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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia Trabalho de Conclusão de Curso O PAPEL DA ALIMENTAÇÃO NA FAMÍLIA DE UMA ADOLESCENTE COM BULIMIA NERVOSA: UM ESTUDO DE CASO Autora: Flora Teixeira Mota de Paula Orientadora: Profª Drª Maria Alexina Ribeiro Brasília - DF 2011

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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia

Trabalho de Conclusão de Curso

O PAPEL DA ALIMENTAÇÃO NA FAMÍLIA DE UMA ADOLESCENTE COM BULIMIA NERVOSA: UM ESTUDO DE

CASO

Autor a: Flora Teixeira Mota de PaulaOrientadora: Profª Drª Maria Alexina Ribeiro

Brasília - DF 2011

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FLORA TEIXEIRA MOTA DE PAULA

O PAPEL DA ALIMENTAÇÃO NA FAMÍLIA DE UMA ADOLESCENT E COM BULIMIA NERVOSA: UM ESTUDO DE CASO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília, para obtenção do título de psicóloga.

Orientadora: Profª Drª. Maria Alexina Ribeiro

Brasília – DF 2011

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RESUMO

Os transtornos alimentares vêm se tornando cada vez mais comuns, e as estatísticas mostram aumentos consideráveis em suas incidências. Por isso, eles foram apontados pela Organização Mundial da Saúde como um problema de saúde pública. Considerando que a bulimia foi descrita e caracterizada como uma patologia diferente da anorexia recentemente, este transtorno ainda é pouco compreendido, visto que grande parte dos estudos na área de transtornos alimentares é realizada com sujeitos diagnosticados com anorexia nervosa. A bulimia nervosa é caracterizada por episódios repetidos de compulsões alimentares, seguidas por comportamentos compensatórios inadequados, além de uma excessiva influência da forma e do peso corporal na auto-avaliação do indivíduo. O objetivo do presente trabalho foi conhecer o papel da alimentação na família de uma adolescente que tem bulimia nervosa, identificando o padrão alimentar e o significado do alimento na história familiar. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa, por meio de um estudo de caso. Foi realizada uma entrevista e um genograma com a família participante e os resultados encontrados evidenciaram um padrão alimentar caracterizado por muita fartura e variedade, que pode estar relacionado às dificuldades financeiras pelas quais os pais da adolescente passaram na infância e no início da formação de sua família nuclear. Os resultados demonstraram também que a alimentação pode ter o papel de unir os membros da família, proporcionar momentos de interação entre os membros e agregar pessoas externas à família. O significado do alimento nessa família parece ser o de resgatar uma história e mudar o futuro de uma família com muitas dificuldades. Identificamos uma forte ligação entre alimentação, afetividade e pertencimento. O método utilizado e a abordagem sistêmica da família foram imprescindíveis para o alcance dos objetivos.

Palavras-chave: Transtorno alimentar. Bulimia nervosa. Família. Abordagem sistêmica.

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ABSTRACT

Eating disorders are becoming increasingly common, and statistics show considerable increases in their incidences. In addition, it was appointed by the World Health Organization as a public health problem. Considering that, recently, bulimia has been described and characterized as a different pathology of anorexia, this disorder is still poorly understood, since most studies in the area of eating disorders is performed with subjects diagnosed with anorexia. Bulimia is characterized by repeated episodes of binge eating followed by inappropriate compensatory behaviors, and also by an excessive influence of body shape and weight on self-assessment of the individual. The objective of this study was to know the function of food in the family of a teenager who has bulimia, identifying the eating patterns and the significance of food in family history. The method used was qualitative research, through a case study. It was performed an interview and a genogram with the family member and the results showed a dietary pattern characterized by much abundance and variety that may be related to financial difficulties in which parents of the teenager began in childhood and in their early nuclear family formation. The results also showed that food may has the function of uniting family members, provide moments of interaction between members and bring people outside the family. The significance of food in this family seems to be a rescue story and change the future of a family with many difficulties. It was identified a strong link between food, warmth and belonging. The method used and the family systems approach were essential for achieving the goals.

Keywords: Eating disorders. Bulimia. Family. Systemic approach.

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SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................................... 05

2. Referencial Teórico ..................................................................................................... 08

2.1. Transtornos Alimentares ................................................................................. 08

2.2. Bulimia Nervosa .............................................................................................. 09

2.3. Bulimia Nervosa e Família .............................................................................. 12

3. Objetivos ..................................................................................................................... 17

3.1. Objetivo Geral ................................................................................................. 17

3.2. Objetivos Específicos ...................................................................................... 17

4. Método ........................................................................................................................ 18

4.1. Família Participante ......................................................................................... 19

4.2. Instrumentos .................................................................................................... 22

4.3. Procedimentos de Coleta de Dados ................................................................. 22

4.4. Procedimento de Análise de Dados ................................................................. 23

5. Resultados e Discussão dos Dados .............................................................................. 24

6. Considerações Finais ................................................................................................... 36

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 38

Anexos ........................................................................................................................ 40

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1. INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares (TA) são caracterizados por perturbações severas no

comportamento alimentar (APA, 1995). Existem, atualmente, dois tipos de TA bem definidos

e descritos: a Anorexia Nervosa (AN) e a Bulimia Nervosa (BN). Ballone (2005) afirma que

de 0,5% a 1% da população brasileira é diagnosticada com anorexia e que a bulimia apresenta

índices entre 1% e 3%. Entretanto, de acordo com o mesmo autor, esses números vêm

sofrendo um aumento significativo a cada ano, atingindo parcelas cada vez mais

diversificadas da população. Ainda segundo Ballone, anteriormente, os transtornos

alimentares tinham prevalência entre mulheres adolescentes. Atualmente, tais patologias vêm

atingindo também crianças e adultos. Da mesma forma, os TA se restringiam às classes mais

privilegiadas, e hoje alcançam todos os níveis socioeconômicos. Fráguas (2009) constata que

a diferença entre gêneros também diminuiu, apesar de a prevalência continuar sendo entre

mulheres.

Pesquisar os transtornos alimentares é necessário, visto que eles foram apontados pela

Organização Mundial de Saúde como um problema de saúde pública. A bulimia foi descrita e

caracterizada como uma patologia diferente da anorexia há pouco tempo, motivo pelo qual se

trata de um transtorno ainda pouco compreendido. A maior parte dos estudos sobre

transtornos alimentares ainda é realizada com pacientes diagnosticados com AN. Desta forma,

realizar pesquisas sobre a BN é de fundamental importância, tendo em vista o número

reduzido de estudos nesta área de conhecimento.

Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo realizar um estudo de caso com

uma família que possui uma adolescente diagnosticada com bulimia nervosa, identificando

características da dinâmica familiar que pudessem estar relacionados com o aparecimento e a

manutenção do transtorno alimentar, bem como, compreender o papel da alimentação nesta

família.

A escolha pelo tema desta pesquisa nasceu não só por se tratar de um assunto pouco

estudado, mas também pelo interesse em compreender o significado do alimento para a

família e para a adolescente que desenvolve a BN, e não outro tipo de patologia. A bulimia,

segundo Romaro e Itokazu (2002), “consiste na compulsão periódica de alimentos, seguida da

utilização de estratégias para ‘eliminar’ as calorias ingeridas, podendo ocorrer por métodos

purgativos (auto-indução de vômitos ou uso indiscriminado de laxantes, diuréticos e enemas)

e não purgativos (jejuns e exercícios físicos excessivos)” (p. 407). Este processo da ingestão

de grande quantidade de alimento, em um curto período de tempo, seguido pela tentativa de

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eliminar a comida consumida, desperta uma curiosidade sobre o que este alimento pode

representar, simbolicamente, para o sujeito que desenvolve tal transtorno.

A colaboração da família no surgimento ou manutenção do TA, tem sido sugerida por

Minuchin, Nichols e Lee (2009). Da mesma forma, a participação da família é de fundamental

importância para a cooperação e adesão ao tratamento. De acordo com Le Grange e Lock:

O processo de melhora da autoridade dos pais está em sintonia com as sugestões de Minuchin acerca de definir e esclarecer as estruturas hierárquicas. Sob a perspectiva de terapeutas estruturais, o reforço da autoridade dos pais e o alinhamento da paciente com seu subsistema de irmãos melhoram a definição hierárquica e estabelecem limites saudáveis entre gerações (2009, p. 60).

É importante ressaltar que o surgimento e manutenção dos TA envolvem diversos

aspectos como o biológico, o psicológico, o familiar e o sociocultural. Sendo assim, a família

não é o elemento que causa a patologia, mas apenas um dos fatores que propicia este tipo de

transtorno, e não outro. De acordo com Humphrey (apud BÓ; BARBOSA, 1999, p. 535):

Essas famílias seriam superprotetoras, controladoras, com grande dificuldade para lidar com a separação e independência de seus membros. Dariam demasiado valor à lealdade destes, preservando as aparências a despeito do sofrimento. Portanto tenderiam a negá-lo e por conseguinte seriam pouco confiáveis na detecção de conflitos familiares, o que as levaria a se mostrarem falsamente compreensivas e colaboradoras.

Ainda em Bó e Barbosa,

O sistema familiar parece se organizar de modo que haja um só projeto de vida, criando-se vínculos de muita dependência, em que as expectativas e capacidades de cada um são ‘engolidas’. Parece, então, que a voracidade descrita como característica dos pacientes com transtorno alimentar não é exclusiva deles, quando observado o ambiente familiar” (1999, p. 535).

Esta observação dos autores é bastante interessante, visto que sugere uma relação entre

a compulsão alimentar e o padrão familiar de interação entre os membros. Segundo Mintz

(apud GABBARD, 1992), o conflito inconsciente com os pais está relacionado à manifestação

da bulimia, pois a raiva contra os pais seria deslocada para o alimento.

Nesta pesquisa, optou-se pela abordagem sistêmica da família, devido à crença de que

a família pode se relacionar tanto com o surgimento e a manutenção da doença, como também

pode funcionar como uma forte colaboradora para o tratamento da BN. Segundo Le Grange e

Lock (2009), existe, comumente, uma negação e minimização sobre a natureza alarmante dos

sintomas bulímicos, tornando as pacientes impossibilitadas de avaliar a seriedade de sua

doença. Esta situação exige que os pais garantam que a adolescente está recebendo um

tratamento adequado.

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Com a realização desta pesquisa, pretende-se contribuir para a prática em psicologia,

através da construção de novas formas de reflexão acerca da bulimia e do padrão familiar,

com o objetivo de proporcionar uma compreensão mais ampla deste fenômeno. Espera-se que

os dados do presente estudo contribuam para um melhor entendimento sobre o tema proposto,

visando abordar não apenas o sujeito com BN, mas a sua família.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. TRANSTORNOS ALIMENTARES

Os transtornos alimentares vêm se tornando cada vez mais comuns, e as estatísticas

mostram aumentos consideráveis em suas incidências. Além de serem cada vez mais

reincidentes, eles estão atingindo parcelas maiores da população, alcançando crianças e

idosos, e não mais apenas adolescentes e jovens adultos, como anteriormente (BALLONE,

2005).

Segundo o CID-10 (OMS, 1993, p. 173) “sob o título de transtornos alimentares, duas

síndromes importantes e bem definidas são descritas: anorexia nervosa e bulimia nervosa”. De

acordo com Fráguas (2009, p. 334), em ambos os casos, os indivíduos que têm tais

transtornos “vivem experiências silenciosas e solitárias de intenso sofrimento e segredo”. São,

geralmente, meninas “muito frágeis, com baixa autoestima e muita vulnerabilidade a situações

de estresse, silenciosas e solitárias em sua dor”. Portanto, são pessoas que,

Apresentam percepção pobre sobre si mesmas e sentem-se muito inseguras de seus afetos e de sua atuação no mundo. Experimentam a sensação de que não conseguem atender às expectativas da família e das pessoas que as cercam, gerando sentimento de grande impotência e falta de competência. São escravas de ideais inatingíveis de beleza, buscando padrões inalcançáveis (FRÁGUAS, 2009, p.334).

Tanto a anorexia quanto a bulimia são consideradas transtornos de origem e

manutenção multifatorial, por envolver aspectos biológicos, psicológicos, familiares e sociais.

O termo “anorexia” é derivado do grego orexis, que significa apetite, com o acréscimo do

prefixo an, que, por sua vez, significa privação, ausência. Ou seja, a palavra anorexia significa

perda do apetite de origem nervosa (CAVALCANTE, 2009).

O diagnóstico do quadro de anorexia é realizado na presença de quatro itens

principais: recusa em manter o peso corporal igual ao adequado para a idade e a altura; medo

mórbido de ganhar peso; dismorfia, ou seja, percepção e experiência distorcidas do próprio

corpo e forma; e ausência de, pelo menos, três ciclos menstruais. Pessoas com anorexia

costumam apresentar comportamentos com características obsessivo-compulsivas,

perfeccionismo, auto-imagem empobrecida, perturbações de humor e, com certa freqüência,

episódios de depressão (FRÁGUAS, 2009).

A AN difere da bulimia em vários aspectos. Um deles é o estilo familiar no qual as

famílias de pacientes com BN tendem a ser mais desorganizadas e conflituosas enquanto as

famílias de pacientes com anorexia tendem a evitar conflitos e anseiam por manter uma boa

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impressão. Outra grande diferença está relacionada ao fato de que a BN está associada a uma

vergonha considerável, o que implica numa dificuldade de tais pacientes revelarem seus

sintomas. Estas vêem os sintomas como indesejáveis e, muitas vezes, expressam o desejo de

se livrarem dos mesmos. Já na AN, a vergonha está adjunta à alimentação e não aos sintomas

da doença. Há, inclusive, um orgulho considerável dos sintomas (LE GRANGE; LOCK,

2009).

2.2. BULIMIA NERVOSA

O termo bulimia é originado do grego bous (boi) e limos (fome), ou seja, “fome de

boi”, apetite insaciável, e as seguintes características são necessárias para o diagnóstico do

quadro: “episódios recorrentes de ingestão rápida de grande quantidade de comida em um

curto espaço de tempo; sentimento de falta de controle sobre a conduta alimentar

(compulsão); ações para prevenir aumento de peso; preocupação persistente com o corpo e o

peso” (FRÁGUAS, 2009, p. 336). Segundo Cordás (2004), a BN foi descrita por Gerald

Russel, em 1979, e foi reconhecida como diagnóstico diferenciado da anorexia em 1980, na

terceira edição do Manual de Diagnóstica e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-III).

De acordo com a última edição do referido Manual, “a bulimia nervosa é caracterizada

por episódios repetidos de compulsões alimentares seguidas de comportamentos

compensatórios inadequados” (APA, 1995, p. 511), além de uma excessiva influência da

forma e do peso corporal na auto-avaliação do indivíduo. As compulsões e os

comportamentos compensatórios devem ocorrer, em média, duas vezes por semana, por pelo

menos três meses, para caracterizar a BN. É um transtorno que ocorre com mulheres, em 90%

dos casos, predominantemente entre adolescentes e jovens adultas, e costuma começar com a

apresentação de compulsões durante ou após dietas.

A compulsão alimentar deve ser definida como a ingestão de uma grande quantidade

de alimentos, em um curto período temporal. Essa quantidade de alimentos deve ser

consideravelmente maior do que a maioria dos indivíduos consumiria, em uma situação

semelhante. Comumente, as compulsões incluem alimentos de alto teor calórico, como doces,

bolos e sorvetes. No início do quadro, os episódios de compulsão são acompanhados por um

sentimento intenso de falta de controle, que, posteriormente, perde esta forma e se transforma

em um prejuízo do controle, caracterizado pela dificuldade em resistir a comer

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excessivamente ou dificuldade para dar um fim ao episódio de compulsão iniciado (APA,

1995).

A compulsão periódica “é tipicamente desencadeada por estados de humor disfóricos,

estressores interpessoais, intensa fome após restrição por dietas, ou sentimentos relacionados

a peso, forma do corpo ou alimentos”. A compulsão pode diminuir a disforia

momentaneamente, entretanto, após o episódio, é muito freqüente a volta do humor deprimido

e as autocríticas (APA, 1995, p. 517).

Os comportamentos compensatórios inadequados, utilizados para prevenir o aumento

de peso, definem os dois subtipos de bulimia nervosa. O subtipo purgativo é caracterizado por

métodos como a auto-indução de vômito ou o uso indevido de laxantes, diuréticos e enemas

para evitar o ganho de peso. Já o subtipo sem purgação se caracteriza por comportamentos

compensatórios tais como jejuns e exercícios excessivos, que podem ocorrer em momentos ou

contextos inadequados, atrapalhando atividades importantes e que acontecem, inclusive,

quando o indivíduo está lesionado ou com complicações médicas. Os sintomas depressivos e

a preocupação com a forma e o peso são mais freqüentes no subtipo purgativo (APA, 1995).

A técnica compensatória mais utilizada

É a indução de vômito após um episódio de compulsão periódica. Este método purgativo é empregado por 80 a 90% dos indivíduos com bulimia nervosa que se apresentam para tratamento em clínicas de transtornos alimentares. Os efeitos imediatos do vômito incluem alívio do desconforto físico e redução do medo de ganhar peso (APA, 1995, p. 517).

O vômito pode, inclusive, se tornar o principal fim, de modo que o indivíduo pode

alimentar-se com o objetivo de induzir vômito, ou realizá-lo após a ingestão de pequenas

quantidades de alimento (APA, 1995).

Além dos episódios de hiperfagia e comportamentos compensatórios, outra

característica marcante do quadro de bulimia nervosa é a consideração da forma e do peso do

corpo como um dos fatores mais importantes para a determinação da autoestima e auto-

avaliação. As pessoas que desenvolvem esse quadro têm um pavor mórbido de engordar e um

desejo intenso de perder peso, além de uma grande insatisfação com o próprio corpo (APA,

1995).

Entre as características físicas que podem ser observadas em indivíduos que têm

bulimia nervosa estão a perda do esmalte dentário, em que os dentes apresentam uma

aparência serrilhada e corroída; calos e cicatrizes nas mãos das pessoas que as usam para

induzir o vômito; irregularidade menstrual, que pode ocorrer devido às flutuações de peso

com deficiências nutricionais ou pelo estresse emocional; e rupturas no esôfago, no estômago

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e arritmias cardíacas. As pessoas com bulimia nervosa costumam sentir vergonha de seus

sintomas e os episódios de compulsão e purgação geralmente ocorrem em segredo, podendo

ser interrompidos com a presença de um conhecido ou familiar (APA, 1995). Esta é uma

peculiaridade que distingue a bulimia da anorexia, já que a última pode ser notada por alguém

próximo, enquanto a primeira pode permanecer em segredo por um longo período de tempo,

segundo Fráguas (2009).

Dados sugerem que os sujeitos que desenvolvem o quadro de bulimia nervosa estão

mais propensos ao excesso de peso do que seus pares, principalmente no caso dos homens que

apresentam esta patologia. Além disso, estas pessoas apresentam, com maior freqüência,

sintomas depressivos, de ansiedade e abuso ou dependência de substâncias, como álcool e

estimulantes. Outros estudos sugerem que os indivíduos com esse quadro possuem familiares

de primeiro grau com bulimia nervosa, transtornos de humor, abuso e dependência de

substância, ou obesidade (APA, 1995).

Além da morbidade psiquiátrica, os sintomas da BN e a preocupação com os alimentos

e o peso corporal podem vir a prejudicar o funcionamento social, escolar e profissional. E

embora se trate de uma condição psiquiátrica, a bulimia pode ser um risco à vida, em virtude

dos efeitos fisiológicos dos sintomas. Além disso, a ideação suicida e as tentativas de suicídio

são significantemente maiores em pacientes com BN do que em outros adolescentes (LE

GRANGE; LOCK, 2009).

De acordo com o CID-10, a bulimia pode ser vista como uma seqüela de anorexia

nervosa, embora o contrário também possa ocorrer. “Uma paciente previamente anorética

pode, primeiro, parecer melhor como um resultado de ganho de peso e possivelmente um

retorno de menstruação, mas um padrão pernicioso de hiperfagia e vômitos torna-se então

estabelecido” (OMS, 1993, p. 175).

Espíndola e Blay (2006) realizaram um estudo no qual detectaram vários aspectos

sobre as pessoas que apresentam quadro de BN. Quanto à representação da doença, os

portadores deste transtorno vêem como uma impossibilidade de se controlar frente ao ataque

de compulsão, concebem a patologia como uma força externa que os domina, como uma

doença propriamente dita ou como um traço da personalidade. Os principais sentimentos

negativos que permeiam a experiência de pessoas com BN são a solidão, o medo, a culpa, a

raiva, a tristeza e a baixa autoestima. Já os sentimentos positivos são o controle do peso, o

poder sobre o corpo e o manter-se magra.

Ainda segundo estes autores, as pessoas com BN costumam ter uma história pessoal

de sobrepeso, ou experiências traumáticas no passado. Já sobre a função do sintoma, algumas

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pessoas utilizam a compulsão para o manejo de emoções negativas ou positivas, podendo usar

o alimento como calmante, anestésico, conforto para momentos de solidão e satisfação de

outras necessidades que não a fome fisiológica, como uma forma de compensação.

Normalmente, as relações interpessoais desses sujeitos são marcadas pela evitação de

proximidade e intimidade, o que leva a relações distantes e superficiais, além do sentimento

de rejeição atribuído à má forma física. As relações familiares também são seriamente

comprometidas neste tipo de transtorno, devido ao aumento de desentendimentos, diminuição

da comunicação e rivalidade entre irmãos (ESPÍNDOLA; BLAY, 2006).

Como a bulimia é um transtorno que se inicia predominantemente nos anos finais da

adolescência, supõe-se que esta patologia está associada a dificuldades no desenvolvimento

do adolescente. Por este motivo, acredita-se que as abordagens que levam em consideração as

questões desenvolvimentais da adolescência provavelmente estão mais tendentes ao sucesso.

Sob essa perspectiva do desenvolvimento, as pacientes adolescentes com BN costumam

compartilhar desafios como negociação da individuação, separação e sexualidade (LE

GRANGE; LOCK, 2009).

2.3. BULIMIA NERVOSA E FAMÍLIA

Ao estudar os transtornos alimentares e a bulimia nervosa, é interessante considerar a

relação que pode haver entre a família das pessoas que desenvolvem os transtornos e a

etiologia e manutenção dos mesmos. O contexto familiar pode ser um dos fatores que

favoreça o surgimento e colabore para a manutenção de alguns sintomas, embora não deva ser

considerado o causador do TA. Estudos têm sido realizados com o objetivo de compreender o

contexto familiar dos pacientes com TA e obesidade.

Independente das leituras e interpretações que podem ser feitas, é interessante

conhecer as relações familiares quando pensamos em uma intervenção clínica para situações

de dor e sofrimento. Em artigo sobre esse tema, Fráguas (2009) cita Minuchin e seus

colaboradores, que identificaram e estudaram famílias que “funcionavam segundo um padrão

interacional que se repetia, e o sintoma tinha importante função na evitação do conflito

subjacente e na manutenção do equilíbrio familiar”. Minuchin nomeou tais famílias como

“famílias psicossomáticas” e identificou que as mesmas apresentam características como:

aglutinação, superproteção, rigidez e falta de resolução de conflitos (FRÁGUAS, 2009, p.

338).

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Entramos na área da psicossomática quando retiramos o foco do impacto da doença na

família e damos ênfase ao impacto da vida em família no processo da doença. As doenças

psicossomáticas mostram como os fatores psicológicos podem afetar o corpo de forma

destrutiva. Da mesma forma, a doença interfere nos processos interacionais da família, que,

por sua vez, interferem no processo de adoecimento. O “modelo da família psicossomática”

de Minichin e seus colaboradores propõem uma interação circular, na qual a doença interage

com os padrões familiares e os processos interacionais da família interferem no processo de

adoecimento, que, por sua vez, reforça os padrões familiares e estabelece um processo

progressivo de interação (MINUCHIN; NICHOLS; LEE, 2009).

Os sintomas são uma forma de comunicação e, segundo estes autores “o papel do

terapeuta não é o de reduzir sintomas psicossomáticos a explicações psicológicas, mas sim o

de ajudar as famílias e entender e administrar intercâmbios emocionais que as afetam”. Desta

forma, o objetivo do terapeuta, ao atuar com famílias psicossomáticas, é resolver as questões

que causam estresse ou sofrimento, encarando o conflito, em vez de evitá-lo. O foco do

trabalho com as famílias está na transformação do sintoma em um conflito interpessoal

manifesto (MINUCHIN; NICHOLS; LEE, 2009, p. 145).

Estudos já comprovaram que eventos familiares estressores podem agravar doenças

físicas e emocionais. Sendo assim, “padrões estruturais familiares e hierarquia geracional

desempenham um papel importante na modulação ou exacerbação” dos padrões que

influenciam o curso de doenças físicas ou mentais (MINUCHIN; NICHOLS; LEE, 2009, p.

145). Lembrando sempre que a família não deve ser tratada como a causa da doença e sim que

estresses familiares podem exacerbar os sintomas.

Famílias que agregam muito valor à aparência física apresentam como características

uma forte necessidade de aceitação, preocupação com a reputação familiar e valorização das

conquistas pessoais. Estas características podem se relacionar, de alguma forma, com o uso de

dietas alimentares para atender aos padrões de sucesso e aparência física na família. Por outro

lado, famílias que apresentam “dificuldades em promover autonomia, gerando indivíduos

inseguros e ansiosos, com poucos recursos para negociar as diferenças e responder às

demandas inerentes às distintas fases do ciclo de vida” também podem contribuir, em algum

nível, com o aparecimento de um quadro clínico (FRÁGUAS, 2009, p. 338).

De acordo com a visão sistêmica, a família é “um grupo de pessoas que interagem, são

interdependentes e formam uma unidade afetiva e emocional, social e econômica, com regras,

crenças e mitos compartilhados” (FRÁGUAS, 2009, p. 340). No processo de

desenvolvimento familiar é esperado que a família preserve sua identidade, através das

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histórias familiares, mas promova as mudanças necessárias para o crescimento e adaptação às

novas fases do ciclo vital. No caso dos sintomas dos TA, estes podem estar evidenciando uma

paralisia no processo evolutivo familiar, clarificando dificuldades relacionais vividas pelas

famílias, ao negociar as diferenças e continuar o processo de desenvolvimento.

Minuchin (1982) também aborda o processo de desenvolvimento familiar, explicando

que “a estrutura familiar deve ser capaz de se adaptar, quando as circunstâncias mudam. A

existência continuada de família, como um sistema, depende de uma extensão suficiente de

padrões, da acessibilidade de padrões transacionais alternativos e da flexibilidade para

mobilizá-los, quando necessário”. Sendo assim, “a família deve responder às mudanças

internas e externas, deve ser capaz de transformar-se de maneiras que atendam às novas

circunstâncias, sem perder a continuidade, que proporciona um esquema de referência para

seus membros” (p. 58).

Para que o sistema familiar realize suas funções, ele precisa se organizar em

subsistemas. Estes, por sua vez, são delimitados por fronteiras que definem quem participa de

cada função, e como. De acordo com Minuchin (1982), o papel das fronteiras é de resguardar

a diferenciação do sistema e, portanto, elas devem ser nítidas para que haja um funcionamento

apropriado da família. Se o subsistema tiver interferências indevidas, isso significa que as

fronteiras são difusas. Por outro lado, se os membros do subsistema não se comunicarem

efetivamente com outros, então as fronteiras são rígidas. O ideal é que elas se mantenham

nítidas, e que as linhas de responsabilidade e autoridade sejam bem delineadas.

As famílias que têm membros com TA, são famílias carregadas de sentimentos de

culpa, frustração, impotência, fracasso e desesperança. Por isto, o profissional de saúde que

estiver acompanhando tais famílias deve “construir contextos colaborativos facilitadores para

emergir recursos que promovam autonomia, que possam atribuir novos significados ao que é

‘cuidar’, transformando superproteção em acolhimento e respeito às individualidades,

facilitando a independência” (FRÁGUAS, 2009, p. 341).

De acordo com Le Grange e Lock:

Dada a natureza dos sintomas na BN [isto é, consumo alimentar compulsivo e purgação], é mais comum e conveniente os pais culparem a filha adolescente por seu comportamento relacionado à doença do que normalmente ocorre na AN. Conseqüentemente, é muito importante abordar essas críticas, que se derivam, provavelmente, da culpa dos pais acerca do transtorno alimentar ou de um relacionamento deficiente entre eles e a adolescente (2009, p. 147).

Nestes casos, o terapeuta deve tentar retirar dos pais a responsabilidade de causarem a

doença, bem como, ajudá-los a separar a doença da adolescente.

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Ainda de acordo com os autores supracitados “a inclusão de princípios educacionais

sobre o transtorno e o envolvimento dos pais para ajudarem a cessar o ciclo de consumo

alimentar compulsivo e purgação parecem ser úteis” (LE GRANGE; LOCK, 2009, p. 25).

Além disso, outra vantagem da abordagem à família se deve ao fato de que quaisquer

questões familiares relevantes, como sentimentos de vergonha, culpa e constrangimento nos

pais, podem reforçar a manutenção da doença na adolescente. Sendo assim, a terapia familiar

proporciona informações sobre os comportamentos da paciente que podem ser compartilhadas

com todos os membros da família e o impacto do TA nos relacionamentos familiares pode ser

abordado (LE GRANGE; LOCK, 2009).

Sob uma perspectiva sistêmica, ao realizar entrevistas com vinte familiares de

pacientes bulímicas, Perkins et al. (2004) perceberam que havia uma percepção confusa da

doença, por parte de tais familiares, uma subestimação da patologia e os sentimentos

dominantes eram a impotência, a culpa e a tristeza. Já Espíndola e Blay (2009), que

realizaram uma revisão sistemática de artigos que relatavam a percepção de familiares sobre a

anorexia e a bulimia, chegaram a conclusões interessantes. Tais autores concluíram que, sobre

o reconhecimento da doença, a família, geralmente, apresenta uma percepção confusa do que

é o TA, acredita que se trata de uma doença crônica, também subestima a patologia e a

percebe como uma estratégia de controle do familiar que tem o TA.

Com relação às repercussões da doença, os familiares sentem tristeza, medo,

impotência, culpa, desesperança e ambigüidade. Eles percebem que o familiar com TA sofre

alterações na personalidade e no rendimento escolar e acreditam que a doença colabora para

uma piora na comunicação entre familiares, para uma mudança de papéis e para a

aproximação entre os membros da família. Sobre as estratégias de enfrentamento empregadas

pelas famílias, elas costumam utilizar o otimismo e o bom-humor, a autodistração, a

reconstrução cognitiva, e práticas religiosas, como estratégias de enfrentamento focalizadas

na emoção. A estratégia centrada no problema mais utilizada é a busca por informações sobre

a patologia (ESPÍNDOLA; BLAY, 2009).

Souza, Santos e Scorsolini-Comin (2009) também realizaram uma pesquisa com o

objetivo de compreender a percepção da família sobre a anorexia e a bulimia e tais autores

concluíram que, muitas vezes, a doença é naturalizada, como uma entidade fixa, havendo uma

generalização do perfil de personalidade, percebendo-se o grupo de pessoas com TA como

um grupo diferenciado do restante das pessoas e com características próprias. Percebeu-se

também que os familiares procuram justificar os comportamentos considerados estranhos e

inesperados através da culpabilização da doença e seus sintomas.

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Ainda segundo tais autores, a família apresenta dificuldades para discriminar o que é

normal e o que é anormal, o que é saudável e o que é patológico, o que é sintoma da doença e

o que é próprio da adolescência. Sendo assim, os pais costumam buscar parâmetros de onde

começa e termina a doença. Ou seja, há uma dificuldade em compreender o que define a

patologia.

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3. OBJETIVOS

3.1. OBJETIVO GERAL

Conhecer o papel da alimentação na família de uma adolescente que tem bulimia

nervosa, identificando o padrão alimentar e o significado do alimento na história familiar.

3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Conhecer o padrão alimentar da família, identificando o que comem, em que situações

a alimentação ocorre e a quantidade de alimentos em cada refeição.

• Compreender qual o significado do alimento para a família.

• Identificar, nas narrativas familiares, fatos e situações que envolvam a alimentação.

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4. MÉTODO

Utilizaremos a pesquisa qualitativa como método, por se tratar de uma abordagem que

busca descrever e analisar a cultura e o comportamento humano, de forma holística, flexível e

interativa. Este tipo de pesquisa interpreta o fenômeno utilizando a observação, a descrição, a

compreensão e os significados que as pessoas dão às coisas. Como afirma Chizzotti, o termo

qualitativo:

Implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após esse trocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa (1991, p. 221).

Uma das características básicas da pesquisa qualitativa, é que o pesquisador é o

principal instrumento a ser utilizado. Segundo González Rey (2002), a proposta metodológica

da epistemologia qualitativa enfatiza a questão da compreensão da pesquisa como um

processo dialógico entre o pesquisador e as pessoas que são sujeitos de pesquisa. Dessa

forma, a ênfase está no processo que constitui a subjetividade, se diferenciando dos

pressupostos quantitativos, que objetivam prescrição, descrição e controle.

Assim, a metodologia qualitativa, ao mesmo tempo em que é considerada “como um

contraponto aos modelos quantificadores, representa, na verdade, um modelo que destaca ou

releva certos elementos característicos da natureza humana, os quais as metodologias

quantificadoras têm dificuldade de acessar” (HOLANDA, 2006, p. 364).

Utilizaremos o estudo de caso, que segundo o autor supracitado “refere-se à

exploração de um sistema delimitado, partindo de uma coleta de dados detalhada, em

profundidade, envolvendo fontes múltiplas de informação” (HOLANDA, 2006, p. 367). Ou

seja, trata-se de uma análise intensiva de uma situação particular. Em outras palavras, Yin

(1989, p. 23) assegura que “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um

fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o

fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são

utilizadas". Ainda de acordo com este autor, o estudo de caso é uma das melhores estratégias

de pesquisa quando a questão da pesquisa é do tipo “como” ou “por que” e quando o

pesquisador tem pouco controle sobre os eventos estudados (2001).

Segundo González Rey (2002), o estudo de caso não deve ser utilizado apenas como

forma de obtenção de dados complementares, mas como um momento fundamental para a

produção de conhecimento.

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4.1. FAMÍLIA PARTICIPANTE

Para a realização desta pesquisa, foi convidada uma família participante do projeto

“Construção de metodologia de atendimento psicossocial a crianças e adolescentes com

transtornos alimentares e suas famílias”, em andamento na Universidade Católica de Brasília,

sob a coordenação da Profª Drª Maria Alexina Ribeiro. A autora do presente trabalho faz parte

do referido projeto. A família foi encaminhada pela Secretaria de Saúde do GDF, para

participar do projeto.

A família participante é formada por Júlia (19 anos), seus pais Caroline (42 anos) e

Márcio (47 anos), e seus irmãos Fabiano (23 anos) e Davi (7 anos). Júlia e Davi são filhos

biológicos de Caroline e Márcio. Fabiano é filho apenas de Caroline, fruto de um

relacionamento anterior, mas também foi criado pelo casal (Figura 1 – Genograma da

Família). Júlia, Caroline e Lucas, amigo de Júlia, participaram da entrevista familiar realizada.

Júlia é a adolescente diagnosticada com bulimia nervosa de subtipo purgativo. Ela faz

acompanhamento psiquiátrico e o seu médico a diagnosticou também com transtorno bipolar.

Além disso, a adolescente afirma ser homossexual e sua família parece não lidar bem com

esta situação.

Vale ressaltar que os nomes utilizados neste trabalho são fictícios, a fim de proteger a

identidade dos participantes da pesquisa e assegurar o sigilo.

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Figura 1 – Genograma da família

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LEGENDA DO GENOGRAMA

Homem

Mulher

União Consensual

Casamento

Separação do Casal

Filho e Filha

Pessoas Falecidas

Residentes no mesmo domicílio

Relação Conflituosa

Adolescente com Bulimia Nervosa

Gravidez

Separação da União Consensual

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4.2. INSTRUMENTOS

Foram utilizados os seguintes instrumentos para a coleta de dados:

a. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A);

b. Roteiro de entrevista semi-estruturada, construído para esse fim (Anexo B);

c. Genograma: É um mapa que apresenta uma imagem gráfica trigeracional da família. É

um retrato gráfico da história da família, bem como do padrão familiar constituído, em

que se permite compreender a estrutura básica e os relacionamentos familiares. O

genograma delineia as grandes etapas do Ciclo de Vida Familiar, além de permitir a

identificação de movimentos emocionais a ele associados (CARTER;

MCGOLDRICK, 1995). De acordo com Penso, Costa e Ribeiro (2008), o genograma

possibilita a investigação da história e do funcionamento do grupo familiar,

fornecendo laços transgeracionais e intergeracionais (Figura 1).

4.3. PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

Foram realizados os seguintes procedimentos para a coleta de dados:

a. Convite para participação na pesquisa;

b. Um encontro com a família para realização de entrevista do ciclo de vida familiar.

No referido encontro foram dadas informações sobre os objetivos e procedimentos da

pesquisa e a genitora (Caroline) assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O

encontro teve duração de duas horas e trinta minutos e foi gravado e filmando, com a

autorização da família. Foi realizado em uma sala do Centro de Formação em Psicologia

Aplicada da Universidade Católica de Brasília e a entrevista e genograma foram feitos pela

pesquisadora, um aluno de iniciação científica e uma aluna de mestrado que fazem parte da

equipe de pesquisa.

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4.4. PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE DADOS

As informações coletadas através da entrevista com a família foram analisadas

utilizando-se o método construtivo interpretativo, proposto por González Rey (2002), por ser

um procedimento aberto, processual e construtivo, sem a pretensão de reduzir o conteúdo a

categorias pré-estabelecidas e restritivas. Este método prevê a análise das informações

levantadas a partir da identificação dos “eixos de análise” que é feita com base na leitura

exaustiva dos dados.

Os eixos de análise nos levam aos indicadores que, segundo González Rey, têm a

função de “designar aqueles elementos que adquirem significação graças à interpretação do

pesquisador, ou seja, sua significação não é acessível de forma direta à experiência”. Eles só

se constroem “sobre a base de informação implícita e indireta, pois não determina nenhuma

conclusão do pesquisador em relação ao estudado; representa(m) só um momento hipotético

no processo de produção da informação” (2002, p. 112). Tais indicadores são essenciais para

a definição de zonas de sentido.

As zonas de sentido, por sua vez, são definidas como “espaços de inteligibilidade que

se produzem na pesquisa científica e não esgotam a questão que significam, senão pelo

contrário, abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo de construção teórica”

(GONZÁLEZ REY, 2005, p. 6).

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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

A partir da leitura dos dados, foram estabelecidos os seguintes eixos de análise: ciclo

de vida familiar, alimentação dos filhos, diagnóstico, padrão alimentar da família e

características pessoais de Júlia. A partir de tais eixos, os seguintes indicadores foram

identificados: dificuldades da família de origem de Caroline, nascimento de Júlia, dificuldades

de relacionamento de Júlia, o surgimento dos sintomas, o diagnóstico de bulimia nervosa,

padrão alimentar atual da família e dinâmica familiar. As zonas de sentido construídas de

acordo com esses indicadores serão apresentadas a seguir.

1ª Zona de sentido: “Nós fomo criada três filha jogada no mundo ...”: dificuldades da

família de origem de Caroline

A avó da Júlia, Sabrina, teve três filhas com o mesmo homem, mas criou as três

sozinha. Ela foi empregada doméstica e trabalhava o dia inteiro, deixando Caroline e suas

duas irmãs mais novas sem a companhia de um responsável que pudesse cuidar das mesmas.

Como afirma Caroline: “Se a minha mãe não tivesse trabalhado em casa de família, hoje a

gente poderia ter sido alguma coisa. Por mais que, nós fomo criada três filha jogada no

mundo, porque minha mãe trabalhava ...”.

Ainda a respeito dessa fase da vida, Caroline relata: “Minha mãe trabalhava fora,

ganhava um salário, nós roubava era couve, comia angu, nossos vizinhos tinham uma

plantação de couve, davam um pezinho, a gente ia lá, pegava couve e fazia com fubá”. Ao

contar histórias de sua infância, pôde-se perceber que Caroline passou por dificuldades

financeiras e não teve incentivo da mãe para investir nos estudos e na carreira profissional.

Com base nos relatos da mesma, é possível inferir, inclusive, que a família pode ter passado

fome durante esse período do seu ciclo de vida, embora Caroline não tenha dito isso

claramente.

Ela morou no interior de São Paulo quando era pequena, e depois veio para uma região

administrativa do DF com a mãe e as duas irmãs mais novas. Aos 18 anos, Caroline foi para o

Mato Grosso e se relacionou com Fabiano Santos, com quem teve seu primeiro filho,

Fabiano. Mas ele não assumiu o filho e Caroline voltou para o DF e começou a se relacionar

com o Sr. Márcio, seu atual marido.

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Caroline já havia se relacionado com o Sr. Márcio anteriormente, na adolescência,

antes de ir para Mato Grosso. Quando ela retornou ao DF, ambos passaram um tempo na casa

de Sabrina, quando ainda namoravam. Sobre isso, Caroline afirma:

“Minha mãe rapidinho não aceitou né? Porque ele ia lá pra casa e ela bebia ... Por ela não ter um marido ela me enxotou de casa! Ela pegou e me colocou pra rua. Uma vez eu saí de casa, aí ela quebrou, queimou, colocou fogo nas minhas coisas... aí eu continuei morando na casa dela porque eu não tinha pra onde ir.”

Sabrina expulsou sua filha de casa e, juntamente com Márcio e Fabiano, Caroline foi

morar em um cômodo cedido pela tia dela, durante seis meses. Após esse período, o marido

da tia da Caroline voltou para casa e pediu o cômodo para ser vendido. Ela, Márcio e Fabiano,

foram então morar em um cômodo, em um restaurante, numa região administrativa do Distrito

Federal, onde viveram durante quatro anos e, após esse período, se mudaram para a casa atual,

onde tiveram Júlia.

Observamos que a família de origem de Caroline era muito pobre e enfrentou

dificuldades relacionadas com a ausência da mãe na orientação, educação e apoio das filhas.

Chamou nossa atenção o fato de faltar comida e as filhas terem que “roubar” para ter o que

comer. A falta de apoio da mãe nos remete à preocupação de Caroline hoje, com Júlia, quando

ela afirma que “me doía no coração” ver que Júlia estava muito sozinha e sem amigas. Em

outro momento ela afirma: “o que a gente não teve a gente quer passar pra ela”.

Notamos como a experiência de Caroline em sua família de origem pode ter sido um

modelo de relacionamento ‘evitado’ em sua família nuclear. Na terapia familiar sistêmica, um

autor estudou as influências da história de vida de uma geração sobre a geração atual. Bowen

(apud PENSO; COSTA; RIBEIRO, 2008) afirmava que a forma como a família nuclear

resolve seus conflitos e lida com as crises não depende apenas dos seus recursos atuais, mas

da forma como as gerações anteriores resolveram essas questões.

2ª Zona de sentido: “Entramos numa pindaíba ...”: o nascimento de Júlia

Segundo Caroline, Júlia foi planejada e desejada pelos pais: “... foi planejada minha

filha. Eu lembro até o dia que foi feita, minha filha! Nós decidimos: hoje nós vamos fazer a

nossa filha. Escolhemos o sexo e tudo mais! Nós tava inspirado...”. Entretanto, Caroline

afirmou que “quase morreu” na gravidez de Júlia. Ela teve hemorragia nasal e passou quase

um mês internada. Afirmou também que sentia fortes dores de cabeça. Nesta época, a família

passou por sérias dificuldades financeiras. A respeito desse período, Caroline relatou: “Minha

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irmã, nós rebolava pra todo lado! Eu ia pra um lado, pra casa da minha tia, ele ia pra um

lado [Mário, seu marido] ... Um dia, nós passava por tanta necessidade, e quando nós

chegamos em casa tinha uma quantidade de dinheiro debaixo da porta. Nossa, mas nós

choramos! E foi o que dava pra comprar umas coisinha, pra dentro de casa”.

Uma interpretação possível é que as dificuldades enfrentadas pela família na época do

nascimento de Júlia tenham influência sobre o padrão alimentar da família atualmente, que é

de muita fartura e variedade. As dificuldades nessa fase, somadas às dificuldades vividas na

infância, por Caroline, podem ter levado a família a valorizar tanto a quantidade de alimento

que hoje podem ter em casa.

Sobre a alimentação de Júlia, segundo sua mãe, ela foi amamentada até o leite materno

secar. Depois tomou leite na mamadeira até os dois anos. Caroline afirmou que se fosse

possível, Júlia estaria tomando leite até hoje, porque ela gostava muito e tomava mais leite do

que se alimentava. Quando Júlia nasceu, Caroline conta que:

“Nós estávamos numa pindaíba minha filha. Entramos numa pindaíba que essa menina só queria peito, só queria peito, e até hoje só quer peito essa menina! É, até hoje! Essa aqui era só leite, leite, leite. E o leite acabando minha filha, se lembra da época que não tinha, que acabava o gás e aí era uma loucura pra comprar? Acabou feijão, aí passava lá e não tinha feijão. Cara ... Foi a maior coisa!”

Novamente Caroline se refere às dificuldades financeiras e falta de dinheiro até para

comprar comida. Refere-se à amamentação de Júlia, como se esta fosse uma substituta da

alimentação normal, que faltava.

3ª Zona de sentido: “Eu queria tanto ter uma amiga ...”: dificuldades de relacionamento

de Júlia

Aos 12 anos, quando sua mãe engravidou de Davi, Júlia passou a comer mais e a

engordar. Como ela era muito magra nesse período, encarou o ganho de peso como natural do

início da adolescência e este foi aceito como algo positivo: “No começo não, porque eu era

muito, muito, muito magra. Aí, no começo, foi normal ... Eu tava criando corpo, aí depois eu

comecei a engordar mais ...”. Entretanto, a mesma não parou de ganhar peso até os 14 anos.

Nesta época, ela e a mãe relataram que Júlia apenas comia e dormia e que não tinha amigos na

escola e nem na vizinhança. Sobre isso, Júlia relata: “Só que como ninguém falava comigo, eu

não falava com ninguém também. Porque eu não tinha facilidade pra fazer amizade”.

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Apesar de Júlia relatar que o aumento de peso teve início no período em que a mãe

engravidou do seu irmão mais novo, Caroline associa a alteração de peso ao fato de Júlia ter

sido ‘muito sozinha e ter dificuldades para fazer amigos’. Caroline acredita que a filha tenha

engordado por falta de amizades, pois Júlia se isolava e se sentia sozinha. Também sobre esse

assunto, a mãe opina:

“É, eu vou dizer assim ... solidão. Né, porque ela ... mas não justifica. Eu acho que, essa engorda dela, não to nem falando do emagrecimento, essa engorda dela foi a falta de uma amiga. Porque eu lembro que ela falava assim ‘ô, eu queria tanto ter uma amiga’. Tem uma amiguinha lá que eu gosto muito demais dela e ela falou assim ‘mãe’, é ... ‘eu queria tanto ter uma amiga’. E aquilo me doía no coração. Porque a gente não pode, eu não conseguia assim ... dar um amigo pra ela, né? Eu acho assim, foi isso, que ela, ela ... só dormia e comia. Comia e dormia. Comia e dormia. Comia e dormia. Era uma pessoa que dormia muito ... dorme até hoje, mas ela dormia mais.”

De acordo com os relatos de ambas, os sintomas de transtorno alimentar começam a

aparecer no início da adolescência de Júlia, o que nos remete às observações de Fráguas

(2009) e Minuchin (1982) de que dificuldades podem surgir no processo de desenvolvimento

do ciclo de vida familiar, quando a família não consegue se adaptar à nova fase de

desenvolvimento, flexibilizando sua estrutura para atender às novas necessidades e demandas

de seus membros. Assim, o aparecimento do transtorno nesse momento do ciclo de vida –

entrada da filha na adolescência – indicaria uma dificuldade no processo evolutivo familiar.

4ª Zona de sentido: “Eu não tinha vida ...”: o surgimento dos sintomas de transtorno

alimentar

Júlia afirma que não tinha amigos e que apenas freqüentava a escola e passava o resto

do tempo em casa: “Eu não tinha vida ... eu só ia pra escola ...” e “só ia pra escola, e fazia as

coisas da escola, não conversava com ninguém, com quase ninguém ...”. Ao ser questionada

sobre o que ela fazia nos períodos em que não estava na escola, Júlia afirma: “Eu não fazia

nada ... ficava vendo TV. Ficava no meu quarto, lá ...”. É interessante analisar esta fala de

Júlia, visto que solidão e baixa autoestima são duas características comuns em pessoas com

BN, segundo Espíndola e Blay (2006). Além disso, as relações interpessoais desses sujeitos

são caracterizadas pela evitação de intimidade e relações distantes e superficiais, talvez pelo

sentimento de rejeição, atribuído à má forma física. Por outro lado, Philippi e Alvarenga

(apud CAVALCANTE, 2009) relacionam os traços de introversão com a anorexia nervosa e

afirmam que as meninas bulímicas são mais extrovertidas.

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Com 14 anos, quando já pesava 85 kg e estava bastante incomodada com o seu corpo e

peso, Júlia começou a fazer ‘dietas de revista’ e iniciou o quadro de restrições alimentares.

Ela parou de comer carne e derivados do leite e, aos poucos, foi cortando alimentos de sua

dieta, até chegar ao ponto de se alimentar apenas uma vez por dia: “Aí eu comecei a fazer

dieta. Fazia dieta e comia só uma vez por dia ... Aí não comia ... [...] Pegava dieta de revista,

fazia essas dietas ... depois saía cortando tudo que tinha na dieta né? Não comia nada ... Só

comia uma vez”. Sobre essa fase da vida de Júlia, Caroline relatou que a filha queria pintar o

quarto de preto e que sua tia achava que ela tinha depressão. Afirmou também que “Ela

entrou numa paranóia que não ia comer carne. Nada que tinha carne, que tinha leite ela

cortou. Ficou só o coro e o osso. Então assim, a gente não sabia mais o que fazer. ‘Minha

filha vai derreter, minhas filha vai ...’ Eu tinha até nojo de olhar pra mão dela”.

Nesta época Júlia emagrecia rapidamente, mas quando passava grandes períodos sem

se alimentar, apresentava compulsões alimentares e comia em quantidades maiores do que o

de costume. Dessa forma, ela acabava engordando novamente e começando uma nova dieta.

Júlia conta: “... aí depois eu já tinha vontade de comer, aí saía comendo tudo. Aí engordava

tudo que eu tinha emagrecido”. A bulimia costuma se iniciar através de hiperfagias durante

ou após dietas, segundo a APA (1995).

Aos 16 anos, Júlia iniciou as purgações através da indução de vômito, acreditando que

se a comida fosse retirada do estômago, ela não engordaria. Neste período, ela já não

conseguia se alimentar sem fazer dietas e controlar as calorias que consumia. O amigo de

Júlia que a acompanhou na entrevista afirmou: “Tudo que ela comia ela olhava caloria. Teve

um dia que ela chegou pra mim e falou bem assim ‘ah, daqui a três dias eu posso comer

pipoca!’...”. Já neste período, Júlia poderia ter desenvolvido o quadro de bulimia nervosa com

subtipo purgativo, visto que apresentava os sintomas de compulsão alimentar, purgação e

receio de ganhar peso, sintomas estes que são reconhecidos pela APA (1995).

Júlia viveu a época em que mais se incomodava com o próprio corpo, aos 18 anos.

Nesta fase, ela vomitava involuntariamente, até quando bebia água, e apesar de todos ao seu

redor acharem que ela estava magra demais, ela não conseguia se sentir bem com o próprio

corpo. Afirmou que se sentia gorda e feia, não importando o número de roupa que usasse.

Sobre essa fase, Júlia relata em vários momentos da entrevista: “... eu não tava gorda e eu me

via gorda ... eu via caloria de tudo! Não tomava nem água!”; “Minha mãe falava ‘tá bonita,

tá com o corpo bonito’, mas ... eu achava muito feio ...”; “... mas não importava ... podia ser

o menor número que não ficava bem” e “Ah, quando eu tava bem louca, eu tava bem

depressiva, eu chegava a vomitar três vezes no dia”. Neste período, Júlia passou a fazer

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restrições alimentares extremamente severas, apresentando medo mórbido de engordar e

autoestima baixa, muito relacionada à imagem corporal.

Com base nos relatos de Júlia, questionamos se ela não se enquadrava no diagnóstico

de anorexia com purgação, devido ao fato de que a mesma apresentava vários sintomas da

anorexia nervosa, como os citados acima (recusa em manter o peso corporal adequado, medo

de ganhar peso e percepção distorcida do próprio corpo). Outras características da AN nas

quais Júlia se enquadrava eram a imagem corporal empobrecida e os episódios de depressão.

De acordo com o CID-10 (OMS, 1993), é mais comum que a bulimia se torne uma seqüela de

anorexia nervosa, mas o contrário também pode ocorrer. Entretanto, preocupação com forma

e peso, insatisfação com o próprio corpo e sintomas depressivos são bastante freqüentes

também na BN de subtipo purgativo (APA, 1995).

Atualmente Júlia não pratica indução de vômito, porque afirma que esse procedimento

não ajuda a emagrecer. Ela continua tentando fazer dietas, mas não consegue mais passar

longos períodos sem se alimentar. Eventualmente, Júlia come mais do que gostaria, mas não

sabe ao certo o que pode provocar a compulsão. Às vezes, quando ela começa a comer, sente

como se não conseguisse parar: “Eu to normal, eu nem sinto fome ... eu como um pouquinho,

eu nem sei pra que. Aí quando eu como eu começo a comer um monte!”. Segundo a APA

(1995), e de acordo com Espíndola e Blay (2006), a dificuldade para dar um fim ao episódio

de hiperfagia iniciado caracteriza o sintoma de prejuízo do controle, suscitado pela BN.

Em uma de suas falas, Júlia relata que comeu bastante ao fim de uma viagem, porque

estava ansiosa para voltar para casa: “... eu nem fiquei comendo que nem nos outros, últimos

três dias que eu tava louca pra vir embora que eu comi que nem uma louca, mas nos outros

dias ...”. Em outro momento, afirma que os remédios que tomava para a bulimia e o

transtorno bipolar não ajudam a diminuir a ansiedade, e a deixam com bastante fome, o que

pode indicar que as compulsões alimentares ocorrem quando Júlia se sente ansiosa: “Ele não

tira a ansiedade, teve um dia que eu tava morta de ansiedade e não tava fazendo efeito

nenhum”.

Uma hipótese que pode ser levantada é que as compulsões apresentadas sejam uma

forma de lidar com a ansiedade, visto que o comportamento alimentar compulsivo surge com

mais freqüência nos momentos em que a ansiedade é predominante. Tal hipótese se baseia no

entendimento de que, de acordo com a APA (1995), a hiperfagia é tipicamente desencadeada,

entre outros fatores, por estressores interpessoais. Além disso, pessoas com BN apresentam

disposição maior para desenvolver sintomas depressivos e de ansiedade.

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É possível que a ingestão compulsiva de alimentos seja uma forma de suprir a

ansiedade vivida por Júlia, pois, conforme Espíndola e Blay (2006), os indivíduos com BN

utilizam a hiperfagia como calmante, anestésico, conforto para momentos de solidão e como

forma de compensação de um sentimento não necessariamente relacionado à fome fisiológica.

Durante a entrevista, Caroline faz vários comentários sobre Júlia:

“Ela tem 19 anos. Tem gente com menos idade dela e já tá muito mais na frente. Ela, desde pequenininha, ela tem plano, ela tem sonho. Mas sabe aquele sonho que você deita 2h da manhã e acorda meio dia?”; “ Esse é o sonho dela! E aí é onde que a gente quer ir, faz, fala, como você vai arrumar um serviço, se você dorme 2h, 3h da manhã e você acorda meio dia? Quem vai te dar um serviço? Qual é o serviço que você vai ... aí ela fala ‘ah eu quero morar sozinha, quero fazer uma faculdade’, tem que ter base! O que a gente não teve, a gente quer passar pra ela! Que é a única que tá mais na frente e ela não é, num cai a ficha” e “Dorme tarde, acorda tarde, não tem tempo pra outras coisas. Eu quero que vocês me entenda. Eu não to recriminando, eu quero o melhor pra ela, quero ver ela ser alguém na vida. Mas como ser alguém na vida se você não tá dando uma chance pra vida?”

Ainda sobre o mesmo assunto, Caroline afirma:

“O meu sonho é que a Júlia conseguisse um serviço, passasse na faculdade, e saísse de manhã cedo! Chegasse em casa tardão da noite assim, cansada! Cansada, falando assim ‘mãe, eu não agüento nem comer um pão. Eu vou dormir’. E chegar de manhã cedinho, eu procurar ela na cama e falar assim ‘minha filha já foi’.” e “Era isso que eu falo. Correr atrás. Eu quero ver ela correr atrás, ela falar ‘ó mãe, sabe o que eu queria? Eu cheguei, eu to aqui!’.”

Todas essas falas evidenciam as expectativas depositadas em Júlia, por sua mãe. Sobre

isso, é interessante notar que Caroline nunca trabalhou, em nenhum período de sua vida e, ao

ser questionada sobre a possibilidade de procurar um emprego e ser um exemplo para sua

filha, ela afirma que precisa de alguém que ‘lhe dê um chute’. É possível que Caroline esteja

se empenhando em dar o apoio e incentivo que gostaria que sua mãe tivesse lhe dado, para

que ela tivesse investido nos estudos e na vida profissional.

Acreditamos que as expectativas e cobranças de Caroline também possam causar

ansiedade em Júlia. De acordo com Fráguas (2009), pessoas que desenvolvem transtornos

alimentares costumam ter a sensação de que não conseguem corresponder às expectativas da

família, e acabam por experimentar sentimentos de impotência e incompetência. Além disso,

quando há uma valorização das conquistas pessoais na família, o uso de dietas pode se

apresentar como um recurso para atender aos padrões de sucesso familiares, visto que o

controle sobre o peso e o corpo passa a ser uma conquista pessoal. O contexto familiar não

deve ser considerado isoladamente, como causador do TA, entretanto, acreditamos que este

pode ser um dos fatores que influenciam no surgimento, ou colabore para a manutenção de

alguns sintomas.

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Consideramos que esta família pode se enquadrar no “modelo da família

psicossomática” (MINUCHIN; NICHOLS; LEE, 2009), visto que a vida em família interfere

no processo de adoecimento. Segundo estes autores, os sintomas são uma forma de

comunicação e, no caso de Júlia, a compulsão alimentar pode ser um sintoma de ansiedade.

Atualmente, apesar de se sentir mal quando come mais do que desejaria, Júlia não

utiliza nenhum comportamento compensatório: “Ah, eu não consigo mais comer normal ... eu

como muito mais ... e depois fico me sentindo mal ... mas eu não faço nada”.

5ª Zona de sentido: “Eu nem suspeitei ...”: o diagnóstico de bulimia nervosa

O diagnóstico foi feito pelo psiquiatra que acompanha Júlia há quase um ano. Além do

diagnóstico de bulimia nervosa, ela também foi diagnosticada com transtorno bipolar. Júlia

fez tratamento com uso de medicamento para ambas as patologias, durante o ano anterior,

entretanto interrompeu o tratamento e parou de usar os medicamentos por conta própria.

A medicação para o transtorno bipolar foi receitada para Júlia quando ela relatou para

o seu psiquiatra que ‘desejava matar um amigo da família’ que, segundo sua mãe, é

apaixonado por ela. Sobre isso, Júlia conta: “Ah, porque ... tem um menino que é amigo da

família e o meu humor ficava mudando né? Eu ficava feliz, depois eu ficava triste ... aí um dia

ele me estressou tanto que eu queria matar ele, aí foi que ele falou ‘não, vamo passar o

remédio porque isso não é normal’” e “Eu falei: olha, o menino tá me cercando, quero matar

ele. Mas ele me estressa demais, Deus me livre. Aí ele foi e falou que ia passar [o remédio],

porque não dava mais. Eu tava mudando muito”. Caroline complementa: “É que esse menino

é apaixonado por ela, o menino é ... ele é obcecado por ela” e “Nossa! Parece uma catapora

mal curada. Que não cura! Quando você pensa que sai, ele já tá voltando, menina. E ele é

chato demais”.

A presença de co-morbidades nos casos de transtornos alimentares foi discutida por

Cavalcante (2009), em um estudo sobre anorexia nervosa. Segundo a autora, a presença de

outros transtornos psiquiátricos “podem influenciar o curso dos TA, camuflar sua presença,

influenciar a procura de assistência e ter um impacto no planejamento do tratamento” (p. 30).

Atualmente, Júlia voltou a fazer o tratamento psiquiátrico e o seu médico receitou

novamente as mesmas medicações, mas ela ainda não retornou ao uso dos medicamentos.

Júlia afirma que, quando recebeu o diagnóstico de bulimia nervosa, estava sozinha em sua

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consulta e não contou sobre o diagnóstico para a família. O médico pediu que a sua mãe ou

sua namorada a acompanhassem na sessão seguinte, mas não foi possível.

Júlia contou sobre o seu diagnóstico para duas amigas da escola, sua prima e seu

amigo. Ele assegura: “Eu, a Nati, a Ju e a prima dela que é a Carina. Quando a gente se

falou a gente nem tinha assim, muito contato na sala, né? Mas eu tava até reparando, cada

hora ela emagrecia mais! Emagrecia mais e reclamava de dores ... falava, aí um dia a gente

conversou com ela e ela foi e contou pra gente”. Eles foram as pessoas que a apoiaram e

ajudaram Júlia a se alimentar novamente e parar de induzir os vômitos. Lucas, o amigo,

conversava com ela sobre a gravidade da doença, e estimulava que ela se alimentasse: “... aí a

gente falava pra ela, tentava amenizar né? Falar pra ela comer, que fazia mal ... que já levou

à morte muitas pessoas e falava essas coisas pra ela.” . Júlia voltou a se alimentar

normalmente e parou de induzir vômitos há aproximadamente um ano: “... faz tempo ... não

adianta! É uma coisa que não adianta ...” falando sobre a indução de vômitos.

Caroline afirma que, até o momento da entrevista, não sabia que a filha havia sido

diagnosticada com bulimia. Ela já tinha visto a Júlia vomitar, mas não imaginava que ela

induzia o vômito: “... eu nem suspeitei, porque ... eu já vi ela vomitando, mas eu nem

imaginava que era ela que chegava à esse ponto”. De acordo com Perkins et al. (2004) e

Espíndola e Blay (2009), algumas famílias apresentam dificuldades para perceber a doença e,

mesmo depois do diagnóstico, é comum haver uma percepção confusa e uma subestimação do

transtorno. Le Grange e Lock (2009) também relatam a possibilidade de negação ou

minimização sobre a natureza alarmante dos sintomas bulímicos, pelos familiares. Os autores

também se referem a uma vergonha considerável, que leva a dificuldades da pessoa que tem

BN em revelar seus sintomas.

Uma questão interessante para ser analisada é o fato de que Júlia não contou para a

família sobre o seu diagnóstico de BN. Esta realidade evidencia a dificuldade dos pacientes

para revelar seus sintomas, que são vistos pelos próprios sujeitos como vergonhosos, ainda

segundo Le Grange e Lock. Fráguas (2009) também comenta sobre a facilidade para se

manter a bulimia em segredo, visto que tal transtorno não se reflete em transformações

corporais tão marcantes quanto na AN, por exemplo.

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6ª Zona de sentido: “É o que cair na mesa e for cozido, minha filha ...”: padrão de

alimentação atual da família

Segundo Caroline e Júlia, atualmente a família costuma se reunir para fazer as

refeições. Caroline é a primeira a acordar e é a responsável por fazer o café da manhã. Como

o marido sai cedo para trabalhar e os filhos acordam mais tarde, o café da manhã é tomado

separada e individualmente, na medida em que cada um acorda. As três refeições principais

são sempre muito fartas e com muita variedade. No café da manhã, normalmente tem pão, pão

de queijo, doce, bolo, pastel, brigadeiro e café. Depois do café da manhã, a próxima refeição é

o almoço. Ninguém costuma se alimentar entre ambas as refeições. No almoço também há

muita fartura e variedade. A família costuma almoçar reunida, exceto quando o Sr. Márcio

não consegue voltar a tempo do trabalho. O almoço é servido antes das 13h, porque o Davi

vai para a escola neste horário.

No almoço, sempre tem arroz, feijão, macarrão, carnes, verduras, saladas e farofa. É

comum haver mais de uma opção de carne e de carboidrato nos almoços, e a família costuma

comer bastante salada e verduras. O jantar é parecido com o almoço, com muitas opções de

carnes, carboidratos e saladas: “Muita variedade, meu marido gosta de ver as panela assim,

pode fazer 10 tipos de comida, ele não liga não! Pelo contrário ... ele quer ver é cor!”. A

família se reúne para jantar, e comem sempre juntos. Perguntados sobre o que costumam

comer, Caroline afirma: “Ah minha irmã, tudo! Arroz, feijão, carne, verdura, salada ...

macarrão, carne ... farofa, o que fizer ... carne moída ... é o que cair na mesa e for cozido,

minha filha ...”. O Sr. Márcio costuma fazer as compras e Caroline e Júlia preparam as

refeições. Normalmente a Caroline prepara o café da manhã sozinha, mas a Júlia ajuda no

almoço e no jantar. No momento das refeições, cada um serve seu próprio prato e comem

sentados nos sofás.

O Sr. Márcio sempre compra alimentos para todos terem o que gostam de comer em

casa:

“Ele compra bolinho de doce, que eu gosto, compra o que eu gosto, que eu gosto de bolinho de doce, o Davi gosta de brigadeiro e de pastel, e de bolo de chocolate, ela gosta de petinha, e de pão de queijo, o meu menino gosta de pão, e eu também como muito pão ... aí, vai fazendo aquele assim, é uma coisa bem diversificada, não é aquela coisa maçante, todo dia aquela mesma coisa.”.

Ele não gosta de comer alimentos repetidos nas refeições e, por isso, tem várias opções

em cada horário: “Tem uma variedade grande ... e não gosta de repetir ... meu marido é

chato, minha filha, o homem é chato ...”.

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A quantidade de alimentos também é elevada. Caroline conta: “Nós chegamos da

Bahia, no dia foram 40 pães! Eu fiquei assim ‘meu Deus do céu’”. Nas reuniões em família,

todos costumam comer ainda mais do que comem no dia-a-dia.

É possível que a grande quantidade e a variedade de alimentos na alimentação atual da

família estejam relacionadas às dificuldades e restrições alimentares do passado. A

experiência do Sr. Márcio em sua família de origem não foi investigada, devido à ausência

dele na entrevista com a família, mas, como discutimos anteriormente, Caroline relatou

carência de alternativas de alimentos em sua infância e na época do nascimento de Júlia.

O momento das refeições nessa família nos lembra os rituais familiares (PENSO;

COSTA; RIBEIRO, 2008) que têm como função organizar as relações interpessoais dos

membros da família e validar a experiência e o estar juntos. Esses rituais contribuem para

manter a identidade familiar que, no caso da família de Júlia, foi construída a partir da

experiência de pobreza e negligência na família de origem da genitora. O ritual das refeições

em família parece ter o papel de unir a família – no passado desmembrada - e o alimento tem

o significado de resgatar uma história e mudar o futuro de uma família com muitas

dificuldades: pobreza, falta de alimento e apoio. Nesta família parece haver uma forte ligação

entre alimentação, afetividade e pertencimento (MINUCHIN, 1982) e, dessa forma, não nos

surpreende que um de seus membros tenha apresentado um sintoma relacionado com uma

dimensão tão importante para a família.

7ª Zona de sentido: “Minha casa parece um bordel de bicha”: dinâmica familiar

Júlia se diz homossexual e se relaciona com Camila (15 anos) há um ano e quatro

meses. Ela conta que já teve algumas relações homossexuais, mas nenhuma tão séria como a

que tem com a Camila. Caroline afirma que respeita e aceita a sexualidade da filha, mas não

conhece a namorada de Júlia e nem permite que as duas se encontrem na frente dela. Júlia

nunca falou da sua sexualidade para o Sr. Márcio, mas, mesmo conversando sobre isso apenas

com a mãe, todos na família desconfiam de sua homossexualidade, segundo Júlia e Caroline.

O irmão mais velho, Fabiano, não consegue aceitar esta situação e diminuiu

significativamente sua relação com a irmã. O Sr. Márcio também não aceita tal condição.

Sobre a possibilidade de apresentar Camila para a família, Júlia afirma: “Eu não vou

levar lá em casa, minha mãe vai falar ‘sai daqui sua negra!’” e “Eu não gosto porque eu não

posso levar ela lá em casa. Minha mãe não quer conhecer” . Caroline faz vários comentários

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sobre o assunto: “Pensei que eu tinha uma filha e dois homens, agora tenho três filhos ... ah,

ninguém merece, né minha filha? Fala que aceita sim, mas não aceita bosta nenhuma ...”;

“Minha filha, minha casa parece um bordel de bicha. É o tempo todo cheia de bicha. Nós respeita, mas não aceita. Nós aceita, pode vir, pode vir, pode vir ... pode fazer, nós aceita, porque ela, ela era uma pessoa assim que ela não tinha amigo. Ela era muito trancada. Aí quando começou a amizade com ele que ela começou a se abrir, porque ela dormia 24h, né? Não tinha amizade ... a gente não quer, não quer ver. Igual quando meu marido viu a minha sobrinha beijando a namorada dela, ele achou aquilo um absurdo. Tem que ter respeito, né? Igual ela fala, ela chega ‘mãe, eu faço e aconteço lá’, ‘lá faça, mas num faça na minha frente’.”

Sobre a opinião de Fabiano, Caroline também comenta: “Porque ele falou bem assim

‘mãe, eu amo muito a minha irmã, mas eu não to preparado pra isso, mãe’... ele não tá

preparado pra isso! Ele tentou! Tentou! Mas não tá conseguindo ver ela como um irmão ...”.

Tais relatos de Caroline evidenciam a dificuldade da família para aceitar a orientação sexual

de Júlia.

A frase “.. minha casa é um bordel de bicha ...” é bastante interessante, pois, inserida

no contexto em que foi dita, pode-se entender que a casa da família é como uma “casa de

ninguém”, uma “casa sem dono”. Caroline afirma que a sua casa parece um bordel de bicha

porque está “o tempo todo cheia de bicha”. Isto mostra que as fronteiras externas são difusas

(MINUCHIN, 1982), ou seja, pouco delimitadas e seletivas, permitindo que os amigos dos

filhos cheguem a qualquer hora, durmam e comam o que quiserem, como afirma Júlia sobre

seu amigo: “O Lucas se acaba lá em casa”.

Esses dados estão em consonância com Le Grange e Lock (2009), que afirmam que

famílias de pacientes com BN tendem a ser desorganizadas. Caroline explica que essa

permissão em relação aos amigos de Júlia se deve ao fato de que a filha não tinha amigos e,

agora que construiu uma rede, os pais incentivam que as amizades sejam mantidas, já que

Júlia era muito fechada e dormia a maior parte do tempo, e, depois que fez amizades, se

tornou uma pessoa mais aberta e sociável.

Não temos dados suficientes para avaliar as fronteiras internas dessa família, mas

parecem ser bem estabelecidas, visto que Caroline afirma que as decisões são tomadas em

conjunto pelo casal (sistema parental): “Tudo nós decidimos juntos! Se eu quero vermelho e

ele quer rosa, a gente fica com o cinza”. Este exemplo de complementaridade e acomodação

mútua é muito importante para a execução do papel parental. Segundo Minuchin (1982), o

casal precisa desenvolver padrões em que um complemente o outro, apoiando o

funcionamento do outro em vários aspectos e concedendo parte de sua separação, para que

haja pertencimento.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da entrevista com a família da Júlia e da análise dos dados, foi possível notar

que Caroline passou por várias dificuldades na infância, tanto de ordem financeira, quanto

educacional. Devido às limitações de renda, Caroline e suas irmãs não puderam contar com

uma alimentação balanceada, chegando ao ponto de ‘roubar’ alimentos dos vizinhos para se

nutrirem. Talvez por ter vivido esta falta, e pelas dificuldades vividas na época do nascimento

de Júlia, hoje a família priorize a quantidade e a variedade de alimentos que podem comprar e

consumir.

Outra dificuldade de Caroline na infância que parece gerar conseqüências na vida atual

foi a falta de apoio e investimento de sua mãe na escolaridade e profissionalização de suas

filhas. Caroline relata mais de uma vez que se a mãe a tivesse estimulado e incentivado, hoje,

ela poderia ‘ser alguém na vida e ter um emprego’. Sobre as observações que Caroline fez

sobre Júlia, grande parte se referia à cobrança e às expectativas depositadas na adolescente,

sobre sua formação e carreira profissional. Uma hipótese possível é que Caroline faça tais

cobranças na tentativa de incentivar Júlia e fornecer o apoio do qual sentiu falta em sua

juventude.

Foi possível observar também que Júlia teve uma infância solitária e que apresentava

dificuldades para fazer amigos. Caroline, por perceber que sua filha se sentia sozinha e se

isolava, passou a incentivar a presença dos amigos de Júlia, quando esta iniciou a sua rede

social. Atualmente, os amigos de Júlia freqüentam a sua casa, convivendo, dormindo e se

alimentando com os outros membros da família. Essa necessidade de proporcionar

oportunidade de relacionamentos sociais aos seus membros fez com que a família criasse

fronteiras externas difusas para permitir maior contato com o mundo externo.

A grande diversidade e quantidade de alimentos que são servidos nas três principais

refeições, além de ser o motivo principal e os momentos nos quais a família se reúne, é

também um atrativo para os amigos da família. Sendo assim, o papel da alimentação neste

caso, além de ser a união e o pertencimento da família e proporcionar também os momentos

de interação conjunta, parece ser o de atrair e agregar pessoas que estão fora do núcleo

familiar.

Desta forma, o alimento, na família analisada, tem o papel de unir a família, agregar

novos membros e possibilitar momentos de interação em família. Além disso, tem o

significado de resgatar uma memória e história familiar, de pobreza e desengajamento, e

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possibilitar a mudança de futuro da família, que pretende ser de união e fartura. Para Júlia,

entretanto, parece que a alimentação tem um significado particular, que é a de suprir uma falta

provocada pela sua ansiedade. Júlia, em seus episódios de compulsão alimentar, provocados

principalmente pela ansiedade ou estressores interpessoais, costuma utilizar o alimento como

calmante, analgésico, ou ainda para compensar algum tipo de desconforto, como a solidão. As

cobranças de Caroline e as dificuldades da família para lidar com a homossexualidade de Júlia

podem ser dois fatores importantes e provocadores de ansiedade, que tendem a colaborar com

os episódios de compulsão de Júlia.

Levando em conta as limitações desse estudo, consideramos que os objetivos foram

alcançados, uma vez que foi possível conhecer o padrão alimentar, bem como o papel e

significado da alimentação na família estudada. O método utilizado, bem como a abordagem

sistêmica da família, contribuíram muito para o alcance dos objetivos. As dificuldades

encontradas estão relacionadas à demora no encaminhamento da família pela Secretaria de

Saúde do GDF e às indefinições do diagnóstico. No entanto, entendemos que estas questões

sejam devido à complexidade do diagnóstico dos transtornos alimentares. Nossas sugestões

para pesquisas futuras são de que envolvam um número maior de famílias com membros

diagnosticados com bulimia nervosa.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O

Você e sua família estão sendo convidados a participar de uma pesquisa intitulada

“Construção de metodologia de atendimento psicossocial a crianças e adolescentes com

transtornos alimentares e suas famílias”, que será realizada por uma equipe de professores da

Universidade Católica de Brasília e Universidade Federal de Goiás, sob a coordenação da

professora Doutora Maria Alexina Ribeiro.

Esta pesquisa tem como objetivo construir uma metodologia de atendimento

psicossocial a crianças e adolescentes portadores de transtornos alimentares e suas famílias, a

partir do conhecimento dos aspectos intrapsíquicos, familiares e sociais das mesmas.

Sua participação constará de entrevistas feitas pela equipe de pesquisa, abordando

questões sobre o relacionamento familiar, e atividades em grupo com participação de

outras três famílias onde serão realizadas atividades de dinâmica de grupo. As crianças e

adolescentes participarão de encontros com atividades lúdicas e os adolescentes

responderão a um teste de personalidade. Todas as atividades serão realizadas no Centro

de Formação em Psicologia Aplicada – CEFPA, da Universidade Católica de Brasília –

UCB.

O estudo, a princípio, não trará benefício aos participantes do mesmo, mas poderá

propiciar um melhor conhecimento do tema estudado, e auxiliar pessoas e profissionais que

trabalham com crianças e adolescentes com transtornos alimentares e obesidade e seus

familiares. Sua participação e de sua família neste estudo é completamente voluntária, não

terá qualquer custo, e não será remunerada. Também não implicará em nenhum risco e poderá

ser interrompida a qualquer momento, sem que este fato traga nenhuma conseqüência para

seus participantes.

Em todas as etapas da pesquisa, você terá a oportunidade de fazer perguntas julgadas

necessárias, a qualquer momento, bem como o direito de recusar-se a responder perguntas que

ocasionem constrangimentos de alguma natureza. As entrevistas e atividades em grupo serão

gravadas e filmadas em vídeo, para garantir a fidelidade dos dados, que serão transcritos pela

equipe de pesquisa. Será assegurada a confidencialidade dos dados e a identidade dos

participantes mantida em sigilo. No relatório final, os nomes dos participantes serão

substituídos por nomes fictícios.

Os dados coletados serão utilizados na elaboração de um relatório que será

apresentado à Universidade Católica de Brasília – UCB e à CAPES/CNPq e, posteriormente,

poderão ser publicados em periódicos científicos ou outros meios de divulgação. O presente

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Termo deverá ser assinado em duas vias, ficando uma delas com a pesquisadora e outra com

você.

A pesquisadora ficará à disposição para eventuais esclarecimentos sobre quaisquer

aspectos da pesquisa. Contatos poderão ser feitos pelos telefones: 3361-0429 e 3356-9328.

Eu.........................................................identidade: .........................., declaro que fui

informado e devidamente esclarecido sobre o projeto de pesquisa intitulado “Construção de

metodologia de atendimento psicossocial a crianças e adolescentes com transtornos

alimentares e suas famílias”, desenvolvido por uma equipe de professores da Universidade

Católica de Brasília e Universidade de Brasília, sob a coordenação da Professora Doutora

Maria Alexina Ribeiro do curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de

Brasília - UCB, de acordo com os itens da Resolução 196/96.

Declaro que, após ser esclarecido pela pesquisadora a respeito da pesquisa, consinto

em participar, juntamente com minha família, voluntariamente, dessa pesquisa.

Brasília/DF, _____ de ______________ de 201 .

______________________________________

Assinatura do participante/ responsável/representante da família

_______________________________________

Coordenadora da pesquisa

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ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DO CICLO DE VIDA FA MILIAR

Projeto de pesquisa TA/Obesidade

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome dos presentes e função/papel familiar:

Idade:

Escolaridade dos pais:

Religião:

Profissão dos pais:

Endereço e telefones:

Casa própria ou alugada?

Renda familiar aproximada:

QUESTÕES

1. Relacionamento do casal: relacionamentos anteriores, namoro e casamento atual.

• Outros casamentos. Quantidade. Motivos da separação.

• Como o casal se conheceu. Há quanto tempo. Motivos de ficarem juntos. • O que atraiu um no outro.

• Como é o relacionamento atualmente. • Quando precisam de ajuda a quem recorrem. Como é o relacionamento com as

famílias de origem.

• Como é o relacionamento com filhos de outros casamentos (caso tenham), ex-esposa, ex-marido.

• Idades dos outros filhos e com quem moram.

2. Nascimento dos filhos no relacionamento atual e primeira infância

• Como foi o nascimento de cada filho. Foram planejados. Desejados. • Como estava a relação do casal no momento do nascimento de cada filho. • Quais os sentimentos dos pais na ocasião do nascimento dos filhos.

• Houve alguma alteração em termos financeiros, sociais ou laborais em função do nascimento dos filhos. O que pensam a esse respeito.

• Houve alguma alteração no relacionamento conjugal após o nascimento dos filhos – tarefas, responsabilidades.

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• Percebem alguma diferença relacionada ao momento do nascimento dos filhos. Dos atuais e dos filhos de relacionamentos anteriores, caso tiveram. Que diferenças.

• Com quem os filhos ficavam ou ficam. Quem cuida deles – babá, empregada, cuidadores.

• Como é a relação dos filhos com os irmãos, com os pais, com outros membros das família de origem.

• Como é a relação dos filhos com outros sistemas sociais - escola, vizinhos, amigos, lazer (investigar presença de bulling).

• Os filhos têm ou tiveram problemas de saúde. • Como o casal vê a relação conjugal no contexto familiar – fronteiras inter-

sistêmicas.

3. Percepção dos pais sobre a dinâmica familiar.

• Como percebem a relação pai-filhos e mãe-filhos. Essa relação é diferente com outros filhos. Quais são as diferenças.

• Como são fixadas as regras na família – são negociadas ou impostas. • O que pode e o que não pode nessa família. Quais são as regras da família.

• Existe acordo entre o pai e a mãe sobre as regras e os limites e a forma de colocá-los.

• Como é a hierarquia na família – com quem está o poder – quem manda e quem obedece nessa família.

• Quem educa e de que maneira os filhos são educados. Quem dá limites. De que forma.

• Como é expressado o afeto na família. Pais/filhos, marido/mulher, entre os irmãos. Quem é mais afetuoso(a).

• Como é a comunicação na família – quem fala com quem e de que forma – conversam ou trocam idéias – em que momentos.

• Quando têm problemas, como resolvem – quem participa das decisões e soluções dos problemas.

• Relação da família nuclear com as famílias de origem.

4. Alimentação na família – transtorno/obesidade

• Como os pais vêm a questão da alimentação no contexto familiar.

• Como foi a alimentação dos filhos – bebês, infância, adolescência. • Dificuldades nessa fase. • Havia acordo ou desacordo entre os pais a respeito da alimentação dos filhos.

• Influências e participação das famílias de origem dos pais na alimentação dos pais – tipos de comida, quantidade – avós, tios, influenciaram na alimentação dos filhos.

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• O que os filhos comiam e como foram introduzidos os alimentos na infância. • Eventos, comemorações, situações familiares relacionadas com a alimentação –

o que comem, como comem, quanto comem, com quem comem, quando comem – quais são.

• Padrão de alimentação familiar – é possível falar de um ‘padrão familiar’ – que histórias a família conta sobre isso.

• Surgimento do transtorno/obesidade – como foi percebido, por quem, quais foram as providências – reações iniciais, primeiras providências.

• Quem deu o diagnóstico e de que forma.

• Quem apoiou nesse momento do diagnóstico. • A família entendia o que estava acontecendo – procurar5am se informar, com

quem e como. • O que os pais pensam sobre o transtorno/obesidade – possíveis ‘causas’,

explicações – “crenças” familiares sobre as causa e tratamento.

• Presença de outros membros da família nuclear e famílias de origem dos pais com transtornos/obesidade – há outros problemas de saúde na família (nuclear e extensa).

• Quais os tratamentos que já foram feitos – medicação, etc.

• Qual a situação atual da pessoa com TA ou obesidade – como está, acompanhamento profissional.

5. Expectativas para o futuro

• Quais são as expectativas de futuro para esta família.

• Quais são os planos para o futuro. • Como essa família estará daqui a cinco anos (ou 2, ou 3).

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Figura 1 – Genograma da família

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23 7

74 66

47

19

CélioSabrina

Karina

Daiana

Letícia

Clara

Carina Aldo René

Denis

FabianoCaroline

FabianoJúlia

Davi

Márcio

Maria VâniaMarcos

José Amanda

Mário

Vivian

Álvaro

Beatriz

João

Melina

Tatiana

Valter

Marta18

10

20

25 23 13

12

Verônica

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