Princípios básicos da matemática do movimento - PDF
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PRINCÍPIOS BÁSICOS DA MATEMÁTICA DO MOVIMENTO
Notas de curso de equações diferenciais ordinárias – IFPI – 2012
Lossian Barbosa Bacelar Miranda – IFPI / [email protected]
1 - Conceitos Fundamentais
Equações diferenciais são equações contendo derivadas. Para compreender e investigar
problemas envolvendo os movimentos de corpos e fluidos, fluxos de corrente elétrica em
circuitos, dissipação de calor em objetos sólidos, propagação e detecção de ondas sísmicas,
aumento ou diminuição de populações, entre muitos outros, é necessário saber alguma coisa
sobre equações diferenciais. Vale lembrar que toda a parte do cálculo chamada de cálculo
de primitivas é determinação de soluções de equações diferenciais.
1.1. Equações Diferenciais Ordinárias (EDO) - se a função desconhecida depende de
uma única variável independente. Neste caso, aparecem apenas derivadas simples,
ordinárias.
1.2. Equações Diferenciais Parciais (EDP) - se a função desconhecida depende de
diversas variáveis independentes. Neste caso, aparecem as derivadas parciais. Não
estudaremos estes tipos de equações neste curso, os quais fazem parte da disciplina teoria
do potencial.
1.3. Ordem - a ordem de uma ED é a ordem da mais alta derivada que aparece na
equação.
1.4. Equações Lineares e não-lineares - A equação diferencial
0))(),...,("),('),(,( )( txtxtxtxtf n é dita linear se a aplicação f for linear nas coordenadas
)(),...,("),(',, nxtxtxxt . Em caso contrário, diz-se que a equação é não-linear. A forma geral
de uma equação diferencial ordinária linear (de ordem n ) é
)()()(...)()()(")()(')()()( )()3(
3210 tgtxtatxtatxtatxtatxta n
n . Se os coeficientes
,,...,3,2,1),( nktak são constantes reais, dizemos que a EDO é linear de coeficientes
constantes, e é este o único tipo genérico de equações diferenciais para as quais existe uma
teoria bem desenvolvida, e que dá solução para qualquer equação do referido tipo1. Quando
0)(tg dizemos que a equação é homogênea e, em caso contrário, não homogênea.
1.5. Soluções - uma solução da equação y(n)
= f (t, y, y`, y``, ..., y(n-1)
) no intervalo <
t < é uma função (t) tal que `(t), ``(t), ... (n)
(t) existem e satisfazem
(n)(t) = f (t,
(t),
`(t), ``(t), ... (n-1)
(t)) para todo t dentro do intervalo < t < .
1.6. Intervalo maximal – dizemos que ],[ é intervalo maximal da solução )(t da
equação diferencial y(n)
(t) = f (t, y(t), y’(t), y(t)”, ..., y
(n-1)(t)
) se a aplicação )(t não puder
ser estendida para nenhum outro intervalo que tenha ],[ como subintervalo próprio.
1.7. Sistema de m EDOs de ordem n – é uma expressão do tipo
))(),...,("),('),(,()( )1()( tytytytytfty nn , sendo ,))(),...,(()( 1
m
m Rtytyty
para todo t
1 Em particular, grande parte da teoria das matrizes, tal como diagonalização, formas canônicas de Jordan e
teorema espectral foram desenvolvidas objetivando construir a teoria que fornece a solução geral das
equações diferenciais ordinárias de coeficientes constante.
2
num intervalo considerado e é um campo vetorial. Observe que em um
sistema, em vez de uma única função na variável t aparecem m funções. A solução do
sistema é qualquer m upla ))(),...,(()( 1 ttt m
de funções definidas em um intervalo
comum ],[ tal que ))(),...,(),(,()( )1()1()( ttttft nn , ],[t . Em tais
circunstâncias definimos, também, intervalo maximal de qualquer solução do sistema.
Aqui, paramos para fazermos algumas reflexões sobre as mais relevantes questões
relativas às equações diferenciais ordinárias e sistemas as quais são três:
a) Uma equação diferencial sempre tem solução não vazia? (existência);
b) Quantas soluções tem uma equação diferencial, na suposição de que ela tem
pelo menos uma? Que condições adicionais devem ser especificadas para se
obter apenas uma única solução? (unicidade);
c) Dada uma equação diferencial, podemos determinar, de fato, uma solução? E, se
for o caso, como?
Vejamos alguns exemplos ilustrativos destas três questões:
i) 1)( 2x não é satisfeita por nenhuma função, em nenhum intervalo;
ii) 0x possui infinitas soluções constantes ,)( ct , em qualquer
intervalo não degenerado do conjunto dos números reais;
iii) xx possui infinitas soluções, a saber, tcetx )( . De fato,
ttt ceedt
dcce
dt
d)()( . Note que cccex 1)0( 0
, ou seja cx )0( ;
iv) 0x possui infinitas soluções, a saber, baxtx )( . Note que bx )0( e
ax )0( ;
v) Para qualquer valor real da constante c , a função afim 2)( cctt é
solução da equação 0)( 2 xxtx . Note, também, que 4
)(2t
tx é
solução de mesma equação. As soluções afins no parâmetro c são chamadas
de genéricas (solução geral) enquanto 4
)(2t
tx é dita solução singular;
vi) 0)())(( )( tx
dt
txd nnot
n
n
possui infinitas soluções, a saber
1
1
2
210 ... n
n tatataa .
Observe que 0)0(,)0(,...,)0(,)0( )(
1
)1(
10
n
n
n xaxaxax ;
O uso da computação no estudo das equações diferenciais é feito, principalmente nas
técnicas de buscar soluções aproximadas através de séries numéricas e funcionais
truncadas, bem como usando-se pacotes de resultados clássicos já estabelecidos ao longo
quatrocentos e cinqüenta anos. Atualmente, o mais usado programa é o MATHEMATICA.
3
EXERCÍCIOS.
1. Usando o cálculo de primitivas, encontre pelo menos uma solução para as equações
seguintes (sugestão: pode usar o programa integrator, disponível online em
http://integrals.wolfram.com/index.jsp):
a) *,)( Nnbatx n ;
b) )(
1
battx ;
c) tx ln .
d) )sen(lntx ;
e) x )))1
ln(sen(ln(2t
t .
2. Dê exemplos de uma equação diferencial ordinária (EDO), uma equação diferencial
parcial (EDP) e um sistema de equações diferenciais ordinárias encontrando suas
respectivas soluções, as quais queremos que sejam não vazias.
3. Classifique os entes abaixo em conformidade com os conceitos apresentados em 1.1
a 1.7.
a) dt
dt
xdmd
F
)(
(equação da segunda lei de Newton);
b) )(tkxxm (equação da Lei de Hooke);
c) 0sen (equação do pêndulo simples);
d) sen
;
(sistema desmembrado da equação do
pêndulo simples);
e) xkxm (equação do “movimento livre” em meio resistente);
f) kxx (modelo de Malthus do crescimento populacional - 0k , ou
decaimento radioativo - 0k );
g) 02
2
dt
xd
(equação do princípio da inércia, de Galileu);
h) ),(),(2
2
2
2
txx
uktx
t
u, 0k (equação que dá a amplitude ),( txu da corda
esticada de um violão como função do tempo t e do comprimento x da corda).
4. Use a fórmula de Baskara para encontrar as soluções de 0)( 2 xxtx .
5. Prove que t
tx1
1)( é solução da equação
2))(()( txtx . Ache os intervalos
maximais. Poderia tal equação modelar algum fenômeno físico?
4
2. Equações e sistemas clássicos que originaram a teoria das EDOs e a Física
Com pouco exagero, podemos dizer que a Física, como estudo dos movimentos dos
corpos, é a ciência que trata da montagem, resolução e interpretação das equações
diferenciais que modelam os movimentos. A essência do que afirmamos é razoavelmente
simples: os movimentos dos corpos ocorrem no tempo e no espaço, e as respectivas
posições dos corpos mudam enquanto o tempo passa. Se conhecermos os campos vetoriais
correspondentes às forças, a segunda lei de Newton ),( txF
dt
dt
xdmd )(
(aqui,
),,( 321 xxxx
é a posição de uma partícula do corpo ou dos corpos cujos movimentos
pretende-se encontrar) ou uma de suas numerosas equações alternativas2, nos fornecerá
uma equação diferencial ou um sistema cuja resolução nos dará as posições e as
velocidades em função do tempo. A seguir, apresentamos alguns exemplos históricos.
2.1. Movimento de partícula livre de massa constante.
.
Considere uma partícula no espaço sob a ação de um campo de força resultante nulo. A
segunda lei de Newton nos dá 0dt
dt
xdmd )(
, e daí resulta, devido à constância da massa,
02
dt
xd
. Esta nos fornece o sistema de equações desacopladas 0)(txi , 3,2,1i cuja
solução é tbatx iii )( , ( 3,2,1i ). Notemos que )0(ii xa e )0(ii xb . Vetorialmente
a solução é escrita sob a forma )0()0()(dt
xdtxtx
sendo )0(x
o vetor-posição inicial da
partícula e )0(dt
xd
a sua velocidade inicial. O intervalo maximal é R e a solução do sistema
é a curva
)0()0(
: 3
dt
xdtxt
RRx
cujo hodógrafo é uma reta.
2.2. Arremesso em queda livre.
Consideremos uma partícula arremessada nas proximidades da superfície terrestre.
Seja 321 xxOx um sistema cartesiano de coordenadas, com vetores unitários ortonormais
2 Dentre as mais famosas estão as formulações lagrangeana e hamiltoniana da mecânica, as quais fazem uso
de algumas funções tais como energia, cujas curvas de nível são órbitas de soluções das equações diferenciais
associadas aos movimentos estudados. Estes conceitos surgiram no século XIX com uma distância de quase
um século de Newton.
5
321 ,, eee
. Seja 3e
apontando para cima e na direção do fio de prumo. A força é constante e
igual a um múltiplo de 3e
, ou seja 3egmF
. Pela segunda lei de Newton,
)(2
2
3 tdt
xdmemg
de onde resulta )(2
2
3 tdt
xdeg
a qual eqüivale ao sistema desacoplado
)(1 tx 0 ,
0)(2 tx ,
gx3
Este, por seu turno, possui solução )0()0()( 111 xtxtx , txxtx )0()0()( 222 ,
2
332
1)0()0()( gtxtxtx . Em forma vetorial, a solução é dada por
3
2
2
1)0()0()( egt
dt
xdtxtx
.
2.3. Lei de Malthus do crescimento populacional.
Durante qualquer intervalo de tempo, se multiplicarmos por uma constante o número
de pessoas em uma comunidade, espera-se que também seja multiplicada pela mesma
constante o número de pessoas que nascem durante este mesmo intervalo de tempo. De
igual modo, se multiplicarmos o intervalo temporal por um número constante, ao número
de nascimentos deverá ser também multiplicado pelo mesmo número. Assim, o acréscimo
populacional é simultaneamente diretamente proporcional à população e ao intervalo
temporal considerado. Então, pela teoria da proporcionalidade, temos
ttkxtxttx )()()( , onde )(tx é a quantidade da população no instante de tempo t .
Dividindo ambos os membros por t e tomando-se o limite temos a equação kxx , a
qual é a famosa lei de Malthus.
Esta equação pode ser resolvida usando-se séries de potência, usando-se a mais
famosa técnica da teoria das equações (aliás, da ciência como um todo!), que é a do supor
que é para ver como é que fica (guarde bem isto!). Seja 0
)(i
i
itatx a candidata a ser
solução. Derivando-a, temos k1
1
i
i
itikax e igualando-se estes dois somatórios temos
01 kaa e 1ii ai
ka para ,...4,3,2i . Disto resulta que
!
0
i
aka
i
i , Ni . Logo,
0
0!
)()(
i
i
i
ktatx . Do cálculo usamos a notação kteatx 0)( . Notemos que 0)0( ax e que
tal fato indica que este movimento do aumento populacional, pelo modelo de Malthus, só
depende da população inicial. Um cálculo semelhante pode ser feito para o decrescimento
radioativo, bem como para a vazão em uma caixa d’água, onde temos
ttVtVttV )()()( , onde é constante que depende da área do orifício e das
propriedades do fluido.
6
A solução da equação kxx pode ser encontrada de forma alternativa do seguinte
modo: supondo que a solução )(tx não se anule, no domínio, então ktdt
dx
tx)(
)(
1. Por
outro lado, a regra da cadeia nos dá )())((ln ktdt
dktx
dt
d, e daí resulta ckttx )(ln ,
onde c é uma constante qualquer. Assim, ktnot
ktcckt Ceeeetx )( . Em síntese,
ktCetx )( , sendo C positivo ou negativo.
2.4. O Centro de massa.
A coleção das forças internas não pode alterar o movimento do centro de massa, tão
somente, pode fazer com que o corpo possa girar. É o que ocorre com o gato em queda
livre, ao girar para cair com as patas no chão. O centro de massa de um corpo de massa m ,
e submetido a um certo campo de forças, se move como se fosse uma partícula de massa m
situada naquele mesmo campo. A explicação da afirmação acima é fruto da própria
definição do centro de massa, conforme segue:
PROPOSIÇÃO FUNDAMENTAL : Sejam n partículas n,...,2,1 com posições dadas pelos
raios vetores )(tri
em função do tempo (as partículas estão em movimento, talvez!), cada
uma com massa constante im . Denotemos )(tFik a força que a partícula i exerce sobre a
partícula k no instante t . Então n
i
i
n
i
i
i tRdt
trdm
dt
d
11
)())(
(
, onde )(tRi
é a força
resultante externa que atua sobre a partícula i.
DEMONSTRAÇÃO: leia o parágrafo “Dinámica de un sistema de partículas”, do sítio
mencionado na nota de rodapé 2, onde é feito para duas partículas (para várias partículas, o
raciocínio é idêntico)3.
DEFINIÇÃO: (momento linear): denomina-se o somatório Pdt
trdm i
n
i
i
)(
1
de momento
linear total das n partículas, e dt
trdmp i
ii
)(
, momento linear da partícula i .
A partir do resultado acima podemos, facilmente, colher o seguinte resultado, o qual é
talvez o mais importante resultado que se refere a movimento de corpos quaisquer, sejam
rígidos ou deformáveis.
3 No sítio http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica/dinamica/con_mlineal/dinamica/dinamica.htm leia também os
parágrafos seguintes: Momento lineal e impulso; Dinámica de un sistema de partículas; Conservación del
momento lineal de un sistema de partículas; El centro de masa. Este é um sítio muito bom e tem uma tradução
do mesmo em português.
7
TEOREMA 2.4.1. (conexão entre forças externas e centro de massa).
)(
)(
1
1 tr
m
mtr
cmn
i
i
i
n
i
i
dt
trdv cm
cm
)(
cmextcm
n
i
ii
aMFaMdt
Pd
M
P
M
tvm
1
)(
.
OSERVAÇÕES:
a) Em conformidade com a equação acima, o centro de massa do corpo (seja ele
rígido ou deformável) se move como se fosse uma partícula4 com massa igual à
do corpo, localizada no centro de massa do corpo.
b) Tal equação, de fato é o que torna possível a existência da física, tal como a
conhecemos.
c) Ela também significa que não importa as energias e possibilidades de
movimentação do corpo humano, e vontade de se flexibilizar, é impossível um
mudar a posição de seu centro de massa, um milímetro sequer, caso esteja em
queda livre5.
2.5. Velocidade de escape sem atrito.
Considere um corpo celeste de formato esférico de massa 1m e raio R e, na superfície
do mesmo, sendo lançado para cima, na direção do fio de prumo, um corpo de massa 2m , o
qual fica sujeito, exclusivamente à ação da força gravitacional, a qual é expressa pela
fórmula 2
2112
))(( trR
mGmF (como o movimento ocorre apenas ao longo da reta suporte do
fio de prumo, não há necessidade de usarmos três coordenadas cartesianas, contentando-nos
apenas com uma, a qual será orientada positivamente para cima, com origem no centro de
massa do corpo celeste).
Pela segunda lei de Newton, 2
212
))(()(
tr
mGmtrm de onde sai
2
1
))(()(
tr
Gmtr . Não dá
para resolvermos esta equação através do cálculo de primitivas, tal como fizemos até o
momento. Adiaremos o cálculo de sua solução.
2.6. O problema dos dois corpos.
Considere dois corpos de massas 1m e 2m livres no espaço3R , onde fixamos um
sistema de referência, não sujeitos a nenhuma outra força externa que não sejam as
4 Partícula seria um corpúsculo diminuto com região espacial ocupável convergindo para zero.
5 Devemos respeitar muito a expressão cmext aMF
, onde M é a massa total do corpo, extF
é a soma das
forças externas atuantes em cada partícula e cma
é a aceleração do centro de massa. Como dizia Hertz, as
equações matemáticas da física sempre dizem muito mais do que o que tudo o que possamos extrair delas.
8
gravitacionais mútuas entre eles. Sendo )(1 tr
e )(2 tr
os respectivos vetores-posição das
massas 1m e 2m , o uso direto da segunda lei de Newton nos fornece o par de equações
acopladas
;)()(
))()(()(
3
12
122
2
1
2
trtr
trtrGmt
dt
rd
.
)()(
))()(()(
3
21
211
2
2
2
trtr
trtrGmt
dt
rd
Notemos que como 2,1)),(),(),(()( 111 itztytxtri
, cada uma destas duas equações
vetoriais acima corresponde a três equações escritas nas três coordenadas, de modo que ao
todo o sistema vetorial acoplado de ordem 2 corresponde a um sistema acoplado de ordem
2 com seis variáveis. A resolução deste sistema, feita por Johann Bernoulli, é a maior obra
da física teórica até agora realizada6. É feita a partir da busca de aplicações que
permanecem constantes ao longo das soluções, isto é, aplicações tais que se
)(1 tr
for vetor-solução, então ],[,0)),(),(( 1 tttdt
rdtr
dt
dH
, onde ],[ é o intervalo
de definição da solução. Estas aplicações deram origem aos conceitos usuais da física tais
como massa, energias potencial e cinética, momento linear, momento angular e seus
respectivos princípios de conservação, os quais posteriormente foram “exportados” para os
demais ramos da física.
2.7. O Problema dos n-corpos.
Considere n partículas de massas im , ni ,...,2,1 ocupando as posições dadas pelos
raios vetores ir
, ni ,...,2,1 , respectivamente. A força resultante que as demais partículas
exercem sobre a partícula de massa jm é ))()(()()(
3trtr
trtr
mmG ik
n
ikik
ki , e a aplicação
da segunda lei de Newton para o caso nos dá o sistema acoplado de n equações
diferenciais vetoriais ordinárias de Segunda ordem
))()(()()(
)(32
2
trtrtrtr
mGt
dt
rdik
n
ikik
k
, ni ,...,2,1 , o qual corresponde a um sistema
n3 equações diferenciais ordinárias de segunda ordem. Este sistema jamais foi resolvido,
nem mesmo para 3 partículas. A análise do problema restrito dos três corpos7 levou Henri
Poincaré a antever a teoria do caos.
6 É a maior não no sentido da dificuldade da demonstração, a qual é até relativamente simples, mas na
abrangência e importância de suas conseqüências. 7 O problema restrito é quando a terceira partícula tem uma massa desprezível em comparação com as massas
das outras duas (Terra, Lua e um grão de poeira, por exemplo). O problema restrito consiste em estudar o
movimento da partícula de massa desprezível.
9
3. Alguns métodos analíticos e genéricos de resolução de EDOs de primeira ordem e
afins
3.1. Método das variáveis separáveis.
Importantes equações da física podem ser postas sob a forma )()('))(( xfxyxyg .
Neste caso,
b
a
b
a
dxxfdxxyyg )()(')( , de onde resulta, aplicando-se a fórmula de mudança
de variáveis na integral8,
)(
)(
)()(
by
ay
b
a
dxxfdyyg , para quaisquer a e b dentro dos domínios
de definição de f e g . O desenvolvimento de tais integrais, em muitos casos pode
explicitar )(xy .
A seguir, vejamos como aplicar este método no problema da velocidade de escape.
Conforme já vimos, a equação é 2
1
))(()(
tr
Gmtr , isto é,
2)(
r
kt
dt
dv. Aqui, v é a
velocidade, t é o tempo e k , uma constante negativa. Quando Rr , o raio da terra, então
gtdt
dv)( , onde g é o valor absoluto da aceleração gravitacional na superfície da Terra.
Assim, 2R
kg , de onde se conclui que
2gRk . Portanto, 2
2
)(r
gRt
dt
dv. Notemos
que durante a subida do corpo, t , r e v são difeomorfismos9 mútuos quando consideradas
como função das outras variáveis.
t v
r
Figura 01. Esquema ilustrativo da regra da cadeia.
8 TEOREMA (mudança de variáveis na integral). Sejam RJf : uma função contínua sendo J um
intervalo e JBAg ],[: uma função com derivada contínua. Então,
b
a
bg
ag
dttfdxxgxgf
)(
)(
)()('))(( .
DEMONSTRAÇÃO: se )(tF é uma primitiva de )(tf , pelo teorema fundamental do cálculo (TFC) temos
)(
)(
))(())(()(
bg
ag
agFbgFdttf . Por outro lado, pela regra da cadeia temos
)('))((')()))'((( xgxgFxxgF e novamente pelo TFC,
b
a
bg
ag
dttfagFbgFdxxgxgf
)(
)(
)())(())(()('))(( .
9 Uma função y=y(x) é difeomorfismo quando é inversível derivável e a inversa x=x(y) também é derivável.
No caso em tela, ao todo são 6 difeomorfismos, a saber, t=t(r), r=r(t), v=v(t), t=t(v), r=r(v) e v=v(r).
10
Pela regra da cadeia, temos 2
2/
)()()()()(r
gRr
dr
dvtvt
dt
drr
dr
dvt
dt
dv cadeiaregrada
. Notemos
que esta última igualdade obedece às hipóteses para a aplicação do método de separação
das variáveis, com as seguintes notações: vy , rx e a função g é a função identidade.
Assim, temos:
)11
()(2
1)(
2
1)(' 222
)(
)(
2
2var./.
2
2
RrgRRvrvdr
r
gRvdv
r
gRrvv
rv
Rv
r
R
iáveisdesepmét
e
daí segue 22
2 )()22
()( RvgRr
gRrv .
Notemos que gRgRr
gR22
20 e daí segue que 02
22 gR
r
gRgR .
Portanto, se tomarmos gRRv 2)( 2, então )(rv jamais se anulará. Por outro lado, se
tomarmos gRRv 2)( 2, então haverá algum r para o qual 0)(rv . Ao valor
2 2)( gRRv damos o nome de velocidade de escape.
EXERCÍCIOS
1. Escreva a forma mais geral possível de uma equação diferencial de primeira ordem, e
esboce uma tentativa genérica de encontrar sua solução.
2. Mostre que qualquer hipérbole da forma padrão x
cxy )( é solução de
0)()(' xyxxy , e reciprocamente, qualquer solução desta equação é uma
hipérbole padrão, possivelmente degenerada, como uma reta, por exemplo!).10
3. Equações de variáveis separáveis têm a forma ))((
)()(
xyg
xfx
dx
dy, e nós já sabemos
como resolvê-las (note que elas podem ser postas na forma acima usada
)(')( xfyyg ).
a) A equação )(
))(()(
xf
xygx
dx
dyé de variáveis separáveis?
b) Encontre os erros na “demonstração heurística” abaixo:
10 A sugestão é a seguinte: 1)()('))(( xyxxyxxydx
dyxy' .
11
)(
))(()(
xf
xygx
dx
dy
)())(( xf
dx
xyg
dy. Integrando ambos os membros de 0x
a x , temos x
x
xy
xyxf
dx
yg
dy
00)()(
)(
)(
, de onde resulta 21)()(
kxf
dxk
yg
dy.
Visto que o primeiro membro desta última equação não depende de x e o
segundo membro da mesma não depende de y , então ambos os membros
devem ser iguais a uma constante. Portanto, )(yg
dy e
)(xf
dx são
constantes, o que não pode acontecer visto que uma integral indefinida só é
constante se for a função nula. No entanto, só funções nulas podem Ter
integrais indefinidas nulas. Porém, funções dos tipos )(
1
yg e
)(
1
xf não
podem ser nulas. Assim, as equações do tipo )(
))(()(
xf
xygx
dx
dy sempre terão
soluções vazias.
c) Mostre que a função RRy *: , xxy )( é solução de x
yx
dx
dy)( .
4. Em uma caixa d’água em forma de cilindro equilátero de altura R metros,
plenamente cheia de água, é feito no centro de sua base inferior um buraco circular
de raio 210
Rr . Quanto tempo irá demorar para que a caixa se esvazie?
5. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE diz que em média cada
brasileiro tem dois filhos. Esta informação é suficiente para tirarmos o valor da
constante da equação do crescimento populacional?
6. Que idéia intuitiva você faz de um difeomorfismo?
7. Se 3, RBA , e BAf
smodifeomorfi
: , então dizemos que A e B são conjuntos
difeomorfos. Em face desta definição, diga quais dos pares de conjuntos abaixo são
difeomorfos:
a) Dois quaisquer intervalos fechados.
b) Dois quaisquer intervalos abertos.
c) Um quadrado e um círculo quaisquer
d) Um cubo e uma esfera
e) Um círculo e um intervalo aberto
f) Uma superfície esférica e uma superfície de toro, quaisquer.
g) Uma poligonal fechada e o círculo.
12
8. No problema dos dois corpos, considere a origem do sistema cartesiano no centro
de massa dos corpos. O sistema de equações fica mais simples? Justifique sua
resposta.
9. Se um buraco negro11
tivesse um metro de raio e densidade constante, quais
deveriam ser sua densidade e massa mínimas?
10. Considere uma pessoa memorizando informações. Digamos que até o instante t
ela tenha memorizado uma fração )(tL do assunto total a ser aprendido. Em t
segundos após o instante t , o aumento no assunto aprendido é o seguinte:
))(1()()( tLtktLttL . Dividindo tudo por t e tomando o limite temos
ktdt
dL
tL)(
)(1
1.
a) A equação acima é de variáveis separáveis? Justifique sua resposta.
b) Resolva a equação acima.
c) Baseado na resolução da equação acima você diria que este modelo
descreve bem a realidade do aprendizado humano?
d) Façam a seguinte experiência: distribuam listas com 30 centenas
aleatórias para cinco diferentes pessoas e inspecionem o número de
acertos em 10 s, 20 s, 30 s, 40 s, 50 s, 60 s, ... 100 s. Em seguida, para
cada pessoa, construa o gráfico da fração de acertos em relação ao tempo.
Os resultados da experiência são compatíveis com o modelo
3.2. Equações exatas.
DEFINIÇÃO (equação exata). A equação ))(,(
))(,()(
xyxN
xyxMx
dx
dy (3.2.1)
é chamada exata se existir uma função , ),(),( yxuyx tal que
),(),( yxMyxx
u, ),(),( yxNyx
y
u.
TEOREMA 3.2.1. (soluções de equações exatas). )(ˆ ty é solução da equação exata
))(,(
))(,()(
xyxN
xyxMx
dx
dy se e somente se existe constante c tal que cxyxu ))(ˆ,( .
DEMONSTRAÇÃO: ( ):
0ˆ
)(ˆ
))(ˆ,()())(ˆ,())(ˆ,(dx
ydNMx
dx
ydxyxux
dx
dxxyx
x
uxyx
dx
duy .
11 Laplace definiu buraco negro como sendo qualquer corpo celeste (um planeta, uma estrela ou algum
asteróide) cuja velocidade de escape seja superior à velocidade da luz no vácuo. O nome “negro” vem da
conclusão lógica de que se tais corpos existirem, então não poderão emitir ou refletir luminosidade
alguma.
13
( ): )(ˆ
)(ˆ
)(ˆ,())(ˆ,())(ˆ,(0 xdx
ydNMx
dx
ydxyxuxyxuxyx
dx
duyx
, de onde segue
))(ˆ,(
))(ˆ,()(
ˆ
xyxN
xyxMx
dx
yd.
COMENTÁRIO
i) Equações exatas na física: Os problemas da física quase sempre lidam com
funções que possuem derivadas parciais de todas as ordens, para as quais dá-se o nome
de funções de classe C . Dizemos que RRf n: é de classe kC se a mesma
possuem derivadas parciais contínuas até a ordem k . Um importante teorema do
cálculo chamado teorema de Schwarz12
afirma que se uma função tem derivadas
parciais de segunda ordem contínuas, então ocorre simetria nas derivadas de segunda
ordem, e reciprocamente. Portanto, na física, ))(,(
))(,()(
xyxN
xyxMx
dx
dy é exata se e
somente se ),(),( yxNyxM xy . Isto ajuda bastante na identificação da “exatitude” de
uma equação. Usando a técnica de supor que é para ver como é que fica podemos
encontrar a função potencial ),( yxu de uma equação exata. De fato, de
),(),( yxMyxx
u segue por integração )(),(),( ydxyxMyxu . Derivando esta
em relação a y e igualando o resultado a ),( yxN temos
),()(]),([),( yxNydy
ddxyxM
yyxu y , de onde segue
kdydxyxMy
dyyxNy ]}),([{),()( , onde k é uma constante real. Em
síntese, dxyxMyxu ),(),( kdydxyxMy
dyyxN ]}),([{),( , e as soluções
de ))(,(
))(,()(
xyxN
xyxMx
dx
dy são as funções )(xy tais que dxxyxM ))(,(
cdydxxyxMy
dyxyxN ]}))(,([{))(,( para algum Rc .
ii) Fator integrante (método que reduz uma equação não-exata especial para exata):
Considere uma equação não-exata ))(,(
))(,()(
xyxQ
xyxPx
dx
dy. Se multiplicarmos ambos os
membros desta equação por uma função ))(,( xyx , a mesma terá as mesmas soluções
da equação original ))(,(
))(,()(
xyxQ
xyxPx
dx
dy. Se a equação que resultou da multiplicação
for exata poderemos encontrar as soluções dela, e portanto da original, pelo método das
equações exatas. Se este for o caso, deveremos ter
)],(),([)],(),([ yxQyxx
yxPyxy
, a qual é uma EDP cuja solução é mais difícil
12 Este teorema geralmente é mostrado nos cursos de cálculo vetorial.
14
de encontrar que a solução da EDO. Entretanto, em situações especiais isto é possível.
À função ),( yx damos o nome de fator integrante.
De caráter genérico e analíticos, basicamente são, os acima apresentados, os
métodos atualmente disponíveis. Tais métodos foram desenvolvidos inicialmente por
Euler e Lagrange. Os outros métodos são os numéricos, usando séries, os quais na
grande maioria dos casos só dão aproximações.
4. Métodos de resolução de equações lineares de primeira ordem
EDOs lineares são as que podem ser postas na forma )()()()(' xrxyxfxy ,
sendo f e r funções quaisquer. Quando 0)(xr dizemos que a equação é
homogênea, e em caso contrário, não-homogênea. Os dois métodos analíticos básicos
são a redução ao método das equações exatas via fator integrante e o método da
variação dos parâmetros.
TEOREMA 4.1. (solução geral da equação linear homogênea de 1ª ordem). Todas as
soluções de 0)()()(' xyxfxy são do tipo dxxf
cexy)(
)( , e reciprocamente.
DEMONSTRAÇÃO. ( ): seja )(xy uma solução. Então, )()()(
1xfx
dx
dy
xye pelo
método da separação das variáveis temos que 1)(1
kdxxfdyy
e daí,
2)(ln kdxxfy de onde resulta dxxfkdxxf
ceey)()( 2
.
( ) :se dxxf
cexy)(
)( , então )()())](([)(')(
xyxfxfecxydxxf
.
TEOREMA 4.2. (solução geral da equação linear de 1ª ordem). Todas as soluções de
)()()()(' xrxyxfxy são da forma ])([)()()(
dxxreexydxxfdxxf
(
constante real) e, reciprocamente, todas as funções com esta forma são soluções da
citada equação13
.
DEMONSTRAÇÃO. ( ): Supondo-se que é para ver como é que fica, suponhamos
que exista um fator integrante )(xF , o qual depende apenas de x . Multiplicando-se
)()()()(' xrxyxfxy por )(xF , temos )(
)]()()()[()(
xF
xrxyxfxFx
dx
dy.
Denotemos )]()()[(),( xryxfxFyxMnot
e )(),( xFyxNnot
. Para que )(xF de fato
seja um fator integrante devemos ter )()(),( xfxFyxy
M idêntica à função
)(),( xdx
dFyx
x
N, ou seja, 0)())(()(' xFxfxF . Pelo teorema 4.1 temos que
13 Neste caso dizemos que as soluções estão na forma geral, ou que
])([)()()(
cdxxreexydxxfdxxf
é a forma geral das soluções de )()()()(' xrxyxfxy .
15
dxxf
ekxF)(
1)( . Assim, sendo )(xf e )(xr deriváveis com derivadas contínuas até a
segunda ordem, dxxf
ekxF)(
1)( será fator integrante de
)(
)]()()()[()(
xF
xrxyxfxFx
dx
dy. Portanto, pelo método das equações exatas, as
soluções de )()()()(' xrxyxfxy são as funções )(xy tais que
cdydxxrxFyxfxFy
dyxFdxxrxFxyxfxF ]}))()()()(([{)()]()()()()([
para constantes reais c . A derivação relativamente a y passando para dentro do sinal
de integração reduz esta identidade a cdxxrxFxyF )()()( , a qual nos fornece
])()([))(( 1 cdxxrxFxFy . Substituindo dxxf
ekxF)(
1)( , nesta última temos
])([1
)()(
k
cdxexrey
dxxfdxxf.
( ): Uma inspeção direta mostra claramente que
])([)()(
dxexreydxxfdxxf
é solução de )()()()(' xrxyxfxy .
TEOREMA 4.3. (método da variação dos parâmetros). Todas as soluções de
)()()()(' xrxyxfxy são da forma ])([)()()(
dxxreexydxxfdxxf
(
constante real) e, reciprocamente, todas as funções com esta forma são soluções da
citada equação14
DEMONSTRAÇÃO. ( ): usando o método de supor que é para ver como é que fica,
busquemos achar uma função )(xu de modo que dxxf
exuxy)(
)()( seja solução.
Denotemos dxxfnot
exv)(
)( . Temos )(')()()(')(' xvxuxvxuxy . A substituição de
)()()( xvxuxy e )(' xy em )()()()(' xrxyxfxy nos dá rfuvuvvu '' , a qual
eqüivale a rfvvuvu )'(' . Como 0' fvv (lembre-se que )(xv é solução de
0)()()(' xyxfxy ), temos dxxf
exrxrxvxdx
du )(1 )()())(()( . A integração desta
nos dá, pelo método da primitiva, dxxf
exrxu)(
)()( . Logo, a solução procurada
dentro das condições impostas é ])([)()()()()( dxxfdxxf
exrexvxuxy .
( ): Uma inspeção direta mostra claramente que
])([)()(
dxexreydxxfdxxf
é solução de )()()()(' xrxyxfxy .
14 Notemos que o enunciado deste teorema é igual ao anterior 4.2. Mas o teorema é diferente, pois o
método de demonstração é diferente. Este teorema, descoberto por Lagrange, pode ser generalizado para
sistemas de equações.
16
5. Existência e Unicidade
TEOREMA DE PICARD-LINDELÖF. Este teorema diz o seguinte:
“Seja contínua e tal que
. Então existe uma, e única, solução do problema de valor
inicial
em qualquer intervalo , sendo ”.
Note que quando nos referimos a , estamos,
implicitamente usando que toda função contínua definida em um conjunto limitado e
fechado possui um máximo. A estratégia de demonstração e entendimento será,
obedecendo à metodologia científica de Descartes, a seguinte:
1) Saber o que é espaço métrico completo com métrica e explorar suas
propriedades básicas;
2) Provar que o conjunto das funções
contínuas de em com a métrica do máximo
é um espaço métrico completo;
3) Provar o lema da contração, onde por contração entendemos uma aplicação
tal que , onde :
“Sejam espaço métrico completo e tal que
, com . Então existe, e é único, um elemento tal que
e, além disso, , para qualquer ”.
4) Provar que se uma aplicação contínua de um espaço métrico
completo possui uma iteração que é contração, então existe tal que
e, além disso, , para qualquer .
5) Provar que
, dada por , além de
estar bem definida e ser contínua possui uma iteração que é contração,
caso:
i) seja lipschitziana na
segunda coordenada, isto é, exista tal que
para qualquer e quaisquer pares
;
ii) seja contínua em seu domínio.
6) Efetuar conexão entre (4) e (5) para, a partir disto, extrair a existência e
unicidade de alguma função tal que , e portanto, por
derivação e teorema fundamental do cálculo, concluir que –
fazer a síntese!
17
DEFINIÇÃO (Espaço métrico): um conjunto não vazio é espaço métrico existir uma
aplicação , chamada métrica, tal que:
i)
ii) ;
iii) .
EXEMPLOS
a) , com as métricas usuais dadas por ;
b) , sendo
;
c) , onde
;
d) Qualquer subconjunto não vazio de um espaço métrico é espaço
métrico, tomando-se a mesma métrica .
OBSERVAÇÕES: usaremos a seguinte notação, mais econômica:
.
EXERCÍCIO: Prove que o conjunto das funções contínuas com a norma do máximo,
estabelecido no exemplo “c” acima é um espaço métrico.
DEFINIÇÃO (Limite e convergência em espaços métricos): diz-se que
se e somente se . Em tal caso, diz-se que converge para .
DEFINIÇÃO (função contínua em espaços métricos): é contínua em se e
somente se para todo existe tal que toda vez que , então
.
DEFINIÇÃO (Seqüência de Cauchy em espaços métricos): uma seqüência é
de cauchy se e somente se para todo existe tal que para qualquer ,
quando .
DEFINIÇÃO (Espaço métrico completo): chamamos completo o espaço métrico no
qual todas as seqüências de Cauchy são convergentes para algum elemento do espaço
métrico.
EXEMPLOS.
a) R é completo com sua métrica usual. Este fato, apesar de intuitivo, é de
complicada demonstração lógico-formal;
b) Todo subconjunto fechado de ou de é completo. Em caso contrário, não
será completo.
c) Q, com sua métrica usual, não é completo, visto que existem seqüências de
Cauchy de números exclusivamente racionais que não convergem para números
racionais.
18
TEOREMA. , com a métrica do máximo é completo.
DEMONSTRAÇÃO. É uma herança natural da completude do espaço métrico R. No
entanto, usa-se fortemente o fato de o domínio das funções envolvidas ser fechado e
limitado.
LEMA (Da contração). Sejam espaço métrico completo e tal que
, com . Então existe, e é único, um elemento
tal que e, além disso, , para qualquer .
EMONSTRAÇÃO.
Existência. Seja um elemento qualquer de . Mostremos que é
seqüência de Cauchy, portanto convergente, e que seu limite é o elemento que
buscamos.
.
Por outro lado, usando-se iterativamente a desigualdade triangular temos que
. Notando-se
que
, e substituindo na
desigualdade anterior tem-se . Deste modo,
para qualquer sempre existirá , grande o suficiente, tal que
< , sempre que . Logo, a seqüência é de Cauchy e,
portanto, convergente para um ponto Além disso, da continuidade de temos
.
Unicidade. Seja , tal que . Então, .
Como , obrigatoriamente devemos ter , ou seja, .
COROLÁRIO. Seja um elemento qualquer de e um número natural qualquer.
Escrevamo-lo sob o aspecto , onde 0 . Temos
. Como é contração tendo como ponto atrator, então
, para qualquer e qualquer . Portanto,
. Intuitivamente, a explicação é a seguinte: a seqüência pode ser decomposta
em subseqüências, a saber, , ... ,
porém todas elas convergindo para um mesmo elemento, a saber,
. Além disso, .
PROPOSIÇÃO.
, dada por , além de estar bem definida é
contínua e possui uma iteração que é contração, caso:
iii) seja lipschitziana na
segunda coordenada, isto é, exista tal que
para qualquer e quaisquer pares
;
iv) seja contínua em seu domínio.
19
DEMONSTRAÇÃO. Seja . Temos que
, ou seja, . Portanto, está
bem definida. Por outro lado, se , então
. Logo, é contínua. Agora, mostremos, por indução, que
, o que provará
que possui alguma iteração que é contração, visto que para suficientemente grande,
.
a) Hipótese para :
.
b) Hipótese para qualquer: Suponhamos que a desigualdade seja verdadeira para
. Mostremos que também será verdadeira para . Temos
=
=
.
Agora, segue a síntese.
TEOREMA (Picard-Lindelöf). Seja contínua e tal que
. Então existe uma, e única, solução do problema
de valor inicial
em qualquer intervalo , sendo .
20
DEMONSTRAÇÃO. Visto que
, dada por é contração,
possuirá ponto fixo, e único, . Logo, , a qual, derivando-
se em relação a nos dá . Além disso, de
, temos .
COMENTÁRIO (Generalização para ). No lugar de poderíamos, em toda a
construção acima, ter considerado uma bola de , substituindo o módulo de
números e funções reais pela norma de vetores e funções vetoriais.
Bibliografia Fonte: Lições de Equações Diferenciais Ordinárias. Jorge Sotomaior,
IMPA.
QUESTIONÁRIO
PROBLEMA 1. Defina e exemplifique os seguintes entes:
a. Problema de valor inicial.
b. Espaço métrico
c. Seqüência de Cauchy
d. Espaço métrico completo.
e. Métrica do máximo.
PROBLEMA 2. Prove que o conjunto das funções
contínuas de em com a métrica do máximo é um
espaço métrico completo.
PROBLEMA 3. Explique porque
, dada por , está
bem definida e é contínua.
PROBLEMA 4. Dê exemplo de uma contração e diga qual é o seu ponto
fixo. Escolha o valor de à vontade.
PROBLEMA 5. Uma função Lipschitziana (satisfaz à condição
para algum ) é sempre contínua? Justifique sua resposta.
PROBLEMA 6. Enuncie o teorema de Picard-Lindelöf no caso de um sistema
autônomo (o campo vetorial que define o sistema de EDOs não é aplicação dependente
do tempo) dado por um campo .
PROBLEMA 7. Considere, no sistema MKS, o problema de valor inicial
. Inspecione se este problema satisfaz a
todas as exigências estabelecidas pelo teorema de Picard-Lindelöf (no caso genérico
estabelecido em “6” acima, é óbvio!). Faça um liame entre o que diz o teorema de
Picard-Lindelöf e a realidade física do movimento pendular.
21
6. Equações e sistemas lineares
Usando-se as notações e , vê
se que a equação equivale ao sistema
Veremos agora que, para o caso de sistemas de EDOs lineares de coeficientes
constantes, podemos achar fórmulas que expressam a solução do mesmo em termos dos
coeficientes. Este é o mais celebrado resultado do estudo das EDOs e seus sistemas.
6.1. Sistemas de EDOs Lineares
Chamamos sistema de EDOs lineares a qualquer sistema do tipo:
o qual denotaremos por com . Uma -upla ordenada
- a qual corresponde a uma curva
-, de funções é solução de (1) se estas funções
satisfazem àquele sistema em um intervalo comum , ou seja,
. Note que em notação matricial podemos
escrever (1) na forma , onde e
.
Notemos que é contínua caso seja contínua
em um intervalo fechado . Além disso, é lipschitziana em relação . De fato,
, onde é a constante de
Lipschitz.
PROBLEMA 8. Seja o espaço vetorial das curvas contínuas de um
intervalo em , com a soma usual de aplicações e produto usual de números reais
por aplicações, isto é, e . Prove que o
conjunto de curvas
22
, é um
subespaço vetorial de [Sugestão: Pela teoria dos espaços vetoriais,
basta provar que se e estiverem em , então também estará, para
quaisquer ].
PROPOSIÇÃO. Seja uma solução de (1). Então, se existir tal que
, então .
DEMONSTRAÇÃO. A curva é, obviamente, solução de (1). Pelo teorema de
existência e unicidade, só existe uma única solução de (1) em com a condição
inicial . Portanto, ela inevitavelmente deverá ser .
TEOREMA (O conjunto das curvas-solução de um sistema de EDOs lineares é um
espaço vetorial de dimensão ).
, com
as operações usuais é espaço vetorial -dimensional. Além disso, para cada
fixado, a aplicação dada por é aplicação linear bijetora de
espaços vetoriais.
DEMONSTRAÇÃO. i) é aplicação linear:
. ii) é injetora: Seja . Então, .
Ora, a curva nula avaliada em também é igual a . Logo, pelo teorema de
existência e unicidade, , o que indica que possui núcleo igual ao subespaço
nulo de e, portanto, é aplicação linear injetora. iii) é sobrejetora: Seja .
Pelo teorema de existência e unicidade, tomando-se um elemento qualquer , o
problema de valor inicial possui solução única tal que .
Portanto, , indicando a sobrejetividade.
Como aplicações lineares bijetoras levam bases em bases, vê-se, pelo resultado
acima, que a dimensão de é igual à dimensão de , isto é,
COMENTÁRIO. Consideremos o sistema de EDOs dado por
. A multiplicação de matrizes mostra, por
uma inspeção imediata, que se for solução de
acima, então . Se
for base do espaço de soluções de (1), então quaisquer matrizes cujas colunas forem tais
vetores serão soluções de . Além disso, tais matrizes, as quais
chamamos matrizes solução fundamental, são inversíveis para todo .
23
PROPOSIÇÃO. i) Para todo e toda matriz inversível existe uma única
matriz solução fundamental tal que )= ; ii) Se , então
para qualquer matriz .
DEMONSTRAÇÃO. i) Para cada vetor coluna da matriz inversível
, o teorema de existência e unicidade garante a existência de uma
solução , tal que e , . Portanto, a
matriz é tal que e )= . Agora
mostremos que os vetores colunas de ) são linearmente independentes. Seja
em . Então, , e daí,
. Visto que os vetores colunas são linearmente
independentes, já que é inversível, então . ii) demonstra-se por
inspeção direta, usando-se a fórmula da derivada do produto, da qual é uma
generalização: .
PROPOSIÇÃO. Seja uma matriz solução fundamental de (1). i) Então para cada
solução (t) de (Note que as colunas de são soluções de (1)!)
existe uma matriz constante tal que . ii) (t) é matriz solução
fundamental de (1) se e somente se é inversível.
DEMONSTRAÇÃO. i) o objetivo da demonstração consiste em mostrar que a derivada
da matriz é a matriz nula de mesma ordem. Pela regra do produto, temos
. Por outro lado,
derivando em ambos os membros temos
, que substituída na igualdade anterior dá
. Portanto, . ii)
obviamente, é inversível se e somente se o é.
TEOREMA (Resolução do problema de valor inicial a partir da matriz solução
fundamental). Se é matriz solução fundamental, então o problema de valor inicial
possui solução dada por .
DEMONSTRAÇÃO. Seja a solução do problema de valor inicial garantida
pelo teorema de existência e unicidade em um intervalo . Temos que
é solução de , visto que cada coluna da mesma
é solução de (1). Então existe matriz , tal que
. Multiplicando ambos os membros por e comparando
as primeiras colunas tem-se .
24
6.2. Sistemas de EDOs com coeficientes constantes.
De modo análogo à demonstração do teorema de existência e unicidade,
demonstra-se o seguinte teorema:
TEOREMA. Seja
, (2)
onde é uma matriz com entradas reais e é sua matriz solução
fundamental com . Então: i) Todas as soluções de (2)
podem ser estendidas para todo o conjunto dos números reais; ii)
. iii) . iv)
.
PROBLEMA 9. Um método muito poderoso no estudo dos sistemas de EDOs não
lineares (em princípio, intratáveis!) é a linearização, o qual consiste em desenvolver o
campo , definidor do sistema, em série de Taylor e tomar tão somente a
parte linear deste campo e em seguida, resolvê-lo. Faça isto para o sistema pendular
onde é a aceleração da gravidade e o comprimento da haste do pêndulo.
[Sugestão: o sistema linearizado é: ].
EXERCÍCIOS.
Justifique os resultados em termos da teoria das EDOs uma simulação ou uma
experiência. A seguir, apresentamos algumas sugestões que julgamos boas:
Oscilações.
Simulação:
http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica_/oscilaciones/m_a_s/mas/mas.xhtml
file:///C:/DOCUME~1/Users/CONFIG~1/Temp/phet-mass-spring-lab/mass-
spring-lab_en.html
Experiência: pequenas oscilações do pêndulo simples.
Circuitos.
http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica_/elecmagnet/induccion/oscilaciones/oscilacio
nes.xhtml
Foguetes
http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica_/dinamica/cohetes/cohete1/cohete1.xhtml
25
Bibliografia
1. KREYSZIG, E. Matemática superior. LTC Editora, 2a. edição, Volumes 1, 2 e
3, 1979.
2. DIACU, Florin. Introdução a Equações Diferenciais: teoria e aplicações.
Tradução de Sueli Cunha, LTC Editora, 2004.
3. BOYCE, W.; DiPrima, R. C. Elementary Differential Equations and Boundary
Value Problem. Wiley , 5a. edition, 1992.
4. SODRÉ, Ulysses. Equações Diferenciais Ordinárias. Notas de aula, 2003
Disponível em http://pessoal.utfpr.edu.br/adrianaborssoi/pdf/edo.pdf].
5. LAPLACE. Mécanique Céleste [disponível em
http://books.google.com.br/books?id=k-
cRAAAAYAAJ&pg=PA37&dq=%22exact+diferential+equations%22&lr=&as_
brr=1&cd=13#v=onepage&q=&f=false].
6. http://ads.harvard.edu/books/1989fcm..book/
7. http://www.astro.uvic.ca/~tatum/celmechs.html
8. http://en.wikipedia.org/wiki/N-body_problem