Produção do espaço e crise urbana- uma interpretação de São Luís, MA

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  • Produo do espao e crise urbana: uma interpretao de So Lus, Ma.

    Luiz Eduardo Neves dos Santos1

    Jadson Pessoa da Silva2

    Resumo

    O artigo trata da produo do espao urbano em So Lus tendo como referncia a

    verticalizao, a fragmentao socioespacial e a anlise da crise urbana. A expanso da

    sociedade de consumo e a urbanizao das cidades brasileiras e, mais especificamente, de So

    Lus, acaba por gerar diferentes formas de apropriao do espao pelos grupos sociais. Neste

    processo, o sistema econmico globalizado representado pela explicitao e dominao do

    meio tcnico-cientfico. Entretanto, este sistema, ao se expandir, no se tornou nico, mas to

    somente hegemnico. Sua expanso se efetivou a partir da contradio fundamental que

    separa grupos dominantes de grupos dominados em uma cidade claramente dividida.

    Abstract

    The article deals with the production of urban space in So Lus with reference to

    verticalization, sociospatial fragmentation and analysis of the urban crisis. The expansion of

    consumer society and the urbanization of Brazilian cities, and more specifically of So Lus

    ends up generating different forms of alienation and appropriation of space by social groups.

    In this process, the global economic system is represented by the explicitness dominace of the

    technical-scientific. However, this system, to expand, not become one, but only hegemonic.

    Its expansion was accomplished from the fundamental contradiction that separates groups of

    dominant groups in a city dominated clearly divided.

    rea: 6. Economia Agrria, Espao e Meio Ambiente

    Subrea: 6.1 Economia, Espao e Urbanizao

    Sesso: Comunicaes

    1 Gegrafo formado pela Universidade Federal do Maranho (UFMA), Especialista em Geoprocessamento

    Aplicado ao Cadastro Multifinalitrio, Mestrando do Curso de Desenvolvimento Socioeconmico da UFMA e

    Membro-Pesquisador do Instituto da Cidade (INCID). 2 Economista formado pela Universidade Federal do Maranho (UFMA), Mestrando do Curso de

    Desenvolvimento Socioeconmico na mesma instituio de ensino e professor efetivo do Instituto Federal do

    Maranho (IFMA).

  • 1. Introduo

    A cidade pode ser explicada como um conjunto de objetos, produzidos com intuitos

    variados e carregados de intencionalidades. Por isso a cidade abarca duas produes, uma

    material, observada na fabricao, utilizao e circulao de objetos tcnicos e outra

    simblica, abstrata, representada pela maneira com que os indivduos do sentido quilo que

    os cerca, onde a subjetividade o ponto essencial deste processo.

    A cidade de So Lus, capital do Estado do Maranho, constitui nos tempos

    hodiernos uma grande aglomerao urbana, compondo um espao amplo e diversificado que

    abarca uma populao de 1.014.837 habitantes (IBGE, 2010).

    O sculo XX proporcionou a consolidao de um sistema de trocas de mercadorias

    globalizado. No entanto, isto no representou a homogeneizao do modo de como o

    territrio se apresenta. O espao sendo produto de relaes sociais ainda o espao plural

    derivado da riqueza da imaginao humana expressa na diversidade cultural.

    O solo e a habitao em So Lus so transformados em mercadorias, seu consumo

    s aumenta, visto que fazem parte das estratgias do grande capital imobilirio e financeiro,

    contribuindo para a produo e a reproduo do espao.

    Este artigo trata de forma breve das transformaes que a cidade de So Lus vem

    sofrendo nos ltimos anos em decorrncia da rpida transformao de seu espao urbano,

    representada pela chamada crise urbana. Os processos de valorizao do solo urbano atravs

    da verticalizao e da expanso urbana horizontal desordenada, inerentes s grandes cidades

    brasileiras, aparecem como principais elementos de diversificao espacial.

    O artigo estruturado em quatro partes principais a saber: a primeira versa sobre a

    abordagem dos conceitos de espao, cidade, urbano e urbanizao a partir de um enfoque

    referente s suas contradies. A segunda parte discute as conceituaes e estudos da

    verticalizao e da segregao socioespacial. Na terceira parte, a renda fundiria e tambm a

    categoria produo do espao so analisadas.

    Por fim, se constri uma abordagem sobre as noes de crise, tratando a crise urbana

    em So Lus a partir de um enfoque vinculado reproduo do capital, que estimula a

    expanso das disparidades socioespaciais na cidade.

  • 2. Espao urbano, cidade e urbanizao

    O espao, objeto deste estudo, concebido como expresso das relaes sociais de

    produo. Esta produo envolve trabalho, lazer, ideologia, dentre outros, que atravs do

    consumo ditam os movimentos e a circulao de mercadorias na esfera citadina.

    A cidade pode ser traduzida como um conjunto de objetos tcnicos materiais, rede

    viria, edifcios, parques, praas, shopping centers, dentre outros. Seu entendimento engloba

    os conhecimentos dos grupos que a projetaram e a construram.

    O urbano complementa e consolida a noo mais ampla do que conhecemos como

    cidade. Ele tem a ver com o subjetivo, o simblico, o que est por trs da paisagem urbana

    que compe a cidade moderna. Santos (1992, p. 241) diferenciou a cidade do urbano

    afirmando que a primeira o concreto, o conjunto de redes, enfim a materialidade visvel do

    urbano, enquanto que este o abstrato, porm o que d sentido e natureza cidade. O que se

    pode inferir a partir disso, que cidade e urbano se interpenetram.

    Pelo exposto, o que tem de ser levado em considerao, quando tratamos do espao

    urbano, que sua existncia no seria possvel sem o contedo que lhe d sentido: os grupos

    humanos. atravs dos sistemas de aes que se criam os objetos tcnicos e partir dessa

    relao intrnseca, entre aes e objetos (em sentido amplo), que a sociedade pode vir a

    alcanar as transformaes no/do espao em tempos de globalizao.

    Em sua tese de livre-docncia intitulada A Dimenso Espacial do

    Subdesenvolvimento: Uma Agenda para os Estudos Urbanos e Regionais, o economista

    Antnio Carlos Brando analisa a importncia da dimenso espacial para os estudos sobre o

    desenvolvimento e o subdesenvolvimento em diversas escalas, incluindo a urbana. Por isso,

    concordamos com o pensamento do autor, filiado matriz terica e analtica que entende o

    espao e o territrio como uma construo social, resultado da reproduo histrica

    (BRANDO, 2004, Captulos 2 e 5).

    O espao urbano o da contradio, prprio da crise que a cidade moderna abarca

    com todas as suas problemticas em direo ao colapso. Em contraposio ao espao da

    racionalidade, planejado para quem o domina, objeto de troca, de consumo, ou seja,

    negocivel. Damiani (2001, p. 52) ao tratar da oposio entre uma lgica formal e uma

    lgica dialtica a propsito do espao afirma:

    H dominao pela lgica. o espao formal que impera. O cotidiano e o vivido lhe

    escapam. Ou melhor, programa-se o cotidiano. Lugares neutralizados, higinicos e

    funcionais, como as avenidas, voltadas para a circulao do automvel. Toda a

    racionalidade econmica e poltica pesam sobre o cotidiano, enquanto vivido.

  • A autora chama ateno para a produo incessante de um espao cada vez mais

    racional, um imprio das representaes, uma lgica da mercadoria que acentua as

    desigualdades e camufla a essncia espacial. O espao reduzido ao tecnocrtico, ao

    planejamento dirigido, que deteriora a dialtica do tempo.

    Outra viso, igualmente importante, sobre o espao feita por Ana Fani Alessandri

    Carlos. Baseada nas formulaes de Henri Lefebvre, vai conceber o espao como condio,

    meio e produto da realizao da sociedade humana em toda a sua multiplicidade (CARLOS,

    2001, p. 11). Sua anlise sobre o espao urbano se d a partir da reproduo do capital, da

    mercadoria e da reproduo da vida, que ganha fora na sua relao dialtica com os

    processos espaciais.

    A anlise do espao urbano fundamenta-se no entendimento da dominao poltica,

    que impe uma lgica formal e uma racionalidade cidade, uma acumulao de capital que

    d condies para que o concreto e o abstrato sejam metamorfoseados, produzindo o lugar na

    cidade. A cidade capitalista o local da sede do poder, onde a produo controlada, ou seja,

    abrigo por excelncia das classes dominantes. nela que a relao Estado-Capital-Fora de

    Trabalho se d de forma mais intensa e acelerada.

    A produo se d tambm a partir da deteriorao de ideologias, valores e

    identidades, ou a partir do anseio de uma mudana, na busca incessante da crtica e dialtica

    do espao-tempo.

    No possvel apenas pensar a cidade como quadro fsico, visto que ela dotada das

    intencionalidades dos grupos humanos, que a molda a partir de suas vontades e interesses. A

    interpretao e anlise das prticas socioespaciais so uma das chaves para se entender o

    fenmeno urbano na cidade moderna. Um caminho possvel seriam os estudos em torno do

    uso e ocupao do solo urbano, tema que vem sendo aprofundado nos ltimos anos em

    virtude da consolidao do Estatuto da Cidade (Lei Federal n 10.257/01) no Brasil.

    O entendimento clssico de urbanizao tem a ver com o quantitativo populacional,

    versando sobre a predominncia da populao urbana sobre a rural. Este fenmeno atrela-se

    tambm morfologia e caractersticas do stio urbano, produo e circulao de mercadorias

    (industrializao-consumo), aos equipamentos urbanos, ao setor de servios e aos modos de

    vida na cidade (dimenso subjetiva-cultural), dentre outras caractersticas.

    Clark (1991) entende o fenmeno da urbanizao a partir de um conjunto de valores,

    expectativas e estilos de vida presentes no espao urbano. Ele no exclui o processo de trocas

    de mercadorias e industrializao, mas enfatiza a importncia dos lugares urbanos para os

    comportamentos dos grupos sociais nas cidades.

  • A populao mundial, que j ultrapassou a cifra de 7 bilhes de habitantes embora

    de forma cada mais desacelerada continua crescendo. Esse crescimento, no entanto, no

    homogneo. Em primeiro lugar, os pases de industrializao recente so os que mais

    contribuem para o acrscimo de pessoas, uma vez que, nessas regies, o crescimento

    vegetativo da populao maior.

    Por outro lado, percebe-se que a urbanizao um fenmeno cada vez mais

    generalizado no mundo. Segundo a ONU, em 1960, a populao urbana representava 34% da

    populao mundial; em 1992, era de 44%; em 2008 a previso era 53% e estima-se que em

    2025, 61,01% de toda a populao mundial viva em cidades (UNFPA, 2007, p. 6, traduo

    nossa).

    O crescimento do nmero de pessoas que vivem em cidades se explica,

    principalmente, pela expulso dos homens do campo, seja pela falta de perspectiva de vida ou

    pela mecanizao agrcola e pela expectativa de melhoria das condies de vida nas cidades.

    Como nas economias mais desenvolvidas esse processo j vinha acontecendo desde o sculo

    XIX e j est estabilizado, possvel pensar que o crescimento urbano, nos dias atuais, seja

    um fenmeno caracterstico de pases subdesenvolvidos.

    Nos pases subdesenvolvidos, a urbanizao situa-se a partir da segunda metade do

    sculo XX e carrega consigo problemticas estruturais graves. Na Amrica Latina o intenso

    xodo rural e a carncia de empregos nos setores secundrio e tercirio trouxeram

    consequncias como a expanso das favelas, o crescimento da economia informal e, em

    muitos casos, o aumento do contingente de populao pobre em torno de uma metrpole, em

    um processo denominado de macrocefalia urbana.

    No Brasil, as bases da industrializao foram lanadas na dcada de 1930, durante o

    governo Getlio Vargas, e a consolidao deste processo se deu nas dcadas de 1950 e 1960,

    desencadeando um quadro de modernizao de toda a economia, que elevou as cidades

    posio central na vida brasileira (IANNI, 2010).

    De acordo com o ltimo Censo Populacional feito pelo Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica em 2010, o Brasil atingiu a marca de 190.732.694 (cento e noventa

    milhes, setecentos e trinta e dois mil e seiscentos e noventa e quatro) habitantes (IBGE,

    2010).

    Para chegar a esse patamar, o pas passou por profundas transformaes,

    principalmente durante o sculo XX. Durante a dcada de 1940 a populao predominante no

    Brasil era rural, ou seja, no vivia em cidades. Segundo os dados do IBGE, a populao

    urbana era de 31,30% em 1940 e passou para 84,35% em 2010 (IBGE, 2010), um avano

  • significativo que resultou numa grande transformao nos modos de vida da populao

    brasileira. A populao idosa cresceu, as taxas de analfabetismo e mortalidade infantil caram,

    bem como a populao jovem e a taxa de fecundidade, dentre outros aspectos.

    O processo de modernizao da economia brasileira, at os dias de hoje, no levou a

    superao da pobreza. A modernizao aprofundou as desigualdades sociais j existentes,

    geradas ao longo da histria, pois possuiu como alicerce uma maior concentrao de renda.

    O fato que o Brasil apresenta em seu territrio uma grande quantidade de pessoas

    vivendo em cidades. Esta uma realidade que confere ao pas um grau de urbanizao nunca

    antes alcanado, significando um acmulo assaz grave de problemticas urbanas das mais

    diversas.

    3. Verticalizao e segregao socioespacial: marco terico

    O espao urbano na atual fase histrica apresenta-se como objeto indelvel do

    processo de acumulao capitalista. Cada vez mais, o solo urbano transforma-se em

    mercadoria, o que favorece a ampliao da mais-valia de grupos seletos inseridos no sistema

    financeiro mundial.

    importante destacar que o processo de verticalizao vem sendo analisado por

    muitos estudiosos no Brasil, a exemplo de Spsito (1991), Souza (1994), Mendes (1992),

    Somekh (1997) e Ramires (1998). Alm desses trabalhos, pode-se destacar uma razovel

    quantidade de monografias, dissertaes e outras teses sobre o tema em questo produzidas

    nas mais diversas instituies de ensino superior do pas.

    A anlise de Souza (1994) incide sobre os processos de produo e apropriao do

    espao urbano em So Paulo no mbito da verticalizao. Sua teoria sobre a Identidade da

    Metrpole na busca de uma interpretao da totalidade do processo urbano na capital paulista

    se afirma na relao mtua de quatro agentes principais: o capital imobilirio, o capital

    financeiro, o capital fundirio e o capital produtivo (SOUZA, 1994, p. 27).

    A verticalizao de acordo com Souza (1994, p. 129) constitui-se numa

    especificidade da urbanizao brasileira, pois em nenhum lugar do mundo o fenmeno se

    apresenta como no Brasil, com o mesmo ritmo e com a mesma destinao prioritria para a

    habitao. Dessa forma, a verticalizao aparece como uma das principais modalidades de

    apropriao do espao urbano nas grandes cidades do mundo e tambm no Brasil, pois

    representa um tipo de habitao ao menos no discurso racionalizante global atrelada ao

    que h de moderno, gerando sentimentos de satisfao.

  • Mendes (1992 p. 32) define a verticalizao como o processo intensivo de

    reproduo do solo urbano, oriundo de sua produo e apropriao de diferentes formas de

    capital, aliado s inovaes tecnolgicas, alterando a paisagem urbana. O autor fala de

    processo intensivo, o seja, o solo urbano (escolhido de forma seletiva) possui a capacidade de

    receber edifcios de forma acelerada a partir dos ditames do grande capital.

    Ramires (1998, p. 13), ao estudar a verticalizao em Uberlndia, afirma que o

    espao verticalizado no s representa uma revoluo na forma de construir, afetando a

    dinmica de acumulao/reproduo do capital no setor da construo civil e mercado

    imobilirio, como atesta que este processo um bom negcio para os capitalistas.

    Entendido como resultado da multiplicao do solo urbano (SOUZA, 1994;

    SOMEKH, 1997), a verticalizao no Brasil se caracteriza por estar atrelada, sobretudo

    habitao e no ao setor de servios como aconteceu em muitos outros pases do mundo.

    O Estado, na 2 metade do sculo XX, teve um papel fundamental no financiamento

    da expanso das cidades brasileiras, como por exemplo a atuao do Banco Nacional de

    Habitao (BNH) durante os anos 1960 e 1970 ou da Caixa Econmica Federal atravs do

    Minha Casa, Minha Vida presente na agenda do Programa de Acelerao do Crescimento

    (PAC) no sculo XXI, todos amparados pelo Sistema Financeiro de Habitao (SFH).

    necessrio afirmar que o processo estudado aqui deriva das estratgias do capital

    financeiro atuantes nos grandes centros urbanos, que privilegiam algumas reas da cidade em

    detrimento de outras, o que acaba gerando um processo de desenvolvimento desigual no seio

    do tecido urbano, acentuando a crise na cidade.

    Em 1845, Friedrich Engels publica uma de suas obras mais conhecidas, A Situao

    da Classe Trabalhadora na Inglaterra. O autor denunciou as pssimas condies de vida das

    classes operrias nos centros industriais ingleses e de que forma eram explorados pela

    burguesia. Londres, Manchester, Liverpool so algumas das cidades analisadas por Engels:

    (...) nessa guerra social, as armas de combate so o capital, a propriedade direta ou

    indireta dos meios de subsistncia e dos meios de produo, bvio que todos os

    nus de uma tal situao recaem sobre o pobre. (...) Nos bairros de m fama habitualmente as ruas no so planas nem caladas, so sujas, tomadas por detritos

    vegetais e animais, sem esgotos, cheias de charcos ftidos. A ventilao precria,

    dada a estrutura irregular dos bairros (...) (ENGELS, 2010, p. 69-70).

    O que Engels constatou nos anos quarenta do sculo XIX muito semelhante

    situao das classes excludas nas grandes cidades dos pases subdesenvolvidos na atualidade,

    pois a cidade capitalista moderna uma mquina produtora de misria e desigualdade social

    (SANTOS, 2012, p. 4).

  • A segregao socioespacial pode ser definida como tendncia concentrao de

    determinado grupo social em rea especfica, sem, portanto haver exclusividade (VILLAA,

    2001, p. 21). Essa tendncia concentradora de que fala Villaa, nos remete ao espao da

    contradio entre grupos sociais distintos ocupando uma mesma cidade. Umas das

    explicaes da segregao socioespacial por parte das classes dominantes deriva do medo da

    violncia:

    Sob a influncia do medo, do sentimento de insegurana que se dissemina, morar em

    casas isoladas e mesmo em prdios de apartamentos que no estejam protegidos pelo

    aparato de segurana de um verdadeiro condomnio exclusivo vai-se apresentando como uma opo cada vez menos atraente em favor do tipo de habitat representado

    por um gated community. A organizao espacial da cidade se vai, na esteira disso,

    modificando (SOUZA, 2008, p. 71-72).

    Essa caracterstica de que fala Marcelo de Souza cada vez mais comum entre as

    classes dominantes urbanas, por isso surgiram a partir do final dos anos 1970, os condomnios

    fechados ou os enclaves fortificados, na expresso de Caldeira (2000), nos grandes centros

    brasileiros, traduzidos por territrios burgueses, compostos por todo o aparato de segurana

    possvel: muros altos e eletrificados, guardas terceirizados, cmeras de vigilncia, dentre

    outros.

    Os pobres urbanos ocupam reas desfavorveis habitao (loteamentos

    clandestinos e irregulares), como encostas, margens de cursos dgua, reas prximas a

    lixes, dentre outras. Enquanto os grupos abastados moram em reas valorizadas e com maior

    infraestrutura.

    O movimento segregador acontece de forma acelerada no Brasil por conta da

    mercantilizao do solo urbano. Os incorporadores imobilirios, financiados pelo Estado e

    partcipes do movimento do capital financeiro global, possuem um papel decisivo na

    consolidao da segregao socioespacial.

    Os incorporadores modificam a dinmica urbana expulsando camadas populares ao

    selecionarem reas para a construo de condomnios residenciais, edifcios comerciais,

    shopping centers, galerias, entre outros, com a finalidade precpua de acumular capital.

    Pelo exposto, legtimo afirmar que o processo de segregao socioespacial

    caracteriza as cidades no Brasil, j que possui como fundamento a lgica de reproduo e

    acumulao do capital na esfera urbana que espolia os pobres.

  • 4. Renda fundiria e produo do espao urbano

    Desde seu aparecimento, o modo capitalista de produo fez com que o espao

    estivesse inserido nas estratgias de valorizao do capital, seja atravs da mercantilizao da

    terra com sua diviso em lotes ou mais recentemente na circulao de capital financeiro

    especulativo. Segundo Henri Lefebvre (1999, p. 142),

    (...) o capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na conquista do

    espao, em termos triviais na especulao imobiliria, nas grandes obras (dentro e

    fora das cidades), na compra e venda do espao. E isso escala mundial (...) A

    estratgia vai mais longe que a simples venda, pedao por pedao, do espao. Ela

    no s faz o espao entrar na produo da mais-valia; ela visa a uma reorganizao

    completa da produo subordinada aos centros de informao e deciso.

    Dessa forma, o espao urbano o palco ideal para as estratgias do capital, j que a

    cidade constitui em si mesma, o lugar de um processo de valorizao seletiva, cada lugar,

    dentro da cidade, tem uma vocao diferente, do ponto de vista capitalista, e a diviso interna

    do trabalho a cada aglomerao no lhe indiferente (SANTOS, 2009, p. 125). A burguesia

    exerce um rgido monoplio nas reas urbanas em termos de propriedade privada do solo e

    excluem os pobres da propriedade fundiria.

    Os estudos em torno da renda fundiria foram desenvolvidos pela economia poltica

    clssica, e tem em David Ricardo seu precursor. Karl Marx desenvolveu sua teoria sobre a

    renda fundiria criticando Ricardo. Basicamente, os estudos sobre a renda fundiria,

    desenvolvidos Marx e aprofundados por autores marxistas se dividem em: renda diferencial I

    e II, renda absoluta e renda de monoplio.

    bom destacar que para a teoria marxista, o solo no capital, pois no um valor

    criado pelo trabalho, embora a terra tenha se tornado uma mercadoria, que possui um preo e

    um valor comercial determinado no modo de produo capitalista (BOTELHO, 2007, p. 71).

    A terra, portanto, no produz lucro, no entanto ela gera renda.

    A renda fundiria urbana vem sendo discutida por muitos autores marxistas desde a

    dcada de 1970, a exemplo de Cunha & Smolka (1978), Harvey (1980), Lojkine (1997) e

    Singer (1982).

    Para Cunha & Smolka (1978, p. 37), as rendas fundirias urbanas nada mais so do

    que parte do excedente desviado de suas realizaes, na forma usual de lucro, sendo a

    localizao um instrumento valioso para o detentor da propriedade privada do solo. Jean

    Lojkine (1997, p. 188) j afirmou que a renda fundiria urbana um instrumento do

    fenmeno da segregao, sua manifestao espacial, produzida pelos mecanismos de

    formao dos preos do solo so determinados pela diviso social e espacial do trabalho.

  • Ento, a terra nos aglomerados urbanos objeto de acirrada disputa, ela se tornou um

    ativo extremamente valioso para construtoras, imobilirias e prefeituras. Por isso a terra na

    cidade fatiada por esses grupos, os melhores pedaos so destinados sem burocracia

    burguesia, enquanto as sobras ficam para os pobres e miserveis.

    A categoria de anlise produo do espao foi desenvolvida pelo pesquisador Henri

    Lefebvre em seu livro do original em francs La prodution de lespace. Tal categoria proposta

    por Lefebvre, proveniente de Marx, refere-se aos processos de atuao das foras produtivas

    capitalistas no espao (urbano), bem como suas repercusses na produo das relaes sociais

    e ideolgicas inerentes aos grupos humanos. Segundo o pesquisador em questo:

    a dupla acepo do termo decorre de que os homens em sociedade produzem ora coisas (produtos), ora obras (todo o resto). As coisas so enumeradas, contadas,

    apreciadas em dinheiro, trocadas. E as obras? Dificilmente. Produzir, em sentido

    amplo, produzir cincia, arte, relaes entre seres humanos, tempo e espao,

    acontecimentos, histria, instituies, a prpria sociedade, a cidade, o Estado, em

    uma palavra: tudo. A produo de produtos impessoal; a produo de obras no se

    compreende se ela no depende de sujeitos (LEFEBVRE, 1973, p. 79-80).

    Essa produo de que fala Lefebvre deriva do trabalho, conceito desenvolvido por

    Marx na relao intrnseca homem-natureza. Assim, o homem, atuando sobre o mundo

    exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua prpria natureza (MARX, O

    capital I, p. 142). Portanto, ele exerce controle sobre a natureza, modificando a si prprio.

    A produo do espao em So Lus, seja por meio da verticalizao ou da segregao

    socioespacial, apresenta-se como elemento responsvel por transformaes morfolgicas e

    funcionais da paisagem urbana que produz solos superpostos, provocando permanentemente a

    revalorizao do espao. Para Lefebvre (2001, p. 06):

    A cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a

    generalizao da mercadoria pela industrializao tendem a destruir, ao subordin-

    las a si, a cidade e a realidade urbana, refgios do valor de uso, embries de uma

    virtual predominncia e de uma revalorizao do uso.

    Assim, o solo e a habitao so transformados em mercadorias, seu consumo s

    aumenta, visto que fazem parte das estratgias capitalistas, contribuindo para a produo e a

    reproduo do espao. Os pobres em So Lus no participam efetivamente do processo de

    cidadania, j que a cidade fragmentada, havendo a multiplicao de espaos que so

    comuns, mas no pblicos (GOMES, 2002, p. 174).

    H, portanto, territrios prprios dos grupos dominantes (shopping centers, faixas da

    orla martima, determinados bares e restaurantes, edifcios comerciais, dentre outros) que no

    so usados pelos grupos dominados, e quando so, verifica-se o uso como meio de

    sobrevivncia: porteiros, garis, ajudantes de limpeza, guardadores de carros, etc.

  • 5. A instaurao da crise, uma crise urbana!

    Que quer dizer esta palavra: crise? Ela designa em princpio um

    momento crtico, uma data separando dois perodos, um corte no

    tempo. Crise? Crise de quem? Crise de qu? (...) crise de que? Do capitalismo? Da Europa? Do capitalismo europeu? Da civilizao?

    (...) do Estado? Os sintomas so conhecidos, catalogados:

    desemprego, diminuio das trocas internas e externas, falncias,

    dficits, etc. (LEFEBVRE, 2009, p. 138).

    A palavra crise permeia h muito a sociedade em que vivemos, seja nas cincias,

    nos relaes sociais ou na cidade. As indagaes feitas por Lefebvre em 1978 esto longe de

    cessarem, pois a nica crise que os responsveis desejam afastar a crise financeira e no

    qualquer outra, causando o aprofundamento da crise real econmica, social, poltica, moral

    que caracteriza o nosso tempo (SANTOS, 2000, p. 36).

    A crise que nos interessa aqui a chamada crise urbana, que se traduz a partir da

    acelerada e desordenada urbanizao ligada umbilicalmente s desigualdades e as injustias

    sociais. As cidades atualmente so centros nervosos de circulao e acumulao de capital, ou

    seja, comum que a cidade possua a necessidade de economizar as despesas de produo,

    circulao e consumo, a fim de acelerar a velocidade da rotao do capital (LOJKINE, 1997,

    p. 153). Nas grandes cidades brasileiras e obviamente em So Lus esse processo visvel.

    O mundo nas ltimas dcadas vive um perodo de crise. Tal crise deriva da iniciada

    na dcada de 1970, ancorada no neoliberalismo e na poltica de desmonte do bem estar social.

    No Brasil, a partir dcada de 1990, houve uma srie de transformaes decorrentes da

    insero dos ideais neoliberais, primeiro com o Governo Collor, que instaurou uma poltica

    econmica baseada nas diretrizes recomendadas pelo Consenso de Washington3.

    O Governo FHC, por exemplo, de acordo Fiori (2001, p. 283), possibilitou uma

    depredao e feudalizao do Estado pelos interesses privados, selecionados a dedo pelos

    novos liberais. As privatizaes tornaram-se um bom negcio, sem nenhum tipo de estratgia

    de longo prazo. Os ideais neoliberais de FHC, ao contrrio do que pregavam, promoveram o

    enxugamento dos gastos pblicos, com a consequente reduo dos direitos trabalhistas.

    Voltando a questo da crise, se observa que com a reduo salarial e a perda do

    poder de compra pelo trabalhador nos grandes centros urbanos, o crdito adquiriu condies

    para se expandir e como as remuneraes no sustentam a demanda, o resultado a

    3 Caracterizado por ser um programa ortodoxo de estabilizao monetria acompanhado por um pacote de

    reformas estruturais ou institucionais que se props, explicitamente, a desmontagem do modelo

    desenvolvimentista, pela abertura e desregulamentao dos mercados e privatizaes de empresas e servios

    pblicos (FIORI, 2001, p. 283).

  • proliferao em larga escala dos endividamentos, seja via cartes de crdito, cheques-

    especiais ou mesmo emprstimos diretos, todos portadores de altssimas taxas de juros.

    Segundo a Confederao Nacional do Comrcio de Bens, Servios e Turismo (CNC),

    responsvel pela Pesquisa de Endividamento e Inadimplncia do Consumidor (Peic), at

    janeiro de 2012 o percentual de famlias que declararam ter dvidas era de 58,8% (CNC-PEIC,

    2012). Na cidade de So Lus, pelo menos 65,5% dos consumidores se encontram

    endividados em 2012. Essa constatao deriva da pesquisa Perfil de Endividamento do

    Consumidor de So Lus, realizada pela Federao das Cmaras de Dirigentes Lojistas do

    Maranho FCDL/MA em parceria com o Escritrio Tcnico de Estudos Econmicos do

    Nordeste Etene, organismo vinculado ao Banco do Nordeste BNB (EM SO LUS,

    2012).

    David Harvey aposta que a crise capitalista atual uma crise eminentemente urbana

    e tem motivos para afirmar isso:

    Desde 1970, as inovaes financeiras, como a securitizao da dvida hipotecria e a

    disseminao dos riscos de investimentos mediante a criao de mercados de

    derivativos, tacitamente (e agora, como vemos, de verdade) apoiadas pelo poder do

    Estado, permitiram um enorme fluxo de excesso de liquidez em todas as facetas da

    urbanizao e do espao construdo no mundo todo (...) vrias das crises financeiras

    desde a dcada de 1970 foram provocadas por excessos nos mercados imobilirios

    (HARVEY, 2011, p. 75-76).

    As formas de investimentos nos grandes centros urbanos so essencialmente

    especulativas, fazendo com que a expanso da demanda eleve sobremaneira os preos da terra

    nas cidades, possibilitando o surgimento das bolhas imobilirias, frgeis e a ponto de

    estourarem por conta dos excessos de financiamentos e consequentemente da enorme

    inadimplncia. Robert Kurz j no incio da dcada de 1990 afirmava:

    Ter de se fazer sentir o desaparecimento da capacidade aquisitiva, derrotada na

    concorrncia, e o dos mercados reais correspondentes, acabando com os mercados

    fictcios, abalofados pela especulao. Ao rasgar o ltimo fio finssimo que liga a

    acumulao real superestrutura de crdito, ter de desabar tambm o complexo

    especulativo, porque ficar pesada demais a gigantesca cauda de cometa de juros

    que entrementes se prendeu reproduo global, um peso que obriga o mundo

    produtor de mercadorias a descer para seus prprios fundamentos reais (KURZ,

    1999, p. 203).

    O que Kurz vaticinou h duas dcadas ainda est em curso e seu maior sintoma a

    crise atual, crise essencialmente especulativo-financeira, que possui como uma de suas

    consequncias mais nefastas a perda de postos de trabalho e do sentido das lutas de classe,

    encoberta pela nvoa espessa do capital.

  • 5.1 O caso do espao urbano de So Lus

    So Lus do Maranho nasceu durante o perodo colonial no sculo XVII e resultou

    da estratgia da metrpole lusitana para barrar os avanos das naes rivais. Durante o sculo

    XVIII atinge o seu apogeu econmico aproveitando a valorizao internacional do algodo.

    Este perodo propiciou uma acumulao de riqueza responsvel pela adoo da peculiar

    arquitetura do centro histrico da cidade que se caracteriza por imponente conjunto de

    casares coloniais portugueses.

    Aps o declnio da atividade algodoeira, a economia local, que polariza a economia

    regional, mergulha num obscurantismo relativo quando comparada ao comportamento da

    produo de riqueza no pas, o qual, durante o sculo XX, experimenta uma rpida escalada

    em direo a industrializao.

    Somente a partir de um projeto nacional arquitetado pelo regime militar implantado

    no incio dos anos 1960, o Projeto Grande Carajs, a economia regional dinamizada,

    consolidando-se na metade dos anos 1980 quando da inaugurao da Estrada de Ferro

    Carajs-So Lus (VALVERDE, 1989).

    A insero dessas indstrias na cidade promoveu a conexo da regio com o

    comrcio mundial de minrio e representou o estopim de uma radical alterao da dimenso

    espacial na capital maranhense.

    Os investimentos estatais oriundos do Banco Nacional de Habitao (BNH) e do

    Banco do Nordeste (BNB) incentivaram expanso do espao urbano, bem como a

    construo de pontes sobre o rio Anil a partir do incio da dcada de 1970. Houve assim uma

    ruptura com o traado urbano e o modo de vida tradicional do ludovicense (LOPES; SILVA,

    2008, p. 291), provocando, por conseguinte, a sada das famlias de classe mdia e alta do

    antigo ncleo central em direo ao que se convencionou chamar de Cidade Nova4.

    A dinamizao da economia da cidade provocou o crescimento populacional

    principalmente devido ao afluxo de migrantes. Isto por sua vez levou a intensificao do uso

    do solo urbano e a uma nova espacializao da cidade, caracterizada por modos de

    apropriao espontnea do solo pelos migrantes e outros grupos empobrecidos da sociedade

    local.

    4 A denominada Cidade Nova abrange as reas com maior infra-estrutura urbanstica e de servios em So Lus,

    apresentando uma morfologia urbana caracterstica que engloba essencialmente os bairros do Renascena I, II e

    todo o territrio que compreende a orla martima e seu entorno.

  • A expanso da cidade mediante tais modalidades de apropriao do espao urbano

    resultou em significativa desigualdade no que se refere infraestrutura disponvel para os

    diversos territrios da cidade em intensa expanso. Esta desigualdade tornou-se mais

    acentuada atravs de modalidades contemporneas de produo do espao apropriado pelo

    que designo de grupos sociais dominantes.

    De incio, um significativo processo de verticalizao na rea da Cidade Nova

    tomada pelos ricos propiciou a concentrao de confortveis condomnios de apartamentos,

    escritrios, restaurantes e shoppings. Com a insero da cidade num sofisticado roteiro

    turstico regional, esta rea recebeu novos investimentos atravs da implantao de uma

    sofisticada rede hoteleira. Outra caracterstica que surge nos ltimos anos, a implantao de

    condomnios horizontais de padro mdio e alto.

    Em conjunto, estes fenmenos representam um momento de particular vitalidade da

    indstria da construo civil e de empresas imobilirias que tem sido chamado pela imprensa

    local como um boom imobilirio, concentrado na rea da cidade para a qual os grupos

    dominantes se dirigiram a partir dos anos 1970.

    A partir da dcada de 1990 a cidade de So Lus assume caractersticas muito

    peculiares no que tange ao seu espao urbano. O acrscimo veloz de edifcios transforma,

    gradativamente, a cidade em metrpole, sua economia se diversifica e seu espao se

    moderniza. Em contrapartida, uma grande parcela populacional da cidade no participa das

    benesses da modernizao, o que acarreta o surgimento e a manuteno de grandes espaos de

    excluso.

    Estas transformaes no espao apropriado pelos grupos dominantes revelam um

    padro cosmopolita de consumo do espao por parte destes grupos. Para eles, a verticalizao

    o smbolo maior de uma modernizao urbana que se assemelha aos modos de vida e

    padres socioculturais das grandes metrpoles.

    Por isso que a verticalizao, assim, realiza espetacularmente a acumulao e a

    reproduo (SOUZA, 1994, p. 26). Esta ideia claramente percebida no espao urbano da

    Cidade Nova ludovicense, no s pelos modernos edifcios, mas tambm pela crescente

    diversidade de servios especializados oferecidos s classes mais abastadas, que concentram

    fortemente grande parte da renda urbana na capital maranhense.

    preciso destacar que a grande quantidade de investimentos no setor imobilirio em

    So Lus, decorre dos financiamentos oriundos de polticas estatais, que de certa forma,

    facilitaram o acesso habitacional classe mdia e alta e no privilegiaram as classes pobres.

  • David Harvey (2011, p. 76) assevera que os ltimos trinta anos, o investimento

    excessivo em tais projetos tornou-se um gatilho catalisador comum para a formao de

    crises. O alerta de Harvey serve para a poltica de habitao realizada no Brasil. A Caixa

    Econmica Federal, banco financiador do governo, j possui em So Lus, altas taxas de

    inadimplncia no setor habitacional (informao verbal) 5.

    O padro emergente de produo do espao no norte da cidade, onde esto os ricos,

    parece resultar numa maior homogeneizao deste espao. So Lus assume um padro de

    segregao tpico do Planeta Favela, termo que Mike Davis (2006) usa para se referir

    difuso do padro de segregao socioespacial das cidades atravs da consolidao e

    ampliao do fosso que separa a cidade formal (conectada ao fluxo de trocas do mercado

    global) da cidade informal (derivada das estratgias de sobrevivncia do que denomino de

    grupos sociais dominados, que resultam nos assentamentos precrios).

    Analisando os fatores determinantes da produo do espao no mundo

    contemporneo, Milton Santos (2000) forja o termo lugares esquizofrnicos, pois com a

    capacidade de insero no mercado globalizado, os espaos de um lado acolhem vetores da

    globalizao, que se instalam para impor sua nova ordem, e de outro lado conhecem uma

    contra-ordem, na medida em que o processo leva ao crescimento acelerado dos pobres e

    excludos. Sobre as condies dos grupos dominados Diniz (2007, p. 172) afirma:

    A favela maranhense surgiu a partir da expanso da mancha urbana da segunda

    metade do sculo XX, ocupando precariamente terrenos pblicos e particulares,

    surgindo vilas, conjuntos e bairros (...) Sendo todos formados por barracos e

    mocambos construdos com material de refugo, com caixotes, tbuas soltas, folhas

    de zinco, com palha, taipa e adobe. Outras situam-se em encostas de colinas ou em

    reas alagadas de mangue.

    Wagner da Costa (2009, p. 41-42) afirma que uma das principais questes que

    explicam a produo e expanso da pobreza e a concentrao de renda por parte dos grupos

    dominantes encontra-se no sistema poltico estadual, que se traduz como patrimonialista e

    clientelista. Sobre a produo da riqueza pelos grupos dominantes em So Lus:

    Essa a poupana a partir da qual se constroem patrimnios (casas, apartamentos, fazendas); se compram os carros do ano e da moda; se constituem empresrios bem sucedidos do comrcio, de postos de gasolina, hospitais, escolas, hotis, concessionrias. Corrupo sistmica que produz e reproduz a misria social e que

    encontra em So Luis seu espelho invertido, pois alimentou o boom imobilirio dos condomnios e apartamentos de luxo destinados, em vrios casos, lavagem de dinheiro (segundo as investigaes da PF). Contrapondo, num quadro brutal e sem pudor, a opulncia verticalizada e artificial da rea nobre da capital pobreza estrutural da populao.

    5 Entrevista concedida ao autor por Lus Marcelo Cunha Neves, Gerente Geral da Agncia Cidade dos

    Azulejos da Caixa Econmica Federal, em 7 de janeiro de 2012.

  • As palavras de Costa revelam o carter irrestrito do capital poltico na produo do

    espao urbano e de bens de consumo presentes em So Lus. Essa produo serve para

    atender interesses pessoais, onde indivduos que esto no poder exercem tambm a funo de

    empresrios, que detm o controle de servios especializados na parte nobre da cidade.

    Esta lgica, presente em So Lus, acontece de forma sincrnica, j que, medida

    que o espao urbano se verticaliza na Cidade Nova, tambm cresce de forma horizontal uma

    massa de marginalizados em direo a leste, sudeste e sudoeste de seu espao.

    Prova disso o que atestou recentemente o IBGE (2010) ao revelar que houve um

    aumento expressivo do nmero de assentamentos subnormais6 nos ltimos dez anos em So

    Lus. Em 2000 eram oito as reas de assentamentos subnormais, em 2010 aumentou para

    vinte e trs o nmero dessas reas. Aliado a isto, a populao no municpio de So Lus saltou

    de 870.028 em 2000, para 1.014.837 em 2010 (IBGE, 2010).

    A afirmao de Milton Santos tambm nos reveladora, quando diz que a metrpole

    corporativa e fragmentada, composta de espaos luminosos, expresso mxima da

    modernizao, e de espaos opacos periferias, lugares da excluso dessa mesma

    modernizao (SANTOS, 1993).

    A produo do espao por processos hegemnicos globalizados implica na

    subalternizao de grupos sociais e numa consequente apropriao diferenciada da cidade,

    orientada pelos interesses dos grupos vinculados aos processos dominantes.

    6. Consideraes finais

    O processo de urbanizao verificado ao longo do sculo XX na cidade de So Lus

    transforma a antiga cidade, antes limitada e pequena, numa grande aglomerao. Esta

    mudana acontece no apenas no mbito quantitativo, mas, sobretudo, transforma-se em

    aspectos qualitativos.

    O capital estatal aliado aos investimentos industriais foram os grandes responsveis

    pela fragmentao do espao urbano da cidade, transformado, no atual perodo histrico, em

    mercadoria, isto , o solo urbano determinado pelo preo, o que acaba por afastar grupos

    dominantes (que vivem em bairros com melhores condies) dos grupos dominados

    (moradores de reas irregulares, clandestinas ou de risco).

    6 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2010), os assentamentos subnormais so um

    conjunto de moradias com um mnimo de 51 domiclios, ocupando ou tendo ocupado, at perodo recente,

    terreno de propriedade alheia (pblica ou particular), dispostos, em geral, de forma desordenada e densa, e

    carentes, em sua maioria, de servios pblicos essenciais.

  • Os investimentos imobilirios verticais so selecionados pelos incorporadores em

    territrios escolhidos de forma criteriosa, o que acaba por de segregar grupos de mais baixa

    renda para reas sem infraestrutura. Isto revela que na cidade existe um grande abismo que

    separa grupos em territrios diferenciados, forte sintoma da chamada crise urbana.

    Um dos motivos que fazem de So Lus uma cidade dividida em seu espao urbano

    (grupos dominantes x grupos dominados), a grande concentrao de renda inerente aos

    grupos dominantes, que com seu poder de consumo usufruem o que o mercado (imobilirio,

    carros, roupas de grife, etc.) oferece.

    A poltica, representada por grupos que se encontram h muito tempo no poder no

    Maranho uma das grandes responsveis por agravar a problemtica da segregao

    socioespacial, tanto no que tange quase ausncia de polticas pblicas, como na questo da

    apropriao da coisa pblica.

    preciso entender que a dinmica de expanso urbana em So Lus decorre de

    processos polticos e econmicos que determinam a produo do espao com a diviso da

    cidade em pedaos, havendo como principal consequncia a proliferao da populao pobre,

    que permanece excluda e na imobilidade da base da pirmide das classes sociais.

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