Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em...
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ALINE VEIGA DOS SANTOS
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Mestrado em Educação
A GOVERNANÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA:
SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS
NO TRABALHO DOCENTE
Brasília-DF 2012
Autora: Aline Veiga dos Santos
Orientadora: Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif
ALINE VEIGA DOS SANTOS
A GOVERNANÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: SOBREIMPLICAÇÕES
DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO TRABALHO DOCENTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu do Mestrado em Educação,
da Universidade Católica de Brasília, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre em
Educação. Na área de concentração “Políticas e
Administração Educacional”.
Orientadora: Profª. Drª. Ranilce Mascarenhas
Guimarães-Iosif
BRASÍLIA-DF
2012
S237g Santos, Aline Veiga dos
A governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente / Aline Veiga dos Santos – 2012.
161 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif
1. Educação. 2. Universidades e faculdades - Corpo docente. 3.
Oligopólios. 4. Educação Superior. I. Guimarães-Iosif, Ranilce Mascarenhas, orient. II. Título.
CDU, 378:330.142.23
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação do SIBI//UCB
Dissertação de autoria de Aline Veiga dos Santos, intitulada A GOVERNANÇA DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS
OLIGOPÓLIOS NO TRABALHO DOCENTE, apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Educação da Universidade Católica de Brasília, em 10 de
dezembro de 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
__________________________________________________________________________________
Profª. Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif
Programa de Mestrado em Educação – UCB
(Orientadora)
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Síveres
Programa de Mestrado em Educação – UCB
(Examinador interno)
___________________________________________________________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Jacob Chaves
Universidade Federal do Pará – UFPA
(Examinadora externa)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, que sempre esteve ao meu lado me guiando e abençoando. Ao
Senhor, toda minha gratidão e infinito amor.
À minha mãe e ao meu pai, pela criação pautada nos princípios e valores que
dignificam o ser humano: humildade, honestidade, ética e bondade. Ao senhores, a minha
eterna admiração.
Ao meu grande companheiro, Noel Carlos Brandão, pelo zelo e carinho para comigo e
pela compreensão e força nessa longa trajetória. Basta um sorriso para que cada dia se torne
mais que especial. Você engrandece a minha vida com a sua presença. Ao Noelzinho Filho,
por guardar um cantinho especial no seu coração para mim.
À minha irmã e ao meu cunhado, por terem me dado o melhor presente da minha vida.
Vítor, você é um presente de Deus. A titia te ama muito.
Não tenho palavras para agradecer à minha orientadora, Ranilce Guimarães-Iosif.
Professora brilhante que, desde o primeiro encontro, me recebeu com muito carinho e sempre
me deu forças para continuar caminhando.
Aos professores, Vera Jacob Chaves e Luiz Síveres, pelas valorosas contribuições e
sugestões no trabalho.
À minha avó, Carmelita Veiga, in memoriam, não há um dia que passe em que eu não
me lembre de ti. Você se faz presente em minha vida. Como foi maravilhoso viver todos esses
30 anos ao seu lado.
Aos meus chefes, Reginaldo Ferreira, Jorge Tempone, Gustavo Tarragô e Ronaldo
Araújo, pela compreensão e apoio. A todos os meus colegas de seção, que acompanharam
cada etapa deste trabalho.
Aos meus colegas de mestrado, Carlos da Silva, Angela Sugamosto, Gleice Paixão,
Ana Gaudio, Glória Maria e Isabela, por partilharmos um pouco das nossas histórias e por
sermos grandes companheiros.
RESUMO
SANTOS, Aline Veiga. A governança da educação superior privada: sobreimplicações da
formação dos oligopólios no trabalho docente. 2012. 161 f. Dissertação de Mestrado em
Educação – UCB, Brasília, 2012.
O presente estudo tem por finalidade investigar as sobreimplicações da formação dos
oligopólios no trabalho docente, no atual contexto de governança da educação superior
privada brasileira. Considerando a natureza do tema e os objetivos deste estudo, optou-se por
realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando como estratégia o estudo de caso realizado em
uma instituição de ensino superior privada da Companhia Anhanguera Educacional – segundo
maior grupo de ensino superior do mundo. Como técnicas de investigação, foram utilizadas: a
análise documental, as entrevistas individuais semiestruturadas e a observação assistemática.
Os dados foram interpretados à luz da Análise de Conteúdo proposta por Bardin e discutidos
em quatro categorias: política e governança da educação superior – concepções e
contradições; Anhanguera Educacional – aquisições institucionais e abertura de capital na
bolsa de valores; relações e condições de trabalho dos docentes; consciência política dos
docentes – sindicalismo e engajamento social. Os resultados apontam que a formação dos
oligopólios, processo oriundo do modelo vigente de governança da educação superior privada,
intensifica a exploração da subjetividade do trabalho docente, por meio da extração da mais-
valia de sua força de trabalho. Essa sobreimplicação contribui para práticas de acumulação de
tarefas que correspondem à lógica capitalista contemporânea e compromete a qualidade da
educação, cuja concepção se limita à racionalidade técnica e quantitativista. Este estudo
conclui que o avanço do capital na exploração do trabalhador docente despreza a natureza do
trabalho pedagógico e as implicações políticas, sociais e éticas envolvidas, ao intensificar e
precarizar as condições trabalho. Na instituição de ensino superior privada investigada, a
flexibilização e a acumulação de tarefas tornaram-se uma máxima, por meio da
institucionalização da gestão racionalizadora e da padronização do sistema. Nesse contexto,
o docente é um trabalhador com voz, autonomia e participação limitadas. Destarte, propomos
que as políticas que regulam a adoção do plano de carreira nas instituições de ensino superior
sejam acompanhadas com maior rigor pelo Estado e pelos órgãos representativos da classe
docente; que o sindicato se aproxime mais da categoria e trabalhe com pautas unificadas e
efetivamente representativas; que os docentes se organizem coletivamente e lutem pelos seus
direitos, exercendo sua cidadania politicamente. Torna-se urgente que o Estado regule e
fiscalize o processo de privatização das instituições de ensino superior no País e os contratos
trabalhistas. O estudo aponta para a necessidade de se estabelecer limites para os atores
nacionais e internacionais que incentivam e financiam a governança da educação superior
privada no Brasil. O modelo hegemônico precisa ser repensado, porque prioriza a expansão
dos oligopólios, da internacionalização e do lucro, em detrimento de melhores condições de
trabalho para os docentes e, consequentemente, da qualidade da educação. Palavras-chave: Governança. Educação Superior Privada. Formação dos Oligopólios.
Trabalho Docente.
ABSTRACT
SANTOS, Aline Veiga. The governance of private higher education: the over-implications
of the formation of oligopolies on teachers' work. 2012. 161 p. Dissertation of Master in
Education – UCB, Brasilia, 2012.
This study aims to investigate the over-implications of the formation of oligopolies on
teachers' work, in the current context of governance of private higher education in Brazil.
After considering the nature of the theme and objectives of this study, we chose to conduct a
qualitative research using the case study as a strategy. The data collection took place in a
private institution of higher education owned by Anhanguera which is the second largest
group of higher education in the world. The investigative techniques used were document
analysis, semi-structured individual interviews, and systematic observation. The data were
interpreted in light of the Content Analysis proposed by Bardin and discussed in four
categories: policy and governance of higher education - concepts and contradictions;
Anhanguera Educational- institutional acquisitions and opening of capital on the stock
exchange; relations and working conditions of teachers; political consciousness of teachers -
syndicalism and social engagement. The results indicate that the formation of oligopolies, a
process resulting from the current model of private higher education governance, intensifies
the exploitation of the subjectivity of teachers' work through the extraction of value from their
labor. This over-implication contribute to the accumulation of tasks that matches
contemporary capitalist logic and undermines the quality of education, whose design is
limited to quantitative and technical rationality. This study concludes that the advance of
capital in the exploitation of teachers disrespects the nature of pedagogical work and the
political, social, and ethical issues involved by intensifying and making the working
conditions more precarious. In the private higher education institution investigated, the
uncertainty and accumulation of tasks have become a rule as a result of the institutionalization
of productivity, efficiency and standardization of the administration system. In this context,
the teacher is an employee with limited voice, autonomy and participation. Thus, we propose
that policies governing the regulation of career paths in higher education institutions are
watched more closely by state and teacher organizations; that the teachers' union gets
involved more intimately with its members and promotes a more unified and representative
agenda; that teachers organize themselves collectively and fight for their rights, exercising
their citizenship politically. It is urgent that the state regulates and supervises the process of
privatization of higher education institutions and the way teachers' work contracts are made in
Brazil. The study points to the need to set limits for national and international actors who
promote and fund the governance of private higher education in Brazil. It is urgent to rethink
the current hegemonic model because it prioritizes the expansion of oligopolies,
internationalization and profit-making at the expense of better working conditions for teachers
and, consequently, lowering the quality of education.
Keywords: Governance. Private Higher Education. Formation of Oligopolies. Teachers'
Work.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 – Programas, objetivos e alcance ............................................................................ 34
QUADRO 2 – Abertura de capital na BM&FBOVESPA / Mercado educacional ...................... 73
QUADRO 3 – Fusões e aquisições por fundos private equity e grupos internacionais ............... 75
QUADRO 4 – Projetos de Leis: 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009 e 7.040/2010 ................. 81
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Evolução das funções docentes com titulação de doutor, mestre e até
especialização entre 2001-2010 .................................................................................................... 88
TABELA 2 – Regime de trabalho e categoria administrativa: percentual de participação
dos docentes nas IES em 2010 ..................................................................................................... 89
TABELA 3 – Número e percentual de funções docentes, grau de formação/titulação e
jornada de trabalho nas IESP do DF em 2010 .............................................................................. 89
TABELA 4 – Síntese dos dados dos professores entrevistados .................................................. 94
TABELA 5 – Carga horária semanal total dos docentes ............................................................. 116
LISTA DE SIGLAS
AGCS Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços
ANDES-SN Sindicato Nacional dos docentes das instituições de ensino superior
BM Banco Mundial
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNE Conselho Nacional de Educação
CONTEE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
DF Distrito Federal
FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
FMI Fundo Monetário Internacional
IES Instituições de Ensino Superior
IESP Instituições de Ensino Superior Privadas
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OI Organismo Internacional
OMC Organização Mundial do Comércio
PC Plano de Carreira
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PROIES Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de
Ensino Superior
PROUNI Programa Universidade para Todos
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
SEB Sistema Educacional Brasileiro
SERES Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior
SINPROEP Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do
Distrito Federal
SINPRO Sindicato dos Professores do Distrito Federal
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
1T12 1º TRIMESTRE 2012
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO .................................... 15
1.1 A PESQUISADORA E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA ............... 15
1.2 RELEVÂNCIA E OBJETIVOS DO ESTUDO ...................................................................... 16
1.3 DELINEAMENTO METODOLÓGICO ............................................................................... 18
1.3.1 Abordagem ......................................................................................................................... 18
1.3.2 Lócus da investigação ........................................................................................................ 19
1.3.2.1 Limitações no lócus da investigação ................................................................................ 20
1.3.3 Participantes do estudo ..................................................................................................... 21
1.3.4 Procedimentos metodológicos ........................................................................................... 22
1.3.5 Análise dos dados ............................................................................................................... 24
CAPÍTULO II – POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ........................ 26
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR .................................................. 26
2.2 PROGRAMAS DIRECIONADOS À AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR PÚBLICO E PRIVADO ........................................................................................... 34
2.3 MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPACTO DA
GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL ............................................................................................. 39
CAPÍTULO III – NOVAS ARENAS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL .................... 44
3.1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS .............................................................................................. 44
3.2 OS CAMINHOS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL ................................................... 48
3.3 O MODELO DE GOVERNANÇA EDUCACIONAL CONTRA-HEGEMÔNICO ............ 53
CAPÍTULO IV – AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
DOCENTE .................................................................................................................................. 57
4.1 SOBREIMPLICAÇÕES ......................................................................................................... 57
4.2 ORGANIZAÇÃO COLETIVA E POLITICIDADE DOCENTE .......................................... 64
CAPÍTULO V – FORMAÇÃO E PODER DOS OLIGOPÓLIOS: IMPACTOS NO
TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO ............................................... 70
5.1 FUSÕES E AQUISIÇÕES INSTITUCIONAIS .................................................................... 70
5.2 PANORAMA ATUAL DAS COMPANHIAS EDUCACIONAIS ....................................... 76
5.3 (DES)REGULAÇÃO DO PROCESSO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES
INSTITUCIONAIS ...................................................................................................................... 79
5.4 IMPACTOS NO TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO .................. 82
CAPÍTULO VI – SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO
TRABALHO DOCENTE: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE
CONTÉUDO ............................................................................................................................... 92
6.1 A ANÁLISE DE CONTEÚDO .............................................................................................. 92
6.1.1 Compreendendo a subjetividade dos protagonistas do estudo ...................................... 93
6.1.2 Política e governança da educação superior: concepções e contradições ..................... 95
6.1.3 Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa
de valores ..................................................................................................................................... 105
6.1.4 Relações e condições de trabalho dos docentes ............................................................... 115
6.1.5 Consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social ............................ 124
6.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...................................................................................... 129
6.3 SUGESTÕES DE QUESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS ............................................ 132
CONCLUSÃO: O OLHAR DA PESQUISADORA ................................................................ 134
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 138
APÊNDICE A – Termo de Consentimento .............................................................................. 150
APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com os docentes ......................................................... 151
APÊNDICE C – Roteiro da entrevista com os docentes demitidos ....................................... 153
APÊNDICE D – Roteiro da entrevista com o Representante do SINPROEP ...................... 155
ANEXO A – CM Consultoria – Tabela 1: Quadro geral de fusões e aquisições no Ensino
Superior privado – 2007/2011 .................................................................................................... 156
12
INTRODUÇÃO
A história do ensino superior no Brasil é marcada pela expansão avassaladora das
instituições de ensino superior privadas (IESPs) e pelas contradições advindas desse processo.
O alto índice de privatização, com predomínio das instituições privadas com fins lucrativos,
que hoje correspondem a 88,3% do sistema1 (BRASIL, 2012c) é uma questão que passa a ser
tema de destaque, especialmente diante da intensificação do fenômeno de fusões e aquisições
de IESPs por grandes grupos educacionais e financeiros.
A nova estrutura de gestão pública, resultante da presença do neoliberalismo nas
políticas públicas, a partir da década de 1990, permitiu que novos atores entrassem em cena
no disputado campo da educação superior, que deixa de ser considerada como bem comum e
passa a ser vista como serviço, a partir do Acordo Geral de Comércio e Serviços (AGCS)
proposto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995. Nesse escopo, a educação
transformou-se em um dos negócios mais rentáveis do mundo. Em consonância às diretrizes
neoliberais, a redução do investimento público no sistema de educação superior brasileiro, ao
longo dos anos, fomentou o crescente processo de privatização e auferiu uma dimensão mais
mercantil a esse segmento.
As negociações na educação superior privada se enquadram perfeitamente dentro do
novo modelo de governança educacional, que, ao privilegiar os interesses mercantis, atinge
diretamente o trabalho docente e, consequentemente, compromete a qualidade do ensino
voltada para a formação humana e emancipação social. A abertura de capital de cinco grupos
educacionais na Bolsa de Valores2 – Anhanguera Educacional, Estácio Participações, Sistema
Educacional Brasileiro (SEB), Kroton Educacional, todas em 2007; e a Abril Educação em
20113 – demonstra a voracidade do mercado e consolida o gigantismo econômico-finaceiro,
inclusive para a entrada de capital estrangeiro no setor.
Desde então, a educação superior privada compõe-se dos seguintes elementos:
concepção mercantil, abertura de capital, fusões e aquisições (processo de formação dos
1 De acordo com os dados do INEP (BRASIL, 2010b), em 2009 havia 2.314 instituições de ensino superior
cadastradas, sendo 245 públicas e 2.069 privadas, destas 1.779 eram particulares com fins lucrativos e 290 eram comunitárias e confessionais, ou seja, não auferem lucro. Até 2009 o INEP coletava essa informação. A partir do 2 Em 2008, a Bolsa de Valores de São Paulo integrou-se a Bolsa de Mercados & Futuros, e passou a ter a
denominação BM&FBOVESPA. Portanto, nesse estudo, será utilizada a expressão bolsa de valores ou
BM&FBOVESPA. 3 Das empresas educacionais listadas na BM&FBOVESPA, a Abril Educação é a única companhia que não atua
no segmento da educação superior.
13
oligopólios 4 ), internacionalização, precarização e intensificação do trabalho, mudanças
curriculares tecnicistas (TIRANDENTES, 2009a, 2011). Esse quadro criou uma reengenharia
nas formas de ser e agir das IESPs: produziu danos aos trabalhadores envolvidos no setor
como agravo à saúde, perda do tempo livre e a perda do sentido do trabalho; afastou o sentido
pedagógico, comprometeu a formação humana e mudou o papel da educação superior em suas
mais elevadas manifestações.
A precarização e intensificação do trabalho docente se desenvolvem em um processo
contínuo e estão vinculadas às metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho, que ocorreram
em concomitância ao novo modelo de gestão pública difundido internacionalmente por
agências e corporações multilaterais, tais como o Banco Mundial (BM), a Organização
Mundial do Comércio (OMC), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Trata-se de um processo que atingiu vários segmentos de trabalhadores, inclusive
trabalhadores qualificados como os docentes das instituições de ensino superior (IES).
Conforme René Lourau (2004a), a “sobreimplicação” do trabalho, configura-se na exploração
da subjetividade que não só produz sobretrabalho, estresse rentável, doença e mais-valia,
como também “cash-flow” (fluxo de caixa), configurando o crescimento indefinido da
empresa-instituição. Esse processo contribui para práticas de acumulação de tarefas e
relaciona-se à subjetividade-mercadoria, sendo esta a realidade dos docentes que atuam nas
IESPs, que respondem à lógica capitalista contemporânea.
Uma das funções delineadas na “universidade micro-ondas” 5 é a reprodução da
ideologia do empreendedorismo e da empregabilidade, como condutores de legitimação do
desemprego, que “se apoia em concepções neofuncionalistas e neoprodutivistas: só se
justifica na educação (ou melhor, no ensino) aquele saber que venha a contribuir para a
produtividade do mercado, cujo retorno em agregação de valor seja mensurável.”
(TIRADENTES, 2009a, p. 111). Outras dimensões da formação humana são desprezíveis,
pois significam desperdício de custos.
Situar a questão do trabalho docente na educação superior privada, objeto deste estudo,
nessa realidade abrangente, torna-se de fato um grande desafio, posto que o trabalhador
docente tem representado fonte de lucro para os “empresários da educação”, que gerenciam as
4 Segundo Ferreira (2004, p. 591), “oligopólio é a situação de mercado em que a oferta é controlada por um
pequeno número de grandes empresas.” 5 Tiradentes (2009a, p. 95) construiu esta metáfora para designar o modelo de Educação Superior imposto às
economias de capitalismo periférico pelas economias de capitalismo central [...]. Assim como o uso do forno de micro-ondas consagrou-se pela função de descongelamento e aquecimento para consumo do alimento pré-produzido, a universidade de capitalismo periférico teria o papel de descongelar, aquecer e fornecer para consumo, ou seja, transformar em mercadoria, agregar valor.
14
instituições sob a tutela da regulação autoritária do capital e promovem o “esvaziamento
semântico da docência universitária” (FARO, 2012). O objetivo principal deste estudo é
analisar como o processo de formação de oligopólios no ensino superior privado, oriundo do
atual modelo de governança da educação superior, contribui para a “sobreimplicação” no
trabalho docente.
O presente trabalho está estruturado em seis capítulos. No primeiro, “Caracterização do
objeto de estudo”, apresentamos a relevância do estudo e os objetivos e delineamos a
metodologia de pesquisa. No segundo, “Políticas de Educação Superior no Brasil”, fazemos
uma análise do contexto histórico da educação superior. Na discussão levada a termo no
terceiro, “Novas Arenas da Governança Educacional”, apresentamos as concepções e práticas
da governança, e o modelo de governança contra-hegemônico a partir da concepção de
Boaventura de Sousa Santos. No quarto capítulo, “As transformações no mundo do trabalho
docente”, explicitamos os elementos característicos da acumulação flexível do capital,
processo em que as redes de ensino extraem o valor e a mais-valia, ou seja, sobreimplicam o
trabalho docente. No quinto, “Formação e poder dos oligopólios na educação superior:
sobreimplicações no trabalho docente”, investigamos os processos de mercantilização da
educação oriundos das negociações, destarte discutimos os impactos no setor educacional, no
trabalho docente e na qualidade do ensino. No sexto é último capítulo, “As sobreimplicações
da formação dos oligopólios no trabalho docente: um olhar sob a perspectiva da análise de
conteúdo”, analisamos os dados, discutimos os resultados e, por fim, apresentamos algumas
questões para estudos futuros.
Embora este estudo discuta a questão da formação dos oligopólios na educação superior
brasileira e as sobreimplicações desse processo no trabalho docente, reconhecemos que, por
se tratar de um Estudo de Caso, os dados limitam-se ao contexto investigado, não podendo ser
generalizados. Sem qualquer pretensão de exaurir a complexidade temática, esperamos
contribuir para um maior entendimento da atual condição de trabalho dos docentes que atuam
nas companhias educacionais, operadas pela lógica do capital. O conhecimento da realidade
não é sinônimo de transformação, porém, é necessário que este se reverta em estratégia de
mudanças.
15
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
O presente capítulo apresenta o processo de construção do objeto de estudo da pesquisa,
bem como os objetivos, evidenciando a relevância do tema, a metodologia utilizada, os
procedimentos e instrumentos empregados para geração de dados e o processo de tratamento
dos dados sob a análise de conteúdo.
1.1 A PESQUISADORA E O TEMA – SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA
Este trabalho de investigação se inscreve na linha de pesquisa “Política, Gestão e
Economia da Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Católica de Brasília (UCB). A gênese dessa dissertação, “Governança da educação superior
privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente”, surgiu na
disciplina – “Política Educacional Internacional, Governança Global e Desenvolvimento
Social” ministrada no mestrado pelos professores Ali Abdi 6, Lynette Shultz 7 e Ranilce
Guimarães-Iosif – e, ainda, nos estudos realizados no Grupo de Pesquisa – “Políticas
Públicas, Governança Educacional e Cidadania” – do Programa de Pós-graduação em
Educação da UCB. As discussões em sala e no grupo de pesquisa nos instigaram a estudar a
dinâmica da formação dos oligopólios na educação superior privada e as sobreimplicações
desse processo no trabalho docente, campo este envolto de contradições e desafios diante do
capitalismo financeiro.
Mais da metade das funções docentes, no ensino superior brasileiro, estão no setor
privado, o que corresponde a 214.546 (62,12%) dentro de um contexto de 345.335 (100%)
(BRASIL, 2012c). Portanto, é imperioso que as condições de trabalho dessa categoria sejam
melhor investigadas e discutidas. De acordo com Ryon Braga, presidente da Hoper
Educação 8, 34%, ou seja, 1,7 milhão dos estudantes das instituições privadas brasileiras
frequentam um dos campi dos 12 maiores grupos educacionais. “Não há registro de tamanha
concentração nas mãos de instituições com fins lucrativos em todo o mundo, afirma o
consultor” (SILVA, 2012, p. 28). Nesse escopo, qual é o impacto desse processo na educação
superior brasileira e no trabalho docente?
6 Professor da University of Alberta, Canadá, visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
7 Professora da University of Alberta, Canadá, visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
8 Empresa de consultoria no segmento educacional (http://www.hoper.com.br/).
16
A compreensão da natureza contemporânea do trabalho docente não ocorre somente
pela análise profunda de técnicas e processos pedagógicos, do conhecimento como fonte do
trabalho, da relação professor-aluno. É indispensável, como ponto de partida, entender como
são geridas as empresas de ensino, os seus objetivos e as suas relações com a sociedade
capitalista. Nesse cenário de expansão e transformação da educação superior no Brasil em
mercadoria, quais são as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente?
Partimos da hipótese de que o modelo contemporâneo de governança da educação superior
brasileira, ao não estabelecer leis que regule a entrada de capital estrangeiro no setor e o
processo de aquisição e fusão de instituições privadas, favorece a formação dos oligopólios
que sobreimplicam o trabalho docente e, consequentemente, comprometem a qualidade da
educação.
O conceito de qualidade, atualmente, está submetido aos critérios temporais e, até certo
ponto, volúveis da economia. Portanto, nesse estudo, o conceito de qualidade adotado baseia-
se na “qualidade educativa” proposta por Dias Sobrinho (2002; 2010). Para o autor, a
qualidade educativa não se limita à racionalidade técnica e instrumental, bem como aos
interesses sociais, mas está concernida também e, sobretudo, por valores sociais da
humanidade. Valores estes de primeira ordem, que dizem respeito aos horizontes universais e
perenes da humanidade: liberdade, democracia, cidadania, cooperação e outros do mesmo
campo semântico. Apesar da questão da qualidade não ser objeto desse estudo, entendemos
ser fundamental a compreensão desse termo, uma vez que a formação dos oligopólios acaba
afetando diretamente o trabalho docente e a qualidade do ensino.
1.2 RELEVÂNCIA E OBJETIVOS DO ESTUDO
A privatização da educação superior no Brasil intensificou-se a partir da reforma
gerencialista impressa na década de 1990. “Pode-se detectar que, a partir daí, profundas
modificações ocorreram na cultura e no cotidiano das instituições [...], sobretudo, no trabalho
do professor e do pesquisador.” (MANCEBO, 2011, p. 34). Para Mancebo, atualmente, o
trabalho docente efetiva-se no sentido de conferir qualidade à mão de obra, que equivale à
mercadoria básica na produção de valor.
Diante do novo modelo de política e governança da educação superior corremos o risco
de que a educação superior seja direcionada apenas aos interesses do mercado (nacional e
internacional), o que compromete diretamente o projeto democrático e emancipatório do país.
17
A falta de uma política pública que regule o processo de fusões e aquisições9 das instituições
de ensino contribui para que a governança do setor fique nas mãos de grandes grupos, cuja
preocupação maior é o lucro e não a qualidade e o compromisso social da universidade, assim
os professores ficam a mercê dessas empresas, visto que a legislação não estabeleceu critérios
que amparem o trabalhador docente frente ao sistema capitalista voraz, tampouco critérios
para a elaboração dos planos de carreira (PCs).
Essa problemática da formação de oligopólios, dentro do contexto contemporâneo da
governança educacional, ainda é pouco explorada e discutida no campo das pesquisas
nacionais em educação, haja vista a reduzida bibliografia relacionada ao assunto. Na obra
Globalizing education policy, Rizvi e Lingard (2010) assinalam que os governos nacionais
não são mais a única fonte de autoridade política e representam os interesses de toda uma
gama de atores políticos, tanto nacionais quanto internacionais, que fazem parte da nova
concepção de gestão pública e de atuação do Estado.
O artigo de Chaves (2010) – “Expansão da privatização/mercantilização do ensino
superior brasileiro: a formação dos oligopólios” – aponta que o processo de mercantilização
do ensino superior no Brasil adquiriu nova configuração com a formação dos oligopólios, a
partir das aquisições e fusões de instituições e da abertura de capital na bolsa de valores.
Oliveira (2009), em seu texto – “A transformação da educação em mercadoria no Brasil” –,
conclui que é cabível falar em financeirização da educação, visto que o setor financeiro
assumiu a hegemonia na educação privada no país. Portanto, mais do que a transformação da
educação em mercadoria, o que se observa no ensino superior é um processo intenso de
concentração. Para o autor, estamos presenciando um processo de oligopolização.
Sendo assim, cabe ressaltar que não encontramos na literatura estudos que remetam às
sobreimplicações da formação de oligopólios no trabalho docente privado. Na Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e em outros domínios, foram encontrados trabalhos
que discutem o processo de mercantilização e financeirização da educação superior privada e
as condições do trabalho docente, mas nenhum que remeta ao tema em foco (DIAS, 2006;
SIQUEIRA, 2006; NONNENMACHER, 2008; SILVA, 2009; VALE, 2011).
Dada a pertinência do estudo, entendemos que seria de grande importância discutirmos
o desenvolvimento do processo de formação dos oligopólios e as sobreimplicações no
9 Fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova, que lhes
sucederá em todos os direitos e obrigações; aquisição é a operação pela qual uma ou mais sociedades são
absorvidas por outra, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações – artigos 227 e 228 da Lei nº 6404/1976.
18
trabalho docente, principalmente por se tratar de trabalhadores que atuam na formação e
emancipação do cidadão e para o desenvolvimento do país.
O objetivo principal deste estudo é investigar as sobreimplicações da formação dos
oligopólios no trabalho docente privado no contexto do atual modelo de governança da
educação superior brasileira. Visando alcançar o objetivo geral, foram constituídos os
seguintes objetivos específicos:
a) Identificar as concepções e práticas de política e governança educacional adotadas pelo
Estado brasileiro na condução da educação superior e como essas concepções e práticas
se relacionam com os interesses de mercado.
b) Identificar os grupos que estão formando os oligopólios na educação superior privada e
quais são os seus interesses prioritários.
c) Identificar a percepção dos docentes em relação às fusões e aquisições institucionais e a
abertura de capital na bolsa de valores.
d) Analisar a percepção dos docentes no que tange as suas relações e condições de
trabalho, bem como compreender a visão desses trabalhadores em relação à atuação do
sindicato que os representa.
A forma com que as políticas e os acordos são estabelecidos, diante da governança
educacional global, é que vai determinar a direção da educação superior no Brasil. A
formação dos oligopólios na educação superior privada é um processo recente, que trouxe
uma nova configuração para a governança do setor e precisa ser investigada para saber quais
as sobreimplicações promovidas no trabalho docente, na qualidade do ensino e na autonomia
universitária. Neste estudo, o enfoque se volta para a questão do trabalho docente, por
considerar que esta é estratégica para as demais.
1.3 DELINEAMENTO METODOLÓGICO
1.3.1 Abordagem
Adotou-se para este estudo, um paradigma de pesquisa qualitativo, haja vista ser este
um meio para entender o significado que determinado grupo ou indivíduos atribuem a um
problema social, tendo uma estrutura flexível ao valorizar a importância da interpretação da
complexidade de uma situação. A flexibilidade é uma característica marcante da pesquisa
qualitativa, as fases do processo são emergentes e podem mudar ou se deslocar a partir do
momento que o investigador entra no campo e começa a coletar os dados. A ideia
19
fundamental que está por trás do método qualitativo, conforme aponta Creswell (2010), é a de
compreender o problema ou questão com os participantes e lidar com a pesquisa de modo a
obter informações.
Partimos do princípio que a pesquisa qualitativa, utilizando como estratégia o estudo de
caso, é de grande relevância para compreender a questão em foco. Ludke e André (1986)
apontam que o estudo de caso se desenvolve numa situação natural, é rico em dados
descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e
contextualizada. As autoras destacam que o estudo de caso “procura representar os diferentes
e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social” (LUDKE; ANDRÉ,
1986, p. 20), quando o objeto ou situações estudadas podem suscitar opiniões divergentes.
Yin (2010) faz sua contribuição acrescentando que o estudo de caso vai permitir a
compreensão de características significativas e holísticas do processo organizacional e
administrativo da instituição investigada. Esse método de pesquisa vai contribuir para
compreender as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente diante do
atual cenário de governança da educação superior no Brasil.
1.3.2 Lócus da investigação
A pesquisa teve como cenário de investigação uma Instituição de Ensino Superior (IES)
da Anhanguera Educacional Participações S.A., segundo maior grupo de ensino superior do
mundo (NINNI; CRUZ, 2011) e maior organização privada com fins lucrativos do setor
educacional do Brasil. O grupo atua em todos os 27 estados, inclusive no Distrito Federal
(DF), e conta com 432 mil alunos no ensino superior. A Anhanguera tem mais de 570
unidades, onde são ofertadas mais de 90 modalidades de cursos de graduação e graduação
tecnológica, além de cursos de pós-graduação e extensão. A maioria de seus alunos são jovens
de média e baixa renda que trabalham durante o dia e estudam à noite (ANHANGUERA,
2012c).
A Anhanguera Educacional foi fundada em 1994 por um grupo de professores liderado
por Antonio Carbonari Netto e José Luis Poli. As atividades iniciaram com o estabelecimento
de uma IES na cidade de Leme (São Paulo), sem fins lucrativos. Em 2003, a Anhanguera
passou a ser a sucessora da então existente Associação Lemense de Educação e Cultura,
entidade mantenedora do Centro Universitário Anhanguera (Leme e Pirassununga); da
Faculdade Comunitária de Campinas e das Faculdades Integradas de Valinhos. Essa
associação, de natureza não lucrativa, foi a base legal para a transformação de cada unidade
20
do grupo em sociedade educacional, no molde de Sociedade Anônima (S.A.): forma
organizacional então idealizada e preparada para a futura abertura de seu capital na
BM&FBOVESPA em 2007 (ANHANGUERA, 2012b).
Vale ressaltar que o Anhanguera Educacional, em menos de duas décadas de existência,
expandiu-se estrondosamente. Ao longo da sua trajetória, o grupo vivenciou diversas fases de
crescimento: expansão dos seus cursos superiores e da sua base física; otimização e
qualificação dos seus currículos e projetos pedagógicos; reorganização estrutural,
administrativa e financeira com a abertura de capital na bolsa de valores, por meio dos
investidores; e a atual fase de consolidação e empresariamento no mercado da educação
superior. A companhia tem como objetivo permanecer como uma das maiores instituições de
ensino superior do mundo.
De acordo com os dados Anhanguera (2012c), o grupo finalizou o 2º trimestre de 2012
com 432 mil alunos, sendo 66% matriculados em cursos presenciais e 34% em cursos a
distância. A base de alunos vinculados ao FIES também cresceu significativamente e já
representa 19% (54.172) da base total de alunos de cursos presenciais. O lucro líquido da
companhia no 1º semestre de 2012 foi registrado em R$ 86,6 milhões, 59% superior ao
mesmo período do ano anterior. Segundo os dados da CM Consultoria (2012b), entre 2007 e
2011, a companhia realizou 28 transações com instituições voltadas para o ensino superior.
Nos últimos cinco anos, o grupo tem sido caracterizado por uma expansão agressiva.
A instituição selecionada localiza-se em uma das 31 Regiões Administrativas do
Distrito Federal (DF). Fundada em 1999, é uma das 5 unidades adquiridas no DF no período
compreendido entre 2008 e 2011. As aquisições estão em linha com a estratégia de expansão
da Anhanguera na Região Centro-Oeste. A instituição oferece 15 cursos de graduação
(presenciais e a distância) na área das ciências humanas e exatas. Para preservarmos a
identidade da instituição selecionada, optamos por não oferecer mais dados específicos sobre
a mesma.
1.3.2.1 Limitações no lócus da investigação
A realização da pesquisa, na instituição do grupo Anhanguera no DF, foi um processo
muito difícil, pois o grupo é “fechado”. No primeiro momento, o diretor foi receptivo, mas
quando indagado sobre os processos institucionais, as respostas foram bem sucintas. Embora
os dados e resultados da Companhia sejam divulgados trimestralmente nos domínios públicos,
o diretor da instituição, objeto de investigação, informou que precisaria ser muito cuidadoso
21
com as informações prestadas, pois a divulgação de dados específicos pode influenciar na
queda do valor das ações. “Quando um grupo educacional tem capital aberto, ele não pode
ficar divulgando informações das instituições pertencentes, devido ao ‘período de silêncio’”,
enfatizou o diretor. Conforme Comunello (2012), a Anhanguera não divulga números locais
(quantidade de alunos e docentes), pois companhias abertas não liberam dados regionais.
Durante a nossa primeira conversa, foi exposta a intenção de analisar o Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Plano de Carreira (PC) da instituição. O diretor disse
que nos passaria os documentos, mas sempre que solicitados, ele perguntava o que queríamos
saber e nos respondia, não abrindo espaço para que pudéssemos ter acesso direto aos
documentos. Portanto, o PDI não foi analisado; quanto ao PC, o diretor só nos disponibilizou
uma parte.
1.3.3 Participantes do estudo
A pesquisa contou com a participação de 15 docentes e com um representante do
Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal
(SINPROEP-DF) 10. Entre os docentes entrevistados, 11 atuam na Instituição e 04 foram
demitidos de outra instituição do grupo Anhanguera 11 , localizada na mesma Região
Administrativa. A princípio, o critério estabelecido para a escolha dos docentes seria o tempo
mínimo de 06 anos na instituição, ou seja, as entrevistas seriam realizadas com os professores
que passaram pelo processo de aquisição da instituição pela Anhanguera Educacional.
No entanto, a exiguidade do tempo, as dificuldades de contato e a aceitação do docente
em participar do estudo fizeram com que a pesquisa fosse realizada de acordo com a
disponibilidade dos professores que estavam presentes na sala dos professores no momento
das visitas à instituição. Assim, os participantes da pesquisa foram escolhidos de forma
aleatória. O contato com os docentes demitidos do grupo Anhanguera foi realizado por meio
da indicação de alguns professores e de pessoas que conheciam professores que haviam sido
demitidos recentemente do grupo.
10
Realizamos um contato com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), a fim de marcar uma entrevista com o atual Secretário, Jorge Messias. Eles sinalizaram positivamente e pediram que enviássemos um e-mail para marcar a data. O e-mail foi enviado duas vezes para os responsáveis pelo setor, mas infelizmente não obtivemos êxito. O intuito em realizar a entrevista com o secretário era saber como a SERES tem acompanhado o processo de fusões e aquisições institucionais, a abertura de capital na bolsa de valores e a inserção de capital estrangeiro nas instituições de ensino superior privadas. 11 O objetivo era realizar a entrevista com todos os docentes que atuam e que já atuaram na Instituição, objeto de
investigação. Todavia, como não foi possível realizar contato com os professores demitidos, decidimos entrevistar os professores de outra instituição pertencente ao grupo Anhanguera, situada na mesma localidade.
22
Vale ressaltar a resistência dos professores que atuam na instituição e dos ex-docentes
em participar da pesquisa; quando indagados, diziam que estavam sem tempo, que tinham
tarefas a serem feitas. O intuito em realizar a entrevista com o representante do SINPROEP-
DF foi o de compreender como o sindicato percebe o processo de fusões e aquisições
institucionais e como ele tem tratado as questões pertinentes aos docentes.
A fim de preservar a identidade dos entrevistados, os que atuam na Instituição foram
identificados por ordem alfabética, sendo o primeiro chamado de “Docente A”, e assim,
sucessivamente, até o “Docente L”; e os docentes, demitidos de uma instituição do grupo
Anhanguera, foram identificados da seguinte forma “Ex-docente A”, “Ex-docente B”, “Ex-
docente C” e “Ex-docente D”. O “Representante do Sindicato” foi caracterizado como tal. A
coleta de dados foi realizada no período compreendido entre junho e julho de 2012. As
entrevistas tiveram duração média de 30 minutos. Todos os participantes assinaram o Termo
de Consentimento (cf. APÊNDICE “A”). As entrevistas foram conduzidas, gravadas e
transcritas pela autora da pesquisa.
1.3.4 Procedimentos metodológicos
Os procedimentos metodológicos utilizados para a geração e coleta de dados foram a
análise documental, as entrevistas individuais semiestruturadas e a observação in loco. Ludke
e André (1986) apontam que a análise documental permite desvelar aspectos novos sobre o
tema ou problema, podendo complementar as informações obtidas por outras técnicas de
coleta. Os documentos são uma fonte rica de onde podem ser retirados argumentos e
evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador, ou seja, representam
uma fonte natural de informações. De acordo com Bardin (2010), o propósito da análise
documental é obter o máximo de informações (aspectos quantitativos), com o máximo de
pertinência (aspectos qualitativos).
A análise documental teve a finalidade de buscar informações nos documentos
relacionados ao tema da pesquisa, no que se refere às leis, aos decretos e outros, que ajudaram
a compreender melhor a mercantilização da educação superior no Brasil e as metamorfoses no
trabalho docente. Nessa pesquisa foram analisados os seguintes documentos: a) Oficiais:
Constituição Federal de 1988; LDB 9.394/1996; Projetos de 2.183/2003, 7.200/2006,
6.358/2009, 7.040/2010 e 4.372/2012; e o Censo e Sinopse da Educação Superior 2010; b)
23
Técnicos: PC dos docentes 12 ; Relatórios Trimestrais divulgados pelas companhias
educacionais (Anhanguera e Kroton); e Relatório divulgado pela CM Consultoria. 13
A entrevista individual semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas, essa
técnica, segundo Ludke e André (1986), permite que o entrevistado discorra sobre o tema em
questão sem se prender à indagação formulada, pois não há a imposição de uma sequência
rígida das questões. O ponto chave da entrevista é explorar o espectro de opiniões, as
diferentes representações sobre o assunto em questão. As autoras acrescentam que a grande
vantagem da entrevista sobre outras técnicas é a captação imediata e corrente da informação
desejada, independente do informante e sobre os mais variados tópicos. “A entrevista ganha
vida ao se iniciar o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado.” (LUDKE; ANDRÉ, 1986,
p. 34). O roteiro das entrevistas encontra-se nos Apêndices “B, C e D”.
Para Gaskell (2003), a entrevista individual é utilizada para explorar em profundidade
as experiências, de forma que diversas variáveis – sociais, econômicas, políticas – possam
surgir durante toda a coleta de dados. O posicionamento individual será o ponto de partida
para a visão coletiva do fenômeno. A entrevista desvela novas possibilidades na compreensão
do fenômeno que se quer pesquisar. Esse momento propicia uma reestruturação de ideias.
Por sua vez, a observação permite que o pesquisador chegue mais perto da “perspectiva
dos sujeitos” (LUDKE; ANDRÉ, 1986), pois possibilita um contato pessoal e estreito do
pesquisador com o ambiente investigado. O tipo de observação empregado neste estudo foi o
“assistemático”. Segundo Boni e Quaresma (2005), na observação assistemática, o
pesquisador recolhe e registra os fatos da realidade sem a utilização de meios e técnicas
especiais, não é necessário que haja um planejamento a ser seguido. As observações foram
realizadas durante 5 dias, intercaladas entre os períodos matutino e noturno. O objetivo em
utilizar essa técnica foi o de compreender o ambiente e as relações e condições de trabalho
dos docentes. Szymanski, Almeida e Prandini (2008) apontam para o cuidado de não
apresentar as informações como algo definitivo, mas que traz em seu interior a possibilidade
de transformação.
A análise dos documentos (oficiais e técnicos) ocorreu concomitantemente à análise das
entrevistas e das observações realizadas. Os documentos foram utilizados com vistas a
contextualizar o fenômeno em foco, buscando a compreensão das condições do trabalho
docente com a realidade investigada.
12 Como mencionado anteriormente, tivemos acesso somente a uma parte do PC da instituição. 13
Empresa de consultoria para instituições de ensino superior (http://www.cmconsultoria.com.br/).
24
1.3.5 Análise dos dados
A análise dos dados foi realizada com base na teoria da análise de conteúdo de Bardin
(2010). Esta fase da pesquisa visou compreender os dados obtidos na análise documental, nas
entrevistas e nas observações, no sentido de responder ao problema ao qual a pesquisa se
dispõe. Segundo Bardin (2010, p.45), a técnica “procura conhecer aquilo que está por trás das
palavras sobre as quais se debruça.” Portanto, apresenta-se como um conjunto de
instrumentos metodológicos, em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos
extremamente diversificados. Esse método oscila entre dois polos: o rigor da objetividade e a
fecundidade da subjetividade, o que leva o pesquisador a desvelar o não aparente, o não dito.
A análise de conteúdo é uma paciente tarefa de desocultação. Szymanski, Almeida e Prandini
(2008) complementam que essa análise, baseada na inferência, possibilita ao pesquisador
desocultar os significados invisíveis à primeira vista.
Toda análise de conteúdo implica comparações textuais que podem ser multivariadas e
devem, obrigatoriamente, ser direcionadas a partir da sensibilidade, da intencionalidade e da
competência teórica do pesquisador. “Isso não significa, porém, descartar a possibilidade de
se realizar uma sólida análise acerca do conteúdo ‘oculto’ das mensagens e de suas
entrelinhas, o que nos encaminha para além do que pode ser identificado e teoricamente
relacionado, para o que pode ser decifrado mediante códigos.” (FRANCO, 2008, p. 16). É
essencial que os dados sobre o conteúdo da mensagem estejam, necessariamente,
relacionados a outros dados. A autora destaca que o pesquisador deve partir da comunicação,
e não falar por meio dela. A análise de conteúdo não pode se resumir a uma mera projeção
subjetiva.
Bardin (2010) parte do pressuposto de que, em geral, os procedimentos de análise
organizam-se em categorias que podem ser definidas a priori ou a posteriori. Nessa pesquisa,
as categorias foram definidas a posteriori. Esse tipo de categoria “emerge da fala, do discurso,
do conteúdo das repostas e implica constante ida e volta do material de análise à teoria .”
(FRANCO, 2008, p. 61). A autora ressalta que o processo de análise prossegue com a
classificação dos pontos convergentes e divergentes.
À medida que as respostas foram surgindo durante as entrevistas, os dados foram sendo
construídos na análise documental e nas observações realizadas, amparamo-nos em quatro
categorias principais de análise para identificar, na instituição investigada, as
sobreimplicações no trabalho docente: a) política e governança da educação superior:
concepções e contradições; b) Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura
25
de capital na bolsa de valores; c) relações e condições de trabalho dos docentes; d)
consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social.
As entrevistas com os docentes e com o representante do sindicato foram analisadas
concomitantemente (cf. capítulo VI). Na pesquisa qualitativa, os investigadores buscam a
compreensão do significado que os participantes atribuem às suas experiências. Conforme
Demo (2009), o dado é, sobretudo, construído, não apenas colhido. Nos capítulos seguintes,
seguem o referencial teórico, a análise dos dados e a discussão dos resultados.
26
CAPÍTULO II – POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL
Neste capítulo, fazemos uma análise do contexto histórico da educação superior no
Brasil: do surgimento das primeiras instituições de ensino às políticas direcionadas a esse
setor, com ênfase nas reformas estatais que caracterizaram de forma substancial a expansão
do sistema de ensino superior, em especial, o privado. Em seguida, apresentamos os
programas com maior impacto na expansão das matrículas na rede pública e privada e o foco
dessas políticas. Finalizamos o capítulo destacando o impacto da globalização neoliberal na
governança da educação superior.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
A primeira experiência do Brasil com o ensino superior ocorreu durante o período
colonial. A educação, à época, era conduzida pelos Jesuítas, que se baseavam nos valores da
Igreja Católica e na reprodução das relações de dominação. Com a transferência da Corte
Portuguesa para o País, em 1808, foram criadas as primeiras escolas técnicas superiores e
algumas faculdades. Os primeiros cursos superiores estiveram ligados à área militar, de
engenharia, direito, agronomia e medicina. O objetivo da criação dessas instituições, isoladas
em poucas cidades do Brasil, era ofertar uma educação voltada para atender as necessidades
da Corte. Os cursos, instituídos como estabelecimentos isolados, apresentavam um caráter
profissionalizante. “Nenhuma instituição com status de universidade existiu no período
colonial nem no imperial.” (CUNHA, 2003, p. 161). Uma política educacional estatal
(FREITAG, 1986), nesse período, foi quase que inexistente.
Nesse período, a classe dominante direcionava-se ao exterior para ter acesso às
universidades, em contrapartida a grande maioria da população brasileira, índios, escravos e
pobres, não tinha sequer o acesso à educação básica. “A proclamação da Independência do
Brasil, em 1822, não trouxe os avanços necessários para a educação.” (GUIMARÃES-IOSIF,
2009, p. 45). Em 1824, foi instituído o primeiro regime constitucional do País, que
estabeleceu a “educação primária gratuita a todos os cidadãos” (art. 179). A grande questão é
que apenas os homens brancos e com posses eram considerados cidadãos. O direito foi
instituído, todavia a garantia não foi contemplada.
O projeto para a criação de uma política nacional de educação foi promulgado em 1827
e determinava que houvesse escolas primárias em todas as cidades. A lei não foi
implementada e a disseminação do ensino no País permaneceu apenas no papel. “Até a
27
Proclamação da República, em 1889, praticamente nada se fez de concreto pela educação
brasileira.” (BELLO, 2001, p. 5). No fim do século XIX, o País “contava com mais de 90% da
população analfabeta.” (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, p. 46).
A Primeira Guerra Mundial (1914-1919) trouxe grandes consequências para a
transformação do sistema educacional em todo o mundo, o que se intensificou ainda mais
após a Segunda Guerra (1939-1945). No começo do século XX, o Brasil passou por
profundas e constantes reformas na educação, idealizadas por Anísio Teixeira, Francisco
Campos, Lourenço Filho. O Movimento dos Pioneiros – Escola Nova – em 1930, conhecido
como manifesto ideológico, foi o marco para a educação brasileira, sendo considerado o
momento mais revolucionário. O movimento defendia uma escola mais democrática e
acessível para as massas (GUIMARÃES-IOSIF, 2009). Nesse período, surgiram as primeiras
universidades brasileiras: Rio de Janeiro (1920), Minas Gerais (1927), São Paulo e Porto
Alegre (1934).
Com o advento da Revolução Industrial, em 1930, e a complexidade inerente à
urbanização, a necessidade de mão de obra especializada se fez presente, incidindo em um
investimento nacional na educação superior, visando atender a demanda capitalista. Sendo
assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde e, em seguida, 1931, foram
criados o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Estatuto das Universidades Brasileiras
pelos respectivos Decretos n° 19.850 e 19.851.
De acordo com o art. 5 do Decreto n° 19.850/1931, o CNE, em colaboração com o
Ministro da Educação e Saúde, tinha a incumbência de elevar o nível da cultura no País e a
grandeza da Nação; sugerir providências para ampliar os recursos financeiros; e fomentar a
extensão universitária. Em consonância com as medidas de desenvolvimento e organização da
educação, o Decreto n° 19.851/1.931 estabeleceu que o ensino superior no Brasil seria,
preferencialmente, instituído por universidades. Os institutos isolados seriam uma exceção.
As universidades brasileiras seriam criadas e mantidas pela União, pelos Estados ou, sob a
forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais
estaduais e livres (art. 6). À época, as IES, ainda, não tinham o caráter privado. O art. 1º, ao
dispor sobre a finalidade do ensino universitário, estabelece a necessidade de elevação do
nível cultural, estimulação técnica e científica, harmonização dos objetivos entre docentes e
discentes, desenvolvimento nacional, entre outros.
A Constituição de 1934 consagrou a educação como um direito de todos pela primeira
vez, no entanto, as políticas de acesso só atendiam a classe dominante. No primeiro ano do
período ditatorial, implantado por Getúlio Vargas (1937-1945), uma nova Constituição foi
28
outorgada. “A orientação político-educacional para o mundo capitalista ficou bem explícita no
texto constitucional ao sugerir a preparação de um maior contingente de mão de obra para as
novas atividades abertas pelo mercado.” (BELLO, 2001, p.6). Segundo Freitag (1986), a
política do Estado Novo visava à transformação do sistema educacional em um instrumento
de manipulação das classes subalternas. O Estado, procurando ir ao encontro dos interesses e
necessidades das empresas privadas, se propôs a assumir o treinamento da força de trabalho
de que elas necessitavam, recrutando a nova força de trabalho dentro da nova configuração da
sociedade de classes.
Na esteira da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o mundo passa por intensas
transformações. É nesse contexto pós-segunda guerra mundial que as grandes corporações
internacionais passaram a intervir na educação: Banco Mundial (BM), Fundo Monetário
Internacional (FMI), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ( Unesco)14. Essas
Organizações Internacionais (OIs) procuravam fortalecer o mercado dos países dominantes
que haviam se enfraquecido com os gastos da segunda guerra e difundiam um modelo
hegemônico de democracia que temia o sistema socialista. Foi no período da Guerra Fria que
essas organizações surgiram ou ganharam força.
Os críticos, no entanto, desconfiam do papel ativo dessas organizações nas políticas
educacionais, uma vez que as ideologias específicas por trás dessas atividades nem sempre
são condizentes com as metas nacionais. Em geral, as agências multilaterais são dirigidas
pelos países centrais, atuando em prol dos interesses dos representados (LEUZE; MARTENS,
RUSCONI, 2007). As OIs passaram a influenciar não apenas as políticas educacionais em um
nível macro, mas estabeleceram suas próprias agendas, passo este inicial para instituir um
nível transnacional de educação.
Em 1948, no contexto nacional, foi apresentado o anteprojeto da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), que enfrentou um extenso embate ideológico em relação às
propostas apresentadas. Havia três linhas: a nacionalista, a privatista e a internacional 15. Após
13 anos de discussões foi promulgada a LDB, Lei 4.024/1961, “prevalecendo as
reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no
confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos
brasileiros.” (BELLO, 2001, p. 8). A LDB de 1961 marcou a liberdade de ensino, ao
14
Agência especializada das Nações Unidas. 15
Esse período foi muito influenciado pelas políticas externas.
29
assegurar a igualdade entre os estabelecimentos públicos e particulares, em contrapartida ,
fomentou a expansão educação por meio da iniciativa privada.
Em busca de desenvolvimento científico e tecnológico e a inserção no mercado
internacional, o governo criou, na década de 1950, o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)
e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O CNPq tinha a
missão de promover, estimular e coordenar o desenvolvimento da investigação científica e
tecnológica em qualquer domínio do conhecimento. A criação do órgão foi o marco para a
sistematização da pesquisa científica no País. Na mesma direção, a Capes tinha o objetivo de
promover o aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, estimulando as atividades de
intercâmbio e a cooperação entre instituições e países, por meio da política de concessão de
bolsas de estudo. Na década de 1960, houve um grande impulso da pós-graduação no País,
que foi formalizada por meio do Parecer nº 977/1965. Desde a época, as políticas
governamentais passaram a promover o estudo de acadêmicos no exterior.
Lima e Contel (2011) ressaltam que, em 1976, a Capes organizou o primeiro processo de
avaliação de programas de pós-graduação, e, desde então, passou a interferir diretamente na
evolução das IES no País, por meio da avaliação sistemática dos cursos, da produção
acadêmica dos professores e dos programas de pós-graduação. O sistema de pós-graduação
baseou-se no arcabouço jurídico da Reforma Universitária de 1968, no modelo de
universidade norte-americano e teve como principal missão a formação de professores e
pesquisadores. Durante todo esse período, a ênfase das políticas do governo federal foi
promover a expansão do sistema; ao passo que a ênfase da Capes, responsável pelo
financiamento do sistema e pela avaliação do desempenho nas universidades coligadas, recaiu
sobre a combinação de parâmetros acadêmicos e critérios quantitativos (BRASIL, 2010b).
Durante o segundo período de Regime Militar (1964-1985), ocorreu a primeira reforma
universitária em 1968, a Lei nº 5.540/68, quando foram fixadas normas de organização e
funcionamento do ensino superior e mudanças estruturais nas universidades. Sob o regime
militar, a Lei teve como “propósito pautar as universidades brasileiras por parâmetros de
eficiência, de eficácia e de modernização administrativa, em uma perspectiva racionalizadora
e gerencialista da vida acadêmica.” (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, 2008, p.12).
A possibilidade de implementação de políticas que promovessem a democracia,
apresentando respostas para as demandas sociais de todos os brasileiros, foi enfraquecida pela
supressão dos direitos políticos e civis durante os períodos de ditadura (GUIMARÃES-IOSIF,
2009). Para Mancebo, Maués e Chaves (2006, p. 48), a Lei nº 5.540, que ainda rege o ensino
30
superior brasileiro, “fez-se acompanhar de toda uma legislação que reprimia as liberdades
mais básicas na sociedade e na academia”.
As mudanças propostas na Lei vieram ao encontro das prerrogativas do mercado de
trabalho diante da necessidade de mão de obra qualificada e das exigências dos organismos
internacionais (OIs) de financiamento – BM e FMI – para a modernização do País. Nesse
sentido, tornou-se necessário promover uma política de expansão do ensino superior. Para
Sguissardi (2008, p. 998), “sob o ‘espírito’ do regime político, ocorre de forma marcante o
primeiro grande movimento de privatização do sistema”. Conforme o autor, nos primeiros 10
anos do regime militar, o número de matrículas nesse segmento educacional passou de
142.386 para 937.593, contabilizando um aumento de 559,8%. As matrículas na categoria
pública tiveram um aumento de 289,1%, enquanto o crescimento das matrículas privadas foi
de 990,1%.
Com a retomada da democracia após duros 20 anos ditatoriais (1964-1985), a
Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabeleceu, no art. 207, o poder de autonomia
didático-científica e administrativa e de gestão financeira e patrimonial para as universidades.
Reafirmando que o ensino é livre à iniciativa privada (art. 209). O ensino superior privado
continuou a se expandir, pois “dos 1,5 milhões de estudantes universitários matriculados,
quase 900 mil encontravam-se em instituições particulares, fazendo crescer o debate da
democratização, autonomia e avaliação universitária.” (JENISE, 2008, p. 175).
A LDB instituída em 1996 (BRASIL, 1996) caracterizou-se como a reforma mais
marcante para o ensino superior. O art. 19 classificou as IES em duas categorias: públicas,
criadas e mantidas pelo poder público; e privadas, mantidas e gerenciadas por pessoas físicas
ou jurídicas de direito privado. O art. 20 enquadrou as instituições privadas em três tipos:
particulares, em sentido estrito, com fins lucrativos; comunitárias, sem fins lucrativos, que
incluam na entidade mantenedora representantes da comunidade; e confessionais e
filantrópicas, sem fins lucrativos.
A LDB permitiu a fragmentação do sistema e estabeleceu uma diversidade de cursos de
nível superior. Foram criados os cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis
de abrangência (art. 44); de tecnologia; e de extensão (art. 39). Para atender as novas
modalidades de cursos, foram abertos centros universitários, centros de educação tecnológica
e institutos superiores de graduação. A diversidade dos cursos e de instituições abertas incidiu
na ampliação significativa do acesso, por outro lado, a qualidade e a permanência no ensino
não acompanharam o novo ritmo.
31
As mudanças na configuração do ensino superior permitiram a consolidação da
iniciativa privada e uma maior atuação do mercado na organização do setor. Chaves (2010)
ressalta que o discurso de que o mercado é bom empreendedor e que via de regra a
privatização deve ser o eixo central a ser adotado, foi expresso na LDB, que acabou sendo
decisiva para a criação do mercado educacional. As diretrizes expressas nesta lei
impulsionaram a mercantilização do sistema de ensino superior no País.
As políticas do Estado brasileiro, tais como a Constituição Federal de 1988 e a LDB de
1996, subscreveram e alinharam-se às políticas capitalistas neoliberais de desenvolvimento.
Após a aprovação da LDB de 1996, foram aprovados dois decretos que redirecionaram os
rumos do sistema de ensino superior no Brasil. O Decreto nº 2.207 (BRASIL, 1997a)
classificou as IES no país em universidades, centros universitários, faculdades integradas,
faculdades e institutos ou escolas superiores. Essas modalidades visavam maior autonomia,
flexibilidade e oportunidade ao setor privado. O tripé – ensino, pesquisa e extensão – ficou a
cargo somente das universidades. Segundo o art. 13 do decreto, apenas as universidades
deveriam ter no mínimo 1/3 do corpo docente contratado em regime integral e pelo menos 1/3
dos professores com mestrado e doutorado, sendo pelo menos 15% com doutorado. Os
centros universitários tinham o mesmo grau de autonomia das universidades, todavia tinham a
prerrogativa de não precisar cumprir as mesmas exigências.
Logo em seguida, o governo aprovou o Decreto nº 2.306 (BRASIL, 1997b), permitindo
que as mantenedoras de IES assumissem a natureza civil ou comercial, ou seja, consentiu que
as instituições passassem a operar com fins econômicos. Apesar dos avanços educacionais
inegáveis, nas últimas duas décadas, a visão mercadológica instalou-se e promoveu um
modelo que vem se sobrepondo à garantia dos direitos sociais.
O estudo realizado por Silva (2002) apontou que, no decorrer das décadas de 1980 e
1990, a educação pública brasileira esteve sujeita à macropolítica de intervenção dos OIs,
dentre eles, o BM e o FMI, trazendo um novo direcionamento voltado para o ajustamento do
modelo de desenvolvimento econômico, que se estendeu às políticas sociais e educacionais. O
ajuste econômico foi acompanhado pelo ajuste social. A política de consentimento por parte
do governo federal foi constatada nas mudanças constantes na Constituição Federal (edição e
reedição de medidas provisórias), nas reformas administrativas e de Estado, na abertura
econômica, no controle dos investimentos no setor público e nos setores que induzem
gradualmente a prática da concorrência para os serviços públicos para serem redefinidos pelo
mercado capitalista.
32
As reformas implantadas na década de 1990 promoveram o crescimento expressivo do
segmento, que passou à nova tipologia denominada setor privado na educação superior,
estimulando a concorrência entre as IES. Situação em que se admitiu a categoria das
instituições com fins lucrativos. A LDB foi o marco da reforma instalada no País. O
dispositivo legal consentiu que o Estado assumisse o controle e a gestão das políticas
educacionais e promoveu a liberalização da oferta da educação superior à iniciativa privada
(CHAVES, 2010). “O setor passou a focar o gerenciamento de resultados, ficando a atuação
governamental restrita ao campo da avaliação como alternativa de regulação do novo setor.”
(TAVARES, 2011, p. 176). A educação superior passou a contar com o interesse de múltiplos
atores provedores, instigados por diferentes motivações.
Segundo Oliveira (2009), estamos diante de uma situação em que não é possível frear o
avanço do mercado educacional por formulações compartilhadas por parte da sociedade.
Mesmo com a previsão legal no texto constitucional de que a educação é um direito social e
dever do Estado, o mercado avançou vertiginosamente.
Diante dessas mudanças de cunho neoliberal, Henry Giroux (2011) destaca que os
problemas sociais foram privatizados e os espaços públicos mercantilizados. Houve uma
ênfase maior em soluções individuais para problemas socialmente produzidos, ao mesmo
tempo em que as relações de mercado e as instituições de comando do capital estão
dissociadas de problemas políticos, éticos e de responsabilidade. Nessas circunstâncias, as
noções de bem público e de cidadania são substituídas pelas exigências focadas na
responsabilidade individual e num ideal totalmente privatizado de liberdade. Na sociedade
orientada para o mercado atual, com suas incertezas e ansiedades em curso coletivamente
induzidas, o núcleo de valores públicos que salvaguardam o bem comum foi abandonado ao
abrigo de um regime que promove uma sobrevivência do mais eficiente na doutrina
econômica.
Com a difusão, em nível global, da ideologia neoliberal, seguida do concomitantemente enfraquecimento do Estado de bem-estar social, as pressões por
inovações decorrentes de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e da massificação da educação superior aumentaram sensivelmente. Da década de 1990 em diante, as universidades foram pressionadas a autofinanciar parte substantiva dos recursos de que necessitavam para cumprir suas múltiplas funções. No conjunto, esses aspectos têm contribuído para a privatização do sistema de educação superior, à medida que as instituições de ensino superior, dedicadas à atividade de ensino, passam a depender crescentemente do pagamento de taxas de escolaridade, inscrição
e anuidade; e as universidades dedicadas à pesquisa passam a depender substancialmente do investimento privado na direção da pesquisa útil, pragmática, simultaneamente voltada para a solução de problemas e para o curto prazo. (LIMA; CONTEL, 2011, p. 18).
33
Assim, a favor dos poderosos atores privados, foram instaladas novas formas de
organização das políticas públicas, de oferta da educação superior, de financiamentos e de
fomento à pesquisa. O governo passou a investir na formação de um sistema de ensino
superior voltado para as necessidades do mercado, distanciando-se da formulação de projetos
nacionais, estratégicos e de longo prazo, promotores da democratização da sociedade e de um
desenvolvimento mais autônomo do País. Utilizando-se da estratégia de redução dos
financiamentos públicos nos setores públicos, o governo criou bases legais para a expansão de
provedores particulares.
O caráter das políticas adotadas pelo Estado Brasileiro no governo de Fernando
Henrique (1995-2002) e no governo de Lula (2003-2010) promoveu deliberadamente a
“abertura da educação superior como campo de mercado desregulamentado”, atendendo a
duas fortes tendências no sistema de ensino superior: a privatização e a internacionalização
(ALMEIDA FILHO, 2008, p. 110). A privatização ampliou rapidamente o número de vagas,
principalmente nas instituições privadas, operadas por empreendedores que visam ao lucro.
A autora alerta que os países em desenvolvimento, como o Brasil, foram invadidos por
publicidade massiva dos programas de Master of Business Administration (MBA) e outros
pacotes de educação instantânea ofertadas por instituições norte-americanas e europeias, o
que coloca em cheque a qualidade da educação. A internacionalização intensificou-se com a
globalização econômica e financeira. Conforme Romão (2009, p. 36), “o fenômeno, agora,
não se dá apenas pela associação de IES nacionais e estrangeiras, para o intercâmbio
acadêmico, mas também, e principalmente, pela transferência de sua manutenção a grupos do
capital estrangeiro.”
Na última década, destacaram-se os processos avaliativos, estabelecendo rankings
nacionais entre as instituições, aflorando a competitividade do sistema. Em 2004, o governo
criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei
nº 10.861, com o objetivo de avaliar as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes.
Atualmente, a educação superior está diretamente ligada ao processo de globalização e às
diretrizes impostas pelas agências internacionais.
Sob a ótica lucrativa, este segmento é considerado como fonte de conhecimento e valor
para o mercado. “O Estado Avaliativo adquire a conotação de avaliação em todos os aspectos
da realidade educacional e em todos os níveis do sistema. Entretanto, é no ensino superior que
se verifica o maior impacto.” (MOROSINI, 2006, p.112). A busca constante pela educação e
certificação dos sistemas educacionais é um continuum presente nos patamares nacionais,
regionais e internacionais.
34
Nesse cenário, houve a redução do Estado do Bem-Estar Social e a ascensão do “Estado
Coordenador ou Regulador de último recurso” (DALE, 2010). Assim, o Estado-Nação atua
como agente provedor e regulador quando convém aos interesses de mercado, e se posiciona,
na maioria do tempo, como agente avaliador e coordenador. O foco maior das políticas
educacionais na atualidade é avaliar e fiscalizar até que ponto as instituições de ensino
fornecem os conhecimentos necessários para formar o capital humano capaz de fomentar o
mercado, seja formando mão de obra especializada, futuros consumidores ou
empreendedores.
2.2 PROGRAMAS DIRECIONADOS À AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR PÚBLICO E PRIVADO
O Estado brasileiro vem implantando diversos programas no âmbito da educação
superior para atender a demanda de alunos egressos do ensino médio, as exigências do
mercado de trabalho mão de obra especializada e a grande quantidade de vagas ociosas nas
IESPs.
O governo, nos últimos anos, criou programas como o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a Universidade Aberta do
Brasil (UAB) e o Sistema de Seleção Unificada (SISU) para promover o acesso ao ensino
superior público, todavia passou a adotar uma postura cada vez mais flexível em relação ao
setor privado. O número de matrículas nas IES públicas fica aquém da rede privada, que
corresponde a 74,6%. Constata-se que as políticas com maior impacto são as direcionadas ao
ensino superior privado, que beneficiam mais as instituições (com o preenchimento de vagas
ociosas) que os próprios estudantes, que ainda têm que manter os custos para estudar, como
passagem, alimentação, livros. O Quadro 1 apresenta os programas que ampliaram e visam
ampliar o acesso à educação superior.
Quadro 1 – Programas, objetivos e alcance.
Programa Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES
Instrumento legal Medida Provisória nº 1.827, de 27/05/99; Lei nº 10.260, de 12/07/01; A Lei nº 11.552, de 19/11/2007, reformulou o programa.
Ano de Criação Criado em 1999 e reformulado em 2007.
Objetivo Financiar cursos de graduação aos estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação nas instituições privadas. O programa financia até 100% das mensalidades do curso selecionado.
Alcance Desde o começo do programa até 2010, foram firmados 616.743 contratos, o que totaliza R$ 8,3 bilhões em financiamentos. Esse é o programa do governo federal que apresenta maior padrão tecnológico, tudo é feito pela internet, o que torna o acesso bem mais rápido e fácil.
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Programa Programa Universidade para Todos – Prouni
Instrumento legal Portaria MEC nº 3.268, de 18/10/2004; Lei nº 11.128 de 28/06/2005.
Ano de Criação Criado em 2004 e implantado em 2005.
Objetivo Permitir o acesso da população de baixa renda ao estudo universitário por meio da concessão de bolsas de estudo integrais ou parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior que em contrapartida recebem isenções fiscais do governo.
Alcance O PROUNI já ofertou, desde a sua criação até o 2º semestre de 2010, 1.128.718 bolsas. E beneficiou, até o processo seletivo do 2º semestre de 2010, cerca de 748 mil estudantes, sendo 69% com bolsas integrais.
Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB – Sistema integrado por universidades
públicas
Instrumento legal Decreto nº 5.800, de 08/06/2006.
Ano de Criação Criado em 2006.
Objetivo Oferecer cursos de nível superior para as camadas da população que têm dificuldade de acesso à formação universitária, por meio do uso da metodologia de educação a distância.
Alcance A UAB conta com: 92 instituições parceiras; 774 pólos de apoio presencial; 880 cursos de graduação, pós-graduação e extensão; e 180 mil matrículas efetuadas até 2010.
Programa Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais – REUNI
Instrumento legal Decreto nº 6.096, de 24/04/2007.
Ano de Criação Criado em 2007 com conclusão prevista para o fim de 2012.
Objetivo Ampliar o acesso e a permanência na educação superior pública. A meta é dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em dez anos, a partir de
2008, e permitir o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação.
Alcance Todas as universidades federais aderiram ao programa e apresentaram ao MEC planos de reestruturação, de acordo com a orientação do Reuni. As ações preveem aumento de vagas, ampliação ou abertura de cursos noturnos, aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, flexibilização de currículos e combate à evasão.
Programa Sistema de Seleção Unificada – SISU
Instrumento legal Portaria Normativa MEC nº 2, de 26/01/2010.
Ano de Criação Criado em 2009. O SISU é um sistema de seleção de estudantes, por meio das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para as vagas ofertadas pelas
instituições públicas de ensino superior participantes.
Objetivo Propiciar ao sistema federal de educação superior e às demais instituições públicas de ensino que aderiram ao SISU significativos ganhos operacionais e de custos. Ampliar as possibilidades dos estudantes egressos do ensino médio de candidatarem-se às vagas oferecidas por instituições públicas de todo o país, permitindo maior mobilidade acadêmica.
Alcance A partir das notas do Enem aplicado em 2009, 60.838 estudantes ingressaram no ensino superior em 2010.
Programa Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de
Ensino Superior - PROIES
Instrumento legal Medida Provisória 559/2012 e Lei n. 12.688, de 18 de Julho de 2012.
Ano de Criação Criado em 2012, o PROIES visa assegurar condições para a continuidade das atividades de mantenedoras de IESPs.
Objetivo Recuperar créditos tributários e ampliar a oferta de vagas no ensino superior privado por meio de bolsas integrais.
Alcance O programa visa criar mais de 500 mil vagas no ensino superior privado.
Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2010c; 2012b).
Dentro desse novo cenário, as políticas direcionadas à promoção da qualidade e
equidade ocupam cada vez menos espaço em um campo político de disputas onde o mais
importante é o lucro a ser obtido. Uma política que tem sido alvo de amplo debate é o Prouni.
36
O Projeto de Lei, criado em 2004, recebeu 292 propostas de emendas antes mesmo de ser
implantado. O governo federal cedeu à maioria das reivindicações das IESPs. A partir da
análise de algumas modificações sofridas pelo programa, fica evidenciado que, da forma
como foi sancionado, traz uma noção falsa de democratização, pois legitima a distinção dos
estudantes por camada social de acordo com o acesso aos diferentes tipos de instituições, ou
seja, contribui para a manutenção da estratificação social existente. O teor social do programa
se viu reduzido diante da voracidade das instituições privadas (CATANI; GILIO, 2005).
O Prouni foi implantado com uma engenharia administrativa, equilibrando o impacto
popular, o atendimento às demandas do setor privado, o atendimento às exigências do BM e a
restrição de políticas públicas de maior custo para o governo, tal como o investimento nas
universidades públicas. O Programa constituiu-se em mais uma política educacional de cunho
neoliberal e precisa ser melhor problematizado em estudos da área. Portanto, como o foco do
presente estudo não é esse, nossa análise sobre o programa será limitada.
A matéria do “Jornal Valor Econômico”, publicada em maio de 2012, revela que, neste
ano, o governo deixará de receber R$ 733,9 milhões referentes à isenção fiscal das
instituições privadas que ofertam vagas via Prouni. O montante representa alta de 44% sobre a
renúncia fiscal do ano passado. De 2005 ao primeiro semestre de 2010, o programa ofertou
mais de 1 milhão de bolsas, das quais 748 mil foram preenchidas. A lucratividade das
instituições particulares e as novas adesões à política educacional federal, a cada ano,
confirmam o forte avanço da renúncia fiscal. O jornalista Máximus alerta:
Desde seu lançamento, a isenção tributária proporcionada pelo Prouni totaliza mais de R$ 3 bilhões. Os especialistas também argumentam que, até o ano passado, o
modelo do Prouni favorecia o setor privado, que ganhava isenção fiscal apenas por aderir ao programa e abrir oferta de bolsas, não pelos auxílios efetivamente concedidos. “Não havia regra de escalonamento da renúncia. Se a instituição oferecesse 50 bolsas, mas preenchesse apenas 25 teria isenção total. Depois da mudança da legislação [em junho de 2011], o tamanho da isenção passou a depender do efetivo número de bolsas concedidas.” (MÁXIMUS, 2012).
O professor da USP, Rezende Pinto, aponta que os fatos levantam a polêmica discussão
sobre o modelo adotado no Programa. Não há contestação de que o Prouni promove o acesso
dos alunos de baixa renda no ensino superior. No entanto, o governo deveria imprimir
esforços para favorecer a inserção desses estudantes no setor público (MÁXIMUS, 2012).
Outro programa que vem fortalecendo as IESPs é o FIES. A Anhanguera (2012), maior
companhia do setor, ao apresentar em abril, o resultado do 1º trimestre de 2012 (1T12),
mostrou que a empresa já estava perto de atingir a marca de 40 mil alunos que utilizam o
37
programa. O FIES contribuiu para o crescimento de alunos captados no vestibular e para a
manutenção dos níveis de retenção. A empresa considera que o governo federal oferece
ótimas condições aos estudantes e acredita na expansão significativa das matrículas por meio
do programa. A Companhia Estácio (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2012) conta com 23 mil
alunos com o FIES e preencheu 99,3% das vagas ofertadas pelo Prouni, o que representou
cerca de 12 mil alunos a mais só no 1T12.
Martins (2012) reforça que o FIES também é um dos motivos do crescimento das
matrículas nas instituições dos grandes grupos educacionais. Segundo Galindo, presidente da
Kroton,16 no 1º semestre de 2010, a empresa contabilizou cerca 3,5 mil estudantes cadastrados
no FIES. E no 1º semestre de 2012, o grupo atingiu a marca de 37 mil alunos, o que equivale
a um aumento de 1.057%. O Prouni e o FIES são políticas educacionais, com vinculação
social, que atendem aos alunos que não tem condições de arcar com os custos de uma
instituição e demandam alto investimento público no setor privado, estimulando o
crescimento e fortalecimento deste segmento.
Vale ressaltar que o PROIES, política mais recente do governo direcionada à educação
superior, é mais um programa que vem fortalecer o ensino superior privado. O programa
propõe a troca de R$ 15 bilhões em dívidas por cerca de 560 mil bolsas de estudo, a serem
oferecidas nos próximos 15 anos pelas IESPs. Contrapondo-se ao previsto no texto original do
projeto, as entidades controladas por pessoa física ou jurídica não sediada ou não residente no
Brasil, ou seja, estrangeiras, poderão aderir ao programa. A Confederação Nacional de
Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE, 2012) ressalta que “parte das IES
que poderão se beneficiar do Programa é alvo de constantes denúncias dos trabalhadores, em
função da precarização do trabalho, da desvalorização de seus profissionais, da ausência de
democracia interna, entre outras questões estruturais e político-pedagógicas”. Por hora, fica
explícita a preocupação extremamente limitada com a valorização e a melhoria das condições
do trabalho docente.
Diante dessas políticas – Prouni, FIES, PROIES – e de tantas outras, é premente uma
política educacional que repense alternativas que venham favorecer o acesso dos estudantes
em instituições públicas e que leve em conta não só dados quantitativos. As reformas e a
criação das políticas públicas no Brasil são, com frequência, influenciadas por determinações
e fundamentos das políticas externas das OIs e do mercado privado. No Brasil, não há uma
norma legal de ensino superior concretizada. Existe um conjunto de leis, como a LDB,
16
Uma das maiores companhias educacionais.
38
Medidas Provisórias e Resoluções Ministeriais / Conselho Nacional da Educação (CNE), que
estruturam o modelo de ensino superior cada vez mais voltado para interesses privados e não
públicos. O posicionamento governamental favorece os conglomerados educacionais, que em
grande parte são financiados pelo capital internacional, e perpetua o processo de
desnacionalização da educação brasileira.
Em 2011, o governo federal criou a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação
Superior (SERES), órgão do MEC responsável pela regulação e supervisão de IES públicas e
privadas. A Secretaria tem o intuito de garantir que a legislação educacional seja cumprida e
suas ações buscam induzir a elevação da qualidade do ensino por meio do estabelecimento de
diretrizes para a expansão dos cursos e instituições. Após 1 ano de sua criação, a SERES
ainda não implementou medidas substanciais para regular o setor. No dia 10 agosto corrente
ano, o MEC criou, por meio da Portaria nº 1.006/2012, o Programa de Aperfeiçoamento dos
Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (PARES), visando aprimorar o
processo de regulação das IES e dos cursos. A coordenação do PARES ficará a cargo da
SERES. Um dos objetivos do programa é criar mecanismos e canais de participação da
sociedade no processo de regulação, sobretudo por meio de consultas e audiências públicas.
Entretanto, como o programa encontra-se em fase de implementação ainda não é possível
avaliar como será sua atuação diante da regulação das IES.
Na contramão desse processo, as instituições privadas estão se organizando para criar
uma entidade única comandada por um corpo executivo independente das instituições. Em
entrevista à “Revista Ensino Superior”, José Loureiro, vice-presidente do grupo Laureate,
rede internacional de IES no País, afirmou que “a melhor forma para fortalecer a
representatividade do setor seria criar uma organização independente, e talvez o melhor
mecanismo societário seja uma confederação, de forma que todos os diferentes tipos de
instituições estejam representados.” (LESZCZYNSKI, 2012, p. 16).
A intenção é criar uma ponte ainda mais direta com o governo, uma voz única com
Brasília. Enquanto o governo implanta programas e ações incipientes desorganizadas e pouco
articuladas, os grandes grupos educacionais buscam medidas efetivas para assumir de vez o
sistema de educação superior brasileiro. É preciso reforçar a luta por políticas públicas que
estabeleçam limites à ação dos grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros.
39
2.3 MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPACTO DA
GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL
Ao analisar o contexto contemporâneo, observa-se que a globalização não incide apenas
no aumento da circulação de produtos, capital e serviços com as empresas globais, mas
também no cruzamento de fronteiras entre as pessoas; e relaciona-se diretamente à mobilidade
humana, que se tornou um componente integral da economia global, com a procura de países,
empresas e trabalhadores para melhorar sua competitividade. A mobilidade da força de
trabalho especializada levou a educação para o campo internacional, ultrapassando as
fronteiras e situando o reconhecimento da educação superior no topo da política e economia
nacional e internacional.
Nesse cenário, ao longo das últimas duas décadas, os sistemas educacionais em todo
mundo sofreram mudanças significativas, que buscam interpretar e responder ao atual campo
de mudanças no contexto econômico, social e político dentro do qual a educação está inserida.
As políticas educacionais têm sido profundamente afetadas por estas transformações, processo
em que os governos nacionais têm buscado realinhar suas prioridades educacionais ao que
eles consideram ser os imperativos da globalização (RIZVI; LINGARD, 2010). Nesse
contexto, a educação superior despertou interesse não só das universidades ou dos governos
locais, mas também de novos atores nacionais e internacionais que passaram a ter grande
influência no processo de elaboração e implementação de políticas públicas, fazendo com que
o papel da educação como responsabilidade do Estado seja cada vez mais questionado.
A globalização neoliberal visa à criação de nichos na sociedade e, apesar de muitas
promessas enganosas, não permite que todas as pessoas tenham acesso à educação, à cultura,
ao conhecimento, e as novas tecnologias de informação e comunicação, fato este que promove
e massifica as desigualdades sociais. As mudanças ocorridas, em maior ou menor grau, no
setor educacional dos Estados-Nação e dos blocos regionais, estão atendendo as premissas
impostas pelo regime neoliberal para se inserirem no campo internacional e transnacional.
Nota-se que as novas regulações, a que os países e os blocos têm se submetido, estão
acontecendo em nível mundial.
As políticas globais estão sendo transformadas em políticas nacionais e os interesses dos
capitalistas são transformados em políticas públicas, ou melhor, estatais nacionais. Segundo
Romão (2008, p. 169), “as políticas do Estado Neoliberal não têm apresentado o caráter
público, isto é, voltado para os interesses das maiorias, mas, ao contrário, têm se caracterizado
por traços profundamente particulares ou privados, porque se voltam para a satisfação dos
40
interesses da acumulação.” O autor destaca que a globalização, ao criar novas conexões
internacionais entre as nações e o processo capitalista, gradualmente, internacionalizou os
Estados Nacionais ao impor novas obrigações e funções. As políticas públicas passaram a
atender aos interesses globais, ou seja, dos países dominantes. Porém, é importante ressaltar
que os países não são meros receptores das agendas postas pelas agências multilaterais
(MONFREDINI, 2009). Ao contrário, a privatização, o atendimento às regulações do
mercado e a diversificação dos sistemas, com todos os efeitos excludentes, inseriram-se na
própria constituição do Estado no decorrer do tempo.
Em entrevista à “Revista Ensino Superior”, Boaventura de Sousa Santos ressalta que a
economia globalizada alcançou também as universidades e transformou o conhecimento em
mais um produto a ser comercializado (FAGUNDES, 2012). Para o sociólogo, a universidade
está numa encruzilhada por duas razões: a) ser determinada por uma visão neoliberal, onde os
projetos nacionais não são mais o foco e não há uma economia nacional, mas sim uma
economia globalizada ; b) aceitar que o conhecimento seja cada vez mais ditado pelas regras
do mercado, o que transforma as universidades em empresas. Professores e alunos são
tratados como operários e clientes e não como cidadãos da própria universidade. Destarte, as
humanidades entram em profunda crise e o conhecimento valorizado é o que interessa ao
mercado. Seguindo a mesma discussão, Cowen (2002, p. 40) afirma:
Estas universidades similiares a empresas e geridas como negócios competem com outras universidades por prestígio e reputação – mas esse prestígio e reputação estão
marcados por instrumentos públicos de mensuração [...]. Do ponto de vista do seu entorno, este tipo novo de universidade se localiza num universo financeiro competitivo, o que significa que deve atrair clientes externos (estudantes, dotações de fundações de pesquisa) para garantir sua continuidade e existência.
Chauí (2001, p. 56) corrobora assinalando que “a universidade está estruturada segundo
o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia
como meio e as leis do mercado como condição”. Vale acrescentar que atualmente, não só a
universidade brasileira segue esses preceitos, mas também as políticas públicas e a própria
organização e gerência do Estado, que promovem a exclusão social intensificada pela
globalização neoliberal. Com a mudança do papel do Estado enquanto regulador das políticas
educacionais, grupos financeiros e organismos multilaterais passam a controlar ou exercer
grande influência nas decisões relacionadas aos rumos da educação superior no Brasil e no
mundo.
41
O espaço social – o enclave da universidade humboldtiana – é invadido e a distância política e econômica entre a universidade e o Estado se dissipa; mais precisamente, é eliminada pelas leis e agências do Estado para criar uma ética de competição e eficiência. Epistemologicamente, este novo tipo de universidade tem que oferecer conhecimentos interessantes para o mercado, vendáveis, ou seja, conhecimentos
pragmaticamente úteis. Esta universidade se localiza no âmbito de um mercado do conhecimento e tem de responder às demandas de seus usuários e clientes. (COWEN, 2002, p. 40-41).
A partir da concepção curricular relativista, o neoconservadorismo invadiu a sala de
aula. “Sendo tudo relativo, inexistindo verdades científicas e/ou políticas, não havendo
partido a tomar, nem posições a assumir, nem modelo econômico a denunciar , nem
transformações estruturais a construir coletivamente” (TIRADENTES, 2009a, p. 109). A
formação crítica e a práxis docente vêm sendo substituídas por uma infinidade de saberes
particulares, por disciplinas instrumentais e pela suposta formação para a cidadania. Uma
“cidadania abstrata” mais próxima da “cidadania corporativa” e da responsabilidade social,
que liberam as corporações de sua responsabilidade, afirma Tiradentes. A ausência de
questionamento mutila a capacidade crítica e até mesmo cognitiva do educador, que hoje não
se vê sujeito da própria história.
Se, por um lado, a globalização oferece novas e interessantes oportunidades, por outro
ela revela mais visivelmente as desigualdades e os limites do sistema. Segundo Rizvi e
Lingard (2010), o imaginário da globalização neoliberal levou a uma nova forma de pensar
sobre como os sistemas de ensino devem ser governados. Este ponto de vista da governança
educacional mostra sinais notáveis de convergência em torno de um discurso político de
educação proselitista por uma gama de organização internacional, incluindo a OCDE, o BM e
a Unesco, e abraçou prontamente os sistemas nacionais dos hemisférios Norte e Sul.
No Brasil, o desmonte do Estado-Nação acentua ainda mais a dependência econômica e
a desnacionalização das atividades desenvolvidas. Ao se globalizar, a Universidade deixa de
ser um “espaço em que as contradições no país poderiam expressar sua identidade e defender
os interesses coletivos, expressos numa superação de desigualdade social e na emancipação
econômica, política e cultural da maioria de seus habitantes” (ALMEIDA; SOUZA;
MANCINI, 2008, p.195). Em tempos de internacionalização e homogeinização dos Estados-
Nação, os desafios têm dimensões complexas e plurais quando se pensa nas questões sociais,
culturais, educacionais e históricas. Para Freitag (1986), a economia hegemônica procura
concretizar sua concepção de mundo na forma do senso comum, consequentemente faz com
que a sociedade interiorize os valores e as normas que asseguram o esquema de dominação
por ela implantado. O sistema educacional tem sido utilizado como agente mediador dessa
filosofia hegemônica.
42
É fundamental que a universidade reconstrua o seu ethos público, no sentido de ser uma
instituição que perpasse todas as instâncias sociais, convidando os diversos atores sociais para
se unirem em torno de um projeto nacional. Portanto, é imprescindível “romper com os
modelos fechados e quebrar os projetos acabados para colocar a instituição de educação
superior num constante processo de aprendizagem, bem como, diluir o paradigma
profissionalizante para recuperar a sua dimensão reflexiva.” (SÍVERES, 2006, p. 168). Diante
da complexidade da expansão da educação superior no Brasil, que ultrapassa as fronteiras
nacionais, é necessário que haja estudos e políticas públicas que repensem a perspectiva
mercadológica e contribuam para a qualidade educativa, que não se restringe às dimensões
técnicas e científicas, mas comporta inevitável e centralmente sentidos e princípios éticos e
políticos (DIAS SOBRINHO, 2002; 2010).
Uma das maiores contradições no contexto educacional do Brasil é compreender por que
ele acata as diretrizes impostas pelas agências multilaterais e pelo mercado nacional e global
quando sua economia está em pleno processo de crescimento? A resposta para essa questão,
de certa forma, relaciona-se com o novo modelo de governança educacional caracterizado por
uma teia de relações entre instituições nacionais e internacionais, que participam dos
processos de decisão voltados para a educação na esfera subnacional, nacional e
supranacional (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). Nesse panorama, entram em cena
Estado, mercado e sociedade civil, organizados no complexo jogo de poder (DALE, 2010).
Para Rizvi e Lingard (2010), diante da globalização em vigor, há uma notável mudança
no modo como a educação é governada. Essa nova dinâmica envolve a passagem de governo
para governança. Os governos nacionais não são mais a única fonte de autoridade política e
representam os interesses de toda uma gama de atores políticos, internos e externos, que
fazem parte dessa nova concepção de gestão pública e de atuação do Estado. Essa mudança
ocorreu a partir do fim da Guerra Fria e do surgimento da hegemonia do capitalismo
neoliberal em escala global e foi encabeçada, na década de 1980, pelos líderes políticos do
Reino Unido e dos Estados Unidos (Margareth Thatcher e Ronald Regan) e mais tarde
apoiada por governos em todo o mundo. Segundo os autores, o governo funciona dentro de
um Estado-Nação e dentro das estruturas burocráticas do setor público, que controlam as
estruturas e as práticas do Estado. Por outro lado, a governança, influenciada pelos princípios
da globalização neoliberal, extrapola os limites do Estado-Nação e direciona os governos para
uma nova forma de gestão pública, onde novos interesses e atores passam a fazer parte do
processo de tomada de decisão.
A nova forma de gestão pública do Estado brasileiro foi marcada pelo Consenso de
Washington, que recomendou mudanças para que houvesse uma reestruturação econômica
nos países latino-americanos. A Conferência Mundial, “Educação para todos”, realizada em
43
Jontiem na Tailândia em 1990, pela Unesco, foi o marco inicial das transformações sofridas
pela educação no contexto neoliberal. Esse evento consagrou, no campo educacional, o que o
Consenso de Washington consagrou no plano econômico-político. “Tanto um quanto o outro
são [...] elementos-síntese de um processo histórico multideterminado, e, em última instância,
traçam as diretrizes para a ‘Era do Mercado’.” (TIRADENTES, 2009b, p. 1). Os eventos
ampararam-se no conceito de que o mercado é a fundamentação legítima da economia e da
sociabilidade e de que a educação deve ser ofertada pelo mercado sob a forma mercadoria-
serviço e sob os regulamentos da produção e da circulação de mercadorias.
Segundo Ferreira (2001), em 1989, o Institute for International Economics, entidade
privada, convocou representantes do FMI, BIRD e do governo dos EUA para um encontro em
Washington. O objetivo era avaliar as reformas em curso na América Latina. O encontro
resultou no Consenso de Washington e a decisão tomada foi de que os países em questão
deveriam promover um conjunto de reformas, tais como: concentração de gastos públicos em
atividades voltadas para a educação, saúde e infraestrutura; reforma tributária; liberalização
financeira; eliminação das restrições legais à entrada de capitais estrangeiros; privatização das
empresas; desregulamentação do trabalho e da legislação. Nesse escopo, a globalização
neoliberal, pós Consenso de Washington, fez surgir o atual modelo de gestão pública, que
muitos denominam como governança, conceito que será discutido no próximo capítulo.
44
CAPÍTULO III – NOVAS ARENAS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL
Neste capítulo, apresentamos as concepções e práticas da governança, assim como a
influência do Banco Mundial (BM), da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), da Organização Mundial do Comércio (OMC) no novo modelo de
governança educacional. Ao final, discutimos a governança educacional contra-hegemônica a
partir da concepção de Boaventura de Sousa Santos (2010a).
3.1 CONCEPÇOES E PRÁTICAS
Desde a segunda metade do século XVIII, os Estados-Nação governavam as provisões
de serviços educacionais, financiando-as e estabelecendo padrões. Hoje, estamos no limiar de
mudanças fundamentais no campo político que fizeram com que o Estado passasse a dividir a
gestão da política educacional com vários agentes, especialmente com os organismos
multilaterais e os agentes de mercado nacional e internacional, que têm a educação como uma
de suas maiores áreas de interesse. A partir das décadas de 1980 e 1990, a natureza e função
da política educacional Estatal mudaram fundamentalmente, assumindo uma dimensão mais
voltada para a internacionalização e mercantilização da educação (LEUZE; MARTENS;
RUSCONI, 2007). A integração dos OIs e dos agentes de mercado neste campo político levou
a novas formas de governança, o que afetou fortemente o modo de se fazer políticas
educacionais nacionais. As áreas tradicionalmente consideradas como função e dever do
Estado (educação, saúde, segurança), passaram a ser compartilhadas.
O termo governança adentrou na esfera educacional na década de 1980 e tomou forma
no Documento Governance and Development do BM em 1992. “A governança é o modo pelo
qual o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país com vistas ao
desenvolvimento” (WORLD BANK, 1992, p. 1). Ao propor um modelo de “boa governança
educacional” difundido em quatro princípios: gestão pública baseada no princípio da
eficiência, estrutura legal, accountability, e transparência; o BM estabeleceu um novo
caminho para o desenvolvimento mundial através das reformas educacionais; e passou a
priorizar a instrumentalidade dos serviços. Tavares (2011) salienta que, desde então, o
conceito de governança passou a fazer parte também dos documentos elaborados por outras
agências de cooperação internacionais, tais como o FMI e o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD).
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Em seguida, o BM elaborou o seguinte documento: Higher Education: the lessons of
experience (WORLD BANK, 1994), que propunha uma maior diferenciação das instituições,
fortalecendo o desenvolvimento de instituições privadas; diversificação das fontes de
financiamento das instituições públicas, incluindo a partilha de custos com os alunos;
redefinição do papel do Estado no ensino superior; implantação de políticas que dessem
prioridade aos objetivos de qualidade e equidade. No quesito qualidade do ensino superior e
aumento das matrículas, o Banco sugeriu, aos países em desenvolvimento, que essas metas
devessem ser alcançadas com “pouco” ou “nenhum” aumento dos gastos públicos.
Lessard e Brassard (2009) apontam que um elemento central para se entender a
governança é a ideia de que os governos não têm mais o monopólio do poder legítimo: outros
organismos podem contribuir para a manutenção da ordem dentro do Estado-Nação e
participar da regulação econômica e social. Nesse sentido, a governança se refere à
capacidade de coordenar as atividades interdependentes, efetuando mudanças sem ter a
autoridade legal para ordená-la. Enquanto o governo no seu sentido estrito envolve
representantes eleitos ou representantes legítimos, a governança amplia o círculo de tomada
de decisão para incluir outros atores, setores e organizações. E o faz de tal forma que as
decisões tomadas apresentam um ar de legitimidade e criam uma impressão de eficiência e
eficácia na sua execução.
Portanto a governança é, em certo sentido, uma maneira de se referir aos processos
políticos de tomada de decisão baseados em uma rede de organizações e atores em
várias arenas políticas, onde o Estado passa a trabalhar em parceria com outros atores, a fim
de provocar uma ação para que a responsabilidade, os custos e os riscos sejam todos
compartilhados. “Ao contrário do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a
prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais
dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade
política ou econômica.” (SANTOS, 2011, p. 77).
A partir da década de 1990, ocorreram importantes reformas nos sistemas de ensino em
todo o mundo, principalmente nas destinadas a incentivar as instituições a serem mais
sensíveis às necessidades do capitalismo. Essa questão envolveu uma reavaliação dos
objetivos do ensino superior e a definição pelos governos de novas estratégias para o
futuro. Também envolveu mais espaço de manobra para as instituições (OECD, 2008). Essas
transformações na educação fizeram com que a governança adquirisse grande destaque na
política e pesquisa educacional, principalmente internacional, trazendo novas formas de
organização e planejamento dos serviços educacionais atrelados aos novos atores.
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A observação preliminar de Amos (2010, p. 26) é que a governança considera o
“surgimento e a influência do nível internacional ou transnacional indicativo de
transformações significativas no entrelaçamento dos Estados e as respectivas implicações
dessas novas configurações em áreas tradicionalmente consideradas focos de tarefas e
obrigações primordiais” dos Estados-Nação. Os organismos multilaterais, além de executar as
políticas educacionais em um nível multiescalar, criam suas próprias agendas e constituem um
nível transnacional na educação. A governança educacional está orientada pelo mercado e se
esforça para controlar os resultados educacionais por meio da avaliação.
A tomada de decisão na governança educacional, para Dale (2010), reside em diferentes
instituições de coordenação que dividem entre si o processo de governança no novo contexto
das políticas educacionais. No entanto, apesar de ter seu papel cada vez mais limitado pela
presença do mercado, o Estado, geralmente, assume a posição de “coordenação da
coordenação”. O autor chama atenção para o caráter multiescalar da governança educacional,
onde as políticas educacionais não podem mais ser concebidas como reserva exclusiva do
Estado-Nação. Assim, torna-se fundamental compreender e enfrentar essa nova dinâmica que
não significa apenas um jogo de soma nula, mais sim um jogo caracterizado por uma divisão
de trabalho entre as escalas, onde cada um tem seu papel a cumprir. Nesse sentido,
Boaventura Santos esclarece:
A governação é uma forma geneticamente modificada de direito e de governo, que procura tornar-se resistente a duas perigosas pragas: por um lado, pressões
populares, a partir de baixo, potencialmente caóticas; por outro lado, mudanças imprevisíveis das regras do jogo da acumulação de capital, causadas pela regulação estatal ou inter-estatal. [...] A sociedade civil admitida à participação na governação é a sociedade civil liberal, uma vez que só as suas organizações partilham os valores subjacentes à parceria e à coordenação auto-regulada. (SANTOS, 2010a, p. 409-410).
Desde a década de 90 do século passado, o autor relata que a governança tornou-se a
matriz política da globalização neoliberal, significando a estrutura básica de um ambiente
fomentador de toda rede de ideias pragmáticas de padrões de comportamento cooperativo,
partilhados por um grupo de atores selecionados com os seus respectivos interesses. Para
identificar o significado político da governança neoliberal, é preciso prestar atenção ao não
dito, ao que está silenciado, como o contrato social, a justiça social, as relações de poder e a
conflitualidade.
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De fato, as alternativas aos conceitos silenciados propostas pela governação são, todas elas, negativas, no sentido em que se definem por oposição aos conceitos de legitimidade: em vez de transformações sociais, a resolução de problemas; em vez da participação popular, participação dos titulares de interesses reconhecidos (stakeholders); em vez do contrato social, a auto-regulação; em vez da justiça social,
jogos de soma positiva e políticas compensatórias; em vez de relações de poder, coordenação e parcerias; em vez de conflitualidade social, coesão social e estabilidade de fluxos. (SANTOS, 2010a, p. 406).
Na nova estrutura do poder, Romão (2008, p.118) destaca que as organizações privadas
transnacionais assumiram papel tão importante que “acabaram se tornando uma nebulosa
governação sem governo. E isto aconteceu exatamente porque o mundo bipolarizado tornou-
se um mundo monopolarizado, com um centro suficientemente grande para não se submeter a
qualquer disciplina externa”. Dando continuidade a essa linha de pensamento, Tavares (2011,
p.180) assinala que o modelo de boa governança priorizado pela globalização neoliberal
constitui “a capacidade que o Estado tem de reduzir sua dimensão pública, impondo sua
minimização na condução das políticas públicas, as quais passam a depender do mercado, na
dinâmica própria da esfera do privado”. Portanto, o fortalecimento da dimensão pública
certamente implica no fortalecimento da própria sociedade civil uma vez que esta também
constitui agente crucial do processo contemporâneo de governança.
O conceito de governança ganhou espaço na área de políticas públicas de educação e
por todas as contradições e polissemias que o acompanha, certamente merece ser melhor
problematizado (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). É preciso ir além da concepção de
governança corporativa voltada para a educação que, segundo Tavares (2011), passou a fazer
parte da gestão dos estabelecimentos de ensino superior privados, que visam assegurar
sustentabilidade e retorno do capital investido. O importante dentro dessa concepção é cr iar
um modelo que aproxime a universidade ao molde empresarial, direcionado para a eficiência
e eficácia, tornando-a segura para seus proprietários, bem qualificada no mercado e atrativa
aos investidores.
O documento, Principles of Governance Corporate, da OECD (2004) conceitua a
governança corporativa como o elemento central para melhorar a eficiência econômica e o
crescimento, bem como fortalecer a confiança dos investidores. A governança corporativa
envolve um conjunto de relações entre a gestão da empresa, diretoria, acionistas e outras
partes interessadas. A governança corporativa também fornece a estrutura por meio da qual
são definidos os objetivos da empresa, os meios para alcançá-los e o desempenho de
monitoramento. Nesse entendimento, a boa governança corporativa deve proporcionar
incentivos adequados para a diretoria e a administração alcançarem os objetivos, além de
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facilitar o acompanhamento eficaz. A presença de um sistema eficaz de governança
corporativa ajuda a suscitar o grau de confiança necessário para o funcionamento adequado de
uma economia de mercado. Como resultado, o custo de capital é menor e as empresas são
incentivadas a utilizar mais recursos eficientemente, apoiando assim o crescimento.
Toda essa dinâmica da governança corporativa que há algumas décadas era apenas
utilizada no meio empresarial, passou a fazer parte, também, das instituições educacionais.
Segundo Cowen (2002), em quase todo o sistema-mundo, há um grandioso esforço para
vincular as universidades ao capital; para classificá-las; para criar novas formas de relação
entre universidade e capacidade produtiva; para padronizar programas de doutorado; e
consequentemente tornar as universidades eficientes, transformando ideias em dinheiro.
A partir dos novos contextos econômicos e produtivos, a governança, no campo das
instituições, sejam elas educacionais ou não, tem a finalidade de propor processos e estruturas
para uma relação mais harmônica e eficaz entre capital, gestão, exercício do poder,
organização e sociedade. Para Alves (2012, p. 134), “governança significa: administrar, gerir,
dirigir, comandar, reger, controlar um sistema e/ou uma organização. Atualmente, a
governança amplia seu espaço nas pesquisas e nas publicações em Ciências Gerenciais, mas
ainda muito pouco no âmbito das Ciências da Educação”. O autor ressalta que o tema da
governança educacional no Brasil segue pouco discutido e pesquisado.
Apesar de no campo nacional o tema governança ainda ser pouco explorado,
internacionalmente tem sido muito discutido, existe uma vasta literatura. O tópico a seguir
apresenta os caminhos da governança no contexto global e o impacto no contexto local.
3.2 OS CAMINHOS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL
O novo modelo de governança, influenciado pelos organismos internacionais, tais como
o BM, a OMC e OCDE, é um termo-chave na política educacional contemporânea e
relaciona-se diretamente com as profundas mudanças na área da educação. Essas
transformações direcionam-se a mecanismos mais competitivos e à descentralização dos
serviços educacionais, que envolvem instrumentos e meios de direcionamento das novas
formas de ofertar e organizar os serviços educacionais, além de estimular a participação de
novos atores na política educacional.
Com a inclusão da educação nas regras do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços
(AGCS) proposto pela OMC em 1995, esta passou a ser tratada como produto
comercializável, dispondo-se às iniciativas do mercado e dos novos provedores privados que
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atuam em âmbito local, nacional e transnacional. Esses organismos assinalam em seus
documentos a preocupação com questões de igualdade e equidade, entretanto priorizam
questões ligadas à eficiência econômica e à competitividade.
Entre 2000 e 2002, as delegações da Austrália, Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia
remeteram à OMC uma proposta exigindo ações para possibilitar a liberação do comércio de
serviços educacionais, em escala mundial, tendo em vista a importância comercial desse setor
e suas reais possibilidades de expansão e rentabilidade. Tanto a OMC quanto os países que
exportam serviços educacionais entendem que, a partir do momento que um país reconhece a
existência de instituições privadas, que têm fins lucrativos e que são provedoras de serviços
educacionais, esses programas passam a ser identificados como serviços comerciais (LIMA,
2006). O Brasil, apesar de ainda não ter oferecido seu mercado educacional ao AGCS,
imprimiu processos de privatização e comercialização da educação em todo país. Importa
ressaltar que a política educacional adotada, nas últimas décadas, criou um mercado
extremamente atraente para a iniciativa privada, sobretudo no ensino superior.
O Relatório da OECD (2008), Tertiary Education for the knowledge society, assinala
que, embora nem todos os países estejam na mesma posição na economia global, surgiram
uma série de tendências no ensino superior em todo o mundo:
a) Expansão dos sistemas de ensino superior
b) Diversificação da oferta
c) Heterogeneidade estudantil referente a gênero, idade, etnia e classe
d) Novas modalidades de financiamento
e) Foco na prestação de contas e desempenho
f) Novas formas de governança institucional
g) Rede global – mobilidade e colaboração
O Relatório esclarece que, ao longo das últimas décadas, mudanças importantes
ocorreram na liderança das IES, incluindo o surgimento de novas perspectivas sobre liderança
acadêmica e novas formas de organização da estrutura de tomada de decisão. Líderes
acadêmicos são cada vez mais vistos como gestores da aliança de construtores ou
empreendedores. Todas essas mudanças surgiram das novas formas de governança
educacional. Destarte, o ensino superior tornou-se mais internacionalizado e cada vez mais
envolve redes fortalecidas entre instituições, pesquisadores, estudantes e outros atores, como a
indústria.
Segundo Shultz (2012, p. 27), “a globalização e as políticas de redes transnacionais
veem a autoridade dispersada além do Estado-Nação e legitimam conhecimento(s) políticos e
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interesses, não necessariamente localizados dentro do Estado-Nação ou da comunidade local.”
Na arena educacional, as autoridades externas exercem o poder por meio de iniciativas
globais, tais como o Programa Educação para Todos17, o Programa International de Avaliação
dos Estudantes – PISA18 e o Processo de Bolonha19. Em todos esses programas, as pressões
modificaram os arranjos de governança para além das tradicionais noções do Estado-Nação e
de cidadania.
Para Dias Sobrinho (2002, 2010), na educação superior, um dos temas mais presentes
nas agendas das discussões e das políticas nacionais e internacionais é a “garantia da
qualidade”. Sendo que a qualidade passou a ser definida por critérios supranacionais baseados
em determinantes econômicos, que a reduz a uma representação dos resultados que as
instituições, feito empresas, devem ser capazes de demonstrar, tais como rendimentos
estudantis e quantidade de alunos ou de artigos publicados. A qualidade, na perspectiva
economicista hoje dominante, é baseada na formação como fator de competitividade e de
incremento de produtividade. Os critérios supranacionais de definição e de controle da
qualidade, nos moldes de um serviço comercializável, aprofundam a tensão entre cooperação
e competição e representam um duro golpe à autonomia universitária e à soberania nacional.
Após uma década de sua implantação, o Processo de Bolonha, tema de destaque na
agenda da União Europeia e no mundo, descreve os caminhos que os Estados-Nação vêm
trilhando diante das rápidas e constantes reformas da educação superior, alavancadas pelo
novo modelo de governança. O programa caracterizado pelo aligeiramento dos cursos,
padronização e instrumentalização curricular, desregulamentação da profissão docente e
mobilidade docente e discente, “sintetiza-se na busca do docente de menor custo onde quer
que ele esteja e do discente, igualmente, onde quer que se encontre e, ainda, na formação de
consórcios para fins de corte de custos salariais e de equipamentos”. (TIRADENTES, 2009b,
p. 3).
As mudanças ocorridas, aos moldes neoliberais, no campo educacional europeu,
respondem à mercadorização da educação e refletem nos demais países e blocos. Para se
adaptar ao conjunto europeu de globalização, cada país teve de fazer ajustes econômicos,
17 Programa lançado em 1990 na Conferência Mundial, Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia. A Unesco
foi a organizadora do evento. Vários países, inclusive o Brasil, grupos da sociedade civil, organizações não governamentais e agências como BM se comprometeram a alcançar as metas estabelecidas. Esse programa é aplicado à educação básica. 18
O Programa foi criado pela OCDE em 1997 e direciona-se à educação básica. Os testes, aplicados em vários
países, são padronizados. Para maiores informações, ver página do programa (http://www.oecd.org/pisa/). 19 O objetivo do acordo firmado em Bolonha, em 1999, é promover um sistema de educação superior
comparável: qualificação, padronização de currículos, acreditação, avaliação e mobilidade na área acadêmica.
51
diminuir as intervenções estatais e suas funções de provedores do bem-estar social, a serem
asseguradas em organismos supranacionais.
De acordo com Dias Sobrinho (2010, p. 175), “trata-se de uma reforma de cima para
baixo, sem que a comunidade universitária tivesse oportunidade de participar amplamente de
suas discussões. A comunidade acadêmica e científica teme que a universidade perca suas
perspectivas de longo prazo”. As funções essenciais da educação superior passaram a ser
questionadas, ao passo que o mercado econômico é quem está ditando as regras. O Processo
de Bolonha é um estímulo à privatização, direta ou indireta, da educação superior e a
transmissão de conteúdos que visam favorecer a competência laboral, para atender às
exigências do mercado atual. A elaboração de um contrato social entre educação e sociedade e
as políticas de formação para a cidadania não fazem parte dos objetivos desse processo.
Baseado no modelo anglo-saxônico, pode se consolidar como um pensamento único.
Um componente importante da nova governança educacional em escala global tem sido
a construção de um espaço de harmonização educacional a nível mundial. A OCDE tem sido
muito importante na construção deste espaço, por meio do seu trabalho de indicadores e do
PISA. Na verdade, Rizvi e Lingard (2010) apontam que a OCDE criou um nicho para si entre
as organizações internacionais como um repositório de especialização internacional
em matéria de medidas comparativas da qualidade dos sistemas educacionais. O PISA
demonstra o importante papel da OCDE, que agora joga como um ator político e mediador do
conhecimento, com o aumento da capacidade de moldar as prioridades da política na
educação, não só entre os seus países membros, mas entre os outros países não
membros também.
A concepção de governança, baseada no discurso neoliberal, fez com que o Estado
brasileiro passasse a contar com novos agentes financiadores e provedores dos serviços. Mas
para que isso acontecesse, o Estado teve que promover a privatização de alguns setores
públicos e a liberalização e desregulamentação do mercado. No campo educacional, a
mudança de governo para governança é claramente perceptível após a promulgação da
LDB/1996, quando o Estado diversifica e fragmenta o sistema educacional. Essas diretrizes
incidiram na expansão desregulada do sistema de ensino superior privado, que hoje
corresponde a 88,3% (BRASIL, 2012c); na contramão, o setor público conta com a
precarização das estruturas físicas e das condições de trabalho dos docentes, salários
insatisfatórios e a falta de financiamento público para pesquisas.
O quadro vigente distancia-se cada vez mais da criação de um sistema voltado para a
democratização da sociedade e para um desenvolvimento mais autônomo da academia. Desde
52
então, o sistema de educação superior conta com a influência mais direta do mercado
financeiro e dos grandes grupos educacionais. Assim, o Estado passou de agente provedor a
agente coordenador e fiscalizador.
Conforme Rizvi e Lingard (2010), nessa nova estrutura, a eficiência tornou-se uma
espécie de metavalor e os valores éticos e culturais da educação passaram a ser vistos em
segundo plano. A concepção de eficiência se relaciona com o fato de se alcançar os melhores
resultados acadêmicos, sem, no entanto, ampliar os recursos para o financiamento. Na
verdade, muitas vezes, há uma reestruturação para fazer mais com menos, com políticas que
muitas vezes procuram os chamados dividendos e eficiência. A concepção de eficácia é
concebida como o alcance de um conjunto de objetivos alocados dentro de prazos
determinados. A ênfase na eficiência e eficácia deu lugar a uma concepção particular de
accountability, bem como uma nova forma de se pensar e praticar a governança educacional.
Em 2000, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) criou níveis diferenciados de
governança corporativa, com a finalidade de proporcionar um ambiente de negociação que
estimulasse, concomitantemente, o interesse dos investidores e a valorização das companhias.
Nesse contexto, as companhias educacionais, que negociam ações na bolsa, passaram a atuar
com segmentos especiais de governança corporativa. O foco desses grupos é maximizar o
lucro e transformar as instituições de ensino superior em grandes conglomerados.
O rápido crescimento desse segmento, com uma nova tipologia que passou a ser denominado setor privado na educação superior, acirrou a concorrência, antes quase inexistente, entre as instituições de ensino superior. Assim o cenário da educação superior passou a acomodar além das instituições públicas, as universidades particulares, estas últimas resultantes do agrupamento de atores com diferentes formatos jurídicos e finalidades econômicas, compondo um conjunto bastante
diversificado e diferenciado em seus fins e na própria concepção de universidade. Tudo isso aconteceu com evidentes [...] reflexos na forma de administração acadêmica, nas relações com o alunado e com o corpo docente e técnico-administrativo, bem como na forma de inserção dessas universidades no meio social onde atuam. (TAVARES, 2011, p. 176).
A concepção de universidade dos grandes grupos educacionais é gerida pelo modelo
empreendedor, direcionado à governança corporativa. Esses grupos se valeram das mudanças
dos objetivos e das regras por parte do Estado. Hoje se presencia a transformação das políticas
de Estado para as políticas de governo que privilegiam os interesses e os valores do mercado.
Uma das demandas da Carta de Araxá,20 conforme Tiradentes (2009b) é o pleito à abertura,
pelo governo federal, do FIES para bancos privados e não somente para a Caixa Econômica
Federal (banco público), assim os banqueiros acionistas de IES supervalorizariam o capital
20
Documento final do II Congresso de Educação Superior Privada em Araxá-MG, 2009.
53
numa operação “ambígua e ambivalente”. Essa é uma das estratégias da governança
corporativa requerida pelas IESPs.
Santos (2011) pontua que o Estado alterou suas regras e configurações num jogo
conjugado de influências externas e internas. Todavia não há apenas um caminho e este não é
obrigatoriamente o da passividade. A globalização não impede a construção de um projeto
nacional. Sem este, os governos ficam à mercê de exigências externas, por mais descabidas
que sejam e este parece ser o caso brasileiro. A tendência é que os interesses corporativos
prevaleçam aos interesses públicos. Nesse quadro, a política das empresas consegue,
“mediante uma governance, a tornar-se política; na verdade uma política cega, pois deixa a
construção do destino de uma área entregue aos interesses privatísticos de uma empresa que
não tem compromissos com a sociedade local.” (SANTOS, 2011, p. 107). É mister corrigir as
direções equivocadas da governança vigente e primar pelos interesses da nação.
3.3 O MODELO DE GOVERNANÇA CONTRA-HEGEMÔNICO
Na tentativa de criar um modelo alternativo para se pensar a governança hegemônica, é
necessário que se fortaleça o modelo de governança contra-hegemônico que surge, ainda que
de forma limitada, da reivindicação de movimentos sociais organizados que querem fazer
parte do processo de decisão política em escala nacional e global. Apesar das diretrizes
neoliberais visarem à redução do espaço da sociedade civil, Santos (2010a) aponta que ela
tem conseguido se organizar e propor alternativas ao modelo hegemônico de globalização e
governança, articulando-se em redes nacionais e globais que lutam pela garantia de direitos
que estão sendo ameaçados pelas políticas públicas neoliberais.
Visando ao fortalecimento das organizações sindicais e associações representativas,
Guimarães-Iosif (2009; 2011) defende a oferta de uma educação para a cidadania local e
global de caráter emancipada, que educa cidadãos preparados para questionar até que ponto os
pactos e parcerias nacionais e internacionais comprometem ou contribuem para a melhoria
das condições de vida nos contextos locais. Este modelo de educação, ao valorizar a
politicidade, a cultura local, a diversidade de saberes, a organização coletiva e a intervenção
social, instrumentaliza os cidadãos a lutarem contra formas de colonização impostas por meio
de políticas públicas que, ao invés de se colocarem a serviço do bem comum do povo
brasileiro, privilegiam interesses escusos, geralmente voltados apenas para as demandas do
mercado global e do capitalismo econômico-financeiro.
54
O desafio é criar espaços para que agentes, educadores e instituições sociais se articulem
em prol da defesa de uma educação realmente democrática e de melhores condições para o
trabalhador, nesse caso os docentes, para que estes não sejam concebidos e tratados apenas
como uma mercadoria. Santos (2010a) acrescenta que o modelo de governança contra-
hegemônico propõe um novo modelo de emancipação e transformação social. Nesse contexto,
a sociedade civil encontra meios criativos e efetivos para se inserir inteligentemente no jogo
de disputas geralmente dominado apenas pelo mercado e/ou pelo Estado, interferindo
diretamente na definição da agenda e nas ações.
Aprendemos dos sistemas históricos do colonialismo que educadores tem comumente sido a infantaria de políticas opressivas, que são, geralmente,
responsabilidade de atores externos. Se o atual sistema econômico global criou um neocolonialismo que impõe estruturas e normas a cidadãos ao redor do mundo, então a resistência precisa trabalhar com este sistema globalizado, entendendo como os atores das formulações de políticas, espaços e conhecimentos restringem e permitem que as formulações de políticas se direcionem de uma forma específica. Com este conhecimento, educadores e formuladores de políticas educacionais podem trabalhar
com conhecimento e atores locais para que as políticas educacionais sirvam de forma mais eficiente às necessidades de todos os cidadãos locais. (SHULTZ, 2012, p. 38).
Perante a globalização e a dominação que o capital internacional ocidental exerce sobre
todo o mundo, Almeida, Souza e Mancini (2008, p.192) enfatizam a busca de uma nova
perspectiva: “a construção de uma globalização de oposição, que pode buscar a construção de
uma utopia, porém pode ir além, buscando a construção de uma realidade transformada, que
valorize as vozes do passado e permita o resgate de nossa emancipação” – promessa da
modernidade não cumprida e da qual necessitamos para a construção de um novo modelo de
governança com respaldo na justiça social. Shultz complementa,
Espaços de formulação de políticas reivindicados são muito mais fluidos do que espaços fechados e é o local onde vemos os aspectos democráticos do processo
político em sua totalidade e a possibilidade também para uma autenticidade mais profunda. Quando as pessoas decretam a sua cidadania elas criam espaços públicos onde processos de formulação de políticas são reivindicados. O forte caráter público desses espaços provê alguma resistência à hegemonia de normas políticas neoliberais, que lutam para enfraquecer o que é público em prol do que é privado. (SHULTZ, 2012, p. 36-37).
A criação de espaços de discussão fortalece as comunidades locais, que passam a ter
conhecimentos importantes sobre a formulação de políticas públicas e desvelam o jogo de
interesses que está por trás. Com um pensamento crítico, a população passa a reconhecer e a
55
reivindicar seus direitos e, assim, adquirem mais força para redirecionar as políticas para as
necessidades educacionais que visam ao bem comum.
Segundo Síveres (2006, p 166-167), “a universidade, para dar cumprimento a essa
missão, não pode ser uma simples organização reflexa do progresso econômico, mas uma
instituição potencializadora de um processo capaz de contribuir com a construção de uma
sociedade sustentável”. A universidade não pode ser uma ferramenta de reprodução do
sistema economicista, mas de renovação e de desenvolvimento da sociedade. Esses princípios
estão relacionados com a natureza da própria universidade.
O autor ressalta que, apesar desse ideário estar se fortalecendo, a universidade brasileira,
num contexto macro, está conectada aos interesses hegemônicos e profundamente vinculada
ao mercado. Portanto, essa instituição pouco tem contribuído com o fortalecimento da
sociedade e pouco tem se comprometido com a transformação social. “Nesse sentido, a
universidade, em vez de ser uma luz para iluminar a sociedade, se acomodou como uma brasa
para aquecer o aspecto economicista do mercado global.” (SÍVERES, 2006, p. 168). O
descompasso entre um projeto educativo (voltado para a formação humana e cidadã que se
implanta como uma peça na engrenagem do sistema social) e as exigências do setor
econômico dilui a função mais crítica e reflexiva da universidade.
Chaves (2010) pontua que a consequência dessa ideologia é a transformação da
educação em um grande negócio a ser comercializado pelo mercado de capitais e a
transformação dos universitários em clientes-consumidores, disputados no grande jogo de
interesses entre as instituições de ensino privadas. Estas reproduzem, de forma endógena,
relações mercantis, através de práticas instrumentais e utilitaristas, distanciando-se cada vez
mais da reflexão crítica e emancipatória da educação.
Atualmente, a política é feita no mercado e os atores são as empresas globais, que não
têm preocupações éticas, tampouco finalísticas. Vive-se a transição da política do estado à
política das empresas. Estamos assistindo à “não política”, quer dizer, à política das empresas,
sobretudo das maiores. “À medida que se impõe esse nexo das grandes empresas, instala-se a
semente da ingovernabilidade, já fortemente implantada no Brasil, ainda que sua dimensão
não tenha sido adequadamente avaliada.” (SANTOS, 2011, p. 69).
É nesse campo, que se observa a influência da governança nos padrões de tomada de
decisão, nas relações políticas e na forma com que os programas são implementados. Shultz
(2012, p. 34) discorre que os “cidadãos neoliberais são (ou são treinados para serem) cidadãos
autorreguladores: obedientes, consumidores da sociedade e não criadores da sociedade”. A
política e organização educacional estão a serviço da agenda multilateral, em diversos níveis,
56
primando para que haja um consenso entre todos. A autora reitera que nesse novo modelo de
gestão pública, os atores privados estão sendo movidos para instituições públicas, onde a
educação é desenhada para ser enxuta e ágil, ou seja, convergente com mudanças rápidas e
fluídas, conforme as forças do mercado e das exigências dos clientes. Tudo deve ser
compilado pelo enquadramento decisório, seguindo os resultados mensuráveis e as análises de
custos transacionais.
Compreender o complexo campo da governança da educação superior no País e
identificar quais são os maiores interesses dos agentes que fazem parte desse campo de
disputa tão importante para a sociedade é certamente um desafio. Assim, se quase 80% das
matrículas da educação superior estão nas mãos do setor privado, o que querem os atores que
controlam e que decidem o modelo de educação superior ofertado no Brasil? Como ficam as
condições do trabalho docente dentro dessa nova forma de se fazer educação superior privada
no País Brasil? Essas questões serão discutidas nos capítulos IV e V.
57
CAPÍTULO IV – AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
DOCENTE
À luz da Teoria de Marx, a produção capitalista é essencialmente produção de mais-
valia. Sob esse prisma, este capítulo foi construído com a finalidade de discutir os elementos
característicos da acumulação flexível do capital e as sobreimplicações desse processo no
trabalho docente.
4.1 SOBREIMPLICAÇÕES
A crise de acumulação de capital, no início da década de 1970, nos países ocidentais
desenvolvidos, trouxe ao capital formas flexíveis de reprodução. O capital dinamizou-se e a
força de trabalho livre foi lançada no mercado. O principal objetivo do capital é a
maximização dos recursos, que também é uma das características do atual modelo de
governança (DIAS, 2006). As novas exigências no modo de produção e racionalização
propaladas pelo capitalismo ultrapassaram as fronteiras nacionais configurando-se em práticas
ininterruptas de financeirização. Essas exigências transformaram sobremaneira o “mundo do
trabalho”. 21 Nesse escopo, as atividades laborais se ativeram à nova realidade. O livre
mercado já demonstrou nas crises passadas do capitalismo, e especialmente da atual, do que é
capaz:
A ‘mão livre do mercado’ é uma metáfora esperta para disfarçar os objetivos reais do mercado livre, que não são, como universalmente reconhecidos, nem a preservação ambiental, nem as dignas condições de trabalho dos trabalhadores, nem a qualidade dos produtos, nem a ética da prestação dos serviços, e em última instância o bem universal da sociedade. Se isso é válido para o mercado em geral, o
que dizer do mercado educacional? (SGUISSARDI, 2008, p. 1012).
A crise experimentada pelo capital, assim como suas respostas, das quais o
neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível são expressão, têm
acarretado um processo de transformação no cerne do mundo do trabalho. Entre tantas
consequências, presenciamos o desemprego estrutural e um crescente contingente de
trabalhadores em condições precarizadas, “conduzidas pela lógica societal voltada
21
Nas palavras de Antunes (2005), o tratamento detalhado da crise no mundo do trabalho, englobando um conjunto de questões, seria aqui impossível, dada a amplitude e a complexidade dos elementos constitutivos mais gerais da crise do movimento operário, além da crise estrutural do capital, bem como das respostas dadas pelo neoliberalismo.
58
prioritariamente para a produção de mercadorias e valorização do capital.” (ANTUNES,
2005, p. 15).
Em sua obra,22 Antunes (2005) apresenta um quadro analítico das “metamorfoses” que
vêm ocorrendo no mundo do trabalho e seus principais significados e consequências. O autor
nos remete à ascensão de Thatcher no Reino Unido, em 1979, que erigiu na variante
neoliberal sua forma mais ousada e virulenta. Uma nova agenda desenhou a trajetória do
labour. Pouco a pouco foi se delineando um modelo que alterou as condições econômicas e
sociais existentes na Inglaterra e em todo o mundo: a) privatização de praticamente tudo o que
havia sido mantido sob controle estatal (à exceção do metrô e do correio, todas as demais
atividades públicas, atualmente, encontram-se nas mãos do capital privado); b) redução e
extinção do capital produtivo estatal; c) desenvolvimento de uma legislação fortemente
desregulamentadora das condições de trabalho e flexibilizadora dos direitos sociais; d) e, para
destruir de vez a força societal, foi aprovado um conjunto de atos profundamente coibidores
da atuação sindical, visando destruir até as formas mais estabelecidas do contratualismo entre
capital, trabalho e Estado, expresso nas negociações coletivas.
Instituiu-se uma conjuntura que propiciou o advento da “nova cultura empresarial” ,23
marcada pela proliferação de conceitos e práticas como Escolas de Negócios e Gestão dos
Recursos Humanos. “Desprovido de uma orientação humanamente significativa, o capital
assume, em seu processo, uma lógica onde o valor de uso das coisas foi totalmente
subordinado ao seu valor de troca” (ANTUNES, 2005, p. 17) , onde a dialética societal se
inverteu e se transfigurou, tecendo um novo sistema de metabolismo estruturado pela
produção de mercadoria e valorização do capital. Assim a “classe que vive do trabalho”,
constituída por aqueles que vendem sua força, tem como núcleo central os trabalhadores
produtivos.
Segundo a Teoria Marxiana (MARX, 1984, p. 205), a produção capitalista não é tão
somente produção de mercadoria, é fundamentalmente produção de mais-valia. “O
trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral.
Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para
o capitalista ou serve à autovalorização do capital.” Fora da esfera produtiva material, Marx
exemplifica com o trabalho do mestre-escola:
22
Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 23
No próximo capítulo, veremos como essa “nova cultura empresarial” se desenvolveu no campo educacional brasileiro, em especial, na educação superior.
59
[...] um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha a cabeça das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera em nada a relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre atividade
e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar. (MARX, 1984, p. 106).
Para que haja o enriquecimento do empresário, a “intensidade crescente do trabalho
supõe o dispêndio ampliado de trabalho no mesmo espaço de tempo.” (MARX, 1984, p. 116).
Quanto mais for reduzida a jornada de trabalho, tanto mais pode crescer a intensidade. O
trabalho intensificado demanda um processo de captura da subjetividade 24 do trabalhador na
produção da mais-valia, que podemos chamar de “sobreimplicação”, conceito tecido por René
Lourau na década de 1990. Para entendermos a sobreimplicação no trabalho docente,
precisamos voltar ao conceito de implicação proposto por Lourau nos anos 70 do século
passado (2004a, p. 187): a implicação refere-se aos “[...] juízos de valor sobre nós mesmos,
sobre os demais, destinados a medir o grau de ativismo, de identificação com uma tarefa ou
instituição, a quantidade de tempo/dinheiro que lhe dedicamos (estando lá, estando presentes),
bem como a carga afetiva investida na cooperação.”
Ao aprofundar a noção de implicação, Lourau revela que o termo é portador de
múltiplos sentidos, sendo difícil conceituá-lo, pois estava além da ordem no trabalho social,
sob a pressão de movimentos “implicacionistas” como o do “potencial humano”. A lógica da
implicação, quando perpassa as restituições psicologistas ou sociologistas, põe em questão a
lógica hipotético-dedutiva, binária, antidialética, dos neopositivismos.
Segundo Mancebo (2007, p. 79), “nos anos de 1980/90, Lourau retoma o conceito de
implicação e chama atenção para um desvio utilitarista do seu uso”, construindo, assim, o
conceito de sobreimplicação. Para o autor, uma “nebulosa ideológica” com palavras que se
referem ao comprometimento, participação, motivação, investimento afetivo, promovem a
“síndrome da implicação” nos discursos das ciências sociais.
A sobreimplicação é uma deriva do conceito de implicação e relaciona-se à
subjetividade- mercadoria –, portanto uma ideologia normativa do sobretrabalho, gestora da
necessidade de implicar-se, isto é, no ativismo da prática, haja vista, que a instituição
permanece ocupada por um único e determinado objetivo. Logo, a sobreimplicação apresenta
24 “A subjetividade é a organização dos processos de sentido e significado que aparecem e se organizam de
diferentes formas e em diferentes níveis no sujeito e na personalidade, assim como nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua.” (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 108).
60
“aspectos extremamente passivos: submissão a ordens explícitas ou a consignas implícitas da
nova ordem econômica e social, ávida por preencher as grandes brechas produzidas tanto pela
desafetação quanto pela institucionalização, maior ou menor, do desemprego.” (LOURAU,
2004a, p. 191). A sobreimplicação contribui para práticas de acumulação de tarefas, sendo
esta a realidade dos docentes, que respondem à lógica capitalista contemporânea. Nas IESPs,
principalmente nas companhias educacionais, a flexibilização e a acumulação de tarefas
tornaram-se uma máxima, por meio da institucionalização de determinadas práticas, como
mudança nos currículos, otimização dos docentes, redução da carga horária, padronização do
sistema.
“A sobreimplicação é composta igualmente de virtudes exigidas dos empregados,
hierarquizados em grades de avaliação” (LOURAU, 2004a, p. 192), ordenando um
suplemento de espírito, garantindo o sobretrabalho diretamente produtor de identificação com
a instituição e indiretamente produtor de mais-valia em prol do empregador (instituição) e não
em favor do trabalhador coletivo (nesse caso, a classe docente). Nas palavras de Lourau
(2004a, p. 193), “é a autogestão ou a co-gestão da alienação.” Esta é uma situação de
desafetação silenciosa, embora vise ao instituído, é diretamente produzida pelo instituído. O
sistema político econômico, frente à ideologia liberal, além de transcender a questão da
felicidade, denegando-a com uma força e uma violência equivalentes às que exercia a
dominação teocrática, fabrica a soropositividade do gigantesco desemprego, por meio da
exploração subjetiva.
O trabalho, a subjetividade e a sobre-exploração apresentam-se organicamente fundidos
na sobreimplicação. O encanto que paira sobre a vida universitária pode, sob este prisma de
análise, voltar-se contra os docentes, que se transformaram em “trabalhadores ‘full-time’,
trabalhadores com 24 horas de trabalho diário” (MANCEBO, 2007, p. 79). As redes de
relações e produções capitalistas que permeiam o ambiente universitário vêm direcionando as
atividades docentes ao ajustamento da nova ordem econômica.
Marx (1983, p. 263) aponta que “o motivo que impulsiona e o objetivo que determina o
processo de produção capitalista é a maior autovalorização possível do capital, isto é, a maior
produção possível de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho
pelo capitalista”. É preciso indagar as reais contradições às quais estão inseridas a “força de
trabalho” e analisar as formas de exploração.
A gênese do capitalismo mundial deixa claro o processo destrutivo em relação ao
trabalho. O intenso e significativo processo de informalização e precarização da classe
trabalhadora “nos faz presenciar uma corrosão ainda maior do trabalho contratado e
61
regulamentado, que foi dominante ao longo do século XX, de matriz taylorista-fordista”.
(ANTUNES, 2011, p. 406). O autor acrescenta que, em pleno século XXI, milhares de
pessoas realizam trabalhos parciais, precarizados e na informalidade, enfrentando jornadas de
trabalho de até 17 horas diárias. O capital vem desempregando o trabalho estável ao substituí-
lo por trabalhos informais que se encontram em enorme expansão.
À luz do caso brasileiro, observa-se que os efeitos dessas mudanças capitalistas
neoliberais vêm atingindo as relações de trabalho na educação superior pública25 e privada de
forma direta e/ou indireta, por meio do ajuste da economia nacional e das privatizações a
partir da década de 1990, que levaram ao produtivismo acadêmico; à ampliação da jornada de
trabalho (com a não reposição de quadros vagos); à realização de diversos serviços
concomitantemente com a sala de aula; ao aguçamento dos contratos temporários; dentre
outras tantas práticas. “A intensificação do trabalho docente na nova dinâmica capitalista, tem
sua matriz na complexificação da classe trabalhadora, processo este que esteve lado a lado
com a desregulamentação do trabalho e com a ‘terceirização’ / privatização da educação.”
(OLIVEIRA, 2011, p. 42).
As reformas primam pela instabilidade do trabalhador em todas as áreas. Para Oliveira
(2011), as recomendações das agências internacionais, expressão do controle imperialista nos
países em desenvolvimento, advogaram estratégias de quebra das condições objetivas e
subjetivas do trabalhador docente. O objetivo era pressionar e controlar o trabalho docente ao
efetuar mudanças significativas no sistema de financiamento, nas matrizes curriculares, na
gestão das instituições e por meio da captação de recursos em outros setores.
Atualmente, a informalização do trabalho é um traço constitutivo e crescente da
acumulação de capital que se coaduna com os princípios neoliberais. Em decorrência, a
racionalização e a organização capitalista “respondem aos esforços de manutenção e
fortalecimento da dominação e subordinação, cujos ‘instrumentos’ e ‘meios’ para a
consecução dos objetivos hegemônicos incluem o trabalhador docente, pois este é visto como
‘recurso humano estratégico’.” (OLIVEIRA, 2011, p. 41). Nesse contexto, as políticas
engendram um novo nível de subsunção do trabalho ao capital calcado na mercantilização
crescente da educação, onde o protagonista – professor – está sob às leis do mercado.
Na medida em que o trabalho do professor é formador de valor, ou seja, uma fonte de valor, em nada se distingue de qualquer outro trabalho, como o do produtor de giz, livros, computadores etc., realizado nos meios de produção da educação. Somente por causa dessa identidade é que produzir giz, livros e computadores podem ser partes diferentes, apenas quantitativamente, do mesmo valor total (o valor
da educação). (SILVA, 2009, p. 81).
25
Os estudos de Mancebo (2007; 2010) e Silva (2009) apontam que os docentes das universidades públicas também sofrem com as práticas capitalistas inseridas no campo do trabalho.
62
A qualidade, a natureza e o conteúdo do trabalho, nesse aspecto, já não têm importância
significativa. Segundo Silva (2009), trata-se somente da quantidade desse trabalho e de um
valor de troca. Destarte, valor e valorização da força de trabalho são duas grandezas bem
distintas, no processo chamado “trabalho”. Para o mercado, em específico os empresários da
educação, é crucial que o valor de uso dessa “mercadoria” não seja somente fonte de valor;
mais do que isso, precisa gerar mais valor do que ela possui. Esse é o diferencial que o
capitalista busca na força de trabalho do professor. “O empresário da educação, como
comprador, paga toda a mercadoria por seu valor: giz, papel, livros, computadores, carteiras,
força de trabalho docente. Depois, como qualquer outro comprador de mercadorias, consome
seu valor de uso.” (SILVA, 2009, p. 82). O método de consumo da força de trabalho docente
– processo de produção de educação – gera um serviço educacional com um determinado
valor em reais.
Desse processo, as redes de ensino extraem o valor e a mais-valia, em outras palavras,
transformam seu dinheiro em capital. “Como corolário da tendência de tudo ser transformado
em mercadoria pela sociedade capitalista, é que se pode entender que os serviços
educacionais, como um direito e um bem público, possam ser considerados como uma
mercadoria, a educação-mercadoria”, objeto de exploração da mais-valia (SGUISSARDI,
2008, p. 1013). Essa prática não ocorre somente entre os empresários da educação, mas até
certo ponto, e inclusive, para os interesses privado/mercantis do aparelho do Estado.
Nesse cenário, o Estado brasileiro implantou reformas direcionadas à reinserção da
economia nos circuitos internacionais, conciliando-as aos interesses de grupos internos e
externos. As mudanças setoriais e estruturais pautaram-se nos princípios da administração
gerencial. A racionalização da gestão pública acarretou no “rígido controle sobre o
desempenho dos servidores, orientação por metas e resultados e não por processos, aferição
de resultados mediante indicadores definidos a priori, delegação de responsabilidades a
terceiros, descentralização de serviços” via setor privado (SILVA, 2011, p. 341). Assim
estimulou-se a parceria com o setor privado que precarizou ainda mais as condições de
trabalho. Essas reformas, não atingiram apenas os aspectos objetivos das relações entre
docentes, empregadores e protocolos de trabalho. Conduziram “um processo de redistribuição
do poder social que acarretou em modificações no próprio modo como cada grupo social se
auto representa, se pensa e configura seu destino social no trabalho e na própria sociedade.”
(MANCEBO, 2010, p. 81).
Essas mudanças, segundo Antunes (2011), caracterizaram-se por um processo
tendencial de precarização da força humana de trabalho e adquiriu uma dimensão maior, uma
63
vez que os capitais globais passaram a exigir o desmonte da legislação social protetora do
trabalho. A flexibilização da legislação social promoveu, ainda mais, os mecanismos de
extração do sobretrabalho e expandiu medidas de destruição dos direitos sociais conquistados
pelas classes. “Uma fenomenologia preliminar dos modos de ser da informalidade demonstra
a ampliação acentuada de trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporários, sem
estabilidade, sem registro em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas”.
(ANTUNES, 2011, p. 408).
Observa-se que essa informalidade incide no trabalho docente, tanto das instituições
públicas quanto privadas. No entanto, esse processo se intensifica no setor privado, pois, ou
os docentes aceitam as novas formas de trabalho (que diminuem o vínculo institucional, além
de não garantir os direitos trabalhistas básicos – aposentadoria, auxílio-doença, licença-
maternidade, FGTS) ou permanecerão na condição de desempregados.
Durante as discussões no IV Encontro Nacional do Sindicato Nacional dos docentes das
instituições de ensino superior (ANDES-SN) sobre a Saúde do Trabalhador, realizado em
maio de 2012, em Curitiba, o professor Eduardo Silva apontou que quanto menor a autonomia
no trabalho, mais rígidas são as prescrições e o modo operatório de realização da tarefa:
trabalho patogênico. “O não reconhecimento do trabalho intensifica sua dimensão patogênica,
e o não reconhecimento de si no produto do trabalho gera o estranhamento. Assim, o
produtivismo acaba gerando o esvaziamento do sentido.” (ANDES-SN, 2012b, p. 3).
Conforme Mancebo (2010, p. 78-79), “o aumento da exploração do trabalho docente, no
Brasil, ademais como em todos os países latinos, deu-se em especial pela flexibilidade
registrada nos regimes de trabalho e consequente quebra da carreira docente, onde ela
existia.” Segundo Mancebo, sabe-se da existência de expedientes menos ortodoxos de
flexibilização da contratação e do regime de trabalho nas IES públicas e privadas, tais como a
utilização de alunos da pós-graduação como professores substitutos, bolsistas, monitores e
professores-tutores para a educação a distância.
As políticas implementadas na educação superior brasileira e seus efeitos sobre o
trabalho docente desenvolvem-se num ambiente macro e determinante, de modo que – o
empresariamento, a mercantilização, a privatização, a produtividade, a competitividade, o
conformismo e a heteronomia institucional e profissional – aproximam-se e são
complementares às principais categorias das reformas advogadas no Processo de Bolonha, no
modelo de educação difundido pelo BM e nas proposições da OMC (MANCEBO, 2010).
Esses conceitos direcionam a gestão das universidades aos moldes empresariais, esvaecendo o
64
seu caráter de instituição social voltada para a formação crítica e para a solução de problemas
nacionais.
Por fim, deve-se considerar que ações isoladas, mesmo que exemplares, são insuficientes e que uma reforma radical da universidade requer avanços coletivos nas lutas anticapitalistas, com as quais deve-se dialogar e interagir para que a universidade possa levar adiante sua responsabilidade crítica diante da sociedade. (MANCEBO, 2010, p. 87).
Mancebo acrescenta que a oposição e a resistência individual e coletiva são difíceis e
dolorosas. Mas a autora acredita que o sindicalismo deve ser a principal resistência coletiva.
Segundo Demo (2000), o processo de emancipação ocorre por meio da organização coletiva
“organizada”. É mister que sejam discutidas novas maneiras de pontuar essa questão. A partir
do sindicato é que pode haver uma solução para encarar essa situação, para tanto é necessário
que o sindicato trabalhe com pautas unificadas.
4.2 ORGANIZAÇÃO COLETIVA E POLITICIDADE DOCENTE
Ao falar em luta, ações e avanços coletivos, Antunes (1994) assinala que os sindicatos
nasceram dos esforços da classe operária que lutavam contra o despotismo e a dominação do
capital. À época, a função primordial dos representantes de classe era evitar que os níveis
salariais assentassem abaixo do mínimo necessário para sobrevivência do trabalhador e
impedir que o capitalista tratasse os interesses individuais do operário.
É preciso resgatar como se deu a origem dos sindicatos e trazer para a
contemporaneidade o sentido de luta e conquistas que foram se perdendo no desenvolvimento
da sociedade neoliberal, focada no individualismo, na liberalização e na flexibilização. “O
thatcherismo reduziu fortemente a ação sindical, ao mesmo tempo em que criou as condições
para a introdução das técnicas produtivas, fundadas na individualização das relações entre
capital e trabalho e no boicote sistemático à atuação dos sindicatos”. (ANTUNES, 2005, p.
68). Portanto, partiu-se de um sistema de precária regulamentação que possibilitava a ampla
atividade sindical, para uma sistemática de extensa regulamentação, restritiva para os
sindicatos e desregulamentadora no que tange às condições do mercado de trabalho.
Em “Adeus ao trabalho”, Antunes (2006) ressalta que o quadro complexificado de
múltiplas tendências e direções afetou agudamente o movimento sindical, atingindo
especialmente na década de 1980, os países de capitalismo avançado; e posteriormente, dada a
dimensão globalizada e mundializada dessas transformações, na virada da década de 90 do
65
século passado, atingiu também os países de Terceiro Mundo, particularmente aqueles
dotados de uma industrialização significativa, como o Brasil e o México, entre tantos outros.
Para o autor, a crise sindical se depara com um contexto mediado pelas seguintes
tendências: 1) crescente individualização das relações de trabalho, deslocando o eixo das
relações entre capital e trabalho em âmbito nacional para a esfera micro, para o lócus de
trabalho, isto é, para a empresa. O sindicalismo de empresa nasceu na “Toyota” e se expandiu
mundialmente; 2) uma fortíssima corrente no sentido de desregulamentar e flexibilizar ao
limite o mercado de trabalho, que atingiu duramente as conquistas históricas do movimento
sindical; 3) o esgotamento dos modelos sindicais vigentes, que os obriga em escala global, a
lutar novamente, sob formas mais ousadas e em alguns casos mais radicalizadas, pela
preservação dos direitos sociais conquistados e pela redução da jornada de trabalho.
A ação do sindicalismo docente precisa ser analisada sob a ótica da sociedade na qual
está inserida, das mudanças correntes e das mudanças que são necessárias operar nela. O
sindicato precisa ocupar um lugar de agente de transformação e de mudança na sociedade. “O
docente é um agente de transformação. O mesmo conceito aplica-se ao sindicato.” (DAL
ROSSO, 2009, p. 12). O sindicato é um instituto voltado para a transformação da sociedade
no sentido de superar os grandes problemas sociais e culturais recebidos das gerações
anteriores e perpetuados contemporaneamente. Dessa feita, o sindicato tem um papel de
contestação e desafio à ordem estabelecida. O sindicato precisa ir além da ordem, questionar a
validade e apresentar parâmetros para mudanças.
É nesse sentido de contestação e desafio à ordem estabelecida, que a greve dos docentes
das universidades e das instituições federais de ensino (IFE) durou 4 meses. A paralisação
teve início em maio do corrente ano e atingiu 57 universidades federais e 74 institutos
federais. “O movimento grevista representa a maior paralisação no Setor da Educação Federal
nos últimos dez anos, demonstrando o descontentamento em relação às condições de trabalho,
ensino, permanência e denunciando a precariedade nas IFEs”. (ANDES-SN, 2012c). O
movimento mostrou que os docentes das instituições públicas, apesar de não terem que lidar
diretamente com as sobreimplicações da formação dos oligopólios na educação superior
privada, também sofrem com o atual modelo de política e governança educacional brasileiro.
Apesar dos esforços, os sindicatos estão cada vez mais desacreditados pelos docentes e
perdendo o foco, isso faz parte dos ideais neoliberais que visavam desde o princípio a
desvalorização dos sindicatos e a fragmentação das organizações.
66
Por seu turno, a questão docente, em que pesem os esforços das entidades, associações e sindicatos tornou-se precípua se almeja modificar e estender políticas sociais. As relações entre o Estado brasileiro e os docentes são tensas, pois são relações capitalistas inseridas no campo do trabalho e dos direitos e deveres, e ambíguas, pois nos governos não há consenso sobre piso salarial, carreira e
aperfeiçoamento profissional. (SILVA, 2011, p. 341-342).
Faro (2012) afirma que o Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP) fez uma
análise de todas as alterações nos PCs das IESPs, relacionadas aos instrumentos de
valorização dos professores. Constatou-se um triplo objetivo: 1) desestruturar os PCs
existentes anteriormente; 2) ampliar e promover obstáculos que os docentes precisam vencer
para alcançar níveis elevados em sua vida acadêmica; 3) introduzir novas e reduzidas
referências salariais para cada um dos estágios reformulados nos PCs. Essa prática retrata a
violência contra a ideia de valorização da atividade docente já que sua “operacionalização tem
como reflexo ‘zerar’ as recompensas simbólicas e materiais instituídas num determinado
momento da carreira, substituindo-as por um novo ordenamento cujo efeito desestabiliza a
atividade.” (FARO, 2012, p. 17).
O PC dos docentes do ensino superior constitui, atualmente, uma exigência legal para
todas as IES do país. A LDB/1996 exigia o PC apenas para as universidades. A partir da Lei
nº 10.861/2004, que instituiu o SINAES, bem como do Decreto 5.773/2006, que dispõe sobre
a regulação, supervisão e avaliação das IES, todas as instituições devem criar seus PCs.
Todavia, as leis não estabeleceram os critérios de constituição desses planos.
A carreira docente, portanto, deixa de ser vista e respeitada pela instituição particular de ensino pela sua afirmação, já que a vida universitária requer de seus quadros uma atividade que se desenvolve na perspectiva do tempo, de forma ininterrupta e progressiva, de acordo com critérios objetivos e mensuráveis de antiguidade e de titulação/mérito/produção, conjunto de compromissos que agregam valor às atividades desenvolvidas pela instituição e em troca das quais o docente
recebe reconhecimento simbólico e material. (FARO, 2012, p. 17).
Quando os PCs são formulados a partir das três variáveis – titulação, mérito, produção
– inspiradas na racionalidade financeira, as redes de ensino pensam os PCs a partir da
“negação” de sua necessidade para a vida acadêmica. Da forma como são conduzidos, os PCs
representam, para a categoria, um estado permanente de suspensão. Uma vez que as
mudanças fazem com que a ascensão profissional assemelhe-se a uma corrida de obstáculos.
Faro (2012) defende a tese de que as mudanças arbitrárias requeridas nos PCs pelas empresas
de ensino precisam ser questionadas quanto a sua constitucionalidade diretamente no
Supremo Tribunal Federal. Visto que não há informação de que algumas delas tenham o
67
objetivo de consolidar ou resgatar o significado da carreira acadêmica. Nesse quesito, superar
o esvaziamento da docência universitária trará o melhor dos resultados: realocação das coisas
no devido lugar, restaurando o seu verdadeiro significado.
Do ponto de vista da análise institucional, a sobreimplicação no trabalho docente “não
só produz sobretrabalho, estresse rentável, doença ou morte e mais-valia, como também cash-
flow – benefício absolutamente nítido consagrado ao reinvestimento e, portanto, ao
crescimento indefinido da empresa-instituição”. (LOURAU, 2004a, p. 195).
O “quadro político-econômico neoliberal da mundialização do capital e da
reestruturação dos paradigmas da produção e da gestão do trabalho” (TIRADENTES, 2009a,
p. 117) fortificou o processo de mercantilização da educação superior empreendido nas
últimas décadas, concorrendo para a desqualificação docente e para a perda de sentido de seu
trabalho, assim como para a descaracterização do processo pedagógico e das relações
educacionais.
A valorização das ações, paradoxalmente, ocorre pela descaracterização da atividade-fim da empresa que, neste caso, para baixar custos, rompe com qualquer
caráter acadêmico e social de qualidade. O capital fictício alimenta-se de cadeias especulativas que pouco guardam relação com atributos da mercadoria, mas com sua representação no mercado. Se a representação (ou capital de marca) pode derivar de uma potente estratégia de marketing, a extração de mais-valia desloca-se das atividades-fim, o ensino, a pesquisa e a extensão, definidos por lei, para o relacionamento com o mercado. E os custos com a força de trabalho, ampliados pela
inserção dos trabalhadores produtores de valor de marca, devem ser enxugados das atividades docentes. (TIRADENTES, 2009a, p. 105).
Estudar o trabalho docente “como um processo de trabalho é concebê-lo como uma
atividade orientada para a transformação de jovens e adultos em pessoas com boa formação
humana, acadêmica, profissional, técnica, etc. E quanto mais adequado o trabalho a esse fim,
tanto melhor é a educação”. (SILVA, 2009, p. 81). Na Constituição Federal, a valorização do
magistério é condição necessária para garantir o padrão de qualidade da educação pública
brasileira. O que se tem observado, contudo, é uma crescente precarização das condições de
trabalho em todos os segmentos educacionais.
Diante das transformações no mundo do trabalho, que atingem diretamente o cenário
acadêmico, Cowen (2002) afirma que é possível falar em “erosão” da liberdade acadêmica.
Para o autor, esse processo está se desenvolvendo em quatro maneiras:
a) Grande parte dos sistemas universitários tem orientação para o mercado, com foco na
quantidade de resultados e não na qualidade de resultados, simbolizando as regras da
68
competição. O discurso de excelência acadêmica transformou-se em um discurso sobre
competição, clientes, rendas, despesas e participação no mercado.
b) Para alcançar sucesso no mercado, as instituições são gestadas para maximizar a
produção, gerindo eficientemente os recursos humanos – funcionários, docentes,
discentes.
c) Quando as regras para competição são internas, ou seja, em âmbito nacional, os dois
processos acima se situam em graus extremos. “O discurso sobre originalidade
disciplinar, amplo domínio do conhecimento e trabalho intelectual individual se
transforma num discurso sobre desempenho institucional comparado e hierarquizado em
escalas nacionais de classificação”. (COWEN, 2002, p. 46).
d) Em casos extremos, o governo amplia as técnicas de monitoramento desde a pesquisa
até o ato pedagógico, passando a fazer uso de um discurso gerencialista visando
padronizar todas as rotinas de ensino.
Cowen ressalta que, em alguns lugares, esses quatro processos ocorrem
sequencialmente. Por fazer parte da economia competitiva, a universidade orienta-se para o
mercado, sendo compreendida como uma “corporação”. Portanto, seu gerenciamento se faz
necessário. A mudança no discurso interno das instituições sinaliza a mudança de poder,
constituindo-se no discurso do mercado: competição, controle da qualidade, valor adicionado,
excelência. No caso inglês, o autor afirma que a retirada da liberdade acadêmica nas
universidades não aconteceu de forma assustadora. A eliminação legal da estabilidade do
docente, ministrada por Thatcher, fez uma alusão à liberdade dos gestores para administrarem
o pessoal universitário de acordo com seus perfis e salários. Institucionalmente, o controle das
definições de excelência no ensino e na pesquisa passaram a vir de fora para dentro, sendo
burocratizado segundo as regras nacionais.
Conforme Mancebo (2007, p. 79), “engajamento político num projeto de mudança, que
pudesse dar contornos à universidade e delinear práticas docentes prazerosas e não reguladas
pelo produtivismo, não se tem constituído efetivamente, numa alternativa abordada com
maior sistematicidade pelos docentes.” É imperativo que os docentes façam uma reanálise de
todo o quebra-cabeça e que compreendam a realidade na qual estão inseridos e passem a
questionar, a buscar alternativas contra-hegemônicas. “A razão maior do conhecimento é
fazer autonomia, para que o ser humano, de massa de manobra, torne-se criador de
alternativas próprias.” (DEMO, 2002, p. 10).
A autonomia não é uma situação dada, muito menos completa, é um processo
inacabado. Embora não exista autonomia absoluta, a autonomia humana relativa pode ser
extremamente ampliada. Vai depender da iniciativa de cada pessoa e, em um contexto maior,
69
da respectiva sociedade ou classe. Uma das manifestações mais relevantes é a instituição das
democracias, onde são organizados movimentos e reivindicações em prol da maioria (DEMO,
2000; 2002). A participação mais competente é a coletiva, pois estas potencializam as
condições de confronto. A sociedade que sabe pensar e intervir, além de se organizar
adequadamente, pode mudar suas condições históricas (FREIRE, 2000).
É necessário que os docentes sejam políticos. A politicidade permite conquistar espaços
próprios. “Ser político é aquele que sabe planejar e planejar-se, fazer e fazer-se oportunidade,
constituir-se sujeito e reconstruir-se de modo permanente [...] conceber fins e ajustar meios
para os atingir, gestar-se cidadão capaz de história própria, aprender de modo reconstrutivo-
político.” (DEMO, 2002, p. 11). Politicidade é sinônimo de conquista e participação, portanto
os docentes precisam urgentemente se organizar coletivamente. Mesmo em um sistema tão
perverso, como o capitalista, é possível emplacar ganhos populares notáveis. Vai depender do
grau de participação e resistência. “O processo de conscientização não implica apenas tomar
consciência crítica e autocrítica, mas igualmente saber partir para a luta.” (DEMO, 2002, p.
33).
Ao não reconhecerem que estão sendo oprimidos pelas relações capitalistas, os docentes
estão perdendo a oportunidade de resgatar o respeito profissional e de melhorar sua qualidade
de vida e suas condições de trabalho. Sem organização coletiva, a sociedade civil se
enfraquece e pouco consegue interferir no processo assimétrico de decisões de poder.
(GUIMARÃES-IOSIF, 2009). O professor protagonista (e não espectador) deve requerer
direitos, não apenas benefícios. A despolitização da sociedade deveria nos preocupar, porque,
ao contrário do que o mercado sugere (formação de sujeitos apolíticos), a despolitização é o
signo seguro de uma politização em marcha impiedosa (FREIRE, 2000).
No Brasil, o campo do trabalho vive a exasperação das privatizações, das terceirizações,
do desemprego estrutural, do aumento da informalidade e da fragilização do poder sindical.
Tudo isso na conjuntura da globalização e de suas reformas neoliberais, disseminando
políticas que diluem as fronteiras público/privadas. No plano da superestrutura, determinada
pelo quadro de mercantilização da educação superior, o sentido de classe vem sendo
substituído pelo sentido de indivíduo ou fração, gerando uma consciência ingênua e
despolitizada dos novos docentes (TIRANDENTES, 2009b). Na era da acumulação flexível, a
luta de classes pouco consegue se manifestar, diante da expansão das relações capitalistas e
das mudanças advindas desse processo. No capítulo V, fazemos uma análise da relação das
companhias educacionais com a sociedade capitalista, processo este que se desenvolve por
meio de mudanças significativas no setor, tais como a formação de oligopólios e a gestão
racionalizadora, que incidem diretamente no trabalho docente.
70
CAPÍTULO V – FORMAÇÃO E PODER DOS OLIGOPÓLIOS: IMPACTOS NO
TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO
Este capítulo mostra a investigação realizada sobre os processos de mercantilização da
educação, oriundos das negociações (fusões e aquisições instituições) entre os grandes grupos
educacionais, embaladas por capital estrangeiro. A abertura de capital na bolsa de valores
trouxe uma nova configuração para o setor, e a consequência é a formação de oligopólios,
destarte são discutidos os impactos no setor educacional, na qualidade do ensino e no trabalho
docente.
5.1 FUSÕES E AQUISIÇÕES INSTITUCIONAIS
A abertura do capital e a transposição de fronteiras, nas duas últimas décadas, foram um
ponto forte para a economia brasileira, que conquistou a hiperinflação dos anos 80, século
passado. Segundo Ituassu (2011), o avanço do país é reconhecido interna e externamente; em
contrapartida, a desigualdade de oportunidades é um problema muito antigo. O Brasil está
entre as 10 nações com pior distribuição de renda. Esse aspecto é particularmente histórico e
proeminente do sistema educacional. Na verdade, o avanço do País tem sido marcado por uma
revolução capitalista, uma transformação orientada para o mercado em uma sociedade
industrial, marcada pela burocracia centralizada e motivada pelo materialismo e consumismo.
A rápida e crescente expansão da educação superior no Brasil nos últimos anos
despertou a atenção do mercado nacional e internacional, devido ao extraordinário potencial
gerador de lucros do setor. Baseado em dados de 2009, o documento, Global Education
Digest (UNESCO, 2011), aponta que o Brasil é o maior mercado de ensino superior da
América Latina e o 5º maior do mundo. Nessa direção, os dados do Censo da Educação
Superior 2010 (BRASIL, 2012c) assinalam um futuro promissor aos investidores:
a) O número de matrículas no ensino superior aumentou em 7,1% de 2009 a 2010; e
aumentou 110,1% entre os anos de 2001 a 2010, as matrículas passaram de 3 para 6,3
milhões, no entanto, ainda não conseguiu equacionar o atendimento quantitativo à
demanda correspondente ao ensino médio.
b) Apenas 1,6 milhão (25,4%) de estudantes estão matriculados na rede pública e 4,7
milhões (74,6%) estão na privada, a tendência é que o número de alunos matriculados
em instituições privadas aumente.
71
c) Em 2010, contabilizou-se com 2.378 IES, sendo 278 públicas (11,7%) e 2.100 privadas
(88,3%). O Resumo Técnico da educação superior 2002 (BRASIL, 2002) mostra que
em 2001, havia 1.391 IES, 183 públicas (13,2%) e 1.208 privadas (86,8%). Em uma
década, o aumento das instituições públicas foi de 51,9%, enquanto o aumento das
instituições privadas foi de 173%.
d) Somente 14,4% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados no ensino superior.
Todavia, cabe lembrar que apesar do avanço considerável no número de matrículas na
última década, a porcentagem de alunos na educação superior ainda está abaixo do
mínimo estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001-2010 (BRASIL,
2001), que era alcançar pelo menos 30% da população na faixa etária supracitada. O
novo PNE (2011-2020) pretende não apenas alcançar este índice, mas superá-lo.
Os dados revelam que as políticas voltadas para o ensino superior, público e privado,
nos últimos anos, embora com lobby democrático, visam à privatização da educação e à
transformação dos alunos em clientes, além de promover amplo espaço para a ascensão no
mercado de capitais, devido à demanda crescente por trabalhadores qualificados.
A submissão da educação à lógica mercadológica é fruto do modelo de governança
neoliberal instalado no país a partir da década de 1990. Essa nova forma de gestão pública
permite a presença marcante do mercado no processo de elaboração e implementação das
políticas públicas (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). Mais do que a transformação da
educação em mercadoria, o que se observa é um processo intenso de concentração de poder
nas mãos de um pequeno grupo de empreendedores da educação. Oliveira (2009, p. 754)
destaca que é admissível falar em processo de oligopolização, “o número de fornecedores
tende a se concentrar ainda mais nos próximos anos e uma fatia significativa do mercado
tende a ficar com os maiores grupos”. Poucas instituições serão capazes de manter as
condições atuais de sustentação exclusivamente por mensalidades, sendo assim, apenas um
grupo restrito conseguirá ocupar nichos específicos no mercado sem ser acossado pelas
instituições mais fortes.
Assentida nesse contexto está a crescente expansão do mercado educacional. Segundo
Silva (2009, p. 77) “como nos demais setores, também nesse se instalaram oligopólios.
Grupos empresariais disputam preço no mercado, oferecendo ‘serviços educacionais’ de
qualidade duvidosa, fruto de um mercado de trabalho fragmentado, ‘flexibilizado’ pelas novas
relações de trabalho”, que resultam em uma crescente precarização do trabalho docente.
72
Chaves (2010) argumenta que o processo de mercantilização do ensino superior
brasileiro adquiriu nova configuração com a formação dos oligopólios, a partir da compra e
venda de instituições e da abertura do capital na bolsa de valores. A expansão desordenada do
ensino superior privado vincula-se ao processo de desnacionalização da educação, que tem
sido marcado pela inserção do capital internacional.
No início desta década [2000], ao se identificar que o setor de educação superior
permaneceria em rápida expansão, a atenção dos fundos de investimento direcionou-se para essa área, ocasião em que foram constituídos os primeiros fundos de investimento exclusivamente direcionados à educação. Esses fundos têm condições de injetar altas quantias em empresas educacionais, ao mesmo tempo em que empreendem ou induzem processos de reestruturação das instituições nas quais investem, por meio da redução de custos, da racionalização administrativa, em suma,
da ‘profissionalização’ da gestão das instituições de ensino, numa perspectiva claramente empresarial. Essa perspectiva racionalizadora é fundamentalmente orientada para a maximização de lucros, chegando ao paroxismo em algumas situações. (OLIVEIRA, 2009, p. 743).
A profissionalização da gestão das instituições de ensino está diretamente relacionada
ao modelo de governança corporativa que visa à reengenharia dos processos administrativos e
de ensino e aprendizagem. Netto (2011) pontua que, na dinâmica atual de reestruturação das
entidades mantenedoras do setor educacional superior, ocorreram duas formas de
incorporação de recursos financeiros: 1) a venda parcial ou integral da entidade para
instituições estrangeiras, que investiram pesadamente para adquirir o controle da instituição
ou parte dela; 2) a oferta de ação na bolsa de valores, incorporando recursos para o
aprimoramento e a ampliação de suas atividades no mercado educacional. O autor acrescenta
que, no primeiro caso, os investidores entraram no ramo educacional com a posse da
instituição de ensino; e no segundo, com a aquisição de ações na BM&FBovespa, por não
possuírem o controle da instituição e visarem ao retorno para seus investimentos. Para o autor,
que é um dos maiores empresários do setor, em ambos os casos, os recursos oriundos dessas
transações trouxeram diversos projetos de melhoria da qualidade nas instituições, como
gestão profissionalizada, reestruturação física, PCs regulamentados, governança corporativa.
Chaves (2010, p. 491) ressalta que “além das fusões, que têm formado gigantes da
educação, as ‘empresas de ensino’ agora abrem o capital na bolsa de valores, com promessa
de expansão ainda mais intensa e incontrolável." O primeiro grupo de educação a inaugurar o
processo de abertura de capital na bolsa de valores foi a Anhanguera Educacional em 2007. O
grupo deu início à primeira Oferta de Ações Primárias (Initial Public Offering – IPO) do
setor. Para uma instituição realizar a IPO, é necessário renunciar a condição de entidade
73
filantrópica, pois passará a assumir a condição de uma empresa de negócios. O Quadro 3
apresenta as companhias educacionais que abriram capital na BM&FBovespa e as atividades
desenvolvidas no mercado educacional.
Quadro 2 – Abertura de capital na BM&FBovespa / Mercado educacional.
Ano Companhia Mercado educacional
2007 Anhanguera Educacional
Educação básica, ensino técnico e profissionalizante e educação superior
(graduação, pós-graduação e educação continuada), por meio presencial e a distância.
2007 Estácio Partipações Educação superior nas modalidades presencial e a distância.
2007 Sistema Educacional Brasileiro (SEB)
Educação básica presencial, ensino superior presencial e a distância.
2007 Kroton Educacional Educação básica, ensino superior e serviços de educação, tecnologia de ensino e material didático. Além de atuar no mercado nacional, tem 5 escolas associadas no Japão e 1 no Canadá.
2011 Abril Educação Educação básica e pré-universitária, escolas técnicas profissionalizantes e prestação de serviços educacionais.
Fonte: autora, com base nos dados da BM&FBovespa (2012).
A inserção dessas empresas no mercado de capitais atraiu um considerável aporte de
recursos, o que lhes propiciou condição absolutamente privilegiada e supremacia no setor,
constituindo verdadeiros conglomerados. Os três maiores grupos educacionais – Anhanguera,
Kroton e Estácio – detêm 24,2% do mercado de ensino superior privado no Brasil.
Ao assumir o Ministério da Educação em janeiro de 2012, Aloísio Mercadante, destacou
que é imperativa a adoção de mecanismos para controlar a qualidade da educação nas
instituições privadas, responsáveis pela maioria das matrículas dos universitários no País. Para
o ministro, a atual fase de abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de valores e a
dinâmica crescente de fusão e concentração do ensino particular nas mãos de grandes grupos
financeiros requer controle sistemático da avaliação, regulação e supervisão. O Estado tem
que assumir a gestão estratégica de seus recursos humanos (FERREIRA, 2012). “As IES
privadas, focadas no lucro, quando atuam no ambiente de mercado educacional, em que os
processos de verificação de qualidade são frágeis, tendem a colaborar com a deteriorização
dos padrões de qualidade (...).” (REIS, 2011, p. 257). Diante da dimensão e diversificação do
sistema de educação superior no Brasil, o MEC encontra dificuldades para implantar
processos de avaliação e acreditação substanciais que consigam efetivar todo o processo em
um sistema com 2.378 instituições, sendo 278 públicas e 2100 privadas, e mais de 29 mil
cursos de graduação presencial e a distância (BRASIL, 2012c).
Em 2005, ocorreu a primeira venda de uma IES brasileira para um grupo estrangeiro. A
Anhembi Morumbi em São Paulo foi vendida para o grupo americano Laureate. Desde então,
as negociações não pararam. “Entre os cinco maiores grupos educacionais do País, só a Unip
74
não tem um grupo financeiro por trás de sua administração. A Anhanguera é comandada pelo
Pátria Investimentos; a Estácio, pela GP Investimentos; a Kroton, pela Advent International e
a Laureate tem participação do fundo americano KKR”. (OSCAR, 2012b).
A onda de consolidação dos últimos anos e o perfil semelhante dos grupos deram
origem às grandes lideranças que fazem parte e interferem diretamente na nova dinâmica de
governança da educação superior no País. A CM Consultoria26 (2012a, p. 2) aponta que o
“setor tem se pautado cada vez mais pela inteligência de mercado, ofertando cursos que
realmente apresentem demanda para a região, com mensalidades apropriadas, além do
posicionamento definido de cursos e programas”.
A empresa apresentou uma tabela ilustrativa das fusões e aquisições no ensino superior
privado, com base em informações divulgadas na imprensa e em sites de relacionamento dos
investidores. Nos períodos compreendidos entre 2007 e 2011, ocorreram 91 transações,
representando uma movimentação financeira superior a R$ 5 bilhões (ver ANEXO “A”).
Características comuns entre as empresas de ensino: a) gestão financeira profissional; b)
modelo acadêmico padronizado; c) grande volume de capital; d) gestão de marcas; e) tempo
mínimo de maturação dos investimentos; f) diferenciais mínimos de competitividade de
mercado.
Essas particularidades apresentam-se dentro de uma rede ideológica tecida para a
reprodução do capitalismo flexível e atuam em consonância com a economia de larga escala,
afetando a universidade, os professores e os alunos. Chaves (2010) esclarece que esse modelo
organizacional baseia-se na ideologia do valor econômico e do marketing e nos princípios
neoliberais como flexibilidade, racionalidade, competitividade e produtividade. A atuação em
larga escala permite que essas “redes” adquiram materiais e equipamentos em grande
quantidade, reduzindo os custos operacionais e ampliando as margens de lucro. Tendo essas
características como pilares, os grupos de educação se preparam para atuar em um mercado
altamente competitivo focado na eficiência e no resultado.
O processo de compra e venda de instituições por grandes grupos educacionais, por
fundos private equity e por capital internacional descreve os caminhos para a oligopolização
do mercado educacional no Brasil. O Quadro 3 apresenta os fundos de investimento privado,
private equity, e os grupos de investidores internacionais que adquiriram IES no Brasil entre
2007 e 2012.
26
Empresa de consultoria para instituições de ensino superior (http://www.cmconsultoria.com.br/).
75
Quadro 3 – Aquisições por fundos private equity e grupos internacionais.
Ano Fundos private equity (FPE) / Grupo
Internacional (GI)
Adquirida Aquisição
2007 Pátria Investimentos (FPE) Anhanguera Educacional (Anhanguera) -
2008 GP Investimentos (FPE) Estácio Participações (Estácio) 20%
2009 DeVry University (GI) Faculdade Nordeste (FANOR) 69%
2009 Cartesian Capital (FPE) Faculdade Maurício de Nassau (FMN) 100%
2009 Advent International (FPE) Kroton Educacional (KROTON) 50%
2010 Laureate International Universities
(GI) Centro Universitário Hermínio da Silveira (UNI-IBMR)
90%
2010 Capital Internacional (FPE) IBMEC Educacional - Veris e IBMEC -
(IBMEC)
-
2010 Laureate International Universities (GI)
Universidade Salvador (UNIFACS) 100%
2010 Grupo Britânico Pearson (GI) Sistema Educacional Brasileiro (SEB) -
2010 Laureate International Universities (GI)
Uniritter (Uniritter) 100%
2011 BR Educacional (FPE) Abril Educação (ABRIL) 24,7%
2012 Actis (FPE) Grupo Cruzeiro do Sul 37%
Fonte: CM Consultoria (2012a, 2012b) com adaptações.
Os dados do Quadro 3 demonstram que as negociações de instituições educacionais por
fundos private equity e grupos internacionais vem crescendo, fato que coloca o mercado
educacional brasileiro em ascensão. A fragmentação do sistema de educação superior e a
possibilidade de altas taxas de retorno financeiro atrai a atenção dos investidores estrangeiros.
Segundo informações de Ernani Torres, chefe da Secretaria de Assuntos Econômicos do
Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2007, 3.875 prepostos do
capital internacional assumiram 80% do SEB; aproximadamente 12 mil estrangeiros
adquiriram 70% do controle da Kroton; e mais de 14 mil investidores internacionais
adquiriram 76% da Anhanguera (FIGUEIRA, 2008).
Em 2008, a educação já era a terceira área da economia em que mais ocorriam fusões e
aquisições no País (AGÊNCIA ESTADO, 2008). De acordo com Oscar (2012a), em 2011,
ocorreu a maior transação da história, a Kroton Educacional, empresa controlada pelo Advent
(fundos private equity), comprou a Universidade do Norte do Paraná (Unopar), líder do
segmento de ensino superior a distância, por R$ 1,3 bilhão. Até a venda da Unopar para a
Kroton, o maior negócio da história do setor no Brasil havia sido a aquisição da Universidade
Bandeirantes de São Paulo (Uniban) pela Anhanguera Educacional por um valor de R$ 510
milhões. Com a aquisição, a Anhanguera tornou-se o 2º maior grupo de ensino superior do
mundo, após atingir o quadro de mais de 400 mil alunos no País, ficando atrás apenas do
Apollo Group, de Phoenix, Arizona (Estados Unidos).
Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria (SILVA, 2012), enfatiza que o processo
de consolidação do ensino superior no Brasil desenvolve-se em quatro estágios. Inicialmente
76
caracterizou-se pela ausência de barreiras, o que facilitou o aparecimento de novos players até
meados de 2005. Assim o setor passou por uma grande expansão e ingressou no segundo e
atual estágio em que as instituições maiores estão adquirindo as de porte menor. No terceiro e
próximo estágio, o ensino superior estará consolidado com poucos atores na liderança de
mercado. Após essa fase, irá para o quarto estágio, onde acontecerão as megafusões entre os
grandes grupos. Chegará a um ponto em que os líderes só terão interesse por outros grandes.
5.2 PANORAMA DAS COMPANHIAS EDUCACIONAIS
A Anhanguera Educacional, maior empresa privada com fins lucrativos no setor
educacional do Brasil, possui mais de 570 instituições de ensino e está presente em todos os
estados brasileiros, inclusive no Distrito Federal (ANHANGUERA, 2012c). A companhia,
que iniciou suas atividades em 1994, conta com mais de 90 modalidades de cursos de
graduação, além dos cursos de pós-graduação e extensão. A maioria de seus alunos é das
classes C e D. O foco da empresa, em 2012, foi dar continuidade ao seu modelo de negócios,
buscando a solidez.
A “empresa” afirma (ANHANGUERA, 2012a) que devido às mensalidades acessíveis,
localização, formato de cursos adequados à demanda do mercado e a qualidade comprovada
tanto pelos alunos quanto pelo regulador permitiram uma captação recorde de alunos no 1º
trimestre de 2012 (1T12). Mais de 146 mil novos alunos, crescimento de 46% em relação ao
mesmo período do ano passado. Hoje, a empresa supera a marca de 432 mil matrículas. Os
dados da companhia atestam que o lucro líquido no 1T12 foi de R$ 62 milhões, 33,5% maior
que o mesmo período do ano passado.
Com atuação há mais de 45 anos, a Kroton Educacional está presente em todos os
estados do Brasil e possui um modelo de negócio diferenciado, atua do maternal ao
doutorado. A companhia conta com 46 unidades de ensino presencial e 399 polos ativos de
ensino a distância. Na educação básica, a Kroton atende atualmente 289 mil alunos divididos
entre os setores público e privado, com atuação em três cidades. No 1T12, o lucro líquido da
empresa foi de R$ 99 milhões, 202,4% superior ao mesmo período do ano passado; a captação
de alunos no ensino superior foi recorde, notabilizou cerca de 115 mil novas matrículas
(KROTON EDUCACIONAL, 2012a). A companhia atribui ao desenvolvimento exponencial,
o crescimento das receitas e margens; a forte geração de caixa; a forte captação e retenção de
alunos; os processos de integração robustos; e a eficiência de gestão e reconhecimento de
mercado.
77
No dia 24 de abril de 2012, a companhia ganhou o prêmio “Negócio do Ano de 2012” –
iG/Insper. A Premiação destacou as fusões e aquisições mais importantes para as empresas, os
setores e a economia do País. A Kroton ficou com o 2º lugar na categoria “Negócio mais
ousado do ano”, com a compra da Unopar, por R$ 1,3 bilhão em dezembro de 2011. Após a
aquisição do grupo catarinense Uniasselvi em maio deste ano, a Kroton passou de 321 para
412 mil alunos matriculados no ensino superior.
A Estácio Participações, fundada em 1970, atua em 16 Estados e no Distrito Federal. A
maior clientela do grupo se encontra nas classes C e D. O crescimento no mercado é atribuído
à qualidade dos cursos, à localização das unidades, aos preços competitivos e à sólida situação
financeira. A eficiência operacional da companhia está relacionada aos processos basilares do
negócio: formação adequada de turmas, aumento da ocupação média das salas de aula e o
controle do custo docente. A cultura organizacional direciona-se aos resultados e à
meritocracia. No 2º trimestre de 2012 (2T12), o lucro líquido foi de R$ 15,1 milhões
(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2012), aumento de 91,1% em relação ao 2T11. Ao todo são
mais de 260 mil alunos matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação.
O SEB tornou-se um dos maiores sistemas de ensino do Brasil ao atuar nos setores
públicos e privados, firmando parcerias com centenas de escolas na década de 1980. Em
2010, o Grupo Britânico Pearson comprou quatro sistemas de ensino da companhia27 – COC,
Dom Bosco, Pueri Domus e Name. Dados de 2010 (SEB, 2010) revelam que o SEB tinha
mais de 68 mil alunos próprios, dos quais 8 mil eram do ensino superior; e 470 mil alunos
parceiros, dos quais 200 mil eram da rede pública e 270 mil da privada. A meta da empresa é
expandir sua atuação de forma rentável em todos os segmentos em que atua, por meio das
seguintes estratégias: expansão da educação básica, do ensino superior e do ensino a
distância; fortalecimento e expansão dos polos regionais como suporte comercial para
estratégia de crescimento; e aperfeiçoamento do modelo de negócio e aumento dos ganhos de
escala.
A companhia é pioneira na atuação em parcerias com o setor público, via fornecimento
de material didático e metodologia de ensino básico no Estado de São Paulo. A partir de 2007,
o SEB expandiu a oferta de serviço educacional em todo o Brasil. O grupo ressalta que a
parceria com o setor público apresenta oportunidade de crescimento, com um mercado
potencial de 24,3 milhões de alunos no Brasil, segundo o INEP/MEC. No 1º trimestre de 2010
(SEB, 2010), a empresa registrou um lucro líquido de R$ 25,9 milhões.
27 O SEB deixou de negociar suas ações na bolsa de valores após a venda de parte da empresa ao Grupo
Internacional Pearson em 2010 (CM CONSULTORIA, 2012b).
78
Apesar do grupo Abril Educação não atuar no segmento da educação superior, vale
ressaltar que a empresa abriu capital na BM&FBovespa em julho de 2011 e apresentou um
avanço expressivo no mercado. A meta é diversificar para crescer e atrair os investidores. A
Abril destaca-se como a 3ª maior companhia de métodos de ensino apostilados no Brasil, que
vão da educação infantil aos pré-vestibulares. Além de ampla atuação no mercado privado, a
empresa atende cerca de 30 prefeituras, ou seja, atende também ao setor público. De acordo
com os resultados do 1º semestre de 2012 (ABRIL EDUCAÇÃO, 2012), a companhia obteve
um lucro líquido de R$ 33,4 milhões, 492% superior ao do mesmo período do ano passado.
O grupo encerrou o 1º semestre com 530 mil alunos matriculados em escolas adotantes
dos Sistemas de Ensino da companhia, um aumento de 43% em relação aos 370 mil alunos
em junho de 2011. No quesito “gestão corporativa”, o crescimento da companhia foi de R$
4,1 milhões no 2º trimestre do ano em curso. “Esses acréscimos estão associados ao aumento
da exigibilidade de controles e reportes pela abertura de capital e ao aumento da estrutura
necessária para gestão de um portfólio muito mais diversificado de negócios.” (ABRIL
EDUCAÇÃO, 2012, p.17). Ryon Braga afirma que está havendo uma consolidação dos
grandes grupos desse segmento, fato similar ao que ocorreu em 2007 com a compra e venda
de IES (ARROYO, 2012).
Os dados das companhias indicam que as instituições estão em condições financeiras
extremamente favoráveis e a captação de alunos tem sido crescente. O foco desses grupos é a
gestão profissionalizada e a obtenção de lucros, os alunos são vistos como clientes, portanto
as empresas investem massivamente em programas de marketing e comercialização. A
Anhanguera, a Estácio e o SEB já atuam em todo o território nacional. A Kroton, o SEB e a
Abril, além de prestar serviços privados, atuam o setor público na forma de parceria, por meio
de programas de gestão, materiais didáticos e avaliações educacionais. Conforme Dias
Sobrinho (2002, p. 14), esses grupos “já estão vendendo sua proposta pedagógica [...] a
diversas prefeituras, principalmente no interior, cujos prefeitos foram convencidos de que um
gasto suplementar de recursos públicos em benefício desses grupos privados produziria um
ensino de melhor qualidade.” Para o autor, a promiscuidade do público com o privado, na
educação, se apresenta de modo emblemático.
O campo de atuação e de serviços dessas companhias vem se ampliando
significativamente e apresenta sinais prospectivos. Não é em vão que mais quatro grupos
educacionais se preparam para abrir o capital em 2014 (CRUZEIRO DO SUL, 2012): Grupo
Multi, Cruzeiro do Sul Educacional, Grupo Ser Educacional e Grupo Ânima Educação.
79
Diante de tamanha lucratividade das companhias educacionais e do crescimento
vertiginoso, optamos por investigar as condições do trabalho docente em uma instituição do
grupo Anhanguera, pois este se destaca como o maior grupo de ensino superior da América
Latina e o segundo maior do mundo e por ser a companhia que tem maior quantidade de IES e
alunos no DF. Ao analisarmos os resultados do grupo, surgiram alguns questionamentos: a
gestão racionalizadora focada em resultados também prioriza a valorização dos docentes e a
qualidade do ensino? Como estão as condições de trabalho dos docentes que atuam em uma
das maiores empresas educacionais do mundo? Essas questões serão discutidas no tópico 5.4.
5.3 (DES)REGULAÇÃO DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO E FUSÃO INSTITUCIONAL
As empresas de consultoria, Hoper Educacional e CM Consultoria, estimam que as
compras e vendas no setor terão uma nova roupagem nos próximos anos. “O ingresso de
grupos financeiros no controle das universidades parece um caminho sem volta num setor que
movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano.” (SILVA, 2012, p. 31-32).
Figueira (2008) afirma que uma torrente de dólares e euros tem sido despejada na
educação superior brasileira. A finalidade não é ampliar conteúdos, especializar professores,
montar laboratórios. Na verdade, a invasão do capital do estrangeiro almeja aprofundar o
processo de transformação da educação em mercadoria para obter lucro máximo e levá-lo de
volta aos países de origem o quanto antes. O montante desses investidores cresce, ainda mais,
com o Prouni e o FIES, programas sociais que permitem lotar as salas de aulas das faculdades
particulares. Na corrida pela obtenção do lucro máximo, a Anhanguera Educacional
permanecerá voltada para o atendimento da massa universitária. Segundo o autor, a empresa
reconhece que grande parte dos alunos chega com falhas do ensino básico, portanto assegura
que há um projeto de nivelamento em todos os cursos. Na realidade, o ditado de que as
instituições privadas são chamadas de caça-níqueis comprova-se a cada dia. Desde que as
mensalidades estejam pagas, pouco importa a qualidade do ensino.
O maior problema do modelo de expansão da educação superior (SGUISSARDI, 2008,
p. 1012) “é a necessidade de conciliar a regulação, isto é, o reconhecimento de padrões, a
acreditação de títulos, pelo Estado, de instituições que fazem do lucro seu principal, embora
muitas vezes oculto, objetivo final.” Os investimentos internacionais no setor educacional
vêm crescendo de forma acelerada, visto que as negociações são amparadas pela legislação
em vigor, que não impõe limites à participação estrangeira nas mantenedoras ou grupos
80
educacionais e não exige que as instituições privadas valorizem seus docentes e invistam em
qualidade.
O primeiro Projeto de Lei, nº 2.183, que visa à regulação desse processo, foi proposto
em 2003. Ele proíbe a entrada de capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras .
No decorrer dessa década, foram criados mais quatro Projetos – 7.200/2006, 6.358/2009,
7.040/2010, 4.372/2012 – e o governo ainda não se posicionou. Sem nenhuma restrição por
parte do Estado, a tendência é que os investimentos internacionais continuem crescendo.
O Projeto de Lei nº 7.200/2006 da Reforma Universitária (BRASIL, 2006), que restringe
a participação de instituições estrangeiras em até 30% nas empresas nacionais de ensino,
ainda não tem a menor previsão de aprovação. Visando à questão da soberania nacional, o
Projeto de Lei nº 6.358/2009 limita o capital estrangeiro nas mantenedoras das instituições
educacionais a 49% (BRASIL, 2009). O Projeto de Lei nº 7.040/2010 dispõe que a
participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino brasileiras fica limitada a 10%
do capital total (BRASIL, 2010a). Enquanto os projetos permanecem engavetados, grupos
financeiros nacionais e estrangeiros estão dominando o setor, pois não há controle algum por
parte do Estado. “Em nenhum dispositivo legal existe qualquer limitação à atuação da livre
iniciativa de capital estrangeiro para manter e desenvolver a educação superior no País. Não
importa a origem do capital nem a nacionalidade dos mantenedores de instituições
educacionais privadas.” (NETTO, 2011, p. 195).
No dia 31 de agosto de 2012, foi apresentado na Câmara Federal mais um projeto que
visa à regulação do sistema de educação superior. O Projeto de Lei nº 4.372/2012 (BRASIL,
2012a) prevê a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior
(INSAES) que ficará responsável pela avaliação, supervisão e regulação do setor de educação
pública e privada, inclusive, pela regulação das “fusões e aquisições”. O art. 3º, inciso XII,
dispõe que compete ao INSAES aprovar previamente aquisições, fusões, cisões,
transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de IES.
Antes de ser aprovado, o projeto já causa polêmica.
O sindicato das faculdades privadas de São Paulo (SEMESP) avalia que o INSAES terá
demasiado poder e acarretará aumentos de custos para as IESPs, pois as faculdades pagarão
taxas para acreditação, fiscalização (o valor varia conforme o porte da instituição), dentre
outras. Ante a possibilidade de aprovação do Projeto, o SEMESP voltou a defender a criação
de uma agência regulatória para fiscalizar o setor, que seria independente do MEC. Para
Figueiredo, presidente do SEMESP, a agência regulatória ficaria responsável pelo setor
privado, e o MEC ficaria responsável pelas políticas públicas de educação (KOIKE, 2012b).
81
Como bons representantes da economia capitalista, a Associação Brasileira de
Mantenedoras da Educação Superior (ABMES), o Fórum da Livre Iniciativa na Educação
Superior e a Frente Parlamentar em Defesa das IESPs abominam o Estado em sua função
reguladora, mas não abrem mão de sua forte presença como ente financiador. “O mercado
educa, mas o Estado, leia-se o povo brasileiro, financia.” (TIRADENTES, 2009b, p. 17). A
educação, uma das principais estratégias para o desenvolvimento do país, não pode ficar nas
mãos de agências independentes, pois estas, sem a intervenção do Estado, atuarão em causa
própria.
O Quadro 4 apresenta uma síntese do teor dos Projetos de Lei referidos acima.
Quadro 4 – Projetos de Lei: 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009, 7.040/2010 e4.372/2012.
Projetos de Lei Ementa Teor
2.183/2003 Proíbe o capital estrangeiro nas Instituições Educacionais Brasileiras.
Não é admitido ingresso do capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras com fins lucrativos.
7.200/2006
Estabelece normas gerais da educação
superior, regula a educação superior no sistema federal de ensino e dá outras providências.
Pelo menos 70% do capital votante das entidades
mantenedoras de instituição de ensino superior, com fins lucrativos, deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados. Além de ser vedada a franquia na educação superior.
6.358/2009
Limita o capital estrangeiro nas Mantenedoras de Instituições
Privadas de Educação Básica e Superior, por questão de Soberania Nacional.
51% do capital votante das Mantenedoras de Instituições Privadas de Educação Básica e Superior
deverão pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados.
7.040/2010 Dispõe sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior.
A participação acionária do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior brasileiras fica limitada a 10% do capital total.
4.372/2012
Cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação
Superior - INSAES, e dá outras providências.
O INSAES tem por finalidade supervisionar e avaliar instituições e cursos de educação superior; e
aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de instituições de integrantes do sistema federal de ensino.
Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2003; 2006; 2009; 2010a; 2012a).
Esses projetos procuram reforçar a ideia da educação superior como um setor que deve
ser controlado pelo Estado, todavia, ainda não tiveram força política suficiente para tornarem-
se uma realidade, o que deixa a educação superior um campo vulnerável; e sinalizam que a
participação massiva de capital internacional possa causar a desnacionalização do ensino
superior. A alta competitividade entre as empresas envolve o Estado e sua força normativa na
implementação de condições favoráveis àquelas de mais poder.
Segundo Tiradentes (2009a, p. 8), as IESPs “contam com uma base de apoio: a Frente
Parlamentar em Defesa das IES Privadas, composta por 214 congressistas”, disposta a aprovar
82
as demandas requeridas pelos grupos e não os interesses sociais. Segundo a pesquisa do
Instituto Data Folha (KOIKE, 2012a), em 2012, os brasileiros gastarão R$ 62,8 bilhões em
educação. Atentos ao desenvolvimento econômico do País, às perspectivas cada vez mais
crescentes do setor e à ascensão das classes C e D, os investidores estrangeiros se valem da
falta de regulamentação do sistema para inserirem-se na educação superior privada e
ampliarem seus lucros.
O grande desafio do MEC é evitar que a educação se resuma a um negócio. Para
Guimarães-Iosif e Santos (2012), a falta de uma política pública que regule o mercado de
fusões das IESPs abre espaço para que a governança da educação superior no País seja
fortemente influenciada pelo mercado interno e externo, o que compromete a qualidade, a
autonomia e o compromisso social da universidade brasileira. Destarte, o Estado precisa se
posicionar e adotar uma política pública que limite e supervisione a expansão do mercado no
setor. A falta de uma política pública não significa neutralidade, mas carrega em si o
posicionamento de conivência do Estado com a expansão desregulada do mercado. Conforme
Costa (2012), o fechamento de faculdades, denúncias de fraude no exame do MEC em IESPs
e a demissão de professores são situações que colocam o governo diante do desafio de regular
o setor.
5.4 IMPACTOS NO TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO
Da forma como vem sendo conduzida a governança das IESPs, o critério decisivo é
descobrir o nicho de mercado que garante mais lucro. Os objetivos das empresas educacionais
seguem as estruturas de mercado que interessam à economia capitalista. Essa realidade tem
consequências bastante impactantes, pois afeta diretamente o projeto social nacional, o
trabalho dos docentes, as atividades pedagógicas e a qualidade do ensino.
Diante do atual cenário de mercantilização e precarização da educação superior privada
no País, foi aberta a “CPI do ensino superior privado” no Estado de São Paulo em 2011 (SÃO
PAULO, 2012). O objeto de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi a
expansão das instituições a partir da década de 1990; a financeirização, a desnacionalização, a
mercantilização do ensino os anos 2000; a inserção de capital estrangeiro no setor; a formação
dos conglomerados (por meio das fusões e aquisições institucionais); e as implicações desses
processos na autonomia universitária; na qualidade do ensino e nas condições de trabalho dos
docentes. Especialistas, agentes públicos, líderes de organizações da sociedade civil e do setor
83
privado foram convidados a prestar depoimentos, contribuindo para o melhor esclarecimento
dos fatos.
A real situação do ensino superior privado, no âmbito de São Paulo, foi discutida a
fundo durante as sessões. Seguem abaixo, as considerações de alguns depoentes (SÃO
PAULO, 2012):
a) Madalena Guasco Peixoto, da CONTEE, salientou que o fenômeno da
desnacionalização do ensino superior começou em 2005. Ela “define a
desnacionalização como o rápido processo de formação de conglomerados econômicos
no ensino superior, que atuam no mercado financeiro a partir da abertura de seus
capitais para a oferta pública de ações na bolsa de valores” (SÃO PAULO, 2012, p.4).
Na região do ABC paulista e de Osasco, o grupo Anhanguera e o Metodista 28 dominam
o setor. Portanto, quando um professor é demitido, não consegue mais exercer a
profissão na região, o que legitima o grande monopólio no setor. Apesar de a educação
ser livre à iniciativa privada, deve ser regulada devido à sua função social.
b) Emile Durham, do Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior da USP (NUPES),
declarou que a venda de instituições para grupos de capital estrangeiro é um problema,
pois eles compram instituições em funcionamento, pagando pela instituição e pelo
reconhecimento no MEC. É preciso haver um controle maior durante a abertura dos
cursos, pois depois de abertos, é muito difícil fechar. Para a professora, “o lucro é ao
mesmo tempo um instrumento muito ágil e deformante no ensino, pois o público que
procura cursos com maior demanda de vagas não tem muita renda para gastar” (SÃO
PAULO, 2012, p. 8). Os cursos têm de ter um custo baixo para atrair alunos e ao mesmo
tempo tem de gerar lucro. Assim, a qualidade do ensino fica em segundo plano,
inclusive pela “brutal exploração do corpo docente”, que não é fiscalizada. Não tem
como ter um ensino de qualidade com carga horária de 40 horas aula por semana. É
preciso que haja limitação de horas em sala de aula, para tanto é necessário que haja
uma proteção do contrato trabalhista. A tendência dos grandes grupos educacionais é
contratar professor como autônomo, isto é, não há recebimento de férias, 13º salário,
etc.
c) Luiz Antônio Barbagli, do Sindicato dos Professores (SINPRO), acrescentou que as
mantenedoras, conforme exigências do MEC, devem apresentar um plano de carreira
para os docentes, no entanto este acaba servindo como plano de rebaixamento salarial ,
28
Cabe ressaltar que o grupo educacional Metodista não tem capital aberto na bolsa de valores.
84
pois classifica os professores doutores em categorias, por exemplo: auxiliares,
assistentes, adjuntos e titulares, assim o salário é definido de acordo com a função e não
com a titulação. O outro ponto é que os professores que estão no topo da carreira são
demitidos, assim a instituição contrata os docentes que estão iniciando na carreira, que
em alguns casos chegam a ganhar a metade dos que têm mais tempo de profissão. As
mantenedoras criaram um mecanismo para se beneficiar da exigência legal, pois
aumentaram a rotatividade e o lucro.
d) Em relação à pesquisa e ao ensino, Celso Napolitano, da Federação dos Professores do
Estado de São Paulo (FEPESP), afirmou que fazer pesquisa custa caro, portanto essa
questão é esquecida pelas instituições privadas, bem como os cursos de pós-graduação
que formam os pesquisadores, pois necessitam de turmas pequenas. Na maioria das
instituições privadas, o professor é quem financia sua própria formação, principalmente,
porque a contratação por hora/aula é o regime de trabalho predominante. Nesse escopo,
aos docentes faltam dinheiro e tempo para realizar pesquisa, pois as atividades são
intensas: preparação de aula, suporte aos alunos, orientação, correção de trabalhos.
Estes recebem apenas pelo tempo que estão em sala de aula.
e) Carlos Henrique de Brito Cruz, da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São
Paulo (FAPESP), acrescentou que a realização de pesquisa pelas instituições privadas é
muito baixa, em torno de 4 a 5% do total contabilizado no país.
f) Segundo Otaviano Helene, da Associação dos docentes da USP (ADUSP), “as
condições de estudo e trabalho nas universidades privadas, em geral, são muito
precárias. Isso porque não há laboratórios, os salários pagos são menores que os do setor
público, há muitos professores horistas e poucos mestres e doutores” (SÃO PAULO,
2012, p.8).
Diante de todos esses indícios, a Comissão da Assembleia Legislativa recomendou que
fosse enviado um ofício ao MEC “solicitando a realização de estudos técnicos necessários ao
aperfeiçoamento da legislação pertinente ao regime de contratação do corpo docente nas
instituições privadas de ensino superior, bem como à melhoria da fiscalização dos contratos
em vigor por parte dos órgãos competentes.” (SÃO PAULO, 2012, p. 9). Os elementos
expostos acima requerem uma posição firme do governo, a fim de garantir a autonomia
universitária, a qualidade do ensino e melhores condições de trabalho para os docentes.
Apesar de a CPI trazer apontamentos apenas das instituições privadas do estado de São
Paulo, nota-se que a situação vem ocorrendo em todo o país, uma vez que os grandes grupos
educacionais já atuam praticamente em todo o território nacional. A prática docente, em
85
qualquer nível educacional, é repleta de desafios e contradições. Ao professor cabe a nobre
missão de ensinar e formar o cidadão. Todavia, essa missão se torna quase impossível, quando
o próprio professor tem a sua própria cidadania negada diante de um cenário
desregulamentado que não lhe proporciona condições dignas de trabalho.
Ao instituir no Decreto nº 2.207 (BRASIL, 1997a) que apenas as universidades têm a
obrigação de manter a estrutura de ensino, pesquisa e extensão, o Estado brasileiro, de certa
forma, abriu espaço para que os empresários optassem por investir, preferencialmente, na
oferta do ensino uma vez que esta demanda menos investimento financeiro. Em geral, as
instituições privadas preferem permanecer como centros universitários ou faculdades, pois
não têm a obrigação legal de realizar pesquisa, portanto voltam-se, em geral, somente para as
atividades ligadas ao ensino. Os dados do Censo da Educação Superior 2010 (BRASIL,
2012c) confirmam essa realidade, das 2.378 IES, 2.025 (85%) são faculdades. Os grandes
grupos educacionais preferem ofertar cursos rápidos, como os tecnólogos, a terem que
assumir uma série de custos com as atividades de pesquisa e extensão.
Nesse escopo, a qualidade da educação vem se desenvolvendo para os aspectos
quantitativos, produtivos e de composição dos quadros no mercado de trabalho. Demo (2001;
2002) aponta para a importância de vincularmos a qualidade formal à qualidade política da
educação. A qualidade formal é instrumental: “trata das condições melhores possíveis em
termo de manejo do conhecimento – métodos, meios e instrumentos, estratégias e táticas.” A
qualidade política “é, certamente, razão de ser, fim e ética, mas não se realiza adequadamente
sem a devida qualidade formal.” (DEMO, 2002, p. 152). A qualidade política refere-se ao
homem como ator e criador de si mesmo, à conquista humana; pressupõe cultura, criatividade,
participação. Demo ressalta que a qualidade formal é o meio e a política, o fim; portanto as
duas fazem parte do todo: a qualidade. “A presença de gente competente e bem-formada, no
sentido da qualidade política, é fator significativo de reformas fundamentais.” (DEMO, 2001,
p. 92).
A expansão acelerada da educação superior via setor privado/mercantil promove ainda
mais intensificação e precarização das condições do trabalho docente. Contrapondo-se à visão
de Netto (2011), que afirma que os recursos dos investidores promoveram inúmeros projetos
de melhoria na qualidade das instituições, Marco Aurélio, diretor do ANDES-SN, ressalta que
o resultado disso tudo é a baixa qualidade do ensino. “É impossível oferecer um curso
superior com qualidade cobrando mensalidades de R$ 300,00. Se nos ensinos fundamental e
médio, as mensalidades estão em torno de R$ 900,00, como uma faculdade cobra menos da
metade desse valor para formar um profissional?” questiona (ANDES-SN, 2012a). Fica fácil
86
responder a essa questão: baixos salários pagos aos docentes e a não oferta de laboratórios,
aulas práticas e estágios supervisionados. Ao adquirir uma instituição, uma das primeiras
providências dos fundos de investimento é diminuir as despesas com pessoal.
Marco Aurélio (ANDES-SN, 2012a) cita um exemplo dessa nova dinâmica, que ocorreu
no fim de 2011. A Anhanguera Educacional demitiu cerca de 600 professores paulistas que
trabalhavam nas faculdades compradas recentemente pela rede. Conforme denúncias feitas
por professores, a companhia demitiu mestres e doutores para contratar especialistas, que
recebem menos por hora/aula. Costa (2012) aponta que, entre o fim de 2011 e o início de
2012, aconteceram 1.552 demissões só no estado de São Paulo pelo grupo Anhanguera, após a
compra de algumas instituições de ensino. No Rio de Janeiro, houve mais 400 demissões pelo
grupo Galileo após a fusão de duas instituições.
Com o domínio do setor por um seleto grupo educacional, os riscos para a educação
superior brasileira são muitos e as consequências desse novo modelo de governança atingem
diretamente a qualidade da educação, o trabalhador docente e a sociedade de um modo geral.
Guimarães-Iosif e Santos (2012) ressaltam alguns efeitos desse processo:
a) queda na qualidade da educação ofertada, com a redução de investimentos para pesquisa
e extensão, principalmente, se estes estiverem voltados para questões sociais;
b) substituição dos professores em regime integral por regime parcial ou por hora/aula, o
que não demonstra preocupação com a pesquisa ou extensão;
c) a recorrente prática de demissão em massa de professores e novas contratações com
salários menores – professores doutores são substituídos por especialistas no intuito de
reduzir custos;
d) substituição de aulas presenciais por aulas não presenciais;
e) junção de turmas – fator que compromete o trabalho docente e a qualidade da educação
ofertada;
f) as instituições de pequeno porte não estão conseguindo reduzir o valor das
mensalidades, o que torna difícil a concorrência com os grupos educacionais que têm
maior poder econômico;
g) comprometimento da autonomia universitária – o conceito de autonomia universitária
vem sofrendo um desvio semântico que fere a sua essência, pois o mercado está
definindo os perfis profissionais e os conhecimentos que têm utilidade e preço. Assim,
pouco interessam os processos que produzirão os resultados, a pertinência e a relevância
social (DIAS SOBRINHO, 2002; 2010);
87
h) comprometimento da aprendizagem e cidadania docente e discente, situação que se
contradiz com a legislação educacional nacional e com a função social da universidade;
i) formação de oligopólios – as companhias educacionais que abriram ações na bolsa de
valores estão dominando o mercado da educação superior por meio das mensalidades
com baixo custo e da gestão corporativa. Esse processo é um fenômeno novo no País.
Por concentrarem uma grande quantidade de alunos e instituições, têm grande influência
no governo e estão determinando os rumos da educação no Brasil.
Segundo Dias Sobrinho (2002, p. 16), “o ponto mais grave é que junto com a ideologia
empresarial e suas práticas vem o individualismo, a competitividade, o utilitarismo, a
maximização dos rendimentos a qualquer preço, a cultura e o culto dos resultados.” Com a
cultura da privatização, a formação se reduz ao treinamento para o exercício de profissões ou
à capacitação de indivíduos para a ocupação de postos de trabalho, devidamente
caracterizados, e ao enfrentamento das disputas acirradas que a competitividade produz em
todos os níveis. Os valores alçados ao lugar da centralidade ética são medidos por um
processo simplificador, pela capacidade demonstrada na captação inicial e na titulação final
de mais alunos, na atração de mais investimentos, na eficácia organizativa e administrativa,
no aumento dos rendimentos acadêmicos, sobretudo, quantitativamente. Na ideologia dos
empresários da educação, a isso corresponde o conceito de qualidade.
Embora a categoria privada corresponda a 88,3% do sistema de ensino superior
brasileiro, a educação substantiva, focada no desenvolvimento social, cultural, econômico e
político, acontece mais frequentemente nas instituições públicas, uma vez que reúnem o maior
número de universidades; 80% desses professores trabalham em regime integral e
desenvolvem grande parte dos projetos de produção e difusão do conhecimento científico e
tecnológico no País; 49,9% das funções docentes nas IES públicas exigem a titulação de
doutorado (BRASIL, 2012c).
Na contramão das instituições privadas com fins lucrativos, observa-se que as
instituições confessionais, como as Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) e outras
instituições comunitárias, ainda procuram primar pela qualidade educacional e social da
educação, assim como pelos valores da ciência e do conhecimento como valor público. Além
de ofertar uma educação superior fundada no tripé: ensino, pesquisa e extensão
(GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). O cerne da questão da mercantilização é que “do
jeito que está, as instituições sérias, historicamente constituídas, como as confessionais, que
obedecem à determinação do MEC de praticar ensino, pesquisa e extensão, não terão
88
condições de funcionar e serão engolidas pelos Fundos de Investimento”, prevê Marco
Aurélio (ANDES-SN, 2012a).
No Brasil, as funções docentes na educação superior pública e privada correspondem a
345.335; destas 62,12% estão nas IESPs. Visando à diminuição com os gastos, as instituições
privadas contratam menos professores mestres e doutores. Para cada 3 funções docentes com
doutorado nas IES públicas, há 1 função docente com essa titulação nas IESPs. As funções
docentes com doutorado aumentaram nas instituições privadas, porém o percentual ainda é
muito baixo (BRASIL, 2012c). Uma das diretrizes propostas no novo PNE (2011-2020) é a
melhoria da qualidade do ensino. A meta 13 dispõe que é preciso “elevar a qualidade da
educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas IES para 75%, no
mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores”. Caso seja
aprovado, as IESPs terão que elevar o número de doutores que hoje corresponde a 15,4%,
como pode ser observado na Tabela 1.
Tabela 1- Evolução das funções docentes com titulação de doutor, mestre e até
especialização entre 2001-2010.
Funções docentes Categoria pública Categoria privada
2001 2010 2001 2010
Doutor 35,9% 49,9% 12,1% 15,4%
Mestre 26,9% 28,9%, 35,4% 43,1%
Até especialização 37,2% 21,2% 52,0% 41,5% Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2012c).
Os dados da Tabela 1 e da Tabela 2 comprovam que grande parte das instituições
privadas não atende às exigências estabelecidas na LDB/1996, de um terço do corpo docente
com titulação de mestres e doutores e em regime integral de trabalho. Destarte, a precarização
da função docente acaba se refletindo na própria qualidade do ensino ofertado. A maioria dos
professores, nas IESPs do país, são contratados por hora/aula, o que dificulta a realização de
pesquisa, participação em cursos de extensão e atividades de formação. Nesse sentido, a
valorização desses profissionais e o estímulo à formação continuada são questionáveis.
De acordo com os dados do Censo da Educação Superior 2010, 48% dos professores da
categoria privada são horistas (BRASIL, 2012c). A Tabela 2 apresenta o regime de trabalho
dos docentes nas IES públicas e privadas e o percentual de participação nas duas categorias
administrativas.
89
Tabela 2 – Regime de trabalho e categoria administrativa: percentual de participação
dos docentes nas IES em 2010.
Regime de Trabalho Categoria Pública
(2010)
Categoria Privada
(2010)
Tempo integral 80,2% 24%
Tempo parcial 12,9% 28%
Horista 6,9% 48%
Total 100% 100%
Fonte: autora, com base nos dados de Brasil (2012c).
Na capital do Brasil, Brasília-DF, a educação superior como oferta pública é ainda mais
precária. Das 64 IES, 3 (4,7%) são públicas e 61 (95,3%) são privadas. A titulação das 6.298
funções docentes contabilizadas nas IESPs no DF estão em consonância com a categoria
privada em todo o Brasil: 13,8% são ocupadas por doutores, 43,8% por mestres e 42,33% por
docentes que têm até especialização. O regime de trabalho segue a mesma tendência: 20,9%
da categoria trabalha em regime integral, 35,11% parcial e 44,81% horista (conforme Tabela
3).
Tabela 3 – Número e percentual de funções docentes, grau de formação/titulação e
jornada de trabalho nas IESP do DF em 2010.
Distrito Federal – Funções docentes em exercício 2010 nas IES privadas e regime de trabalho/ Percentual %
Funções Docentes Grau de formação / Titulação Regime de Trabalho
Até Esp. Mest Dout. Integral Parcial Horista
Total 6.298 2.666 2.763 869 1.265 2.211 2.822
Percentual 100% 42,33% 43,87% 13,8% 20,9% 35,11% 44,81%
Fonte: autora, com base nos dados de Brasil (2011).
O regime de trabalho por hora/aula legitima um modelo de trabalho precarizado,
“mediante a aparente liberdade do docente na determinação do seu salário, em vista da
quantidade de horas que consiga ministrar, sem levar em consideração a carga de trabalho
além das aulas ministradas, bem como torna o docente o responsável pelo seu próprio ganho.”
(SIQUEIRA, 2009, p. 68). O trabalho docente tem sido submetido a novos parâmetros para a
exploração de sua força de trabalho. A maioria dos docentes, em destaque os da rede privada,
tem a jornada de trabalho ampliada para fazer jus a um salário mais digno. Em outros casos, a
carga horária prescrita é mantida, no entanto os docentes têm que “hiperotimizar o tempo”
(MANCEBO, 2011) ou ampliá-lo por conta própria para realizar todas as atividades
propostas. Esses fatores intensificam o trabalho docente e aprofundam o limite extremo da
autoexploração. Diante do sistema capitalista e da formação de oligopólios, a tendência é que
as condições do trabalho docente se precarizem ainda mais (baixos salários, instabilidade,
jornadas esticadas, PCs inconsistentes).
90
Para Síveres (2006, p. 149), “a universidade precisa superar o elemento meramente
organizativo e pautar seu projeto institucional numa proposta educativa. Na medida em que a
universidade é assumida como organização, resta a ela o simples papel de prestadora de
serviços”. Guimarães e Chaves (2011) corroboram com esse pensamento ao afirmar que o
Estado vem induzindo a privatização educacional, ao incentivar a livre política mercadológica
e a adoção de medidas mercantis no setor público. Nesse escopo, a educação formal, em
especial a superior, é literalmente um negócio, competindo ao Estado apenas gerenciar a
política educacional. Os autores entendem que a reconfiguração desse segmento educacional é
uma estratégia utilizada para reproduzir o capital. Sob os ditames dos preceitos neoliberais e
das organizações multilaterais, a educação superior configura-se como um serviço não
exclusivo do Estado, sendo colocada na lógica férrea do mercado, afetando diretamente o
trabalho docente universitário.
A intensificação do trabalho docente vem sendo apontada como responsável pelo
enorme sofrimento físico e emocional dos professores. O ritmo e a intensidade das atividades
são fatores responsáveis por inúmeros casos de professores que desenvolveram algum tipo de
transtorno mental e/ou físico. Diante da gravidade da situação, que é consequência do
processo de sobreimplicação do trabalho docente, o ANDES-SN (2012b) realizou o IV
Encontro Nacional sobre o “Adoecimento Docente relacionado ao trabalho”. O
desencantamento e o sofrimento são comuns, principalmente, nos docentes que atuam nas
IESPs, pois estes passaram a conviver angustiados com a questão da demissão. Como essas
instituições são gerenciadas como empresas, os alunos passaram a ser tratados como clientes,
portanto o professor/trabalhador deve primeiramente pautar-se pela satisfação da clientela sob
o risco de demissão.
Siqueira (2009, p. 68) acrescenta que esses docentes “parecem não ter espaço diante da
racionalidade econômica que impõe, cada vez mais, sua lógica e decide sobre seus custos e
benefícios, por meio de interesses e perspectivas da instituição e dos alunos/clientes no ‘novo
mercado educacional’.” Essa relação profissional racional izadora traz um sentimento de
esgotamento moral e de não valorização, bem como sinaliza a impossibilidade de edificação
de uma carreira e o aproveitamento de um conjunto de qualificações.
Na perspectiva de Lourau (2004b, p. 212), “assim se põe em ação um novo modo de
exploração, mediante a exploração da subjetividade”. A sobreimplicação ao buscar a
subjetividade do trabalhador promove o estresse, a doença e a mais-valia. Esta última tão
agenciada pelas empresas de ensino.
O pesquisador Eduardo Silva (ANDES-SN, 2012b, p. 2) aponta que “ao considerar a
acumulação flexível do capital e o trabalho imaterial do professor, associado à valorização do
capital, o que se vê são práticas universitárias utilitárias, pragmáticas e competitivas, que
91
estão levando ao trabalho intensificado e à crescente incidência de doenças”. Nas palavras de
Mancebo (2011, p. 34-35), a intensificação pode (e deveria) ser regulada. “Seguindo a
tendência predominante no mundo do trabalho, sob a acumulação flexível, o trabalho docente,
além de precarizado, também foi flexibilizado, de modo que as atividades prescritas para esse
profissional são cada vez mais diversificadas e em maior número.” As circunstâncias
intensificadoras do trabalho são diversas e conhecidas por todos nós: a) acúmulo de atividades
em uma mesma pessoa que antes era exercida por mais pessoas; b) não reposição de quadros
quando de processos de aposentadoria; c) realização de diversos serviços ao mesmo tempo; d)
versatilidade e flexibilidade; e) aumento do ritmo e velocidade tirando o máximo lucro do
tempo; f) gestão por resultados; dentre outros procedimentos.
No dia a dia acadêmico, as atividades dos professores da educação superior transpõem o
ensino, a pesquisa e a extensão e buscam a mais-valia. A discussão dessa temática é prioritária
e urgente. No sexto e último capítulo, veremos, por meio da análise dos dados e discussão dos
resultados, as práticas institucionais que contribuem para a sobreimplicação do trabalho
docente.
92
CAPÍTULO VI – SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO
TRABALHO DOCENTE: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE
CONTÉUDO
O capítulo em tela apresenta a análise dos dados, à luz da Análise de Conteúdo, e a
discussão dos resultados. Essa parte do trabalho foi construída a partir da análise documental,
das entrevistas e das observações. Os dados são apresentados dentro das categorias que foram
aventadas.
6.1 A ANÁLISE DE CONTEÚDO
A análise de conteúdo busca a compreensão das manifestações humanas do
comportamento, reconhecendo o poder da “fala”, seus enunciados e mensagens que passam a
ser vistos como indicadores indispensáveis às práticas educativas. Após a realização das
entrevistas, procedemos às transcrições das falas. A partir das transcrições, dos documentos
oficiais e das observações realizadas, fizemos a “leitura flutuante”, que, conforme Bardin
(2010), é a primeira atividade que se deve fazer ao realizar a análise de contéudo. Nessa fase,
o pesquisador deixa-se invadir por impressões e orientações e pouco a pouco a leitura vai se
tornando mais precisa. Szymanski, Almeida e Prandini (2008) afirmam que, quando nos
aprofundamos, a compreensão do fenômeno estabelece conexão com contextos maiores,
desencadeando uma análise plural.
O ponto de partida para analisar os dados foi a “mensagem” verbal, silenciosa ou
documental. Como as categorias, ponto crucial na análise de conteúdo, foram definidas a
posteriori, o processo foi longo e requereu constantes idas e vindas, do material de análise à
teoria (BARDIN, 2010; FRANCO, 2008). As categorias foram construídas após constantes
idas e vindas aos documentos analisados, as transcrições das entrevistas e às informações
coletadas durante as observações; e depois foram interpretadas à luz das teorias.
O trabalho docente, em especial, no ensino superior, vem se desenvolvendo como um
trabalho necessário ao atual estágio de desenvolvimento do País, que hoje se configura como
a sexta economia mundial. Sob a lógica do capital, a força de trabalho no campo educacional
encontra-se reduzida a simples mercadoria. Diante dessa realidade, o presente estudo dirigiu
seu foco de análise para as condições que sobreimplicam o trabalho docente na instituição
investigada, pertencente à Companhia Anhanguera, que diante do atual modelo de governança
e da abertura de capital na bolsa de valores passou a conduzir o sistema por meio da gestão
93
corporativa e racionalizadora, onde o objetivo principal centra-se na obtenção do lucro
máximo a curto e médio prazo. À medida que as respostas foram surgindo durante as
entrevistas e os dados foram sendo construídos na análise documental e nas observações
realizadas, amparamo-nos em quatro categorias principais de análise para identificar, na
instituição investigada, as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente:
a) política e governança da educação superior: concepções e contradições; b) Anhanguera
Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa de valores; c) relações e
condições de trabalho; d) consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social.
6.1.1 Compreendendo a subjetividade dos protagonistas do estudo
Para compreendermos melhor as categorias analisadas, faz-se necessário conhecer quem
são os docentes que compõem o universo dessa pesquisa. Entre os 15 participantes,29 8 são do
gênero masculino e 7, do feminino. A maioria dos docentes está na faixa etária entre 31 e 40
(40%) e 41 e 50 (40%). No tocante à titulação acadêmica: 73,3% dos docentes, ou seja, 11 são
especialistas; há 1 (6,7%) graduado, 2 mestres (13,3%) e 1 doutor (6,7%). Somente 4 docentes
(26,7%) não trabalham em outra instituição, os demais (73,3%) tem mais de um emprego.
Todos os docentes são contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho,
13 (86,7%) professores são horistas e 2 (13,3%) trabalham em regime integral. Quanto à carga
horária semanal na instituição, 11 (73,3%) docentes têm uma carga de até 20h. Observamos
que o grupo Anhanguera não visa manter um vínculo de exclusividade com os docentes e que
as contratações, em geral, priorizam os especialistas, uma vez que a mão de obra é mais
barata.
No quesito tempo de atuação na instituição, 63,6% dos docentes têm menos de 4 anos.
De acordo com os docentes, há uma rotatividade muito grande na instituição, todo semestre
tem professores novos. O tempo de experiência como docente universitário varia entre 2 e 12
anos, com tempo médio de 6 anos. Há uma característica de professor predominantemente
novato no universo estudado. No que tange à quantidade de alunos na instituição, 60% dos
professores têm entre 101 e 300 alunos por turma.
A Tabela 4 apresenta uma síntese dos dados dos professores entrevistados – que atuam
na Instituição, e ex-docentes que já atuaram no grupo – com relação ao gênero, idade,
titulação acadêmica, carga horária semanal na instituição, emprego em outra instituição,
29
Conforme citado no capítulo I, dos 15 docentes participantes, 11 atuam na instituição pertencente ao Grupo Anhanguera e 4 são docentes que foram demitidos de uma outra instituição do grupo.
94
tempo de experiência como docente universitário, tempo de atuação na instituição, regime de
trabalho e quantidade de alunos.
Tabela 4 – Síntese dos dados dos professores entrevistados.
Variáveis Categoria Docente
*
Ex-
docente
**
Total de
docentes
%
Gênero Masculino 7 1 53,3%
Feminino 4 3 46,7%
Idade
21 a 30 anos - 1 6,7% 31 a 40 anos 4 2 40% 41 a 50 anos 6 - 40% 51 a 60 anos 1 1 13,3%
Titulação Acadêmica
Graduação 1 - 6,7% Especialização 9 2 73,3%
Mestre - 2 13,3%
Doutor 1 - 6,7%
Carga horária semanal na instituição
Até 10 horas 5 - 33,3% 10 a 20 horas 5 1 40% 21 a 30 horas - 1 6,7% 31 a 40 horas 1 2 20%
Emprego em outra instituição
Sim 8 3 73,3% Não 3 1 26,7%
Tempo de carreira como professor universitário
De 2 a 4 anos 5 3 53,3% De 5 a 8 anos 5 1 40%
Acima de 9 1 - 6,7%
Tempo de atuação na instituição
Até 1 ano 4 1 33,3% De 2 a 3 anos 3 - 20% De 4 a 6 anos 2 2 26,7%
Acima de 7 anos 2 1 20%
Regime de trabalho Horista 11 2 86,7% Integral - 2 13,3%
Quantidade de alunos na
instituição
Até 100 alunos 3 2 33,3% 101 a 200 alunos 4 - 26,7%
201 a 300 3 2 33,3% Acima de 301 alunos 1 - 6,7%
P* - docentes que atuam na Instituição da Anhanguera
EP** - docentes que já trabalharam no grupo Anhanguera
Fonte: autora
Diante dos dados, podemos observar que os docentes têm um perfil variado e que a
maioria está há pouco tempo na instituição. Os docentes não se omitiram em falar das suas
condições e relações de trabalho, posto que expuseram seus anseios, contentamentos e
descontentamentos. Alguns falaram detalhadamente das práticas institucionais, respondendo
com muita cautela. Durante as entrevistas, em alguns momentos, pairavam alguns segundos
de silêncio, onde pareciam estar refletindo sobre a sua profissão. Os participantes
demonstraram interesse pelo estudo. O “Docente I” solicitou que encaminhássemos a ele uma
cópia da pesquisa para que ele pudesse compreender melhor sobre a governança educacional.
95
Alguns termos utilizados na pesquisa foram novos para os docentes, tais como: governança,
fusões e aquisições institucionais, formação de oligopólios, abertura de capital (ver tópicos
6.1.2 e 6.1.3).
Em relação às atividades de pesquisa e extensão, grande parte dos docentes, ou seja, 12,
afirmou que não está participando de projetos de pesquisa ou extensão. A atividade dos
docentes é quase que exclusivamente o ensino. Os participantes desse estudo atuam em c ursos
superiores diversificados e somente dois ministram aulas apenas para um curso.
Resumimos o perfil dos protagonistas desse estudo com os seguintes dados: são
docentes que têm pouco tempo de experiência no ensino superior, em média 6 anos; são
predominantemente horistas, ou seja, recebem apenas pelo tempo que estão em sala de aula;
todos têm a carteira assinada; a maioria têm, no máximo, curso de especialização; as
atividades são voltadas ao ensino, poucos realizam projetos de pesquisa e extensão; os
docentes não têm o hábito participar de eventos acadêmicos, tampouco de publicar artigos e
capítulos de livros. As categorias, subsequentes, estão organizadas de acordo com os objetivos
específicos da pesquisa.
6.1.2 Política e governança da educação superior: concepções e contradições
Esta categoria tem a finalidade de analisar a concepção dos docentes quanto à política e
a governança da educação superior no contexto nacional e a governança na instituição em que
atuam ou atuaram.
A governança educacional atua em diferentes escalas – local, regional, nacional e
transnacional –, onde novos atores e organismos exercitam seu poder e passam a fazer parte
do processo de tomada de decisão. No Brasil, presenciamos a forte influência das agências
internacionais (BM, OCDE, OMC, Unesco, entre outras), dos grandes grupos educacionais
(Anhanguera Educacional, Kroton Educacional, Estácio Participações, SEB...) e do mercado
na formulação e implementação das políticas públicas. Este é um jogo complexo, pois ,
quando interessa ao Estado, ele se posiciona soberanamente e quando não, abre-se um amplo
espaço para que forças externas possam intervir e até mesmo determinar os rumos
educacionais que o país deve seguir. O modelo vigente dá voz ao mercado e, na maioria dos
casos, procura silenciar a sociedade civil. O discurso docente revela o atual panorama da
governança educacional no País e traz sua percepção e concepção acerca do tema:
96
A governança é um termo possuidor de uma multirreferencialidade muito grande, eu
não consigo pensar na governança sem ter uma ótica econômica, ótica histórica,
ótica global [...]. Apesar de ser um termo que está em uma efervescência recente, ele é
um termo que vem permeado de todo um histórico e dentro da educação hoje traz
um reflexo de tudo o que a gente visualizou nos últimos anos. E dentro do Brasil, é
impossível não relacionar esse tema com que foi o governo Fernando Henrique e como a
educação tem sido vista nos últimos tempos. (Ex-docente “B”, grifo nosso)
A nova gestão pública, comumente denominada governança, é o desenvolvimento da
forma política do neoliberalismo. Dale (2010, p. 1111), identifica quatro categorias de
atividades que “compõem a governança educacional: financiamento; fornecimento ou oferta;
propriedade; e regulação.” No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC – 1995-2002),
foi ministrada a reforma mais marcante do Estado Brasileiro: minimização do papel social do
Estado, interpenetração das esferas públicas e privadas; privatização dos setores públicos;
forte influência dos agentes internacionais; desenvolvimento orientado para o mercado. Essas
mudanças não só atingiram o setor econômico, mas também, e principalmente, o educacional,
que passou a contar com novos agentes e provedores. Não só no governo FHC, no governo
Lula, e, inclusive, no atual, essas atividades passaram a ser desempenhadas por uma série de
agentes privados, em diferentes escalas. Segundo Amos (2010), a governança atribuiu às
organizações internacionais um importante papel na modelagem das políticas educacionais.
O Ex-docente “B” destaca a influência dos OIs na educação brasileira e o verdadeiro
interesse dessas organizações, que direcionam a governança da educação para o campo
mercantil e privado.
Você tem o FMI e o BIRD influenciando a educação, você vê a educação enquanto
moeda de troca, de barganha [...]. E você fica se perguntado quem é santo e quem é
mocinho, é impossível não ter um olhar maniqueísta. Principalmente quando você lida
com a forma como o mundo gira hoje, se desenvolve, como permeia essa ótica
globalizada [...]. O que nos impede de um dia estarmos vendo nossas instituições
públicas se transformando em grandes conglomerados internacionais. Estamos vendo
as instituições internacionais querendo comprar nossas instituições públicas, as
hidroelétricas sendo vendidas, os aeroportos sendo vendidos. Da mesma forma, que daqui
uns dias você pode ter uma UNB sendo vendo vendida, uma UniCamp sendo vendida,
uma USP [...]. Todo esse contexto, esse olhar nos ajuda a entender o que é a
governança hoje – a internacionalização, a mercantilização, a privatização . (Ex-
docente “B”, grifo nosso).
O modelo de governança difundido pelos países do norte global 30 ultrapassou as
fronteiras físicas entre os mercados, flexibilizou o intercâmbio de mercadorias, potencializou
a mobilidade física de pessoas e promoveu profundas mudanças na sociedade e na educação
30
Boaventura Santos (2010b) entende por países do norte global, os países centrais ou desenvolvidos, quer se encontrem no norte geográfico, quer no sul geográfico.
97
contemporânea. Nesse contexto, o Brasil passa por reformulações em sua legislação, gestão e
prática educativa, que se aproximam cada vez mais dos princípios mercantilistas impostos
pelos novos agentes e financiadores. Conforme Dale (2010), a governança educacional
caracteriza-se por uma “teia de relações” entre organizações que participam dos processos de
decisão voltados para a educação nas esferas micro e macro. Como explica o docente,
A governança é um conjunto de ações, que visa atingir um determinado objetivo.
Essa governança é interrelacional, só funciona num conjunto. Por exemplo, no que
diz respeito a gestão dos vários segmentos que fazem a máquina funcionar. Quando se
fala em governança tem-se uma supermáquina cheia de engrenagens. (Docente “A”, grifo
nosso).
É importante ressaltar que essa “supermáquina cheia de engrenagens”, quando da
formulação e implantação das políticas públicas, na maioria dos casos, não visa ao bem
comum, mas sim aos interesses privatistas. As orientações do ajuste neoliberal que se
impuseram às economias nacionais promoveram a disputa dos interesses particulares pelos
setores da esfera pública. Desde então, pouco a pouco, o Estado foi se afastando do papel de
provedor e a esfera privada foi se expandindo e ocupando seu espaço de forma acelerada.
Como efeito, o mercado privado consolidou-se no setor educacional e vem estabelecendo
mudanças substantivas na gestão das instituições, nas relações de trabalho e nos objetivos da
universidade. Hoje, o campo educacional está permeado por conceitos empresariais, o que
aprofunda o distanciamento do papel social das IES. Os docentes complementam que a
governança educacional:
Seria algo maior fazendo ligação com elos menores. Várias partes menores fazem
ligação com um todo. Você consegue trabalhar com processos. (Docente “G”, grifo
nosso).
Eu entendo o mesmo que administração e gestão educacional, mas esse é um nome
mais pesado, está muito superior. (Docente “H”, grifo nosso).
Gestão da educação como um todo. Governança em administração . (Docente “F”,
grifo nosso).
Embora não tenham um conceito pré-estabelecido sobre governança, os docentes
apontam para a complexidade do termo. A governança se refere às regras e aos procedimentos
que estruturam as relações de poder ao redor do mundo, imbricados por diretrizes
hegemônicas e neoliberais. Por exemplo, as companhias, os serviços de fundos de
investimentos e as instituições multilaterais são agora atores políticos no cenário educacional
não apenas global (SHULTZ, 2012). Desse modo, as regras do mercado entraram no campo
98
da governança educacional, criando uma competição mundial dirigida economicamente para
alunos, pesquisas e empresas de consultoria (LEUZE; MARTENS; RUSCONI, 2007).
Alguns docentes veem a governança no contexto interno das instituições mais voltada
para a administração dos recursos.
É a maneira de gerir e promover realmente o aprendizado . (Docente “B”, grifo
nosso)
A forma de você administrar a questão dos recursos, pessoas, ambientes, para se alcançar
os objetivos. Governança é a forma de administrar todos os recursos. (Docente “D”,
grifo nosso)
Essa visão está em consonância com o pensamento de Alves (2012, p. 135): a
“governança tem sua origem e seu foco no conjunto das relações de uma organização:
relações interpessoais, relações de poder; processo de comunicação e processo decisório”, ou
seja, a governança cria condições para que a racionalidade, a objetividade e as ciências
gerenciais imperem sobre as expectativas pessoais, tanto no âmbito dos sistemas quanto das
instituições. Embora as falas dos docentes tenham sido ricas quanto a essa temática, três
docentes disseram que não sabiam falar sobre o tema ou que não conheciam o termo
governança.
Eu não sei falar. (Docente “C”)
Não sei falar. (Ex-docente “A”)
Não conheço o termo. (Ex-docente “C”)
Independentemente de a governança ser analisada em várias esferas, podemos
depreender que o que está em jogo são interesses e objetivos que vão muito além do que
podemos imaginar e do que é divulgado. Para identificarmos o significado político da
governança neoliberal, “temos que prestar atenção não apenas àquilo que ela diz, mas também
àquilo que silencia. São os seguintes silêncios mais importantes da matriz da governação: as
transformações sociais, a participação popular, o contrato social, a justiça social, as relações
de poder.” (SANTOS, 2010a, p. 406). Embora faça parte dos processos decisórios – estado,
capital, sociedade civil, setores produtivos, mercado, agências internacionais –, a sociedade
civil (família, comunidade, docentes, alunos) tem cada vez menos espaço e voz.
99
No decorrer das entrevistas, quando falávamos sobre as políticas e os programas
direcionados à educação superior, a maioria dos professores diziam desconhecer as políticas
ou não se lembravam a respeito. Os que responderam ao tópico foram bem sucintos.
Eu conheço a LDB, mas de forma superficial. (Docente “D”, grifo nosso)
Eu conheço a LDB, mas não tenho nada para falar. (Docente “E”, grifo nosso)
O PROUNI é uma coisa fantástica, pois permite o acesso àqueles que não têm
condições de pagar. (Docente “J”, grifo nosso)
O FIES está permitindo que os alunos consigam pagar suas mensalidades. (Docente
“L”, grifo nosso)
Os relatos acima demonstram o desconhecimento em relação à legislação e às políticas
que cercam sua área de atuação. Os docentes não souberam explicar quais são as diretrizes
dessas políticas, bem como seus alcances e consequências. O Ex-docente “B” foi o único que
questionou a condução de uma política – o Prouni. “O que se paga para ter esses alunos nas
instituições privadas? Como essas instituições estão sendo cobradas? Que cobrança o Prouni
faz para as instituições que ofertam as vagas?”
A questão sobre as políticas e os programas nos fez refletir bastante. Como um
professor, especificamente 8 professores, desconhece ou não se lembra de nenhuma política
direcionada a área em que atua? Será que eles não discutem sobre política em sala de aula ,
não leem e não analisam as leis que regem sua profissão e área de atuação? Como foi a
formação política deles? Como eles formarão alunos críticos e questionadores, sendo que eles
mesmos desconhecem as questões que norteiam e permeiam a área em que atuam? Para
compreender a governança da educação superior, os docentes precisam conhecer as políticas
que regem o setor: como elas estão sendo formuladas; qual o objetivo dos programas; quem
está sendo beneficiado.
Constatamos que a politicidade dos docentes é bastante limitada. Para Demo (2001, p.
17), “o homem político é aquele que tem consciência histórica. Sabe dos problemas e busca
soluções. Não aceita ser objeto. Quer comandar seu próprio destino. E amanhece o horizonte
dos direitos, contra o dado e contra a imposição. Ator, não espectador. Criativo, não produto.”
Essa falta de conhecimento, de politicidade e de questionamento crítico dos docentes é
denominada por Demo como pobreza política.
Ao discorrerem sobre a governança da instituição em que atuam ou atuaram, 13
professores disseram estar satisfeitos. Apenas 2 relataram que é um modelo fechado, que vem
100
pronto da mantenedora que fica em Valinhos, São Paulo, e que não há abertura. É um sistema
vertical e centralizado.
Ela [a gestão] é bem centralizada, por causa da mantenedora em São Paulo, então as
coisas fluem de cima para baixo. (Docente “B”, grifo nosso)
Como aponta Shor (2006), o controle de “cima para baixo” é uma estratégia de modelo
autoritário de educação, onde as diretrizes, as regras e os objetivos são impostos e não
decididos democraticamente, cabendo aos docentes, funcionários administrativos e alunos
somente cumprir as determinações. O que falta nas instituições, sejam públicas ou privadas, é
a qualidade democrática proposta por Demo (2001), esta se desenvolve de “baixo para cima”.
No entanto, os discursos apontam que a gestão empresarial, centralizadora e vertical é que
rege a instituição.
A gestão fica muito a cargo de São Paulo. A faculdade Anhanguera de Brasília, não
tem poder de autonomia plena no exercício das funções. (Ex-docente “B”, grifo nosso)
De acordo com Ex-docente “B”, no final do ano passado (2011), aqui em Brasília, a
ordem foi muito concreta: todos os mestres e doutores deveriam ser mandados embora. “É
aquela política clássica das instituições, que mandam os mestres e doutores embora e ficam só
com os especialistas. Aí depois baixam o teto dos especialistas e tentam recontratar os mestres
e doutores com o piso lá embaixo”. (Ex-docente “B”). Como a instituição manteve os
contratos trabalhistas da instituição adquirida, agora ela está demitindo os professores que
tinham os salários mais altos e contratando docentes com salários mais baixos. Em conversa
informal com o “Diretor da Instituição”, ele nos informou que “quando o grupo Anhanguera
adquiriu a instituição, os contratos trabalhistas foram mantidos, isto é, os docentes
permaneceram recebendo o mesmo valor da hora/aula, no entanto, nos contratos novos, o
valor da hora/aula já veio reduzido.” O Docente “A” enfatizou,
Quando a Anhanguera adquiriu a instituição, o contrato foi mantido. Com os novos docentes é
um novo modelo [...]. (Docente “A”, grifo nosso).
O relato do Ex-docente “D” descreve essa nova realidade,
Quando a Anhanguera assumiu, ela manteve o nosso salário até a demissão. Eu recebia R$ 7.980
reais por 40h, eu trabalhava em regime integral. Depois, eles me chamaram de volta só que
para ganhar R$ 1.280 por 20h semanal . Não aceitei, pois eu ia ganhar menos da metade do
que eu ganhava por hora/aula. (Ex-docente “D”, grifo nosso).
101
Segundo o Ex-docente “D”, até ele ser demitido da instituição, ele recebia o equivalente
a R$ 49 por hora trabalhada. E caso ele aceitasse retornar para a instituição, iria receber R$
16, menos da metade do que ele recebia por hora. É importante destacar que esse professor
era especialista e trabalhava no curso de enfermagem com os alunos que estavam estagiando
nos hospitais. Esse professor tinha no máximo 05 alunos.
De acordo com os dados obtidos nas entrevistas, em uma instituição da Anhanguera em
Brasília, no curso de pedagogia, 5 professores foram demitidos, no curso de enfermagem
foram mais de 30. Eles mandaram os professores embora e juntaram as turmas. Um curso que
contava com a colaboração de 15 docentes, agora está com apenas 4 ou 5 professores.
Podemos inferir que a instituição trabalha com o modelo de “gestão racionalizadora”
(OLIVEIRA, 2009) – cortar gastos para aumentar o lucro.
Não pagar para fazer pesquisa, não pagar para orientar aluno e ainda você viver sob
a ameaça de ser demitido, isso aí não é valorizar o profissional [...]. Além de tudo,
depois que a Anhanguera comprou a instituição, a ameaça de demissão sempre existiu.
Não que os coordenadores falassem que seríamos demitidos, pois jamais alguém vai fazer
isso. Mas os boatos nos corredores era muito frequente. A gente trabalhava muito
inseguro e para mim isso já é desvalorizar. Eles demitiram quase todos os mestres para
contratar especialistas. 80% das equipes foram mandadas embora, eram equipes
boas e colocaram só especialistas no lugar. É uma coisa que não tem lógica e é sinal
que eles não valorizam os profissionais. (Ex-Docente “C”, grifo nosso)
Diante da desvalorização do profissional docente, que não recebe para fazer pesquisa,
realiza atividades que não são remuneradas e que convive com a pressão da demissão, Demo
(2002) afirma que a politicidade se põe como referência fundamental e pode ser vista também
sob o signo da qualidade formal e política. Em relação à qualidade formal, o docente precisa
de formação primorosa, “carece de capacidade inequívoca de pesquisa – para produzir
conhecimento próprio – e de elaboração própria – para se tornar sujeito de ideias que possam
vir de fora.” Em relação à qualidade política, “além da óbvia conveniência do exercício
próprio da cidadania – participar do sindicato, por exemplo – torna-se crucial fazer aflorar no
saber pensar o saber intervir.” (DEMO, 2002, p. 35). É por meio da politicidade que o docente
será capaz de fazer história própria, individual e, principalmente, coletiva, transformando
políticas de opressão em sua própria libertação.
O problema é que uma das grandes questões que reprime o docente e o torna submisso
às ordens vigentes é o desemprego. Para manter-se empregado ou readquirir seu emprego, o
102
docente tem que se submeter às ordens da instituição, até mesmo, se conformar com a perda
salarial.
Eles [grupo Anhanguera] mandaram quase todos os docentes embora, para reduzir o
salário. Depois de 6 meses chamaram de volta. Vocês querem voltar? O salário agora é
esse [...]. Muitas pessoas voltaram mesmo com o salário menor. (Ex-docente “A”, grifo
nosso).
Segundo Guerón (2011), a possibilidade de demissão é um fator que abala o psicológico
do profissional, que passa a conviver pressionado, sem saber o que vai acontecer no dia de
amanhã. Na instituição privada investigada, a demissão pode ocorrer a qualquer hora com ou
sem motivos. Quando os docentes não se adaptam ao sistema da instituição, só há duas
soluções: ou pedem para sair por conta própria ou são demitidos, pois as decisões não são
tomadas no ambiente interno da Instituição.
A gestão fica muito a cargo de São Paulo (da sede). A gestão mesmo vem de São Paulo,
as decisões, as ordens. Até as avaliações iam para São Paulo e depois chegavam pra
gente. As notas tinham que ser enviadas para São Paulo [...]. (Ex-docente “B”, grifo
nosso)
A instituição percebe a educação como um negócio, por isso a gestão é centralizada,
sendo todas as ordens e decisões emanadas da mantenedora que fica em São Paulo. O sistema
é fechado. Os diretores, coordenadores e professores atuam como cumpridores de tarefas.
Na Anhanguera, aqui funciona como uma franquia, já vem tudo pronto de São Paulo,
então o diretor apenas conduz. Mas ele já tem um modelo pronto. Ele é um condutor,
um monitor. (Docente “L”, grifo nosso)
Seguindo a tendência dos grupos comerciais (lanchonetes, postos de combustíveis) que
constituem suas redes para revender produtos padronizados, mediante estratégias comuns e
publicidade centralizada, alguns grupos educacionais formam suas redes de franquias.
Segundo Dias Sobrinho (2002, p. 13), “assim se preserva a identidade de cada grupo, ou seja,
se consolidam as ‘marcas’ das respectivas bandeiras empresariais”, facilmente identificadas
pelas seguintes características: concepções educativas, metodologias de ensino, know how,
publicidade centralizada, estilos administrativos e comerciais. “Sendo grupos explicitamente
interessados na maximização dos lucros, uma intensa competição se estabelece entre esses
grupos empresariais de ensino.” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 13).
103
Essa nova gestão é dinâmica, existe um protocolo, então se o docente não consegue se
adaptar, acaba saindo. (Docente “A”, grifo nosso)
Ao analisarmos o conteúdo da fala dos docentes, percebe-se que eles se sentem
desvalorizados diante da forma como são conduzidas as diretrizes dentro da instituição. Eles
deixam subentendido que os seus anseios não são/foram atendidos e que a gestão é
extremamente empresarial. Segundo Tiradentes (2011, p. 17), quando os grandes grupos
educacionais lançam seu capital na bolsa de valores, passam a “submeter-se ao controle de
grupos de investimentos (vinculados a negócios em diversas áreas), que impõem padrões de
produtividade e metas de lucratividade que envolvem demissões e desqualificação do trabalho
docente, ‘pasteurização’ e ‘industrialização’ do projeto pedagógico.”
De acordo com a literatura na área e com os meus valores, a gestão deve ser vista com
uma outra prática. Seguindo o raciocínio do Gramsci, o gestor é o organizador das
vontades coletivas. Eu me pergunto que se um cara manda 600 professores embora e
junta 2 turmas de 40 alunos numa mesma sala [...] e só tem 4 professores para dar
todas as disciplinas de um curso [...]. Então, de quem são as vontades coletivas que ele
está organizando? Ele organiza as vontades coletivas ou as vontades individuais dele ou
da chefia da instituição? Então assim, nesses quesitos eu acho que a gestão era muito
falha. Não sei empresarialmente, pois eu não tenho competência profissional e intelectual,
para julgá-los enquanto empresários, mas também eu acho meio tiro no pé você mandar
600 mestres e doutores embora de uma instituição que ganha a vida dizendo que
oferta educação de qualidade. (Ex-docente “B”, grifo nosso)
O comentário acima nos remete à questão da qualidade do ensino que é tão discutida
pelo governo, organizações multilaterais e instituições educacionais. Segundo Dias Sobrinho
(2002), os discursos resumem-se pelo aumento da qualidade baseada na excelência das
instituições educacionais, isto é, na elevação de produtividade – menos recursos humanos e
econômicos e mais organização e eficácia gerencial empresarial. Na esfera capitalista, não há
espaço para a prática educativa libertadora (FREIRE, 2000): valorização do exercício da
vontade, da decisão, da resistência; promoção das emoções, sentimentos, desejos; fomento da
consciência histórica, do sentido ético da presença humana no mundo. A prática libertadora é
provocadora da esperança e de transformação, por isso ela é silenciada.
A gestão acadêmica da instituição ocorre nas esferas não acadêmicas, nos espaços das
relações com os investidores. Ao acompanhar trimestralmente os resultados financeiros e a
prestação de contas de dois dos principais grupos educacionais no Brasil, Tiradentes (2011, p.
18) constatou que “não é a comunidade acadêmica que os gestores das IES têm contas a
prestar, mas à assembleia de investidores.” É no espaço financeiro que as decisões são
tomadas quanto às disciplinas que um curso terá; quantos professores serão otimizados;
104
quantos cursos serão condensados em uma sala de aula para reduzir os recursos e custos;
quantas e quais as disciplinas e cursos serão oferecidos na modalidade de ensino a distância.
Todas essas decisões almejam a obtenção de ganhos de escala. O princípio educativo é a
valorização do capital investido. Embora o Docente “E” tenha dito que a “instituição tem uma
boa gestão” e que “semanalmente nós temos reuniões pedagógicas para discutir os trabalhos
desenvolvidos”, ele afirma:
A gestão tem que melhorar muito. Faltam investimentos para se ter uma boa governança,
não é só ter uma sala de aula, um professor e um projeto institucional e empurrar
goela abaixo aos professores e alunos, há uma desvalorização muito grande e não há
uma satisfação de ambos. Se você tiver uma satisfação geral, você trabalha feliz [...].
Para trabalhar na área de educação você tem que gostar muito, caso contrário você ajuda
a afundar o pouco que ainda tem. (Docente “E”, grifo nosso)
Shor (2006, p. 109) ressalta que “a educação não é engolir livros, mas é sim
transformadora das relações entre alunos, professores, a escola e a sociedade.” Guimarães-
Iosif (2011) complementa que as IES não devem ser espaços de medo e opressão, mas sim um
ambiente democrático, autônomo, dialético, de intervenção social e práticas coletivas. Um dos
objetivos da educação superior é o desenvolvimento social e não o desenvolvimento de
práticas opressoras que usurpam a autonomia discente e docente.
A questão da mercantilização da educação é muito delicada, o aluno é visto como
cliente e o professor como operário que vende sua força de trabalho. Não se pensa em
alcançar as metas propostas, no art. 43 da LDB/1996 (BRASIL 1996), para o ensino superior:
estimular o pensamento reflexivo; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica;
promover a divulgação dos conhecimentos culturais; estimular os conhecimentos do mundo
presente; mas sim formar o profissional de uma forma que custe mais barato para a instituição
e gere mais lucro para a própria.
No processo de financeirização, segundo Tiradentes (2011, p. 19), “o pedagógico
traduz-se em uma atividade meramente econômica, técnica, científica e politicamente
‘neutra’, objetivável, orientada por ‘homens de negócios’”. Nesse sentido, a função social
contra-hegemônica da universidade é destruída, em prol da consolidação do projeto
capitalista. Essas transformações que assolam as IES brasileiras, principalmente as
companhias educacionais, têm como marco a hegemonia neoliberal impressa no novo modelo
de governança proposto por Thactcher e Regan, nas atividades pactuadas no Consenso de
Washington (1989) e no AGCS (1995). O ponto culminante para esse novo processo foi a
105
inclusão da educação nas regras do comércio e serviços (apesar do acordo não ter sido
formalizado legalmente).
Nessa categoria, temos achados importantes: se por um lado, a maioria dos docentes
mostrou-se desconhecedora das políticas educacionais; por outro, alguns docentes têm
consciência e entendem o conjunto de relações – jogo de interesses – que permeiam a
governança da educação superior no País. Estes afirmam que a gestão da instituição, em que
atuam/atuaram é centralizada (as ordens fluem de cima para baixo) e racionalizadora, focada
em resultados e não em processos. A questão salarial é um aspecto chave na nova gestão.
Com o objetivo de cortar gastos, a instituição está demitindo os professores mais antigos, que
têm os salários mais altos e está realizando novos contratos com salários mais baixos. E, além
disso, passou a não pagar por algumas atividades desempenhadas pelos docentes, como
orientação de alunos e realização de pesquisa (quando ocorre).
Diante dessa situação, os docentes se sentem desvalorizados, pois convivem com a
constante pressão de demissão, realizam atividades que não são pagas e não têm voz dentro da
instituição. Apesar de quase todos os docentes terem dito que estavam satisfeitos com a gestão
da instituição, essa categoria nos revela uma grande contradição, pois os discursos descritos
nesta categoria acabaram apontando várias mudanças que afetaram direta ou indiretamente o
seu trabalho, ainda que eles não estejam plenamente conscientes do fato e não se posicionem
para tentar mudar essa situação. As mudanças impressas buscam aflorar o “aspecto passivo”
do trabalho docente (LOURAU, 2004a) e não satisfatório, político e emancipatório (FREIRE,
2000; DEMO, 2002; GUIMARÃES-IOSIF, 2009).
6.1.3 Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa
de valores
O modelo de governança impresso, nas últimas décadas, promoveu a mercantilização da
educação com o crescimento desmedido do setor privado. Esse é um dos aspectos que abriu
espaço para a atual conjuntura da educação superior: formação dos oligopólios com as fusões
e aquisições institucionais e a abertura de capital na bolsa de valores. Esse processo e suas
consequências foram molas propulsoras para a realização desse estudo. A presente categoria
tem como objetivo analisar a percepção dos docentes quanto a esse fenômeno.
Durante as entrevistas, constatamos uma diversidade de opiniões: posicionamentos
favoráveis às fusões instituições, outros desfavoráveis e outros que conseguem ver, ao mesmo
tempo, aspectos positivos e negativos. Os docentes que pensam nas fusões como um aspecto
106
positivo, acham que, quando uma instituição compra outra, é para melhorar, pois se a
instituição adquirida estivesse bem, não estaria à venda.
Na verdade, a gente vê os grandes engolindo os pequenos. Por um lado é bom, porque
muitas instituições pequenas estavam afundando e fechando as portas. Com as aquisições,
começaram a se reerguer novamente, as fusões trouxeram mais benefícios que
malefícios. (Docente “B”, grifo nosso).
Quando a instituição é grande, ela tem mais poder de barganha, pode dar condições de
trabalho melhor. Pode trazer a parte boa da empresa que foi adquirida, além de trazer
tecnologias novas, costume novo, treinamento novo. (Docente “F”, grifo nosso).
Os relatos dos docentes acima apontam para uma percepção limitada, pois eles estão
vendo apenas o lado objetivo desse processo e esquecendo-se de analisar as fusões e
aquisições institucionais que estão afetando suas condições de trabalho e a qualidade da
educação. Com a financeirização da educação, as questões pedagógicas e humanas não estão
sendo priorizadas e é por isso que a gestão da instituição está centrada exclusivamente no
lucro.
Esse mercado é interessante, quando você abre o mercado de capital, você pode ter o
benefício de novas fusões, aquisições, parcerias. Isso acaba trazendo benefício para a
própria instituição, pois fortalece o nome da empresa. Eu acho que é positivo, é uma
tendência das grandes empresas. (Docente “C”, grifo nosso)
Segundo Freire (2000, p. 129), o discurso do docente é fatalista: “‘a realidade é assim
mesmo, que fazer?’, decretando a impotência humana, sugere-nos a paciência e a astúcia para
melhor nos acomodar à vida como realidade intocável.” A visão acima, do Docente “C”,
assemelha-se aos objetivos das companhias educacionais – fortalecer o nome da empresa para
atrair recurso financeiro. O problema é que esse foco não abrange o fortalecimento das
relações de trabalho, a valorização dos profissionais da educação, a melhoria do ensino e o
investimento em pesquisa. “O objetivo dessas ações, como era de se esperar, é reduzir, ao
limite, os custos de funcionamento, por um lado, e garantir o maior lucro possível, por outro”
(GUERÓN, 2011, p. 27). O Docente “H” não vê o domínio do mercado com algo bom.
Quando você compra, você centraliza a coisa. A centralização eu não vejo algo
benéfico. A concorrência sempre é boa, mas quando uma empresa começa a dominar
o mercado não é bom. (Docente “H”, grifo nosso)
107
Os docentes, que conseguem extrair aspectos positivos e negativos desse processo de
compra e venda de instituições, esclarecem:
Na verdade, quando você analisa a aquisição, ela se dá justamente no momento de
crise da outra. Então nesse aspecto é positivo, pois a aquisição fez com que a
instituição permanecesse aberta. Por outro lado, essas mudanças podem trazer a
substituição dos docentes, do pessoal de apoio. Isso não tem como você evitar.
Quando há fusão, a primeira coisa que acontece é o enxugamento da folha e adequar
carga horária. Muitas vezes a carga horária é reduzida e se o professor não aceitar ele
vai ter que sair, porque a política da instituição é essa. (Docente “L”, grifo nosso)
As falas supracitadas apontam para uma questão eivada de contradições. Se por um lado
a instituição foi adquirida porque estava cheia de dívidas e à beira da falência, esse é um
ponto bastante considerável, pois permite que a instituição não feche as portas e que os alunos
deem seguimento ao curso. Mas, por outro lado, a formação de oligopólios pressupõe o
domínio do sistema; o gerencialismo do ensino; a perda da autonomia docente; a redução de
custos; a redução da carga horária; a ampliação da jornada de trabalho; a disseminação de
modelos pedagógicos empresariais; demissões em massa; a substituição de mestres e doutores
por especialistas (TIRANDENTES, 2011). Ou seja, a iniciativa privada torna-se um espaço de
acumulação meramente capitalista.
Quando você funde uma empresa com outra, você tem uma quantidade maior de alunos e
o preço cai, consequentemente as outras instituições que são pequenas tem de diminuir o
valor das mensalidades, como elas não conseguem acabam vendendo. Aí elas ficam a
mercê das instituições maiores, caso elas queiram permanecer no mercado vão ter que [...]
bancar o mesmo preço das mensalidades. E para isso terão que contratar profissionais
sem qualificação nenhuma para dar aula, aí é aonde cai a qualidade. (Docente “H”,
grifo nosso)
Para manter os valores das mensalidades mais baixos, a instituição demite mestres e
doutores e contrata especialistas, conforme apontam Costa (2012) e o ANDES-SN (2012a).
Ao ostentar métodos de gestão típicos dos negócios, os grandes grupos educacionais
equiparam suas atividades àquelas, desprezando a natureza do trabalho e as implicações
políticas, sociais, humanas envolvidas. As mantenedoras estão agindo da forma como o
capitalismo contemporâneo opera. “Não só porque lançam ações em bolsa, mas, sobretudo,
porque funcionam como notáveis esquemas de controle e bloqueio do desejo de quem nelas
trabalha e estuda. O próprio lema do ‘preocupemo-nos apenas com o mercado’ é parte disso”.
(GUERÓN, 2011, p. 28). Há uma espécie de terrorismo psicológico para capturar a
subjetividade de estudantes e professores em uma espécie de operação que busca cada vez
108
mais o enclausuramento. O potencial produtivo é, assim, esvaziado, inclusive através do medo
de não achar espaço no mercado e acaba jogando o docente num processo de pura repetição e
reprodução passiva.
As companhias que abriram capital na bolsa de valores estão liderando o mercado de
fusões e aquisições, pois fortaleceram o caixa e o processo de crescimento, com modelos
padronizados. Segundo Lourau (2004a), a sobreimplicação do trabalho, ao produzir
sobretrabalho, traz índices elevados de fluxo de caixa, promovendo assim o crescimento
indefinido da empresa-instituição.
Os bons resultados financeiros são vistos na avaliação que o mercado faz das
companhias. Referindo-se à Anhanguera, Barboza (2012) destaca que o conglomerado
paulista está avaliado em R$ 4,7 bilhões, valor superior ao da Companhia Aérea Gol. Em
2012, as ações das companhias educacionais foram as que mais valorizaram na bolsa de
valores: Anhanguera (53,4%); Estácio (85,2%); e Kroton (87,7%). Em 2011, os faturamentos
foram respectivamente R$ 1,39 bilhão, R$ 1,14 bilhão e R$ 734 milhões (ECONOMÁTICA,
apud BARBOSA, 2012). Enquanto a rentabilidade das empresas listadas na BM&FBovespa
despencou, diante da crise externa na zona do euro e pela desaceleração da economia interna
do País, as companhias educacionais viram suas ações disparar. No momento em que o País
discute estratégias para melhorar a qualidade do ensino, no campo financeiro, os gigantes
educacionais jamais ganharam tanto dinheiro.
Na visão do Ex-docente “B”, o capital aberto precariza ainda mais a educação. “Eu não
sei como não repercute na bolsa 600 mestres e doutores da Anhanguera terem sido mandados
embora”. Outro docente, com uma visão mais mercadológica, acrescenta,
A abertura é amplamente divulgada e querendo ou não, nós temos que assumir e
entender que a educação passou a ser um produto [...]. E o mercado de trabalho tem a
mesma visão. (Docente “A”,grifo nosso)
O comentário do professor vai ao encontro da política da OMC que estabelece a
educação como uma mercadoria, produto negociável (TIRADENTES, 2011). O entrevistado
que representa os professores das IESPs no DF avalia que “no intervalo de 15 a 20 anos, todo
o sistema educacional superior no Brasil vai estar nas mãos de 20 grupos educacionais.
Justamente pela concepção de ir sufocando as faculdades pequenas e atuar na lógica do
mercado” (Representante do Sindicato). Os grandes grupos determinarão os rumos de todo o
ensino superior no Brasil. Este processo é muito preocupante, porque não leva em
consideração o aspecto regional de cada Estado, além de uma série de fatores negativos que
podem advir da formação dos conglomerados. “Por exemplo, a rede Anhanguera que,
109
simultaneamente, dá uma aula para 20 mil alunos (via satélite), na concepção da educação a
distância, não leva em consideração a realidade de cada região, as especificidades. Isso pra
gente é muito preocupante” (Representante do Sindicato).
O Representante do Sindicato acrescenta que a CONTEE, que reúne 90 sindicatos de
professores em todo o País, tem discutido a mercantilização da educação em nível nacional,
pois o setor está saindo do patamar educacional e indo para a concepção do mercado.
Quando você vai pra bolsa de valores, você tem empresas ou investidores adquirindo as
ações e que querem um resultado imediato daquele capital que ele investiu. Junto com
essas aquisições, vem automaticamente a fatura seguinte. A gente costuma usar essa
expressão de fatura, pois qual é a fatura? Se o investidor colocou 1 milhão, ele vai querer
que aquele 1 milhão renda lucros num patamar muito maior. Quando a educação passa
por essa concepção automaticamente cai a qualidade. Por que? Porque se pensa não do
ponto de vista do processo de construção da educação e da sociedade e sim do
mercado. (Representante do Sindicato, grifo nosso)
O resultado dessa voracidade do mercado financeiro dentro da educação está reportada
nos jornais e nos discursos dos especialistas e associações que representam a categoria:
diminuição do número de funcionários; corte de gastos; atuação em larga escala, que permite
baixar o valor da mensalidade; ao invés de ter 30 alunos, colocam 100, 200 alunos em uma
sala de aula. Por que isso? Porque a concepção do lucro é cada vez mais dominante. “Os
sindicatos e associações, em âmbito nacional, têm feito um grande movimento no sentido de
regular a abertura do capital educacional não só em bolsas de valores, mas principalmente de
impedir a inserção do capital internacional nas IESPs.” (Representante do Sindicato).
As redes de ensino investiram no mercado de capitais buscando atrair recursos e
crescimento orgânico, estratégia empreendida como forma de expansão e captação de
dinheiro. Os relatórios trimestrais, divulgados pelas empresas listadas na BM&FBovespa,
demonstram que os ativos das empresas estão em alta. A companhia Anhanguera
(ANHANGUERA, 2012c), nesse 2º trimestre de 2012 registrou um lucro líquido de R$ 24,6
milhões, uma variação de 206% a mais que o ano passado. A Kroton Educacional obteve um
lucro líquido de R$ 32,4 milhões (KROTON EDUCACIONAL, 2012b).
A injeção de capital permite que a empresa cresça. Porque ninguém compra alguma coisa
para ir pra baixo [...]. Eu só acho que a inserção do capital estrangeiro não deva ser
majoritária. Ter ações sim, mas desde que o capital continue sendo nosso. Exemplo que
aconteceu com o Pão de Açúcar, o seu Abílio Diniz não é mais dono da empresa que ele
ajudou a criar, são os franceses. Agora não sabemos mais como eles vão administrar a
empresa, isso eu não acho positivo por ser de fora. (Docente “L”, grifo nosso).
110
A expansão desregulada do ensino superior privado, intensificada pela inserção de
capitais estrangeiros no setor, vincula-se ao processo de desnacionalização da educação no
País. Segundo a CM Consultoria (2012a, p. 2), “a venda de IES privadas para investidores
internacionais é o que se convencionou chamar de desnacionalização do ensino superior, um
assunto muito polêmico atualmente, pois, para muitos educadores, significa apenas uma
transação para o capital especulativo internacional”, que está interessado somente em grandes
lucros. Não há como ignorar essa realidade.
A companhia Anhanguera conquistou seu império educacional ao captar grande volume
de capital estrangeiro na bolsa de valores e hoje se destaca como a maior empresa educacional
da América Latina.
Ela [Anhanguera] comprou 5 instituições só em Brasília, foram mais de 50 em todo o
Brasil, deve ter sido mais ou menos isso [..]. Ela comprou bastante instituições em todo o Brasil, com capital ela fortalece, vira uma hold, uma grande empresa. Aí ela tem
maior poder de barganha. (Docente “H”, grifo nosso).
Os investimentos internacionais no setor educacional crescem aceleradamente e as
negociações são amparadas pela legislação hoje em vigor, que não impõe limites à
participação estrangeira nas mantenedoras ou grupos educacionais. Diante da passividade do
governo, dos próprios docentes e discentes e da sociedade em geral, a tendência é que os
quatro Projetos de Lei – 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009, 7.040/2010 – que visam à
regulação desse processo, não saiam do papel. É mister que essa questão seja analisada e, de
forma bem consciente, por toda a sociedade: mercado, Estado, estudantes, docentes,
instituições, organizações da sociedade civil, comunidade, entidades e associações sindicais.
Será que a nova autarquia que está sendo criada para regular o processo de fusões e aquisições
institucionais, Projeto de Lei 4.372 (BRASIL, 2012a), conseguirá lidar com esse problema?
Quando uma instituição compra (adquire) outra, sempre há mudanças, que, geralmente,
não condizem com os anseios dos docentes e funcionários. O período de transição é muito
difícil, pois muda a gestão, a cultura organizacional, a metodologia de trabalho, inclusive, as
relações de trabalho. Os dados assinalam que, diante desse processo, ocorreram as seguintes
práticas nas instituições compradas pela Anhanguera Educacional: diminuição do valor da
hora/aula (os contratos novos já vêm com um valor reduzido); fim da orientação de trabalho
de conclusão de curso (TCC); junção de turmas; redução das aulas de laboratório e trabalhos
de campo ao mínimo possível; em determinados cursos, quando das aulas de laboratório, é
111
preciso dividir a turma, pois não cabe todo mundo; padronização do sistema; bem como tantas
outras.
Quando vem outro grupo e compra, ele vai implantar a cultura dele. E nessa de implantar
a cultura dele, a gente passa pelo processo de transição que é muito sofrido , se adaptar
a tudo de novo, tudo vem pré-estabelecido, porque esses grupos estão aqui e em vários
locais do país, então eles têm que padronizar os sistemas. Por exemplo, se tem um curso
de farmácia em Anápolis, a realidade é indústria. Aí eles pegam e colocam um curso aqui
voltado para a indústria, sendo que aqui não tem, a realidade aqui é outra. Tem o
choque da cultura, porque os grandes grupos querem tudo padronizado, sendo que os
padrões não se adéquam as necessidades das regiões. E eles têm esse negócio de juntar
turmas, turmas gigantes, e a gente não tem tempo para dar atenção para o aluno que está
com dúvida. Em uma aula prática, como você enfia um monte de gente no laboratório,
então às vezes é preciso dividir a turma, dividir também o tempo que você tem para
dar a aula prática. É muito desgastante, principalmente por causa das turmas muito
grandes. (Docente “C”, grifo nosso)
Frente a essas mudanças e pressões, Guerón (2011, p. 29) considera que é fundamental
“buscar a instalação de conselhos acadêmicos nos quais possamos ter participação ativa na
estruturação e na concepção dos currículos, indo além da lógica dos cortes de custos e do
‘treinamento’ para o ‘mercado’.” Mesmo sendo difícil, os docentes precisam resistir a toda
forma de precarização, toda estratégia que vise dificultar, atrapalhar ou até mesmo impedir a
produção cognitiva e criativa dos docentes, funcionários e alunos. Todas essas mudanças
objetivam alcançar metas e obter resultados que se sintetizam em cifras. A “gestão por
resultados”, como afirma Mancebo (2011), provoca mudanças organizativas no processo de
trabalho que impactam diretamente no aumento da intensidade do labor docente e na
qualidade do ensino. Assim, a função social das IES se esvae diante da voracidade financeira.
Tiveram muitas mudanças e os docentes resistiram, pois agora trabalhamos com
colegiados, que tomam as decisões e nós temos que cumprí-las. Os professores não
entendiam, eles queriam planejar a aula, sendo que havia um plano de ensino pré-
estabelecido para padronizar as disciplinas em todos os horários. As ementas e os
cursos foram padronizados. A gente sempre trabalha com o cumprimento de metas e
prazos. Então, às vezes, para a gente cumprir metas, a gente sofre algumas pressões.
(Docente “B”, grifo nosso)
Essa composição organizacional de agudas mudanças retira a autonomia profissional e o
sentido pedagógico e acaba provocando o adoecimento do professor. As transformações nas
IES afetam e desvalorizam o trabalhador docente, “que perde a sua autonomia e passa a ser
controlado, adequado e uniformizado segundo critérios de produtividade, a partir da lógica
racionalizadora do capital.” (CHAVES, 2005, p. 148).
112
Uma das mudanças mais citadas pelos docentes é a política da Anhanguera de juntar
turmas. A maioria dos docentes tem mais de 200 alunos. Tem professor que chega a ter mais
de 400 alunos (Docente “F”) só na instituição, isso implica em mais provas e trabalhos para
corrigir, preenchimento de formulários e documentos de controle da sua própria atividade,
dinamização das aulas, que tiveram de ser readaptadas ao novo modelo de sala superlotada.
Há um paradoxo. O positivo é que houve uma injeção significativa de computadores,
livros [...]. O que eu não achei positivo é ter uma sala com 70, 80, 90 alunos. O ponto
complicador é que se perde o maior contato com os alunos. Quando eu falo em perder o
contanto, eu falo de discussão, troca de ideias, maior interatividade. Eu diria que perdeu
um pouco a qualidade, em termos de disseminação do conhecimento por parte do
professor. Ele não consegue dar aula com uma sala com 90 alunos. (Docente “L”, grifo
nosso)
Após a Anhanguera ter adquirido a instituição, houve avanços e retrocessos. Mas os
dados apontam que as perdas superaram os avanços. Os avanços incidem em mais recursos
materiais, folha de pagamento em dia, carteira assinada, plano de saúde31. O contraponto é
que as perdas impactaram diretamente nas condições do trabalho docente, na autonomia do
professor e, consequentemente, na qualidade do ensino. Os professores têm que
“hiperotimizar o tempo” (MANCEBO, 2010) para dar conta de realizar todas as atividades
previstas. A intensificação das atividades promove a sobrecarga de trabalho e gera o
esgotamento profissional. É preciso resgatar a qualidade formal e política proposta por Demo
(2001, 2002).
Na instituição privada, o professor se sacrifica mais. Na pública, ela fica poucas horas
em sala de aula [...]. Na privada, ele pega 40 horas ou mais em sala de aula, o
professor da pública nunca faz 40 horas em sala, faz 12 no máximo. (Ex-docente “C”,
grifo nosso)
O trabalho docente nas IESPs caminha em consonância com a lógica da acumulação
capitalista, e o trabalhador é exaurido em sua força, em função da intensidade do trabalho que
precisa realizar para garantir uma remuneração minimamente considerável com a função
desempenhada. Com o cansaço físico e mental, a qualidade do ensino fica a desejar. A análise
de Marx ilustra a voracidade do capitalismo diante do trabalho:
31
Vale ressaltar que o plano de saúde é um benefício raro no setor. Em Brasília, das 64 IES, só o grupo Anhanguera e uma universidade confessional oferecem esse benefício aos seus trabalhadores.
113
[...] em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais-trabalho, o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Escamoteia o tempo destinado às refeições para
incorporá-lo onde possível ao próprio processo de produção, suprindo o trabalhador, enquanto mero meio de produção [...]. (MARX, 1996, p. 378-379).
Não importa como e em que condições o trabalho será realizado, o empresário
simplesmente aguarda os resultados. Para cumprir as tarefas, os docentes estendem as
atividades madrugada adentro, nos fins de semana, no seu tempo de descanso e lazer.
Nós estávamos acostumados com turmas pequenas de no máximo 30 alunos, e de repente
teve de lidar com turmas de 50-60 alunos. Então isso foi um desgaste, pois tem que fazer
várias provas diferentes, pois todo mundo faz prova coladinho; teve que adaptar a aula,
pois é um tempo menor com uma turma maior. (Ex-docente “C”, grifo nosso)
Hoje, o professor ganha um determinado valor para realizar suas tarefas, sendo que na
verdade sua carga de trabalho vai muito além do estabelecido, caracterizando uma
intensificação, extensão e sobrecarga. Alguns professores ressaltaram que desempenham
algumas funções que não são remuneradas.
Pelo volume de tarefas que a gente faz, até várias atividades além da função do curso,
acho que isso [o salário] pode ser melhorado. (Docente “B”, grifo nosso)
Eu acho que o salário poderia melhorar mais. Os empresários visam lucro, mas o
empregado recebe em cima de um limite estabelecido na planilha. (Docente “C”,
grifo nosso)
Nos últimos anos, a questão salarial tem sido alvo de amplo debate e reivindicação da
categoria docente pública e privada, principalmente por causa das mudanças organizacionais,
tecnológicas e produtivas que flexibilizaram o trabalho. Os docentes recebem abaixo do
necessário, e a média salarial nacional está aquém de seu próprio valor. O grau de autono mia
do professor vem diminuindo no mesmo ritmo intensivo de redução salarial, seja pela
ampliação da jornada de trabalho, seja pelo rebaixamento de seu nível de qualificação.
Apesar de eu ter falado que o salário é bom. Eu acho que deve haver uma valorização
dos professores, alguns professores dependem do pão de cada dia. Uma boa
remuneração atrai bons profissionais. Em outras profissões, a hora do profissional é 10
vezes maior. (Docente “G”, grifo nosso)
Como a prática de fusões e aquisições institucionais ainda não é regulada pelo governo,
o cerne principal da questão é o lado financeiro e não educacional. Portanto, o malefício para
114
os discentes e docentes é que as fusões visam à rentabilidade e não à promoção da educação
de qualidade e à valorização profissional. Essa realidade nos traz alguns questionamentos:
Quais são os impactos sociais da mercantilização e financeirização da educação? Como ficam
os professores, os alunos e a sociedade nesse jogo de interesses? Haverá espaço para a
qualidade educativa pautada em valores humanos? Qual é o nível da formação desses
profissionais que irão para o mercado de trabalho? Por que o governo não se posiciona e não
regula o setor? A fala abaixo aponta para a necessidade de uma fiscalização maior por parte
do governo:
Eu acho que uma questão importante seria a fiscalização do governo nas instituições
hoje. Apesar do MEC estar empenhado nisso, eu acho que ainda deixa a desejar. Teria
que ter uma fiscalização maior para ver se melhora o sistema como um todo.
(Docente “I”, grifo nosso)
Costa (2012), Guimarães-Iosif e Santos (2012), Tiradentes (2009b), entre outros,
apontam para a necessidade de regulação do setor. Conforme citado no capítulo V, o governo
acabou de criar mais um Projeto de Lei, nº 4.372 (BRASIL, 2012a), que visa à regulação,
inclusive das fusões e aquisições institucionais, e à fiscalização do sistema. Antes mesmo de
ser aprovado, já está sendo alvo de diversas críticas por parte das associações que representam
a iniciativa privada, como a ABMES. Esperamos que na quebra de braço entre governo e
“empresários da educação”, os interesses da maioria, isto é, da população, venham prevalecer.
Enquanto alguns docentes estão preocupados com o futuro e clamam para que o setor
seja fiscalizado e regulamentado pelo governo, o Docente “F” é totalmente favorável à
inserção do capital internacional na educação.
Os grupos estrangeiros já compraram coisa muito mais importante que a educação .
Tem que vim, investir e botar pra funcionar. Dinheiro é dinheiro. (Docente “F”, grifo
nosso)
A visão desse docente é totalmente mercantil e está de acordo com a ideologia das
companhias educacionais, da OMC e do próprio neoliberalismo, onde a educação só é mais
um setor que deve se submeter às regras do mercado. A lei da mais-valia instalou-se dentro do
ambiente educacional, corrompendo seu significado, processos, objetivos e relações.
Essa categoria tem achados intrigantes, enquanto alguns docentes veem a educação
como um negócio e acham normal o processo de mercantilização e até mesmo importante no
sistema capitalista; outros apontam que, para o sistema funcionar e alcançar ganhos em escala,
eles estão sendo silenciados (perdendo a autonomia), ao mesmo tempo em que as condições
115
de trabalho estão mais precarizadas e intensificadas. Com as aquisições institucionais, muitos
docentes estão sendo demitidos, estes passaram a viver pressionados. A maioria das falas
nessa categoria aponta que o aumento de alunos nas turmas prejudicou consideravelmente a
qualidade do trabalho docente e do ensino. Ao fazermos uma breve análise institucional com
base na teoria de Lourau (2004a), constatamos que as mudanças que permeiam o trabalho
docente, visam à cooptação e à exploração da própria subjetividade do trabalhador, bem como
constituem-se na ideologia do sobretrabalho em busca da mais-valia. É um processo de
sobreimplicação do trabalho docente.
6.1.4 Relações e condições de trabalho dos docentes
Considerando a complexidade da esfera do trabalho, a categoria em tela tem a finalidade
de compreender as relações e as condições de trabalho dos docentes na instituição privada,
objeto de investigação.
A maioria dos professores considera que a Instituição tem uma infraestrutura boa. Em
geral, as instalações atendem as necessidades dos alunos e dos profissionais: há ar
condicionado nas salas, nos laboratórios, na biblioteca; algumas salas de aula são grandes, até
mesmo porque as turmas têm em torno de 60-80 alunos, dependendo do curso, têm data show.
No entanto, os professores que trabalham na área de tecnologia acham que poderia m ter mais
equipamentos e laboratórios.
Como o curso é muito técnico, eu sinto falta de laboratórios mais especializados.
(Docente “G”).
O vínculo do docente com a instituição é estabelecido por meio de contrato de trabalho
e carteira assinada, exigência da própria instituição.32 Esse é um aspecto positivo ressaltado
pelos docentes, uma vez que, segundo eles, muitas instituições da região não assinam a
carteira e o regime de trabalho é informal. Na instituição, apenas 12% dos docentes são
mestres e doutores, sendo que a LDB/1996 (BRASIL, 1996) determina que pelo menos um
terço do corpo docente das IES deve ser composto por mestres e doutores; e um terço dos
contratos de trabalho deve ser em regime integral.
Fazendo uma análise dos dados sobre o regime de trabalho dos docentes nas IES no
Brasil, a situação na Instituição da Anhanguera, objeto de investigação, é ainda mais
32
Conforme conversa informal com o “Diretor da Instituição”, “nenhum professor entra em sala de aula sem carteira e contrato de trabalho assinados”.
116
agravante: 100% dos docentes são horistas. Nas IES públicas, apenas 6,9% são horistas; nas
demais IESPs no País, o percentual fica em torno de 48% (BRASIL, 2012c). Guerón (2011, p.
29) é bem enfático ao dizer que “a remuneração que segue a lógica do professor ‘horista’
simplesmente ignora a produção que sempre buscamos manter quando estamos fora das salas
de aula, produção essa da qual tanto depende a qualidade das aulas nas universidades
privadas”. Atualmente, nos deparamos com profundas mudanças, tanto no setor público
quanto privado, que precarizam ainda mais o trabalho docente, perante uma crescente
desvalorização e o não cumprimento da legislação educacional e trabalhista.
Para Vale (2011), com a formação dos conglomerados no setor privado, o trabalho
docente está ainda mais rigorosamente submetido às diretrizes da acumulação capitalista
flexível e vem se desenvolvendo sob duras condições: predominância do regime hora/aula,
PCs inconsistentes e falta de estímulo à pesquisa e à qualificação profissional. Em boa parte
das instituições, as condições de trabalho correspondem ao avanço do sobreimplicação do
capital na exploração do trabalhador.
Em um contexto geral, as instituições privadas não estabelecem um regime de
exclusividade com o corpo docente, levando-os a buscar vínculos com outras instituições. Dos
15 docentes entrevistados, somente 4 não tinham um outro emprego, sendo que destes, 2,
além de serem professores, são coordenadores e passam parte do dia e da noite na Instituição.
Conforme a Tabela 5, verificamos que a carga horária semanal total dos docentes é elevada,
40% trabalham, em média, 55 horas semanais. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1988), artigo 7º, inciso XIII, estabelece que a duração da jornada deve ser de, no máximo, 8
horas diárias e 44 horas semanais, exceto nos casos de negociação onde se estabeleça a
compensação ou redução da jornada. No entanto, a jornada de trabalho, da maioria dos
docentes no País, ultrapassa o previsto na legislação, uma vez que o trabalho do professor é
um trabalho que se estende ao horário pago pela Instituição.
Tabela 5 – Carga horária semanal total dos docentes.
Carga horária semanal
total
Docentes
(%)
Até 30h 1 (6,6%) De 31 a 40h 3 (20%) De 41 a 50h 3 (20%)
De 51 a 60 h 6 (40%) De 61 a 70h 1 (6,6%) Acima de 71 1 (6,6%)
Total 15 (100%)
Fonte: autora
117
A sobrecarga de atividades impacta na qualidade de vida do professor, bem como
interfere na qualidade do ensino (MANCEBO, 2010). Pelos relatos, observamos que
prevalece o elevado número de horas trabalhadas, seguido de jornadas extensas e constantes.
O corpo docente da Instituição é constituído por professores “integrantes do quadro de
carreira docente” e “colaboradores”. Estes são contratados em caráter eventual de substituição
ou para o desenvolvimento de programas especiais. Os professores integrantes do quadro de
carreira atendem a quatro categorias funcionais, a saber: professor auxiliar (graduados),
professor assistente (especialistas), professor adjunto (mestres) e professor titular (doutores).
Em cada categoria, a partir da categoria “professor assistente”, existem 5 níveis de ascensão
para promoção, que correspondem ao “tempo de casa” e à “pontuação exigida para cada
promoção”.
As atividades consideradas para pontuação estão relacionadas à produção intelectual,
que corresponde à publicação de livros, capítulos, artigos, pesquisas e trabalhos acadêmicos,
apostilas, palestras; a atividades extraclasses ou curriculares como coordenação de cursos de
extensão e graduação, orientação de alunos; e à avaliação docente (pelos alunos e instituição)
que seja igual ou superior a “7”. As pontuações para ascensão nas categorias são um pouco
elevadas, visto que os professores da instituição não têm o hábito, nem tempo para escrever e
publicar artigos, tampouco realizar pesquisas. Nos últimos 3 anos, dos 15 docentes
entrevistados, somente 4 (Docente “A”, Docente “E”, Docente “G”, Ex-docente “B”) tiveram
publicações. Os Docentes “B” e “C” enviaram este ano um artigo para a própria Instituição,
que está em fase de análise. De acordo com Demo (2001, 2002), o professor que não
pesquisa, não escreve, não produz, apenas reproduz o conhecimento.
Quanto ao plano de carreira, 9 professores disseram que nunca chegaram a ler. O
Docente “E” disse que conhece, mas não chegou “a ler a fundo”, e o Docente “F” disse:
[O plano de carreira] É muito interessante. Eu sou tutora, eu estou praticamente fora
do plano, pois começa com professor auxiliar que é presencial e vai até professor titular
“E” (doutorado). É carreira de professor, você não vai deixar de ser professor para ser
coordenador. (grifo nosso)
O Docente “F” tem contrato de trabalho e carteira assinados, porém, como ele mesmo
afirma: está praticamente fora do plano. Ele é “professor tutor”, isto é, apenas colaborador, e
não “professor integrante do quadro de carreira” como consta no plano institucional. O
discurso do docente é contraditório com a sua própria realidade. Como ele pode considerar o
PC interessante, sendo que ele nem figura no PC?
118
Durante as entrevistas, acompanhamos por cinco dias a rotina dos professores na
instituição e observamos que há lanche e café, cada dia é um cardápio diferente (por exemplo
: pão com presunto e queijo e café / pão de queijo e café / brioche e café). Pelas informações
obtidas durante esse período, os docentes estão satisfeitos com alguns benefícios que a
instituição oferece. Eles acham importante o lanche, pois, geralmente, vêm de outro trabalho e
não têm tempo para lanchar. Os planos de saúde e odontológico são um dos benefícios mais
citados pelos docentes.
Temos benefícios de saúde, odontológico e políticas de incentivo a treinamentos. A
instituição oferece cursos com descontos ou até mesmo isenção. (Docente “G”).
As duas pós que eu estou fazendo são gratuitas. Temos plano de saúde e
odontológico, café com pão de queijo [...]. (Docente “F”, grifo nosso)
Já fiz cursos que a instituição disponibiliza para os docentes, curso em EAD de
formação de tutores [...]. Outros benefícios, plano de saúde, cartão benefício em que o
docente pode fazer compras nas redes conveniadas (consignado na folha de pagamento).
(Docente “C”, grifo nosso)
A instituição também oferece cursos de pós-graduação, com descontos e até mesmo
isenção, e cursos de formação continuada para os docentes. Quase todos os docentes já
realizaram algum curso pela Instituição. A Anhanguera Educacional oferece bolsas de
mestrado e doutorado para os docentes, mas não têm os cursos em Brasília. Infelizmente, não
conseguimos ter acesso ao programa, para saber maiores detalhes sobre como é o processo de
seleção para essas bolsas. No entanto, os professores disseram que não conhecem ninguém
que já tenha se beneficiado e afirmam:
Existem alguns incentivos para quem quer fazer mestrado e doutorado, mas é limitado.
Não conheço ninguém que está fazendo . (Docente “B”, grifo nosso).
As bolsas de mestrado e doutorado são fictícias, eu não conheço ninguém que
conseguiu [...]. Eles dificultam o processo. (Ex-docente “A”, grifo nosso).
Mestrado aqui em Brasília não tem, isso só a nível de São Paulo. (Ex-docente “D”,
grifo nosso).
Segundo conversa informal com o Diretor, os docentes em Brasília têm a oportunidade
de fazer o mestrado a distância, em “Meio Ambiente”, em uma universidade do grupo. No
entanto, não há nenhum docente que tenha interesse em fazer mestrado nessa área. Assim, o
curso ofertado pelo grupo Anhanguera no momento não condiz com os anseios dos docentes.
Apesar dos benefícios ofertados pela Instituição, com a formação dos conglomerados na
educação superior, a primeira implicação do novo modelo de gestão empreendido é a questão
119
da falta de autonomia do professor (que está cada vez mais em xeque), a intensificação do
trabalho e a precarização das condições de trabalho.
A gente não tem autonomia e os planos de ensino das disciplinas são muito
incompletos, são muito ruins. Por exemplo, uma disciplina que teria que ter pelo menos
6h semanais, tinha 2h. Aí vinha o plano de ensino superincompleto e eu tinha que fazer
mágica, a gente fazia mágica para priorizar os conteúdos mais importantes. Tinha que
otimizar o tempo e sobrecarregar os alunos de informação , porque tinha de falar
muita coisa. O plano de ensino da minha disciplina, que era Química Farmacêutica, tinha
que ser de 6h semanais no mínimo, mas só tinha 3h. Era um plano de ensino gigante, com
muita coisa a ser dada. Eu olhava e via que era impossível de dar aquilo tudo em 3
créditos, mas eu tinha que fazer mágica, pois além de tudo eu tinha que dar aquele
conteúdo muito extenso e ainda dar aula prática [...]. O plano vem pronto e as aulas
práticas predeterminadas e nem sempre isso é bom. (Ex-docente “C”, grifo nosso).
Segundo Freire (2006), o currículo padronizado, o currículo de transferência, é uma
forma mecânica e autoritária de se educar o cidadão. É uma estratégia de manipular, à
distância, as atividades dos educadores e dos educandos. O que se ouve muito dos professores
é que eles estão sempre correndo para “dar a matéria”, para “cumprir o programa”, para
“fechar a grade”. Além de terem de cumprir metas e prazos todo semestre e, no próximo
semestre, se ele ainda estiver empregado, começa tudo de novo. Os docentes “são
pressionados a usarem certos livros didáticos, ou a dar certos tópicos obrigatórios, numa dada
ordem prescrita, em aulas demais, com alunos demais.” (SHOR, 2006, p. 110). O currículo e
as novas diretrizes na instituição tornaram-se uma angústia permanente ao professor. Para
mudar essa realidade tecnocrata e opressora, Freire (2006) aponta para a necessidade de uma
educação como prática de liberdade e de uma prática pedagógica voltada para autonomia e
para intervenção social. A educação como prática libertadora está longe de ser ofertada pela
instituição, pois esta visa à formação voltada para as necessidades do mercado.
A exigência de uma nova formação [para o mercado] requer a mudança dos cursos. Então
essa especificidade acaba deixando de lado alguns conhecimentos que poderiam facilitar
a formação humanista. (Docente “A”, grifo nosso).
Essas transformações, que tocam a essência da educação superior, modificaram os
sentidos da formação e, consequentemente, da qualidade. Na lógica da privatização, “a
formação se reduz ao adestramento para o exercício de profissões, ou capacitação de
indivíduos para a ocupação de postos de trabalho, devidamente caracterizados, e o
enfrentamento das disputas acirradas que a competitividade engendra em todos os níveis.”
(DIAS SOBRINHO, 2002, p. 15). Segundo o autor, as instituições, ao inserirem-se nos
120
processos competitivos e tornarem-se mais eficientes, operam um deslocamento ético. Os
valores de primeira ordem – cidadania, solidariedade, justiça, tolerância – são substituídos por
ícones economicistas – eficiência, produtividade, lucratividade, utilidade. Essa é a realidade
de grande parte das IES brasileiras que estão formando os cidadãos para o futuro.
Ao comprar a instituição, a Anhanguera mudou a grade curricular dos cursos, os planos
de ensino e de curso, diminuiu a carga horária dos cursos e reduziu o número de professores
em cada curso. Amparada na legislação, a companhia instituiu pelo menos uma disciplina a
distância em todos os cursos. A Portaria 4.059, de 10 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004),
regulamentou a oferta de até 20% da carga horária total dos cursos de graduação em
disciplinas a distância ou semipresenciais.
Houve uma mudança radical no modelo pedagógico e institucional. Os grandes grupos
estão instituindo um processo de padronização que se manifesta em aulas engessadas,
programadas fora do contexto, muitas vezes distante da realidade local. A ação pedagógica é
mercantilizada, pois vai ao encontro dos novos modelos de gestão, que lhes usurpam a
autonomia e o sentido. Os procedimentos adotados representam ainda o controle ideológico
da formação e a descaracterização do conhecimento científico, supondo sua neutralidade.
“Somente uma concepção positivista de ciência e de pedagogia pode comportar currículos
engessados, padronizados, industrializados; textos únicos selecionados por especialistas,
tecnocratas, como se estivéssemos simplesmente tratando de escolhas técnicas e não
ideológicas”. (TIRADENTES, 2011, p. 18).
Essa concepção positivista está retratada na forma com que as atividades e os programas
são estabelecidos na Instituição. Um exemplo é o “Programa Livro Texto”, onde um grupo de
professores se reúne e escolhe um livro que atende a grade curricular de determinada
disciplina. Definido o livro, a Instituição faz um acordo com a editora, que publica edições
exclusivas para a rede com um preço bem reduzido, em torno de 70% abaixo do valor de
mercado.
O plano de ensino já vem pronto, você não constrói [...]. Como você vai desenvolver
seu trabalho, se você já tem até os livros que seus alunos têm que ler. Na verdade, tem o
Programa Livro Texto, os professores são obrigados a usar a bibliografia que eles
trazem, da mesma forma que as aulas já vêm prontas. É uma pressão, é uma ditadura
dentro da instituição. Eu ministrava a disciplina de Educação Lúdica, e a disciplina
tinha o programa livro texto que travava um pouco a disciplina, que é essencialmente
prática. O professor é meio escravo da figura desse programa. (Ex-docente “B”, grifo
nosso).
O objetivo dos grupos internacionais é retorno financeiro a todo custo. Não interessa
como o aluno vai ser formado. (Docente “H”, grifo nosso).
121
É no espaço das relações com os investidores que “ocorre a aprovação do projeto
curricular” das companhias educacionais. O objetivo é “padronizar a produção em todas as
‘unidades fabris’ da ‘empresa’ [...] para a obtenção de ‘ganhos em escala’.” (TIRADENTES,
2011, p. 18). Segundo Demo (2002), para que haja superação do currículo instrucionista, é
mister promover uma concepção de educação fundamentada nas habilidades do saber pensar e
do aprender a aprender, práticas essenciais para a construção de uma política social
emancipatória. Reverter a situação vigente é extremamente difícil, mas não impossível.
Outro ponto que dificulta o trabalho dos docentes é a falta de conhecimento e habilidade
dos alunos que chegam à faculdade. Dos 15 professores entrevistados, 13 alegam que os
alunos vêm muito fracos do ensino médio e não conseguem acompanhar o curso. Esse fator
implica diretamente na qualidade do curso e na qualidade do trabalho desenvolvido em sala
de aula, pois eles não podem cobrar do aluno e acabam se desgastando muito para que o aluno
possa compreender o conteúdo. Além de terem de ser maleáveis quanto aos prazos dos
trabalhos, pois, mesmo após as datas previstas para entrega, eles têm de receber os trabalhos.
Os Docentes “G” e “F” deixam claro que o lado financeiro está acima de todos os demais.
Boa parte dos alunos que vem do ensino médio tem dificuldade em acompanhar o
curso, é preciso selecionar melhor os alunos. Não há um filtro. As instituições privadas
visam o lado financeiro e deixam passar qualquer um. O fator financeiro está se
sobressaindo. Há 10 anos havia um filtro no vestibular, havia uma seleção, hoje
praticamente não existe. O que acaba desvalorizando o ensino [...]. As universidades
públicas conseguem fazer com que o aluno aprenda e formam profissionais mais
valorizados no mercado do que os das instituições privadas. O funil no setor público
ainda está bem apertado. (Docente “G”, grifo nosso)
No particular tem uma certa tolerância, porque o aluno além de ser aluno é cliente.
(Docente “F”, grifo nosso)
Ao falar em aprendizagem, percebemos que, por causa do ensino precário na educação
básica e da formação aligeirada (superficial) e racionalizadora contemporânea, empreendida
pelas redes de ensino, os alunos não estão conseguindo ter a habilidade formal e técnica, o
que implica na qualidade formal, tampouco assumir a condição de sujeito de história própria
(qualidade política). O Ex-docente “B” é bem enfático, ao dizer:
O interesse deles não é formar profissional de qualidade, porque se fosse não
demitiriam mestres e doutores. Você vê um doutor sendo mandado embora, porque
custa caro. Como diz o meu amigo, você custa caro. (Ex-docente “B”, grifo nosso)
122
Atualmente os alunos estão sendo formados por especialistas que estão substituindo
mestres e doutores demitidos. Será que os alunos terão as mesmas leituras, o mesmo
arcabouço teórico e prático que teriam ao estudar com docentes mais qualificados
academicamente? O Ex-docente “C” questiona:
Como esse aluno vai conseguir um emprego, se ele está aprendendo metade da metade do
que deveria? Qualidade não tem. (Ex-docente “C”)
A reportagem do Jornal da Nacional33, do dia 13 de agosto de 2012, retrata muito bem
o que a professora está falando. O noticiário informou que há um apagão de mão de obra
qualificada no País e a causa é a precariedade da educação. As empresas estão tendo
dificuldades para encontrar profissionais qualificados para preencher as vagas em muitos
setores da economia brasileira. Um aluno do 3º ano de economia fez um teste e das 30
palavras ditadas, ele errou 28. Durante a reportagem, o professor José Pastore, da USP,
destacou “o mundo do trabalho não quer apenas canudo, apenas diploma. A escola de hoje
ensina, na melhor das hipóteses, a passar no exame. Não ensina a pensar. E o trabalho
moderno exige o pensamento”.
Atualmente, o grande desafio da educação é a “qualidade educativa” (DIAS
SOBRINHO, 2002, 2010), porque curso tem muito, mas a qualidade, que visa à educação
crítica, emancipatória e libertadora, poucos têm. O problema é que muitos alunos querem
mágica e visam apenas a um diploma. Esse tipo de aluno acha que o diploma vai resolver a
vida dele, ainda que ele não tenha o conhecimento necessário para desempenhar a sua função.
E o diploma não resolve. Hoje temos muitos recém-formados que não têm emprego.
A base do ensino superior é muito fraca, você não tem o tripé ensino, pesquisa e
extensão. Você não tem pesquisa na instituição privada, não da forma que existe na
instituição pública. (Ex-docente “B”, grifo nosso )
O modelo da Anhanguera é de um grupo grande e que massifica o ensino... A gente fala que é um ensino fast food. (Ex-docente “C”, grifo nosso)
Esta ideologia empresarial e a cultura globalizada centrada na padronização dos valores
utilitários e nos benefícios materiais que invadem de algum modo toda a sociedade, inclusive
os seus espaços de formação, já foi cunhada como mcdonaldização (DIAS SOBRINHO,
2002, p. 16). O ponto mais grave, para Dias Sobrinho (2010), é que com essa prática vem o
33
Matéria intitulada: “Dificuldade de encontrar mão de obra qualificada afeta economia brasileira”. Ver mais em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/08/dificuldade-de-encontrar-mao-de-obra-qualificada-afeta-economia-brasileira.html>.
123
individualismo, o utilitarismo, a maximização dos rendimentos a qualquer preço, a cultura e o
culto dos resultados.
Parece haver, segundo Guerón (2011, p. 27), “em uma parcela das universidades
privadas brasileiras, certa nostalgia do capitalismo industrial e do seu modo de produção
fordista, uma vez que seus donos não param de repetir que a universidade deve se submeter
completamente ao que chamam abstratamente de ‘mercado’”. Termo este que aparece no
discurso das “redes de ensino” como uma espécie de transcendente cultuado, ao se estabelecer
que a única função da universidade seria a formação de mão de obra para uma determinada
forma de organização de produção. Neste caso, a vida universitária se reduz a uma preparação
que se assemelha a um “treinamento” em decorrência de um emprego predeterminado. De tal
modo que toda atividade produtiva e subjetiva de docentes e discentes fique reduzida a uma
corrida de obstáculos por um diploma constitutivo de superioridade social e um posto de
trabalho. A visão de mundo e de sociedade dessas instituições foge a uma visão
emancipatória.
Para Mancebo, Maués e Chaves (2006), o docente está imerso em uma nova
organização do trabalho, que o configura enquanto trabalhador de um sistema produtivo-
industrial. As mudanças e consequências dessa nova realidade são múltiplas, e, quase sempre
desastrosas: a) intensificação do regime de trabalho – resultando em sofrimento subjetivo,
neutralização da mobilização coletiva, aprofundamento do individualismo competitivo e
mudanças de conduta; b) precarização do trabalho docente – principalmente no que tange às
(sub)contratações; c) flexibilização do trabalho – por meio de novas atribuições muitas das
quais eram desenvolvidas por funcionários de apoio; d) processos avaliativos que visam à
eficiência e alta produtividade do professor. Sem falar na questão da autonomia que, a cada
dia, se comprime mais.
Nessa categoria, observamos que a instituição não atende ao proposto na LDB
(BRASIL, 1996): 1/3 de mestres e doutores e 1/3 de contratos em regime integral, os dados da
instituição são piores que os das demais IESPs no país. Os docentes têm uma carga horária
semanal total elevadíssima, em média 55h, fora o horário de trabalho realizado na hora de
descanso. A padronização dos currículos e dos cursos é uma questão muito comentada pelos
docentes, pois além de afetar a qualidade do ensino, retira-lhe a autonomia. Em suma, os
professores não têm espaço para se posicionar e discutir suas ideias. Eles trabalham em um
ambiente opressor.
124
6.1.5 Consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social
A presente categoria tem o objetivo de compreender a visão dos docentes em relação ao
sindicato que os representa. No que se refere às condições de trabalho e às relações com a
Instituição a qual são membros, percebe-se um certo “conformismo” por parte dos docentes,
acompanhado por uma desistência na busca por mecanismos de luta contra o gigantismo
financeiro que assola a educação, principalmente a privada. O sentimento de pertença, de
mobilização e de união dos professores é bastante limitado. Apenas dois docentes (“A” e “D”)
são afiliados ao sindicato das instituições particulares. A maioria não percebe ou não tem
consciência de que o isolamento do trabalhador e o individualismo colocam em risco não só
as conquistas trabalhistas adquiridas por meio de intensas lutas, como também inviabiliza a
conquista de melhores condições de trabalho, melhores salários e mais estabilidade
empregatícia.
Segundo Demo (2000, p. 40), o educador “precisa ir às vias de fato, ou seja, buscar
formas de cidadania coletivamente organizada, mais capaz de se confrontar com o mercado. É
esta competência política, no fundo, que eleva o salário mínimo, impõe condições de
contratação e dispensa de trabalhadores”. É por meio da politicidade, organização coletiva,
que o educador tem a possibilidade de se tornar sujeito capaz de história própria. O processo
emancipatório se desenvolve por meio da consciência do sujeito, de dizer não à pobreza
política, procurando meios de superação, propondo alternativas, organizando-se em
associações. Só assim os docentes se libertarão da opressão vivida e sairão da condição da
massa de manobra.
Somente 3 docentes (“B”, “D” e “I”) acreditam que o sindicato traz melhorias. O
Docente “I” acrescentou:
Apesar de acreditar que o sindicato contribui para a melhoria das condições de
trabalho, acho que o trabalho desenvolvido poderia ser mais significativo. (Docente “I”,
grifo nosso).
Podemos perceber – por meio da fala dos entrevistados – um descrédito quanto à
atuação sindical. Eles disseram que houve um enfraquecimento, que as associações e
organizações sindicais, nos anos de 1980/90, tinham mais força. Eles têm a visão de que o
sindicato não tem cumprido seu papel na luta pelos direitos e defesa da categoria.
125
Eu acredito que eles já contribuíram muito, mas no final dos anos 1990 muita coisa
mudou [...]. Existem muitas instituições (sindicatos) e poucas as ações no sentido de
perceber as necessidades e as mudanças. (Docente “A”, grifo nosso)
Não só os sindicatos, mas também os partidos de massa e a maioria das organizações
populares sofreram duras pressões e influências do pensamento hegemônico neoliberal na
década de 1990, que enfraqueceram e fragmentaram os grupos que representam a classe
trabalhadora em todo o mundo. Segundo Guimarães-Iosif (2009), a consequência é que a
classe trabalhadora, principalmente os docentes, está cada vez menos organizada e que os
sindicatos que os representa estão sem rumo, sem metas que evidenciem preocupação efetiva
com a qualidade da educação e com melhores condições de trabalho para a categoria. De
acordo com as entrevistas, os docentes não veem o trabalho desenvolvido pelo sindicato.
Eles representam a classe, mas eu não consigo ver o trabalho desenvolvido por eles. (Ex-
Docente “A”)
Pelo menos o sindicato das instituições particulares não faz nada. (Ex-Docente “C”)
Não sei dizer até que ponto contribuem, em alguns casos só atrapalham. (Docente “H”).
Eles trazem pouco resultado. (Docente “E”)
Segundo o Representante do Sindicato, embora o sindicato ainda seja um pouco ausente
no dia a dia das instituições, a organização não deixa passar nada do ponto de vista do direito
do professor. As convenções da categoria são celebradas no sentido de manter e ampliar os
direitos conquistados.
A gente briga muito. Todo ano, nas nossas convenções, a gente tem conseguido ganho
real. E eu faço uma avaliação que em um curto espaço de tempo a gente vai ter um
sindicato como era nos anos 80. (Representante do Sindicato, grifo nosso)
Todavia, a fala abaixo evidencia que os docentes gostariam de ver uma postura mais
ativa do sindicato.
Eles não são que nem o Sinpro [Sindicato dos Professores das Instituições Públicas], que
vem nas escolas uma vez por mês ou a cada 2 meses e mostra o que estão fazendo,
discute, chama a gente, faz debate. Com o SINPROEP eu não tive esse tipo de contato.
Eles nem perguntam se a gente quer se sindicalizar, quer ser fidelizado [...] Esse tipo
de contato eu não tive em nenhum momento. Isso porque a Anhanguera foi a 5ª IES
privada que eu dei aula. Eu acho esse tipo de contato super importante, mas com uma
ação nesse sentido que eu estou te falando, em termos de mostrar para a categoria o
que está fazendo, de pensar melhorias, de interferir junto à insti tuição, de ser uma
voz mesmo dentro da categoria, ainda mais lidando com a Anhanguera com o porte que
possui. (Ex-docente “B”, grifo nosso)
126
Segundo Santos (2010a), o movimento sindical deve reorganizar-se de modo a estar
mais próximo do quotidiano dos trabalhadores, das aspirações e dos direitos legítimos da
categoria enquanto cidadãos. É preciso que o sindicato quebre o distanciamento dos
trabalhadores. A energia política de globalização contra-hegemônica deve ocupar um lugar de
destaque na agenda e nas ações de organização do sindicalismo. O importante é que as
estratégias adotadas ou reivindicadas sejam autênticas: contestação genuína em vez de
contestação simbólica; participação em assuntos relevantes em vez de participação em
assuntos triviais. A ação reivindicativa não pode deixar de fora nada que afete a vida dos
trabalhadores.
Eu acho que eles fazem muito barulho, muita bagunça e pouco resultado . O que traz o
resultado mesmo é o próprio diálogo com a instituição. (Docente “F”, grifo nosso)
Santos (2010a, p. 396) pontua que “o sindicalismo já foi mais movimento que
instituição. Hoje é mais instituição que movimento.” Nesse período de reconstituição
institucional, o sindicalismo corre o risco de se esvaziar, caso não se reforce como
movimento. Estamos diante de um esvaziamento de sentido não só carreira docente, mas
também na própria organização que os representa. A mobilização social tem de ser um palco
de discussão e luta pela qualidade e a dignidade de vida e não incidir simplesmente sobre
rendimentos.
Há um esvaziamento de sentido tão grande nos modos de ser, agir e pensar do educador,
que o Docente “E” chega a acreditar, que mesmo diante do dragão financeiro-econômico, é
mais fácil alcançar melhores condições de trabalho dialogando com a instituição do que se
organizando coletivamente. “As condições reais da vida cotidiana foram plenamente
dominadas pelo ethos capitalista, sujeitando os indivíduos [...] ao imperativo de ajustar suas
aspirações de maneira conforme.” (MÉSZÁROS, 2008, p. 80). Vivemos sob condições de
uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do real estado das coisas dentro
da consciência.
O Sinproep-DF, sindicato que representa os docentes da instituição investigada, é fruto
da fragmentação dos movimentos sindicais. O Sinproep-DF surgiu há sete anos, “após decisão
política tomada pela diretoria do Sinpro-DF, que reconheceu a necessidade da formação de
uma entidade específica para atender as demandas dos docentes do setor privado de ensino.”
(REVISTA CONTEÚDO, 2009, p. 23). Até então, existia um sindicato único, que era o
Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF). O sindicato tinha duas realidades na mesma
categoria. Desde que o Sinpro-DF foi dividido, o Sinproep-DF está em um processo de
127
reorganização. Portanto, o sindicato está em um processo de construção; sem falar da própria
questão da rápida expansão do número de IESPs na região. “Nos anos 80, havia 12 faculdades
em Brasília, hoje há 64. Havia 50 escolas particulares à época, hoje há quase 600. O processo
é dinâmico e a estrutura do sindicato ainda é limitada”, afirmou o Representante do Sindicato.
Antunes (2006) avalia que as metamorfoses em curso no mundo do trabalho afetaram a
forma de ser da classe trabalhadora e das organizações sindicais em escala mundial, tornando-
as mais heterogêneas, fragmentadas e complexas. Segundo Dal Rosso (2009, p. 15), “a
fragmentação constitui um empecilho de monta na conquista de direitos para os
trabalhadores”. Observa-se atualmente o avanço da divisão no interior da instituição sindical.
Apesar da fragmentação do sindicato no DF e das limitações devido ao processo de
reorganização e da expansão da educação superior privada, que hoje tem um amplo domínio
do setor, as falas do “Representante do Sindicato” apontam que o sindicato tem se mobilizado
e lutado pelos direitos da classe. Uma questão muito preocupante é a demissão. As demissões
em massa nas instituições do grupo Anhanguera têm sido alvo de grande debate. De acordo
com o “Representante do Sindicato”, não há mecanismos que impeçam a instituição de
demitir, pois a instituição é privada e tem esse direito. No entanto, existe uma convenção
coletiva que reza todos os direitos dos professores. Então, quando o professor é demitido, o
sindicato fiscaliza todos os direitos trabalhistas. “Coloca-se uma lupa na relação de trabalho e
não deixa passar nada do ponto de vista financeiro-trabalhista,” afirmou o Representante do
Sindicato.
No estado de São Paulo, por exemplo, teve uma audiência pública na Câmara dos
Vereadores, em fevereiro de 2012, justamente para verificar o porquê desse grande número de
demissões. Constatou-se que as demissões não levam em consideração o aspecto pedagógico.
A instituição demite simplesmente pela lógica do mercado, ou seja, ela usa a estratégia de
aumentar o número de alunos em sala de aula e, com isso, ao invés de dois professores, ela só
precisa de um. Apesar de ser proibido por lei, algumas instituições vêm tentando reduzir o
valor da hora/aula. Várias já tentaram fazer isso e os sindicatos têm entrado com ações na
justiça para manter o valor da hora/aula.
Hoje a gente tem uma rotatividade [de professores] em torno de 25% por ano no
ensino superior, ou seja, com isso você não tem uma continuidade pedagógica do
projeto, porque o professor entra e sai da instituição sem nenhum critério .
(Representante do Sindicato, grifo nosso)
O Representante do Sindicato afirmou que é preciso entender que no governo FHC, na
gestão do ministro Paulo Renato (1995-2002), houve a expansão sem precedentes do ensino
superior, onde o MEC credenciou várias faculdades do setor privado. Essa expansão
128
desencadeou na precarização da educação, pois não houve uma regulamentação do setor.
Segundo o Representante, necessitamos de políticas que especifiquem critérios de
funcionamento, de avaliação; modelos de plano de carreira; critérios para demissão dos
docentes, não apenas a demissão pela lógica do mercado.
Um outro ponto é a regulamentação da educação a distância, que hoje é praticamente
inexistente. É claro que houve um avanço do ponto de vista do acesso da população
ao ensino superior, mas houve ao mesmo tempo a precarização da qualidade do
ensino e das relações de trabalho. (Representante do Sindicato, grifo nosso)
Um ponto relevante nessa categoria é que os docentes querem mais representatividade
do sindicato, no entanto, não têm o entendimento da real necessidade de se organizarem e de
se fortalecerem para enfrentar os patronatos quanto à desregulamentação a que estão sendo
submetidos: planos de carreira inconsistentes; pressão constante de demissão; redução da
carga horária. Extrai-se dos discursos que eles demonstram pouco interesse pelos
acontecimentos relacionados à área em que atuam e também pelo sindicato que os representa.
Como foi ressaltado anteriormente, grande parte dos docentes desconhece as políticas e os
programas voltados para a educação superior e não são sindicalizados. Quando questionados
sobre as fusões e aquisições, abertura de capital na bolsa de valores e a inserção do capital
estrangeiro no setor, 8 docentes afirmaram desconhecer ao menos um desses processos.
Capital internacional? Eu não sei nada disso. (Docente “J”).
[Fusão institucional] Essa palavra é nova pra mim. Não sei nada disso. (Ex-docente “A”).
[Abertura na bolsa] Não sei nada sobre isso. (Ex-docente “A”).
[Abertura na bolsa] Não sei. (Docente “D”, Docente “E”, Docente “G”, Docente “H”, Ex-
docente “C”).
Causa estranhamento, um professor que trabalha para um dos maiores grupos
educacionais no mundo desconhecer sobre o assunto. Tem professor que não sabia sequer que
a Anhanguera tem o capital aberto na bolsa de valores.
Eu não sabia que a Anhanguera abriu capital na bolsa de valores. (Ex-docente “C”).
Um outro aspecto é que só falaram das demissões em massa os docentes que foram
demitidos. Dos 11 que ainda atuam na instituição, nenhum falou sobre o assunto. Nas palavras
de Lourau (2004a, p. 193), estamos diante da “autogestão [...] da alienação”. É mister que o
129
sindicato busque uma aproximação maior com os docentes, que se desperte o fenômeno
dialético entre a categoria e a organização sindical. A inércia, a não mobilização e
participação dos docentes pode manter e até mesmo promover ainda mais a flexibilização, a
desregulamentação trabalhista, a intensificação e precarização das condições de trabalho. Há
um longo caminho para que seja construída a consciência e a atuação política do professor.
6.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise do trabalho docente na instituição pesquisada forneceu elementos
fundamentais à elaboração da discussão aqui apresentada. A nova forma de gestão pública da
educação brasileira sofreu influência direta do atual modelo de governança que reconfigurou
o papel do Estado e promoveu a consolidação do segmento privado no setor. Esse universo
instaurado pelo neoliberalismo não é nada mais que a financeirização da educação. Nesse
contexto, o sistema de educação superior sofreu mudanças significativas que buscam
interpretar e responder ao atual cenário econômico, social e político. Com a entrada de novos
atores no setor e a inexistência de políticas públicas que regulem o mercado das fusões, a
educação superior privada transformou-se literalmente em mercadoria. Esses fatores acabam
influenciando diretamente nas condições de trabalho dos docentes e, como consequência,
comprometem a qualidade do ensino e a função social das IESPs do País.
A oferta de capital da Anhanguera na bolsa de valores permitiu que o grupo ampliasse
seus recursos por meio de investimentos nacionais/internacionais e aflorasse as negociações.
A partir do momento que a empresa tornou-se uma companhia, foram criados mecanismos de
reestruturação por meio da “gestão racionalizadora” que se caracteriza pelos seguintes
elementos: a) corte de gastos com pessoal – vários professores foram demitidos
(principalmente mestres, doutores e os docentes mais antigos que tinham salários mais altos) e
outros foram contratados com salários menores; b) redução do número de professores:
intensificando as atividades dos que permaneceram; c) cumprimento de metas e prazos; d)
todos os cursos presenciais passaram a ter ao menos uma disciplina ofertada a distância; e)
padronização dos cursos – que em alguns casos não estão em acordo com as especificidades
das regiões; f) junção de turmas; g) diminuição da carga horária dos cursos – os professores
têm de repassar todo o conteúdo com um tempo menor; h) currículos engessados,
padronizados – o projeto curricular das companhias educacionais é aprovado no “espaço das
relações com os investidores”, para a obtenção de ganhos em escala (TIRANDENTES, 2011).
130
Todas essas mudanças visam à valorização do capital investido e atingem diretamente o
trabalhador docente, que fica submetido às diretrizes da acumulação flexível.
Todas essas práticas empreendidas pela Anhanguera promovem a sobreimplicação do
trabalho docente, que se relaciona à subjetividade da mercadoria, onde o principal objetivo a
ser alcançado é extração da mais-valia para a obtenção do lucro máximo. A sobreimplicação
contribui para práticas de acumulação de tarefas, sendo esta a realidade dos docentes que
respondem à lógica capitalista contemporânea. Nas IESPs, principalmente nas companhias
educacionais, a flexibilização e acumulação de tarefas tornaram-se uma máxima, por meio da
institucionalização das práticas descritas acima.
A grande contradição que percebemos em algumas falas dos professores é que, apesar
de a maioria ter conhecimento do processo de mercantilização na educação, muitos ainda não
têm a consciência de que é essa dinâmica que está afetando as suas condições de trabalho, a
autonomia e a qualidade do ensino. Com base na fala dos entrevistados, muitos professores
são favoráveis às fusões institucionais e à inserção do capital estrangeiro na educação. Como
disse o Docente “F”, “os grupos estrangeiros [...] têm que vim, investir e botar pra funcionar.
Dinheiro é dinheiro”. Eles não percebem que, diante do processo de fusões e aquisições
institucionais, promovido pela inserção do capital internacional e pela abertura de capital na
bolsa de valores, eles estão ficando cada vez mais sem espaço e acabam sendo forçados a
aceitar as diretrizes impostas pelas empresas de ensino. Caso contrário, assumirão a condição
de desempregados.
Com a formação dos oligopólios, fenômeno contemporâneo na educação superior
privada, se um professor for demitido de uma instituição do grupo, dificilmente ele vai
arrumar outro emprego na educação superior. A não ser que ele passe em um concurso para
trabalhar em uma IES pública ou que seja convidado pela instituição a retornar, todavia com
piores condições de trabalho (carga horária menor, salário mais baixo e sobrecarga de
trabalho). Como a instituição não prioriza o estabelecimento de vínculo de exclusividade com
o docente, este, por uma questão empregatícia e salarial é levado a assumir outros vínculos,
geralmente com instituições também particulares.
Além de todas essas metamorfoses, os docentes qualificados encontram dificuldades
para se firmar no mercado de trabalho. Dos 15 docentes entrevistados, somente 2 são mestres
e 1 é doutor, sendo que os 2 mestres foram demitidos (fazem parte dos ex-docentes
entrevistados). A instituição não busca um profissional com titulação máxima, ao contrário, as
contratações em quase sua totalidade priorizam docentes especialistas, que têm uma
131
remuneração menor, isto é, o valor da hora/aula é menor. A instituição visa, a todo custo, ao
enxugamento da folha para aumentar os ganhos em escala.
O resultado para os docentes é uma extenuante jornada de trabalho e uma carga horária
total semanal fragmentada e ampliada. Esse estudo constatou que 53% dos docentes
trabalham mais de 50 horas semanais. Eles já se acostumaram a ter de trabalhar em 2, 3, até 4
instituições; já faz parte da “carreira docente”. Nas outras profissões, é difícil nos depararmos
com essa situação do trabalhador qualificado ter mais de três empregos para atingir um salário
razoável.
Quando questionado sobre o salário, o Docente “G” afirmou que estava bom: “estou
conseguindo pagar a prestação do meu carro e do meu apartamento”. O trabalho do docente
constituiu-se em uma moeda de troca. Há certo “conformismo” por parte dos docentes. O
atual modelo de governança do Estado brasileiro, ao mesmo em tempo que enfraqueceu as
ações coletivas, fortaleceu os grandes grupos privados. Ao analisarmos as categorias –
“Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura na bolsa de valores” e as
“Relações e condições de trabalho do docente” – constatamos que os docentes entrevistados
estão mais preocupados com a questão das mudanças organizacionais, oriundas da gestão
racionalizadora, que afetaram diretamente a qualidade do ensino, do que com as perdas
salariais e outras limitações advindas desse processo.
A ética do mercado invadiu a ética humana e social ao impor padrões de qualidade do
ensino baseada na eficiência e eficácia e suprimiu o desenvolvimento da qualidade educativa
pautada em valores, que priorizam a formação integral do cidadão. Cidadão este conhecedor
de seus direitos, questionador, capaz de imprimir mudanças. Os discursos dos docentes
apontam que a padronização dos cursos, dos currículos e do sistema atingiu diretamente a
qualidade do ensino e não somente suas condições de trabalho.
A educação superior privada está marcada pela consolidação dos conglomerados, que
traz em seu bojo um jogo nebuloso de interesses entre capital e investidor. Encontrar
alternativas capazes de conter a flexibilização das relações de trabalho e manter os direitos
básicos até então conquistados é o grande desafio dos docentes e das organizações sindicais.
“A tendência à instrumentalização dos movimentos sociais e à condenação da escola a um
eterno estado vegetativo formam parte de um mesmo processo: a despolitização da vida social
promovida pelo neoliberalismo nesta virada de século” (GENTILI, 2001, p. 121).
A compreensão do que ocorre no contexto educacional e nas demais questões
relacionadas à área deve ser uma premissa dos educadores e pesquisadores educacionais. O
educador crítico tem consciência das relações de poder que permeiam a governança e a
132
política educacional e busca meios para reivindicar por espaços onde todos possam ser
ouvidos e ter seus direitos defendidos. A não conformação com as imposições do sistema, já é
o primeiro passo para que ocorram mudanças. Conforme Guimarães-Iosif (2012, p. 64), “se o
primeiro passo é a conscientização da situação de exploração, o segundo precisa ser a
organização e a reivindicação social coletiva e organizada. Os educadores não podem ser
apenas expectadores de políticas, precisam ser agentes”.
É preciso reverter essa situação dos docentes estarem tornando-se apolíticos. Eles não
discutem e não questionam as suas relações e condições de trabalho. Os docentes
entrevistados acham que o sindicato deveria fazer mais pela categoria, no entanto, não
percebem que o ponto de virada, também, tem de partir deles. É preciso lutar, ir em busca de
melhores condições. Para Lourau (2004a), o sujeito está no coração do jogo – social,
econômico e político – independente da posição ocupada, existem espaços para que ele possa
compreender os processos metapolíticos que o atravessam. É mister que essa situação também
seja problematizada na esfera pública, visto que 75% dos estudantes e mais da metade das
funções docentes estão nas instituições de ensino superior particulares. O Estado precisa dar
mais atenção a esse setor. A academia também não pode se silenciar diante dessa
problemática.
6.3 SUGESTÕES DE QUESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS
Diante das limitações do presente estudo de caso, sugerimos investigações futuras que
discutam questões que foram levantadas ao longo da pesquisa. As questões estão agrupadas a
partir dos eixos temáticos a seguir:
a) Política e governança da educação superior: quais são os atores que governam a
educação superior no Brasil e quais são seus interesses? O que cabe ao Estado, ao
mercado e à sociedade civil dentro do modelo de governança hegemônico ancorado em
um dinâmico processo de fusões e aquisições entre os grandes grupos educacionais e
financeiros? Por que o Estado, em vez de criar tantos programas que subsidiam a
formação dos universitários nas IESPs, não abre mais espaço para que os estudantes
possam ter acesso a uma educação superior pública? Qual é o custo de um aluno
(graduando) nas redes pública e privada?
b) Fusões institucionais e abertura de capital na bolsa de valores: caso o Projeto de Lei
4.372/2012 seja aprovado, até que ponto o INSAES, que objetiva regular o processo de
fusões e aquisições institucionais, vai dar conta de priorizar a qualidade do ensino?
133
Como fica a situação das instituições menores nesse cenário onde os grandes grupos
educacionais estão engolindo os pequenos? Diante do cenário em que a educação é
tratada como mercadoria, como ficam as questões éticas, humanas e sociais?
c) Condições de trabalho, valorização e formação continuada: o que os docentes podem
fazer para resgatar sua autonomia dentro das empresas de ensino? Como as IESPs estão
contribuindo para a formação continuada dos docentes?
d) Consciência política do docente e sindicalismo: diante do cenário de sobreimplicação
do trabalho, por que os docentes não se unem para pleitear melhores condições de
trabalho? Como é possível superar o enfraquecimento e a fragmentação dos sindicatos
que representam a categoria docente, principalmente dos sindicatos que representam a
categoria privada? Como a sociedade civil pode se organizar e lutar pela formulação de
políticas contra-hegemônicas? Por que os estudantes também não estão se mobilizando?
As discussões das questões levantadas poderão trazer muitas respostas ou apontar pistas
importantes para ao atual cenário de financeirização da educação superior no País e para o
resgate da valorização e autonomia docente dentro das IESPs. A conjuntura que assola a
educação superior e os seus trabalhadores não é um dado natural, mas vem sendo construída
pelo avanço contínuo do capitalismo e da consolidação dos oligopólios, portanto esse quadro
é passível de mudanças, de uma nova reconfiguração. Como dizia Paulo Freire (2000, p. 130),
“para a busca de uma tal ampla e profunda superação necessitamos de outros valores que não
se gestam nas estruturas forjadoras do lucro sem freio, da visão individualista do mundo, do
salve-se-quem-puder.”
134
CONCLUSÃO: O OLHAR DA PESQUISADORA
O presente estudo buscou investigar as sobreimplicações da formação dos oligopólios
no trabalho docente, tomando como referência uma instituição adquirida pelo maior grupo de
educação superior da América Latina – Anhanguera Educacional.
O atual modelo de governança educacional, instalado a partir da década de 1990,
promoveu a diversificação e a fragmentação do sistema educacional, criando um mercado
extremamente atraente para a iniciativa privada. Nesse contexto, a educação é vista como
mercadoria e a liberalização para o capital estrangeiro é vista como uma estratégia para
maximização dos lucros. A abertura de capital na bolsa de valores abriu as portas para
inserção massiva do capital estrangeiro no setor e resultou na formação e consolidação dos
oligopólios, que são caracterizadas pela concentração de alunos e instituições nas mãos dos
principais grupos educacionais do País. Esse processo, ao não ser regulamentado pelo
governo, atinge diretamente as condições de trabalho do docente, a qualidade do ensino e a
função social da universidade.
Atualmente, a concepção de universidade dos grandes grupos educacionais é focada na
gestão por resultados, que atua em consonância com as políticas capitalistas neoliberais, que
visam à intensificação do trabalho docente frente à racionalização dos custos. Prática esta
constatada na instituição investigada. Por meio da concentração de alunos e instituições e dos
lucros divulgados nos relatórios financeiros trimestrais em domínio público, o grupo tem se
destacado no mercado nacional e internacional. O contraponto é que os funcionários da
instituição, principalmente os docentes, e a qualidade do ensino sequer têm espaço nesse
cenário. A qualidade da educação tem sido reduzida às suas dimensões quantitativas,
baseando-se nos princípios da eficácia e eficiência difundidos por organismos como o Banco
Mundial e a Organização Mundial do Comércio e pelos modelos de avaliações externos.
Assim, o investimento na formação ética, humana e social é desprezado e visto como gasto
desnecessário, como algo que deve ser evitado.
Tal qual uma grande empresa, a gestão da instituição é centralizada. Os discursos dos
docentes deixam claro que as ordens fluem de cima para baixo, pouco importando a opinião
dos trabalhadores. Os planos de ensino, os currículos, até mesmo a forma como as aulas serão
ministradas, já vêm prontos de São Paulo, Estado onde se localiza a mantenedora da
instituição. A preocupação do grupo é a obtenção do lucro máximo e não a realidade local da
instituição e da população. Em geral, as funções docentes na instituição se reduzem às
135
atividades em sala de aula. Os docentes, praticamente, não pesquisam e nem participam de
projetos de extensão.
A instituição funciona como uma “franquia”, tudo já vem pronto e instituído pela
mantenedora. A gestão acadêmica não ocorre mais no ambiente interno das unidades, mas nos
espaços das relações com os investidores, ou seja, na esfera financeira regional, nacional e/ou
internacional. Assim, o aluno é visto como cliente e o professor como operário que vende sua
força de trabalho. O avanço do capital na exploração do trabalhador despreza a natureza do
trabalho pedagógico e as implicações políticas e sociais envolvidas, assim a força de trabalho
do docente passou a ser uma mercadoria negociável e com um “valor comercial” cada vez
mais baixo.
Atualmente, o trabalhador docente é comparável a um “robô”, pois lhes foram
extirpadas a “voz” e a “autonomia”, o objetivo é estabelecer um clima de neutralidade dentro
e fora da sala de aula e o engessamento das atividades desenvolvidas. Um exemplo dentro da
instituição é o “Programa Livro Texto”, no qual um livro específico é adotado para atender a
grade curricular de cada disciplina. O docente não pode trabalhar com outras referências
bibliográficas, devendo se restringir ao livro escolhido por um determinado grupo de
professores.
Na instituição investigada, 100% dos docentes recebem por hora/aula, sendo que a
legislação estabelece que 1/3 do corpo docente trabalhe em regime integral. A remuneração
por hora/aula não leva em consideração o trabalho extraclasse que o professor desenvolve
cotidianamente. Nesse regime, o professor não recebe para preparar aula, orientar alunos,
corrigir provas e trabalhos, fazer pesquisa, atuar em projetos de extensão, assim, acaba
estendendo essas atividades para as suas horas de descanso. Essa situação não permite a
preparação criteriosa das aulas, a qualificação profissional, tampouco o desenvolvimento de
projetos de pesquisa e extensão. Essa é uma questão crítica, pois o docente tornou-se um
“aulista”. Durante as entrevistas, poucos professores reclamaram sobre esta situação, parece
que esse regime de trabalho não os incomoda. Será que eles se encontram tão alienados diante
desse processo que ainda não tomaram consciência política do fato? O sobretrabalho está
atingindo diretamente a qualidade de vida do docente e a qualidade do ensino.
Um ponto intrigante é que, embora os docentes reclamem da falta de segurança no
emprego, da carga excessiva do trabalho, da falta de autonomia, da gestão centralizada, da
redução da carga horária dos cursos, da perda da qualidade do ensino, alguns acham normal o
processo de mercantilização da educação e até mesmo necessário diante da economia
globalizada. Alguns docentes ainda não se deram conta de que é a relação entre
136
neoliberalismo/mercantilização/educação que promove e intensifica todos esses fatores. Com
algumas exceções, os professores não questionaram as políticas que permeiam a área
educacional, tampouco o gigantismo econômico-financeiro instalado na instituição por causa
da abertura de capital na bolsa de valores e do investimento internacional.
O estudo aponta que a maior parte dos docentes ignora ou desconhece essa relação.
Ficou evidente que os docentes entrevistados, quase a totalidade, não têm envolvimento com
o sindicato. Eles acreditam que as associações não têm feito nada pela categoria e não estão
cumprindo com o seu papel enquanto organizações sindicais. Há, por parte desses
profissionais, um esvaziamento do sentido político de movimentação, de busca e luta pelos
seus interesses.
A sobrecarga, a intensificação e a precarização são processos que, de uma forma velada,
sobreimplicam o trabalho docente por meio de aspectos subjetivos, que em busca do
sobretrabalho visam à produção de mais-valia em prol da instituição. A rapidez, a produção e
a competição estão presentes no dia a dia do professor. Esses mecanismos, que fazem parte da
nova ordem hegemônica instalada, exigem um novo tipo de profissional: flexível; ativo; que
atenda às exigências do mercado; que otimiza seu tempo; que acelera suas atividades para
alcançar o rendimento máximo. Imersos no trabalho, os docentes não dispõem de tempo para
pensar, analisar e discutir sobre sua profissão. Assim, o individualismo se faz presente e,
como efeito, esvazia os espaços coletivos de mobilização e reivindicação.
Pensar esse processo como algo que pode ser mudado é um desafio. Fortalecer os
movimentos sindicais, promover o engajamento dos docentes, fomentar redes de discussão
são alternativas para a mudança desse cenário. É imperativo que os docentes, juntamente com
o sindicato e associações, se unam para pleitear com o governo uma legislação que ampare e
proteja seus direitos. Além dessa questão, o Estado precisa se posicionar e adotar uma política
educacional que supervisione a inserção massiva do capital estrangeiro no setor e as fusões e
aquisições institucionais.
O governo deu um sinal verde para a regulação desse processo, ao criar o Projeto de
Lei 4.372/2012, que prevê a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da
Educação Superior (INSAES). O projeto foi direcionado ao Congresso Nacional com a
assinatura de três ministros – Aloizio Mercadante, da Educação; Miriam Belchior, do
Planejamento; e Guido Mantega, da Fazenda. A expectativa é que o projeto não seja
engavetado como tantos outros. A educação, uma das principais estratégias para o
desenvolvimento do país, não pode ser controlada pelo mercado privado.
137
Destarte, propomos que o Estado adote políticas que estabeleçam critérios para a
formulação do plano de carreira dos docentes das instituições de ensino superior; que o
sindicato se aproxime mais da categoria e trabalhe com pautas unificadas e efetivamente
representativas; que os docentes se organizem coletivamente e lutem pelos seus direitos,
exercendo sua cidadania politicamente. É mister que o Estado regule e fiscalize o processo de
privatização das instituições de ensino superior no País e os contratos trabalhistas. O estudo
aponta para a necessidade de se estabelecer limites para os atores nacionais e internacionais
que incentivam e financiam a governança da educação superior privada no Brasil. O modelo
hegemônico vigente precisa ser repensado porque prioriza a expansão dos oligopólios, da
internacionalização e do lucro, em detrimento de melhores condições de trabalho para os
docentes e, consequentemente, da qualidade da educação.
138
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150
APÊNDICE A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado Professor / Representante do SINPROEP-DF,
Gostaria de convidá-lo para participar de uma pesquisa referente à minha dissertação de
mestrado da Universidade Católica de Brasília, que tem por finalidade investigar “A
governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos
oligopólios no trabalho docente”. A sua contribuição consiste em participar de uma
entrevista que será gravada.
A entrevista será conduzida por mim, Aline Veiga dos Santos.
Este Termo garante a você os seguintes direitos:
1) Solicitar a qualquer tempo maiores esclarecimentos sobre a pesquisa;
2) Sigilo absoluto sobre seus dados pessoais, bem como qualquer informação que possa
levar à sua identificação pessoal ou à instituição à qual pertence;
3) Recusar a responder questões ou a fornecer informações que julgue prejudiciais à sua
integridade física, moral e social;
4) Recusar-se a participar da pesquisa, se julgar conveniente.
Sua participação é fundamental. As gravações serão arquivadas com os responsáveis
da pesquisa e analisadas. Maiores informações, bem como os resultados da pesquisa poderão
ser obtidos por e-mail. Para isso, se desejar, escreva seu e-mail abaixo.
“Eu declaro estar ciente das informações constantes neste ‘Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido’. Entendo que minha participação é voluntária. Li e entendi o
procedimento. Concordo em participar desta pesquisa e recebi uma cópia deste formulário.
Fico ciente de que uma cópia deste termo permanecerá arquivado com o Professor
responsável”. Caso resolva retirar ou acrescentar alguma informação, pode entrar em contato
com os pesquisadores abaixo:
Pesquisadora: Aline Veiga dos Santos
Contato: [email protected] –
(61) 8111-4851
Orientadora: Drª Ranilce Guimarães-Iosif
Contato: [email protected]
(61) 8502-7988
Brasília, __________ de _________________ de 2012.
Participante:___________________________________________________________
E-mail (opcional): ______________________________________________________
151
APÊNDICE B
Roteiro da Entrevista – Professor
Titulação máxima:_____________________________
Faixa etária: ( )entre 20 e 30 anos ( ) entre 31 e 40 anos ( ) entre 41 e 50 anos
( )entre 51 e 60 anos ( ) acima de 61 anos
Tempo de carreira como professor universitário: ____________________________
Tempo de atuação na Instituição: ________________
Regime de Trabalho: ( ) exclusivo ( ) integral ( ) parcial ( ) horista
Carga horária semanal: ________________________
Curso que trabalha: ___________________________
EIXO I – Relação do professor com a Instituição e o sindicato
1. Como você se sente na instituição?
2. Existe alguma política de incentivo ou benefício profissional na instituição? 3. Você conhece Plano de Carreira da Instituição?
4. Você tem autonomia dentro da instituição para opinar nas decisões e/ou para escolher sua
metodologia de trabalho? Há estabilidade de emprego na instituição? Tem algum colega
seu que foi demitido recentemente? Caso a resposta seja positiva, saberia explicar porque
ocorreu a demissão?
5. Você se sente valorizado na Instituição?
6. Você é afiliado a sindicatos / associações ou participa de algum outro movimento de sua
categoria? Acredita que estes movimentos contribuem para a melhoria das suas condições
de trabalho? Comente.
EIXO II – O professor e as condições de trabalho
1. Seu curso promove projetos de pesquisa e extensão? Caso resposta seja positiva, como é a
sua participação? Comente.
2. Você participa de eventos acadêmicos (na Instituição e/ ou fora da Instituição)?
3. A Instituição investe na formação continuada dos docentes? Comente.
4. Você publicou algum artigo ou livro nos últimos 3 anos? Quantos?
5. Você está satisfeito com o seu salário? Qual seria o valor de uma remuneração
satisfatória?
6. Você trabalha em outra instituição ou tem um outro emprego? Caso a resposta seja
positiva, por que precisa ter outro emprego? Qual é a sua carga horária semanal total? O
outro emprego é na mesma área?
7. Quantas turmas você tem? São quantos alunos por sala? Quantos alunos no total?
8. Quais são as principais pressões vividas hoje por um professor que trabalha em uma
instituição privada?
9. Quais são as implicações da concentração de alunos e instituições no trabalho docente?
10. Você está satisfeito com suas condições de trabalho na Instituição? O que poderia ser
melhorado: ambiente de trabalho, recursos, equipamentos, salário, formação?
11. No que se refere às condições de trabalho dos docentes na educação superior, você
percebe alguma diferença entre o setor privado e o público? Comente.
152
EIXO III – Gestão e governança
1. Como é a gestão desta Instituição? Qual o seu nível de participação nos colegiados e
decisões?
2. Como são escolhidos os gestores dos cursos de graduação? Vocês participam da escolha?
3. Você sabe quem governa o grupo Anhanguera? Quais são os princípios educacionais do
grupo?
4. O que você entende por governança educacional? Na sua opinião, como está a governança
educacional da educação superior no Brasil? Quais são os maiores avanços e desafios
desse segmento educacional?
5. Quais são as políticas que regulam a educação superior no Brasil e qual a sua opinião
sobre elas?
EIXO IV – Percepção dos docentes quanto ao processo de fusão e aquisição
institucional, às implicações no trabalho docente e à qualidade do ensino
1. Você trabalhava na Instituição quando ela foi adquirida pelo grupo Anhanguera?
Ocorreram mudanças? Quais foram as implicações dessas mudanças no trabalho docente?
2. Qual é o impacto das negociações (fusão e aquisição institucional) na educação superior?
3. O que você sabe sobre a abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de valores?
Saberia falar do impacto dessa prática na educação superior no Brasil?
4. O que você sabe sobre a inserção do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior
brasileiras? Quais são as implicações dessa prática?
5. Qual é o impacto da aquisição dessa instituição pelo grupo Anhanguera na qualidade da
educação?
6. No que se refere à qualidade do ensino na educação superior, você percebe alguma
diferença entre o setor privado e o público? Comente.
Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?
Qual?
Muito obrigada pela colaboração!
153
APÊNDICE C
Roteiro da Entrevista – Professor demitido
Titulação máxima:
Faixa etária: ( )entre 20 e 30 anos ( ) entre 31 e 40 anos ( ) entre 41 e 50 anos
( )entre 51 e 60 anos ( ) acima de 61 anos
Tempo de carreira como professor universitário:
Tempo de atuação na Instituição adquirida:
Regime de Trabalho quando trabalhava na instituição: ( ) exclusivo ( ) integral ( )
parcial ( ) horista
Valor da hora/aula recebida na instituição:
Carga horária semanal:
Curso que trabalhava:
EIXO I – Relação do professor com a Instituição e o sindicato
1. Como você se sentia na instituição?
2. Existia alguma política de incentivo ou benefício profissional na instituição?
3. Você se sentia valorizado na Instituição?
4. Você conhecia Plano de Carreira da Instituição?
5. Você tinha autonomia dentro da instituição para opinar nas decisões e/ou para escolher
sua metodologia de trabalho?
6. Você era ou é afiliado a sindicatos/associações ou participava de algum outro
movimento de sua categoria? Acredita que estes movimentos contribuem para a
melhoria das suas condições de trabalho? Comente.
EIXO II – O professor e as condições de trabalho
7. A Instituição investia na formação continuada dos docentes? Comente.
8. Você participava de eventos acadêmicos (na Instituição e/ ou fora da Instituição)?
9. Enquanto trabalhava na instituição, você publicou algum artigo ou livro? Quantos?
10. Você estava satisfeito com o seu salário? Qual seria o valor de uma remuneração
satisfatória?
11. Você trabalhava em outra instituição ou tinha um outro emprego? Qual era a sua carga
horária semanal total? O outro emprego era na mesma área?
12. Quantas turmas você tinha? Eram quantos alunos por sala? Quantos alunos no total?
13. Quais são as principais pressões vividas hoje por um professor que trabalha em uma
instituição privada?
14. Quais são as implicações da concentração de alunos e instituições no trabalho
docente? 15. No que se refere às condições de trabalho dos docentes na educação superior, você
percebe alguma diferença entre o setor privado e o público? Comente.
EIXO III – Gestão e governança
154
16. Como era a gestão da Instituição? Qual era o seu nível de participação nos colegiados
e decisões?
17. Como eram escolhidos os gestores dos cursos de graduação? Vocês participavam da
escolha?
18. Você sabe quem governa o grupo Anhanguera? Quais são os princípios educacionais
do grupo?
19. O que você entende por governança educacional? Na sua opinião, como está a
governança educacional da educação superior no Brasil? Quais são os maiores
avanços e desafios desse segmento educacional?
20. Quais são as principais políticas/programas da educação superior no Brasil e qual a
sua opinião sobre elas?
EIXO IV – Percepção dos docentes quanto ao processo de fusão e aquisição
institucional, às implicações no trabalho docente e à qualidade do ensino
21. Quando o Grupo Anhanguera adquiriu a Instituição ocorreram mudanças? Quais
foram as implicações dessas mudanças no trabalho docente?
22. Depois que a Instituição foi adquirida pelo Grupo, você ainda trabalhou na Instituição
por quanto tempo?
23. Por que você saiu da instituição? Foi demitido ou foi opção sua?
24. O que você já ouviu falar sobre fusões institucionais na educação superior? Qual é o
impacto dessas negociações (fusão e aquisição institucional) na qualidade do ensino?
25. O que você sabe sobre a abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de
valores? Saberia falar do impacto dessa prática na educação superior no Brasil?
26. O que você sabe sobre a inserção de capital estrangeiro nas instituições de ensino
superior privadas? Quais são as implicações dessa prática?
27. No que se refere à qualidade do ensino na educação superior, você percebe alguma
diferença entre o setor privado e o público? Comente.
28. Voce gostaria de voltar a trabalhar na mesma instituição? Por que?
Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?
Qual?
Muito obrigada pela colaboração!
155
APÊNDICE D
Roteiro da Entrevista – Representante do Sindicato dos Professores em
Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (SINPROEP-DF)
__________________________________________________________________________________
Entrevista com o Representante do SINPROEP-DF
1. Na sua opinião, como está a governança da educação superior no Brasil?
2. Como você percebe o crescimento do setor privado na educação superior no Brasil?
3. No DF, há quantos docentes atuando nas IES privadas? Qual é o regime de trabalho
desses profissionais?
4. As IES privadas no DF cumprem a exigência legal de constituição do quadro docente
no nível superior com 1/3 de mestres e doutores? E a Anhanguera?
5. O SINPROEP tem acompanhado o processo de fusões e aquisições de instituições de
ensino superior?
6. Qual é a percepção do sindicato quanto às implicações das fusões institucionais no
trabalho docente?
7. Como o sindicato vê a questão da abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa
de valores?
8. Quais são as principais práticas que caracterizam o processo de precarização do
trabalho docente no ensino superior privado?
9. Quais são as ações do sindicato quanto a essas questões?
10. No estado de São Paulo, onde estão localizadas as maiores unidades do grupo
Anhanguera, tem havido demissões em massa. Como está a questão da demissão dos
docentes que atuam nas instituições do grupo Anhanguera aqui no DF?
11. Quantos professores atuam nas instituições do grupo Anhanguera no DF?
12. A Anhanguera cumpre as diretrizes estabelecidas no plano de carreira dos docentes?
13. Durante as entrevistas com os docentes, quando eu falo sobre o sindicato com os
docentes, eles dizem que houve um enfraquecimento, que o sindicato perdeu força.
Eles acham que o sindicato nos anos 80 e 90 tinha mais força. O que você pensa sobre
essa questão?
Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?
Qual?
Muito obrigada pela colaboração!
156
ANEXO A
CM Consultoria – Tabela 1: Quadro geral de fusões e aquisições no Ensino Superior
privado – 2007/2011