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N o 63.472/2017-AsJConst/SAJ/PGR EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 2 o , III; 3 o , II, c, e 17 da Lei 20.922/2013, do Esta- do de Minas Gerais. Ocupação antrópica con- solidada do solo em áreas de preservação per- manente.] O Procurador-Geral da República, com fundamento nos artigos 102, inciso I, alíneas a e p, 103, inc. VI, e 129, inc. IV, da Constituição da República, no art. 46, parágrafo único, inc. I, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e na Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra os arts. 2 o , inc. III; 3 o , inc. II, alínea c, e 17 da Lei 20.922, de 16 de outubro de 2013, do Estado de Minas Gerais , que dispõe sobre políticas florestais e proteção à biodiversidade naquela unidade federativa. Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 22/03/2017 16:32. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave F8AA087C.67A0ED7B.8AEA2410.5E7A94CD

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No 63.472/2017-AsJConst/SAJ/PGR

EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTEDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

[Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 2o,III; 3o, II, c, e 17 da Lei 20.922/2013, do Esta-do de Minas Gerais. Ocupação antrópica con-solidada do solo em áreas de preservação per-manente.]

O Procurador-Geral da República, com fundamento nos

artigos 102, inciso I, alíneas a e p, 103, inc. VI, e 129, inc. IV, da

Constituição da República, no art. 46, parágrafo único, inc. I, da

Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do

Ministério Público da União), e na Lei 9.868, de 10 de novembro

de 1999, propõe

ação direta de inconstitucionalidade,

com pedido de medida cautelar, contra os arts. 2o, inc. III;

3o, inc. II, alínea c, e 17 da Lei 20.922, de 16 de outubro de

2013, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre políticas

florestais e proteção à biodiversidade naquela unidade federativa.

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Esta petição se acompanha de cópia do ato impugnado (na

forma do art. 3o, parágrafo único, da Lei 9.868/99) e de cópia de

peças relevantes do processo administrativo

1.00.000.014905/2014-15, que se originou de representação en-

caminhada pelos Promotores de Justiça do Ministério Público do

Estado de Minas Gerais CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO,

MARTA ALVES LARCHER, FELIPE FARIA DE OLIVEIRA, BRUNO

GUERRA DE OLIVEIRA, MAURO DA FONSECA ELLOVITCH,

MARCELO AZEVEDO MAFFRA, BERGSON CARDOSO

GUIMARÃES, FRANCISCO CHAVES GENEROSO, DANIEL

OLIVEIRA ORNELAS, LEONARDO CASTRO MAIA e CARLOS

ALBERTO VALERA.

1 OBJETO DA AÇÃO

É o seguinte o teor das normas impugnadas nesta ação:

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]III – ocupação antrópica consolidada em área urbana o usoalternativo do solo em Área de Preservação Permanente –APP – definido no plano diretor ou projeto de expansãoaprovado pelo município e estabelecido até 22 de julho de2008, por meio de ocupação da área com edificações, ben-feitorias ou parcelamento do solo; [...]Art. 3o Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]II – de interesse social: [...]c) a implantação de infraestrutura pública destinada a es-portes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livreem áreas rurais consolidadas e em ocupações antrópicasconsolidadas em área urbana, observadas as condições esta-belecidas nesta Lei; [...].

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Art. 17. Será respeitada a ocupação antrópica consolidadaem área urbana, atendidas as recomendações técnicas dopoder público.

Os trechos impugnados da lei contrariam os arts. 24, VI e

VIII e §§ 1o e 2o; 225, caput, § 1o, III, e § 3o,1 da Constituição da

República.

1 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar con-correntemente sobre: [...]VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo edos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;[...]VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, abens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;[...]§ 1o No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limi-tar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2o A competência da União para legislar sobre normas gerais não excluia competência suplementar dos Estados.Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, im-pondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e pre-servá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1o Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:[...]III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seuscomponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a su-pressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização quecomprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; [...]§ 3o As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujei-tarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e adminis-trativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.[...]”.

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2 FUNDAMENTAÇÃO

2.1 INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL

Diferentemente das constituições anteriores, a tutela do am-

biente possui capítulo específico na Constituição da República de

1988, que estabeleceu para o poder público e a coletividade dever

de preservar o ambiente e consagrou direito fundamental a ambi-

ente ecologicamente equilibrado.

Ao analisar o art. 225, caput, da Constituição da República, o

Ministro ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN destaca que o equilíbrio

ecológico deve ser compreendido de maneira dinâmica, de modo

que “não é objetivo do Direito Ambiental fossilizar o meio ambi-

ente e estancar suas permanentes e comuns transformações, que

vêm ocorrendo há milhões de anos. O que se busca é assegurar

que tal estado dinâmico de equilíbrio, em que se processam os fe-

nômenos naturais, seja conservado, deixando que a natureza siga

seu próprio curso”.2

Trata-se de direito fundamental de terceira dimensão (ou ter-

ceira geração, para alguns), pautado pela solidariedade e fraterni-

dade, de titularidade coletiva e destinado a tutelar interesses supe-

riores do gênero humano, tanto das gerações atuais quanto das fu-

turas. Como os demais direitos fundamentais, o direito a ambiente

ecologicamente equilibrado é indisponível e inalienável e impõe

ao estado e à coletividade obrigações de fazer e não fazer. Deter-

2 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e eco-logização da Constituição Brasileira. In: Direito Constitucional Ambientalbrasileiro. CANOTILHO, Joaquim José Gomes; LEITE, José Rubens Mo-rato. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133-134.

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minadas práticas econômicas e culturais, conquanto antigas, co-

bertas com a poeira do tempo e toleradas através de gerações, po-

dem e devem vir a ser proscritas, em virtude de concepções mo-

dernas de proteção digna e apropriada da fauna, da flora e da pró-

pria humanidade, em última análise. A preservação de ambiente

equilibrado é absolutamente fundamental para a própria sobrevi-

vência da espécie humana e de incontáveis outras, muitas das quais

vêm perecendo continuamente, não raro sem que disso a humani-

dade saiba, pois muitas formas de vida na Terra são ainda desco-

nhecidas da ciência.

No que se refere à competência material para dispor sobre

proteção ambiental, a Constituição da República conferiu à Uni-

ão, aos estados e ao Distrito Federal atribuição de proteger o am-

biente, combater poluição e preservar florestas, a fauna e a flora

(art. 23, VI e VII). Legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna,

conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,

proteção do meio ambiente e controle da poluição” e “responsa-

bilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e di-

reitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”

(CR, art. 24, VI e VIII) é atribuição concorrente da União, dos

estados e do Distrito Federal.

A repartição de competências legislativas entre os entes fede-

rativos ditada pela Constituição da República de 1988, em matéria

de competência concorrente, norteia-se pelo princípio da predo-

minância do interesse,3 apesar de seus contornos fluidos.

3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 25. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2005, p. 478.

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Cabe à União, no que concerne ao Direito Ambiental, edi-

ção de normas gerais que busquem padronização nacional; aos es-

tados compete legislar sobre temáticas de interesse regional, e aos

municípios, a respeito de temas de interesse local, de acordo com

a competência material prevista no art. 23, VI, da CR, desde que

observadas as regras federais sobre a matéria.

Estados somente exercem competência suplementar de forma

plena se inexistir lei federal para atender a suas peculiaridades.

Conforme acentua GILMAR FERREIRA MENDES, em matéria de

competência concorrente, é o vácuo legislativo, ou seja, lacuna do

ordenamento jurídico, que permite exercício de competência su-

pletiva dos estados:

[...] A legislação ordinária federal pode assumir relevância,porém, na aferição de constitucionalidade de leis estaduais,editadas com fundamento na competência concorrente (CF,art. 24, §§ 3o e 4o). É que, existindo lei sobre as matériaselencadas no art. 24 (incisos I-XVI), não pode o Estado-Membro fazer uso da competência legislativa plena que lheé assegurada em caso de “vácuo legislativo”. A norma fede-ral ordinária limita e condiciona essa faculdade. Tambémnos casos de colisão entre normas de direito estadual com asleis complementares, admitiu o Supremo a existência de in-constitucionalidade. As duas hipóteses supõem a existênciade um bloqueio de competência levado a efeito pelo direitofederal, de modo que o direito estadual em contradição comesses limites deve ser considerado nulo. Todavia, nesses ca-sos, o direito federal não configura exatamente um parâme-tro de controle abstrato, mas simples índice para aferição dailegitimidade ou não observância da ordem de competênciaestabelecida na Constituição. A legislação federal sobreessa questão é exaustiva, não havendo conteúdo a ser su-pletivamente regulamentado pela legislação estadual.4

4 MENDES, GILMAR FERREIRA. Jurisdição constitucional: o controle abstratode normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

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No julgamento do recurso extraordinário 286.789/RS,5 na

2a Turma do Supremo Tribunal Federal, a Ministra ELLEN

GRACIE ressaltou que as conclusões firmadas na representação

1.135/RS,6 sob a Constituição pretérita, permaneciam válidas, no

sentido de que o exercício da competência legislativa supletiva de-

penderia da existência de vazio legislativo, sobretudo consideradas

as peculiaridades regionais.

No exercício de competência para legislar sobre normas ge-

rais em matéria ambiental e, particularmente, para preservação de

florestas, a União editou a Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965,

também conhecido como Código Florestal, que instituiu a possi-

bilidade de criação de áreas ambientais protegidas, como as áreas

de preservação permanente (APP) e as áreas de reserva legal (RL).

Esses institutos foram mantidos pelo chamado novo Código

Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012), a despeito dos inú-

meros retrocessos por ele perpetrados. No que se refere às APPs, a

Lei 12.651/2012 dispõe, nos arts. 4o a 9o, sobre a delimitação dos

territórios abrangidos e seu regime de proteção. Seus arts. 61-A a

65 regulamentam as áreas consolidadas em APP.

Diferentemente da lei mineira, a lei federal não tipifica o

conceito de “ocupação antrópica consolidada”, mas se refere à de-

finição de “área urbana consolidada”, prevista no art. 47, II, da Lei

11.977, de 7 de julho de 2009.

239-240.5 Supremo Tribunal Federal. 2a Turma. Recurso extraordinário

286.789/RS. Relatora: Ministra ELLEN GRACIE. 8/3/2005, unânime.Diário da Justiça, 8 abr. 2005, p. 38.

6 STF. Plenário. Representação 1.135/RS. Rel.: Min. OSCAR CORRÊA.23/2/1983, un. DJ, 13 maio 1983, p. 6.497.

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Lei federal 11.977/2009 Lei mineira 20.922/2013

Art. 47. Para efeitos da regula-rização fundiária de assenta-mentos urbanos, consideram-se: [...]II – área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superi-or a 50 ([...]) habitantes por hectare e malha viária implan-tada e que tenha, no mínimo, 2 ([...]) dos seguintes equipa-mentos de infraestrutura urba-na implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água po-tável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos; [...].

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]III – ocupação antrópica con-solidada em área urbana o usoalternativo do solo em Área de Preservação Permanente – APP – definido no plano di-retor ou projeto de expansão aprovado pelo município e estabelecido até 22 de julho de 2008, por meio de ocupa-ção da área com edificações, benfeitorias ou parcelamento do solo; [...].

Comparando-se os dispositivos, verifica-se que o conceito de

área urbana consolidada é restrito e exige cumprimento dos se-

guintes requisitos: (a) densidade demográfica superior a 50 habi-

tantes por hectare; (b) malha viária e (c) existência de pelo menos

dois equipamentos de infraestrutura.

Por outro lado, o conceito de ocupação antrópica consolida-

da é excessiva e indevidamente abrangente e alcança o uso alter-

nativo do solo definido por projeto de expansão ou aprovado por

plano diretor municipal, por meio de ocupação de áreas com edi-

ficações, benfeitorias ou parcelamento do solo.

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A diferença conceitual repercute no tratamento das ativida-

des consideradas de interesse social:

Lei federal 11.977/2009 Lei mineira 20.922/2013

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: [...]IX – interesse social: [...]c) a implantação de infraestru-tura pública destinada a es-portes, lazer e atividades edu-cacionais e culturais ao ar livreem áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei; [...].

Art. 3o Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]II – de interesse social:c) a implantação de infraestru-tura pública destinada a es-portes, lazer e atividades edu-cacionais e culturais ao ar li-vre em áreas rurais consoli-dadas e em ocupações an-trópicas consolidadas em área urbana, observadas as condições estabelecidas nesta Lei; [...].

Considerando que o conceito de ocupação antrópica conso-

lidada é mais amplo do que o de área urbana consolidada, a lei

mineira cria hipótese de interesse social não prevista na legislação

federal e ultrapassa-lhe os limites. Atividades de interesse social

constituem uma das hipóteses excepcionais que autorizam inter-

venção em APP.7

A Lei 20.922/2013 de Minas Gerais legitima ocupações rea-

lizadas em solo urbano de área de preservação permanente em si-

tuações não previstas no Código Florestal brasileiro. Seu art. 17

determina que se respeitem ocupações antrópicas consolidadas em

7 Redação do art. 12 da Lei 20.922/2013: “Art. 12. A intervenção em APPpoderá ser autorizada pelo órgão ambiental competente em casos de utili-dade pública, interesse social ou atividades eventuais ou de baixo impactoambiental, desde que devidamente caracterizados e motivados em proce-dimento administrativo próprio”.

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área urbana, “atendidas as recomendações técnicas do poder pú-

blico”.

A Lei federal 12.651/2012, nos arts. 64 e 65, cuida especifi-

camente da regularização fundiária de interesse social e de interes-

se específico em área urbana consolidada que ocupe APP. Os dis-

positivos fixam requisitos e determinam que a regularização ambi-

ental será admitida por aprovação de projeto de regularização

fundiária, na forma da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009:

Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos as-sentamentos inseridos em área urbana de ocupação consoli-dada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a re-gularização ambiental será admitida por meio da aprovaçãodo projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no

11.977, de 7 de julho de 2009.§ 1o O projeto de regularização fundiária de interesse socialdeverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria dascondições ambientais em relação à situação anterior com aadoção das medidas nele preconizadas.§ 2o O estudo técnico mencionado no § 1o deverá conter,no mínimo, os seguintes elementos:I – caracterização da situação ambiental da área a ser regula-rizada;II – especificação dos sistemas de saneamento básico;III – proposição de intervenções para a prevenção e o con-trole de riscos geotécnicos e de inundações;IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passí-veis de regularização;V – comprovação da melhoria das condições de sustentabili-dade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dosrecursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a pro-teção das unidades de conservação, quando for o caso;VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos mora-dores propiciada pela regularização proposta; e

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VII – garantia de acesso público às praias e aos corposd'água.Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específicodos assentamentos inseridos em área urbana consolidada eque ocupam Áreas de Preservação Permanente não identifi-cadas como áreas de risco, a regularização ambiental será ad-mitida por meio da aprovação do projeto de regularizaçãofundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.§ 1o O processo de regularização ambiental, para fins de pré-via autorização pelo órgão ambiental competente, deverá serinstruído com os seguintes elementos:I – a caracterização físico-ambiental, social, cultural e eco-nômica da área; II – a identificação dos recursos ambientais, dos passivos efragilidades ambientais e das restrições e potencialidades daárea; III – a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestru-tura urbana e de saneamento básico implantados, outros ser-viços e equipamentos públicos; IV – a identificação das unidades de conservação e das áreasde proteção de mananciais na área de influência direta daocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; V – a especificação da ocupação consolidada existente naárea; VI – a identificação das áreas consideradas de risco de inun-dações e de movimentos de massa rochosa, tais como desli-zamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama eoutras definidas como de risco geotécnico; VII – a indicação das faixas ou áreas em que devem ser res-guardadas as características típicas da Área de PreservaçãoPermanente com a devida proposta de recuperação de áreasdegradadas e daquelas não passíveis de regularização; VIII – a avaliação dos riscos ambientais; IX – a comprovação da melhoria das condições de sustenta-bilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos morado-res a partir da regularização; e

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X – a demonstração de garantia de acesso livre e gratuitopela população às praias e aos corpos d’água, quando cou-ber. § 2o Para fins da regularização ambiental prevista no caput,ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantidafaixa não edificável com largura mínima de 15 ([...]) metrosde cada lado. § 3o Em áreas urbanas tombadas como patrimônio históricoe cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2o poderáser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato dotombamento.

O Código Florestal atual, a despeito de gave retrocesso am-

biental em vários aspectos, não permite novas intervenções e su-

pressão de vegetação em APP fora das hipóteses definidas de utili-

dade pública, interesse social ou baixo impacto e exige em alguns

casos comprovação de inexistência de alternativa técnica e locaci-

onal.8

A Lei 20.922/2013 de Minas Gerais ultrapassa as balizas do

conjunto normativo federal. Cria o conceito de “ocupação an-

trópica consolidada em área urbana”, que consistiria no uso alter-

nativo do solo em área de preservação permanente, por meio de

ocupação com edificações, benfeitorias ou parcelamento do solo

(art. 2o, III). Além disso, considera atividade de interesse social a

implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e

atividades educacionais e culturais ao ar livre em ocupações an-

trópicas consolidadas em área urbana, possibilitando tais atividades

em APP (art. 3o, II, c), fora das hipóteses restritas previstas na lei

federal. Por fim, o art. 17 da lei mineira afirma que será respeitada

8 “Art. 8o. [...] § 4o Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regulariza-ção de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além dasprevistas nesta Lei. [...]”.

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a ocupação antrópica consolidada em área urbana, atendidas as re-

comendações técnicas do poder público, desconsiderando o regi-

me especial de proteção das áreas de preservação permanente.

Em suma, ao criar o instituto denominado “ocupação an-

trópica consolidada em área urbana”, a Lei 20.922/2013, elasteceu

o conceito de área urbana consolidada e flexibilizou as normas re-

lativas aos casos de intervenção e ocupação em áreas de preserva-

ção permanente, em total descompasso com o conjunto normati-

vo elaborado pela União.

A legislação federal exauriu o tema relativo a ocupação e re-

gularização fundiária em APPs. É juridicamente inconstitucional

atuação de estados-membros de modo a ampliar as hipóteses e fle-

xibilizar os requisitos definidos para tanto. Houve patente usurpa-

ção da competência da União para legislar sobre normas gerais em

matéria ambiental pelo Estado de Minas Gerais.

O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência consoli-

dada sobre competir à União legislar acerca de normas gerais em

matéria de proteção ambiental (CF, art. 24, VI, § 1o). Havendo

norma federal sobre o tema, é inconstitucional norma estadual que

disponha a esse respeito de forma diversa.

Sobre a repartição de competência legislativa em matéria

ambiental, o Min. ILMAR GALVÃO, ao declarar inconstitucionali-

dade de norma catarinense que excecionava elaboração de estudo

prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou

reflorestamento para fins empresariais, destacou:

Por outro lado, é certo que, pela lógica sistemática da distri-buição de competência legislativa, apenas a lei federal seriaapta a excluir hipóteses à incidência do aludido preceito ge-

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ral, já que se trata de matéria nitidamente inserida no campode abrangência das normas gerais sobre conservação da natu-reza e proteção do meio ambiente e, não, de normas com-plementares, que são da atribuição constitucional dos Esta-dos-membros (art. 24, inc. VI, da CF).Não é de ser invocada, igualmente, a competência legislativaplena dos Estados-membros (art. 24, § 3o, da CF), quandomenos porque não se compreende qual seja a peculiaridadelocal que se estaria atendendo com a edição de uma regraconstitucional com tal conteúdo normativo.9

No julgamento de medida cautelar na ADI 3.035/PR, con-

firmado em decisão de mérito, o STF reputou inconstitucional,

por usurpação da competência legislativa da União para dispor so-

bre produção e consumo, proteção do ambiente e da saúde, nor-

ma do Estado do Paraná, que disciplinava ações relativas a organis-

mos geneticamente modificados (OGMs). A decisão foi consoli-

dada nos seguintes termos:

Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a leiestadual paranaense de no 14.162, de 27 de outubro de2003, que estabelece vedação ao cultivo, a manipulação, aimportação, a industrialização e a comercialização de orga-nismos geneticamente modificados. 2. Alegada violação aosseguintes dispositivos constitucionais: art. 1o; art. 22, incisosI, VII, X e XI; ao art. 24, I e VI; ao art. 25; e ao artigo 170,caput, inciso IV e parágrafo único. 3. Plausibilidade das ale-gações de inconstitucionalidade no que toca à potencialofensa à competência privativa da União e das normas cons-titucionais relativas às matérias de competência legislativaconcorrente. 4. Deferida a cautelar.10

Na oportunidade, o Min. GILMAR MENDES ponderou:9 STF. Plenário. ADI 1.086/SC. Rel.: Min. ILMAR GALVÃO. 10/8/2001,

un. DJ, 10 ago. 2001.10 STF. Plenário. Medida cautelar na ADI 3.035/PR. Rel.: Min. GILMAR

MENDES. 10/12/2013, un. DJ, 12 mar. 2004.

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A lei estadual estabelece normas restritivas quanto ao culti-vo, manipulação e industrialização de OGM’s tendo emvista, entre outros aspectos, preocupações de índole sanitáriae ambiental. Também estabelece regras restritivas quanto aofinanciamento do cultivo e manipulação de OGM’s em de-sacordo com a lei estadual.Tais matérias, em um primeiro exame, estão sujeitas à disci-plina concorrente da União e dos Estados, uma vez que serelacionam à produção e ao consumo (art. 24, V, da CF), àproteção do meio ambiente (art. 24, VI, CF), e à proteção edefesa da saúde (art. 24, XII, CF).Salvo melhor exame quando do julgamento do mérito, tan-to a Medida Provisória no 131 quanto outros atos normati-vos federais (referidos naquela mesma Medida Provisória) fi-xam disciplina geral que não parece deixar margem para asrestrições estabelecidas na norma impugnada.Não se afigura admissível que no uso da competên-cia residual o Estado do Paraná formule uma disci-plina que acaba por afastar a aplicação das normasfederais de caráter geral.11

Os arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17, da Lei 20.922/2013 do Estado

de Minas Gerais não poderiam ter instituído conceito de ocupa-

ção antrópica consolidada em área urbana a fim de vulnerar áreas

de preservação permanente e flexibilizar seu regime de proteção,

descaracterizando o tratamento definido pela legislação federal. A

lei estadual usurpou competência privativa da União para legislar

sobre normas gerais em proteção ambiental. Deve, portanto, ser

declarada inconstitucionalidade formal dos dispositivos.

11 STF. Plenário. MC/ADI 3.035/PR. Rel.: Min. GILMAR MENDES.10/12/2013, un. DJ, 12 mar. 2004.

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2.2 INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

2.2.1 Ofensa aos Princípios da Precaução,

do Ambiente Equilibrado e da Reparação

Do ordenamento constitucional decorre o princípio da pre-

venção, segundo o qual medidas preventivas devem ser adotadas

pelo poder público e por particulares a fim de evitar danos ambien-

tais previsíveis. Recuperação de áreas ambientais degradadas e re-

versão de danos ambientais não são garantidas, além de serem mui-

to mais custosas, razão pela qual a atitude preventiva é sempre mais

satisfatória e a que mais bem atende à teleologia constitucional.

De acordo com NORMA SUELI PADILHA, o princípio da

prevenção “deve nortear todos os empreendimentos privados que

manipulam de alguma forma o meio ambiente, bem como, toda a

ação da Administração Pública, em todos os níveis, no dever de

implementar a proteção ambiental, norteando-se por Políticas Pú-

blicas de caráter eminentemente preventivos e fazendo atuar de

forma preventiva o poder de polícia ambiental”.12 ALEXANDRA

ARAGÃO esclarece a lógica do princípio:

Mais vale prevenir, porque, em muitos casos, depois de apoluição ou o dano ambiental ocorrerem, é impossível a re-constituição natural da situação anterior, isto é, é impossívelremover a poluição ou o dano. O caso mais exemplar é ajustiça ambiental que impõe que se evite a extinção de umaespécie animal ou vegetal.Mais vale prevenir, porque, mesmo sendo possível a recons-tituição in natura, frequentemente ela é de tal modo onerosa

12 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do Direito Ambientalbrasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 255.

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que não é razoável exigir um tal esforço ao poluidor. Logo,serão as gerações futuras que mais vão sofrer as consequên-cias daquele dano ambiental que não foi possível evitar.Mais vale prevenir, por fim, porque economicamente émuito mais dispendioso remediar do que prevenir. Comefeito, o custo das medidas necessárias a evitar a ocorrênciade poluição é, em geral, muito inferior ao custo das medidasde “despoluição” após a ocorrência do dano.13

Áreas de preservação permanente enquadram-se no conceito

de espaços territoriais especialmente protegidos e, conforme o art.

225, § 1o, III, da CR, sua alteração e supressão somente serão per-

mitidas por lei, “vedada qualquer utilização que comprometa a in-

tegridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. APP cons-

titui área protegida permanentemente, coberta ou não por vegeta-

ção nativa, com função ambiental específica de preservar recursos

hídricos, paisagens, a estabilidade geológica e a biodiversidade, fa-

cilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar

bem-estar das populações humanas (Lei 12.651/2012, art. 3o, II).

Possui função essencial de contribuir para manutenção do

ambiente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, promo-

ver preservação dos ecossistemas e assegurar qualidade do ambien-

te. ÉDIS MILARÉ analisa o conjunto de funções das áreas de pre-

servação permanente:

Merecem também registro as sucessivas reformas do CódigoFlorestal de 1965, promovidas por medidas provisórias, es-pecialmente a MedProv 2.166-67, de 24.08.2001, que, den-tre outras alterações, introduziu o conceito de área de preser-

13 ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do Ambiente da UniãoEuropeia. In: Direito Constitucional Ambiental brasileiro. CANOTILHO,José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). São Paulo: Sa-raiva, 2012, p. 73.

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vação permanente, semelhante ao hoje em vigor. Essa medidaprovisória também inovou, ao indicas as funções ecológicase ambientais de uma área de preservação permanente, como desiderato básico de preservar e proteger: (a) os recursoshídricos; (b) a paisagem; (c) a estabilidade geológica; (d) abiodiversidade; (e) o fluxo gênico de fauna e flora; (f) osolo; e (g) assegurar o bem-estar das populações humanas.É dizer: não se pode conceber as APPs desprovidas dessasfunções que lhe são precípuas, todas referendadas pela Lei12.651/2012 – o novo Código Florestal, como tem sidochamado -, sob pena de tornar letra morta a legislação inspi-radora de sua criação, protegendo espaços indignos de taltutela.[...]Nunca é demais insistir na visão sistêmica do meio ambien-te, em seu conjunto, e na estrutura mesma dos ecossistemas.Importa muito relembrar que não há elementos naturaisindiferentes, porquanto o meio ambiente é constituído deteias, essas formas impressionantes de amarração que susten-tam o mundo natural e a vida. Ressalte-se que as funções eco-lógicas (relativas aos ecossistemas) e ambientais (concernentesàs inter-relações existentes no meio, notadamente com a es-pécie humana) estão claramente explicitadas e interligadas. Como se vê, as APPs têm esse papel (maravilhoso, aliás!) deabrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida;assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento dorecurso água em condições favoráveis de quantidade e qua-lidade; já a paisagem é intrinsecamente ligada aos compo-nentes do ecossistema. E mais, têm muito a ver com obem-estar humano das populações que estão em seu entor-no, contribuindo para a sadia qualidade de vida asseguradano caput do art. 225 da CF/1988.

Obrigação elementar do regime jurídico de proteção das

APPs é a manutenção da vegetação pelo proprietário da área a

qualquer título (Lei 12.651/2012, art. 7o). Constitui igualmente

obrigação decorrente do regime da APP a recomposição de vege-

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tação suprimida (Lei 12.651/2012, art. 7o, § 1o). Trata-se de obri-

gação real, transmitida ao sucessor em caso de transferência de do-

mínio ou posse do imóvel (Lei 12.651/2012, art. 7o, § 2o). Su-

pressão e intervenção em APP são autorizadas pela lei federal ape-

nas em situações, por ela previstas, de utilidade pública, interesse

social ou baixo impacto ambiental (Lei 12.651/2012, art. 8o). Ve-

getação nessas áreas é, até, objeto de tutela penal. Os arts. 38, 39 e

44 tipificam condutas lesivas a vegetação e relacionadas a extração

de minerais localizados em área de preservação permanente.

Os arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17 da Lei 20.922/2013 do Estado

de Minas Gerais permitem consolidação de intervenções e ocupa-

ções em APPs em hipóteses não previstas pela legislação federal e

independentemente do cumprimento dos requisitos desta. Conso-

ante o tópico anterior, o conceito de ocupação antrópica consoli-

dada de solo urbano em área de preservação permanente admite

situações não previstas na lei federal, que permite consolidação

apenas no caso de área urbana com densidade densidade demo-

gráfica superior a 50 habitantes por hectare, malha viária implanta-

da e existência de pelo menos dois equipamentos de infraestrutura

urbana. Considera área urbana consolidada aquela submetida a in-

tervenções como edificações, benfeitorias e parcelamento do solo.

Além de permitir regularização de ocupações e intervenções,

o art. 17 da Lei 20.922/2013 legitima intervenções futuras, o que

não é permitido no regramento federal. Análise dos dispositivos

estaduais demonstra que o objetivo do legislador mineiro foi con-

tornar o regime legal mais rigoroso desenhado pelo complexo

normativo federal.

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A legislação mineira autoriza verdadeiro desvirtuamento das

áreas de preservação permanente em perímetros urbanos do esta-

do, desconsidera as funções essenciais atribuídas ao instituto e per-

mite atividades e empreendimentos incompatíveis com a preserva-

ção do ambiente e da vegetação. Há evidente violação aos princí-

pios da precaução e do ambiente equilibrado.

Além disso, as normas mineiras admitem permanência de

obras, edificações e parcelamento do solo não autorizados, separa-

da de imposição de recuperação de áreas ambientais degradadas e

de reparação de danos ambientais, o que se revela totalmente in-

compatível com o ordenamento constitucional ambiental, que es-

pecificamente no art. 225, § 3o, da CR, fundamenta o princípio

da reparação integral do dano ambiental.

PAULO AFFONSO LEME MACHADO, ao analisar a aplicabili-

dade do art. 225, § 3o, da CR às APPs, frisa que “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente – no caso espe-

cífico as APP[s] – obrigam [a] reparar os danos causados, de forma

independente da apuração da infração penal ou da infração admi-

nistrativa e da imposição de sanções. É de considerar-se que a

obrigação de reparação ou de recomposição é integral, isto é, pro-

porcional ao dano causado e não uma recomposição parcial e

incompleta”.14

A lei mineira confere anistia a empreendimentos realizados

em áreas de preservação permanente, corroborando a degradação

do ambiente, em total descompasso com o dever do poder públi-

co de assegurar especial proteção a essas áreas.

14 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 23. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2015, p. 887.

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São incompatíveis com a Constituição da República, por-

tanto, os arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17, da Lei 20.922/2013, por ofen-

sa aos princípios da prevenção e do ambiente ecologicamente

equilibrado (CR, art. 225) e à exigência de recuperação de danos

ambientais (CR, art. 225, § 1o, III).

2.2.2 OFENSA À VEDAÇÃO DE RETROCESSO E À

PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE

Os arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17, da Lei 20.922/2013, consubs-

tanciam frontal violação ao dever da União de proteger o ambien-

te e ao princípio da vedação de retrocesso socioambiental, precei-

to constitucional implícito que veda alterações legislativas e admi-

nistrativas voltadas a flexibilizar situações consolidadas de proteção

ambiental, que impliquem involução de conquistas nesse campo.

Consoante explicam INGO SARLET e TIAGO FENSTERSEIFER,

“em matéria de realização (eficácia social) dos direitos socioambi-

entais se registra um dever de progressividade, ou seja, a adoção

de medidas legislativas – e administrativas – que busquem sempre

uma melhoria ou aprimoramento dos direitos fundamentais so-

cioambientais”.15

ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN esclarece a força normativa e

eficácia imediata do princípio da proibição de retrocesso social.16

Aceite-se a citação longa pela importância dos elementos que

15 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ConstitucionalAmbiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 75.

16 BENJAMIN, Antônio Herman. Princípio da proibição de retrocesso am-biental. In: Princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Fe-deral, 2011, p. 62-63 e 67-69. Destaques no original.

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contém e por sua aplicabilidade à ofensa constitucional perpetrada

pelas normas objeto desta ação:

Proibição do retrocesso como princípio geral do DireitoAmbientalÉ seguro afirmar que a proibição de retrocesso, apesar de nãose encontrar, com nome e sobrenome, consagrada na nossaConstituição, nem em normas infraconstitucionais, e nãoobstante sua relativa imprecisão – compreensível em institu-tos de formulação recente e ainda em pleno processo de con-solidação –, transformou-se em princípio geral do Direito Am-biental, a ser invocado na avaliação da legitimidade de iniciati-vas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela legaldo meio ambiente, mormente naquilo que afete em particu-lar a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeisou à beira de colapso, e c) espécies ameaçadas de extinção.Sim, princípio geral do Direito Ambiental, pois a previsãonormativa explícita não se antepõe como pressuposto insu-perável ao seu reconhecimento. É que a proibição de retro-cesso não surge como realidade tópica, resultado de referên-cia em dispositivo específico e isolado; ao contrário, nela seaninha um princípio sistêmico, que se funda e decorre da leitu-ra conjunta e [do] diálogo multidirecional das normas quecompõem a totalidade do vasto mosaico do Direito Ambi-ental. Além disso, princípio geral, já que as bases e conteúdoecológicos (= o mínimo ecológico, a garantia dos processosecológicos essenciais, a hiperproteção dos ecossistemas frá-geis ou à beira de colapso, a preservação absoluta das espéci-es ameaçadas de extinção) da proibição de retrocesso estãoclaramente afirmados na Constituição e nas leis ambientaisbrasileiras. Tanto a legislação ambiental, como a jurispru-dência11 optaram por esse “caminhar somente para a fren-te”.17

17 A nota 11 do texto transcrito diz: “Reconhecendo, expressamente, a proi-bição de retrocesso como princípio geral do Direito Ambiental, cf., noSuperior Tribunal de Justiça, o EREsp 418.526/SP, Rel. Min. TEORI

ALBINO ZAVASCKI, Primeira Seção, DJe, 13.10.2010; em outro prece-dente, o STJ decidiu que o princípio da proibição de retrocesso é ‘garantia

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Note-se que o texto constitucional, na proteção do meioambiente se organiza, acima referimos, em torno debem-revelados e fixados núcleos jurídicos duros (“centroprimordial”, “ponto essencial”, ou “zona de vedação re-ducionista”), que rejeitam ser ignorados ou infringidos pelolegislador, administrador ou juiz, autênticos imperativos ju-rídico-ambientais mínimos: os deveres de “preservar e restauraros processos ecológicos essenciais”, “preservar a diversidadee a integridade do patrimônio genético do País”, “protegera fauna e a flora”, e impedir “práticas que coloquem em ris-co sua função ecológica” ou “provoquem a extinção de es-pécies” (art. 225, § 1º, I, II e VII). [...]Fundição entre instrumentos infraconstitucionais e a normaconstitucional de garantia do mínimo ecológicoViolações ao princípio da proibição de retrocesso se manifes-tam de várias maneiras. A mais óbvia é a redução do grau desalvaguarda jurídica ou da superfície de uma área protegida(Parque Nacional, p. ex.); outra, menos perceptível e por issomais insidiosa, é o esvaziamento ou enfraquecimento dasnormas de previsão de direitos e obrigações ou, por outrolado, os instrumentos de atuação do Direito Ambiental (Es-tudo Prévio de Impacto Ambiental, Áreas de Proteção Per-manente, Reserva Legal, responsabilidade civil objetiva,p. ex.).Consequentemente, tirante a redução pura e simples de es-paços territoriais protegidos, o retrocesso pode afetar ora di-reitos substantivos (= retrocesso substantivo) ora direitosprocedimentais ou o due process ambiental (= retrocesso for-mal ou procedimental); ora o marco legislativo em si mesmo(= retrocesso legislativo) ora a política de implementação(= retrocesso de implementação). [...]É bom ressaltar que os Instrumentos de Direito Ambiental,no caldo dos múltiplos matizes de origem, filiação filosófica e

de que os avanços urbanístico-ambientais conquistados no passado não se-rão diluídos, destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes’(REsp 302.906/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma,DJe, 1.12.2010)”.

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objetivos que os informam, ostentam variegadas referênciasde prestígio e eficácia. Há, entre eles, os que atuam no cora-ção da disciplina, chamados diretos ou primários (salvaguardam,frontalmente, biomas, ecossistemas e processos ecológicos es-senciais, entre eles cabendo citar as Áreas Protegidas, a Reser-va Legal, as APPs, a declaração de árvore imune a corte); e osque, batizados de indiretos ou procedimentais, alcançam resulta-dos semelhantes, só que por meios oblíquos, p. ex., ao ampli-arem o grau e disseminação de informação ambiental geradae em circulação, e ao estabelecerem mecanismos de participa-ção pública. A ambas as categorias se aplica o princípio daproibição de retrocesso ambiental.No âmbito desse “centro primordial”, “ponto essencial”,“núcleo duro” ou “zona de vedação reducionista”, o dese-nho legal infraconstitucional, uma vez recepcionado pelaConstituição, com ela se funde, donde a impossibilidade deanulá-lo ou de afrouxá-lo de maneira substancial, sem quecom isso, inafastavelmente, se fira ou mutile o próprio con-teúdo e sentido da norma maior. É o fenômeno da repulsaàs normas infraconstitucionais que, desinteressadas em ga-rantir a máxima eficácia dos direitos constitucionais funda-mentais, não se acanham e são rápidas ao negar-lhes o míni-mo de eficácia.Aplicação prática do princípio da proibição de retrocessoambientalFirma-se como pressuposto da proibição de retrocesso queos mandamentos constitucionais “sejam concretizados atra-vés de normas infraconstitucionais”, daí resultando que aprincipal providência que se pode “exigir do Judiciário é ainvalidade da revogação de normas”, sobretudo quando talrevogação ocorre desacompanhada “de uma política substi-tutiva ou equivalente”, isto é, deixa “um vazio em seu lu-gar”, a saber, “o legislador esvazia o comando constitucio-nal, exatamente como se dispusesse contra ele diretamen-te”.16 18

18 A nota 16 do texto transcrito contém esta referência: “Luís Roberto Bar-roso, Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma DogmáticaConstitucional Transformadora. 7ª edição, São Paulo, Saraiva, 2009, pp. 380-381”.

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Exatamente da forma apontada por HERMAN BENJAMIN, os

arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17, da Lei 20.922/2013, de Minas Gerais,

traduzem afronta à proibição de proteção insuficiente, segundo a

qual o estado é responsável por garantir nível mínimo de proteção

ambiental. A tutela estatal na preservação e proteção de bens ju-

rídicos ambientais – vitais para a própria sobrevivência da espécie

humana e dos milhões de outras que habitam o planeta – deve ser

efetiva e suficiente para garantir o mínimo existencial socioambi-

ental. Isso a legislação mineira desrespeitou, pois, ao criar o con-

ceito de ocupação antrópica consolidada de solo urbano em área

de preservação permanente, flexibilizou de forma excessiva as nor-

mas atinentes à matéria e permitiu ocupação e utilização de áreas

ambientais de maneira desordenada e prejudicial ao ambiente.

Demonstrada a incompatibilidade dos arts. 2o, III; 3o, II, c, e

17 da Lei 20.922/2013 com os princípios da vedação de retroces-

so socioambiental, da proibição de proteção deficiente, com os

deveres constitucionais do Estado de Minas Gerais e com o con-

junto normativo delineado pela Constituição da República para

tutelar o ambiente, conclui-se imperativa a atuação do Supremo

Tribunal Federal na declaração de inconstitucionalidade das nor-

mas atacadas.

A respeito da relevância da autuação do Judiciário na garantia

de tutela efetiva, adequada e suficiente dos bens ambientais, INGO

SARLET e TIAGO FENSTERSEIFER ponderam:

Diante da insuficiência manifesta de proteção estatal (porexemplo, ausência ou insuficiência da legislação na matéria),há violação do dever de tutela estatal, e, portanto, está ca-racterizada a inconstitucionalidade da medida, tenha ela na-tureza omissiva ou comissiva, sendo possível o seu controle

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judicial, de tal sorte que, nesse contexto, ganha destaque aprópria vinculação do Poder Judiciário (no sentido de umpoder-dever) aos deveres de proteção, de modo que se lheimpõe o deve de rechaço da legislação e dos atos administra-tivos inconstitucionais, ou, a depender das circunstâncias, odever de correção de tais atos mediante uma interpretaçãoconforme a Constituição e de acordo com as exigências dosdeveres de proteção e da proporcionalidade. A vinculaçãodo Poder Judiciário aos direitos fundamentais, e, portanto,aos deveres de proteção, guarda importância singular não sópara a análise da categoria da proibição de proteção insufi-ciente, mas também para a garantia da proibição de retro-cesso, [...] posto que, também no que diz respeito a atos dopoder público que tenham por escopo a supressão ou redu-ção dos níveis de proteção social e ambiental [...], caberá aosórgãos jurisdicionais a tarefa de identificar a ocorrência deprática inconstitucional e, quando for o caso, afastá-la oucorrigi-la.19

Em suma, sob color de regular a consolidação de ocupações de

solo urbano em APPs, o Estado de Minas Gerais afrontou a ordem

jurídico-constitucional. O ato normativo nega compromissos assu-

midos pelo Brasil para proteção dos recursos naturais e da biodiversi-

dade e coloca em sério risco importantes ecossistemas estaduais.

3 PEDIDO CAUTELAR

Os requisitos para concessão de medida cautelar estão pre-

sentes.

Sinal de bom direito (fumus boni juris) está suficientemente

caracterizado pelos argumentos deduzidos nesta petição inicial.

19 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucio-nal Ambiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 293.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Perigo na demora processual (periculum in mora) decorre de

que a previsão atacada subverte o modelo constitucional e altera o

regime jurídico de proteção ao ambiente, com potencial para cau-

sação imediata de danos, alguns deles decerto irreparáveis ou de

dificílima e custosa reparação. O requerimento de tutela de urgên-

cia dá-se em vista da possibilidade real de danos ao patrimônio

ambiental do território estadual, mediante flexibilização excessiva

de normas sobre ocupação consolidada de solo urbano em áreas de

preservação permanente, os quais podem atingir ecossistemas, pe-

las características do parcelamento do solo e da construção de edi-

ficações e benfeitorias. Cabe invocar o princípio da precaução,

que deve reger a conduta dos entes públicos com vistas à preserva-

ção de ambiente ecologicamente equilibrado.

É necessário, portanto, que a disciplina inconstitucional im-

posta pela norma seja o mais rapidamente possível suspensa em sua

eficácia e, ao final, invalidada por decisão definitiva do Supremo

Tribunal Federal.

Por conseguinte, além do sinal de bom direito, há premência

em que essa Corte conceda medida cautelar para esse efeito.

4 PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Requer, de início, que esse Supremo Tribunal conceda, com

a brevidade possível, em decisão monocrática e sem intimação dos

interessados, medida cautelar para suspensão da eficácia das normas

impugnadas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, a ser

oportunamente submetida a referendo do Plenário.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Requer que se colham informações da Assembleia Legislativa

e do Governador do Estado de Minas Gerais e que se ouça a Ad-

vocacia-Geral da União, nos termos do art. 103, § 3º, da Consti-

tuição da República. Superadas essas fases, requer prazo para ma-

nifestação da Procuradoria-Geral da República.

Requer que, ao final, seja julgado procedente o pedido, para

se declarar inconstitucionalidade dos arts. 2o, III; 3o, II, c, e 17 da

Lei 20.922, de 16 de outubro de 2013, do Estado de Minas Gerais.

Brasília (DF), 22 de março de 2017.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República

RJMB/WCS/CCC-PI.PGR/WS/174/2017

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