Produção de Subprodutos de Cana

7

Click here to load reader

Transcript of Produção de Subprodutos de Cana

Page 1: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

VI-004 - APROVEITAMENTO DOS SUBPRODUTOS DE DESTILARIAS DEALCOOL PARA PROTEGER O MEIO AMBIENTE E AUMENTAR A

RENTABILIDADE

Adrianus van Haandel(1)

Professor do Depto. de Engenharia Civil da UFPB em Campina Grande. Doutorada (Eng.Civ) na Universidade de Cape Town - África do Sul e Pós-doutorado em EngenhariaAmbiental na Universidade de Wageningen - Holanda.

Endereço(1): Rua Dr. Francisco Pinto. 610 - Bodocongó - Campina Grande - PB - CEP: 58109-783 - Brasil - e-mail: [email protected]

RESUMODesde a década de 70, o Brasil mantém um programa de produção de álcool a partir da cana-de-açúcar. Aadição do álcool, além de ter vantagens técnicas para o desempenho de motores é um fator importante naredução de poluição nos grandes centros urbanos. Todavia no processo de produção do álcool usa-se osrecursos disponíveis de maneira pouco eficiente. A conversão da energia química contida na cana-de-açúcar éde menos que 40 % e geram-se grandes quantidades de subprodutos e resíduos, que muitas vezes acabamtendo um impacto adverso sobre o meio ambiente. No presente trabalho pretende-se demonstrar que aquiloque se percebe hoje como resíduos, podem ser transformados em produtos que podem ser utilizados dentro daprópria usina ou então ser comercializados. Os subprodutos de maior capacidade de geração de renda para asusinas são o bagaço (a fase sólida da cana-de-açúcar) e o vinhoto (a água residuária resultante da destilação).O bagaço hoje, além de ser um combustível na usina, tem utilidade limitada como matéria prima para produção depapel e ração de gado. Pode se aumentar o valor do bagaço primeiro aumentando-se a fração de material seco esegundo diversificando-se o uso do bagaço, por exemplo, como fonte de energia para geração de eletricidade e/oucalor e como matéria prima de produção de chapas para paredes internas e isolamento acústico e térmico.Por outro lado o vinhoto tem um enorme potencial: O material nele contido pode ser transformado em biogás peloprocesso de digestão anaeróbia e o metano no biogás pode ser usado para a geração de energia elétrica e vapor.Estima-se que a potência de energia elétrica que pode ser gerada a partir de vinhoto é 600 a 700 MW, sendo queaproximadamente metade seria consumida pelas usinas e a outra metade ficaria disponível para venda.Uma análise preliminar mostra, que o aproveitamento de subprodutos usando-se somente processos e equipamentosconvencionais, amplamente utilizados pode aumentar muito a rentabilidade de usinas. Uma vantagem importantedo uso racional dos subprodutos é a diminuição considerável da poluição ambiental pelas usinas de açúcar, que alongo prazo talvez seja mais valiosa que o próprio aumento da rentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Produção de Álcool, Suprodutos, Vinhoto, Bagaço, Digestão Anaeróbia, Geração deEnergia Elétrica, Rentabilidade de Usinas, Proteção Ambiental.

INTRODUÇÃOO PROÁLCOOL, um programa governamental, instituído na década de 70, teve originalmente como objetivo aprodução de um combustível alternativo aos derivados de petróleo. Nos últimos anos a produção de álcool no Brasilse situa na faixa de 13 a 15 bilhões de litros anuais e a previsão é que se mantenha este ritmo de produção no futuropróximo. A Fig. 1a mostra um fluxograma esquemático da produção de 1 m3 de álcool a partir de cana-de-açúcar. Ofluxograma mostra que junto com a produção de álcool há liberação de outros produtos em correntes laterais.Primeiramente separa-se o caldo de cana da parte fibrosa na moenda pela ação combinada de pressão mecânica eextração com água, deixando um sólido com uma umidade de 50% aproximadamente. Este sólido composto defibras vegetais se chama bagaço e na atualidade é usado principalmente para geração de vapor na própria destilariaatravés de combustão em caldeiras, sendo que o restante é vendido como matéria prima na indústria de papel oucomo forragem de gado, ou então é simplesmente queimado no fim da safra.

FOTOGRAFIA

NÃO

DISPONÍVEL

Page 2: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2

Fig 1: Fluxograma esquemático da produção de álcool sem (Fig 1a, esquerda) e com (Fig 1b, direita) devinhoto e produção de energia e vapor a partir do biogás gerado.

O caldo de cana é colocado em tanques (dornas), juntamente com a levedura que irá converter a sacarose em álcool,num processo de fermentação que leva geralmente 12 a 24 horas dependendo da qualidade da cepa de levedura e daconcentração final do álcool. As melhoras cepas podem produzir um vinho com um teor de álcool de até 8%, masna média da safra a porcentagem será bem menor que a máxima. Para minimizar o surgimento de microorganismos(notadamente bactérias) que poderiam gerar produtos não desejados a partir da sacarose, aplica-se ácido para baixaro pH para um valor entre 3 e 4 ou então se adiciona biocidas específicos.

Quando a conversão do açúcar em álcool é completa, o vinho resultante passa por um processo de centrifugaçãopara separar a levedura. Parte desta é reutilizada nas dornas em bateladas posteriores e o restante é utilizado pararação de animais. A separação das fases na centrifugação é incompleta e uma concentração considerável de sólidosem suspensão (em grande parte levedura) permanece no vinho.

Após a centrifugação a fase líquida é destilada, resultando na produção de álcool no topo da coluna de destilação euma água residuária, chamada de vinasse ou vinhoto, na base. Como o teor de álcool no vinho é de no máximo 8 %,a proporção mínima vinhoto/álcool é 0,92/0,08 ou 12 l álcool/l vinhoto. Na prática, levando em conta outras águasresiduárias (lavagens do chão e da cana) e considerando que nem sempre se tem um vinho de 8 %, uma estimativarealista para as condições no Nordeste do Brasil é de 1:18 a 1:20 l álcool/l vinhoto. Estabeleceu-se que,independente da proporção de álcool/vinhoto, a massa de material orgânico na água residuária se mantémessencialmente constante em 500 kg de DQO por m3 de álcool produzido. Dessa maneira espera-se umaconcentração da DQO em torno de 500/20 25 g/l para uma proporção vinhoto/álcool de 20 l/l.

A Fig. 1a mostra esquematicamente o fluxograma da produção de álcool a partir de cana-de-açúcar. Observa-se naFig. 1a, somente uma fração de 38 % da energia da cana é convertida em álcool, enquanto 12 % permanecem novinhoto e 50 % no bagaço. Em muitas destilarias aproximadamente metade deste bagaço é queimada para gerar ovapor necessário para a produção do álcool. Em adição usa-se também cerca de 240 kWh por m3 de álcool energiaelétrica, normalmente da rede pública, para acionamento de motores e outras aplicações. Os subprodutos daprodução de álcool, notadamente o bagaço e o vinhoto, têm uma utilidade muito limitada e muitas vezes podem serconsiderados mais como resíduos (com valor econômico negativo) que subprodutos.

Presentemente na maioria das destilarias o vinhoto é uma água residuária com valor negativo. Em muitos casos amelhor opção para se dar um destino final a este resíduo é aplicá-lo nos próprios canaviais, aproveitando-se assimdos nutrientes nele contido. Todavia, o uso na irrigação é problemático por causa da alta concentração de materialorgânico biodegradável, que "queima" as folhas da cana de modo que pode ser aplicado somente logo depois dacorte quando não há folhas. Outro problema á a alta concentração de potássio que limita a aplicação de vinhoto em600 m3/ano aproximadamente. Sabendo-se que num ha de cana pode-se produzir em torno de 75 t/ano de cana, quepodem gerar 5 m3 de álcool e, portanto 100 m3 de vinhoto, conclui-se que para distribuir o vinhoto sobre os

Page 3: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3

canaviais precisa-se irrigar no mínimo 100/600 ou 1/6 dá área plantada. Ao se aplicar o vinhoto bruto nos canaviais,se perda a altíssima concentração de material orgânico biodegradável nele contido.

Outra prática para dar um destino ao vinhoto, ainda menos nobre, é a infiltração em parte da área dos canaviais emum esquema de rodízio, sacrificando-se para tanto em torno de 5 % da área cultivada que alimenta a destilaria.Existem ainda açudes de evaporação de vinhoto, embora usinas de álcool quase sempre ficam em regiões de boaschuvas. Em muitos casos o vinhoto acaba indo diretamente ou indiretamente para águas de superfície, o que temcausado uma deterioração da qualidade destas nas regiões produtores de álcool, às vezes a ponto de se tornaremimprestáveis para abastecimento público.

Conclui-se que o vinhoto, apesar de ter um alto teor energético, na prática ainda tem um valor econômico negativo eum impacto adverso importante sobre o meio ambiente, particularmente sobre as águas de superfície. A cargapoluidora do vinhoto pode ser estimada como se segue: tendo-se uma carga orgânica no vinhoto de 500 kg por m3

de álcool. Para uma produção nacional de 13*106 m3/ano, a carga poluidora do vinhoto é 6,5*109 kgDQO/anoequivalente àquela de uma população de 170.106 habitantes (100 gDQO/hab/d), portanto bem mais que toda apopulação do Brasil! Por outro lado justamente por se tratar uma carga orgânica enorme, há boas possibilidades degeração de energia em quantidades significativas.

TRATAMENTO DE VINHOTOA composição típica de vinhoto bruto, apresentada no Quadro 1, mostra as características indesejáveis, quando sedeseja descarregar esta água residuária em águas de superfície: (1) Temperatura elevada, (2) alta concentração dematerial orgânico, (3) alto teor de sólidos em suspensão, (4) pH baixo e (5) alto teor de nutrientes N, P e K. Para ouso alternativo como água de irrigação, só os itens (1) a (4) precisam ser corrigidos. Tendo-se em vista que noscanaviais os nutrientes podem ser usados para produção de cana e que para descarga em águas de superfície haveránecessidade de remoção de nutrientes, normalmente com custos operacionais muito elevados, invariavelmenteoptar-se-á pela irrigação com o vinhoto tratado.

A temperatura e o teor de sólidos em suspensão podem ser corrigidos quando se armazena o vinhoto em um açude,dando tempo para resfriamento e sedimentação eficiente. Após resfriamento grande parte do material orgânico novinhoto decantado pode ser convertida em biogás pela aplicação da digestão anaeróbia. A viabilidade do uso doreator UASB para tratar vinhoto à temperatura ambiental (20 a 30 oC) tem sido demonstrada em várias unidades emescala real: o vinhoto é um excelente substrato para a digestão anaeróbia, sendo possível aplicar uma altíssima cargaorgânica. Carneiro (1990) mostrou a viabilidade de se manter uma carga específica de 20 kgDQO.m-3.d-1 em umdigestor em escala real (1000 m3) e ainda assim manter uma eficiência muito elevada de remoção do materialorgânico (>95 % da DQO). Estes resultados excelentes se devem principalmente à composição favorável domaterial orgânico, que contém quase exclusivamente de material biodegradável e solúvel, tendo-se umaconcentração muito elevada de ácidos graxa voláteis (6 g/l!), o precursor direto da metanogênese (Kaspar eWuhrmann 1978).

Quadro 1:Características de vinhoto bruto, decantado e tratado e porcentagem de remoção de constituintesindesejáveis na Usina São Luiz, Maraial-Pe.

Parâmetro Unidade Bruto Decantado Digerido % remoção

TSSDBODQOpHAlc.AGVNPKTemp.

g/lg/lg/l-ppmCaCO3gHAc/lppmNppmPppmKoC

301832 3,5-500063501501000 95

1015283,5-500063001401000 25

0,1 0,2 1,0 7,03500 0,15 300140100025

979997-3500(*)9814 7 - -

Page 4: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4

O potencial de produção de metano pode ser estimado a partir dos dados no Quadro um. Admitindo-se umaeficiência de remoção da DQO de 90 % (o que é conservador) e admitindo-se ainda que 10% do material orgânicose converta em lodo, e considerando-se uma massa de material orgânico de 500 kg de DQO por m3 de álcool, tem-seque uma quantidade de 0,8*500 = 400 kgDQO é digerida em uma massa de 0,1*500 = 50 kg DQO é transformadaem lodo. Pela estequiometria pode-se mostrar que a digestão anaeróbia de 400 kg de DQO resulta na produção de100 kg CH4 (van Haandel e Lettinga, 1993). A conversão de 50 kg de DQO em lodo anaeróbio pode gerar até50/1,5 = 33 kg de lodo, mas levando-se em consideração perdas junto com o efluente, estima-se uma acumulação de25 kg por m3 de álcool (Van Haandel e Lettinga 1993) e este calculo corresponde bem aos valores obtidos na práticana prática (Carneiro, 1990).

Como a digestão anaeróbia é um processo que só se desenvolve na fase líquida com um pH perto do ponto neutro,será necessário adicionar alcalinizante ao vinhoto, na prática geralmente cal. O uso de cal pode ser reduzidodrasticamente pela introdução de uma recirculação do efluente misturando-o com o afluente antes da adição de cal(Van Haandel 1995). Baseando-se em relações estequiométricas, Van Haandel e Catunda (1994) estimaram umademanda de aproximadamente 1 kg de cal por m3, e trabalho em escala real mostrou, que esta demanda de fato podeser esperada na prática.

Para se ter uma idéia do tamanho do digestor UASB para a digestão de vinhoto adota-se uma carga de 20kgDQO.m-3.d-1 (Carneiro, 1990), de modo que para 500 kgDQO/d no vinhoto (correspondente a 1 m3.d-1 de álcool)necessita-se de um digestor de 500/20 = 25 m3. Assim sendo para uma destilaria de porte média (tipicamente de120.000 l.d-1 de álcool) o volume do digestor seria 120*25 = 3000 m3. Neste digestor haveria então produção de100*120 = 12.000 kgCH4.d-1. Como o metano a 25 oC tem uma densidade de aproximadamente 0,67 kg.m-3, ovolume de metano seria de 18.000 m3/d. Admitindo-se uma composição de 60 % metano e 40 % dióxido decarbono, calcula-se uma vazão de biogás de 18.000/0,6 = 30.000 m3.d-1 ou ainda: 10 m3 biogás por m3 de reator epor dia.

Na digestão anaeróbia produz se uma fase gasosa, uma fase líquida (o vinhoto digerido) e uma fase sólida (o lodobiológico). Todos as três fases têm utilidade e podem ser aproveitadas para aumentar a rentabilidade das usinas.Entre outras aplicações, o aproveitamento do biogás para geração de energia é particularmente atraente, tendo-se emvista a possibilidade de uso na própria indústria e a venda para a rede pública do excedente. Os geradores de energiamais simples usam o biogás em motores para acionar turbinas que por sua vez geram energia. A eficiência deconversão de energia nestes geradores é na faixa de 30 a 40 %. As turbinas de gás têm um rendimento maiselevado, chegando a 50 %. No caso de usinas o uso de biogás para geração de energia se torna ainda maisinteressante, porque existe a possibilidade de se usar o calor residual da combustão no gerador para a produção devapor, que por sua vez tem aplicação ampla e imediata na usina. Nos geradores de acoplamento de força e calor usa-se o biogás tanto para geração de energia elétrica como para geração de vapor. Esta opção é somente interessantequando se tem um uso econômico para bagaço que normalmente é usado para geração de vapor. O potencial deenergia pode ser calculado, sabendo-se que valor de combustão de metano é 12.000 kCal ou 50,4 kJ ou kWs por kgCH4. Assim calcula-se para uma produção de 1 kgCH4/d:

Pel = Rel*1 kgCH4d-1*50.400kWs.kg-1CH4/(86.400 s.d-1) ≈ 0,2 kW/(kgCH4/d) (1)onde:

Pel = Potência elétrica que pode ser gerado por kgCH4/d produzido.Rel = Eficiência de conversão de energia química em energia elétrica ≈ 0,35

Portanto numa destilaria de porte média com potencial de produção de metano de 12.000 kgCH4/d, o potencial deprodução de energia elétrica é de 12.000*0,2 = 2.400 kW. Admitindo-se uma demanda de 240 kWh por m3 deálcool produzido, ou seja, uma demanda de 1200 kW para manter uma produção de 120.000 l/d de álcool, conclui-se que metade da produção de energia teria de ser usada na própria produção de álcool e a outra metade poderia sercomercializada. Considerando que no Brasil se produz em torno de 13*109 l/ano de álcool, o potencial de energiaelétrica é aproximadamente 600 a 700 MW durante o ano inteiro, sendo metade para atender a demanda daspróprias usinas e outra metade disponível para venda. Estimando-se ainda uma demanda de energia de 240 kWhpor mês e por família ou 1/3 kWh/h, então se tem um potencial para atender a 3*(600 a 700)/2, ou seja, em torno de1.000.000 de famílias ou 4.000.000 de pessoas na zona rural. A vantagem desta geração seria que é difusa em umgrande número de estados podendo atender uma área enorme sem a necessidade de transporte. Este potencialpoderá ter grande utilidade, principalmente no Nordeste do Brasil, onde a capacidade de geração de mais energia

Page 5: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5

hidroelétrica está praticamente esgotada e onde o aumento acelerado da demanda ten de ser atendida pelaconstrução de numerosas usinas termoelétricas.

A produção de sólidos (tanto os sedimentáveis no vinhoto bruto como o lodo biológico gerado na digestãoanaeróbia) e o efluente podem ser aplicados nos canaviais para aumentar a produção de cana, o que em si constituium melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Todavia, as maiores vantagens materiais estão no uso dometano gerado e do bagaço não queimando.

USO DO BAGAÇOEmbora o bagaço incidentalmente vem sendo usado para várias finalidades, na prática o valor deste material ainda émuito baixo. Embora o preço de bagaço é baixo (e variável), a venda do material pode representar uma soma derecursos importante para as usinas porque a quantidade é muito grande. Os usos mais importante bagaço de que setem notícia são:

(1) Matéria prima para a produção de celulose e papel, geralmente misturado com outras matérias primas(2) Forragem para animais tendo-se tanto tratamento térmico como químico (soda cáustica) como tratamento

para melhorar a digestibilidade do material(3) Matéria prima para paredes internas e chapas de isolamento térmico e/ou acústica(4) Matéria prima para geração de energia elétrica em geradores especiais (pirólise)(5) Combustível sólido após secagem e peletização, por exemplo, em padarias, substituindo lenha(6) Condicionador de solo, melhorando a qualidade do solo e evitando o surgimento de erva daninha,

reduzindo-se assim a demanda de herbicidas

O uso mais indicado dependerá da situação existente em cada local e até das variações do clima. Assim tem-se, porexemplo, que o bagaço é usado extensivamente como forragem de gado na região do sertão nordestino nos anos deestiagens, mas este uso se torna antieconômico quando, em anos de chuva, há disponibilidade de material local paraalimentar os animais.

DISCUSSÃOTermodinamicamente a energia química de 100 kg de CH4 representa uma fração de 23 % da energia de 1 m3 deálcool. A energia de metano pode ser aplicada (ente outras opções) para geração de eletricidade e vapor. Como se vêna Fig 1b, a combustão do metano em geradores com acoplamento força/calor permite a produção de 480 kWh deenergia elétrica (eficiência de 35 %) e calor suficiente para a produção de 1,5 t de vapor (a 3 atm) por m3 de álcoolproduzido. Na Fig 1a observa-se que na produção tradicional de 1 m3 de álcool, se queima aproximadamente 2,25 tdas 4,5 t de bagaço para gerar 4 t de vapor (3 atm). Na Fig 1b observa-se que há possibilidade de se produzir 1,4 t devapor a partir do calor residual na geração de energia elétrica e portanto a demanda de bagaço para queimadiminuiria em 1,4/4*100 = 38 %. Assim sendo a queima será 0,625*2,25 = 1,4 t, sobrando para outros usos 4,5-1,4= 3,1 t, quase 40 % mais que no sistema tradicional. Desta maneira o valor econômico da aplicação da digestãoanaeróbia do vinhoto depende em grande parte do preço que se pode obter pelo bagaço que deixa de ser queimado,porque se tem a disponibilidade de biogás.

A rentabilidade de tratamento de vinhoto depende diretamente da possibilidade do uso de produtos gerados. A Fig1b mostra a natureza e quantidade destes produtos:

(1) os sólidos separados do vinhoto, tanto os sólidos em suspensão após a centrifugação como o lodometanogênico do tratamento anaeróbio resultam numa massa de 400 kg por m3 de álcool produzido quepodem ser usados como adubo. Alternativamente os sólidos podem ser usados para alimentação de gadoquando se aplica secagem rápida (spray drying)

(2) o vinhoto tratado, diferente do vinhoto bruto pode ser armazenado para uso para fertiirrigação nomomento que melhor convier para adição de nutrientes ou para diminuir danos à cultura devido aestiagens.

(3) o metano na geração de energia e vapor, tornando a usina independente de energia elétrica externa e doseu preço. Outras alternativas de uso do biogás como a sua transformação em metano automotivo podemser consideradas dependendo do preço de energia elétrica e do combustível automativo.

(4) o bagaço como matéria prima de vários produtos como se mostrou na seção anterior.

Page 6: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6

No quadro 2 apresenta-se uma análise econômica do uso de subprodutos em destilarias de porte médio (DPM)considerando-se sólidos de vinhoto, vinhoto tratado, metano e bagaço. Uma destilaria de porte médio produztipicamente uma vazão de álcool de 120.000 l/d, ou seja, em torno de 20.000 m3 durante a safra de 150 a 180 dias.

Quadro 2: Resumo da possibilidades econômicas de uso do vinhoto e bagaço de destilarias de álcool no casode uma destilaria de porte médio (DPM = 120.000 l/d) (1 US$ = 1,80 R$).

Parâmetros Quantidade Valor (1.000 R$)

ProdutosSólidos (sedimentáveis e biológicos) (R$ 5/t)Vinhoto digerido(R$ 0,10/m3)Eletricidade (@R$0,10/kWh)Bagaço (@R$ 10/t; 50% umid)

8000 t400.000 m3

1,2 MW50.000t(*)

4040750500

Total1.3301.530(*)

InvestimentosReator (R$ 200/m3)Geradores (acoplamento energia-calor R$1500/kW)

3.000 m3

1,2 MW 6001.800

Total 2.400Custos correntesFinanceiro (8 % por ano; 20 anos)Operação (cal U$ 5/t) (**)Manutenção (4% do investimento por ano)Pessoal (4% do investimento por ano)

400 t/a2402009696

Total 632

Tempo de retorno de capitalUso de sólidos+líquido+CH4+bagaçoUso líquido+CH4+bagaçoUso de CH4+bagaçoUso de CH4

2,72,83,0

8,0(***)

(*) No caso de energia + vapor disponibilidade aumenta em 40 %(**) Preço 1/3 do mercado porque cal será usada para correção do canavial(***) Se bagaço não tem preço usa gerador simples (R$ 1000/kW)

Para efeito dos cálculos adotou-se um preço de R$ 5/t de sólidos de vinhoto, R$ 0,10 por m3 de vinhoto digerido,R$0,10 por kWh de energia elétrica a partir de metano e R$ 10/t de bagaço (50% umidade). Para estimar os custosde investimento adotou-se um preço de R$ 200 para a construção do reator UASB (incluindo-se nesta soma oprojeto, bombas, controles e equipamentos) e R$ 1.500 por kW para o gerador que tanto gera energia (eficiência de35 %) como produz vapor (eficiência de 50 %). Para anualizar o investimento de R$ 2.400 necessários adotou-seum juro de 8 % ao ano durante a vida útil, o que resulta no pagamento de termos 10% por ano do investimentocomo custo financeiro. Para calcular o custo de operação usou-se um custo baixo da cal (R$ 5/t) porque na verdadeesta cal terá sua função de correção do pH quando o vinhoto tratado for aplicado na irrigação: a alcalinidade dovinhoto digerido dispensa o uso de alcalinizante, que de outra maneira seria necessária. Para calcular a rentabilidadedo uso de subprodutos subtrai-se os custos correntes do valor dos produtos obtidos e compara-se este valor com oinvestimento necessário. Por exemplo, no caso de se poder usar todos os quatro produtos o valor anual é R$1.530.000 e o custo anual R$ 632.000, permitindo um lucro de R$ 898.000. Sabendo-se que o investimento foi deR$ 2.400.000, calcula-se um tempo de retorno do capital de 2400/898 = 2,7 anos. Conclui-se que no exemplo o usodos subprodutos é um excelente negócio que inclusive pode melhorar significativamente o lucro do empreendimentocomo um todo. O tempo de retorno de capital é muito mais longo quando o uso de bagaço não é viável. Neste casonão há razão de se adotar um gerador que permite a geração simultânea de vapor e pode-se instalar uma unidadesimples que tem um custo muito menor.

Page 7: Produção de Subprodutos de Cana

XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7

A importância econômica pode ser avaliada como se segue: o álcool é vendido por R$ 0,60 por l aproximadamente,proporcionado um faturamento de R$ 12 milhões pelos 20.000 m3 produzidos anualmente na DPM. Dependendo daeficiência da destilaria, o lucro está na faixa de R$ 1 a 2 milhões (8 a 15 %). Deste modo o lucro no uso dos quatrosubprodutos (valor dos produtos menos custos correntes no Quadro 2) é da ordem de 50 a 100 % do lucro obtidocom a produção do álcool. Conclui-se que o uso dos subprodutos abre a possibilidade de aumentar a rentabilidade dausina de maneira bastante expressiva. Contudo, em última análise o tratamento de vinhoto não pode ser consideradosomente sob o espectro de rentabilidade: este tratamento é necessário para evitar a degradação do meio ambiente,mesmo em casos onde a razão custo/benefício é menos favorável, devido à impossibilidade de valorização integralde um ou mais dos subprodutos.

CONCLUSÕES (1) Na produção de álcool a partir de caldo de cana há uma liberação de vários subprodutos que atualmente

não são valorizados e constituem um fator importante na degradação do meio ambiente. Os subprodutosmais importantes são o vinhoto (água residuária) e o bagaço (resíduo sólido)

(2) Através da aplicação da digestão anaeróbia do vinhoto pode-se produzir 100 kg CH4 na forma de biogáspor m3 de álcool. A partir do biogás, pode se gerar em unidades com acoplamento força/calor: (1) 480kWh de energia elétrica, o dobro da demanda da destilaria (240 kWh/m3 de álcool) e (2) 1,5 t de vapor (3atm) reduzindo-se a demanda de bagaço para queima em 40 %.

(3) Além do biogás liberam-se no tratamento de vinhoto (1) sólidos (400 kg/m3 de sólidos primários e 25kg/m3 de lodo biológico que podem ser usados como adubo nos canaviais) e (2) liquido: 20 m3/m3 deefluente a ser usado para fertiirigação dos canaviais.

(4) Devido ao uso de biogás para geração de vapor a disponibilidade de bagaço aumenta de 2,25 para 3,1 t/m3

(50 % de umidade)

(5) Se há uso para todos os subprodutos gerados no local da destilaria (o que geralmente será o caso) então otratamento de vinhoto se torna uma operação altamente rentável com curtíssimo período de retorno decapital

(6) Mesmo se nem todos os potenciais benefícios sejam realizáveis, o tratamento de vinhoto se tornainteressante como operação que protege o meio ambiente e diminui a dependência da destilaria de fatoresexternos como o fornecimento de energia elétrica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Carneiro V de P. R. (1990): Partida e modificação de um digestor anaeróbio de fluxo ascendente com

manta de lodo e separador de fases, tratando vinhoto, Dissertação de mestrado, Dep. de Engenharia Civil,UFPb, Campina Grande.

2. Van Haandel A.C. and Catunda P.F.C. (1994):" Profitability increase of alcohol distilleries by the rationaluse of byproducts." Wat.Sci.Tech., 29, 8, 106-117.

3. Lettinga G. e Van Haandel A.C. (1993): Anaerobic digestion for Energy Production and EnvironmentalProtection In: Renewable energy sources for fuels and electricity Johansson et al (Eds) Island Press,Washington D.C.

4. Kaspar H.E. e Wuhrmann K. (1978) Kinetic parameters and relative turnovers of some important metabolicreactions in digesting sludge, Applied Environmental Microbiology, 36, p 1-7

5. Van Haandel A.C. (1995) Influence of the digested COD concentration on the alkalinity requirement inanaerobic digesters, Wat. Sci. Tech. 30, 8, 23-34