias. A mulher estava

inteiramente à margem da direção da família, A ela competia somente o dever de

realizar as tarefas do lar: organização da casa e educação dos filhos. Quanto ao

direito de filiação, apenas ao pai pertencia o pátrio poder dos filhos legítimos, pois

era tido como decorrência da chefia da família, à mãe somente cabia o exercício do

pátrio poder subsidiariamente, na falta ou impedimento do marido.

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Foi a partir do Estatuto da Mulher Casada – Lei n. 4.121/62 que o marido

passou a exercer algumas funções com a colaboração da esposa.

Aos filhos cumpria unicamente a subordinação à autoridade paterna, sem

nenhuma possibilidade de contestar qualquer situação que se apresentasse

contrária a sua vontade ou sentimento.

Conforme Gustavo Tepedino:

“A disciplina jurídica do Código Civil, pela qual a tutela dos filhos estava vinculada à espécie de relação pré-existente entre seus pais, respondia a uma lógica patrimonialista bem definida. Em primeiro lugar, os bens deveriam ser concentrados e contidos na esfera da família legítima, assegurando-se a sua perpetuação na linha consangüínea, como que resguardados pelos laços de sangue. Em seguida, e em conseqüência, por atrair o monopólio da proteção estatal à família, o casamento representava um valor em si, identificava-se com a noção de família (legítima), de sorte que a sua manutenção deveria ser preservada a todo custo, mesmo quando o preço da paz (formal) doméstica fosse o sacrifício individual de seus membros, em particular da mulher e dos filhos sob o pátrio poder.”3

Toda essa dinâmica familiar era legitimada para garantir a famigerada “paz”

doméstica e a instituição família, inclusive a rejeição do reconhecimento dos filhos

havidos fora do casamento e a prerrogativa de direitos à concubina. A noção

patriarcal associava a legitimidade ao casamento. Era o casamento que estabelecia

a legitimidade, tanto da família quanto dos filhos.

Importante salientar que o casamento era a única forma lícita de constituição

de família. Atribuía-se aos cônjuges o dever de procriar e de viverem juntos para o

resto da vida, pois o casamento era indissolúvel. Esta situação perdurou até o

advento do divórcio no Brasil que ocorreu através da Emenda Constitucional n. 1/67

e da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977.

3 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina jurídica da filiação na perspectiva civil-constitucional. In: Pereira, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 548.

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Os filhos extramatrimoniais eram considerados ilegítimos, estando à margem

do sistema codificado, discriminados, largados à marginalidade, tudo em nome da

família matrimonializada.4

O Código de 1916 não trata da matéria no tocante à família ilegítima; as

escassas informações que traz do concubinato são para proteger e preservar a

própria família matrimonializada e não com o intuito de reconhecer legalmente essas

uniões de fato, porque estas são meramente desprezadas, não prevendo qualquer

forma de amparo legal no Direito de Família. O concubinato era tratado no âmbito do

Direito Obrigacional, como sociedade de fato, pois não era considerado como

instituição familiar.5

Nesta família codificada, a afetividade não tinha papel relevante, o que se

tornava imprescindível era ocultar a verdadeira função do matrimônio, que se

alicerçava, única e exclusivamente, na proteção de interesses econômicos.

A família enquadrada no Código Civil de 1916, como assinalada por Paulo

Luiz Netto Lôbo era:

“O direito de família, como parte da codificação civil, sofreu essas vicissitudes, em grau mais agudo. A mulher foi a grande ausente na codificação. As liberdades e igualdades formais a ela não chegaram, permanecendo a codificação, no direito de família, em fase pré-iluminista. Nas grandes codificações do século passado (e a concepção de nosso Código Civil é oitocentista), o filho é protegido sobretudo na medida de seus interesses patrimoniais e o matrimônio revela muito mais uma união de bens que de pessoas”.6

Através do interesse do Código Civil de 1916 por um enfoque econômico da

família, percebe-se claramente uma escolha patrimonialista, instituindo o amparo ao

patrimônio como finalidade precípua. A esse escopo, filiou-se o autoritarismo e a

4 CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: Fachin, Luiz Edson (Coordenador) Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 280. 5 O Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula 380, manifestou-se dessa forma: ”Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. 6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A constitucionalização do Direito Civil. In: Fiúza, César; Naves, Bruno Torquato de Oliveira; Sá, Maria de Fátima Freire de. (Coordenadores). Direito Civil: Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 204.

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discriminação, na esfera interna, no seio das relações familiares. O marido, o

matrimônio e a prole legítima eram as matérias valorizadas pelo Código,

conseqüentemente, fora de seus limites, nenhuma relação familiar era cogitada

como entidade familiar, mesmo havendo consciência de sua existência no campo

fático.

Note-se que se a entidade familiar existente era, na vigência do Código de

1916, aquela fundada, tão-somente, no casamento e que as relações

extramatrimoniais entre um homem e uma mulher ficavam sem qualquer proteção

legal, imagine-se, então, as uniões entre as pessoas do mesmo sexo.

Com absoluta influência do direito canônico no Código Civil de 1916,

evidentemente as uniões homoafetivas são igualmente ignoradas legalmente, como

outras situações que não se enquadrasse nos moldes estabelecidos da época.

Estas são qualificadas pela sociedade como moralmente reprováveis e, no plano

religioso, pecaminosas. Todo o envolvimento sexual que não tivesse finalidade

reprodutiva era visto como impuro, pervertido e excêntrico, importando na violação

das leis divinas.

Mais tarde, quando a mentalidade científica veio a prevalecer sobre a

religiosa, abandonou-se a condenação das práticas homoafetivas para torná-las algo

anormal, fruto de uma patologia. Pois bem, aquilo que era visto como imoralidade

passou a ser tratado como patológico.

Por razões de ordem cultural, religiosa, econômica e social do momento, a

concepção jurídica tradicional do conceito de entidade familiar não continha qualquer

espaço para a consideração das uniões de pessoas do mesmo sexo.

Somente a partir da segunda metade do século XX abriram-se novas

perspectivas, em virtude das transformações na realidade social e da promulgação

de uma nova Constituição, que desafiava as antigas concepções da Codificação de

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1916, no sentido em que as sujeitou a um controle sistemático de conformidade aos

novos preceitos e princípios constitucionais, culminando com um novo paradigma

familiar: a afetividade, que passou a ganhar um lugar de destaque na identificação

de entidades familiares.

Por isso, não se pode olvidar que a doutrina do direito civil-constitucional

provocou um novo rumo na interpretação normativa no campo do Direito Civil,

influenciando nas transformações, em especial, das relações familiares, devido à

interpenetração dos princípios constitucionais sobre as relações privadas.

1.1.2 A sistematização do direito civil-constitucional: incidência nas relações

familiares.

O Código Civil brasileiro, classicamente, era considerado o centro do

ordenamento jurídico no que pertine a normatização da vida privada das pessoas.

Seu papel era de estatuto único e monopolizador das relações privadas. Como os

outros códigos de sua época, era considerado a Constituição do direito privado.7

Mesmo considerando a grande importância das Constituições como normas de valor

supremo, sua aplicação sobre os assuntos relativos à esfera privada, protegidos

pelo Código, jamais foi relevante ou de realização quase imperceptível.

Como expõe Gustavo Tepedino:

“Essa espécie de papel constitucional do Código Civil e a crença do individualismo como verdadeira religião marcam as codificações do século XIX e, portanto, o nosso Código Civil de 1916, fruto de uma época que Stefan Zweig, em síntese feliz, designaria como “o mundo da segurança”. Segurança – é de se sublinhar – não no sentido dos resultados que a atividade privada alcançaria, senão quanto à disciplina balizadora dos negócios, quanto às regras do jogo (estabilidade das normas)”. 8

7 GIORGIANNI, Michele. O Direito Privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, ano 87, v. 747, jan.1998, p. 41. 8 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de Direito Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 4-5.

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Este panorama se altera com o advento da Constituição Federal de 1988.

Nota-se, a partir de então, a incidência direta dos princípios fundamentais,

consagrados na ordem constitucional, sobre diversas leis ordinárias, no campo do

Direito Civil, especialmente no Direito de Família, do que são exemplos; duas Leis

relativas aos Direitos dos Companheiros (Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96); a Lei que

regulamenta a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento

(Lei n. 8.560/92); duas Leis que simplificaram o divórcio (Leis ns. 7.841/89 e

8408/92); além do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), entre

outras.

Esse episódio de interpretação normativa, em virtude da aplicação imediata

da matéria constitucional em relação a todo ordenamento jurídico, reunifica o

sistema legislativo em torno, não mais do Código Civil, e sim, da Lei Maior.

Nessa visão, se torna claro a diminuição da intensidade das medidas precisas

para a clássica dicotomia que fraciona o estudo entre o direito público e o privado,

como compartimentos do direito separados e isolados entre si, regidos por lógicas

distintas.

Assim leciona Gustavo Tepedino:

“A interpenetração do direito público e do direito privado caracteriza a sociedade contemporânea significando uma alteração profunda nas relações entre o cidadão e o Estado. [...] Em outras palavras, pode-se provavelmente determinar os campos do direito público ou do interesse privado, não já pela inexistência de intervenção pública nas atividades de direito privado ou pela exclusão da participação do cidadão nas esferas da administração pública”.9

De fato toda a normativa infraconstitucional se desabrocha para acolher os

princípios e valores constitucionais, realizando uma indispensável reformulação ou

uma nova releitura nos diversos institutos jurídicos.

9 Ibid., p. 19.

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A essa incorrência e constante inserção dos novos valores e máximas

constitucionais sobre a matéria infraconstitucional denominou-se de: o fenômeno

hermenêutico da constitucionalização do direito civil.

A Constituição como organização jurídica fundamental de um Estado e como

norma fundamental a posicionar-se no mais alto degrau da hierarquia das fontes tem

a atribuição de adequar e sistematizar toda a legislação que lhe está subordinada.

Assim preceitua Pietro Perlingieri:

“A Constituição ocupa o lugar mais alto na hierarquia das fontes. [...] Daí a obrigação – não mais livre escolha – imposta aos juristas de levar em consideração a prioridade hierárquica das normas constitucionais, sempre que se deva resolver um problema concreto. [...] A solução para cada controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam”.10

Logo, nesta nova ordem, o cerne da questão está fundamentado

essencialmente, no que respeita às relações privadas, na substituição da visão

liberal, individualista, patrimonialista, por uma perspectiva que se pode denominar de

humanista. O homem permanece como ente central da estrutura do sistema jurídico,

contudo, não como aquele que produz e faz circular as riquezas, e sim como

pessoas humanas, devendo ser valorizadas como seres que são, e não como

objetos que somente tem valor se puderem servir ao patrimônio.

O alicerce da estrutura social não é mais o patrimônio, já que este se

transforma em meio de realização dos seres humanos. O homem passa de mero

ator das atividades econômicas a dirigente do contexto econômico, onde, agora, o

patrimônio é um instrumento para ser conveniente ao homem.

A maneira pela qual a Constituição de 1988 organizou seus Títulos e

Capítulos ratifica facilmente a sua relevante transformação: a Carta maior elege em

10 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 4-5.

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primeiro lugar, em seu Título I, os princípios fundamentais da República – a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, disciplinando em seu Título II “os

direitos e garantias fundamentais” e do Título III em diante a organização do Estado,

seus poderes, o sistema tributário entre outros; ao reverso da Constituição de 1969,

em seu Título I, que se importa predominantemente com a estruturação da União,

Estado e Municípios, do Sistema Tributário e dos Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, não priorizou “os direitos e garantias individuais” que ficaram entregues

ao capítulo IV, do seu Título II.11

Insista-se dizer que juntamente com essa significativa revisão de valores,

fomentou a Constituição de 1988, na realidade, uma reunificação do sistema

jurídico, transferindo para “a tábua axiológica” da Constituição da República o ponto

de referência antes reservado ao Código Civil”.12 A Constituição torna-se o

fundamento que imprime unidade ao ordenamento jurídico, receptáculo de valores e

princípios que subordinam todos os campos do Direito. Isto porque o Código Civil já

abalado em suas concepções pelo crescente processo de industrialização e pelos

movimentos e agitações sociais foi atingido diretamente pela intervenção estatal,

cada vez mais necessária, na tentativa de se corrigir o desequilíbrio verificado no

quadro social.

A ordem constitucional é atualmente fonte que regulariza tanto o poder

político como a sociedade civil. Como afirma Konrad Hesse, a Constituição “não é

mais apenas a ordem jurídico-fundamental do Estado”, tendo se tornado a “ordem

jurídica fundamental da comunidade”, pois suas “normas abarcam também – de

forma especialmente clara garantias tais como matrimônio, a família, a propriedade,

11BARBOZA, Heloisa Helena Gomes. Perspectivas do Direito Civil brasileiro para o próximo século. In: Revista da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, n. 6 e 7, 1998-1999, p. 33. 12 DONISI, Carmine apud TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para constitucionalização do Direito Civil, In: Temas de Direito Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 13.

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a educação ou a liberdade da arte e da ciência – as bases de organização da vida

não estatal”.13

A constitucionalização do direito privado, em especial, no que concerne ao

direito de família obteve forte penetração. A dignidade da pessoa humana,

fundamento da República Federativa (art. 1º, III, CRFB/88) e a busca da justiça

social possibilitaram extrair o valor jurídico do afeto e as suas manifestações.

Mediante a admissibilidade da primazia dos valores consagrados de maneira

democrática no texto constitucional, a constitucionalização do direito civil-

constitucional, no que pertine a evolução das relações familiares, propiciou que a

Carta Maior estabelecesse novos contornos no campo axiológico, redirecionando o

direito de família brasileiro por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana,

igualdade substancial e da solidariedade.

A família constitucionalizada representa a concretização de ideais e anseios

daqueles que não mais acreditavam que pudessem encontrar amparo e

reconhecimento jurídico nos fatos sociais não codificados. Assim, a família

contemporânea constitucionalizada inaugura um novo tempo.

1.1.3 Novos paradigmas da família contemporânea constitucionalizada.

Ao longo dos anos que se sucederam à vigência do Código Civil de 1916, em

razão de inumeráveis transformações sociais, profundas modificações pontuaram as

relações familiares, especialmente no que diz respeito à possibilidade do

reconhecimento dos filhos adulterinos, a emancipação da mulher casada e a

instituição do divórcio.

13 HESSE, Konrad. apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: Barroso, Luís Roberto, A Nova Interpretação Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 120.

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A Constituição Federal de 1988 foi o ponto culminante de todas essas

mencionadas transformações, em virtude de determinar como fundamento da

República a dignidade da pessoa humana, alçada pelo seu art. 1º, III. Com isso o

legislador constitucional suplanta de vez a concepção individualista ditada pelo

Código de 1916. O caráter abstrato do homem, que assinalou o tecido normativo

codificado, agora caracteriza a pessoa na sua dimensão humana, colocando-a no

centro de todo o ordenamento jurídico. Logo, a Constituição da República

estabelece como alicerce um Direito de Família empenhado na valorização do

homem, tendo como âmago valores constitucionais, cuja concretização confere

autenticidade à dignidade humana.14

Complemente-se ao exposto que o ser humano não pode ser compreendido

como um ente isolado da sociedade, guiando-se em uma ótica individualista que

esbarra na direção oposta ao sistema constitucional, de vez que o indivíduo não

pode viver privado dos relacionamentos estabelecidos com os outros, sob pena de

distanciar-se da sociedade em que habita.

Assim assinala Maria Celina Bodin de Moraes:

“O indivíduo, como tal, não existe; coexiste, juntamente com os outros indivíduos. E porque sua relação com os semelhantes passou a ser avaliada como constitutiva de sua existência, uma condição fundadora, não pôde ele mais ser estimado, como havia feito o pensamento liberal-individualista, como uma pequena “totalidade”, uma micro-célula autônoma, auto-suficiente e auto-subsistente. Por outro lado, evidentemente, a noção não se esgota na espécie; cada ser humano é único, em sua completa individualidade. Único e plural a um só tempo, parte da comunidade humana, mas possuidor de um destino singular, esta é a lei da pluralidade humana, referida por H. Arendt: Quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. Pluralidade é a lei da terra”.15

Como conseqüência, a Constituição Federal constitui em seu art. 3º, I, como

um de seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e

14 NEVARES, Ana Luiza Maia. Entidades familiares na Constituição: críticas à concepção hierarquizada. In: Diálogos sobre Direito Civil: Construindo uma Racionalidade Contemporânea, Tepedino, Gustavo (Coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 294-295. 15 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 170.

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solidária. Cuida-se do princípio da solidariedade, compreendido em razão da

atuação da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, inciso III).

A tutela da personalidade dos direitos individuais não se limita aos interesses

exclusivamente pertencentes ao sujeito como um ser sozinho, conforme leciona

Pietro Perlingieri, mas sim como sujeito de direitos individuais sociais, cujo indivíduo

está inserido em uma comunidade, onde existe uma grande dose de solidariedade,

que estabelece o propósito e as bases desses direitos. Esses direitos são

compreendidos como aqueles que pertencem ao ser humano dentro da comunidade

como meio de sua efetivação, que se volta como forma de fundamentação. Nesta

perspectiva encontram-se como pontos nodais o homem em convívio na

comunidade e a comunidade interagindo sobre o homem.16

Conjugando personalismo e solidariedade constitucional, constata-se o

caráter instrumental das comunidades intermédias: “se todas as pessoas são

igualmente dignas, nenhuma instituição terá o condão de sobrepor o seu interesse

ao dos de seus membros”.17

Neste sentido a concepção de família se modifica, pois passa a ser

compreendida como uma comunidade onde o homem está integrado. A noção de

família como instituição por si só, digna de tutela, dá lugar a um organismo social

que somente será amparado se desempenhar sua verdadeira função, qual seja, a de

proporcionar o pleno desenvolvimento de seus membros. A família solidarista é o

novo paradigma, que vem substituir o da família patriarcal.

Como acentua Pietro Perlingieri em relação à ausência de interesse

superindividuais:

“A família, como formação social, como “sociedade natural”, é garantida pela Constituição não como portadora de um interesse superior e superindividual, mas, sim, em função da realização das exigências humanas, como lugar onde se

16 PERLINGIERI, Pietro. Il Diritto Civile nella Legalità Constituzionale. 2ª ed., Napoli: ESI, 1991, p.170. 17 MORAES. Op. cit., nota 15, p. 180.

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desenvolve a pessoa. A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contrariedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem”.18

O que confere conteúdo à especial proteção atribuída à família pelo Estado é

a dignidade da pessoa humana.19

Observe-se que tanto o organismo familiar quanto à pessoa humana são

perfeitamente harmonizáveis, pois se é verdadeiro que a comunidade familiar

somente é identificada e amparada em função da pessoa, então também é

igualmente verdadeiro que o indivíduo terá a tutela garantida, desde que não vise a

sua própria satisfação ou que venha a dirigir suas ações para a desestabilização do

núcleo familiar.

Nessa esteira, notando a modificação do entendimento de família, a Carta

Maior admitiu expressamente como entidades familiares: o casamento, a união

estável entre o homem e a mulher (art. 226, § 3º, CRFB/88) e a comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º, CRFB/88), esta última

chamada, pelos estudiosos do direito, de família monoparental. O casamento,

portanto deixa de ser a única fonte legitimadora do núcleo familiar.

É importante enfatizar que o art. 226 e seus parágrafos da CRFB/88 trazem

uma enumeração meramente exemplificativa, abarcando em seu bojo inúmeras

espécies de entidades familiares implícitas, como por exemplo: as uniões

homoafetivas tema deste estudo que será especificamente examinado no segundo

capítulo.

Além dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, e da

liberdade, quatro outros princípios constitucionais recaem de maneira imediata sobre

as relações familiares: a) igualdade de direitos e deveres, no âmbito da 18 PERLINGIERI. Op. cit., nota 10, p. 243. 19 TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimônio. In: Temas de Direito Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 372.

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conjugalidade (art. 226, § 5º); b) o planejamento familiar fundado nos princípios da

dignidade humana e da paternidade responsável (art. 226, § 7º); c) melhor interesse

da criança e do adolescente (art. 227) e d) plena igualdade entre os filhos (227, §

6º).20

Cabe ressaltar, ainda, que não existe hierarquia entre as três entidades

familiares consagradas na Lei Maior, regidas pelos princípios constitucionais, cuja

conciliação se firma para o alcance do propósito máximo da família, qual seja: a

integral promoção da personalidade de seus membros, preservando sempre a

dignidade de cada um que ali a compõe.

O que não se pode perder de vista é exatamente a real acepção da criação

desses princípios que regem todo o funcionamento das relações familiares. Nos

princípios reconhecem-se verdadeiras normas como instrumento de reconstrução do

sistema de direito privado. Assim como assinala Maria Celina Bodin de Moraes: “é

preciso [...] buscar, perceber e valorar o significado profundo, marcadamente

axiológico, da ‘constitucionalização’ do direito civil”21, conseqüentemente, é óbvio, do

direito de família.

Na Constituição de 1988 buscou-se uma família comprometida com os

valores e princípios constitucionais que efetivamente enalteceram os vínculos

afetivos e de companheirismo entre os indivíduos em detrimento dos laços

biológicos. O centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para

o da compreensão e do amor. A família com isso se torna mais autêntica, natural e

sincera. A valorização da afetividade no âmbito interno da família corrobora mais

uma vez que o patrimônio não é mais o seu valor fundamental, e sim a pessoa

humana. Assim leciona Silvana Maria Carbonera:

20 BARBOZA, Heloisa Helena. O Direito de Família e o Código Civil de 2002: algumas considerações gerais. In: Revista Forense, v. 364, 2002, p. 154. 21 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e Direito Civil: Tendências, In: Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro, PUC, n. 15, ago/dez., 1999, pp. 95-113.

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“Com a instalação da igualdade e da liberdade na família, o vínculo jurídico cedeu parte de seu espaço à verdade sócio-afetiva. Felicidade e afeto demarcaram seu espaço na noção jurídica de família em todas as esferas, a exemplo do que já havia acontecido na realidade social. Da família matrimonializada por contrato chegou-se à família informal, precisamente porque afeto não é um dever e a coabitação uma opção, um ato de liberdade”.22

Pode-se sustentar que a organização jurídica conferida à família estabelecida

pela Constituição da República foi integralmente inovadora, determinando assim o

desprezo do modelo edificado no século XIX que é a do Código Civil de 1916:

nuclear, heterossexual, monógamo, patriarcal controlado pela imagem paterna que

personificava a sua honradez, colocando-lhe o seu nome, sendo autoridade máxima,

chefiando o grupo familiar, onde os interesses de seus membros nunca prevaleciam;

a mulher e os filhos subjugados ao ditame marital e ao pátrio poder.

Com a nova ordem jurídica implantada em 1988, como ressalta Gustavo

Tepedino, o centro da tutela constitucional deslocou-se do casamento para as

relações familiares que não mais se esgotam no casamento; a proteção da

instituição familiar, como centro de produção e reprodução dos valores culturais,

éticos, religiosos e econômicos, deu lugar à tutela jurídica da família como núcleo

intermediário do desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da

dignidade dos seus membros.23

A família, na Constituição de 1988, deixou de ser uma “entidade abstrata”,

ganhou vida e substância nos indivíduos que a compõem, passando a ser traduzida

no pacto afetivo-jurídico que celebram.

1.2 A Família Concebida no Código Civil de 2002.

22 CARBONERA. Op. cit., nota 4, p. 291. 23 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: Temas de Direito Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 397.

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A família concebida no Código Civil de 2002, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro

de 202, apresenta diversos dilemas, desde a interpretação das normas ali contidas à

ausência de enfrentamento de questões advindas do desenvolvimento da sociedade

moderna que clamam por um pronunciamento na esfera jurídica.

Assim, o Código é idealizado num momento de transição que se reflete no

seu próprio conteúdo. Momento este que carregada as incoerências entre a nova

noção constitucionalizada de família e o antigo sistema tradicional de família

codificada.

A Constituição não privilegia tão-somente a família matrimonializada,

contempla também outras formas de entidades familiares. De forma conjunta com a

jurisprudência procura desburocratizar o processo de separação, concedendo maior

autonomia aos casais. Ao amparar a família, elabora ferramentas jurídicas que

possam impedir toda e qualquer violência nas relações familiares, proibindo a

punição física da criança.

No entanto, o novo Código procura insistir para que o casamento seja o

fundamento de toda vida familiar e desencoraja as pessoas na escolha da união

estável, impondo severas restrições aos seus direitos patrimoniais (art. 1.726 do

NCC/02). Exige a atribuição de uma falta a um dos cônjuges para que a separação

de corpos seja reconhecida judicialmente (art. 1.572 do NCC/02). Mantém o direito

dos pais a punição física dos filhos e, para haver destituição da autoridade parental

em razão de maus tratamentos, impõe a comprovação de que a criança foi alvo de

punições físicas de maneira desmedida e contínua (art. 1.638, I, do NCC/02).

Esses exemplos ratificam as contradições existentes entre o atual Código e o

texto constitucional que devem ser compatibilizadas com os valores e preceitos

contidos na Carta Magna.

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Além disso, o novo Código silenciou sobre alguns assuntos que, se

disciplinados, promoveriam determinados avanços no âmbito jurídico, entre eles: a

regulamentação da guarda compartilhada; a posse de estado de filho, a filiação

socioafetiva; as questões sobre bioética; o reconhecimento das uniões homoafetivas

como entidade familiar, além de outras hipóteses.

Nas subseções seguintes serão examinadas em concisas linhas a

historicidade; suas características e a hermenêutica civil-constitucional e, por fim, o

estudo das relações familiares no atual Código Civil.

1.2.1 Breve historicidade.

Em 1941, reconhecendo o Governo a necessidade de revisão do Código de

1916, diante das profundas transformações sociais e econômicas e com a finalidade

de unificar as obrigações civis e comerciais, ocorreu o primeiro ensaio para a criação

do Código das Obrigações, dissociado do Código Civil. Este Anteprojeto foi

produzido pelos juristas Orosimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e Philadelpho

Azevedo, entretanto essa iniciativa se ateve somente às disposições gerais do tema.

O trabalho sofreu tantas críticas de jurisconsultos e de outras entidades, por atentar

contra o critério orgânico do sistema codificado pátrio que acabou convertendo-se

apenas em instrumento de estudo e pesquisa.

Após essa tentativa frustrada, novo intento foi planejado para a completude

do Direito das Obrigações, tendo sido delegada ao professor Caio Mário da Silva

Pereira, a elaboração do Anteprojeto do Código das Obrigações, sendo entregue

com 952 artigos e concluído no ano de 1963. Por seu turno, ao professor Orlando

Gomes foi conferida a execução do Anteprojeto do Código Civil, convertido em

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Projeto pela Comissão e entregue ao governo no mesmo ano, contendo, em seu

bojo, 963 artigos.24

Quando de seu exame, ocorreram novas manifestações resistentes à ampla

mudança que se introduziria na sistemática legislativa brasileira, o que culminou com

a desistência definitiva do Governo e a retirada dos dois projetos da Casa

Legislativa. Diante de tal decisão, Caio Mario assim se pronunciou: “Não se

consegue cumprir uma reforma de profundidade sem contrariar opiniões, sem

vencer resistências, sem afrontar, mesmo, a força da inércia, que prefere o

comodismo da rotina à visão dos novos horizontes”.25

A extensa trajetória que acarretaria a promulgação do novo Código Civil

iniciou-se em 1969, com o convite formulado pelo Governo a Miguel Reale,

professor da Universidade de São Paulo, para supervisionar uma Comissão formada

por notáveis juristas e que seriam responsáveis pela elaboração de um Anteprojeto,

sendo sua composição assim definida: José Carlos Moreira Alves (Parte Geral);

Agostinho Neves de Arruda Alvim (Direito das Obrigações); Sylvio Marcondes

(Atividade Negocial); Ebert Chamoun (Direito das Coisas); Clóvis do Couto e Silva

(Direito de Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões).

A Comissão, temerosa em repetir o fracasso obtido com as duas tentativas de

substituir o Código de 1916, traçou determinados princípios básicos para o seu

estudo, quais sejam:

1) preservação do Código vigente sempre que possível, pois este era

considerado de grande perfeição com relação à sua forma e conteúdo,

apesar de não mais acompanhar a evolução dos fatos sociais e

24 PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 20ª ed., Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2004, p. 87. 25 Ibid., pp. 87-88.

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econômicos da época, e também pelo acervo de doutrina e de

jurisprudência que em razão dele se formou;

2) inviabilidade de se ater exclusivamente a sua mera revisão, em razão

da falta de correlação com a sociedade contemporânea e as

conquistas da Ciência do Direito;

3) modificação integral do novo Código com relação à certos valores

considerados essenciais, tais como o de eticidade, de socialidade e de

operabilidade;

4) utilização dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas duas tentativas

realizadas anteriormente;

5) firmar a orientação de somente inserir no Código matéria já consolidada

ou com relevante grau de experiência crítica, delegando para a

legislação especial questões voláteis, como por exemplo: a lei de

locação predial – Lei n. 8.245/91, assim como a dos direitos autorais

Lei n. 9.610/98, bem como a dos condomínios Lei n. 4.591/64, entre

muitas outras;

6) dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a “Parte Geral”, mas com

nova ordenação da matéria, neste ponto, contrariou-se a diretriz

adotada por Orlando Gomes em seu anteprojeto; e

7) por fim, a unificação do Direito das Obrigações, em virtude do arcaísmo

do Código Comercial de 1850.26

Os trabalhos dessa Comissão resultaram no Projeto de Lei n. 634-B/75, o

qual, depois de numerosas alterações, permaneceu esquecido por quase vinte anos.

A longa tramitação perante o Congresso Nacional provocou desatualização no texto,

26 REALE, Miguel. Visão geral do Novo Código Civil. Novo Código Civil Brasileiro – Lei n. 10.602, de 10 de janeiro de 2002: Estudo Comparativo com o Código Civil de 1916. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. XI-XII.

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levando a Comissão Elaboradora a revê-lo em repetidas circunstâncias, onde a mais

importante decorreu da promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu

novos parâmetros no direito pátrio e com amplas implicações, em especial, no

Direito de Família.

Muitas foram as desaprovações que se antepuseram ao Projeto, sendo umas

delas a de que o Projeto deixava de lado importantes temas da atualidade, como o

dos contratos firmados por meios eletrônicos, direitos difusos, as uniões entre

pessoas do mesmo sexo, entre outros. Mesmo assim, é aprovado o novo Código por

meio da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, demonstrando em seu texto a

interveniência dos Códigos Civis alemão – BGB – ,de 1896; italiano, de 1942; e

português, de 1966.

1.2.2 As características e a hermenêutica civil-constitucional.

Com a vigência do novo Código Civil, inclinam-se os doutrinadores no

trabalho de edificar modernos paradigmas interpretativos. A necessidade atual é a

de compatibilizar axiologicamente a redação do ordenamento infraconstitucional com

os ditames constitucionais. Verifica-se, então, neste contexto, uma transformação de

concepção no sentido de buscar outorgar ao Código Civil uma maior efetividade

social, estando sempre presentes os valores consagrados no ordenamento civil-

constitucional.

Vale recordar que durante a elaboração do Código de 2002, o Código anterior

sofreu profundas alterações, através de decisões judiciais e legislações especiais,

mormente após a reforma constitucional de 1988. Inúmeras leis foram editadas a fim

de regulamentar setores expressivos do ordenamento, visto que as matérias

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tratadas no Código eram cada vez mais consideradas arcaicas. A esse momento foi

dado o nome, pela doutrina, de movimento de descodificação.

O Código Civil não era mais considerado o diploma legal que previa todos os

fatos existentes em uma sociedade, pois passou a coexistir com os microssistemas.

Entretanto, este pequeno mundo de normas, do qual o intérprete pode retirar os

princípios gerais e uma lógica autônoma está associada a uma visão axiológica que

vigora no ordenamento jurídico.

O que se verifica é que tais estatutos, ainda que existam independentemente,

têm íntimo vínculo com os preceitos da Constituição Federal, não estando

desprendidos dos valores prevalentes na ordem jurídica. Nota-se que o papel da

reunificação do sistema coube ao Texto Maior, por trazer em si valores sociais

dominantes, que tinham a pessoa humana como verdadeiro centro de proteção. A

Constituição passou a ser o núcleo prioritário da disseminação dos princípios

fundamentais do ordenamento, “a partir da consciência da unidade do sistema e do

respeito à hierarquia das fontes normativas”.27

Esse fenômeno, como já mencionado, ficou entendido por vários codinomes:

descodificação, despatrimonialização, repersonalização, e constitucionalização do

direito civil. A Carta Magna abrigou diversos princípios que contém as diretrizes

interpretativas do ordenamento. É esta interpretação principiológica, de caráter

eminentemente normativo, que será a base para o estudo das uniões homoafetivas

como entidades familiares.

Necessária, portanto, uma profunda e atenta releitura do Código Civil de 2002

à luz da Constituição, haja vista que o Código Civil de 2002 deixou de abrigar

diversas questões polêmicas e de grande relevância para sociedade, restando para

a jurisprudência o encargo das soluções dos conflitos.

27 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 17, n. 65, jul/set.1993, p 24.

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O novo Código Civil, em seu processo de codificação, não traduziu uma

uniformidade política e ideológica, ao contrário do que se constata normalmente em

um processo de elaboração das leis, em virtude do distanciamento entre a

conjuntura política do início e do término de sua realização, exigindo do intérprete

grande precaução diante da complexidade axiológica do novo ordenamento.

Como forma de organização e método, o Código Civil possui duas principais

características: a primeira consiste na unificação do Direito das Obrigações, onde o

Direito de Empresa é tratado no Livro II, conjugando obrigações civis e mercantis e

tratando em seu art. 966 do conceito de empresário: “considera-se empresário quem

exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou a

circulação de bens ou de serviços”.

A segunda característica e mais importante diz respeito à introdução de

cláusulas gerais que revelam uma atualização em termos de técnica legislativa, ao

lado da técnica regulamentar, mas que reclamam excepcional cautela do intérprete.

Estas cláusulas já existiam em alguns Códigos Civis, até mesmo no Código

Comercial brasileiro de 1850, porém não exprimiam, por si só, uma mudança de

qualidade do ordenamento.

Gustavo Tepedino afirma que:

“As cláusulas gerais em codificações anteriores suscitaram compreensível desconfiança, em razão do alto grau de discricionariedade atribuída ao intérprete: ou se tornavam letra morta ou dependiam de uma construção doutrinária capaz de lhes atribuir um conteúdo menos subjetivo. Para evitar a insuperável objeção, o legislador contemporâneo adota amplamente a técnica do passado, reproduzida pelo Código de 2002. O legislador atual procura associar a seus enunciados genéricos prescrições de conteúdo completamente diverso em relação aos modelos tradicionalmente reservados às normas jurídicas. Cuidam-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”.28

28 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnicas legislativas na parte geral do Código Civil de 2002. In: A Parte Geral do Novo Código Civil: Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.XIX.

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Com a introdução das cláusulas gerais no Código Civil de 2002, passa a ser

indispensável que o intérprete realize a vinculação axiológica entre a legislação

ordinária com a Constituição Federal, que estabelece os valores e os princípios em

que se fundam a ordem pública. Assim obtém-se um significado padronizado das

cláusulas gerais, à luz da principiologia constitucional, que como já afirmado teve a

atribuição de reunificar o direito privado, ante “uma pluralidade de fontes normativas

e da progressiva perda de centralidade interpretativa do Código Civil de 1916.”29

O direito privado brasileiro neste aspecto demonstrou um enorme avanço,

pois com as cláusulas gerais sendo lidas e aplicadas segundo a lógica da

solidariedade constitucional e da técnica interpretativa contemporânea consegue

alcançar o seu principal objetivo, o qual é assegurar à pessoa os direitos e garantias

fundamentais, promovendo a dignidade da pessoa humana.

“Portanto, o Código Civil de 2002 deve ser lido segundo a opção axiológica

personalista feita pela Constituição Federal, ou seja, ele deve ser

constitucionalizado”30 sendo a função da jurisprudência essencial à adequação dos

princípios constitucionais que de agora em diante, conduzirão a aplicação no Direito

de Família.

1.2.3 As relações familiares na atual codificação.

No Código Civil de 2002, Lei n. 10.406/02, o Direito de Família está regulado

no Livro IV da Parte Especial, previsto nos arts. 1.511 a 1.783, desmembrado em

quatro Títulos assim denominados: Do Direito Pessoal, Do Direito Patrimonial, Da

29 Ibid., p. XX. 30 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 53.

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União Estável, Da Tutela e Da Curatela. A atual legislação manteve a estrutura

básica do Código revogado, com a clássica divisão em Parte Geral e Parte Especial.

Pode-se afirmar que a transformação, no plano jurídico, da família se deu em

etapas de maneira evolutiva, valendo ressaltar o texto da Lei n. 4.121/62, conhecida

como Estatuto da Mulher Casada, que iniciou a caminhada na busca da igualdade

entre os cônjuges. A mulher casada, por força da citada lei, perdeu sua

incapacidade relativa e tornou-se colaboradora na chefia da sociedade conjugal.

Manteve-se a chefia da família confiada ao marido, sob a justificativa de garantir-se

a preservação da família com base no princípio da unidade familiar. À mulher

casada garantiu-se a possibilidade de administrar seus bens reservados, frutos de

seu trabalho, independentemente do regime de bens. Além disso sobreveio, a

Emenda Constitucional n. 9, com a instituição da Lei do Divórcio – Lei n. 6.515/77,

que marcou uma significativa transformação legal com o acolhimento da

dissolubilidade do vínculo entre os cônjuges. Anteriormente, era apenas admitido o

desquite, o qual terminava com a comunhão de vida – o vínculo jurídico permanecia.

Muitos cônjuges, separados de fato, puderam ter sua situação de vida reconhecida

pelo ordenamento jurídico. Aliou-se, à liberdade de constituir a família, a liberdade

de desconstituí-la.

Mas a grande evolução legislativa se concretizou com o advento da

Constituição Federal de 1988, introduzindo relevantes mudanças no conceito de

família e no tratamento dispensado a essa instituição considerada a base da

sociedade. Tais inovações podem ser exemplificadas com a ampliação das formas

de constituição de família, inclusive, numa perspectiva constitucionalizada para além

do numerus clausus; facilitação da dissolução do casamento; igualdade de direitos e

deveres dos cônjuges; e igualdade dos filhos, havidos ou não fora do casamento, ou

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por adoção. Da Grande Família, passou-se à Família Nuclear e fala-se agora da

Família Pós-Nuclear.

Dessa forma, com a Carta Magna, pode-se afirmar a existência de um modelo

jurídico plural de família.31

Como conseqüência da nova ordem constitucional, foram editadas leis

especiais que serviram para assegurar os direitos ditados pela Lei Maior, quais

sejam: O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90; a atualização do

texto da Lei n. 6.515, relativa à separação e ao divórcio; a normatização do

reconhecimento de filhos, havidos fora do casamento – Lei n. 8.560/92; e as regras

sobre a união estável – Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96, concedendo aos companheiros

direitos a alimentos, meação e herança.

Essa compilação de leis atualizaram o texto ultrapassado do Código de 1916,

onde muitos de seus dispositivos se tornaram letra morta, alguns revogados até

expressamente e outros não recepcionados pelo novo sistema jurídico. A verdade é

a de que após a Constituição da República, o Código Civil perdeu o papel de lei

fundamental, especificamente, no direito de família.

Mas, era preciso dar aspecto novo ao ordenamento infraconstitucional, em

virtude do projeto original do atual Código ser datado 1975, antes mesmo da Lei do

Divórcio. Mesmo sendo severamente criticado por vários doutrinadores e elogiado

por outros, o mais importante, atualmente, é retirar as intenções vanguardistas de

sua concepção e reconhecer o seu mérito.

Assim, o novo Código procurou remodelar o enfoque do direito de família,

absorvendo as alterações legislativas que haviam ocorrido através de legislações

esparsas.

31 PERLINGIERI. Op. cit., nota 10, p. 250.

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Afora essas inserções originadas do texto constitucional e de leis ordinárias

que lhe seguiram, o novo Código Civil apresentou, em seu contexto, as seguintes

colocações, que, efetivamente, não se projetaram como verdadeiras inovações: ou

seja, reduziu para 16 anos de idade o limite para emancipação dos filhos por outorga

paterna (art. 5º, parágrafo único, inciso I), e igualou, também, em 16 anos a idade do

homem e da mulher para fins de capacitação nupcial (art. 1.517 do Código Civil de

2002); trouxe regras concernentes ao casamento religioso, antes regido pela Lei dos

Registros Públicos – Lei n. 6.015/73, facilitando o registro civil; tratou

separadamente os impedimentos matrimoniais e as causas suspensivas do

matrimônio; distinguiu os casos de casamento nulo e de casamento anulável;

suprimiu o regime dotal; incluindo o regime de participação final dos aqüestos;

extirpou o tratamento jurídico diferenciado entre o homem e a mulher, estabelecendo

o princípio igualitário previsto no art. 1.565.

As questões propriamente inovadoras não foram enfrentadas, perdendo a

nova consolidação a chance de fomentar certos progressos. Por exemplo: não

previu a guarda compartilhada; omitiu-se do assunto no que tange as famílias

monoparentais; também, não consagrou a posse de estado de filho, a filiação

socioafetiva; nem mesmo normatizou as relações de pessoas do mesmo sexo, que

vêm recebendo da jurisprudência reconhecimento como entidade familiar, como se

verá no terceiro capítulo desse trabalho, sendo nominada pioneiramente por Maria

Berenice Dias de uniões homoafetivas.32

Dessa maneira, o atual Código deve ser lido e interpretado conforme os

valores e princípios fundamentais contidos no texto constitucional, para que se

possa dar integral eficácia aos direitos e garantias à pessoa humana. Ainda que a

Constituição tenha alargado o conceito de entidades familiares, mesmo assim, no rol

32 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 102.

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constitucional, não se encontram enumeradas todas as conformações familiares que

se manifestam em sociedade. É imperioso que se proceda a uma rigorosa

interpretação sistemática no âmbito do nosso ordenamento jurídico, a fim de que se

possa compreender que a legislação implicitadamente consagra diversas outras

formas de entidades familiares como: a família monoparental por adoção; a família

formada por dois irmãos; por avós e netos, tios e sobrinhos, a família homoafetiva

entre outras.

E esse é o desafio imposto neste estudo: as uniões homoafetivas como

entidades familiares.

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UMA NOVA ENTIDADE FAMILIAR POSSIBILITADA PELA

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: A UNIÃO

HOMOAFETIVA.

2.1 A União Homoafetiva.

2.1.1 Diversidade de expressões para designar a união entre iguais.

O significado etimológico do vocábulo “homossexualidade”, é constituído pelo

termo grego homo, que quer dizer semelhante, e pelo outro termo advindo do latim

sexus, que denota a identificação da espécie masculina e feminina. Surgiu pela

primeira vez em inglês, no ano de 1890, sendo utilizado por Charles Gilbert

Chaddock, tradutor de Psychopathia Sexualis, de Richard von Krafft-Ebing.33

Anteriormente ao ano 1890, empregava-se a palavra “inversão” para qualificar

o comportamento homossexual. Este designativo “inversão” abarcava todas as

noções avaliadas como desvirtuadas dos modelos majoritários de predileção sexual.

No Brasil, eram aplicados os termos “sodomita”, “somitigo”, “uranista” para o homem,

enquanto que para a mulher homossexual denominava-se “tríbade”.

Pela primeira vez em 1882, a expressão “invertido” foi usada, por Magnan e

Chacot, para apontar um provável caráter doentio na preferência sexual por pessoas

do mesmo sexo e para retratar o conseqüente quadro de deturpação desta visão

estigmatizada por homens efeminados e por mulheres masculinizadas.

Outra denominação em geral utilizada para tachar o sexo entre iguais fora o

termo “perversão”. Sua origem vem do latim perverse, que exprime o agir às

33 VON KRAFFT-EBING, Richard. Psychopathia Sexualis. São Paulo: Martins Fontes, 2000 apud TAVALERA, Glauber Moreno. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 45.

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avessas, o que é contrário à moral. Sobre a instrumentalização ideológica deste

termo, ainda hoje utilizável, Jurandir Freire Costa, afirma: “A perversão está no

comportamento preconceituoso, totalitário e não na expressão das sexualidades

minoritárias. Perversa é a imposição pela violência do modo de satisfação de um

indivíduo sobre o outro”.34

Uma observação realizada ainda por Jurandir Freire é com relação à sua

preferência pelo emprego da palavra “homoerotismo”, ao invés de

“homossexualismo”:

“Prefiro o termo homoerotismo a homossexualismo porque este último, além da conotação preconceituosa do senso comum, está excessivamente comprometido com a ideologia psiquiátrica que lhe deu origem. Fora isso, homossexualismo tem a desvantagem de ser uma noção teoricamente frouxa e clinicamente pobre. Sem meias palavras, é uma noção que, quando não atrapalha, também não ajuda. Homoerotismo, ao contrário, obriga-nos a rever o modo como pensamos no fenômeno da atração pelo mesmo sexo. Historicamente, a palavra foi empregada com sentido próprio, distinto de homossexualidade, por Ferenczi, em um dos melhores estudos sobre o tema produzidos pela literatura psicanalítica (Ferenczi, 1970)”.35

Em 1869, um médico húngaro chamado Karoly Benkert, expediu uma missiva

ao Ministério da Justiça da Alemanha do Norte em defesa dos homossexuais que

eram importunados por dissidências políticas. O Dr. Benkert, nessa carta, defendia a

heterossexualidade como comportamento normal, e contrario sensu, anormal o

homossexualismo, porém, inferia-se de seus estudos que este comportamento, de

amor e sexo que transcendia o enfoque padrão, era algo inato e não adquirido.36 O

objetivo do clínico húngaro era caracterizar o homossexualismo como doença,

exigindo tratamento pela medicina e não a perseguição engendrada à época pelo

nazismo que punia com a pena de morte os homossexuais. A partir das pesquisas

do Dr. Benkert, que produziu o original diagnóstico médico do homossexualismo, a

34 COSTA, Jurandir Freire. “Politicamente correta”, In: Revista Teoria & Debate, n. 18, 1992, p. 24. 35 Id. A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 4ª ed., 1992, p. 77. 36 COSTA, Ronaldo Pamplona. Os onze sexos – as múltiplas faces da sexualidade humana, São Paulo: Gente, 1994, p. 22.

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medicina tenta compreender esse “quadro clínico”, ainda que hodiernamente não

mais seja aceitável conceber nenhum conteúdo patológico sobre essa orientação

sexual.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) possui uma publicação mundial

designada “Classificação Internacional das Doenças”, conhecida por (CID). A CID n.

9 foi publicada em 1975 e nela o homossexualismo estava classificado como

diagnóstico psiquiátrico inserido no capítulo das “doenças mentais”, no sub-capítulo

dos “desvios e transtornos sexuais”, sob o código n. 302.0.

Em 1985, numa das suas revisões periódicas, a OMS publicou uma circular

que explicava que o homossexualismo não mais encontrava suporte defensável

como problema psíquico, pois não existiam sintomas que justificassem considerá-lo

uma doença. Passou por isso, do capítulo das doenças mentais da CID para o

capítulo dos “sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais”. Desde 1995,

todavia, quando da divulgação da CID n. 10, referências à homossexualidade não

mais apareceram. Assim passou o homossexualismo a não mais ser tratado como

doença, alterando a sua designação para homossexualidade, pois o sufixo “dade”

significa modo de ser e agir, enquanto o sufixo “ismo” designa doença.

Por fim, a expressão que atualmente vem sendo consagrada pelos

doutrinadores no âmbito jurídico é denominada de “união homoafetiva”. Vocábulo

criado por Maria Berenice Dias e utilizado pela primeira vez em seu livro: “Uniões

Homossexuais, o Preconceito e a Justiça” para reconhecer a união de pessoas do

mesmo sexo, pois a visão contemporânea de toda comunhão de vida, seja ela

homoafetiva ou heteroafetiva, está consubstanciada no afeto e não mais na relação

sexual.

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2.1.2 Breve esboço histórico sobre a homossexualidade.

A homossexualidade, como uma livre manifestação da orientação sexual, é

um comportamento que sempre acompanhou a história da humanidade, nas mais

diversas culturas, havendo registros desse tipo de conduta sexual até mesmo entre

povos selvagens e, na natureza, entre os animais. Diferentemente do que se pode

imaginar a partir de nossa realidade hodierna, dificilmente, eram essas relações

consideradas como uma atitude devassa, detestável ou patológica, em que pese no

ano de 1.179, o Concílio de Latrão a tenha categoricamente concebido como ato de

natureza criminosa.

A Antropologia, que é a ciência centrada no estudo homem, indica que, nas

sociedades pré-históricas, as relações entre pessoas do mesmo sexo eram

consentidas e cumpriam função essencial no rito de passagem para o jovem na sua

jornada em direção ao mundo adulto. Cada tribo tinha mitos e rituais próprios com

relação à sexualidade. Algumas tribos, baseadas em seus costumes, ritualizavam a

inseminação homossexual dos meninos. Quando chegavam os primeiros sinais de

puberdade, o menino era submetido à penetração anal pelo tio materno, fornecendo-

lhe dessa maneira o esperma que presumidamente o tornaria forte. Os meninos

permaneciam nessa fase por cerca de três anos.37

Colin Spencer em seus estudos sobre a homossexualidade descobriu

evidências de que o amor homossexual nas antigas civilizações da Suméria,

Mesopotâmia e Egito era fundamental para a integridade do tecido social. Na China

e na Índia da Antiguidade, assim como no Império Islâmico, o amor pelo mesmo

sexo era admitido, respeitado e honrado.

37 SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma história. Tradução de Rubem Mauro Machado, 2ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 20.

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A homossexualidade na Grécia e em Roma, as duas grandes civilizações

ocidentais antigas, fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis.

Na Grécia o casal masculino mais famoso da mitologia era formado por Zeus

e Ganimede. Apolo, deus da beleza e da eterna juventude, além de seus incontáveis

amores femininos, foi famoso também pelos inúmeros amores masculinos, raptando

jovens efebos: Himeneu, Ciparisso, Carnus, Hipólito e outros. Conta a lenda que

Hércules teria deflorado cinqüenta virgens em apenas uma noite e tinha quatorze

amantes masculinos, sendo que o mais notório era seu próprio sobrinho, Iolau. Na

sociedade grega, o hábito mais usual referente à homossexualidade era o de

senhores terem jovens rapazes, aos quais deviam ensinar os métodos do sexo,

sendo muitas vezes indicados pela própria família para tal função.

Em Roma, o famoso mito de Rômulo e Remo, os gêmeos fundadores de

Roma que mamaram numa loba, pode ser interpretado como uma história de

iniciação homossexual. Marte, o deus da guerra e pai de Rômulo e Remo, era o

princípio masculino que dominava o pensamento e cultura romanos e estava

associado à expansão indo-européia (uma caixa descoberta no local da antiga

cidade latina de Palestrina-Prenestre mostra um Marte nu cercado de jovens, o que

podia ser uma cena de iniciação).38 A sociedade romana separada rigidamente entre

escravos e cidadãos tolerava relações entre escravos e seus senhores, podendo

estes terem seus rapazes preferidos. Entretanto, aos senhores era exigida o papel

ativo da relação sexual.

As lendas relatadas na Grécia e em Roma servem como um conceito

representativo da época em que se consideravam as relações de pessoas do

mesmo sexo como uma demonstração de virilidade, quando ocorridas entre dois

homens.

38 GREENBERG, David F. de. apud SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma história. Tradução de Rubem Mauro Machado, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1999, p. 20.

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Já na Idade Média os homossexuais passaram a ser impiedosamente

perseguidos no período assinalado pela primazia da fé cristã. Se a antiguidade fora

destacada pela compreensão e ritualização das relações entre pessoas do mesmo

sexo, na Idade Média ao revés, dirigida pelo cristianismo, este sob o sustentáculo do

judaísmo, foi um período de profunda intolerância. A Europa, do século IV até o

Renascimento, testemunhou desumana perseguição aos homossexuais, tidos como

graves pecadores, contrários aos propósitos divinos e co-responsáveis pelos males

ocorridos no mundo, resultado da fúria de Deus, como a todos os sodomitas em

geral. De fato percebe-se que desde o advento do cristianismo, os homossexuais

convivem com a intolerância. O papel da religião foi a de aquiescer as relações

heterossexuais dentro do matrimônio, qualificando a contracepção, o amor livre e a

homossexualidade como comportamentos moralmente inaceitáveis, que desvirtua o

importante sentido da sexualidade.

Remetendo-se para a metade do século XX, consideráveis transformações

sociais conduziram ao aparecimento, de maneira mais indulgente, de uma

sociedade com menos ódio, aversão e discriminação aos homossexuais. Com o

enfraquecimento dos vínculos entre o Estado e a Igreja, ocorre uma amenização da

subordinação incondicional a uma absoluta observância às regras impostas pela

religião, em que a penalização pelo não cumprimento dos preceitos de fé estava

suscetível ao castigo divino, perpétuo e rígido.39

A decadência da dominação da Igreja fez abrandar, um pouco, o sentimento

de culpa, e a satisfação sexual pôde ser exteriorizada com menos temor. O

matrimônio, oficializado pelo Estado, começou a não mais ser notado como

exclusivamente sagrado, e novas estruturas de convívio afloraram.

39 DIAS. Op. cit., nota 32, pp. 32-33.

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Na segunda metade do século passado intensificou-se ainda mais o processo

dessas transformações, podendo ser mencionados alguns fatores que contribuíram

para tais mudanças: o declínio do patriarcalismo, impulsionado pela revolução

feminista; o desenvolvimento do saber científico adicionado ao fenômeno da

globalização, e a redistribuição sexual no campo trabalhista, possibilitaram uma

significativa alteração na própria concepção de família. A passagem para o novo

milênio conduz a valores como o respeito à dignidade humana, à não-discriminação,

à orientação sexual, mas transmite como valor mais significativo uma vitória: a

família como o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do afeto e,

sobretudo, uma célula de formação do indivíduo e elemento que funda o próprio

sujeito. Não é mais primordial um núcleo voltado para os interesses exclusivamente

econômico e de procriação, onde sempre esteve presente a presumida supremacia

masculina. 40

2.1.3 Realidade social e ausência de legislação.

A realidade social foi e, até então, é impiedosa e preconceituosa com relação

às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Apesar da luta incessante para se

alcançar o devido respeito e dignidade dessas uniões, a verdade é a de que ainda

existem muitos preconceitos. Contudo, hoje, não se pode negar uma maior

aceitação e amadurecimento da sociedade. Há ainda muito a ser realizado para

extirpar esta visão deturpada daqueles que não têm voz e vivem marginalizados.

Muitos estigmas giram em torno da homoafetividade e prejudicam seu real

entendimento. Estes indivíduos não são pessoas devassas, imorais e obscenas. São

40 PEREIRA, Rodrigo da Cunha; DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o Novo Código Civil. Prefácio à Primeira Edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. xiv.

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pessoas que buscam a sua realização plena no campo da afetividade como

qualquer outro ser humano; que provavelmente quer viver integralmente sua

dignidade de cidadão, devendo e querendo ser respeitada por ter essa maneira de

ser. Ter seu afeto voltado para um parceiro de natureza semelhante não é uma

escolha ou uma opção, e muito menos uma patologia como já comentado, pois se

assim fosse, obviamente, ninguém optaria pelo sofrimento diante de tamanha

discriminação. Perguntar-se-ia se podem ser consideradas relações heteroafetivas

como uma opção? Claro que não, assim como não são as relações de natureza

homoafetivas. Um indivíduo pode a qualquer tempo mudar sua orientação sexual?

As causas e explicações para a origem da homossexualidade são, até hoje,

variadas, porém, até agora, não se chegaram a qualquer consenso. Diversas são as

explicações no âmbito da interdisciplinaridade: na medicina, na psicologia, na

sociologia; na filosofia; biologia entre tantas outras disciplinas. Se as origens

provêem de fatores biológicos ou genéticos, sociais, ou comportamentais, não se

tem qualquer certeza. Jurandir Freire Costa acredita que tanto a homossexualidade

como a heterossexualidade não são uma escolha. Sem dúvida, a

heterossexualidade é mais cômoda, mais adaptada à realidade social, indagando,

assim, o autor: “Quem quer escolher uma sexualidade que leva à discriminação?”41

A personalidade de um indivíduo não se determina tão-somente por sua

conduta sexual. A personalidade é a organização dinâmica dos traços no interior do

eu, formados a partir dos genes particulares que herdamos, das existências

singulares que suportamos e das percepções individuais que temos do mundo,

capazes de tornar cada indivíduo único em sua maneira de ser e de desempenhar o

seu papel social. Diante disso, não se pode menosprezar a sua inserção do sujeito

na sociedade, apenas porque sua orientação sexual foge aos padrões dominantes.

41 COSTA. Op.cit., nota 35, p. 26.

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De fato a sociedade preconceituosa desqualifica a pessoa em todos os seus

aspectos: no meio profissional, no círculo de amizades, no âmbito familiar, tornando-

a marginalizada e retirando-lhe a própria dignidade como pessoa humana. A luta

para que houvesse maior compreensão desse fenômeno ocorreu a partir dos anos

60 e início dos 70 como ensina Maria Berenice Dias:

“A partir da década de 60 e início dos anos 70 do século recém-findo, aumentou a visibilidade das mais diversas expressões da sexualidade. O movimento de liberação desfraldou suas bandeiras, buscando mudar a conceituação, tanto social como individual, das relações homoafetivas. Para Philippe Áries, os homossexuais formam atualmente um grupo coerente, ainda marginal, mas que tomou consciência de sua própria identidade, um grupo que reivindica seus direitos contra uma sociedade dominante que ainda não o aceita”.42

A reivindicação dos homossexuais pelos seus direitos é legítima, mas

permeadas de obstáculos e insucessos. O Brasil está entre os países cujo

ordenamento jurídico não prevê a criminalização, mais também não promove

qualquer regra expressa de proteção efetiva aos direitos fundamentais dos

homossexuais.

Maria Celina Bodin de Moraes destaca, entre as inúmeras correntes políticas,

duas posições principais no que tange a denominada “questão da

homossexualidade”: a primeira posição é considerada mais universal e tem

encontrado aceitação mais abrangente, pois privilegia a singularidade; a maneira de

ser de cada um individualmente, reclamando do Estado, o respeito absoluto à

privacidade, através dos direitos à intimidade e à vida privada; e a segunda posição

é aquela que preconiza a regulamentação de vida comum com base em estatuto

equivalente ao modelo heterossexual, pretendendo ver reconhecidas essas uniões

até mesmo no que diz respeito à vida conjunta e a filiação, como verdadeiras

42 DIAS. Op. cit., nota 32, pp. 33 e 35.

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entidades familiares. Esta posição passou a ser defendida desde 1989, quando a

Dinamarca regulou a chamada parceria registrada.43

No Brasil não há texto literal de lei protegendo expressamente às uniões entre

pessoas do mesmo sexo e, é nesta idéia que se baseia toda a argumentação

contrária ao reconhecimento dessas uniões como entidade familiar.

O que se pode apontar de relevante, legislativamente, foi a aprovação, em 23

de novembro de 2006 pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei n. 5.003-B de

2001, da deputada Iara Bernardi, alterando o texto da Lei n. 7.716/89, que define

crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, para incluir novas situações

tipificadas como crime resultante da discriminação ou preconceito. Cabe ressaltar

que este é o primeiro Projeto de Lei aprovado pelo plenário da Câmara que protege

de forma específica os homossexuais no que pertine a discriminação por motivo de

orientação sexual. A proposta estende a aplicação da lei ao preconceito de gênero,

sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Em 07 de dezembro a Mesa

Diretora da Câmara dos Deputados remeteu a matéria à apreciação do Senado,

através do ofício n. 589/06/PS-GSE.44 Não se pode questionar que este fato abre

caminho para novas conquistas legislativas com relação às uniões homoafetivas.

Outra tendência favorável ao reconhecimento das uniões homoafetivas como

entidades familiares se verifica na Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, a chamada

Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e

familiar contra a mulher. O art. 2º45 assegura a mulher o gozo dos direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, independentemente de orientação

43 MORAES, Maria Celina Bodin de. A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a perspectiva civil-constitucional. In: Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 1, jan/mar., Rio de Janeiro: Padma, 2000, pp. 89-90. 44 Dados retirados e disponíveis no site: www.camara.gov.br. Acesso em 31/12/2006. 45 Lei n. 11.340/06; art. 2º: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

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sexual, e o parágrafo único do art. 5º46

afirma que independem de orientação sexual

todas as situações que configuram violência doméstica e familiar. É certo que, pelo

prescrito nestes dispositivos, pode-se constatar a proteção nas hipóteses de

violência física ou psíquica que envolvem duas mulheres numa relação afetiva, com

todas as características de vida em comum. E como a lei emprega a expressão

“violência doméstica e familiar”, pode-se evidenciar uma abertura do legislador a

abranger essas uniões como entidade familiar.

Outras Propostas e Projetos de Leis ainda encontram-se em estudo no Poder

Legislativo, porém faltando-lhes o devido interesse para sua apreciação e sem

previsão de quando isso se efetivará. As Propostas e Projetos mais atualizados e

importantes são: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 392/05 de autoria

do deputado Paulo Pimenta, que pretende alterar os arts. 3º, inciso IV e 7º, inciso

XXX da Constituição Federal, vedando a discriminação por motivo de orientação

sexual; o Projeto de Lei n. 1.151/95, da ex-deputada Marta Suplicy, propondo regular

a união civil entre pessoas do mesmo sexo, porém teve trocado o nome de união

civil para parceria civil registrada, segundo o substitutivo adotado, para não ser

confundido com a instituição casamento. O Projeto, por seis vezes entrou em pauta,

mas ele, até então, não mereceu aprovação pelo plenário.

Mesmo que não constem da ordem constitucional federal e que a aprovação

do Projeto de Lei n. 5003-B/01 ainda dependa de todo um trâmite legislativo para

que se torne lei, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais estão

inserindo disposições que, de forma explícita, proíbem a discriminação por

orientação sexual, como por exemplo: a Constituição do Estado de Sergipe de 28 de

outubro de 2003, em seu capítulo II, art. 3º, inciso II que trata dos direitos e garantias

fundamentais; Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, em seu capítulo IV, art.

46 Lei n. 11.340/06; art. 5º, parágrafo único: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.

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31, inciso XIX que dispõe sobre os direitos dos servidores municipais, atualizada até

a Emenda n. 24, de 31 de agosto de 2006, entre outros.47

Muito embora seja para alguns juristas e doutrinadores a lei o único

instrumento para amparar e reconhecer direitos, o fato é que se vive hoje uma

grande revolução no Direito. A inexistência de um ordenamento jurídico específico

para um determinado caso concreto não significa que direitos não possam ser

garantidos; a jurisprudência, a interpretação sistemática das leis, a analogia, a

aplicação dos valores e princípios constitucionais atestam a possibilidade de se

assegurar direitos mesmo sem previsão literal da lei. É o caso das uniões

homoafetivas como entidade familiar, cuja previsibilidade não se encontra

legalmente de forma explícita, mas que de maneira implícita é considerada como tal,

aplicando conjuntamente a hermenêutica civil-constitucional, além da analogia e

outras formas de interpretação a que o direito disponibiliza ao intérprete.

2.2 Os Princípios Constitucionais como Vetores para o Reconhecimento da

União Homoafetiva como Entidade Familiar.

Sustentar a admissão no mundo jurídico de uma postura vista como de fato

ou rejeitada não é exatamente uma inovação. Diversos são os tipos de “construção”

de soluções jurídicas para cada caso concreto, os quais não são amparados em leis

específicas, primordialmente, no que concernem as relações familiares.

Primeiro se trava uma vigorosa batalha judicial diante das iniqüidades da falta

de tratamento normativo que indica o prenúncio das transformações sociais,

somente em seguida é que são absorvidas pela legislação.

47 Ibid. nota 44.

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Contudo, o vigor idealizador da jurisprudência não emerge solitariamente. São

muitas as fontes de Direito a comunicar-se num diálogo criativo, distanciando-se da

tipicidade própria da reflexão positivista.

Acompanhando essa disposição de pensamento, confia-se que a matéria aqui

abordada contém argumentos capazes, para reconhecer as uniões homoafetivas

como entidade familiar, de maneira a legitimarem os seus efeitos jurídicos.

Esta visão jurídica é harmônica com os princípios que orientam o atual Direito

de Família (dignidade, igualdade, liberdade, privacidade, solidariedade, afetividade,

vedação de discriminação de qualquer ordem), pólos axiológicos irradiadores e

aglutinadores do presente sistema jurídico.

Antes de analisar cada um desses princípios e para melhor fundamentar a

pesquisa em tela, cabe aqui examinar uma questão, cuja doutrina ainda não se

entende pacífica, qual seja, se existe hierarquia entre os princípios constitucionais

considerados em si mesmos.

Há divergências. A resposta para esta questão varia conforme o critério a ser

adotado para se estabelecer a hierarquia:

1 – A corrente que admite a hierarquização dos princípios constitucionais se

baseia no critério axiológico, valorativo.

Nessa linha de entendimento, Juarez Freitas assim expõe:

“Aplicando-se as premissas e os conceitos antes formulados ao Direito Constitucional, mais precisamente à Constituição, pode ser esta adequadamente conceituada como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e de valores de ordem suprema, cuja função é a de, evitando ou superando antinomias axiológicas, dar cumprimento aos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Assim, uma interpretação constitucional, sobre levar em conta os princípios e subprincípios hermenêuticos, exige uma consideração unitária que não afaste a possibilidade de antinomias, nem de normas constitucionais inconstitucionais, mas que faça ver todas as disposições de núcleo constitucional sob o prisma esclarecedor dos imediatamente eficazes e nada inócuos princípios superiores, apesar de, não raro, serem estes veiculados em normas de eficácia limitada.”48

48 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 145.

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Também no mesmo diapasão estão os ensinamentos de Ivo Dantas e José

Souto Maior Borges:

"Há uma hierarquia no inter-relacionamento dos princípios fundamentais com outras normas da Constituição Federal e, sobretudo com outros princípios constitucionais (sintaxe jurídico-constitucional) que põe a lume a maior importância dos seus princípios fundamentais no confronto com outros princípios. Muitos desses podem ser objeto de reforma constitucional. Nada o impede. Mas no tocante aos princípios fundamentais, a Carta Maior é rigidíssima. Não podem, a teor do seu art. 60, § 4º, ser abolidos.” 49

2 – A segunda corrente se fundamenta na juridicidade. Daí ser forçoso admitir

que não há hierarquia entre os princípios constitucionais. A ordem jurídica é um

sistema, o que se depreende completude, estabilidade e coerência. Em um sistema,

suas diversas partes devem coexistir sem confronto inarredável. Com isso, “todas as

normas constitucionais têm igual dignidade; em outras palavras: não há normas

constitucionais meramente formais, nem hierarquia de supra ou infra-ordenação

dentro da Constituição, como ensina Canotilho.”50

O que existem são princípios com diferentes níveis de concretização e

densidade semântica, mas nem por isso é correto dizer que há hierarquia normativa

entre os princípios constitucionais.

Além disso, afirma Luís Roberto Barroso que:

“Por força do princípio da unidade da Constituição, inexiste hierarquia

entre normas constitucionais onde são espécies as regras e os princípios, cabendo ao intérprete a busca da harmonização possível, in concreto, entre comandos que tutelam valores ou interesses que se contraponham. Conceitos como os de ponderação e concordância prática são instrumentos de preservação do princípio da unidade, também conhecido como princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição”.51

Uma vez apresentada às duas posições com relação à hierarquização ou não

dos princípios, passa-se ao examine dos princípios da dignidade da pessoa humana,

49 BORGES, José Souto Maior. Pró-dogmática: por uma hierarquização dos princípios constitucionais. In: Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, n. 1, 1993, p. 145. 50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição 6ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 191. 51 BARROSO, Luiz Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: Temas de Direito Constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 38.

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da igualdade, da não-discriminação, da liberdade, da solidariedade e da afetividade

que consubstanciarão o desenvolvimento do tema desta dissertação.

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana.

A dignidade é o marco jurídico que se constitui no núcleo fundamental do

sistema brasileiro dos direitos fundamentais; significa que o ser humano é um valor

em si mesmo, e não um meio para alcançar outros fins.

Em maio de 1949 surge o primeiro documento legislativo a consagrar o

princípio à condição de direito fundamental, qual seja, a Lei Fundamental de Bonn,

da República Federal da Alemanha, sendo posteriormente adotada pelas

Constituições portuguesa e espanhola.52 Seu amparo originou-se da percepção

universal da imprescindibilidade de proteger e respeitar a pessoa humana,

libertando-a de atos de crueldade e massacre, como os que foram praticados pelos

nazistas contra os homossexuais nos campos de concentração ou extermínio na

Segunda Guerra Mundial. Em oposição a tais desumanidades (destacadamente as

realizadas pelo nazi-fascismo), resulta a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, proclamada, em 1948, pelas Nações Unidas, cujo teor do art. 1º era o

seguinte: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

A noção de dignidade humana está particularmente associada à concepção

de direitos fundamentais, nos seus mais abrangentes aspectos, que se

complementam reciprocamente: individual, política e socialmente. A reunião desses

direitos destina-se a possibilitar à pessoa humana a atender as suas exigências

básicas para uma vida digna e para que se realize enquanto tal, seja no enfoque

material ou emocional. 52 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 83.

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Significativo se torna fazer a distinção entre princípio e valor para uma melhor

compreensão da dignidade. Encontrar um critério de identificação adequado a tal

noção apresenta extrema dificuldade. Daí a importância de citar alguns

pensamentos de estudiosos sobre o tema:

Valores são opções éticas que se fazem para conduzir a vida no seu todo ou

em parte, considerando que podem ser variáveis. Segundo Pietro Perlingieri: “os

valores são conjunto de interesses não-patrimoniais que devem ser tutelados porque

estruturam-se coligados à existência e à vida da pessoa”.53

Já os princípios são normas jurídicas de conteúdo aberto, fluido, que se

constituem em diretrizes de comportamento. Sua interpretação deve estar em

estreita consonância com os valores da época, uma vez que não constituem normas

de perfeita adequação ao fato.

Assim afirma Luiz Roberto Barroso:

“Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem dialética, os princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível.”54

Diante das lições de José Afonso da Silva a dignidade é dotada ao mesmo

tempo de valor supremo e princípio constitucional. Valor porque contêm a essência

da opção personalista da sociedade moderna. Visto que o ser humano se encontra

no centro do ordenamento jurídico, sua dignidade deve ser protegida e promovida.

Além disso, a dignidade é um princípio constitucional fundamental e geral que

inspira não somente a ordem jurídica, mas também a ordem política, social,

53 PERLINGIERI, Pietro. Normas constitucionais nas relações privadas. In: Revista da Faculdade de Direito da UERJ. Rio de Janeiro, n. 6 e 7, 1998-1999, p. 75 54 BARROSO e BARCELLOS. Op. cit., nota 51, p. 339.

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econômica e cultural, pois é fundamento da República Federativa do Brasil,

constituída em Estado Democrático de Direito.”55

Ana Paula de Barcellos, expõe a idéia do mínimo existencial ou também

chamado de núcleo da dignidade humana, cujo o abrigo são os direitos sociais,

econômicos e culturais. O denominado mínimo existencial é formado pelas

condições básicas de existência, sem a qual não pode haver a concretização da

dignidade humana: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos

desamparados e o acesso a justiça.56

Maria Celina Bodin de Moraes busca na concepção kantiana o substrato

ideológico para a sua idéia de dignidade. A concepção moral entende que a

humanidade das pessoas encontra-se no fato de serem ela racionais, dotadas de

livre arbítrio e capacidade para interagir com os outros e com a natureza, será

desumano, isto é, contrário à dignidade tudo o que reduzir o sujeito de direitos à

condição de objeto. Entende a autora que a dignidade humana é o valor supremo de

alicerce da ordem jurídica democrática, tendo lugar de destaque entre os princípios

fundamentais, uma vez que a Carta Magna elegeu-a como fundamento da República

(Constituição Federal – art. 1º, III). O respeito à dignidade da pessoa humana,

fundamento do imperativo categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um

comando jurídico no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988. É na

dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apóia e constitui-se.

Passa, então, a autora a desdobrar em quatro postulados o substrato material da

dignidade: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos

iguais a ele – princípio da igualdade; ii) merecedores do mesmo respeito à

integridade psicofísica de que é titular – princípio da integridade psicofísica; iii) é

55 SILVA, José Afonso da. Dignidade da pessoa humana como valor supremo da ordem democrática. In: Revista de Direito Administrativo, v. 212, 1998, p. 91 56 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 118 e 248.

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dotado de vontade livre, de autodeterminação – princípio da liberdade; iv) é parte do

grupo social em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado –

princípio da solidariedade.

Afirma a autora que são princípios jurídicos corolários: o da igualdade; da

integridade física e moral; da liberdade; e da solidariedade. Somente os corolários,

ou também chamados subprincípios podem ser relativizados e será em caso de

colisões entre eles que o princípio maior da dignidade da pessoa humana atuará

para determinar qual deles deve prevalecer. 57

2.2.2 Princípio da igualdade.

A questão da igualdade é uma preocupação permanente do direito, pois está

intimamente ligada ao próprio sentido de justiça.58

O princípio da igualdade se apresenta de duas formas: a igualdade formal,

segundo o qual “todos são iguais perante a lei”, art. 5º da Constituição Federal de

1988. É o direito de não receber qualquer tratamento discriminatório, no direito de ter

direitos iguais aos de todos os demais. Contudo esta espécie de igualdade não é

suficiente para não privilegiar nem discriminar, isto porque os indivíduos não

possuem idênticas condições sociais, econômicas ou psicológicas. Empregou-se,

normativamente, uma outra forma de igualdade, a denominada igualdade

substancial, art. 3º, III da Constituição da República, cuja medida prevê a

necessidade de tratar as pessoas, quando desiguais, em conformidade com a sua

desigualdade. A igualdade substancial passou a ser a elaboração mais inovadora da

57 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 17. 58 RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a Discriminação por orientação sexual. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 25-26. “No universo clássico grego, irromperam inúmeras manifestações e reflexões acerca do papel capital da igualdade na ordenação da vida social. [...] No campo jurídico, a idéia de igualdade, desde então, apresenta relevo tão eminente a ponto de equiparar-se à noção de justiça”.

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igualdade dos direitos, no entanto, não se pode dispensar da igualdade formal, à

qual se adicionou esta outra, a aludida substancial.

Assim leciona Pietro Perlingieri:

“A igualdade formal seria expressão de uma revolução praticamente realizada e a igualdade substancial, ao contrário, de uma revolução “prometida”. Pela primeira, os cidadãos têm “igual dignidade social e são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de condições pessoais e sociais”; pela segunda, é “tarefa da República remover os obstáculos de ordem econômica e social que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do País”.59

A maior questão a ser desvendada com a formulação da igualdade

substancial é a reivindicação de um “direito à diferença”. Ao invés de se reivindicar

uma “identidade comum”, são necessárias que sejam apreciadas as diferenças que

existem entre os seres humanos, como por exemplo: os sadios e deficientes; cultos

e analfabetos; heterossexuais e homossexuais. Daí a sugestão de substituir o termo

“identidade” por “reconhecimento”. Na idéia de identidade existe o sentido de

“mesmo”, enquanto que no reconhecimento permite a dialética do mesmo com o

outro. É o reconhecimento do outro, como ser igual a nós. 60

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet o princípio da igualdade está

inteiramente vinculado à dignidade da pessoa humana, por essa razão foi

consagrado pela Declaração Universal da Organização das Nações Unidas (ONU)

que todas as pessoas são iguais em dignidade e direitos. Assim, representa

pressuposto básico para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da

isonomia de todos os seres humanos, que, assim sendo, não podem se sujeitar a

tratamento discriminatório e arbitrário. 61

59 PERLINGIERI. Op. cit., nota 10, p. 243. 60 MORAES. Op. Cit., nota 57, pp. 19-21. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 87.

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Daí se depreende que não se pode tolerar o preconceito e a discriminação

entre a união de pessoas do mesmo sexo, no sentido, inclusive, da sua dupla

dimensão: formal e substancial. Neste caso qualquer forma de violação por

excelência do direito à igualdade, transgridirá, também, o princípio da dignidade da

pessoa humana.

2.2.3 Princípio da liberdade.

Durante muito tempo liberdade e autonomia privada confundiam-se num

mesmo conceito, principalmente quando se referia a igualdade formal, visto que na

esfera patrimonial se concedia ao indivíduo enorme poder de disposição, é claro, se

este possuísse bens. Deste ambiente era o Código Civil o centro de todo o

ordenamento jurídico. O Código proporcionava plena liberdade àquele que

representava o valor fundamental da época liberal: o indivíduo-burguês livre e igual,

sujeitando-se a sua própria vontade. Mas, pouco importava a derrocada do outro,

desde que conseguisse extrair o maior proveito possível das suas atividades. Sob

esta visão a liberdade era absoluta; as restrições a ela tinham somente o intuito de

proteger as liberdades dos demais indivíduos. A autonomia dos privados prevalecia

quase sempre sobre os interesses da coletividade.

Essa situação se transformou a partir da necessidade de regulamentar as

situações extrapatrimoniais. Na contemporaneidade, perde destaque os

entendimentos que consideravam o direito subjetivo como um poder atribuído a

vontade individual, para a realização de um seu interesse exclusivo, cumprindo-lhe

observar ínfimos limites externos, dispostos em benefício de terceiros ou da

coletividade.

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As situações subjetivas são tuteladas pelo ordenamento se, e à medida que,

estiverem de acordo com o interesse social e não somente em concordância com o

poder de vontade do titular. A noção de direito subjetivo contém em si mesmo

significativas limitações, devendo seu exercício estar em perfeita adequação com os

objetivos, os fundamentos e o os princípios previstos pela normativa constitucional.

O princípio da liberdade individual se concretiza, atualmente, numa visão de

privacidade, de intimidade, de livre exercício da vida privada (art. 5º, inciso X da

Constituição Federal de 1988). Portanto, o desrespeito pela privacidade, pela

intimidade, e pelo livre exercício da vida privada, notadamente no que tange as

uniões homoafetivas, acarreta, conseqüentemente a inobservância ao princípio da

liberdade individual. Liberdade, segundo Maria Celina Bodin de Moraes, expressa,

cada vez mais, poder efetivar, sem intromissões de qualquer gênero, as próprias

escolhas individuais, mais, o próprio projeto de vida, exercendo-o como melhor

convier.62

2.2.4 Princípio da solidariedade.

Cabe registrar que logo depois do fim da Segunda Guerra ocorreu a

introdução pelas Constituições do século XX da tábua axiológica. Nesse moderno

quadro, o valor fundamental passou a ser a pessoa humana e sua dignidade,

deixando para trás a vontade individual. No Brasil, essa alteração de perspectiva

aconteceu através do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988 e da nova estrutura

que ela implanta, apoiada na predominância das situações existenciais sobre as

situações de caráter patrimonial.

62 MORAES. Op. cit., nota 57, p. 43.

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Relevante salientar que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, após

um longo período ditatorial, onde não se permitia a livre manifestação de

pensamento, de opinião, de informação. Portanto, pode-se afirmar que a Lei Maior

guarda os mesmos valores constitucionais das Constituições do pós-guerra.

No Texto Constitucional, no Título I, denominado “Dos Princípios

Fundamentais”, a Constituição estabelece os objetivos da República Federativa do

Brasil, sendo que especificamente no art. 3º, I, dispõe sobre a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária. Além disso, no mesmo art. 3º, III, existe um outro

objetivo a ser alcançado, que complementa e melhor esclarece o citado inciso I: a

erradicação da pobreza e da marginalização social e a redução das desigualdades

sociais e regionais. Estas finalidades fundamentais gozam de primazia: seja na

realização pelos Poderes Públicos e daqueles a quem se destina o preceito

constitucional, ou seja na missão de interpretá-los e, à sua luz, interpretar todo o

ordenamento jurídico nacional.

Dessa forma, os incisos do art. 3º convocam os Poderes a colaborar

promocionalmente, por meio da noção de justiça distributiva, dirigida para a

igualdade substancial, impedindo os preconceitos de qualquer tipo, haja vista

aqueles existentes em torno das uniões homoafetivas.

A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador constituinte deve

ser compatibilizada com todos os meios direcionados a assegurar uma existência

digna, comum aos cidadãos, em uma sociedade que se aperfeiçoe e progrida no

sentido da liberdade e da justiça, sem excluídos e marginalizados.

O princípio da solidariedade estabelecido em nosso ordenamento como

princípio jurídico é inovador, e deve ser aplicado não apenas na ocasião da

elaboração da legislação ordinária e na execução de políticas públicas, como

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também nas oportunidades surgidas de interpretação e aplicação do direito, por

seus operadores e por qualquer dos integrantes da sociedade.63

2.2.5 Princípio da afetividade.

Todos os princípios, até aqui examinados, são princípios de cunho global.

São princípios universais que devem ser aplicados sempre para garantir e proteger a

dignidade da pessoa humana, seja no âmbito contratual, patrimonial ou familiar. Já o

princípio da afetividade, é um princípio que se tornou o principal fundamento das

relações familiares, em virtude de profunda alteração da concepção jurídica de

família. A família moderna passa a ser plural, ao invés de família singular, uma vez

que a Carta Maior, em seu art. 226 e parágrafos, reconhece a multiplicidade de

famílias, aumentando a tutela jurídica e a esfera de liberdade de escolha dos

sujeitos que as compõem. Logo, ampliam-se as formas de constituição de família,

tendo como fundamento central o afeto e o desejo de estarem juntas.

A afetividade cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores,

pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou na cogitação dos juristas,

que buscam explicar as relações familiares contemporâneas.

Assim sustenta Paulo Luiz Netto Lôbo, que o princípio da afetividade está

devidamente fundamentado na Constituição:

“O principio da efetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade. Encontra-se na CF/88 algumas referenciais, cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da afetividade [...]: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha efetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) o casal é livre para extinguir o casamento ou a união estável, sempre que a afetividade

63 Ibid, p. 44-46.

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desapareça (art. 226, §§ 3º e 6º); e) o direito à convivência familiar é considerado prioridade absoluta da criança e do adolescente”.64

De acordo com o autor as relações de afeto são mais importantes que as

oriundas de consangüinidade, pois a razão de ser das relações familiares nunca

esteve na origem genética. Na tutela constitucional não cabe somente a família

matrimonializada e não há mais estabelecimento diferenças entre filhos biológicos e

adotivos. A união familiar não obriga a quem quer que seja à procriação, por isso a

procriação não é condição sine qua non para a identificação da formação familiar. A

família sem prole é igualmente protegida pela Lei Maior.65

A concepção de família não fundada no casamento, eleva-as à mesma

dignidade da família concebida pelo matrimônio. O que existe de comum nessas

variadas concepções de família é a relação entre elas alicerçada no afeto.

A afetividade é elemento central e definidor da união familiar, onde a

finalidade mais relevante da família é a realização da personalidade de seus

membros e a promoção da dignidade de cada um de seus integrantes.

Pietro Perlingieri, ao tratar da formação dos laços familiares contemporâneos,

assim se pronuncia:

“O sangue e os afetos são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida”.66

Como se observa, ocorre uma verdadeira desconstrução ao longo do tempo

da visão familiar advinda do modelo patriarcal, dando lugar a outras formas de

entidades familiares. A afetividade é, portanto, um dos requisitos básicos em torno

64 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: Temas Atuais de Direito e Processo de Família. Cristiano Chaves de Farias (coordenador). Primeira Série. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, IBDFAM, 2004, p. 8. 65 Ibid. 66 PERLINGIERI. Op. cit., nota 10, p. 244.

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da qual possa vir a nascer uma família, seja ela composta por um homem e uma

mulher, por dois homens, ou por duas mulheres.

Enfim, relevância do afeto se encontra presente também nas relações

homoafetivas, como o próprio nome já induz. Pois mais do que o sexo, é o amor, a

solidariedade, o respeito mútuo, a compreensão, o companheirismo que unem as

pessoas para uma plena realização de vida.

2.3 A União Homoafetiva como Entidade Familiar.

2.3.1 A união homoafetiva como entidade familiar à luz dos princípios

constitucionais.

Após o estudo de cada princípio constitucional que norteia todo o

ordenamento jurídico, percebe-se que não há como não reconhecer a união

homoafetiva como entidade familiar.

Na lição de Gustavo Tepedino:

“A preocupação do ordenamento é com a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social”.67

É nessa hermenêutica constitucional axiológica, construída precipuamente

para a proteção da pessoa humana, que se evidencia afirmar a compreensão das

uniões homoafetivas como núcleos familiares merecedores de especial proteção do

Estado (CRFB/88, art. 226). O princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III

da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) está no mais elevado topo do

ordenamento jurídico, dele se irradiando todos os demais princípios, que vão dar

67 TEPEDINO. Op. cit., nota 19, p. 372.

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sentido ao reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar sem que

haja necessidade de previsão legal.

A dignidade do ser humano é valor fundamental, por isso não há razão de ser

para não considerar na concepção de entidade familiar àquelas formadas por

pessoas do mesmo sexo, pois essa interpretação se coaduna com os objetivos e

princípios fundamentais da Constituição. A Carta Magna atendeu às necessidades

da família pluralista contemporânea, ao delinear a família com base em fundamentos

sócio-afetivos, valorizando a dignidade da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, III);

garantindo os princípios da igualdade formal e substancial (CRFB/88, arts. 3º e 5º);

da liberdade (CRFB/88, art. 3º, I); da solidariedade social (CRFB/88 art. 3º, I); da não

discriminação (CRFB/88, arts, 3º, I e IV); da inviolabilidade da intimidade e da vida

privada (CRFB/88, art. 5º, X), caracterizando, assim, a família como “instrumento” de

realização de seus membros (CRFB/88, art. 226, § 8º) e não mais como “instituição”,

permitindo, portanto, a abertura de novos tipos de família não elencados

expressamente, dentre eles as uniões homoafetivas.

Insista-se dizer que quando considerados os princípios já mencionados

contidos na CRFB/88, confere-se legitimidade e proteção jurídica aos diversos

modelos de entidade familiar.

Interessa sobrelevar que a família contemporânea tem o seu fundamento

baseado no afeto, demonstrado como autêntico direito à liberdade de se

autodeterminar emocionalmente, que se acha assegurada constitucionalmente.

Impedir proteção à relação homoafetiva como entidade familiar é repelir o seu

entendimento, atual, como família funcionalizada, eliminando a proteção da pessoa

humana e restituindo a família a seu estado primitivo, numa época institucionalista já

ultrapassada, como se a proteção não fosse dispensada à pessoa, conspirando

contra a sua intransigível dignidade. É, inclusive, negar a aplicabilidade dos

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princípios constitucionais no seio de um Estado Democrático de Direito. O que é

obviamente um absurdo.

Além disso, nas lições de Luiz Edson Fachin, na esfera constitucional, o

princípio da dignidade da pessoa humana, agasalhado pelos princípios da igualdade

substancial, da solidariedade e da liberdade, é admissível edificar o alicerce

inabalável e democrático “para a construção do direito à orientação sexual como

direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana”.68

Daí tornar-se legítima o desfecho de que o reconhecimento da união

homoafetiva, no Direito de Família, é imperativo constitucional, através da aplicação

dos princípios que são verdadeira norma, sendo impraticável infringir a dignidade do

homem, por resistência em agarrar-se a preconceitos e formalismos legais.

Indubitavelmente não se pode ignorar a existência e o amparo legal de

entidade familiar homoafetiva, isto porque são pessoas humanas que se unem em

torno de propósitos comuns, que dedicam amor recíproco, ajuda mútua, e aspiram a

felicidade de viver em comunhão, como qualquer outra entidade familiar, impondo-se

a tutela a essas uniões dignas de visibilidade e respeito.

2.3.2 A união homoafetiva como entidade familiar fundamentada na interpretação

constitucionalizada do art. 226, caput e §§ 3º e 4º da CRFB/88.

Como se examinou no item anterior, os princípios tão-somente aplicados já

impõem o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. Contudo,

outros critérios interpretativos podem ser utilizados conjuntamente para melhor

68 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos jurídicos da união entre pessoas do mesmo sexo. In: Barreto, Vicente (Organizador). A Nova Família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 114.

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corroborar essa linha de entendimento e proporcionar concretamente efeitos

jurídicos a união de pessoas do mesmo sexo.

O artigo 226, caput trata da proteção da família, que é a base da sociedade,

realizada pelo Estado. Enquanto que seus parágrafos 3º e 4º dizem respeito às

novas formas de família que são expressamente contempladas, quais sejam: a

união estável e a monoparental.

Dispõe o citado artigo:

“art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º (...) § 2º (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Não obstante, não exista regra expressa acerca do reconhecimento da união

homoafetiva como entidade familiar, é inegável que através do direito civil-

constitucional, por meio da atividade hermenêutica do intérprete, buscando a

promoção e tutela da pessoa humana, por meio de cláusulas gerais previstas nos

art. 1º, III e 3º, III, da Carta Constitucional se perceberá que as entidades familiares

estão para além do numerus clausus. Por certo como será demonstrado a

Constituição brasileira tutela as entidades familiares de qualquer tipo, certamente,

acolhendo as uniões homoafetivas que é o objeto deste estudo.

Cabe ressaltar que a interpretação preponderante do art. 226 da Constituição,

entre os estudiosos do Direito Civil, é no entendimento de admitir tão-somente as

três formas de entidades familiares, literalmente previstas, configurando numerus

clausus. Entendem os autores que qualquer outro tipo de entidade familiar que se

queira criar, terá que ser feito via emenda constitucional.

Atente-se que esta posição doutrinária se encontra arraigada sobremaneira

aos ditames legais. É estritamente calcada ao método clássico – o subsuntivo,

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fundado na aplicação de regras, pois para salvaguardar a autonomia, a neutralidade

e a objetividade da ciência do direito este rigoroso método científico deve-se manter

alheio aos aspectos axiológicos e sociais, tendo por objeto único à lei. Reduz o

direito a lei. O positivismo jurídico, evidentemente, teve grande valor e importância,

mas nem sempre foi suficiente.

Não se pode admitir, atualmente, principalmente no Direito de Família, que as

regras jurídicas em geral – e as constitucionais em particular – tragam sempre em si

um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem,

sob pena de retrocesso jurídico e engessamento do sistema. E que, assim, caberia

ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo preexistente na norma,

sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização.

A afirmação da autonomia da ciência jurídica e as conseqüentes tentativas de

definir a chamada “realidade jurídica” como alguma coisa que possa viver

separadamente da realidade social, econômica ou política é herança que ainda pesa

muito sobre os juristas e sobre o ensino do Direito.

Conforme Luiz Edson Fachin:

“No domínio juscivilístico não estão tão-só as regras tradicionalmente aplicáveis às relações de Direito Civil. Chamadas à colação estão as normas constitucionais e nelas encartados os princípios constitucionais, vinculantes e de caráter normativo. O acervo, entretanto, aí não acaba. Respeito aos direitos fundamentais, ao princípio da igualdade, ao direito de constituir família e de protegê-la, entre outros, são garantias desse rol”.69

Necessário também comentar, antes de se adentrar na apreciação do art. 226

que Maria Celina Bodin de Moraes, entende ser indispensável destacar dois

aspectos no ensejo da interpretação: o primeiro seria o da interpretação normativa

civil à luz da Constituição, o que se convencionou denominar de “direito civil-

69 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil à luz do novo Código Civil Brasileiro. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pp. 37-38.

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constitucional”; o segundo aspecto apontado pela autora é a “especificidade da

normativa constitucional” – formada por regras e princípios –, e atentar que os

preceitos constitucionais são bem menos determinados e mais flexíveis do que as

outras normas, logo “não predeterminam, de modo completo, em nenhum caso, o

ato de aplicação, mas este se produz ao amparo de sistema normativo que abrange

diversas possibilidades”. Assim expõe a autora que as normas constitucionais fixam,

por meio de formulações concisas, “apenas os princípios e os valores fundamentais

do estatuto das pessoas na comunidade, que hão de ser concretizados no momento

de sua aplicação”. 70

Então, retornado ao caput do art. 226, nota-se que não há no artigo em

exame qualquer alusão sobre certo tipo de família como era consagrado

anteriormente nas constituições brasileiras. A Constituição de 1988 ao eliminar a

expressão “constituída pelo casamento”, contida no art. 167 da Constituição 1967-

69, sem determinar a que espécie de família estaria se dirigindo e quais as que são

objeto de proteção do Estado, inseriu sob a tutela constitucional a família como tipo

aberto. Ora, se é concedido aos indivíduos o direito fundamental de constituírem

uma família, inviável se torna ao poder estatal restringir, seja de que maneira for, os

tipos de família.

Conforme Paulo Luiz Netto Lôbo, neste caso, a teoria da norma geral

exclusiva não é aplicada. Mesmo que os parágrafos 3º e 4º mencionem tipos

determinados de entidades familiares, para dar-lhes certas conseqüências jurídicas,

isto não quer dizer que houve um restabelecimento da cláusula de exclusão, como

se pudesse visualizar no art. 226 caput a expressão “a família, constituída pelo

casamento, pela união estável entre o homem e a mulher ou pela comunidade

formada por qualquer dos pais e seus filhos”. “A interpretação de uma norma ampla

70 MORAES. Op. cit., nota 43, p. 106.

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não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos

subjetivos”.71

O caput do art. 226 é, conseqüentemente, norma geral de inclusão que tem

como característica regular as hipóteses não previstas na norma, desde que

semelhantes a ela, de maneira idêntica, onde só poderia ser excepcionada se

existisse outra norma de exclusão explícita, o que não ocorre, nesse caso, no

ordenamento jurídico pátrio. Portanto, não sendo admissível excluir qualquer

entidade familiar que preencha, de acordo com Paulo Luiz Netto Lôbo, os requisitos

essenciais, a saber: a afetividade (fundamento e finalidade da entidade e escopo

indiscutível de constituição de família), estabilidade (relacionamentos não causais,

permanentes e comprometidos com a comunhão de vida) e ostensibilidade (aquela

relação entre duas pessoas que se apresente publicamente).72

Em todos os tipos de entidade familiar há características comuns, sem as

quais não se configuram como tal. O que se almeja destacar é que a proteção

jurídica dada às entidades familiares, no mundo moderno, é atribuída ao “conteúdo”

familiar ou à substância e, não mais exclusivamente a “forma”, como esclarece Maria

Celina Bodin de Moraes. A família não está resguardada pela maneira através da

qual se estrutura, mas em razão da função que desempenha: como espaço de troca

de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou

convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de

sexos diferentes.73

Portanto, observando a família como função que exerce, não há mais lugar

para eximir-se da tutela a novos tipos de vínculos afetivos, ainda que inexistindo

regulamento expresso pelo constituinte. O que importa é que haja semelhança pelo

71 LÔBO. Op. cit., nota 63, p. 6. 72 Ibid, p. 3. 73 MORAES. Op. cit. nota 43, p. 108.

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mesmo fundamento, pela mesma ratio e pela mesma função para que novos elos

afetivos sejam considerados entidades familiares, além da total observância dos

princípios constitucionais que as protegem.

Daí a possibilidade de aplicação da analogia ao § 3º do art. 226, não havendo

relevância a exigência de condição de diversidade de sexo, mesmo porque o

princípio da não-discriminação é valor jurídico de primazia, proclamado tanto no art.

3º, IV da Lei Maior, quanto e, principalmente, no art. 3º, I como um dos objetivos

fundamentais de construção de uma sociedade que se anseia livre, justa e solidária,

e, além disso, não se pode olvidar, também, que diante da admissibilidade de

qualquer tipo de forma familiar, desde que presentes os seus elementos e a sua

funcionalização, o dispositivo referido é de cunho meramente exemplificativo.

Maria Berenice Dias acrescenta novo argumento, através de interpretação do

§ 4º do art. 226, corroborando ainda mais o entendimento que as uniões

homoafetivas, com a utilização da analogia e da “tábua axiológica” trazida pela

Constituição Federal de 1988 devem ser equiparadas às uniões estáveis e

consideradas entidades familiares.

“Não há, portanto, como deixar de visualizar a possibilidade do reconhecimento de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. O adjunto adverbial de adição ‘também’, utilizado no § 4º do art. 226 da CF, é uma conjunção aditiva, a evidenciar que se trata de uma enumeração exemplificativa da entidade familiar. Só as normas que restringem direitos têm de ter interpretação de exclusão”.74

E continua afirmando que:

“Nada justifica o estabelecimento da distinção de sexos como condição para a identificação da união estável. Dita desequiparação, arbitrária e aleatória, estabelece exigência nitidamente discriminatória. Frente à abertura conceitual levada a efeito pelo próprio legislador constituinte, nem o matrimônio nem a diferenciação dos sexos ou a capacidade procriativa servem de elemento identificador da família. Por conseqüência, de todo descabida a ressalva feita no sentido de só ver como entidade familiar a união estável entre pessoas de sexos opostos.75

74 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. In: Revista Brasileira de Direito de Família, n. 4, jan./fev./mar., 2000, p. 11. 75 DIAS. Op. cit., nota 32, p. 80.

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Assim, ancorada nos valores constitucionais e caracterizada como uma

realidade presente, as uniões homoafetivas ganham proteção constitucional como

entidade familiar.

RELAÇÕES HOMOAFETIVAS: REFLEXÕES E INOVAÇÕES

JURISPRUDENCIAIS

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3.1 A Posição da Jurisprudência.

A aspiração de todo o cidadão é a garantia da justiça. Cabe ao Estado o

empenho de assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana.

Os preceitos de conduta asseguram um equilíbrio na convivência em

sociedade, que são impostas pelo Estado, uma vez transformadas as relações

sociais em relações jurídicas. No entanto, o legislador não consegue prever todas as

situações sociais dignas de tutela no ordenamento jurídico, ocasionadas pela

velocidade do desenvolvimento de uma sociedade pós-moderna. Com isso,

constatam-se numerosas lacunas normativas.

O Estado Democrático de Direito, para possibilitar a integral observância da

lei, se vale do instrumento judicial, a quem outorga não somente a atribuição de

solucionar os conflitos de interesses, aplicando as regras jurídicas, como também

lhe obriga a cumprir sua prestação jurisdicional, por meio do juiz, quando há

omissão na estrutura legislativa.

O fato de existir ausência legal para certas situações não obstrui a

possibilidade de se extraírem efeitos jurídicos, e nem exprime inexistência de direito

à tutela jurídica. Assim prescreve o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil

(Decreto-Lei n. 4.657/42): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo

com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Logo, o juiz ao verificar a existência de vácuos na legislação se apoiará no

que dispõe o artigo citado, tendo sempre como parâmetro os princípios

constitucionais.

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Como leciona Maria Berenice Dias: “Não pode olvidar que a forma de

preservar a igualdade é aplicar às situações análogas a mesma solução, e que os

costumes a serem preservados são os que levam à inserção social”.76

No que diz respeito, especificamente, às relações familiares a omissão do

legislador acabou transferindo ao Poder Judiciário a tarefa de decidir os

relacionamentos que, “sem nome e sem lei”,77 lhe reivindicavam uma resposta.

Movimentos de cunho libertador modificaram a sociedade e conferiram maior

percepção aos vínculos homossexuais. Os vestígios do legado religioso fomentam o

preconceito, levando ao enjeitamento dos segmentos conservadores. Mas, não há

como negar a existência da homossexualidade que se assemelha a relação hetero,

tendo em vista o afeto como elemento criador das entidades familiares.

Mesmo sem previsão normativa, as uniões de pessoas do mesmo sexo,

demandaram um pronunciamento judicial. É certo que o vazio da lei embaraça o

reconhecimento de direitos, primordialmente diante das situações que se distanciam

de estipulados modelos convencionais.

Daí a posição da jurisprudência, juridicizando e inserindo no âmbito do Direito

de Família as relações homoafetivas, como entidades familiares.

Na seção a seguir será mostrado como a jurisprudência dos nossos Tribunais

tem se posicionado em relação ao tema em tela.

3.2 Algumas Decisões Existentes em Nossos Tribunais.

3.2.1 Possibilidade jurídica do pedido.

“Ementa: HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

76 DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça! Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 12. 77 Ibid. p.13.

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É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida.”78(grifei).

O acórdão deixa transparecer que a ausência de previsão legal quanto às

uniões entre pessoas do mesmo sexo não impedem o reconhecimento dos efeitos

jurídicos causados por tal convivência, diante dos princípios constitucionais.

Esta decisão assinala a direção para a introdução, no campo do Direito de

Família, das uniões homoafetivas como entidade familiar, e a proibição

constitucional de discriminação em razão do sexo.

3.2.2 Analogia com a chamada união estável.

“Ementa: UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros.”79 (grifei).

78 TJRS, Apelação Cível n. 598362655/RS, 8ª Câmara Cível, Relator: Desembargador José Ataíde Siqueira Trindade, julgado em 01/03/2000, publicado no DJ 1840 de 12/04/2000. 79 TJRS . Apelação Cível n. 70001388982/RS, 7ª Câmara Cível, Relator: Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 14/03/2001, publicado no DJ 2128 de 12/06/2001.

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Trata-se de julgado pioneiro, compatibilizados com os princípios

constitucionais, morais e éticos que devem nortear as relações humanas. O Tribunal

do Rio Grande do Sul conhecido por suas decisões de vanguarda, tem concedido

eficácia jurídica às uniões homoafetivas como entidades familiares, equiparando-as

às uniões estáveis entre homens e mulheres, concedendo a elas todos os direitos

decorrentes do fim de um relacionamento público, duradouro, em que o objetivo era

a constituição de uma família: direito a alimentos, à meação e à herança.

O voto do condutor da maioria estabeleceu um novo enfoque na partilha feita

pela decisão monocrática, determinando que a divisão do patrimônio fosse dividida

igualmente, utilizando como paradigma a união estável, e não a sociedade de fato.

O julgamento não foi unânime, mas a não interposição de embargos

infringentes concretizou a decisão, que se transformou no grande paradigma da

nova orientação da jurisprudência.

A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às

uniões homoafetivas impõe que a Justiça preencha a lacuna legal fazendo uso da

analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita

analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada.

Neste rumo, outros Tribunais se sentiram impulsionados, obtendo o acórdão

citado ressonância em esfera nacional, e, com considerável continuidade, são

manifestados novos pronunciamentos empregando apreciação semelhante.

Outro acórdão da mesma lavra do relator desembargador José Carlos

Teixeira Giorgis confirma tal entendimento:

“Ementa: INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDÊNCIAIS. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência.

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Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas.”80 (grifei).

3.2.3 A entidade familiar é caracterizada por meio do afeto sem distinção de sexo.

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.”81 (grifei)

Pode-se dizer que quando a presença do afeto era presumida, esta era

juridicamente irrelevante. Quando esta presença passou a ser o diferencial para que

fosse ou não considerado família, a afetividade passou a ter um maior espaço no

âmbito do Direito de Família.

Carbonera assevera que: “embora continuem existindo famílias nos moldes

patriarcais, a recepção de outras formas abriu espaço para famílias fundadas no

afeto e no desejo de estar junto, formando uma comunhão de vida e fazendo com

que este seja seu elemento central”.82

3.2.4 Partilha de bens como mera conseqüência.

“Ementa: RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS.

80 TJRS, Apelação Cível n. 70005488812, 7ª Câmara Cível, Relator: Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 25/06/2003, publicado no DJ 2636 de 01/07/2003. 81 TJRS, Apelação Cível n. 70012836755, 7ª Câmara Cível, Relator: Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 21/12/2005, publicado no DJ 3258 de 28/12/2005. 82 CARBONERA. Op. cit., nota 4, p. 295.

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Mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, homossexuais, se extrai da prova contida nos autos, forma cristalina, que entre as litigantes existiu por quase dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more

uxória pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera conseqüência. Exclui-se da partilha, contudo, os valores provenientes do FGTS da ré utilizados para a compra do imóvel, vez que “frutos civis”, e, portanto incomunicáveis. Precedentes. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. Apelação parcialmente provida, por maioria.”83(grifei)

O pedido tem base em forte e clara relação de afeto entre duas pessoas do

mesmo sexo, que teriam convivido por quase dez anos ininterruptos, publicamente,

sem outra união paralela, com mútua assistência econômica (já que ambas

exerciam a atividade laboral como professoras), manutenção e fortalecimento de

patrimônio, visando certamente, criar um núcleo familiar. Daí o entendimento

perfeitamente cabível do reconhecimento de uma união estável entre homossexuais,

havendo, conseqüentemente, o direito a partilha dos bens amealhados durante a

comunhão de vida.

3.2.5 Direito à herança.

“Ementa: UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO. ANALOGIA. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça, colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo efetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos Infringentes acolhidos, por maioria.”84

83 TJRS, Apelação Cível n. 70007243140, 8ª Câmara Cível, Relator: Desembargador José Ataíde Siqueira Trindade, julgado em 06/11/2003, publicado no DJ 2744 de 28/11/2003. 84 TJRS, Embargos Infringentes n. 70003967676, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, Relator Vencido: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – Relator para Acórdão: Desembargadora: Maria Berenice Dias, julgado em 09/05/2003, publicado no DJ 2687 de 10/09/2003.

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Decisão que mostra o amadurecimento da jurisprudência do Estado do Rio

Grande do Sul, em virtude de reconhecer o direito sucessório do companheiro

supérstite.

Assim afirma Maria Berenice Dias:

“Quem adota a posição que vem prevalecendo na Justiça rio-grandense e vê o relacionamento como uma entidade familiar aplica a legislação da união estável. Reconhecida a condição de herdeiro ao companheiro, são-lhe conferidos direitos hereditários. Além de inserir, antes dos parentes, são-lhe assegurados herança, direito real de habitação e usufruto. Este julgamento deixa evidenciada, sem sombra de dúvida, a solução que melhor corresponde ao ditame da justiça”.85

3.2.6 Pensão por morte do companheiro homossexual.

“Ementa: PREVIDÊNCIÁRIO. O DIREITO. PENSÃO POR MORTE AO COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. 1. A sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais. 2. o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo para efeitos sucessórios. Logo, não há por que não se estender essa união para efeito previdenciário. 3. “o direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica...”(Pontes de Miranda). 4. “O direito, por assim dizer, tem dupla vida: uma popular, outra técnica: como as palavras da língua vulgar têm um certo estágio antes de entrarem no dicionário da Academia, as regras de direito espontâneo devem fazer-se aceitar pelo costume antes de terem acesso nos Códigos” (Jean Cruet).” 5. O direito é fruto da sociedade, não a cria nem a domina, apenas a exprime e modela. 6. o juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei.”86

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região se manifestou favorável no que

tange a concessão de pensão por morte do companheiro homossexual. Com isto,

comprova-se, mais uma vez, neste caso, a existência de união estável como

entidade familiar, sendo irrelevante a diversidade de sexo dos companheiros.

Cabe salientar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), motivado

pela Ação Cível Pública n. 2000.71.00.009347-0, editou a Instrução Normativa 25,

de 07 de junho de 2000, que estabelece os “procedimentos a serem adotados para a

85 DIAS. Op. cit., nota 75, p. 126. 86 TRF 1ª REGIÃO, Agravo de Instrumento n. 2003.01.00.000697-0/MG, 2ª Turma, Relator: Desembargador Federal Tourinho Neto, julgado em 29/04/2003, publicado no DJ de 29/04/2004.

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concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira

homossexual” O ato permite a concessão de pensão por morte ou auxílio-reclusão

ao companheiro ou companheira homossexual.

Logo, já se nota consolidada a relevância dessa relação afetiva no Direito

Previdenciário.

3.2.7 Admissibilidade de adoção.

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que a liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento, Unânime.”87

A decisão, do ano de 2006, proferida pela Desembargadora do Rio Grande do

Sul, Maria Berenice Dias é de grande importância para abrir caminhos quanto à

adoção por companheiros homossexuais.

Apesar de raros, já existiram outros julgamentos permitindo algumas adoções

por homossexuais no Brasil, porém ainda individuais. É o caso dos acórdãos do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“Ementa: ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE. DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelo genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade.

87 TJRS, Apelação Cível n. 70013801592, 7ª Câmara Cível, Relator: Desembargador: Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 05/04/2006, publicado no DJ de 12/04/2006.

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2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre e cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo Improvido.”88(grifei). “Ementa: ADOÇÃO. Elegibilidade admitida, diante da idoneidade do adotante e reais vantagens para o adotado. Absurda discriminação, por questão de sexualidade do requerente, afrontando sagrados princípios constitucionais e de direitos humanos e da criança. Apelo improvido, confirmada a sentença positiva da Vara da Infância e Juventude.”89

3.2.8 Inclusão de companheiro em plano de assistência médica.

“Ementa: PROCESSO CIVIL E CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. UNIÃO HOMOAFETIVA. INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à mingua de prequestionamento. A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta.”90

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sempre resistente ao reconhecimento

das uniões homoafetivas como união estável, traz, em tela, recente acórdão da lavra

do Ministro Humberto Gomes de Barros possibilitando a inscrição de parceiro em

plano de assistência médica da Caixa Econômica Federal, podendo usufruir dos

benefícios do Programa de Assistência Médica Supletiva. Concorda o relator com a

88 TJRJ, Apelação Cível n. 1998.001.14332, 9ª Câmara Cível, Relator: Desembargador: Jorge de Miranda Magalhães, julgado em 23/03/1999. 89 TJRJ, Apelação Cível n. 1998.001.14979, 17ª Sétima Câmara Cível, Relator: Desembargador Severino Aragão, julgado em 21/01/1999, registrado em 11/03/99. 90 STJ, Recurso Especial n. 238.715/RS (1999/0104282-8), Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 07/03/2006, publicado no DJ em 02/10/2006.

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existência de “união estável homossexual”. (STJ, RECURSO ESPECIAL N. 238.715,

PÁG. 05).

Portanto, pode-se observar que o posicionamento do STJ começa a evoluir

no sentido de admitir as uniões homoafetivas como entidade familiar passando de

“sociedade de fato” para “união estável”.

3.2.9 Inelegibilidade prevista no artigo 14 § 7º da CRFB/88. Relação homossexual estável.

“Ementa: TSE – REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento.”91

A solução engendrada pelo Tribunal Superior Eleitoral foi extremamente

inovadora, precursora, e ousada, em razão de reconhecer à união homoafetiva a

inelegibilidade disposta no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.

Assim preceituam o referido artigo e seu parágrafo:

“Art 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

O alicerce da proibição contida no citado § 7º, artigo 14 é construtivo, tendo

em vista o propósito de não eternizar no poder indivíduos que façam parte de um

mesmo grupo familiar, evitando um continuísmo político. Portanto, a jurisprudência

passou a destacar não apenas o concubinato e o matrimônio, como também a união

91 TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 24564, Relator, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, publicado em sessão em 01/10/2004.

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estável, no sentido de reconhecer marcante relação de afeto, cominando a mesma

restrição.

As uniões homoafetivas ao requisitarem ao Judiciário soluções para os seus

conflitos de interesses, encontravam sempre grandes obstáculos, primordialmente,

nas Varas de Família.

Pioneira foi a Justiça gaúcha no que pertine ao reconhecimento das uniões

entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, assinalando que na ausência

de lei que as regulamente, invoca-se a legislação que rege a união estável.

Com certeza esse entendimento influenciou a decisão do Tribunal Superior

Eleitoral, pois a partir do momento que as uniões homoafetivas penetram na esfera

eleitoral, a ponto de criar uma suposição da existência de interesses políticos

comuns, não há como deixar de reconhecer que essas relações são entidade

familiar, que como as demais, merece a especial proteção do Estado.

3.3 O Supremo Tribunal Federal defende a relevância da discussão sobre a

união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

“Ementa: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI N. 9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF?”.92

92 STF, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3300 MC/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, julgado em 03/02/06, publicado no DJ em 09/02/06, pp. 00006.

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Duas associações paulistas que defendem o direito das minorias sexuais –

Associação de Incentivo à Educação e Saúde e Associação da Parada do Orgulho

dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros – ajuizaram a Ação Direita de

Inconstitucionalidade (ADIN 3300), da qual se trata a ementa, contra o artigo art. 1º,

da Lei n. 9.278/96 que, ao regular dispositivo da Constituição Federal (parágrafo 3º

do artigo 226), reconheceu como entidade familiar, unicamente, “a união estável

entre o homem e a mulher”, restringindo o direito à união estável a casais

heterossexuais.

Ao examinar a questão, o ministro Celso de Mello advertiu que o atual Código

Civil, revogou a lei refutada. O artigo 1.723 do código descreveu de maneira idêntica

o artigo 1º, da Lei n. 9.278/96, reconhecendo que a família é formada pela união

estável entre homem e mulher. Elucidou, ainda, que o dispositivo impugnado já não

estava em vigor quando a ação foi ajuizada, tornando-se a mesma inviável e, por

isso, a decisão de ser arquivada, de acordo com a jurisprudência da própria Corte.

Contudo, no teor da fundamentação do acórdão, compreensível está a

afirmação do relator em considerar ser de relevante questão constitucional o

tratamento dado às uniões homoafetivas. Além disso, concluiu ser de competência

do Supremo analisar e julgar a legitimidade constitucional do tema, em novo

processo, como a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

O ministro apontou que a doutrina, com base em princípios constitucionais

como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, autodeterminação, da

igualdade, do pluralismo, da intimidade e da não-discriminação:

“tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir a que extraiam, em favor de parceiros

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homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais.”93

Relembrou, com especial destaque sobre o tema, o entendimento de Maria

Berenice Dias, em seu livro “União homossexual: o preconceito & a justiça”, p. 71/83

e p. 85/99, 97, 3ª edição, 2006, Livraria do Advogado Editora, fazendo das longas e

expressivas palavras da desembargadora as suas, a saber:

“A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade de procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecidas com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção. Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas – como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. (...). (grifei)”94

Por fim, cabe notar que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, aos poucos,

começam a se manifestar favoravelmente no que tange aos direitos advindos

dessas relações afetivas. Desconstituir um preconceito enraizado em uma

sociedade eminentemente, ainda, machista, não é tarefa fácil. Pois a Justiça é feita

93 Decisão retirada do site: http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info414.asp. Acesso em 01/01/07, p. 10. 94 Ibid. p. 10.

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por homens. E os homens também são frutos de construções culturais. Sendo

assim, haverão muitos obstáculos a serem suplantados e conceitos a serem

revistos.

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CONCLUSÃO

Buscou-se estudar a proteção jurídica das uniões homoafetivas como

entidades familiares à luz da perspectiva da teoria do direito civil-constitucional,

calcada no valor da dignidade da pessoa humana.

Para se chegar à conclusão que as uniões homoafetivas podem ser

concebidas como entidades familiares, este estudo partiu das transformações

ocorridas no Direito de Família. Da concepção clássica de família, norteada somente

no casamento e nos laços consangüíneos, até chegar ao reconhecimento das

diversas possibilidades plurais de formação afetiva, com o advento da Constituição

Federal de 1988.

Com a mudança de paradigma, sendo o afeto um dos elementos

fundamentais da relação familiar, sustenta-se que é necessário reconhecer efeitos

jurídicos a outras uniões, inclusive aquelas entre pessoas do mesmo sexo, pois

estas consolidam, muitas vezes, relações duradouras, construindo um patrimônio

comum por esforço mútuo, criando laços de responsabilidade e assistência que

devem ser tutelados pelo Direito.

Além disso, com a chamada constitucionalização do Direito Privado, as

relações jurídicas de natureza familiar passam a ser disciplinadas não somente

pelas normas contidas ou derivadas do Código Civil, mas também pelos princípios e

normas constitucionais. A força normativa atribuída aos princípios impõe ao

intérprete a tarefa de reordenar valorativamente o direito civil preenchendo as

formas conceituais e as categorias lógicas desta área do Direito com o conteúdo

axiológico estampado na Constituição.

Tão-somente os princípios constitucionais considerados já embasam a

possibilidade de se reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares.

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Mas, o estudo em tela demonstra que existe, também, a viabilidade da aplicação

analógica do instituto da união estável, considerando a união homoafetiva como uma

espécie do gênero união estável. Haja vista que o § 3, art. 226 da CRFB/88 não é

taxativo, diante de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e da

aplicação da hermenêutica civil-constitucional.

Impedir proteção e reconhecimento às relações homoafetivas como entidade

familiar é repelir o entendimento contemporâneo de família, como família

funcionalizada e consagrada no afeto, eliminando o amparo à pessoa humana que é

o centro e o sentido de todo o sistema jurídico.

Deve-se respeitar, assim, a possibilidade das pessoas livremente

desenvolverem sua sexualidade, em harmonia com as características próprias de

seu modo de ser. Os seres humanos devem ter a liberdade de expressar sua

sexualidade, sua afetividade, sua formação familiar, de acordo com as diversas

orientações, no espaço privilegiado da intimidade.

No que diz respeito à jurisprudência brasileira, verifica-se que ela hesita entre

decisões negatórias de efeitos jurídicos, com alicerce no campo da moralidade

reprovável, falta de amparo no texto constitucional expresso e pela sustentação de

se tratar de sociedade de fato e aqueles julgamentos proferidos positivamente, tendo

como fundamento nítido a união afetivo-familiar, a aplicação da analogia às leis

específicas e aos dispositivos da Constituição Federam pertinente à chamada união

estável, bem como levando em conta os princípios constitucionais.

De forma lenta, as uniões homoafetivas começam adquirir projeção no

cenário jurídico, através decisões favoráveis, proferidas pelo Judiciário, ao seu

reconhecimento como entidades familiares.

Pode-se afirmar que o problema em admitir essas relações é basicamente o

preconceito que deve ser superado em nossa sociedade, onde a proteção da

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dignidade humana e os valores da igualdade, da solidariedade e do pluralismo, tão

fundamentais para a Constituição e a vida da coletividade, possam prevalecer.

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