PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA … · acerca do suprimento alimentar da...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Ivan Ferdinando Gergoletti Santa Bárbara d´Oeste - SP Fevereiro de 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E URBANISMO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE

COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Santa Bárbara d´Oeste - SP

Fevereiro de 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E URBANISMO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE

COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge Moraes Figueiredo

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Engenharia de Produção, da

Faculdade de Engenharia, Arquitetura e

Urbanismo, da Universidade Metodista de

Piracicaba - UNIMEP, como requisito para

obtenção do Título de Doutor em Engenharia de

Produção, na Área de Concentração em Gestão

Ambiental e Energética

Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge de Moraes

Figueiredo

Santa Bárbara d´Oeste - SP

Fevereiro de 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA UNIMEP

DO CAMPUS DE SANTA BÁRBARA D´OESTE

Gergoletti, Ivan Ferdinando. G367p Produção de alimentos: uma análise comparativa de cenários na

perspectiva da sustentabilidade ambiental./Ivan Ferdinando Gergoletti.- Santa Bárbara d´Oeste, SP:[s.n.],2008.

Orientador: Paulo Jorge Moraes Figueiredo. Tese (Doutorado) – Universidade Metodista de Piracicaba, Faculdade

de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Área de Concentração em Gestão Ambiental e Energética.

1. Produção de alimentos 2. Influências ambientais da produção de

alimentos 3. Perspectivas para a produção de alimentos. I. Figueiredo, Paulo Jorge Moraes. II. Universidade Metodista de Piracicaba, Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Área de Concentração em Gestão Ambiental e Energética. III. Título.

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PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE

COMPARATIVA DE CENÁRIOS NA PERSPECTIVA DA

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Ivan Ferdinando Gergoletti

Tese de Doutorado defendida e aprovada em 25 de fevereiro de

2008, pela Banca Examinadora constituída pelos Professores:

Prof. Dr. Paulo Jorge Moraes Figueiredo - UNIMEP

Presidente e Orientador

Prof. Dr. Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela - UNIMEP

Prof. Dr. Lorival Fante Junior - UNIMEP

Prof. Dr. Antonio Natal Gonçalves - ESALQ/USP

Prof. Dr. Júlio Cezar Martins de Oliveira - EEP

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V

“O maior obstáculo à descoberta não é a

ignorância, mas, sim, a ilusão do

conhecimento.”

Boorstin

“Avanços no conhecimento podem levar a

significantes incertezas. ... a ignorância é feliz

porque é acompanhada por uma falta de

incertezas.”

Pielke

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VI

A

Meus pais, José (in memoriam) e

Maria (in memoriam)

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VII

AGRADECIMENTOS

Ao orientador e amigo, Paulo Jorge Moraes Figueiredo, semeador de idéias e

cultivador de sonhos;

À CAPES pela bolsa de doutorado;

Às funcionárias da biblioteca do Campus de Santa Bárbara, especialmente à

Suzete;

Às secretárias do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção,

em especial, à Clarissa;

Aos colegas, mestrandos, doutorandos e professores da UNIMEP pela

amizade e incentivo.

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GERGOLETTI, Ivan Ferdinando. Produção de Alimentos: Uma Análise

Comparativa de Cenários na Perspectiva da Sustentabilidade Ambiental.

Tese de Doutorado em Engenharia de Produção - Faculdade de Engenharia,

Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP),

Santa Bárbara d’Oeste - SP, 2008.

RESUMO

O presente trabalho analisa de forma comparativa os cenários da produção

de alimentos propostos por organizações internacionais como a Food and

Agricultural Organization – FAO e de pesquisadores de referência no tema.

Destaca-se como motivação para este trabalho, o recorrente debate internacional

acerca do suprimento alimentar da população mundial, face às projeções oficiais,

que apontam sua estabilização entre 9 e 10 bilhões de indivíduos, a ser alcançada

em 2050. Promovido através da agricultura, da criação de animais, da pesca, da

captura e do extrativismo, o suprimento das demandas alimentares das sociedades

tem implicado em intensa utilização de recursos naturais e provocado amplas

transformações no ambiente. As mudanças antropogênicas sobre o planeta,

ocorridas principalmente nos últimos cem anos, têm comprometido

severamente o futuro da humanidade. Vale destacar que uma parcela significativa

da população mundial tem um suprimento alimentar inadequado ou insuficiente, o

que representa uma demanda reprimida. Trata-se, portanto, de uma pesquisa

exploratória que busca confrontar cenários empregando os fatores de produção

mais relevantes, como os ambientais e econômicos.

Palavras-chave: Produção de alimentos, Influências ambientais da produção

de alimentos, Perspectivas para a produção de alimentos.

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IX

ABSTRACT

This study aims to analyses the most relevant food production scenarios in

sense to compare their bases and perspectives. The proposals of international

organizations, like “Food and Agricultural Organization - FAO”, researches and

others studies, are here considered in sense to detect the environmental and

technological limits of the food supply, besides the perspectives in the long

term. The question about the food supply of world‘s human population has been

debated principally nowadays. The current Earth’s population exceeds 6,5

billions people, and is expected to reach a stabilized size between 9 to 10

billions in 2050, according to the projections of United Nations. The supply of

the different human life-stiles, has involved massive demand of natural

resources and caused significant environmental alterations. The food supply,

supported by agriculture, breeding, fisheries and food extractives activities, has

resulted in important environmental changes. It is important to consider that a

large parcel of the human population has an inadequate or insufficient food

supply.

Keywords: Food production, Environmental influences of food production,

Limits and perspectives of the food production.

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X

1. INTRODUÇÃO 1

1.1. Objetivos 4

1.2. Metodologia 5

1.3. Estrutura do Trabalho 9

2. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E

ESTUDOS DE RELEVÂNCIA HISTÓRICA 11

2.1. Uma Breve História do Homem e da Produção de Alimentos 11

2.2. A Produção Mundial de Alimentos 16

2.2.1. Evolução da Produção Agrícola Mundial 25

2.2.2. Produção Mundial de Cereais e de Carne 27

2.2.3. Recursos Pesqueiros: Produção e Consumo Mundiais

de Pescado 30

2.3. Sustentabilidade, Capacidade de Suporte, Resiliência e

Desenvolvimento Sustentável da Produção de Alimentos 36

2.4. Limites e Influências Ambientais da Produção de Alimentos e de

Outros Bens 41

2.4.1. Disponibilidade Mundial de Terra 41

2.4.2. Disponibilidade Mundial de Água 47

2.4.3. Evolução da Produção e do Consumo de Fertilizantes 50

2.5. Produção de Alimentos versus Produção de Biomassa para Fins

Energéticos 52

2.6. Estudos de Relevância Histórica 55

2.6.1. O “Clube de Roma” e os Limites do Crescimento 55

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XI

2.6.2. Evolução Agrária e Pressão Demográfica Segundo

Ester Boserup 61

3. ANÁLISE DE CENÁRIOS FUTUROS PARA A PRODUÇÃO DE

ALIMENTOS 77

3.1. Estudos Atuais de Cenários Referentes à Produção Mundial

de Alimentos e ao Suprimento das Populações 79

3.1.1. Análise dos Estudos de Gilland (2002) e de Johnson (1999) 80

3.1.2. Análise do Cenário de Wolf et al. (2003) e do Estudo

de Wirsenius (2003) 87

3.1.3. Análise do Cenário da FAO (2003) 103

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 138

ANEXO A: Uma Breve História do Início da Produção de Alimentos

ANEXO B: A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e

Proposições da Origem dos Humanos Modernos

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Curva de crescimento populacional em bilhões de habitantes.......21

Figura 2 - Variação per capita da produção agrícola mundial, entre os anos de

1999 a 2003.......................................................................................................25

Figura 3 - Demanda por cereais no mundo, nos países desenvolvidos e nos

países em desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para

2020, em milhões de toneladas.........................................................................27

Figura 4 - Demanda por carne no mundo, nos países desenvolvidos e nos

países em desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para

2020, em milhões de toneladas.........................................................................28

Figura 5 - Nível estimado de pesca sustentável em relação ás capturas entre

os anos de 1987 e 1989, nos principais mares do mundo ...............................30

Figura 6 - Produção mundial de pescado: captura e aqüicultura entre os anos

de 1950 e 2000..................................................................................................32

Figura 7 - Avaliação mundial dos estoques pesqueiros marítimos em

2004...................................................................................................................33

Figura 8 - Pegada ecológica global...................................................................35

Figura 9 - Evolução do consumo mundial de fertilizantes N-P-K, entre os anos

de 1960/61 e 1996/97, em milhões de toneladas de nutrientes (K2O, P2O5

e N)....................................................................................................................45

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Figura 10 - Processamento-padrão do modelo mundial, segundo o “Clube de

Roma” (Original)................................................................................................55

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XIV

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Área total, terra arável e terra com culturas permanentes no mundo,

por regiões continentais e por grupo de países.................................................39

Tabela 2 – Disponibilidade de terra per capita no mundo, por regiões

continentais e por grupo de países, nos anos de 1980, 1990 e em 2002........40

Tabela 3 - Dados mundiais absolutos e relativos da população e da produção

de cereais..........................................................................................................75

Tabela 4 - Estimativas de terra total, terra agricultável, terra arável e pastagens

no mundo, em bilhões de hectares....................................................................84

Tabela 5 – Necessidades mundiais de alimentos para três dietas, segundo o

tamanho da população nos anos de 1990, 1998, e nas três projeções de

crescimento, no ano de 2050, em bilhões de toneladas de matéria seca ao ano,

em equivalente grão..........................................................................................87

Tabela 6 – Projeções da produção mundial máxima de alimentos em bilhões de

toneladas de matéria seca, em equivalente grão, no sistema intensivo de

produção (SIP) e no sistema extensivo de produção (SEP), considerando a

área de terra agricultável potencial (pot.) e presente (pres.) no mundo............88

Tabela 7 – Proporções entre o potencial de produção futura de alimentos

baseada no sistema intensivo e extensivo de produção, na área atual e

potencial de terra agricultável, no mundo, em relação às necessidades

mundiais de alimentos, determinada para os três níveis de crescimento

populacional (baixo, médio e alto) e para as três dietas (vegetariana, moderada

e rica) em bilhões de toneladas de matéria seca, em equivalente

grão....................................................................................................................89

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Tabela 8 – Frações máximas e máxima área global de terra agricultável, em

bilhões de hectares, potencialmente disponível para produção de biomassa

para fins energéticos, assumindo os dois sistemas de produção de alimentos

(SIP e SEP), a área total de terra potencial e atual, e as diferentes

necessidades mundiais de alimentos, baseados nos três níveis de crescimento

populacional e nas três dietas...........................................................................90

Tabela 9 – Máxima produção de biomassa para fins energéticos, em bilhões de

toneladas de matéria seca ao ano, em equivalente grão, nos sistemas SIP e

SEP para a produção de alimentos, na quantidade mundial de terra atualmente

disponível (pres) e potencialmente disponível (pot), somadas às necessidades

alimentares, baseadas nos três níveis de crescimento população global, e nas

três diferentes dietas..........................................................................................91

Tabela 10 – Dados e projeções da evolução do crescimento populacional, de

1964/66 a 2030, e incremento médio anual, de 1995 a 2050............................95

Tabela 11 – Consumo per capita (kcal/habitante/dia) no mundo, por regiões e

grupo de países.................................................................................................96

Tabela 12 - Número populacional em relação ao nível de dieta calórica

(kcal/habitante/dia)............................................................................................97

Tabela 13 – Taxas de crescimento da demanda alimentar agregada, da

produção de alimentos no mundo e da população por regiões e por grupo

de países nos períodos de 1969-99 a 1997/99-2030, em percentual médio

anual................................................................................................................100

Tabela 14 – Dados e projeções da demanda mundial (em milhões de

toneladas), consumo per capita e crescimento percentual ao ano de cereais e

outros grãos, de 1964/66 a 2030.....................................................................101

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Tabela 15 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo

de países de carne: taxas de crescimento, de 1967/1969 a 2030, (milhões

de toneladas) e variação percentual média, no período de 1969/99 a

2015-2030........................................................................................................103

Tabela 16 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo

de países, de carne de aves: taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030

(milhões de toneladas) e variação percentual média, no período de 1969/99 a

2015-2030........................................................................................................104

Tabela 17 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupos

de países de carne suína: crescimento, de 1967/699 a 2030, em milhões

de toneladas, e variação percentual média, no período de 1969/99 a 2015-

2030.................................................................................................................105

Tabela 18 - Principais países produtores de carne e as respectivas produções

em 2002...........................................................................................................106

Tabela 19 – Principais países exportadores de carne em 2002......................106

Tabela 20 – Dados e projeções da produção de leite (equivalente em

leite integral) no mundo, por regiões e por grupo de países, de 1967/69 a

2030, em milhões de toneladas, e variação percentual média, de 1969-99 a

2015-30............................................................................................................107

Tabela 21 - Demanda mundial, regional e por grupos de países de óleos

vegetais e seus derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e

consumo no período de 1997/99.....................................................................108

Tabela 22 - Produção mundial, regional, e por grupos de países de óleos

vegetais e seus derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e

produção no período de 1997/99.....................................................................109

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Tabela 23 - Dados e projeções da terra arável no mundo: total de terra irrigada

em uso, de 1961/63 a 2030, em milhões de hectares, crescimento percentual

médio anual, de 1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à

terra potencialmente agricultável.....................................................................112

Tabela 24 - Dados e projeções da irrigação mundial: Total de terra irrigada em

uso, de 1961/63 a 2030, em milhões de hectares; crescimento percentual

médio anual, de 1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à

terra potencialmente agricultável.....................................................................113

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAAS Atlas of Population & Environment

a.C. Antes de Cristo

Bt Bilhões de toneladas métricas

ºC Graus Celcius

CAPC Crescimento Agrícola Per Capita

CBD Convention on Biological Diversity

CIMMYT Centro Internacional de Mejoramiento de Maíz y Trigo

EUA Estados Unidos da América

FAO Food and Agricultural Organization

FAOSTAT Food and Agricultural Organization Statistics Database

GEE Gases do Efeito Estufa

GMO Genetically Modified Organism

ha Hectare

IFA International Fertilizer Industry Association

IFPRI International Food Policy Research Institute

IPCC International Panel of Climate Change

K2O Compostos potássicos

kg Quilograma

km Quilometro

km2 Quilometro quadrado

km3 Quilometro cúbico

N-P-K Nitrogênio - Fósforo – Potássio

mtDNA DNA mitocondrial

Mton Milhões de toneladas métricas

Mha Milhões de hectares

OECD Organization for Economic Co-operation Development

OGM Organismos Geneticamente Modificados

ONU Organização das Nações Unidas

P2O5 Compostos fosforados

PBR Population Reference Bureau

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PIB Produto Interno Bruto

PMaD Países Mais Desenvolvidos

PMeD Países Menos Desenvolvidos

PMA Produção Máxima de Alimentos

RV Revolução Verde

SCBD Secretariat of the Convention on Biological Diversity

SEP Sistema Extensivo de Produção

SIP Sistema Intensivo de Produção

Tg Tera grama

ton Tonelada métrica

ton/ha Toneladas por hectare

UNEP United Nations Environmental Programme

USBC United Bureau of Census

WB World Bank

WFS World Food Summit

WRI World Research Institute

WWF World Wildlife Fund

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1. INTRODUÇÃO

Após a última metade do século XX, o crescimento da população mundial

foi explosivo e, a despeito dos endêmicos bolsões de fome estabelecidos em

países africanos, asiáticos e nas parcelas mais pobres da população mundial, a

produção de alimentos acompanhou o ritmo do crescimento populacional.

A “Revolução Verde” teve uma grande contribuição para o aumento da

produtividade das lavouras de grãos, como milho e arroz, nos países pobres e em

desenvolvimento, com altas taxas de crescimento populacional, principalmente na

Ásia e na América Latina. A Revolução Verde se caracterizou pelo grande aporte

de insumos agrícolas, como fertilizantes minerais, por unidade de área, pelo

desenvolvimento de variedades altamente produtivas e pelo uso intenso da

mecanização e irrigação. No entanto, esse pacote tecnológico não conseguiu

atingir todos os países e regiões do mundo. Muitos países da África,

principalmente na região subsaariana, têm sérias restrições no suprimento

alimentar.

Vale destacar que a produção mundial de alimentos é suficiente para o

adequado suprimento alimentar de toda a população. Contudo, aproximadamente

três bilhões de pessoas sofrem algum tipo de carência alimentar: desnutrição ou

fome.

A questão principal da desigualdade no acesso alimentar dessa parcela

significativa da população mundial está baseada em dois fatores: a)

distribuição/comercialização precária ou insuficiente de alimentos, uma vez que

os espaços produtivos e o desenvolvimento técnico-científico são diferenciados

nas diversas regiões do planeta; b) renda familiar e poder aquisitivo baixos. No

mundo contemporâneo, os produtos alimentícios são commodities, portanto, o

suprimento de alimentos segue as mesmas regras mercadológicas das demais

commodities, como petróleo, aço, álcool anidro, entre outras.

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A produção de alimentos1 se baseia em quatro atividades principais:

agricultura, criação de animais, extrativismo vegetal e extrativismo animal (como a

pesca de captura). Essas atividades têm provocado, notadamente nas últimas

décadas, grandes impactos ambientais que têm afetado a capacidade de

reprodução, tanto dos sistemas modificados pelo homem (exemplo: os

agroecossistemas), como dos sistemas naturais ainda preservados.

Para a produção de alimentos e outros bens, os agroecossistemas

(lavouras, pastagens, entre outros) requerem a modificação do sistema natural.

Esse impacto antropogênico resulta na transformação profunda dos

ecossistemas, como: remoção da cobertura vegetal, revolvimento do solo

(aração, gradeação, semeadura, plantio, cultivo), aplicação de fertilizantes,

aplicação de defensivos para combate de doenças e pragas, entre outros,

resultando em outros impactos, como contaminação do solo, do ar e das águas,

erosão, compactação e diminuição da permeabilidade do solo, e outros. Cada

etapa ou técnica aplicada na produção agrícola resulta em diferentes danos

ambientais, os quais, por reação, impactam a produção alimentar. Portanto, toda

a atividade antropogênica, entre elas, a agricultura e criação de animais, causa

danos ambientais que revertem contra a atividade produtiva, estabelecendo um

vínculo de causa e efeito. Como exemplo, a compactação subsuperficial do solo

promovido pelos procedimentos motorizados (tratores, caminhões, implementos)

no pré-plantio, semeadura e colheita, impede que a água e as raízes penetrem

profundamente no solo. Dessa maneira, a disponibilidade de água do solo diminui

e a erosão aumenta, afetando a produtividade agrícola. Os modos de produção

considerados naturais e menos impactantes podem promover danos ao ambiente.

Como exemplo, o uso de grandes doses de adubos orgânicos pode aumentar a

lixiviação de compostos nitrogenados, elevando a contaminação dos aqüíferos.

Obviamente, a maneira de se praticar a agricultura pode variar a intensidade dos

1 Aqui entendida como produção primária de alimentos. Em geral, após a produção primária, existem outras atividades voltadas ao beneficiamento, manufatura/transformação, expedição, conservação, comercialização, transporte/distribuição, que agregam valor ao produto primário.

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3

impactos. Assim, a agrossilvicultura, que conjuga a produção agrícola com

espécies florestais nativas (e exóticas), é uma maneira de diminuir os impactos da

agricultura e aumentar a sustentabilidade do meio e da própria produção, em

comparação com outros modos de agricultura altamente impactantes, como a

monocultura (agricultura comercial de grande escala). No entanto, a

agrossilvicultura, na mesma comparação, tem menores rendimentos por área e

per capita.

A agricultura e a pecuária têm como características fundamentais o

arroteamento de áreas naturais para a implantação de agroecossistemas.

Tomando como exemplo a Europa, percebe-se que quase a totalidade dos

hábitats naturais foi transformada pela ação humana. No caso brasileiro, o

agronegócio tem provocado a expansão das fronteiras agrícolas nas regiões

Centro-Oeste e Norte do país.

A atividade pesqueira tem avançado na captura de peixes pequenos e

imaturos; em muitos mares constata-se a “sobrepesca”2. No intuito de manter a

produtividade, barcos pesqueiros têm utilizado redes de malha fina e de arrasto, e

praticado a captura de peixes de águas profundas. A reprodutividade das

espécies de peixes mais valorizados tem sido comprometida pela alteração da

cadeia alimentar e pela destruição dos hábitats costeiros.

Pelo lado da demanda, as previsões da Organização das Nações Unidas

(ONU) apontam um expressivo crescimento populacional até meados desse

século, quando a população mundial deverá se estabilizar com um contingente

entre 9 e 10 bilhões de habitantes, o que deverá implicar em uma maior pressão

na demanda alimentar e, por conseqüência, nos recursos naturais renováveis e

2 A sobrepesca se caracteriza como uma captura intensa de animais, que não permite a reprodução das espécies na mesma taxa da captura praticada. Trata-se, portanto, de uma pesca predatória, que não garante uma população estável do pescado ou de outras espécies capturadas, resultando na perspectiva temporal de degradação do bioma e da própria atividade. Muitos mares do planeta têm vivenciado a redução gradativa do pescado e de outras espécies em função da sobrepesca.

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não renováveis utilizados na produção de alimentos, como os derivados do

petróleo, adubos fosfatados, irrigação, entre outros insumos.

Com relação à disponibilidade de novos espaços para a produção de

alimentos, nas últimas décadas tem-se observado a rápida redução per capita de

terra, tanto para a produção de alimentos, como para a produção de fibras e de

biomassa com fins energéticos. Trabalhos recentes têm apontado para a

superexploração da capacidade de suporte do planeta no atendimento das

demandas impostas pelas sociedades atuais e seus estilos de vida (WWF, 2007).

Diante disso, se agrava o debate em torno da necessidade de mudanças

profundas, visando preservar ecossistemas importantes para a estabilidade da

dinâmica natural e a capacidade de reprodução de sistemas utilizados para o

abastecimento humano.

1.1. Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é avaliar comparativamente os principais

cenários para a produção de alimentos, destacando os fatores populacionais,

ambientais e produtivos. Neste contexto destacam-se dois fatores, a saber:

1. Evolução e disponibilidade de recursos ambientais, como terra e água, para a

produção de alimentos e outros bens;

2. Evolução produtiva dos setores destinados à produção de alimentos;

Em síntese, esta pesquisa busca contribuir para a avaliação da capacidade

de suporte do planeta em prover as demandas de alimentos que se apresentam e

as demais demandas necessárias para a manutenção dos atuais estilos das

sociedades contemporâneas.

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1.2. Metodologia

Método científico é aquele utilizado na sondagem da realidade e

concretizado por um conjunto de procedimentos pelos quais os problemas e

hipóteses são cientificamente tratados (GALLIANO, 1986, p.32). Segundo Cervo

& Bervian (2002), método é, em geral, um dispositivo ou procedimento ordenado,

um conjunto de etapas que levam à realização da pesquisa científica. A técnica,

segundo os mesmos autores, é a aplicação do plano metodológico a ele

subordinada.

Segundo Santos (1999, cap. 2), as pesquisas científicas podem ser

caracterizadas, quanto aos seus objetivos, em: Exploratórias, Descritivas e

Explicativas; quanto aos procedimentos de coleta, podem ser denominadas

como: Experimento, Levantamento, Estudo de Caso, Pesquisa Bibliográfica,

Pesquisa Documental, Pesquisa-ação, Pesquisa Participante, Pesquisa ex-post-

facto, Pesquisa Quantitativa, Pesquisa Qualitativa, e, quanto às fontes de

informação, podem ser chamadas de: Pesquisa de Campo, Pesquisa de

Laboratório, Pesquisa Bibliográfica.

Segundo Gil (1991, p. 45), com a pesquisa exploratória, tem-se a intenção

de proporcionar maior familiaridade com o problema, visando torná-lo mais

explícito. Santos (1999, p. 26), afirma: “... busca-se essa familiaridade pela

prospecção de materiais que possam informar ao pesquisador a real importância

do problema, o estágio em que se encontram as informações já disponíveis a

respeito do assunto, e até mesmo revelar... novas fontes de informação. Por isso,

a pesquisa exploratória quase sempre é feita como levantamento bibliográfico...”.

Gil (1991, p. 48) estabelece que boa parte dos estudos exploratórios pode ser

definida como pesquisas bibliográficas, assim como aquelas que analisam

diversas posições sobre um problema.

Segundo Cervo & Bervian (2002, p. 65), qualquer tipo de pesquisa, em

qualquer área, necessita de uma pesquisa bibliográfica prévia, quer para o

levantamento e apreensão do estado da arte, quer para a fundamentação teórica

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ou, ainda, para justificar os limites e contribuições decorrentes da própria

pesquisa. Pelo procedimento geral que é utilizado, Cervo & Bervian (2002, p. 65)

classificam as pesquisas em, no mínimo, três tipos: Bibliográfica, Descritiva e

Experimental.

Segundo os mesmos autores, a pesquisa bibliográfica procura explicar um

problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos, buscando

conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre

determinado assunto ou problema (p. 65). Este tipo de pesquisa é meio de

(in)formação por excelência e constitui o procedimento básico pelo qual se busca

o domínio do estado da arte sobre determinado tema (CERVO & BERVIAN, 2002,

p. 66).

Na pesquisa científica, é imprescindível correlacionar o objeto pesquisado

com o universo teórico, optando-se por um modelo teórico que serve de

embasamento à interpretação do(s) significado(s) dos dados e fatos observados e

coletados (MARCONI & LAKATOS, 2000, p. 224).

Oliveira (2002, p. 123), resume: “A pesquisa teórica tem por objetivo

ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar sistemas e modelos

teóricos. Relacionar e enfeixar hipóteses numa visão mais unitária do universo e

gerar novas hipóteses por força de dedução lógica”. A pesquisa bibliográfica,

como procedimento de coleta, e a bibliografia, como fonte de informação, no caso

da pesquisa em questão, assumem a mesma conotação, que, segundo Oliveira

(2002, p. 119), tem a finalidade de explicitar as diferentes formas de contribuição

científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno.

É oportuno relacionar algumas considerações importantes acerca da

metodologia adotada. Este trabalho de pesquisa pode ser classificado como

teórico, bibliográfico e exploratório, compreendendo a análise e a síntese dos

objetos em estudo.

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Quanto ao tipo, a pesquisa em questão também pode ser denominada

como explicativa. Segundo Gil (1991, p. 45), na pesquisa explicativa, tem-se a

intenção de identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a

ocorrência de fenômenos, sendo o tipo de pesquisa que mais aprofunda o

conhecimento da realidade porque explica a razão e o porquê das coisas. As

afirmações científicas mais importantes originam-se neste tipo de pesquisa, que

buscam aprofundar o conhecimento da realidade além das aparências dos

fenômenos (SANTOS, 1999, p. 27). As pesquisas exploratórias e descritivas

constituem-se, quase sempre, em uma etapa prévia para que se possam obter

explicações científicas (GIL, 1991, p. 47). Neste sentido, a crítica aos cenários

escolhidos para a produção de alimentos, a partir de fatores de relevância, objeto

central deste trabalho, se insere precisamente nesse argumento.

Em parte, este trabalho pode também ser caracterizado como descritivo,

pois tem como objetivo a descrição das características de determinado fenômeno

com o estabelecimento de relações entre variáveis (GIL, 1991, p. 46). O mesmo

autor comenta que algumas pesquisas descritivas ultrapassam a simples

identificação da existência de relações entre variáveis, pretendendo verificar a

natureza dessas relações, aproximando, dessa maneira, da pesquisa explicativa.

Outras pesquisas definidas como descritivas proporcionam uma nova visão do

problema exposto, o que as aproxima das pesquisas exploratórias (GIL, 1991).

O presente trabalho consiste em uma pesquisa exploratória que busca analisar

e interpretar um tema atual, qual seja: as perspectivas para a produção mundial de

alimentos, num período de tempo de algumas décadas, até que a população mundial

atinja sua estabilidade projetada pelas Nações Unidas.

A partir de uma ampla pesquisa bibliográfica e documental, são levantadas

informações qualitativas e quantitativas, que servem de suporte às conclusões e

considerações do trabalho. Neste sentido, segundo a definição de Marconi e Lakatos

(2002), esta pesquisa apresenta elementos de um estudo qualitativo-descritivo e

exploratório, a partir do qual podem ser criticados os cenários de referência sobre

o tema, e as premissas que sustentam estas projeções.

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O critério para a escolha dos cenários se baseou na relevância das instituições

responsáveis pelas análises e projeções, e na seleção de trabalhos científicos e de

pesquisadores de amplo reconhecimento adotados como referências em estudos

envolvendo a produção de alimentos. Neste sentido, pela relevância institucional, foi

tomada a análise de cenários mais recentes da Food and Agricultural Organization -

FAO de 2003. Com relação aos demais estudos foram selecionadas as avaliações e

cenários de Gilland (2002) e de Johnson (1999), e de Wolf et al. (2003) e de Wirsenius

(2003).

O tema em questão abrange distintas áreas do conhecimento científico,

entretanto, para o presente escopo, o objeto de trabalho foi focado nos limites

espaciais (disponibilidade de áreas), de recursos ambientais (como água),

tecnológicos (evolução das produtividades e necessidade de insumos para sua

sustentação), além das implicações ambientais associadas às diversas formas de

produção de alimentos, a começar pelo arroteamento de sistemas naturais.

Face à abrangência da pesquisa, optou-se pela realização da abordagem

das questões pertinentes ao tema de forma integrada, investigando e analisando

criticamente: dados, conceitos, argumentos e opiniões de autores e

pesquisadores.

A estruturação do trabalho foi concebida no sentido de, num primeiro

momento, analisar a evolução histórica mais recente da produção de alimento no

mundo, das técnicas e das implicações decorrentes das modalidades produtivas

adotadas, chegando ao cenário atual. Num segundo momento, foram analisados

os cenários futuros, envolvendo crescimento demográfico e evolução das

demandas alimentares.

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1.3. Estrutura do Trabalho

No sentido de atingir os objetivos previstos na pesquisa, optou-se por uma

estrutura de texto delimitada em seis capítulos, conforme se segue:

Capítulo 1. Introdução

Neste capítulo são apresentados: a introdução, na qual se destaca a

justificativa da presente pesquisa, os objetivos e a metodologia adotada.

Capítulo 2. Uma Breve História da Produção de Alimentos e do

Suprimento da Demanda Alimentar

Neste capítulo são considerados a evolução da produção de alimentos e o

desenvolvimento das técnicas de produção na história da humanidade. Trata, também,

da evolução demográfica, dos impactos da produção de alimentos ao meio ambiente,

e da produção e uso dos recursos naturais.

Capítulo 3. A Produção de Alimentos no Mundo Contemporâneo:

Requisitos e Influências

Este capítulo contempla a produção de alimentos, passando pela “Revolução

Verde”, a evolução na produção mundial das principais commodities, como os cereais,

a produção e uso de fertilizantes no mundo, a produção e o consumo mundial de

pescado, as limitações dos recursos naturais e as influências ambientais associadas à

produção de alimentos.

Capítulo 4. Cenários Futuros Para a Produção de Alimentos

Neste capítulo são apresentados e analisados os principais cenários propostos

por organizações e pesquisadores, considerando os principais fatores limitantes da

produção de alimentos e de outros bens.

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Capítulo 5. Considerações Finais

Neste capítulo são sintetizadas as considerações de maior relevância,

destacadas no capítulo anterior.

Capítulo 6. Referências Bibliográficas

Anexo A: Uma Breve História do Início da Produção de Alimentos

Anexo B: A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e

Proposições da Origem dos Humanos Modernos

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1

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2. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

E ESTUDOS DE RELEVÂNCIA HISTÓRICA

2.1. Uma Breve História do Homem e da Produção de alimentos

Segundo Bar-Yosef & Belfer-Cohen (1989), a revolução ocorrida no final

do paleolítico resultou em uma única espécie humana - Homo sapiens

sapiens4. A história da humanidade, especialmente o que se costuma

denominar de pré-história, é um período intrigante, que desperta discussões

entre os pesquisadores de diversas áreas, como arqueólogos, paleontólogos,

geneticistas, historiadores, entre outros. As tentativas de reconstrução científica

de nossa evolução decorrem do anseio de conhecer nossas origens e qual o

papel ou a vocação de nossa sociedade, de nossa civilização, em relação aos

ecossistemas do planeta.

A história evolucionária do homem é formada por muitos capítulos,

alguns desconhecidos e outros incompletos. Um dos últimos capítulos trata do

surgimento e da evolução biológica dos humanos modernos, da sua evolução

demográfica, dispersão, colonização e dominação dos ecossistemas.

A domesticação de plantas e animais tem sido apresentada como uma

das mais importantes transformações dos últimos 13.000 anos na história da

evolução humana, sendo pré-requisito para a ascensão, o desenvolvimento da

civilização e a transformação da demografia global (DIAMOND, 2002).

A transformação da demografia global foi uma conseqüência da

dominação sobre outras espécies e da capacidade de adaptação do homem

aos diferentes hábitats terrestres.

4 Para alguns autores, a espécie humana atual é mais evoluída que há 10 mil anos, por isso usam, na classificação taxonômica, o nome científico: H. sapiens sapiens - “Humano mais que inteligente”

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De certa forma, pode-se considerar que a grande capacidade de

transformação e de adaptação ambiental em benefício das necessidades

humanas é recente, se comparada à historia evolutiva da humanidade, tendo

como uma de suas conseqüências, o crescimento populacional. Segundo Wall

& Przerworski (2000), o tamanho da população humana evoluiu com o passar

do tempo a partir de poucos indivíduos, que culminou com a explosão

demográfica de nossa era.

Bellwood (2001), afirma que as conseqüências do recente

desenvolvimento da agricultura em várias regiões do mundo e em diferentes

épocas, freqüentemente independentes entre si, incluíram o crescimento das

populações e das economias ligadas à produção de alimentos, além da

expansão das diferentes linguagens. Em muitos casos, a expansão territorial

das populações agrícolas ocorreu em áreas ocupadas por sociedades

extrativistas (coletores-caçadores).

Weale et al. (2001), sugerem que o início do crescimento populacional

ocorreu no Neolítico, aproximadamente há 4,8 mil anos. Weiss (1984), citado

por Hawks (2000), estima que os povos que habitaram o mundo na época do

paleolítico viveram em pequenos grupos com baixas densidades populacionais

(da ordem de 0.28 habitantes/km2) e baixas taxas de crescimento; a população

estimada entre 1 milhão e 500 mil anos atrás era de, aproximadamente, meio

milhão de indivíduos, chegando a 1,3 milhões no paleolítico médio e, 6 milhões

no início do Holoceno.

Ammerman & Cavalli-Sforza (1984) propuseram em suas pesquisas o

modelo “Wave of Advance”, segundo o qual os povos que praticavam a

agricultura no neolítico teriam colonizado a Europa, ampliando os limites

geográficos de ocupação territorial na procura de novas terras agricultáveis. O

aumento da produtividade de alimentos, promovido pela agricultura, resultou no

crescimento populacional, de maneira que, à medida que a população crescia,

novos agricultores ocupavam gradualmente novos territórios habitados ou não

por povos coletores-caçadores. Nessas “ondas de dispersão” ou “difusão

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endêmica”, os colonizadores com economia baseada na agricultura difundiram

seus genes e suas culturas, incluindo as famílias lingüísticas (AMMERMAN &

CAVALLI-SFORZA, 1984; BELLWOOD, 2001).

Independentemente das teorias e suas variações, que postulam sobre a

origem e dispersão dos humanos modernos, por volta de 15 mil anos atrás o

Velho Mundo já era totalmente habitado, e somente as ilhas do Pacífico e as

Américas permaneciam inabitadas. Alguns estudos paleoantropológicos

sustentam que migrações humanas para o Novo Mundo tenham ocorrido, pelo

menos, há 40 mil anos5. Fagan (1998) considerou essas teorias de ambiciosas

e pouco substanciadas.

Bellwood (2001) sumariza em seu trabalho as velocidades de expansão

das economias agropastoris, dos principais centros de origens para outras

regiões:

• Crescente Fértil às ilhas britânicas, ao longo de 3.000 anos (7.000 - 4.000

a. C.), além de 3.600 km;

• Bacia do Yangzi às ilhas do Sudoeste asiático, ao longo de 4.000 anos

(6.500 a 2.500 a. C.), além de 5.000 km;

• Mesoamérica Central ao Sudoeste americano, ao longo de 2.000 anos

(3.000 a 1.000 a. C.), além de 2.500 km;

• Paquistão à península indiana, ao longo de 4.000 anos (7000 a 3000 a.C.),

além de 2000 Km.

5 Escavações lideradas por Niéde Guidon, no sítio arqueológico de Pedra Furada, no município de Raimundo Nonato, Piauí, revelam que a região foi ocupada, pelo menos, há 40 mil anos, bem antes da data mais aceita pela maioria da comunidade científica: final da última era glacial (12 mil anos atrás). O fóssil encontrado em Minas Gerais, chamado de Luzia, mostra características peculiares às raças africanas, bem mais que os traços asiáticos dos povos pré- colombianos.

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Há uma relação íntima entre o início do crescimento populacional e o

advento da agricultura. Ou seja, com o passar do tempo, a domesticação de

plantas e animais proporcionou uma maior disponibilidade de alimentos,

propiciando o aumento da população, o desenvolvimento das cidades e da

sociedade, de maneira geral. É estimado que na época de Jesus Cristo, a

população humana era da ordem de 300 milhões de indivíduos, evoluindo para

1 bilhão, no início da “Revolução Industrial”, no século XVIII. Em 1963, a

população era estimada em 3 bilhões de habitantes e, a partir de então, tem

sido adicionado um contingente de aproximadamente 1 bilhão de pessoas a

cada 13 ou 14 anos, chegando à marca histórica de 6 bilhões de habitantes em

1999 (AAAS, 2000).

Conforme Nebel & Wright (1993), a população atingiu um grande

crescimento a partir do século XVII, graças a alterações significativas nas taxas

de mortalidade infantil, alavancadas por melhorias no saneamento básico, na

agricultura, na indústria e na medicina. Mais recentemente, novos avanços na

medicina, como as vacinas e a descoberta dos antibióticos, resultaram no

controle de doenças, elevando a expectativa de vida humana. Quanto maior a

diferença entre os índices de natalidade e os de mortalidade, maior é o

crescimento populacional, sendo que as taxas demográficas variam em função

de épocas, regiões, povos, além de fatores sócio-econômicos, como

escolaridade, desenvolvimento econômico e social.

Segundo a FAO (2004a), a taxa anual de crescimento da população

mundial em 2004, estava em torno de 1,22 %. No entanto, este índice não

reflete as diferenças entre os países industrializados e os países pobres ou em

desenvolvimento. No primeiro grupo, a taxa anual média de crescimento

populacional era da ordem de 0,25 %, enquanto que no segundo grupo era de

1,46 %, ou seja, cerca de seis vezes mais acentuada.

De acordo com previsões em um cenário de médio crescimento, a

população mundial evoluiria dos 6,3 bilhões, em 2003, para cerca de 8,9

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bilhões de habitantes, até 2050, dos quais 7,7 bilhões estariam nos países

pobres (COHEN, 2003).

Há mais de dois séculos, Malthus (1789) teorizava que a população

humana cresceria geometricamente, enquanto que a produção de alimentos

cresceria em taxas aritméticas. Dessa maneira, quando os níveis de produção

de alimentos fossem menores que as taxas de crescimento populacional, o

tamanho da população excederia a capacidade do meio para produção de

alimentos, causando fome, pestilência e, conseqüentemente, o declínio da

população (CHU & TAI, 2001).

Thomas Malthus estava certo sobre o crescimento da população

humana, mas subestimou o potencial do crescimento da produção de alimentos

(NEBEL & WRIGHT, 1993). Na época de Malthus, a população mundial era

estimada em pouco mais de 800 milhões de pessoas, com uma taxa média de

crescimento mundial de 0,38% (GOLDEWIJK, 2005, pág. 347, this study). A

população atual de 6,6 bilhões de indivíduos (PBR, 2008), provavelmente era

impensável por Malthus e seus contemporâneos.

A população mundial vivenciou um crescimento expressivo a partir da

Revolução Industrial, no século XIX, alavancada pelo desenvolvimento

científico e tecnológico, atingido as maiores taxas de crescimento no século

XX.

Em um mundo limitado e com recursos finitos, a espécie humana,

diferentemente de outras espécies, apresentou um crescimento complexo, de

maneira que novas tecnologias e formas de organização social influenciaram

no modo e na intensidade do consumo dos recursos naturais (MEYER &

AUSUBEL, 1999, citado por HOPFENBERG, 2003).

Segundo Nentwig (1999), a espécie humana é meramente uma espécie

entre milhões, mas tem, particularmente, um impacto dominante sobre a

natureza. Tem-se afirmado que os limites da sustentabilidade já teriam sido

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alcançados com uma população de 6 bilhões de pessoas, em 1999, sendo 20%

desse contingente (1,2 bilhões de indivíduos) composto por famintos,

acrescentando-se os recursos naturais superexplorados e a biodiversidade

ameaçada (NENTWIG, 1999).

2.2. A Produção Mundial de Alimentos

Conforme o Secretariat of Convention on Biological Diversity - SCBD

(2006), aproximadamente, 7 mil espécies vegetais têm sido cultivadas e

coletadas para o suprimento alimentar da humanidade desde o surgimento da

agricultura, há 12 mil anos. Atualmente, somente 15 espécies vegetais e 8

espécies animais suprem 90% da produção mundial de alimentos, sendo que

1/3 da área terrestre no mundo é usada para essa produção, fazendo com que

a agricultura seja a principal causa do arroteamento dos habitats naturais.

Conforme citação de Buyanovsky e Wagner, (1998, 244), as áreas cultivadas

(1,5 bilhões de hectares) e as pastagens (3 bilhões de hectares) compreendem

30 % da superfície terrestre. (p. 244). A agricultura global se encontra 38 % nas

regiões tropicais e 23 % nas regiões subtropicais. (SCBD, 2006).

A diversidade dos recursos animais e vegetais sustenta as necessidades

alimentares, provendo os componentes básicos da nutrição, como energia,

proteínas, lipídios, minerais e vitaminas (SCBD, 2006b). Segundo a mesma

fonte, as espécies de origem animal e vegetal que compõem a dieta humana

incluem: 1) Vegetais folhosos, frutas, raízes, tubérculos e nozes; 2) Peixes,

moluscos, crustáceos e insetos; 3) Animais domesticados e de caça.

Segundo Tolba et al. (1992, p. 282), o sistema de produção agrícola

atual consiste em três componentes que interagem: recursos naturais,

tecnologia e meio ambiente. A agricultura pode ser analisada como um

conjunto complexo de tecnologias, pelo qual se tem acesso aos recursos

naturais para a produção de alimentos. De um modo amplo, a agricultura é

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uma tecnologia e também um processo político-ecológico que funciona como

elo entre a humanidade e os recursos naturais, produzindo biomassa que

periodicamente é colhida e consumida (PERKINS, 1997, p. 4 e 5).

Braun & Brown (2003, p. 975) definem sistemas de produção de

alimentos ou agroecossistemas, como conjuntos de atividades que geram

produtos alimentares para o consumo humano e que dependem de fatores que

se interrelacionam, como: terra, trabalho, capital, tecnologia e instituições de

mercado e não mercantis que regulam sua distribuição.

A produção contemporânea de alimentos no mundo foi caracterizada

pela Revolução Verde (RV), empreendida entre 1950 e 19906. Esta revolução

foi um marco histórico na produção de alimentos e da própria humanidade, e

envolveu nações pobres ou em desenvolvimento com níveis elevados de

crescimento populacional e deficiências na produção de alimentos

Parayil (2002, p.974), afirma que os objetivos da Revolução Verde

começaram a serem traçadas no ano de 1950 quando Norman Borlaug

desenvolveu linhagens de trigo anão no Centro Internacional de Mejoramiento

de Maíz e Trigo (CIMMYT), no México. As variedades de grãos utilizadas na

Revolução Verde são provenientes das variedades altamente produtivas de

milho híbrido cultivadas nos EUA nos anos 1930 e 1940, e aos esforços da

Fundação Rockefeller em patrocinar o desenvolvimento de cultivares de milho

e trigo de altas produtividades, no México (KLOPPENBURG, 1998, citado por

PARAYIL, 2003). Além disso, as pesquisas agronômicas que se

desenvolveram no período pós-colonial em muitos países do “Terceiro Mundo”,

colaboraram para a criação dos paradigmas da Revolução Verde.

6 Atualmente, as técnicas da RV são usadas na maioria da produção mundial de alimentos e de outros bens, principalmente, nos sistemas intensivos de produção comercial. Contudo, no contexto histórico, a RV terminou em 1990, aproximadamente, e expressou uma onda de transformação tecnológica dos sistemas antigos de produção de subsistência, mesmo considerando que estes sistemas ainda persistam. Substanciando, pode-se afirmar que as motivações da RV não subsistem atualmente, mas suas técnicas ainda fazem parte do cotidiano e farão, no futuro.

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Grande parte destas pesquisas se desenvolveu nas colônias,

estabelecidas pelos governos imperialistas com o objetivo de criar e fortalecer

a produção agrícola comercial de exportação, tais como: algodão, seringueira,

chá, café e especiarias (HALL et al. 2000, citado por PARAYIL, 2003, p. 274-

5).

A Revolução Verde se caracterizou pela transformação do antigo

sistema agrícola, este fundamentado no baixo aporte de insumos agrícolas e

uso técnicas rudimentares de manejo, resultando em baixos rendimentos das

safras7. Os paradigmas da RV baseiam-se no uso intenso de insumos,

máquinas e de tecnologia inovadoras, como: aplicação de grandes quantidades

de fertilizantes minerais ou químicos, pesticidas, mecanização, técnicas de

irrigação com uso de bombas elétricas ou bombas de combustão interna,

técnicas apropriadas de manejo paras as espécies cultivadas, especialmente

grãos, como milho, arroz, trigo geneticamente melhorados - altos potenciais de

produtividade e adaptados às condições edafoclimáticas dessas regiões.

A Revolução Verde possibilitou que muitos dos países mais populosos

do mundo, como a Índia, deixassem de importar grãos e alcançassem a

estabilidade entre oferta e demanda, e, em alguns casos, tornassem

exportadores.

ROSEGRANT; PAISNER & MEIJER (2003, p. 664) enfatizam que os

paradigmas da Revolução Verde8 possibilitaram um notável sucesso na

segurança alimentar da Ásia, de modo que os dois mais populosos países do

continente, China e Índia, não ficassem submetidos à dependência crescente

7 Este sistema persiste em muitos países e regiões do mundo, como na África subsaariana. 8 Byerlee (1998), citado por Rosegrant, Paisner & Meijer (2003, 664) diagnostica dois paradigmas da Revolução Verde: o primeiro paradigma enfatiza a aplicação intensa de insumos, principalmente de fertilizantes minerais e de pesticidas em combinação com cultivares de grãos de alto rendimento; já o segundo paradigma se refere ao “pacote tecnológico”, no qual se inserem insumos específicos à determinada espécie de grãos geneticamente melhorada - cultivar, variedade, híbrido; este pacote teve o propósito de ser disseminado em grandes áreas geográficas.

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de importações de alimentos, seja pelo aumento da demanda alimentar ou pela

falta/redução ocasional na produção agrícola decorrentes, principalmente, de

condições climáticas adversas, como secas e inundações.

As variedades produtoras de grãos de alta produtividade cultivadas,

atualmente, em todo o mundo, são a base da produção de alimentos na

América Latina, China, Oriente Médio, Sul da Ásia e nas nações

industrializadas; contudo a RV trouxe poucos benefícios para a maioria dos

países pobres ou para as regiões dos países em desenvolvimento onde o

sistema de produção de alimentos é, fundamentalmente, de subsistência

(NEBEL & WRIGHT, 1993, 171-2). Os autores descrevem os principais motivos

pelo qual o sistema de produção agrícola, fundamentado nos paradigmas da

RV, não pôde solucionar todos os problemas relacionados com produção de

alimentos versus crescimento populacional:

• A maioria dos países populosos alcançou o potencial máximo (ou

quase) de produtividade das variedades geneticamente melhoradas;

• O sistema agrícola intensivo de produção requer grande aporte de

insumos, principalmente de irrigação, para que as culturas alcancem

o potencial de produtividade máximo. Estes insumos não são

facilmente disponíveis nos países ou regiões pobres do mundo;

• A Revolução Verde, por se basear no sistema intensivo de produção,

tendeu a beneficiar grandes propriedades e empreendimentos mais

capitalizados, fazendo com que os pequenos proprietários,

geralmente com poucos recursos financeiros e/ou com financiamento

insuficiente ou inexistente, migrassem para as cidades, aumentando

os problemas urbanos, como desemprego e habitação.

• Na África, as espécies que fazem parte da cultura alimentar, como

sorgo, milheto e inhame, não são utilizadas nos países

desenvolvidos, por isso não se beneficiaram do melhoramento

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genético empreendido nas principais espécies do pacote tecnológico

da RV: milho, trigo e arroz - as mais usadas na alimentação no

mundo, principalmente nos países mais populosos.

Apesar da importância da RV, ela não foi concebida para resolver os

problemas resultantes da fragilidade na segurança alimentar dos países

pobres. As nações ricas desenvolveram tecnologias de produção agrícola

apropriadas aos países tropicais, com o propósito de assegurar o fornecimento

de matérias-primas para o mercado globalizado em expansão, após a Segunda

Guerra Mundial.

Desde o advento da agricultura há 10 mil anos9, denominado por Childe

de “Revolução Neolítica”10, a sociedade humana com suas variadas formas de

produção de alimentos somente veio a conhecer uma outra “revolução”, a partir

do século XIX, e mais intensamente, depois da Segunda Guerra Mundial e nas

primeiras décadas que se seguiram.

“... em menos de um século, a Revolução Agrícola

Contemporânea multiplicou várias dezenas de vezes a produtividade da

agricultura dos países industrializados e de alguns setores limitados da

agricultura dos países em vias de desenvolvimento, de maneira que, a

razão da produtividade entre a agricultura manual menos produtiva do

mundo e a agricultura motorizada mais produtiva é, hoje, da ordem de 1

para 500” (ROUDART & MAZOYER, 1998).

Segundo os mesmos autores, de uma forma geral, pode-se afirmar que,

do surgimento da agricultura ao final do século XIX, a evolução da agricultura

no mundo se constituiu numa diferenciação orientada pelas culturas das

diversas sociedades humanas e pelas diferentes regiões do mundo, que

9 Esta idade varia muito, conforme os autores, de 8.500 a 12.000 anos. A data de 9.000 tem sido mais aceita pela comunidade científica. 10 Alguns autores discordam do termo “revolução”. Apregoam que a agricultura, onde quer que ela tenha surgido, tenha sido mais um “processo”, que uma mudança drástica de uma economia baseada na caça e coleta para uma economia calcada na agricultura.

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condicionaram as variadas formas de se praticar a agricultura, as diferentes

espécies utilizadas e seus rendimentos em termos de calorias ou proteínas

produzidas por unidade de área cultivada. Neste período, as produtividades

desses cultivos eram baixíssimas, comparadas aos rendimentos da agricultura

de exportação atualmente praticada. Muito embora aqueles rendimentos

fossem maiores que a produtividade do início da agricultura, eles podiam ser

medidos em equivalente-semente. Há cem anos, a variação de rendimento das

agriculturas menos produtivas em relação àquelas mais produtivas era de 1

para 10 (ROUDART & MAZOYER, 1998, p.434).

Apesar dos baixos rendimentos das agriculturas praticadas antes da

“Revolução Agrícola Contemporânea”11, suas especializações e seus

rendimentos contribuíram, decisivamente, na evolução dos povos, já que a

produção, o consumo e o comércio de gêneros alimentícios eram fundamentais

na economia da humanidade desde as primeiras civilizações. Povos do

passado prosperaram e formaram impérios tendo como uma de suas bases o

suprimento adequado de alimentos. Um exemplo típico foi a antiga civilização

egípcia que se desenvolveu e se sustentou em decorrência da agricultura (e

das suas técnicas, como irrigação) praticada às margens férteis do rio Nilo.

Segundo Rosegrant & Cline (2003, p. 1917), a agricultura tem sido uma

preocupação por gerações no sentido de sustentar o crescimento das

populações humanas. Desde o começo da história da humanidade até o início

do século XIX a população mundial cresceu muito vagarosamente (NEBEL &

WRIGHT, 1993, p.123). As taxas mundiais de crescimento populacional, de

1700 a 1900, foram, em média, de 0,5 % anuais.

11 “Revolução Agrícola Contemporânea” define, no contexto do presente estudo, as mudanças que ocorreram a partir do início do século XIX, junto com a “Revolução Industrial”, na Europa, e o desenvolvimento tecnológico da agricultura, que se seguiu até a atualidade, incluindo, desta maneira, a RV, após a Segunda Guerra Mundial, e das mais inovadoras técnicas aplicadas no melhoramento de microrganismos, animais e vegetais, rotulados de “organismos geneticamente modificados”, ou GMO’s, introduzidos comercialmente na década de 90.

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Porém, a partir do século XX, a população mundial começou a crescer

expressivamente, sendo que nos primeiros 50 anos, o crescimento foi, em

média, de 0,91 % ao ano, e de 1,67 % ao ano, na segunda metade do século

(GOLDEWIJK, 2005 - tabela p. 352). O mesmo autor, em seu estudo do

crescimento da população global, considera que, na maioria do continente

europeu, no período entre o final do século XVII e o século XVIII, houve uma

grande queda na mortalidade seguida por uma elevação nas taxas de

nascimento, resultando em um crescimento natural elevado da população.

Além disso, o desenvolvimento da agricultura e a industrialização

impulsionaram a migração dentro da Europa, o que resultou no aumento da

urbanização e na emigração para o Novo Mundo (GOLDEWIJK, 2005, p. 344).

Nebel & Wright (1993, p.123) citam que a mudança na taxa de

crescimento da população mundial durante o século XIX foi alavancada por

maiores avanços na agricultura, na indústria, no conhecimento da medicina e

nas condições sanitárias. Ou seja, o advento das vacinas, melhoras no

saneamento básico e, mais recentemente, o desenvolvimento de antibióticos

proporcionaram amplamente o aumento da taxa de sobrevivência infantil, que,

aliado aos altos índices de natalidade, mudaram as taxas de crescimento da

população de uma relativa estabilidade para um crescimento explosivo.

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Figura 1: Curva de crescimento populacional em bilhões de habitantes

Fonte: Nebel & Wright (1993)

A Figura 1 apresenta, em síntese, a evolução demográfica da

humanidade desde seus primórdios até os anos recentes, e as perspectivas de

crescimento, no médio e longo prazo.

Estima-se que na época de Cristo a população humana era composta

por 1 milhão de indivíduos. Em 1700, contava com 626 milhões, passando a 1

bilhão alguns anos após 180012 e 2 bilhões já antes de 1900. A partir de 1950,

a demografia começou a apresentar um crescimento exponencial. Contava

nesta data com, mais ou menos, 2,66 bilhões, passando para 3,185 bilhões em

1960, 3,762 bilhões em 1970, 4,484 bilhões em 1980, 5,278 bilhões em 1990,

chegando a 6 bilhões, antes do final do segundo milênio (GODEWIJK, 2005,

p.345, dos dados referentes ao “this study”).

Os autores Nebel & Wright (1993, p.123) descrevem as estimativas do

crescimento populacional em números históricos: por volta de 1830 a

população no mundo contava com 1 bilhão de pessoas, dobrando para 2

bilhões após 100 anos, em 1930, sendo que, 30 anos após, chegou à 3

12 NEBEL & WRIGHT, (1993) estimam a data de 1830, aproximadamente, para a população mundial ter alcançado o número histórico de 1 bilhão de pessoas.

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bilhões, e decorridos 15 anos, em 1975, 4 bilhões - a população dobrara em

apenas 45 anos - e 12 anos mais tarde, em 1987, foi alcançado um contingente

de 5 bilhões de habitantes.

Antes do final do século XX, em 1999, a população atingiu o número

histórico e expressivo de 6 bilhões de pessoas e, até meados de 2007, a cifra

era de 6,625 bilhões13, conforme estimativas do Population Reference Bureau

(PRB, 2008). Segundo a mesma fonte, em todo mundo nascem a cada minuto

11 indivíduos, ou mais de 15 mil, a cada hora. Previsões do PRB (2008),

apontam um número global de 8 bilhões de indivíduos em 2025, e de 9,3

bilhões em 2050, sendo que 99% deste crescimento ocorrerá nos países em

desenvolvimento.

O efeito exponencial do crescimento populacional após a 2a Grande

Guerra14 foi condicionado por uma conjuntura histórica que perdurou até o

início dos anos 70, especificamente, até a primeira crise do petróleo, em 1974.

Naquele cenário, o mundo conheceu, principalmente nos países desenvolvidos,

um crescimento forte e sustentado, no qual os Estados Unidos da América

(EUA), os países da Europa Ocidental e o Japão tivessem a recuperação e o

crescimento de suas economias alavancados pelo desenvolvimento das

técnicas de produção e do financiamento facilitado (Plano Marshall15)

(MAZOYER & ROUDART, 1998, p.469)16.

Nos últimos 30-40 anos, os avanços científicos na agricultura resultaram

em aumentos jamais vistos na produção de alimentos, principalmente daqueles

13 Deste total, 1,22 bilhões (taxa de crescimento de 0,1% ao ano) são referentes aos países mais desenvolvidos e 5,4 bilhões (taxa de crescimento de 1,5% anual) aos países menos desenvolvidos 14 O período que se seguiu após a 2a Guerra Mundial ficou conhecido como “Baby Boom” devido aos altos índices de nascimentos, especialmente nos EUA, “promovidos” pela euforia do término da guerra e crescimento econômico. 15 O Plano Marshall foi uma política implementada pelos EUA para viabilizar a recuperação econômica dos países atingidos pela 2a Grande Guerra, e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento interno. 16 Neste mesmo cenário, insere-se nos países em desenvolvimento, muito deles populosos, como a Índia, a dinamização das técnicas de produção agrícola, com conseqüentes aumentos de produção, promovida pelos elevados índices de produtividade da RV.

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mais importantes no mundo: arroz, trigo, milho e batata (batata-inglesa)

(TRIBE, 1995, p. 43). A produção de grãos na Ásia, durante os 25 anos entre

meados da década de 60 e final dos anos 80, quase dobrou, crescendo, em

média, 2,6 % ao ano - uma taxa que superou os níveis demográficos de

crescimento na maioria dos países. No mesmo período, a produção de

alimentos per capita nos países em desenvolvimento aumentou quase 20 %, e,

embora houvesse importação de outros alimentos, serviu para a melhoria da

dieta das populações. Na América Latina houve, no mesmo período, um

crescimento pronunciado na produção de alimentos básicos. No Brasil, a

produção per capita de alimentos teve ume incremento em torno de 70%, mas

em outros países, como Jamaica, Peru e Haiti houve uma diminuição. A África,

de modo geral, também sofreu uma queda na produção per capita,

especialmente os países da região subsaariana (TRIBE, 1995, p. 44).

O mesmo autor comenta que a produção de alimentos e a segurança

alimentar são temas complexos e variam conforme a região e épocas focadas,

de maneira que não é surpreendente que, há 20 ou 30 anos, alguns

especialistas e pesquisadores do assunto tivessem sido excessivamente

pessimistas quanto à capacidade futura do mundo em suprir-se

adequadamente em um cenário de elevado crescimento populacional.

2.2.1. Evolução da Produção Agrícola Mundial

A Figura 2 mostra que o crescimento agrícola per capita teve uma

grande amplitude de variação no período compreendido entre os anos de

1999/2003, em relação aos anos 1992/1994.

Países, como o Brasil, China, Angola, Vietnã e Moçambique, tiveram

crescimento agrícola per capita (CAPC) acima de 50%, revelando a capacidade

produtiva de alimentos frente ao crescimento de suas populações, considerada

elevada (entre 1990 e 2000, com média de 2,4% anuais, para a África, 1,9%

para o Sul da Ásia e 1,6% para a América Latina, conforme dados da FAO,

2004). Por outro lado, países como França, Inglaterra, Noruega, Itália e Rússia

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tiveram um crescimento entre - 20% e 0%. Estes países, mesmo com taxas de

crescimento populacionais reduzidas ou mesmo negativas, são dependentes

de importações de alimentos, mas possuem economias que permitem trocas

comerciais.

Diferentemente dos países desenvolvidos, os países africanos da região

subsaariana, apesar do CAPC, no período em questão, estar entre 20 e 50 -

um fato positivo - devem ser estudados com cautela, levando-se em conta o

contexto econômico-social e seus meios de produção de alimentos diante das

condições edafoclimáticas.

Figura 2: Variação per capita da produção agrícola mundial, entre os anos de 1999 a 2003.

Fonte: SCBD (2006)

As comunidades desta região não são capazes de gerar divisas e renda

familiar para, efetivamente, gerar demanda de mercado que possa promover o

desenvolvimento sócio-econômico local. Neste contexto, a segurança alimentar

é comprometida, necessitando de ajuda internacional, principalmente nos

períodos de seca prolongada.

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A produção agrícola per capita pode se elevar, basicamente, por duas

maneiras: 1) aumento da produtividade por meio de avanços nas tecnologias

de produção animal e vegetal, como o desenvolvimento de variedades

melhoradas e adaptadas às condições edafoclimáticas, e aumento no aporte

de insumos, como fertilizantes. Nestes casos, tem-se a intenção de elevar a

produção em decorrência do aumento da produtividade, e 2) arroteamento e

avanço da fronteira agrícola, principalmente nos países com grandes

extensões de terra propícias à implantação de sistemas agrícolas, localizadas

principalmente nos países em desenvolvimento das regiões tropicais e

subtropicais.

2.2.2. Produção Mundial de Cereais e de Carne

Por ser a base alimentar de um extenso grupo de sociedades, os cereais

são um importante grupo de alimento por ser a base alimentar, em termos

energéticos, da maioria da população mundial, principalmente nos países

asiáticos. Segundo Pimentel & Pimentel (2006), os cereais contribuem em,

aproximadamente, 80% da dieta da humanidade. Apesar dos avanços da

biotecnologia e das tecnologias aplicadas, a produção mundial per capita de

grãos tem crescido lentamente desde 1984.

Cereais, segundo a definição dada pelo World Resources Institute (WRI,

2003), incluem grãos alimentícios, como: milho, trigo, arroz, cevada, centeio,

aveia, milheto, sorgo, trigo sarraceno, alpiste, fonio (Digitaria exilis), quinoa

(Chenopodium quinoa), triticale, farinha de trigo e os cereais componentes de

alimentos. Segundo Foley et al. (2005, p. 570), nos últimos 40 anos, a

produção global de grãos (incluindo os cereais e os grãos de leguminosas,

como a soja) dobrou, passando de 2 bilhões de toneladas ao ano. Parte desta

produção, aproximadamente 12 %, se deve ao aumento de área plantada, mas

a maioria dos ganhos desta produção foi resultado das técnicas (pacote

tecnológico) preconizadas pela RV

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Conforme dados da FAO (2003a), a produção mundial de cereais teve

um aumento de 32% no período compreendido entre 1979 e 2003. Alguns

países, como o Canadá produzem trigo acima da capacidade de consumo

interna, por isso é um grande exportador dessa commodity agrícola. Outros

países são dependentes da importação de alimentos, como o Japão, que, por

ser um país desenvolvido, facilmente realiza trocas comerciais; já os países da

África subsaariana são pobres e dependem da ajuda externa.

O Brasil, no período em questão, teve um aumento de mais de 215% na

produção de cereais (30,8 milhões de toneladas, em 1979, contra 66,4 milhões

de toneladas, em 2003). A produção brasileira de cereais, no ano de 2003,

correspondia a 2,51% da produção mundial. Notadamente, o Brasil é

proeminente na produção não só de cereais, mas também de outros produtos

agrícolas, como soja, cana-de-açúcar, algodão, e outras commodities

agrícolas, que são fundamentais na balança comercial para geração de divisas.

O país possui grande área territorial ‘passível’ de arroteamento e avanço da

fronteira agrícola, assim como uma agricultura e criação de animais eficientes

destinadas à exportação e consumo doméstico, graças aos avanços da

pesquisa científica nacional e na formação de profissionais capacitados.

Segundo o Secretariat of the Convention on Biological Diversity (SCBD,

2006, p. 16), o suprimento alimentar e a seguridade alimentar serão cada vez

mais importantes devido ao crescimento populacional e outros fatores como:

disponibilidade de terra para plantio, escassez de água, mudanças no comércio

e mercado internacionais, urbanização, distribuição de renda, migração, crises

epidêmicas, cataclismos, assim como mudanças nos hábitos alimentares.

Nas Figuras 3 e 4 são mostradas, respectivamente, as demandas por

cereais e carne nos anos de 1974 e 1997, e as projeções para o ano de 2020.

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Figura 3: Demanda por cereais no mundo, nos países desenvolvidos e nos países em

desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para 2020, em milhões de

toneladas.

Fonte: IFPRI IMPACT (2001), modificada pelo autor.

Analisando-se a demanda por grupos de países, nos anos de 1974 e

1997, verifica-se que nos países em desenvolvimento o consumo de cereais e

de carne teve uma variação significativa, principalmente no consumo de carne,

ou seja, de 560 para 1118 milhões de toneladas (Mt) e de 32 para 101 Mt,

respectivamente. Já nos países desenvolvidos, as demandas por cereais e

carne, apesar de aumentarem, no período analisado, têm uma amplitude de

variação menos pronunciada que nos países em desenvolvimento. Presume-se

que a elevada taxa de crescimento populacional dos países em

desenvolvimento, aliada ao crescimento econômico, acarretou um maior

consumo dessas commodities.

Deve-se salientar que a ingestão diária de alimentos nos países

desenvolvidos é bem maior que no outro grupo de países. A demanda

alimentar mundial seria bem maior se a população dos países em

desenvolvimento pudesse ter acesso irrestrito à alimentação, tanto pela

variedade, quanto pela quantidade e qualidade.

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Figura 4: Demanda por carne no mundo, nos países desenvolvidos e nos países em

desenvolvimento, nos anos de 1974, 1997 e as projeções para 2020, em milhões de

toneladas.

Fonte: IFPRI IMPACT (2001), modificada pelo autor.

Mudanças no padrão de consumo alimentar podem demandar maior

produção de alimentos, ou seja, o crescimento populacional, aliado a uma

melhor distribuição de renda pode, por conseqüência, demandar alimentos

mais elaborados e/ou mais caros, em detrimento dos alimentos básicos.

2.2.3. Recursos Pesqueiros: Produção e Consumo Mundiais de Pescado

Segundo Keller & Brummer (2002, p. 264), a agricultura é uma das

características que define a civilização humana, de modo que nenhuma outra

atividade humana tem transformado tão significativamente a superfície do

planeta. Os mesmos autores declaram que a valorização dada à agricultura é

inversamente proporcional aos impactos ambientais que ela acarreta.

Os agroecossistemas têm importância vital na história da humanidade

por ser fonte essencial de alimentos, fibras, energia, e matérias-primas (KERN,

2002, p. 291). Historicamente, a população humana tem dependido, além dos

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agroecossistemas (terrestres), dos ecossistemas aquáticos - rios, mares e

lagos - para o suprimento alimentar. Segundo The World Bank (2006),

aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, principalmente dos países pobres,

baseiam-se nos produtos da pesca como fonte de proteína animal (pelo menos

20 % da proteína animal vêm do pescado). Países desenvolvidos, como

Noruega, Espanha, Islândia, Coréia do Sul e, principalmente, o Japão

sobressaem como grandes produtores e consumidores per capita de pescado,

devido à tradição histórica e cultural, e à proximidade com o mar. Em alguns

países pobres e em desenvolvimento o peixe representa a principal fonte

protéica na dieta (~50%), como na Indonésia, Gana e Senegal.

A produção pesqueira de captura (extrativismo) cresceu muito desde

1946, com 18 milhões e toneladas, até 1980, com 80 milhões de toneladas, e

tem-se mantido constante desde então. Na verdade, a manutenção deste tipo

de produção pesqueira se deve ao “esforço de pesca”, que compreende o uso

de tecnologias de pesca industrial, como sonares e satélites que auxiliam na

localização de grandes cardumes, principalmente em profundidades elevadas,

e uso de redes de arrasto e de malha fina. Estas redes funcionam como

técnicas de captura pouco seletivas, pois capturam animais imaturos e

espécies de pouco valor comercial e são, geralmente, descartados. Até 40

milhões de toneladas de peixes são descartadas a cada ano nas capturas

industriais - incluem espécies sem valor comercial imediato, como tubarões,

arraias, golfinhos e indivíduos imaturos (ALVERSON et al., 1994). Há,

notadamente, uma superexploração de pescado acima do limite de máximo de

sustentabilidade das espécies - a sobrepesca, que tem reduzido os estoques

pesqueiros, comprometendo a recuperação natural das populações. Algumas

regiões estão seriamente comprometidas - Sudeste e Noroeste do Oceano

Pacífico, como visto na Figura 5.

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Figura 5: Nível estimado de pesca sustentável em relação ás capturas, entre os anos de 1987 e

1989, nos principais mares do mundo.

Fonte: World Resources Institute, 1992

Conforme o World Resources Institute (WRI et al., 2003) e The World

Bank (WB, 2005), 70 % dos estoques pesqueiros estão esgotados ou em

declínio. Entre as espécies comercialmente importantes estão aquelas

altamente valorizadas, as de maturação lenta e as que possuem área

geográfica limitada e/ou agregação esporádica para reprodução e

restabelecimento populacional (SADOVY, 2001, citado por PAULY et al., 2002).

Algumas espécies de pescado são capturadas como forma de substituir

as espécies que se tornaram mais raras e com maior valor de mercado. No

entanto, aquelas espécies se tornam comercialmente atrativas, passam a ser

mais exploradas. Outras espécies de pouco valor comercial são usadas na

produção de ração animal e extração de óleo. Aproximadamente, 1/3 da

produção mundial de pescado não é destinada à alimentação (FAO, 2002).

Segundo Naylor et al. (2000), entre 1986 e 1997, 8 das 20 espécies mais

pescadas foram utilizadas na produção de ração animal. Estas espécies,

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segundo aqueles autores, é a base da cadeia alimentar nos ecossistemas

marinhos, de modo que a depleção dessas populações reduz o suprimento

alimentar para outras espécies que estão no topo da cadeia alimentar -

geralmente, as de maior valor de mercado.

Os dados sobre estoques pesqueiros mundiais mostram uma diminuição

no tamanho individual do pescado e do valor das capturas. A captura de peixes

grandes tem se tornado cada vez mais difícil, fazendo com que os pescadores

pesquem indivíduos pequenos e espécies de pouco valor.

Como resultado, captura-se, seqüencialmente, os grandes peixes do

topo da cadeia alimentar até chegar aos peixes pequenos: os imaturos e os da

base da cadeia alimentar (The World Bank, 2005).

Globalmente, a produção de pescado, incluindo a aqüicultura, aumentou

rapidamente de 19 milhões de toneladas, em 1950, chegando a 100 milhões,

em 1989, e 133 milhões de toneladas, em 2002 (Figura 6).

Figura 6: Produção mundial de pescado: captura e aqüicultura entre os anos de 1950 e 2000.

Fonte: The World Bank, (2005).

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O extrativismo marítimo alcançou 80 milhões de toneladas, em 1980, e

praticamente, permanece inalterado nesse patamar desde então (Figura 7).

Segundo The World Bank, (2005), esse comportamento da produtividade

pesqueira, indica que a captura comercial alcançou o potencial máximo de

produção. A FAO (citada por The World Bank, 2005), revela que 25 % dos

estoques pesqueiros são explorados em níveis insustentáveis, e a metade é

completamente explorada (Figura 7). Esta última condição, aparentemente

indica uma produção ecologicamente e racionalmente sustentada, no entanto,

isso não garante a manutenção das populações ictíicas. Além disso, a

tendência da atividade pesqueira, principalmente da pesca industrial, com suas

traineiras altamente equipadas, é pescar cada vez mais. Aproximadamente

30% de todo pescado são provenientes de 10 espécies de peixes, sendo que 7

são totalmente exploradas ou sobreexploradas FAO, (citada por The World

Bank, 2005) .

Associam-se à sobrepesca e ao descarte como principais causas do

esgotamento dos recursos pesqueiros, a degradação e poluição dos

ecossistemas costeiros, como mangues, recifes de corais. Estes hábitats

funcionam como berçários naturais e fonte de alimento para a maioria das

espécies ictíicas, entre elas, as comercialmente exploradas.

A aqüicultura - criação racional de espécies aquáticas - tem mostrado

um grande e rápido crescimento nas últimas décadas, resultante do aumento

da demanda mundial por proteína e dos custos crescentes do extrativismo

industrial e artesanal frente à redução dos estoques pesqueiros. Segundo a

FAO (2002), a participação da aqüicultura na produção mundial de pescado

passou de 3,9%, em 1970, para 27,3%, em 2000 (FAO, 2002). Os países

asiáticos, especialmente a China, respondem mais de 80% da produção da

aqüicultura mundial, em torno de 26 milhões de toneladas (WRI et al., 2000).

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Figura 7: Avaliação mundial dos estoques pesqueiros marítimos, em 2004.

Fonte : Banco Mundial (2005).

Mundialmente, o consumo per capita de pescado e seus produtos

aumentou de 10,5 kg/ano para 16,5 kg/ano nas últimas três décadas. As

previsões de consumo apontam uma demanda mundial crescente, alcançando

20 kg/ano por habitante, no ano de 2020. Nos países em desenvolvimento, o

consumo per capita cresceu de 45 %, em 1975, para 70 %, em 1997 (The

World Bank, 2005).

A pesca predatória e intensiva, aliada à poluição dos mares e destruição

dos hábitats, está dificultando a multiplicação natural das espécies e limitando

severamente os ecossistemas aquáticos como estoques naturais e estratégicos

de alimentos para a humanidade. Os mares eram vistos como fontes

inesgotáveis de recursos pesqueiros e passíveis de exploração intensiva.

Contudo, nas últimas décadas, o extrativismo pesqueiro tem demandado

grandes esforços de pesca: capital, tecnologias avançadas e técnicas de

captura pouco seletivas e destrutivas, como redes de arrasto que destroem o

fundo dos mares e de redes de malha fina que capturam toda sorte de animais

marinhos: peixes pequenos e imaturos, espécies de pouco ou sem valor

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comercial imediato e animais de grande porte, como focas e golfinhos, que se

enroscam nestas redes e morrem.

Um estudo publicado na revista Science, do mês de novembro de 2007,

faz um prognóstico pessimista quanto aos recursos pesqueiros: dentro de 40

anos, se medidas efetivas para pesca sustentável não forem implementadas,

assim como a redução dos impactos ambientais causados pelo homem

(poluição e da destruição dos habitats, alterações climáticas), a maioria das

espécies ictíicas estarão extintas ou ameaçadas de extinção.

A pesca de captura é uma atividade extrativista caracterizada pela pesca

sem reposição, no entanto, os recursos pesqueiros são renováveis. Muitos

mares já não oferecem fartura de peixes, estão esgotados, de modo que a

recuperação será muito lenta. À população mundial serão acrescentados ainda

de dois, três bilhões de habitantes, ou mais, nas próximas décadas. O

extrativismo pesqueiro e a aqüicultura, conduzidas de forma racional, aliados à

conservação dos ecossistemas marinhos podem contribuir, decisivamente,

para a segurança alimentar de povos e nações, e servir de reservas

estratégicas de alimentos das gerações atuais e futuras, além de promover a

economia, o emprego, o bem-estar social, e principalmente, assegurarem a

diversidade das espécies (GERGOLETTI & FIGUEIREDO, 2004).

2.3. Sustentabilidade, Capacidade de Suporte, Resiliência e

Desenvolvimento Sustentável da Produção de Alimentos

Segundo Tilman et al. (2002), a conversão dos ecossistemas naturais

em sistemas de produção de alimentos e outros bens representa um conjunto

de atividades que influenciam fortemente o meio ambiente. Aiking & Boer

(2004), corroboram a afirmação anterior ao considerarem que a produção e o

consumo de alimentos são mais impactantes que outras atividades humanas. A

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agricultura é uma das atividades que caracteriza a humanidade, e a que mais

tem transformado o Planeta (KELLER & BRUMMER, 2002, p. 264).

Os sistemas agrícolas intensivos requerem grande aporte de insumos,

como água, fertilizantes, pesticidas, energia, além de máquinas e

equipamentos modernos, com o objetivo de alcançar as altas taxas de

produtividade das culturas geneticamente melhoradas. Contudo, os

agroecossistemas tanto produzem, quanto sofrem com os impactos ambientais,

dentre eles: alteração do microclima, rebaixamento do lençol freático, poluição

e contaminação do ambiente por pesticidas e fertilizantes, alteração da

biodiversidade, entre outros.

Do ponto de vista ambiental, o termo sustentabilidade traduz a

capacidade dos sistemas em se manter no longo prazo, ou seja, a capacidade

de reprodução dos sistemas sejam eles produtivos ou naturais. O termo

“sustentabilidade” tem sido amplamente utilizado, de forma pouco rigorosa, o

que implica em algumas confusões conceituais. De qualquer forma, a

concepção das Nações Unidas, aponta para a adoção de práticas produtivas

que garantam o atendimento das demandas atuais de bens e serviços sem

comprometer a habilidade ou condições de suporte das futuras gerações

(PERKINS, 1997, p. 263). Segundo o mesmo autor, esta definição tem um viés

ético referente à geração atual em relação às gerações futuras. No entanto, o

autor indaga: O que exatamente é ser sustentável? Quanta área deve ser

utilizada? Por quanto tempo? Por quem? Para quem?

Perkins (1997, p. 263) expõem quatro fatores de relevância para o

debate acerca da sustentabilidade na produção de alimentos, são eles: 1) a

comunidade de famílias de agricultores subsistindo em determinada área; 2) o

poder econômico e político de um grupo particular ou nação; 3) a magnitude da

produção em uma determinada área; e 4) o aproveitamento de recursos

naturais, como solo ou água.

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38

Sustentabilidade, segundo David Pearce, implica em manter o nível do

bem-estar humano, de forma que se possa melhorá-lo, mas nunca reduzi-lo ao

longo do tempo (VAN DERVEER & PIERCE, 1997, p. 465).

Sugere-se como sinônimo de sustentabilidade na produção de

alimentos, a adoção de: sistemas biodinâmico, orgânico, eco-biológico, de

baixo uso de insumos, sem a utilização de agroquímicos, combustíveis fósseis

e, em alguns casos, sem o uso plantas e animais geneticamente alterados

(HULSE, 1991, p. 546).

A definição de Desenvolvimento Sustentável mais usada atualmente é:

“...desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem

comprometer a capacidade das gerações futuras em atender suas próprias

necessidades”, segundo o relatório da Comissão Mundial para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro em Comum, de 1997 (VAN

DERVEER & PIERCE, 1997, p. 464).

Segundo Languelle (2000), citado por Aiking & Boer (2004),

Desenvolvimento Sustentável está relacionado com a capacidade do ambiente

em satisfazer as necessidades humanas no presente e no futuro, levando-se

em conta as teorias de justiça social e os aspectos econômicos, sociais e

ecológicos de sustentabilidade.

Desenvolvimento Sustentável, em seu viés ambiental, está relacionado á

preservação, ou aumento, dos recursos produtivos básicos, particularmente

para as gerações futuras (DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 94-5). Os

autores acrescentam que a idéia de Desenvolvimento Sustentável deve estar

intrinsecamente relacionada com a redução da vulnerabilidade, pobreza, justiça

social, proteção ambiental, bem como, com o crescimento econômico e a

distribuição equitativa dos ganhos ou lucros.

Um novo conceito de Desenvolvimento Sustentável é conhecido na

literatura como “Sustentabilidade Fraca”, que permite a exaustão de alguns

recursos naturais na medida em que haja compensações adequadas por

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39

aumentos em outros recursos, mesmos estes sendo construídos ou fabricados

pelo homem. Mas o que constitui compensação adequada? (VAN DERVEER &

PIERCE, 1997, p. 465).

Na percepção de Benjamin (1993):

“Só compreendendo o homem como ser natural conseguiremos

tratar de forma integrada - profunda e permanente - as questões do

desenvolvimento e da proteção do ambiente. Em outras palavras: só

assim poderemos pensar num desenvolvimento sustentado. Não se trata

de buscar um estado estacionário de harmonia, mas um processo

continuado de mudança, no qual a exploração dos recursos naturais, a

orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e

a organização institucional dos homens estejam de acordo com as

necessidades atuais - revisadas segundo novos padrões - sem

comprometer as possibilidades de atendê-las no futuro.” (BENJAMIN,

1993, p. 138).

Outro conceito relevante para a discussão da sustentabilidade é o de

“Capacidade de Suporte”, que deriva da ecologia, significando o número

máximo de indivíduos de uma espécie que um habitat pode suportar

indefinidamente, sem que haja algum tipo de degradação dos recursos naturais

básicos (AAAS, 2000). O termo Capacidade de Suporte é mais propriamente

usado em ecologia das populações, entretanto muitos pesquisadores têm

aproveitado seus fundamentos para a análise das sociedades modernas.

Devido á “artificialização” do modo de vida das populações humanas

modernas, o termo Capacidade de Suporte tornou-se mais restrito. A “Pegada

Ecológica” ou ‘Footprint” é uma forma de se avaliar a capacidade de suporte do

meio, no âmbito regional ou global, levando-se em conta as interferências

antropogênicas atuais.

Com vista à sustentabilidade do suprimento alimentar, segundo Braun &

Brown (2003), aponta-se a necessidade premente e contínua da produção de

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40

alimentos e, portanto, a necessidade da manutenção de um ambiente natural

equilibrado, mantendo a capacidade de suporte do meio, resultando na

garantia da reprodutividade dos meios de produção.

Resiliência, segundo o mesmo autor, significa a máxima perturbação

que um ecossistema pode sofrer sem que ocorram mudanças para um estado

de equilíbrio alternativo. Quanto menor a área de determinado ecossistema,

são menores as condições de resiliência, ou seja, o sistema é mais vulnerável.

Devido á histerese e à “invisibilidade” da resiliência, os sistemas

naturais em geral não mostram sinais de mudanças bruscas (SCHEFFER et

al., 2001, p. 596). Entretanto, isso parece estar mudando diante dos

cataclismos atuais relacionados às mudanças climáticas.

Segundo Devereux & Maxwell, (2003, p. 99), os Neo-Malthusianos

teorizam acerca da inevitável degradação sócio-ambiental, e apontam que a

humanidade caminha para um futuro no qual não será possível obter alimentos

em quantidades suficientes, a menos que medidas drásticas sejam tomadas

para evitar que as populações humanas destruam os recursos naturais dos

quais dependem. Há, portanto, segundo os mesmos autores, um conflito entre

segurança alimentar e meio ambiente. As pessoas propositadamente praticam

uma má gestão dos recursos naturais objetivando ganhos no curto prazo,

negligenciando os efeitos de suas ações no longo prazo e as implicações

decorrentes para as futuras gerações (DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 99-

100). Conforme os autores, em locais onde a propriedade é comum,

inevitavelmente, os recursos naturais são super explorados e degradados,

corroborando a tese da “tragédia dos comuns” (HARDIN, 1968, citado por

DEVEREUX & MAXWELL, 2003, p. 99-100). O exemplo mais nítido desta tese

é a sobrepesca na maioria dos mares do mundo, que tem afetado a

reprodutividade normal das espécies pesqueiras e, por conseqüência, tem

comprometido a produção futura de pescado.

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41

2.4. Limites e Influências Ambientais da Produção de Alimentos

e de Outros Bens

A Figura 8 mostra a proporção entre a demanda da humanidade e a

capacidade produtiva do planeta (biocapacidade - produção de biomassa pela

biosfera, em termos líqüidos), entre os anos de 1961 e 2001, e como essa

proporção tem sido alterada neste período.

Figura 8: Pegada ecológica global

Fonte: SCBD, (2006a, p. 37)

A humanidade consumiu, em termos líquidos, em torno da metade da

biocapacidade, em 1961, evoluindo para um consumo, em 2001, 20% além da

capacidade da biosfera, ou seja, a biosfera leva 1 ano e três meses,

aproximadamente, para renovar o que a humanidade usa em 1 ano (SCBD,

2006a, 37-8).

2.4.1. Disponibilidade Mundial de Terra

Na década passada, em termos globais, a área agricultável ou

disponível para plantio per capita caiu 20%, conforme divulgação do World

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Watch Institute (WWI, 2001), citado por Pimentel & Pimentel (2006).

Atualmente, em média, a terra disponível para cultivo é de 0,28 hectare17 per

capita.

Tolba et al. (1992, 288) informam que a porcentagem de terra

agricultável aumentou somente 4,8%, no período entre1970 e 1990, sendo que

a relação solo agricultável e população global diminuiu, em média, de 0,38 %

em 1970 para 0,28, em 1990, em função do crescimento da população.

Conforme estimativas da Food and Agricultural Organization (FAO,

1991) - Sustainable development and management of land resources -

Background Document n. 1, - se a terra arável permanecesse nos patamares

daquela época (1,4 bilhões de hectares, em 1991), assumindo que não

houvesse incorporação de novas áreas para plantio nem a perda por

degradação do solo, o total de área agricultável per capita no mundo diminuiria

gradativamente para 0,23 hectare, em 2000, chegando a 0,15 hectare, em

2050 e 0,14 hectare, em 2100. As previsões de 2000 coincidem, praticamente,

com os dados reais publicados por Pimentel & Pimentel (2006). O total de área

terrestre global é de, aproximadamente, 13,382 bilhões de hectares (ha), dos

quais 13,069 bilhões de hectares (97,66%) estão livres de gelo, sendo que 11%

são cultivados e 24% são pastagens permanentes (TOLBA et al., 1992, p. 288).

Segundo o mesmo autor, as áreas potencialmente aráveis ou agricultáveis são

estimadas em 3,2 bilhões de hectares, aproximadamente, 24% da área total.

Conforme as definições dadas pela FAO (2004b, p. 89-92):

• Terra arável: áreas com culturas temporárias, campos temporários

para pastagem ou ceifas, áreas de galinheiro e áreas

temporariamente sob pousio (menos que 5 anos); esta categoria não

inclui terras abandonadas;

• Área de terra ou terra: totalidade da área rural, excluindo-se as áreas

de terra sob corpos de água (geralmente grandes rios e lagos);

17 1 hectare equivale a 10 mil metros quadrados

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• Disponibilidade de terra: terras aráveis, incluindo as terras com

culturas permanentes;

• Terras com culturas permanentes: terras cultivadas que ocupam as

áreas por longos períodos e não precisam ser replantadas após cada

colheita, como; coco, café e seringueira. Esta categoria inclui as

áreas cultivadas com flores, plantas frutíferas, as plantas que

produzem amêndoas e vinhedos, mas não incluem as áreas de terra

com espécies florestais e de reflorestamento, visando a produção de

madeira e lenha;

• Área total: conjunto total das áreas rurais incluindo as terras sob os

corpos d’água;

Conforme as estatísticas da FAO (2004b), Tabela 1, em 2002, a área

terrestre total era 13,428 bilhões de hectares, com uma pequena variação (5

milhões de hectares), entre os anos de 1980 e 1990 (13,433 bilhões). Porém,

os dados são maiores daqueles descritos por Tolba et al. (1992, p. 288) para o

ano de 1990 - 13,382 bilhões de hectares - compilado da FAO (FAO Production

Yearbook, v.43, 1990), perfazendo uma diferença a mais, para os dados de

2002, de 46 milhões de hectares.

Conforme os dados da FAO (2004b), a terra arável, no ano de 2002,

totalizava 1,404 bilhões de hectares, com uma diferença a mais de 1%, ou 61,3

milhões de hectares, em relação os dados de 1980.

Tomando-se como base os dados compilados pela FAO (2004b, 18),

Tabela 1, a porcentagem de terra arável sob o total de área terrestre era de

10,5% em 2002, 10,45% em 1990 e de 10% em 1980, com um acréscimo de

0,5 ponto percentual ou 66 milhões de hectares, aproximadamente, de 1980 a

2002.

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44

No entanto, pode-se verificar que nos países desenvolvidos, assim como

nos países de economia em transição18, a porcentagem de terra arável tem

diminuído um pouco mais neste último grupo de países (1,2 ponto percentual)

em relação aos anos de 1980 a 2002.

Já nos países em desenvolvimento, a porcentagem de terra arável tem

aumentado, no mesmo período - 1,3 pontos percentuais ou, aproximadamente,

14,6%. Somente por esses dados, concluí-se que, nos países em

desenvolvimento, houve uma maior pressão para incorporação de terras

potencialmente agricultáveis para produção de alimentos.

18

Países com economia em transição: outrora denominados “Países do Segundo Mundo”, do bloco socialista, liderados pela antiga União Soviética. Após 1990, com a queda do “Muro de Berlim”, esses países têm passado por um processo de transição da economia socialista à economia de mercado e capitalista.

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45

Tabela 1 – Área total, terra arável e terra com culturas permanentes no mundo, por regiões

continentais e por grupo de países.

Região / Ano Área Terra Terra sob Terra arável / Área total Terra Terra sob

Grupo de total arável culturas Área total arável culturas

países permanentes permanentes

Milhões de hectares (%) Porcentagem da área mundial

WORLD 1980 13400 1300 96,6 10,0 ... ... ...

1990 13400 1400 113,5 10,4 ... ... ...

2002 13400 1400 130,3 10,5 ... ... ...

Países 1980 5700 651,0 24,1 11,5 42,1 48,5 24,9desenvolvidos 1990 5700 649,5 23,6 11,5 42,1 46,7 20,8

2002 5600 611,5 23,8 10,8 42,0 43,6 18,3 Países 1980 3300 338,8 16,4 11,5 24,5 28,2 16,9

Industrializados 1990 3300 378,8 16,6 11,5 24,5 27,3 14,7

2002 3300 366,5 16,9 11,1 24,5 26,1 13,0

Economias em 1980 2400 272,5 7,7 11,6 17,5 20,3 8,0

transição 1990 2400 269,7 7,0 11,4 17,5 19,4 6,1

2002 2400 245,0 6,9 10,4 17,5 17,5 5,3

Países em 1980 7800 691,5 72,5 8,9 57,9 51,5 75,1

desenvolvimento 1990 7800 742,1 89,9 9,5 57,9 53,3 79,2

2002 7880 792,5 106,4 10,2 58,0 56,4 81,7

América Latina 1980 2100 127,8 17,7 6,2 15,3 9,5 18,3

e Caribe 1990 2100 134,5 18,2 6,5 15,3 9,7 16,0

2002 2100 148,1 20,5 7,2 15,3 10,5 15,8

Oriente Médio e 1980 1300 82,4 8,3 6,5 9,4 6,1 8,6

África do Norte 1990 1300 86,4 10,1 6,8 9,4 6,2 8,9

2002 1300 88,7 11,4 7,0 9,4 6,3 8,8

África Sub- 1980 2300 124,3 15,8 5,3 17,4 9,3 16,4

saariana 1990 2300 130,9 18,1 5,6 17,4 9,4 16,0

2002 2300 146,6 20,4 6,3 17,4 10,4 15,6

Leste e Sudoes- 1980 1600 161,6 22,8 10,2 11,8 12,0 23,6

te Asiático 1990 1600 193,7 34,3 12,2 11,8 13,9 30,0

2002 1600 213,1 42,4 13,4 11,8 15,2 32,6

Sul da Ásia 1980 449,0 195,1 7,0 43,5 3,3 14,5 7,2

1990 449,0 196,0 8,2 43,7 3,3 14,1 7,2

2002 449,0 195,4 10,6 43,6 3,3 13,9 8,1

Fonte: FAO, (2004b, p.69), modificada pelo autor.

Fazendo-se uma análise dos dados da FAO (2002, 20-1), “Proporções

de disponibilidade de terra per capita”, Tabela 2, pode-se verificar que houve

no período, entre 1980 a 2002, um decréscimo na disponibilidade de terra

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arável per capita de 0,32 ha/habitante, em 1980, para 0,25 ha/habitante em

2002, uma diminuição de 22% no período.

Tabela 2 – Disponibilidade de terra per capita no mundo, por regiões continentais e por

grupo de países, nos anos de 1980, 1990 e em 2002.

Ano Relação per capita

Regiões / grupo de países População População População econo-

mundial dependente micamente ativa

da agricultura na agricultura

WORLD 1980 0,32 0,65 1,35

1990 0,29 0,62 1,232002 0,25 0,59 1,15

Países desenvolvidos 1980 0,58 4,25 9,06

1990 0,54 5,02 10,80

2002 0,48 6,77 14,03

Países industrializados 1980 0,50 5,90 13,77

1990 0,47 7,76 17,50

2002 0,42 11,17 24,88

Economias em transição 1980 0,73 3,05 6,11

1990 0,67 3,34 6,97

2002 0,62 4,24 8,44

Países em desenvolvimento 1980 0,23 0,37 0,77

1990 0,21 0,36 0,72

2002 0,18 0,36 0,70

América Latina e Caribe 1980 0,40 1,14 3,26

1990 0,35 1,30 3,41

2002 0,32 1,59 3,88

Oriente Médio e Norte da África 1980 0,37 0,80 2,19

1990 0,30 0,85 2,27

2002 0,24 0,84 1,99

África Subsaariana 1980 0,40 0,54 1,16

1990 0,32 0,46 1,00

2002 0,26 0,41 0,90

Leste e Sudoeste Asiático 1980 0,13 0,19 0,36

1990 0,14 0,21 0,37

2002 0,13 0,23 0,39

Sul da Ásia 1980 0,23 0,35 0,75

1990 0,18 0,31 0,69

2002 0,15 0,28 0,59

Fonte: FAO, (2004b, p. 20), modificada pelo autor.

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Analisando-se os dados por regiões, verifica-se que a proporção de terra

arável per capita diminuiu em diferentes taxas ou permaneceu constante, como

nos países do Leste e Sudoeste asiático. Neste último caso, houve um

aumento proporcional entre população e terra arável.

Pode-se concluir que a proporção de terra arável per capita decresceu

no período em razão do elevado crescimento populacional, de modo que,

mesmo com o arroteamento significativo em algumas regiões para produção de

alimentos, seja para a agricultura ou para formação de pastagens, o aumento

demográfico tem suplantado em muito o equilíbrio entre o agroecossistemas e

a população humana.

2.4.2. Disponibilidade Mundial de Água

Aproximadamente 98% da água existente no mundo são salinas,

depositadas nos oceanos, mares e aqüíferos subterrâneos. Somente os 2%

restantes é água doce. Contudo, 87% desta água encontram-se nas calotas

polares e glaciares, nas reservas profundas e nas camadas subsuperficiais do

solo, na atmosfera e nos seres vivos. Excetuando-se os lagos, apenas 2000

km3 estão irregularmente disponíveis nos rios do planeta, ou 40 mil km3 por ano

(WRI et al., 1990, p. 166).

Comparada com o total, é uma irrisória quantidade de água que a

humanidade pode aproveitar para consumo doméstico e para as atividades

produtivas da indústria e da agricultura. Destaca-se que a disponibilidade de

água pode ser menor, levando-se em conta a sazonalidade das chuvas e a

contaminação com os mais variados poluentes advindos de esgotos urbanos e

industriais, de fertilizantes e defensivos agrícolas, entre outros.

Grandes centros urbanos e áreas com alta densidade demográfica têm

tido sérios problemas de falta de água em regiões onde normalmente não há

restrições hídricas por insuficiência de chuvas. A poluição e o mau uso dos

recursos hídricos, aliados à precariedade da infra-estrutura urbana e a

ocupação e uso irracional do solo, como desmatamentos, têm sido as

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48

principais causas do déficit hídrico nestas regiões. Este quadro deve se

agravar, no futuro, a médio e longo prazos, independentemente dos efeitos das

mudanças climáticas, principalmente nos países pobres e em desenvolvimento,

onde as taxas de crescimento populacional são altas - 1,5 % anuais, em

média.

Em um cenário mais pessimista, as futuras gerações viverão em

situações semelhantes às populações dos grandes desertos do mundo, onde a

escassez de água é fato habitual. Contudo, no futuro próximo, os recursos

hídricos tenderão a serem tratados cada vez mais como reservas naturais

estratégicas, face às mudanças climáticas, aumento da população e

degradação ambiental.

Segundo Tolba (1992, p. 290), a agricultura é a maior consumidora de

água, especialmente nos países em desenvolvimento. Nos últimos 40 anos

houve um aumento de cerca de 70% de áreas irrigadas no mundo

(ROSEGRANT, CAI & CLINE, 2002; GLEICK, 2003, citados por FOLEY et al.,

2005, p. 570). As demandas hídricas resultantes da irrigação agrícola totalizam

85% do consumo global19 estimado em 1800 a 2300 km3 por ano, resultando

em redução da vazão de muitos rios, particularmente nas regiões semi-áridas,

chegando alguns a secar (GLEICK, 2003; SHIKLOMANOV, 1998, citados por

FOLEY et al., 2005, p. 571). Os mesmos autores enfatizam que a extração de

água dos aqüíferos é insustentável e tem redundado no rebaixamento do lençol

freático em muitas regiões do planeta.

Se a quantidade de água retirada localmente, de rios, lagos e de

aqüíferos subterrâneos não ultrapassar seu restabelecimento ou renovação, os

recursos hídricos podem ser usados indefinidamente, e neste caso, são

recursos renováveis (WRI et al., 1990, p. 167).

A fonte primária de água doce é a precipitação. A precipitação global

totaliza cerca de 500 mil km3 por ano, mas somente 1/5 ou, aproximadamente,

19 Consumo global relativo ao uso despendido, ou seja, não há reaproveitamento ou consumo múltiplo.

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110 mil km3 precipitam-se no solo. Deste total, 35% permanecem na superfície,

como rios lagos, pântanos e reservatórios artificiais, ou percolam no perfil do

solo, alimentando os aqüíferos profundos (WRI et al., 1992, p. 160). Segundo

os mesmos autores, a precipitação global varia consideravelmente. Na Bacia

Amazônica e áreas do Sul e Sudeste asiático, as chuvas são pesadas, acima

de 3 metros por ano. Já no Oriente Médio, Norte da África, Centro-Norte da

Ásia e Região Central da Austrália as precipitações são escassas,

normalmente sem padrão definido e confiável.

Pelo menos 80 países localizados em regiões áridas e semi-áridas,

compreendendo 40% da população mundial, têm problemas sérios com secas

periódicas. Em contraste, as inundações são o maior problema em algumas

regiões do mundo, como Bangladesh (WRI et al., 1992, p. 160).

Atualmente, a área irrigada no mundo totaliza 271 milhões de hectares,

que sendo ¼ estão nos países desenvolvidos e 1/3 na Ásia e estas proporções

tem-se mantido constantes desde 1988 (FAO, 2003, p. 160; ROSEGRANT &

SVENDSEN, 1994, p. 407). Contudo, os custos de investimento com irrigação

têm-se tornado cada vez mais caros, resultantes de menores acréscimos de

produtividades e escassez de água, associados aos preços mundiais

relativamente baixos das commodities, principalmente arroz e trigo

(ROSEGRANT & SVENDSEN, 1994, p. 406; TOLBA, 1992, p. 290; FAO, 2003,

p. 138). A irrigação tem sustentado altas produtividades agrícolas, contudo tem

criado uma série de impactos ambientais, como destruição de hábitats naturais

para construções de barragens e reservatórios (TOLBA, 1992, p. 290-1), e

degradação do solo devido o uso de água salobra20, entre outros danos.

A grande parte da produção agrícola é conduzida sob o regime de

chuvas, também conhecidas como culturas de sequeiro. Em torno de 1, 5

bilhões de hectares (ha) ou 11% da superfície terrestre, estimada em 13, 4

bilhões de hectares. Em comparação, no período de 1997/1999, as terras

20 Água com sais dissolvidos, porém em menor concentração que a água do mar.

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irrigadas representavam mundialmente 21% da terra arável, 59% da produção

de cereais e 40% da produção total das culturas (FAO, 2003, p. 126).

2.4.3. Consumo Mundial de Fertilizantes

O aumento da aplicação de fertilizantes artificiais para suprir

adequadamente as culturas agrícolas com os principais nutrientes21 -

nitrogênio, fósforo e potássio - foi determinante para o sucesso da Revolução

Verde (TOLBA, 1992, p. 292). Os fertilizantes são indispensáveis para a

manutenção e aumento da produtividade agrícola. Eles repõem a depleção

regular na concentração de nutrientes do solo proporcionada pela exportação

das colheitas e pela perda provinda dos processos de erosão, lixiviação,

fixação e volatilização. Os incrementos na produtividade de biomassa das

culturas requerem absorção adicional de nutrientes providos pela fertilização

orgânica e mineral. Aproximadamente 50% dos fertilizantes aplicados nos

sistemas produtivos revertem em benefício das culturas, a outra metade é

perdida pelos processos anteriormente citados (FAO, 2003, p. 148)

Há uma relação estreita entre a produção de cereais e consumo de

fertilizantes. Segundo a FAO (2003, p. 148), durante as décadas de 70 e 80, 1/3

e metade dos acréscimos de produtividade dos grãos no mundo e na Índia,

respectivamente, foram atribuídas ao aporte de fertilizantes.

As culturas de trigo, arroz e milho participaram com 52% do consumo

mundial de fertilizantes, nos anos de 1997/199922, estimado em 137,7 milhões

de toneladas de nutrientes.

21 Dentre os nutrientes essenciais ás plantas, os macronutrientes primários, representados pelo N (nitrogênio), P (fósforo) e K (potássio), são assim denominados por serem necessários em maior quantidade que os macronutrientes secundários (Ca, Mg e S) e estes mais que os micronutrientes (Fe, Cu, Zn, Mn, B, I, Na, Cl, Mo e Co), estes, aplicados em quantidades ínfimas por hectare: de 0,001 a 1% das doses de macronutrientes (30 a 200 kg/hectare, em média). 22 Média anual referente aos anos de 1997 a 1999.

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A Figura 9 mostra o consumo mundial de fertilizantes, em relação aos

três principais grupos de adubos: nitrogenados (N), fosfatados (P2O5) e

potássicos (K2O), comumente chamados de fertilizantes N-P-K. Verifica-se que

houve aumento em todos os grupos, mas, proporcionalmente, o consumo de N

teve um aumento bem maior, aproximadamente, 12 milhões de toneladas, em

1960-61, para 80 milhões de toneladas, em 1996-97 - um aumento de quase

670%. Em 1960-61, a relação entre os grupos de nutrientes era de 1:1:1. Já,

em 1996-97, a relação passou a 8:3:2, aproximadamente.

Figura 9: Evolução do consumo mundial de fertilizantes N-P-K, entre os anos de 1960/61 e

1996/97, em milhões de toneladas de nutrientes (K2O, P2O5 e N).

Fonte: IFA/UNEP (1998, p. 11)

A variação nas proporções no consumo de N-P-K, no período de

1960/61 a 1996/9 - principalmente para o nitrogênio (N), com variação de 800%

- se deve às respostas altamente significativas das cultivares de alta

produtividade, aliada às maiores perdas de N nos sistemas produtivos. Em

muitos países em desenvolvimento, os fertilizantes são subsidiados de

diferentes formas, contribuindo para que a fertilização seja praticada de

maneira ineficiente e em altas doses (TOLBA, 1992, p. 293).

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Os fertilizantes podem causar impactos ao meio ambiente,

principalmente em manejos inadequados. Por meio da erosão e lixiviação,

nutrientes, na forma de nitrato e fosfato, são carreados aos rios e mares, onde

causam eutroficação. Os nitratos contaminam as águas profundas e

superficiais e são um grande problema na América do Norte e em muitos

países europeus (TOLBA, 1992, p. 293).

O consumo mundial de fertilizantes por hectare de terra arável, nos anos

de 1997/1999, foi de 92 kg, em média. Um índice altamente significativo se

comparado aos anos de 1961/1963, com consumo de 25 kg/ha/ano (FAO,

2003, p. 149). Os países industrializados têm consumido, em média, maiores

quantidades de fertilizantes por área que os países pobres e em

desenvolvimento, respectivamente 117 e 84,8 kg de nutrientes/ha/ano. Porém,

os países do Sul da Ásia (incluindo a Índia) e do Leste asiático (incluindo a

China), consomem 103 e 194 kg de nutrientes/ha/ano, respectivamente (FAO,

2003, p. 149). Segundo a FAO (2003, p. 149), as projeções indicam que o

consumo mundial de fertilizantes cresça para 165,1 milhões de toneladas (Mt),

em 2015 e 188 Mt, em 2030.

Em situações normais de produção, os fertilizantes representam 24 a

30% dos custos variáveis totais (LU et al., 2000; BULLEN & BROWN, citados

por GAREAU, 2003, p. 347).

2.5 Produção de Alimentos versus Produção de Biomassa

para Fins Energéticos

Novos termos têm-se tornado freqüentes nos últimos 15 anos devido,

principalmente, ás necessidades globais na busca de alternativas de energias

menos impactantes e renováveis em substituição aos combustíveis fosseis.

Biomassa para fins energéticos, bioenergia, agroenergia, biodiesel, etanol,

agroenergia, commodities agroenergéticas, entre outros, fazem parte destes

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novos termos. Mas, por utilizar os mesmos fatores produtivos das commodities

alimentares, algumas perguntas são muito apropriadas e consistentes, entre

elas:

• As necessidades mundiais de energia podem contrapor à

segurança alimentar e ambiental?

• Os agrocombustíveis podem intensificar o avanço da fronteira

agrícola e/ou invadir áreas de produção de alimentos?

• Quais os impactos das commodities agroenergéticas nos

mercados de energia (combustíveis, eletricidade) e nos mercados

de alimentos, rações e fibras?

Rodrigues (2008, p. 88) afirma:

Nada é mais repetitivo do que o falso dilema da disputa

biocombustível x alimentos, e não há argumentação numerológica,

técnica ou científica que demova os neo-malthusianos crentes na fome

por causa do etanol e do biodiesel”.

O mesmo autor argumenta que no Brasil, nos últimos 15 anos, a

área plantada com grãos aumentou 21%, enquanto que a produtividade

teve um crescimento de quase 120%. Em relação á produção de carnes,

em 12 anos, o crescimento de carne de frango foi de 170% e de carne

suína, 113%. Perante estes dados, fica demonstrado que há uma enorme

capacidade de se aumentar a oferta de alimentos no futuro, utilizando,

inclusive, novas tecnologias, como a transgenia (RODRIGUES, 2008, p.

88).

No mundo, as opções agrícolas para a produção de bioenergia são

bastante variadas, conforme o produto energético final, como etanol e

biodiesel. As condições edafoclimáticas e tecnológicas são fundamentais,

como qualquer cultura, especialmente no caso da bioenergia, pois a

produtividade e baixos custos de produção são condições primordiais em um

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mercado globalizado, principalmente, quando se deseja a substituição dos

derivados de petróleo. A expansão da bioenergia, nos EUA, está baseada em

milho e, no futuro, celulose (palhadas, forragens, restos de madeira) para a

produção de etanol. Já na Europa, o modelo baseia-se em colza / canola para

biodiesel, e cereais (trigo, cevada, milho e centeio), beterraba e celulose para

produção de etanol, de modo que qualquer opção usada nesses países tende a

ser sempre mais cara do que as alternativas possíveis na região tropical do

planeta (JANK, 2007).

O mesmo autor comenta que expansão dos canaviais no Brasil para a

produção de etanol ocorre basicamente em áreas de pastagens do Centro-Sul,

a milhares de quilômetros da floresta, de modo que a reserva de 200 milhões

de hectares de pastagens permite desenvolver um sistema integrado lavoura-

pecuária diversificado e de alta produtividade.

“O etanol de cana saiu de 3 mil litros por hectare nos anos 70

(produtividade atual do milho americano) para os atuais 7 mil litros por

hectare. Em dez anos vamos atingir pelo menos 12 mil litros por hectare

ou exportar dez vezes mais energia para o sistema elétrico, com o

aproveitamento da biomassa da cana.” (Jank, 2007).

Rodrigues (2008, p. 88), ainda, argumenta:

“...a produtividade do etanol por hectare também dobrará em função

dos avanços tecnológicos. E finalmente, haverá produção de alimentos

nas áreas de renovação de cana, onde só havia pastagens. Portanto, não

há e nem haverá, em longo prazo, o problema da concorrência entre

alimentos. Outras questões recorrentes nos eventos referidos – como a

plantação de cana na floresta Amazônica (absurdo agronômico) ou a

questão ambiental da monocultura – já estão todas equacionadas.”

A expansão da fronteira agrícola no Brasil tem-se dado principalmente

pelo avanço do desmatamento para a abertura de pastagens. A pecuária é o

setor produtivo que mais influencia no desmatamento da Amazônia. Cientistas

e ambientalistas estimam que mais de 70% das derrubadas florestais são feitas

para a formação de pastagens (OESP, 2008).

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2.6. Estudos de Relevância Histórica

2.6.1. O “Clube de Roma” e os Limites do Crescimento

Um dos primeiros estudos a se preocupar com o assunto em questão, e

que representa um marco nas preocupações sócio-ambientais, é o do Clube de

Roma23, cujos resultados foram parcialmente publicados em, “Limites do

Crescimento” (MEADOWS, 1978).

Segundo Bhaskaran (2007, p. 70), o livro intitulado, “Os Limites do

Crescimento”, publicado em 1972, é a maior iniciativa de futurologia em relação

à sustentabilidade da sociedade humana, empreendida pelo “Clube de Roma”,

fundado em 1968. Apesar de passados mais de trinta anos desde sua

publicação, este estudo ainda prova sua grande relevância e utilidade, apesar

de ter sofrido críticas tremendas (BHASKARAN, 2007, p. 70).

O “Clube de Roma” nasceu, em 1968, de um encontro informal de trinta

pessoas de diversas áreas, como cientistas, economistas, humanistas,

educadores, industriais, entre outros, de dez diferentes nacionalidades,

reunidos na Accademia dei Lincei, Roma, a fim de discutir um assunto de

grande amplitude: os dilemas atuais e futuros do homem, culminando na

decisão de realizar um a tarefa bastante ambiciosa: o Projeto sobre o Dilema

da Humanidade (MEADOWS et al., 1978, p. 9-11).

23 Segundo explicação apresentada na edição brasileira de 1978, O “Clube de Roma” foi criado por "um grupo de intelectuais e homens de empresa e de ciência da Europa e América do Norte, aos quais se juntaram estudiosos da Ásia, África e América Latina, que resolveu em 1968 empreender, com os métodos que a cibernética e as ciências sociais são capazes de usar hoje em dia, um exame a fundo das inter-relações entre crescimento da população, desenvolvimento industrial e agrícola, utilização dos recursos naturais e contaminação do meio ambiente em uma perspectiva de, pelo menos, até meados do século XXI. Por meio de um trabalho de mais de três anos, o grupo chegou a conclusões bastante desalentadoras, suscitando polêmicas apaixonadas no mundo inteiro. Longe de ter qualquer intenção alarmista, porém, as análises efetuadas visaram alertar os responsáveis pela condução da humanidade para que pudessem adotar as medidas políticas e sociais capazes de impedir uma situação catastrófica. Neste encontro de intelectuais, reunidos pela primeira vez em abril de 1968, em Roma, nasceu o “Clube de Roma”, designação pela qual ficou mundialmente conhecida" (MEADOWS, 1978).

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“O objetivo do projeto é examinar o complexo de problemas que

afligem os povos de todas as nações: pobreza em meio à abundância,

deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições,

expansão urbana descontrolada, insegurança de emprego, alienação da

juventude, rejeição dos valores tradicionais, inflação e outros transtornos

monetários. Estes elementos aparentemente divergentes da

‘problemática mundial’,..., têm três características em comum: ocorrem,

até certo ponto, em todas as sociedades, contêm elementos técnicos,

sociais, econômicos e políticos, e, o que é mais importante, atuam uns

sobre os outros” (MEADOWS, 1978, p.11).

“[Os integrantes do Clube de Roma] estão unidos pela profunda

convicção de que os grandes problemas que desafiam a humanidade

são de tanta complexidade, e são tão inter-relacionados, que as

instituições e os planos e ações tradicionais, já não são capazes de

superá-los, nem mesmo de enfrentá-los em seu conjunto” (MEADOWS

et al., 1978, p. 10).

“O dilema da humanidade é que o homem pode perceber a

problemática e, no entanto, apesar de seu considerável conhecimento e

habilidades, ele não compreende as origens, a significação e as

correlações de seus vários componentes e, assim, é incapaz de planejar

soluções eficazes. Fracasso que ocorre, em grande parte, porque

continuamos a examinar elementos isolados na problemática, sem

compreender que o todo é maior que suas partes: que a mudança de um

de seus elementos significa mudança dos demais” (MEADOWS et al.,

1978, p.11).

No contexto da percepção da problemática que aflige a humanidade,

Heiser, (1973) inicia o prefácio de seu livro - O Império das Sementes -

publicado há mais de trinta anos, afirmando que a humanidade se defronta

com numerosas dificuldades, como guerras, pobreza, fome, poluição, relações

raciais, frisando que são questões inter-relacionadas, de maneira que se

mostra difícil destacar qual delas é mais importante.

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No que se refere à compreensão das origens, significação e das

correlações dos problemas da humanidade e suas possíveis soluções, Janzen,

(2004, p.15) faz alguns comentários interessantes dentro de uma ampla

perspectiva acerca de um problema, no caso, o seu estudo sobre o ciclo do

carbono nos diversos ecossistemas da Terra. O referido pesquisador faz uma

relação entre a incerteza e o entendimento: o grau de entendimento aumenta

com a pesquisa, sendo que a incerteza pode aumentar inicialmente quando

novas variáveis são descobertas, mas tende a diminuir paulatinamente. A

teoria de Janzen se aplica perfeitamente no estudo das causas e

conseqüências das mudanças climáticas. A complexidade deste assunto tem

levado os pesquisadores a estudar fatos pontuais, com esperança de que

possam explicar os fenômenos climáticos globais como um todo e,

principalmente, seus desdobramentos. Atualmente, no que se refere às

mudanças climáticas, as variáveis são muitas, e parece que ainda levará

algum tempo para que o entendimento alcance um grau suficientemente

elevado.

Os resultados obtidos em pequenas escalas não podem ser facilmente

extrapolados para níveis globais, sendo até mesmo impossíveis de fazê-lo

(MEADOWS et al., 1978 p. 15). Cientistas honestos muitas vezes terão que

responder que não sabem, não podem saber, ou têm algumas suposições

(HAERLIN & PARR, 1999, citados por JANZEN, 2004, p. 15).

Para Janzen, (2004, p. 16), as incertezas têm sido importantes para o

desenvolvimento da humanidade, e algumas vezes a sua simples existência,

por si só, mostram um avanço. A dúvida e a incerteza são ingredientes

essenciais na ciência (HANSEN, 2002, citado por JANZEN, 2004, p.16).

Em síntese, as questões que afligem o mundo sempre existiram, e, no

futuro, certamente ocorrerão. Os problemas carregam incertezas, grandes ou

pequenas, simples ou complexas, contudo, elas são fundamentais na busca

das soluções.

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“Limites do Crescimento” é um estudo pioneiro cujo objetivo foi

identificar e compreender as questões que interferem no desenvolvimento da

humanidade - os limites do seu crescimento - dentro de uma perspectiva global

e de longo prazo.

“Muitas pessoas acreditam que o curso futuro da sociedade

humana, talvez mesmo a sua sobrevivência dependa da urgência e da

eficácia das respostas que forem dadas a estas questões. No entanto, só

uma pequena fração da população mundial sente-se ativamente

responsável pela compreensão destes problemas ou pela busca de

soluções” (MEADOWS et al., 1978, p. 14).

“Em geral, quanto mais amplo o espaço e mais longo o tempo

dedicado a um problema, tanto menor é o número de pessoas realmente

envolvidas na busca de soluções” (MEADOWS et al., 1978, p. 15).

É oportuno observar que a problemática da humanidade tem se

modificado muito pouco dentro da conjuntura na qual o estudo do Clube de

Roma foi realizado até os dias atuais. Contudo, os problemas têm se

acentuado com o desenvolvimento e crescimento da população mundial, de

modo que a compreensão da problemática, assim como as possíveis soluções

têm sido cada vez mais prementes, vista a diminuição dos recursos naturais e

a vulnerabilidade dos ecossistemas, dos quais a humanidade obtém sua

satisfação de bens e serviços. Acrescenta-se a isso, a necessidade de se

alcançar a sustentabilidade dos ecossistemas, no longo prazo, diante das

atividades antropogênicas das atuais e futuras gerações.

Salienta-se que a noção de sustentabilidade deve empregar todos os

elementos que permeiam e caracterizam a sociedade humana, seja pelo viés

econômico ou puramente ecológico, não implicando, necessariamente, a

simples manutenção no uso e apropriação de bens e serviços que são

providos pelos ecossistemas, principalmente daqueles modificados pelo

homem, como os agroecossistemas e os sistemas urbanos.

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Atualmente, a humanidade, assim como há mais de trinta anos - e no

futuro mais próximo do que pensamos - confronta-se com problemas e

perspectivas que exige tomada de decisões baseadas na investigação

científica e no entendimento das questões, Contudo as decisões, pessoais ou

coletivas, são amplamente influenciadas por valores culturais, éticos e

econômicos. Além disso, as decisões devem ser tomadas diante de

preocupações de âmbito local e restrito, passando a níveis mais amplos, como

países e o próprio planeta, assim como sob o aspecto individual, familiar e

grupos bem maiores, como as comunidades e nações.

Como foi dito, as decisões dependem e fatores múltiplos e variados, os

quais ainda incorporam o tempo: curto, médio e longo prazos. Dessa maneira,

as perspectivas humanas apresentam duas dimensões: tempo e espaço, que

podem ser graficamente representados, no qual o interesse humano pode

situar-se em algum ponto do gráfico, dependendo do espaço geográfico que

ele abrange e até onde se prolonga no tempo (MEADOWS et al., 1978, p. 14).

Meadows et al. (1978, p. 15) salientam que é motivo de preocupação

crescente a possibilidade da maioria dos objetivos pessoais serem anulados

pelas tendências gerais no longo prazo, como as guerras, a deterioração

ambiental, a explosão demográfica e a estagnação econômica. Os mesmos

autores suscitam algumas indagações:

• As implicações destas tendências são tão ameaçadoras de modo

que para sua solução seja exigida prioridade sobre os interesses locais no

curto prazo?

• Quais os métodos que possui a humanidade para solucionar os

problemas globais e quais podem ser os resultados e os seus custos?

Diante do exposto, cabe aqui acrescentar algumas interrogações que,

atualmente, parecem ser mais instigantes diante do cenário preocupante das

mudanças climáticas globais provocadas pelos impactos das atividades

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antropogênicas que têm acarretado distúrbios ambientais e que tendem a se

acentuarem no futuro:

• As pessoas têm consciência de que, individualmente, têm

contribuído para a depleção dos recursos naturais e para os impactos

ambientais, entre eles as mudanças nos padrões climáticos globais e de suas

possíveis catástrofes?

• As pessoas, conscientes dos impactos individuais sobre os

ecossistemas, podem sacrificar seus anseios particulares e próximos, a fim de

contribuir para as questões de âmbito coletivo e mundial, como as que podem

minimizar os efeitos ou mesmo debelar as causas do aquecimento global?

Com relação às simulações promovidas pelo Clube de Roma ao final da

década de 60, considerando hipóteses de referência, a Figura 10 representa

uma destas situações. Nela, são apresentados os resultados da simulação do

“Padrão Modelo”, que considera como premissas fundamentais, a inexistência

de alterações importantes nas relações físicas, econômicas e sociais, que

historicamente nortearam o desenvolvimento do sistema mundial de 1900 a

1970. Segundo os resultados desta simulação, os alimentos, a produção

industrial e a população, cresceriam exponencialmente até que a diminuição

rápida dos recursos estabelecesse obrigatoriamente uma redução no

crescimento industrial. Devido aos atrasos naturais no sistema, tanto a

população, como a poluição, continuariam a crescer durante certo tempo, após

o ápice da industrialização. Segundo este modelo, o crescimento populacional

seria finalmente interrompido devido à redução da taxa de natalidade

decorrente da diminuição do suprimento alimentar e de serviços de saúde.

Neste cenário, os recursos naturais diminuem acentuadamente no período de

200 anos (1900 - 2100), e as curvas de poluição e população apresentam um

comportamento semelhante: aumentando exponencialmente até atingir um

ponto de máximo, a partir do qual se reduzem.

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Figura 10: Processamento-padrão do modelo mundial, segundo o “Clube de Roma”.(Original) Fonte: Meadows, (1978, p. 122).

2.6.2. Evolução Agrária e Pressão Demográfica Segundo Ester Boserup

O trabalho de Ester Boserup, originalmente intitulado como “The

Condictions of Agricultural Growth” foi publicado em 1972 e traduzido para o

português, em 1987, como “Evolução agrária e Pressão demográfica”. É um

estudo pioneiro, clássico, sobre as relações entre crescimento populacional e

transformação da agricultura primitiva, onde, de forma polêmica, a autora

afirma que a pressão do crescimento populacional pode ser um estímulo ao

desenvolvimento econômico genuíno, não conduzindo, necessariamente, como

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pretendem os Neo-Malthusianos, aos “excedentes” demográficos, ao

desemprego e à fome.

Nele, a autora insere diversos elementos, como crescimento

populacional, produção de alimentos que interagem com a dinâmica do uso da

terra e da sua capacidade de suporte em relação à intensidade do sistema de

cultivo (intensivo e extensivo), rendimentos das produções agrícolas e do

trabalho, estímulos e investimentos na produção e implicações resultantes na

economia agrária dos países pobres e em desenvolvimento. O estudo de

Boserup é importante pelo enfoque históricos de sua análise - da Idade Média

aos primeiros anos da Revolução Verde (RV)24 - e pelo destaque dados pelo

autora aos conflitos sócio-econômicos ocorridos nas comunidades rurais,

considerando os efeitos em economias agrícolas de subsistência, extensivos,

de pousio e auto-suficientes. O trabalho de Boserup enfoca a transição entre

economias agrícolas de subsistência para economias de produção intensa de

alimentos caracterizada pela maior freqüência de plantios, menor período ou

ausência de pousio da terra e dependência de insumos industriais.

Em síntese, a autora estuda a evolução agrária versus pressão

demográfica, tendo como parâmetro básico as tecnologias de produção

empregadas. No entanto, estabelece como premissa que o crescimento

populacional é uma variável independente e principal fator de mudanças na

agricultura - argumento distinto da teoria Malthusiana (ou Neo-Malthusiana),

que se fundamenta no pressuposto de que o crescimento populacional é uma

variável dependente e relacionada intimamente às mudanças de produtividade

local de alimentos e às mudanças tecnológicas usadas nesta produção.

Segundo a escola Malthusiana, baixas taxas de crescimento demográfico em

certas comunidades pré-industriais, não podem ser explicadas por baixas

produtividades per capita de alimentos resultantes do excesso populacional,

havendo outros importantes fatores para explicação das tendências

demográficas (BOSERUP, 1987, p. 11).

24 Segundo PARAYIL (2003) a RV tem início em 1950, indo até 1990.

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“Na nova abordagem ao desenvolvimento agrícola...marcada

pelo conceito de freqüência de cultivo, chama a atenção para os efeitos

prováveis das mudanças ocorridas na densidade populacional sobre a

tecnologia agrícola, o que é claramente contrastante com a concepção

de que a tecnologia agrícola é um fator autônomo e independente da

dinâmica populacional”. (BOSERUP, 1987, p.10).

“Evolução Agrária e Pressão Demográfica” não é um estudo que se

baseia na tese de que a pressão demográfica exerce um efeito positivo no

desenvolvimento de novas técnicas agrícolas e que estas, por sua vez,

incrementariam a produtividade dos gêneros alimentícios fundamentadas, num

primeiro momento, na passagem da produção extensiva apoiadas em técnicas

rudimentares de cultivo, no uso de pousio e com menor investimento e força de

trabalho, para uma produção de alimentos intensiva, ou seja, com

intensificação do uso da terra, maior inversão de trabalho e de capital, por

unidade de área (BOSERUP, 1987, p. 29). Além disso, a autora enfatiza que

seu estudo se ocupa dos efeitos do crescimento populacional sobre a

agricultura e não das causas desse crescimento (BOSERUP, 1987, p.11).

A intensificação no uso da terra, segundo a autora, não esta relacionada

à mera existência de técnicas de produção de alimentos mais intensivas,

independentemente da densidade populacional e da variabilidade tecnológica.

Também, as variações geográficas que influenciam fatores naturais e

humanos, e os efeitos de longo prazo, não determinam num dado momento, a

escolha, por parte dos agricultores, de sistemas de produção mais intensivos

ou mais extensivos e entre o uso de tecnologias mais primitivas ou mais

modernas.

“Na vida real, não se terá jamais de escolher entre o sistema de

pousio longo com machados de pedra e cultivo anual com arados

manufaturados” (BOSERUP, 1987, p. 30).

Segundo Parayil (2003, p. 975), a agricultura de subsistência é

freqüentemente caracterizada por um “efeito de exclusão”, o qual é definido por

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uma tendência de parte dos camponeses em resistir às inovações tecnológicas

e à modernização, especialmente quando essas inovações incluem mudanças

radicais no sistema de produção de alimentos.

Boserup (1987, p. 132), afirma que o aumento da produtividade agrícola

- considerando o padrão de uso da terra, em uma dada região - pode ser obtido

por maior intensificação no uso da terra ou no cultivo mais freqüente da terra,

quando associados ao uso intenso da mecanização, da irrigação e de

fertilizantes artificiais, impulsionada por preços atrativos dos alimentos e/ou

pelo aumento da demanda decorrente do aumento da população.

A autora faz duas importantes ponderações acerca da relação entre

crescimento populacional e mudanças no padrão de uso da terra:

• Em um país com população constante

O crescimento da produção total de alimentos é função do aumento de

renda per capita e não há necessidade de uma mudança substancial no padrão

de uso da terra. O uso intenso de mecanização agrícola e de fertilizantes

artificiais seria em casos específicos peculiares, como na substituição da mão-

de-obra, onde esta é escassa, e no uso intenso de fertilizantes minerais com a

finalidade de concentrar a produção de alimentos em solos de melhor

qualidade, enquanto que a mão-de-obra poderia ser liberada das terras menos

férteis. Neste ultimo caso, haveria pequena mudança na intensidade média de

uso da terra;

• Em um país com alto crescimento populacional

A autora considera como premissa neste caso, a impossibilidade de

importação de alimentos a fim de mitigar a demanda interna. A demanda

crescente por alimentos seria um estímulo na mudança de uso da terra,

objetivando a produção agrícola intensiva por meio do uso combinado de

mecanização de fertilizantes artificiais. Os fertilizantes seriam usados para

suplementar e não para substituir outros meios de adubação, propiciando

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cultivos mais freqüentes. A mecanização seria utilizada na irrigação, na aração,

colheita e outros tratos culturais.

“Quando o equipamento mecanizado é usado com tais objetivos,

longe de rejeitar e substituir o trabalho humano, ele provoca um

aumento das oportunidades de emprego” (BOSERUP, 1987, p.133).

“Quando se levam em conta as possibilidades de intensificação

do uso da terra por meio de insumos industriais, a potencialidade

produtiva plena dos métodos agrícolas modernos torna-se muito

aparente” (BOSERUP, 1987, p.133).

Para Braun & Brown (2003, p. 1046 & 1047), o trabalho rural é a

principal fonte de emprego para a vasta maioria dos pobres no mundo,

portanto, a adoção de novas tecnologias de produção agrícola implica em

questões sociais e éticas relacionadas à substituição de mão-de-obra rural, que

se traduz na dicotomia entre eqüidade da produção rural versus eficiência

produtiva. A eqüidade na produção e alimentos é extremamente importante

num mundo onde se manifesta uma enorme pressão para a aceleração da

produção de alimentos, a fim de suprir, em quantidade e diversidade, a

crescente demanda.

Perkins (1997, p. 226), afirma que a possibilidade de conexão entre a

tecnologia agrícola e a divisão de seus benefícios, é pouco promissora na

busca de uma maior eqüidade e tranqüilidade social. As novas práticas, como

aquelas implementadas pela RV, podem agravar as distribuições desiguais das

colheitas, provocando um alargamento das diferenças sócio-econômicas.

Também, a manutenção da agricultura tradicional baseada na produção de

subsistência pode provocar a iniqüidade (PERKINS, 1997, p. 226).

Segundo Kern (2002, p. 291), as tecnologias sempre fizeram parte da

agricultura e, de tempos em tempos, novas tecnologias e desenvolvimentos

produzem importantes impactos nos agroecossistemas e, no futuro, a

agricultura deverá continuar a ser dependente das inovações das técnicas.

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Parayil (2003, p. 977), afirma que o avanço da modernização

(modernidade) começou há mais de dois séculos, na Europa, com o

desenvolvimento do capitalismo industrial, causando uma transformação

profunda na produção e na utilização do conhecimento científico e tecnológico

caracterizado por um progresso linear, seguridade e convergência na

transformação social desta época. A inovação tecnológica durante este período

foi notável em todas as áreas, convergindo para um aumento global da

população. Boserup (1987) afirma que a Revolução Agrícola25, na Europa

Ocidental, no século XVIII, se encaixa perfeitamente em sua teoria referente

aos efeitos do rápido crescimento populacional

Em seu trabalho, Boserup (1987) reitera que um dos principais objetivos

do seu estudo é revelar, através da história, que o aumento populacional não é

fator determinante básico das mudanças tecnológicas na agricultura, não

havendo similaridade entre o ritmo de crescimento da população e o ritmo em

que a mudança tecnológica se processa na agricultura.

“Nos casos em que a densidade populacional diminuiu como

conseqüência de guerras e outras catástrofes, parecem ter havido, com

freqüência, um retorno aos agroecossistemas mais extensivos. Muitos

campos de cultivos permanentes foram abandonados após guerras ou

epidemias, nos começos da Idade Média, e permaneceram, depois,

incultos durante muitos séculos” (BOSERUP, 1987, p. 71).

Há uma regressão nas técnicas agrícolas usadas quando a população

declina ou quando acorre migração para áreas de densidades demográficas

mais baixas.

Existem certos grupos da população camponesa da América

Latina que...estão descendo na escala tecnológica em lugar de

subir...Observadores, como Waibel e Lynn Smith...que estudaram a

relativamente recente colonização européia no Sul do Brasil, dizem que

os descendentes dos colonos que vieram de países com técnicas

25 “Revolução Agrícola Contemporânea”

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relativamente avançadas, como Alemanha e Itália, chegaram ao ponto

de perder muitas delas. Este é um fato verdadeiro mesmo para práticas

tão simples como o uso do arado ou rotação de culturas. Como,

também, a inclusão do gado e do cultivo de forrageiras na economia do

empreendimento agrícola para a manutenção da fertilidade do solo”

(STERLING In: PARSONS et al. (ed), 1956, citado por Boserup, 1987,

p. 71-2).

• Crescimento rápido da população

Neste caso, o processo de intensificação dos métodos agrícolas precisa

ser muito mais rápido que nos casos de crescimento constante da população:

“Não somente alguns campos, mas um grande número deles

deveria ser limpo a cada ano, e serem providos de instalação de

irrigação, tendo talvez, como resultado, duas colheitas anuais no lugar

de uma. Abertura de grandes extensões de terra, melhoramentos

fundiários e drenagem ou investimento em instalações de irrigação

deveriam ocorrer simultaneamente. Os observadores contemporâneos

não deixariam de notar o aumento dessas atividades e eles bem

poderiam descrever o período de rápido crescimento da população

como um período de revolução agrícola. A revolução agrícola na Europa

Ocidental, no século XVIII, parece ter sido deste tipo, e as mudanças

agrícolas que hoje em dia estão se processando em numerosos países

subdesenvolvidos parece nos proporcionar outro exemplo da rápida

expansão de técnicas de agricultura intensiva por causa da pressão

populacional. Os historiadores futuros descreverão, provavelmente, as

décadas posteriores a 1950 como as da revolução agrícola indiana.

Os cultivadores precisam adaptar-se, por si mesmos e de forma

rápida, aos métodos que se lhes parecem como, muito embora eles

possam ter sido usados há milênios em outras partes do mundo e -

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talvez mais difícil ainda - eles devem se acostumar dentro de período

relativamente curto, a um trabalho regular e duro. Além do mais, a

comunidade deve ser capaz, de algum modo de arcar com a carga de

uma alta taxa de investimento e talvez empreender uma ampla

mudança no sistema de posse e uso da terra (BOSERUP,1987, p. 73)

Deve-se salientar que o livro da autora fora publicado, primeiramente,

em 1965, nos primeiros anos da RV, e trata, fundamentalmente, da agricultura

de subsistência, como explicado nas páginas anteriores.

Uma das questões polêmicas e não explicada no seu livro é: como

inserir as premissas da RV no contexto da evolução agrária. Na trajetória da

humanidade, em termos culturais e científicos, os paradigmas da RV teriam

seu lugar na história por meio do qual a crescente demanda alimentar,

resultante do crescimento da população mundial, especialmente dos países

pobres e em desenvolvimento, pudesse ser satisfeita. Destaca-se que as

técnicas da RV ainda farão, por muito tempo, parte do cenário agrícola do

mundo, mesmo em alguns lugares da África subsaariana, contudo sem o apoio

massivo, técnico e político, que fora fundamental para o ‘sucesso’ da RV, como

historicamente é conhecida.

Como Parayil, (2003) bem descreve, a RV se fundamenta na passagem

da agricultura de subsistência para uma agricultura essencialmente

intensificada, calcada em cultivares alto rendimento e no grande aporte de

insumos, especialmente de irrigação e fertilizantes. A evolução científica

relacionada à produção alimentar tem mostrado técnicas inovadoras,

principalmente a partir da década de 90, de modo que os paradigmas da RV

têm sido, desde então, utilizados com maior freqüência com os paradigmas da

“Revolução Genética Molecular” ou, mais conhecido, “Organismos

Geneticamente Modificados” (OGM, em português ou GMO, em inglês).

Nos países onde foram adotadas as novas práticas culturais da RV, a

produção interna de alimentos cresceu, chegando mesmo a produzirem

excedentes. Boserup (1987) afirma que as comunidades as quais são

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economicamente dependentes dos cultivos de subsistência têm a tendência de

passar de cultivos menos intensivos para mais intensivos com a finalidade de

garantir maiores produções, necessariamente influenciadas pelo aumento da

pressão demográfica local. Contudo, as premissas da RV, resultantes do

desenvolvimento tecnológico moderno, conduziram à substituição das técnicas

agrícolas primitivas que faziam, tradicionalmente, parte da cultura das

comunidades, passadas de geração a geração. Portanto, os povos e regiões

que “adotaram” as práticas preconizadas pela RV a receberam como um

conjunto de técnicas de produção de alimentos totalmente nova e alheia da

tradição cultural. Mas, muitos agricultores, entusiasmados com os altos

rendimentos das novas variedades e favorecidos pelo apoio institucional

técnico e financeiro, optaram decisivamente pela novidade. Outros

camponeses relutaram a aceitar a mudança ou simplesmente renegaram ao

“pacote tecnológico”, tornando-se marginalizados à nova economia de

produção agrícola. (PARAYIL, 2003; PERKINS, 1997).

Parayil, (2003) afirma que os objetivos principais da RV foram a de

garantir o fornecimento de matérias-primas de commodities agrícolas para o

mercado mundial em expansão, principalmente às indústrias manufatureiras

das nações ricas.

Contudo, os países pobres e em desenvolvimento, que tradicionalmente

foram coadjuvantes da RV, teriam outra forma de produzir alimentos a fim de

suprir a demanda alimentar de suas populações em crescimento acelerado?

Perkins, (1997, p. 213) explica que durante o século XVIII e XIX, o

aumento do suprimento alimentar, as melhores condições de higiene e os

avanços na área médica reduziram a mortandade, primeiro na Europa e,

depois, nos demais continentes, contribuindo para incrementos cada vez

maiores nas taxas de crescimento populacional. Até o século XX as práticas

culturais existentes de produção de alimentos estavam em equilíbrio com as

taxas médias de fixação natural de nitrogênio (N) atmosférico. A partir do

século XX, o crescimento populacional e da demanda alimentar fizeram com

houvesse a intervenção humana no ciclo natural do nitrogênio. A habilidade

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humana na fixação artificial do N atmosférico em compostos sintetizados teve

um significativo aumento no período entre 1900 e 1950: de quatro mil

toneladas, em 1913 -14, para mais de 11, 8 milhões de toneladas, em 1959 -

60 (PERKINS, 1997, p. 215).

O elemento químico nitrogênio, entre outros, é um mineral essencial

para os vegetais, sendo agronomicamente classificado como o principal

mineral, em termos de quantidade aplicada, que contribui para sustentação das

lavouras e aumento das suas produtividades. Perkins (1997, p. 214), observa

que, por volta de 1950, os fertilizantes artificiais nitrogenados tornaram-se

baratos, de modo que os agricultores que na época cultivavam cereais e

culturas lucrativas, como algodão, tabaco, frutas e vegetais, utilizavam esses

fertilizantes em doses tão elevadas quanto possível. É importante frisar que a

humanidade é, atualmente, dependente da sua capacidade de fixar

artificialmente grandes quantidades de nitrogênio (PERKINS, 1997, P. 215).

Os fertilizantes artificiais, entre eles os nitrogenados, foram importantes

para os propósitos da RV, entre os quais, as variedades de altas

produtividades e, devido a isso, dependentes de altas doses de fertilizantes.

Neste sentido, é conveniente inferir, a seguir, algumas observações quanto á

dicotomia entre a teoria defendida por Boserup (1987) e os paradigmas da RV,

podem-se supor que:

• A RV, independentemente da sua finalidade, foi concebida para ser

um progresso tecnológico, no sentido de proporcionar aumentos significativos

nas produtividades das commodities agrícolas, entre elas as dos gêneros

alimentícios, e, neste sentido, pode ser vista como um impacto positivo;

• A RV, além das benesses das novas tecnologias, trouxe uma série

de impactos negativos, muito maiores que as técnicas mais intensivas das

produções de subsistência, estas isentas de impactos ambientais negativos,

segundo Boserup. Destacam-se entre os impactos negativos, os ambientais,

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com o elevado grau de arroteamento, de erosão, de poluição por fertilizantes

artificiais, por defensivos agrícolas, entre outros;

• A RV, no passado, propunha a adoção de um monopólio: o “pacote

tecnológico”, a fim de substituir as técnicas de produção agrícola de

subsistência, como as estudadas por Boserup (1987), de baixas

produtividades, porém, baseadas em variedades locais adaptadas às

condições edafoclimáticas e mais resistentes as pragas e doenças e, até então,

independente dos interesses mercadológicos da globalização. Interesses os

quais beneficiaram empresas estrangeiras fornecedoras e detentoras de novas

tecnologias, como de fertilizantes artificiais, de defensivos agrícolas e de

sementes híbridas;

• As técnicas da RV substituíram as técnicas de produção agrícola de

subsistência com o argumento de que estas, por mais intensivas que fossem,

não conseguiriam proporcionar as altas produtividades agrícolas necessárias

aos crescentes incrementos populacionais, fossem locais ou nacionais, além

da demanda de exportação;

• Em princípio, as altas taxas de natalidade e baixas taxas de

mortalidade da população mundial nos séculos XVIII, XIX e XX, resultando em

grande aumento populacional, derivam de fatores decorrentes do acentuado

desenvolvimento científico e tecnológico que acarretou a melhoria de vida das

populações, com conseqüente crescimento populacional. Portanto, as soluções

para o aumento da produção de alimentos também resultariam do

desenvolvimento tecnológico, como a RV, e não estariam dentre as técnicas de

produção de subsistência.

• Se a tese descrita no item anterior é verdadeira, como explicar o

caso da China, o país mais populoso do planeta, cuja grande parte do

suprimento alimentar é satisfeita pela produção interna de alimentos, os quais,

em grande parte, se fundamentam nas técnicas “rudimentares” da produção de

subsistência?

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A China tem cada vez mais, utilizado os paradigmas da RV,

principalmente o uso intenso de fertilizantes nitrogenados sintéticos. Segundo

Zhu & Chen, (2002, p. 117), a China é uma nação muito populosa (1,2 bilhão

de pessoas), com reduzida proporção de terra arável (200 milhões de hectares)

em comparação ao território e ao número de habitantes - 0,1 hectare per

capita, sendo que a média per capita no mundo foi de 0,23 hectare no ano de

1998. A demanda alimentar continua aumentando, como resultado do

crescimento continuado da população chinesa e da melhoria dos padrões (em

termos de quantidade e qualidade). Esta situação tem sido intensificada pela

diminuição da área plantada para produção alimentar, em virtude da expansão

da agricultura comercial, da industrialização e da urbanização, e, neste caso, a

única opção para o crescimento continuado da produção interna de alimentos

depende de futuros incrementos adicionais na produtividade (ZHU & CHEN,

2002, p. 117).

Os mesmos autores (p. 117) salientam que: o suprimento alimentar tem

sido prioritário para o governo chinês e, a fim de aumentar a produção interna

de alimentos, desde 1949 tem havido a expansão da produção de cereais

(arroz, milho e trigo) por meio do uso de variedades de altos rendimentos, da

intensificação do cultivo (duas e, algumas vezes, três cultivos anuais) e do

crescimento na utilização de fertilizantes e irrigação.

A fertilização nitrogenada com o uso de fertilizantes artificiais tem

contribuído significativamente nos últimos 50 anos no aumento da produção de

alimentos na China, assim como os danos ambientais. A produção de

alimentos (grãos de cereais e de leguminosas, batata-inglesa e batata-doce)

cresceu de 113 milhões de toneladas (Mton), em 1949, para 512 Mton, em

1998, correspondendo, respectivamente, de uma produção média de 1

tonelada / hectare (ton/ha) para 4,5 ton/ha (ZHU & CHEN, 2002, p.117). Por

meio de análise de regressão os autores encontraram uma correlação positiva

e linear entre a produção anual de alimentos e as doses aplicadas de

fertilizantes nitrogenados artificiais, no período entre 1949 e 1998.

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Grande parte do progresso chinês na produção de alimentos tem sido

atribuída ao rápido aumento no uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos,

havendo um padrão característico entre produção alimentar e o uso de tais

fertilizantes, principalmente entre os anos de 1970 e 1990 (ZHU & CHEN,

2002, p.118). Contudo, os autores alertam sobre sérios problemas resultantes

do manejo desses fertilizantes. A aplicação de nitrogênio tem sido

freqüentemente usada em doses em regiões e fazendas com altas médias de

produtividades de alimentos, resultando em baixa eficiência de aplicação

grandes perdas (ZHU & CHEN, 2002, p.123). Essas perdas estão associadas a

processos de volatilização, de lixiviação e de erosão ou runoff que têm causado

sérios problemas ambientais, como aumento da concentração de N (nitratos)

nas águas profundas e de superfície, e, nos últimos 20 anos, na ocorrência

altas populações de algas em lagos e de marés-vermelhas nos estuários (ZHU

& CHEN, 2002, p. 120-2).

Os autores descrevem uma situação interessante quanto ao uso de

adubos orgânicos. Segundo eles, o uso de N na forma orgânica, excrementos

de animais e de humanos, e de resíduos de culturas, tem diminuído. As fontes

de adubos orgânicos e seus usos são mostrados na tabela que se segue.

Em relação ao total de fertilizantes nitrogenados (minerais e orgânicos)

usados em 1998, somente 32,7% eram orgânicos. Um dado interessante, mas

os autores não mostram a evolução desta relação no passado.

O contingente atual de 300 milhões de habitantes das zonas urbanas na

China produziu uma quantidade estimada de 0,70 Tg de nitrogênio

provenientes de excrementos, que no passado foram amplamente usados

como adubo, mas atualmente são lançados nas águas superficiais, assim como

grande parte dos excrementos das criações de animais. Somente 35% das

fezes suínas e bovinas foram utilizadas como adubo, em 1998 (ZHU & CHEN,

2002, p. 125)

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Boserup (1987, p. 135) comenta no último e conclusivo capítulo do seu

livro, que a agricultura nos países desenvolvidos, em especial, os Estados

Unidos e países da Europa ocidental, passaram por uma revolução no século

XIX, pela qual foram desenvolvidas técnicas avançadas de cultivo,

equipamentos mecânicos e uso de insumos industrializados.

“Contraposta a essa revolução técnica nos procedimentos

agrícolas no mundo já desenvolvido, a mudança agrárias nos países

subdesenvolvidos pode parecer trivial, e é compreensível que muitos

economistas presumam que, em países onde a agricultura ainda não

atingiu o estágio dos métodos científicos e industriais, ela esteja

estagnada e tradicional26, quase por definição.” (BOSERUP, 1987, p.

135).

“Os capítulos precedentes deveriam ter revelado que esta visão é

injustificada e que nas comunidades, supostamente imutáveis, de

agricultura primitiva estão ocorrendo, de fato, mudanças profundas”

(BOSERUP, 1978, p. 135).

“A tendência [dos economistas] foi olhar os métodos de cultivo

existentes e os sistemas de uso da terra como traços permanentes de

uma determinada localidade, reflexos de condições naturais particulares,

em vez de considerá-los como fases de um processo de

desenvolvimento econômico” (BOSERUP, 1987, p. 135).

Boserup (1987) afirma que as agriculturas dos países em

desenvolvimento estão estagnadas e as agriculturas arcaicas estão passando

por relevantes transformações. Neste sentido fica claro, sem nenhum viés

especulativo, que no último capítulo de seu livro, a autora demonstra uma

preocupação quanto à evolução dos sistemas agrícolas, tomando como base o

contexto histórico na qual escreveu a sua obra: grandes transformações

técnico-científicas, culturais e políticas, com uma economia global crescente,

além do boom populacional e, principalmente, dos avanços na tecnologia

26

Atualmente, a agricultura comercial baseada nas técnicas da RV é considerada tradicional

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agronômica (aliados às corporações multinacionais e ações de apoio

governamentais).

A Revolução Verde foi desenvolvida e implementada dentro desta

conjuntura histórica, revelando-se como uma transformação das técnicas de

produção e alimentos: as técnicas modernas de produção desenvolvidas e

aplicadas nos agroecossistemas na América do Norte e na Europa Ocidental

passaram a ser disseminadas nos países menos desenvolvidos, com a

finalidade de inseri-los num mercado globalizado. Esses países tornaram-se

importantes mercados: de um lado, importadores de tecnologia, e de outro,

exportadores de commodities agrícolas. Mas, na verdade, a RV foi um modelo

de relação econômica que mudou o paradigma da produção de subsistência e

primitiva para um paradigma moderno de produção, mantendo-se, contudo, a

dependência dos países menos desenvolvidos àqueles fornecedores de

tecnologias caras e compradores de matérias-primas baratas.

É interessante frisar que a transformação das agriculturas primitivas no

mundo, como afirmada por Boserup (1987, p. 135), convive com os mais

diversos estágios de desenvolvimento agrícolas. Os agroecossistemas globais

são amplamente variados, a começar pelo grau de tecnificação. Se algumas

comunidades agrícolas de subsistência não conhecem ou ainda relutam em

adotar a RV ou algumas de suas técnicas, há agroecossistemas altamente

tecnificados, onde os conceitos de comunidade agrícola, de agricultura familiar

e de agricultura de subsistência fazem parte do passado, e o estado da arte é o

desenvolvimento da “Revolução Genética Molecular” e da engenharia agrícola.

Sobre o pensamento dos geógrafos Boserup (1987, p. 135-6) descreve:

“... eles naturalmente se inclinam a explicar diferenças nos métodos agrícolas

em termos de condições climáticas, tipo de solo e outros fatores naturais os

quais independeriam de das mudanças no tamanho das populações”.

Porém, Hibbs & Olsson (2004, p. 3715), no trabalho em que procuram

explicar por que alguns países são ricos enquanto outros são pobres, afirmam

que quanto mais ricos são os recursos biogeográficos de uma região do

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mundo, mais cedo ocorreu a transição da economia baseada na caça e coleta,

e no nomadismo, para uma economia fundamentada na agricultura e na vida

sedentária e que, por conseqüência, o início do desenvolvimento tecnológico

acelerado e do crescimento econômico ocorreram mais cedo. Esta transição

aconteceu, comparativamente, mais cedo na Eurásia do que outras regiões do

mundo. Acrescenta-se que em algumas regiões do planeta o progresso é

vagaroso e os recursos biogeográficos tão escassos que a agricultura (não

itinerante), poderia nunca ter ocorrido, como em locais pouco habitados da

Austrália, Nova Zelândia, e grande parte do Oeste norte-americano, onde os

povos coletores-caçadores assim permaneceram até que fossem colonizados

ou exterminados por povos que se desenvolveram em regiões com maiores

recursos biogeográficos, permitindo que a revolução agrícola pudesse originar

e se desenvolver milhares de anos antes (HIBBS & OLSSON, 2004 p. 3718).

Assim como o avanço da agricultura no Neolítico e da colonização

européia no Novo Mundo e do neocolonialismo que subjugaram as economias

primitivas de caça e coleta e da proto-agricultura, pode-se fazer uma

correlação da similaridade, econômica e histórica, da dominação das técnicas

da RV em detrimento das economias de subsistência no passado recente.

Parece haver uma tendência natural, sem ser, contudo, simples e isenta

de impactos sociais, econômicos e ambientais, de que as comunidades

tecnologicamente menos desenvolvidas adotem, com o passar do tempo,

técnicas alheias às tradições culturais de produção de alimentos. Contudo,

essas considerações devem ser avaliadas com ressalvas, no que diz respeito

às tradições culturais e ao contexto econômico e histórico.

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3. ANÁLISE DE CENÁRIOS FUTUROS PARA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Nos capítulos anteriores foram abordadas questões que remetem, direta

e indiretamente, à trajetória das sociedades humanas. Neste sentido, o

desenvolvimento da humanidade, no seu contexto histórico e biológico, tem

dependido fundamentalmente dos recursos ambientais do planeta.

As mudanças nos padrões biofísicos da dinâmica natural do planeta têm

se acentuado nos tempos modernos, principalmente após a Segunda Guerra

Mundial, concomitantemente com a aceleração do crescimento populacional e

da demanda por recursos naturais.

A superexploração de recursos, motivada pelos novos padrões de

consumo e de produtividade das sociedades modernas, não tem levado em

conta a capacidade de reprodução dos ecossistemas e, portanto, a capacidade

de manutenção destes estilos vida para as gerações futuras. Recentes

publicações, como “Living Planet Report - 2006”, da WWF, alertam para a

superação da capacidade de suporte do planeta, com possíveis implicações na

qualidade e mesmo nas possibilidades das futuras gerações. Somam-se à esta

questão, as profundas alterações globais atualmente em curso.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

(International Panel of Climate Change), IPCC (2007, p. 4 - 5 & 8), em seu 4o

Relatório de Avaliação, o aquecimento do sistema climático global é evidente,

como demonstram as recentes medições, que revelam um aumento global nas

temperaturas médias da atmosfera e dos oceanos. Este aquecimento tem

resultado do derretimento de geleiras, propiciando o aumento médio dos níveis

dos oceanos, além de outras importantes transformações globais, como nos

padrões pluviométricos, no regime dos ventos, além de episódios climáticos

extremos: secas, chuvas e ondas de calor intensas, aumento da intensidade

dos ciclones tropicais e das tempestades.

As mudanças climáticas, segundo o mesmo relatório, têm uma relação

estreita com as atividades antropogênicas observadas durante o século XX,

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entre elas, a elevação na concentração atmosférica de gases do efeito estufa

(GEE), principalmente, na última década (IPCC, 2007, p. 8). A concentração

destes dos GEE tem aumentado drasticamente, excedendo os valores pré-

industriais, obtidos em amostras de geleiras milenares. A elevação nos níveis

atmosféricos de gás carbônico (CO2) é preponderantemente resultante da

queima de combustíveis fósseis, enquanto que os aumentos na concentração

atmosférica de gás metano e óxidos nitrosos (outros GEE) estão relacionados,

em grande medida, a atividade agrícola (IPCC, 2007, p. 2).

Nos últimos anos, os meios de comunicação têm pautado matérias

acerca dos efeitos do aquecimento global. Este tema tem se tornado mais

habitual, principalmente devido aos freqüentes acontecimentos e cataclismos,

tais como: o furacão Katrina, ocorrido em 2006; as inundações no Sul asiático,

especialmente na China, Vietnã, Blangadesh (este último deixando 25 milhões

de desabrigados), ocorridos entre julho e agosto de 2007; as secas e ondas de

calor na Europa e nos Estados Unidos, registradas no verão de 2007. Estes

fenômenos podem estar relacionados com o aquecimento global.

Nos meios de comunicação tema das mudanças climáticas e da

superexploração dos recursos naturais, têm sido recorrentes, como pode ser

observado em recentes reportagens da revista semanal "Veja", com a matéria

especial: “A Última Fronteira”, que trata dos efeitos do aquecimento global, do

degelo da Antártida e dos mares setentrionais e da sobrevivência dos ursos

polares (SOUZA, p. 91). O tema se repete na edição seguinte da revista citada,

com a reportagem “o Fim da Pesca”, e na revista mensal da edição brasileira

do "National Geographic", de abril de 2007 (National Geographic, 2007), com o

tema: “O Mar Não Está Para Peixe”, onde são discutidos os efeitos da

superexploração de espécies marítimas comerciais, como atum e bacalhau, e

dos descartes de espécies sem valor comercial, alertando para o esgotamento

e para a irrecuperabilidade dos estoques pesqueiros: “Nas últimas cinco

décadas, a população mundial dobrou, mas o consumo de alimentos do mar

quintuplicou” (SCHELP, p. 114).

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79

Estes exemplos mostram que as questões sobre aquecimento global e

produção de alimentos são relevantes, estão inter-relacionadas, e interferem

em toda a vida do planeta.

Diante do exposto, são muitos os prognósticos acerca capacidade do

planeta de produzir alimentos frente às estimativas de crescimento

populacional. Destaca-se que, além de subsídios científicos rigorosos, muitas

vezes questões subjetivas são consideradas na elaboração destes cenários.

No presente capítulo, são analisados alguns dos mais relevantes

estudos que remetem a prováveis cenários, no médio e longo prazo, referentes

à produção de alimentos, às expectativas de suprimento das populações e ao

crescimento populacional, no âmbito global.

3.1. Estudos atuais de cenários referentes à produção mundial de alimentos e ao suprimento das populações

Dentre os estudos tratados neste índice, destacam-se por sua relevância

os trabalhos de: 1) Gilland (2002) e Johnson (1999), 2) Wolf, et al. (2003) e

Wirsenius (2003) e 3) FAO (2003). Os trabalhos referenciados avaliam os

cenários futuros da produção mundial de alimentos, focando os mais

importantes fatores relacionados com este tema, como os fatores populacionais

(tamanho) e ambientais (terra disponível). Destaca-se nestes trabalhos, a

utilização de dados e previsões das mais relevantes instituições e organizações

internacionais, tais como: Organização Mundial para a Agricultura e

Alimentação (Food and Agricultural Organization) - FAO, Organização das

Nações Unidas - ONU, Banco Mundial (The World Bank) - WB, International

Food Policy Research Institute - IFPRI, World Resources Institute - WRI, entre

outros.

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80

3.1.1. Análise dos Estudos de Gilland (2002) e de Johnson (1999)

De acordo com o pensamento econômico clássico, as forças

motivadoras do crescimento econômico resultam das inovações tecnológicas,

da expansão territorial, descoberta de novos recursos naturais e do

crescimento demográfico, sendo que numa economia de mercado, estas forças

contribuem também para o crescimento per capita (ANÔNIMO 2004, p. 329).

Desta forma, pode-se inferir que o crescimento da produção mundial de

alimentos está associado aos fatores supracitados. Este mesmo viés serve de

suporte para os preceitos e paradigmas da “Revolução Verde” (RV): avanço

tecnológico com o uso de variedades mais adaptadas e produtivas, uso

expressivo de fertilizantes minerais, mecanização e irrigação, expansão dos

agroecossistemas e desenvolvimento da pesquisa agronômica, aliados ao

aumento da demanda por parte do crescimento da população. Apesar de

críticas, como a de Parayil (2003), muito bem fundamentadas quanto aos

fatores reais que motivaram o início e o desenvolvimento da RV, é inegável que

ela teve papel relevante na produção mundial de alimentos após a 2a Grande

Guerra. Atualmente, a produção global de alimentos insere-se em uma

conjuntura distinta das primeiras décadas da 2a metade do século XX, onde o

aumento da demanda alimentar, alavancado pelo crescimento demográfico, se

coloca frente aos limites espaciais, de recursos naturais, de sustentabilidade

dos agroecossistemas, e da própria tecnologia, que não mais apresenta um

significativo aumento da produtividade (Gilland, 2002).

O estudo de Bernard Gilland, "World Population and Food Supply. Can

Food Production Keep Pace with Population Growth in the Next Half-Century?",

publicado em 2002, apresenta a evolução histórica da produção e do consumo

mundiais de cereais, proteína animal, fertilizantes nitrogenados e da

disponibilidade de água, incluindo uma síntese dos limites do potencial

produtivo das lavouras (tomando como base o milho), finalizando com

prognósticos do suprimento alimentar, da produção de alimentos e do

crescimento populacional. O autor, primeiramente, apresenta uma discussão

sobre a produção global média de cereais per capita ,para uma dieta média

adequada, incluindo os critérios de avaliação desta dieta, e apresentando os

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limites de possibilidades técnicas para um aumento da produção mundial de

alimentos per capita, até o ano de 2050.

Gilland faz a projeção da produção de cereais e do incremento

populacional no mundo, tomando como base os dados do United States

Bureau Of The Census (USBC), de 2001, os dados estatísticos da Food and

Agricultural Organization Statistics Database (FAOSTAT), de 2001, e as

projeções do próprio autor. Gilland considera a divisão do mundo, no panorama

histórico atual, em dois grupos de países, segundo a classificação da

Organização das Nações Unidas (ONU):

• Países Mais Desenvolvidos (PMeD): Estados Unidos da América,

Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura,

Israel e países da Europa Ocidental;

• Países Menos Desenvolvidos (PMeD): Países em desenvolvimento e

países pobres.

O autor utiliza esta discriminação em seu estudo devido às diferenças

acentuadas entre os dois grupos, no que se refere à produção total e

produtividade de cereais, demografia e padrões de dieta.

A importância dos cereais para humanidade se deve à expressiva

participação dos grãos na dieta humana e na alimentação animal. O arroz é um

dos mais importantes cereais. Entre os anos de 1997 e 19990, o continente

asiático produziu cerca de 90% de toda produção mundial de arroz, cerca de

536 milhões de toneladas anuais, em uma área de, aproximadamente, 137

milhões de hectares (ha) (MOYA et al., 2004, p. 29). Em 1999, foram

consumidos exclusivamente na alimentação animal, 655 milhões de toneladas

(Mt) de cereais (FAOSTAT, 2001, citado por Gilland, p. 52).

No mundo, grande parte da proteína animal da dieta humana provém

indiretamente dos cereais fornecidos como alimento nas criações de animais.

Em 1999, segundo Gilland (2002, p. 52), o total de proteína animal consumida

mundialmente foi de 61 Mton, dos quais, 10 Mton, oriunda de pescado, 12 Mton

de gado não confinado (pastagens) e 39 Mton de gado alimentado por cereais

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presentes na ração animal. Por estes dados, o autor deduz que, para a

conversão protéica dos cereais para os animais, as 655 Mton de cereais são

transformadas em 39 Mton de proteína animal, ou seja, a uma razão de 17

vezes (655/39=17). O autor afirma que o aumento na produção mundial de

cereais não acompanhará a demanda per capita por proteína animal até 2050,

estimada em 435 kg de cereais per capita, contando que a quantidade de

proteína de pescado e de gado de pastoreio permaneça constante.

A produção comercial de alimentos, de cereais e outros bens da

agricultura, têm sido, nos últimos 50 anos, altamente dependente do aporte

substancial de insumos agrícolas, principalmente de fertilizantes e de água.

Aproximadamente 60% da área rizícola na Ásia, são irrigadas, e 75% desta

produção provêm deste tipo de agroecossistema (MOYA, et al., 2004, p. 29). O

uso de fertilizantes nitrogenados por hectare na Ásia tem declinado nos últimos

30 anos, contudo, esta alteração não representa uma tendência no longo prazo

(DAWE, 2004, p. 61)

Os incrementos de produtividade têm sido determinantes em regiões

com pouca disponibilidade de áreas agricultáveis, como no continente asiático,

onde o aumento da produtividade, segundo Dawe (2004, p.61), decorre da

resposta da adubação nitrogenada, que atingiu seu mais alto patamar de

rendimento. Os limites agronômicos na produção de cereais são apresentados

por Gilland (2002, p. 58), corroborando a tese de que somente altas doses de

fertilizantes, muito acima daquelas economicamente recomendadas associadas

a ambientes agronomicamente favoráveis, com solo e clima adequados e

doenças e pragas controladas, poderão obter altas produtividades das

cultivares híbridas comerciais. Dawe (2004, p. 61) alerta que a aplicação

incorreta de fertilizantes nitrogenados tem contribuído para a ineficiência da

fertilização, fazendo com que os agricultores aumentem as doses aplicadas,

visando maiores produtividades.

O suprimento de água pode ser um fator limitante na produtividade

agrícola, de modo que em algumas regiões, altas produtividades somente

podem ser alcançadas por meio da irrigação (GILLAND, 2002, p. 57). Segundo

o mesmo autor, o total de área irrigada no mundo, em 1998, foi de 271milhões

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de hectares (Mha), e tem aumentado em média de 3,4 Mha por ano desde

1980, sendo que grande parte do potencial de irrigação será alcançado por

volta do ano de 2050. Estima-se que as áreas irrigadas do planeta produzam

cerca de 35% das colheitas mundiais (Crosson & Anderson, 1992, citados por

Gilland, 2002, p. 57). A produtividade mundial em equivalência de grãos das

lavouras irrigadas é de 3,5 toneladas por hectare (ton/ha), quase o dobro

daquelas não irrigadas - 2,0 ton/ha (GILLAND, 2002, p. 57). A expansão

mundial das áreas sob irrigação poderá ser limitada por alguns importantes

fatores, como a competição crescente com os consumidores urbanos e os

elevados e crescentes custos da implantação e uso dos sistemas de irrigação,

até o ano de 2050 (Crosson & Anderson, 1992, citados por Gilland, 2002, p.

57).

Em seu estudo, Gilland (2002, p. 58-9, tabela 3) faz uma projeção para a

produção mundial média de cereais para o ano de 2050, tomando como

referência, dados atuais de produtividades máximas de milho e doses

correspondentes de nitrogênio. O autor afirma que a razão entre as produções

globais de milho e de cereais tem variado desde 1950, e, tomando como base

a relação de 1,40 kg de milho/1 kg de cereal, no período de 1996 a 2000, a

produtividade de cereais seria de, aproximadamente, 4600 kg/ha no ano de

2050.

Gilland (2002) desenvolve seu cenário, incluindo os aspectos de

desenvolvimento dos dois grupos de países, segundo a classificação da FAO:

PMaD e PMeD. Nesta avaliação, a produção mundial de alimentos tem sido

mais que suficiente para alimentar adequadamente toda a população humana.

Se parte expressiva da população, em torno de 1 milhão de pessoas, não é

atendida plenamente em suas necessidades alimentares, isso se deve, em

grande parte, à insuficiente produção local de alimentos aliada à baixa renda

familiar, que compromete a aquisição de alimentos excedentes de outras

regiões. Segundo dados da FAOSTAT, 2001 (citado por Gilland, 2002, p. 59),

as exportações líquidas de cereais, dos PMaD para os PMeD, no ano de 1999,

foram de 101 Mton, sendo que o consumo estimado per capita foi de 600 kg e

280 kg, respectivamente. O autor mostra que a transferência de equalização

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global ("Total Equalization Transfer"), em 1999, foi de 20% da produção

mundial de cereais, sendo em suas considerações, praticamente a mesma

(19%), no ano de 2050. O estudo de cenário de Gilland assinala que, em 2050,

haverá aumentos significativos na população e na produção de cereais dos

PMeD, resultando numa produtividade per capita de 284 kg, um incremento de

10% em relação ao ano de 1999. No ano de 2050, mantido o consumo de 600

kg per capita de cereais nos PMaD, a exportação líquida de cereais será de

300 Mton, abaixo dos 422 Mton exportados em 1999, contudo será em torno de

10% da produção mundial projetada, coincidindo com o crescimento percentual

da produção per capita de cereais nos PMeD.

Gilland faz seus prognósticos baseando-se nas tendências de produção

de alimentos, nos limites agronômicos de produção e nas projeções

demográficas. O autor sintetiza seu estudo a partir dos resultados

apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 - Dados mundiais absolutos e relativos da população e da produção de cereais.

PMaDª PMeDªª Mundo

1999 2050 1999 2050 1999 2050

População (milhões) 1261 1310 4742 7794 6003 9104

Área com cereais (Mha)* 232 ... 439 ... 671 725

Produção de cereais (Mton)** 859 1086 1218 2214 2077 3300

Produtividade de cereais (kg/ha)*** 3700 ... 2770 ... 3094 4550

População por área (ha) de cereal**** 5,4 ... 10,8 ... 8,95 12,6

Produção de cereais per capita***** 681 829 257 284 346 362

Fonte: Gilland, (2002, p. 59), modificada pelo autor

Nota: ... dado numérico não disponível

(Mha)* milhões de hectares (1 ha = 10 mil metros quadrados)

(Mton)** milhões de toneladas

(kg/ha)*** quilos por hectares

(****) habitante por hectare

(*****) kg/por habitante

(ª) Países mais desenvolvidos

(ªª) Países menos desenvolvidos

Dos dados apresentados na Tabela 3, podem-se fazer algumas

considerações importantes. Entre elas, destaca-se que a produção de cereais,

no ano de 2050, nos PMeD apresenta um prognóstico de crescimento

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significativo, de 80%, enquanto que nos PMeD, o aumento deverá ser de 25%.

Contudo, estas impressionantes cifras seguirão o incremento mundial de 3

bilhões de habitantes, até 2050, concentrados quase que inteiramente nos

PMeD, refletindo num pequeno aumento da produção de cereais per capita

(10%). O consumo de cereais nos PMeD, segundo o autor, deverá ser

complementado por transferências dos PMaD na mesma proporção do final do

século XX, em torno de 20%. Alguns pontos merecem ser destacados no

sentido de complementar o estudo de Gilland:

• Muitos países do grupo PMeD, como o Brasil e a Argentina são, há

algumas décadas, grandes exportadores de commodities agrícolas, com

expectativa de maior crescimento até 2050 devido ao status de Know-how,

pesquisa e potencial de terras agricultáveis. Diante disto pode haver um

crescimento na produção mundial per capita de cereais, mesmo sem os

incrementos de produção dos PMaD. Vale destacar a existência de outros

fatores antagônicos a esta perspectiva, como, por exemplo: o aumento das

áreas destinadas á produção de combustíveis;

• Tem-se uma demanda reprimida de alimentos, entre os quais de

cereais, por parte dos PMeD. A evolução desta demanda, no médio e longo

prazo, é uma incógnita e os prognósticos permanecem no plano especulativo.

Os prognósticos de Gilland baseiam-se num intervalo restrito de variação do

consumo per capita de cereais. A demanda não varia somente pelo

crescimento populacional, mas também pelo nível de renda familiar e pelos

padrões de consumo.

Segundo Johnson, (1999, p. 5915), a segunda metade do século XX

presenciou um crescimento sem precedentes no consumo per capita mundial

de alimentos, com exceção dos países da região da África subsaariana. A

produção de grãos não tem acompanhado o crescimento populacional desde

1984. O mesmo autor (p. 5916) alerta que os agricultores serão prejudicados

se as produtividades agrícolas, no futuro, crescerem na mesma proporção que

nas décadas da RV, pois altos rendimentos agrícolas ocasionam queda dos

preços e, em conseqüência, os níveis subseqüentes de produtividade ficarão

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abaixo daqueles do passado. Mazoyer & Roudart, (1997/1998, p. 460)

descrevem tal acontecimento:

“... quando o mercado mundial fica saturado e os preços são baixos

(como foi o caso no fim dos anos 1960 e 1980)...os cereais importados a

baixo preço ganham terreno nos mercados...dos países pobres, os

produtores de gêneros alimentares locais...mergulham na crise, e a

dependência alimentar alarga-se. Alguns anos mais tarde (como foi no caso

dos anos 1970) quando a produção mundial e os stocks de cereais se

tornaram insuficientes, os altos preços voltaram.”

Nessa conjuntura, ainda segundo Mazoyer & Roudart, (1997/1998), a

produção interna de alimentos dos países pobres encontra-se enfraquecida,

enquanto que as necessidades alimentares aumentam cada vez mais, o

consumo dos pobres diminui e as carências e fomes reaparecem. Em países

onde a grande maioria dos produtores e dos consumidores é pobre, e os

efeitos negativos das flutuações de preços das commodities agrícolas são de

extrema gravidade (MAZOYER & ROUDART, 1997/1998, p. 460).

De 1960 a 1990 a produtividade mundial de grãos cresceu, em média,

2,5% ao ano, enquanto que, no mesmo período, os preços reais caíram cerca

de 40% (JOHNSON, 1999, p. 5916). O mesmo autor (JOHNSON, 1999, p.

5917), afirma que a demanda por grãos e alimentos, em geral, crescerá até

2025 em níveis bem mais baixos que nas últimas décadas do século XX, assim

como o crescimento do suprimento alimentar. A evolução do suprimento

alimentar mundial seria maior que o atual, se a demanda tivesse aumentado

da mesma forma que os preços reais ou internacionais de grãos. Para que a

produção de alimentos fosse crescente ao longo dos anos, seria necessário um

aumento proporcional dos preços destas commodities, o que representaria um

incentivo para o aumento da produção, seja por maiores aportes de insumos,

aumento da área plantada, incentivos econômicos e financeiros aos

produtores, de difusão tecnológica, pesquisa agronômica, entre outros. Se a

demanda tivesse crescido na mesma taxa do suprimento alimentar, os preços

internacionais permaneceriam constantes (JOHNSON, 1999, p. 5917).

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Segundo o mesmo autor (JOHNSON, 1999, p. 5917), o crescimento no

consumo de alimentos está relacionado a 4 principais variáveis, a saber: 1)

população, 2) renda per capita, 3) preço relativo do alimento ou produto

alimentar e 4) taxas diferenciais do crescimento demográfico entre países ou

regiões com distintos níveis de renda per capita.

O crescimento mundial de alimentos deverá acompanhar o crescimento

da população. Entre 1960 e 1990, o crescimento populacional contribuiu com

75% do aumento do consumo total de grãos (média anual de 1,9%), e os 25%

restantes foram relativos aos aumentos no consumo per capita de grãos (com

um aumento médio anual de 0,55%) (JOHNSON, 1999, p.5917-18).

O mesmo autor (JOHNSON, 1999, p. 5918), relata que é consenso,

entre os estudos das três maiores organizações internacionais: Food and

Agriculture Organization (FAO), The World Bank (WB) e International Food

Policy Research Institute (IFPRI), que, entre 1990 e 2010, o consumo mundial

per capita de grãos tenderá a uma pequena variação, tanto nos países

desenvolvidos e em desenvolvimento, enquanto que o consumo mundial

deverá crescer a taxas de 1,5 a 1,7% ao ano. Johnson (1999, p. 5918) faz um

prognóstico até 2020, baseado nos estudos destas organizações. Sua análise

revela que, até 2020, a produção de grãos aumentará em torno de 17% em

países desenvolvidos e cerca de 9% nos países em desenvolvimento, com um

crescimento mundial de 1,3% ao ano.

3.1.2. Análise do Cenário de Wolf et al. (2003) e do estudo de Wirsenius

(2003)

A produção mundial de alimentos tem crescido rapidamente e continuará

assim no futuro, acompanhando a crescente demanda por alimentos

(ALEXANDRATOS, 1996 & ROSEGRANT, 1995, citados por WOLF et al.,

2003, p. 842). No entanto, Brown & Kane (1994), afirmam que, embora nas

últimas décadas a produção global tenha crescido rapidamente, no futuro, este

crescimento deverá ser menor e, eventualmente, poderá haver escassez

(WOLF et al., 2003, p. 842). O rápido crescimento da demanda alimentar está

associado ao crescimento populacional e à média crescente de renda da

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população (WOLF et al., 2003, p. 842). Os mesmos autores manifestam ainda

a preocupação quanto à disponibilidade de terra no mundo para a produção

adicional de biomassa para fins energéticos, uma vez que este incremento

pode resultar na redução de áreas disponíveis para a produção alimentar, com

implicações na segurança do abastecimento de alimentos em âmbito global.

Em um estudo anterior publicado em 1995, Wolf investigou a evolução

da demanda alimentar global até 2040 e o potencial de produção de alimentos

em 15 regiões do mundo. Este estudo revelou que o potencial de produção de

alimentos, no futuro, deverá ser relativamente alto, se comparada à produção

no ano de 1995, assumindo-se altas produtividades e uma considerável

expansão da área plantada (WOLF et al., 2003, p. 842).

No estudo de Wolf et al. e publicado em 2003, Exploratory Study of the

Land Area Required for Global Food Supply and the Potencial Global

Production of Bioenergy, o nível de segurança alimentar foi usado para estimar

as áreas cultivadas que podem ser usadas para outros fins além da produção

de alimentos, como para a produção de biomassa para fins energéticos. Ainda,

nas projeções futuras das necessidades alimentares no mundo, são

consideradas as projeções de crescimento populacional e da necessidade

alimentar per capita, a qual depende fundamentalmente do padrão de

consumo.

Estes autores consideraram três padrões diferentes de consumo para o

adulto com dietas satisfatórias em relação ao consumo diário de energia e

proteína, expresso em equivalente-grão, peso seco: dieta vegetariana, com 1,3

kg de grãos/dia; dieta moderada, com 2,4 kg/dia e dieta rica, com 4,2 kg/dia.

Consideraram, ainda, as projeções da FAO, publicadas em 1997, para o

crescimento global da população até o ano de 2050, segundo três níveis de

crescimento populacional: baixo, com população estimada para 2050 de 7,66

bilhões de indivíduos; médio, com 9,37 bilhões de indivíduos, e alto, com 11,16

bilhões de habitantes (WOLF et al., 2003, p. 843). A equivalência em grãos se

refere à quantidade de grãos, em peso seco, necessária como matéria-prima

para a produção de outros produtos de consumo alimentar humano, como

laticínios e carne.

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89

Wolf et al. (2003, p. 843 -5) incorporaram na metodologia de seu estudo

alguns importantes elementos intrínsecos à produção agrícola.

Quanto ao sistema de produção, foram abordados dois sistemas

principais: Sistema Intensivo de Produção (SIP, com alto aporte de insumos,

como mecanização, fertilizantes artificiais e biocidas, e utilização de técnicas

agrícolas melhoradas, baseadas na agricultura holandesa, porém, sem

irrigação artificial; e o Sistema Extensivo de Produção (SEP), com baixo aporte

de insumos e baseado nas técnicas de cultivo de manejo integrado de pragas e

doenças, e manejo ecológico. Neste caso, não foi considerada a irrigação nem

a aplicação de fertilizantes artificiais e biocidas, que implica na redução da

produtividade, decorrente da limitada disponibilidade de água, de nitrogênio, e

da ocorrência de pragas (WOLF et al., 2003, p. 843 - 4).

Quanto às projeções da produção global de alimentos, os autores

usaram um sistema matemático de simulação, na qual foram inseridas

variáveis ambientais: dados climatológicos e dados relacionados ao solo. Neste

quesito, foram usados dois tipos padronizados de culturas agrícolas: cereais e

pastagens (cultivadas).

Os autores fizeram algumas ressalvas relacionadas à disponibilidade de

terra para a agricultura moderna. Terra disponível, neste contexto, foi definida

como a fração de área que pode ser mecanizada, na qual as culturas agrícolas

podem se desenvolver plenamente sem qualquer impedimento oriundo das

condições do solo. A disponibilidade de terra foi avaliada separadamente em

terras de cultivo e terras de pastagens, pois as primeiras são propícias às

culturas de grãos, mais exigentes quanto à fertilidade do solo do que as

pastagens. Portanto, nesta simulação da produção mundial de alimentos,

considerou-se o uso de toda a terra arável disponível no mundo para a

produção de grãos, sendo a porção não arável, destinada para pastagens.

Todas as produções, num período de um ano, foram expressas em grãos-

equivalentes em peso seco (WOLF et al., 2003, p. 844).

A produção global máxima de alimentos foi calculada para o ano de

2050 nos dois sistemas agrícolas de produção (SPI e SPE) e comparadas com

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90

as necessidades alimentares no mundo, cujas projeções foram determinadas

para os três cenários de crescimento populacional e para as três dietas

básicas, conforme descrito anteriormente. A razão entre o potencial de

produção de alimentos e a necessidade alimentar resulta no índice de

suficiência alimentar, e os autores estabeleceram o índice mínimo igual a

dois23, a fim de proporcionar de forma abrangente e sem restrições a

segurança alimentar. O índice mínimo de segurança alimentar está

relacionado a alguns importantes fatores intrínsecos à segurança alimentar,

como a sazonalidade da produção, a desigualdade na distribuição, entre

outros. Além da produção de grãos - um alimento nobre -, a agricultura produz

outros bens de consumo humano em expansão, como fibras, matéria

energética e frutas, aumentando a concorrência pelos mesmos fatores de

produção, principalmente terra arável.

Há que se salientar que a agricultura integra grande parte dos sistemas

de produção de bens e de serviços, sendo também responsável pelas

pastagens naturais e cultivadas, até a produção de fibra, algodão, cânhamo,

silvicultura, e os sistemas para produção de biomassa para fins energéticos24,

como cana-de-açúcar e espécies florestais.

É oportuno incluir algumas importantes considerações do trabalho de

Stefan Wirsenius (2003) - Efficiencies and Biomass Appropriation of Food

Commodities on Global and Regional Levels - para uma melhor compreensão

da produção e do consumo de alimentos no mundo, em termos energéticos, e

o que isso pode implicar nos cenários futuros da produção de alimentos de

origem vegetal e animal. O autor afirma que no estudo do suprimento e da

demanda global de alimentos, as pesquisas têm favorecido análises que visam

o crescimento da produção agrícola em detrimento da redução dos requisitos

de produção, visando o aumento da eficiência e da produtividade; ou a

mudança nos padrões da dieta humana.

23 Este índice aponta para a produção do dobro da necessidade alimentar, uma vez que parcela significativa da produção é perdida na rede de suprimento. 24 Wirsenius (2003, p. 220) propõe fitomassa como termo alternativo à biomassa vegetal.

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Em seu trabalho, Wirsenius (2003, p. 220) inclui estimativas dos fluxos

externos e internos de fitomassa, de energia e de nutrientes para as principais

commodities de origem vegetal e animal. As comparações são feitas, tomando-

se como base o conceito de apropriação de fitomassa. Desse modo, para

produzir certa quantidade de fitomassa, como grãos e forragem, certa

quantidade de fitomassa é, inevitavelmente, gerada como subproduto ou

resíduo - restos culturais (ex. restos vegetais que permanecem no campo após

a colheita dos grãos) e fitomassa não aproveitada (ex. fitomassa remanescente

após o pastoreio) (WIRSENIUS, 2003, p. 224).

Wirsenius (2003, p. 224-5) elege quatro tipos de eficiência na

apropriação de fitomassa: Eficiência de utilização na alimentação animal e no

abastecimento para os processos agroindustriais; Eficiência de conversão da

fitomassa em produtos de origem animal e vegetal; Eficiência de conversão em

commodities, incluindo perdas na distribuição, estocagem e no aproveitamento

dos produtos; e Eficiência total de conversão, ou o produto das demais

eficiências. Em termos de eficiência total, tomando-se como base a energia

bruta (correspondente a mais alta energia calórica), aproximadamente 8% da

produção total de fitomassa do mundo foi convertida, efetivamente, em

alimentos disponíveis. Segundo Wirsenius, (2003, p. 225), essa baixa taxa de

conversão se deve às perdas e à baixa eficiência na produção de alimentos de

origem animal (menor que na produção de alimentos de origem vegetal). Essas

diferenças ocorrem em uma mesma região, sendo mais evidentes entre as

regiões continentais e, revelam dessa forma, diferenças regionais nas dietas

das populações. A eficiência total de conversão na América Latina foi estimada

em 3,6%, cerca de três vezes inferior que no Leste asiático (10,8%) e na

Europa Ocidental (8,4%). O autor justifica essa diferença pelo elevado

consumo de carne bovina, associada à baixa produtividade deste tipo de

alimento25 na América Latina. No Leste asiático, o consumo de carne consiste,

principalmente, de carne suína, cuja eficiência de produção é mais alta

(WIRSENIUS, 2003, p. 225-6), em função do uso generalizado de subprodutos

e de resíduos vegetais na alimentação destes animais.

25 Wirsenius denomina os diferentes alimentos e commodities alimentares como sistemas

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A eficiência de conversão se mostra maior no grupo e commodities

vegetais se comparada ao grupo de commodities animais, além de, neste

grupo as commodities individuais (ou sistemas individuais) terem diferenças

mais significativas. Como exemplo, a eficiência de conversão de carcaça de

frango foi 17 vezes maior que da carcaça bovina. Entre óleo vegetal (a mais

baixa eficiência no grupo de commodities vegetais) e carcaça suína (a mais

alta eficiência no grupo de commodities animais), a diferença de eficiência total

foi menor que 2 (WIRSENIUS, 2003, p. 226-7). Na análise das eficiências

estimadas de conversão entre as regiões do mundo, se verifica que as

eficiências de conversão das commodities animais foram, sem exceção, muito

mais baixas nas regiões não industriais do que nas regiões industriais. Como

exemplo, a eficiência de conversão de leite na América do Norte e Oceania é

sete vezes maior do que na região da África subsaariana (WIRSENIUS, 2003,

p. 229). Na produção de alimentos de origem animal, o sistema de carcaça

bovina tem menor eficiência de conversão que outros sistemas de produção

animal, por requerer, consideravelmente, maior quantidade de fitomassa por

unidade de produto final, que outros sistemas, tais como: frango e suínos

(WIRSENIUS, 2003, p. 233).

Wirsenius (2003, p. 233) comenta que grande parte da criação de

animais tem usado grãos como componente principal da ração, visando,

principalmente o fornecimento de energia e proteína. Os grãos, se consumidos

diretamente, poderiam alimentar satisfatoriamente um maior número de

pessoas, aumentando, assim, a segurança alimentar no mundo (WIRSENIUS,

2003, p. 233). Existe uma competição entre o consumo humano de grãos e o

uso de grãos na alimentação animal, e, como conseqüência, a competição por

terra arável - um dos principais recursos na produção alimentar. O argumento

mais comum para justificar a criação de animais ruminantes, como bovinos,

caprinos e ovinos, para fornecimento de carne é que, apesar da baixa taxa de

conversão, este tipo de produção está baseado principalmente na utilização de

recursos alimentares não competitivos, como pastagens permanentes

(naturais) e a extração de subprodutos (WIRSENIUS, 2003, p. 234). Segundo o

autor, a conclusão é óbvia: os subprodutos fibrosos não são, de fato, utilizados

como alimento nobre, como os cereais, e são muitas as áreas de pastagens

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naturais, que por várias razões não deveriam ser convertidas em áreas de

agricultura (p. 234). É provável, em princípio, que sistemas de produção de

animais ruminantes possam ser conduzidos baseados somente em pastagens

naturais e no uso de subprodutos fibrosos. No entanto, a demanda mundial por

carne bovina (e de outros ruminantes) é muito alta, excedendo a quantidade

existente de pastagens naturais. Além disso, os períodos de inverno e de seca

requerem obrigatoriamente alguma contribuição adicional na alimentação

animal. Nos próximos 20-30 anos, a produção de carne bovina deverá

depender cada vez mais de quantidades significativas de grãos e de outros

alimentos cultivados (WIRSENIUS, 2003, p. 233). O autor afirma que, ao

contrário da criação de animais ruminantes, o sistema de produção de leite

pode apresentar alta taxa de conversão alimentar e, ao mesmo tempo, usufruir

da fitomassa não cultivada (WIRSENIUS, 2003, p. 235).

Na Tabela 4, são apresentadas as estimativas da FAO (1990 e 1998) e

de Wolf et al. (1995 e 2003) quanto á área de terra para a produção de

alimentos (cultivável), integrando terras aráveis e pastagens.

Tabela 4 – Estimativas de terra total, terra agricultável, terra arável e pastagens no

mundo em bilhões de hectares.

Fonte Terra Terra Terra Pastagens****

total* agricultável** arável***

FAO (1990) 13,04 4,91 1,5 3,41

FAO (1998) 13,05 4,94 1,51 3,43

Wolf et al ., (2003) Presente 12,20 4,94 2,41 2,53

Wolf et al ., (1995) Potencial 12,20 7,78 3,80 3,98

Fonte: Wolf et al. (2003 p. 845), modificada pelo autor.

(*) Área terrestre global, excetuando-se os corpos de água, como rios e lagos.

(**) Terra agricultável: soma da terra arável e pastagens.

(***) Terra arável: terra usada nas culturas agrícolas, excetuando-se as pastagens cultivadas permanentes.

(****) Pastagens: terra sob pastagens permanentes, incluindo as naturais e as cultivadas.

Presume-se que as pastagens possam ser naturais ou plantadas, e que

possam ser sistemas permanentes de produção de alimentos. Como

determinado pelos autores, os conceitos de terra arável e de terra sob

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pastagens, diferem entre si quanto á fertilidade e possibilidade de

mecanização. O conceito agronômico de fertilidade do solo é bastante amplo:

incorpora as propriedades e características do solo, além do teor de nutrientes.

A fertilidade, neste caso, é a capacidade do solo de oferecer condições

favoráveis à implantação e ao bom desenvolvimento das culturas. Neste

contexto, em um solo fértil infere-se a capacidade de armazenar água e

nutrientes, possuir baixa salinidade, além de possuir baixas concentrações de

elementos tóxicos, ser permeável e permitir o desenvolvimento do sistema

radicular das plantas e de microrganismos do solo, entre outros. No entanto,

em termos agronômicos, a fertilidade do solo está também relacionada às

condições do ambiente. Neste aspecto, o clima interage intimamente com o

solo, determinando, na maioria das vezes, a limitação para as principais

culturas agrícolas. No entanto, se as condições edafoclimáticas podem ser

pouco alteradas pelo homem, o avanço científico tem alcançado soluções de

sucesso na implantação de agroecossistemas em lugares pouco propícios à

produção agrícola. Como exemplo, pode-se citar os sistemas modernos de

irrigação em regiões de baixa pluviosidade, a correção da acidez do solo por

meio da aplicação periódica de calcário, o aumento e restituição da fertilidade

do solo por meio do uso de fertilizantes artificiais, o uso de variedades de

plantas agronomicamente melhoradas e adaptadas às condições de solo e

clima, o uso de sistemas de rotação de culturas, mecanização (motorização e

implementos), entre outras práticas agrícolas.

Em seu estudo, Wolf et al. (2003, p. 844) determinaram que as terras

menos férteis e de difícil mecanização somente serviriam como

agroecossistemas pastoris, naturais ou cultivados. As terras férteis seriam

destinadas às culturas mais nobres, como grãos. Neste sentido, há uma

congruência entre os estudos de Wolf (2003) e de Wirsenius (2003, p.233): os

sistemas extensivos de criação de ruminantes são menos produtivos que as

culturas agrícolas, como grãos, por exemplo.

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Dessa maneira, seria mais lógico usar solos pouco férteis para as

pastagens26. Entretanto, isso nem sempre ocorre devido a fatores econômicos,

de mercado, de infra-estrutura, como transporte, tradição local, entre outros.

Solos férteis são comumente usados em pastagens, porém a produtividade de

biomassa é maior, com conseqüente aumento da produtividade animal.

Quanto ao nível de dieta, o assunto suscita um melhor detalhamento

para se fazer prognósticos mais confiáveis. Segundo Alexandratos (1999, p.

5911), a disponibilidade mundial de alimentos no período de 1994 a 1996 foi,

em média, de 2.580 kcal/dia per capita, com expectativa de aumento para 2750

kcal/dia per capita, no ano de 2010. Contudo, em termos regionais, estima-se

que a ingestão calórica média per capita na África subsaariana crescerá pouco

até o ano de 2010, enquanto que, no outro extremo, nos países desenvolvidos,

a média ficará em torno de 3.000 kcal/dia. No ano de 2015, a estimativa de

ingestão calórica média per capita na África subsaariana será de 2.360 kcal/dia

(FAO, 2003, p. 5). O número de pessoas malnutridas no mundo deverá cair de

800 milhões, em meados dos anos 90, para 680 milhões de pessoas, em 2010.

Mas, na África subsaariana, a desnutrição continuará no mesmo patamar. Nos

países em desenvolvimento, a taxa de desnutrição humana deverá ser

reduzida de 21% da população, em meados de 1990, para 12%, em 2010.

Contudo, o contingente de desnutridos continuará o mesmo em decorrência do

elevado crescimento populacional nestes países no período (FAO, 1996, citado

por Alexandratos, 1999, p. 5911).

Em seu estudo, Alexandratos (1999, p. 5908, resumo), comenta que no

médio prazo os progressos da humanidade não serão suficientes para diminuir

significativamente o quadro de desnutrição mundial, e salienta que:

26

Grande parte da Região Amazônica é devastada para a retirada de madeira e para a implantação de pecuária bovina, que possuem baixos rendimentos, por área e per capita, como salientado por Wirsenius (2003). Além disso, os solos amazônicos, em sua maioria, são pobres em fertilidade, arenosos e propícios à erosão, ou seja, não são aptos à agricultura ou criação de animais, como praticados convencionalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil. Outro exemplo clássico da expansão agrícola é o Cerrado brasileiro, que outrora parecia não ter vocação para a produção de alimentos em escala comercial, e, nas últimas décadas, tem mostrado sua importância na produção de grãos. Este “sucesso” se deve, fundamentalmente, à pesquisa agronômica brasileira, que promoveu o desenvolvimento de tecnologia apropriada para exploração agrícola nas condições edafoclimáticas do Cerrado: práticas de correção da acidez do solo, aplicação racional de fertilizantes, especialmente os fosfatados e de micronutrientes, como o zinco (Zn) e plantio de variedades adaptadas. Atualmente, o Cerrado e a Floresta Amazônica estão entre os biomas mais ameaçados do planeta.

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"a persistência da insegurança alimentar não é conseqüência da

incapacidade da humanidade em aumentar a produção alimentar de

maneira que possa satisfazer as necessidades de consumo e assegurar

níveis satisfatórios de nutrição - o mundo já produz comida em suficiência".

Diante do exposto, decorre a conclusão que, no mundo, há um

desequilíbrio no acesso alimentar: enquanto uma parcela da população

mundial se satisfaz plenamente, ou mesmo acima de suas necessidades per

capita por alimentos, outra parcela sobrevive com uma ingestão insuficiente de

comida, em termos calóricos e nutricionais. Segundo estes autores, este

cenário tenderá a permanecer no médio prazo.

As necessidades alimentares e o acesso alimentar da humanidade

transcendem o viés econômico da produção de alimentos. As questões éticas e

ecológicas tendem a ficar mais expostas diante do desafio de se produzir mais

alimentos e outros bens em um planeta finito e frágil. Portanto, os níveis de

dieta propostos no estudo de Wolf et al. (2003, p. 847), e apresentados na

Tabela 5 representam abstrações hipotéticas.

Tabela 5 – Necessidades mundiais de alimentos para três dietas, segundo o tamanho da

população, nos anos de 1990, 1998, e nas três projeções de crescimento no ano de

2050, em bilhões de toneladas de matéria seca ao ano, em equivalente-grão.

Ano Dieta vegetarianaDieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica

Crescimento populacional Crescimento populacional Crescimento populacional

Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto

1990 2,51 4,64 8,11

1998 2,8 5,17 9,05

2050 3,63 4,45 5,3 6,71 8,21 9,78 11,74 14,36 17,11

Fonte: Wolf et al., (2003, p. 847)

Estes níveis serviram como base para o estudo teórico dos prognósticos

da produção mundial de alimentos, no médio prazo. Neste sentido, a dieta

moderada parece ser um padrão médio mais plausível e aceitável para a

humanidade, na metade deste século.

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Segundo Wolf et al. (2003, p. 848), as estimativas do potencial máximo

da produção mundial de alimentos têm variado conforme os dois sistemas de

produção: sistema de produção intensiva (SIP) e sistema de produção

extensiva (SEP). Além destes aspectos, a produção variou, ainda, em relação à

irrigação: artificial e natural (chuvas), como se mostra na Tabela 6.

Tabela 6 – Projeções da produção mundial máxima de alimentos, em bilhões de toneladas de

matéria seca, em equivalente-grão, no sistema intensivo de produção (SIP) e no

sistema extensivo de produção (SEP), considerando a área de terra agricultável

potencial (pot.) e presente (pres.) no mundo.

Sistema Estimativas de produção Sistema Estimativas de produção

Produção Culturas Culturas Pastagens Produção Culturas Culturas Pastagens

total irrigadas s/irrigação s/irrigação Total irrigadas s/irrigação s/irrigação

SIP potª 72,26 35,18 7,9 29,18 SEP potº 30,67 14,19 0,67 15,81

SIP presªª 45,88 22,34 5,02 18,53 SEP pres.ºº 19,47 9,01 0,43 10,04

Fonte: Wolf et al. (2003. p.847), modificada pelo autor.

(SIP potª) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(SEP potº) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(SIP presªª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada. (SEP presº) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

Notas: Produção mundial em 1990, efetiva: 3,91 bilhões de toneladas.

Produção mundial em 1997, efetiva: 4,44 bilhões de toneladas.

O potencial global máximo de produção alimentar, conforme os autores,

é conceituado como a produção máxima de alimentos (PMA) que pode ser

obtida utilizando toda a terra agricultável disponível do mundo e todos os

recursos hídricos disponíveis para a irrigação. As estimativas da PMA sob o

SIP alcançaram 72 bilhões de toneladas (Bton) anuais em grãos equivalentes,

incluindo a produção das culturas irrigadas artificialmente ou por chuvas e das

pastagens. Sob SPE, as estimativas foram mais baixas, totalizando 31 Bton ao

ano em grãos equivalentes. Neste caso, o fator produtivo mais limitante foi o

nitrogênio. Atualmente, a PMA é de, aproximadamente, 46 Bton e 19 Bton

anuais em grão equivalente, sob SIP e SEP, respectivamente (WOLF et al.,

2003, p. 848).

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Na Tabela 7, Wolf et al. (2003, p. 849), são apresentadas as proporções

entre os potenciais de PMA estimados para o ano de 2050, em ambos

sistemas de produção (SIP e SEP), sob as três dietas e sob as projeções

médias das taxas de crescimento mundial da população.

Tabela 7 – Proporções entre o potencial de produção futura de alimentos baseada no sistema

intensivo e extensivo de produção, na área atual e potencial de terra agricultável, no

mundo, em relação às necessidades mundiais de alimentos, determinadas para os

três níveis de crescimento populacional (baixo, médio e alto) e para as três dietas

(vegetariana, moderada e rica) em bilhões de toneladas de matéria seca, em

equivalente grão.

Sistema de Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica

produção Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto

cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

SIP pot.* 19,9 16,2 13,6 10,8 8,8 7,4 6,2 5,0 4,2

SEP pot** 8,4 6,9 5,8 4,6 3,7 3,1 2,6 2,1 1,8

SIP pres.ª 12,6 10,3 8,7 6,8 5,6 4,7 3,9 3,2 2,7

SEP pres.ªª 5,4 4,4 3,7 2,9 2,4 2,0 1.7 1,4 1,1

Fonte: Wolf et al. (2003, p. 849)

(*) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(**) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(ª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada. (ªª) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

A proporção entre o potencial de PMA e as necessidades alimentares no

mundo, no futuro, variou entre 1,8 a 20. Os resultados da proporção, no

presente, variaram entre 1,1 a 13.

Wolf et al. (2003, p. 850) apresentam na Tabela 8 a proporção máxima

entre produção alimentar e necessidade alimentar, e a área agricultável

máxima, no mundo, potencialmente disponível para a produção de biomassa

energética, incluindo os diferentes sistemas produtivos, as dietas e as

estimativas de crescimento populacional global.

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Tabela 8 – Frações máximas e máxima área global de terra agricultável, em bilhões de

hectares, potencialmente disponível para produção de biomassa para fins

energéticos, assumindo os dois sistemas de produção de alimentos (SIP e SEP), a

área total de terra potencial e atual, e as diferentes necessidades mundiais de

alimentos, baseados nos três níveis de crescimento populacional e as três dietas.

Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica

Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto

cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

Fração

SIP pot.* 0,90 0,88 0,85 0,81 0,77 0,73 0,68 0,60 0,52

SEP pot.** 0,76 0,71 0,66 0,57 0,46 0,35 0,23 0,05 0,00

SIP pres.ª 0,84 0,81 0,77 0,71 0,64 0,57 0,49 0,38 0,26

SEP pres.ªª 0,63 0,55 0,46 0,31 0,17 0,00 0,00 0,00 0,00

Área

SIP pot. 7,00 6,82 6,64 6,34 6,01 5,68 5,27 4,67 4,08

SEP pot 5,93 5,52 5,10 4,40 3,57 2,76 1,80 0,37 0,00

SIP pres. 4,16 3,98 3,80 3,49 3,18 2,84 2,41 1,85 1,28

SEP pres. 3,11 2,69 2,27 1,53 0,82 0,00 0,00 0,00 0,00

Fonte: Wolf et al. (2003, p. 850)

(*) Sistema intensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(**) Sistema extensivo de produção, utilizando o potencial mundial total de terra agricultável.

(ª) Sistema intensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

(ªª) Sistema extensivo de produção, utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada.

Segundo os autores, em SIP haveria, no futuro, potencialmente, uma

grande área, 4,08 bilhões de hectares (Bha) - correspondendo a uma

proporção máxima de 0,52 para a produção de bioenergia, mesmo com alto

crescimento populacional associado à dieta rica. No entanto,

comparativamente, em SEP, as áreas disponíveis para produção de bioenergia

seriam mais limitadas, sendo nula com alto nível de crescimento da população

associada à dieta rica.

Wolf et al. (2003, p. 849) apontam que nos países mais desenvolvidos,

há uma tendência de se desenvolver uma produção alimentar com SIP

associadas à dieta rica e de aumento populacional baixo a médio. Já nos

países pobres e menos desenvolvidos, a agricultura deveria ser baseada nos

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recursos locais, de modo que SEP possa ser aplicado, no futuro, associado a

um crescimento populacional médio a alto e, principalmente, a uma dieta

vegetariana.

Na Tabela 9 são apresentados os potenciais de produção de biomassa

para uso energético, no mundo, calculados a partir das áreas potencialmente

disponíveis e nas áreas atualmente disponibilizadas no mundo, conforme a

tabela anterior, quanto aos dois sistemas de produção, às três dietas e aos três

níveis mundiais de crescimento populacional.

Tabela 9 – Máxima produção de biomassa para fins energéticos, em bilhões de toneladas de

matéria seca ao ano (em grãos equivalentes), com o uso dos sistemas SIP e SEP,

nas terras potencialmente disponíveis no mundo, assumindo os sistemas SIP e SEP

para a produção de alimentos na quantidade mundial de terra atualmente disponível

(pres) e potencialmente disponível (pot), somadas às necessidades alimentares,

baseadas nos três níveis de crescimento população global, e nas três diferentes

dietas.

Sistema Dieta vegetariana Dieta moderada Dieta rica

bioen./alim. Baixo Médio Alto Baixo Médio Alto Baixo Médio Altocresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc. cresc.

L/Hpot* 28,00 27,28 26,56 25,36 24,04 22,72 21,08 18,68 16,32

L/Lpot** 23,72 22,08 20,40 17,60 14,28 11,04 7,20 1,48 0,00

L/Hpresª 16,64 15,92 15,20 13,96 12,72 11,36 9,64 7,40 5,12

L/Lpresªª 12,44 10,76 9,08 6,12 3,28 0,00 0,00 0,00 0,00

H/Hpotº 51,10 49,79 48,47 46,28 43,87 41,46 38,47 34,09 29,78

H/Hpresºº 30,37 29,05 27,74 25,48 23,21 20,73 17,59 13,51 9,34

Fonte: Wolf et al., (2003, p. 851)

(*) L/Hpot = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SIP, utilizando o total de terra potencialmente disponível no mundo para plantio.

(**) L/Lpot = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando o total de terra potencialmente disponível no mundo para plantio.

(ªª) L/Hpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SIP, utilizando o total de terra potencialmente disponível no mundo para plantio.

(ªª) L/Lpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando o total de terra potencialmente disponível no mundo para plantio.

(º) L/Lpres = produção de bioenergia em SEP e produção de alimentos em SEP, utilizando a totalidade de terra, no mundo, atualmente cultivada e manejada.

(ºº) H/Hpres = produção de bioenergia em SIP e produção de alimentos em SIP, utilizando a totalidade de terra atualmente cultivada e manejada, no mundo.

Nota: considera-se, no presente estudo, o termo de bioenergia como sinônimo de biomassa para fins energéticos.

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O potencial de produção mundial de biomassa varia de zero (SEP na

produção alimentar e com necessidade alimentar alta) a 28 bilhões de

toneladas (Bton) de matéria seca por ano (SIP na produção alimentar e com

necessidade alimentar baixa), assumindo que se possa utilizar todo potencial

de terra agricultável e que, na produção de bioenergia, sejam aplicados

sistemas extensivos. No entanto, se a área atual de terra agricultável no mundo

for usada para a produção de alimentos, a produção de biomassa será menor,

variando de zero a 17 Bton de matéria seca ao ano (WOLF et al., 2003, p. 851).

Pela análise dos autores, se na produção de alimentos e de bioenergia for

usada SPI, a produção de bioenergia terá uma variação de 9 Bton a 51 Bton

anuais, respectivamente, para altas necessidades alimentares, utilizando

somente a área atual de terras agricultáveis, e para baixas necessidades

alimentares, usando somente o potencial de terra agricultável.

Quanto às diferenças regionais na produção alimentar, sob o sistema

intensivo de produção de alimentos, todas as regiões do mundo, exceto Oeste

e Sul asiático, podem produzir, no futuro, alimentos suficientes, mesmo quando

as necessidades alimentares forem máximas. O Sudeste e Oeste asiático, e o

Oeste e Norte da África produzirão somente o mínimo necessário. Se somente

a área atual de terra agricultável no mundo pode ser usada no futuro, as áreas

disponíveis para produção de alimentos e bioenergia se reduzirão ainda mais.

Para a produção de bioenergia, as regiões do planeta que possuem maior

potencial de expansão da fronteira agrícola, tanto em SIP como em SEP são: a

América do Sul, América do Norte, África Central e Oceania (WOLF et al.,

2003, p. 850,).

Segundo Wolf et al. (2003, p. 857), as mudanças climáticas causarão,

no futuro, impactos na produção de alimentos. A temperatura média global

pode subir, cerca de, 1,5 ºC, no ano de 2050, e de 3 ºC, no ano de 2100,

comparadas ás temperaturas pré-industriais. Nas regiões atualmente frias, as

temperaturas mais elevadas, no futuro, proporcionarão efeitos positivos na

agricultura: maiores produtividades, resultantes da possibilidade de produzir

mais de uma colheita ao ano ou de se estender o período de colheita. O regime

de chuvas. No futuro, as mudanças climáticas modificarão o regime de chuvas

no planeta, causando o aumento da quantidade média da pluviosidade, assim

Page 123: PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA … · acerca do suprimento alimentar da população mundial, face às projeções oficiais, que apontam sua estabilização entre

102

como a sua distribuição. Em algumas regiões, os períodos de seca podem

alongar, afetando as produções agrícolas. No entanto, Reilly et al. (citados por

Wolf et al., 2003, p. 857), afirmam que as mudanças nos padrões médios da

temperatura e da pluviosidade, decorrentes das mudanças no clima, afetarão

pouco a produção de alimentos. Os efeitos negativos dessas mudanças no

potencial de produção alimentar do mundo, serão nulos ou insignificantes, se

houverem adaptações agronômicas (WOLF et al., 2003, p. 857).

Wolf et al. (2003, p. 858), no final do estudo, apresentam suas principais

conclusões:

• Nos países altamente desenvolvidos, a tendência futura aponta para

a ocorrência de sistemas intensivos de produção agrícola, dieta abundante e

crescimento populacional médio. Se estes aspectos forem aplicados

mundialmente, 35% da área do planeta potencialmente disponível para a

produção agrícola serão necessárias, para o suprimento alimentar. A área

remanescente poderá ser utilizada para outros fins, como a produção de

bioenergia;

• Para o suprimento global de alimentos no futuro, são necessários

55% das terras agricultáveis do mundo (sob SIP, baixo a médio crescimento

populacional e dieta abundante) supondo que somente a área atual de terras

agricultáveis seja cultivada de forma a proteger as áreas naturais e florestas. A

área disponível para produção de bioenergia é, aproximadamente, metade se

comparada à área potencialmente disponível para a agricultura;

• A produção global máxima de bioenergia foi calculada para as áreas

disponíveis, totalizando 20 Bton e 9 Bton de biomassa em matéria seca anual,

se, respectivamente, as terras potencialmente agricultáveis e as terras

atualmente agricultáveis forem ambas utilizadas para a produção de alimentos

e de bioenergia. É assumido que a bioenergia é produzida sem irrigação no

sistema extensivo de produção;

• Não haverá, no mundo, nenhuma terra agricultável disponível para

produção de bioenergia, se a área atual de terra agricultável for utilizada para

de produzir alimentos em SEP;

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103

• As estimativas de produção mundial de bioenergia deste estudo

coincidiram com os resultados de outros estudos. Contudo, no presente, a

produtividade de biomassa para fins energéticos é baixa e a área de terra para

a produção de bioenergia é grande;

• As regiões do mundo com terras agricultáveis potencialmente

disponíveis para a produção de biomassa com finalidades energéticas são:

América do Norte, América do Sul, Oceania e África Central;

• Os níveis atmosféricos elevados de gás carbônico e os efeitos das

mudanças climáticas podem produzir impactos positivos no potencial de

produção alimentar e, em decorrência, no potencial de terra disponível para a

produção de bioenergia.

3.1.3. Análise do Cenário da FAO (2003)

O relatório mais recente da Food and Agriculture Organization – FAO,

“WORLD AGRICULTURE: TOWARDS 2015/2030 – AN FAO PERSPECTIVE”

(2003) avalia possíveis cenários futuros, no âmbito global, relacionando:

alimentação, nutrição e agricultura; incluindo culturas agrícolas, criação animal,

silvicultura e atividade pesqueira. Uma importante característica deste relatório

é sua perspectiva, de maneira que as hipóteses e projeções refletem o futuro

mais próximo da realidade tendencial, e não o mais desejável. Neste sentido, o

relatório indica que, provavelmente, a expansão agrícola implicará no

arroteamento de áreas pantanosas, assim como de florestas pluviais, em

virtude da adequação destas ocupações (FAO, 2003, p. 2).

O relatório foca fundamentalmente a perspectiva da produção de

alimentos no futuro, considerando esta produção do ponto de vista da

suficiência para o abastecimento das populações, e da capacidade de suporte

do meio no provimento de bens e serviços para a humanidade. O referido

relatório se baseia em dados estatísticos referentes à média dos anos de 1997

a 1999, e em projeções para 2015 e 2030. O grau de incerteza aumenta com a

distância do período temporal projetado, de modo que os resultados para 2030

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104

devem ser interpretados com mais cautela que aqueles estimados para 2015

(FAO, 2003, p. 2).

Os prognósticos e projeções do estudo da Food and Agriculture

Organization (FAO, 2003) estão intimamente relacionados às perspectivas de

crescimento mundial da população humana, uma vez que estas projeções são

influenciadas fundamentalmente pelas tendências da demanda, de consumo e

produção alimentar, da utilização dos recursos naturais, entre outros. A

população mundial, como mostrada na Tabela 10, no período de 1997 a 1999,

foi de 5,9 bilhões de habitantes (com um crescimento médio anual de 1,35%).

Tabela 10 – Dados e projeções da evolução do crescimento populacional, de 1964/66 a 2030,

e incremento médio anual, de 1995 a 2050.

Regiões / Grupo de países 1964/ 1974/ 1984/ 1997/ 2015 2030 1995- 2010- 2025- 2045-

1966 1976 1986 1999 2000 2015 2030 2050

(População total) (incremento médio anual) (bilhões) (milhões)

Mundo 3,334 4,065 4,825 5,900 7,207 8,270 79 76 67 43

Países em desenvolvimento 2,295 2,925 3,597 4,572 5,827 6,869 74 74 66 45

África Subsaariana 0,230 0,990 0,400 0,500 0,883 1,229 15 20 24 23

Oriente Médio e África do Norte 0,160 0,208 0,274 0,377 0,520 0,651 8 9 9 7

América Latina e Caribe 0,247 0,318 0,397 0,498 0,624 0,717 8 7 6 3

Sul Asiático 0,630 0,793 0,989 1,283 1,672 1,969 23 22 19 12

Leste Asiático 1,029 1,307 1,537 1,839 2,128 2,303 20 16 9 -1

Países industrializados 0,695 0,761 0,815 0,892 0,951 0,979 5 2 1 0

Economias em transição 0,335 0,367 0,397 0,413 0,398 0,381 0 -1 -1 -2

Fonte: FAO (2003, p. 36)

Para 2015, é projetada uma população de 7,2 bilhões (com crescimento

médio anual de 1,1%), alcançando, em 2030, a cifra de 8,3 bilhões de pessoas

(com crescimento anual médio de 0,8%), e 9,3 bilhões, em 2050 (com

crescimento médio anual de 0,5%)27. Quase a totalidade do crescimento da

população mundial se dará nos países em desenvolvimento e em taxas

27 A maior taxa média anual de crescimento da população mundial ocorreu em meados dos anos 60 com 2,04% (FAO, 2003, p.4)

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105

diferenciadas, dependendo da região. Na África subsaariana, o aumento médio

deverá ser de 2,1% ao ano, de 2025 a 2030, enquanto que no Leste asiático, o

aumento médio da população deverá ser da ordem de 0,5% ao ano, no mesmo

período (FAO, 2003, p. 4).

Segundo a FAO (2003, p. 5), Tabela 11, os prognósticos da demanda

alimentar mundial, em relação às principais commodities, revelam que o

consumo per capita de alimentos (em kcal/habitante/dia) crescerá pouco nos

próximos períodos, se aproximando de 2.850 kcal/pessoa/dia, em 2015, e se

aproximando de 3.000 kcal/habitante/dia, em 2.030. Porém, conforme os dados

da Tabela 12, para uma parcela significativa da população mundial, em vários

países, o futuro não se mostra promissor. Em 2015, aproximadamente, 462

milhões de pessoas, correspondendo a 6% da população mundial, estarão

sobrevivendo com níveis abaixo de 2.200 kcal/habitante/dia (FAO, 2003 p. 5).

Tabela 11 – Consumo per capita (kcal/habitante/dia) no mundo, por regiões e grupo de países.

Regiões / Grupo de países 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030

(kcal / habitante / dia)

Mundo 2358 2435 2655 2803 2940 3050

Países em desenvolvimento 2054 2152 2450 2681 2850 2980

África Subsaariana 2058 2079 2057 2195 2360 2540

Oriente Médio e África do Norte 2290 2591 2953 3006 3090 3170

América Latina e Caribe 2393 2546 2689 2824 2980 3140

Sul Asiático 2017 1986 2205 2403 2700 2900

Leste Asiático 1957 2105 2559 2921 3060 3190

Países industrializados 2947 3065 3206 3380 3440 3500

Economias em transição 3222 3385 3379 2906 3060 3180

Mundo, excluindo Economias em transição 2261 2341 2489 2795 2930 3050

Países em desenvolvimento, excluindo China 2104 2197 2381 2549 2740 2900

Leste Ásiatico, excluindo China 1988 2222 2431 2685 2830 2980

África Subsaariana, excluindo Nigéria 2037 2076 2057 2052 2230 2420

Fonte: FAO, (2003, p. 30).

Nota: Economias em transição referem-se aos países anteriormente chamados de Países do Segundo Mundo ou do Bloco Socialista, liderados politicamente pela antiga União Soviética.

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Tabela 12 - Número populacional em relação ao nível de dieta calórica (kcal/habitante/dia).

kcal / habitante / dia 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030

(População em bilhões)

Abaixo de 2200 1,893* 2,281* 0,558 0,571 0,462 0,196

2200 - 2500 0,288 0,307 1,290** 1,487** 0,541 0,837

2500 -2700 0,154 0,141 1,337 0,222 0,351 0,352

2700 - 3000 0,302 0,256 0,306 1,134 2,397** 2,451**

Acima de 3000 0,688 1,069 1,318 2,464*** 3,425*** 4,392***

Total no Mundo 3,325 4,053 4,81 5,878 7,176 8,229

Fonte: FAO, (2003, p. 31).

(*) Incluindo a Índia e China.

(**) Incluindo a Índia.

(***) Incluindo a China.

Segundo a World Food Summit (WFS), citada no relatório da FAO (2003,

p. 5), o número de pessoas subnutridas28 no futuro, será ainda relevante: 610

milhões, em 2015, e 440 milhões, em 2030 - cerca de metade do contingente

de desnutridos em1990/1992, estimado em 815 milhões de pessoas.

A Organização das Nações Unidas (ONU, 2001) declara que a

perspectiva de desaceleração no crescimento demográfico mundial, associada

ao pleno atendimento do consumo per capita de comida de uma parcela

expressiva da população global, até 2050, contribuirá, de forma significativa,

para a redução da demanda alimentar e, conseqüentemente, da produção

mundial de alimentos (FAO, 2003, p. 4).

O crescimento da renda familiar é um dos mais importantes fatores para

o aumento da demanda alimentar, assim como para a melhoria da segurança

alimentar e da nutrição (FAO, 2003, p. 4). Conforme as projeções do Banco

Mundial (The World Bank - WB, citado por FAO, 2003) no período de 2000 a

2015, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial per capita terá um crescimento

superior ao dos anos 90, em todas as regiões do mundo, exceto no Leste

asiático. Contudo, segundo dados do Banco Mundial, de 2001, nos países com

baixos níveis consumo alimentar, o crescimento econômico projetado não será

28 Subnutrição, no presente estudo, tem a mesma conotação que desnutrição

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107

suficiente para reverter efetivamente o quadro de pobreza, desnutrição e

segurança alimentar, no futuro, especialmente na África subsaariana (FAO,

2003, p. 4).

Na mesma avaliação, o Banco Mundial afirma que a proporção de

pessoas pobres, nos países em desenvolvimento, deverá cair de 32%, no ano

de 1990, para 13,2%, em 2015 (FAO, 2003, p. 4-5). No entanto, a FAO, (2003,

p. 4-5), afirma que, em números absolutos, a pobreza nos países em

desenvolvimento sofrerá uma redução de 1,27 bilhões de pessoas, em 1990,

para 750 milhões, em 2015, conforme as metas do International Development

Goals of the Millennium Declaration, da Organização das Nações Unidas

(ONU).

O crescimento do setor agrícola pode ser um importante fator para

desencadear o processo de desenvolvimento econômico, reduzindo a pobreza

e melhorando o consumo per capita de alimentos nas áreas rurais dos países e

regiões onde a agricultura é a base da economia, e onde a pobreza é

predominantemente rural (FAO, 2003, p. 6).

Sob este aspecto, segundo a FAO (2003, p. 6), as condições que

promovem esse desenvolvimento são: 1) o crescimento do setor agrícola,

devendo este ser promovido através de políticas que visam o desenvolvimento

e a difusão de tecnologias apropriadas para incrementar a produtividade; 2) a

eqüidade na distribuição de terras e de outros recursos que promovam a

atividade agrícola. Dessa maneira, os acréscimos na produtividade agrícola

redundam na auto-suficiência e na geração de excedentes agrícolas, que

geram renda local aumentando a demanda por produtos e serviços.

A maioria dos aumentos no consumo global de alimentos de origem

vegetal e animal tem ocorrido nos países em desenvolvimento. Embora, no

âmbito global, as projeções da FAO apontam para um limite na produção de

alimentos, em países onde a subnutrição é alta, o crescimento futuro da

demanda alimentar, deverá estar abaixo dos níveis que garantam uma

melhoria da segurança alimentar interna desses países.

No período entre a metade dos anos 60 a 1997/99, o grupo de 29 países

em desenvolvimento, incluindo alguns dos mais populosos, como China,

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108

Indonésia, México, Brasil, Nigéria, Egito, Turquia e Irã, teve um crescimento

significante no consumo per capita, passando de 2.075 a 3.030

kcal/habitante/dia.

As projeções para este grupo de países indicam que o consumo per

capita se elevará para 3.155 kcal, no ano de 2015, e para 3.275 kcal, em 2030,

bem próximo dos níveis atuais dos países industrializados (FAO, 2003, p. 7).

Segundo a FAO (2003, p. 7), a produção mundial de alimentos tem se

igualado ao consumo, tabela 13. Porém, em geral, as taxas de crescimento da

produção de alimentos, nos países em desenvolvimento, têm variado abaixo

dos níveis da demanda, e por conseqüência, as importações de gêneros

alimentícios têm aumentado mais rapidamente que as exportações.

Recentemente, os países em desenvolvimento passaram de países

exportadores de commodities agrícolas para países importadores, em termos

líquidos. As projeções apontam para essa tendência (FAO, 2003, p. 7).

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109

Tabela 13 – Taxas de crescimento da demanda alimentar agregada, da produção de alimentos

no mundo e da população por regiões e por grupo de países nos períodos de 1969-99 a

1997/99-2030, em percentual médio

anual.

1969-99 1979-99 1989-99 1997/99 2015 1997/99

Região / Grupo -2015 -2030

DEMANDA

MUNDO 2,2 2,1 2,0 1,6 1,4 1,5

Países em desenvolvimento 3,7 3,7 4,0 2,2 1,7 2,0

Excluindo China 3,2 3,0 3,0 2,4 2,0 2,2

África Subsaariana 2,8 3,1 3,2 2,9 2,8 2,9

Excluindo Nigéria 2,5 2,4 2,5 3,1 2,9 3,0

Oriente Médio e África do Norte 3,8 3,0 2,7 2,4 2,0 2,2

América Latina e Caribe 2,9 2,7 3,0 2,1 1,7 1,9

Excluindo Brasil 2,4 2,1 2,8 2,2 1,8 2,0

Sul Asiático 3,2 3,3 3 2,6 2,0 2,3

Leste Asiático 4,5 4,7 5,2 1,8 1,3 1,6

Excluindo China 3,5 3,2 2,8 2,0 1,7 1,9

Países industrializados 1,1 1,0 1,0 0,7 0,6 0,7

Economias em transição* -0,2 -1,7 4,4 0,5 0,4 0,5

PRODUÇÃO

MUNDO 2,2 2,1 2,0 1,6 1,3 1,5

Países em desenvolvimento 3,5 3,7 3,9 2,0 1,7 1,9

Excluindo China 3,0 3,0 2,9 2,3 2,0 2,1

África Subsaariana 2,3 3,0 3,0 2,8 2,7 2,7

Excluindo Nigéria 2,0 2,2 2,4 2,9 2,7 2,8

Oriente Médio e África do Norte 3,1 3,0 2,9 2,1 1,9 2,0

América Latina e Caribe 2,8 2,6 3,1 2,1 1,7 1,9

Excluindo Brasil 2,3 2,1 2,8 2,2 1,8 2,0

Sul Asiático 3,1 3,4 2,9 2,5 2,0 2,2

Leste Asiático 4,4 4,6 5,0 1,7 1,3 1,5

Excluindo China 3,3 2,9 2,4 2,0 1,8 1,9

Países industrializados 1,3 1,0 1,4 0,8 0,6 0,7

Economias em transição* -0,4 -1,7 -4,7 0,6 0,6 0,6

POPULAÇÃO

MUNDO 1,7 1,6 1,5 1,2 0,9 1,1

Países em desenvolvimento 2,0 1,9 1,7 1,4 1,1 1,3

Excluindo China 2,3 2,2 2,0 1,7 1,3 1,5

África Subsaariana 2,9 2,9 2,7 2,6 2,2 2,4

Excluindo Nigéria 2,9 2,9 2,7 2,6 2,3 2,4

Oriente Médio e África do Norte 2,7 2,6 2,4 1,9 1,5 1,7

América Latina e Caribe 2,1 1,9 1,7 1,3 0,9 1,1

Excluindo Brasil 2,1 1,9 1,8 1,4 1,0 1,2

Sul Asiático 2,2 2,1 1,9 1,6 1,1 1,3

Leste Asiático 1,6 1,5 1,2 0,9 0,5 0,7

Excluindo China 2,0 1,8 1,6 1,2 0,9 1,0

Países industrializados 0,7 0,7 0,7 0,4 0,2 0,3

Economias em transição* 0,6 0,5 0,1 -0,2 -0,3 -0,2

Fonte: FAO (2003, p. 59), modificada pelo autor

Nota: Economias em transição referem-se aos países anteriormente chamados de Países do Segundo Mundo ou do

Bloco Socialista, liderados politicamente pela antiga União Soviética.

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110

Os cereais têm sido e continuarão a ser os mais importantes

componentes energéticos da dieta humana. O consumo mundial de cereais

continuará a aumentar, no futuro, porém em níveis cada vez menores. Na

metade dos anos 60, nos países em desenvolvimento, a média per capita do

consumo de cereais era de 141 kg/ano, fornecendo 61% do total de calorias,

passando, de meados dos anos 80 aos dias atuais, para 173 kg/ano e

provendo 56% do total de calorias requeridas, ou seja, 3.000 kcal/habitante/dia.

A tendência é que os números atuais se mantenham além de 2030 (FAO,

2003, p. 8).

O consumo per capita de arroz nos países em desenvolvimento tenderá

a se estabilizar na média dos dias ou sofrer um declínio, no longo prazo.

Diferentemente, o consumo per capita de trigo manterá a tendência de

crescimento. Dos cereais, o trigo e o arroz são os mais importantes alimentos,

principalmente na Ásia, onde a demanda continuará com a tendência de

crescimento até 2030. Porém, o consumo per capita, neste continente tem

crescido modestamente desde o período de 1984/86, com previsão de queda

no consumo, no futuro, como visto na Tabela 14.

Tabela 14 – Dados e projeções da demanda mundial (em milhões de toneladas), consumo per

capita e crescimento percentual ao ano de cereais e outros grãos, de 1964/66 a

2030.

Commodity/ (milhões de toneladas / kg per capita ) (média percentual anual)

Região 1964/66 1974/76 1984/86 1997/99 2015 2030 1979-99 1989-99 1997/99 2015-30 1997/99

-2015 -2030

Trigo(Mt)* Mundo 273 357 504 582 730 851 1,5 0,8 1,3 1,0 1,2

Arroz(Mt)*Mundo 174 229 308 386 472 533 2,1 1,6 1,2 0,8 1,0

Arroz

(kg per capita)

Leste Asiático 84 93 109 106 100 96 ... ... ... ... ...

excluindo China 110 125 130 132 129 124 ... ... ... ... ...

Sul Asiático 73 69 75 79 84 81 ... ... ... ... ...

Outros grãos (Mt)** 493 648 796 896 1177 1446 1,0 1,0 1,6 1,4 1,5

Fonte: FAO (2003, p. 65), modificada pelo autor.

Notas: (Mton)* Milhões de toneladas.

Outros grãos (Mton)** Todos os outros cereais, menos trigo e arroz, em milhões de toneladas.

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111

Os países em desenvolvimento comandarão, no futuro, a crescente

demanda e o comércio de cereais voltados para a alimentação animal (FAO,

2003, p. 8).

Segundo a FAO (2003, p. 8), as estimativas mundiais de cereais

apontam para a produção e consumo de 2,9 bilhões de toneladas (Bton), em

2030 - um aumento significativo, comparado à produção média de 1,9 Bton, no

período de 1997/99. Do total deste aumento, aproximadamente, a metade, será

utilizada como ração animal, 42% será usado na alimentação humana, e o

restante terá outras finalidades, como sementes e uso industrial.

A dependência dos países em desenvolvimento da importação de

cereais continuará a crescer, porém, abaixo da demanda se comparado com os

níveis do passado. A produção de cereais nestes países será limitada pela

escassez de recursos naturais, especialmente de água. Contudo, no longo

prazo, os países em desenvolvimento terão a capacidade de se transformarem

em exportadores de cereais, em termos líquidos, na balança comercial (FAO,

2003, p. 8). Os prognósticos da FAO indicam uma exportação líquida de 10

milhões de toneladas (Mton), em 2015, e 25 Mton, em 2030. Já, as estimativas

de exportação líquida dos países tradicionais no mercado mundial, como

Estados Unidos, Austrália, Canadá e países da União Européia, apontam para

um crescimento de 224 Mton e 286 Mton de cereais, respectivamente (FAO,

2003, p. 8).

Embora os níveis históricos de crescimento anual de cereais nos países

produtores tradicionais tenham variado amplamente, a média de crescimento

no período de 32 anos, correspondente ao ano de 1967 a 1999, foi de 1,6%

anuais. As expectativas de produção de cereais destes países, levando-se em

conta a demanda interna e as projeções de exportação, apontam para a

produção de 758 Mton, em 2015, e de 871 Mton, em 2030 - um incremento de

242 Mton e uma média de crescimento de 1% ao ano - no período de 1997/99

a 2030 (32 anos) (FAO, 2003, p. 8). Neste estudo, a FAO aponta a

preocupação quanto às possibilidades dos países exportadores de cereais na

manutenção de sua capacidade produtiva, especialmente de excedentes, em

virtude de alguns fatores importantes, como os impactos ambientais oriundos

da agricultura intensiva (FAO, 2003, p. 7). A experiência histórica mostra que

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112

os agroecossistemas têm tido a capacidade de responder, com flexibilidade,

aos aumentos da demanda, dentro de limites razoáveis, e, provavelmente, esta

asserção poderá ser válida no futuro (FAO, 2003, p. 8).

O mercado mundial de alimentos tem sido preponderantemente

influenciado pelas mudanças nos padrões de dieta, que conduzem ao consumo

de produtos de origem animal (FAO, 2003, p. 9), Tabela 15.

Tabela 15 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo de países de carne:

taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030 (milhões de toneladas) e variação

percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30

(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 92 166 218 300 376 2,9 2,7 1,9 1,5

Excluindo China 84 142 162 218 277 2,1 1,3 1,8 1,6

Países em desenvolvimento 28 66 116 181 247 5,2 5,9 2,7 2,1

Excluindo China 21 41 60 98 147 3,8 3,9 3,0 2,7

Excluindo China e Brasil 18 34 47 79 123 3,5 3,3 3,1 2,9

África Subsaarina 3 4 5 9 16 2,3 2,2 3,3 3,5

América Latina e Caribe 10 19 28 43 58 3,5 4,5 2,6 2,1

Excluindo Brasil 7 11 15 24 33 2,5 3,1 2,7 2,3

Oriente Médio e África do Norte 2 5 7 13 19 4,4 3,8 3,5 2,9

Sul Asiático 3 5 7 13 2,3 3,7 2,8 3,6 3,9

Leste Asiático 10 33 69 103 131 7,1 7,6 2,4 1,6

Excluindo China 3 8 13 21 32 5,1 4,1 3,0 2,8

Países industrializados 46 71 85 99 107 1,9 1,8 0,9 0,5

Economias em transição 17 29 17 20 22 0,0 -6,4 0,8 0,8

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.

Nota: Inclui carne de origem bovina, ovina, suína, e de aves.

Nos países em desenvolvimento, o consumo de carne tem crescido 5 a

6% ao ano. Grande parte deste crescimento se deve ao consumo doméstico de

poucos países, incluindo alguns dos mais populosos, como China e Brasil. O

consumo per capita de carne e seus derivados, nos países em

desenvolvimento, evoluiu de 11,4 kg, nos meados dos anos 70, para 25,5 kg,

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113

nos anos de 1997/99, em média. No entanto, muitos países e regiões do

mundo não têm participado, efetivamente, deste crescimento, como a África

subsaariana, Oriente Médio e Norte africano (FAO, 2003, p. 9).

O mercado mundial de carne tem sido caracterizado pelo rápido

crescimento do setor avícola, Tabela 16.

Tabela 16 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupo de países de carne

de aves: taxas de crescimento de 1967/1969 a 2030 (milhões de toneladas) e

variação percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30

(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 12,9 37,2 61,8 100,6 143,3 5,2 5,4 2,9 2,4

Excluindo China 12,1 34,6 51,2 81,4 117,5 4,8 4,1 2,8 2,5

Países em desenvolvimento 3,3 13,2 31,3 59,1 93,5 7,9 9,4 3,8 3,1

Excluindo China 2,5 10,6 20,7 39,9 67,7 7,4 7,2 4,0 3,6

Excluindo China e Brasil 2,2 8,6 15,6 31,9 56,4 6,9 6,4 4,3 3,9

África Subsaarina 0,3 0,7 0,9 1,9 4,1 3,8 2,6 4,3 5,1

América Latina e Caribe 1,0 4,7 10,5 18,2 27,3 7,8 9,0 3,3 2,7

Excluindo Brasil 0,7 2,7 5,4 10,2 16,0 6,7 8,4 3,8 3,0

Oriente Médio e África do Norte 0,4 2,1 3,2 7,1 11,5 7,7 5,2 4,7 3,3

Sul Asiático 0,2 0,5 1,1 3,9 10,6 7,7 7,2 7,9 6,9

Leste Asiático 1,5 5,3 15,5 27,9 39,9 8,5 11,7 3,5 2,4

Excluindo China 0,7 2,6 4,9 8,7 14,1 7,3 6,1 3,4 3,2

Países industrializados 8,1 18,8 27,7 37,5 44,1 4,0 3,9 1,81 1,1

Economias em transição 1,5 5,2 2,9 4,1 5,7 1,6 -6,7 2,0 2,3

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.

A produção mundial de carne neste setor aumentou de 13%, em

meados dos anos 60, para 28%, nos dias atuais, enquanto que o consumo per

capita mais que triplicou, no mesmo período. O Japão tornou-se o maior

importador de carne de aves, seguido pela antiga União Soviética, enquanto

que a Austrália e Nova Zelândia são os maiores exportadores. Na última

década, os Estados Unidos passaram de importadores a exportadores (FAO,

2003, p. 9). Os fatores que impulsionaram o crescimento deste setor, no

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114

passado, estarão bastante enfraquecidos, no futuro, principalmente em razão

da menor população associada à desaceleração do crescimento demográfico

mundial e à tendência de queda do consumo nos poucos países que

contribuíram, expressivamente, para os aumentos de consumo, no passado. A

produção e a demanda mundial de carne de frango crescerão até 2030, em

taxas médias anuais de 1,7%, muito abaixo dos níveis de 2,9% ao ano,

verificada nos últimos 30 anos. (FAO, 2003, p. 9 -10). A mudança estrutural

que caracterizou a evolução do setor de produção de alimentos de origem

animal, no passado, provavelmente continuará, no futuro, porém de forma

menos acentuadas. O mercado mundial de frango continuará a se expandir e

competir com outros tipos de carne (FAO, 2003, p. 10).

Em relação á carne suína, a produção tem se concentrado na China,

com 48,1 milhões de toneladas (Mton) contra 86,5 Mton produzidas

mundialmente, no período de 1997/99 (média anual), Tabela 17.

Tabela 17 – Dados e projeções da produção mundial, regional e por grupos de países de carne

suína: crescimento de 1967/699 a 2030, em milhões de toneladas, e variação

percentual média, no período de 1969/99 a 2015-2030.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30

(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 34,1 66,3 86,5 110,2 124,5 3,2 2,7 1,4 0,8

Excluindo China 28,1 46,2 48,1 57,9 66,2 1,7 0,4 1,1 0,9

Países em desenvolvimento 9,7 28 49,3 69,5 82,8 6,1 5,7 2,0 1,2

Excluindo China 3,8 7,9 10,9 17,2 25,5 3,7 3,4 2,7 2,4

América Latina e Caribe 1,8 3,0 3,9 6,0 7,8 2,1 3,9 2,5 1,8

Excluindo Brasil 1,1 1,9 2,3 3,4 4,4 1,7 2,8 2,3 1,8

Leste Asiático 7,6 24,2 44,3 61,6 71,9 6,8 6,0 2,0 1,0

Excluindo China 1,6 4,0 5,9 9,3 13,6 5,1 3,3 2,8 2,5

Países industrializados 16,6 26 29,3 32,3 33,1 1,8 1,4 0,6 0,2

Economias em transição 7,7 12,3 7,9 8,4 8,6 -0,1 -5,3 0,4 0,1

Fonte: FAO (2003, p.162-3), modificada pelo autor.

A produção de carne bovina tem-se concentrado nos países

industrializados e nos países em desenvolvimento, notadamente na China e no

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115

Brasil. Mundialmente, a taxa de crescimento anual tem variado de 1,4 a 0,8 %,

no período de 1969/99 a 1989/99, respectivamente. Até o ano de 2030, a

tendência que o crescimento percentual se situe em torno de 1,2 % ao ano,

bem abaixo dos valores para a carne de frango, em torno de 2,6% anuais.

Os maiores produtores de carne, excetuando-se a pesca, são a China e

os Estados Unidos da América (EUA), respectivamente com, 68 e 38 milhões

de toneladas (Mton) produzidas em 2002, seguidos pelo Brasil, com 17 Mton,

Tabela 18.

Tabela 18 - Principais países produtores de carne e as respectivas produções, em 2002.

Países Produção Países Produção

(Mton)* (Mton)*

China 68 Índia 6

Estados Unidos 38 Espanha 5

Brasil 17 Canadá 5

França 7 México 5

Alemanha 7 Federação Russa 5

Fonte: FAO (2004, p. 45).

Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

No entanto, a maioria destas produções é consumida no mercado

interno, pois os maiores produtores de carne, excetuando-se a Holanda, são os

também os maiores exportadores, Tabela 19.

Tabela 19 – Principais países exportadores de carne em 2002.

Países Quantidade Valor

(Mton)* (US$)**

Estados Unidos 4 5 770

Brasil 3 2 741

Holanda 2 2 920

Fonte: FAO (2004, p. 45).

Notas: (Mton)* Milhões de toneladas.

(US$)** Milhões de Dólares americanos.

Os EUA e o Brasil exportaram, em 2002, respectivamente, 10,5% e

17,5%, da produção de carne.

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116

Ao contrário da carne frango, o setor de leite e derivados tenderá,

segundo a FAO (2003, p. 10), a ter um crescimento mundial expressivo, se

comparado ao passado recente, devido à razoável recuperação do consumo

nos países em desenvolvimento, Tabela 20. O consumo de leite e seus

derivados têm aumentado, em média, 3,6% anuais, nas últimas décadas,

nestes países.

Tabela 20 – Dados e projeções da produção de leite (equivalente em leite integral), no mundo,

por regiões e por grupo de países, de 1967/69 a 2030, em milhões de toneladas, e

variação percentual média, de 1969-99 a 2015-30.

Regiões / grupo de países 1967/69 1987/89 1997/99 2015 2030 1969-99 1989-99 95/97-2030 2015-30

(milhões de toneladas) (variação percentual - média anual)

Mundo 387 528 562 715 874 1,3 0,6 1,4 1,3

Países em desenvolvimento 78 149 219 346 484 3,6 4,1 2,7 2,3

Excluindo China e Brasil 69 128 189 301 425 3,5 4,1 2,8 2,3

África Subsaarina 8 13 16 26 39 2,7 1,9 3,0 2,8

América Latina e Caribe 24 40 57 81 105 2,6 3,9 2,1 1,8

Excluindo Brasil 17 26 36 52 69 2,2 4,0 2,1 1,9

Oriente Médio e África do Norte 14 21 28 41 56 2,3 3,1 2,2 2,1

Sul Asiático 30 65 104 174 250 4,5 4,9 3,1 2,4

Leste Asiático 3 10 15 25 34 6,9 4,5 2,9 2,2

Excluindo China 1 4 5 8 12 7,3 3,2 3,0 2,4

Países industrializados 199 236 246 269 286 0,7 0,5 0,5 0,4

Economias em transição 110 144 97 100 104 -0,3 -4,6 0,2 0,2

Fonte: FAO (2003, p. 162-3), modificada pelo autor.

Com a exclusão dos países em desenvolvimento, a demanda crescerá

abaixo dos níveis do passado, porém, o consumo per capita terá um acréscimo

acentuado em virtude da desaceleração do crescimento populacional.

Como visto anteriormente, os cereais têm uma importância decisiva no

mercado agregado mundial de produção animal e seus derivados. No futuro,

haverá um crescimento acentuado no uso de cereais para alimentação animal,

principalmente devido à tendência de deslocamento da produção de carne

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117

bovina e de outros ruminantes para a produção de carne de frango, dada à sua

maior conversão alimentar (FAO, 2003, p. 10).

Segundo a FAO (2003, p. 10), os óleos vegetais e seus derivados

pertencem a uma categoria de alimentos com alto teor calórico que tem uma

grande importância participativa nos acréscimos de consumo alimentar das

nações em desenvolvimento, Tabela 21.

Tabela 21 - Demanda mundial, regional e por grupos de países de óleos vegetais e seus

derivados: taxas de crescimento, de 1969/99 a 2030, e consumo, no período de

1997/99.

Regiões / Grupo de países 1997/99 1969-99 1979-99 1989-99 97/99-2015 2015-30

(Mton)* (taxa de crescimento - média percentual ao ano)

Mundo 98,3 4,0 3,9 3,7 2,7 2,2

Países em desenvolvimento 61,8 5,0 4,8 4,6 3,2 2,5

África Subsaariana 6,7 3,2 3,4 4,3 3,3 3,2

Oriente Médio e África do Norte 6,2 5,1 4,3 3,2 2,5 2,2

América Latina e Caribe 9,0 4,7 3,7 3,2 3,2 2,4

Sul Asiático 13,6 4,5 4,5 4,2 3,5 2,5

Leste Asiático 26,2 6,2 6,1 5,8 3,2 2,3

Países industrializados 30,6 3,2 3,4 3,1 1,7 1,8

Economias em transição 6,0 1,1 -0,4 -1,4 1,3 1,4

Fonte: FAO (2003, p. 99), modificada pelo autor.

Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

As projeções para este grupo de nações apontam para uma

intensificação do consumo de óleos vegetais, chegando a 45% do total de

calorias adicionais até o ano de 2030, contra 20% do total de calorias

adicionais consumidas, em meados dos anos 70. Esta tendência decorre de

um crescimento ínfimo do consumo de alimentos não industrializados ou não

processados, como cereais, raízes e tubérculos, na maioria dos países em

desenvolvimento, em favor dos alimentos industrializados, tais como os óleos

vegetais, os quais ainda participarão, significativamente, no aumento de

consumo alimentar. A maior parte da demanda por óleos vegetais tem sido

comandada pelos países em desenvolvimento, principalmente pela China e

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118

Índia. O crescimento mundial da demanda e da produção de óleos vegetais

continuará a crescer acima dos valores relacionados à agricultura como um

todo, embora este crescimento deverá ser inferior ao do passado recente - em

torno de 2,5% para as próximas três décadas, em comparação com 4,0%, nas

três últimas décadas. Esta desaceleração é resultado dos fatores anteriormente

apresentadas para as outras commodities (FAO, 2003, p. 10), Tabela 22.

Tabela 22 - Produção mundial, regional, e por grupos de países de óleos vegetais e seus

derivados: taxas de crescimento de 1969/99 a 2030 e produção no período de

1997/99.

Regiões / Grupo de países 1997/99 1969-99 1979-99 1989-99 97/99-2015 2015-30

(Mton)* (taxa de crescimento - média percentual ao ano)

Mundo 103.7 4,1 4,1 4,3 2,5 2,2

Países em desenvolvimento 67,7 4,8 5,0 4,7 2,8 2,4

África Subsaariana 6,0 1,5 3,0 3,5 3,2 3,0

Oriente Médio e África do Norte 1,8 2,0 2,4 2,4 2,3 2,1

América Latina e Caribe 14,6 5,7 4,8 5,3 2,9 2,6

Sul Asiático 9,7 3,6 4,6 2,4 3,2 2,4

Leste Asiático 35,5 6,2 5,8 5,5 2,7 2,2

Países industrializados 30,2 3,6 3,1 4,6 1,7 1,7

Economias em transição 5,8 0,7 0,9 -0,5 1,3 1,6

Fonte: FAO (2003, p. 99), modificada pelo autor.

Nota: (Mton)* Milhões de toneladas.

As principais culturas oleaginosas representativas do setor, no futuro,

serão: dendê, soja, girassol e colza. Poucos países, como o Brasil, serão

responsáveis pelo maior volume da produção mundial. O setor foi, no passado

recente, responsável por parte significativa da expansão agrícola nos países

industriais, em detrimento da área cultivada com cereais. Nos países em

desenvolvimento, as projeções indicam que o setor de oleaginosas continuará

a expandir sua produção, mais em conseqüência do arroteamento do que pelo

aumento de produtividade. Grande parte da expansão agrícola nestes países

será dedicada ao plantio de culturas oleaginosas (FAO, 2003, p. 10). Dentre as

nações em desenvolvimento, os cinco maiores exportadores de oleaginosas -

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119

Brasil, Argentina, Malásia, Indonésia e Filipinas - foram responsáveis pelo

aumento substancial nas exportações líquidas, passando de 4 milhões de

toneladas (Mton), nos anos de 1974/1976, para mais de 21 Mton, nos anos de

1997/1999. No entanto, segundo a FAO, (2003, p. 11), mesmo com os

progressos da produção de alimentos, os países em desenvolvimento

tenderão, no futuro, a serem importadores, em termos líquidos, de produtos

agrícolas.

Segundo a FAO, (2003, p. 11), as raízes (mandioca, taro), os tubérculos

(batata-doce, batata-inglesa, inhame) e a banana, produtos ricos em amido,

são os principais componentes da dieta dos países pobres, dos quais muitos

são caracterizados por baixos níveis per capita de consumo alimentar. A

maioria destes países se localiza na África subsaariana, onde 50% ou mais da

dieta, em termos calóricos, é composta deste tipo alimento. Geralmente, a

produção destas culturas é caracterizada pelo manejo agroecológico e

produtividades incipientes. Além da alimentação humana, estes produtos são

usados na criação de animais29. A rápida expansão da fronteira agrícola, do

desmatamento e da degradação do solo em determinadas regiões da Tailândia

tem sido atribuída, principalmente, ao crescimento da produção de mandioca

para exportação. Estes produtos continuarão a desempenhar um importante

papel na dieta de muitos países pobres, principalmente com baixos níveis de

consumo per capita (FAO, 2003, p. 11).

A economia, em geral, assim como a agricultura, a pobreza e a

segurança alimentar nos países em desenvolvimento, tem dependido da

produção intensa de um ou mais commodities agrícolas, destinadas à

exportação, como café, banana, açúcar, grãos oleaginosos e borracha natural.

Desta forma a economia e a divisão da riqueza estão sujeitas às mudanças no

mercado mundial (FAO, 2003, p. 11).

A FAO (2003, p. 11) tem reiterado que as políticas protecionistas

presentes no mercado internacional de commodities agrícolas têm prejudicado,

tanto produtores como consumidores. Como exemplo, em países da

Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), os

29

Nos países da Extinta União Soviética, a mandioca utilizada na alimentação animal é importada, principalmente da Tailândia, chegando a 10 Mton anuais (FAO, 2003, p. 44)

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120

consumidores pagam altos preços por alimentos importados, viabilizando os

elevados subsídios associados aos produtos alimentares nacionais.

Conforme a Tabela 23, a terra arável em uso no mundo, referente aos

anos de 1997/1999, totalizou 1,5 bilhões de hectares, com um aumento de 11%

e incremento anual de 0,34%, em relação ao período de 1961/1963. No

entanto, algumas regiões tiveram aumentos consideráveis, como a América

Latina e Caribe, que teve um acréscimo de mais de 50%, no referido período,

totalizando 159 milhões de hectares de terra de uso agrícola. Neste período,

segundo a FAO, (2003, p. 135), a população mundial praticamente dobrou de

tamanho, chegando a, aproximadamente, 5,9 bilhões de habitantes. Por

conseqüência, a terra arável per capita no mundo caiu em 40%, de 0,43 ha

para 0, 26 ha, no período referenciado. Neste espaço de tempo, houve a

intensificação no uso da terra por meio de cultivos múltiplos, redução do

período de pousio, adoção da monocultura e uso intenso de insumos agrícolas.

O uso intensificado da terra e a expansão das fronteiras agrícolas, nos

últimos 50 anos, têm trazido grandes impactos, como o arroteamento per se, a

contaminação ambiental, a erosão, a diminuição dos lençóis freáticos, entre

outros. O aumento da demanda por bens e serviços tem sido fator

preponderante na intensificação no uso do solo, onde ainda é possível, a fim de

elevar a produção. Mas muitos dos recursos produtivos, entre eles a água e a

terra, estão se tornando cada vez mais escassos, exauridos e contaminados.

A FAO (2003, p. 14), afirma que, por volta de 2030, a produção agrícola

nos países em desenvolvimento será 67% mais alta que no ano base

(1997/1999). A maioria deste aumento (em torno de 80%) será em virtude da

intensificação da produção agrícola, visando altas produtividades e

intensidades de cultivo (cultivos múltiplos e redução no período de pousio),

sendo que os 20% restantes virão da expansão da fronteira agrícola. As

nações em desenvolvimento agregam, aproximadamente, 2,8 bilhões de

hectares de terra com potencial para a produção agrícola sem a necessidade

de irrigação suplementar, com produtividades acima do “nível mínimo

aceitável”. Deste total, em torno de 960 bilhões de hectares, já estão sob

cultivo. No entanto, os 1,84 bilhões de hectares que podem ser cultivados não

devem ser considerados como “reserva”, pois a maioria da terra não cultivada

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121

está desigualmente distribuída, concentrada em poucos países da América do

Sul e da África subsaariana. Diversamente, muitos países no Sul da Ásia, do

Oriente Médio e do Norte da África não possuem excedentes de terra, e grande

parte da terra não utilizada não é propícia para a agricultura. Além disso, parte

considerável da terra potencialmente agricultável possui florestas naturais ou

áreas protegidas e urbanizadas (FAO, 2003, p. 14-15).

Tabela 23 - Dados e projeções da terra arável no mundo: total de terra irrigada em uso, de

1961/63 a 2030, em milhões de hectares, crescimento percentual médio anual, de

1961/99 a 2030, e percentual da terra em uso em relação à terra potencialmente

agricultável.

Regiões e Terra arável em uso Crescimento Terra em uso

Grupo de países anual (% do potencial)

1961/63 1979/81 1997/99 2015 2030 61/1999 97/2030 1997/99 2030(milhões de hectares) (% ao ano) (%) (%)

África Subsaariana 119 138 156 262 288 0,77 0,72 22 28

Oriente Médio e

Norte da África 86 91 100 89 93 0,42 0,23 87 94

Amérina Latina e

Caribe 104 138 159 223 244 1,22 0,57 19 23

Sul Asiático 191 202 205 210 216 0,17 0,13 94 98

excluindo Índia 29 34 35 38 39 0,37 0,12 162* 168*

Leste Asiático 176 182 227 233 237 0,89 0,06 63 65

excluindo China 72 82 93 105 112 0,82 0,43 52 60

Países em desenvolvimento 676 751 848 1017 1076 0,68 0,37 34 39

excluindo China 572 652 713 889 951 0,63 0,46 32 37

excluindo China e Índia 410 483 543 717 774 0,81 0,54 27 32

Países industrializados 379 395 387 ... ... 0,07 ... 44 ...

Países em transição 291 280 265 ... ... -1,9 ... 53 ...

Mundo 1351 1432 1506 ... ... 0,34 ... 36 ...

Fonte: FAO, (2003, p.133), modificada pelo autor.

Levando em conta a disponibilidade e a necessidade de terra, estima-se

para as nações em desenvolvimento, um aumento de 13% no arroteamento de

terras, aproximadamente 120 milhões de hectares, até o ano de 2030,

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122

principalmente nas regiões do continente Sul americano e na África

subsaariana.

Segundo a FAO (2003, p. 15), a irrigação deverá ser decisiva na

produtividade agrícola dos países em desenvolvimento. Atualmente, 20% da

terra arável ou 30% da área colhida são irrigadas, contribuindo com 40% do

total da produção agrícola ou, aproximadamente, 60% da produção de cereais.

Tabela 24 - Dados e projeções da irrigação mundial: Total de terra irrigada em uso, de 1961/63

a 2030, em milhões de hectares; crescimento percentual médio anual, de 1961/99 a

2030, e percentual da terra em uso em relação à terra potencialmente agricultável.

Regiões e Terra irrigada Crescimento Terra em uso

Grupo de países anual (% do potencial)

1961/63 1979/81 1997/99 2015 2030 61/1999 97/2030 1997/99 2030

(milhões de hectares) (% ao ano) (%) (%)

África Subsaariana 3 4 5 6 7 2 0,9 14 19

Oriente Médio e

Norte da África 15 18 26 29 33 2,3 0,6 62 75

Amérina Latina e

Caribe 8 14 18 20 22 1,9 0,5 27 32

Sul Asiático 37 56 81 87 95 2,2 0,5 57 67

excluindo Índia 12 17 23 24 25 1,9 0,2 84 89

Leste Asiático 40 59 71 78 85 1,5 0,6 64 76

excluindo China 10 14 19 22 25 2,1 0,9 40 53

Todos acima 103 151 202 221 242 1,9 0,6 50 60

excluindo China 73 106 150 165 182 2,1 0,6 44 54

excluindo China e Índia 48 67 93 102 112 2 0,6 41 50

Países industrializados 27 37 42 1,3

Países em transição 11 22 25 2,6

Mundo 142 210 271 1,8

Fonte: FAO, (2003, p.137), modificada pelo autor.

Até 2030, a irrigação deverá ultrapassar os atuais 202 milhões de

hectares para, aproximadamente, 242 milhões de hectares - 60% do total de

terra potencialmente irrigável (400 milhões de hectares), Tabela 24. O aumento

da área irrigada redundará em um acréscimo de 14% na utilização de água,

contando com a melhoria da eficiência de irrigação.

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123

A FAO (2003, p. 15), considera que países que retiram mais que 40%

dos recursos hídricos renováveis estão em situação crítica. Regiões como

Oriente Médio e Norte da África usam na irrigação mais do que 50% dos

recursos hídricos, e o Sul da Ásia, 36% destes recursos. De modo oposto, o

Leste asiático utiliza 8% da água disponível na agricultura irrigada, a região

subsaariana, 2%, e a América Latina, 1%. Outras regiões do planeta sofrem de

escassez extrema de água.

As previsões mundiais de acréscimos da produção agrícola, no médio

prazo, serão menores que no passado, assim como a demanda, que também

aumentará em taxas menores que no passado, em decorrência,

principalmente, da desaceleração do crescimento populacional.

No entanto, não é possível prever, com certeza, se tais crescimentos

serão compatíveis, variando na mesma proporção. Segundo a FAO, (2003, p.

16), as previsões de crescimento da produção agrícola, no futuro, mesmo

sendo menores, representam um grande desafio para a humanidade. Os

acréscimos na produtividade não poderão ser obtidos somente do potencial

produtivo inexplorado (se ainda existe), utilizando as variedades existentes e os

nichos de produção agroecológicas pouco produtivos e limitados.

Os aumentos de produtividade, e conseqüentemente da produção total,

requerem apoio continuado da pesquisa agronômica para que se possam

desenvolver variedades de plantas mais adaptadas e mais produtivas. Os

avanços científicos da biotecnologia atual parecem ser os meios mais efetivos

para solucionar tais problemas (FAO, 2003, p. 16). No entanto, no presente

estágio de conhecimento, as incertezas acerca dos possíveis riscos à saúde

humana e ao ambiente são elevadas (FAO, 2003, p. 19).

Segundo a FAO (2003, p.18), os esforços da pesquisa agronômica

devem estar predominantemente, direcionados em três direções: 1) incremento

da capacidade da agricultura mundial em prover aumentos significativos da

produção, assim como melhorar as propriedades nutricionais de seus produtos;

2) elevar a produtividade agrícola dos pobres, em agroecossistemas baseados

na agricultura ecológica, melhorando a renda familiar, e 3) manter a

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124

capacidade reprodutiva dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, minimizar

os impactos ambientais.

A média de consumo per capita de pescado aumentou de 13,4 kg, em

1990, para 16, 3 kg, em 1999 (produção total de 97 milhões de toneladas), e

poderá crescer para 19 a 20 kg, até 2030, alcançando uma produção total de

150 a 160 milhões de toneladas (Mton) de pescado. No final dos anos 90, 47%

dos principais estoques marítimos de pescado estavam completamente

explorados, 18% superexplorados e outros 9%, em depleção. Somente ¼ dos

estoques pesqueiros foram moderamente explorados ou subexplorados, no

período. No entanto, no longo prazo, a captura sustentável de pescado é

estimada em, aproximadamente, 100 Mton anuais, assumindo a eficiência na

utilização dos estoques, a conservação dos ecossistemas costeiros e

marinhos, a melhoria na seletividade das redes de pesca - levando,

conseqüentemente, à redução dos descartes e de animais não desejados.

(FAO, 2003, p. 22).

Embora, na teoria, os recursos pesqueiros sejam renováveis, na prática,

eles são finitos para propósitos comerciais. Podem ser explorados apenas em

certos períodos e, se superexplorados, sofrem uma sensível redução na

produção com risco de entrar em colapso. Diante do exposto, não é possível

aumentar indefinidamente a produção de pescado. Os recursos pesqueiros

devem, então, ser explorados em níveis sustentáveis (FAO, 2003, p. 22).

A agricultura, segundo a FAO (2003, p. 26), contribui para as mudanças

climáticas por meio de emissões de gases do efeito estufa, como o metano.

Mas, também contribui para a mitigação das mudanças climáticas através do

seqüestro de carbono realizado pelas culturas e pela matéria orgânica do solo,

além da produção de biomassa para fins energéticos, que podem substituir os

combustíveis fósseis.

Os principais efeitos das mudanças climáticas na agricultura, conforme

as previsões da FAO, (2003, p. 27) são:

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125

1) Mudanças nos padrões de temperatura e de precipitação que afetarão

a disponibilidade de terras propícias à agricultura, no entanto, áreas disponíveis

de terra aumentarão em altas latitudes, devido ao encurtamento dos períodos

invernais e ao seu abrandamento;

2) Os efeitos nas produtividades seguirão o mesmo padrão da

disponibilidade de terras, com maiores valores nas médias e altas latitudes, e

menores valores nas baixas latitudes, mas com ganhos nas terras altas dos

trópicos devido ao aumento da temperatura média;

3) grande mudança na disponibilidade de água dos rios e aqüíferos,

provocada pela diminuição do runoff 30 e da recarga de água do solo. Espera-

se reduções consideráveis de recursos hídricos na Austrália, Norte e Sul da

África, Oriente Médio, na maior parte da América Latina e em algumas regiões

da Europa. Por conseqüência, a capacidade de irrigação será negativamente

afetada, com maior freqüência de períodos de secas. A maior diminuição da

disponibilidade de água deverá ocorrer após 2030. Contudo, no curto prazo,

poderá haver efeitos negativos na irrigação;

4) Perdas na pecuária, resultante da degradação das pastagens nos

países em desenvolvimento, principalmente após 2030: estresse em razão do

calor e da baixa produtividade das pastagens, o que pode ser compensada

pela “fertilização” com CO2. No entanto, as pastagens localizadas em zonas

temperadas terão efeitos positivos, resultantes da redução do período de

inverno e da elevação da temperatura. Estes fatos propiciam maiores

produtividades das pastagens e conforto térmico aos animais;

5) Elevação significativa das temperaturas médias dos mares pode

reduzir a cadeia alimentar, afetando o crescimento do plâncton ou alterando

sua distribuição e, diminuindo o suprimento alimentar dos peixes e, portanto, de

toda cadeia alimentar. Soma-se, ainda, a migração das espécies de latitudes

médias para áreas setentrionais. Em geral, os estoques mundiais de pescado

não serão seriamente afetados, mas, regionalmente, a indústria pesqueira e o

suprimento alimentar terão impactos negativos;

30

Escorrimento ou movimento, sob a superfície do solo, das águas das chuvas

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126

6) A elevação dos níveis mares acarretará inundações progressivas das

áreas costeiras e salinização dos aqüíferos destas áreas. A freqüência e a

intensidade dos ciclones tropicais serão maiores, assim como a freqüência de

tempestades nos continentes;

7) Poderá ocorrer mudanças significativas na distribuição das pestes,

mesmo em pequena elevação da temperatura média. Menores ondas de frio

poderão aumentar a população e a amplitude de ocorrência de alguns

transmissores de pestes e doenças;

8) O aumento da temperatura média do planeta, provavelmente elevará

a velocidade dos ventos, ocasionado furacões. A maior intensidade dos ventos

provocará danos mecânicos nas plantas, nos animais e erosão no solo.

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127

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nenhum momento, foi nossa pretensão oferecer uma resposta cabal

à questão central que norteou esta pesquisa, ou seja: “Qual o prognóstico da

produção de alimentos no mundo?”. Diante das muitas incertezas associadas

aos desdobramentos das questões populacionais, sócio-ambientais,

econômicas e políticas do atual cenário, nos foi possível apenas analisar os

principais cenários atualmente em debate, com destaque para as projeções da

Food and Agricultural Organization - FAO. A proposta de realização de uma

análise comparativa entre o cenário da FAO e outros de relevância acadêmica

internacional nos remete a crescente complexidade do tema, permeada por

incertezas de ordem ambiental, como aquelas decorrentes das alterações

climáticas no âmbito mundial. Uma vez evidenciada a impossibilidade de um

prognóstico definitivo para a questão em foco, buscou-se analisar cenários e

prognósticos a partir de parâmetros estritamente relacionados às fragilidades e

potencialidades ambientais do planeta. Neste sentido, recursos e

características ambientais, como disponibilidade de terra e água, foram

destacados.

Existe uma argumentação de que da mesma forma que a humanidade

tem conseguido superar os problemas relacionados à produção alimentar, o

mesmo se daria no futuro. Esta é a opinião de vários cientistas e Organizações

Multilaterais, como a FAO. Entretanto, observa-se uma crescente apreensão

com relação à possibilidade de superação dos atuais problemas evidenciados

em âmbito global, mesmo porque eles decorrem de tecnologias e práticas

genericamente adotadas, sem que se vislumbrem modalidades alternativas

com possibilidades de adoção no médio prazo. Por outro lado, vivenciamos

uma população crescente, com pressões de consumo também crescentes, em

um ambiente global limitado e cada vez mais fragilizado pelas ações humanas.

No estudo dos cenários futuros da produção mundial de alimentos,

foram contemplados os principais trabalhos quanto à relevância institucional e

científica, e quanto à importância dos autores no contexto mundial. Destaca-se

dentre eles o cenário da FAO (2003), por ser esta uma Organização

Internacional criada especificamente para este fim.

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128

Do estudo do Clube de Roma, publicado em “Os Limites do

Crescimento” (MEADOWS, 1972), mesmo considerando improvável que o

cenário futuro do mundo tenha um comportamento como os apresentados nos

modelos de simulação, algumas tendências têm sido evidenciadas. O

“processamento-padrão do modelo mundial”, provavelmente é aquele que mais

se aproxima das tendências atuais. Vale destacar que a importância deste

estudo se deve mais ao seu pioneirismo, em uma época em que se conhecia

muito pouco da dinâmica ambiental e de outros mecanismos norteadores do

desenvolvimento tecnológico moderno. De qualquer forma, este estudo nos

apontava para um cenário futuro de colapso a se manter os atuais estilos de

vida e de degradação do ambiente. Os estudos do Clube de Roma, apesar dos

fundamentos científicos da época, apresentavam modelos de cenários

extremos, nos quais a humanidade, inevitavelmente, tenderia a um final trágico.

Contudo, os efeitos das mudanças climáticas são um prenúncio dos cenários

mais pessimistas do Clube de Roma. Da mesma forma que os pensadores e

cientistas da época não dispunham de elementos de informação acerca das

influências humanas na dinâmica natural do planeta, os pesquisadores atuais

têm carências semelhantes acerca dos possíveis desdobramentos dos

fenômenos globais. O entendimento dos sistemas naturais como um todo e de

suas variáveis é imprescindível para o delineamento de prognósticos mais

confiáveis quanto aos efeitos antropogênicos sobre o meio.

O estudo de Boserup, “Evolução Agrária e Pressão Demográfica”, revela

através da história, que o crescimento populacional não foi um fator

determinante para o desenvolvimento de novas técnicas de produção agrícola -

as técnicas preexistiam e foram usadas conforme a variação demográfica. Os

sistemas de produção agrícola estão em constante transformação,

influenciados por fatores demográficos, de modo que a produção local de

alimentos e de outros produtos transita de técnicas extensivas para técnicas

intensivas e vice-versa, sendo que tais mudanças são intrínsecas às culturas

das comunidades locais.

É natural, na análise do estudo de Boserup, que se tente traçar algum

paralelo entre teorias econômicas, principalmente a Neo-Malthusiana. Além

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129

disso, os paradigmas da “Revolução Verde” (RV) são confrontados com a

ortodoxia dos paradigmas da teoria “Boserupiana”.

Substanciando, os paradigmas da RV não foram desenvolvidos para

resolver os problemas de crescimento populacional dos países pobres, mas

sim para produzir excedentes agrícolas ao mercado internacional em

expansão. Se a RV tivesse finalidades humanitárias, ela teria se desenvolvido

também nos países africanos, principalmente da África subsaariana, onde os

níveis de consumo per capita são muito baixos e a desnutrição e a subnutrição

são endêmicas. Muitos autores e Organizações Internacionais, como a FAO,

enfatizam a necessidade dos países ricos em promover, por meio de políticas

adequadas, a auto-suficiência na produção alimentar local como forma mais

eficiente para reduzir ou erradicar a pobreza e, conseqüentemente, aumentar a

segurança alimentar.

A economia de produção alimentar de subsistência não tem conseguido

proporcionar seguridade alimentar nos tempos modernos, em decorrência da

crescente demanda da população mundial. Os avanços científicos que

impulsionaram o grande crescimento populacional no século XX deveriam,

também, ter promovido o aumento da produção e a melhor distribuição de

alimentos, o que evidencia uma questão ética e de comércio justo. As técnicas

modernas de produção de alimentos evoluíram na Europa e na América do

Norte, a partir da “Revolução Industrial”, e se espalharam pelo mundo

principalmente com a RV. Boserup afirma que as comunidades agrícolas de

subsistência passariam, com o tempo, por transformações profundas, mas não

cita a RV. Alguns autores afirmam que o mundo deveria ter uma segunda RV a

fim de resolver os problemas de alimentação nos países pobres, como os da

África subsaariana. Outros insistem na promoção da agricultura de

subsistência. De qualquer forma, ambas as propostas necessitariam de apoio

político e técnico, assim como ocorrera na RV. O incentivo na produção de

subsistência nos países pobres com participação institucional, financeira e

técnica, tende a ser mais oportuno e lógico do que o choque sócio-econômico

proporcionado por uma segunda RV. Com o passar do tempo, poderia haver

uma progressão das técnicas produtivas, se assim as comunidades rurais

desejassem.

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130

Em sua avaliação, Gilland (2002) afirma que a produção mundial de

alimentos tem sido mais que suficiente para a alimentação adequada da

humanidade. O autor prevê que os incrementos de produtividade das principais

culturas alimentícias serão fundamentais no futuro, principalmente em países

com pouca disponibilidade de terra arável. Estes incrementos somente serão

possíveis com altas doses de fertilizantes. O autor ainda adverte que

suprimento hídrico pode ser limitante para se alcançar estas produtividades.

Gilland (2002) deduz que, até 2050, haverá apenas 10% de aumento na

produção de cereais per capita nos países menos desenvolvidos, sendo que o

consumo nestes países deve ser complementado por transferências dos países

mais desenvolvidos, onde a produção de cereais terá um aumento significativo,

em torno de 80%. Esta conclusão corrobora as previsões da FAO (2003): “os

países industrializados serão, no futuro, os maiores produtores e exportadores

de commodities agrícolas”. Porém, o autor não cita a competição entre a

produção de biomassa para fins energéticos (bioenergia) e a produção

alimentar, face às pressões pelo uso de combustíveis renováveis.

No estudo de Johnson (1999), o autor prevê que, até 2020, a produção

de alimentos no mundo acompanhará os acréscimos populacionais. Em sua

projeção, baseada nos estudos da FAO, WB e IFPRI, a produção de grãos

crescerá 17% nos países desenvolvidos e 9% nos países em desenvolvimento.

Wirsenius (2003) não faz um estudo de cenário para produção de

alimentos, mas destaca a importância das taxas de conversão das principais

commodities vegetais e animais. O autor revela que há uma competição entre o

consumo humano de grãos e o consumo de grãos para a alimentação animal.

A taxa de conversão de carne, bovina e de outros ruminantes, é a menor que

outros tipos de carne, como a suína e a de aves. No futuro, a produção de

carne bovina dependerá cada vez mais da produção de grãos e de outros

alimentos cultivados. O autor afirma que a demanda por carne bovina é alta e

não haverá pastagens naturais suficientes no mundo para sua produção. De

fato, a carne bovina é um alimento nobre. Somente países com grande

quantidade de terra arável, como o Brasil, podem criar bovinos em pastagens

cultivadas ou naturais a preços relativamente baixos se comparados à taxa de

conversão. Vale lembrar que praticamente toda produção brasileira é

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131

consumida domesticamente. Porém, o custo ambiental é grande: o

arroteamento para a formação de pastagens e o plantio de grãos no Centro-

Oeste e no Norte do Brasil são as principais causas do aumento do

desmatamento, associadas à exploração madeireira.

Wolf et al. (2003) apresentam estudo de cenários bastante completo e

revelador. Alguns dos cenários apresentados são extremos, como o uso de

toda a terra arável disponível no mundo para a produção agrícola, o que

significaria o arroteamento total de todos os ecossistemas para a formação de

agroecossistemas produtivos - provavelmente implicaria em colapso na

dinâmica do planeta. O estudo também é importante por levar em conta a

competição das culturas alimentícias com as culturas para produção de

biomassa com fins energéticos ou de bioenergia. Além disso, Wolf et al. (2003)

comparam sistemas intensivos (SIP) e extensivos (SEP) de produção agrícola,

considerando ainda fatores extremados. Este estudo considera a variação da

dieta (de vegetariana à rica) e a variação do crescimento da população (de

baixo a alto crescimento). Outros extremos estudados são: a produção agrícola

utilizando o potencial mundial total de terra agricultável e a produção agrícola

utilizando a quantidade de terra atualmente cultivada no mundo.

Salienta-se que os autores determinaram que as terras menos férteis e

de difícil mecanização serviriam somente para pastagens, corroborando com

os preceitos de Wirsenius (2003) em relação à produção de carne bovina e

taxa de conversão.

WOLF et al. (2003) estabeleceram importantes índices para o melhor

entendimento dos cenários. O índice de suficiência alimentar é a razão entre o

potencial de produção de alimentos e a necessidade alimentar. Por segurança,

os autores determinaram que o índice de suficiência alimentar é igual a 2,

gerando o índice mínimo de segurança alimentar, a fim de proporcionar um

nível de segurança alimentar abrangente e sem restrições, pois além da

produção de alimentos, há a concorrência, no estudo, da produção de

bioenergia. Mas este índice mínimo, igual a 2, indica que é necessário que se

produza o dobro de alimentos para que haja o mínimo de segurança alimentar.

Isso nos leva a raciocinar que, nesse nível, metade da produção de alimentos é

perdida ou não aproveitada. Seria, então, uma alternativa, melhorar a eficiência

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132

do aproveitamento da produção, de modo que houvesse menores perdas na

colheita, no transporte, no armazenamento, na distribuição e na

comercialização, assim como no consumo final, com menor desperdício e

melhor aproveitamento. Dessa maneira, o índice mínimo de segurança

alimentar poderia ser bem menor que 2, o que remeteria a uma pressão menor

pelos recursos produtivos. Por outro lado, um índice mínimo muito próximo a 1

seria limitante para uma segurança alimentar satisfatória.

Uma das principais conclusões feitas pelos autores é que, no futuro, em

sistemas intensivos de produção agrícola (SIP), haveria potencialmente uma

grande quantidade de terra agricultável, cerca de 4 bilhões de hectares (Bha)

para a produção de bioenergia (biomassa para fins energéticos), associada ao

crescimento alto da população e dieta rica. No entanto, em sistemas extensivos

de produção agrícola (SEP), a quantidade de terra para produção de

bioenergia seria mais limitada, sendo nula com alto nível de crescimento

populacional associada à dieta rica, como mostra a Tabela 8.

É razoável, em todos os aspectos, principalmente ambiental, que se

mantenha, no longo prazo, a área de terra atualmente cultivada. Ou seja, no

futuro, seria desejável que não houvesse novos arroteamentos para expansão

agrícola. Deste modo, haveria a preservação de uma grande quantidade de

área dos ecossistemas ainda restantes do planeta. Pode-se também

considerar, eticamente, a dieta moderada como mais justa. Deste modo, no

sistema SIP, em qualquer nível de crescimento populacional, haveria terra

suficiente também para a produção de bioenergia. No entanto, considerando o

sistema SEP, a quantidade de terra para a produção de bioenergia seria nula

no nível alto de crescimento populacional. O quadro se reverte quando o nível

de aumento populacional é baixo (1,53 Bha) e médio (0,82 Bha). Mesmo neste

último caso, a situação não é das piores, pois haveria quase 1 Bha de terra,

para a produção de bioenergia. Como já esclarecido, os autores usam

situações extremadas como cenários. Portanto, no futuro, a situação mais

provável é a composição de ambos os sistemas: SIP e SEP. Desse modo, a

quantidade de terra para produção de bioenergia poderia ser maior. É

importante frisar que a manutenção da área de terra, atualmente cultivada, sem

acréscimos, no futuro, deve ser percebida como o melhor cenário. Os autores

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133

concluem que não haverá, no mundo, terra agricultável disponível para a

produção de bioenergia se a área atual de terra cultivada for utilizada para

produzir alimentos. De forma antagônica a essa afirmação, verifica-se na

Tabela 9, que isso é verdadeiro somente para a dieta rica em todos os níveis

de crescimento populacional e na dieta moderada em alto nível de crescimento

da população.

O relatório da FAO (2003) é o mais extenso de todos os estudos de

cenários. Apresenta uma grande quantidade de dados atuais, do passado

recente e projeções para o futuro, até 2050, focando as principais regiões e

grupos de países do mundo. O relatório contempla as principais commodities

agrícolas (animais e vegetais), os recursos hídricos, quantidade de terra,

fertilizantes, recursos pesqueiros e florestais, consumo e produção em

números absolutos e per capita. Também faz análises e prognósticos sobre

questões importantes no mundo, como pobreza, desenvolvimento econômico,

comércio agrícola, globalização, tecnologia, agricultura em relação ao meio

ambiente e às mudanças climáticas. No entanto, é um relatório mais político e

institucional do que técnico. O estudo, não contempla os principais

pesquisadores das questões relacionadas, assim como os principais estudos

científicos e as instituições de pesquisas mais importantes e, principalmente,

suas opiniões. As publicações e autores usados como referência são aqueles

que normalmente aparecem nas demais publicações e informes da FAO. Por

isso, não há um aprofundamento e detalhamento das questões importantes

relacionadas aos cenários. Como um Organismo Internacional que trata de

assuntos pertinentes ao tema desta tese, era de se esperar maiores

informações científicas do relatório e cenários detalhados, em função de

conjunturas possíveis e/ou prováveis.

Assim como no estudo de Wolf et al. (2003), as conclusões do estudo da

FAO sobre os possíveis efeitos das mudanças climáticas no futuro, em relação

a agricultura e ao meio, não são aprofundadas.

Percebe-se, analisando-se o estudo da FAO, que são ainda incipientes

os trabalhos relacionados à produção futura de alimentos, particularmente no

que diz respeito às transformações ambientais em curso no mundo. Desta

forma, não são consideradas as incertezas relacionadas ao efeito estufa e seus

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134

desdobramentos. Portanto, o alerta ambientalista, explicitado pelo Relatório da

WWF (WWF, 2006), segundo o qual, os estilos de vida do mundo

contemporâneo têm provocado uma nítida sobreexploração dos recursos

naturais, não é sequer objeto de análise nos cenários de maior reconhecimento

internacional. Da mesma forma, as influências ambientais referentes à

mecanização e ao uso intenso de energia são negligenciadas.

Diante do exposto, chama à atenção a superficialidade dos estudos

acerca da produção futura de alimentos e outros produtos, como bioenegia, o

que nos remete à necessidade de um aprofundamento das pesquisas nesta

área.

As pressões pela expansão das fronteiras agrícolas continuarão, mesmo

considerando as críticas e cobranças por parte da população, das ONG´s

ambientalistas e dos governos internacionais.

As mudanças climáticas resultantes do aquecimento global têm

comprometido a produção de alimentos em todas as regiões da Terra. As

alterações nos padrões de temperatura e de pluviosidade poderão beneficiar

algumas regiões, favorecendo a produção alimentar, em detrimento de outras,

onde serão agravados os episódios de secas e de altas temperaturas, em

regiões outrora aptas ao cultivo. As mudanças climáticas implicam em um

acirramento entre os fatores relacionados à segurança alimentar

(disponibilidade de terra, água e de outros recursos ambientais e insumos,

tecnologia, condições sócio-econômicas das populações e políticas

governamentais). Inferem-se, ainda, as relações complexas entre esses fatores

e o comércio internacional de commodities agrícolas e de insumos. A

intensificação das mudanças climáticas certamente provocará, entre outras

catástrofes, a elevação do número de refugiados ambientais, que tenderá a ser

maior nos países pobres e populosos - cerca de três bilhões de pessoas - que

se localizam nas regiões tropicais e subtropicais, as quais serão mais

intensamente afetadas pelo aquecimento global.

A produção de alimentos tem sido um desafio para a humanidade, em

virtude do crescimento populacional, especialmente durante o século passado.

Porém, o mundo deve enfrentar um desafio ainda maior: o aumento da

produção de alimentos, frente aos prognósticos de aumento populacional, ao

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aumento da demanda alimentar relacionada às mudanças de estilo de vida e

de renda, à escassez de recursos ambientais e, principalmente, às mudanças

nos padrões climáticos globais.

Em 2008, o mundo enfrentou uma séria crise alimentar - a primeira do

século XXI - decorrente do aumento do poder aquisitivo de classes de menor

renda dos países pobres e em desenvolvimento, aliada a fatores climáticos e

ambientais, como secas e enchentes, que reduziram a produção global de

alimentos. Com a demanda em alta e a produção alimentar enfraquecida,

houve alta dos preços das commodities agrícolas internacionais. Esta alta

trouxe à tona discussões acirradas relacionadas à competição entre produção

de alimentos e produção de biomassa para fins energéticos - que utilizam os

mesmos meios produtivos - ao avanço da agricultura e da pecuária sobre

biomas importantes (como florestas pluviais e cerrado brasileiro), ao

protecionismo comercial dos países ricos, que, por meio de uma série de

medidas comerciais, econômicas e políticas, protegem os produtores

domésticos de alimentos da concorrência dos países exportadores de

commodities agrícolas, à utilização de mão-de-obra escrava e infantil, entre

outros. A crise alimentar evidenciou que há uma demanda mundial reprimida

latente por alimentos, e que um pequeno aumento da renda familiar das

populações pobres pode aumentar substancialmente a demanda alimentar

mundial. Insere-se, neste contexto, a demanda por produtos mais caros e

elaborados, como carne bovina e alimentos industrializados. A produção de

carne bovina, como explicitado por Wirsenius (2003), por ter uma taxa de

conversão alimentar muito baixa em comparação à de outros produtos animais

(como aves), requer maiores incrementos de fatores produtivos, principalmente

de terra e água, aumentando os impactos ambientais. Uma maneira de

minimizar esses impactos seria a mudança de estilo de vida da população, no

sentido de viabilizar o consumo de produtos de origem animal menos

impactantes, como carne de aves e de suínos, ou produtos vegetais. No caso

da pecuária brasileira, predominantemente extensiva, o aumento da

produtividade dos rebanhos sob regime de pasto e/ou o aumento da criação

intensiva é desejável no intuito de diminuir, no médio e longo prazo, a pressão

por arroteamento na fronteira agrícola para formação de pastagens.

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Segundo Johnson & Johnson (2005, p. 2484), a emissão de metano

(um dos gases do efeito estufa, com efeito 20 vezes maior que o gás

carbônico), proveniente da fermentação ruminal do gado bovino, representa

cerca de 73% de, aproximadamente, 80 milhões de toneladas anuais de

metano produzido pelas criações animais no mundo. Contudo, os mesmos

autores enfatizam que o metano proveniente da pecuária contribuirá com

menos de 2% para o aquecimento global, nos próximos 50 a 100 anos.

Algumas práticas podem ser empregadas com o intuito de diminuir a emissão

de metano, como manejo adequado do rebanho (seleção de raças mais

produtivas e adaptadas, suplementação alimentar na época da seca, lotação

adequada), melhoria das pastagens (mais produtivas, menos fibrosas e com

maior teor de proteína, rotação de pastagem) e eficiência da digestão animal

pelo uso balanceado da ração e outros suplementos alimentares.

O debate acerca da competição entre a produção de alimentos e de

biomassa para fins energéticos (que utiliza os mesmos recursos produtivos) se

intensificou com a crise alimentar em 2008. Contudo, pôde-se concluir que a

concorrência é mínima, principalmente nos países tropicais com tecnologia

agroindustrial avançada, onde o potencial de produção de bioenergia é

bastante alto em comparação aos países de clima temperado. Como exemplo,

a cana-de-açúcar suplanta, em produtividade e com menor custo produtivo, o

cultivo de beterraba açucareira, de milho e de sorgo para a produção de álcool.

No Brasil, a expansão da agroenergia poderá ser feita em áreas de pastagens,

com pouco impacto sobre áreas de cultivo alimentar e de ecossistemas

naturais. No entanto, como a pecuária extensiva e a monocultura são setores

produtivos que mais arroteiam florestas no Brasil, é de se esperar que haja,

ainda, avanços da fronteira agrícola para o assentamento destas modalidades

produtivas.

Os gases do efeito estufa e a dependência internacional pelo petróleo,

cada vez mais escasso e produzido em zonas de conflitos, fizeram com que

países desenvolvidos e em desenvolvimento passassem a pesquisar

alternativas energéticas menos impactantes, baratas e renováveis. Os

biocombustíveis, como o biodiesel e o álcool, produzidos a partir de matérias-

primas variadas, têm potencial de se tornarem, no futuro próximo, commodities

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energéticas (inseridas no mercado internacional). A agroenergia tem um futuro

promissor, com tecnologias de produção e de utilização bastante

desenvolvidas. Entretanto, a agroenergia é ainda incipiente em termos de

quantitativos. No mundo, a agroenergia apresenta um papel secundário na

matriz energética, e é muito improvável que, esse tipo de energia, consiga

substituir o uso de combustíveis fósseis, em larga escala.

A suficiência alimentar e energética é fundamental para a soberania de

qualquer país. Portanto, é uma questão estratégica e de segurança nacional

que os países se empenhem em ser auto-suficientes, mesmo com grandes

custos econômicos, sociais e ambientais. O protecionismo comercial e os

subsídios oferecidos aos agricultores e criadores europeus são exemplos

clássicos desse comportamento. O livre comércio, sem barreiras econômicas e

políticas, é fundamental para que haja uma nova ordem mundial, na qual todos

os países, ricos, pobres e em desenvolvimento, possam ter um comércio justo

e, portanto, gerador de renda e de divisas. A crise alimentar recente e suas

questões decorrentes, como a competição entre alimentos e bioenergia,

deveria ter sido uma oportunidade para que os países ricos implementassem

uma nova Revolução Verde nos países pobres. Países africanos poderiam

produzir agroenergia a preços internacionais acessíveis e, ao mesmo tempo,

promover a agricultura familiar de modo ambientalmente sustentável, com

conseqüente geração de renda - fator primordial para a segurança alimentar.

O melhoramento vegetal e animal através de técnicas tradicionais têm,

nos últimos tempos, conseguido incrementos de produtividade cada vez

menores. Face ao desafio de se produzir alimentos à população global em

crescimento, até 2050, e da “sustentabilidade ambiental” dessa produção, os

organismos geneticamente modificados (GMO, em inglês) podem auxiliar

nessa tarefa, em que pesem as críticas apresentadas.

As pesquisas agronômicas e a engenharia genética podem desenvolver,

ainda mais, variedades altamente produtivas de plantas que necessitem menos

fertilizantes, água, defensivos, entre outros insumos, com conseqüente

diminuição dos impactos ambientais da produção alimentar. Face às mudanças

climáticas, os GMO´s serão fundamentais na finalidade de se adaptar as

culturas (e criação de animais) ao meio produtivo cada vez mais transformado.

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Vale destacar que são muitas as incertezas acerca da aplicação generalizada

da bioengenharia e dos produtos transgênicos, que nos remetem ao Princípio

da Precaução.

Mudanças no estilo de vida das populações serão importantes, no futuro,

na busca da distribuição equitativa dos recursos ambientais finitos e de seus

produtos e serviços, e da “sustentabilidade ambiental”, em um mundo afetado

por mudanças dos padrões climáticos.

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Page 171: PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA … · acerca do suprimento alimentar da população mundial, face às projeções oficiais, que apontam sua estabilização entre

ANEXO A

A Origem da Espécie Humana - Modelos Teóricos e

Proposições da Origem dos Humanos Modernos

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A1

Na evolução da espécie humana (Homo sapiens sapiens), as evidências

apontam a existência de um ancestral hipotético dos humanos e dos

chimpanzés vivendo entre 5 e 8 milhões de anos, no Continente africano. Este

ancestral, assemelhado a um chimpanzé, vivia em árvores e se alimentava de

frutos, brotos e folhas. No Quênia, em 2001, a descoberta uma espécie fóssil,

classificada como Orrorin tugenensis, datada em, aproximadamente, 6 milhões

de anos, era o mais antigo hominídeo1 conhecido (SHIPMAN, 2002). Mas,

segundo Brunet et al. (2002), a espécie Sahelanthropus tchadensis representa,

atualmente, o mais antigo hominídeo descoberto, no Chad, África Ocidental,

datado entre 6 a 7 bilhões de anos. Segundo os mesmos autores, esta

descoberta indica que os ancestrais do homem estavam mais amplamente

distribuídos e que a divergência entre as linhagens dos humanos e chimpanzés

ocorreram mais cedo do que a maioria dos estudos moleculares supunha.

Assim como em outros grupos de mamíferos, houve uma série de

complexas dispersões do ancestral original, de modo que novas espécies de

hominídeos evoluíram e rapidamente se diversificaram. Entre 3 e 3,2 milhões

de anos atrás, haviam diversas espécies de hominídeos adaptados em

diferentes hábitats (LIEBERMAN, 1999). O gênero Homo evoluiu entre 2 e 3

milhões de anos atrás de antigas espécies do gênero Australopithecus, mais

precisamente, da espécie A. afarensis, cujo representante fóssil mais famoso é

Lucy2

O Leste africano - especificamente, Rift Valley - foi considerado, até a

década passada, a região geográfica de origem de nossos ancestrais,

especialmente pela descoberta dos mais antigos fósseis: Kenianthropus

platyops, datado em 3,5 milhões de anos (m.a.), Australopithecus anamensis

(3,9 a 4,1 m.a.), Ardapithecus ramidusramidus (4,4 m.a., aproximadamente), A.

ramidus kadabba (5,2 a 5,8 m.a.) e Orrorin tugenensis (6 m.a.,

aproximadamente) (LIEBERMAN, 1999).

A reconstrução das relações entre hominídeos é muito difícil em razão

da abundância de similaridades nos fósseis encontrados, cujas espécies 1 Hominídeo é a denominação que se dá a um membro da família Hominidae, que

classicamente inclui todas as criaturas, vivas ou extintas, mais relacionadas ao Homo sapiens do que aos atuais chimpanzés - taxomicamente mais próximos ao gênero Homo (GEE, 2001). 2 O nome Lucy faz referência à canção “Lucy with Diamonds in the Sky”, dos Beatles, que era sucesso mundial na época do descobrimento do referido fóssil.

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A2

evoluíram independentemente. A descoberta de novas espécies e gêneros

torna a história evolutiva dos humanos complexa e não solucionada

(LIEBERMAN, 1999).

Os hominídeos mais modernos são taxonomicamente classificados no

gênero Homo, caracterizados por possuírem cérebro maior, crânio

arredondado e fronte mais parecida com a dos humanos atuais, diferentemente

de seus ancestrais mais próximos: os australopitecinos (espécies do gênero

Australopithecus). Ambos os gêneros, não obstante suas diferenças, possuíam

anatomia que lhes permitiam o andar ereto. A espécie Homo habilis representa

a linhagem de hominídeos que teve um desenvolvimento comportamental

marcante na história evolutiva do homem: sua inteligência superior permitiu a

confecção de apetrechos e utensílios, como armas de caça, vestuário e

abrigos. Tal fato foi fundamental para que o H. habilis dominasse os ambientes

menos favoráveis e se difundisse por outras regiões.

Na evolução dos humanos, a teoria mais aceita é que a linhagem

humana evoluiu na África e se difundiu pelo Sul da Eurásia como Homo

erectus, por volta de 1,7 milhões de anos atrás. Segundo Templeton (2002),

existiram duas grandes expansões após a dispersão inicial do H. erectus,

resultando em intercruzamentos das populações locais, que fortaleceram os

laços genéticos entre os grupos humanos por todo o mundo.

Existem diferenças de opinião sobre a complexidade dos processos de

origem, dispersão e cruzamentos que poderiam, subseqüentemente, ter

ocorrido com humanos não-modernos além do Continente africano. Além disso,

incertezas ainda envolvem relações entre genética, mudanças

comportamentais e morfológicas, e a região exata de origem, assim como o

modo - gradual ou pontual - de evolução dos humanos modernos.

O debate sobre a origem dos humanos modernos tem se baseado em

dados fósseis e arqueológicos, assim como nas reconstruções da história

evolucionária sustentada em padrões de diversidade genética - dentro e entre

as diversas populações atuais de seres humanos. Dessa maneira, a discussão

sobre a origem dos humanos modernos pode ser baseada em dados

genéticos, antigos ou atuais, mas somente pode ser resolvido considerando-se

as evidências fósseis e arqueológicas (RELETHFORD, 2001). Os registros

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A3

arqueológicos do período do Pleistoceno Superior são a maior fonte de

evidências comportamentais da evolução dos humanos recentes. As

evidências anatômicas obtidas por estudo dos fósseis indicam que a evolução

dos humanos modernos ocorreu entre 150 mil e 50 mil anos atrás (HAWKS &

WOLPOFF, 2001).

Na década de 90, surgiram dois conflitantes modelos evolucionários

para tentar elucidar a origem dos humanos modernos3 (WOLPOFF et al.,

2001).

A-1. A Origem Africana Recente

Este modelo propõe que os humanos anatomicamente modernos4

surgiram na África há 200 mil anos, aproximadamente, e, então, se

dispersaram pelo Velho Mundo, substituindo os hominídeos arcaicos pré-

existentes com pequena ou nenhuma hibridização. Em muitas discussões

deste modelo, está implícita a idéia que, anatomicamente, os modernos Homo

sapiens eram espécies separadas dos arcaicos H. sapiens. Portanto, a origem

dos humanos modernos é vista como resultado da cladogênese - formação de

uma nova linhagem (RELETHFORD, 1998).

Conforme o modelo “Origem Africana Recente”, também denominado

“Out of Africa” (vindo da África) ou “Replacement Theory” (teoria da

substituição), as populações humanas locais, incluindo os neandertais, foram

substituídas por uma linhagem moderna de humanos oriundos da África, por

volta de 80 mil a 30 mil anos atrás (UNIVERSITY OF UTAH, 2005).

A-2. Teoria de Evolução Multirregional

Neste modelo, a evolução de todos hominídeos, desde a origem do

Homo erectus, é vista como uma linhagem evolucionária simples, ou seja, os

3 Os autores usam com cautela o termo ‘humanos modernos’, o qual refere-se a todos os seres

humanos atuais e seus ancestrais imediatos (WOLPOFF et al., 2001).

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A4

humanos modernos evoluíram das múltiplas populações que habitavam a

Eurásia. Outros modelos também são possíveis dentro da “Teoria de Evolução

Multirregional”, incluindo grandes mutações genéticas ocorridas na África e

hibridizações, por meio de fluxo de genes, com populações não africanas

(RELETHFORD, 1998).

Relethford (1998), em seu artigo de revisão, afirma que o Modelo

Multirregional requer, fundamentalmente, que o ancestral comum africano seja

a espécie Homo erectus, que viveu há dois milhões de anos atrás. Portanto, os

dois principais modelos de origem não são inteiramente confrontantes, pois

estão fundamentados na origem africana da humanidade.

Segundo Relethford (1998), os dois modelos descritos anteriormente são

teorias opostas para explicar a origem dos humanos modernos, e, como

resultado, modelos intermediários têm sido propostos, como de Smith (1989),

que teoriza que os humanos modernos são resultantes de uma mudança

genética inicial ocorrida na África, que se disseminou pelo Velho Mundo por

meio de fluxo de genes, hibridizando com populações de humanos arcaicos

não-africanos.

Os estudos realizados por CANN et al. (1987), utilizando amostras de

mtDNA (DNA mitocondrial, transmitido somente pela mãe) representativos do

mundo inteiro, revelaram que o ancestral comum dos humanos atuais originou-

se no Continente africano, aproximadamente, há 200 mil anos, considerando-

se o modelo “Out of Africa”. A data de coalescência, segundo os mesmos

autores, ocorreu entre 140 mil e 290 mil anos atrás. Vigilant et al. (1991), por

meio deste método genético, estimaram que o ancestral africano comum surgiu

entre 166 mil a 249 mil anos atrás.

A utilização de métodos utilizando mtDNA para estimar a genealogia e a

data de coalescência do ancestral comum dos humanos modernos tem sido

criticada por muitos estudiosos do assunto, como Spuhler (1998), Excoffier &

Langaney (1989), Wolpoff (1989), citados por Relethford (1998), que

mencionam algumas questões relevantes inerentes ao método, entre eles:

problemas em estimar a taxa de mutação genética, os métodos utilizados na

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A5

genealogia e o emprego de afro-americanos para representar a ancestralidade

africana.

Ruvolo et al. (1993) e Horai et al. (1995), citados por Relethford (1998),

estimaram a data de coalescência em 298 mil anos atrás (95% Intervalo de

Confiança=129 mil a 536 mil anos) e 143 mil anos atrás (95% IC=107 mil a 179

mil anos), respectivamente. Contudo, os períodos estimados para a

coalescência, per se, não nos diz nada sobre a idade, mas, mais do que isso,

são uma indicação de que o tamanho da população humana tem sido pequeno

desde a data da coalescência (a data de coalescência e o tamanho da

população são proporcionais à diversidade genética do mtDNA), segundo os

mesmos autores.

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ANEXO B

Uma Breve História Do Início Da Produção De Alimentos

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B1

A origem da agricultura e da criação de animais tem ocupado pensadores

ocidentais desde os tempos clássicos. Mas "quando" e "onde" a produção de

alimentos teve origem somente começaram a ser focados no século XIX, por

estudos especulativos e empíricos de pensadores como Humboldt (1807),

Darwin (1868), Hehn (1870), de Candolle (1882), e Hahn (1896) (HARRIS,

1997).

No século XX, foram traçados os fundamentos para o aprofundamento

das questões relacionadas à origem do homem moderno e ao desenvolvimento

da produção de alimentos.

Um dos primeiros cientistas a estudar e formular bases de entendimento

para tão fascinante assunto foi Nikolai Vavilov, botânico e geneticista russo que

propôs, em 1940, a teoria dos "Centros de Origem" das plantas cultivadas. Sua

proposição é que: "o local onde determinado vegetal foi primeiramente

domesticado é definido, então, como centro geográfico de sua diversidade

genética". Conseqüentemente, a identificação dos Centros de Origem é

essencial nas pesquisas biológicas e genéticas das plantas domesticadas

(SMITH, 1995).

O Centro de Origem de uma planta ou animal domesticado pode ser

estabelecido por meio de um processo aparentemente simples e direto de

mapeamento geográfico da distribuição atual dos seus progenitores ou

ancestrais selvagens. Vavilov estabeleceu, em 1940, segundo suas pesquisas

ao redor do mundo, sete principais Centros de Origem das espécies

domesticadas: Sul da Ásia tropical, Oeste asiático, Sudoeste asiático,

Mediterrâneo, Abssínia, América Central e Região andina. O referido

pesquisador instituiu esses locais por meio de critérios especificamente

biológicos, comparando as espécies domesticadas com seus predecessores

mais antigos; portanto, esses critérios limitam-se aos locais de origem: "onde".

O processo de domesticação é deveras complexo e outras questões emergem

a partir da pergunta: "quando" ocorreram as primeiras domesticações das

espécies e, principalmente, a partir de, "como" e "por que" estas espécies

foram domesticadas e difundidas?

Em 1928, Gordon Childe postulou o conceito de "Revolução Neolítica"

para a origem da produção de alimentos. Sua teoria dizia que a agricultura foi

estimulada pelo clima global adversamente seco decorrente de vários anos de

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B2

estiagem prolongada, que afetou a primitiva "economia" de subsistência

humana calcada na coleta e caça. A adversidade geral do clima resultou no

agrupamento de animais e do próprio homem em refúgios, onde o microclima

era mais úmido e a vegetação abundante. O adensamento de diferentes

espécies permitiu que o homem intensificasse o contato com plantas e animais,

propiciando, assim, o início da domesticação das espécies de maior interesse.

A Domesticação de Plantas e Animais: Os Primórdios da Produção de

Alimentos

Após a Segunda Grande Guerra, arqueólogos iniciaram projetos de

investigação dos primórdios da agricultura. Entre eles, destacam-se Robert

Braidwood e Richard Macneish, que exploraram cavernas em Tamaulipas,

Nordeste do México, e encontraram espécies antigas de milho, feijão, pepino,

entre outras. Segundo Smith (1995), Braidwood teve a iniciativa de formular um

programa interdisciplinar de pesquisas focando especificamente o “Crescente

Fértil”1, no Oriente Médio, como local de início da "Revolução Cultural". A

estratégia básica utilizada pelo arqueólogo no Crescente Fértil foi rapidamente

adotada e aplicada em outras regiões, estabelecendo os fundamentos

empregados nas pesquisas das origens da agricultura.

No Oriente Médio, Braidwood encontrou uma forma diferente de

ocupação humana: um povoado permanente de antigos agricultores e

criadores de animais - os primeiros fazendeiros. A localidade precisa é Jarmo,

no Nordeste iraquiano; provavelmente ocupada de dois a sete séculos, cerca

de 8 mil a 8,7 mil anos atrás. É, ainda hoje, considerado um dos primeiros

assentamentos rurais permanentes, juntamente com Jericó, Çatal Hüyük e

Hacilar.

Durante milhões de anos antes da chamada "Revolução Agrícola", os

hominídeos eram extrativistas. Para saciar a fome, buscaram na natureza o

seu sustento - caça, coleta de frutos, raízes e sementes (CURWEN, 1965).

Para muitos arqueólogos e historiadores, a passagem do modo de

1 “Crescente Fértil” é a região localizada entre os rios Eufrates e Tigre, no atual Iraque.

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B3

sobrevivência nômade, calcada na caça e coleta, para uma vida sedentária,

sustentada pela agricultura e criação de animais (Revolução Neolítica, segundo

Gordon Childe), permitiu que o homem produzisse, com o passar do tempo,

excedentes de alimentos, principalmente com a melhoria das técnicas e dos

meios de produção, tais como: a irrigação, a escolha de solos mais férteis e de

variedades mais produtivas. Dessa maneira, membros da comunidade

puderam se dedicar, parcialmente ou exclusivamente, a outras atividades não

ligadas à produção de alimentos. A partir daí, uma sociedade mais complexa

passou a se desenvolver.

A transição do extrativismo à agricultura foi um longo processo de

desenvolvimento e, necessariamente, não estava ligada ao sedentarismo

(SMITH, B. D., citado por PRINGLE, 1999). Segundo Sheratt (1997), é possível

generalizar que, no “Velho Mundo”2, o sedentarismo precedeu a atividade

agrícola, mas, no “Novo Mundo”3, a agricultura antecedeu o modo sedentário

de vida. No entanto, em ambos os Continentes, a mudança fundamental foi o

deslocamento das comunidades das terras altas para as terras baixas -

hábitats aluviais com maior potencial produtivo - tornando efetivamente

acessíveis novos nichos para o desenvolvimento da espécie humana.

Segundo Smith (1995), a transformação agrícola teve uma série de

origens isoladas e independentes, envolvendo diferentes épocas, povos e

locais em todo o mundo, e uma ampla variedade espécies de plantas e

animais. Apesar dessas diferenças, as origens se sucederam de maneiras

semelhantes em resposta a motivações similares. Entre as motivações, Smith

inclui os esforços empregados pelas sociedades de coletores-caçadores em

aumentar a contribuição econômica e restabelecer uma ou mais espécies, das

quais essas sociedades dependiam para sua sobrevivência, reduzindo,

conseqüentemente, riscos e incertezas.

Por muito tempo, historiadores e arqueólogos consideraram que a

produção agrícola e a criação de animais surgiram no final da “Idade do Gelo”

2 Continentes europeu, asiático e africano, anteriormente conhecidos antes da descoberta das Américas, no século XV. 3 O Continente americano.

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B4

ou, mais precisamente no início do Holoceno4, em pequenas comunidades

situadas no Crescente Fértil, onde coletores-caçadores passaram a cultivar seu

próprio alimento em um processo relativamente rápido impulsionado por

mudanças climáticas, como sugeriu Childe, ou por um severo cataclismo

climático ocorrido no final do Pleistoceno5, chamado de "Younger Dryas",

ocorrido entre 13 mil e 11,5 mil anos atrás (BAR-YOSEF & BELFER-COHEN,

1989).

Segundo Smith (1995), evidências mais recentes mostram que o clima

no Pleistoceno foi muito mais instável que se supunha e que o final da última

glaciação foi um período de grande instabilidade. O "Younger Dryas" teria

então sido uma reversão repentina das condições glaciais, seguida por

condições mais moderadas de um clima relativamente frio e seco. Essa

estabilidade pode ter sido um fator preponderante para explicar por que a

domesticação teria surgido "simultaneamente" em diferentes partes do mundo

(CAVALLI-SFORZA, 1996 citado por HARRIS, 1997), em contradição às

teorias da "Pressão Populacional" e "Crise Alimentar", concebida por Cohen,

em 1977, e à teoria da intensificação da “intimidade” humana ao meio

ambiente, proposta por Braidwood.

As condições desfavoráveis propiciadas pelas mudanças climáticas,

mesmo que temporárias, podem ter compelido as populações humanas a

cultivar espécies, anteriormente coletadas, em locais adequados ao aumento

da produção. Quando as condições climáticas melhoraram, o novo modo de

sobrevivência estava apto a se expandir.

As variedades de plantas em domesticação, originárias das terras altas,

foram levadas de seu local de ocorrência natural (Centro de Origem), onde

havia maior competição com outras espécies, para planícies aluviais, onde os

hábitats eram minimamente alterados para evitar competição com as demais

espécies. Esses ecossistemas puderam proporcionar altas produtividades, face

à fertilidade natural desses solos, com maior teor de umidade e nutrientes. A

4Atual período geológico interglaciário iniciado com o recuo das grandes geleiras há, aproximadamente, 10 mil anos, o que propiciou um clima global quente e úmido. 5 Período geológico compreendido entre 126 mil e 11,5 mil anos atrás, precede o Holoceno.

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B5

pressão competitiva nas terras altas foi, então, compensada pela oportunidade

das terras baixas. Assim surgiram os primeiros agroecossistemas.

A agricultura teve um longo processo de desenvolvimento (SMITH,

1995). No entanto, Sheratt (1997) esclarece que, na origem da agricultura, as

formas que puderam se expandir eram pontuais e explosivas. Elas se

dispersaram pelo Velho Mundo e sobrepujaram outros centros independentes,

que não tiveram tempo de se desenvolver. No Novo Mundo, os centros

independentes de produção de alimentos estavam mais atrasados no seu

desenvolvimento, devido ao isolamento geográfico, possibilitando, assim, que

espécies endógenas fossem domesticadas e se desenvolvessem. Portanto, a

agricultura, uma vez descoberta, não permitiu o retorno à vida nômade dos

coletores-caçadores.

A diversidade de espécies selvagens de vegetais e animais no mesmo

Centro de Origem - o Crescente Fértil e proximidades - possibilitou que os

primeiros fazendeiros dispusessem de espécies básicas que fornecessem:

alimentos (proteínas, carboidratos, leite, óleo), animais para tração e

transporte, e fibras de origem animal e vegetal (DIAMOND, 1997). Estudos de

Heun et al. (1997) corroboram essa teoria. Segundo estes pesquisadores, a

transição das linhagens selvagens de trigo originárias das montanhas do

Sudeste da Turquia para as linhagens domesticadas foi fácil e rápida.

Possivelmente, outras culturas vegetais da região do Crescente Fértil e das

proximidades tiveram o mesmo processo relativamente rápido de

domesticação, porém com características importantes para o sucesso dos

primeiros agricultores, entre elas: sementes maiores, mais pesadas, com

resistência à senescência6, em relação às linhagens ou espécies selvagens.

Do Crescente Fértil, as espécies domesticadas rapidamente se

difundiram para outras regiões, graças à maior produtividade. Além disso, a

expansão foi acelerada pela distribuição do grande Continente eurasiático no

eixo leste-oeste, permitindo que as espécies domesticadas, assim como os

fazendeiros-colonizadores, se adaptassem mais facilmente em decorrência da

diferença climática pouco marcante entre as regiões. A dispersão das espécies

6 Neste caso, as sementes, quando maduras, se desprendem facilmente do cacho.

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domesticadas foi tão incisiva, que não possibilitou que domesticações

independentes se desenvolvessem em outros locais.

De maneira distinta, a expansão da produção de alimentos nas

Américas, na África e no Subcontinente indiano se manifestou de forma mais

lenta, desfavorecida pela orientação norte-sul desses Continentes (DIAMOND,

1997). A distribuição geográfica na direção dos pólos acarreta maior

variabilidade de climas. Diante disso, a adaptação e dispersão de linhagens

domesticadas de uma determinada região para outra foram prejudicadas. Por

essa razão, as diferenças de latitude nas Américas acarretaram uma lenta

adaptação de espécies domesticadas, mas possibilitou, em contrapartida,

domesticações independentes das mesmas espécies em diferentes áreas.

No Crescente Fértil, a transição das espécies selvagens para espécies

domesticadas, promovidas intencionalmente ou não, demandou poucas

mudanças genéticas, mas, em pouco tempo, resultou em linhagens

fenotipicamente mais atraentes e promissoras para os primeiros agricultores

dessa região (HEUN et al., 1997). No entanto, a domesticação do milho,

principal cereal dos povos do Novo Mundo requereu, a partir de seu ancestral

selvagem, o teosinto, uma série de mudanças biológicas muito mais drásticas e

demoradas. Esta seqüência de domesticação pode explicar, segundo Diamond

(1997), por que antigas sociedades agrárias surgiram muito mais cedo e,

conseqüentemente, se desenvolveram mais rapidamente no Oriente Médio do

que nas Américas. A teoria de Diamond (1997), das origens e disseminação da

agricultura, é contestada por alguns pesquisadores.

Segundo Richerson et al., (2001), a agricultura não era uma atividade

possível durante o último período glacial. Este período foi caracterizado por

variações climáticas de grande amplitude (em escala de tempo variando de

uma década a menos de mil anos), baixos níveis de dióxido de carbono

atmosférico7 e climas predominantemente secos. Nestas condições, a

subsistência humana, baseada na agricultura, não evoluiria. Além disso,

segundo os mesmos autores, a evolução de sistemas de subsistência é 7 Composto químico absorvido pelas plantas verdes no processo da fotossíntese. A concentração de CO2 é um fator limitante: até certo ponto, quanto maior a concentração de gás carbônico, maior a produção de fotossintetizados.

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relativamente mais vagarosa quando baseada no uso especializado de

recursos vegetais. Segundo Richerson et al. (2001), no longo prazo, a

agricultura foi muito propícia no Holoceno. Neste período, os climas terrestres

ficaram mais quentes e úmidos. A diminuição da variabilidade climática, a

elevação dos níveis de CO2 atmosférico e a intensificação da pluviosidade

mudaram abruptamente o cenário, tornando a agricultura possível na maioria

dos lugares.

Os coletores-caçadores tinham uma grande familiaridade com os

ancestrais das espécies domesticadas, e assim que o clima melhorou, o nível

de intensificação no sistema produtivo acelerou, como no Oriente Médio. No

entanto, o desenvolvimento dos sistemas agrários de subsistência levou

milhares de anos. No sítio arqueológico de Jarmo, as evidências mostram que,

possivelmente, do modo de vida dos coletores-caçadores até aos primeiros

agricultores, se passaram 4 mil a 2 mil anos. Nem todos os casos de

familiaridade e uso das resultaram na agricultura. Como exemplo, cita-se o

atraso da intensificação dos aborígenes australianos.

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A origem da agricultura e da criação de animais tem ocupado pensadores

ocidentais desde os tempos clássicos. Mas "quando" e "onde" a produção de

alimentos teve origem somente começaram a ser focados no século XIX, por

estudos especulativos e empíricos de pensadores como Humboldt (1807),

Darwin (1868), Hehn (1870), de Candolle (1882), e Hahn (1896) (HARRIS,

1997).

No século XX, foram traçados os fundamentos para o aprofundamento

das questões relacionadas à origem do homem moderno e ao desenvolvimento

da produção de alimentos.

Um dos primeiros cientistas a estudar e formular bases de entendimento

para tão fascinante assunto foi Nikolai Vavilov, botânico e geneticista russo que

propôs, em 1940, a teoria dos "Centros de Origem" das plantas cultivadas. Sua

proposição é que: "o local onde determinado vegetal foi primeiramente

domesticado é definido, então, como centro geográfico de sua diversidade

genética". Conseqüentemente, a identificação dos Centros de Origem é

essencial nas pesquisas biológicas e genéticas das plantas domesticadas

(SMITH, 1995).

O Centro de Origem de uma planta ou animal domesticado pode ser

estabelecido por meio de um processo aparentemente simples e direto de

mapeamento geográfico da distribuição atual dos seus progenitores ou

ancestrais selvagens. Vavilov estabeleceu, em 1940, segundo suas pesquisas

ao redor do mundo, sete principais Centros de Origem das espécies

domesticadas: Sul da Ásia tropical, Oeste asiático, Sudoeste asiático,

Mediterrâneo, Abssínia, América Central e Região andina. O referido

pesquisador instituiu esses locais por meio de critérios especificamente

biológicos, comparando as espécies domesticadas com seus predecessores

mais antigos; portanto, esses critérios limitam-se aos locais de origem: "onde".

O processo de domesticação é deveras complexo e outras questões emergem

a partir da pergunta: "quando" ocorreram as primeiras domesticações das

espécies e, principalmente, a partir de, "como" e "por que" estas espécies

foram domesticadas e difundidas?

Em 1928, Gordon Childe postulou o conceito de "Revolução Neolítica"

para a origem da produção de alimentos. Sua teoria dizia que a agricultura foi

estimulada pelo clima global adversamente seco decorrente de vários anos de

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estiagem prolongada, que afetou a primitiva "economia" de subsistência

humana calcada na coleta e caça. A adversidade geral do clima resultou no

agrupamento de animais e do próprio homem em refúgios, onde o microclima

era mais úmido e a vegetação abundante. O adensamento de diferentes

espécies permitiu que o homem intensificasse o contato com plantas e animais,

propiciando, assim, o início da domesticação das espécies de maior interesse.

A Domesticação de Plantas e Animais: Os Primórdios da Produção de

Alimentos

Após a Segunda Grande Guerra, arqueólogos iniciaram projetos de

investigação dos primórdios da agricultura. Entre eles, destacam-se Robert

Braidwood e Richard Macneish, que exploraram cavernas em Tamaulipas,

Nordeste do México, e encontraram espécies antigas de milho, feijão, pepino,

entre outras. Segundo Smith (1995), Braidwood teve a iniciativa de formular um

programa interdisciplinar de pesquisas focando especificamente o “Crescente

Fértil”1, no Oriente Médio, como local de início da "Revolução Cultural". A

estratégia básica utilizada pelo arqueólogo no Crescente Fértil foi rapidamente

adotada e aplicada em outras regiões, estabelecendo os fundamentos

empregados nas pesquisas das origens da agricultura.

No Oriente Médio, Braidwood encontrou uma forma diferente de

ocupação humana: um povoado permanente de antigos agricultores e

criadores de animais - os primeiros fazendeiros. A localidade precisa é Jarmo,

no Nordeste iraquiano; provavelmente ocupada de dois a sete séculos, cerca

de 8 mil a 8,7 mil anos atrás. É, ainda hoje, considerado um dos primeiros

assentamentos rurais permanentes, juntamente com Jericó, Çatal Hüyük e

Hacilar.

Durante milhões de anos antes da chamada "Revolução Agrícola", os

hominídeos eram extrativistas. Para saciar a fome, buscaram na natureza o

seu sustento - caça, coleta de frutos, raízes e sementes (CURWEN, 1965).

Para muitos arqueólogos e historiadores, a passagem do modo de

1 “Crescente Fértil” é a região localizada entre os rios Eufrates e Tigre, no atual Iraque.

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sobrevivência nômade, calcada na caça e coleta, para uma vida sedentária,

sustentada pela agricultura e criação de animais (Revolução Neolítica, segundo

Gordon Childe), permitiu que o homem produzisse, com o passar do tempo,

excedentes de alimentos, principalmente com a melhoria das técnicas e dos

meios de produção, tais como: a irrigação, a escolha de solos mais férteis e de

variedades mais produtivas. Dessa maneira, membros da comunidade

puderam se dedicar, parcialmente ou exclusivamente, a outras atividades não

ligadas à produção de alimentos. A partir daí, uma sociedade mais complexa

passou a se desenvolver.

A transição do extrativismo à agricultura foi um longo processo de

desenvolvimento e, necessariamente, não estava ligada ao sedentarismo

(SMITH, B. D., citado por PRINGLE, 1999). Segundo Sheratt (1997), é possível

generalizar que, no “Velho Mundo”2, o sedentarismo precedeu a atividade

agrícola, mas, no “Novo Mundo”3, a agricultura antecedeu o modo sedentário

de vida. No entanto, em ambos os Continentes, a mudança fundamental foi o

deslocamento das comunidades das terras altas para as terras baixas -

hábitats aluviais com maior potencial produtivo - tornando efetivamente

acessíveis novos nichos para o desenvolvimento da espécie humana.

Segundo Smith (1995), a transformação agrícola teve uma série de

origens isoladas e independentes, envolvendo diferentes épocas, povos e

locais em todo o mundo, e uma ampla variedade espécies de plantas e

animais. Apesar dessas diferenças, as origens se sucederam de maneiras

semelhantes em resposta a motivações similares. Entre as motivações, Smith

inclui os esforços empregados pelas sociedades de coletores-caçadores em

aumentar a contribuição econômica e restabelecer uma ou mais espécies, das

quais essas sociedades dependiam para sua sobrevivência, reduzindo,

conseqüentemente, riscos e incertezas.

Por muito tempo, historiadores e arqueólogos consideraram que a

produção agrícola e a criação de animais surgiram no final da “Idade do Gelo”

2 Continentes europeu, asiático e africano, anteriormente conhecidos antes da descoberta das Américas, no século XV. 3 O Continente americano.

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ou, mais precisamente no início do Holoceno4, em pequenas comunidades

situadas no Crescente Fértil, onde coletores-caçadores passaram a cultivar seu

próprio alimento em um processo relativamente rápido impulsionado por

mudanças climáticas, como sugeriu Childe, ou por um severo cataclismo

climático ocorrido no final do Pleistoceno5, chamado de "Younger Dryas",

ocorrido entre 13 mil e 11,5 mil anos atrás (BAR-YOSEF & BELFER-COHEN,

1989).

Segundo Smith (1995), evidências mais recentes mostram que o clima

no Pleistoceno foi muito mais instável que se supunha e que o final da última

glaciação foi um período de grande instabilidade. O "Younger Dryas" teria

então sido uma reversão repentina das condições glaciais, seguida por

condições mais moderadas de um clima relativamente frio e seco. Essa

estabilidade pode ter sido um fator preponderante para explicar por que a

domesticação teria surgido "simultaneamente" em diferentes partes do mundo

(CAVALLI-SFORZA, 1996 citado por HARRIS, 1997), em contradição às

teorias da "Pressão Populacional" e "Crise Alimentar", concebida por Cohen,

em 1977, e à teoria da intensificação da “intimidade” humana ao meio

ambiente, proposta por Braidwood.

As condições desfavoráveis propiciadas pelas mudanças climáticas,

mesmo que temporárias, podem ter compelido as populações humanas a

cultivar espécies, anteriormente coletadas, em locais adequados ao aumento

da produção. Quando as condições climáticas melhoraram, o novo modo de

sobrevivência estava apto a se expandir.

As variedades de plantas em domesticação, originárias das terras altas,

foram levadas de seu local de ocorrência natural (Centro de Origem), onde

havia maior competição com outras espécies, para planícies aluviais, onde os

hábitats eram minimamente alterados para evitar competição com as demais

espécies. Esses ecossistemas puderam proporcionar altas produtividades, face

à fertilidade natural desses solos, com maior teor de umidade e nutrientes. A

4Atual período geológico interglaciário iniciado com o recuo das grandes geleiras há, aproximadamente, 10 mil anos, o que propiciou um clima global quente e úmido. 5 Período geológico compreendido entre 126 mil e 11,5 mil anos atrás, precede o Holoceno.

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pressão competitiva nas terras altas foi, então, compensada pela oportunidade

das terras baixas. Assim surgiram os primeiros agroecossistemas.

A agricultura teve um longo processo de desenvolvimento (SMITH,

1995). No entanto, Sheratt (1997) esclarece que, na origem da agricultura, as

formas que puderam se expandir eram pontuais e explosivas. Elas se

dispersaram pelo Velho Mundo e sobrepujaram outros centros independentes,

que não tiveram tempo de se desenvolver. No Novo Mundo, os centros

independentes de produção de alimentos estavam mais atrasados no seu

desenvolvimento, devido ao isolamento geográfico, possibilitando, assim, que

espécies endógenas fossem domesticadas e se desenvolvessem. Portanto, a

agricultura, uma vez descoberta, não permitiu o retorno à vida nômade dos

coletores-caçadores.

A diversidade de espécies selvagens de vegetais e animais no mesmo

Centro de Origem - o Crescente Fértil e proximidades - possibilitou que os

primeiros fazendeiros dispusessem de espécies básicas que fornecessem:

alimentos (proteínas, carboidratos, leite, óleo), animais para tração e

transporte, e fibras de origem animal e vegetal (DIAMOND, 1997). Estudos de

Heun et al. (1997) corroboram essa teoria. Segundo estes pesquisadores, a

transição das linhagens selvagens de trigo originárias das montanhas do

Sudeste da Turquia para as linhagens domesticadas foi fácil e rápida.

Possivelmente, outras culturas vegetais da região do Crescente Fértil e das

proximidades tiveram o mesmo processo relativamente rápido de

domesticação, porém com características importantes para o sucesso dos

primeiros agricultores, entre elas: sementes maiores, mais pesadas, com

resistência à senescência6, em relação às linhagens ou espécies selvagens.

Do Crescente Fértil, as espécies domesticadas rapidamente se

difundiram para outras regiões, graças à maior produtividade. Além disso, a

expansão foi acelerada pela distribuição do grande Continente eurasiático no

eixo leste-oeste, permitindo que as espécies domesticadas, assim como os

fazendeiros-colonizadores, se adaptassem mais facilmente em decorrência da

diferença climática pouco marcante entre as regiões. A dispersão das espécies

6 Neste caso, as sementes, quando maduras, se desprendem facilmente do cacho.

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domesticadas foi tão incisiva, que não possibilitou que domesticações

independentes se desenvolvessem em outros locais.

De maneira distinta, a expansão da produção de alimentos nas

Américas, na África e no Subcontinente indiano se manifestou de forma mais

lenta, desfavorecida pela orientação norte-sul desses Continentes (DIAMOND,

1997). A distribuição geográfica na direção dos pólos acarreta maior

variabilidade de climas. Diante disso, a adaptação e dispersão de linhagens

domesticadas de uma determinada região para outra foram prejudicadas. Por

essa razão, as diferenças de latitude nas Américas acarretaram uma lenta

adaptação de espécies domesticadas, mas possibilitou, em contrapartida,

domesticações independentes das mesmas espécies em diferentes áreas.

No Crescente Fértil, a transição das espécies selvagens para espécies

domesticadas, promovidas intencionalmente ou não, demandou poucas

mudanças genéticas, mas, em pouco tempo, resultou em linhagens

fenotipicamente mais atraentes e promissoras para os primeiros agricultores

dessa região (HEUN et al., 1997). No entanto, a domesticação do milho,

principal cereal dos povos do Novo Mundo requereu, a partir de seu ancestral

selvagem, o teosinto, uma série de mudanças biológicas muito mais drásticas e

demoradas. Esta seqüência de domesticação pode explicar, segundo Diamond

(1997), por que antigas sociedades agrárias surgiram muito mais cedo e,

conseqüentemente, se desenvolveram mais rapidamente no Oriente Médio do

que nas Américas. A teoria de Diamond (1997), das origens e disseminação da

agricultura, é contestada por alguns pesquisadores.

Segundo Richerson et al., (2001), a agricultura não era uma atividade

possível durante o último período glacial. Este período foi caracterizado por

variações climáticas de grande amplitude (em escala de tempo variando de

uma década a menos de mil anos), baixos níveis de dióxido de carbono

atmosférico7 e climas predominantemente secos. Nestas condições, a

subsistência humana, baseada na agricultura, não evoluiria. Além disso,

segundo os mesmos autores, a evolução de sistemas de subsistência é 7 Composto químico absorvido pelas plantas verdes no processo da fotossíntese. A concentração de CO2 é um fator limitante: até certo ponto, quanto maior a concentração de gás carbônico, maior a produção de fotossintetizados.

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relativamente mais vagarosa quando baseada no uso especializado de

recursos vegetais. Segundo Richerson et al. (2001), no longo prazo, a

agricultura foi muito propícia no Holoceno. Neste período, os climas terrestres

ficaram mais quentes e úmidos. A diminuição da variabilidade climática, a

elevação dos níveis de CO2 atmosférico e a intensificação da pluviosidade

mudaram abruptamente o cenário, tornando a agricultura possível na maioria

dos lugares.

Os coletores-caçadores tinham uma grande familiaridade com os

ancestrais das espécies domesticadas, e assim que o clima melhorou, o nível

de intensificação no sistema produtivo acelerou, como no Oriente Médio. No

entanto, o desenvolvimento dos sistemas agrários de subsistência levou

milhares de anos. No sítio arqueológico de Jarmo, as evidências mostram que,

possivelmente, do modo de vida dos coletores-caçadores até aos primeiros

agricultores, se passaram 4 mil a 2 mil anos. Nem todos os casos de

familiaridade e uso das resultaram na agricultura. Como exemplo, cita-se o

atraso da intensificação dos aborígenes australianos.