Proelium V

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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR Série VII, n.º 5 (2013) Ficha Técnica Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2013 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Carlos Rouco, Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: CENTRO DE AUDIOVISUAIS DO EXÉRCITO/SECÇÃO DE ARTES GRÁFICAS Tiragem: 700 A Revista Proelium está indexada à LATINDEX. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

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REVISTA CIENTÍfICA DA ACADEMIA MILITAR SérieVII, n.º 5 (2013)

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REVISTA CIENTÍfICA DA ACADEMIA MILITARSérie VII, n.º 5 (2013)

Ficha Técnica

Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2013 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Carlos Rouco, Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: Centro de AudiovisuAis do exérCito/seCção de Artes GráfiCAs Tiragem: 700

A Revista Proelium está indexada à LATINDEX.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

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Órgãos da ProELIum

Director: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra Editor: Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco Co-Editor: Professor Doutor José Alberto de Jesus Borges Conselho Editorial: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra, Academia Militar Professor Doutor Salvatore Messina, European University for Tourism (Albânia) Professor Doutor Carlos Alberto Silva Melo Santos, Universidade dos Açores Professor Doutor Neven Duic, Universidade de Zagreb (Croácia) Professor Doutor Pedro Telhado Pereira, Universidade da Madeira Professor Doutor Henrique Manuel Dinis Santos, Universidade do Minho Professor Doutor João Joanaz de Melo, Universidade Nova de Lisboa Professora Doutora Maria Manuela M. S. Sarmento Coelho, Academia Militar Professor Doutor Vítor Manuel S. da Silva ferreira, Universidade Técnica de Lisboa Tenente-Coronel (Doutor) Carlos Manuel Mendes Dias, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) José Carlos Dias Rouco, Academia Militar Major (Doutor) David Pascoal Rosado, Academia Militar

Conselho Consultivo Nacional: Major-General José António Henriques Dinis Professor Doutor Diamantino freitas Gomes Durão, Universidade Lusíada Coronel Tirocinado (Doutor) Jorge filipe Corte-Real Andrade, Academia Militar Coronel Tirocinado (Doutor) João Vieira Borges, Academia Militar Professora Doutora Ana Bela Ribeiro da Costa Santos Bravo, Academia Militar Professor Doutor António José Barreiros Telo, Academia Militar Professor Doutor Mário Lino Barata Raposo, Universidade da Beira Interior Professor Doutor António fernando Boleto Rosado, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Carlos José Bernardo da Silva Barracho, Universidade Lusíada Professor Doutor João Torres de Quinhones Levy, Universidade Técnica de Lisboa Professora Doutora Lúcia Maria Portela Lima Rodrigues, Universidade do Minho Professor Doutor João Paulo de freitas Sousa, Academia Militar Professora Doutora Ana Maria Carapelho Romão, Academia Militar Professora Doutora Paula Manuela dos Santos L. R. figueiredo, Academia Militar Professor Doutor António Joaquim dos Santos Serralheiro, Academia Militar Professor Doutor fernando José Gautier Luso Soares, Academia Militar Professor Doutor César Rodrigo fernández, Academia Militar Professor Doutor Jorge da Silva Macaísta Malheiros, Universidade de Lisboa Professora Doutora Maria da Saudade Baltazar, Universidade de Évora Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Thomas Peter Gasche, Academia Militar Coronel (Doutor) João Pedro da Cruz fernandes Thomaz, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) francisco Miguel Proença Garcia, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Paulo fernando Viegas Nunes, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Jorge Manuel Dias Sequeira, Academia Militar Professora Doutora Maria francisca Saraiva, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Tenente-Coronel (Mestre) Pedro Marcelino Marquês de Sousa, Academia Militar Tenente-Coronel (Mestre) João Paulo Nunes Vicente, Instituto de Estudos Superiores Militares. Major GNR (Mestre) Nuno Miguel Parreira da Silva Capitão GNR (Mestre) Reinaldo Saraiva Hermenegildo Dra. (Mestre) Sofia de Freitas e Menezes, Academia Militar Dra. (Mestre) Teresa Almeida, Academia Militar Conselho Consultivo Internacional: Professor Doutor Sven Biscop, Egmont Institute (Bélgica) Professor Doutor Hermano Perrelli de Moura, Universidade federal de Pernambuco (Brasil) Professora Doutora Marta Lucía Oviedo franco, Universidade Militar (Colombia) Professora Doutora María Jesús Hernández Ortiz, Universidade de Jaén (Espanha) Professor Doutor José Luís R. de Alba Robledo, Universidade de Málaga (Espanha) Professor Doutor Gary N. McLean, Texas University (EUA) Professor Doutor Michael f. Cassidy, Marymount University (EUA) Professora Doutora Patrícia M. Salgado, Universidade Autónoma do Estado do México (México)

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Editorial

EDITORIAL ............................................................................................................................................... 5Major-General António José Pacheco Dias Coimbra

CONCEITO DE CRISE ................................................................................................................................................. 7Ricardo Cristo

A GESTãO DE CONfLITOS E A CONfLITUALIDADE EM áfRICA: UMA PROBLEMáTICAATEMPORAL .................................................................................................................................................................. 35Luís Bernardino

NóTULAS SOBRE OS ORGãOS DE SOBERANIA .............................................................................................. 65José Fontes

CARACTERIZAçãO DA AUDITORIA NA ADMINISTRAçãO fINANCEIRA DO EXÉRCITOPORTUGUêS ................................................................................................................................................................... 75Joaquim Alves e Manuela Sarmento

ESTUDO DA IMPLEMENTAçãO DA GESTãO DOS RECURSOS fINANCEIROS PARTILHADOSNA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA ........................................................................................................... 107Diogo Regueira e Manuela Sarmento

ALGORITMO DE REVISãO DE LITERATURA - UMA POSSÍVEL ESTRATÉGIA DE PESQUISABIBLIOGRáfICA .......................................................................................................................................................... 137José Martins, Henrique Santos e Carlos Rouco

ESTUDIO DE COMPETENCIAS EN LA UNIVERSIDAD PúBLICA y PRIVADA ......................................... 157M.ª Mar López Guerrero, Ana M.ª Lucia Casademunt e Antonio Sánchez-Bayón

UMA ANáLISE CONCETUAL E PRAGMáTICA ACERCA DO PODER AÉREO ......................................... 171João Vicente

RISCOS DOS PROCESSOS DE ELECTRODEPOSIçãO (PARTE II) ................................................................ 195João Sousa e João Rossa

EXPOSIçãO A AGENTES QUÍMICOS NO TRABALHO ..................................................................................... 223João Sousa

APLICAçõES DAS ONDAS ELETROMAGNÉTICAS EM SEGURANçA E DEfESA: A BANDADOS TERAHERTZ ........................................................................................................................................................ 235Maria João Martins

PRESCRIçãO DE SISTEMAS DE REPARAçãO DE ESTRUTURAS DE BETãO ....................................... 245Tomás Damião, Maria Ribeiro e Orlando Pereira

NORMAS PARA PUBLICAçãO NA REVISTA PROELIUM ................................................................. 261Carlos Rouco

TODOS OS TexTOS SãO DA ReSPOnSABiLiDADe exCLuSiVA DOS ReSPeCTiVOS AuTOReS

sumário

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Editorial

António José Pacheco Dias Coimbra (*)

Major-General

Início este editorial fazendo uma referência ao 7º Simpósio Internacional de Ciberespaço: Liderança, Segurança e Defesa em Rede, que se realizou na Academia Militar, no dia 29 de Maio de 2013. Neste evento, investigadores, académicos e profissionais reflectiram sobre a utilização generalizada da inter-net e a virtualização dos processos de comunicação. Identificaram-se ainda os novos desafios que se apresentam à liderança organizacional e as profundas transformações políticas, sociais e económicas que afectam quer a segurança quer a defesa dos Estados, tanto ao nível interno e como externo.

Para o General Loureiro dos Santos, ao nível da gestão de percepções, o ciberespaço representa um novo e extraordinário instrumento para influenciar a opinião e o comportamento de terceiros, em modo objectivo e subjectivo, a fim de alcançar metas segundo os critérios éticos individuais. Urge assim identificar o novo perfil do líder para operar neste ambiente. Na gestão de percepções cada indivíduo deve perguntar a si mesmo: o que é a realidade? O que vemos na televisão e nos tablet! O que ouvimos na rádio! O que lemos nos jornais! Ou o que fica quando nos apercebemos que a nossa própria história é manipulada pelos outros! A análise de todas as facetas do ciberespaço denota assim uma nova relação que se instalou entre o próximo e o distante, entre o efémero e o duradouro, entre o bem e o mal, e principalmente nas relações de poder entre quem dirige e quem é dirigido num mundo virtual e de simulações.

Ao nível individual, o ciberespaço criou condições para se ser colocado em qualquer espaço e tempo, no centro da dinâmica estratégica como actor principal, conferindo-lhe a sensação de um poder absoluto. Por outro lado, a cultura implícita do ciberespaço e das estruturas que o sustentam, tradicio-

(*) 2º Comandante e Diretor de Ensino da Academia Militar

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Proelium – revista CientífiCa da aCademia militar

nalmente associadas à prestação de serviços, revelam um potencial ilimitado, que depende exclusivamente da imaginação individual. Espera-se desta forma que os indivíduos ajam de acordo com os valores éticos vigentes, o que, não se verificando, representa um perigo acrescido e o desenvolvimento de uma inconsciência colectiva. A realidade é que esta cultura confere o poder de al-cançar um resultado específico sem que o seu utilizador seja obrigado a manter a disciplina normativa e a responsabilidade ética.

O ciberespaço tem o efeito de fazer crescer exponencialmente o que de benéfico e de nefasto acontece no mundo físico, em que cada indivíduo ou grupo dispõe de instrumentos que lhe permitem materializar rapidamente as suas intenções, sendo algumas delas potencialmente perigosas... Com efeito, neste espaço tudo é desproporcionado, não estando a maior parte dos actores consciente de que é uma das armas numa guerra virtual.

Para o Professor Doutor Michel Renaud nenhum dos malefícios éticos que o ciberespaço pode originar é totalmente novo. No entanto, o ciberespaço potencia o desenvolvimento das vias pelas quais tais aberrações entraram no sistema, tornando-se quase auto-estradas. Assim, a educação ética de excelência sobre a melhor forma de operar no ciberespaço representa a única alternativa. Além desta educação, existe uma tarefa nova que é a de constituir gradualmen-te uma ética global que gere à sua volta consenso a nível supranacional – a aplicação dos valores que constituem a dignidade e a humanização do Homem.

No que se refere aos conteúdos, o presente número da Revista Proelium encontra-se dividido em três grandes áreas de investigação. Na primeira, a partir de diferentes abordagens, os autores discutem os conceitos de estratégia, ameaça, risco e poder aéreo utilizados nas Escolas Militares, dando pistas para a adopção de uma descrição ou significado destes conceitos. Na segunda área são apresentados alguns artigos que se debruçam sobre a gestão da conflitualidade em África, nos quais, a partir da reflexão académica, os autores pretendem trazer para a discussão a conflitualidade em África, apresentando possíveis soluções para esta problemática que se constitui num problema intemporal para os Estados e para as Organizações Africanas. A terceira área dedica-se à auditoria da gestão financeira do Exército e ao sistema informático de gestão dos recursos financeiros partilhado da Guarda Nacional Republicana.

Por último, lanço o desafio a todos os investigadores para incluírem nos seus projectos de investigação mais uma variável – o ciberespaço – e convidá--los a submeterem um artigo à Revista Proelium visando o lançamento de um número especial.

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ConCeito de Crise

Ricardo Cristo ab1

a Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.b Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

This article compares the concept of crisis presented by several authors, and without jeopardizes the validation of each one of them, tries to justify the adoption of one.The author bases its choice based on considerations of national and foreign authors as it organizations - NATO, Glenn Snyder, Paul Diesing, Commander Virgílio Carvalho, General André Beaufre, General Loureiro dos Santos, Ge-neral Valença Pinto, General Martins Barrento and Professor Adriano Moreira – relying its option for the one stated by the General Loureiro dos Santos.It begins by addressing the issue in an international perspective and then make the link with the internal perspective. In both cases providing examples that support its choice concluding that the concept of crisis is associated to a war situation.Keywords: Crisis, War, Conflict.

rESumo

O presente artigo compara o conceito de crise apresentado por vários autores e, sem prejuízo da validação de cada um deles, procura justificar a adopção de um.O autor alicerça a sua opção com base em reflexões de autores nacionais, estrangeiros e organizações – OTAN, Glenn Snyder, Paul Diesing, Coman-dante Virgílio Carvalho, General André Beaufre, General Loureiro dos Santos, General Valença Pinto, General Martins Barrento e Professor Doutor Adriano Moreira – optando pela definição plasmada pelo General Loureiro dos Santos.

1 Contacto: Email: [email protected], Tel.: +351 214 985 660

Recebido em 6 de março de 2013 / Aceite em 21 de abril de 2013

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Começa por abordar a questão na perspectiva internacional para depois fazer a ponte com a perspectiva interna. Em ambos os casos apresentando exemplos que corroboram a sua opção, concluindo que o conceito de crise está associado a uma situação de guerra.Palavras-chave: Crise, Guerra, Conflito.

1. INTroDuÇÃo

O termo “crise” tem sido usado de uma forma bastante ampla, dir-se-ia mesmo, de uma forma indiscriminada, tanto no plano da semântica da palavra como no plano conceptual – basta consultar o dicionário da língua portuguesa para nos apercebermos de tal circunstância.A palavra “crise”, por ser nos dias de hoje utilizada em múltiplas actividades e com variados sentidos adultera-se, chegando mesmo a perder significado (no plano conceptual) 2 – este uso «imoderado» da palavra origina a sua banaliza-ção, cria um certo desgaste, corrompendo inclusivamente o seu significado 3. Por razões que se prendem com o rigor académico, estas circunstâncias obrigam--nos a precisar, a clarificar um conceito de crise, sem prejuízo do reconhecimento de que esse conceito não será necessariamente o único.

2. ABorDAGENS ÀS DEFINIÇÕES DE CrISE2.1 ConCeito de Crise internaCional

Tomaremos como referências as várias definições plasmadas na tabela 1, na certeza porém que existem muitas mais.

2 Crise internacional; crise financeira; crise económica, crise monetária; crise cardíaca; crise familiar; crise de mercados; crise religiosa; crise política; crise amorosa; crise processual; crise institucional; crise Hu-manitária; entre outros.

3 “A palavra crise traduz um conceito nominativo que se abre a uma pluralidade de conteúdos identificados por critérios diferenciados, e correspondentes a perspectivas impossíveis de aproximar.” (Moreira, 2010, p. 19).

Tabela 1: Definições de crise segundo autores

Glenn Snyder e Paul Diesing

Comandante Virgílio Carvalho

Uma crise internacional é uma sequência de interacções entre go-vernos de dois ou mais Estados soberanos em conflito severo, sem chegar ao Estado de guerra, mas envolvendo a percepção de um elevado risco de guerraÉ um choque de vontades entre Estados, decorrente de choque de interesses, sem recurso directo à força militar, porém sob a ameaça dela

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Analisemos então, mostrando as semelhanças e diferenças, as várias definições de crise apresentadas, conforme Tabela 2.

OTAN

General André Beaufre

General Loureiro dos Santos).

General Valença Pinto).

General Martins Barrento

Adriano Moreira

É uma controvérsia entre dois governos, sobre um assunto consi-derado fundamental, para a prossecução dos interesses nacionais de uma ou ambas as partesÉ um estado de tensão, ao longo do qual existe o risco máximo de uma escalada ao conflito armado, mas durante o qual se procura impedir o adversário de alcançar certas vantagens políticas ou militaresQuando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional com alta probabi-lidade do emprego da força (no sentido de haver perigo de guerra), encontramo-nos perante uma crise internacionalÉ uma sequência de interacções entre governos de dois ou mais actores do sistema político internacional, em conflito intenso (agu-dizar do conflito), perto da eminência de guerra quente ou conflito armado, porém com a percepção do perigo que representa uma elevada probabilidade de guerraO espaço (tempo) da crise é portanto aquele que vai do fluir normal das relações, que caracteriza a paz, até à guerra (que nos indica ter falhado a gestão da crise), ou até ao desanuviamento que faça regredir a tensão e conduza novamente ao fluir normal das relações. A crise é portanto o intervalo entre a paz e guerra, ou o que vai da paz à ameaça de guerra e o retorno à paz Do ponto de vista social, e sobretudo de política interna ou inter-nacional, o conceito mais abstracto é o que identifica a crise como o ponto crucial de um processo que marca a eventual passagem da paz para a guerra ou da guerra para a paz, do diálogo para o combate, da vida para a morte

Tabela 2: Análise das semelhanças e diferenças das definições de crise.

Autores

Glenn Snyder e Paul Diesing

Comandante Virgílio

Carvalho

Ponto 1

É uma sequên-cia de interacções ent re governos de dois ou mais Estados soberanosÉ um choque de vontades entre Es-tados

Ponto 2

Em conflito severo

Decorrente de cho-que de interesses

Ponto 3

Sem chegar ao Estado de guerra

Sem recurso direc-to à força militar

Ponto 4

Mas envolvendo a percepção de um elevado risco de guerra

Porém sob a amea--ça dela

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Ponto 1 Não há diferenças. Todas as definições consideram a crise um diferendo entre Actores, com primazia para o actor Estatal, porém a definição apresentada pelo General Martins Barrento classifica a crise quanto à sua «posição» no eixos da paz e da guerra, o que remete a crise para uma situação híbrida, isto é, para uma situação simultaneamente de não-guerra e não-paz, o que nos dá a percepção de que o General Martins Barrento não considera a crise como uma situação de guerra (entenda-se guerra-fria 4).

Autores

Conceito adop-tado na oTAN

General André Beaufre

General Loureiro dos

Santos

General Valen-ça Pinto

General martins BarrentoAdriano moreira

Ponto 1

É uma cont ro-vérsia entre dois governos

É um estado de tensão

Ponto 2Sobe um assunto considerado fun-damental, para a prossecução dos interesses nacio-nais de uma ou ambas as partes

Mas durante o qual se procura impedir o adversário de alcançar cer tas vantagens polí-ticas ou militares

Ponto 3 Ponto 4

Ao longo do qual existe o risco má-ximo de uma es-calada ao conflito armado

Mas durante o qual se procura impedir o adversário de alcançar certas van-tagens políticas ou militares

Quando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional

Com alta probabilidade do emprego da força (no sentido de haver perigo de guerra)

É uma sequência de interacções entre governos de dois ou mais actores do sistema político internacional

Em conflito inten-so (agudizar do conflito)

Perto da eminência de guerra quente ou conflito armado

Porém com a per-cepção do perigo que representa uma elevada probabili-dade de guerra

Intervalo entre a paz e guerra

Do ponto de vista social e sobretudo de política interna ou internacional

Que vai da paz à ameaça de guerra e o retorno à paz

Ponto crucial de um processo

Marca a eventual passagem da paz para a guerra ou da guerra para a paz, do diálogo para o combate, da vida para a morte

“A guerra fria inclui a gama de acções em que a coacção reveste as formas de acção económicas, psico-lógica, diplomática e política no interior do adversário” (Couto, 1988, p. 154).

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Ponto 2Com excepção do General Martins Barrento (pela mesma justificação do ponto anterior), não há diferenças, no entanto Adriano Moreira considera que há um determinado momento, que adjectiva de “crucial”, a partir do qual se entra em compromisso, capitulação ou em conflito armado (guerra quente 5), este “ponto crucial” é produto de um processo de negociação (bem sucedida ou não). Glenn Snyder e Paul Diesing, bem como o General Valença Pinto e, em certa parte, o General André Beaufre ao referir “impedir o adversário”, não consideram o conflito brando, o conflito de baixa intensidade 6, as dissensões, os litígios, os diferendos, as dissidências e até as divergências, que no nosso entender também podem despoletar uma situação de crise internacional, porém o recurso à luta armada, à guerra quente é inexistente ou quase inexistente, ou seja, a solução passa essencialmente por um compromisso/ acordo político e aqui, o objecto da Estratégia 7 não passará pela coacção militar. Se tivermos em conta as palavras do General Loureiro dos Santos, “perturbação no fluir normal das relações”, verificamos que abrangem tanto a alta como a baixa intensidade conflitual. Por último ficamos com a sensação de que o conceito adoptado pela OTAN tem uma certa «carga» jurídica e um cuidado muito grande em não referir palavras como “choque” ou “conflito” e, ao referir-se a “governos” (no ponto 1) e a “interesses nacionais” (neste ponto 2), considera apenas o actor Estado o protagonista de uma crise internacional.

Ponto 3Com excepção do General Martins Barrento (também pela mesma justificação do ponto 1), não há diferenças, no entanto o conceito adoptado pela OTAN é omisso relativamente à probabilidade de emprego da força armada, deixando--nos a sensação de que essa omissão é «juridicamente» propositada 8. O General

5 “Os conflitos em que a acção militar passa a ter um carácter efectivo constituem, genericamente, a guerra quente” (Couto, 1988, p. 154).

6 De acordo com o fM 100-20 (Manual de Campanha), do Exército norte-americano, o conceito de Conflito é um estado de empenhamento das forças militares de uma nação, que se situa, no eixo da hostilidade, entre a Paz Absoluta e a Guerra Absoluta, sendo denominado Conflito Armado, no caso de se estar próximo da guerra e de Conflito Brando, no caso de estar mais próximo da paz – Ver uNITED STATES ArmY, fM 100-20 / AfP 3-20, Military Operations in Low Intensity Conflict, Chapter 1, fundamentals of Low Intensity Conflict, Definition, in http://www.enlisted.info/field-manuals/fm-100-20-military-operations-in--low-intensity-conflict.shtml, consultado em 10 Julho, 2011; 23:41.

7 O objecto da Estratégia é a Coacção – Cfr. Couto, 1988, pp. 199 – 203.8 Isto porque o Artigo 1 do Tratado do Atlântico Norte refere que “As partes comprometem-se, de acordo

com o estabelecido na Carta das Nações Unidas, a regular por meios pacíficos todas as divergências internacionais em que se possam encontrar envolvidas, por forma a não fazer perigar a paz e a seguran-ça internacionais, assim como a justiça, e a não recorrer, nas relações internacionais, a ameaças ou ao emprego da força de qualquer forma incompatíveis com o fim das Nações Unidas.” (OTAN, 2001, p. 571).

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Loureiro dos Santos refere a “alta probabilidade do emprego da força”, que mais uma vez revela abrangência, pois é uma característica transversal em quase todo o processo de desenvolvimento de uma crise internacional e que assume maior probabilidade se esta se agudizar. Por último, verificamos que as palavras de Adriano Moreira aproximam-se muito das palavras do General Martins Barrento, excluindo a guerra-fria do processo.

Ponto 4Este ponto, e em relação ao ponto anterior, não apresenta diferenças signifi-cativas. O conceito adoptado pela OTAN permanece omisso na referência ao uso da força. As definições apresentadas pelo General Martins Barrento e por Adriano Moreira excluem a guerra-fria do processo. As palavras do General Loureiro dos Santos continuam a ser abrangentes na medida em que contempla, implicitamente, uma eventual ascensão aos extremos, no sentido de se entrar em guerra quente, situação que, uma vez atingida, já não se configura no processo do desenvolvimento de uma crise internacional 9. As principais dificuldades que podemos encontrar na sua conceptualização são:• A palavra ser aplicada nas mais variadas actividades (voltamos a repetir);• Estar relacionada com outro ou outros Actores;• Haver em jogo interesses, cujo valor pode ter diferentes interpretações de

Actor para Actor;• Por estar intimamente relacionado com a política e até com quem a dirige

– os seus responsáveis;• Por que faz parte das Relações Internacionais;• Porque o objecto da estratégia está presente ao longo de todo o processo;• Por estar relacionada com a conflitualidade;• Por se «brandir» o uso da força armada durante quase todo o processo 10.

Mas, tendo em conta as várias definições de crise apresentadas, podemos veri-ficar que a referência à guerra é comum a todas elas (excepção para o conceito adoptado pela OTAN) 11 e, tendo presente a definição de guerra 12, bem como

9 Pese embora, tenha sido originada por um processo de desenvolvimento de uma crise internacional, neste caso mal gerida, como teremos oportunidade de clarificar um pouco mais à frente.

10 “(…) nas crises há um diálogo entre os protagonistas que está intimamente relacionado com o argumento da força.” (Barrento, 2010, p. 268).

11 O ambiente das várias definições, parecendo semelhante, não o é.12 Tomamos como referência a definição apresentada pelo Tenente – General Abel Cabral Couto – “Acto

de violência organizada entre grupos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares” (Couto, 1988, p. 148).

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o espectro da guerra 13, de uma forma genérica, é fácil de entender que a Cri-se internacional é uma situação de guerra (entenda-se guerra fria) 14, que no essencial corresponde a “uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional”, a “uma sequência de interacções entre governos de dois ou mais estados soberanos”, a “um choque de vonta-des entre estados”, a “uma controvérsia entre dois governos”, a “um estado de tensão”, a “ponto crucial de um processo” – ou seja, a uma condição que no essencial corresponda à ruptura do equilíbrio existente entre dois ou mais Actores (com primazia no actor Estatal).Guerra fria porque existe a “percepção de um elevado risco de guerra”, “existe o risco máximo de uma escalada ao conflito armado”, “alta probabilidade do emprego da força (no sentido de haver perigo de guerra)”, por se estar “perto da eminência de guerra quente ou conflito armado”, porque se pode partir do “diálogo para o combate” para resolver a contenda – ou seja, se se ameaça com a utilização da força, com coação militar, então estamos perante uma situação de guerra – a definição projectada pelo General Loureiro dos Santos, no nosso modesto parecer, é a mais abrangente e será aquela que, para efeitos académicos, adoptaremos: “Quando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional com alta probabilidade do emprego da força (no sentido de haver perigo de guerra), encontramo-nos perante uma crise internacional” (Santos, 1983, p. 101).

Como já referimos, o conceito é muito abrangente, na medida em que podemos, de uma forma explícita, verificar a existência de dois elementos fundamentais caracterizadores deste fenómeno – a ameaça do emprego da força com alta pro-babilidade de concretização, ou seja “em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial” 15 e a ruptura do equilíbrio existente entre Actores. De uma forma implícita podemos verificar a existência de uma sequência de interacções, produto da “perturbação no fluir normal das relações”.É esta sequência de interacções que torna o fenómeno da crise um processo de natureza fortemente dinâmico, materializado por acções e reacções, as quais são determinadas e determinantes de um processo negocial que tem de ser conduzido com oportunidade (Pinto, 1987) – ver figura 1.

13 Cfr. Couto, 1988, p. 152 e Cfr. Santos, 1982, p. 185.14 “(…) a passagem de uma situação de guerra-fria para a realidade de um emprego efectivo da violência

militar traduz a culminação de um estágio final de agudização do conflito, conhecido por crise; (…) a crise é, tecnicamente, guerra, quando esta é encarada do ponto de vista dos níveis de coacção empre-gues.” (Dias, 2010, p. 162). “A crise internacional corresponde a uma situação de guerra fria de tal forma agudizada que pode degenerar numa guerra quente” (Couto, 1988, p. 154).

15 Relembrando a definição de guerra apresentada pelo General Abel Cabral Couto.

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Assim, e com base na negociação, o fenómeno da crise progride sempre len-tamente, no entanto, com o aumento da tensão pode ascender a extremos, daí se afirmar que o processo deve ser conduzido com oportunidade, isto é, cada uma das partes tenta obter vantagens (manobrando essencialmente no campo diplomático 16) para negociar em «posição de força» ou «privilegiada». Todavia, e dado o profundo choque de interesses, ambas as partes têm a percepção que existe um elevado grau de probabilidade de confrontação violenta e armada (no sentido de recorrerem à guerra quente) para resolver o diferendo – portanto, negoceia-se e desenvolve-se esforços de forma a evitá-la 17. De acordo com o General Loureiro dos Santos, esta sequência de interacções pode surgir na continuidade de uma lenta evolução de uma situação que incluía em si uma contradição, ou seja, um profundo choque de interesses, que entre-tanto foi amadurecendo, mas que também pode dar-se bruscamente, a partir de uma acção concreta de um dos intervenientes que para o outro é inaceitável ou mesmo intolerável 18 (Santos, 1983).

Figura 1: Crise - processo dinâmico.Fonte: Adaptado de (Pinto, 1987, p. 2)

16 “Os meios utilizados nas crises são de ordem política (…) Estes meios vão da denúncia à internacio-nalização do problema, da suspensão de relações comerciais ao bloqueio, da demonstração da força ao seu uso contido.” (Barrento, 2010, p. 268). Por seu lado, o General Loureiro dos Santos refere que “no decorrer de uma crise os contendores utilizam toda a gama de instrumentos de força à sua disposição, políticos, económicos, psicológicos e militares, sendo a única restrição o emprego activo de meios mi-litares, num grau que seja considerado, pelo menos por uma das partes, como uma acção de guerra.” (Santos, 1983, p. 107).

17 “(…) porque caso não se consiga gerir as crises a guerra poderá vir a ser ainda mais catastrófica.” (Barrento, 2010, p. 265).

18 Aqui, a crise torna-se mais grave e, “(..) ela será tanto mais grave quanto maior for o poder dos protago-nistas e quanto mais perto se chegar do nível de tensão de emprego da força.” (Barrento, 2010, p. 265).

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Na sua definição, que embora dê o primado das relações internacionais ao actor Estatal, nela também podemos contemplar o actor não relacionado com o Esta-do, logo é flexível suficiente para ter em conta os interesses e objectivos que são próprios da estratégia, bem como os comportamentos de outros Actores do Sistema Político Internacional, nomeadamente aqueles que são designados por quasi-estados, movimentos com aspirações nacionais, organizações relacionadas com segurança, com a economia ou grupos económicos, não governamentais, entre outros 19 – o conceito expresso pressupõe assim um processo político que se desenrola em ambiente antagónico que pode evoluir até à eminência de guerra quente.

2.2 ConCeito de Crise interna

Tendo em conta o conceito adoptado de Crise Internacional e o significado que este assume no seio das Relações Internacionais, é legítimo extrapolar a mesma analogia à vida interna de um país, onde o termo “Crise” é muitas das vezes usado para descrever períodos que atravessam maiores dificuldades – uma vez mais socorremo-nos das reflexões do General Loureiro dos Santos, que diz que uma Crise Interna, e à semelhança de uma Crise Internacional, “São períodos de menor ou maior dificuldade na vida interna de um país, acompanhada da possibilidade de emprego da força para ultrapassar essa dificuldade” (Santos, 1983, p. 136).A definição apresentada refere-se a uma rotura dos acontecimentos, próprios da vida política interna de um país, logo está conotada com crise política in-terna, ou seja, a crise interna é uma crise política, uma crise política interna onde, à semelhança da crise internacional, também existe alta probabilidade de emprego da força para a resolver, prevalecendo um ambiente de incerteza e imprevisibilidade.A definição deixa também, de uma forma implícita, que numa crise interna, a conflitualidade é estabelecida entre poderes não soberanos (ao contrário da Crise Internacional) ou destes pelo poder soberano instituído – se se pretende alterar as regras do jogo político e/ou a base de legitimidade do poder político, estamos perante uma crise de regime. Se se pretende alterar o grupo que detém o poder e não as regras básicas do uso do poder, estamos perante uma crise de governo (Santos, 1983, p. 141).

19 “normalmente os protagonistas das crises são os estados, mas por vezes sucedem crises com entidades não territoriais, como sucedeu entre o Egipto e a ONU, em 1967, com a exigência de retirada da UNEF. (…) A ausência de força internacional em 1967, no Egipto, determinou a imediata cedência por parte da ONU; nos Balcãs, em 1995, a ONU foi buscar a força a quem a tinha – à NATO.” (Barrento, 2010, p. 268).

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3. o AmBIENTE DAS CrISES

Segundo Santos (1983,p. 102) “durante todo o processo da crise verifica-se uma incerteza por parte dos actores relativamente aos previsíveis compor-tamentos, originada: 1) pelo desconhecimento das verdadeiras intenções; 2) pela sua camuflagem através do «bluff»; 3) pelas deficiências de comuni-cações (normais e acidentais) que incluem um certo grau de probabilidade de erros nas sucessivas decisões. Tudo isto aumenta a tensão e justifica os perigos de guerra.”

Por outro lado, refere ainda o General Loureiro dos Santos que, “durante a crise, o tempo é sempre um importante factor. normalmente as acções exigem respostas rápidas” (Santos, 1983, p. 102), isto porque no seu entendimento, a demora na resposta ou a ausência desta provoca no adversário efeitos (nor-malmente imprevisíveis) que poderão conduzir a uma escalada incontrolável. Da análise do conceito e da caracterização supra-citada, podemos discernir que o processo de desenvolvimento de uma crise internacional desenrola-se num ambiente vincado pela incerteza e imprevisibilidade, onde sob tensão, se desenrolam simultaneamente negociações, algumas delas com carácter urgente no tempo de resposta. Torna-se também claro que, decorrente do processo de negociação e dos interesses em jogo, bem como de um possível «mal-entendido», existe um medo de uma escalada, sobretudo se estivermos em presença do facto nuclear 20 – ver figura 2.

Figura 2: Ambiente das Crises. Fonte: Adaptado de (Pinto, 1987, p. 4).

20 “São de três ordens os perigos de guerra que uma crise envolve: 1) os perigos que surgem do próprio processo de discussão e gerador de uma dinâmica de escalada; 2) os perigos intrínsecos à natureza dos interesses em jogo; 3) e os perigos decorrentes de possíveis defeitos e deficiências no processo de infor-mação (colheita de dados) e tomada de decisões dos intervenientes.” (Santos, 1983, p. 102).

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São os traços de imprevisibilidade e de incerteza, durante todo o processo, que conferem um carácter dinâmico ao desenvolvimento de uma crise internacional. Quanto à urgência, esta não significa propriamente limitações temporais, até porque há situações de crise que duram há décadas 21, mas sim, e com o evoluir da escalada e a proximidade da guerra quente, exige-se negociação permanente e urgente, principalmente no tempo de resposta e deste modo, poder-se afastar o perigo de guerra quente.

4. moDELo DE DESENVoLVImENTo DE umA CrISE INTErNACIoNAL

Como já pudemos apurar, o fenómeno da crise tem sido objecto de vários es-tudiosos das várias áreas do saber (Ciência Política, Relações Internacionais, Estratégia, História, Direito, Sociologia, entre outras).O desenvolvimento de uma crise internacional pode ser retractado através do seguinte quadro-gráfico:

Gráfico 1: figura da crise.Fonte: Adaptado de (Santos, 1983, p. 104).

21 O caso da disputa da região de Caxemira por parte da Índia e do Paquistão, que já dura desde a fundação das duas Nações, em 1947.

Ao analisar este gráfico, temos de ter presente que “a causa imediata de uma crise é a tentativa de um Actor coagir outro pela ameaça, explícita ou implícita, da força – o desafio” (Santos, 1983, p. 103). Se este outro resistir

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à ameaça, então o fenómeno da crise pode evoluir para a confrontação, onde “a finalidade da actuação de qualquer das partes é persuadir a contrária a recuar face à ameaça de guerra” (Santos, 1983, p. 105). Por último, “há três possíveis resultados da crise: a guerra [leia-se guerra quente], a capitulação de uma das partes ou o compromisso” (Santos, 1983, p. 105) – ou seja, de uma forma macroscópica, podemos discernir que a crise divide-se em três fases: o desafio, a confrontação e a solução (resolução ou guerra).Resta apenas referir que qualquer que seja o resultado da crise, este já não faz parte do processo de desenvolvimento da mesma, isto é, a crise termina quando se encontra uma solução, seja ela qual for, considerando-se que uma crise é bem gerida sempre que se consiga uma solução satisfatória para ambas partes (ou todas, consoante o número de Actores envolvidos), sem que haja recurso à guerra quente, procurando-se assim, no «jogo» da Resolução entre a Capitulação e o Compromisso, situações de equilíbrio. No fundo procura-se “um equilíbrio que evite a guerra quente e que maximize os ganhos ou minimize as perdas” (Pinto, 1987, p. 8) – neste caso, as causas subjacentes ao conflito foram removidas ou, no mínimo, atenuadas, o que baixa a intensidade deste para níveis inferiores ao limiar da crise.Após esta breve introdução interpretativa do quadro-gráfico da crise, vamos então escalpelizar cada uma das suas «variáveis» e compreender o seu signi-ficado no desenvolvimento de uma crise internacional.

4.1 análise do Quadro-GráfiCo da Crise

Deve-se começar por ter a noção que existe um patamar da crise, acima do qual se vai da confrontação à guerra quente 22 e que, abaixo deste, situam-se as disputas, litígios, diferendos, dissensões, dissidências, divergências, desacordos, enfim, más relações, em que se recorre em maior ou menor grau a formas de pressão e de coacção – a este patamar dá-se-lhe o nome de limiar da crise.As crises não surgem por acaso, normalmente partem ou são resultado de um conflito de interesses já existente, pese embora conduzido de uma forma branda – (I) – Comportamento de conflito moderado. E quando se diz que não surgem por acaso é intencional, isto é, podem surgir “como resultado de uma intenção deliberada de a provocar a fim de atingir certos objectivos, mas também pode aparecer como atitude de oportunidade em que a possibilidade de atingir outros objectivos resulta de factos estranhos ao actor, como seja o enfraquecimento de outros actores e ainda se admite que se possa verificar

22 Podendo ir da guerra limitada à guerra absoluta, total ou ilimitada, dependendo do maior ou menor grau de violência, recursos e meios empregues.

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por contágio com situações de tensão e crise geradoras de um ambiente geral psicologicamente explosivo” (Santos, 1983, p. 103) – aqui, o conflito deixa de ser conduzido de uma forma branda para se agudizar, dando lugar a um profundo choque de interesses.Nesse agudizar do conflito, quando uma das partes (ou mais partes, consoante o número de Actores envolvidos) gera, age, produz ou toma uma acção, uma posição ou uma atitude, voluntária, e voltamos a repeti-lo, voluntária, que para o(s) outro(s) é intolerável, tudo se precipita para um ambiente fortemente antagónico, criando-se um clima que se designa por catalisador geral – “é a percepção, por parte de um actor, do desenvolvimento de uma situação para si intolerável como resultado da acção de outro ou outros actores” (Santos, 1983, p. 103), ou nas palavras do General Martins Barrento, uma “acção de carácter político, económico, ou militar – a relação entre eles passou o limite da tensão aceitável (…)” (Barrento, 2010, p. 266) – na prática, o catalisador geral corresponde a uma situação que se configura como um obstáculo à concretização dos objectivos de um determinado Actor e é entendido por este como uma ameaça à sua segurança (interna e externa), inclusivamente, “razões ligadas com a viabilidade económica, ou afrontas à dignidade e prestígio de actor podem estar na origem de tal intolerabilidade” (Santos, 1983, p. 103).Ao catalisador geral, segue-se normalmente “um acto individualizado que funciona como provocação e dá muitas vezes pretexto para o desafio” (Santos, 1983, p. 103) – o catalisador específico – materializado num acto, numa acção ou num acontecimento que desperta a hostilidade adversa imediata e que, cor-responde ao exacerbar de vontades, à «última gota» que faz transbordar todo um «recipiente» de tolerância dando lugar ao desafio. Note-se no entanto que, o catalisador específico pode ser acidental, mas o catalisador geral nunca o é. É neste sentido que se pode afirmar que as crises não surgem por acaso, ou seja, não há crises acidentais. fazemos notar também que, se o catalisador geral se configurar numa situação ou num cenário de tal forma intolerável para um dos Actores, o desafio pode ter lugar sem que se materialize um catalisador específico.O desafio, como vimos, é motivado pelo catalisador (geral ou específico) e que materializa a tentativa de um Actor coagir outro, de ameaçar explicitamente o outro (o provocador inicial), “é um acto concreto de imposição de um dos actores sobre o outro” (Barrento, 2010, p. 266). É uma acção que se reveste de carácter de essencialidade e que normalmente se configura num ultimato, no entanto não significa agressão, corresponde sim à ideia de não-aceitação.Para melhor compreender esta dinâmica, vejamos então, os seguintes exemplos e como é que se materializam todas estas «variáveis»:Exemplo 1 – Vésperas da 1.ª Guerra mundial (Julho de 1914)Catalisador Geral: a acção revolucionária sérvia contra o Império Austro-húngaro;

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Catalisador Específico: o assassinato do Arquiduque fernando da áustria, em 28 de Junho de 1914, em Sarajevo, por um revolucionário sérvio;Desafio: o ultimato da áustria à Sérvia.

Exemplo 2 – Crise do mísseis de Cuba (outubro de 1962)Catalisador Geral: o desencadear por parte da URSS da Operação Anadia 23, com a descoberta, em 28 de Agosto, de instalações de mísseis anti-aéreos (SAM) em Cuba, capazes de abater aeronaves a grande altitude, indicando que estariam a proteger algo mais valioso;Catalisador Específico: em 14 de Outubro, uma aeronave de reconhecimento Norte-americana U2 fotografa a instalação de mísseis SS-4, capazes de atingir Washington DC, Baltimore, Nebrasca 24 e todo o Sudeste dos EUA;Desafio: em 22 de Outubro, o presidente Norte-americano, John fitzgerald Kennedy, dirige-se à nação denunciando a situação, exigindo à URSS que retire os mísseis de Cuba e lança o desafio que se algum míssil for disparado contra os EUA, estes retaliariam contra a URSS na mesma medida.

Exemplo 3 – 1.ª Guerra do Golfo (Janeiro de 1991)Catalisador Geral: Saddam Hussein anuncia publicamente que o Kuwait deveria ser parte integrante do Iraque e, fazendo movimentar enormes contingentes militares em direcção à fronteira, demonstra a sua intenção de anexar o Kuwait;Catalisador Específico: a 02 de Agosto de 1990, as tropas de Saddam invadem o Kuwait e ocupam o emirado apossando-se dos seus campos petrolíferos e edifícios públicos;Desafio: a 03 de Agosto de 1990, o Conselho de Segurança das Nações Unidas ordena ao Iraque que retire do Kuwait e emite uma resolução que autoriza o uso da força contra o Iraque caso este não retire do Kuwait até 15 de Janeiro de 1991.Lançado o Desafio, a parte desafiada resiste ou não – se aceita, a crise termina capitulando, se não aceita, resiste – portanto a resistência consiste em responder ao desafio e esta “pode ser imediata e brutal mas também pode ser matizada e difusa” (Santos, 1983, p. 105). A parte desafiada, não aceitando, tomará acções de carácter dissuasor recorrendo às mais variadas formas de coacção para per-

23 Operação desencadeada em Julho de 1962 e que consistia, em quatro meses, colocar 16 mísseis balísti-cos de alcance intermédio SS-4 (3200 km alcance), protegidos por uma série de Baterias SAM e 44 mil homens em Cuba. Para o efeito a URSS utilizou navios mercantes para desviar a atenção dos Estados Unidos da América (EUA).

24 Em Baltimore, no Estado de Maryland situam-se importantes bases navais da Marinha dos EUA e silos de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM). No Estado do Nebrasca situa-se o Comando Estratégico dos EUA.

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suadir quem desafia, em último ratio, ameaça combater se o desafio se manter – se o desafiador for persuadido, então a crise termina com uma capitulação, se o desafiador não se convencer, inicia-se uma radicalização do comportamento de conflito – aqui o conflito agudiza-se podendo mesmo ultrapassar o Limiar da Crise, as formas de coacção intensificam-se 25 e a ameaça do uso da força sob de tom 26, ou seja, dá lugar a um conjunto de paradas e respostas que pode culminar numa confrontação.A confrontação é o coração da crise, o auge da crise, onde os Actores adoptam medidas características de uma situação de guerra quente, porém ainda não estão em guerra quente. Mas, dada a proximidade desta ou na eminência desta, é durante esta fase que são accionados todos os mecanismos, instrumentos e órgãos de gestão de crises e onde são empenhados todos os recursos, o que pressupõe uma centralização ao mais alto nível (ao nível da Estratégia Total). É nesta fase que a imprevisibilidade e a incerteza quanto ao comportamento do adversário aumentam, elevando a tensão do ambiente e o medo de uma acção menos reflectida ou acidental, inclusivamente de erro de cálculo, dar origem a uma guerra quente 27.Embora estejam próximos da guerra quente, durante a confrontação, os Actores envolvidos não deixam de enveredar esforços para a evitar 28 e, ocorrem situa-ções de maior ou menor tensão, de intensidade variável, a que se dá o nome de «picos» de maior tensão e «picos» de menor tensão 29 – é em cada um deles que reside a urgência e o empenho em afastar o perigo de guerra quente 30. O período em que ocorre a confrontação pode ser mais ou menos prolongado no tempo, isto é, “pode manter-se por um período de tempo curto ou longo (de dias a meses, por vezes, anos) [O caso da disputa da região de Caxemira por parte da Índia e do Paquistão, voltamos a referir] (…) durante os quais se destacam as tácticas coercivas de ambos os lados, como ameaças, alertas, desenvolvimentos militares, outros sinais indicadores de firmeza, e acentuada pressão psicológica” (Santos, 1983, p. 105) – a crise termina quando da confrontação partimos para

25 Procedem-se a bloqueios e sanções económicas, rompem-se relações diplomáticas, apela-se a uma união nacional para a causa, entre outros exemplos.

26 Procede-se a mobilizações, convocação de reservistas, movimenta-se e projecta-se forças militares para determinados locais, aumentam-se estados de alerta e prontidão, entre outros exemplos.

27 “(…) na crise, não conhecemos com exactidão as reacções do antagonista, podendo a qualquer momento ser necessário dar um «passo em frente» ou recuar” (Barrento, 2010, p.270).

28 “(…) a arte de as gerir [as crises] consiste em fazer a «demonstração» dos inconvenientes da guerra por forma a que estas evoluam para uma solução pacífica do diferendo” (Barrento, 2010, p. 269).

29 Ver a linha quebrada da confrontação no quadro-gráfico da crise – os pontos a vermelho e os pontos a amarelo, respectivamente «picos» de maior tensão e «picos» de menor tensão. O General Loureiro dos Santos chama-lhes “os picos da crise” (Santos, 1983, p. 105).

30 Pois “a finalidade da actuação de qualquer das partes é persuadir a contrária a recuar face à ameaça da guerra” (Santos, 1983, p. 105).

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uma resolução ou para uma guerra quente, ou seja, a crise termina quando é encontrada uma Solução, seja ela qual for e, qualquer que seja o resultado de uma solução, pela guerra quente ou por uma resolução, este já não faz parte do processo de desenvolvimento de uma crise internacional.Já aqui tivemos oportunidade de referir que, considera-se uma crise bem gerida quando se consegue encontrar uma solução para todas as partes envolvidas sem que haja recurso à guerra quente 31. Aliás pode-se inclusivamente inferir que a crise é gerida com sucesso quando as causas subjacentes ao conflito foram removidas ou no mínimo atenuadas – (II) – Conflito de interesses a um nível diferente de (I) 32 – e é aqui que reside a questão central da gestão das crises, que procura encontrar um equilíbrio entre a coacção e a acomodação, entre uma capitulação ou um compromisso – a este jogo da coação e da acomodação dá-se o nome de resolução, “durante a qual são negociados os detalhes do acordo, tornando as atitudes de acomodação preponderantes sobre as acções coercivas” (Santos, 1983, p. 106), e que levanta os seguintes dilemas:• Exerço a coacção com o objectivo de fazer prevalecer o nosso ponto de vista

e salvaguardar os nossos interesses, mas tenho como condicionante evitar a guerra quente;

• Acomodo-me com o objectivo de estabelecer um acordo, um compromisso, mas tenho como condicionante minimizar eventuais perdas relativamente aos meus interesses;

• Capitulo e sujeito-me ao que me for imposto.

Perante estes dilemas, e procurando uma resolução, as partes têm de ter a perfeita noção dos poderes em confronto e a negociação é sempre conduzida debaixo de uma forte pressão psicológica – a ameaça do uso da força está sempre pre-sente, mas o medo de uma escalada e perigo de guerra é enorme 33. Mas para que a crise seja gerida com sucesso, um dos aspectos mais importante a ter presente é nunca pôr o adversário numa situação em que ele não tenha saídas, não o «encostar à parede», nem nunca lhe fechar a «porta» da negociação, e sobretudo não o humilhar 34 – o difícil neste jogo da coação e da acomodação reside em saber quando devo recuar e não quando devo avançar.

31 “A guerra significa a passagem das partes a um diverso tipo de interacção” (Santos, 1983, p. 105).32 “O compromisso e a capitulação reconduzem a linha dos conflitos abaixo do limiar da crise, a um nível

normalmente superior ao nível anterior à crise, embora em alguns casos possa ser inferior (em especial quando termina com o compromisso)” (Santos, 1983, p. 106).

33 “(…) a gestão de crises é uma operação altamente sensível, podendo estar a decidir-se entre a paz e a guerra em cada opção particular que se faça” (Barrento, 2010, p. 268).

34 “no período terminal da crise dos mísseis de Cuba o Presidente Kennedy demonstrou ter viva compreensão desta necessidade e, em coerência com isso, empenhou-se, com sucesso, para que a comunicação social norte-americana reagisse e se manifestasse com apreciável moderação” (Pinto, 1987, p. 9).

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Á semelhança do que fizemos anteriormente, vejamos então, com os mesmos exemplos, como é que se materializam estas «variáveis»:Exemplo 1 – Vésperas da 1.ª Guerra mundial (Julho de 1914)Resistência: a Sérvia não aceita todos os termos do ultimato;Radicalização: o Império Austro-húngaro corta relações diplomáticas com a Sérvia. A Rússia apoia a Sérvia e promove mobilização de tropas;Confrontação: a Alemanha apoiando o Império Austro-húngaro ultima a Rússia exigindo a suspensão das mobilizações e ocupa o Luxemburgo;Solução: sucessão em cadeia de declarações de guerra – a áustria declara guerra à Sérvia, a Alemanha declara guerra à Rússia, Bélgica e frança e a Grã--Bretanha declara guerra à Alemanha – portanto a solução foi a guerra quente (que é a pior das soluções).

Exemplo 2 – Crise do mísseis de Cuba (outubro de 1962)Resistência: a URSS, por intermédio do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrei Gromiko, nega categoricamente que esteja a instalar mísseis balísticos ou qualquer outra arma ofensiva em Cuba;Radicalização: os EUA implementam um bloqueio naval a Cuba e as suas for-ças Armadas são postas em DEfCON 3 35. Através de um plano operacional, OPLAN 316, mobilizam 20 mil fuzileiros Navais, 15 mil Aerotransportados, 55 mil Soldados do Exército, 1000 aeronaves e 180 navios. Igualmente intensificam os voos de reconhecimento sobre a ilha de Cuba. familiares de militares e civis são evacuados de Guantanamo e são enviados mais fuzileiros para reforçar o contingente da base;Confrontação: dois navios mercantes soviéticos tentam furar o bloqueio e os submarinos russos recebem ordem para ripostar em caso de agressão. As forças Armadas dos EUA entram em DEfCON 2 aumentando o estado de prontidão e fazem descolar bombardeiros estratégicos armados com armas nucleares. Uma aeronave de reconhecimento norte-americana é abatida sobre Cuba matando o seu piloto. Em plenário de Conselho de Segurança das Nações Unidas, o em-baixador norte-americano apresenta fotografias aéreas das instalações de mísseis balísticos em Cuba, tornando o caso inegável por parte da URSS;Solução: A URSS manda regressar os navios mercantes e procede ao desman-telamento dos mísseis. Os EUA levantam o bloqueio naval, comprometem-se em não atacar Cuba e secretamente Kennedy negoceia com Nikita Krutchev a retirada de mísseis balísticos norte-americanos de território turco – portanto a solução passou por um compromisso, sem que nenhum dos contendores tenha sido seriamente «beliscado» (a crise foi gerida com sucesso).

35 Grau de prontidão (alerta) das forças Armadas que vai de DEfCON 5 (o mais baixo grau de prontidão) a DEfCON 1 (o mais elevado).

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Exemplo 3 – 1.ª Guerra do Golfo (Janeiro de 1991)Resistência: Saddam Hussein anuncia a anexação do Kuwait e que este é parte integrante do território do Iraque;Radicalização: Saddam exorta à união do mundo árabe contra o Ocidente e anuncia aos aliados que caso o defrontassem, enfrentaria a “Mãe de todas as Batalhas”. A 06 de Agosto de 1990 é imposto um embargo mundial a todo o comércio com Bagdade. Envio de tropas para Riade;Confrontação: combates esporádicos na fronteira (Arábia Saudita/Kuwait) en-volvendo unidades de reconhecimento. Infiltração de equipas SAS (Special Air Service) com missões de reconhecimento. Tentativa por parte de Saddam de atrair Israel para o conflito;Solução: na madrugada de 17 de Janeiro de 1991, dá-se o início da campanha aérea contra os principais centros nevrálgicos iraquianos (bases aéreas, defesas anti-aéreas, centros de comando, controlo, comunicações e informações). Pelas 12H00, intensificam-se os combates fronteiriços (Arábia Saudita/Kuwait) en-volvendo carros de combate. A 24 de fevereiro, as Divisões Blindadas Aliadas lançam-se em direcção ao Kuwait e ao Sul do Iraque – portanto a solução foi a guerra quente (que é a pior das soluções).

4.2 Variantes e aspeCtos partiCulares do Modelo de desenVolViMento de uMa Crise internaCional 36

O modelo de desenvolvimento que aqui apresentamos admite naturalmente variantes e particularidades.Duas das variantes mais interessantes são as que correspondem às seguintes circunstâncias:• A tensão sobe porque, com ou sem fundamento objectivo, uma das partes

começa a supor ou a recear que a outra vai atacar – neste caso não são ní-tidos (ou são difíceis de identificar) nem o catalisador, nem o desafio, nem a resistência – a Guerra dos Seis Dias (05 a 10 de Julho de 1967) poderá enquadrar-se nesta primeira variante;

• Uma das partes provoca a Crise com o propósito deliberado de chegar à situação de guerra – aqui a crise não chega a verdadeiramente a existir e tudo não passa de um pretexto – a Guerra Irão – Iraque (1980 – 1990), que despoletou com a crise do Shat-al-Arab, poderá enquadrar-se nesta segunda variante.

36 Cfr. Pinto, 1987, pp. 8-9.

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Como aspectos particulares podemos referir os seguintes exemplos:• A percepção da crise pode não ser simultânea para as várias partes – no caso

da crise dos mísseis de Cuba só existia crise para a URSS, pois esta sentia--se ameaçada pela presença dos mísseis Júpiter norte-americanos instalados na Turquia. Só mais tarde é que existiu crise para os EUA quando estes se aperceberam da presença dos SS-4 soviéticos em território cubano. Um outro exemplo que se pode apontar é a crise do Shat-al-Arab. Para o Irão não existia crise, pois o rio Shat-al-Arab, desde 1847, através do Tratado de Erzurum, materializava a fronteira entre o Irão e o Iraque (naquela Região Sul do Golfo Pérsico) e que havia sido ratificado em 1975 através do acordo de Argel. De igual modo se pode apontar como exemplo a 1.ª Guerra do Golfo. Para o Kuwait e até para a Comunidade Internacional não existia crise, mesmo quando Saddam Hussein reivindicava o pagamento de compensações financeiras ao Kuwait. Só passou a existir quando Saddam invadiu o Kuwait e anuncia que este é uma província iraquiana;

• Nem sempre o inicio da crise é identificável de forma fácil e nítida – a crise entre os EUA e o Japão em 1940 e 1941, antes do ataque japonês a Pearl Harbour, consistiu numa série acções e reacções de tal forma, que se torna difícil identificar individualmente o catalisador e o desafio 37. Para a resolver, o Japão simplesmente adoptou a modalidade de acção estratégica de aniquilação militar. Igualmente da mesma forma podemos percepcionar a guerra do Yom Kippur (06OUT1973 a 26OUT1973) 38;

• A percepção da crise pode não ser a mesma para ambas as partes, e isso pode corresponder, por exemplo, a uma situação de superioridade (logo de segurança) que uma das partes possa ter em relação à outra – em 1938, o medo e tensão eram claramente diferentes para Adolf Hitler do que para Neville Chamberlain ou Édouard Daladier 39;

37 “(…) we believe that for most if not all of 1941 Japanese-u.S. diplomacy was irrelevant. (…) it was a cliche´ of the time that the emperor of Japan was a puppet. (…) And the Japanese military particularly the Army was not interested in peace. (…) inevitably the diplomatic negotiations between Tokyo and Washington were long and frustrating” (Goldstein and Dillon, 2004, p. 113).

38 “For Sadat, the status quo of “no war - no peace” was intolerable (…) Sadat felt he had to do something (…) From the israeli perspective, “no war - no peace” was a favorable outcome (…)Sadat had decided to change the status quo by force.” (Buckwalter, s/d, p. 120).

39 “Having negotiated, the next year, a ten-year peace-pact with Poland to cover his eastern flank, in 1935 he threw off the armament limitations imposed by the Versailles Treaty, and in 1936 ventured the mili-tary reoccupation of the, Rhineland. That same year he definitely began camouflaged war by supporting General Franco’s bid to overthrow the Spanish Republican Government as an indirect approach, in conjunction with italy, against the strategic rear of France and Britain. (…) by the spring of 1939 Hitler had decreasing cause to fear an open fight. And at this critical moment he was helped by a false move on Britain’s part the guarantee suddenly offered to Poland and Rumania, each of them strategically iso-lated, without first securing any assurance from Russia, the only power which could give them effective support.” (Hart, 1941, pp. 229-331).

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• A percepção, no seio de uma aliança, da existência de uma crise entre aliados – é possível, embora muito improvável (pelo menos no sentido de haver alta probabilidade do emprego da força), “a existência de crises entre actores de cena internacional, qualquer que seja o quadrante do superjogo internacional em que se localizem as suas situações de relação, e não apenas no quadrante dos opositores” (Santos, 1983, p. 107) – o casos mais paradigmáticos que se pode apontar como exemplos, foi o processo que conduziu à intervenção da URSS na Checoslováquia em 1958 e o actual conflito entre a Grécia e a Turquia em torno da disputa por possessões no Mar Egeu (ilhas Egeias de Rodes e de Kastelorizo) e na ilha de Chipre. Igualmente podemos apontar um exemplo «muito nosso», a questão de olivença, o nome pelo qual é conhecido o diferendo entre Portugal e Espanha relativamente à soberania sobre Olivença 40;

• “A percepção de que a manobra da crise entre estados protectores pode incluir uma guerra entre estados clientes” (Santos, 1983, p. 107) – pode-se apontar como exemplos a Guerra da Coreia (25JUN1950 – 27JUL1953) e a Guerra do Vietname (intervenção norte-americana de 1965 a 1973).

“A Tentativa de identificar e compreender desvios análogos a estes, ou desvios de outros tipos, relativamente ao modelo-base deve constituir preocupação de quem tem que gerir uma crise e procurar encontrar uma saída [preferencial-mente que não seja a guerra quente]” (Pinto, 1987, p. 10).

4.3 Meios postos eM aCção durante o desenVolViMento de uMa Crise internaCional

Como já tivemos oportunidade de referir, a resposta a uma crise internacional é primado da estratégia total, e é da responsabilidade de quem a dirige. Os meios utilizados são essencialmente de ordem política, mas utilizam simulta-neamente e de uma forma combinada outros meios – económicos, psicológicos e militares – sendo este último restringido no seu emprego efectivo.Assim que o desafio é materializado, a parte desafiada resiste ou não. Se resiste, vai utilizar os mais variados meios ao seu dispor, normalmente de uma forma

40 A administração e soberania espanhola de Olivença e territórios adjacentes não são reconhecidas por Por-tugal, estando a fronteira por delimitar nessa zona. Em 1801, através do Tratado de Badajoz, entretanto denunciado em 1808 por Portugal, Olivença e os territórios contíguos foram anexados por Espanha. Em 1817, quando subscreveu o diploma resultante do Congresso de Viena (1815), a Espanha reconheceu a soberania portuguesa nesses territórios, comprometendo-se à devolução dos mesmos o mais depressa possível. No entanto, até à data, permanecem sob soberania espanhola.

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graduada e de acordo “com a intensidade correspondente à importância dos interesses em jogo” (Santos, 1983, p. 107):• Declarações formais dos mais altos dirigentes políticos;• Manipulação de opinião pública (nacional e internacional);• Utilização de figuras de «proa» (nacionais e internacionais);• Uso de grupos de pressão (normalmente de forma indirecta e/ou discreta);• Uso exaustivo dos canais diplomáticos, quer para ganhar ou garantir apoios,

quer para isolar o ou os adversários, ou ainda para fazer ameaças;• Acções de propaganda e contra-propaganda no seio da opinião publica do

adversário;• Acções de âmbito económico, que poderão ir do simples boicote comercial

a bloqueios;• Exibindo e «brandindo» o uso de meios militares.

4.4 os Meios Militares durante o desenVolViMento de uMa Crise inter-naCional

“As forças militares são apenas o pano de fundo com que se ameaça a passa-gem à situação de guerra” (Santos, 1983, p.109) e, “a direcção militar apoia a direcção política, accionando as decisões que tenham sido tomadas” (Barrento, 2010, p.270), sempre num contexto de Estratégia Total.As forças militares, através dos seus meios, preparação e até de doutrina, pode disponibilizar a quem gere a crise um vasto espectro de operações das quais se destacam as seguintes:• Incremento de estados de alerta e de prontidão das forças;• Cancelamento de licenças;• Mobilização de reservistas;• Acções de esclarecimento;• Execução de exercícios;• Movimentações e ocupação de determinados pontos considerados importantes;• Demonstração de força (não só através de exercícios, mas também com

grandes paradas militares);• Deslocamento, projecção e concentração de forças para um determinado local

(junto às fronteiras, para outro país, etc.);• Aplicação localizada da força, com acções operacionais de carácter limitado

e pontual (reconhecimentos, infiltração de elementos de operações especiais, evacuação de não combatentes, libertação de reféns, entre outras).

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Ou seja, as forças militares possibilitam uma série de opções, de intensidade variável, a quem tem que decidir. Mas a gestão das crises é uma operação altamente sensível, e cada opção que se faça, ou cada decisão que se tome, pode estar a decidir-se entre a solução pacífica ou a solução pela guerra, logo qualquer que seja a acção militar deci-dida, esta tem de estar muito bem coordenada com a acção política, “é indis-pensável uma grande intimidade entre a direcção política e a direcção militar” (Barrento, 2010, p. 269), mais, a direcção militar tem de estar permanentemente informada e ao corrente da mais pequena evolução da gestão da crise, não só para evitar algum erro de cálculo ou de interpretação, mas também para estar apta a reagir aos sinais do adversário – “numa crise, esta íntima ligação deve ser assegurada a todo o custo, já que são estreitas as margens a admitir quanto a desvios, porquanto o perigo da guerra ronda permanentemente os intervenientes na crise, e as acções militares de uma das partes são aquelas que mais incitam a outra parte à escalada de violência. Por exemplo, o mero deslocamento de um navio de guerra pode provocar no xadrez político inter-nacional um impacto de que o comandante do navio não está em condições de se aperceber” (Santos, 1983, p. 110).

5. moDELo DE DESENVoLVImENTo DE umA CrISE INTErNA

O desenvolvimento de uma crise interna pode ser retractado através do seguinte Gráfico:

Gráfico 2: Modelo de desenvolvimento de crise interna.Fonte: Adaptado de (Santos, 1983, p. 144).

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A partir de uma situação de tensão, que poderá estar mais ou menos agudizada, de forma intencional ou não, duas situações pode surgir logo à partida:• A crise é provocada pelo poder instituído. Aqui, a explicitação do desafio é

inexistente, ou no mínimo será evitada, porque seria negativo revelar que se tinha criado uma crise de propósito – o desafio será então implícito;

• A crise é provocada por um Actor que procura derrubar o poder instituído – o Desafio aparecerá de forma clara e suficientemente forte para tentar de-sequilibrar, logo de início, a situação a seu favor – o desafio será explícito.

À semelhança da crise internacional, a crise interna também é uma sequência de interacções que torna o próprio fenómeno um processo de natureza fortemente dinâmico, materializado por acções de intervenção e por acções de controlo. Quem desafia terá sempre como objectivo aumentar as suas vantagens, ocultando as suas fraquezas e explorando as fraquezas do adversário, mas sobretudo evitar a força do oponente – ou seja, acaba por ser um «jogo» de quando devo intervir e quando devo controlar a situação 41 – trata-se do binómio intervir – controlar.Como já referimos, aquilo que dá origem à crise é o desafio, que pode ser estimulado por um catalisador de natureza externa ou por um catalisador de natureza interna.O catalisador de natureza externa é a tomada de consciência ou a percepção, por parte do governo instituído ou de quem o tenta derrubar de que existe um factor externo, um terceiro elemento, capaz de favorecer um dos intervenientes em rota de colisão.O catalisador de natureza interna é, normalmente, reflexo de uma lenta evolução de uma situação que propicia o surgir da crise, uma modificação da relação de forças. Também pode ser brusco, como por exemplo a morte de um dirigente político 42.É preciso referir que existe uma relação estreita entre os elementos de catalisação externa e interna, por vezes até difíceis de distinguir, a que nos referimos como catalisador geral, ou simplesmente catalisador, a contradição que provoca a crise, a contradição que leva uma das partes a desafiar.O catalisador específico é um pretexto factual ou uma acção (consertada ou não, podendo ser acidental) cujo teor é intolerável para uma das partes, dan-

41 O difícil neste «jogo» talvez resida em saber quando se deve recuar.42 Veja-se os seguintes casos: Josip Broz Tito, que morreu a 04 de Maio de 1980. Onze anos depois, após

uma evolução de acontecimentos que propiciaram a crise política interna na Jugoslávia, as partes entram em guerra civil dando origem à partição do país e extinção da entidade Estatal Jugoslávia. Um outro caso, muito nosso conhecido, foi o regicídio de 01 de fevereiro de 1908 no Terreiro do Paço em Lisboa. Dois anos e oito meses depois, mais concretamente a 05 de Outubro de 1910, o regime monárquico é derrubado e substituído pelo regime republicano.

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do origem, quase de imediato, ao sesafio – a título de exemplo, o General Loureiro dos Santos aponta o seguinte: “como exemplo de catalisador geral, e relativamente à crise dos últimos tempos de governo de Marcelo Caetano poderemos apresentar a guerra em África, o catalisador específico poderá ter sido o decreto sobre os capitães 43 e o desafio a tentativa de golpe de 16 de Março 44.” (Santos, 1983, p. 145). Se o desafio é da iniciativa de quem não detém o poder, e se não houver resistência, estamos em presença de um Golpe de Estado, o que corresponde ao derrube do poder instituído – vitória de quem desafia.Se o desafio é de quem detém o poder, e não se verifica resistência, então não existirá crise, mas aumentará o grau de ilegalidade do poder instituído, dando origem a uma situação de tensão diferente da primeira 45 – II.Caso exista resistência, o processo de radicalização acentuar-se-á até Estado de Emergência 46 (que corresponde ao limiar da crise).O estado de emergência é o limite a partir do qual é possível, legalmente, o emprego de forças militares em apoio das autoridades civis – o Estado de Emergência tem a particularidade de ser manipulado (conforme seja conveniente) de forma a manter-se abaixo ou acima do limiar da crise.Na conduta ou continuação da crise, o resultado da confrontação, pode conduzir ás seguintes situações (ou soluções):• Vitória do poder instituído, retomando-se uma situação de tensão normalmente

de nível superior à que vigorava antes da crise – situação de tensão II;• Vitória de quem desafia, materializando-se na forma de um Golpe de Esta-

do caindo-se numa situação de tensão normalmente de nível superior à que vigorava antes da crise – situação de tensão II;

• Eclodir de uma guerra interna;

Note-se que qualquer uma destas situações/ soluções apresentadas, já não fa-zem parte do processo de desenvolvimento de uma crise interna, pois como o

43 Decretos de Lei 357/73 e 409/73. O primeiro, aprovado por Sá Viana Rebelo, Ministro do Exército, que procurava fazer face à escassez de Capitães do quadro permanente, cuja promulgação acabou por gerar uma onde de contestação e descontentamento no seio dos Oficiais do Exército, principalmente Oficiais Capitães. O Segundo, que alterava apenas dois artigos, isentando do regime geral os Oficiais Superiores, mantendo-se abrangidos os Oficiais Capitães e os Oficiais Subalternos.

44 Também conhecido por Levantamento das Caldas, Intentona das Caldas ou ainda por Revolta das Caldas, por ter tido origem no Regimento de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha (actual Escola de Sargentos do Exército). foi uma tentativa de Golpe de Estado falhada, ocorrida em 16 de Março de 1974.

45 “A crise, na sua configuração apenas de crise, poderá ser provocada pelo poder estabelecido com o fim de se consolidar.” (Santos, 1983, p. 143).

46 No caso particular de Portugal, Cfr. Lei n.º 44/86 de 30 de Setembro e Lei Orgânica n.º 1/2012 de 11 de Maio.

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próprio termo diz, são uma solução, uma saída para a crise – a guerra interna será a pior das soluções para a crise.

5.1 os Meios Militares durante o desenVolViMento de uMa Crise interna

Por último não queríamos deixar de referir qual o papel das forças Armadas no desenvolvimento de uma crise interna.Em teoria, o poder instituído é detentor de todos os meios e recursos de um Estado, ou seja, o Estado terá à sua disposição todos os meios existentes. Quem desafia ou tenta tomar o poder, pelo contrário, dispõe de poucos meios. Porém, a determinação e convicção de quem desafia acaba por ser um meio valioso (meio intangível), pois muitos dos meios do poder instituído poderão aderir à «causa» ou aos argumentos do desafiador – desses meios, destacam-se os elementos das forças Armadas.O papel que as forças Armadas podem assumir durante uma crise interna é bastante amplo e a sua liberdade de acção poderá ser mais ou menos alargada dependendo da forma como o poder instituído entende utilizá-las 47:• Presença e movimentação nas acções mais decisivas na conduta de crise interna;• Acções de esclarecimento;• Declaração de estados de prevenção, prontidão e emergência;• Acções de repressão.

“A importância das Forças Armadas no decorrer de uma crise implica, natu-ralmente, a tentativa, por parte dos actores da crise, da sua manipulação no sentido de cada um «as mobilizar» a seu favor.” (Santos, 1983, p. 149).

6. CoNCLuSÕES

Das várias definições estudadas para a crise internacional, considera-se que a que representa o conceito e se enquadra neste estudo é “quando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional com alta probabilidade do emprego da força (no sentido de haver perigo de guerra), encontramo-nos perante uma crise internacional” (Santos, 1983, p. 101).

47 O Estado de Emergência corresponde ao limiar da crise, o “limite a partir do qual é possível, legalmente, o emprego de forças militares em apoio das autoridades civis.” (Santos, 1983, p. 145).

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De uma forma geral podemos concluir que a crise internacional tem as seguin-tes características:• Crise é guerra, pese embora, e no espectro da guerra, se inscreva na guerra-fria;• O fenómeno da crise é um processo de natureza fortemente dinâmico, ma-

terializado por acções e reacções, onde as partes tentam evitar se possível a guerra quente;

• O processo de desenvolvimento de uma crise internacional desenrola-se num ambiente vincado pela incerteza e imprevisibilidade;

• A crise divide-se em três fases: o desafio, a confrontação e a solução (re-solução ou guerra);

• O desafio é motivado pelo Catalisador;• A resistência consiste em responder ao desafio;• Radicalização do comportamento de conflito – o conflito agudiza-se podendo

ultrapassar o limiar da crise;• A confrontação é o coração da crise, o auge da crise, onde os actores adop-

tam medidas características de uma situação de guerra quente, porém ainda não estão em guerra quente. Nesta fase da crise ocorrem situações de maior ou menor tensão, de intensidade variável, a que se dá o nome de «picos» de maior tensão e «picos» de menor tensão;

• Considera-se uma crise bem gerida quando se consegue encontrar uma so-lução para todas as partes envolvidas sem que haja recurso à guerra quente;

• A crise é gerida com sucesso quando as causas subjacentes ao conflito foram removidas ou no mínimo atenuadas – (II) – conflito de interesses a um nível diferente de (I);

• Durante todo o processo de desenvolvimento de uma crise internacional, as forças militares podem disponibilizar a quem a gere um vasto espectro de operações;

• O insucesso de uma crise internacional é guerra quente.

relativamente à definição de crise interna considera-se que a definição mais adequada para o presente estudo é que “são períodos de menor ou maior difi-culdade na vida interna de um país, acompanhada da possibilidade de emprego da força para ultrapassar essa dificuldade” (Santos, 1983, p. 136). As suas características assentam nos seguintes factores:• O processo de desenvolvimento de uma crise interna desenrola-se num am-

biente de incerteza e de imprevisibilidade;• A crise divide-se em três fases: o desafio, a confrontação e a solução (golpe

de estado – vitória de quem desafia, vitória do poder instituído ou guerra interna);

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• O desafio é motivado pelo catalisador;• A resistência consiste em responder ao desafio. A ausência de resistência

significa que estamos na presença de um golpe de estado – vitória de quem desafia;

• Radicalização do comportamento de conflito culmina com o estado de emer-gência, que corresponde ao limiar da crise;

• A confrontação é o coração da crise, o auge da crise, onde os actores adop-tam medidas características de uma situação de guerra interna, porém ainda não estão em guerra interna. Nesta fase da crise ocorrem situações de maior ou menor tensão, de intensidade variável, a que se dá o nome de «picos» de maior tensão e «picos» de menor tensão;

• Na crise interna tem de haver sempre um vencedor e, só este, poderá ser o poder estabelecido, caso contrário a crise evoluirá para uma guerra interna;

• Corolário da anterior, considera-se uma crise interna bem gerida quando se está na presença de um golpe de estado ou na presença de uma vitória do poder instituído – ou seja, quando há um vencedor e um vencido sem se ter evoluído para uma guerra interna;

• Durante todo o processo de desenvolvimento de uma crise interna, as for-ças militares podem disponibilizar ao poder instituído um vasto espectro de operações, no entanto é o estado de emergência que legitima o seu emprego;

• O insucesso de uma crise interna é a guerra interna.

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Luís Bernardino ab1

a Escola Prática de Infantaria, Alameda da Escola Prática de Infantaria, 2640-492 Mafra, Mafra, Portugal. b Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

The global conflict is one of the current problems that most troubles States and In-ternational Organizations, because the prevalence and severity of their effects led to societies becoming more weakened and less available for peace and achieving sustainable development. In Africa this conjectural reality has led the States and increasingly, the African Regional Organizations to develop warning and response systems, and create structures to support post-conflict strategies in order to recover the societies of this scourge and regionally, develop skills that enable the management of regional conflicts.This problem requires us to reflect multidimensional and multidisciplinary, because the conflict is currently a borderless and timeless phenomenon, where boundaries do not limit the causes or consequences of regional conflicts. In this “innovative” paradigm, the African Regional Organizations have been assuming a greater role in the operationali-zation of the African Peace and Security Architecture because this “innovative” security system constitutes a potentially proactive mechanism for responding to regional crises.Thus, the conflict management in Africa is assumed as a major problem for States and Regional African Organizations that cooperate strategically in order to prevent threats that affect their sovereign spaces, whether on land, and especially at sea, where maritime security has been having increasingly more emphasis on African conflict spectrum. In this context, the present academic reflection aims to bring the discussion to the issue of conflict management and conflict in Africa and present possible solu-tions to this problem that is a timeless issue for States and for African Organizations.

Key Words: Conflict Resolution, Security and Defense, Sub-Saharan Africa. African Regional Organizations, African Peace and Security Architecture

A Gestão de Conflitos e A ConflituAlidAde em áfriCA

umA ProblemAtátiCA AtemPorAl

1 Contacto: Email – [email protected], Tel. - +351 918530842Recebido em 9 de janeiro de 2013 / Aceite em 12 de março de 2013

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rESumo

A conflitualidade global é um dos problemas atuais que mais preocupa os Estados e as Organizações Internacionais, pois a prevalência e gravidade dos seus efeitos enfraqueceu as sociedades e tornou-as menos disponíveis para a paz e para alcançarem o desenvolvimento sustentado.Em áfrica, esta realida-de conjuntural tem conduzido os Estados, e cada vez mais, as Organizações Regionais Africanas, a desenvolverem mecanismos de alerta, de resposta e a criarem estruturas de apoio às estratégias pós-conflito no propósito de recuperar as sociedades deste flagelo e regionalmente, desenvolverem capacidades que possibilitem a gestão dos conflitos regionais.Esta problemática obriga-nos a uma reflexão multidimensional e multidisciplinar, pois a conflitualidade é atualmente em fenómeno transfronteiriço e atemporal, em que as fronteiras não limitam as causas nem as consequências dos conflitos regionais. Neste paradigma inovador, as Organizações Regionais Africanas têm vindo aassumir um maior protagonismo na operacionalização da Arquitetura de Paz e Segurança Africana, pois este “inovador” sistema securitário constitui--se potencialmente num mecanismo proactivo de resposta às crises regionais.A gestão da conflitualidade em África, assume-se desta forma como um dos principais problemas para os Estados e Organizações Regionais Africanas, que cooperam estrategicamente no intuito de prevenir as ameaças que afetam os seus espaços soberanos, quer seja em terra e especialmente no mar, onde a segurança marítima vem tendo maior relevo no espectro da conflitualidade Africana. Neste contexto, a presente reflexão académica pretende trazer para a discussão a questão da gestão dos conflitos e da conflitualidade em África e apresentar possíveis soluções para esta problemática que se constitui num problema atemporal para os Estados e para as Organizações Africanas.

Palavas chave: Gestão de Conflitos, Segurança e Defesa, África Subsaariana, Organizações Regionais Africanas, Arquitectura de Paz e Segurança Africana

1. INTroDuÇÃo

A interdependência político-estratégica entre “segurança” e “desenvolvimento” é atualmente uma das principais temáticas abordadas no contexto das Relações Internacionais, absorvendo políticos, académicos e militares, como se fosse a chave para encontrar as soluções para os problemas mundiais,constituindo-se na relação equidistante entre a ausência de conflitos e a aposta no desenvolvi-mento sustentado. Esta relação dicotómica e necessária aparece quase sempre

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associada a fatores geoestratégicos e geopolíticos conjunturais específicos que são atualmente os principais responsáveis por se assistir a uma complexidade crescente nas relações entre os múltiplos atores na cena internacional. Comitantemente, a problemática assume especial relevo nas zonas de conflitua-lidade regional latente, principalmente nas áreas conjunturais de valor geoestra-tégico acrescentado, onde se assiste a uma proliferação dos conflitos regionais e intraestatais, conduzindo a um subdesenvolvimento estrutural grave e, em certa medida, à falência dos Estados que as bordeiam. Estes fatores têm conduzido, a prazo, a um aumento da instabilidade regional e, por via da globalização, à instabilidade das economias mundiais e dos sistemas de segurança regionais, afetando os mercados globais e constituindo-se assim num fator de permanente atenção para a sociedade internacional.Para combater este problema assiste-se atualmente à adoção de políticas e es-tratégias de gestão de conflitos empreendidas pelas Organizações Internacionais, Regionais e outros atores (Estados ou Organizações) interligadas com estratégias de apoio ao desenvolvimento. Neste âmbito, parece-nos importante clarificar conceitos e alinhar uma terminologia própria, que pensamos poder constituir uma ferramenta para a compreensão da temática da gestão de conflitos, pro-curando fazer-se uma interligação e uma apresentação da complementaridade entre conceitos e normativos da ação estratégica dos Estados e das Organizações para o século XXI. Em suma, procuramos nesta reflexão alinhar alguns conceitos estruturantes e dar a conhecer o “estado da arte” relativamente à prevenção e resolução de conflitos, na medida em que se trata de uma temática que envolve os Estados e as Organizações Regionais e que se constitui como elemento fundamental para a análise e compreensão das estratégias dos sistemas securitários regionais e da Política Externa dos Estados Africanos e da Comunidade Internacional.

2. umA INTroDuÇÃo CoNCEPTuAL À GESTÃo DE CoNFLIToS

Se pretendermos caracterizar a situação internacional atual, podemos afirmar que esta permanece volátil, incerta e muito complexa, como resultado das ca-racterísticas de um sistema global marcado pela heterogeneidade de modelos políticos, culturais e civilizacionais, conduzindo recorrentemente ao surgimento de conflitos regionais. Os conflitos apresentam como novo paradigma de análi-se, uma maior regionalização, mas quase que por antítese, uma também maior globalização dos seus efeitos e das suas consequências, uma vez que a confli-tualidade regional passou a ter reflexos directos e gravosos na segurança global.

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Ao longo da História da Humanidade, podemos comprovar que a existência de conflitos constituiu uma constante no relacionamento entre os homens, sociedades e civilizações. Este aspeto, que se tornou num fenómeno global e atemporal, tem uma expressão ímpar no continente Africano(como se assistiu no norte de áfrica e na áfrica subsariana), onde se constata uma tendência para um aumento da conflitualidade regional, apresentando características ino-vadoras e até enigmáticas que preocupam a Comunidade Internacional. Nesse contexto, parece-nos possível falar atualmente de uma “nova” conflitualidade, que transportou os conflitos para o interior dos Estados (intraestatais), sendo possível identificar como causas diretas desta mutação, entre outras, motiva-ções relacionadas com os recursos minerais estratégicos, o acesso ao poder, os dogmas religiosos extremistas e as características e insuficiências do próprio Estado, que em regra, se intensificam na razão inversa do desenvolvimento e da prosperidade económico-social vivida nessas regiões (Marshall e Gurr, 2005, p. 3-10) (Dowden, 2010, p. 51-59).Com o final da guerra-fria, a perspetiva da resolução de conflitos tem vindo a mudar, principalmente porque a “…relação entre as superpotências da guerra--fria fez desaparecer o mito dos conflitos regionais pela ideologia e pela simples competição militar...”, tornandoos conflitos mais político-ideológicos e menos estratégico-operacionais e de cariz militar (Miall, 2004, p. 2). Estes aspetos contribuem para relançar novos e complexos fatores na análise da multiplicidade de contendas de carácter regional que proliferam atualmente um pouco por todo o mundo e em particular na áfrica Subsariana. Neste contexto geoestratégico em mudança, a sociedade internacional viu-se na contingência de estabelecer uma base terminológica e doutrinal entendível, que congregasse o mundo em torno de objetivos lineares considerados vitais, tais como o desenvolvimento sustentado e a segurança (nas suas múltiplas dimensões), já que esta última vem assumindo um papel de maior destaque no triplo nexo “Segurança-Diplomacia-Desenvolvimento”. Assim, a necessidade de se estabelecer um diálogo comum na cena internacional, conduziu ao aparecimento recente de várias teorias especializadas na abordagem da conflitualidade e dos fenómenos da paz e da guerra. Na retórica académica, no discurso político passando pelo pragmatismo militar, constatamos contudo que os termos empregues nem sempre definem a mesma linearidade de pensamento, significam o mesmo propósito ou se enquadram num idêntico contexto estratégico--operacional. Por este motivo, tornou-se imperioso definir um quadro conceptual próprio no quadro das Relações Internacionais para a temática da conflitualidade.Na dinâmica dos conflitos regionalizados e em todos os fenómenos associados, as Organizações, os Estados e demais atores da cena internacional, procuram interagir,

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articular estratégias e comunicar entre si, com vista a gerir os conflitos de uma forma mais proficiente e com um nível de sucesso crescentemente maior. Este desiderato, requer consistência na ação estratégica, uniformidade nas políticas, mas principalmente envolve o emprego de uma terminologia adequada e de uma doutrina comum, pois sem se conhecer, identificar e estudar o problema, não se conseguem encontrar as soluções e desenhar uma estratégia de ação adequada à sua resolução. O termo “conflito” e a sua evolução aparecem normalmente associados a uma variação de fatores, a uma progressão gradual, não linear e inconstante, indepen-dentemente das diferentes formas de conflito, podendo ir desde a paz consentida ou estável, à paz instável, passando pela crise e na fase mais aguda do seu de-senvolvimento, à guerra. As dinâmicas próprias de um conflito implicam, tendo em vista uma melhor compreensão, efetuar uma análise sistémica e conjuntural, com vista a podermos determinar cabalmente as principais causas, os processos e alvitrar as possíveis consequências da sua gestão, transformação ou resolução. Estas abordagens conceptuais abrangentes, segundo alguns autores (Swanström, Wiessmann, Janete Cravino, Katerina Nicolaidis, Hugh Miall e William Zartman) assentam numa linearidade de aspetos que caracterizam as dinâmicas dos conflitos, permitindo uma conceptualização de uma “teoria” e de uma “doutrina” enquadrada à luz da Polemologia 2 de Gaston Bouthoul e necessária para o cabal entendimen-to das relações de conflito no nosso mundo globalizado. Ernest-Otto Czempiel associa o termo “conflito” a uma “…incompatibilidade ou diferendo de posições entre determinados atores, num dado contexto…”, essencialmente para lhe conferir uma abrangência de carácter mais social(humano) e integrando-a nas dinâmicas sociais. Importa ainda assim reter que as raízes dos conflitos têm a sua génese numa complexidade crescente de múltiplos fatores intimamente interligados, que em conjuntura e associados a questões de ordem social e económica, relacionados com a preservação de valores(quer seja no âmbito das ideologias ou das religiões) são fatores que se condicionam recíproca e mutuamente. Neste quadro concetual, pensamos que o estudo dos conflitos e da conflitualidade pressupõe, entre outros aspetos, uma abordagem obrigatória às suas raízes mais profundas, que passa não só pela identificação das causas e das consequências, mas também pela análise da evolução, bem como aindapor aferiras possibilidades da gestão, prevenção, transfor-mação ou resolução (Swanström e Wiessmann, 2005, p.7) (Cravino, 2010, p. 22-23).

2 Polemologia ou “Polemologie” é o termo criado por Gaston Bouthoul (1896-1980) para designar o estudo so-ciológico dos conflitos e dos fenómenos da guerra, segundo o qual se considera que a guerra tem como base a heterofobia, ou seja, a tendência que cada ser humano tem para temer o outro, por este ser diferente e antagónico. Uma heterofobia, considerada genericamente como um fator de agressividade negativo, assumindo uma defini-ção instrumental de guerra, designando-a sinteticamente como “...luta armada e sangrenta entre agrupamentos organizados...” (Sousa, 2005, p.144).

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Por outro lado, para Reychler, citado por Vicenz fisas, um diagnóstico mais completo implica que se analise e estude o conflito em relação a cinco aspetos considerados fundamentais: os atores envolvidos, os litígios em causa, a estrutura de oportunidade, a interação estratégica e a dinâmica do conflito, conferindo uma maior abrangência e multidisciplinaridade na sua análise (2004, p.31). Noutra perspetiva, numa conceção mais clássica, realista e abrangente, o termo “con-flito” é definido como “…um intrínseco e inevitável aspeto da mudança das socie-dades, como uma expressão da heterogeneidade de interesses, valores e crenças que reside nos constrangimentos gerados pelas revoluções sociais…”, vista assim numa perspetiva positivista como elemento da dinâmica das sociedades (Miall, 2004, p.5).Esta conceção tendencialmente positivista associa a conflitualidade a uma dinâmica própria, natural e até considerada evolutiva das sociedades. Neste sentido, o conflito aparece intimamente associado ao “…resultado da oposição de vontades, envol-vendo recursos escassos, antagonismo de objetivos e frustrações…”, aferindo-se as suas causas e consequências na interação natural no meio social em qualquer sociedade e em qualquer época. Ainda assim, esta interação surge muito centrada, quase sempre, na problemática do acesso ao poder e a recursos estratégicos e ainda a fontes de energia com reflexos na economia global, que tem vindo aconstituir--se no cerne atual das principais contendas entre os atores regionais no Sistema Politico Internacional. Estas são as causas basilares do surgimento dos conflitos, referindo Weissmann que em síntese assentam em três elementos chave: as atitudes, os comportamentos e as situações. Estes fatores, isoladamente ou normalmente em interação conjuntural, estão na origem da grande parte dos conflitos regionais que ocorrem atualmente no globo, sendo contudo necessário em nossa opinião uma abordagem mais ampla, abrangente e crescentemente complexa para se obter uma análise credível sob determinados conflitos regionais (Idem, p.5-8). Partindo do princípio epistemologicamente aceitável de que a paz é uma conse-quência da guerra e de que em algumas situações de caos, é mais difícil manter a paz do que acabar com uma guerra, Charles-Philippe David corrobora esta ideia, referindo que “…a diplomacia e as negociações para a paz são sempre preferíveis à guerra…”, abrindo assim novas possibilidades para o entendimento da conflitualidade como fenómeno atemporal nas sociedades (2001, p.281). Mais recentemente constata-se que a prevenção de conflitos (conflict prevention) se tornou no tema central da moderna Diplomacia, acompanhando sistemati-camente as relações entre os atores no contexto internacional e integrando as agendas das principais Organizações Internacionais. Neste âmbito, constitui-se numa atividade crítica e decisiva, principalmente no que concerne à identificação, prevenção e limitação dos conflitos, onde o insucesso conduz a um agudizar da crise, correspondendo a um crescimento da insegurança, da instabilidade

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político-social e, em casos mais extremos, à rotura das estruturas governativas, refletindo-se nas economias regionais e por via da globalização, nos mercados e nas economias mundiais. Por outro lado, a abordagem à gestão dos conflitos é concetualmente diferente, constatando-se que podemos ter uma abordagem mais realista e atual quando se pretende agir sobre os fatores básicos concretos e estruturais do conflito, a fim de os evitar ou «prevenir». Contudo, noutra abordagem mais liberal e crítica, segundo Charles-Philippe Da-vid, procura descobrir-se e contrariar as origens mais profundas dos conflitos, as designadas “rootcauses”, a fim de as «resolver». Assim, a dicotomia permanente entre o prevenir e resolver o conflito, em que a essência da sua aplicabilidade depende, entre outros aspetos, dos meios disponíveis, do tipo de conflito, do tempo disponível, e atualmente, mais do que nunca, das oportunidades políticas e das vontades dos líderes regionais, e muito especialmente da conjuntura internacional e dos interesses estratégicos associados à região (Idem, p. 282).Constatamos também, que as terminologias e os conceitos utilizados nesta temática variam de acordo com as várias épocas, escolas de pensamento e autores considerados para análise. Não obstante tal e de acordo com Bruce Russett, considera-se que a “…prevenção e a gestão de conflitos são termos similares, que assentam basicamente numa metodologia e num conjunto de mecanismos usados para evitar, minimizar e gerir o conflito entre as partes em diferendo…” sendo importante uma reflexão mais cuidada e atenta sobre estas terminologias (Swanström & Wiessmann, 2005, p. 5). Neste âmbito, quando se refere à prevenção de conflitos, Clément descreve-a sinte-ticamente como um “…conjunto de instrumentos usados para prevenir e resolver qualquer disputa antes desta se tornar num conflito activo…” (Idem). Este conceito pressupõe considerarmos outras abordagens, mais centradas nos comportamentos em sociedade e que defende a prevenção de conflitos como um “…conjunto de medidas para prevenir comportamentos conflituosos indesejados, quando surge uma situação de incompatibilidade de Objetivos…” (fisas, 2004, p.143-144). Contudo, importa salientar que com a prevenção de conflitos se pretende evitar o eclodir ou o reacender do conflito, atuando-se ao nível das potenciais causas base e ocorre, por norma, nos seus estágios mais iniciais. Neste contexto, fisas, relembra-nos um elemento de análise fulcral que é a incompatibilidade de objetivos, o que no contexto das Relações Internacionais e mais concretamente na relação entre Estados, é uma realidade abrangente e cada vez mais presente nas agendas globais da Diplomacia. A prevenção de conflitos tem como medidas de ação estratégica, medidas de longo prazo e assentes grandemente na diplomacia preventiva, tendo como principais ferramentas operativas a monitorização ou a intervenção preventiva,no intuito de evitar ou conter o conflito na sua fase inicial, estabelecer mecanismos de alerta precoce, elaborar planos de contingência, flexibilizar as resposta e institucionalizar

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a ideia da prevenção de conflitos a nível local, regional e internacional. Estes princípios regem atualmente alguns mecanismos de alerta e de resposta aos con-flitos regionais em África, integrados na Arquitetura de Paz e Segurança Africana.Na “Agenda para a Paz” 3, Boutros Boutros-Ghali introduziu o conceito inovador de “diplomacia preventiva”, passando a constituir uma ferramenta ímpar na gestão da conflitualidade atual e que se traduz genericamente na “…ação destinada a evitar a eclosão de disputas entre as partes, com vista a impedir que disputas já existentes, evoluam para conflitos e a limitar a expansão destes quando ocor-ram…”. Neste contexto, a diplomacia preventiva pode, segundo António Mon-teiro, abranger três dimensões: a primeira, orientada para as causas do conflito; a segunda, destinada a impedir que os confrontos se tornem violentos e uma terceira dimensão, num estágio mais avançado do conflito, em que se procura conter a expansão ou a escalada da violência (Branco, 2004, p.106); (2000, p.58). Realça-se, desta forma, o âmbito e o contexto das medidas, em que a sociedade internacional se esforça por empregar de uma forma mais efetiva esta ferra-menta na gestão da relação entre os múltiplos atores, principalmente quando a intervenção de uma terceira parte (desejavelmente neutral e credível) na gestão de conflitos intraestatais ou regionais é uma realidade. Por norma, a prevenção de conflitos contempla, para além de ações do âmbito da estratégia e do nível estratégico operacional, um conjunto de ações e medidas de âmbito político--estratégico, de forma a evitar a ameaça ou o uso efetivo da força como meio privilegiado de coação empregue por Estados ou Organizações com afinalidade de garantir a estabilidade económica, política e social, que se reflete na econo-mia, na justiça e no desenvolvimento de uma região ou de um Estado. Estes procedimentos podem ocorrer antes doconflito eclodir para evitar a escalada da violência ou mesmo após um conflito já resolvido, com vista a evitar o seu reacendimento. Este aspeto particular da gestão pós-conflito aparece atualmente com maior acuidade e pertinência nas agendas das negociações para a paz, devido não só às recentes experiências dos conflitos no Iraque e no Afeganistão, mas também à crescente necessidade e interesse das NU (especialmente) e da Comunidade Inter-nacional, em geral, em recuperar os Estados no pós-conflito. Estes procedimentos incluem normalmente o conjunto de ações que permitem criar as infra-estruturas pilares do Estado, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade, processo que se designa por “peacebuilding”. Por sua vez, a prevenção de conflitos contém medi-das de amplitude diferente, multidimensionais, com ações concertadas, planeadas e concretas, tendentes a encontrar o caminho da paz antes de se derivar para o agudizar do conflito. O propósito da prevenção de conflitos, consiste assim em “…

3 http://www.unrol.org/files/A_47_277.pdf

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atuar satisfatoriamente antes dos primeiros sintomas de um conflito, impedindo-o que este escale para a violência…”, a partir do qual será potencialmente mais difícil, fazer a sua gestão e posterior «transformação» (fisas, 2004, p.143). Para a sociedade internacional, a monitorização dos conflitos tem assumido uma importância crescente, nomeadamente em regiões onde o índice de conflitualidade intrínseca é relevante, como em áfrica, onde a inclusão de sistemas de acompa-nhamento e alerta tem tido um papel de relevo na já citada Arquitetura de Paz e Segurança Africana. Este sistema faz estabelecendo-se estruturas e indicadores fiáveis de acompanhamento dos conflitos, que associados aos múltiplos fatores presentes na sua eclosão potencial (sociedade, economia, religião, recursos, etc.) tornam possível uma monitorização e acompanhamento permanente. Em comple-mento, estabelecem-se mecanismos de alerta precoce que permitem acompanhar, num Estado ou numa região problemática, o eclodir e evoluir da conflitualida-de, concentrando em estruturas supranacionais estas valências e capacidades de monitorizar, analisar e se necessário, intervir na gestão do mesmo, pois estão também associados mecanismos legais e operacionais de resposta regional às cri-ses e conflitos. As Organizações Internacionais e Regionais têm tendencialmente associado aos mecanismos de alerta meios de resposta rápida, permitindo atuar nos estágios iniciais dos conflitos, intervindo na área de interesse conjuntural, possibilitando assim uma contenção mais eficaz e mais rápida do conflito. Um caso que merece destaque neste contexto, é o Continental early Warning System (CEWS) da APSA, que apesar de estar num estágio embrionário de desenvolvi-mento, constitui-se numa dinâmica de potencial sucesso neste continente. Como vimos, a prevenção do conflito efetua-se preferencialmente nos primeiros estágios, consistindo em detetar, em tempo, os principais indicadores da eclosão que contribuem para a evolução de um potencial conflito regional. Neste âm-bito, Vicenz fisas citando Lund, acrescenta contextualizando que a prevenção de conflitos se refere ao “…conjunto de ações político-estratégicas levadas a efeito, por parte das instituições governamentais, que de forma expressa tentam conter ou minorar as ameaças, o uso da violência organizada e outras formas de coação por parte de Estados ou grupos concretos, com a finalidade de re-duzir as disputas no interior, ou entre estados…” (2004, p.143-144).Uma das formas de se poder distinguir a prevenção da resolução de conflitos (conflict resolution) é relativizar estas atividades no tempo e nas causas dos conflitos e da conflitualidade regional. Assim, no primeiro caso refere-se nor-malmente a estágios pré-conflituais ou no início do fenómeno (antes deste se tornar violento) e ocorre normalmente por um período mais dilatado de tempo. Por sua vez, a resolução de conflitos acontece em etapas mais avançadas da sua curva, quando este ultrapassa o limiar da violência e escala para uma situação de

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crise potencial, podendo chegar, em última análise, ao conflito armado, à guerra. Neste âmbito, carece em regra de medidas mais urgentes, com maior robustez e realizadas normalmente sobre a égide de uma terceira parte internacional, regio-nal ou sub-regional credível. Uma terceira parte que não só pretende mediar o conflito, como poderá ser o interlocutor privilegiado da sociedade internacional, para essa contenda e essa região, assumindo a liderança conjugada das dinâmicas pacificadoras no contexto regional e contribuir para a sua resolução. Na escalada da curva de aceleração inconstante do «ciclo de vida do conflito», ao atingir-se o patamar da crise, a sua gestão caracteriza-se predominantemente, como vimos, em função do fator “tempo”, desenvolvendo-se em norma, por um longo período de tempo, exigindo medidas drásticas e envolvendo terceiras partes e atores internacionalmente credíveis, na tentativa de evitar que este assuma as proporções de um conflito armado ou possa escalar para um patamar de violência generalizado que leve o país ou a região num estado de guerra e num regime de guerra civil, como aconteceu em Angola até aos Acordos de Luena em 4 de Abril de 2002. Neste âmbito, Peter Wallensteen apresenta-nos uma definição para a “resolução de conflitos”, considerando-a como: “…a adoção de medidas tendentes a resolver o cerne da incompatibilidade que esteve na origem do conflito, incluindo as tentativas de levar as partes a se aceitarem mutuamente…”. Acrescenta ainda o autor que este corresponde ao conjunto de “…esforços orientados no sentido de aumentar a cooperação entre as partes em conflito e aprofundar o seu relacionamento, focalizando-se nos aspetos que conduziram ao conflito, promovendo iniciativas construtivas de reconciliação, no sentido do fortalecimento das instituições e dos processos das partes…” e que se reflete cada vez mais na ação diplomática e politica nos organismos multilaterais de decisão supranacional (2004, p.8). Noutra perspetiva, Charles-Philippe David, citando fetherston, refere que a “…aplicação não coerciva de métodos de negociação e de mediação, por terceiros, com vista a desarmar o antagonismo entre adversários e a favorecer entre eles uma cessação durável da violência, pode ser o cerne da problemática em torno da resolução de conflitos…” (2001, p.284). Assim, pensamos que existe um conjunto de mecanismos ao dispor dos atores globais, que vão desde a diplomacia preventiva, associado à prevenção de con-flitos, ao “peacemaking”, “peacekeeping” e na fase de reconstrução pós-conflito, ao “peacebuilding”, para além de novas formas integradas e mais complexas de atuação, e que têm como objetivo principal, o cessar das hostilidades e le-var as partes em confronto a aceitar o diálogo e a paz (Branco, 2004, p.105). Contudo, no início do século XXI, e devido ao crescente grau de complexidade dos conflitos regionais (não só devido ao maior número de atores em presença como ao elevado índice de interesses geopolíticos e ideológicos que lhes estão

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associados) temos vindo a assistir a uma desmultiplicação e ao emprego combi-nado de forças militares, policiais e de agentes civis, que convergem para uma concertação de soluções multinacionais e multidisciplinares para a resolução das crises e dos conflitos. Pretende assim fazer-se face a uma combinação das ameaças, com uma combinação de soluções, tendo em vista diminuir o risco, e criar a estabilidade e a paz que possa gerar ou contribuir para o desenvolvi-mento sustentado, sendo esta a essência da globalização na atual “Revolução dos Assuntos Militares” nos atuais conflitos. Todavia, Vicenz Fisas salienta que existe um conjunto de respostas multidimensionais para fazer face a um conflito e que as medidas podem ir desde a negociação entre as partes, até à intervenção com forças militares e/ou policiais, levando-o a referir que “…a gestão ótima do conflito consiste em limitar as franjas das respostas do “continuum” do conflito que não inclua a violência física e o recurso à guerra…” (2004, p.30). O mesmo autor faz ainda alusão ao facto de a resolução de conflitos ser um multifacetado processo que requer análises sistémicas e multidisciplinares, mas que se rege principalmente por análises individualizadas e muito detalhadas, centradas nas causas base do conflito, com vista ase poder alcançar-se o en-foque do problema e proporcionar uma cooperação estruturada e focalizada nos principais diferendos entre os contendores. O papel de uma terceira parte é, como vimos, essencial para a credibilidade do processo, para identificar e prestar assistência às partes em litígio e para se alcançar a “paz possível”, no que alguns atores apelidam de “…transformação do conflito…” (conflict transformation) (Miller & King, 2005, p.26) (Ramsbotham, 2006, p.12-13).Na análise das dinâmicas do conflito apresentada por Fisas, após se ter ultra-passado o estágio do confronto armado, os esforços politico-estratégicos devem estar centrados na pacificação (peacemaking) e na garantia da manutenção da paz (peacekeeping). Estamos na designada “Fase Proativa” da resolução do conflito, em que podemos influenciar diretamente (pela nossa decisão e principalmente pela ação), o evoluir da conflitualidade. Por outro lado, quando se ultrapassa o patamar da violência armada, entramos na “fase Reativa” da sua resolução, em que numa primeira etapa o objetivo primordial é alcançar o cessar-fogo e numa segunda fase, garantir a manutenção da paz e criar condições para se iniciar as atividades de reconstrução (peacebuilding). Tal acontece quando este baixa do limiar da violência armada e entra na paz instável, numa segunda ordem de prioridades, podendo então ser encetado um conjunto de mecanismos e estratégias tendentes a resolver a raiz do conflito e/ou a restaurar novamente uma paz estável com vista a gerar segurança e desenvolvimento (2004, p.33). Na gestão dos efeitos atua-se “por impulsos” de necessidades, em reação aos acontecimentos conjunturais, pois que a resolução do conflito se torna mais

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difícil, morosa e com efeitos menos consensuais, com objetivos mais complexos e não estabelecidos, o que implica restaurar a paz e possibilitar a resolução do conflito pela via menos pacífica, normalmente sob a forma de imposição e recomendo as sanções ou embargos internacionais. Atualmente, na análise da conflitualidade regional, quer seja na área da diplomacia, da estratégia ou da política, o conceito sobre a gestão de conflitos (conflict manage-ment) refere-se a uma concetualização essencialmente de caráter teórico, dedicada à limitação, mitigação e contenção do conflito, sem contribuir necessariamente para o resolver. Neste âmbito, reconhece-se que o conflito não se pode resolver no imediato e que por esse motivo se coloca o assento tónico na sua limitação e na gestão das consequências destrutivas imediatas. É por essa via um conceito eminentemente de caráter académico e abrangente, no sentido amplo da pacificação do conflito e que normalmente se “…limita aos aspetos técnicos e práticos do esforço no sentido de alinhar as divergências entre as partes em litígio…” (fisas, 2004, p.184).Uma correta gestão do conflito implica conhecer o seu cerne e catalogá-lo de acordo com as suas características, principalmente quanto às motivações, causas e objetivos das partes em confronto. Assim, se quisermos catalogar ou agrupar os conflitos mais recentes, muitas são as matrizes, tabelas ou grelhas concep-tuais que podem orientar a nossa investigação académica. Para Hugh Miall, os conflitos dividem-se teoricamente em “interestatais” e “não interestatais”, sendo estes subdivididos em revolucionários ou ideológicos, conflitos de identidade ou de sucessão e conflitos de fações ou grupos, o que corresponde a uma termino-logia de uso corrente no quadro das Relações Internacionais (2004, p. 30-32). A catalogação/separação supra apresentada encontra-se principalmente vocacionada para uma matriz da conflitualidade típica do período pós guerra-fria, sendo possí-vel refletir, atualmente, sobre o facto de existir um maior grau de complexidade, abrangência e âmbito geográfico dos conflitos, necessitando em nossa opinião de uma concetualização mais adequada à atual conjuntura dos conflitos regionais no mundo, onde áfrica e mais concretamente a áfrica Subsariana são exemplos concretos. Neste âmbito, Peter Wallensteen, numa conceção elaborada à luz do Direito Internacional, assente numa análise sobre as causas dos conflitos, consi-dera que existem três tipos de conflitos: os conflitos “intraestatais”, envolvendo o território e a governação; os “interestatais”, envolvendo os governos e o Estado e um terceiro tipo; os conflitos “intraestatais” incidindo sobre o território e as fronteiras. Os conflitos interestatais são disputados entre nações ou alianças de nações, os conflitos intraestatais são de carácter eminentemente internos e são disputados dentro do território do próprio Estado. Esta divisão, aparentemente simplista, entre conflitos intra e interestatais, permite diferenciar e catalogar a maioria dos conflitos atuais no globo, sendo utilizado pelos autores já citados,

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como a principal mudança verificada nesta temática ao longo da segunda metade do século XX e no início do século XXI (Wallensteen, 2004, p. 74-76). A gestão dos conflitos interestatais e intraestatais é diferente em múltiplos as-petos. Em termos conceptuais, um conceito de gestão de conflitos materializa genericamente o esforço para conter ou reduzir a escalada da violência entre as partes e proporcionar uma comunicação com vista a reduzir as disputas e a levar ao términus da violência. Sabemos que os mecanismos de análise e de resolução de conflitos estãomais vocacionados para os conflitos intraestatais, pois existem atualmente no mundo, uma maior prevalência destes, constituindo um fator limi-tativo e condicionante da análise da conflitualidade contemporânea. Esta análise não deve neste propósito, ser um processo estático, finito ou inócuo, podendo ir para além de um exercício meramente académico, e contemplar uma sucessão de circunstâncias e factos dinâmicos que a História da Humanidade carateriza e que permitindo mesmo definir períodos da História em função e associados a esses conflitos (exemplos: Guerra dos 100 Anos e Primeira Guerra Mundial), pois os conflitos fazem parte da nossa História e marcam a História Universal.A conflitualidade apresenta, em dados momentos da História uma dinâmica con-juntural própria, associando um conjunto de características atemporais únicas e inauditas, em que se pode considerar-se que a heterogeneidade dos conflitos aduz transversalmente a aspetos e circunstâncias comuns que permitem conceptualmente estabelecer um modelo de análise sistemático do conflito. Neste contexto, as prin-cipais causas e consequências da conflitualidade são, independentemente da sua base geográfica, ideológica, política ou de circunstâncias conjunturais, aspectos comuns que permitem estabelecer um modelo padrão de análise dos conflitos e da conflitualidade, centrando-se nas suas principais características: intensidade, durabilidade e as características dos mecanismos de gestão associados. Aspetos académicos que concetualmente permitem uma mais abrangente análise do con-flito, contribuindo para uma melhor tomada de decisão política epara o emprego adequado dos mecanismos na resolução do conflito (Cravino, 2010, p.44-45).Assim, consideramos que a sistematização do conflito num modelo padrão e a sua consequente análise, associados num “ciclo” permite, numa primeira instância, um melhor entendimento da dinâmica da «vida do conflito», possibilitando mais facilmente congregar estratégias e afetar recursos tendentes a mitigar ou limitar o seu impacto nas sociedades. Numa perspetiva teorizadora da conflitualidade, vários modelos foram, entretanto, idealizados, quase todos tendencialmente cíclicos, e faseados, conjugando níveis de intensidade variável, evoluindo da paz para a guerra, passando pela crise e vice-versa, até se restabelecer a paz, onde envolve múltiplos atores e em que o papel central é quase sempre do Estado e das Organizações Regionais (Swanström & Wiessman, 2005, p.10).

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Neste contexto, agrupam-se etapas, definem-se as fases ascendentes e descendentes da curva do conflito, limitam-se as situações pré e pós conflituais, permitindo uma “mecanização” na adoção de termos e definindo-se uma conceptualização doutrinária mais sólida e muito mais abrangente, pois a análise da conflituali-dade é cada vez mais complexa, mas necessária para acompanharmos os fenó-menos sociais contemporâneos. Os modelos dos ciclos de análise dos conflitos inscrevem-se numa curva de aceleração variável, que corresponde inicialmente a uma fase de crescimento do conflito (aceleração positiva) seguida de uma recessão e retorno à paz, onde as etapas e estágios são evolutivos, onde a gestão de conflitos incorpora as estratégias e os mecanismos de análise, principalmente no âmbito da prevenção e da resolução do conflito. Embora a tendência concetual normativa das ciências sociais que estudam estes fenómenos seja no sentido de se padronizar os conflitos, importa salientar que nem tudo que observamos é padronizável, que a regra base é que “cada conflito é um conflito” e que por norma será necessário uma análise muito cuidada, mul-tidisciplinar e contextualmente mais abrangente, para se poder comparar fases de evolução, etapas, ou processos. Constatamos que a dinâmica dos conflitos não é sempre linear e que os fatores variáveis de análise são cada vez mais complexos e associados a contextos regionais e conjunturais mutáveis e “globalizados”. Esta observação e análise permitem contudo uma padronização relativa em determinadas fases da sua evolução, já que os modelos possibilitam orientar a análise dos confli-tos (vide modelos usados nas NU, UE e OTAN), mas não explicam claramente os seus motivos, nem nos dão a realidade contextual em que emergem.Atualmente, o modelo privilegiado pelas NU para a resolução dos conflitos de “maior responsa-bilidade” usados na terminologia de Hillen é contemporaneamente desenvolvido à custa de “…coligações de vontades, lideradas por estados poderosos ou alianças credíveis com uma unidade de comando clara e perfeitamente definida…”, pois a resolução cirúrgica destes conflitos obriga à adoção de mecanismos e modelos mais complexos e cada vez mais “globalizados” (Branco, 2004, p.113). Constatamos assim que o grau de complexidade crescente nos conflitos regionais implica uma multidisciplinaridade de análises relativas aos atores de acordo com os vários níveis de intervenção, pois o facto dos mecanismos de resolução de conflitos intraestatais conjugarem uma miríade de ações e processos tendentes à sua resolução, leva à complexidade da análise e da abordagem destes fenó-menos. Neste âmbito, Hugh Miall atribui três níveis/graus de empenhamento para a sociedade internacional, consoante os vários atores que intervêm na resolução do conflito. O modelo apresenta conteúdos que levam à adoção de iniciativas concretas para adequar a intervenção dos vários agentes que atuam aos diferentes níveis da resolução (ou gestão) do conflito. Importa contudo reter

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que, atualmente, a resolução de conflitos integra conjunturalmente um ou mais níveis, e que numa intervenção, agentes de diferentes níveis podem atuar antes ou em sobreposição com os do nível base, pois para conflitos “complexos” exige-se a adoção de modelos de resolução também “complexos”. Por esse motivo, entendemos que este modelo parece ser uma base concetual útil para se fazer uma abordagem teórica aos fenómenos da conflitualidade regional. Complementarmente, o quadro académico-concetual empregue para efetuar a análise dos conflitos internos num Estado, elaborado por Pauline Baker e pu-blicado pelo “Fund for Peace”, dá-nos uma perceção global do conflito assente no «ciclo de vida», apresentando-se como uma ferramenta de análise sistémica e de monitorização da sua evolução quer este progrida para uma situação de deterioração e conduza ao conflito armado ou para um estágio de segurança e paz sustentável. Este processo assenta estruturalmente em cinco etapas do “ciclo de vida do conflito” e apoia-se num ponto de decisão que compreende ainda um conjunto de metodologias para a sociedade internacional, com vista a levar a cabo ações concretas no sentido de resolver o conflito ou a reduzir o seu impacto nas populações e no Estado 4. Baker apresenta-nos assim um modelo académico de análise da conflitualidade que procura colocar o centro da análise na entidade Estado e o papel da Comunidade Internacional surge numa base indiferenciada e multidisciplinada de atuação combinada. Por outro lado, o modelo de gestão de conflitos apresentado por Katerina Nicolaidis e sublinhado por Janete Cravino articula todos os mecanismos de resposta à conflitualidade e aborda o ciclo de vida do conflito numa perspetiva sistémica, referindo não só as diferentes fases de evolução, como os principais instrumentos utilizados em cada fase. Este modelo não introduz contudo desde 1996 mais-valias significativas para a abordagem contemporânea aos aspetos securitários, sendo necessário analisar os conflitos de uma forma mais integrada, completa e abrangente, onde as realidades são difusas, as fases e os modelos dinâmicos e a abordagem ao contexto, mais integrada e envolvendo os vários fatores da conflitualidade (Hugh Miall) e ainda os meios de resolução de con-flitos apresentados na “Agenda para a Paz” (2010, p. 22-23).A análise da conflitualidade contemporânea é em nossa opinião, um exercício académico desafiante e que os atores globais procuram trazer para as agendas internacionais da segurança e do desenvolvimento. Os modelos de investigação académicos, entre os quais se destacam os modelos referidos nos parágrafos anteriores, são instrumentos úteis para os agentes globais da segurança, da di-plomacia e do desenvolvimento, poderem compreender e interagir melhor com

4 http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=354

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os fenómenos sociais entre a paz e a guerra que condicionam cada vez mais a nossa vivência em sociedade, pois a conflitualidade é uma problemática atemporal.

3. A GEoPoLÍTICA DoS CoNFLIToS Em ÁFrICA

O continente Africano representa atualmente a expressão mais visível de uma “nova” conflitualidade, concentrando grande parte dos conflitos regionais e consequentemente dos esforços levados a efeito pela sociedade internacional tendentes à sua resolução. Neste paradigma, os Estados Africanos e as Organizações Regionais Africanas têm vindo a debruçar-se sobre esta problemática e sobre as estratégias da paz e do apoio ao desenvolvimento, pois os problemas que afetam estes espaços adquiriram uma dimensão transnacional, ultrapassando as débeis fronteiras entre países. A geopolí-tica dos conflitos regionais passou a afetar direta e indiretamente não só o próprio continente, como todo o mundo, passando a constar nas agendas internacionais, pois “...a segurança a norte passou a depender em larga medida da segurança regional e do desenvolvimento sustentado a Sul...” e a segurança do hemisfério norte passou a fazer-se através da intervenção preventiva a sul. Este aspeto passou a ser mais relevante e evidente aquando da aprovação da “estratégia de Segurança europeia” na União Europeia e no recente “Conceito estratégico” na NATO.Em virtude de uma deficiente governação por parte dos dirigentes políticos dos Esta-dos Africanos, assume vital importância, neste momento, o envolvimento estratégico e substancial da sociedade internacional em sintonia com as Organizações Regionais Africanas, contribuindo para operacionalizar as capacidades regionais, na procura de soluções otimizadas para a redução da taxa de conflitualidade intrínseca, no intuito de alcançar a segurança e o desenvolvimento para as regiões em conflito. Contudo, num cenário de “cooperação bimultilateral” torna-se difícil separar as responsabilidades de segurança entre o nível continental e regional, em que a partilha de responsabilidades entre Estados e as Organizações levou a uma divisão político-estratégicado continente Africano em áreas de responsabilidade. Nesta época as Organizações Regionais Africanas vêm assumindo aí um prota-gonismo crescente, realizando políticas e estratégias na prossecução da segurança dos seus Estados membros e da sua região, funcionando em complemento das ações de soberania do Estado. Estes aspetos fazem com que a segurança de um ator esteja intimamente relacionada com a de outros, mesmo pertencendo a Estados e Organizações de níveis e amplitudes diferentes. Contudo, como refere Samuel Huntington “…os povos e os países com culturas análogas aproximam-se e os que tem culturas diferentes afastam-se…”, facto que atesta muitas da aproximações e das separações dentro deste espaço (2001, p.145).Janete Cravino, numa tentativa de explicação da atual geopolítica dos conflitos em áfrica, aponta como principal fator de instabilidade regional a permeabilidade

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das fronteiras físicas entre os Estados Africanos, pois as fronteiras nacionais traçadas nasceram das imposições saídas da “Conferência de Berlim” e do “Mapa cor-de-rosa”. Pois que as fronteiras dos interesses de um Estado tipicamente colonial eram impostas pelas potências colonizadoras que partilharam áfrica, sem quaisquer preocupações quanto ao que existia anteriormente e à geopolí-tica dos povos que aí habitavam desde os tempos mais remotos. Esta partilha imposta resultou contudo num instrumento político criado para levar a efeito uma tentativa de barrar e conter os conflitos da época. Assim, várias nações advogaram o sentido das formações sociais antigas Africanas e passaram a estar reunidas dentro de novas fronteiras e dentro de espaços geográficos confinados. Neste cenário, tribos, povos e raças (amigas e inimigas), passaram a pertencer ao mesmo espaço colonial, a ter a mesma bandeira, idêntica matriz económica, ideológica, religiosa e cultural, o que veio consequentemente a criar um con-junto de problemas intrínsecos e de difícil resolução. Não se tendo resolvido os problemas da conflitualidade em África no século XIX, transportaram para a atualidade, exponenciando-se as consequências e multiplicando-se as causas, pois constatamos que no início do século XX, áfrica se encontrava retalhada pelos países “colonialistas”, e um século depois, no começo do século XXI, sob essas mesmas fronteiras geopolíticas, estariam localizados grande parte dos atuais conflitos regionais no continente (Cravino, 2005, p.1185). As fronteiras geopolíticas dos Estados, geralmente não coincidentes com as fronteiras étnicas e culturais, são neste contexto as causas de constantes disputas interétnicas, culturais e religiosas, em que a deficiente governação, a instabilidade política e o subdesenvolvimento económico dos Estados, apontam para uma “…crise de so-berania do estado Africano…” (Cardoso & ferreira, 2005, p.13). Outros autores apontam ainda a luta pelo acesso aos recursos naturais e minerais, principalmente o petróleo, o gás natural, os diamantes e outros «minerais estratégicos» e o controlo desses espaços e das suas rotas de exportação, como alguns dos fatores indutores de conflitos regionais no continente (Faria, 2004, p. 9-11) (Carvalho, 2011, p. 15-22). Os aspetos geopolíticos supracitados, associados às dinâmicas globais, constituem uma das mais relevantes causas dos conflitos regionais, que tendo como ator principal o Estado, releva crescentemente o papel das Organizações Regionais nas dinâmicas continentais de segurança e desenvolvimento sustentado. Contudo, comummente aceite é o facto de os conflitos em África, independentemente da tipologia de causas que lhe dão origem ou da associação que se articulam, man-terem essencialmente uma matriz predominante intraestatal, surgindo associados à existência de “Estados frágeis”, de “soberanias adiadas” e que pela inépcia de assumirem a sua condição de Estado de pleno direito, afetam diretamente as populações, o país e, indiretamente, por via da globalização, a economia mundial e a segurança global. A matriz atual governativa dos países Africanos

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reside maioritariamente na Autocracia e no Presidencialismo, (de cariz militar ou tribal), tende-se no entanto, assistido a um processo de “democratização acelerado” que é atualmente bem evidente, tendo havido países que assumiram o “compromisso Democrático” e outros em que conforme refere Vaïsse “…a Democracia se tornou vítima da miséria…” (2005, p. 264-265). Atualmente constata-se que poucos são os regimes que evoluíram para uma Democracia plenamente consolidada, contribuindo assim pela fragilidade da Democracia e dos processos Democráticos para uma instabilidade regional e continental crescente (Marshall & Gurr, 2005, p.16-20) (Dempsey, 2006, p. 2-3) (Lake & Whitman, 2006, p. 90-92).Num momento da História de áfrica em que se comemoram os 60 anos das primeiras Independências, verifica-se que desde o final do período da guerra-fria, se assistiu ao surgimento de uma época onde as mudanças nos tipos de governo assumiram uma maior predominância face ao passado recente no continente. Em 1992, o número de Autocracias em áfrica havia decrescido para metade (referência a 1950), continuando a diminuir progressivamente; em oposição, o número de regimes Democráticos passou de três em 1989 para onze em 1994, constatando-se ainda que em 2004, existiam em áfrica, com maior ou menor grau de sucesso, treze regimes Democráticos e que este número tinha tendência para crescer (Marshall & Gurr, 2005, p.42).Atualmente, a “Democratização” do Estado é um processo que, segundo Richard Dowden, tem sofrido algumas inflexões, pois a geopolítica dos conflitos regionais, associados aos regimes políticos contribuiu para que as fronteiras traçadas no século XIX, em nada tenha servido para a limitação geopolítica dos contenciosos étnico-culturais, contribuindo até para a imposição de Autocracias “militaristas”, com lideranças fortes, associadas a aparelhos militares autoritários e repressivos, como forma de conter essas fronteiras e nelas os seus conflitos. A síndrome de colonizador e colonizado conduziu no período pós guerra-fria, ao crescimento da conflitualidade intra fronteiriça em África, que levou a períodos de instabilidade nos estágios pós-independência e que se prolongaram de forma persistente até à atualidade (2011, pp. 2-10) (Coquery-Vidrovitch, 2011, p. 194-195). Uma comparação entre a matriz da distribuição geográfica dos conflitos e as inter-venções internacionais permite constatar que a áfrica Subsariana constitui atualmente (como vimos) o enfoque da atenção mundial para a área dos conflitos regionais, o que tem levado a um empenhamento crescente da sociedade internacional na perspetiva de contribuir para a paz, a segurança regional e o desenvolvimento sus-tentado, em consonância com os princípios das NU, para o século XXI. Podemos assim constatar que a instabilidade regional em áfrica se traduz atualmente sob a forma de conflitos e guerras intraestatais, representando uma tensão de longos anos que os movimentos de descolonização, e mais recentemente as perspetivas de emancipação económico-financeira, não conseguiram ainda ultrapassar.

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Conforme as zonas onde persiste uma conflitualidade transfronteiriça, existem múltiplas tensões, com causas diversas, fazendo transbordar para os povos aí residentes, os receios das sociedades e das etnias que lutam pela sua subsistência e emancipação, pois em África, as zonas de conflito transfronteiriças regionais atuais são, salvo exceções, as zonas de instabilidade e de conflitos existentes ao longo das últimas décadas (Defarges, 2003, p.33-34) (Dowden, 2010, p.51-55).O facto dos conflitos em África terem mudado de natureza no período pós guerra-fria, associado a um relativo desinteresse dos países ditos desenvolvidos em se envolverem diretamente na prevenção e principalmente na resolução dos conflitos em África, aponta para uma alteração de mentalidades e principalmente de políticas securitárias no continente. A nível continental, torna-se evidente uma vontade dos Africanos em garantir capacidades próprias que possibilitem uma maior autonomia na resolução dos “seus” conflitos regionais, aquilo que já se designa por “African Regional Ownership” embora se constate que “…financiamento e a assessoria sejam favoráveis aos países desenvolvidos, mas a intervenção direta de contingentes militares caberá preferencialmente a tropas africanas…” como temos confirmado mais recentemente (Cardoso & Ferreira, 2005, p.21). A diálise internacional, na tentativa de encontrar uma solução para a inseguran-ça em áfrica, tem levado a sociedade internacional a desenvolver mecanismos estratégicos inovadores e mais efetivos e proficientes pois que a segurança em áfrica é considerada, uma prioridade para o desenvolvimento sustentado. Não a segurança dita “clássica”, “centrada no Estado ou nas Organizações, mas a dimensão da segurança “real”, sentida e centrada agora na pessoa humana e na sociedade. O paradigma atual de segurança mostra-nos que se evoluiu, como vimos, do conceito de “segurança clássico” para um conceito de “segurança humana”, abandonando o conceito de identidade de segurança nacional, centrado no Estado, para o de segurança humana centrado nas sociedades, nas populações e no ser humano, como forma dominante de gerir os conflitos e limitar a conflitualidade. Este “novo” paradigma de segurança pretende conferir uma maior proteção e grau de segurança às populações, que são as mais afetadas pela conflitualidade onde parece ser necessário adotar-se uma visão de segurança que ultrapasse a segurança do Estado, focalizando-se na segurança do indivíduo e criando sis-temas de segurança que protejam as populações. Esta perceção deriva do facto dos maiores problemas securitários dos Estados terem origem no seu interior e serem, em larga medida, questões sem qualquer tipo de cariz militar. Este aspeto afeta diretamente as sociedades e a forma de vida das populações, constatando-se que nos recentes conflitos regionais Africanos existe um cresci-mento no número de vitimas entre a população civil superior ao número de baixas produzidas pelos confrontos entre militares. Assim, os danos colaterais levam

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os Estados e a sociedade internacional a criar sistemas de “amortecimento” dos efeitos da conflitualidade nas populações, o que tem sido, porem difícil de apli-car. Infelizmente, estes conflitos tendem a ser as principais vítimas dos conflitos regionais, com especial incidência no número de refugiados e deslocados, na proliferação da fome e das doenças infecto-contagiosas e no genocídio ou situação de violação das mulheres e crianças (Dubressone & Moreau, 2011, p. 62-67).Alguns autores consideram o Estado Africano, apesar de todas as suas fraque-zas e num quadro de relativa estabilidade, como sendo o principal agente da segurança e o responsável primário pela proteção dos seus cidadãos. Contudo, não só os problemas internos, mas também os problemas de escala suprana-cional só podem ser ultrapassados por intermédio de coligações de Estados ou Organizações Regionais, havendo a necessidade de os considerar como agentes ativos da segurança, pois como pode haver Estados sem segurança, mas não existe segurança sem o Estado e este tem uma posição de charneira entre a população, as organizações e outros atores.Apesar do exposto, constata-se uma crescente perceção de que a paz em áfri-ca resulta fundamentalmente do incremento do nível de segurança humana e que esta não se garante apenas pelo somatório da segurança de cada Estado, pois as fontes da conflitualidade vagueiam entre as porosas fronteiras Africa-nas. A solução para a conflitualidade em África poderá assim ser garantida eminentemente pelo conjunto da cooperação estratégica entre os Estados e as Organizações Regionais Africanas, pois estas últimas ao assumirem essa responsabilidade, constituem-se num elo privilegiado de ligação entre as Or-ganizações Internacionais e os Estados não-Africanos cooperantes, conferindo uma perspetiva bimultilateral e mais abrangente, da cooperação para a gestão dos conflitos em África. As modalidades de cooperação estratégica podem incluir, num sentido mais amplo, a RSS e a RSD do Estado Africano, contribuindo diretamente para um maior índice de segurança em áfrica. Contudo, o crescimento do pilar do setor da defesa na construção do Estado não é só por si o garante da constru-ção equilibrada da sua “good governance”, da Democracia e da estabilidade governativa, proporcionando, no entanto, o sentimento de segurança coletivo necessário para que as populações acolham as estratégias de apoio ao desen-volvimento. Neste contexto, a trilogia definida pela “Defesa” (segurança), “Desenvolvimento” e “Diplomacia”, são atualmente considerados os fatores críticos do sucesso para o Estado Africano e representam por isso, os vetores privilegiados de preocupação e de integração das estratégias da Comunidade Internacional para áfrica. A estratégia “D3” parece ser, numa perspetiva inte-grada, a combinação ideal para ultrapassar os atuais problemas e os flagelos no continente (William, 2005, p.5-7).

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4. mECANISmoS DE GESTÃo ESTrATÉGICA DoS CoNFLIToS Em ÁFrICA

Martin Meredith, referindo-se às causas endógenas dos conflitos Africanos, afirma mesmo que estas têm “…raízes nas contradições entre os modos tradicionais e os requisitos do estado moderno…” em que uma «nova ordem» democratizadora (ao ter assumido uma liderança e política pré-colonial) entraria em colisão com os princípios tribais enraizados na região e que no choque entre as “´elites governa-mentais” e os “sistemas governamentais” estariam algumas das causas geradoras dos conflitos que ocorreram no período pós-descolonização (2006, p.617-621).Associados aos processos atribulados de independência, surgem problemas políticos, económicos e sociais, estruturais no aparelho estatal, que os países descolonizados não souberam acautelar e em que os países colonizadores não quiseram ou não puderam intervir. Conjugaram-se assim alguns dos fatores su-pracitados com a inexperiência governativa, a falência das economias, o desvio de recursos naturais e o forte investimento no aparelho militar e criaram-se as condições que levaram ao insurgimento popular, ao aparecimento de grupos ar-mados, bem como o aumento do grau de insegurança e um subdesenvolvimento generalizado. Estes aspetos são sistemática e recorrentemente referidos como os motivos que originaram, e continuam a originar, a cisão entre o povo e o Estado, refletindo-se na atual realidade social e governativa Africana. Como refere francis fukuyama, corroborando a opinião de Douglas North, as sociedades caem sistematicamente em armadilhas cognitivas, não compreendendo que ficaram para trás ao “…diagnosticaram erradamente as causas do seu subde-senvolvimento, não sendo capazes de emular os modelos que lhes foram apresen-tados ao longo dos tempos…”, referindo-se concretamente à áfrica Subsariana, salienta ainda que “…a violência endémica e a competição militar não levaram à formação do Estado, mas sim ao caos e ao colapso social…” (2006, p.111).A transnacionalidade dos problemas securitários na região subsariana deriva em grande parte, como constatamos, da permeabilidade das fronteiras do Estado e da sua exiguidade como garante da segurança regional. Este fator aliado à atribulada geopolítica do espaço que ocupam faz com que exista uma plurali-dade de variáveis na complexa equação da atual segurança regional, tornando difíciluma análise sistémica englobada em modelos padronizados de análise de conflitos. No entanto, o enquadramento teórico no «ciclo de vida do conflito» parece ser, como vimos, uma boa aproximação para a análise, uma boa base de trabalho académico para a sua compreensão e um potencial contributo para a adequada gestão dos conflitos regionais na África subsariana. Pensamos mes-mo que sem existir uma boa base conceptual de entendimento não é possível delinear qualquer estratégia de segurança sustentada para o continente.

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A regionalização dos instrumentos de alerta e de gestão dos conflitos, bem como a complexidade crescente das múltiplas variáveis em jogo, traz para a atualidade a necessidade de se aprofundar o estudo destes fenómenos geopolíticos, com vista a se poder determinar-se cabalmente as causas e possíveis consequên-cias, no intuito de prevenir o futuro da segurança na região, no continente e com reflexos no mundo. Consideramos que uma possível solução passa por regionalizar as análises sistémicas e os mecanismos de alerta e intervenção, mas globalizar os sistemas de apoio à macro gestão do conflito e de ajuda ao desenvolvimento a realizar, antes, durante e após o desenvolvimento da crise. Neste contexto, a análise da conflitualidade na região subsariana tornou-se ainda mais complicada quando se antevê que num grande número de casos, o conflito acaba por gerar as causas que lhe deram origem, enfraquecendo os sistemas estatais, aprofundando clivagens étnicas, rompendo barreiras fronteiriças e pro-vocando a destruição das estruturas governativas socioeconómicas. Assiste-se, por vezes, a um círculo vicioso em que na procura da paz e da estabilidade regional, se encontra a violência e a insegurança regional. Aspeto que tem le-vado a sociedade internacional a questionar-se sobre os modelos de análise e a aplicação de estratégias “ocidentalizadas” de gestão dos conflitos em África.Academicamente, determinar as principais “rootcauses” de um conflito é um exercício que requer um rigor científico e desejavelmente a participação multi-disciplinar de especialistas em vários domínios, não só no âmbito das ciências humanas mas também das ciências naturais e exatas. A análise tornou-se mais complexa, na medida em que quando se estuda um conflito numa dada região do globo onde os atores, as motivações, os valores, os processos e os efeitos são substancialmente diferentes dos tipicamente padro-nizados pelo mundo ocidental, não parece ser possível comparação com outros conflitos em outras áreas do globo e implementar modelos já “experimentados”. Alguns autores, numa tentativa académica de compreensão, sistematização e de análise sistémica dos conflitos regionais nesta região, optam por listar as causas que conduzem ao conflito e sobre essas elaboram estratégias de gestão no intuito de contribuir para uma maior segurança regional, garantindo uma melhor sistematização na análise conflitual (Roque, 2005, p.19). Para alguns autores, a falência do Estado é a origem direta dos problemas securitários e de subdesenvolvimento na região subsariana, derivando da sua falta de capacida-des e principalmente de “soberania”, bem como de outros fenómenos políticos e económico-sociais que agravam a conflitualidade regional, transportando insegurança não só para áfrica, mas por via da globalização para o mundo (Ney, 2002, p. 25-32).Em complemento, outros autores ainda advogam que o Estado Africano é ape-nas uma das causas, referindo igualmente a natureza social, religiosa, militar e política dos conflitos, o que faz com que seja possível identificar um conjunto

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de outras razões díspares como o acesso ao poder, o controlo de recursos naturais rentáveis, a luta pelo domínio de determinada região, fronteira ou rota, o controlo da costa e dos portos, o fanatismo religioso, a proliferação de santuários e o tráfego de pessoas e armamento (fisas, 2004). Contudo, quando se pretende determinar as causas internas num conflito, tendencial-mente olha-se para o Estado e para os seus atributos primordiais, e encontram-se as causas, na falência desses atributos normalmente relacionadas com a insegurança, a falta de condições básicas e o subdesenvolvimento das suas populações. Associado às características do Estado, surge também o conceito de “good governance”. Conceito que é apresentado como a questão chave que transversalmente abrange as valências do Estado, residindo no seu apoio e no seu fortalecimento, o investimento estratégico da Comunidade Internacional na áfrica Subsariana (Cardoso & ferreira, 2005, p. 44). Por outro lado, as causas externas são por norma as que derivam do exterior do Estado e que se constituem num potencial iniciador ou catalisador da crise, ou seja, aquelas que, direta ou indiretamente, participam na gestão dos mesmos, não só fornecendo apoio logístico ou moral, mas acolhendo apoios de deter-minadas fações, tendo em vista tirar vantagem no desfecho do conflito. Neste contexto, na áfrica Subsariana, devido à permeabilidade das fronteiras e ao domínio político-estratégico dos grupos étnicos que a povoam, torna-se quase imperceptível definir se o conflito envolve grupos ou clãs, ou se circunscreve às fronteiras de um só Estado, pois os limites do conflito são normalmente os limites dos meios disponíveis e principalmente dos interesses conjunturais vigentes. As fronteiras geopolíticas que limitam as intervenções das Organiza-ções Internacionais não são na maioria dos casos coincidentes com as linhas de fronteira dos conflitos regionais, pois estes estendem-se por regiões, países, desertos e mares, que não coincidem com as fronteiras geopoliticamente defi-nidas na cartografia terrestre e marítima subsaariana (Hugon, 2007, p.18-20).Alguns fatores de ordem interna dos Estados, como a pobreza social, a instabilidade social e política, a corrupção e a insegurança devido às agitadas transformações, simultaneamente políticas, económicas, institucionais e sociais, ocorridas nos Es-tados Africanos nesta região, vêm mostrando que, tal como refere fátima Roque, “…o desenvolvimento residual realizado a várias velocidades, não permitiram um crescimento homogéneo do continente Africano…” (2005, p.19-20). Por outro lado, os desequilíbrios e as clivagens internas induzem a desigualdades e pressões externas, originando fluxos de populações e refugiados, normalmente em busca de melhores condições de vida, fugindo aos conflitos e à mortandade e que, podem constituir, simultaneamente, causa e consequência de conflitos étnicos e sociais, mais ou menos gravosos, de acordo com a incidência geo-gráfica e social desses fenómenos migratórios. Aspetos que, segundo Janete Cravino, são considerados elementos transversais nas estratégias de gestão de

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conflitos e surgem integrados nos programas de RSS ou RSD como soluções para os conflitos em África no século XXI (2010, p. 56-59).

5. CoNCLuSÕES

As ameaças transnacionais que são, em ambos os lados da fronteira, associados a novos poderes que surgem da necessidade de controlo de regiões estrategica-mente relevantes, fazem emergir uma necessidade de se considerar a intervenção de poderes autóctones paralelos/sobrepostos ao Estado em regiões intra e extra fronteiriças, no intuito de se adequarem às condições para a intervenção dos agentes da paz, pois que para os primeiros a desordem e a destabilização regional são os ambientes fomentadores das suas atividades ilícitas. Neste contexto, a segurança em áfrica passou a ter como um dos pilares fundamentais as Orga-nizações Regionais, recaindo nestas o planeamento das estratégias e ativação das componentes operacionais da União Africana inseridas na Arquitectura de Paz e Segurança Africana, intervindo direta e indiretamente nos Estados.A panóplia de atores transnacionais que intervêm na salvaguarda da paz e segurança, como responsáveis primários face ao Direito Internacional, pretendem garantir uma legitimidade na interposição no conflito. Contudo, a intervenção na gestão do con-flito, e a participação destes atores, são também objeto de interesses próprios, nem sempre partilhados e inteiramente convergentes, em prol de valores universais que são transversalmente aceites. Salienta-se ainda, no puzzle de interesses conjugados, a monopolização do comércio de matérias preciosos ou recursos estratégicos, vitais para os países, para as regiões, para áfrica e relevantes no contexto económico global. Assim encontramos algumas das causas para uma relativa inépcia no controlo e uma deficiente gestão dos conflitos regionais africanos, pois a interação destes atores (com interesses diferenciados), em caso extremos pode ser considerado um fator potenciador de possíveis tensões internas em áfrica.Como vimos, o número de atores e de interesses são cada vez maiores e a perspetiva futura do acesso aos recursos estratégicos passa pelos Organismos Internacionais e pela estratégia agressiva dos atores que cooperam para a paz e desenvolvimento na áfrica Subsariana. Por todos estes motivos, assiste-se a uma intervenção crescente em áfrica, advindo potencialmente maior grau de seguran-ça e de desenvolvimento para a região, mas também aumentando as disputas e levando ao surgimento de conflitos de interesses. Contudo, constata-se que outros fenómenos conjunturais e outras ameaças transnacionais se têm deslocalizado para estes espaços, fazendo com que múltiplos interesses sejam colocados na gestão dos conflitos, fomentando, por interpostos atores, a continuidade e em casos mais radicais o agravamento da insegurança regional. Neste particular, importa salientar em suma que fatores como o terrorismo transnacional, a proliferação

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do tráfico de pessoas, armas e droga de entre outras ameaças, são facilitados e facilitadores, pela prevalência de fatores de instabilidade em regiões onde se jogam os interesses geoestratégicos e geopolíticos de múltiplos atores. Neste quadro, consideramos que para se estudar os conflitos regionais em África, deve definir-se num modelo conceptual as “rootcauses”, contextualizando os atores, motivações, consequências para o Estado Africano, para as sociedades e fazendo a prospeção de cenários geoestratégicos e geopolíticos, no intuito de conceber a melhor forma de intervenção dos atores multinacionais. Devem sistematizar-se as causas profundas dos conflitos e, é só assim que termos condições para desenhar estratégias de apoio ao desenvolvimento e de segurança sustentada para o século XXI. É fundamental a criação de um modelo académico onde se proceda à sistematização das causas dos conflitos em África, sabendo antecipadamente que a fronteira entre as causas internas e externas nem sempre é consensual e que em áfrica “…cada conflito é um conflito…”, não existindo, para já, identidade e matriz própria para a conflitualidade regional. Neste contexto, qualquer visão académica resulta numa amálgama de causas difusas que caracterizam transversalmente a conflitualidade na região, mas que carece de uma análise sistémica, multidisciplinar mais abrangente e especializada, pois que para se perceber as causas implica perceber a amplitude do conflito e para se perceber o conflito devemos perceber as suas “rootcauses”. Pensamos assim que a adequada interação entre causas internas e causas externas materializa a dinâmica entre as permeáveis fronteiras dos Estados na região, pois a dificuldade da interpretação deriva precisamente da descontinuidade geopolítica e da fluidez do espaço que representam conjunturalmente. Como refere Theresa Whelan, relativamente ao “African environment”, a região subsariana continua a enfrentar constantes problemas de segurança, políticos e económicos, resultantes de crises estatais. O maior problema porém resulta da incapacidade em resolver os problemas de insegurança interna, da aplicação das leis do Estado de Direito e principalmente da não garantia de inviolabilidade das suas fronteiras geográficas (2006, p.64). Refere ainda a este propósito, a “ingovernabilidade” dos espaços de fronteira entre os conflitos e o Estado, com reflexos na inoperância verificada entre as entidades afetadas e envolvidas nos conflitos regionais transfronteiriços neste continente. No contexto das Relações Internacionais a dinâmica evolutiva da recente da conflitualidade e especialmente dos conflitos regionais acompanhou a dinâmica da evolução dos Estados no período pós guerra-fria, tendo-se assistido a uma mudança significativa da sua intensidade, distinção geográfica e tipologia, pois os conflitos transitaram para o interior dos Estados e deslocalizam-se para regiões que não constam no mapa geopolítico da conflitualidade no passado recente. Assim e em suma, por via da “globalização” dos conflitos regionais assistiu-se em áfrica a uma fragilização dos estados e das suas estruturas sociais, políticas e militares, em que a permeabilidade das fronteiras e a deficiente “good governan-

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ce” levaram a uma “crise” de soberania do Estado Africano, o qual causou uma perturbação no espaço subsariano, revelando-se assim uma permanente ameaça transnacional à segurança global. Neste contexto, considera-se que existe uma nova geopolítica dos conflitos em África, associada à crise do Estado que, tem levado a sociedade internacional a intervir crescentemente neste continente com vista a contribuir para a segurança regional, como elemento do desenvolvimento sustentado.A atual conjuntura geopolítica subsariana, não só relacionado com as dinâmicas das fronteiras mas em outros domínios (económico, político, no tecido social e na gestão dos recursos naturais estratégicos), tem contribuído para o aumento de conflitos na região subsariana, assumindo o Estado o principal ónus deste fenómeno conjuntural. Numa perspetiva mais alargada, e em resumo, constatamos que as causas dos conflitos regionais em África vão desde questões de ordem social, religiosa, militar e política, assistindo-se por norma à combinação destes elementos, levando a que cada conflito tenha não apenas uma única causa, mas uma miríade de causas e uma complexidade de fatores que o tornam num fenómeno de difícil análise e compreensão para a sociedade internacional, principalmente quando se utiliza os padrões ocidentais de comparação e de análise da conflitualidade no mundo. Toda-via, a temática de sistematização académica resulta da necessidade de se analisar os conflitos regionais de uma forma multidisciplinar, com um enfoque particular nas suas “rootcauses”, procurando identificar as causas internas, externas e outras causas, em que a razão da fronteira física não é limitadora, mas sim orientadora e geopoliticamente relevante, sobre as motivações que induziram os conflitos regionais na áfrica subsariana do século XX e induzem agora no século XXI.

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Luís manuel Brás Bernardino

Major de Infantaria do Exército Português. Comandante de Batalhão de for-mação na Escola Prática de Infantaria. Curso de Estado-Maior Conjunto. Pós Graduação em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Mestre em Estratégia pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP-UTL). Doutorado em Relações Internacionais pelo mesmo Instituto. Membro da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia de Lisboa. Investigador do Observatório Político. Membro da Direcção da Revista Militar. Sócio correspondente do Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA). Investigador associado na Universidade Lusíada de Angola. Membro da international Political Science Association.

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nótulAs sobre os órGãos de soberAniA

José fontes a1 a Departamento de Ciências Sociais e de Gestão, Universidade Aberta, Rua da Escola Politécnica, 141,

1269-001 Lisboa, Portugal/ Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244 Lisboa, Portugal.

ABSTrACT

This paper aims to provide scientific information on the main significant cha-racteristics of Portuguese sovereign organs. It focuses on the powers provided in the current version of the Portuguese Constitution (1976).Key Words: Organs of Sovereignty (State organs). Portuguese Constitution. Legal and constitutional powers. Separation and interdependence of powers. Scientific dissemination.

rESumo

Este artigo de divulgação científica visa dar a conhecer os principais traços marcantes do regime legal e constitucional dos órgãos de soberania portugueses. Incide — pois — sobre as competências constitucionalmente consagradas e sobre o regime jurídico previsto na Constituição de 1976 na sua última versão.Palavras-Chave: órgãos de Soberania. Constituição da República Portuguesa. Com-petências. Separação e interdependência de poderes. Nótulas de divulgação científica.

1. ENQuADrAmENTo

Os órgãos de soberania podem ser considerados os órgãos supremos do Estado e são, nos termos da atual Constituição da República Portuguesa: o Presidente da

1 Contactos: Email – [email protected], Tel. - +351 213 916 300Recebido em 05 de Janeiro de 2013 / Aceite em 18 de fevereiro de 2013

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República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais. Estes órgãos são as estruturas essenciais e nucleares do sistema político português partilhando e exercendo o poder em nome do Povo, onde reside a soberania, nos termos da Constituição. Até à primeira revisão constitucional de 1982, data em que veio a ser extinto, o Conselho da Revolução era, igualmente, um órgão de soberania.

2. o PrESIDENTE DA rEPÚBLICA

O Presidente da República é, nos termos da Constituição, um órgão de soberania unipessoal representativo da comunidade nacional e da República Portuguesa. O Chefe de Estado garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e exerce, por inerência, as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas e de Grão-Mestre das ordens honoríficas portuguesas, conferindo condecorações, nos termos da lei. A Constituição atribui-lhe uma legitimidade democrática direta, que resulta da sua eleição por sufrágio secreto, direto e universal.O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos, não po-dendo ser eleito para um terceiro mandato consecutivo nem para um terceiro mandato cuja eleição ocorra no quinquénio imediatamente subsequente ao ter-mo do segundo mandato consecutivo. São elegíveis para o cargo os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos e as candidaturas são propostas, junto do Tribunal Constitucional, por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores.A eleição do Presidente da República decorre segundo o sistema eleitoral maioritário a duas voltas sendo eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando como tal os votos em branco. Se nas eleições presidenciais nenhum dos candidatos obtiver esse nú-mero de votos, proceder-se-á a segundo sufrágio a que concorrerão apenas os dois candidatos mais votados que não tenham retirado a candidatura. O Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento do Parlamento ou da sua Comissão Permanente, se aquele não estiver em funcionamento, e em caso de ausência do território nacional é subs-tituído, interinamente, pelo Presidente da Assembleia da República.O Chefe de Estado pode renunciar a qualquer momento ao mandato em men-sagem dirigida à Assembleia da República e esta renúncia torna-se efetiva com o conhecimento da mensagem pelo Parlamento, sem prejuízo da sua ulterior publicação no Diário da República. Para além do importante poder moderador o Presidente da República exerce a sua influência de magistratura sob o sistema político nacional, compe-tindo-lhe, na prática de atos próprios nomeadamente, promulgar e mandar

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publicar as leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares; assinar as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacio-nais e os restantes decretos do Governo; submeter a referendo questões de relevante interesse nacional; declarar o estado de sítio ou o estado de emergência; pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República; indultar e comutar penas, ouvido o Governo; requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, de decretos-leis e de convenções internacionais e a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas, bem como a verificação de inconstitucionalidade por omissão.Relativamente a outros órgãos compete ao Presidente da República designada-mente presidir ao Conselho de Estado; marcar, de harmonia com a lei eleitoral, o dia das eleições do Presidente da República, dos Deputados à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas; convocar extraordinariamente o Parlamento; dirigir mensagens à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas; dissolver a Assembleia da República, nos termos constitucionais, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado; nomear e exonerar o Primeiro-Ministro e demitir o Governo, nos termos da Constituição; nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro; presidir ao Conselho de Ministros, quando o Primeiro-Ministro lho solicitar; dissolver as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, ouvidos o Conselho de Estado e os partidos nelas representados, observado o disposto na Constituição; nomear e exonerar, ouvido o Governo, os Representantes da República para as regiões autónomas; nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o Procurador-Geral da República; nomear cinco membros do Conselho de Estado e dois vogais do Conselho Superior da Magistratura; presidir ao Conselho Superior de Defesa Nacional; nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o Chefe do Estado-Maior-General das forças Armadas, o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das forças Armadas, quando exista, e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das forças Armadas, ouvido, nestes dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior-General das forças Armadas.Por outro lado, o Chefe de Estado pode, no uso do poder da palavra, dirigir comunicações ou mensagens ao País e à Assembleia da República. Compete ainda ao Presidente da República, no âmbito das relações internacionais, nomear, sob proposta do Governo, os embaixadores e os enviados extraordinários e acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros; ratificar os tratados internacionais; e declarar a guerra em caso de agressão efetiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República.

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Importa assinalar que o Chefe de Estado é o guardião da Constituição que, no dia da sua tomada de posse, perante o Parlamento, jura cumprir e fazer cumprir, através da seguinte declaração de compromisso:

«Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa».

De salientar ainda que junto do Presidente da República funciona, nos termos da Constituição, o Conselho de Estado que é um órgão de consulta política do Chefe de Estado, por ele presidido e que é composto pelo Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-Ministro, pelo Presidente do Tribu-nal Constitucional, pelo Provedor de Justiça, pelos presidentes dos governos regionais; pelos antigos presidentes da República eleitos na vigência da atual Constituição que não hajam sido destituídos do cargo, por cinco cidadãos de-signados pelo Presidente da República pelo período correspondente à duração do seu mandato e por cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período corres-pondente à duração da legislatura.

3. A ASSEmBLEIA DA rEPÚBLICA

A Assembleia da República é o órgão unicameral representativo de todos os cidadãos portugueses e é composta atualmente por 230 Deputados. De assina-lar a rutura que ocorreu com a nossa História constitucional que consagrava tradicionalmente parlamentos bicamarais. Os Deputados são eleitos através do método proporcional da média mais alta de Hondt, em resultado de sufrágio universal, direto e secreto. Somente os parti-dos políticos, isolados ou em coligação, podem apresentar listas de candidatos, embora estas possam integrar cidadãos independentes não filiados em partidos políticos. Os Deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos podem constituir-se em grupo parlamentar, mas é de assinalar que, de acordo com a nossa Constituição, embora eleitos por círculos eleitorais, representam todo o País. Importa referir que as sessões legislativas têm a duração de um ano iniciando-se em 15 de setembro e as legislaturas têm a duração de quatro sessões legislativas.A Assembleia da República para além da Mesa e da sua Comissão Permanente, que exerce funções fora do período normal de funcionamento do Parlamento, organiza-se em várias comissões parlamentares previstas no Regimento, cuja composição corresponde à representatividade dos partidos no plenário da As-sembleia da República, e pode ainda constituir comissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado.

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Importa assinalar que a Assembleia da República pode ser convocada extraordi-nariamente pelo Presidente da República para se ocupar de assuntos específicos. Tradicionalmente, as principais competências dos parlamentos traduzem-se, entre outras, no exercício da competência legislativa, através da aprovação de Leis; na eleição de um conjunto de membros e titulares de órgãos do Estado; e no âmbito das relações internacionais na aprovação de tratados internacionais. A competência legislativa do nosso Parlamento é de tal importância que alguns autores se referem até a um primado de competência legislativa da Assembleia da República relativamente aos restantes órgãos com competência legiferante.O Parlamento dispõe ainda de uma competência que o relaciona com outros órgãos de soberania e a ele compete, designadamente: testemunhar a tomada de posse do Presidente da República e dar assentimento à sua ausência do território nacional; promover o processo de acusação contra o Presidente da República por crimes praticados no exercício das suas funções; deliberar sobre a suspensão de membros do Governo; apreciar o programa do Governo; votar moções de confiança e de censura ao Executivo; acompanhar e apreciar a par-ticipação de Portugal no processo de construção europeia e o envolvimento de contingentes militares e de forças de segurança no estrangeiro; eleger, segundo o sistema de representação proporcional, cinco membros do Conselho de Estado e os membros do Conselho Superior do Ministério Público que lhe competir designar e eleger, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, dez juízes do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, o Presidente do Con-selho Económico e Social, sete vogais do Conselho Superior da Magistratura, os membros da entidade de regulação da comunicação social e de outros órgãos constitucionais cuja designação, nos termos da lei, seja cometida à Assembleia da República.O nosso Parlamento dispõe, igualmente, de uma competência de controlo po-lítico e, no exercício de funções de fiscalização, incumbe-lhe, designadamente, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Go-verno e da Administração, cabendo-lhe igualmente tomar as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar. Este poder de controlo político pode ser exercido através de diferentes instrumentos parlamentares de fiscalização como sejam as perguntas ao Governo, as interpelações ou os inquéritos parlamentares.Compete, ainda, à Assembleia da República desempenhar uma competência autorizante traduzida por excelência nas autorizações legislativas concedidas quer ao Governo quer às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e também uma competência autorizante em relação ao Governo para contrair ou conceder empréstimos.

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4. o GoVErNo

O Governo é um órgão de soberania colegial nomeado pelo Presidente da Re-pública e tem uma competência genérica de carácter administrativo e político--legislativo. O Executivo é o órgão superior da Administração Pública e de condução da política geral do país sendo composto pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado, podendo incluir ainda Vice-Primeiros-Ministros. O Primeiro-Ministro, nomeado pelo Presidente da República ouvidos os parti-dos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais, é responsável institucionalmente perante o Chefe de Estado e politica-mente perante a Assembleia da República. Por outro lado, é o Primeiro-Ministro que propõe ao Chefe de Estado a nomeação, nos termos constitucionais, dos Vice-Primeiro(s)-Ministro(s), quando os houver, e dos Ministros. Qualquer um destes Ministros é responsável perante o Primeiro-Ministro e só no âmbito da responsabilidade política do Governo é que são responsáveis perante a Assembleia da República. Quanto aos Secretários e Subsecretários de Estado igualmente nomeados pelo Chefe de Estado sob proposta do Primeiro-Ministro são responsáveis perante este e perante o respetivo Ministro que coadjuvam. Importa frisar que, em Portugal, são os Ministros que têm competências próprias no âmbito da política de cada Ministério, podendo, no entanto, ser coadjuvados por Secretários e Subsecretários de Estado que dispõem apenas de competências delegadas nos termos da lei.Compete ao Primeiro-Ministro dirigir a política geral do Governo, coordenando e orientando a ação de todos os Ministros e o funcionamento do Executivo e as suas relações de carácter geral com os demais órgãos do Estado; informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País e exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei. O Governo é um órgão complexo, pois pode funcionar de forma singular, atra-vés de cada um dos seus membros, ou de forma colegial através do Conselho de Ministros. Importa assinalar que os membros do Governo estão vinculados solidariamente ao programa do Governo e às deliberações tomadas em Con-selho de Ministros.Compete ao Chefe do Governo submeter à apreciação da Assembleia da Repú-blica o Programa do Governo até ao décimo dia posterior à sua nomeação e para a sua rejeição exige-se a maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções. Importa referir que o Programa do Governo não necessita de ser aprovado sendo suficiente que não seja rejeitado.A responsabilidade política do Governo perante a Assembleia da República é uma responsabilidade de natureza parlamentar e solidária de todo o Governo,

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enquanto que perante o Presidente da República é de natureza institucional, já que, nos termos da Constituição, se estabelecem limites para a demissão do Governo por parte do Chefe de Estado, principalmente resultantes da avaliação do não funcionamento regular das instituições democráticas, ou seja, só nessas circunstâncias é que, constitucionalmente, o Presidente da República o pode demitir, ouvido necessariamente e para o efeito o Conselho de Estado.Para além disso, a tomada de posse de um novo Presidente da República não implica, nos termos constitucionais, a existência de um novo Governo, enquanto que o início de uma nova legislatura parlamentar implica, constitucionalmente, a tomada de posse de um novo Governo porque envolve a demissão do Exe-cutivo em funções, nos termos da Constituição.Nos nossos dias, o Executivo tem uma vasta competência legislativa e norma-tivizadora exercida através da aprovação de decretos-leis e de regulamentos, respetivamente. Existem vários tipos de regulamentos aprovados pelo Executivo, como sejam as portarias, emanadas de um ou de vários membros do Governo, e os despachos normativos, que se assumem como diplomas normativos, po-dendo existir outros decretos com natureza geral e abstrata. Contudo, os mais importantes regulamentos do Governo são os decretos regulamentares, que são obrigatoriamente promulgados pelo Presidente da República. De referir que a Constituição consagra três situações em que existem Gover-nos que não estão na plenitude dos seus poderes constitucionais, isto é, que não podem exercer algumas das competências constitucionalmente previstas, principalmente as relacionadas com a inovação político-legislativa, e que são os chamados Governos de gestão, que assumem esta característica em três si-tuações concretas: os Governos demitidos ao abrigo do poder de demissão do Presidente da República; os Governos sem programa apreciado na Assembleia da República mas entretanto já nomeados pelo Chefe de Estado; e os Governos demissionários, ou seja, aqueles diretamente relacionados com o exercício do poder de demissão por parte do Primeiro-Ministro. Estes Governos só podem praticar atos de gestão corrente dos negócios públicos que estejam relacionados com as necessidades urgentes do Estado.

5. oS TrIBuNAIS

Os Tribunais têm competência para administrar a justiça em nome do povo, são independentes, estão apenas sujeitos à lei e as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos di-reitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

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A independência da função judicial e a irresponsabilidade dos juízes são prin-cípios que não podem confundir-se com ausência de fiscalização ou de desres-ponsabilização dos agentes ativos da Administração da Justiça em Portugal. Pelo contrário, no nosso sistema jurídico-constitucional não há poder isento de controlo.Nos termos da Constituição, para além do Tribunal Constitucional, existem designadamente as seguintes categorias de tribunais: o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instâncias; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; e o Tribunal de Contas. Podem existir ainda tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.Importa assinalar que em Portugal todos os tribunais podem emitir juízos de constitucionalidade das normas, já que, nos termos da nossa Lei fundamental,

«nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

Em suma, a Constituição comete aos tribunais a justa composição de litígios.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

ANDRADE, José Carlos Vieira de (1977). Direito Constitucional — Sumários das lições proferidas ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano letivo de 1977/78, Coimbra.

CAETANO, Marcello (1957). A Constituição de 1933. estudo de Direito Polí-tico, 2.ª edição contendo o texto da Constituição, Coimbra Editora.

———— (1994). Constituições Portuguesas, Verbo, 7.ª Edição, segundo a úl-tima edição revista e atualizada pelo autor com a análise do texto inicial da Constituição de 1976, Janeiro.

———— (1989) Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, 6.ª edição revista e ampliada por Miguel Galvão Teles, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra.

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———— (1991). Direito Constitucional. 5.ª edição, totalmente refundida e aumentada, Livraria Almedina, Coimbra.

———— (1993). Direito Constitucional, 6.ª edição revista, Livraria Almedina, Coimbra.

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———— Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra.

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COELHO, Mário Baptista (coordenação de) (1989). Portugal — O Sistema Político e Constitucional 1974-1987, Instituto de Ciências Sociais, Uni-versidade de Lisboa.

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———— (1990). Direito Constitucional – Aditamentos. Apontamentos de aulas dadas ao 2.º ano jurídico, faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

———— (1977). estudos sobre a Constituição, 1.º Volume, Livraria Petrony, Cap. X, «O quadro de direitos políticos da Constituição», Anotações diversas.

———— (1978). estudos sobre a Constituição, 2.º Volume, Livraria Petrony, Cap. XIII, «O Direito Eleitoral na Constituição».

———— (1990). Funções, Órgãos e Atos do estado, Apontamentos das lições, faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

———— (1990). Manual de Direito Constitucional, Tomo I, Preliminares, O Estado e os Sistemas Constitucionais, 4.ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora.

———— (1988). Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Introdução à Teoria da Constituição, 2.ª edição, revista, (reimpressão), Coimbra Editora.

———— (coordenação) (1986). nos dez anos de Constituição, Imprensa Na-cional — Casa da Moeda.

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JoSÉ FoNTESProfessor Auxiliar com Agregação da Universidade Aberta e da Academia Mi-litar. Doutor em Ciências Políticas e mestre em Ciências Jurídico-Políticas. Investigador científico do Centro de Administração e Políticas Públicas/ISCSP, do CINAMIL e do Observatório Político — Plataforma de Investigação em Estudos Políticos. Eleito Académico Correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. Exerceu as funções de secretário-geral do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior. Autor de vários livros e artigos designadamente sobre Ciência Política, Direito Constitucional, Administração Pública e Direito Administrativo.

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CArACterizAção dA AuditoriA nA AdministrAção fi-nAnCeirA do exérCito PortuGuês

Joaquim Alves a1 e Manuela Sarmento bc2

a faculdade de Ciências da Economia e do Emprego, Universidade Lusíada de Lisboa, Rua da Junqueira 188, 1349-001, Lisboa, Portugal.

b Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244 Lisboa, Portugal.c Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

This work aims to study the Army audit system, and in particular, the audit of the financial management. We analyse the Army audit system, in the aspects of legal, policies and procedures, audit bodies and their competences.firstly, it is presented a short presentation of the Army organization, and in particular its financial organization, followed by the characterization of its ac-counting systems, internal control and management information. We will also present a description of the various audit bodies and their competencies.Since the Army audit system is shaped by laws and regulations that define the audit bodies, their powers, and by regulations in inspection and audit, it is appropriate to proceed with its analysis in these two aspects.This study will reference the main audit pillars of the state financial adminis-tration established in the regulatory audit for public services.Key-words: financial audit, state rules, Army accountability

rESumo

Este trabalho tem por objetivo estudar o sistema de auditoria em vigor no Exército, e em particular, a auditoria relativa à gestão financeira. Para o efeito, procede-se ao levantamento e análise da auditoria no Exército, quanto às vertentes enquadramento legal, normas e procedimentos, órgãos de auditoria e respetivas competências.Em primeiro lugar, faz-se uma breve apresentação da organização do Exército,

1 Contactos: Email – [email protected] (Joaquim Alves), Tel. - +351 213 611 5002 Contactos: Email – [email protected] (Manuela Sarmento)

Recebido em 08 de Outubro de 2012 / Aceite em 12 de Dezembro de 2012

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e em particular, da sua organização financeira, seguidas da caracterização dos seus sistemas contabilístico, de controlo interno e de gestão da informação. far-se-á uma indispensável descrição dos vários órgãos de auditoria e das respetivas competências e da apresentação das normas de auditoria existentes.Dado que o sistema de auditoria no Exército é enformado pela legislação e regulamentação, que define os órgãos de auditoria e as respetivas competên-cias e pelos regulamentos e normas na área da inspeção e auditoria, afigura-se pertinente proceder à sua análise nestas duas vertentes.Este estudo terá como referência os principais pilares da auditoria da admi-nistração financeira do Estado estabelecidos nos normativos de auditoria para serviços públicos. Palavras-chave: auditoria financeira, regras do estado, contabilidade no Exército.

1. orGANIZAÇÃo E CArACTErIZAÇÃo Do EXÉrCITo

A Lei Orgânica do Exército3 define o âmbito de atividade, as competências e a estrutura do Exército, bem como as respetivas atribuições. O Exército tem por missão principal participar, de forma integrada na defesa militar da República sendo fundamentalmente vocacionado para a geração, preparação e sustentação de forças da componente operacional do sistema de forças. Compete-lhe ainda participar em missões humanitárias e de paz, realizar missões no exterior para garantir a salvaguarda da vida e dos interesses dos portugueses, e colaborar em missões de proteção civil.É constituído pelo Estado-Maior do Exército (EME), órgãos de Conselho (OCE), IGE, órgãos Centrais de Administração e Direção (OCAD), Comando das forças Terrestres (CfT), órgãos Base (OBE) e Elementos da Componente Operacional.Os órgãos Centrais de Administração e Direção são constituídos pelo Comando de Pessoal (Cmd Pess), pelo Comando da Logística (Cmd Log) e pelo Comando de Instrução e Doutrina (CID). Os órgãos de Conselho são compostos pelo Conselho Superior do Exército, o Conselho de Disciplina e a Junta Médica de Recurso.Os órgãos de Base incluem a Academia Militar (AM), as escolas práticas, cen-tros de formação, regimentos, e outros elementos relacionados com a educação, o apoio de serviço, a logística de produção e a saúde militar. Os elementos da Componente Operacional incluem as grandes unidades, designadamente, a Brigada Mecanizada, a Brigada de Intervenção e a Brigada de Reação Rápida e as forças de Apoio Geral.

3 Decreto-Lei nº 231/2009, de 15 de Setembro.

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O organograma simplificado, uma vez que não integra todos os órgãos que constituem esta estrutura, é o que consta na figura 1.

O Exército tem 67 unidades, estabelecimentos e órgãos no país inteiro, ter cerca de 25.000 pessoas ao serviço, entre militares e funcionários civis, e de ter à sua responsabilidade um orçamento anual de cerca de 800.000.000 euros como evidencia a Tabela 1.

Tabela 1: Orçamento executado pelo Exército em 2009.

Figura 1: Organograma simplificado do Exército.

Fonte: Adaptado de Direção de finanças /Exército (2010).

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2. ADmINISTrAÇÃo FINANCEIrA

2.1 orGanização finanCeira

O Exército integra a administração direta do Estado como previsto na Lei nº 4/2004 de 15 de Janeiro, e nos termos desta lei e da sua lei orgânica, no âmbito da administração financeira e patrimonial, tem autonomia ad-ministrativa competindo ao CEME a gestão administrativa, financeira e patrimonial deste organismo. Nesta matéria, o CEME tem as competências para autorizar despesas com a aquisição de bens ou serviços e emprei-tadas de obras públicas próprias dos órgãos máximos dos serviços com autonomia administrativa.Mas, todas estas competências também implicam as consequentes responsa-bilidades, que, perante as entidades exteriores, quer seja a tutela política – o Ministro da Defesa – quer sejam as entidades fiscalizadoras, como o TC, não podem deixar de ser atribuídas ao CEME. A organização financeira que atualmente vigora no Exército mantém as principais características da organização de 1994. Nesta organização a gestão financeira do Exército compete ao Cmd Log que para o efeito, integra a Direção de finanças (Dfin) 4 com autoridade técnica para o efeito. Esta Direção tem atribuídas as competências para 5:

● preparar os projetos orçamentais e promover a gestão do orçamento;● promover a libertação dos meios financeiros e colaborar na gestão fi-

nanceira;● assegurar a execução de um adequado sistema de contabilidade;● propor as normas de execução da administração financeira no Exército;● exercer a autoridade técnica e a realização de auditorias no âmbito da admi-

nistração financeira;● promover o envio da informação e das contas a prestar a entidades externas.

O Comando da Logística concentra também outras atribuições. Para além de assegurar as atividades do Exército no domínio da administração dos recursos financeiros, também o faz relativamente aos materiais, aos transportes e infraes-truturas, tendo a seguinte organização constante da figura 2.

4 Artº 16º do Decreto Regulamentar nº 27/2007, de 29 de Março.5 Artº 25º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.

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Todas estas atividades são executadas pelas direções que compõem este co-mando. A Direção de Material e Transportes gere os transportes e os materiais, o que significa que as necessidades de materiais são enviadas a esta Direção que manda fornecer ou solicita a aquisição. A Direção de Infraestruturas gere as obras de reparações ou novas construções. A Direção de Aquisições faz as grandes aquisições para o Exército.Como facilmente se pode deduzir, todo este leque de atividades não pode fazer-se sem uma larga intervenção do Comandante da Logística, quer a nível de planeamento, quer a nível de execução, pois existem atos, cuja decisão tem de ser dele por excederem as competências dos diretores.Um nível abaixo, situam-se os centros de finanças, que, como órgãos de exe-cução e controlo da atividade financeira dos OCAD 6, assistem o respetivo comando na atividade financeira e no controlo de gestão. Estes órgãos têm por competências 7:● coordenar e consolidar as propostas de orçamento;● propor a atribuição de recursos financeiros, verificar as contas e fiscalizar a

administração financeira;● executar a contabilidade;● prestar as contas mensais e de gerência das unidades subordinadas;● controlar a atividade administrativa e financeira da sua área de influência.

Figura 2: Estrutura do Comando da Logística.

6 Artº 1º do Decreto Regulamentar nº 69/94, de 17 de Dezembro.7 Artº 2º do Decret o Regulamentar nº 69/94, de 17 de Dezembro.

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Mas a execução das atividades financeiras situam-se ao nível das unidades ou equivalentes, que integram uma secção de logística, como órgão de gestão lo-gística e financeira 8 com todas as atribuições para este efeito, designadamente 9:● Elaborar as propostas orçamentais;● Fiscalizar as atividades desenvolvidas no campo financeiro;● Verificar se as existências físicas conferem com os registos;● Controlar e registar as receitas e realizar as despesas de acordo com a legislação;● Guardar os valores e pagar as despesas;● Organizar os processos de aquisições;● Prestar contas.

Interessa referir que as aquisições relacionadas com os investimentos são realizadas centralmente pela Direção de Aquisições que integra o Cmd Log; e que os ven-cimentos são processados no âmbito do Comando do Pessoal e pagos pela Dfin diretamente aos militares e civis; e que a alimentação e o fardamento são também adquiridos centralizadamente e depois distribuídos às unidades. Às unidades típicas apenas é atribuído um pequeno orçamento para enfrentar as despesas diretas das mesmas como a água, a energia, pequenas reparações ou os combustíveis.Mas, em qualquer dos casos, há uma descentralização da função financeira, onde os inputs são introduzidos descentralizadamente na contabilidade pelas unidades.A Figura 3 apresenta a organização financeira do Exército.

8 Artº 1º do Decreto Regulamentar nº 70/94, de 21 de Dezembro.9 Artº 2º do Decreto Regulamentar nº 70/94, de 21 de Dezembro.

Figura 3: Organização financeira do Exército.

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Como se vê, a centralização da responsabilidade no CEME e a descentralização da gestão nos vários comandantes dos vários níveis organizacionais, tornam ainda mais pertinente a existência de um sistema de controlo interno forte que inclua uma igualmente forte componente de monitorização.

2.2 Controlo interno

O sistema de informação em uso no Exército desde 2006 é o Sistema Integrado de Gestão (SIG), baseado no enterprise Resource Planning (ERP) da SAP que inclui todos os serviços do MDN. Teve como base o Despacho orientador Nº 109/MEDN/02, que determinou a implementação em toda a Defesa Nacional de um mesmo sistema de gestão que integrasse todas as funções de suporte (funções financeira, logística e de recursos humanos), constituindo uma plata-forma comum que impusesse procedimentos normalizados.O sistema é constituído essencialmente pelos seguintes módulos, dos quais estão apenas implementados o módulo de Contabilidade Geral, Imobilizado e Public Sector:● fI – Financials - Contabilidade Geral (lançamentos no razão, pagamentos,

e recebimentos).● CO – Controlling - Contabilidade Analítica (Gestão de centos de custos).● AA – Asset Accounting - Imobilizado (Aquisição, transferência, amortizações

e depreciações).● EAPS - enterprise Add-on – Public Sector (Operações relacionadas com orçamento).● PS – Project System - Gestão de Projetos (LPM; PIDDAC; contratos escritos).● MM – Materials Management - Gestão de compras (processo de aquisição e

receção de mercadorias).● HR – Human Resources – Gestão de recursos humanos (colocações; promo-

ções e vencimentos).

Presentemente, a operação do sistema faz-se sobretudo ao nível das unidades em conformidade com o Regulamento para a Administração dos Recursos Materiais e Financeiros do Exército que de alguma forma configura as regras de controlo interno para as unidades.Este regulamento define competências dos responsáveis, designadamente do coman-dante, do chefe da Secção de Logística, do Adjunto financeiro e do Tesoureiro; a organização do órgão interno de execução logística e as respetivas atribuições.Assim, a elaboração das propostas orçamentais para a unidade é da responsa-bilidade da Secção de Logística enquanto o comandante define os programas de atividades que lhe servem de base.Os procedimentos de aquisição são realizados também pela Secção Logística que organiza, sob o ponto de vista administrativo, os cadernos de encargos e toda a documentação inerente aos procedimentos.

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O comandante não tem competências próprias para realizar despesas, mas são-lhe delegadas essas competências até determinado montante. Por isso, se a despesa ultrapassa o limite dessas competências, é solicitada autorização ao superior hierárquico, através de documento designado Pedido de Autorização de Despesa.A emissão de requisições ao exterior e a realização das despesas, assim como a arrecadação de receitas, são feitos pela Secção de Logística, enquanto a recepção e conferência dos bens adquiridos e a armazenagem, são feitos pela subunidade de serviços independente da primeira mediante a guia de remessa, devendo regis-tar a evidência desta recepção, sendo nalguns casos, elaborado auto de receção.Relativamente, aos materiais em armazém, os comandantes de pelotão de rea-bastecimento são responsáveis pela sua escrituração, por garantir a sua guarda e mandar proceder a inventário mensal, enquanto a Secção de Logística os confronta com os registos contabilísticos.As requisições internas são emitidas pelos serviços que necessitarem dos res-petivos bens/serviços dirigidas à subunidade de serviços. Quando envolvem aquisições são dirigidas à Secção de Logística. A Secção de Logística deve elaborar periodicamente informações de gestão, como o controlo orçamental, que devem ser presentes ao comandante. Também são apresentados ao Coman-dante os documentos de receita e de despesa que devem ser assinados por este.A contabilidade é uma responsabilidade do Adjunto financeiro, elaborada pela subsecção de Recursos financeiros, assim como a prestação de contas a enviar aos centros de finanças. O Tesoureiro é o responsável pelas quantias à guarda da unidade, devendo receber e pagar, mediante os documentos assinados previamente pelo adjunto financeiro. O movimento das contas bancárias é feito com as assinaturas do Comandante, Chefe da Secção de Logística e Tesoureiro, podendo ser realizado apenas com duas assinaturas, sendo uma delas obrigatoriamente a do Tesoureiro.São elaboradas atas de determinados eventos como a criação/extinção da Sec-ção de Logística, a substituição de qualquer dos elementos ligados à gestão financeira ou a aprovação da conta de gerência.Estão previstas ações de fiscalização e de controlo da execução das atividades logísticas pelo Comandante, bem como a fiscalização dos valores á guarda da unidade pelo Chefe da Secção de Logística.

2.3 sisteMa ContabilístiCo

O sistema de contabilidade previsto para os serviços com autonomia adminis-trativa deverá ter as seguintes características 10:● possuir contabilidade analítica para avaliação dos resultados da gestão;

10 Lei nº 8/90, de 20 de fevereiro e Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho

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● ter contabilidade de caixa que consiste no registo do montante global dos créditos libertados e de todos os pagamentos efetuados por atividades ou projetos e por rubricas orçamentais;

● ter contabilidade de compromissos que consiste num sistema de registo dos encargos assumidos relativos às obrigações constituídas, por atividades e com indicação da respetiva rubrica de classificação económica;

● registar os contratos celebrados evidenciando-se o montante global de cada contrato, as suas alterações, o seu escalonamento e os respetivos pagamentos já realizados 11.

O sistema tem as seguintes regras a observar obrigatoriamente no âmbito do processo de realização e pagamento das despesas 12:● registo de cabimento prévio onde constem os encargos prováveis, para a

assunção dos compromissos;● registo pelos organismos de todas as receitas cobradas e das receitas que lhes

estiverem consignadas;● pedido de libertação de créditos.Para além disso, é obrigatória a utilização do Plano Oficial de Contabilidade Pú-blica (POCP) aprovado pelo Decreto-Lei nº 232/97 de 3 de Setembro. O POCP enquadra-se e facilita a aplicação nas regras gerais impostas pela Lei de Bases da Contabilidade Pública e o Regime de Administração financeira do Estado, salvaguardando as necessárias adaptações. O POCP foi adotado pelo Exército em 2006, ano em que, consequentemente, foi abandonado o anterior sistema contabi-lístico, permitindo uma integração plena na administração financeira do Estado.

3. o SISTEmA DE AuDITorIA

No Exército, como em qualquer outra instituição, interessa que os recursos sejam utilizados de forma eficiente, eficaz e económica, que os objetivos definidos sejam realizados e que tudo isto se faça em conformidade com a lei e os regulamentos. Daí a necessidade de órgãos de inspeção/auditoria internos que ajudem o respon-sável máximo (o CEME) e todos aqueles que gerem recursos, a alcançar estes objetivos, e que incluam nas suas avaliações todos os órgãos e todas as atividades.Desta forma, estão sujeitas a inspeção todas as áreas de atividade, incluindo a situação operacional das forças operacionais, o estado dos materiais e dos equipamentos, a capacidade dos órgãos de apoio contribuírem para a manutenção da operacionalidade, a área da formação e das instrução, os recursos humanos, a comunicação, e também o controlo interno e os programas entre outros.Em particular, a execução do Orçamento do Estado está sujeita a verificações quanto à legalidade e regularidade financeira das receitas e das despesas pú-

12 Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.

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blicas, da gestão dos fundos e de outros ativos 13. Este controlo que se deve realizar antes, durante e depois das operações de execução orçamental, engloba as componentes de controlo administrativo, jurisdicional e político.O controlo administrativo é exercido pelo próprio serviço que executa o orça-mento, pelas entidades hierarquicamente superiores, e pelos serviços de inspe-ção e de controlo da Administração Pública. Assim, no âmbito deste controlo administrativo, o Exército, como se evidencia na figura 3, insere-se no SCI através da IGE que é o seu órgão de controlo operacional.Assim sendo, o CEME, como responsável pela gestão financeira e patrimonial e pela execução de um orçamento, também tem à sua responsabilidade uma parte do controlo administrativo, a realizar pelos seus órgãos de auditoria. Assim, na administração financeira, a auditoria que os seus órgãos de auditoria realizam é auditoria interna do sector público.

3.1 ÓrGãos de inspeção e CoMpetênCias

Para o exercício destas funções de controlo e de avaliação o CEME dispõe de um conjunto de órgãos de que se destaca a IGE 14 e de normas para este efeito, designadamente o Regulamento para a Inspeção no Exército e a Circular 15/2006.Mas, para além da IGE atrás mencionada, existem outros órgãos de inspeção, ou pelo menos com responsabilidade no controlo dos recursos públicos, ao longo da hierarquia do Exército. A figura 4 evidencia os principais órgãos de auditoria existentes ao longo da cadeia de comando, e que são a IGE, a Dfin, as inspeções do OCAD e os centros de finanças.

13 Artº 58º da Lei nº 48/2004, de 24 de Agosto.14 Artº 16º da Lei Orgânica do Exército -- Decreto-Lei nº 61/2006, de 21 de Março.

Figura 4: Inserção dos órgãos de inspeção do Exército.

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Estes órgãos serão analisados nos pontos seguintes, em aspetos como a sua posição na hierarquia e as respetivas competências.

3.1.1 A Inspeção-Geral do Exército

Este órgão é, por força da legislação, um órgão de controlo de nível operacional e, por isso, centra a sua ação nas decisões dos órgãos de gestão das unidades de execução das ações, nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial e centra-se sobre as decisões do órgão de gestão do Exército 15.A IGE é um órgão de inspeção e fiscalização do Exército integrado no Coman-do do Exército 16. Depende do CEME e tem por missão apoiá-lo no exercício das suas funções de controlo e avaliação 17. Este órgão tem competências para realizar inspeções e para (IGE, 2008):● fiscalizar o cumprimento das normas legais em vigor e as determinações do CEME;● avaliar o grau de eficácia geral das unidades, estabelecimentos e demais

órgãos do Exército;● recomendar medidas para a resolução das deficiências detetadas;● elaborar o plano anual de auditoria que inclui as inspeções a realizar por si

e pelas outras entidades que realizam inspeções;● apreciar os resultados da atividade de inspeção para informar o CEME.

Deve ainda articular a sua atividade inspetiva com a Inspeção-Geral da Defesa Nacional e realizar inspeções ordinárias e extraordinárias que poderão ser gerais, operacionais, técnicas e de programas e sistemas.Trata-se de um órgão de inspeção de nível operacional e, como se infere de tudo o que tem sido apresentado nestes textos, é a base da pirâmide constituída pelo SCI. É a este nível que devem ser realizados os procedimentos de audi-toria necessários à avaliação das OUE e à verificação das suas contas e dos seus procedimentos administrativos. É também um órgão de auditoria interna, como se deduz das suas atribuições.Desta forma, no Exército, a inspeção de nível operacional é desempenhada pela IGE diretamente dependente do CEME.

3.1.2 Outros órgãos de Inspeção

Nesta secção procede-se à apresentação dos órgãos de auditoria inseridos nos OCAD.No Comando do Pessoal, as entidades com competências de inspeção são a Inspeção do Comando do Pessoal e a Direção de Justiça e Disciplina.

15 Decreto-Lei nº 166/98, de 25 de Junho.16 Artº 8º da Lei Orgânica do Exército -- Decreto-Lei nº 61/2006, de 21 de Março.17 Decreto Regulamentar nº 69/2007, de 28 de Junho.

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O Comando do Pessoal exerce a autoridade técnica no âmbito da administra-ção dos recursos humanos do Exército 18. Integra um órgão de inspeção que é responsável pelo planeamento e a execução das inspeções, de comando e téc-nicas, ao qual compete inspecionar os atos praticados no âmbito do Comando do Pessoal, e colaborar nas inspeções a realizar pela IGE.Estas competências abrangem os órgãos e unidade do Cmd Pess, na designada inspeção de comando, e ainda, as restantes unidades e órgãos do Exército no que se refere aos aspetos técnicos da administração de recursos humanos, no âmbito da autoridade técnica neste domínio atribuída ao Cmd Pess.Ainda no âmbito deste OCAD, a Direção de Justiça e Disciplina realiza ins-peções técnicas na área da administração da justiça e disciplina.O Cmd Log assegura as atividades no âmbito da administração dos recursos materiais e financeiros e exerce a autoridade técnica neste âmbito. Integrando este comando, existem órgãos com competências na área das inspeções, como sejam a Inspeção do Cmd Log, a Dfin, a Direção de Infraestruturas e o Con-selho fiscal dos Estabelecimentos fabris.Este órgão exerce a autoridade técnica no âmbito da administração dos recursos materiais e financeiros do Exército 19 e integra a sua inspeção que planeia e realiza inspeções, de comando e técnicas, e à qual compete 20:● Inspecionar os atos praticados no âmbito do Cmd Log;● Colaborar nas inspeções a realizar pela IGE;● Inspecionar a utilização e conservação do património afeto ao Exército;● fiscalizar os contratos, inspecionar a qualidade dos bens e serviços adquiridos

e controlar a receção dos bens adquiridos pelo Exército.

Estas competências abrangem os órgãos e unidades do Cmd Log, na designada inspeção de comando, e ainda, as restantes unidades e órgãos do Exército no que se refere aos aspetos técnicos da administração dos recursos materiais, no âmbito da autoridade técnica neste domínio atribuída ao Cmd Log.A Direção de finanças do Exército integra o Cmd Log e tem responsabilida-des na área financeira, de cujas funções se salienta o exercício da autoridade técnica e a realização de auditorias no âmbito da administração financeira 21.Ainda no âmbito do Cmd Log, a Direção de Infraestruturas apoia os órgãos de inspeção na verificação da conformidade legal e técnica dos projetos e na verificação da aplicação do Regulamento Geral de Infraestruturas do Exército (IGE, 2008).

18 Nº 2 do artº 4º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.19 Nº 2 do artº 15º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.20 Artº 19º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.21 Nº 1 do artº 25º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.

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O Conselho fiscal dos Estabelecimentos fabris do Exército, depende do Co-mandante da Logística, exerce fiscalização apenas sobre os estabelecimentos fabris do Exército que são regidos por legislação própria e estão sujeitos aos poderes de Direção e de fiscalização do comandante da Logística 22.O Comando de Instrução e Doutrina exerce a autoridade técnica nos domínios da doutrina, da formação militar, da formação profissional, da educação física, dos desportos e do tiro no Exército 23. Dispõe de órgãos que, nestas matérias, executam inspeções. Trata-se da Inspeção do Comando de Instrução e Doutrina e da Direção de formação.A Inspeção do Comando de Instrução e Doutrina é um órgão responsável pelo planeamento e a execução das inspeções, de comando e técnicas nestes domí-nios, competindo-lhe 24:● inspecionar os atos praticados no âmbito do Comando do Pessoal;● colaborar nas inspeções a realizar pela IGE;● acompanhar e verificar a aplicação da doutrina no Exército.

Assim, estas competências abrangem os órgãos e unidades deste Comando, na designada inspeção de comando, e ainda, os restantes unidades e órgãos do Exército no que se refere às atividades sujeitas à autoridade técnica que nestes domínios está atribuída ao Comando de Instrução e Doutrina.A Direção de formação, inserida no Comando de Instrução e Doutrina, cola-bora nas inspeções e executa inspeções nas atividades de formação militar dos quadros permanentes e às infraestruturas de tiro.O Comando Operacional (agora Comando das forças Terrestres) é o principal comando da estrutura operacional e compete-lhe comandar as unidades opera-cionais e exercer a autoridade técnica nos domínios operacionais, de comuni-cações e sistemas de informação e segurança militares no Exército 25. Integra, igualmente, uma inspeção que planeia e realiza as inspeções, de comando e técnicas nestes domínios, ao qual compete 26:● inspecionar os atos praticados no âmbito do Comando Operacional;● colaborar nas inspeções a realizar pela IGE;● avaliar a eficiência das forças operacionais.

Assim, estas competências abrangem os órgãos e unidades deste Comando, na designada inspeção de comando, e ainda, os restantes unidades e órgãos do Exército no que se refere às atividades sujeitas à autoridade técnica que nestes domínios está atribuída ao Comando Operacional.

22 Nº 3 do artº 16º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.23 Nº 2 do artº 30º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.24 Artº 34º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho25 Artº 40º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.26 Artº 44º do Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de Julho.

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Os Comandos das Grandes Unidades também têm competências de inspeções sobre a instrução coletiva do seu pessoal e o treino das suas unidades. Apre-ciam os resultados e implementam ou propõem medidas corretivas (IGE, 2008).Já os comandos das zonas militares realizam todo o tipo de inspeções às Uni-dades de Estabelecimento e órgão (UEO) sob o seu comando, apreciam os resultados e implementam ou propõem medidas corretivas (IGE, 2008).As direções de Justiça e de Cultura Militar realizam inspeções técnicas às UEO nas áreas da arquivologia, museologia e bibliotecas e apreciam os resultados e implementam ou propõem medidas corretivas (IGE, 2008).Os Centros de finanças funcionam na sua área de apoio, reportando hierarqui-camente ao respetivo comandante (OCAD), mas dependendo tecnicamente, para efeitos das inspeções, da Dfin. Existe um Centro de finanças para cada comando, com a missão de controlar toda a atividade administrativo-financeira desenvolvida na sua área de apoio 27 e certificar que as unidades observam com exatidão as normas da Contabilidade Pública e demais preceitos regulamentares e legais em vigor, através de análise documental e das missões de auditoria e apoio técnico 28.

3.2 norMas de auditoria

3.2.1 Normas da Inspeção Geral do Exército

O Regulamento para a Inspeção no Exército (RAD95) tem por objetivo “definir as responsabilidades e competências (…) de forma a permitir uma metodologia adequada de inspeção no Exército” (IGE, 2008).As normas contidas neste regulamento destinam-se assim a fixar procedimentos relativos à atividade de inspeção, à sua coordenação e avaliação. Contemplam aspetos como os tipos de inspeção, os níveis de inspeção, os órgãos e comandos com capacidade de inspeção e respetivas competências e responsabilidades, o planeamento das inspeções e a execução das inspeções.Todos os aspetos da vida da UEO são suscetíveis de inspeção, designadamente nas áreas de comando, de pessoal, informações e segurança militar, operações, logística, infraestruturas, saúde, material, transportes, finanças, proteção ambiental e instrução.O regulamento agora em análise define as competências de cada órgão de inspeção, em consonância com a legislação. E também classifica as inspeções quanto ao âmbito e objetivos e quanto à natureza. Quanto ao âmbito e objetivos as inspe-ções podem ser gerais, técnicas, de programas e sistemas e avaliação operacional.

27 Decreto Regulamentar nº 69/94, de 17 de Dezembro.28 Despacho nº 334/94 do CEME.

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As inspeções gerais destinam-se a analisar globalmente todos os sectores de atividade das UEO para detetar as causas fundamentais dos problemas e a verificar se estas estão conformes com as normas e diretivas.As inspeções técnicas têm por objetivo a fiscalização e a avaliação da “situação e eficiência, com que os órgãos de execução da respetiva área, desempenham a sua missão” (IGE, 2008). As inspeções técnicas podem classificar-se em ins-peção administrativa (de recursos humanos, de recursos materiais, de recursos financeiros e sanitárias), inspeção de instrução, e inspeção de segurança.Quanto à natureza, as inspeções podem ser ordinárias, se se desenvolverem de acordo com um plano, ou extraordinárias, se a sua execução não estiver planeada mas se afigure necessária face a algum motivo especial.

a) Planeamento

A IGE elabora o plano anual de inspeções onde se incluem todas as inspeções a realizar no Exército pelas várias entidades.Estas inspeções gerais ordinárias (IGO) têm como objetivos específicos verifi-car a adequação da missão da unidade inspecionada e das diretivas superiores; avaliar a capacidade para as cumprir; e identificar deficiências e limitações.Na fase de preparação (planeamento) de cada IGO são definidas as áreas a inspecionar e a constituição da equipa de inspeção; é elaborado o plano geral para execução da IGO e produzida uma diretiva de execução; são realizadas reuniões preparatórias com a equipa de inspeção e obtidos dados informativos atualizados relativos à unidade a inspecionar.O plano geral da IGO é elaborado pelo chefe de equipa e destina-se a garantir que a inspeção decorra de forma coordenada. Deve incluir o calendário de ações a realizar; as áreas a inspecionar e itens a avaliar; a constituição das equipas; atribuição de tarefas aos elementos da equipa; a sequência das ações de inspeção e os relatórios a emitir e, a reunião final e os registos a elaborar.É emitida uma diretiva, em modelo normalizado, e coerente com o Plano Ge-ral, podendo integrar elementos deste, que contém ainda disposições de âmbito administrativo e logístico a observar para cumprimento de inspeções.São efetuadas reuniões que se destinam a comunicar o Plano Geral para execu-ção da IGO, a esclarecer pormenores sobre faseamento, calendário e sequência a observar, a proceder à distribuição de tarefas e atribuição de responsabilida-des aos elementos da equipa nas fases de preparação e execução, a coordenar atividades e a proceder a esclarecimentos.As inspeções técnicas deverão ser realizadas para que todos os sectores essenciais das unidades sejam inspecionados com uma frequência considerada necessária. Estas inspeções são programadas pelos OCAD e o respetivo plano enviado à IGE que integra a no plano. Todas as inspeções técnicas são realizadas com conhecimento prévio às unidades inspecionadas.

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A Inspeção de Programas e Sistemas é conduzida pela IGE para a análise e avaliação da eficácia dos programas ou sistemas funcionais específicos, sendo realizadas por determinação direta do Comando do Exército.A avaliação operacional avalia a capacidade de reação das unidades, na passagem de uma situação de tempo de paz para uma situação de crise, conflito ou guerra; avalia o grau de preparação para o combate nas áreas de preparação e planos, de potencial de combate e logística; e avalia a capacidade de sobrevivência da unidade. Estas ações de inspeção são integradas no plano de inspeções pela IGE, quer por iniciativa do Comando Operacional, das Grandes Unidades, ou por determinação superior.

b) Execução e relato

A execução das IGO começa com a entrega de credencial à UEO, seguida de reunião com o Chefe/Comandante, apresentação da situação da UEO e reunião da equipa de inspeção. Finalmente, é feita reunião final com o Comando da UEO.É feita a avaliação de cada uma das áreas nos vários itens previamente definidos e por comparação com os requisitos também preestabelecidos e que constam do Regulamento para a Inspeção do Exército. Na área da administração financeira, os itens a avaliar são as contas de balanço, o pessoal, o controlo orçamental e a prestação de contas, e o imobilizado. Cada área em avaliação é objeto de classificação qualitativa (Muito Bom; Bom; Regular; Deficiente). A questão dos relatórios é regulada no capítulo 5 do Anexo A ao RAD95, onde também é abordado o tratamento do registo dos resultados. Este registo é feito nas fichas de verificação, que constituem documentos de trabalho a arquivar na IGE. São elaborados relatórios parcelares por área de inspeção. Mas sempre que se detetarem situações que exijam a adoção de medidas urgentes, são elaborados relatórios imediatos.O relatório final é elaborado pela equipa e destina-se a proporcionar uma base documental para adoção de medidas corretivas, devendo incluir:● a identificação das deficiências;● os aspetos que justifiquem as classificações atribuídas;● as ações e medidas implementadas pela unidade com vista à eliminação de

deficiências;● as recomendações quanto a medidas que deverão ser implementadas pelas

entidades correspondentes.

Estes relatórios são submetidos a despacho do CEME e posteriormente distri-buídos às UEO inspecionada, ao seu superior hierárquico e ao respetivo OCAD, que devem proceder de imediato à implementação das medidas necessárias à correção das deficiências relatadas.

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3.2.2 Normas da Direção de finanças

Na sequência da adoção do SIG e do POCP, em 2006 foram emitidas novas normas para a auditoria no âmbito da administração financeira do Exército a realizar pelos Centros de finanças 29. Estas normas abordam questões como o planeamento, a realização da auditoria aos procedimentos contabilísticos e ao controlo interno e os Relatórios.

a) Planeamento

O planeamento é obrigatório e contempla o plano global de auditoria e os programas de auditoria, devendo ser precedido de trabalhos preparatórios 30. O plano global de auditoria é desenvolvido de forma a descrever o âmbito e a condução esperada da auditoria e para orientar o desenvolvimento dos pro-gramas de trabalho, abordando os seguintes aspetos:● conhecimento da atividade das UEO; ● conhecimento dos Sistemas Contabilísticos e de Controlo Interno; ● risco de Auditoria Aceitável; ● natureza, Oportunidade e extensão dos procedimentos.

Os programas de auditoria, por sua vez, devem conter os objetivos de auditoria de cada área e a natureza, a oportunidade e a extensão dos procedimentos.Devem ser elaborados, para cada unidade, um dossier permanente com as infor-mações sobre a atividade operacional da UEO, as suas responsabilidades finan-ceiras, cópia das atas, os acontecimentos extraordinários e a legislação aplicável.

b) Execução e relato

Está prevista a elaboração de um dossier corrente que engloba toda a docu-mentação relativa a cada auditoria, que inclui os programas de trabalho e os mapas de trabalho 31.Os programas de trabalhos definidos, que constituem parte integrante das normas implementadas através desta circular, são os seguintes:● área A: Caixa e Bancos.● área B: Vendas, Prestação de Serviços e Contas a Receber.● área C: Compras, Aquisição de Serviços e Existências.● área D: Pessoal.● área E: Prestação de Contas.

29 Circular 15, de 04/12/2006. Direção de finanças.30 Circular 15, de 04/12/2006, pp 1-4. Direção de finanças.31 Circular 15, de 04/12/2006, pp 4 e 5. Direcção de finanças.

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● área f: Controlo Orçamental. ● área G: Imobilizado.

Estes programas de trabalho destinam-se a guiar a execução dos testes de auditoria e a servirem para controlar a qualidade do trabalho. Cada um deles desdobra-se em vários itens a analisar.Os mapas de trabalho servem para registar os procedimentos de auditoria reali-zados e são a base para a elaboração de relatórios, pareceres e recomendações, cujo fluxo é ilustrado na Figura 5.

Figura 5: fluxo dos relatórios de auditoria.

Na sequência e na finalização do trabalho de auditoria, os auditores devem elaborar dois relatórios, o RAA e a Validação das Demonstrações financeiras (VDf) 32.Estes documentos devem emitidos até ao fim de Fevereiro de cada ano, e são assinados pelo auditor, devendo ser apresentados, através do chefe do respetivo centro, ao comandante do OCAD respetivo para aprovação. É enviada cópia para a Dfin e para a respetiva unidade.O RAA destina-se a descrever o trabalho efetuado e a transmitir observações e informações complementares à VDf e ainda erros, omissões e distorções que, por não serem materialmente relevantes, não constam da VDf. São exemplos de situações descritas no RAA os seguintes:

32 Circular 15, de 04/12/2006, pp 17 a 27. Direção de finanças

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● omissões ou insuficiências de informação; ● alterações de políticas contabilísticas; ● riscos ou contingências, incluindo litígios pendentes;● deficiências na gestão e no controlo das existências; ● inexistência de ou deficiências na contabilidade de custos; ● inadequado controlo do processamento de compras; ● inexistência de planeamento financeiro e operacional; ● inadequação da política de seguros; ● deficiente planeamento fiscal; ● outros pontos fracos nos sistemas de controlo interno, de contabilidade e/ou

de informação de gestão em uso; ● incumprimento de requisitos legais, ou dependência de fornecedores.

O auditor deve ainda mencionar no RAA os procedimentos adotados pela unidade, os seus efeitos negativos e as ações corretivas que propõe, e ainda, comentar a implementação de recomendações anteriores.A VDf abrange o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração dos fluxos de caixa e está estruturada do seguinte modo:• Parágrafo de Introdução que identifica as demonstrações financeiras examinadas,

nomeadamente a UEO, a data e o exercício a que se reportam, as quantias relativas ao total do balanço, ao total dos fundos próprios e ao resultado líquido neste incluído.

• Parágrafos sobre responsabilidades referindo que a preparação e apresentação das demonstrações financeiras, as políticas e critérios contabilísticos, e a ma-nutenção de um sistema de controlo interno apropriado são da responsabilidade da UEO, enquanto que a responsabilidade do auditor se limita a expressar a sua opinião sobre o conjunto das demonstrações financeiras, baseada na auditoria a que procedeu.

• Parágrafos descrevendo sucintamente a auditoria realizada, nomeadamente a verificação, numa base de amostragem, do suporte dos saldos e a apreciação sobre se são adequadas as políticas contabilísticas adotadas.

• Parágrafo da opinião que expressa, de forma clara e inequívoca, a opinião do auditor sobre as demonstrações financeiras tomadas como um todo.

Na VDf, a opinião do auditor pode revestir as seguintes modalidades:• Referência de que demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira

e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição finan-ceira, o resultado das operações e os fluxos de caixa da entidade, na ausência de situações que mereçam reparo.

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• Opinião com ressalvas, em situações de incerteza que afetam globalmente as demonstrações financeiras e na existência de situações de derrogação de prin-cípios contabilísticos, de alterações de políticas contabilísticas, de distorções materialmente relevantes e de situações de desacordo relativas à aplicação dos princípios contabilísticos, às asserções incluídas nas demonstrações finan-ceiras, à aceitabilidade das políticas contabilísticas adotadas na preparação e apresentação das demonstrações financeiras e do método da sua aplicação.

4. ANÁLISE Do SISTEmA

Nesta secção analisa-se o sistema de auditoria do Exército à luz das normas de auditoria para serviços do Estado, nomeadamente as normas internacionais, do TC e do SCI.Mas antes faz-se uma curta referência às atividades de auditoria com base nos dados obtidos. No ano de 2008 o Exército realizou 7 inspeções gerais e 10 inspeções técnicas (MDN, 2009) para além das auditorias realizadas pelos centros de finanças. Não foram obtidos dados do Exército relativos a 2009, mas neste ano, foram realizadas pelos centros de finanças as auditorias constantes da Tabela 2.

4.1 orGanização

O Exército integra, na sua estrutura, um conjunto de órgãos de inspeção, que cobrem todos os seus sectores de atividade. O Quadro 1 pretende evidenciar e resumir as várias vertentes cobertas pelo sistema de inspeções.Da análise do quadro 1 pode-se verificar que, como órgão de cúpula, aparece a IGE, diretamente dependente do CEME, e que também se insere no SCI. Tem por missão apoiar o CEME no exercício das funções de controlo e de avaliação.

Fonte: Direção de finanças/Exército (2010).

Tabela 2: Auditorias realizadas pelos centros de finanças em 2009.

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Quadro 1: órgãos de inspecção e competências.

Depois, um escalão abaixo na estrutura de comando, ao nível dos órgãos centrais de administração e Direção, encontram-se as inspeções de cada um desses órgãos, com as funções de inspecionar os atos praticados pelas unida-des e órgãos subordinadas e também os atos praticados por todas as unidades

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do Exército no âmbito das competências técnicas de cada um desses órgãos, bem como colaborar nas inspeções a realizar pela IGE. As suas competências abrangem não só os órgãos e unidades sob a sua dependência como também as restantes unidades e órgãos do Exército no que se refere aos aspetos técnicos sob a sua autoridade.face a este conceito, e de acordo com as competências de cada um dos órgãos de inspeção, poder-se-á concluir que qualquer ato praticado por uma unidade ou órgão do Exército está sujeito à fiscalização da inspeção do comando de que depende e da inspeção do comando funcional com autoridade técnica relativa ao ato em questão.Por exemplo, um procedimento relativo à gestão de um bem, como uma via-tura, está sujeito à fiscalização por parte do comando respetivo e por parte do comando técnico, neste caso, o Cmd Log.Outro exemplo. Um procedimento na área da administração financeira de uma unidade dependente do Comandante Operacional está sujeito a fiscalização por parte da inspeção do Comando Operacional e também por parte da inspeção do Comando da Logística, da Dfin e do Centro de finanças respetivo.Os Estabelecimentos Fabris do Exército estão sujeitos à fiscalização do Conselho fiscal, com a particularidade deste emitir parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentadas pela respetiva Direção.A Direção de finanças tem competências para realizar auditorias e dispõe de autoridade técnica no âmbito da administração financeira, sobre todas as unida-des incluindo os centros de finanças, mas não tem autoridade hierárquica que lhe permita uma coordenação plena da atividade.Os Centros de finanças, na sua missão de controlo da atividade administrativo--financeira desenvolvida na sua área de apoio que inclui a verificação do cum-primento das normas de Contabilidade Pública e demais preceitos regulamentares e legais, desempenham um papel importante no sistema. No desempenho deste papel realizam auditorias às unidades e órgãos do comando a que pertencem. Desta forma, as UEO ficam abrangidas pela fiscalização da inspeção do co-mando a que pertencem, pela inspeção da respetiva área funcional e, no caso da administração financeira, também pelo respetivo centro de finanças.Analisando agora apenas os órgãos de auditoria com competências na administração financeira 33, verifica-se que os órgãos de inspeção nesta área são a IGE, a Inspe-ção do Comando de Logística, a Direção de Finanças e os centros de finanças.A IGE apoia, em todas as áreas de atividade, o CEME no exercício das funções de controlo e de avaliação. Insere-se no SCI mas remete o aprofundamento das questões financeiras para o Cmd Log.

33 Excluindo os Estabelecimentos Fabris do Exército, uma vez que são regidos por uma regulamentação específi-ca que inclui o seu regime de administração financeira e dispõem de órgãos de inspeção próprios.

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A Inspeção do Comando da Logística fiscaliza os atos das unidades na depen-dência do Cmd Log e os contratos, bens e serviços e património do Exército. Da leitura das atribuições desta inspeção, constata-se que esta abrange todos os atos, incluindo os de administração financeira, das unidades dependentes do comando da logística, mas não os atos desta natureza praticados pelas outras unidades. Mas, dado que a ação deste comando também inclui o exercício da autoridade técnica no âmbito da administração dos recursos financeiros relativamente ao Exército, restará, no mínimo, a dúvida sobre se esta inspeção não deverá incidir sobre a administração financeira de todo o Exército.Note-se ainda que a Direção de finanças depende do Comandante da Logís-tica e tem vastas responsabilidades na administração financeira do Exército incluindo a elaboração de normas, a manutenção do sistema de contabilidade que permita a obtenção de informação de gestão para o Comando do Exército, a elaboração de informação a prestar a entidades externas ao Exército, bem como a elaboração da conta de gerência e seu envio ao TC, e a centralização das obrigações fiscais do Exército.Esta Direção exerce ainda a autoridade técnica na administração financeira e a realização de auditorias neste âmbito. Ou seja, é este o órgão do Comando da Logística ao qual está atribuída a autoridade técnica e a realização de auditorias de âmbito financeiro.No que toca à realização concreta de auditorias, esta Direção não tem exercido essas competências, dado que o sistema tem assentado na execução descen-tralizada por parte dos centros de finanças. Nesta matéria tem-se limitado a analisar os relatórios de auditoria dos centros de finanças.Estes órgãos dependem dos OCAD e controlam, na área da administração fi-nanceira, a atividade desenvolvida nas respetivas áreas de apoio, com particular relevo para o cumprimento das normas, regulamentos e leis em vigor, através de análise documental e das missões de auditoria e apoio técnico.Existe uma autoridade técnica, mas não hierárquica, da Direção de finanças sobre os centros de finanças, mas essa autoridade técnica não se sobrepõe à autoridade hierárquica dos centros relativamente aos respetivos OCAD. Desta forma, existe sempre a probabilidade de um qualquer centro de finanças se recusar a realizar auditorias alegando não dispor de recursos por ter recebido outras tarefas que o seu OCAD considera prioritárias. Tal situação enquadra-se no que refere Moeller (2004) quanto à lealdade dos auditores locais, nas estru-turas de auditoria descentralizadas, poder ser mais forte para com os gestores das unidades locais do que para com o director de auditoria.Por outro lado, os relatórios referentes às auditorias da área da administração financeira realizadas pelas inspeções do OCAD não são remetidos à Direção de Finanças, os relatórios dos centros de finanças não são remetidos à IGE, nem

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a IGE comunica à Direção de Finanças os resultados da vertente financeira das suas inspeções. Ou seja, não existe qualquer órgão com um conhecimento global sobre o funcionamento do sistema de controlo interno do Exército.Pode-se representar o sistema de inspeção da administrativa e financeira do modo indicado na figura 6. A linha a tracejado representa a autoridade técnica no âmbito das inspeções, a linha a cheio representa a autoridade hierárquica.

Figura 6: Sistema de inspeções da administração financeira.

Analisando a inserção e dependência da Direção de finanças e dos centros de finanças, verifica-se a existência de fragilidades ao nível da independência organizacional. É necessária independência orgânica e individual. Como refere o IIA (2009) é fundamental para garantir a independência organizacional, que o reporte da auditoria se faça a um nível funcional elevado como o comité de auditoria ou conselho de administração. Neste caso o órgão de auditoria deve reportar ao CEME e não ao Comandante da Logística. Tal torna-se imprescin-dível até porque, no presente sistema, os inúmeros atos de gestão praticados por esta entidade não podem ser auditados de forma independente relativamente às entidades auditadas como preconiza o INTOSAI (2001).De referir que esta situação não encontra equivalente nos outros ramos das Forças Armadas. Na Marinha, o órgão de auditoria da administração financeira é a Superintendência dos Serviços financeiros, diretamente dependente do Che-fe do Estado-Maior, e que integra para a atividade de auditoria, uma Direção de Apuramento de Responsabilidades. Na força Aérea, tal como na Marinha, existem funções de auditoria atribuídas à Direção de finanças, que dependente diretamente do Chefe do Estado-Maior da força Aérea, e que integra, para o efeito, um Serviços de Auditoria financeira e Patrimonial.

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4.2 Quanto às norMas de auditoria

a) Normas de ética

O normativo de auditoria, aplicável a entidades públicas, e também a entidades privadas, prevê a existência de regras a adotar em matérias de integridade, in-dependência, objetividade e imparcialidade, competência profissional e segredo profissional. Embora estes princípios se encontrem vertidos no regulamento de disciplina e no estatuto dos militares, é de notar que regras desta natureza não estão instituídas especificamente no sistema de auditoria no Exército.

b) Tipos de auditoria

A definição dos tipos de auditoria a realizar e dos respetivos conceitos é indispensável pois contribui para a definição do quadro onde se situa a atividade dos auditores.As normas de auditoria aplicáveis a entidades públicas na área da Administração Financeira, definem três tipos de auditoria: a auditoria financeira; a auditoria do desempenho; e a auditoria de sistemas.A auditoria financeira tem por objeto a análise das contas e da situação fi-nanceira, bem como da legalidade e regularidade, com vista à emissão de um parecer sobre as contas anuais e a situação financeira da entidade, e sobre a legalidade e a regularidade da gestão.A auditoria do desempenho visa o controlo de uma entidade, programa, serviço ou área funcional e incide na forma de utilização dos recursos, abrangendo também a verificação da economia, da eficiência e da eficácia, comparando os resultados face aos objetivos esperados.A auditoria de sistemas tem por objetivo verificar se existem sistemas de controlo interno adequados e se estes funcionam de forma eficaz. Este tipo de auditorias pode e deve ser realizado no âmbito da auditoria financeira.Analisando o normativo do Exército, verifica-se não estarem definidos os con-ceitos relativos à auditoria a realizar no seu âmbito. Contudo, o RAD95 prevê a realização, no âmbito das IGO, de verificações, e a respetiva avaliação, na área da administração financeira, abrangendo aspetos como as contas de balanço, o pessoal, o controlo orçamental, a prestação de contas e o imobilizado. Embora exista uma inspeção de programas e sistemas, as ações nesta vertente da auditoria ao nível da IGE são apenas realizadas por determinação direta do comando do Exército. Ou seja, não são realizadas inspeções de sistemas de forma sistemática.As normas da Direção de Finanças estão vocacionadas especificamente para a auditoria no âmbito da administração financeira, incidem sobretudo nos proce-dimentos de auditoria, mas não definem que tipos de auditoria se realizam, nem delimitam áreas de responsabilidade. Mas, da análise destas normas, verifica-se que, na prática, as auditorias realizadas neste âmbito incidem sobre o sistema de

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controlo interno das UEO, sobre as contas e a situação financeira, a legalidade e regularidade financeira, tendo em vista a emissão de um parecer sobre as contas anuais e a situação financeira da entidade, e sobre a legalidade e a regularidade.Daqui se conclui que se realizam auditorias financeiras e ao sistema de controlo interno das unidades, mas não ao Exército na sua globalidade, e que não se realizam auditorias do desempenho.

c) o Planeamento e a execução da auditoria

As normas aplicáveis à auditoria da administração financeira incluem instruções que preconizam que o trabalho deve ser planeado, documentado, revisto e su-pervisionado. O SCI refere, designadamente, que o levantamento do sistema de controlo interno se afigura importante para se determinar a abordagem da auditoria definida no plano. O plano deve contemplar todas as informações necessárias à definição dos procedimentos de auditoria, conter os objetivos do trabalho, a natureza e âmbito, uma avaliação do risco de auditoria, a avaliação da materia-lidade, bem como as metodologias e os procedimentos a adotar. Os programas de trabalho são elaborados com base no conhecimento obtido no planeamento e contêm a natureza, a tempestividade e a extensão dos procedimentos.Como procedimentos na obtenção de prova na obtenção de prova, recomenda-se a utilização de técnicas como a inspeção, a análise, entrevistas ou inquéritos, observações físicas, confirmações e cálculos. Para isso deve-se selecionar os itens e aplicar testes e demais procedimentos apropriados nas circunstâncias para cumprir os objetivos da auditoria.Preconiza-se a combinação, de forma equilibrada, dos testes de conformidade com testes substantivos, mas nunca dispensando a aplicação destes últimos mesmo nos casos em que os controlos instituídos operam de forma eficaz.Devem ser elaborados programas de auditoria que definam os testes e outros procedimentos de auditoria, bem como a sua tempestividade e extensão, os quais deverão ser revistos e atualizados de acordo com as necessidades evidenciadas no decurso da auditoria.Finalmente, há que fazer a avaliação final da auditoria com base nos testes realizados e em todas as provas obtidas e avaliar se estas são apropriadas em qualidade e quantidade.No Exército a IGE elabora o plano anual de inspeções que inclui todas as ins-peções a realizar no Exército. Cada IGO é planeada, tendo em conta a definição das áreas inspecionadas, a equipa de inspeção, o Plano Geral para execução da IGO, a produção de uma Diretiva de execução, a realização de reuniões preparatórias e a obtenção de dados informativos atualizados quanto à situação do UEO a inspecionar. Este plano destina-se a garantir que a inspeção decorra de forma coordenada e inclui o calendário de ações a realizar; as áreas a ins-pecionar e itens a avaliar; a constituição das equipas; a atribuição de tarefas

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aos elementos da equipa; a sequência das ações de inspeção e os relatórios a emitir e, a reunião final e os registos a elaborar.Cada uma das áreas é avaliada nos vários itens por comparação com requisitos preestabelecidos. Na área da administração financeira os itens a avaliar são as contas de balanço, o pessoal, o controlo orçamental e a prestação de contas, e o imobilizado. Cada área em avaliação é objeto de classificação qualitativa que resulta da classificação dos itens e da graduação dos requisitos segundo critérios definidos.As inspeções técnicas são programadas pelos OCAD e o respetivo plano é enviado à IGE que integra no plano geral. Não existem mais detalhes sobre o planeamento das inspeções técnicas.Relativamente às auditorias dos centros de finanças, o planeamento é obrigatório e contempla o plano global de auditoria e os programas de auditoria, precedidos de trabalhos preparatórios.O plano global de auditoria é feito de forma a descrever o âmbito e a condução esperada da auditoria e para permitir o desenvolvimento dos programas de tra-balho, abordando aspetos como o risco de auditoria, a natureza, a oportunidade e a extensão dos procedimentos. Os programas de auditoria servem como um conjunto de instruções e também para controlo da execução do trabalho, devendo conter a natureza, a oportuni-dade, a extensão dos procedimentos e os objetivos da auditoria de cada área.Preveem estas normas que devem ser efetuados testes de conformidade ao controlo interno e testes substantivos às transações e aos saldos, bem como procedimentos para obter evidências como a observação, o desempenho, a veri-ficação documental, as confirmações externas, as inspeções físicas, e as análises.Relativamente ao planeamento das auditorias no Exército há que distinguir três realidades distintas. Em primeiro lugar, temos a IGE, cujas inspeções são planeadas e executadas ao abrigo de normas contidas no Regulamento de Inspeção. Estas normas definem procedimentos bem definidos e formalizados e itens de avaliação igualmente pré-estabelecidos, mas não são tidos em conta conceitos como o risco de auditoria e a materialidade.Depois, existem as normas de auditoria aplicáveis aos centros de finanças, onde se refere a necessidade de fazer planeamento, integrando o plano e os programas de trabalho, com indicação dos respetivos conteúdos, e considerando a avaliação do risco de auditoria. O conceito de materialidade não foi considerado na Circular 15/2006.No domínio das inspeções técnicas desconhece-se a existência de normas onde estes assuntos sejam regulados.

d) A supervisão e revisão do trabalho

A supervisão é essencial para assegurar o cumprimento dos objetivos da auditoria e manter a sua qualidade. É dirigida à substância e ao método da auditoria, o que envolve garantir que a equipa conhece o plano, que são respeitadas as

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normas, o plano e as tarefas da auditoria, que os papéis de trabalho contêm a evidência apropriadas e os objetivos são atingidos.Para além disto, o trabalho de auditoria deve ser revisto antes de se finalizarem as opiniões e os relatórios para assegurar que as avaliações e as conclusões têm bases sólidas e são suportadas por provas, que os erros e deficiências foram identificados e resolvidos, e que as mudanças e melhorias necessárias a futuras auditorias foram identificadas e registadas.Esta importante questão da supervisão e da revisão do trabalho de auditoria não está prevista nas normas existentes no Exército, nem a nível da IGE, nem nas auditorias dos centros de finanças.

e) o relato e a prova de auditoriaOs relatórios são emitidos no fim de cada auditoria, devendo os mesmos ser claros, não serem vagos, estarem isentos de ambiguidades, suportar as informações em prova de auditoria, serem independentes, objetivos, justos e construtivos.Os relatórios devem obedecer a formatos normalizados, constituídos por introdução, identificação do trabalho, identificação das responsabilidades do auditor e da entidade, recomendação e opinião, não esquecendo a necessária menção ao contraditório. Nestes relatórios devem constar fatos relatados de forma objetiva, imparcial, clara e concisa.Os relatórios podem assumir as modalidades de opinião não qualificada, com ou sem ênfases, opinião qualificada se contiver reservas, e opinião adversa.Os documentos de trabalho, organizados em arquivo permanente e em arquivo corrente, devem conter o número suficiente de provas para confirmar e apoiar as opiniões e os relatos do auditor e comprovar que este aplicou na recolha de provas os procedimentos apropriados. No Exército a questão dos relatórios é regulada no RAD95 que também prevê o registo dos resultados em fichas de verificação arquivadas na IGE. O relatório final destina-se a proporcionar uma base documental para adoção de medidas corretivas e deve incluir a identificação das deficiências, a justificação das classificações, as ações e medidas implementadas para eliminar deficiências, bem como as recomendações quanto a medidas de correção.Nas auditorias dos centros de finanças está prevista a emissão de um RAA e da VDF.O primeiro destina-se a descrever o trabalho efetuado, a transmitir observações e informações complementares à VDf, a apresentar recomendações, e ainda erros, omissões e distorções que por não serem materialmente relevantes, não constam da VDf. Este último abrange o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração dos fluxos de caixa e destina-se a emitir uma opinião sobre as demonstrações financeiras, em formato normalizado constituído por introdução, identificação do trabalho, identificação das responsabilidades do auditor e da entidade, e opinião.

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As normas definem, relativamente a ambos os relatórios, que tipo de informação devem conter e apresentam mesmo exemplos para cada um deles.Quanto à prova de auditoria, preveem estas normas que para servir de prova e suporte às conclusões, pareceres, recomendações e relatórios, deve ser cons-tituído um dossier corrente e um dossier permanente, sendo definido que tipo de documentos deve ser guardado em cada um destes arquivos.

5. CoNCLuSÕES

Depois de conhecido e analisado o sistema de auditoria do Exército procede-se agora às conclusões extraídas do trabalho realizado.As inspeções no Exército podem ser gerais, técnicas, de programas e sistemas e avaliação operacional. As inspeções gerais destinam-se a analisar globalmente todos os sectores de atividade das UEO, as inspeções técnicas têm por objetivo a fiscalizar e avaliar forma como os órgãos de execução da respetiva área, de-sempenham a sua missão, podendo classificar-se em inspeção administrativa (de recursos humanos, de recursos materiais, de recursos financeiros e sanitárias), inspeção de instrução, e inspeção de segurança.As inspeções realizam-se ao nível do Comando do Exército, pela IGE; ao nível dos órgãos Centrais de Administração e Direção; ao nível dos Comandos das Grandes Unidades; das Zonas Militares sobre as UEO da sua dependência; e ao nível da Direção de História e Cultura Militar sobre todas as UEO.As atividades de inspeção na área da administração financeira são realizadas pela IGE, pela inspeção do Comando da Logística, pela Direção de finanças e pelos centros de finanças de cada OCAD.As auditorias realizadas no âmbito dos centros de finanças incidem sobre o sistema de controlo interno das UEO, sobre as contas e a situação financeira, a legalidade e regularidade financeira, tendo em vista a emissão de um parecer sobre as contas anuais e a situação financeira da entidade, e sobre a legalidade e a regularidade, configurando auditorias financeiras e ao sistema de controlo interno das unidades. Não se realizam auditorias ao sistema de controlo interno do Exército na sua globalidade, nem se realizam auditorias do desempenho.Afiguram-se claras as atribuições da IGE nesta área, já que é o órgão de acon-selhamento e avaliação do CEME, mas nos OCAD´s existem sobreposições de competências da respetiva inspeção e centro de finanças. Esta situação é ainda mais evidente no Comando da Logística onde se nota a existência de 3 órgãos, a Inspeção, a Direção de Finanças e o centro de finanças, cujas competências se sobrepõem, situação que se agrava pela inexistência de normativos com-plementares. Repare-se que a Inspeção e o centro de finanças têm jurisdição sobre as UEO dependentes hierarquicamente deste comando, e que a Inspeção e a Direção de finanças abrangem todas as UEO do Exército.

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A isto acresce a ausência de autoridade hierárquica da Direção de finanças sobre os auditores dos centros de finanças, que impossibilita a coordenação; e a dependência desta Direção face ao Comando da Logística, que lhe retira a independência necessária para esta atividade, situação que não encontra paralelo nos outros ramos das forças Armadas.O Regulamento para as Inspeções no Exército contém algumas normas de coordenação, designadamente quanto à integração no plano de inspeções, mas não dispõe de mecanismos que clarifiquem competências destes órgãos.A supervisão e a revisão do trabalho de auditoria para assegurar que as ava-liações e as conclusões têm bases sólidas e são suportadas por provas, que os erros e deficiências foram identificados e resolvidos, e que as mudanças e melhorias necessárias a futuras auditorias foram identificadas e registadas não estão previstas nas normas existentes no Exército, nem a nível da IGE, nem nas auditorias dos centros de finanças.Quanto a normas de ética aplicadas à atividade de auditoria em matérias de integridade, independência, objetividade e imparcialidade, competência profissio-nal e segredo profissional, embora os seus princípios se encontrem vertidos no regulamento de disciplina e no estatuto dos militares, é de notar que regras desta natureza não estão instituídas especificamente no sistema de auditoria no Exército.No Exército a IGE elabora o plano anual de inspeções que inclui todas as inspeções a realizar no Exército incluindo as inspeções do OCAD. Cada IGO é planeada, tendo em conta a definição das áreas inspecionadas, a equipa de inspeção, o Plano Geral para execução da IGO, a produção de uma Diretiva de execução, a realização de reuniões preparatórias e a obtenção de dados informativos atualizados quanto à situação do UEO a inspecionar. Cada uma das áreas é avaliada nos vários itens por comparação com requisitos pre--estabelecidos. Na área da administração financeira os itens a avaliar são as contas de balanço, o pessoal, o controlo orçamental e a prestação de contas, e o imobilizado. Relativamente às auditorias dos centros de finanças, o planeamento é obrigatório e contempla o plano global de auditoria e os programas de auditoria, precedidos de trabalhos preparatórios.Estão previstos procedimentos como testes de conformidade ao controlo interno e testes substantivos às transações e aos saldos, bem como procedimentos para obter evidências como a observação, o desempenho, a verificação documental, as confirmações externas, as inspeções físicas, e as análises.Assim, relativamente ao planeamento e à execução das auditorias no Exército há que distinguir três realidades distintas. Em primeiro lugar, temos a IGE, cujas inspeções são planeadas e executadas ao abrigo de normas contidas no Regulamento de Inspeção. Estas normas definem procedimentos bem definidos e formalizados e itens de avaliação igualmente pré-estabelecidos, mas não são tidos em conta conceitos como o risco de auditoria e a materialidade.

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Depois, existem as normas de auditoria aplicáveis aos centros de finanças, onde se refere a necessidade de fazer planeamento, integrando o plano e os programas de trabalho, com indicação dos respetivos conteúdos, e considerando a avaliação do risco de auditoria. O conceito de materialidade não foi consi-derado na Circular 15/2006.No domínio das inspeções técnicas desconhece-se a existência de normas próprias onde estes assuntos sejam regulados, mas são aplicáveis as normas previstas no RAD95.Os relatórios são um tema regulado no RAD95 que também prevê o registo dos resultados em fichas de verificação arquivadas na IGE. O relatório final deve incluir a identificação das deficiências, a justificação das classificações, as ações e medidas implementadas para eliminar deficiências, bem como as recomendações quanto a medidas de correcção. Nas auditorias dos centros de finanças está prevista a emissão de um RAA e da VDf.O primeiro destina-se a descrever o trabalho efetuado, a transmitir observações e informações complementares à VDf, a apresentar recomendações, e ainda erros, omissões e distorções que por não serem materialmente relevantes, não constam da VDf. Este último destina-se a emitir uma opinião sobre as de-monstrações financeiras, em formato normalizado constituído por introdução, identificação do trabalho, identificação das responsabilidades do auditor e da entidade, e opinião.Quanto à prova de auditoria, prevêem estas normas que para servir de prova e suporte às conclusões, pareceres, recomendações e relatórios, deve ser cons-tituído um dossier corrente e um dossier permanente, sendo definido que tipo de documentos deve ser guardado em cada um destes arquivos.Como avaliação final do sistema de auditoria na área da administração finan-ceira, pode-se concluir o seguinte:• É uma atividade estruturada, regulamentada e organizada;• Não existem normas que regulem as matérias de integridade, independên-

cia, objectividade e imparcialidade, competência profissional e segredo profissional;

• São realizadas auditorias financeiras e auditorias ao sistema de controlo interno das UEO mas não a auditoria do desempenho;

• As auditorias realizadas pelos centros de finanças em matérias como o pla-neamento, os testes, os procedimentos, os papéis de trabalho, a prova e os relatórios revelam uma grande proximidade com o que está definido para a auditoria do SCI;

• A IGE é o principal órgão de auditoria e tem responsabilidades em todas as áreas;

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• Comando da Logística, através da Direção de finanças, é o principal órgão de auditoria no âmbito da administração financeira, mas dadas as competências da Inspeção deste OCAD, existe alguma sobreposição de competências não resolvida em normativos complementares;

• A Direção de finanças, como resultado da sua inserção da estrutura do Exér-cito, está limitada em termos de independência. Também não tem realizado auditorias apesar de ter essas competências. Tem autoridade técnica mas não hierárquica sobre os auditores dos centros de finanças o que impede um controlo efetivo da atividade de auditoria;

• Os Centros de finanças executam auditorias nas respetivas áreas de apoio, integrando para isso, um auditor, inserido numa secção de auditoria chefiada pelo sub-chefe do centro. Dependem do respetivo comandante e são os seus auxiliares no controlo das unidades que de si dependem;

• A abordagem da auditoria incide nos níveis hierárquicos mais baixos, nas unidades e serviços e não no Exército como um todo;

• O problema da não dependência hierárquica dos auditores relativamente à Direção de finanças é lacuna que, conjugada com a ausência de coordenação entre os vários órgãos que realizam auditoria, quer no que respeita à definição de unidades/áreas a auditar, quer no que se refere à partilha de informação sobre os resultados das auditorias, impossibilita um conhecimento global sobre os riscos e a adequação do controlo interno.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrAFICAS

Circular 15, de 04/12/2006, Direção de finanças.Decreto Regulamentar nº 69/1994, de 17 de Dezembro.Decreto Regulamentar nº 70/1994, de 21 de Dezembro.Decreto Regulamentar nº 27/2007, de 29 de MarçoDecreto Regulamentar nº 69/2007, de 28 de Junho.Decreto Regulamentar nº 74/2007, de 2 de JulhoDecreto-Lei nº 155/1992, de 28 de JulhoDecreto-Lei nº 166/1998, de 25 de Junho.Decreto-Lei nº 61/2006, de 21 de Março. Lei Orgânica do Exército.Decreto-Lei nº 231/2009, de 15 de Setembro.Despacho nº 334/1994 do CEME.Lei nº 8/1990, de 20 de fevereiroLei nº 48/2004, de 24 de Agosto.

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Diogo Regueira a1 e Manuela Sarmento bc2

a Divisão de Controlo e Auditoria Interna, Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, Rua Cruz de Santa Apolónia 16, 1149-064, Lisboa, Portugal.

b Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal. c Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

The informatic system of “Management of financial Shared Resources”, that holds contabilistic registry of the budget, administrative and financial processes, according to the rules defined on the “Public Accounting Official Plan”, is being spread for all the organisms of public administration, including in GNR.The research that is presented is subordinated to the theme: “Study of implementation of the Management of financial Shared Resources on the Republic National Guard.”Once, the GNR is an organization that is spread all around the country, emerges as a main objective of this investigation, gathering an amount of information that would smooth the decision-making to implement the system of “Manage-ment of financial Shared Resources” in a centralized way, in the “Command of Management of Internal Resources”, or decentralized way to the territorial commands/units, leading us to the starting question: “What is the best way to implement the “Management of financial Shared Resources” on the GNR?”In order to verify the present issue, was carried out a literature review and empirical investigation work. In the first, was presented the concepts of Public Accounting and Shared Services as well as the characteristics of the system of “Management of financial Shared Resources” application. The empirical work involved the making of some exploratory interviews, survey and a case study.After analyzing the data, it appears, that the GNR acceded the application by legal imposition, choosing the mode of Sharing-Platforms, which implies the responsibility of the entire administrative process. This application was des-centralized to the territorial commands/units in order to respond quickly to the unpredictability of the needs of these.

estudo dA imPlementAção dA Gestão dos reCursos finAnCeiros PArtilhAdos nA GuArdA nACionAl rePubliCAnA

Contacto: Email – [email protected] (Diogo Regueira); Tel. - +351 916085316 Contacto: Email – [email protected] (Manuela Sarmento)

Recebido em 11 de novembro de 2012 / Aceite em 14 de dezembro de 2012

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A summary of the whole study shows that the best way to implement this system in the GNR is through a mix between centralization and decentraliza-tion, but for this, there should be a rationalization of users profiles, reducing consequently, the annual costs with the application.

KEYWorDS: Public Official Accounting Plan; Shared Services; Shared Fi-nancial Resource Management; Public Administration.

rESumo

O sistema informático de Gestão dos Recursos financeiros Partilhada, que comporta o registo contabilístico dos processos orçamental, administrativo e financeiros, consoante as regras definidas no Plano Oficial de Contabilidade Pública, está a ser disseminado por todos os organismos da Administração Pública, inclusivé, na GNR.A presente investigação encontra-se subordinada ao tema: “Estudo da Implementação da Gestão dos Recursos financeiros Partilhada na Guarda Nacional Republicana”. Uma vez que, a GNR é uma organização que está dispersa por todo o território Nacional, surge como objetivo geral, desta investigação, reunir um conjunto de dados que permita facilitar a tomada de decisão de implementar o GeRfiP de forma centralizada no Comando da Administração dos Recursos Internos (CARI), ou descentralizada até aos Comandos Territoriais/Unidades, levando--nos à pergunta de partida: “Qual a melhor forma de implementação da Gestão dos Recursos financeiros Partilhada na GNR?”.No sentido de averiguar a temática em questão, realizou-se uma revisão de literatura e um trabalho de investigação empírico. No primeiro, apresentam-se os conceitos de Contabilidade Pública e Serviços Partilhados assim como as caraterísticas da aplicação Gestão dos Recursos financeiros Partilhada. O trabalho empírico im-plicou a realização de entrevistas exploratórias, inquéritos e um estudo de caso.Após a análise dos dados, verifica-se que, a GNR aderiu à aplicação por impo-sição legal, optando pela modalidade de Partilha de Plataforma, o que implica uma responsabilização por todo o processo administrativo. Esta aplicação foi descentralizada até aos Comandos Territoriais e Unidades no sentido de res-ponder de forma célere à imprevisibilidade das necessidades destes.A súmula de todo o estudo realizado permite concluir que a melhor forma de implementação desta aplicação informática na GNR é através de um misto entre a centralização e descentralização, mas para tal, deve ser feita uma racionalização dos perfis de utilizador, diminuindo, por consequência, os custos anuais com a aplicação.

PALAVrAS–CHAVE: Plano Oficial De Contabilidade Publica; Serviços Par-tilhados; Gestão Dos Recursos financeiros Partilhada; Administração Pública.

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1. ASPEToS rELEVANTES DA CoNTABILIDADE PÚBLICA E DoS SErVIÇoS PArTILHADoS NA ADmINISTrAÇÃo PÚBLICA

1.1 introdução

A normalização da contabilidade do setor público em Portugal iniciou-se com o processo conhecido por Reforma da Administração financeira do Estado (RAfE), através da Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei nº 8/90) em 1990. Com a publicação do Decreto-Lei (DL) nº. 155/92 em 1992, foi instituído o novo regime da administração financeira do Estado, que distingue os Serviços e Fundos Autónomos 3 dos organismos com autonomia meramente administrativa 4. foi ainda introduzida uma contabilidade de compromissos, uma nova contabilidade de caixa e uma contabilidade analítica como instrumento de gestão e apoio à decisão. Em 1997, através do DL nº. 232/97, foi oficialmente aplicado o POCP, que constituiu um passo fundamental na normalização da contabilidade pública. No sentido de integrar a informação produzida pelo POCP numa base de dados única, surge o conceito de serviços partilhados.O modelo supracitado foi introduzido nos anos 80 nos Estados Unidos e só chegou à Europa nos anos 90, quando as grandes organizações com múltiplas unidades de ne-gócio começaram a procurar novas formas de reduzirem os seus custos administrativos (Pinto, 2009), o que na conjetura atual, interessa também aos organismos públicos.Assim sendo, este capítulo aborda questões relacionadas com os objetivos da contabilidade pública, respetivas características, bem como alguns dos motivos e medidas tomadas para a implementação dos serviços partilhados por parte de toda a AP, e explanar-se-á em que consiste este modelo de gestão.

1.2 ConCeito e objetiVos da Contabilidade públiCa

O setor público em Portugal, como em qualquer outro país, segundo Magalhães (2006), tem dimensões imensuráveis, pois é ele o maior empregador, investidor e consumi-dor em simultâneo, o que o torna numa autêntica “alavanca” da economia (Apud Barbosa, 2009). Os recursos públicos são bens de todos os contribuintes, devendo ser-lhes garantido o direito de serem informados sobre como esse montante é gerido.De acordo com Silva (1995, p.19) a contabilidade pública é

“um instrumento indispensável ao planeamento económico (política fiscal, despesas públicas, défice orçamental e as suas formas de financiamento), ao management público (ajuda aos

Diretores Gerais na implementação e controlo do orçamento...), como medida de avaliação do desempenho (fixação de futuros padrões standards) e a auditoria (interna e externa), a fim

de ser possível a determinação das responsabilidades”.

3 Os Serviços e Fundos Autónomos: tem autonomia administrativa e financeira, contudo não têm independência orçamental. O seu orçamento privativo está anexo ao orçamento de Estado (Caiado e Pinto, 2002);

4 Serviços com Autonomia Administrativa: tem autonomia meramente administrativa, ou seja, tem competência para realizar receita e despesa. A sua verba está inscrita no orçamento de Estado (Caiado e Pinto, 2002).

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Por consequência da globalização e da necessidade de se harmonizar as normas e procedimentos contabilísticos surgiram as normas internacionais de contabilidade.

1.2.1 Normalização contabilística internacionalAs normas de contabilidade efetuam uma harmonização das práticas contabi-lísticas, melhoram a gestão financeira e a qualidade da informação, permitindo assim a sua comparação e análise. Rodrigues e Pereira (2004, p.25) afirmam que “a contabilidade é moldada pelo ambiente em que opera, e tal como os países tem diferentes histórias, valores e sistemas políticos, têm também diferentes modelos de desenvolvimento contabilístico”. Um dos principais objetivos da normalização contabilística internacional, tanto para o setor privado como para o público, é otimizar as práticas contabilísticas em vigor em cada país, criando um sistema de contabilidade único. Caiado (2004, p.1) afirma que “o movimento em curso tende a normalizar, a nível mundial, a contabilidade do sector público”.De forma a efetuar uma harmonização das normas e procedimentos reguladores da atividade económica e financeira internacionais, foi criado, através do International Federations of Accountants (iFAC), o international Public Sector Accounting Stan-dards Board para que se desenvolvessem um conjunto de normas internacionais para o setor público, designadas por international Public Sector Accounting Standards 5. Com vista a assegurar a normalização contabilística da AP em Portugal, foi criada a Comissão de Normalização Contabilística da AP.

1.2.2 Normalização contabilística em PortugalCom a aprovação do DL nº 232/97, de 3 de Setembro, conseguiu-se a norma-lização contabilística, ao estabelecer que o POCP é “obrigatoriamente aplicável a todos os serviços e organismos da administração central, regional e local que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública, bem como à Segurança Social”. É ainda aplicável “às organizações de direito privado sem fins lucrativos que disponham de receitas maioritariamente provenientes do Orçamento de Estado”, conforme refere o nº 1 do art.º 2º do mesmo diploma. Na contabilidade orçamental, conforme Rua e Carvalho (2006), o registo das operações da despesa ocorre desde a sua previsão até ao momento em que são pagas. Por outro lado, as operações de receita ocorrem desde a sua previsão até ao momento da cobrança. O objetivo da contabilidade patrimonial é registar todas as operações de uma en-tidade de modo a contribuir para a gestão do seu património, gerando informação sobre a sua situação económica e financeira, assim como o seu valor patrimonial.

5 Em português, Normas Internacionais de Contabilidade do Sector Público.

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Outra vertente da contabilidade pública é a contabilidade analítica que, para Mar-tinez e Pradas (2001, p. 9), é utilizada para “detetar como contribui cada centro de responsabilidade na busca da economia, eficiência e eficácia dos programas de uma entidade”, permitindo analisar o custo das atividades desempenhadas.Destarte, no nº 6 do preâmbulo do DL nº 232/97, o principal objetivo do POCP, é a “criação de condições para a integração dos diferentes aspetos – contabilidade orçamental, patrimonial e analítica – numa contabilidade moderna, que constitua um instrumento fundamental de apoio à gestão das entidades públicas e à sua avaliação”.Devido à especificidade de diversos setores da AP, sentiu-se a necessidade de adequar as normas do POCP a cada um deles, dada a sua dimensão. Neste sentido foram criados quatro planos setoriais baseados no POCP, de modo a refletirem, com maior rigor, a realidade das suas atividades. • Plano Oficial das Autarquias Locais 6.• Plano Oficial de Contabilidade para o Sector da Educação 7.• Plano oficial de Contabilidade Pública do Ministério da Saúde 8.• Plano Oficial de Contabilidade das Instituições do Sistema de Solidariedade

e de Segurança Social 9.

Esta harmonização das normas, através do POCP, desempenha um papel funda-mental no controlo da gestão dos recursos públicos, garantindo a transparência da gestão das contas públicas e da informação contabilística que serve de base para a tomada de decisões, e ainda leva a que a qualidade da informação per-mita ser comparada e analisada por outros organismos.A modernização da gestão dos recursos públicos não se verificou somente na adoção do POCP, mas também em integrar toda esta informação numa base de dados única, permitindo verificar um amplo cenário da situação patrimonial da organização, assim como possibilitar o acesso à informação em tempo real, surge o conceito de serviços partilhados.

1.3 serViços partilhados na adMinistração públiCa

Portugal atravessa atualmente uma das maiores crises económicas e financeiras da sua história. Esta situação resultou da acumulação, durante mais de uma década, de desequilíbrios macroeconómicos e de debilidades estruturais.

6 Aprovado pelo DL nº 54- A/99, em 22 de fevereiro, tendo sofrido reestruturações, nomeadamente, pelo DL nº 162/99, de 13 de maio, o DL nº 315/2000, em 2 de dezembro e ainda o DL nº 84-A/2002, de 5 de abril.

7 Portaria nº 794/2000, de 20 de setembro.8 Portaria nº 898/2000, de 28 de setembro.9 DL nº 12/2002, de 25 de janeiro.

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Através das Grandes Opções do Plano para 2012-2015 10, inseridas nas estratégias de consolidação orçamental e de desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesa, foram identificadas diversas fragilidades no processo orçamental português, onde se pode considerar:• As diferenças metodológicas entre as várias organizações, na produção das de-

monstrações financeiras da sua atividade, reflete-se na fragmentação do processo orçamental, afetando a transparência das contas públicas e o seu controlo em “tempo real”. A Administração Central 11 é constituída por mais de 500 entidades, onde a elaboração e execução do orçamento não é centralizada nos Ministérios, assim como a prestação de contas, o que leva a que existam centenas de intervenientes, tornando difícil para o Ministério das finanças, interpretar todas as suas demons-trações financeiras, impedindo assim, uma visão global e analítica do orçamento.

• Verifica-se a ausência de um quadro orçamental plurianual, ou seja, efetuar um orçamento para vários anos. Nos anteriores quadros orçamentais as medidas aplicadas, de forma a atingir os objetivos orçamentais, eram insuficientemente detalhadas, calendarizadas e quantificadas, levando por consequência a im-precisões e desvios no que concerne ao que estava previsto gastar;

• Os sistemas contabilísticos e de informação disponíveis ainda são basea-dos numa óptica de caixa, ou seja, apenas registam a receita e despesa nas respetivas rubricas orçamentais, impedindo, deste modo, um conhecimento atempado da totalidade dos compromissos assumidos.

Com vista a colmatar estas fragilidades, uma das medidas previstas pelo diplo-ma supracitado é a adoção, em conjugação com o POCP, por parte de toda a AP, dos serviços partilhados, ao nível das áreas financeira, recursos humanos (RH), sistemas de informação e património.

1.3.1 Conceito de serviços partilhadosO modelo de gestão de serviços partilhados resulta do objetivo de proceder à conden-sação dos processos não identificados como centrais num único órgão, evitando a sua disseminação e duplicação ao longo da organização (Schulman, Harmer e Dunleavy, 1999 apud Pinto, 2009). “Um Centro de Serviços Partilhados é uma organização pro-fissional, que executa funções de negócio específicas a clientes internos”, ou seja, para as várias unidades de negócio da organização (Immink, 2002 apud Pinto, 2009, p.40).

10 Grandes Opções do Plano para 2012-2015: Aprovado pela Lei n.º 64 - A/2011 de 30 de Dezembro, inserem--se nas estratégias de consolidação orçamental e de desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesa apresentada no Programa do XIX Governo Constitucional e no relatório do Orçamento de Estado para 2012.

10 À luz do direito administrativo, o setor público divide-se em Setor Público Administrativo (SPA) ou Estado em sen-tido lato e Sector Empresarial do Estado, isto é, empresas públicas. O SPA é constituído pela Administração Central, Regional e Local, pela Segurança Social e pelos fundos Autónomos (Silveira in Caiado e Pinto, 2002, p. 25).

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Pretende-se, deste modo, concentrar num só local os melhores RH, as melhores práticas administrativas ou económicas e a tecnologia adequada, reunindo, assim, condições para prestar um serviço de excelência às diversas áreas de negócio de toda a organização, libertando, desta forma, os seus RH no desenvolvimento e sustentação das atividades para que estão vocacionadas, ou seja, no seu core business, reduzindo custos e aumentando a qualidade do serviço prestado.foi com base nestas caraterísticas que a AP se debruçou sobre a adoção deste modelo de gestão, pretendendo, com esta visão estratégica:• “Libertar os organismos nucleares de atividades de suporte;• Fornecer serviços centrados no cliente, prestados por uma unidade especializada;• Otimizar os investimentos tecnológicos e respectiva manutenção;• Aumentar a eficiência;• Melhorar os processos de negócio e de suporte;• Partilhar os benefícios pelos diversos agentes.”, segundo a Lei nº 64 –

A/2011, de 30 de Dezembro.

A partilha de serviços será efetuada numa plataforma de funcionamento em rede, através da partilha de uma base de dados central, com o objetivo de permitir a circulação da informação intra e inter organismos, por via eletrónica, reduzin-do o peso da informação em papel. Esta componente do modelo de serviços partilhados denomina-se por sistema Enterprise Resource Planning (ERP) 12.

1.3.2 Sistemas ERP – Sistema integrado de gestãoEsta solução de software pode ser definida como um conjunto integrado de programas que fornecem suporte às atividades organizacionais, como produção e logística, finanças e contabilidade, vendas e marketing e recursos humanos (Gibson et al., 1999 apud Barnabé, 2007). É um sistema tecnologicamente evoluído, capaz de integrar toda a informação através de uma base de dados única, permitindo uma visualização das transa-ções efetuadas pela organização, desenhando um amplo cenário do processo de negócio, através de informações on line e em tempo real. É implementado segundo módulos standard de forma a eliminar redundâncias nas operações e na burocracia, por meio de automatização de processos (Correia, 2006).Essencialmente, este software visa transmitir informação oportuna, para a pessoa certa, no momento ideal (Silva e Alves, 2001), sobre a qual podem ser tomadas decisões bem fundamentadas, afirmando-se, assim, como a “espinha dorsal” da gestão da informação no negócio da organização.

12 Em português, Sistema Integrado de Gestão.

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A empresa SAP, foi selecionada pelo Estado Português, como fornecedor da solução para implementação efetiva do POCP com a finalidade de melhorar a gestão dos recursos públicos e programar um modelo de serviços partilhados (SAP Portugal).

1.3.3 Difusão dos serviços partilhados na Administração PúblicaNo início do ano de 2006, através do Programa de Reestruturação da Adminis-tração Central do Estado (PRACE) 13, promoveu-se um conjunto de iniciativas de modernização da AP, de modo a diminuir o nº de serviços e os recursos a eles afetos. Uma das linhas estratégicas de ação consistiu no desenvolvimento de serviços partilhados, de forma a reduzir as estruturas administrativas e processos redundantes, através de uma reengenharia de procedimentos administrativos. Neste sentido, foi criada a GeRAP 14, agora denominada Entidade de Serviços Partilhada da Administração Pública (ESPAP) 15, uma entidade de cariz empre-sarial com competência para o desenvolvimento dos serviços partilhados na AP, no âmbito das áreas de gestão dos recursos financeiros e humanos 16. Aquando da sua criação foi desenvolvida uma família de soluções, designada por programa GeRALL 17.

1.4 proGraMa Geral

Esta família de soluções foi constituída com o intuito de disseminar os serviços par-tilhados por blocos funcionais. O programa GeRALL engloba as seguintes soluções:• GeRFiP.• Gestão dos Recursos Humanos em modo Partilhado (GeRHuP).• A Gestão e Avaliação de Desempenho da Administração Pública (GeADAP).• A Gestão da Mobilidade Especial (GeRMoB).• Disponibilização e Gestão de Infra-Estruturas.• Disponibilização de Soluções de Serviços Analíticos.

Com este programa “reduzem-se os custos de contexto e criam-se oportunidades de melhoria traduzidas, entre

outras, em aproveitamento de soluções de uso comum, em redução de esforço administrativo e de manutenção promovido pela uniformização, otimização, integração e automatização dos

13 Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006, de 30 de Março, publicada no Diário da Repú-blica nº 79, Série I - B, de 21 de Abril de 2006.

14 Aprovado pelo Decreto-lei nº 25/2007 de 7 de fevereiro.15 Resultou na fusão das atribuições da Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública (Ge-

RAP), da Agência Nacional das Compras Públicas (ANCP) e do Instituto de Informática (II), que deu origem à Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP).

16 Vide artigo 5.º do Decreto-Lei nº 25/2007, de 7 de fevereiro, que cria a Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública, E. P. E., e aprova os respetivos estatutos.

17 Aprovado pela resolução do conselho de ministros nº 83/2010, de 21 de outubro.

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processos, em disponibilização de ferramentas adequadas ao processo de tomada de decisão, com exploração analítica dos dados, e em partilha de informação com os diversos serviços

da Administração Pública que dela necessitam no âmbito das suas atribuições” (Resolução do Conselho de Ministros nº 83/2010).

A Direção Geral do Orçamento (DGO) delegou na GeRAP a coordenação, execução e acompanhamento do projeto e, no Instituto de Informática (II), a tarefa de implementação, manutenção e gestão das infraestruturas que o suportam (Sap Club, 2009). Contudo, a adesão destas soluções, por parte dos diversos organismos da AP, tornou-se morosa, tendo sido adiada durante alguns anos, pois surgiram dificuldades de implementação, dada a sua complexidade nas or-ganizações, uma vez que cada uma tem as suas caraterísticas e particularidades.No Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Eco-nómica, um dos compromissos a assumir pela AP, consiste em

“desenvolver a utilização de serviços partilhados na Administração Central implementan-do na totalidade os projetos em curso e avaliando regularmente a possibilidade de maior

integração; (...) implementação integral da estratégia de serviços partilhados nas áreas de recursos financeiros (GeRFiP) e humanos (GeRHuP)”, 18

Denota-se, portanto, que a adoção, tanto do GeRfiP como do GeRHuP na AP portuguesa, é uma imposição legal, que não admite mais adiamentos por parte dos organismos públicos. O processo de implementação do GeRfiP na AP encontra-se sob a alçada do Ministério das finanças e da Administração Pública (MfAP), mais concretamente a DGO, que regula todos os procedimentos técnicos e funcionais necessários à implementação deste projeto.

1.4.1 Gestão dos recursos financeiros partilhada

A solução GeRfiP consiste em colocar à disposição de qualquer serviço, in-dependentemente da sua dimensão, regime de autonomia, setor de actividade ou localização geográfica, de uma ferramenta de suporte à gestão económica, patrimonial e analítica, que obedeça ao POCP (Dias in Interface, 2009).É composto por duas áreas funcionais: a financeira e a logística. A primeira engloba os macro-processos da contabilidade orçamental, geral e analítica, contas a receber e a pagar, tesouraria, imobilizado e gestão de contratos. No que diz respeito à área funcional logística inclui-se a gestão de aquisição de bens e serviços, de existências em armazém e vendas e faturação.

18 Regulamento do Conselho (União Europeia) nº 407/2010 de 11 de maio de 2010, que estabelece o mecanismo Europeu de Estabilização financeira, onde são descritas as condições gerais da política económica que Portugal deve os compromissos que as autoridades portuguesas terão de assumir para receber a ajuda financeira internacional.

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A integração dos macro-processos da área funcional logística e financeira é central neste projeto, dado que é neste pressuposto que assenta a evolução de uma contabilidade orçamental para uma contabilidade patrimonial (POCP). Só através da integração da área logística é possível obter informação de gestão que permita racionalizar a gestão dos recursos, em termos de economia, efi-ciência e eficácia. Nesta perspetiva, o GeRFiP não é apenas uma ferramenta de reporte de informação financeira mas sobretudo uma ferramenta de gestão. No Quadro 1 que se segue, está explanada a finalidade de cada macro-processo.

Fonte: http://www.gerap-epe.pt/institucional.

Quadro 1: Macro-processos da aplicação GeRfiP.

A integração destes macro-processos, de forma eficiente, coerente e articulada, consegue-se através do desempenho da componente ERP, que integra toda a informação numa base de dados única, por outro lado, as regras de gestão financeira e orçamental, segundo o POCP, surgem por consequência da Rede Integrada de Gestão Orçamental e dos Recursos do Estado (RIGORE).

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1.4.2 RIGORE

É o núcleo central da solução GeRFiP, que define um conjunto de processos financeiros “mapeando-os com a estrutura de cada organismo aderente, de acordo com uma arquitetura orientada a serviços, facilitando a integração com outros sistemas e ferramentas” (Gomes in SAP Club, 2009, p. 10), assim como, uma “ligação à tesouraria do Estado, facilitando a consolidação das contas públicas e uma visão da situação patrimonial do setor público” (Mano in Interface, 2009, p.29). Assim sendo, através do RIGORE, consegue-se uma melhoria da gestão dos recursos do organismo, pois permite ao GeRfiP aplicar as regras inerentes ao POCP, assim como mapear toda a informação financeira, no sentido de de-monstrar a situação patrimonial da organização.

1.4.3 Oportunidades de melhoria para a organização

Podemos considerar como principais benefícios da utilização do GeRfiP a: normalização de processos e procedimentos; manutenção de autonomia e flexi-bilidade na gestão dos organismos, possibilitando a elaboração das suas próprias analises e relatórios; disponibilização de uma solução integrada, de serviços de qualidade, de equipas especializadas capazes de assegurar elevados níveis de eficácia na gestão dos recursos públicos e de informação fiável e atempada para os vários níveis de decisão; padronização dos critérios contabilísticos e da informação base a disponibilizar pelos organismos às tutelas e entidades coor-denadoras da AP; redução acentuada dos custos de licenciamento, manutenção e evolução dos sistemas; transparência na imputação de custos às funções de suporte da AP; obtenção de economias de escala na execução dos processos; aprendizagem de novas competências e aumento das qualificações dos recursos envolvidos e total conformidade com a lei (GeRAP, s.d.).Quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista organizacional, o GeRfiP vem revolucionar a forma como as organizações têm vindo a gerir os seus recursos.

1.4.4 fases de implementação

O GeRfiP é disponibilizado através de um projeto conjunto entre a GeRAP e o organismo. De modo a potenciar uma veloz disseminação do GeRfiP, foram concebidos automatismos que possibilitam uma maior rapidez na implementação técnica. A normalização de todo o processo de migração, permite deslocar o tempo da equipa para tarefas de valor acrescido (análise do organismo, apoio à migração de dados, testes e formação), e criar espaço para albergar espe-

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cificidades dos organismos, em particular interfaces com os sistemas legados (Dias in Interface, 2009).Por conseguinte, este projeto desenrola-se através de cinco fases, sendo elas:• Fase 0: Preparação e planeamento.• Fase 1: Análise.• Fase 2: Realização.• Fase 3: Preparação do arranque.• Fase 4: Arranque e acompanhamento (GeRAP, s.d.).

Na fase 0, é efetuado o planeamento do projeto onde se define a equipa de trabalho, constituída por elementos do organismo e da GeRAP. São avaliadas as complexidades da organização assim como preparação das condições logísticas para iniciar os trabalhos.Na fase 1, pretende-se conhecer a estrutura da organização, os seus processos de negócio, as aplicações informáticas atuais, fluxos de informação e volume de atividades. É dada também formação GeRfiP. Esta é composta por três estágios.No estágio inicial, são dadas sessões de formação que abordam o GeRfiP e conceitos associados. No estágio intermédio, são realizados cursos de e-learning, onde são adquiridos conhecimentos teóricos e práticos e realizadas simulações. No estágio avançado, é dada formação On-the-job, ou seja, formação no local de trabalho, por meio da observação e execução real.No que concerne à fase 2, é preparada a migração de dados, onde são testados os processos e interfaces com outras aplicações e é realizada a formação aos utilizadores finais. Na fase 3, é efetuada a migração de dados dinâmicos e preparado o sistema produtivo para início da utilização.Por último, temos a fase 4, onde é o arranque em produtivo da solução GeRfiP no organismo. Aqui é dado um grande enfoque à formação On-the-job, apoiando os utilizadores a operar com o sistema onde estes comunicam as dificuldades e problemas através de pedidos de apoio. Aquando da sua implementação, os organismos terão de optar por uma de duas modalidades disponibilizadas pela ESPAP, sendo elas: modalidade de Partilha de Serviços (PS) ou a modalidade Partilha de Plataforma (PP).

1.4.5 Modalidade de partilha de serviços

Nesta modalidade, a execução dos processos administrativos obedece a uma separação de competências, sendo realizadas tanto por elementos da equipa de colaboradores da ESPAP como por elementos da organização. Na realidade o

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processo não muda, só mudam os seus intervenientes, como se de uma extensão da equipa do organismo se tratasse (Palma, 2012).A definição concreta das tarefas a realizar, tanto pelo organismo como pela ESPAP, estão explanadas numa matriz, que foca a separação dessas compe-tências, denominado Split de responsabilidades, que se encontra no Anexo A, somente parte dessa matriz dada a sua extensão.De uma forma sucinta, pode-se verificar que é da responsabilidade da ESPAP a realização das atividades de programação, a preparação dos relatórios e todo o suporte funcional, uma vez que disponibiliza equipas com conhecimentos téc-nicos, capazes de assegurar elevados níveis de eficácia na gestão dos recursos públicos assim como na realização de consultorias especializadas na análise e encerramento de contas, que exige conhecimentos de POCP especializado (idem) Assim sendo, a ESPAP efetua uma prestação de serviços ao organismo e será aqui que se encontra a diferença para a PP.

1.4.6 Modalidade de plataforma partilhada

Com a adesão a esta modalidade, será da responsabilidade do organismo a execução de todos os processos administrativos, assim como a análise e encerramento de contas. Deixa de haver uma separação de competências orquestradas com a ESPAP. Portanto torna-se fundamental que o organismo possua RH com conhecimentos em POCP no sentido de elaborar todos os procedimentos administrativos, tanto para a boa gestão dos recursos da organização como para a prestação de contas. A ESPAP será remunerada pelo organismo, tanto aderindo a uma como a outra modalidade, contudo, dado que na PS, a ESPAP presta um serviço ao organismo, este terá, por consequência, maiores custos que na PP. Na tabela de preços, atual-mente em vigor, constante no Anexo B, pode-se verificar essas diferenças de custos.A escolha de cada uma das modalidades recai sobre a responsabilidade do orga-nismo, tendo em conta os seus pressupostos, sendo-lhe facultada a possibilidade de trocar, caso assim o entenda.

2. ENTrEVISTAS

2.1 Caraterização dos entreVistados

A escolha da amostra de entrevistados é composta pelas entidades que estiveram diretamente ligadas à implementação do GeRfiP na GNR e caracteriza-se por não probabilística, acidental ou de conveniência, uma vez que a amostra acidental consiste em escolher indivíduos, por estarem presentes, em determinado local, num determinado momento (fortin, 2009). Assim sendo, foi constituído um

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conjunto de 6 entrevistados, 5 militares da GNR e 1 entidade civil. Os dados sócio-demográficos dos entrevistados, cujas respostas foram sujeitas a análise estatística, encontram-se no Quadro 2.

Quadro 2: Dados sócio-demográficos dos entrevistados.

2.2 entreVistas a entidades externas à Gnr

No intuito de não se cingir somente ao estudo da implementação do GeRfiP na GNR, realizaram-se duas entrevistas semi-estruturadas, ou seja, as questões colocadas estão parametrizadas num guião, permitindo, contudo, ao entrevistado falar de outros assuntos relacionados (Sarmento, 2008), permitindo uma maior profundidade ao tema abordado.Assim sendo, entrevistou-se o Dr. Nuno Costa, Chefe de divisão de Gestão de Recursos da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, e ainda o Dr. Carlos Palma, como Secretário Geral Adjunto do MAI.A escolha do primeiro entrevistado, resultou da necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a aplicação, tendo em vista a entrada em produção do GeRfiP noutras instituições. Uma vez que o seu organismo implementou a aplicação, no início do ano de 2011, poder-se-ia aproveitar a sua experiência. A escolha do segundo entrevistado baseou-se na necessidade de recolha de informação referente à forma como todos os organismos que compõem o MAI implementaram a aplicação, e, especificamente, a razão pela qual a Secretaria--Geral do MAI não implementou o GeRfiP da mesma forma que a GNR, dado que ambos pertencem ao mesmo Ministério.

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2.3 análise e disCussão de resultados das entreVistas

A realização das entrevistas teve como objetivo efetuar um levantamento de dados a submeter nos questionários e permitir a aquisição dos conhecimentos relati-vamente ao tema, apresentados no Quadro 3. A sinopse das entrevistas foi feita nos Quadros 4 a 12, constantes no Apêndice B. Portanto, no Quadro 3, apenas se apresenta a sua ideia principal, no sentido de facilitar o seu estudo estatístico.Primeiramente, foi questionado que papel desempenhou aquando da implementação do GerFiP, de modo a perceber-se a importância do contributo dos entrevistados para a implementação da aplicação na GNR. O E1 é o responsável pela disseminação do projeto GeRfiP nos organismos da AP; o E2 é o coordenador da implementação do GerfiP na GNR; o E3 esteve presente nas reuniões no âmbito da sua implementação; o E4 e o E5 foram responsáveis pelo grupo de trabalho nomeado para estudar a sua implementação; sendo E6 o chefe da equipa permanente do GeRFiP. Verifica--se, portanto, que são os principais responsáveis pela sua implementação na GNR. Relativamente à questão “porque razão foi implementado o GerFiP na GNr?”, todos os entrevistados são unânimes ao afirmar que este foi imple-mentado por imposição legal, e 16,7% acrescenta ainda que trará benefícios para a GNR no sentido de melhorar a gestão dos seus recursos, traduzindo-se, deste modo, como uma evolução dos processos contabilísticos.A terceira pergunta questiona se foi efetuado um estudo prévio de implemen-tação do GerFiP na GNr. De acordo com as respostas dos entrevistados, 50% afirmam que foram realizados diversos estudos relativamente à estrutura da GNR, à sua dispersão territorial e à elevada quantidade de processos contabilísticos em trânsito diariamente. Outros 50% afirmam que não foi efetuado nenhum estudo aprofundado onde se pudesse confrontar as vantagens e desvantagens das várias hipóteses que existiam para implementar o GeRfiP.Na quarta pergunta questiona quais as principais dificuldades encontradas na sua implementação, perante a qual 50% dos entrevistados apontam como principais dificuldades a limitada formação que foi dada aos futuros utilizadores da aplicação, assim como a resposta insuficiente por parte da ESPAP às dificuldades que lhes são reportadas, nomeadamente aos erros que o sistema apresenta. Outras dificuldades de implementação levantadas por 33,3% dos entrevistados consistem no facto da apli-cação não ser intuitiva, de existirem erros no sistema, de não fazer delimitação por centro financeiro, a contabilidade patrimonial e analítica estarem pouco desenvolvidas e afirmam ainda, o não aproveitamento do processo de mudança para efetuar uma reengenharia de processos. Verifica-se, portanto, que existiram bastantes dificuldades de implementação e que ainda se mantêm, até à data, algumas dessas dificuldades.A quinta pergunta questiona na forma como foram colmatadas as dificul-dades, onde 50% dos entrevistados afirmam que a criação de uma equipa

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permanente, no sentido da especialização nessa matéria e prestação de apoio a todo o dispositivo, consistiu no principal fator crítico de sucesso. As medidas apontadas por 33, 3% dos entrevistados como fundamentais para ultrapassar as dificuldades, consistem no reporte das mesmas à ESPAP, no apoio prestado pelos consultores da mesma entidade, assim como na criação de manuais de procedimentos elaborados pela equipa permanente.A sexta pergunta questiona quais consideram ser os benefícios e inconvenientes, para a GNr, por ter descentralizado até aos CTer/un, onde a maioria dos entrevistados (66,7%) afirma que o maior benefício consiste na atribuição de responsabilidades na gestão dos recursos por parte dos comandantes, refletindo-se, por consequência, num maior rigor da gestão patrimonial, bem como numa resposta mais célere às necessidades, apontada esta por parte de 50% dos entrevistados. Por outro lado, é apontada como principal desvantagem, pela maioria dos entrevistados, cerca de 83,3%, o facto da rea-lização das tarefas surgirem com um grande nº de erros, por consequência da limitada formação que tiveram e devido ao elevado nº de utilizadores ao longo do processo.A sétima questão aborda os benefícios e inconvenientes caso a GNr optasse por uma Centralização do GerFiP no CArI, onde se destaca a centralização do co-nhecimento e o aumento do controlo diminuindo por consequência o erro, na opinião de 50% dos entrevistados, enquanto os outros benefícios têm opiniões consensuais por parte de 33,3%, consistindo eles na especialização dos RH, dada a centralização do conhecimento, e, ainda, na redução de RH e custos afetos com licenças SAP. No que toca aos inconvenientes, assume principal destaque, por parte de 83,3% dos entrevistados, a dificuldade que existiria na resposta às necessidades locais. Na oitava pergunta questiona-se se se verifica a redução de RH afetos às áreas administrativas, onde por unanimidade todos os entrevistados afirmam que não se verifica essa redução, até pelo contrário, dado que aumentou o nº de tarefas na execução dos processos administrativos, torna-se necessário aumentar os RH assim como as respetivas qualificações.Por último, a nona pergunta questionou se o GerFiP estava totalmente implemen-tado ou se seria necessário repensar a sua estrutura. A maioria dos entrevistados (66,7%) afirma que o GeRFiP está totalmente implementado, contudo devem ser feitos diversos melhoramentos, no sentido de otimizar o seu funcionamento, nomeadamente, na racionalização do nº de licenças assim como na correção dos erros do sistema.

2.4 análise dos inQuéritos por Questionário

2.4.1 Caraterização dos inquiridos

O questionário foi enviado para 281 pessoas, tendo-se obtido 54 respostas, o que corresponde a uma taxa de resposta de 19,22%.

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No que toca à caraterização dos inquiridos, verifica-se que os militares que participaram neste questionário foram, essencialmente, sargentos, que repre-sentam 32%, contudo, se somarmos as percentagens de resposta das classes de oficiais, verifica-se uma representatividade deste conjunto. As suas idades estão compreendidas, maioritáriamente, entre os 41 e 50 anos (39%). Relativamente à sua arma ou serviço, a esmagadora maioria dos inquiridos, 75%, pertencem ao serviço de administração, enquanto que, ao nível de habilitações acadé-micas, 31% têm de escolaridade o 12º ano ou Bacharelato, 30% têm o grau de mestre.

2.4.2 Análise dos resultadosBenefícios da centralização do GeRFiP no CARI.Considera-se que a centralização do conhecimento, a redução de erros na execução dos processos e a redução de custos com licenças de utilizador, são as variáveis com um nível de concordância acima da média, enquanto que a redução dos RH empenhados nas áreas administrativas e a celeridade na comunicação com os fornecedores foram os benefícios que obtiveram um nível de concordância negativo. Com um nível de concordância intermédio, ou seja, entre a média de respostas e a média de escala, registam-se a correção de erros e a obtenção de economias de escala.

Inconvenientes da centralização do GeRFiP no CARI.Referente aos inconvenientes que a centralização do GeRfiP no CARI trará para a GNR, destacou-se, com alguma margem em relação aos outros inconvenientes, os “possíveis atrasos na satisfação das necessidades locais”, o que revela uma, quase, unanimidade na elevada concordância atribuída a esta variável. Outros inconvenientes acima da média, consistem em colocar de parte, a ideia da dinamização da econo-mia local, a dispersão territorial e uma sobrecarga de tarefas administrativas para o CARI. Por outro lado, o inconveniente com média negativa, ou seja, ao qual os inquiridos menos concordaram, consistiu no controlo das atividades desempenhadas nos CTer/Un. Com um nível de concordância intermédio surge a dificuldade em efetuar um controlo na gestão de custos e a resistência à mudança.

Benefícios da descentralização até aos CTer/Un.Quanto aos benefícios de uma descentralização do GeRFiP até aos CTer/Un. Verifica--se, portanto, que todos os inquiridos concordam com esta modalidade, em que as variáveis acima da média de respostas são a atribuição de responsabilidades, dina-mização da economia local e maior rigor na gestão de stocks e controlo de custos. As variáveis com um nível de concordância acima da média da escala e abaixo da média de respostas são a definição de prioridades, que se traduz numa resposta célere às necessidades, diminuição da carga burocrática e uma fácil adaptação por parte dos RH, dado que o anterior programa informático já estava também descentralizado.

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Inconvenientes da descentralização até aos CTer/Un.Referente aos inconvenientes, destaca-se o elevado custo com as licenças SAP, assim como a dificuldade na assistência prestada, por parte do CARI, aos vários CTer/Un, e uma formação limitada dos RH. O inconveniente da não garantia da segregação de funções foi aquele que menor relevância teve para os inquiridos. Com um nível de concordância intermédio, por parte dos inquiridos, têm-se a não garantia da segurança de dados, o aumento do nº de erros no funcionamento com o sistema e o risco da duplicação de tarefas.

Centralização ou DescentralizaçãoAo longo do questionário os inquiridos foram confrontados tanto com os be-nefícios como com os inconvenientes da centralização e da descentralização. Verifica-se uma grande similaridade de resultados, ambos abaixo da média da escala, ou seja, negativa. Por uma diferença mínima, os inquiridos concordam com a forma como está atualmente o GeRfiP implementado na GNR.

Panorama geral das respostas dos inquiridos.Através da comparação de todas as variáveis, o que permite verificar que as que me-receram maior grau de concordândia são os possíveis atrasos na satisfação das neces-sidades locais, a responsabilização pelo desempenho, os elevados custos com licenças SAP e, a dificuldade na assistência prestada por parte do CARI aos vários CTer/Un. As variáveis imediatamente abaixo da média de respostas são a redução de custos com licenças de utilizador, a diminuição da carga burocrática para os órgãos de comando, a fácil adaptação dado que já estava descentralizado com o SicPlus, e a dificuldade em efetuar um rigoroso controlo de custos. As variáveis que obtiveram uma concordância negativa foram a não garantia da segregação de funções, a celeridade na comunicação com os fornecedores pelo reduzido nº de intervenientes no processo, a diminuição do controlo das atividades nos CTer/Un, e ainda a redução de RH afetos à área administrativa.

2.5 síntese dos resultados obtidos das entreVistas e inQuéritos

Tecendo umas breves considerações relativamente às respostas obtidas através das entrevistas realizadas, em primeiro lugar, pode verificar-se que o GeRFiP foi implementado na GNR por imposição legal.Uma vez que a amostra dos entrevistados engloba os principais responsáveis pela sua implementação, ao verificar-se uma resposta dividida no que concer-ne à realização de um estudo prévio, conclui-se que este não foi realizado da melhor forma. Dado que, a passagem de uma contabilidade orçamental para uma contabilidade patrimonial implica grandes mudanças na forma como são

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efetuados os procedimentos contabilísticos. Deveria ter sido efetuada uma reen-genharia de todos os procedimentos existentes fazendo o ciclo da receita e da despesa de raiz. Caso este estudo aprofundado tivesse sido realizado, todos os responsáveis pela sua implementação teriam conhecimento do mesmo.As maiores dificuldades de implementação surgiram da limitada formação ministrada aos RH e da resposta insuficiente da ESPAP. A primeira dá origem a dificuldades de funcionamento com o sistema, pois este é muito complexo, aumentando, por consequência o número de erros. A segunda traz consigo o aparecimento de erros no sistema, nomeadamente, por não estar delimitado por centro financeiro, não sendo, assim, assegurada a segurança dos dados, por não estar desenvolvida a contabilidade patrimonial, o que poderá implicar constrangimentos para a prestação de contas no final do ano.Por estar descentralizado, implica um grande nº de utilizadores, e, como conse-quência, um grande custo com as respetivas licenças. Acima de tudo, implica um grande nº de erros na utilização do sistema. Para fazer face a estas dificuldades (desvantagens), foi fundamental a criação da equipa permanente, com o intuito de dar apoio e solucionar problemas de todo o dispositivo. O principal inconveniente apontado para uma centralização prende-se com a dificuldade em responder às necessidades locais.Um dos principais objetivos da implementação dos serviços partilhados na AP consiste na redução dos RH nas áreas administrativas, libertando-os para a execução de tarefas ligadas ao core-business da organização, contudo, esta situação não se verifica, antes pelo contrário, tornam-se necessários mais RH e mais qualificados.Como conclusão das entrevistas, verifica-se que se prevê a continuidade do GeRfiP de forma descentralizada, pelo que devem ser concentrados esforços no sentido de minimizar os erros que o sistema apresenta e proceder-se a uma racionalização de licenças.No que diz respeito ao inquérito por questionário, direcionado ao estudo a opinião dos inquiridos acerca da centralização da aplicação no CARI ou des-centralização até aos CTer/Un, obteve-se um conjunto de respostas que não se revelou conclusivo, dado que as opiniões foram bastante similares. Neste sentido, há resultados que carecem de análise.A principal vantagem da centralização consiste na centralização do conheci-mento, em contrapartida a principal desvantagem consiste na dificuldade em satisfazer atempadamente as necessidades dos CTer/Un.Quanto à descentralização, a maior vantagem consiste em atribuir responsa-bilidades na gestão aos Comandantes dos CTer/Un, a principal desvantagem prende-se com o elevado custo das licenças SAP.

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Conclui-se que, portanto, numa perspetiva de custos, o modelo descentralizado se torna mais dispendioso, contudo, numa perspetiva de eficácia na gestão dos recursos, torna-se mais vantajoso. Através do Gráfico 10, de modo a confirmar as ilações a que se chegou, verifica-se que as três variáveis que mereceram maior grau de concordância consistem na dificuldade em responder de forma célere às necessidades locais (inconveniente da centralização), na responsabilização do desempenho (vantagem da descentrali-zação), e nos elevados custos com as licenças (desvantagem da descentralização). Pode concluir-se, portanto, que deve existir um modelo que satisfaça as neces-sidades locais de forma célere, apostando na qualificação técnica e especiali-zação dos responsáveis pela gestão nos CTer/Un, estimulando assim, o sentido de responsabilidade no âmbito da sua gestão, não descurando a preocupação constante de gestão dos recursos, utilizando os mesmos tendo em conta os critérios da eficiência e eficácia a fim de garantir uma melhor economia dos mesmos (fazer mais e melhor com menos) a par de uma redução do nº de licenças SAP, no sentido de diminuir substancialmente os custos afetos.

3. SITuAÇÃo ATuAL

3.1 introdução

Uma vez consolidados os conceitos referentes ao GeRfiP, efetuar-se-á uma síntese do atual estado do processo de implementação do GeRfiP pelos orga-nismos da AP, bem como a forma como foi implementado pelos organismos que compõe o MAI e mais especificamente na GNR.Uma vez que, uma das lacunas da aplicação, na GNR, consite no elevado nº de licenças SAP e respetivos custos associados, que virá a ter apartir do próximo ano, elabora-se um estudo de caso com o intuito de apurar uma possibilidade de reduzir esse número.

3.2 orGanisMos utilizadores do Gerfip

A GeRAP implementou o GeRfiP, no início do ano de 2009, em 5 organismos piloto do Ministério das finanças e da AP, nomeadamente, a Inspeção-Geral das finanças; a Secretaria-Geral; o II; a DGO; e o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das finanças. No final desse mesmo ano foi implementado em mais 9 organismos. Assim sendo, desde 2010, a GeRAP prestava serviço a 14 organismos utilizadores da aplicação, sendo da sua responsabilidade, a execução dos processos orçamentais, administrativos e financeiros.

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Existem, atualmente, 163 organismos com o GeRfiP em produtivo, prevendo-se a adesão, em Janeiro de 2013, por mais 85 organismos pertencentes a diversos Ministérios. Através da análise da Tabela 2 pode-se ter uma macro visão dos organismos utilizadores do GeRfiP. Ainda é feita referência aos organismos que o irão implementar no início do ano de 2013.

Tabela 2: Utilizadores do GeRfiP.

Fonte: Dados do GeRfiP.

3.3 Modalidades esColhidas pelos diVersos orGanisMos do Mai

Através do Quadro 4 pode verificar-se a modalidade que os diversos organismos que compõem o MAI adotaram. A Autoridade Nacional de Proteção Civil não consta neste quadro uma vez que só irá aderir ao GeRfiP em Janeiro de 2013.

Quadro 4: Modalidades de adesão do GeRfiP pelos organismos do MAI.

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Todos os organismos que compõem o MAI, adotaram a modalidade de PS, com exceção da GNR, Polícia de Segurança Pública (PSP) e Serviço de Estrangeiros e fronteiras (SEf), que adotaram a modalidade de PP.Uma vez que são possuidores de RH com conhecimentos em POCP, sentem-se capacitados para a realização dos procedimentos administrativos e tratamento de dados, bem como a prestação de contas, não se justificando a transferência para a ESPAP dessa responsabilidade, assim como o respetivo pagamento pela prestação desse serviço.Agora que se conhece a modalidade adotada pela GNR, torna-se necessário analisar a forma como está atualmente implementado o GeRfiP na sua estrutura.

3.4 VoluMe de liCenças sap

Para cada centro de custo a ESPAP atribuiu 5 licenças SAP, garantindo, assim, a segregação de funções, atribuindo uma licença para cada Comandante do CTer/Un, 2 licenças para a contabilidade, 1 para a tesouraria e outra licença para a logística.Estão em funcionamento, atualmente, cerca de 281 licenças. Destas, 153 estão distribuídas pelos diversos CTer/Un, enquanto 128 estão localizadas no CARI e nos diversos depósitos das Unidades. A Tabela 3 indica o nº de licenças atribuídas:

Tabela 3: Distribuição de funções das licenças SAP na aplicação GeRfiP.

3.5 Custos das liCenças sap

Durante o ano 2012 as licenças SAP são gratuitas para a GNR contudo, a partir do próximo ano, estas terão de ser pagas. Através da tabela de preços disponibilizada pela ESPAP foi possível elaborar a seguinte Tabela 4, onde se indica o preço anual a pagar.

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Depois de analisada verifica-se que cada licença tem um custo de, aproxima-damente, 4000 €, o que significa que, anualmente, a GNR terá de pagar mais de um milhão de Euros para suportar o número de licenças atuais.Observou-se, até aqui, a forma como o GeRfiP foi implementado na GNR, tendo-se constatado que aderiu à modalidade de PP e que descentralizou a apli-cação até aos CTer/Un, necessitando de 281 licenças SAP de modo a garantir, pelos seus centros financeiros, o seu correto funcionamento.

Tabela 4: Valores a pagar.

Dado que a partir do ano de 2013, as utilizações destas licenças serão pagas, ir-se-á estudar a possibilidade de racionalizar este nº, no sentido de reduzir os encargos financeiros em questão, continuando a funcionar com a mesma eficiência que tem vindo a ter até então.

3.6 estudo de Caso: reVisão do sisteMa atual de liCenças

De forma a possibilitar a redução de custos com o nº de licenças, é necessário averiguar de que forma estão a ser utilizadas e com que frequência, as atuais licenças de acesso à plataforma, bem como ponderar qual a possibilidade de estas serem substituídas por um método economicamente mais viável.Através de um mapa disponibilizado pela Diretora do GeRfiP, Dr.ª Sandra Dias, onde está registada a última utilização da aplicação por licença, obteve-se um perfil de utilizador com base no acesso à mesma, que legitíma a cessação das licenças que não são utilizadas, cessando também o pagamento referente às mesmas. Verificou-se que a última utilização por parte de 47 aconteceu em 2011. Dado que a aplicação só entrou em produção no início de 2012, conclui--se que nunca foram utilizadas (Apêndice D)As licenças dos comandantes das Unidades têm sido, muitas vezes, utilizadas apenas para aprovar despesa em GeRfiP. Tendo em consideração que podem autorizar a despesa em papel, sem entrar no sistema, podendo posteriormente

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outro utilizador (a contabilidade) efetuar esse ato administrativo em GeRfiP, poderia retirar-se a licença SAP aos comandantes dos CTer/Un, poupando-se cerca de 33 licenças.Devido à constante rotatividade dos militares, e de modo a evitar a constante atualização das licenças atribuídas a cada pessoa, o perfil do utilizador, prefe-rencialmente, deveria ser atribuído por função. O que levanta outra questão, que será a responsabilização pelos atos de determinado utilizador, que será solucionada com os termos das atas de entrada e cessação de funções. A Tabela 5, que de seguida se apresenta, consiste num resumo do nº de licenças existentes em cada departamento e respetiva proposta de redução.

Tabela 5: Proposta de redução de licenças.

Através desta racionalização verifica-se uma redução de 110 licenças, repre-sentando 39, 15% do nº atualmente existente.

3.6.1 Apuramento de custos

Com a redução de 281 licenças para 171, como apurado anteriormente, e com o intuito de redução de custos, resta, agora, verificar qual o impacto económico da cessação de 110 licenças.Como explicado anteriormente, o atual sistema de licenças representa um custo de 1.042.161 €. Após se ter aferido quais desses custos seriam desnecessários,

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conclui-se que o ponto de rutura entre a eficácia de utilização e a economia de custos é de 638.290 €, como constante na Tabela 6.

Tabela 6: Custos da Proposta de Redução.

4. CoNCLuSÕES

Verificou-se que desde 2009, 163 organismos passaram a trabalhar com a apli-cação GeRfiP, e que no próximo ano de 2013, prevê-se a adesão por parte de mais 85, o que demonstra a rápida disseminação, por toda a AP, desta aplicação.No MAI, existiram organismos que adotaram a modalidade de PS e outros a PP. A escolha da modalidade a adotar recai nas qualificações dos seus RH, pois tendo competências em POCP não se justifica o pagamento do serviço à ESPAP, podendo ser realizado internamente.A GNR implementou a modalidade de PP e, dada a estrutura dispersa por todo o território Nacional, decidiu-se pela descentralização da aplicação até aos seus CTer/Un, perfazendo um total de 31 centros financeiros. Este capítulo encerra em si, uma etapa final deste estudo, uma vez que, depois de efetuado o levantamento de todas as questões, assim como de algumas so-luções, foi aplicada uma delas às lacunas encontradas, a fim de apurar a sua viabilidade.Neste capítulo foram identificados pretextos que poderão servir de ponto de partida para uma futura desativação das licenças, tornando assim exequível a sua redução.Os dados obtidos permitiram concluir que existem licenças que nunca foram utilizadas. Existe também, a possibilidade de desativação das licenças dos comandantes dos CTer/Un, tendo em atenção a segregação de funções. Permi-tiram ainda concluir que deveria ser atribuído um perfil por função e não por utilizador, por uma questão de eficiência, dada a constante rotatividade dos militares no que diz respeito às funções que desempenham.

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Em suma, existe a possibilidade de redução dos custos com o nº de licenças em aproximadamente 40%, pelo que se verifica a viabilidade desta modalidade de ação.

5. rEComENDAÇÕES

Este estudo afigura-se como um ponto de partida, no sentido de repensar a estrutura de como foi implementado o GeRfiP na GNR, pois passados mais de sete meses após a sua implementação, torna-se necessário fazer uma reflexão e análise da atual situação com o intuito de efetuar um levantamento do que deve ser melhorado e modificado.Uma vez que subsiste a dúvida na centralização ou descentralização da aplicação GeRfiP, deveria ser criado um Centro financeiro pivôt, no sentido de testar as possíveis modalidades de ação. Concentrando os esforços num único local e apostando tudo na sua formação, seria uma questão a considerar, podendo, depois, extrapolar-se os resultados para os restantes locais. Devia ser efetuado um estudo à utilização que se está a dar aos perfis de utilizador GeRfiP. O estudo de caso que foi realizado permitiu estudar uma possível hipótese de redução do nº de licenças atualmente existentes. Contudo, se for questionado o uso que cada utilizador dá à sua licença, este poderá não justificar o pagamento anual da mesma. Todas as licenças que apenas são utili-zadas para elaborar propostas de aquisições de bens e serviços, não se pagam, o que poderá levar a uma redução de custos ainda maior.Devem ser, também, desenvolvidos esforços no sentido de visitar outras orga-nizações onde o GeRfiP esteja implementado, no sentido de recolher informa-ção sobre a utilidade que lhe é dada, pois através da partilha de experiências poderão advir resultados bastante frutuosos.Dado que a contabilidade patrimonial da GNR está pouco desenvolvida, torna-se crucial realizar um estudo no sentido de apurar quais os critérios valorimétricos que deverão ser utilizados para proceder à inventariação dos imóveis da GNR e respetiva inclusão na contabilidade. Saber-se, através dos mesmos, o seu va-lor patrimonial para não originar uma distorção das contas das demonstrações financeiras.Mostra-se pertinente estudar, também, qual o impacto que a assinatura digital, na aprovação de pagamentos, terá na gestão das organizações e na redução substancial do volume de documentos em papel.

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AlGoritmo de revisão de literAturA - umA Possível estrAtéGiA de PesquisA biblioGráfiCA

José Martinsad1 , Henrique Santosb2 e Carlos Roucocd3

a Departamento de Estudos Pós-Graduados, Academia Militar, Rua Gomes freire, Lisboa, 1169-244, Portugal.b Departamento de Sistemas de Informação, Universidade do Minho, Campus de Azurém, Guimarães, 4800-

058, Portugal.c Departamento de Ciências e Tecnologia Militar, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.d Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

In the area of scientific research, this article mainly give an answer to the following question: How to perform the process of literature revision of a cer-tain research problem systematically and rationally? from this question, two more questions are raised: (1) what are the common and fundamental elements of a literature revision in different areas of knowledge? (2) How to model the problem, in order to reduce its complexity? This article proposes the conceptual model of an algorithm of literature revision, with the main inputs and outputs, control mechanisms and means used in the process. To carry out the design of the algorithm, Integration Definition for Function Modelling and Unified Modelling Language are used. The proposed algorithm seeks to define and model a process of systematic reasoning that may guide researchers in one of the main research activities, which is literature revision. At the same time, some other questions are raised that must be answered by a researcher at the end of a literature revision associated to a research project. Owing to the fact that the main motivation for writing this article is the contribution to the formation of Portuguese military researchers in the subject of research methodology, some essential questions are also presented that must be considered during the process of literature revision, particularly in what concerns the production of valid knowledge in the area of military science, specifically military doctrine. In the opinion of the authors, the conceptual model of algorithm which is proposed permits to contribute for a better planning and performance of literature revision process.Key-words: Literature revision, strategy of literature revision, research metho-dology, science and military doctrine.

1 Contactos: Email – [email protected] (José Martins), Tel. - +351 214 985 6602 Contactos: Email – [email protected] (Henrique Santos); [email protected] (Carlos Rouco).

Recebido em 26 de Dezembro de 2012 / Aceite em 18 de Março de 2013

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rESumo

No âmbito da investigação científica, este artigo responde fundamentalmente à seguinte questão de investigação: Como realizar o processo de revisão de literatura de um determinado problema de investigação de forma sistemática e racional? Da qual surgem consequentemente duas questões derivadas: (1) Quais os elementos comuns e fundamentais de uma revisão de literatura em diferentes domínios do conhecimento? (2) Como modelar o problema, de forma a reduzir a sua complexidade? Este artigo propõe o modelo conceptual de um algoritmo de revisão de literatura, com as principais entradas e saídas, os mecanismos de controlo e os meios utilizados no processo. Para efetuar o design do algoritmo utilizam-se as linguagens integration Definition for Function Modeling e a Unified Modelling Language. Mais do que uma receita, o algoritmo proposto procura definir e modelar um processo de raciocínio sistemático que oriente os investigadores numa das atividades fundamentais da investigação, que é a revisão de literatura. Simultaneamente levantam-se algumas das principais ques-tões que um investigador deve responder no final de uma revisão de literatura associada a um projeto de investigação. Em virtude da principal motivação para a escrita deste artigo ser o de contribuir para a formação dos investigadores militares portugueses na temática da metodologia de investigação, apresentam-se também algumas questões fundamentais que devem ser consideradas durante o processo de revisão de literatura, especialmente em problemáticas relacionadas com a produção de conhecimento válido na temática da ciência militar, mais especificamente de doutrina militar. O modelo conceptual do algoritmo pro-posto permite na opinião dos autores contribuir para um melhor planeamento e execução do processo de revisão de literatura.Palavras-chave: Revisão de literatura, estratégia de revisão de literatura, me-todologia de investigação, ciência e doutrina militar.

1. INTroDuÇÃo

Nesta secção apresenta-se a problemática de investigação, as principais moti-vações e enuncia-se o objetivo principal para a escrita do artigo. Para iniciar a análise e conceção do algoritmo é essencial definir o que se entende por revisão de literatura. Neste artigo, considera-se a revisão de literatura como um processo, i.e., um conjunto de atividades, suportadas essencialmente numa estratégia de pesquisa bibliográfica, nas quais se procura fazer um inventário e uma posterior análise e síntese dos documentos relevantes de um determinado domínio de investigação ou de resposta a uma questão central de investigação, com a finalidade principal de apresentar o estado de arte do conhecimento.

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A conceção do algoritmo de revisão de literatura tem por base duas motivações principais, por um lado, sistematizar o conhecimento de autores de diversas áreas do conhecimento de modo integrado através da utilização de diagramas visuais que permitam modelar o processo e torná-lo mais facilmente compreensível. Por outro lado, apoiar os jovens investigadores, essencialmente os militares, que iniciam os seus primeiros passos na área da investigação, a seguir um conjunto de passos que torne a metodologia científica mais eficiente e eficaz.Em qualquer estudo académico é fundamental que o investigador apresente a estratégia de pesquisa bibliográfica de modo a que os seus pares acreditem que a investigação e os resultados obtidos apresentam originalidade, novos conhecimen-tos e que não são apenas um conjunto de citações de investigações já realizadas. Para realizar uma revisão de literatura é necessário começar por definir a sua estratégia, sendo esta de modo simplificado a abordagem ou a modalidade de ação escolhida pelo investigador para conseguir identificar e obter os documentos e outros elementos mais relevantes associados ao problema de investigação.Deste modo, o que se procura com o algoritmo proposto é apresentar de forma modelada uma possível estratégia de pesquisa bibliográfica. Garantindo-se uma visão integrada e uma simplificação da tarefa para o jovem investigador, que assim passa a ter uma abordagem sustentada na experiência de investigadores seniores, de modo a evitar erros grosseiros na revisão de literatura, que levam a obter resultados enviesados.No entanto, não se procura com o algoritmo proposto anular a criatividade do investigador, pois como os próprios autores reconhecem, alguma das revisão de literatura é pessoal, está dependente da particularidade da área do conhecimento ou do problema de investigação, da imaginação do investigador e sobretudo do tempo e dos recursos financeiros disponíveis.No design do algoritmo utilizam-se algumas obras de referências de metodolo-gia de investigação de diferentes áreas do conhecimento, as quais são também referências fundamentais de suporte à docência da temática na Academia Militar (AM) e no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM). foram simulta-neamente considerados livros e artigos de metodologia de investigação da área dos Sistemas de Informação (SI), em virtude da área da ciência militar, tal com os SI, ser também um conjunto de sub-áreas (e.g., doutrina militar, liderança, segurança, tecnologias de informação, guerra de informação, ciberdefesa, co-mando e controlo) passíveis de cada uma delas utilizar diferentes abordagens, métodos e técnicas de investigação. As abordagens metodológicas seguidas por investigadores de diferentes áreas do conhecimento permitem consequentemente percecionar algumas das principais preocupações ou os elementos comuns às diferentes áreas do conhecimento e consequentemente obter uma visão integrada da problemática da revisão de literatura.

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Embora a revisão de literatura realizada nesta investigação não seja exausti-va, por limitações de tempo, considera-se que a análise documental realizada e focada na temática é a necessária para o design do modelo conceptual do algoritmo. O qual deve ser um processo dinâmico, tal como os algoritmos de software (e.g., pesquisa, ordenação) que sofrem constantes modificações ao longo do tempo de modo a reduzir a complexidade da sua execução, sem no entanto deixarem de cumprir a função principal para a qual são desenvolvidos.Para alcançar o objetivo proposto, este artigo está dividido em cinco secções, a primeira secção apresenta a problemática, as motivações para a sua escrita e enuncia o objetivo principal da sua realização. De seguida na secção dois apresenta-se a revisão de literatura realizada que apoia o design do algoritmo proposto. A terceira secção apresenta a visão geral do algoritmo de revisão de literatura, suportada na linguagem de modelação Integration Definition for Function Modeling, através do diagrama IDEf0. De seguida, na secção quatro propõe-se o modelo conceptual do algoritmo de revisão de literatura, cuja con-ceção é feita através do diagrama de atividades da Unified Modelling Language (uML). Para finalizar o estudo, na quinta secção apresentam-se as conclusões do estudo, algumas limitações e pistas para trabalhos futuros a realizar na área da metodologia de investigação focada na ciência militar.

2. rEVISÃo DE LITErATurA

A revisão de literatura realizada para a escrita deste artigo identifica de forma sumária as principais preocupações que um investigador deve ter, i.e., os requi-sitos a que uma revisão de literatura deve obedecer, sem no entanto procurar reduzir esta atividade a uma simples lista de verificação de tarefas a executar (i.e., cheklist). O objetivo desta secção é salientar alguns dos elementos principais que devem estar refletidos numa revisão de literatura corretamente elaborada, fornecendo deste modo um suporte teórico válido para os jovens investigadores, através de uma confrontação de autores.face à principal motivação do artigo, os jovens investigadores militares passam a ter um apoio teórico na problemática de revisão de literatura, de modo a poder focar a sua investigação na obtenção de conhecimento original, ou qualidade e validado cientificamente. O artigo responde fundamentalmente à seguinte questão de investigação: Como realizar o processo de revisão de literatura de um determinado problema de investigação de forma sistemática e racional? Da qual surgem consequentemente duas questões derivadas: (1) Quais os elementos comuns e fundamentais de

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uma revisão de literatura em diferentes domínios do conhecimento? (2) Como modelar o problema, de forma a reduzir a sua complexidade? Apesar de se centrar nas questões de investigação levantadas, deixa em aberto outras questões ou reflexões epistemológicas com foco na área militar que se vão formando e levantando ao longo da escrita do artigo. Salientam-se deste já as seguintes questões: O que é ciência militar? Qual a validade científica da doutrina militar, como forma de conhecimento? Qual a framework conceptual de integração do conhecimento da doutrina militar? Quais são as principais abordagens, métodos e técnicas de investigação utilizadas para produzir ciên-cia ou doutrina militar? Certamente, que são questões importantes, às quais os investigadores da ciência militar devem procurar responder e que surgem em projetos de investigação no âmbito militar.Estas e outras questões apresentadas ao longo do artigo tem como intenção sis-tematizar algumas preocupações epistemológicas e desafiar no bom sentido os especialistas destas temáticas a refletir em conjunto e a escrever sobre a temática. No âmbito da revisão de literatura realizada podem-se identificar através da análise documental dos documentos indicados na Tabela 1, os objetivos fun-damentais a que uma revisão de literatura deve responder, segundo a “lente” dos investigadores referenciados. A análise documental teve em consideração fundamentalmente algumas das obras clássicas de metodologia de investigação normalmente referenciadas nos trabalhos de investigação realizados no âmbito da Academia Militar, comple-mentadas com outras consideradas relevantes pelos autores. O modelo conceptual do algoritmo proposto pode evoluir para um trabalho de investigação mais extenso e profundo que permita complementar o apresentado, através de uma revisão de literatura que abranja um maior número de áreas do conhecimento e um período de tempo mais alargado.Os autores das obras de referência indicadas na Tabela 1 pertencem a várias áreas do conhecimento e com diferentes formações base, o que permite obter uma visão abrangente sobre a importância do processo de revisão de literatura na metodologia de investigação e das suas principais preocupações. Embora as obras referenciadas, não tenham como objetivo central a revisão de literatura, permitem identificar as preocupações de cada um dos autores. É por isso intenção do artigo sistematizar e apresentar os seus pontos de vista (ver Tabela 1), sem procurar interpretar ou relacionar as diferentes perspetivas sobre a temática da revisão de literatura.A revisão de literatura numa investigação deve apresentar o estado da arte numa determinada área do conhecimento ou domínio da investigação. No en-tanto, limitar o processo de revisão de literatura apenas a esse único objetivo é restringir as potencialidades do processo de revisão de literatura.

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Tabela 1: Elementos fundamentais de uma revisão de literatura. 

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Autor Elementos Fundamentais

fortin (1996) (Ciências da Enfermagem)

O enunciado do problema ou do assunto de investigação está clarificado? Existe plano de revisão de literatura, i.e., uma estratégia? O plano de revisão considera o tempo disponível? As palavras-chave utilizadas na pesquisa de documentos são pertinentes? E

os operadores booleanos utilizados? A profundidade e a extensão da revisão de literatura é suficientemente? Possui informação teórica, empírica e metodológica? As fontes bibliográficas são essencialmente primárias? A escolha e a localização das fontes documentais são ajustadas ao problema? O problema ou assunto de investigação está suficientemente clarificado? Os estudos obtidos permitem delimitar o problema de investigação e ajudar a

definir os conceitos da problemática? A revisão de literatura não consiste apenas numa série de resumos ou de

citações, mas possui um exame critico em relação ao problema de investigação?

Quivy and Campenhoudt (2005)

(Ciências Sociais)

Situa o trabalho de investigação em relação a quadros conceptuais reconhecidos (validade externa)?

Considera um número mínimo de trabalhos de referência sobre o tema ou sobre a (s) problemática (s) associada?

Possui um método de trabalho devidamente organizado? A escolha e a organização de leituras obedecem a critérios ou princípios?

Indica-os? Precisa claramente o tipo de textos que procura e identifica as suas fontes? Apresenta as ideias principais dos diversos autores com profundidade, de

forma articulada e coerente? Possui um método de análise documental (e.g., grelha de leitura) rigoroso,

preciso e que permite comparar abordagens na resolução do problema? Apresenta resumos dos textos, que destacam as suas principais ideias e

articulações, de modo a fazer surgir a unidade de pensamento do autor? Utiliza entrevistas exploratórias ou outros métodos exploratórios

complementares (e.g., observação direta)?

Sarmento (2008) (Ciências da Gestão)

Possui uma introdução, onde se apresentam os objetivos e o enquadramento que delimita a revisão de literatura?

Mostra o estado-da-arte sobre o assunto em investigação? Apresenta as citações bibliográficas importantes de outros autores e faz a sua

análise crítica? Tem entre citações de outros autores elos de ligação? Apresenta as considerações do investigador, sobre o assunto que investiga? Refere na bibliografia todos os autores citados na revisão de literatura ou em

qualquer das seções do trabalho? A revisão de literatura cumpriu a questão da forma (e.g., referências, tabelas

e figuras)?

Carvalho (2009) (Ciências Económicas)

Determina o estado-da-arte? Enquadra o problema de investigação dentro de um quadro de referência

teórico? Explica como o problema vem sendo investigado do ponto de vista

metodológico? Explica a evolução dos conceitos, tema e abordagens ao longo do tempo,

dentro do quadro teórico de referência, explicando os fatores determinantes e as implicações das mudanças?

Eco (2009) (Ciências Humanas)

Define o verdadeiro objetivo da revisão de literatura? Indica as fontes do trabalho científico? Utiliza prioritariamente fontes primárias? O investigador deve garantir poder aceder às fontes documentais (e.g., onde

estão; são acessíveis; estou em condições de trabalhar com elas)? Utiliza as citações bibliográficas corretamente? Apresenta um método para análise dos documentos (e.g., ficha bibliográfica

de leitura)?

freixo (2011) (Ciências da Comunicação)

O objetivo da investigação está claramente definido? Apresenta os contributos de diversos autores sobre a matéria em estudo,

estabelecendo ligações entre eles e realçando as forças e as fraquezas dos estudos enunciados?

Permite determinar os conceitos ou as teorias que servirão de quadro de referência?

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Autor Elementos Fundamentais Evidência o quadro de referência e a perspetiva segundo a qual o problema

de investigação será abordado? É adequada, relevante e baseada em fatos confirmados e não em meras

opiniões? É atual e está bem estruturada? Possui informação teórica, empírica e metodológica? As fontes bibliográficas são fundamentalmente primárias?

Remenyi e Bannister (2012) (Sistemas de informação)

Tem um entendimento profundo dos principais trabalhos académicos publicados no seu campo de investigação?

Os trabalhos analisados são publicados em revistas académicas de relevância do campo de investigação com peer reviewed?

A revisão de literatura apresentada, dependente da área do conhecimento, reflete um período temporal específico ou um intervalo de tempo razoável?

Resume-se apenas a uma síntese dos documentos lidos pelo investigador ou apresenta uma reflexão crítica e uma integração das várias abordagens?

Está articulada com a questão de investigação? O investigador consultou um número razoável de trabalhos académicos (e.g.,

artigos científicos, livros académicos, papers de conferências)? Está escrita de forma correta? Tem uma extensão adequada? No final da revisão da literatura, apresenta um modelo conceptual dos

conceitos das principais variáveis do problema de investigação?

Baptista (2010) (Sistemas de informação)

Determina os limites da investigação? A estratégia de pesquisa bibliográfica está definida e esclarece o leitor? Motiva para o tópico de investigação e explica os contributos da

revisão? Apresenta o estado da arte no domínio de investigação e futuros temas de

investigação? A revisão de literatura cumpriu a questão da forma (e.g., referências, tabelas

e figuras)? A revisão de literatura está bem estruturada? As referências bibliográficas são de qualidade? Apresenta clareza, rigor e profundidade na revisão? A revisão de literatura é extensa e profunda? Descreve os conceitos chave? Desenvolve um modelo para guiar futuras investigações? Justifica as proposições apresentando fundamentação teórica,

descobertas empíricas e exemplos práticos? Apresenta implicações para investigadores e gestores? É explicativa e criativa?

Webster e Watson (2002) (Sistemas de informação)

Apresenta a motivação para o tema de investigação e explica as contribuições apresentadas?

Limita o âmbito da investigação? Descreve os conceitos chave? Apresenta revisões de literatura relevantes para a área de investigação ou

afins? Desenvolve um modelo para guiar a investigação futura? Justifica as proposições, apresentando explicações teóricas, os últimos

resultados empíricos e exemplos práticos? Apresenta as implicações para os investigadores e os gestores? É explicativa e criativa?

ME – 62 – 00 – 01 (2002) (IESM - Ciência Militar)

Apresenta o planeamento da pesquisa bibliográfica? Indica os tipos de trabalhos consultados e os locais de consulta? Obtém a informação inicial através de leituras preliminares e de entrevistas

exploratórias? Tem as notas bibliográficas orientadas de modo a poder suportar o modelo de

conceitos? Apresenta o corpo de conceitos principais? Está de acordo com a problemática de investigação?

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Figura 1: Visão geral do processo de revisão de literatura.

É fundamental que o investigador no final da revisão de literatura consiga também identificar os principais investigadores nacionais e internacionais que trabalham no seu domínio de investigação, as mais relevantes revistas aca-démicas do seu domínio de investigação para publicação dos seus trabalhos académicos, as conferências da especialidade onde divulgar os resultados da sua investigação e os centros de investigação que o poderão apoiar no seu domínio de investigação. Deve simultaneamente identificar as possíveis teorias que o pedem ajudar a res-ponder à questão central de investigação, os métodos ou técnicas de investigação e as disciplinas de referência que podem ser ou que são utilizadas com maior frequência no seu domínio de investigação, e principalmente obter a matriz de conceitos de suporte teórico ao seu problema de investigação.Após uma análise aos aspetos essenciais levantados pelos autores referencia-dos na Tabela 1 é possível construir uma visão conceptual teórica do processo de revisão de literatura, a qual permite consequentemente apoiar o design do algoritmo proposto no artigo.

3. VISÃo GErAL Do ProCESSo DE rEVISÃo DE LITErATurA

Nesta secção apresenta-se uma possível visão integrada do processo de revisão de literatura, onde se descrevem as principais entradas e saídas do processo de revisão de literatura, os meios utilizados e a forma de controlo do processo. De forma a visualizar todos estes elementos, apresenta-se na figura 1 a integração destes elementos num único diagrama através da linguagem de integration Definition for Function Modeling (IDEf0, 1993).

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A escolha do diagrama IDEF0 como abordagem gráfica padronizada que permite a modelagem de sistemas baseada em diagramas, deve-se ao fato possibilitar apresentar uma visão holística do processo de revisão de literatura, de forma simples e integrada. Como ilustra a figura 1, para iniciar o processo de revisão de literatura, são necessárias as entradas, sendo fundamental iniciar o trabalho de investigação com o levantamento de uma questão central de investigação ou através da temática procurar novos e originais problemas para resolver. Simultaneamente, o rigor científico da revisão de literatura obriga a ter meios de Controlo, que permitam no final do processo verificar se o resultado obtido está de acordo com o objetivo inicial. Deste modo é fundamental que sejam definidos os objetivos, tenham sido escolhidas as palavras-chave corretas para pesquisar o assunto, pois apenas a “chave correta permite abrir a porta do conhecimento” e se utilizem a análise documental e de conteúdo na interpretação dos documentos relevantes obtidos no tempo disponível para a realização da revisão de literatura.É também importante utilizar Mecanismos, i.e., recursos, os quais permitem a execu-ção das atividades do processo e simultaneamente apoiam na qualidade no produto final. Para isso o investigador deve utilizar ferramentas automatizadas de apoio à revisão de literatura (e.g., EndNote), dominar a (s) área (s) de conhecimento e as suas disciplinas de referência que suportarão a investigação e utilizar referências bibliográficas relevantes, dentro das possibilidades da sua obtenção e em tempo útil.É claro que dependente da área do conhecimento (e.g., ciências militares, matemática, ciências da saúde), da abordagem epistemológica que se prevê seguir (e.g., positivista, interpretativista), dos métodos e das técnicas de investigação (e.g., experiências labo-ratoriais, case study, survey, ground teory) que se preveem utilizar, podem utilizar-se outros recursos (e.g., organizações, especialistas, softwares de simulação).No final do processo de revisão de literatura, deve apresentar-se o estado da arte e a matriz ou modelo de conceitos que suportarão a investigação. Conforme já foi referido identificam-se também os possíveis investigadores nacionais e internacionais que trabalham no seu domínio de investigação e os principais centros de investigação que o poderão apoiar. Também é importante referenciar as principais revistas académicas e as conferên-cias da especialidade onde posteriormente se possam divulgar os resultados da sua investigação. Deve-se simultaneamente identificar as possíveis teorias, disciplinas de referência, abordagens, métodos e técnicas de investigação que são utilizadas com maior frequência no seu domínio de investigação, pois estas podem apoiar numa fase posterior na construção do seu research design i.e., no seu plano de investigação.Em conclusão, após se apresentar uma visão geral do processo de revisão de literatura, propõe-se de seguida uma estratégia de pesquisa bibliográfica com as principais atividades a desenvolver e a sua possível ordem de execução. Para isso na próxima secção apresenta-se o modelo conceptual do algoritmo de revisão de literatura, sabendo de antemão que aquilo que se procura com

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o design deste algoritmo é sistematizar o conhecimento e facilitar a visão do jovem investigador no contato com a temática da revisão de literatura.

4. moDELo CoNCEPTuAL Do ALGorITmo DE rEVISÃo DE LITErATurA

Para realizar o design do modelo conceptual do algoritmo, utiliza-se o diagra-ma de atividades da UML. Este diagrama é o mais adequado para apresentar uma visão funcional de um sistema, o qual neste caso específico vai permitir apresentar a lógica do processo de revisão de literatura. Tal como referem Silva e Videira “um diagrama de atividades descreve o comportamento de um pro-cesso ou função pela especificidade da sequência de operações (atividades e/ou ações) e decisões que permitem determinar quando e como elas são realizadas. Consiste, em termos gerais, numa série de atividades ligadas por transmissões” (2005, p. 222). De modo a facilitar a leitura do algoritmo apresentam-se na Tabela 2 os principais símbolos utilizados e a sua explicação sumária.

Tabela 2: Símbolos do diagrama de atividades da UML.

A compreensão do modelo conceptual do algoritmo proposto na figura 2, passa pela descrição sumária dos seus passos principais. Durante a descrição, procura-se somente enumerar os objetivos principais de cada um dos passos que evitam os erros mais comuns cometidos durante as revisões de literatura. Consideraram-se como principais passos do algoritmo, os seguintes: (1) Deve iniciar-se a revisão de literatura pela pergunta de partida ou seja pela

questão central da problemática. É claro que pode não se ter uma questão central de investigação e realizar a revisão de literatura com a finalidade de obter uma ou mais perguntas de investigação. Neste artigo, embora as diferen-ças sejam mínima na conceção do algoritmo proposto, a abordagem definida considera como ponto inicial do algoritmo a questão central de investigação.

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(2) No passo seguinte da revisão de literatura é importante obter uma visão geral da problemática de investigação, para isso o tutor ou orientador são um primeiro auxílio, em associação como as entrevistas exploratórias. No entanto, uma ferramenta que não se deve desperdiçar e por onde se pode iniciar o processo de revisão de literatura é pela análise os artigos que apresentam anteriores revisões de literatura na área de investigação em causa. Esta abordagem tem como objetivo principal a obtenção de uma visão holística da temática de investigação e a perceção para alguns dos problemas de investigação já identificados.

Figura 2: Modelo conceptual do algoritmo de revisão de literatura.

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Simultaneamente permite obter uma primeira perceção para os principais inves-tigadores da área, centros de investigação, revistas académicas de referência, teorias, disciplinas académicas de apoio, abordagens epistemológicas, métodos e técnicas de investigação.Esta abordagem inicial permite numa fase posterior (i.e., no ponto quatro) e conjuntamente com os critérios selecionados de relevância para a seleção de documentos, orientar a seleção dos artigos nucleares do trabalho de investigação. (3) Posteriormente, o investigador tem que selecionar as palavras ou expres-

sões chave que lhe vão “abrir a porta do conhecimento” na sua área de investigação, mas para isso necessita de as selecionar de uma taxonomia de vocabulário ajustada ao tema de investigação e utilizar operadores lógicos que lhe permita efetuar a combinações das palavras mais adequadas para obter os documentos que refletem o estado da arte no que se refere ao seu problema de investigação e que delimitam a área do Estudo.

(4) A pesquisa bibliográfica deve ter em consideração os documentos mais rele-vantes na problemática de investigação. A questão central é: - Quais são os critérios mais relevantes para a seleção de documentos de uma investigação? Pode-se considerar como critérios para uma primeira seleção dos artigos, a existência das palavras-chave no título do artigo ou no resumo e a exis-tência de citações para o artigo referenciado, mas não deve o investigador desprezar à partida artigos recentes com poucas ou nenhumas citações. A relevância dos artigos obtidos deve ser no final baseada na conjunção de critérios, como seja, por exemplo o número de citações do artigo, a sua publicação em revistas científicas relevantes na temática e o aparecimento em simultâneo em dois ou mais agregadores de revistas científicas (e.g., o iSi Web of Knowledge, Scopus). No entanto os próprios critérios de rele-vância, necessitam de ser analisados, senão vejamos: - Quais são as revistas académicas de relevância para publicação de estudos académicos? Pode-se identificar algumas das revistas mais relevantes para uma determinada área do conhecimento através da utilização do Journal Citation Reports e do fator de impacto. Estas reflexões são também elas pertinentes na ciência militar e levantam algumas questões específicas, como sejam: - Quais são as revistas académicas nacionais e internacionais de relevância para publicação de estudos académicos de doutrina militar? Qual o seu fator de impacto? A estas questões acresce algumas vezes a dificuldade em identificar quem são os especialistas que validam a qualidade e a originalidade dos conhecimentos de doutrina militar produzidos no âmbito da ciência militar.

(5) A documentação relevante obtida de acordo com os critérios definidos pode ser classificada em primária, secundária ou terciária. A qual se pode obter fundamentalmente através dos agregadores de revistas científicas (e.g.,

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scopus, iSi web of knowledge), Internet (e.g., google books, o google scho-lar), bibliotecas de universidades ou centros de investigação (e.g., livros académicos de referência ao suporte ao ensino das unidades curriculares) e dos proceedings de conferências da especialidade. Para além destes repositórios fundamentais podem obter-se dissertações e teses relacionadas com a problemática de investigação (e.g., networked digital library of theses and dissertations, do repositório científico de acesso aberto de Portugal - RCAAP), normas nacionais e internacionais (e.g., qualidade do software, gestão da segurança da informação), relatórios ou casos de estudo da indústria (e.g., Harvard Business School) e consultar bases de dados es-pecíficas do domínio da investigação, como por exemplo de doutrina militar. Normalmente a maioria dos trabalhos de investigação focados em doutri-na militar centram a pesquisa bibliográfica especialmente em documentos doutrinários não classificados da NATO, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, das forças Armadas Portuguesas e do Exército Português (e.g. Academia Militar, Instituto de Estudos Superiores Milita-res). No caso da ciência militar, as questões principais que se colocam são as seguintes: - Quais são as bases de dados nacionais e internacionais de doutrina militar relevante e como obter documentação classificada, a qual normalmente representa o estado-da-arte? Pode ter-se em consideração algumas das principais bibliotecas On-Line de divulgação de assuntos militares (e.g. Military education Research Library network). Outra importante fonte são as revistas de divulgação de assuntos militares (e.g., Revista Militar), mas tem os seus artigos valor científico ou são apenas meras opiniões, revisões de literatura ou modelos conceptuais?

(6) Após identificar e obter os documentos relevantes é fundamental apresentar o resumo crítico de cada documento analisado, de modo a mais facilmente elaborar a síntese final da revisão de literatura e “convencer” o leitor da relevância dos documentos nucleares escolhidos para apoio da investigação. É fundamental que todos os documentos obtidos sejam analisados de forma sistemática, consequentemente sugere-se para orientação os elementos referen-ciados no Quadro 1, os quais permitem facilmente tirar diversas conclusões, as quais devido à sua evidência, deixamos à reflexão do leitor. Uma forma de organizar e tratar facilmente a informação obtida da análise e síntese dos documentos é fazer a sua gestão através de uma simples folha de cálculo (e.g., Microsoft excel), podendo facilmente fazer ordenações por elemento (e.g., por datas, por assunto, por autor) e aplicar filtros. Por experiência dos autores não despreze a organização e a análise sistemática dos documentos desde o início do processo de revisão de literatura, especialmente a gestão das referências (através da utilização da aplicação).

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Quadro 1: Elementos principais de análise documental de um estudo académico.

Após esta fase, pode refinar-se a pesquisa bibliográfica de modo a garantir que nenhum documento nuclear “passou ao lado” do investigador, centrando a pesquisa bibliográfica nos autores mais relevantes identificados, nas principais revistas de publicação do domínio da investigação e nos anos mais recentes. Após esta terceira interação da pesquisa bibliográfica é possível acrescentar novos documentos ao núcleo de artigos relevantes obtidos. Os artigos nucleares obtidos devem suportar a matriz de conceitos ou o modelo conceptual teórico do estudo a realizar e podem ajudar posteriormente na construção do research design do projeto de investigação. Não esquecer que a revisão de literatura não deve consistir apenas num con-junto interligado de resumos e de citações de autores de referência, mas deve ser centrada fundamentalmente nos conceitos.(7) Após selecionar os documentos nucleares, em resultado da análise docu-

mental focada essencialmente nos elementos indicados no Quadro 1, há que construir a matriz ou o modelo de conceitos. A revisão de literatura deve ser centrada num abordagem por conceitos e não por autores. Como output

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principal obtém-se fundamentalmente a matriz de conceitos (e.g., de acordo com a Tabela 3) ou um modelo conceptual, o qual deve apresentar as va-riáveis chave do estudo. Os conceitos devem ser isolados a partir de uma unidade de análise de investigação (e.g., organização, grupo, individual), o que ajuda a focar os conceitos no âmbito do problema de investigação.

É importante analisar também a evolução da descrição dos conceitos ao longo da dimensão temporal, sendo por isso fundamental que a pesquisa bibliográfica não seja limitada a um conjunto específico de revistas académicas ou a um período de tempo reduzido. Também os proceedings das conferências analisados não devem ser limitados a uma área geográfica especifica e a um período de tempo relati-vamente curto (e.g., artigos dos últimos dois anos de uma conferência europeia).(8) A escrita final da revisão de literatura deve no essencial cumprir a questão

da forma ou seja estar bem estruturada (e.g., introdução, desenvolvimento, conclusõe), ser explicativa e se possível criativa. Deve apresentar de forma clara a estratégia de pesquisa bibliográfica seguida, as referências biblio-gráficas indicadas devem ser de qualidade e deve ser extensa, profunda e rigorosa. Utilizar tabelas, quadros e figuras que permitam apresentar as relações entre as variáveis chave e os autores que contribuem para a defi-nição dos seus conceitos. A análise dos documentos nucleares realizada de acordo com o Quadro 1 permite mais facilmente sistematizar a sua escrita e apresentar sínteses conclusivas bem estruturadas. Em relação às regras de escrita, referenciação e citações de documentos, os investigadores podem orientar o seu trabalho de acordo com normas internacionais (e.g., Publication Manual of the American Psychological Association - APA) ou normas específicas da universidade ou centro de investigação onde a investigação é publicada (e.g., normas para a execução de trabalhos escritos NP405, no caso da Academia Militar Portuguesa).

(9) A avaliação da revisão de literatura realizada num estudo académico deve ter em consideração essencialmente os elementos fundamentais de uma revisão de literatura identificados na Tabela 1 pelos diversos autores. Como não é objetivo do artigo fazer uma lista exaustiva de todos os critérios a

Tabela 3: Matriz de conceitos (exemplo).

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que deve obedecer uma revisão de literatura, deixa-se como desafio ao leitor produzir a mesma de forma a inserir as preocupações identificadas no artigo e aquelas que da sua experiência ou de outras leituras relevantes devem ser consideradas.

(10) No final do processo da revisão de literatura, a síntese obtida deve apre-sentar o estado da arte na área do conhecimento dentro dos limites da investigação definidos, explicar os contributos da revisão de literatura para a investigação a realizar, identificar e sugerir novos temas de investigação. Deve simultaneamente apresentar a fundamentação teórica (e.g., a matriz de conceitos ou o modelo conceptual) e os conceitos ou as preposições apresentadas no final da revisão de literatura devem ser suportadas sempre que possível em teorias, resultados empíricos ou na experiência e boas práticas dos especialistas do domínio de investigação.Na realidade o objetivo principal da revisão de literatura é apresentar de modo rigoroso, aquilo que se conhece e o que necessitamos de conhecer sobre o problema de investigação, permitindo deste modo alertar académi-cos e gestores para o estado atual e as limitações do conhecimento numa determinada área do conhecimento. No final da execução deste processo podem surgir novos problemas de investigação ou caso tenha partido de uma pergunta de partida, a mesma pode ser reformulada, de modo a considerar o conhecimento obtido da revisão de literatura.

O encerramento do processo de revisão de literatura pode resultar na escrita de um artigo científico e sua consequente publicação em revista ou apresentação em conferência académica, ficando deste modo demonstrado o valor da revisão de literatura realizada. Em conclusão, o modelo conceptual do algoritmo proposto apesar de não acrescentar novos conhecimentos à temática, facilita a sistematização, o pla-neamento e a execução do processo de revisão de literatura. Permite também a escalabilidade do processo, i.e., o acrescentar de novas atividades ou a alte-ração da ordem das mesmas, procurando sempre a simplificação, a redução da complexidade e a melhoria da eficiência do processo.

5. CoNCLuSÕES

Neste artigo propõe-se o modelo conceptual de um algoritmo que possa contribuir para um melhor planeamento e execução do processo de revisão de literatura e descrevem-se sumariamente as principais atividades de uma possível estratégia de pesquisa bibliográfica. A análise do algoritmo proposto não é exaustiva, o

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que certamente é uma limitação do artigo, mas que em nada diminui a visão integrada, sistemática e completa do modelo conceptual do algoritmo de revisão de literatura proposto. Em virtude do artigo procurar ser também um modesto contributo para o ensino da metodologia de investigação na área específica da ciência militar, levantam--se uma série de questões, as quais podem contribuir para futuras reflexões no meio académico militar:• O que é ciência militar e qual a validade científica da doutrina militar, como

forma de conhecimento?• Qual o corpo de conhecimento que permita integração das várias subáreas de

doutrina militar (e.g., Operações de Informação, Segurança da Informação, Ciberdefesa)?

• Quais são as principiais abordagens, métodos e técnicas de investigação utilizados na área da ciência militar para produção de doutrina militar?

• Quais são as principais teorias utilizadas para apoio da produção de doutrina militar?

• Como obter o estado da arte na ciência militar, face às dificuldades de acesso à documentação militar nacional ou internacional classificada?

• Quais são as revistas académicas nacionais e internacionais de relevância científica para publicação de estudos académicos de doutrina militar?

São os conhecimentos obtidos da revisão de literatura que permitem ao inves-tigador “avançar” apoiando-se em conhecimentos sólidos e não em meras opi-niões ou análises conceptuais sem validação e consequentemente sem qualquer valor científico, mas possivelmente influenciadoras de opiniões e de futuras decisões com impacto algumas vezes negativo nas organizações, nos Estados ou na sociedade em geral. A revisão de literatura deve ser o mais objetiva possível relativamente a um dado problema de investigação. Essa objetividade traduz-se num resumo do estado do conhecimento, das limitações e contradi-ções no domínio da investigação, obtido através de um processo sistemático e racional. Consequentemente espera-se contribuir com este modelo conceptual do algoritmo, para o design desse processo de revisão de literatura.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrAFIAS

Baptista, Ana Alice R. P. (2010). Apontamentos da Unidade Curricular de Comunicação Científica do Programa Doutoral em Tecnologias e Sistemas de Informação da Escola de Engenharia da Universidade do Minho.

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Carvalho, J. Eduardo (2009). Metodologia do Trabalho Cientifico, 2ª Edição, Escolar Editora.Eco, Umberto (2009). Como se faz uma Tese em Ciências Humanas, 15ª Edi-ção, Editora Presença.Fortin, Marie-fabienne (1996). O Processo de Investigação: da Conceção à Realização. Lusociência – Edições Técnicas e Cientificas, Lda.Freixo, Manuel João Vaz (2011). Metodologia Cientifica – Fundamentos, Mé-todos e Técnicas. Instituto Piaget.IDEF0 (1993). Integration Definition for Function Modeling. Federal Infor-mation Processing Standards Publications (fIPS PUBS), National Institute of Standards and Technology..Quivy, Raymond and Campenhoudt, LucVan (2005). Manual de Investigação em Ciências Sociais, 4ª Edição, Gradiva.mE-62-00-01 (2002). Metodologia de Investigação Cientifica. Instituto de Es-tudos Superiores Militares.Sarmento, Manuela (2008). Guia Prático sobre a Metodologia de Investigação para a Elaboração, Escrita e Apresentação de Teses de Doutoramento, Disser-tações de Mestrado e Trabalhos de Investigação Aplicada, 2ª Edição, Coleção Manuais, Universidade Lusíada Editora, Lisboa.remenyi, Dan and Bannister, frank (2012). Writing up your Research. The Quick Guide Series, Academic Publishing International.Silva, Alberto M. R. da e Videira, Carlos A. E. (2005). UML – Metodologias e Ferramentas CASe, Volume I, 2ª Edição, Centro Atlântico. Webster, Jane and Watson, T. Richard (2002). Analyzing the Past to Prepare for the future: Writing a Literature Review. MIS Quarterly Vol. 26 No. 2, pp. xiii-xxiii/June 2002.

José Carlos Lourenço martinsDocente na Academia Militar (AM) e no Instituto Superior Politécnico do Oeste. Investigador no Centro de Investigação da AM, no Centro Algoritmi da Universidade do Minho (UM) e no laboratório UbiNET do Instituto Politécnico de Beja. Doutorando em Tecnologias e Sistemas de Informação e Mestre em Sistemas de Informação pela UM. Possui uma pós-graduação em Tratamento Estatístico de Dados (ISCTE) e em Guerra de Informação (AM). É licenciado em Ciências Militares (AM) e em Engenharia Informática (fCT/UNL).

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Henrique dos SantosProfessor Associado na área das Tecnologias de Informação e Comunicação do Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho. Presidente da Comissão Técnica Nacional CT-136 (Segurança em Sistemas de Informa-ção). Doutorado em Engenharia de Computadores pela Universidade do Minho. Mestre e licenciado em Engenharia Electrotécnica (opção em Informática) pela Universidade de Coimbra.

Carlos roucoTenente-Coronel de Infantaria do Exército Português. Professor Regente da Unidade Curricular - Ética e Liderança e da Unidade Curricular de Ética e Li-derança nas Organizações na Academia Militar Portuguesa. Docente (Convénio) da Unidade curricular de Competência Transversal I (Instituto Superior Técnico - Lisboa) e dos Seminários Avançados: Liderança Organizacional (faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova - Lisboa). Director do Mestrado em Liderança: Pessoas e Organizações, dos Cursos de Liderança na Academia Militar. Editor da Revista Proelium. Doutorado em Gestão (área científica de gestão de recursos humanos).

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Mª. Mar López Guerrero a1, Ana Mª. Lucia Casademunt b e Antonio Sánchez-Bayón b.a Departamento de Química Analítica, facultad de Ciencias, Universidad de Málaga, (Campus de Teatinos s/n

29071 Málaga) España.b Departamento de Economía Genera, Ciencias Jurídicas y Empresariales, Universidad Loyola Andalucía. (c/Escritor

Castilla Aguayo 4, 14004 Córdoba) España.

ABSTrACT

The emergence of new academic degrees and European Higher Education Area (EHEA), special emphasis is required on the training of values and skills, but how it is possible? The current study offers a tool, story-telling, which has been proved as very useful in the new management, for motivation and team-building experiences, in the way to help people to know each other better and to work together efficiently. This tool has been implemented among this study, serving not only to reveal the current inconsistencies through educational dialogue and its realitites, also it permits to evidence some prejudices (false dialectics between licenciatures –old bachelor- and grade degrees –new bachelor-, public and private University, practical and theoretical degrees, etc.), but also it makes possible, as stated in the explanatory experiment has been done in the classroom.

KEY-WorDS: learning innovation, knowledge management, University, story--telling, European Higher Education Area (EHEA).

rESumEN

Con el espacio europeo de educación Superior (EEES) y los nuevos Grados se pone un especial énfasis en la formación de valores y destrezas en las carreras universitarias, pero ¿cómo lograrlo? Este estudio ofrece una herramienta, story--telling, que ha probado ser muy útil en la nueva gestión empresarial, a la hora

estudio de ComPetenCiAs en lA universidAd PúbliCA y PrivAdA

1 Contacto: Email – [email protected] (Maria Mar Guerrero); [email protected] (Ana Lucia Casademunt) e [email protected] (Antonio Sánchez-Bayón)

Recebido em 26 de fevereiro de 2013 / Aceite em 4 de abril de 2013

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de motivar y crear equipos, preparando a las personas para conocerse mejor y poder así trabajar juntas de manera eficiente. Dicha herramienta, tal como se ha aplicado en este estudio, no sólo sirve para desvelar las incoherencias presentes entre los discursos pedagógicos y las realidades educativas, además para evidenciar otros prejuicios distorsionadores (e.g. falsas dialécticas entre licenciaturas y grados, universidades públicas y privadas, carreras teóricas y prácticas), sino que también permite ofrecer soluciones al respecto, tal como se aclara en la exposición del experimento acometido en las aulas.

PALABrAS CLAVE: innovación docente, gestión del conocimiento, Univer-sidad, story-telling [narrativa-motivacional], Espacio Europeo de Educación Superior (EEES).

1. INTroDuCCIÓN: CrISIS EDuCATIVA Y CAmBIo DE PArADIGmA uNIVErSITArIo

Vivimos tiempos de crisis, de rupturas en las tendencias y de difuminación de instituciones. Son años de transformaciones e inseguridades. Transitamos de una época a otra: de la agonía de un periodo dominado por el Estado-nación y su modelo productivo de desarrollo, a la emergencia de la globalización y el problema de su consumismo. Está aún por fijarse un paradigma que esta-blezca el tipo de percepción de la realidad y la gestión del conocimiento al respecto. Es por ello que en el ámbito educativo, máxime en el universitario, han surgido una serie de propuestas renovadoras, como son los marcos supra-nacionales (e.g. EEES, Convenio A. Bello, Programas Erasmus y Garcilaso). Se busca así preparar mejor a los profesionales del mañana, pues en sus ma-nos está la superación de la crisis actual. Entre dichas propuestas destaca el especial cuidado en la intensificación formativa, de valores y destrezas, como vía para asegurar profesionales de acción. Sin embargo, tal celo por la acción parece dejar atrás la tan necesaria reflexión y las teorías guía. Si se insiste en esta tendencia, pronto habrá un gap o desfase difícil de superar entre acción y reflexión, algo que no sólo perjudicaría la marcha futura de la(s) sociedad(es), sino que conllevaría la desnaturalización de la propia universidad: en su seno, desde sus orígenes, se ha lidiado con el dilema bizantino (bios theoretikos v. bios praktikos), salvándolo mediante el mesurado equilibrio entre el aprendizaje teórico y el práctico, ya que el paso por la universidad ha de servir tanto para satisfacer la ambitio pecuniae o ambición de dinero y promoción social, así como la ambitio dignitatis o deseo de conocimiento y dignificación por ello. Luego, es urgente y necesario reconducir la tendencia para así seguir respetando

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la esencia universitaria, además de garantizar que sus estudiantes llegarán a ser adecuados gestores de su realidad social –por preocuparse no sólo por su promoción socio-económica, sino también por su contribución al bien común y su crecimiento personal, cada vez más maduro y modelo para siguientes generaciones-. Ahora bien, ¿cómo acometer todo ello? Un primer paso puede lograrse con la incorporación del story-telling en el aula.Hilando con el problema expuesto, es de destacar que el énfasis por la formación en valores y destrezas –a costa de la educación y la instrucción- encuentra sus antecedentes en el mismo momento en el que eclosionó el Estado-nación y co-menzó la invasión del ámbito de autonomía de las universidades, imponiéndose una serie de reformas legislativas, lo que únicamente condujo a la renuncia del conocimiento científico-académico, a favor de la creciente burocratización (desde finales del s. XIX), y más tarde de la empleabilidad (idem s. XX). Dicho planteamiento invasivo –como se viene señalando- ha consistido en la priorización de la formación, centrada en creencias para la acción (valores y destrezas), para el desempeño de la praxis, en detrimento –y casi exclusión- de la educación (de humanismo reflexivo y crítico) y la instrucción (de contenidos recibidos del conocimiento precedente).El caso es que el modelo de empleabilidad que se pretende imponer en la actualidad, aprovechando las sinergias del EEES, basado en la atención epicén-trica –exclusiva y excluyente- de los valores y destrezas profesionales, resulta erróneo en pleno tránsito a la globalización, porque:a) El monopolio de la empleabilidad supone suprimir una parte crucial de la

universidad, dedicada a la ambitio diginitatis o bios theoretikos (y no sólo a la ambitio pecuniae o bios praktikos), pues no únicamente se forman profesionales, sino que también se educan ciudadanos (preocupados por el bien común) y personas instruidas (llamadas a su perfeccionamiento).

b) Dicho monopolio supone también el empobrecimiento de la universidad, pues quedaría degradada a una mera escuela técnica y de oficios (e.g. escuelas de Formación Profesional o fP).

c) Igualmente, convertiría a la universidad en ancilla commertium o sierva de los negocios, pues la supuesta conexión entre universidad y empresa no sería de doble dirección, sino que, como ya empieza a observarse en los posgrados, tal relación se traduce en una externalización de los costes for-mativos e investigadores de la empresa, adjudicándoselos a la universidad –curiosamente, faltando en cambio un aumento del mecenazgo empresarial que sí se da en los EE.UU., por ejemplo, donde la mayor parte de las becas proceden del sector privado-.

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d) Además, dicho modelo de empleabilidad no se basa en la realidad laboral de la globalización, pues ya no cabe enseñar los valores y habilidades para un cargo concreto en un sector determinado, sino que ha de ser un tipo de formación más difusa, puesto que hoy ya no hay carreras profesionales, sino cúmulos de experiencias laborales en diversos empleos –debido al mal llamado criterio de la flexibilidad laboral de la globalización-.

En la línea crítica apuntada (acerca del reduccionista modelo formativo de empleabilidad y la distorsión universitaria), incluso, algunos autores se han pronunciado yendo más allá, al considerar que la innovación docente actual es escasa y pobre: a) Pineda (1990), quien denuncia la creciente producción científica en el ámbito de las innovación docente en las últimas décadas, la cual no se corresponde con su total aplicación en la realidad del sistema educativo, y menos aún en los centros de formación superior; b) Escudero (1992), defiende que la convergencia (e.g. EEES) depende de diferentes decisiones estructurales, financieras y tecnológicas e incluso con la formación del profesorado para su puesta en macha, y no sólo a un modelo educativo impuesto desde la cúspide; c) Trujillo (1999) señala que la experiencia ha demostrado que la innovación docente debe pasar de los “buenos propósitos”, y hacerse todo lo posible para lograrla, concluyendo además que la innovación en el ámbito educativo no siempre requiere de despliegue tecnológico; d) otros autores, vid. epíg. 6.Para corregir tal deriva, se acude al uso de una herramienta compensadora, como story-telling, pues no se pretende con ella únicamente la formación relativa a unos valores y habilidades concretas (sujetas a un tipo de puesto de trabajo), sino que permite también la reconexión de la formación con la educación y la instrucción.

2. ESPECIAL INTErÉS Por LA FormACIÓN Y EL SoPorTE STorY--TELLING

Como se ha visto, el especial interés por la formación arranca con la eclosión del Estado-nación y la estrategia de intromisión en la universidad, burocra-tizando sus estudios y asegurándose así un modelo de funcionariado menos crítico y autónomo, y sí más procedimental y administrativo-piramidal. Dicho cambio de modelo, de humanista a burocrático, ahora es de empleabilidad, por lo que se ha empobrecido aún más la formación que se imparte. frente a tal desviación educativa, se ofrece desde este estudio una propuesta para reconducir tal deriva. Para ello se recurre al soporte de story-telling. Se trata de un recurso formativo de lo más útil, tal como ha probado en el ámbito de la nueva gestión empresarial, desde el inicio de la globalización. frente a los

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nuevos modelos organizativos, productivos y comerciales, se ha buscado la manera de lograr nuevas fidelidades de empleados, suministradores y clientes, apostándose por estrategias de “productos solidarios”, “conciliación de vida familiar y profesional”, “responsabilidad social corporativa”, etc. Todo ello ha requerido de nuevas narrativas motivacionales, estimuladoras de acciones de mejora y emprendimiento, con las que lograr adhesiones e identificaciones con los bienes y servicios ofrecidos. En el ámbito interno de las empresas co-mienzan los seminarios de motivación, las jornadas y retiros de team-building o creación de equipo, y demás prácticas del estilo. Es entonces cuando aflora el recurso de story-telling, lo que ayuda a estimular la inteligencia emocional y social en los grupos de trabajo, involucrando a los participantes en la for-mulación, implementación y evaluación de los proyectos encargados y de los que se hacen responsables, gracias a esta herramienta. ¿Cómo se logra algo así? Mediante el influjo de una buena historia: aquella con la que identificarse y sentirse partícipe, que envuelva el bien o servicio a ofertar. Luego es algo clave el introducir temas importantes, que despierten suficiente curiosidad e interés, conectándolos con emociones, de modo que ha de combinarse adecua-damente las problemáticas universales y las locales, ayudándose de puntos de anclaje (elementos culturales generalmente aceptados y emociones básicas): se trata de diseñar entre todos historias comunes y cotidianas, fáciles de recordar y compartir, donde haya héroes y villanos, retos y moralejas, etc., en las que incorporar el proyecto, producto o bien afectado, ofreciendo el tipo de emociones que queremos se vinculen con dicho producto/bien. Gracias al story-telling se logra así sortear cualquier posible disonancia cognitiva (o sea, el conflicto de urgencias que nos bloquearían), ofreciendo soluciones a consumir. Por tanto, los valores y destrezas que se enseñan mediante el story-telling, poseen una gran fortaleza transformadora, pues actúan eficazmente sobre las emociones –desper-tando activismos y voluntarismos-. Esto, que en principio podría considerarse deshumanizante, por jugar con creencias que mueven a la emoción y conducen al consumo, en cambio, bien empleado el story-telling ayuda en ámbitos como el de la educación universitaria, donde es urgente y necesario estimular a los alumnos para que se identifiquen más con su labor, sin que les resulte tan dura como la producción, sino tan placentera como el consumo. Además, el story-telling bien puede servir, de un lado, para reconectar la formación con la educación y la instrucción, según los contenidos de los que se dote la narración motivacional, y de otro lado, para desmontar los perjuicios que comporta el modelo de empleabilidad, con su pedagogía constructivista aparejada. y es que –insistiéndose en el último punto planteado-, el story-telling, tal como se ha empleado en este trabajo (orientado a la innovación docente y la mejora de la

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gestión del conocimiento), hace posible poner de manifiesto las incoherencias existentes entre los discursos pedagógicos y las realidades educativas, a la vez que evidencia los inconsistentes prejuicios distorsionadores basados en falaces dialécticas (e.g. universidad pública v. privada, carreras teóricas v. prácticas); incluso, otra de las ventajas del recurso del story-telling aquí empleado ha sido la aportación de soluciones al respecto, tal como se aclara en la exposición del experimento acometido en las aulas

3. FormuLACIÓN, ImPLEmENTACIÓN Y EVALuACIÓN DEL ESTu-DIo DE STorY-TELLING

Para diseñar una narración motivacional es necesario partir de un objetivo claro, como es el intento apologético de exaltar una serie de valores y habilidades, recurriéndose a una historia sencilla y fácilmente asumible por cualquiera. Debe haber un héroe con el que identificarse, cuyas dificultades han de sonarnos pró-ximas, de modo que parezca que la historia habla de nosotros mismos. Luego, a medida que se avanza en el desarrollo, ha de incorporarse información que aporte realismo, así como micro-relatos que refuercen el mensaje, además de aportar formación, educación e instrucción complementaria (con datos históricos, económicos, políticos, filosóficos, etc.). Conviene ir introduciendo casuística ilustrativa, que insinúe, para que sea el propio lector quien complete la historia con ejemplos propios. En cuanto al tono empleado, es recomendable el recurso de la epojé o suspensión del juicio, más la mayéutica o el cuestionamiento dialogado para llegar al fondo del asunto. Por tanto, el tono preferible es el del diálogo, haciendo sentir al lector como interlocutor, partícipe de todo lo que se cuenta, de modo que lo vaya interiorizando, creyendo que es suyo. Debe terminarse la narración con un desenlace ingenioso y divertido, que invite a pensar, de modo que el lector desee compartirlo con los demás –incluso ha-ciendo creer a los nuevos interlocutores que es una ocurrencia suya: entonces sí está logrado el objetivo de la identificación con la historia y su consumo-.Para el experimento en el aula se ha seguido el caso que viene empleando uno de los autores de este trabajo, el Prof. Sánchez-Bayón, quien desde hace casi una década (mientras estuvo de académico visitante en el IIDH y la UCR de Costa Rica, así como en la URL de Guatemala), dio con el texto anónimo titulado Carta a García –desde entonces, lo ha ido adaptando, según sus alumnos y lo ha ido incorporando a los materiales de prácticas-2. fragmentos del contenido

2 Vid. materiales didácticos y demás lecturas de innovación docente del autor en el epíg. 6.

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del citado texto, en su versión adaptada, se recogen en los anexos, así como una breve muestra de la batería de preguntas formuladas a los alumnos, de modo que conectaran la Carta a García con un nimio test psicológico diseñado para su autoconocimiento, haciéndoles reflexionar sobre qué habilidades, des-trezas y competencias les definen mejor. La realización del ejercicio, en esta ocasión, corrió a cargo de las Profesoras López y Lucia, en el semestre de otoño de 2012, en diversas universidades, carreras y planes de estudios. Para la clarificación sobre cómo se ejecutó el experimento, las profesoras ofrecen las siguientes indicaciones guías –siendo una versión de las pautas facilitadas a los alumnos para su realización en el aula-: el presente estudio consiste en el análisis de la autopercepción de competencias actitudinales del alumnado al trabajar en el aula por equipos (de dos o tres integrantes) sobre una nar-rativa asociada a un tema relacionado con la adquisición de competencias curriculares y aptitudinales. ello permite, de un lado, el acercamiento inicial por parte del alumno/a a puntuales competencias curriculares que se persiguen en el transcurso de la asignatura, y de otro lado, hace posible conocer de primera mano la autovaloración del propio alumno participante en el estudio de story-telling. Se entiende así que la autopercepción del alumno sobre sus competencias actitudinales estará claramente influenciada por cómo se ha desarrollado su participación en el caso de story-telling. Lo que a la postre significaría que la actitud desplegada por el alumno en el proceso de trabajo del story-telling puede quedar de manifiesto con las respuestas del alumnado en el cuestionario final –sin que ello tenga por qué condicionar su autoconcepto, pues no se trata de una evaluación, sino de una guía de autoconocimiento, e.g. si uno es más introvertido, trabajador y constante, o extrovertido y creativo). a) Hipótesis de trabajo: el punto de partida considerado fundamental en la pre-

sente investigación son las actitudes de los individuos para el aprendizaje en el ámbito de la educación superior. En palabras de Trillo (1996), las actitudes son desarrolladas por los estudiantes mediante su aprendizaje en un contexto de interacción (e.g. el aula), en el que a través de las relaciones interpersonales con otros sujetos (compañeros de aula y profesor) intercambian diferentes valores y normas (e.g. compañerismo, comunicación, asertividad, confianza, asimismo con respecto a las materias, las áreas de conocimiento y su investigación), lo que genera algún tipo de conocimiento sobre las mismas y, en particular, una emoción de agrado -o desagrado, según la apreciación- al respecto que, a su vez, les predispone a actuar de una determinada manera (con mayor o menor nivel de proactividad o iniciativa en el aula, profundidad de análisis en el estudio de la materia, etc.). Como afirma Delfin (2007), en el aprendizaje,

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intervienen diferentes aspectos cognitivos y afectivos que deben ser tenidos en cuenta. La hipótesis fundamental que se propone en la presente investigación es la confirmación de que los alumnos/as asisten a las clases universitarias con una predisposición positiva para aprender e interactuar.

b) Población y muestra: la población objeto de estudio en esta investigación (correspondiente al semestre de otoño del vigente curso 2012-13), está cons-tituida por noventa y seis alumnos que cursan la asignatura de Química de 1º Curso del Grado en Ingeniería Mecánica y de 4º Curso de la Licenciatura en Química de la Universidad de Málaga, más ciento cincuenta alumnos de la facultad de Ciencias Económicas y Empresariales-ETEA de la Universidad de Córdoba, que cursan 1º Curso del Grado de Administración y Dirección de Empresas y 4º Curso de la Licenciatura de Administración y Dirección de Empresas. Se recogió información cuantitativa mediante el cuestionario en formato papel impreso por el alumnado de los distintos grupos (vid. modelo en los anexos del final). La muestra seleccionada, no es más que una pequeña parte actualizadora de los datos históricos que el Prof. Sánchez-Bayón ya disponía (desde el año 2005, cuando se aplicó por primera vez el ejercicio, y desde el 2008, con la incorporación del cuestionario diseñado por ETIDEEES-UEM; llevándose a cabo en Universidades como la UCM, la UEM, la UPCM y la UCJC, en titulaciones tales como Derecho, Economía, Empresa, Comunicación, etc.). Luego, se trata de la continuación de un estudio longitudinal, donde se ha comprobado una ligera tendencia de aumento en la cuantificación de la autopercepción del alumnado, quien ha pasado de una media y moda entorno al 6 (en 2005), llegando a desplazarse más allá del 7 (en 2012).

Para garantizar la representatividad y el tamaño de la muestra, se calculó previamente cuál era el número mínimo de alumnos requeridos para el es-tudio, usándose la siguiente fórmula:

Por otro lado, se debe indicar que se ha realizado un muestreo aleatorio simple, porque de este modo todas la unidades que componen la población tienen la misma probabilidad de pertenecer a la muestra, circunstancia que hace catalogar a esta de “muestra autoponderada” (Manzano y Brana, 2005, p.100).

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c) El cuestionario: se insiste en que, debido a la pretensión de conseguir in-formación en un periodo de tiempo concreto, curso 2012-13, se aconseja por ello la utilización de la técnica del cuestionario para la recogida de datos. Siendo esta una técnica de indagación respetable y validad, que bien construida y aplicada puede ser una estrategia muy apropiada para la obten-ción de datos, permitiendo recoger información cuantificable y determinada previamente por evaluadores, (Cohen y Manion, 1990).

En cuanto a la forma de pasar el cuestionario, éste se podrá contestar en formato papel. El paso del cuestionario tiene una serie de virtudes y ventajas: a) el cuestionario nos permite obtener información de un elevado número de personas de forma simultánea y en un periodo temporalmente corto; b) tienes unos costes discretos; c) garantiza facilidad y rapidez con la que se puede codificar, tabular y analizar los datos; etc. Por otro lado, las limitaciones que presenta es que solo devuelvan el cuestionario una pequeña parte de los sujetos, pudiendo quedar afectada la muestra e incidiendo negativamente en la representatividad que pretendía.

En cuanto a las variables a indagar, cabe destacar los siguientes bloques: a) variables categóricas e independientes, según el alumnado (e.g. sexo, uni-versidad, grado o licenciatura); b) variables dependientes del modelo (e.g. competencias a autocalificar, vid. cuestionario en Anexos). Con respecto al segundo bloque, es de destacar que sus variables pretenden abarcar desde las claramente actitudinales y aptitudinales, hasta las motivacionales y axio-lógicas, sin olvidar las eminentemente técnico-profesionales.

d) Estudio de datos: los análisis que se llevaran a cabo son de dos tipos, de un lado, el análisis descriptivo, y de otro lado, el análisis inferencial. Los análisis descriptivos permitirán (Gil, 2000; Vila y Bisquerra, 2004; Pérez López, 2005): a) realizar una inspección de los datos, revisando y depurando posibles errores que contenga la matriz y que pueda altera los resultados del estudio (Vilà y Bisquerra, 2004); b) situarnos en la realidad de los datos que se poseen, co-nociendo sus características y formándonos una idea lo más exacta posible de las mismas (Gil, 2000); c) presentar, describir, organizar y resumir los datos observados, prestando especial atención a tras aspectos básicos como son la tendencia central, la dispersión y la forma de distribución.

En cuanto a los análisis inferenciales, lo normal es recurrir a comparar las medias de las distribuciones de la variable cuantitativa en los diferentes grupos establecidos por la variable categórica. Si esta tiene solo dos categorías, la comparación de medias entre grupos independientes se lleva a cabo por el test t de Student, si tiene tres o más categorías, la comparación de medias entre tres o más grupos independientes se realizan a través de un modelo matemático,

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el análisis de varianza (ANOVA). Sin embargo, las pruebas estadísticas son exigentes con ciertos requisitos: la distribución normal de la variable cuan-titativa en los grupos que se comparan y la homogeneidad de varianzas en las poblaciones de las que proceden los grupos; su no cumplimiento conlleva necesariamente la necesidad de que recurramos a pruebas estadísticas no pa-ramétricas. En este caso, se optará por usar la prueba U Mann Whitney para dos muestras independientes y Kruskal-Wallis para k muestras independientes.

En cuanto al análisis estadístico de los datos extraídos, éste se acomete en dos fases: una primera fase estrictamente cuantitativamente a través del software SPSS, y una segunda fase, de tipo interpretativo, donde se profundiza en el significado de los datos recogidos mediante la reflexión. Una vez establecidas las consideraciones del apartado anterior, se pasará a exponer los resultados obtenidos en la investigación. Sobre el análisis de tipo inferencial, lo que se pretende es conocer el grado de asociación o independencia entre las variables categóricas e independientes (e.g. sexo, Universidad, Grado o Licenciatura). De esta forma se pretende obtener respuesta en el análisis de relaciones entre las citadas variables. Sirva de ejemplo: a) sexo: ¿hay diferencias en la competen-cias adquiridas según los individuos sean alumnas o alumnos?; b) Universidad (donde se estudia): ¿hay diferencias en la competencia adquiridas según los individuos sean de una universidad u otra?; etc. Para dar respuesta a las pre-guntas formuladas se realizarán los correspondientes pruebas de normalidad con el fin de determinar la idoneidad de aplicar una prueba paramétrica, si las variable siguen una distribución normal, o bien una no paramétrica, si las variables no se distribuyen siguiendo la Ley Normal. Por lo tanto, lo primero que hay que realizar es un análisis estadísticos y observar si las distintas va-riables a contrastar siguen un criterio de normalidad, obteniéndose un p-valor superior a 0.05 en todos los grupos, y por lo tanto, se utilizarán pruebas paramétricas, sino fuese así, se usarían pruebas no paramétricas. Suponiendo que los datos obtenidos sigan el criterio de normalidad se usará el estadístico ANOVA, para determinar cómo varias variables independientes, es decir, tres o más de las que hemos estudiado, influyen en la variable dependiente, en este caso, como difícil es un concepto o cuáles son los seleccionados.

4. CoNCLuSIoNES: rESuLTADoS rEVELADorES

En la línea del estudio longitudinal (desde 2005) del que forma parte este pequeño experimento del semestre de otoño de 2012, los datos obtenidos revelan –o sea, evidencian, retirando los velos de confusión-, que en realidad no existe en la actualidad un problema educativo basado en falsas dialécticas de convivencia

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difícil entre universidades públicas y privadas, títulos de Grado y Licenciatura, carreras teóricas y prácticas, chicos y chicas, etc. Más aún, los prejuicios frente a las universidades privadas y los títulos de Grado no se sostienen, pues los resultados muestran que se trata de los estudiantes más motivados, por poder cursar realmente la carrera deseada, elegida entre una mayor oferta de estudios. También se comprueba que es conectable la formación con la educación y la instrucción, pues tal como pasara antes de la imposición de los modelos burocrá-tico y de empleabilidad, no se daba disyuntiva, sino cópula. Luego, a la postre, lo que se descubre es que la problemática subyacente no es otra que la cuestión generacional: los actuales universitarios son más emotivos y estimulables, por lo que sometidos a una práctica de story-telling, como la Carta a García, en su mayoría, independientemente de las variables manejadas, se han sentido moti-vados y tendentes a una autoevaluación autocentrada asertiva (con una media y moda de notable), por lo que el auténtico problema radica en la actual falta de educación e instrucción. Tanto la educación como la instrucción, bien combinada con la formación, resultarían las anclas que requieren los universitarios de hoy, aportándoles la coherencia y continuidad requerida, evitándose con ello su mayor predisposición al fracaso en el momento en el que desaparece la motivación inicial. En cambio, una adecuada dosis de formación, educación e instrucción da como resultado, en la actual generación de universitarios, un aumento considerable de su inteligencia emocional, equiparándola a la racional-técnica, de la que sí dan buena muestra, en aspectos tales como el manejo de las nuevas tecnologías.

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João Vicente a1

a Centro de Investigação de Segurança e Defesa, Instituto de Estudos Superiores Militares, Rua de Pedrouços s/n 1449-027 Lisboa, Portugal.

ABSTrACT

This article aims to improve the understanding about the concept of Air Power, characterizing it according with multidimensional perspectives. The grammar inherent to Air Power results from its attributes of maneuver in the air environ-ment, that is, the manifestation of an ability to act in the air, causing effects in the air and surface environments. The different perspectives adopted to define this concept, centered on the platform, the weapon or the military component that employs the resources do not cover the full reality of what constitutes Air Power, nor express the extent of its strategic utility. Thus, the important thing is to agree on a concept of Air Power which reduces arbitrariness and can reconcile a pragmatic approach, linking practical purposes of Air Power with a Cartesian perspective more concerned with determining the factors and components of an object.In this sense it will be necessary to question and assess a set of differentia-tors. Initially, analyzing the concept of Air Power, to identify its distinct and essential elements. Then, trying to compare the different perceptions about this concept. finally, exemplifying the challenges and strategic utility of Air Power in irregular conflict environments characteristic of the XXI century.

Key Words: Air Power, Irregular Warfare, effects, air capabilities, air superiority

rESumo

Este artigo tem como objetivo aumentar a compreensão acerca do conceito de Poder Aéreo, procurando caracteriza-lo segundo perspetivas multidimensionais.

umA Análise ConCetuAl e PrAGmátiCA ACerCA

do Poder Aéreo

1 Contacto: Email – [email protected], Tel. - +351 934458985

Recebido em 7 de Março de 2013 / Aceite em 26 de Maio de 2013

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A gramática própria do Poder Aéreo resulta dos atributos inerentes à manobra no ambiente aéreo, isto é, a manifestação de uma aptidão de agir no ar, cau-sando efeitos no próprio ambiente e nos ambientes de superfície. As diferentes perspetivas adotadas para definir este conceito, centradas na plataforma, na arma ou na componente que emprega os recursos, não cobrem a totalidade da realidade do que constitui o Poder Aéreo, nem expressam tão pouco a ampli-tude da sua utilidade estratégica. Assim, o importante é conseguirmos acordar um conceito de Poder Aéreo que reduza a arbitrariedade e que possa conciliar uma aproximação pragmática, ligando os efeitos práticos do conceito com uma perspetiva cartesiana mais preocupada em determinar os fatores e elementos integrantes de um objeto.Neste sentido será necessário questionarmos e relacionar um conjunto de dife-renciadores. Inicialmente debruçamos a análise sobre o conceito de Poder Aéreo no sentido de identificar os seus elementos essenciais e distintos. Em seguida, tentaremos comparar as perceções divergentes acerca deste conceito. Por fim, procuramos exemplificar os desafios e a utilidade estratégica do Poder Aéreo, em ambientes de conflito irregular característicos do século XXI.

Palavras-chave: Poder Aéreo, Guerra Irregular, efeitos, capacidades aéreas, controlo do ar.

1. INTroDuÇÃo

“Air power is the most difficult of military force to measure or even to express in precise terms. The problem is compounded by the fact that aviation tends to attract adventurous souls, physi-

cally adept, mentally alert and pragmatically rather than philosophically inclined.”Winston Churchill

É num contexto de crescente complexidade, e considerando o objetivo último da Guerra como a alteração do comportamento do adversário, quer por compromisso, persuasão, ou coação, que o Poder Aéreo nasceu e evoluiu. Enquanto 70% do globo é coberto por água, atribuindo grande preponderância ao Poder Naval, não podemos esquecer que o ar e espaço envolvem 100% do globo. A geografia física define as identidades táticas das forças armadas, podendo mesmo moldar, limitar ou amplificar os seus efeitos estratégicos. Enquanto uma munição explosiva dis-parada por um navio, peça de artilharia ou aeronave pode ter o mesmo impacto para o alvo, a diferença entre esses métodos é significativa se avaliarmos o esforço militar a um nível estratégico, onde ocorre a tradução para resultados políticos (Moran, 2007, p. 123). São essas possibilidades distintas oferecidas pelo Poder Aéreo aos decisores políticos que importa desenvolver ao longo deste ensaio.Ao longo da história, declarações extremas acerca dos resultados decisivos do emprego do Poder Aéreo têm esbatido o valor concetual e real deste inestimável

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instrumento de Poder. A concetualização do Poder Aéreo, enquanto instrumento de combate à distância, remonta à visão original de ultrapassar o cruel combate travado na superfície. As características intrínsecas de altura, velocidade e al-cance, fornecem ao Poder Aéreo vantagens operacionais distintas dos restantes instrumentos militares, permitindo uma perspetiva mais alargada do espaço de batalha, maior rapidez e distância percorrida, assim como o movimento tridimen-sional sem restrições, alterando de forma fundamental as dinâmicas do conflito. Ao procurarmos os elementos do conceito de Poder Aéreo buscamos algo mais do que uma simples definição, arbitrária e de utilidade variável, por vezes pre-tensiosa, e inquinada de interesses, que nos delimita e restringe o significado de algo. Em contrapartida, um conceito permite relacionar múltiplas perspetivas uma vez que sendo “uma construção abstrata que visa dar conta do real (…) não retém todos os aspetos da realidade em questão, mas somente o que expri-me o essencial dessa realidade, do ponto de vista do investigador” (Quivy & Campenhoudt, 2003, p. 121). Ao alargarmos a visão para além de uma simples definição, procuramos caracterizar o conceito de Poder Aéreo segundo perspetivas multidimensionais, que em nosso entender aumentarão a compreensão deste tema. Assim, o importante é conseguirmos acordar um conceito de Poder Aéreo que reduza a arbitrariedade e que possa conciliar uma aproximação pragmática, ligando os efeitos práticos do conceito com uma perspetiva cartesiana mais preocupada em determinar os fatores e elementos integrantes de um objeto. Neste sentido será necessário questionarmos um conjunto de diferenciadores, tais como: fins (o que pretende alcançar?); Métodos (como é que pretende concretizar esses objetivos?); Meios (que meios serão empregues?); Opções disponíveis (existem opções alternativas ao Poder Aéreo para alcançar os objetivos?); Medidas de mérito/desempenho (quais são as métricas associadas ao conceito?); Aplicação da teoria (em que circunstâncias é este conceito é aplicável?).Para conseguirmos relacionar estes fatores dividimos o ensaio em três partes. Inicialmente debruçamos a análise sobre o conceito de Poder Aéreo no sentido de identificar os seus elementos essenciais e distintos. Em seguida, tentaremos comparar as perceções divergentes acerca deste conceito. Por fim, procuramos exemplificar os desafios e a utilidade estratégica do Poder Aéreo, em ambientes de conflito irregular característicos do século XXI.

2. PoDEr AÉrEo: ELEmENToS DE um CoNCEITo

O domínio aéreo difere das outras dimensões. Desde logo, pelo facto de dispor de capacidades distintas tem a possibilidade de alcançar efeitos diferenciados. Essas capacidades, resultantes da exploração das características ímpares do Poder Aéreo de altura, velocidade e alcance, diminuem o tempo de resposta e

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minimizam as restrições geográficas, permitindo a manobra incontestável através das dimensões x, y, z e t, e o usufruto da posição de vantagem sobre o espaço de batalha para recolha de informação e construção da imagem operacional completa e coerente, com o intuito de explorar o conhecimento obtido através de ações letais ou não letais, imediatas ou concorrentes. Seria de esperar que o registo histórico associado ao Poder Aéreo facilitasse a composição de uma definição consensual. Pelo contrário, inúmeros fatores têm contribuído para a dificuldade de estabelecer uma definição una, que inclua as dimensões referidas.Em primeiro lugar, devido a perspetivas divergentes sobre se o Poder Aéreo veio alterar a estratégia da Guerra ou apenas a sua tática. Neste âmbito parece claro que o Poder Aéreo veio alterar virtualmente todos os aspetos da Guerra: como é combatida, quem a combate, contra quem é combatida e com que armas.Em segundo lugar, está a ausência de estudo aprofundado sobre as fundações teóricas do Poder Aéreo. Perscrutando de forma rápida os compêndios clássicos da teoria militar, constatamos a rarefação de literatura especializada em teoria aérea. Por exemplo, Meilinger (1997, p. xii) refere a obra “Makers of Modern Strategy” (1986), como um exemplo desse fosso analítico, onde apenas um capitulo (de mais de duas dúzias) se refere ao Poder Aéreo. Curiosamente, no livro “Grandes Estrategistas Portugueses” (2007), em 14 artigos, apenas um se refere ao Poder Aéreo, e mesmo assim, data de 1944. Nesse artigo, Humberto Delgado destaca a confusão concetual existente à época, acerca deste domínio.Por fim, não podemos esquecer que este instrumento de Poder Militar tem apenas um século de existência, e pouco mais de 60 anos de vivência independente enquanto organização autónoma das forças terrestres 2, comparativamente com os milénios de conflitualidade terrestre e marítima. Para além disso, durante esse curto século de existência, o Poder Aéreo sofreu, e continua a sofrer, mutações profundas das suas capacidades, decorrentes do progresso tecnológico acentuado, que não foram acompanhadas por conceitos adequados para o seu emprego.As tentativas iniciais de formular uma imagem concetual de Poder Aéreo apoiaram-se em conceitos oriundos do Poder Naval, como a universalidade, que tornava possível o acesso a vastas áreas do globo. O ambiente aéreo exprimia a possibilidade de projetar poder, de forma totalmente global, a velocidades inacessíveis aos domínios marítimos e terrestres, permitindo também a manobra tridimensional, fator de maior sobrevivência. A evolução tecnológica traduziu-se numa expansão de capacidades que extravasaram a simples extensão na terceira dimensão do Poder Terrestre e Naval. Inicialmente, o bombardeamento estra-

2 No caso da United States Air force (USAf) em 1947, e da força Aérea Portuguesa em 1952. A independência da Royal Air force (RAf) data de 1918.

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tégico mostrou as características distintas deste meio. No entanto, a utilidade estratégica do Poder Aéreo não se reduz a esta tipologia de emprego, uma vez que, ao nível político, o Poder Aéreo, mais do que os outros instrumentos mi-litares, é facilmente manipulável como instrumento ofensivo ou de dissuasão, na esperança de alcançar efeitos políticos bem doseados (Cohen, 1995). Mas os efeitos do Poder Aéreo não se extinguem, nem se limitam, nessa aptidão natural, resultante da combinação geofísica do meio e da tecnologia. Nesta perspetiva, o controlo do ar é o elemento facilitador fundamental para as inú-meras contribuições do Poder Aéreo para o efeito estratégico. 3

Independentemente da formulação concetual escolhida, a prioridade estratégica do emprego do Poder Aéreo consiste na obtenção e manutenção de um grau de controlo do ar que permita a projeção de força e condução de operações militares subsequentes. Esta premissa é validada pela história, bastando relem-brar que desde 1943 o Exército americano não combateu sem superioridade aérea; não perdeu um soldado devido a aeronaves inimigas desde 1953; e que nunca disparou um míssil contra uma aeronave adversária, porque estas nunca se aproximaram o suficiente. Para além disso, o registo total de vitórias em combate aéreo pelos utilizadores de caças f-15 e f-16 situa-se em 175-0 (Mei-linger, 2007, p. 86). Na prática, os conflitos das últimas décadas demonstram que os adversários dos EUA nunca mais poderão adotar táticas de massificação de forças sem temerem a sua destruição a partir do ar. Um exemplo recente desta constatação foi vivenciado no conflito da Líbia, em que o Poder Aéreo se mostrou determinante para o colapso do regime. 4 Na realidade, o controlo do ar é uma escala de influência em que se confrontam o nível de interferência do adversário e o grau de liberdade de operação das forças amigas. Nesse sentido, ao nos movimentarmos neste espetro poderemos desejar uma superioridade aérea local num tempo específico, uma superiorida-de aérea geral de forma transversal ao teatro de operações, uma combinação eficiente e flexível entre as duas, ou uma aspiração legítima, mas por vezes

3 O controlo do ar é a base, i.e., a essência de qualquer operação militar ocidental nos últimos 60 anos. É claro que se estivermos dispostos a assumir um risco mais elevado e possuirmos sistemas furtivos, podemos desenvolver ações de ataque ao solo (incluindo ataque estratégico) mesmo não dispondo de superioridade aérea. foi isso que aconteceu no ataque inicial em 2003 a Bagdad, numa tentativa de decapitar o regime. No entanto, uma campa-nha militar tradicional começa invariavelmente com ataques simultâneos a aeródromos, centros de Comando e Controlo (C2), baterias de mísseis terra-ar, ou seja, tudo aquilo que possa importunar a nossa liberdade de ação no ar e espaço. Doutrinariamente consideram-se três níveis de controlo do ar. Condição aérea favorável: quando o Poder Aéreo inimigo é insuficiente para contrariar o sucesso das operações amigas, mas implica uma elevada atrição dos meios amigos; Superioridade aérea: quando o Poder Aéreo inimigo não impõe uma interferência proibitiva sobre as operações amigas; Supremacia aérea: as forças adversárias são incapazes de interferência eficaz nas operações das forças amigas, concedendo-lhes completa liberdade de operação (AJP 3.3.1(B), 2010, p. 2-1).

4 Para uma análise operacional do emprego do Poder Aéreo na Guerra da Líbia ver Vicente (2013).

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utópica, de supremacia aérea geral. Isto porque, mesmo defrontando adversá-rios irregulares, a supremacia aérea é um grau inatingível. Por exemplo, no Afeganistão, em agosto de 2009 foram registados 32 ataques a aeronaves com Rocket Propelled Grenade (The Guardian, 2010). Igualmente, de outubro de 2009 a março de 2010, foram registados 229 eventos de disparos terra-ar (US DoD, 2010, p. 40). Por isso, o risco estratégico de operar abaixo dos 10.000 ft é considerável. E isto aplica-se em particular às aeronaves que efetuam voos a baixa altitude e velocidades reduzidas, e às bases aéreas onde as aeronaves estão mais vulneráveis, nomeadamente na fase de descolagem e aterragem. Numa tentativa de mitigar o risco, são desenvolvidas táticas específicas de descolagem e aterragem ou de minimização do tempo de voo a baixa altitude, complementadas com perímetros de defesa terrestre que se estendem a vários quilómetros em redor do aeródromo. Contudo, apesar destas medidas o risco é real, como ficou comprovado em setembro de 2012 quando um ataque Taliban a Camp Bastion, no sul do Afeganistão, destruiu oito aeronaves Harrier ame-ricanas ali estacionadas (80% do quantitativo em destacamento), causando a morte de um piloto (Axe, 2012). 5 Este ataque foi considerado a pior perda de meios aéreos americanos, num único incidente, desde a Guerra do Vietname.O conceito de Poder Aéreo como definido pelas escolas clássicas (Douhet, Mi-tchell, Trenchard) e neoclássicas (Boyd, Warden) focaliza-se nos aspetos militares ofensivos, enfatizando o caráter letal das operações. Contudo, o alargamento da natureza da conflitualidade obriga a uma visão mais abrangente do conceito no sentido de englobar a capacidade aérea total potencial de uma nação, em tempo de Paz e de Guerra, passível de ser empregue em missões militares e civis. Esta concetualização perspetiva o conceito de Poder Aéreo num sentido amplo, segundo a potencialidade de uma Nação para explorar de forma efetiva o espaço aéreo. Neste prisma, compreende a indústria aeronáutica, infraestruturas aeronáuticas nacionais, meios aéreos civis e militares, que permitem a posse e utilização efetiva do espaço nacional, negando-o aos meios aéreos inimigos. Congrega por isso, a atividade aérea total, tanto potencial como existente. Num sentido restrito, aplicando-se ao potencial de combate de uma nação, traduz--se nos seus sistemas de armas de combate e apoio imediato que permitem a capacidade de conquistar e assegurar a liberdade de operação no seu espaço aéreo, negando-o ao adversário. É originado por sistemas de armas, tripulados ou não, que incluem, mas não se restringem a aeronaves, helicópteros ou veí-culos espaciais, independentemente do serviço que as emprega, mas está, ainda, fortemente dependente do pessoal que o executa e apoia (Vicente, 2008a, p. 7).

5 Este ataque não foi exceção. Um mês antes, um ataque de rockets danificou uma aeronave de carga C-17. Em 2005, outro ataque na base de Kandahar destruiu dois Harriers ingleses (Axe, 2012).

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Verificando as perspetivas organizacionais ocidentais constatamos que se encontram consensualmente alinhadas. A RAF define o Poder Aéreo como a capacidade de projetar poder a partir do ar (e do espaço) para influenciar o comportamento de pessoas ou o desenrolar de eventos (AP 3000, 2009, p. 7). Na mesma linha, a USAf, no seu renovado documento estratégico, define o Poder Aéreo como a capacidade de projetar poder militar ou influência através do controlo e exploração do ar, espaço e ciberespaço, para alcançar objetivos estratégicos, operacionais e táticos (AfDD 1, 2011, p. 11). Por seu lado, a congénere australiana define o Poder Aéreo como a capacidade de criar ou facilitar a criação de efeitos através de, ou a partir de plataformas que utilizam a atmosfera para a manobra (AAP 1000-D, 2008, p. 3).Contudo, a sintonia existente nas componentes aéreas não exprime a natureza do debate, uma vez que a adição da terceira dimensão ao ambiente de combate veio acrescentar querelas acerca de estratégias, alocação de recursos, diferenças culturais e interesses institucionais (Stocker, 2005, p. 11). Se para uns um he-licóptero em apoio de fogo a forças terrestres é um “blindado voador” fazendo parte do Poder Terrestre, e para outros é um vetor de Poder Aéreo, então existe uma fricção concetual que importa clarificar (Gray, 2012, p. 25). O próprio termo composto “Poder” e “Aéreo” torna controversa a possibilidade de encontrar uma definição una (Ibidem, p. 276). “Aéreo” pode abranger meios diversos capazes de contrariar a manobra aérea (i.e. defesas antiaéreas) ou mesmo uma miríade de plataformas (tripuladas ou não) de voo aerodinâmico (ou mísseis). Nesta pers-petiva, “Poder” reflete tanto a vertente real ou efetiva, ou seja, perante a “prova de força”, como a sua dimensão potencial ou putativa e os seus elementos de apoio (geradores e sustentadores de capacidade efetiva ou potencial), ou mesmo uma métrica relativa entre dois atores (Couto, 1988, p. 42). As diferentes perspetivas adotadas, centradas na plataforma, na arma ou na componente que emprega os recursos, não cobrem a totalidade da realidade do que constitui o Poder Aéreo, nem expressam tão pouco a amplitude da sua utilidade estratégica. Nos primórdios da aviação a distinção era evidente entre aeronave e outros artefactos que se moviam através do ar (como os projéteis de artilharia). A inovação tecnológica erodiu esta distinção ao introduzir uma panó-plia de plataformas e armas que se movem através do ar, mas com finalidades (efeitos) distintas (mísseis balísticos, aeronaves não tripuladas, projéteis guiados, lasers, etc) 6. Também a compartimentalização dos Poderes em componentes militares (naval, terrestre e aérea) acrescenta desafios adicionais e torna estéril a discussão, uma vez que cada uma delas dispõe de capacidades para explorar

6 Uma grande parte do armamento empregue na Guerra utiliza o ar como meio de movimento. As minas e os torpedos são algumas das exceções a esta regra.

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o domínio dos outros (quer seja aviação orgânica ou mesmo meios navais e terrestres). Neste sentido, a redundância de meios confere maior flexibilidade ao instrumento militar, quer seja como facilitador dos objetivos independentes ou como contribuintes para um esforço conjunto.Jeremy Stocker (2005, p. 16) sustenta que as definições de Poder Aéreo tendem a tornar-se tão abrangentes, ao ponto de se tornarem sinónimo de todo o poder militar, ou em contrapartida demasiado restritivas para se tornarem igualmente úteis. Cohen (1995) expressa as consequências organizacionais de uma definição demasiado abrangente. Por um lado, pode levar a uma rápida expansão das forças aéreas caso estas exercessem o controlo sobre todos os meios aéreos. Por outro lado, traduzir-se numa redução drástica da sua função se considerar-mos que o Poder Aéreo é um atributo de todos os ramos das forças armadas. Segundo Horta fernandes (2012) 7, a definição de Poder Aéreo como capacidade de projetar poder a partir do ar, controlando e explorando essa mesma dimensão, poderá ser considerada como uma definição demasiado lassa, que resiste com dificuldade ao escrutínio de uma boa teoria geoestratégica. Isto porque, uma das primeiras áreas de confusão terminológica resulta, na prática, na equiparação de “vetor aéreo” em “Poder Aéreo”, ou seja, confundindo meios com fins. Desta forma, ao concetualizarmos o Poder Aéreo como a exploração do ar por meios aéreos estamos apenas a visionar este conceito no seu vetor instrumental de produção de efeitos. Nesta perspetiva “espacial”, os vetores de superfície responsáveis pela ge-ração, sustentação e operação do Poder Aéreo 8 seriam excluídos e concetualmente integrados no Poder Terrestre ou Naval. Esta corrente advoga que o que interessa é o espaço do objetivo e não o espaço onde é empregue o meio para alcançar esse objetivo. Interroga-se o mesmo autor, sendo o meio o domínio fundamental neste conceito, se os vetores aéreos não seriam senão invólucros que projetavam a guerra eletrónica e a ciberguerra mais além: no fundo, o Poder Eletrónico. Assim, o que está em discussão não é a propriedade dos meios 9, mas sim o objetivo estratégico como caraterizador do domínio geoestratégico em causa em detrimento da utilização funcional desse domínio. Logo, os fins e objetivos conjugados, em certos casos, com os efeitos, é que ditam o domínio geoestratégico em causa.A posse e a exploração do ar são realidades com resultados muito distintos. A posse determina-se diretamente com o objeto, no caso, o ar. A exploração de um

7 Debate ainda não publicado ocorrido por via eletrónica entre o autor deste estudo e António Horta fernandes, cuja referência foi caucionada por este último.

8 Infraestruturas aéreas, centros de C2, Sistemas de Defesa Aérea baseados em terra (i.e. baterias de mísseis terra-ar), etc.

9 Pelo menos quando falamos de uma grande potência. Já se considerarmos um pequeno poder, como Portugal, será merecedor, no sentido de obter maior eficiência, se conseguirmos conjugar a funcionalidade e a propriedade dos meios como uma visão una.

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objeto pode ser um fim em si mesmo, ou pode ser apenas um meio para chegar a outros fins que não o ar. Isto é, o domínio do ar é um fim em si mesmo, mas na medida em que isso possibilita igualmente a sua exploração pelos instrumentos que através dele se deslocam como simples meios. Sustentado por esta racional, o autor apresenta-nos alguns dos elementos essenciais do conceito de Poder Aéreo:• o controlo ou domínio do ar como fim em si mesmo, como elemento principal;• a capacidade de produzir efeitos que não se consegue produzir de outra forma;• e, por consequência a capacidade de assegurar que o ar pode ser atravessado

e explorado para outros fins que não o aéreo, ou seja, o efeito combinado com os restantes poderes.

Considerando esta moldura concetual, Horta fernandes destaca então que o Poder Aéreo em sentido próprio seria a capacidade efetivada de controlo ou domínio do ar, conseguindo adicionalmente produzir efeitos geoestratégicos ou geopolíticos (dependente do prisma de observação) inalcançáveis por outro meio, com vista a assegurar a possibilidade de exploração desse mesmo ar por outros poderes geoes-tratégicos (o poder marítimo e o poder terrestre, a título de exemplo) de acordo com as finalidades autónomas destes. Desta maneira, e segundo o mesmo autor, conseguir-se-ia com esta aproximação definitória salvaguardar as componentes não aéreas do Poder Aéreo, porquanto serviria para os restantes poderes mudando os termos. Por outro lado, não se nega a exploração do ar para fins específicos do ar, uma vez que na ideia de controlo e utilização do mesmo para produzir efeito únicos está já presente a dimensão de exploração, não sendo necessário voltar a frisá-la. Consciente da diversidade concetual, Colin Gray (2012, p. 9) subscreve a sim-plicidade da definição de Mitchell 10 e define o Poder Aéreo como a capacidade de fazer algo no ar que seja estrategicamente útil. Enquanto os meios traduzem apenas uma imagem quantitativa do que se possui, o termo capacidade expressa uma perceção acerca da tarefa a ser executada por esses meios (Ibidem, pp. 16-17). A “capacidade de fazer algo no ar” como uma manifestação de agir na terceira dimensão tem uma conotação que expande a mera perspetiva redutora de “algo que voe”. “Capacidade” e “agir” transmitem algo mais do que o mero trânsito do espaço aéreo por um objeto, subentendendo uma finalidade da ação. A pressuposição de agir no ar implica a consideração de outros vetores de capa-cidade, como seja a infraestrutura técnica que permite a geração, sustentação e regeneração do Poder Aéreo (i.e. bases), assim como uma arquitetura que permita a ligação em rede entre todos os elementos da força, constituindo-se como um facilitador da operação aérea. É esta capacidade de agir na terceira dimensão,

10 Billy Mitchell (1988, p. 3-4) definiu o Poder Aéreo como “the ability to do something in or through the air, and, as the air covers the whole world, aircraft are able to go anywhere on the planet”.

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sustentada por um potencial aéreo militar e civil, e efetivada por uma vontade de agir nesse meio para concretizar os fins da estratégia, que caracteriza o Poder Aéreo como um sistema aberto constituído por componentes e subsistemas.Esta definição é sustentada pela proposição de que o Poder Aéreo gera efeito estratégico. Ou seja, o seu emprego cria, idealmente, consequências estratégicas, contribuindo para os resultados desejados. Para Gray (Ibidem, p. 287), o efeito estratégico é o produto de todos os comportamentos (militares e outros) que moldam o curso e os resultados de um conflito. Ou seja, na dimensão militar, o curso de uma Guerra é moldado pelo resultado do efeito do comportamento amigo e inimigo. Para além disso, todo o comportamento militar manifesta-se ao nível tático e as consequências de cada ação refletem-se nos níveis operacionais e estratégicos, contribuindo ou afastando a consecução dos fins políticos. É importante realçar que o efeito estratégico total, como resultante das contribuições cruzadas de vários elementos, muito dificilmente será alcançado, única e exclusivamente, pela ação isolada de um dos poderes milita-res. 11 Diríamos mais, esse efeito estratégico total não será possível de alcançar sem uma orquestração multidimensional dos diversos instrumentos de poder nacional. 12 O Poder Aéreo, tal como os outros poderes militares, é uma ferramenta tática com consequências estratégicas. Apesar de todas as forças militares contri-buírem para o efeito estratégico, a amplitude dessa contribuição, isto é, a sua utilidade estratégica, é situacional. 13 Isto porque, o efeito estratégico é decidido pelo alvo e não pelo executante da ação. Por exemplo, a utilidade prática do Poder Aéreo, nomeadamente na vertente letal, é de certa forma constrangida tanto pelas defesas antiaéreas inimigas como pelas restrições políticas, legais e socioculturais impostas ao targeting 14 (Ibidem, p. 290). Assim, existe uma complementaridade, de métodos e meios para alcançar os mesmos fins estratégicos. Essas ações podem ser paralelas e terem períodos de latência diver-sos. Por exemplo, a derrota de um exército pode ser conseguida pela acumulação de ações táticas de atrição entre forças terrestres, com o bombardeamento aéreo a redes logísticas, ou com um ataque cirúrgico à liderança que acelere a sua capitulação. Tal como as potencialidades, também as vulnerabilidades apontadas ao Poder Aéreo são situacionais, como por exemplo a impermanência, a capacidade limitada de carga/

11 Tais ocasiões são raras e fortemente contestadas. Um caso possível em que o Poder Aéreo possa ter, por si só, criado o efeito estratégico total foi a Ponte Aérea para Berlim em 1948. Outro caso, foi a Guerra na Líbia, mas considerando que o Poder Aéreo apoiou a fação rebelde. Outro caso mais discutível inclui a Guerra do Kosovo. Assim, é fácil compreender que a utilidade estratégica do Poder Aéreo é altamente situacional (como será a dos outros poderes).

12 Diplomático, Informacional, Militar e Económico.13 Para um estudo introdutório a esta temática ver Vicente (2009).14 Processo que visa determinar os efeitos necessários para alcançar os objetivos do comandante, identificando as ações

requeridas para criar os efeitos desejados, tendo por base os meios disponíveis, a seleção e priorização de alvos e a sin-cronização de fogos com outras capacidades militares, e avaliando posteriormente a sua eficácia (AJP 3.9, 2008, p. 1-1).

15 Em particular o controlo do ar, mas também negação de acesso a áreas terrestres e marítimas.

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armamento, a fragilidade dos sistemas aéreos, a necessidade de bases para operação, o custo exponencial dos sistemas de armas, ou mesmo a impossibilidade óbvia de ocupar o terreno. É este quadro analítico, expresso na Tabela 1, que revela a utili-dade estratégica, contudo situacional, das contribuições do Poder Aéreo, exclusivas ou complementares, para alcançar o efeito estratégico total, segundo as funções de aplicação de força, controlo e negação 15, multiplicação de força 16, e apoio da força 17.

16 Melhoria da efetividade de combate através da mobilidade aérea, reabastecimento aéreo, guerra eletrónica e vigilância.17 Inclui os componentes logísticos de geração, sustentação e regeneração da força.18 Efeitos geoestratégicos e geopolíticos inalcançáveis por outro domínio.19 Consideramos o Centro de Gravidade (CoG) como uma característica, capacidade ou local a partir do qual uma nação, aliança,

força militar ou outro grupo gera a sua liberdade de ação, força física ou vontade de combater (AJP 01(D), 2010, p. 5A1).20 Alterámos a versão original de “atacar os CoG do inimigo” por uma proposição mais adequada de “atacar diretamente a

maior parte dos CoG do inimigo”. Isto porque existem exceções como por exemplo o uso de forças especiais. No entanto, elas precisam de ser transportadas para a área de operações. O caso dos ciberataques torna-se uma exceção, mais difícil de justificar, em particular quando empregues contra adversários dependentes das infraestruturas de informação.

21 Se bem que pode impedir que forças adversárias o ocupem.

Tabela 1: Potencialidades e Vulnerabilidades características do Poder Aéreo.

3. DIFErENTES AProXImAÇÕES INTELECTuAIS: umA QuESTÃo DE PErCEÇÃo ou DE mArKETING?

Os proponentes do Poder Aéreo continuam a ter dificuldade em orquestrar uma estratégia de coação que seja facilmente compreendida pela sociedade. Isto

Fonte: Adaptado de (Gray, 2012, p. 281).

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poderá resultar, em parte, da diferença de perceções decorrente da tendência histórica que centra grande parte do pensamento e da escrita sobre a Guerra, numa perspetiva terrestre. De facto, “as operações terrestres têm dominado de tal forma o estudo da Guerra, ao ponto da própria Guerra ser definida quase exclusivamente como o confronto entre exércitos” (Warden, 2011, p. 65). Esta tendência tem vindo a ser reforçada na última década onde as campanhas de contrainsurgência são caracterizadas primariamente como guerras terrestres, em vez das campanhas conjuntas que são na realidade (Sabin, 2011). Se perscrutarmos a panóplia de obras acerca das Guerras do Afeganistão e Iraque deparamo-nos com a dificuldade em encontrar títulos onde a visão so-bre o emprego do Poder Aéreo seja apresentada por aviadores. Por outro lado, encontramos uma proporção desequilibrada de disseminação da doutrina e vi-são terrestre. Ao transpormos esta realidade para âmbito nacional, verificamos semelhante desproporção. 22 Quererá isto dizer que as forças terrestres detêm competências especialmente favoráveis para o pensamento estratégico e pro-dução académica? Ou existirá algum motivo para que os praticantes da causa aérea não se sintam inclinados a disseminar a sua perspetiva sobre a Guerra?Para além dos fatores associados com a mutabilidade tecnológica inerente ao ambiente aéreo, esta renitência intelectual pode dever-se em parte, como Churchill aponta na citação apresentada no início deste estudo, ao facto dos praticantes do Poder Aéreo serem mais centrados na ação do que na reflexão, focalizando a sua atenção nos aspetos técnicos e táticos em detrimento da estratégia. Em resultado desse pragmatismo, as definições acerca do Poder Aéreo centram-se naquilo que pode fazer em detrimento daquilo que é. A aparente lassidão destas várias aproximações revela a dificuldade que a comunidade internacional tem tido em capturar num único conceito, consensual, a essência do Poder Aéreo. Quando em setembro de 2006, foi divulgado aos jornais um email do Major Loden do Regimento Paraquedista inglês, estacionado no Afeganistão, onde afirmava que a RAf era completamente inútil em fornecer aos soldados no terreno o apoio aé-reo adequado, reacendeu-se o debate histórico acerca da função dos meios aéreos. Estas visões contraditórias refletem a tendência histórica de conflito concetual entre as forças Aéreas e os Exércitos. Estes últimos desejam cobertura aérea de forma ubíqua, precisa e letal. Ou seja, os soldados desejam que os meios aéreos estejam em espera à vertical da sua posição, para que sejam chamados a atuar em situações de contacto com o inimigo, para atacar de forma precisa e sem fratricídio. Por outro lado, os aviadores tentam associar o uso da força aos objetivos estratégicos da forma mais direta possível, procurando remover a batalha da guerra (Hayward, 2009, p. 13).

22 O caso português é exemplar uma vez que as obras publicadas acerca da Guerra Colonial não refletem, com a profun-didade e perspetivas suficientes, o contributo do Poder Aéreo num conflito que se estendeu ao longo de 13 anos, em teatros de operações geograficamente remotos, e no decurso do qual foram voadas mais de 1 milhão de horas.

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A complexidade inerente à superfície terrestre, nomeadamente a opacidade à ação dos vários sensores, as dificuldades criadas pelo ambiente caótico à vigilância, e a obstrução da geografia ao poder de fogo impedem que a simples tecnologia e a preponderância numérica possam dominar a Guerra terrestre (Biddle, 2004, p. 72). Apesar da revolução tecnológica em curso diminuir essa opacidade, não torna este ambiente transparente, ao contrário dos outros domínios de combate (aéreo e naval). Efetivamente, a Guerra Aérea (e em parte a Guerra Naval de superfície) tem dinâmicas diferentes, mais simples do que o domínio terrestre, uma vez que no ar não há forma de se esconder (quando muito apenas atrasar a deteção recorrendo a tecnologias furtivas). Nestes ambientes, a tecnologia e a prepon-derância dos números têm maior impacto (Ibidem p. 269).O apreço pelo potencial intrínseco do Poder Aéreo, resultante do espetro alarga-do de capacidades e efeitos, torna a perspetiva aérea necessariamente diferente das outras componentes. Esta diferença está plasmada nas diferentes visões, do nível tático ao estratégico (Tabela 2).

Tabela 2: Perceções do espaço de batalha.

Fonte: Adaptado de (Dalton, 2011).

Enquanto a distância tática para um soldado de infantaria é medida em metros ou quanto muito em quilómetros e o tempo em dias, para um piloto de caça, o seu espaço de envolvimento é medido em centenas de milhas, mas por períodos de tempo reduzidos e em quatro dimensões. Isto faz com que, ao nível tático, o processo de pensamento do aviador se focalize no teatro de operações, em vez do conflito num determinado vale, e em prioridades abrangentes da campanha, em vez do espaço de batalha restrito de uma determinada brigada.Relativamente às perceções sobre o emprego dos meios aéreos, a componente terrestre otimiza os meios aéreos orgânicos para apoio à manobra da força, para apoio de fogo e para vigilância e reconhecimento de nível tático e operacional. No caso da componente marítima, a aviação naval é empregue para proteger a frota de ataques aéreos ou de subsuperfície. Em contraste, a componente aérea pretende contribuir para as operações de superfície, terrestres ou navais, enquanto conduz

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simultaneamente operações estratégicas, independentes e com impacto alargado ao teatro. Dito de outra forma, enquanto as capacidades aéreas dos Exércitos e Ma-rinhas servem primordialmente para apoiar o paradigma orgânico de manobra, as forças Aéreas empregam essas capacidades num registo mais alargado, de forma transversal aos objetivos de teatro. Esta orquestração de atributos específicos é maximizada por uma perspetiva funcional, em vez de geográfica, e por uma clas-sificação dos alvos pelos efeitos gerados, em detrimento da sua localização física.Esta especificidade está também refletida nas diferentes perspetivas de C2. O comandante terrestre evita impor medidas de controlo muito restritivas, deixan-do aos subordinados a possibilidade de decidirem no âmbito da liberdade de ação e da autoridade que lhes delegou. O comandante da componente aérea, em resultado da escassez de recursos comparativamente com a abrangência de tarefas e efeitos desejados, centraliza o planeamento e a coordenação das suas forças para assegurar a coerência, reduzir a incerteza e aumentar a segurança das operações aéreas. Por outro lado, descentraliza a execução para dar flexi-bilidade tática e maximizar a eficácia das operações.Em resultado destas diferenças concetuais e funcionais, é natural que os meios aéreos orgânicos, como elementos de apoio, quando em competição com outras competências básicas de cada componente, sejam compreensivelmente preteridos ou empregues de forma ineficiente, numa estreita franja do espetro da Guerra ou numa gama limitada de efeitos. Numa perspetiva doutrinária americana (AfDD 1, 2011, p. 25), a divisão das operações em três níveis (tático, operacional e estratégico) reflete uma concetualização tradicional da Guerra constrangida pelo combate de atrição, em que os efeitos, de forma cumulativa, se alastram do nível tático ao nível de campanha, até afetarem diretamente a capacidade do adversário combater. Com o advento da arma aérea, tornou-se mais fácil ultrapassar este paradigma, com a possibilidade de efetuar ações ao nível tático com repercussões diretas e imediatas ao nível estratégico da Guerra. Independentemente do valor tático de uma força, o seu emprego terá implicações políticas diferenciadas consoan-te os interesses e recursos de cada Estado. Para além disso, a importância de determinadas capacidades, cujas ações podem provocar efeitos que ultrapassam o nível tático (por exemplo, as forças especiais ou os meios espaciais), poderá implicar um controlo de nível estratégico ou mesmo nacional.Assim, com o evoluir da tecnologia, das mutações sofridas neste novo milénio e da agilidade inerente ao Poder Aéreo, assistimos a um aumento da capacidade mul-titarefa dos meios aéreos. No entanto, a nomenclatura tradicional dos sistemas de armas constringe o pensamento acerca das capacidades das aeronaves. Este é um problema que desde sempre persegue a aviação, já que grande parte das plataformas

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foi desenvolvida no século passado tendo em mente uma única tipologia de missão. Nesse sentido, os prefixos das aeronaves estavam associados à sua função básica, ou seja, “B” para bombardeiros (“bombers”), “F” para caças (“fighters”), “C” para transportes (“cargo”) etc. Isso funcionou enquanto o ambiente estratégico se manteve minimamente imutável, nomeadamente durante o período da Guerra fria, em que foram desenvolvidas a maioria das aeronaves atuais. Porém, os sistemas de armas de última geração, como o f-22 ou f-35, não esgotam a sua capacidade numa deter-minada função básica. Tecnologicamente são sensores aéreos que permitem executar uma panóplia alargada de atividades aeroespaciais 23, como Luta Aérea 24, Intelligence, Vigilância e Reconhecimento (ISR) 25, Apoio Aéreo Próximo (Close Air Support - CAS) 26, Interdição Aérea 27, Ataque Estratégico 28, C2, ou Guerra Eletrónica 29. Isto permite que os meios aéreos consigam funcionar nos níveis estratégicos, operacionais e táticos de um conflito, e mesmo entre teatros operacionais, tudo isto na mesma missão. Neste âmbito relembrem-se algumas das missões dos bombardeiros B-1, B-2 e B-52 no Afeganistão e Iraque, que no mesmo voo efetuavam ataques estratégicos, CAS e mesmo demonstração de força (“show of force”). Situação semelhante se verificou com a execução de atividades de ISR por meios não tradicionais como os f-16, originalmente concebidos para o combate aéreo.É fácil perceber que os sistemas de armas, quaisquer que sejam os domínios de emprego, podem estar otimizados para ações ao nível tático, mas são capazes de gerar efeitos ao nível estratégico. O importante é distinguir quais os sistemas capa-

23 Atividades essenciais do Poder Aeroespacial são empregues para alcançar os objetivos dos níveis estratégicos, ope-racionais e táticos. Não são apenas operações (missões) aéreas e incluem outras tarefas essenciais como controlo de tráfego aéreo, apoio geográfico, meteorológico ou posicionamento e navegação. Não são exclusivas da componente aérea, uma vez que outras componentes exercem estas atividades, ou similares, em diferentes graus (AJP 3-3(A), 2009).

24 Atividades que visam obter o nível desejado, ou necessário, de controlo do ar, através da destruição, degradação ou anulação do poder aéreo inimigo (aviões e mísseis), de modo a possibilitar a liberdade de ação dos nossos meios. (Ibidem, 2009, p. 1-6).

25 As atividades de Intelligence, Surveillance and Reconnaissance (ISR) incluem um conjunto de ações tendentes a obter uma maior consciência do espaço de batalha através da recolha, processamento, exploração e disseminação de informações precisas e atuais. Intelligence é o produto resultante da recolha, processamento, integração, aná-lise, avaliação e interpretação da informação disponível. Vigilância (Surveillance) é a observação sistemática do espaço aéreo, superfície ou sub-superfície, locais, pessoas ou objetos, por meios visuais, acústicos, eletrónicos, fotográficos ou outros. Reconhecimento Aéreo (Reconnaissance) é uma missão específica para recolha de dados sobre alvos específicos e pontuais (Ibidem, 2009, p. 1-10).

26 Como o nome indica, esta tipologia inclui as ações aéreas conduzidas em apoio direto das operações terrestres, contra alvos hostis que estão em franca proximidade das nossas forças e que exigem a integração pormenorizada de cada missão com o fogo e movimento dessas forças. (Ibidem, 2009, p. 1-8).

27 Estas atividades têm por finalidade destruir, neutralizar ou retardar o potencial militar inimigo antes de ser utili-zado contra as forças amigas, a tal distância destas que não seja necessária a integração detalhada de cada ação aérea com o fogo e o movimento das forças amigas (Ibidem, 2009, p. 1-8).

28 Ação ofensiva dirigida contra um alvo militar, político, económico ou outro, especialmente selecionado para alcançar objetivos militares estratégicos (Ibidem, 2009, p. 1-5).

29 Ação militar que explora o espetro eletromagnético, englobando a interceção e a identificação de emissões eletromagnéticas e o emprego de energia eletromagnética, com a finalidade de impedir o uso eficaz do espetro eletromagnético pelo inimigo e garantindo o seu uso efetivo pelas nossas forças (Ibidem, 2009, p. 1-11).

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zes de produzir efeitos ao nível do teatro de operações, daqueles com efeitos mais localizados. Será esta distinção, capacidades de nível de teatro vs âmbito local, que deve servir como discriminador para as operações conjuntas e combinadas. Ou seja, a nomenclatura deverá expressar o produto operacional disponibilizado por um sistema de armas de modo a tornar mais eficiente o seu emprego. Em suma, não deveremos, por isso, associar os níveis da Guerra aos sistemas de armas empregues, ou aos alvos afetados, mas sim ao nível de efeitos desejados. É este pensamento, baseado em efeitos, que melhor se adequa à exploração do Poder Aéreo.A predisposição natural para influenciar a maioria dos CoG estratégicos adver-sários, independentemente da sua localização geográfica, de forma simultânea em períodos de tempo relativamente curtos, com precisão e danos colaterais reduzidos, sintetiza as capacidades e promessas do Poder Aéreo moderno (Warden, 2011, p. 75). Contudo, pelo facto de se poder atacar todos os alvos não significa que isso seja feito. Acima de tudo, a razão por que se ataca e os efeitos que se pretendem alcançar, são bastante mais importantes do que o que se ataca. Por isso, o desafio principal da estratégia aérea é identificar a relação causal entre operações aéreas e os efeitos desejados. Apesar da evolução sig-nificativa verificada em mais de um século de emprego de Poder Aéreo, este relacionamento causal entre ataque e efeitos obtidos é ainda, nos tempos de hoje e em particular nos conflitos irregulares, uma arte e ciência. 30

4. o PoDEr AÉrEo E AS GuErrAS IrrEGuLArES Do SÉCuLo XXI

“Air power contains the seeds of our own destruction if we do not use it responsibly,we can lose this fight”

“Air is our strategic advantage but it can become a strategic vulnerability if not employed with restraint and precision”

Gen Stanley McChrystal COMISAf, 2009

A ideia enviesada do Poder Aéreo como um instrumento injusto, cobarde e sem risco para os seus operadores, permeia as análises superficiais sobre os conflitos recentes. 31 Esta distorção analítica corporiza o contraste existente nas imagens atuais do poder militar, nomeadamente que “as aeronaves observam e matam, enquanto os soldados combatem e morrem” (Sabin, 2011). As declarações em apreço, do comandante da coligação no Afeganistão em 2009, expressam a vantagem estratégica do Poder Aéreo, mas também os efeitos indese-

30 Relativamente a uma análise sobre a metodologia de planeamento baseado em efeitos ver Vicente (2008a; 2008b). 31 Para uma argumentação sobre o declínio do Poder Aéreo ver a obra do historiador israelita Martin van Creveld

(2011). Para uma resposta incisiva aos argumentos de Creveld ver Karl Mueller (2011).

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jados resultantes dos danos colaterais. A discussão sobre a utilidade estratégica do Poder Aéreo, instrumental para emancipar as forças Aéreas como ramo indepen-dente, perdura com novos atores e capacidades, mas com os mesmos argumentos.Nesse sentido, os conflitos irregulares expõem a ambiguidade que confronta o emprego do Poder Aéreo em conflitos de baixa intensidade. 32 Contudo, ao empregarmos força letal não estaremos a salvar vidas amigas e da população? A resposta será à partida positiva, mas o impacto estratégico dos incidentes envolvendo o uso de força letal, tem influência na forma como a contrainsur-gência é gerida e no sucesso da própria campanha. Nestes conflitos, verificamos um realce desproporcional negativo da influência do Poder Aéreo motivado pelo número de incidentes de fratricídio e baixas civis de ataques aéreos e de apoio insuficiente às forças terrestres/esforço conjunto. Desta perceção, em parte resultante da cobertura mediática das campanhas, sobressai um efeito desproporcional negativo da influência da componente aérea.Neste caso, a componente aérea é vítima do seu sucesso. O uso de força letal é uma das características basilares de uma força aérea. No entanto, o advento das munições guiadas conduziu-nos a um ponto em que é exigido o controlo e limitação dos danos colaterais. Apesar dos danos colaterais serem uma rea-lidade da guerra, neste novo ambiente altamente mediatizado, o Poder Aéreo é vulnerável à perceção de ser desproporcionado ou indiscriminado tanto pelo adversário como pela audiência doméstica. Dessa forma, uma vantagem ope-racional pode rapidamente transformar-se numa vulnerabilidade estratégica. Por isso, num ambiente de contrainsurgência existe uma enorme pressão para reduzir o emprego de força letal. Isto porque, mesmo que o número de bai-xas ou os danos materiais infligidos sejam reduzidos, o impacto negativo na população contribui para aumentar o ressentimento das comunidades afetadas, promovendo em última análise o recrutamento de novos insurgentes. Torna-se por isso importante relembrar que a população é o CoG primordial, e como tal não pode ser alienada. Assim, restringir o uso da força à necessidade e proporcionalidade é fundamental para ganhar e manter o apoio da população.A diminuição de danos colaterais, a exploração de operações de informação e o apoio às outras componentes são assim essenciais. Por exemplo, ataques de precisão contra adversários e infraestruturas com danos colaterais mínimos contribuem para legitimar o governo, ganhar apoio das populações e diminuir o apoio ao adversário. De igual forma, o apoio aéreo a tropas em contacto é outra das ferramentas indispensáveis de combate numa fase irregular. Para além de contribuir para um aumento do moral das tropas, sustenta a intenção política de minimizar as baixas em combate.

32 Os contributos do Poder Aéreo em conflitos irregulares foram tratados com maior detalhe em Vicente (2010).

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No resumo sobre as missões de CAS no Afeganistão, apresentado na Tabela 3, podemos observar a duplicação de saídas entre 2007 e 2011, enquanto se manteve relativamente constante a quantidade de armamento largado. Esta duplicação do esforço resulta do aumento do quantitativo de forças no terreno, da intensidade das operações militares e da tipologia de missões associadas à função de CAS.

Tabela 3: Atividade aérea de ataque na OEf/ISAf 33.

Fonte: Adaptado de (USAfCENT, 2012).

33 International Security Assistance force.34 A Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA, 2012, p. 1) documentou 3.021 mortes

civis em 2011, um aumento de 8% relativamente a 2010 e 25% de aumento comparativamente a 2009. Para verificar de forma detalhada a evolução desta tendência ver UNAMA (2010 e 2011).

Apesar dos insurgentes serem responsáveis por cerca de 77% (2.332) das vítimas civis no ano de 2011, as baixas causadas pela coligação são aquelas que maiores efeitos indesejados têm na população e na coligação. Em 2011, os ataques aéreos foram responsáveis por 44% (187) do total das mortes civis causadas por forças pró-governamentais (UNAMA, 2012, p. 22). 34 Apesar do decréscimo de largada de armamento, o número de mortes civis causadas por ataques aéreos aumentou 9% em 2011 (Ibidem, p. 4). Embora se tenha verificado um acréscimo de baixas em 2011, os valores de 2010 (39%, ou 171 baixas, do total) tinham significado um decréscimo de 43% relativamente ao ano anterior (UNAMA, 2011, p. 23). Este decréscimo substancial do número de baixas civis em 2010 resultou dum conjunto de medidas para reduzir os efeitos indesejados das atividades de ataque. Destas destacam-se as restrições impostas pelas Diretivas Táticas, a redução de declaração de incidentes (tropas em contato), o recurso ao uso de plataformas não tripuladas e a aplicação graduada do Poder Aéreo.Num esforço de minimizar as baixas civis resultantes dos ataques aéreos, o General McChrystal publicou uma Diretiva Tática em 2009, onde restringia severamente o emprego de ataques aéreos em situações que pusessem em risco a vida de civis. Os constrangimentos impostos ao emprego do Poder Aéreo no Afeganistão tornaram

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o bombardeamento praticamente numa tática de último recurso. Durante o ano de 2010, os dados empíricos demonstram uma redução no número de pedidos de apoio aéreo para casos de confrontos com forças insurgentes. De forma paralela, o escrutínio para atribuição desse apoio aéreo foi mais complexo, significando na prática uma menor percentagem de aprovação. Esta redução na satisfação de pedi-dos de CAS teve um efeito adverso no moral das forças terrestres, aumentando o risco das operações. Para além disso, o emprego de aeronaves não tripuladas, com maior persistência, aumentando a monitorização dos alvos e melhorando o processo de identificação e emprego de armamento, a par com armamento mais preciso e menos letal, contribuíram para uma redução dos danos colaterais (Ackerman, 2010).Ao nível do planeamento e execução verificou-se a necessidade de investigar usos inovadores para o Poder Aéreo, em particular de perspetivas não letais, explorando também as operações psicológicas no sentido de alcançar simultaneamente efeitos físicos e cognitivos. A aplicação graduada do Poder Aéreo fornece ao comandante terrestre a possibilidade de fogos de precisão e uma escalada de efeitos. Por exemplo, ações de presença aérea e demonstração de força traduzem esta aproximação. Ser “visto e ouvido” revelou-se a ação correta no Iraque e Afeganistão, mostrando ao adversário e à população que o Poder Aéreo estava pronto a ser “sentido” (Grant, 2005, p. 36). A “demonstração de força” (“Show of force”) é particularmente útil em situações onde a utilização de armamento pode ser problemática, como por exemplo em zonas urbanas ou concentrações de população. 35 Se a situação tática ditar o uso de força letal para apoiar tropas em contacto ou destruir alvos de alto valor, o comandante terrestre tem ainda à sua disposição fogos aéreos de precisão que vão do uso do canhão até ao emprego de bombas de precisão de 250 lb, com reduzidos danos colaterais, até a armas mais destruidoras de 2.000 lb. Este espetro de efeitos permite ao comandante terrestre um doseamento do uso da força consoan-te as necessidades táticas, enquanto minimiza os efeitos estratégicos indesejados.

5. CoNCLuSÕES

Vimos ao longo desta breve excursão concetual o impacto temporal na teori-zação do Poder Aéreo. Ou seja, uma transição subtil do enfoque no poder de fogo e da destruição associada ao combate, para uma capacidade de influenciar o decurso dos acontecimentos através da criação de efeitos letais e não letais. A gramática própria do Poder Aéreo resulta dos atributos inerentes à manobra no ambiente aéreo, isto é, a manifestação de uma aptidão de agir no ar, causando efeitos no próprio ambiente e nos ambientes de superfície. Altura, velocidade e

35 Pode ser tão simples como voar a baixa altitude sobre os manifestantes ou insurgentes, por forma a demonstrar a capacidade de ataque.

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alcance permitem disfrutar do valor estratégico da ubiquidade, agilidade e con-centração. De uma forma óbvia, podemos operar através do ar, mas não a partir do ar. Realisticamente, nós operamos a partir da terra, mar e espaço e através do ar, que na prática é o meio que une os restantes (a juntar o domínio metafórico do ciberespaço que os permeia). Todavia, a focalização na origem terrestre (de superfície) para a execução de todas as missões do Poder Aéreo não interfere com a definição em causa. Em virtude da temporalidade do Poder Aéreo, todas as missões de aeronaves são geradas a partir de bases na superfície (terrestre, marítima). Mas a esse nível, também a presença naval e espacial são, em última análise, originadas em terra, o que em nada descaracteriza esses ambientes. As bases constituem por isso a infraestrutura tática que permite gerar, sustentar e regenerar o Poder Aéreo. Como tal, o que importa é o que faz (efeitos), e não o que é numa perspetiva meramente técnica. Desta forma, não importa se as pla-taformas estão baseadas no mar, em terra, no espaço, ou mesmo no ciberespaço. Ao procurarmos distinguir cada ambiente geoestratégico através da exclusivida-de dos seus atributos incorremos num exercício complexo, uma vez que eles se interpenetram, ao mesmo tempo que será difícil equacionar o emprego de forças terrestres e navais ocidentais sem que exista a priori um controlo do ar.A possessão de meios aéreos orgânicos nas várias componentes militares parece tornar indistintos, ao nível tático, os diversos poderes. No entanto, à medida que subimos nos níveis da Guerra encontramos novos fatores de distinção, que refletem as contribuições de cada poder para o efeito estratégico total desejado. Assim, ao visionarmos um dos poderes militares de forma isolada, estamos a incorrer numa falha estratégica, na medida em que a análise unidimensional faz acentuar as vulnerabilidades de cada poder, cujo emprego se deseja cada vez mais conjunto. Ou seja, tudo isto para constatar uma das verdades imutáveis da Guerra, de que o contexto é determinante. Nesse sentido, uma definição adequada de Poder Aéreo tem de ser passível de ser aplicada em qualquer contexto, caso contrário não serve os nossos propósitos. Na impossibilidade de encontrar uma definição concetual-mente inexpugnável, a escolha sobre a definição de trabalho de Poder Aéreo como a capacidade de fazer algo no ar que seja estrategicamente útil, traduz, no nosso entender, a melhor relação custo-benefício. É nessa perspetiva que “menos é melhor”.

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João Paulo Nunes Vicente

Tenente-Coronel Piloto Aviador da força Aérea Portuguesa, Docente no Ins-tituto de Estudos Superiores Militares (IESM), responsável por ministrar a Unidade Curricular Estudos do Poder Aeroespacial. Mestre em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais, pela Universidade Autónoma de Lisboa e Master of Military Operational Art and Science, pela Air Univer-sity, EUA. Doutorando em Relações Internacionais na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Investigador do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do IESM.

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J.P Sousa a1 e J. M. R. Rossa a2 a Departamento de Ciências Extactas e Naturais, Academia Militar, Rua Gomes freire, Lisboa, 1169-244, Portugal

ABSTrACT

The scope of the present paper deals with the metallic films produced by the electro-plating processes and its main composition as well as the working parameters used to form the electroplated material. The task of evaluating the specific management risks is also focused regarding the dangerous of the chemical substances employed in the process. An appropriate process of risks assessment of handling and stock is required by the workers to avoid professional accidents and health diseases at working places. The main goal to be achieved with the present paper is a awareness of those which works with this process for health and environmental protection.Key Words: Metals, electroplating, risks evaluation and chemical substances.

rESumo

Com este artigo pretende-se divulgar os processos de eletrodeposição e a composição química dos diversos banhos eletrolíticos disponíveis no mercado e quais os filmes metálicos que são eletrodepositados a partir da composição do banho e das condições operativas. O processo de avaliação de riscos das substâncias químicas perigosas e respetivas medidas preventivas a serem implementadas nos locais de trabalho também são especificados. Uma correta armazenagem e informação, formação e pesquisa bi-bliográfica sobre a informação vertida num rótulo de uma substância química e desta forma contribuir para uma melhoria das condições de vida nos locais de trabalho. O principal objetivo deste artigo é o de sensibilizar todos aqueles que trabalham com estes processos a estarem de alerta para os perigos e riscos a que estão expostos.Palavras Chave: Metais, eletrodeposição, avaliação de riscos e substâncias perigosas.

risCos dos ProCessos de eleCtrodePosição (PArte ii)

Contacto: Email – [email protected] (João Sousa), Tel. - 21 498 56 60 Contacto: Email - [email protected] (João Rossa)

Recebido em 5 fevereiro 2013 / Aceite em 26 de Março de 2013

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1. INTroDuÇÃo

Os processos de eletrodeposição envolvem a utilização de banhos de composição química de sais de metais e manipulação de substâncias químicas perigosas para a saúde e bem estar dos trabalhadores. Claro que o objetivo dos serviços de pre-venção consiste em minorar os riscos profissionais e a vigilância da saúde, mas para tal torna-se necessário conhecer os processos produtivos, o layout fabril, a composição química dos banhos, processos de deposição com aplicação de corrente elétrica e os electroless (deposição de uma superfície metálica, sem aplicação de corrente elétrica), secagem das peças, locais de armazenamento e transporte. No artigo anterior foram abordados sucintamente os conceitos e aspetos fun-damentais subjacentes aos processos de eletrodeposição, com particular enfoque para os riscos associados à manipulação de substâncias químicas perigosas e os cuidados preventivos a ter em consideração do ponto de vista da Segurança e Saúde nos locais de Trabalho (SST). O presente artigo aborda sumariamente os principais aspetos práticos associados à eletrodeposição de metais e de ligas metálicas com maior representatividade à escala mundial, nomeadamente os processos de eletrodeposição do crómio, zinco, cobre, latão, estanho, ouro e prata. Para cada metal e/ou liga metálica, considera-se a composição dos banhos eletrolíticos ou químicos, os materiais base utilizados, os parâmetros operativos e alguns testes qualitativos dos depósitos. finalmente, abordaremos as frases de segurança das substâncias químicas perigosas e a sinalética de segurança.

2. ELETroDEPoSIÇÃo DE mETAIS

Nesta seção vamos analisar a composição química dos banhos, as respetivas composições e parâmetros operativos. Como os processos de eletrodeposição de metais nobres são os que a nível mundial e nacional apresentam maior expressão e tendo em consideração, que segundo as fontes do Instituto Na-cional de Estatística (INE), houve um incremento das exportações de peças eletrodepositadas, abordaremos com maior detalhe a preparação de cada peça.

2.1 CrÓMio

A deposição do crómio (Cr), mais conhecido como processo de cromagem, teve início nos anos 30, tendo por base os estudos desenvolvidos na década dos anos 20 por fink e colaboradores (Sousa et al., 1999). O crómio eletrodepositado é um metal muito duro, conferindo uma elevada resistência aos filmes metálicos, mesmo para camadas de espessura fina. A cromagem encontra aplicações diversas na área da metalomecânica, nomeadamente na indústria automóvel, hidráulica, acessórios mecânicos, peças decorativas e artigos domésticos.

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Ao nível industrial, os depósitos de crómio são obtidos a partir de banhos de ácido crómico contendo uma pequena quantidade, mas bem definida, de catalisador. Este catalisador consiste, usualmente, num sulfato adicionado à solução sob a forma de ácido sulfúrico ou, ocasionalmente, como sulfato de sódio. Outros radicais ácidos que também são utilizados como catalisadores têm sido recentemente introduzidos, particularmente o ácido fluorídrico e o ácido fluorsílicico com ou sem sulfato, com o intuito de obter algumas vantagens específicas. A Figura 1 apresenta uma vista panorâmica de um processo de cromagem a funcionar em linha automática.

Figura 1: Banho de crómio em linha automática.

O ácido crómico é um ácido muito forte, sendo comercializado em recipientes acastanhados (para evitar a decomposição por ação da luz) sob a forma de CrO4. Quando o CrO4 é dissolvido em água, forma-se uma mistura de ácidos crómicos, sendo os dois principais o ácido crómico, H2CrO4 e o ácido discrómico, H2Cr4O7, os quais em solução se encontram em equilíbrio de acordo com a seguinte reação: 2H2CrO4 H2Cr2O7 + H2O (2.1)

O eletrólito contém três espécies de aniões, nomeadamente HCrO2-, CrO42- e Cr2O7

4-. O ião Cr2O7

4- predomina em eletrólitos moderados e muito concentrados utilizados na eletrodeposição, enquanto que, o ião CrO4

2- se forma preferencialmente em soluções diluídas. Adicionalmente, alguns iões Cr3+ estão invariavelmente presentes no eletrólito.A razão ideal das concentrações, em termos absolutos, do ácido crómico e de sulfato no banho eletrolítico e de 100:1, variando os limites admissíveis para deposição entre 200:1 e 50:1. Para concentrações fora destes limites não ocorre formação de filmes metálicos a partir dos banhos eletrolíticos. O hidróxido de bário, Ba(OH)2.8H2O, por vezes, é utilizado para reduzir o teor de sulfato no eletrólito.A temperatura de funcionamento é um parâmetro muito importante na for-mação e no conferir de propriedades aos depósitos de crómio, isto porque a

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temperatura do eletrólito é diretamente proporcional à densidade de corrente. Depósitos brilhantes e de estrutura cristalina perfeitamente ordenada são obti-dos para temperaturas de 25ºC e densidade de corrente próximos dos 4 A/dm2.Também são utilizadas soluções eletrolíticas com um teor de 250 g/l de ácido crómico, contendo 0,6% de ácido sulfúrico e 1% de ácido fluorsilicico, operando a uma tem-peratura de 55ºC e 40.0 A/dm2 de densidade de corrente. Este tipo de banho resulta numa eficiência catódica de 26%, comparativamente com os 13% obtidos aquando da utilização dos eletrólitos convencionais, sob condições operativas similares.Os banhos autorreguladores têm sido abundantemente desenvolvidos, tendo atingido um estado que permite manter uma concentração constante do catali-sador. Este controlo do ácido catalisador é obtido através da inclusão de um sal inorgânico na mistura, o qual possui a solubilidade precisa para automaticamente manter a concentração correta de catalisador no banho.O sal inorgânico é adicionado em excesso, mantendo-se no banho sem se dissolver. Quando a concentração do catalisador baixa, é dissolvida a quantidade requerida do sal, nunca se dissolvendo o excesso. O banho recomendado contém CrO4 375 g/l, SrSO4 8 g/l e ácido sucínio anidro de 40 g/l, operando a uma temperatura de 35ºC. A figura 2 representa uma vista panorâmica de uma linha de cromagem manual.

Figura 2: Banho de crómio numa linha manual.

Os banhos de tetracromato de sódio consistem numa solução eletrolítica que permite depositar crómio diretamente sobre moldes de zinco, encontrando grande aplicação no setor da construção para acabamentos de interiores. Uma solução típica deste banho contém 400 g/l de CrO3, 58 g/l de NaOH e 0,75 g/l de H2SO4.Elevadas densidades de corrente são utilizadas (e.g. 20 a 80 A/dm2) e a eficiência de corrente ronda os 30 a 35%. Neste processo os ânodos são de antimónio ou chumbo, ou uma liga destes dois metais, sendo recomendado ânodos de grandes dimensões. Caso a temperatura do banho seja mantida entre 15 a 25ºC por arrefecimento, densidades de corrente da ordem dos 50 A/dm2 podem ser usadas, resultando numa eficiência de corrente na ordem dos 30%.

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O crómio negro é usado como uma alternativa atrativa aos depósitos brilhantes e é especialmente útil para o revestimento de material ótico e de outros instru-mentos. Estes depósitos contêm, cerca de 50% (p/p) de crómio metálico sendo o restante essencialmente oxigénio. Este tipo de filmes de crómio podem ser formados por introdução no banho de ácido crómico com pequenas quantidades de acetatos, tartaratos e proprianatos ou, alternativamente, ácido fluorbórico. Uma solução típica destes banhos contém 300 g/l de ácido crómico com cerca de 0,7 g/l de ácido acético ou propiónico, operando a temperaturas de 25ºC e densidades de corrente situadas na gama dos 2,0 a 2,5 A/dm2.

2.2 níQuel

O níquel é um dos metais eletrodepositados comercializado em maior escala, sendo o principal material usado no revestimento de aços, latão e ligas metálicas de zinco e de outros metais, onde as propriedades protetivas e decorativas são muito requeridas. O níquel também é utilizado na formação de subcamadas de indução para revestimento de outros metais, nomeadamente o crómio.Atualmente existe uma variedade de banhos eletrolíticos de níquel, que resultam do aperfeiçoamento do banho de sulfato proposto por Watts em 1916 (Sousa et al., 1999), o qual constituí, ainda hoje, a base dos banhos industrialmente mais utilizados. O banho eletrolítico de sulfato é fácil de operar e de manter a com-posição, apresentando vantagens económicas relativamente aos outros banhos disponíveis para a deposição de níquel, A incorporação de aditivos especiais neste banho permite obter depósitos de níquel brilhante, que praticamente dispensam as operações subsequentes de tratamento. Outros banhos eletrolíticos para a de-posição de níquel, são constituídos à base de cloratos, fluorborato e sulfamato de níquel. A figura 3 ilustra uma plataforma automática de processos de niquelagem.

Figura 3: Banho de níquel numa linha automática de produção.

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O banho eletrolítico de Watts consiste numa solução de sulfato de níquel, con-tendo alguns cloretos e ácido bórico. Este ácido produz um efeito tampão no banho, enquanto que, os cloretos são adicionados para promoverem a corrosão dos ânodos de níquel. A composição típica deste banho consiste em 250 g/l de NiSO4.7H2O, 40 g/l de NiCl2.6H2O e 25 g/l de H3BO4. As condições operativas são temperatura na gama dos 30 a 40ºC, pH variando entre 5,2 e 5,8 e uma densidade de corrente entre 2,0 e 4,0 A/dm2.O banho eletrolítico deve ser mantido em agitação permanente, ou então, por movimentação das peças, de forma a garantir o fornecimento dos iões Ni2+ à superfície do cátodo, aumentando a velocidade de deposição e evitando, assim, a ocorrência de fenómenos de depleção.O processo de eletrodeposição de níquel preto é comercialmente muito utilizado em alguns produtos específicos, nomeadamente em equipamentos óticos onde é necessário obter um revestimento protetivo e não refletor. Os depósitos são geralmente pouco espessos e contêm uma quantidade apreciável de enxofre, presente sob a forma de Ni2S2 e uma fase não identificada. A cor preta, para alguns autores, não se deve à presença de nenhum composto com coloração negra, mas sim devido à estrutura cristalina do depósito. A composição típica destes banhos consiste em adicionar 75 g/l de NiSO4.7H2O, 45 g/l de Ni(NH3)2.6H2O, 37 g/l de ZnSO4.7H2O e 15 g/l de NaCnS. As condições operativas são uma variação de temperatura na gama dos 50 a 55ºC, um Ph entre 5,6 e 5,9 e uma variação da densidade de corrente entre 1,0 a 1,5 A/dm2.Quanto aos depósitos de níquel brilhante estes filmes metálicos são muito utilizados em peças de decoração e também sobre materiais base como subcamada indutora de deposição de crómio. As vantagens destes depósitos residem nos seguintes aspetos:• Eliminar as operações de polimento;• Eliminar os custos associados ao acabamento de depósitos;• Reduzir significativamente as perdas de níquel;• Possibilitar que as peças/artigos, com este tipo de filmes de níquel depositados,

permitam a deposição direta de filmes de crómio, sem recurso a operações intermediárias (e.g. polimento, limpeza e secagem).

Estes depósitos são obtidos a partir da adição de agentes específicos ao banho eletrolítico, nomeadamente solventes orgânicos tensioativos. A adsorção destas substâncias à superfície do cátodo inibe o processo de eletrodeposição, aumentando o sobrepotencial, independentemente do valor da densidade de corrente. Os agentes brilhantes adicionados ao banho eletrolítico de Watts para produzir depósitos de níquel brilhantes são: Naftol (0,04 g/l), Naftalamina – ácido sulfónico (2,0 g/l), Quinolina-8-ácido sulfónico (2,0 g/l) e Trisulfato – naftaleno de sódio ( 35,0 g/l).

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Ao nível industrial, teores mais elevados de cloreto de níquel (comparativamente ao banho de Watts), inibem a contaminação dos depósitos por metais pesados (e.g. Zn, Cu e fe), aumentando a velocidade de deposição e conferindo uma melhoria significativa à estrutura cristalina dos depósitos. As condições operativas destes banhos eletrolíticos consistem numa variação de temperatura entre 50 a 55ºC, uma gama de pH entre 2,5 e 4,5 e uma densidade de corrente entre 1,0 e 1,5 A/dm2. A figura 4 ilustra um banho de níquel numa linha manual de funcionamento.

Figura 4: Banho de níquel num processo manual.

Os banhos eletrolíticos de sulfamato de níquel, Ni(NH4SO2), que é um sal resultante de um ácido forte monobásico, nomeadamente o ácido sulfâmico, NH2SO3H, possuem a seguinte composição: Ni(NH2SO3)2 de 600 g/l, H3BO3 de 40 g/l e NiCl2.6H2O de 5 g/l cujas condições operativas são uma temperatura variável entre 60 a 70ºC, um pH na gama dos 3,0 a 4,0 e uma densidade de corrente constante de 40,0 A/dm2. A estes banhos são adicionados agentes de endurecimento, nomeadamente o ácido trisulfónico – naftaleno e o cobalto (Co).A deposição electroless de níquel trata-se de um método de deposição de filmes de Ni sem utilização de corrente elétrica, desenvolvidos por Brenner em 1946 (Sousa et al., 1999). Uma solução de hipofosfito é utilizada conjuntamente com cloreto de níquel (NiCl2), podendo ser um banho ácido ou básico. A função do hipofosfito é de reduzir os iões Ni2+. O Ni depositado à superfície funciona, depois, como subcamada de indução para a formação de depósitos mais espes-sos. Este método tem a vantagem de não ser necessário usar corrente elétrica mas possuí a desvantagem de algum fósforo ficar incorporado no depósito.Estes banhos operam a uma temperatura na ordem dos 85 a 95ºC e o depósito pro-duzido é liso, não poroso e uniforme. Como o método não utiliza corrente elétrica, as peças de contornos e relevo bastante acentuados são facilmente revestidas por filmes de níquel, bastando, para tal, proceder à imersão das peças de material base no banho. Existe uma variedade de banhos eletrolíticos comerciais disponíveis, mas cuja composição não é rigorosamente conhecida, nomeadamente no que concerne

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aos aditivos. Contudo, é conhecido que, em espaços de tempo bem definidos, é necessário adicionar cloreto de níquel e solução alcalina para ajustar o pH do banho, visto que o ácido clorídrico é libertado durante o processo de formação dos filmes de níquel.

2.3 zinCo

Os depósitos de zinco são utilizados a nível mundial em revestimentos de aços, devido às caraterísticas que envolvem o processo de eletrodeposição, que não podem obtidas a preços competitivos por outros métodos. Apesar dos depósitos de zinco serem utilizados essencialmente para proteção e não por motivos de peças decorativas, os recentes desenvolvimentos na eletrodeposição de zinco brilhante e em tratamentos de passivação, permite obter acabamentos com aparência atrativa.Os depósitos obtidos a partir de diferentes banhos eletrolíticos possuem caraterísticas variadas. Contudo, a proteções incutidas aos aços pelo zinco, baseiam-se no seu po-sicionamento nas séries eletroquímicas, resultando num comportamento anódico do zinco relativamente aos aços. O potencial normal de redução do zinco é de -0,70 V a 18ºC, comparado com o potencial do ferro que é de -0,44 V à mesma temperatura.O zinco pode ser eletrodepositado a partir de banhos alcalinos de cianeto, banhos alcalinos isentos de cianeto, banhos ácidos ou neutros. Os banhos de cianeto têm uma eficiência de corrente excelente e produzem filmes uniformes que, em termos qualitativos, são superiores aos obtidos em meio ácido. Recentemente, esforços têm sido envidados no desenvolvimento de banhos não cianetados, devidos aos riscos advenientes dos efluentes e vapores de cianeto tóxicos.Os banhos cianetados de zinco inicialmente desenvolvidos continham aproxi-madamente 35 g/l de óxido de zinco, 115 g/l de cianeto de sódio e 35 a 73 g/l de hidróxido de sódio. Mais tarde, os teores de hidróxido de sódio aumentaram até os 100 g/l ou mais, aumentando a eficiência da corrente. Também o au-mento do teor de iões metálicos no banho eletrolítico melhora a eficiência da corrente, mas reduz o brilho dos eletrodepósitos, consequentemente aumentando os custos do processo e causando problemas de poluição. O fator primordial destes banhos é a relação entre os teores de zinco, cianeto de sódio e hidró-xido de sódio. Mais recentemente, os banhos eletrolíticos contêm 30 a 40 g/l do ião zinco (Zn2+) e uma razão de NaCN/Zn da ordem dos 3,25 a 2,75. Os parâmetros operacionais rondam a temperatura dos 20 a 35ºC, pH situado entre 13,0 a 13,50 e uma densidade de corrente de 15,0 A/dm2.Os banhos eletrolíticos pouco cianetados foi uma tendência iniciada nos países nórdicos, mas que resulta em depósitos com caraterísticas indesejáveis. A utili-zação de banhos intermediários, tem demonstrado algumas vantagens, reduzindo significativamente os teores de cianeto nos ambientes de trabalho e emissões

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gasosas. A composição aproximada destes banhos é de 9,5 g/l de ZnO, 7,5 g/l de NaCN, 50 a 75 g/l de NaOH e de 4 a 5 ml/l de aditivos.Os banhos ácidos são mais económicos e mais fáceis de operar do que os ba-nhos cianetados, mas a eficiência de corrente é muito menor e os depósitos são mais granulosos. Por outro lado, os depósitos têm uma coloração esbranquiçada, sendo facilitada a deposição direta sobre o ferro e respetivas ligas metálicas, não ocorrendo fenómenos de abrilhantamento pelo hidrogénio. Estes banhos têm uma composição aproximada de 240 g/l de ZnSO4.7H2O, 15 g/l de NH4Cl, 30 g/l de Al2(SO4)3.18H2O, 40 g/l de Na2SO4, 14 g/l de ZnCl2 e de 12 g/l de H3BO4. A condutividade destes banhos é muito baixa, existindo a necessidade de adicionar outros sais inorgânicos, nomeadamente sulfatos ou cloretos de alumínio ou de sódio os quais, para além de aumentarem a condutividade, tam-bém melhoram as propriedades dos filmes metálicos. As condições operativas consistem numa temperatura variável entre 25 a 30ºC, um pH na gama dos 3,5 a 4,5 e uma variação da densidade de corrente entre 2,0 a 4,0 A/dm2. O ajuste de pH efetua-se através da adição de pequenas quantidades de ácido sulfúrico.O uso de banhos de fluoborato permite obter elevadas velocidades de deposição dos filmes de zinco, quer nos processos manuais quer nos automatizados, por possuírem elevadas eficiências de corrente anódica e catódica. Os depósitos de zinco obtidos nestes banhos são de excelente qualidade. A composição aproximada destes banhos é de 300 g/l de Zn(Bf3)2, 27 g/l de NH4Cl, 36 g/l de NH4Bf3, 3 a 30 g/l de H3BO4 e de 1,25 g/l de aditivos. Os parâmetros operacionais são de uma variação de temperatura de 40 a 55ºC, pH na gama dos 3,5 a 4,0 e uma densidade de corrente de 100,0 A/dm2. O ajustamento de pH é efetuado através da adição de ácido fluobórico, mas, caso seja necessário, pode ser aumentado mediante a adição de carbonato de zinco. O aditivo, liquórico, serve para tornar o depósito mais uniforme e com uma coloração esbranquiçada.Os banhos pouco ácidos utilizam um complexo de zinco-amónia e a condutivi-dade das soluções é aumentada pela adição de cloreto de amónia. A composição destes banhos permite obter filmes metálicos com elevado teor de brilho devido à ação dos aditivos orgânicos (e.g. acetonas aromáticas e aldeídos) juntamente com os agentes solubilizantes destes sais. A principal vantagem destes proces-sos reside na redução da libertação de hidrogénio, bem como o facto de não ser preciso aquecer os banhos. Uma solução típica destes banhos eletrolíticos consiste em 100 g/l de ZnCl2, 200 g/l de NH4Cl e de 45 ml/l de abrilhantadores. As condições operativas são de uma temperatura a variar entre os 18 e 38ºC, pH de 5,0 a 5,5 e de uma densidade de corrente variável entre 1,5 e 6,5 A/dm2.Os depósitos de zinco são suscetíveis de originarem produtos brancos de cor-rosão (e.g. sais básicos de zinco) sob determinadas condições de humidade.

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A imersão das peças tratadas numa solução de dicromato de sódio, NaCr2O7, permite uma melhoria significativa das propriedades dos depósitos devido à formação de um filme de passivação à superfície.

2.4 Cobre

O cobre é um metal depositado com várias finalidades, nomeadamente:• Para formação de subcamadas para a deposição de níquel;• Produção de acabamentos coloridos de bronze sobre aços e outros materiais;• Na eletroformação;• Na produção de circuitos impressos;• Como material de proteção e decoração de peças.

Dois tipos de banhos eletrolíticos têm sido usados ao longo dos anos, nomea-damente os banhos alcalinos cianetados e os banhos ácidos. Apesar dos banhos cianetados produzirem excelentes eficiências de corrente, são, contudo, pouco apropriados na formação de depósitos de cobre com espessura razoável, mas possuem a vantagem de serem diretamente aplicados sobre metais ferrosos. Os banhos ácidos são essencialmente usados para revestimentos de metais que não sejam atacados quimicamente pelo banho eletrolítico e, especialmente, quando depósitos espessos são pretendidos, bem como na eletroformação (processos de preparação de circuitos impressos, cujos materiais base são o PVC, perespex e/ou plásticos).Os banhos eletrolíticos de pirofosfato de cobre oferecem várias vantagens, sendo consideravelmente usados na produção de circuitos impressos, enquanto que os banhos de fluoborato são empregues nos processos de eletroformação.Os banhos de cianeto de cobre alcalinos são principalmente utilizados quando os materiais base são aços inoxidáveis ou zinco. Este tipo de banhos é quase exclusivamente utilizada na formação de subcamadas de indução dos depósitos de níquel. Os principais constituintes do banho são o cianeto de cobre (CuCN), o cianeto de sódio (NaCN), ou o cianeto de potássio (KCN), resultando na formação de diversos sais complexos de cobre.Na realidade, são comercializados diversos banhos cianetados de cobre, pelo que se torna praticamente impossível ter uma referência exata da composição típica destes banhos. Contudo, para banhos eletrolíticos de baixa eficiência, os principais constituintes são 25 g/l de CuCN, 40 g/l de NaCN e 10 g/l de Na2CO3. Os banhos normalmente operam a uma gama de temperatura de 30 a 50ºC, pH superior a 9,0 e uma densidade de corrente de 3,0 A/dm2. O carbo-nato de sódio, adicionado ao banho, permite diminuir a eficiência dos banhos, aumentando a condutividade elétrica e produzindo um efeito tampão no banho.

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O excesso de carbonato é removido pela adição de carboneto de cálcio (CaC2) formando-se o carbonato de cálcio.Os designados banhos eletrolíticos de alta eficiência consistem em soluções mais concentradas de cianeto de cobre, operando a temperaturas mais elevadas, cerca de 70ºC, e utilizando elevadas densidades de corrente na gama dos 3 a 10 A/dm2. Uma composição típica destes banhos é de 30 g/l de CuCN, 35 g/l de NaCN, 35 g/l de Na2CO3 e de 45 g/l de sal de Rochelle. Estes banhos cianetados apresentam algumas vantagens, nomeadamente:• São simples de operar e relativamente baratos;• Quer os metais ferrosos quer os não ferrosos podem ser revestidos com

depósitos de cobre;• Elevadas eficiências de corrente são obtidos;• A quantidade de cobre depositada por A/h é elevada.

Os banhos ácidos de cobre permitem obter filmes espessos por aplicação de uma densidade de correntes muito elevadas, sendo a solução composta essencialmente por sulfato de cobre (CuSO4) e ácido sulfúrico (H2SO4). Contudo, devido à acidez do banho, não é possível depositar cobre sobre aços e materiais ferrosos. Estes banhos apresentam uma desvantagem comparativamente aos banhos de cianeto, a qual consiste na necessidade de proceder a uma limpeza meticulosa dos materiais de base, previamente à formação de filmes de cobre, dado que os banhos ácidos não possuem propriedades de detergente. A composição usual deste tipo de banhos consiste em 160 a 220 g/l de CuSO4.5H2O e 50 a 75 g/l de H2SO4. As condições operativas situam-se numa temperatura de 45ºc, pH a variar entre 1,0 e 2,0 e uma densidade de corrente entre 1,0 e 6,0 A/dm2. A adição de agentes abrilhantadores é uma prática comum nestes processos, nomeadamente a adição de gelatina, tioureia, glicerol e ácido-2,6-naftaleno. Os mecanismos de atuação destes aditivos não se encontram totalmente com-preendidos, mas alguns aditivos originam processos de adsorção e formação de iões complexos.

2.5 estanho

A deposição de filmes de estanho é um processo que apresenta várias vanta-gens para uma variedade de aplicações, especialmente na indústria alimentar, por causa da não toxicidade do metal, bem como a sua excelente resistência aos alcalís e detergentes. Os revestimentos de estanho em zonas passíveis de ocorrer soldadura são altamente vantajosas. A principal aplicação dos processos eletrolíticos de estanhagem consiste na produção em série de chapas de aço

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estanhado. Numerosos instrumentos e artigos domésticos também são revestidos com estanho. A sua aplicação no fabrico de componentes eletrónicos tem vindo a aumentar nos últimos anos.Os principais banhos eletrolíticos de estanho são os alcalinos, os ácidos e os de fluoborato. Quanto aos banhos alcalinos de sódio consistem numa mistura de estanhato de sódio e hidróxido de sódio. A maioria do estanho está presente no banho sob a forma de um anião complexo de estanhato. Uma composição satisfatória do banho consiste em ter uma mistura de 80 g/l de Na2SNO4.3H2O e de 12 g/l de NaOH. As condições operativas são de 60 a 80ºC, pH superior a 10,0 e uma densidade de corrente de 2,0 A/dm2.A libertação de vapores alcalinos para a atmosfera circundante é reduzida atra-vés da adição de pequenas quantidades de óleo de sódio. Esta adição resulta na formação de um “foam” à superfície do banho. A presença de impurezas no banho eletrolítico, como por exemplo chumbo, arsénio e antimónio resulta na formação de depósitos escuros. A maioria destas impurezas são grandemente advenientes da dissolução dos ânodos.As vantagens dos banhos alcalinos de potássio residem no aumento da condu-tividade da solução, aumento de eficiência catódica e na redução da formação de materiais suspensos no seio do banho. A composição típica deste tipo de banhos eletrolíticos consiste em adicionar 190 a 200 g/l de KSnO3.3H2O e 100 g/l de KOH. As condições operativas são de uma temperatura de 90ºC, pH superior a 10 e uma densidade de corrente de 16,0 A/dm2. Estes banhos alcalinos apresentam as seguintes vantagens:• O processo de limpeza dos materiais base não necessita ser muito rigoroso,

porque o próprio eletrólito atua como agente de limpeza;• Apresentam excelentes eficiências de corrente;• Os eletrólitos são praticamente não corrosivos;• Os custos do banho são relativamente baixos;• Não é crucial efetuar o controlo da composição dos banhos.

Os banhos ácidos de sulfato consistem numa mistura de estanho e ácido sulfúrico juntamente com vários agentes aditivos. Os agentes aditivos são essenciais para produzir depósitos cristalinos e aderentes. Um banho muito utilizado a nível mundial contém 60 g/l de sulfato de estanho, 60 g/l de ácido sulfúrico, 100 g/l de ácido fenolsulfónico, 2 g/l de gelatina e 1 g/l de B-naftol. As condições operativas são de uma temperatura a variar entre os 20 e 25ºC, pH de 1,5 a 3,0 e uma densidade de corrente entre 1,0 e 2,0 A/dm2.

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2.6 latão

A eletrodeposição do latão é atualmente um processo industrial muito importante sendo considerado como a primeira liga metálica eletrodepositada. O latão é uma liga contendo aproximadamente 70% de cobre e 30% de zinco. A depo-sição eletrolítica do latão é utilizada para fins decorativos sobre peças/artigos à base de aço. Contudo, a proteção contra a corrosão dos filmes metálicos é muito elevada, pelo que os depósitos possuem caraterísticas impróprias para uso em exteriores. Os banhos cianetados de latão contêm cobre e zinco sob a forma de cianetos, sendo os teores dos dois metais em proporções idênticas às existentes na liga metálica. Um banho típico contém cerca de 30 g/l de CuCN, 12 g/l de Zn(CN)2 e 45 g/l de cianeto total. As condições operativas do processo de eletrodepo-sição consistem numa temperatura a variar entre os 25 a 35ºC, pH entre 10,3 e 11,0 e uma densidade de corrente de 1,0 A/dm2.O controlo do pH é efetuado através da adição de hidróxido de sódio e bicar-bonato de sódio. A adição de hidróxido de sódio aumenta o pH, enquanto que, o bicarbonato produz um abaixamento do pH. O carbonato de sódio também é adicionado, produzindo um efeito tampão ao banho.O aumento da concentração dos constituintes dos banhos eletrolíticos de latão, bem como o aumento de pH, aumenta a eficiência da corrente e as densidades de corrente operativas. Estes banhos rápidos têm a particularidade de diminuir o teor de cianeto livre e, consequentemente, aumenta a velocidade de deposição. Os banhos usados na deposição rápida do latão têm uma composição aproximada de 54 g/l de Zn(CN)2, 21 g/l de Cu(CN)2, 20 g/l de Na2CO3 e de 4 a 8 g/l de cianeto livre. As condições operativas destes banhos são uma temperatura a variar entre 55 e 60ºC, pH entre 12,6 e 12,8 e uma densidade de corrente de 2,0 A/dm2.O latão também pode ser depositado a partir dos banhos de pirofosfato, os quais têm a seguinte composição: 120 g/l de ZnCN, 10 g/l de CuCN e 80 g/l de K3P2O

4.10H2O. As condições operativas são uma temperatura de 60ºC, pH superior a 10,0 e uma densidade de corrente de 4,0 A/dm2.

2.7 ouro

A deposição de ouro (Au) é um processo usado há muitos anos por causa da sua aparência atrativa e resistência completa à alteração da cor dos filmes, além da ausência de fenómenos de corrosão, mesmo para elevadas temperaturas. No campo da ourivesaria é usado ouro puro (24 quilates), mas variadas cores podem ser obtidas através da deposição de ligas de ouro, contendo pequenas quantidades de metais (e.g. Cu, Ag e Cd).

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Nestes processos de eletrodeposição, os materiais base são submetidos a um pré-tratamento, nomeadamente operações de limpeza, para obter depósitos aderentes. O ouro pode ser diretamente depositado sobre latão e cobre, mas é preferível depositar primeiro uma subcamada de níquel e depois então proceder à eletrodeposição de filmes de ouro.A imersão das peças (já com a subcamada de níquel depositada) numa solu-ção alcalina ou ácida deve anteceder à deposição do ouro. O objetivo desta operação consiste em promover a adesão dos processos de ouro, eliminando, assim, a possibilidade de se formarem filmes de imersão à base de metais me-nos nobres. Os banhos cianetados ácidos para a operação de imersão operam numa gama de pH compreendida entre 3,0 a 7,0 e a temperatura na gama dos 30 a 60ºC, sendo o teor de ouro no banho de apenas 0,5 a 4,0 g/l. Os banhos cianetados básicos para imersão operam num intervalo de pH de 8,0 a 13,0 e a temperaturas na gama dos 40 a 60ºC, a valores de potencial dos 3,0 a 8,0 V. Os ânodos nos banhos de imersão são geralmente de aço inoxidável.Os banhos alcalinos de deposição de revestimentos de ouro são compostos à base de cianetos de sódio ou de potássio e ouro. Diversos banhos têm sido preparados ao longo dos tempos e, mesmo atualmente, a investigação prossegue com o intuito de obter filmes de maior resistência e eficiência da corrente. Contudo, uma com-posição típica destes banhos eletrolíticos consiste em adicionar 6 g/l de KAu(CN)2, 30 g/l de KCN, 20 g/l de K2CO3 e 30 g/l de Na2HPO3.12H2O. Quanto às condições operativas consistem numa variação de temperatura entre os 50 e os 70ºC, pH entre 9,0 e 13,0 e densidade de corrente a variar entre os 0,1 e os 0,5 A/dm2.A deposição de ouro é um exemplo típico onde os cianetos têm sido substituídos em dimensão industrial. Os banhos alcalinos de sulfito, os quais também podem conter fosfatos, citratos e agentes quelantes, têm aumentado consideravelmente o seu uso nos anos mais recentes, quer para formar filmes de ouro quer para for-mas ligas metálicas de ouro (e.g. ligas de cobre, cádmio, níquel ou cobalto). Uma composição típica destes banhos eletrolíticos consiste em ter uma mistura química de 0,051 g/l de sulfito de ouro, 0,039 g/l de complexo de cobre, 0,051 g/l de etileno-diamina, 0,055 g/l de EDTA.Na2H2.2H2O e 0,25 g/l de sulfito amoniacal. As condições operativas consistem numa variação de temperatura entre os 30 e os 40ºC, pH entre 3,2 e 4,0 e uma densidade de corrente inferior a 1,0 A/dm2.Os banhos neutros também muito importantes para a deposição eletrolítica do ouro. Contendo essencialmente cianetos complexos, estes banhos também contêm fosfatos, quelantes e agentes abrilhantadores, mas são isentos de cianetos livres, permitindo que o pH estabilize na gama de 6,0 a 8,0. Um banho típico contém uma composição de 6 g/l de cianeto de ouro e potássio, 15 g/l de fosfato de sódio, 20 g/l de fosfato de potássio e 1,0 g/l de cianeto de níquel e potássio.

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As condições operativas são uma gama de temperatura entre os 65 a 75ºC, ph entre 6,3 e 7,5 e uma densidade de corrente de 0,5 A/dm2.Os banhos ácidos são compostos de cianeto de ouro e de potássio, os quais sofrem decomposição na gama de ph utilizada (e.g. 3,0 a 6,0), ácidos orgânicos fracos, fosfatos e quelantes, servindo estes para aumentar a condutividade do banho, melhorar a eficiência do processo e, também, para atuarem como inibi-dores, sempre que necessário. Depósitos muito brilhantes e de baixa porosidade são obtidos com estes banhos. Na produção de circuitos impressos, o banho ácido contém citratos, sendo a com-posição base de 25 a 45 g/l de cianeto de ouro e prata e 25 a 50 g/l de citrato de amónia. As condições operativas do banho consistem numa temperatura variável de 30 a 40ºC, ph entre 3,0 e 6,0 e uma densidade de corrente de 1,0 A/dm2.

2.8 prata

Desde 1840 que a deposição de prata (Sousa et al., 1999) a partir de banhos cianetados, é uma realidade- todos os banhos de prata contêm compostos com-plexos de cianeto. Uma composição típica destes banhos consiste em ter uma mistura química de 40 g/l de cianeto de prata, 55 g/l de cianeto de potássio e 35 g/l de carbonato de potássio.Como o cianeto de prata (AgCN) é insolúvel em água tem de ser dissolvido em solução de cianeto de potássio, originando a formação de um sal duplo de prata (e.g. KAg(CN)2). Existe uma enorme variedade de aditivos, nomeada-mente sulfato de potássio, carbonato de potássio, nitrato de potássio, cloreto de potássio. Hidróxido de amónia, glicerina, hidróxido de sódio, dissolfito de carbono, ureia, tiocianato de potássio, tiosemicarbazida e selénio.

3. IDENTIFICAÇÃo E AVALIAÇÃo DoS rISCoS

Devido á complexidade dos processos de eletrodeposição existe uma vasta panóplia de riscos subjacentes ao processo. Estes podem ser de natureza mecânica, elétrica, físicos, químicos, biológicos, psicossociais, incêndios e limpeza como ilustra o Quadro 1. Também é difícil prever qual a tipologia de riscos associados numa determinada linha de montagem, quer se trate de processos manuais quer automatizados.Embora o objetivo da avaliação de riscos inclua a prevenção de riscos profis-sionais, na prática isto nem sempre se consegue. No caso de não ser possível eliminar o risco, deverá o mesmo ser reduzido e controlado. Numa fase pos-terior, como parte de um programa de revisão, estes riscos residuais serão de novo avaliados e será equacionada a possibilidade de reduzir ainda mais esses riscos, eventualmente à luz do avanço cientifico-tecnológico.

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Quadro 1: Código de riscos segundo a Organização Mundial de Trabalho (OIT).

A avaliação de riscos deve ser estruturada e realizada de forma a ajudar os empregadores e os trabalhadores ou as pessoas que controlam os riscos asso-ciados aos postos de trabalho a:• Identificar os perigos que ocorrem no trabalho e avaliar os riscos a eles

associados por forma a determinar que medidas ser implementadas para pro-teger a saúde e a segurança dos trabalhadores e de outros, tendo em devida consideração os requisitos normativos e legislativos;

• Avaliar os riscos para melhor poder selecionar os equipamentos de trabalho, as substâncias ou misturas químicas utilizadas, a conceção do local de tra-balho e a organização do trabalho;

• Verificar se as medidas implementadas são adequadas;• Estabelecer prioridades de ação no caso de, em resultado da avaliação, se

tornarem necessárias outras medidas;• Provar a si próprios, às autoridades competentes, aos trabalhadores e seus

representantes que todos os fatores pertinentes para o trabalho foram tidos em consideração e que foi um julgamento correto e válido dos riscos e das medidas necessárias para proteger a segurança e a saúde;

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• Assegurar que as medidas de prevenção e os métodos de trabalho e produção considerados necessários e aplicados na sequência de uma avaliação de riscos aumentam o nível de produção estipulado para os trabalhadores relativamente à sua segurança e saúde.

Tal como atrás referido, uma avaliação de riscos no trabalho deve ser revista periodicamente ou sempre que se introduza no local de trabalho uma alteração suscetível de ter efeitos sobre a perceção de risco, como por exemplo um novo processo produtivo, novos equipamentos ou materiais (físicos e químicos), mudanças na organização do trabalho, novas situações de trabalho, incluindo novas oficinas ou novas instalações.A entidade patronal tem a obrigação de assegurar a segurança e a saúde de todos os trabalhadores em todos os locais de trabalho e relativamente a todos os aspetos relacionados com o trabalho. O objetivo de realizar uma avaliação de riscos e colocar o empregador em posição de tomar eficazmente as medidas necessárias para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores. Tais medidas incluem:• Prevenir os riscos profissionais;• Informar os trabalhadores;• Facultar informação e formação aos trabalhadores;• Organizar a criação de meios para aplicar as medidas necessárias a uma correta

identificação dos riscos profissionais e respetivas medidas a implementar.

Sempre que se proceda à avaliação de riscos e sua subsequente eliminação ou aplicação de medidas de controlo dos mesmos, é essencial que os riscos não sejam transferidos, i.e., ao resolver um problema não se deve criar outro.Uma avaliação de riscos consiste num exame sistemático de todos os aspetos do trabalho com vista a apurar o que poderá provocar danos, se é ou não pos-sível eliminar os perigos e, no caso negativo, que medidas preventivas ou de proteção podem ser tomados para controlar os riscos.O processo de avaliação de riscos deve ser realizado com consulta e/ou parti-cipação de todos os que estão ligados ao local de trabalho (e.g. empregadores, trabalhadores e/ou respetivos representantes). Uma correta avaliação de riscos inclui as seguintes etapas:• Identificação de perigos;• Identificação de trabalhadores potencialmente expostos a riscos derivados

destes perigos;• Estimativa dos riscos em causa, pode ser qualitativa ou quantitativa;• Estudar a possibilidade de eliminar os riscos;• Verificar se é necessário tomar medidas para prevenir ou reduzir o risco;• Avaliar os riscos de todos os postos de trabalho.

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Não existem regras fixas sobre a forma como a avaliação de riscos deve ser efetuada. No entanto, dois princípios devem ser sempre considerados quando se pretende fazer uma avaliação:• Estruturar a operação de modo a que sejam abordados todos os perigos e ris-

cos relevantes (e.g. não esquecer determinados trabalhos que podem ser feitos das horas de trabalho “normais” como, por exemplo, trabalhos de limpeza ou atividades de departamentos auxiliares, tais como compactação de lixo);

• Ao identificar um risco deve-se começar por perguntar se o risco pode ser eliminado, i.e. aquilo que o provoca é realmente necessário?

3.1 arMazenaGeM de substânCias periGosas

A especificidade do processo produtivo nos processos de eletrodeposição im-plica a existência, em alguns casos, de grandes quantidades de substâncias ou preparados químicos nos locais de trabalho. A concentração destas substâncias obriga ao cumprimento de determinadas regras mínimas de prevenção, esta-belecidas em vários diplomas legais e normas, regras que contribuem para a limitação do risco provocado, quer pela sua utilização e manuseamento, quer pela possibilidade de libertação de substâncias voláteis perigosas.Para assegurar que as propriedades perigosas das substâncias utilizadas na eletro-deposição não causam danos humanos ou danos materiais, deve ter-se especial atenção com a sua armazenagem e com os procedimentos a adotar na sua utilização.Em termos gerais, a armazenagem de produtos químicos e inflamáveis deverá ser feito em compartimentos hermeticamente fechados, ventilados, devidamente sina-lizados e fora do local de trabalho. Estes compartimentos deverão ser estanques, respeitando sempre as incompatibilidades dos produtos armazenados. Todos os produtos químicos deverão estar, quer na armazenagem quer nas seções, em tinas de retenção, devidamente identificados e com a simbologia de perigo, contendo cada tina de retenção apenas um produto. Nos locais de armazenagem e utilização destes produtos deverá existir um dossier organizado com as fichas de dados de segurança de todas as substâncias ou preparados químicos e/ou substâncias perigosas.A manipulação destes produtos deverá ser limitado a, apenas, aqueles trabalha-dores devidamente informados e formados sobre as caraterísticas dos produtos, os seus riscos e as medidas de prevenção a adotar para evitar esses riscos, para além de serem devidamente informados sobre os cuidados de higiene a observar, após o manuseamento destas substâncias.A sinalética de segurança indicadas no Quadro 2 e as frases de risco mencionadas no Quadro 3, devem ser conhecidas de todos os trabalhadores que manipulam substâncias ou preparados químicos, quer durante o processo de armazenagem quer durante o processo produtivo, em conformidade com o estipulado no

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Decreto-Lei n.º98/2010, que entre outros aspetos, estabelece o regime a que obedece a classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas para a saúde humana ou para o ambiente, com vista à sua colocação no mercado, garantindo a aplicação, na ordem jurídica interna, da Diretiva n.º 67/548/CEE, do Conselho, de 27 de Junho, na sua atual redação, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas. No seu artigo 21.º é estabelecida a revogação da seguinte legislação:a) O Decreto-Lei n.º 82/95, de 22 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-

M/2003, de 14 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 260/2003, de 21 de Outubro;b) A Portaria n.º 732-A/96, de 11 de Dezembro, alterada pelos Decretos-Leis

n.os 330-A/98, de 2 de Novembro, 209/99, de 11 de Junho, 195-A/2000, de 22 de Agosto, 222/2001, de 8 de Agosto, 54-A/2002, de 11 de Junho, 72-M/2003, de 14 de Abril, e 27-A/2006, de 10 de fevereiro;

c) A Portaria n.º 431/96, de 2 de Setembro.

Quadro 2: Símbolos e indicações de perigo das substâncias e misturas perigosas (Anexo I – Decreto-Lei n.º98/2010).

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R01 — Explosivo no estado seco.R02 — Risco de explosão por choque, fricção, fogo

ou outras fontes de ignição.R03 — Grande risco de explosão por choque, fricção,

fogo ou outras fontes de ignição.R04 — forma compostos metálicos explosivos

muito sensíveis.R05 — Perigo de explosão sob a ação do calor.R06 — Perigo de explosão com ou sem contacto

com o ar.R07 — Pode provocar incêndio.R08 — Favorece a inflamação de matérias com-

bustíveis.R09 — Pode explodir quando misturado com matérias

combustíveis.R10 — Inflamável.R11 — Facilmente inflamável.R12 — Extremamente inflamável.R14 — Reage violentamente em contacto com a água.R15 — Em contacto com a água liberta gases ex-

tremamente inflamáveis.R16 — Explosivo quando misturado com substâncias

comburentes.R17 — Espontaneamente inflamável ao ar.R18 — Pode formar mistura vapor-ar explosiva/

inflamável durante a utilização.R19 — Pode formar peróxidos explosivos.R20 — Nocivo por inalação.R21 — Nocivo em contacto com a pele.R22 — Nocivo por ingestão.R23 — Tóxico por inalação.R24 — Tóxico em contacto com a pele.R25 — Tóxico por ingestão.R26 — Muito tóxico por inalação.R27 — Muito tóxico em contacto com a pele.R28 — Muito tóxico por ingestão.R29 — Em contacto com a água liberta gases tóxicos.R30 — Pode-se tornar-se facilmente inflamável

durante o uso.R31 — Em contacto com ácidos liberta gases tóxicos.R32 — Em contacto com ácidos liberta gases muito

tóxicos.R33 — Perigo de efeitos cumulativos.R34 — Provoca queimaduras.

Quadro 3: Frases R – Natureza dos riscos específicos atribuídos às substâncias e misturas perigosas (Anexo II – Decreto-Lei n.º98/2010).

R35 — Provoca queimaduras graves.R36 — Irritante para os olhos.R37 — Irritante para as vias respiratórias.R38 — Irritante para a pele.R39 — Perigos de efeitos irreversíveis muito graves.R40 — Possibilidades de efeitos cancerígenos.R41 — Risco de lesões oculares graves.R42 — Pode causar sensibilização por inalação.R43 — Pode causar sensibilização em contacto

com a pele.R44 — Risco de explosão se aquecido em ambiente

fechado.R45 — Pode causar cancro.R46 — Pode causar alterações genéticas hereditárias.R48 — Riscos de efeitos graves para a saúde em

caso de exposição prolongada.R49 — Pode causar cancro por inalação.R50 — Muito tóxico para os organismos aquáticos.R51 — Tóxico para os organismos aquáticos.R52 — Nocivo para os organismos aquáticos.R53 — Pode causar efeitos nefastos a longo prazo

no ambiente aquático.R54 — Tóxico para a flora.R55 — Tóxico para a fauna.R56 — Tóxico para os organismos do solo.R57 — Tóxico para as abelhas.R58 — Pode causar efeitos nefastos a longo prazo

no ambiente.R59 — Perigoso para a camada de ozono.R60 — Pode comprometer a fertilidade.R61 — Risco durante a gravidez com efeitos adversos

na descendência.R62 — Possíveis riscos de comprometer a fertilidade.R63 — Possíveis riscos durante a gravidez de efeitos

adversos na descendência.R64 — Pode causar danos nas crianças alimentadas

com leite materno.R65 — Nocivo: pode causar danos nos pulmões

se ingerido.R66 — Pode provocar secura da pele ou fissuras,

por exposição repetida.R67 — Pode provocar sonolência e vertigens, por

inalação dos vapores.R68 — Possibilidade de efeitos irreversíveis.

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Combinação das frases rR14/15 — Reage violentamente com a água libertando

gases extremamente inflamáveis.R15/29 — Em contacto com a água liberta gases

tóxicos e extremamente inflamáveis.R20/21 — Nocivo por inalação e em contacto com a pele. R20/22 — Nocivo por inalação e ingestão.R20/21/22 — Nocivo por inalação, em contacto com

a pele e por ingestão.R21/22 — Nocivo em contacto com a pele e por

in- gestão.R23/24 — Tóxico por inalação e em contacto com a pele.R23/25 — Tóxico por inalação e ingestão.R23/24/25 — Tóxico por inalação, em contacto com

a pele e por ingestão.R24/25 — Tóxico em contacto com a pele e por ingestão.R26/27 — Muito tóxico por inalação e em contacto

com a pele.R26/28 — Muito tóxico por inalação e ingestão.R26/27/28 — Muito tóxico por inalação, em contacto

com a pele e por ingestão.R27/28 — Muito tóxico em contacto com a pele e

por ingestão.R36/37 — Irritante para os olhos e vias respiratórias.R36/38 — Irritante para os olhos e pele.R36/37/38 — Irritante para os olhos, vias respira-

tórias e pele.R37/38 — Irritante para as vias respiratórias e pele.R39/23 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis

muito graves por inalação.R39/24 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis

muito graves em contacto com a pele.R39/25 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis

muito graves por ingestão.R39/23/24 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis

muito graves por inalação e em con-tacto com a pele.

R39/23/25 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis muito graves por inalação e ingestão.

R39/24/25 — Tóxico: perigo de efeitos irreversíveis muito graves em contacto com a pele e por ingestão.

R39/23/24/25 — Tóxico: perigo de efeitos irreversí-veis muito graves por inalação, em contacto com a pele e por ingestão.

R39/26 — Muito tóxico: perigo de efeitos irreversíveis muito graves por inalação.

R39/27 — Muito tóxico: perigo de efeitos irreversíveis muito graves em contacto com a pele.

R39/28 — Muito tóxico: perigo de efeitos irreversíveis muito graves por ingestão.

R39/26/27 — Muito tóxico: perigo de efeitos irre-versíveis muito graves por inalação e em contacto com a pele.

R39/26/28 — Muito tóxico: perigo de efeitos irre-versíveis muito graves por inalação e ingestão.

R39/27/28 — Muito tóxico: perigo de efeitos irre-versíveis muito graves em contacto com a pele e por ingestão.

R39/26/27/28 — Muito tóxico: perigo de efeitos irrever-síveis muito graves por inalação, em contacto com a pele e por ingestão.

R42/43 — Pode causar sensibilização por inalação e em contacto com a pele.

R48/20 — Nocivo: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação.

R48/21 — Nocivo: risco de efeitos para a saúde em caso de exposição prolongada em contacto com a pele.

R48/22 — Nocivo: risco de efeitos para a saúde em caso de exposição prolongada por ingestão.

R48/20/21 — Nocivo: risco de efeitos para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação e em contacto com a pele.

R48/20/22 — Nocivo: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação e ingestão.

R48/21/22 — Nocivo: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada em contacto com a pele e por ingestão.

R48/20/21/22 — Nocivo: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição pro-longada por inalação, em contacto com a pele e por ingestão.

R48/23 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação.

R48/24 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada em contacto com a pele.

R48/25 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por ingestão.

R48/23/24 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação e em contacto com a pele.

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R48/23/25 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada por inalação e ingestão.

R48/24/25 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição prolongada em contacto com a pele e por ingestão.

R48/23/24/25 — Tóxico: risco de efeitos graves para a saúde em caso de exposição pro-longada por inalação, em contacto com a pele e por ingestão.

R50/53 — Muito tóxico para os organismos aquáticos, podendo causar efeitos nefastos a longo prazo no ambiente aquático.

R51/53 — Tóxico para os organismos aquáticos, podendo causar efeitos nefastos a longo prazo no ambiente aquático.

R52/53 — Nocivo para os organismos aquáticos, podendo causar efeitos nefastos a longo prazo no ambiente aquático.

R68/20 — Nocivo: possibilidade de efeitos irrever-síveis por inalação.

R68/21 — Nocivo: possibilidade de efeitos irrever-síveis em contacto com a pele.

R68/22 — Nocivo: possibilidade de efeitos irrever-síveis por ingestão.

R68/20/21 — Nocivo: possibilidade de efeitos irreversíveis por inalação e em contacto com a pele.

R68/20/22 — Nocivo: possibilidade de efeitos irreversíveis por inalação e ingestão.

R68/21/22 — Nocivo: possibilidade de efeitos irreversíveis em contacto com a pele e por ingestão.

R68/20/21/22 — Nocivo: possibilidade de efeitos ir- reversíveis por inalação, em contacto com a pele e por ingestão.

As frases S de segurança para as substâncias e preparados perigosos, em con-formidade com a legislação ( Decreto-Lei n.º98/2010), e quadro normativo , estão representadas no Quadro 4. á semelhança das frases R, também estas deverão ser conhecidas de todos os trabalhadores (ou outros) que manipulam substâncias químicas e/ou preparados químicos perigosos.

Quadro 4 – frases S – Conselhos de prudência relativos a substâncias e misturas perigosas (Anexo III – Decreto-Lei n.º98/2010).

S21 — Não fumar durante a utilização.S22 — Não respirar as poeiras.S23 — Não respirar os gases/vapores/fumos/aerossóis

[termo(s) apropriado(s) a indicar pelo produtor].S24 — Evitar o contato com a pele.S25 — Evitar o contato com os olhos.S26 — Em caso de contacto com os olhos, lavar

imediata e abundantemente com água e consultar um especialista.

S27 — Retirar imediatamente todo o vestuário contaminado.

S28 — Após contacto com a pele, lavar imediata e abundantemente com … (produtos adequados a indicar pelo produtor).

S29 — Não deitar os resíduos no esgoto.S30 — Nunca adicionar água a este produto.S33 — Evitar acumulação de cargas eletrostáticas.S35 — Não se desfazer deste produto e do seu

recipiente sem tomar as precauções de segurança devidas.

S36 — Usar vestuário de proteção adequado.

S1 — Guardar fechado à chave.S2 — Manter fora do alcance das crianças.S3 — Guardar em lugar fresco.S4 — Manter fora de qualquer zona de habitação.S5 — Manter sob… (líquido apropriado a especificar

pelo produtor).S6 — Manter sob… (gás inerte a especificar pelo produtor).S7 — Manter o recipiente bem fechado.S8 — Manter o recipiente ao abrigo da humidade.S9 — Manter o recipiente num local bem ventilado.S12 — Não fechar o recipiente hermeticamente.S13 — Manter afastado de alimentos e bebidas,

incluindo os dos animais.S14 — Manter afastado de … (matérias incompatíveis

a indicar pelo produtor).S15 — Manter afastado do calor.S16 — Manter afastado de qualquer chama ou fonte

de ignição não fumar.S17 — Manter afastado de matérias combustíveis.S18 — Manipular e abrir o recipiente com prudência.S20 — Não comer nem beber durante a utilização.

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S50 — Não misturar com … (a especificar pelo produtor).S51 — Utilizar somente em locais bem ventilados.S52 — Não utilizar em grandes superfícies nos

locais habitados.S53 — Evitar a exposição obter instruções específicas

antes da utilização.S56 — Eliminar este produto e o seu recipiente,

enviando-os para local autorizado para a recolha de resíduos perigosos ou especiais.

S57 — Utilizar um recipiente adequado para evitar a contaminação do ambiente.

S59 — Solicitar ao produtor/fornecedor informações relativas à sua recuperação/reciclagem.

S60 — Este produto e o seu recipiente devem ser eliminados como resíduos perigosos.

S61 — Evitar a libertação para o ambiente. Obter instruções específicas/fichas de segurança.

S62 — Em caso de ingestão, não provocar o vómi-to. Consultar imediatamente um médico e mostrar-lhe a embalagem ou o rótulo.

S63 — Em caso de inalação acidental, remover a vítima da zona contaminada e mantê-la em repouso.

S64 — Em caso de ingestão, lavar repetidamente a boca com água (apenas se a vítima estiver consciente).

S37 — Usar luvas adequadas.S38 — Em caso de ventilação insuficiente, usar

equipamento respiratório adequado.S39 — Usar um equipamento protetor para os olhos/face.S40 — Para limpeza do chão e objetos contaminados

por este produto, utilizar… (a especificar pelo produtor).

S41 — Em caso de incêndio e ou explosão não respirar os fumos.

S42 — Durante as fumigações/pulverizações usar equipamento respiratório adequado [termo(s) adequado(s) a indicar pelo produtor].

S43 — Em caso de incêndio, utilizar… (meios de extinção a especificar pelo produtor. Se a água aumentar os riscos, acrescentar «Nunca utilizar água»).

S45 — Em casos de acidente ou de indisposição, consultar imediatamente o médico (se possível mostrar-lhe o rótulo).

S46 — Em caso de ingestão, consultar imediatamente o médico e mostrar-lhe a embalagem ou o rótulo.

S47 — Conservar a uma temperatura que não exceda …°C (a especificar pelo produtor).

S48 — Manter húmido com … (material adequado a especificar pelo produtor).

S49 — Conservar unicamente no recipiente de origem.

Combinação das frases S

S24/25 — Evitar o contato com a pele e os olhos. S27/28 — Em caso de contacto com a pele, retirar

imediatamente toda a roupa contaminada e lavar imediata e abundantemente com … (produto adequado a indicar pelo produtor).

S29/35 — Não deitar os resíduos no esgoto; não eliminar o produto e o seu recipiente sem tomar as precauções de segurança devidas.

S29/56 — Não deitar os resíduos no esgoto, eliminar este produto e o seu recipiente, enviando-os para local autorizado para a recolha de resíduos perigosos ou especiais.

S36/37 — Usar vestuário de proteção e luvas ade- quadas.S36/37/39 — Usar vestuário de proteção, luvas e

equipamento protetor para os olhos/face adequados.

S36/39 — Usar vestuário de proteção e equipamento protetor para os olhos/face adequados.

S37/39 — Usar luvas e equipamento protetor para os olhos/face adequados.

S47/49 — Conservar unicamente no recipiente de origem a temperatura que não exceda …°C (a especificar pelo produtor).

S1/2 — Guardar fechado à chave e fora do alcance das crianças.

S3/7 — Conservar em recipiente bem fechado em lugar fresco.

S3/9/14 — Conservar em lugar fresco e bem ventilado ao abrigo de … (matérias incompatíveis a indicar pelo produtor).

S3/9/14/49 — Conservar unicamente no recipiente de origem, em lugar fresco e bem ventilado ao abrigo de … (matérias incompatíveis a indicar pelo produtor).

S3/9/49 — Conservar unicamente no recipiente de origem, em lugar fresco e bem ventilado.

S3/14 — Conservar em lugar fresco ao abrigo de… (ma-térias incompatíveis a indicar pelo produtor).

S7/8 — Conservar o recipiente bem fechado e ao abrigo da humidade.

S7/9 — Manter o recipiente bem fechado em local bem ventilado.

S7/47 — Manter o recipiente bem fechado e conservar a uma temperatura que não exceda …°C (a especificar pelo produtor).

S20/21 — Não comer, beber ou fumar durante a utilização.

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No Quadro 5 encontra-se uma listagem sumária das principais substâncias químicas utilizadas nos processos de eletrodeposição. A vasta gama de banhos eletrolíticos que atualmente existem no mercado é tarefa impossível identificar todos os riscos e perigos a que os trabalhadores estão expostos, pois numa vasta maioria dos banhos, a composição dos aditivos encontra-se patenteada, sendo desconhecida a sua composição química e níveis de toxicidade. Neste aspeto a NP 1796:2007 transcreve, à semelhança de outros países da União Europeia, valores limite de exposição (VLE) propostos pela American Conference of Governmental industrial Hygienists (ACGIH), na sua edição de 2006. Estes VLE que se apresentam são válidos para cada agente químico e têm por base a informação disponível da experiência industrial, de estudos experimentais em animais e no ser humano e, sempre que possível, das três fontes. No preâmbulo da norma também é salientado que os VLE nunca devem ser utilizados como indicadores de toxicidade nem como linha divisória entre situações perigosas e não perigosas.

Quadro 5: Listagem de algumas substâncias químicas utilizadas nos processos de eletrodeposição.

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3.2 rotulaGeM das substânCias QuíMiCas

Os produtos químicos utilizados nos processos de eletrodeposição podem apresentar-se sob diversas formas, nomeadamente:• Na sua forma pura;• Sob a forma de preparações;• Sob a forma de soluções aquosas.

A presença destas substâncias nos locais de trabalho, a sua utilização e manusea-mento, implica a necessidade de cumprimento de determinadas regras tendentes a minorar os efeitos que, do contato com estes agentes, podem resultar. Esta é uma preocupação constante, quer a nível comunitário quer a nível nacional, pelo que é vasta e ampla a legislação que estabelece regras próprias limitativas de uso, fabricação e comercialização de substâncias perigosas, com o objetivo de salvaguardar a saúde humana.No local de trabalho assume verdadeira importância a armazenagem destes produtos e também a sua rotulagem. Uma rotulagem correta das substâncias e das preparações perigosas utilizadas nos locais de trabalho é um instrumento de informação e formação fundamental para os trabalhadores que com eles lidam das mais diversas formas.O rótulo é concebido a pensar no utilizador e disponibiliza todo um conjunto de informação acessível (ver figura 4), aquando da utilização destes produtos no local de trabalho, nomeadamente:• Nome da substância;• Responsável pela sua colocação no mercado;• Simbologia de perigo e indicação dos perigos que apresenta a utilização da substância;

Figura 4: Rótulo tipo.

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• Frases tipo, indicando riscos particulares que derivam dos perigos que apre-senta o uso da substância (frases R);

• Frases tipo, indicando os conselhos de prudência no uso da substância (frases S).

Os processos de eletrodeposição apresentam vários riscos para o trabalhador e para o ambiente, pelo que o estipulado no Decreto-Lei nº. 441/91, de 14 de novembro, deve ser escrupulosamente cumprido. Todos os princípios gerais de prevenção e subsequente avaliação de riscos devem ser tomados em conside-ração. Com o funcionamento dos serviços de segurança e vigilância da saúde (Decreto-Lei nº. 110/2000, de 10 de agosto) é de esperar uma melhoria signi-ficativa dos riscos a que os trabalhadores estão expostos diariamente nos locais de trabalho. O Anexo IV do Decreto-Lei n.º 98/2010 vem estabelecer, sob a forma de lei, os critérios gerais de classificação e de rotulagem das substân-cias e misturas perigosas, no entanto neste aspeto deve também considerar-se o estabelecido no Regulamento para a classificação, embalagem, rotulagem e fichas de dados de segurança de misturas perigosas, constante do Decreto-Lei n.º 82/2003, de 23 de Abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 63/2008, de 2 de Abril, relativos, respetivamente, às substâncias e às misturas.

4. CoNCLuSÕES

Os processos de eletrodeposição permitem obter filmes e depósitos metálicos com um vasto leque de aplicação no quotidiano dos cidadãos, com particular enfoque para os metais e ligas metálicas de revestimento e passivação. Do que foi exposto anteriormente, a formação de subcamadas e camadas metálicas são obtidas a partir de substâncias ou preparados químicos com elevado grau de perigosidade para os trabalhadores aquando do desempenho das suas tarefas nos locais de trabalho, pelo que os processos de informação e formação é uma ferramenta indispensável. Também todo o processo de identificação e avaliação de riscos profissionais, da responsabilidade da entidade patronal, deve ser tomado em consideração por forma a fomentar uma cultura preventiva dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.No decurso do processo aqui abordado, é necessário conhecer o significado das frases de risco e das frases de segurança associadas a cada substância ou preparado químico, pois podem contribuir para uma melhoria das condições de vida nos locais de trabalho. Quanto ao armazenamento destas substâncias peri-gosas, torna-se necessário conhecer o quadro e legislativo e normativo vigente a nível da União Europeia e nacional. Uma leitura correta do rótulo permite

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uma eficaz abordagem sobre os riscos que uma determinada substância química apresenta para os trabalhadores, contribuindo para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

1) J.P. Sousa et al., “Manual de prevenção dos riscos dos processos de eletro-deposição”, IDICT, 1999.

2) A. Brett e C. Brett, “Electroquímica. Princípios, métodos e aplicações”, Almedina, 1996.

3) Aitio et al., “metals toxicology”, VCH, 1988.4) J. LaDon, “Occupational medicine. A lange medical book”, Prentice – Hall

International, Inc., 1990.5) J. Rossa e J.P. Sousa, “Riscos dos processos de eletrodeposição – parte I”,

submetido à Revista PROELIUM (2012).

leGislação

1) Decreto-Lei n.º 98/2010.

João Paulo Sousa

Professor Associado com Agregação da Academia Militar. Regente das Unidades Curriculares de Química e de Química dos Explosivos. É membro do CINAMIL.

José manuel dos ramos rossa

Chefe do Departamento de Coordenação Escolar e Chefe do Departamento de Ciências Exatas e Naturais da Academia Militar. Tem formação de auditor in-terno nas normas ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001 (NP 4397), de 2002 a 2006 foi o gestor do processo de realização – Produção Cartográfica e de 2006 a 2010 foi o gestor do processo de direção – Planeamento Estratégico, do Sistema Integrado de Gestão da Qualidade, Ambiente e Segurança e Saúde no Trabalho do Instituto Geográfico do Exército.

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exPosição A AGentes químiCos no trAbAlho

João Sousa ab1 a Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244 Lisboa, Portugal.b Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

Dangerous chemical agents (DCA) exposure is an impending hazard to workers’ health and a severe environmental risk. National and European directives aim to promote a secure and healthy working environment to all workers exposed to oc-cupational risks and, consequently, to support safer and healthier customs. In the current paper a review on National and European legislation on exposure to DCA is presented. The general principles to prevent occupational hazards and subsequent instruments to promote a safety culture on the DCA exposed workers are outlined.Key words: Dangerous chemical agents (DCA), legislation, safety and health at work (SHW)

rESumo

A exposição a agentes químicos perigosos (AQP) constitui um perigo iminente para a saúde dos trabalhadores expostos a este risco bem como possível aten-tado para o meio ambiente. A existência de directrizes europeias e nacionais constituí uma mais valia para a promoção da segurança e saúde dos trabalha-dores que estão expostos a riscos profissionais e, consequentemente, promover uma cultura da vigilância da saúde. Neste artigo é efectuada uma revisão do quadro legislativo e normativo europeu e nacional sobre os riscos de exposição a AQP e procedeu-se a uma sistematização dos princípios gerais de prevenção de riscos profissionais e consequentes medidas para promover a vigilância da saúde dos trabalhadores contra os riscos de exposição a AQP.

1 Contactos: Email – [email protected], Tel. - +351 213 611 500Recebido em 08 de Janeiro de 2013 / Aceite em 12 de Março de 2013

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Palavras chave: Agentes químicos perigosos (APQ), legislação, segurança e saúde no trabalho (SST).

1. INTroDuÇÃo

A Directiva n.º 98/24/CE, do Conselho, relativa à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos no trabalho, tem como base jurídica a artigo 137º do Tratado da União Europeia e, nesta vertente, estabelece requisitos mínimos de saúde e segurança, que os Estados-membros devem implementar, sem prejuízo da sua faculdade de adoptarem legislação mais rigorosa sobre esta temática. Esta Directiva prevê: i) métodos de medição e avaliação das concentrações na atmosfera do local de trabalho no que se refere aos valores limite de exposição (VLE) profissional, nos termos da Di-rectiva nº. 2000/39/CE; ii) avaliação de riscos; iii) princípios gerais de prevenção; iv)medidas específicas de protecção e de prevenção; v) medidas de vigilância da saúde dos trabalhadores expostos ao chumbo e aos seus compostos iónicos.De acordo com o estipulado na Directiva n.º 98/24/CE, entende-se por agente químico qualquer elemento ou composto químico, só ou em misturas, quer se apresente no seu estado natural quer seja produzido, utilizado ou libertado, in-clusivamente libertado como resíduo, por uma actividade laboral, quer seja ou não produzido intencionalmente ou comercializado. É frequente considerar-se que os agentes químicos e, consequentemente, os riscos a eles associados, são utilizados exclusivamente nas indústrias químicas e afins, tais como a farma-cêutica ou a do petróleo, que são aquelas que basicamente fabricam os agentes químicos. Trata-se pois de uma ideia errónea, já que actualmente a utilização de agentes químicos é praticamente universal não só no mundo do trabalho, mas também em actividades domésticas, educativas (e.g. laboratórios de química) e recreativas, sob a forma de produtos de limpeza, adesivos, produtos cosmé-ticos entre outros. Por estes motivos, os riscos ligados à utilização de agentes químicos podem encontrar-se num vasto número de postos de trabalho, tanto na indústria como na agricultura ou, até mesmo, nos serviços.Alguma actividades que não são propriamente “químicas”, registaram nas últi-mas décadas um aumento significativo na utilização de agentes químicos (ACT, 2009), nomeadamente nos seguintes sectores:• a construção e as suas actividades complementares (e.g. carpintaria, pintura,

instalações de água, gás e electricidade);• a limpeza profissional, especialmente em meios industriais e em certos ser-

viços onde a qualidade da limpeza é crucial (e.g. hospitais);• os hospitais onde se utiliza uma grande variedade de agentes químicos (e.g.

anastésicos, esterilizantes e citostáticos);

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• a indústria de tratamento de resíduos, onde muito frequentemente os próprios resíduos são ou podem conter agentes químicos e onde, além do mais, estes são utilizados e incorporados voluntariamente no processo afim de obter os resultados pretendidos;

• a agricultura, especialmente a intensiva, onde é muito frequente a combinação do uso de espaços de cultivo fechados ou estufas e a utilização em grande escala de diversos tipos de agentes químicos (e.g. pesticidas).

Também os agentes químicos estão presentes num vasto conjunto de actividades “não químicas”, como é o caso da indústria metalomecânica, oficinas mecâni-cas, tipografias, indústria bélica, drogarias, laboratórios de análises, restauro, cabeleireiros e laboratórios de investigação e desenvolvimento tecnológico.Por agente químico perigoso (AQP) entende-se qualquer substância perigosa de acordo com os critérios constantes do anexo VI da Directiva nº. 67/548/ CEE, quer a substância esteja ou não classificada ao abrigo desta Directiva, e que não faça parte das substâncias que só preenchem os critérios que as classificam como perigosa para o ambiente. É importante salientar que não são só as pro-priedades toxicológicas ou físico-químicas dos agentes químicos que conduzem à sua classificação como perigoso para efeitos desta Directiva. Na realidade, a temperatura ou a pressão a que o agente se encontre, a sua capacidade para deslocar o oxigénio (O2) ou a forma física em que é utilizado ou manipulado constituem igualmente características de perigosidade.Por perigo entende-se como sendo uma propriedade intrínseca de um agente químico com potencial para provocar danos. Enquanto que por risco entende-se a possibilidade de que o potencial para provocar danos se realiza nas condições de utilização e/ou exposição.Os agentes químicos podem causar danos no organismo humano quer direta-mente quer gerando alguma forma de energia que possa ter um efeito preju-dicial para a saúde humana. Para que um agente químico possa causar danos diretamente no organismo humano é condição necessária (mas não suficiente) que as suas moléculas entrem em contacto com alguma parte do corpo. O dano pode manifestar-se de forma rápida ou mesmo imediata após o contacto (e.g. efeito agudo), ou revelar-se a longo prazo, normalmente na sequência de uma exposição repetida ao longo do tempo (e.g. efeito crónico).Em matéria de transporte de mercadorias perigosas (MP), devem existir instruções técnicas para o transporte sem risco de MP por via aérea de acordo com o preco-nizado pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), código marítimo internacional de MP. Transporte por via fluvial de acordo com o preconizado pelas recomendações sobre o transporte internacional de mercadorias perigosas por via navegável. Também no que concerne a MP é necessário tomar em consideração o acordo europeu relativo ao transporte internacional por estradas e o regulamento relativo ao transporte ferroviário internacional de mercadorias perigosas (RID).

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2. IDENTIFICAÇÃo E AVALIAÇÃo DoS rISCoS

Os agentes químicos presentes no local de trabalho podem originar riscos para a saúde ou a segurança dos trabalhadores por diversos factores, nomeadamente:• as propriedades perigosas (físico-químicas ou toxicológicas) que possuem

(e.g. compostos explosivos ou sensibilizantes);• a temperatura ou a pressão a que se encontram no local de trabalho (e.g.

vapor de água a 150ºC);• a sua capacidade para deslocar o oxigénio atmosférico no local de trabalho

(e.g. gás inerte a alta pressão);• a forma em que estão presentes no local de trabalho (e.g. sólido inerte em

forma de pó respirável);• informação sobre as propriedades perigosas dos agentes químicos presentes

nos locais de trabalho, através de informação obtida pelo rótulo, fichas de dados de segurança, VLE profissional e índices biológicos de exposição (IBE), recomendações da Comissão Europeia relativas aos resultados da avaliação de risco e à estratégia de limitação do risco para as substâncias e, finalmente, outras fontes de informação.

Com o objectivo de assegurar o controlo total dos riscos para a saúde das pessoas, a Directiva n.º 98/24/CE estabelece para a entidade empregadora a obrigação de determinar a presença de agentes químicos perigosos no local de trabalho, de eliminar e, quando isso não seja possível, de avaliar o risco que deles possam advir.Deve entender-se que os riscos a avaliar no âmbito desta Directiva são os que advêm da existência de agentes químicos perigosos, que podem ser um ou vá-rios indicados a seguir: i) risco de incêndio e/ou explosão; ii) risco decorrente de reacções químicas perigosas que podem afectar a saúde e a segurança dos trabalhadores; iii) risco por inalação; iv) risco por absorção cutânea; v) risco por contacto com a pele ou com os olhos; vi) risco por ingestão e vii) risco por penetração por via parentérica.Um factor de risco a ter em consideração, independentemente da perigosidade intrínseca do agente, é o que decorre da falha das instalações, que pode ser consequência para a saúde e a segurança dos trabalhadores, pelo que convém ter em conta os riscos químicos decorrentes dessas falhas. Por outro lado, os danos causados à saúde podem manifestar-se após um contacto prolongado (e.g. desde alguns minutos até anos) com o AQP ou ao fim de um período relativamente curto ou, até mesmo, instantaneamente. No primeiro caso, falamos de risco por exposição e, no segundo caso, de risco de acidente. Dadas as diferenças

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intrínsecas entre ambas as categorias, não é possível um tratamento único para avaliar os respectivos riscos e, por isso, devem ser tratados separadamente.A avaliação de riscos pode ser efectuada com diferentes graus de profun-didade. Nesse sentido, e como alternativa às avaliações pormenorizadas e complexas, em alguns casos, pode optar-se por metodologias de avaliação de riscos simplificada. Neste tipo de avaliação, deve ter-se em consideração os seguintes aspectos:• as propriedades perigosas dos agentes químicos, em particular a informação

contida na ficha de dados de segurança (que de acordo com a legislação vigente, o fornecedor tem a obrigação de facultar em português) e o VLE profissional ou os IBE fixados por legislação os normas específicas;

• o tipo de exposição (e.g. cutânea, inalatória, etc.);• a duração da exposição;• as condições de trabalho no que se refere aos agentes químicos em causa,

incluindo as quantidades do mesmo;• sempre que disponíveis, as conclusões retiradas dos estudos de vigilância

da saúde.

De um modo geral, a consideração das condições de trabalho deve incluir os resultados das medições ambientais efectuadas no que se refere aos VLE profissionais, sempre que se ultrapassa o VLE fixado de maneira efectiva no território de um Estado-Membro, a entidade empregadora deve agir imedia-tamente, tendo em conta a natureza desse limite, com o intuito de sanar a situação através da adopção de medidas de prevenção e protecção. Em todo o caso, na avaliação da exposição a agentes químicos perigosos por inalação, pode seguir-se a EN 689:1995.A avaliação de riscos derivados da capacidade dos agentes químicos perigosos para produzirem acidentes, nomeadamente incêndios, explosões ou outras reac-ções químicas perigosas, abrange o risco por exposição e o risco de acidente. Para avaliar este tipo de riscos existem metodologias complexas como a HA-ZOP, as árvores de falhas, as árvores de sucessos, entre outras, que por serem de conhecimento e aplicação universais, não vão ser desenvolvidas neste artigo. Estas metodologias devem ser utilizadas sempre que se verifique as conse-quências da concretização do risco podem chegar a ser muito graves, tanto em termos de perdas humanas como materiais ou ambientais, seja no próprio local de trabalho ou fora dele. Para tal, é necesário um conhecimento profundo das instalações. A sua aplicação requer habitualmente a participação de uma equipa de trabalho que garanta o conhecimento profundo de diversas áreas e, finalmente, face à gravidade das possíveis consequências, é habitual a análise no dano máximo que o acidente pode provocar.

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3. PrINCÍPIoS GErAIS DE PrEVENÇÃo

Os princípios de acção preventiva expostos neste artigo são os preconizados no Directiva n.º 89/391/CEE, aplicados às actividades com agentes químicos perigosos. A eliminação do risco associado ao trabalho com um agente quími-co perigoso torna-se efectiva quando esse agente desaparece, sendo por isso desejável a sua substituição por outro agente ou processo que permita eliminar ou reduzir o risco. Quando esta substituição não for tecnicamente possível, há que proceder à redução do risco adoptando medidas de prevenção ou protecção. Normalmente, o resultado da avaliação do risco e a informação que dela se retira permitem determinar com precisão quais são as medidas preventivas a adoptar.Devem aplicar-se os princípios gerais de prevenção sempre que se trabalhar com agentes químicos perigosos, independentemente de, além disso, a avaliação dos riscos indicar a necessidade de aplicar medidas específicas de prevenção. A aplicação destes princípios consiste na integração dos aspectos básicos da prevenção na organização do trabalho e, geralmente, trata-se apenas de aplicar a lógica e o bom-senso à realização dos trabalhos com agentes químicos perigosos. Os princípios de eliminação ou redução dos riscos são os seguintes:• concepção e organização dos sistemas de trabalho no local de trabalho;• fornecimento de equipamentos adequados para trabalhar com agentes quími-

cos, e procedimentos de manutenção que garantam a saúde e a segurança de todos os trabalhadores;

• redução ao mínimo do número de trabalhadores expostos ou que possam vir a estar expostos;

• redução ao mínimo da duração e intensidade da exposição;• medidas de higiene adequadas;• redução das quantidades de agentes químicos presentes no local de trabalho

ao mínimo necessário para o tipo de trabalho em causa;• procedimentos de trabalho adequados, incluindo medidas para o manuseamen-

to, a armazenagem e a transferência, no local de trabalho e em condições de segurança, dos agentes químicos perigosos e dos resíduos que contenham tais agentes.

A concentração ambiental de um agente químico gerado durante o trabalho aumenta continuamente num local não ventilado. Todos os locais de trabalho (e principalmente aqueles onde existem agentes químicos perigosos) devem respeitar os requisitos mínimos de ventilação estabelecidos na Directiva n.º 89/654/CE.A exposição a um agente químico pode ter lugar por contacto com a pele. Regra geral, deve evitar-se o contacto directo do agente químico com a pele e proceder de imediato à sua limpeza, em caso de impregnação acidental. Também a roupa impregnada deve ser substituída de imediatamente, pois proporciona uma superfície de contacto e, consequentemente, de absorção cutânea.

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Os derrames de substâncias líquidas sobre o solo e sobre os equipamentos de trabalho, assim como trapos e papeis impregnados convertem-se em focos secundários de geração de agentes químicos. Assim, deve incentivar-se os tra-balhadores a manterem limpa a sua área de trabalho e a evitarem a acumulação de materiais que contenham agentes químicos perigosos.

4. mEDIDAS DE PrEVENÇÃo E ProTECÇÃo CoNTrA o rISCo QuÍmICo

Se a estratégia global de prevenção por aplicação dos princípios gerais defi-nidos no artigo 5º da Directiva n.º 98/24CE se revelar insuficiente para a re-dução do risco derivado à presença de agentes químicos perigosos, a entidade empregadora deve proceder à aplicação das medidas específicas constantes da Directiva. Ao aplicar estas medidas, a entidade empregadora poderá levar em linha de consideração algumas orientações, nomeadamente aplicar as seguintes medidas: i) ao próprio agente químico; ii) ao processo; iii) ao local de trabalho e iv) ao método de trabalho.Na história da higiene industrial, abundam os exemplos de substituições reali-zadas com êxito. Um exemplo clássico é o da substituição do fósforo branco (material explosivo) por fósforo vermelho no fabrico de fósforos, apesar de ser de assinalar que essa substituição teve lugar para resolver um problema fiscal e não para diminuir os riscos do processo, o que no entanto se conseguiu em grande medida. No campo do desengorduramento, registou-se uma série de substituições bem conhecidas, nomeadamente a da nafta de petróleo para tetracloreto de carbono (também de natureza cancerígena), que posteriormente deu lugar aos hidracarbonetos halogenados, que por sua vez foram substituí-dos pelos fluorados. Por exemplo, num processo onde se pretende substituir o benzeno pelo tolueno, o processo é fechado mas existem possibilidades de exposição na recolha de amostras (e.g. as frases R aplicáveis ao benzeno são: R11, R45, R48/23/24/25 e a as frases R aplicáveis ao tolueno são: R11 e R20). O tolueno (apesar também de ser considerado um agente cancerígeno) seria um substituto para o benzeno, uma vez que em termos de perigosidade, situa-se numa escala inferior.Os equipamentos utilizados no manuseamento e processamento de líquidos pe-rigosos devem apresentar a resistência física e química adequada às solicitações e condições de trabalho requeridas. A concepção dos reactores deve facilitar as operações de recolha das amostras, leitura de instrumentos de medição e operações de carga e de esvaziamento manuais de produtos em condições de segurança. Sempre que possível, devem usar-se sistemas fechados. Para fazer face à eventualidade de falhas (e.g. corte no abastecimento de electricidade,

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falhas em elementos de regulação e controlo do equipamento, etc.) deverão existir os meios de segurança necessários que permitam a sua identificação e conduzam o processo a condições de segurança.Os equipamentos onde se realizem operações em possam ocorrer derrames devem dispor de sistemas de recolha e de drenagem para um local seguro, de forma a facilitar a sua limpeza e minimizar os riscos para o trabalhador e para o ambiente.No que concerne à armazenagem segura de AQP, a entidade empregadora é responsável por garantir a armazenagem em segurança existentes no local de trabalho, quer utilizando um recinto específico exclusivamente destinado à armazenagem quer nas situações em que, por exigência do processo, se re-queira a presença de quantidades de AQP no local de trabalho. O encarregado de armazém ou o responsável da área de processamento onde se acondicionam os AQP deve dispor das informações sobre as propriedades dos AQP trans-mitidos pelo fabricante ou distribuidor dos AQP ou provenientes de qualquer outra fonte e deve comunicar essas informações de forma clara e rigorosa aos trabalhadores a eles expostos. O plano de armazenagem deve permitir conhecer com rapidez e exactidão a natureza dos AQP armazenados, a sua quantidade e localização no armazém, para se poder actuar com prontidão e eficácia em caso de incidente (e.g. fuga, derrame e incêndio). Deve estar permanentemente actualizado mediante um registo documental de entradas e saídas. Do ponto de vista preventivo, a prin-cipal medida é a manutenção dos “stocks” ao nível mais baixo possível. Uma vez aceite e adoptado este princípio, a segurança do armazém exige que sejam aplicadas medidas básicas, nomeadamente: i) localização segura dos armazéns; ii) produtos agrupados em função do risco; iii) fixar e respeitar quantidades má-ximas de produtos químicos armazenados; iv) produtos contidos em recipientes seguros; v) meios para garantir a captação e retenção dos produtos químicos; vi) acessos desimpedidos; vii) vias de evacuação devidamente sinalizadas; viii) garantia de identificação dos produtos; ix) instruções precisas de trabalho e x) procedimentos escritos de actuação em caso de incidentes.

5. ArmAZENAmENTo SEGuro DE AQP

Este procedimento consiste no manuseamento, trasfega, carga ou descarga de AQP em unidades de prevenção. Os equipamentos utilizados devem ser pre-ferencialmente de tipo fixo e indeformável e não de tipo móvel (e.g. embala-gens e tubagens móveis). Os equipamentos móveis para a trasfega, tanto os manuais como os mecânicos, devem ser compatíveis com os possíveis riscos da área envolvente e os materiais de fabrico devem ser compatíveis com os AQP manipulados.

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A politica integrada relativa aos produtos, é uma abordagem que pretende reduzir os efeitos ambientais dos produtos durante o seu ciclo de vida, desde a extracção mineira de matérias primas até a gestão de resíduos, passando pelas fases de produção, distribuição e utilização. Trata-se, em suma, de promover a ideia do ciclo de vida em toda a economia (e.g. incluindo serviços, cuja utilização pode reduzir o consumo de produtos) como parte de todas as decisões relativas aos produtos, juntamente com outros critérios como a funcionalidade, a saúde e a segurança.A análise de riscos gerados em cada fase do ciclo de vida de um produto ultrapassa o âmbito da empresa que o fabrica e consequente local de armaze-namento. O produto final de uma empresa pode ser a matéria prima de outra, devendo ser utilizado de acordo com as indicações facultadas pelo fabricante, e daí a importância do fluxo de informação entre ambas as partes e de uma estreita colaboração no caso de se tratar de utilizadores profissionais.

6. VIGILÂNCIA DA SAÚDE

Para efeitos do Directiva n.º 98/24/CE e, consequentemente neste artigo, en-tende-se por vigilância da saúde o exame de um trabalhador com o objectivo de determinar o seu estado de saúde relacionado com a exposição, no local de trabalho, a agentes químicos específicos.A vigilância da saúde individual consiste na realização de exames e aplicações de procedimentos médicos a cada trabalhador com a finalidade de detectar e avaliar alterações do seu estado de saúde ou proceder à adaptação do posto de trabalho ás suas características pessoais. Essa vigilância pode ser efectuada mediante exames médicos embora estes sejam apenas uma das formas possíveis. Outras formas seriam questionários sobre a saúde, entrevistas, realização de testes antes e depois da exposição a AQP.A esta orientação individual deveria acrescentar-se a orientação colectiva, na qual se procede à recolha, análise e interpretação de dados individuais para serem utilizados na planificação, concepção e avaliação de programas de protecção e promoção da saúde.Entre as obrigações da entidade empregadora em matéria de protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores contra os riscos relacionados com os AQP e de vigilância da saúde, destacam-se os seguintes aspectos:• avaliar os riscos tendo em conta, se disponíveis, as conclusões retiradas de

qualquer vigilância da saúde;• actualizar a avaliação de riscos quando os resultados da vigilância da saúde

demonstrarem a sua necessidade;• rever as medidas previstas para eliminar ou reduzir os riscos tendo em conta

os resultados da vigilância da saúde;

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• decidir, a luz da presente directiva, se é necessário o programa da vigilância da saúde;

• determinar os procedimentos e frequência adequada;• providenciar os recursos materiais e humanos necessários para realizar essa

vigilância;• assegurar a participação e informação adequadas dos trabalhadores e dos

seus representantes;• aplicar as medidas preventivas necessárias de acordo com os resultados obtidos;• avaliar a eficácia das medidas preventivas aplicadas.

Sem prejuízo do disposto na Directiva n.º 89/391/CEE, de disposições espe-cíficas mais rigorosas de âmbito europeu ou nacional e da prática nacional, a entidade empregadora adaptará as medidas necessárias para assegurar a adequada vigilância da saúde dos trabalhadores para os quais os resultados da avaliação contemplada nesta Directiva tenham revelado um risco de saúde, bem como para o chumbo e respectivos compostos iónicos nas condições que vêm espe-cificadas em legislação europeia e nacional.

7. CoNCLuSÕES

A exposição a AQP constitui um risco para a saúde dos trabalhadores bem como para o meio ambiente. Neste artigo procedeu-se a uma revisão da legislação nacional e europeia (e.g. Dectretos-Lei e Directivas) vigentes sobre AQP na perespectiva dos utilizadores e respectiva perigosidade para a saúde de todos aqueles que estão expostos a AQP.Procedeu-se à identificação dos princípios gerais de prevenção contra os riscos de exposição a AQP e respectivas medidas preventivas a adoptar pela entidade empregadora. Também foram enunciados os cuidados a ter durante a manipu-lação e armazenamento de AQP e identificados os princípios básicos a ter em consideração na vigilância da saúde dos trabalhadores.As directrizes da União Europeia e quadro normativo nacional no que concerne à exposição a AQP, constitui uma ferramenta indispensável para fomentar um cultura de prevenção de riscos profissionais em matéria de segurança e saúde no trabalho (SST).

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrAFICAS

1) “Directrizes práticas de carácter não obrigatório sobre a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos no trabalho”, ACT, Lisboa (2009).

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2) Directiva nº. 67/548/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas, JO L 196 de 16 de Agosto de 1967.

3) Directiva 89/654/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro de 1989, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para os locais de trabalho (primeira Directiva especial, na acepção do nº. 1 do artigo 16º. Da Directiva nº. 89/391/CEE), JO L 393 de 30 de Dezembro de 1989.

4) Decreto-Lei n.º 301/2000, de 18 de Novembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 90/394/CEE, do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa à protecção dos trabalhadores contra riscos ligados à exposição a agentes cancerígenos durante o trabalho, JO L 196 de 26 de Julho de 1990.

5) Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/85/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, JO L 348 d 28 de Novembro de 1992.

6) Decreto-Lei n.º 254/2007, de 12 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 96/82/CE, do Conselho, de 9 de Dezembro de 1996, relativa ao controlo dos perigos associados a acidentes graves que envolvam substâncias perigosas, JO L 010 de 14 de Janeiro de 1997.

7) Decreto-Lei n.º 290/2001, de 16 de Novembro e Decreto-Lei n.º 305/2007, de 24 de Agosto, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/39/CE, da Comissão, de 8 de Junho de 2000, relativa ao estabelecimento de uma primeira lista de valores limite de exposição profissional indicativos para a execução da Directiva n.º 98/24/CE, do Conselho, relativa à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à expo-sição a agentes químicos no trabalho, JO L 142 de 16 de Junho de 2000.

8) Decreto-Lei n.º 103/2008, de 24 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 96/37/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados--Membros respeitantes às máquinas, JO L 207 de 23 de Julho de 1998.

9) Decreto-Lei n.º 63/2008, de 2 de Abril, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 1999/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maio de 1999, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à classifi-cação, embalagem e rotulagem das preparações perigosas, JO L 200 de 30 de Julho de1999, adaptada ao progresso técnico pela Directiva n.º 2001/60/CE, da Comissão, de 7 de Agostos de 2001, JO L 226 de 22 de Agosto de 2001.

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10) Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de Julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Março de 2003, que altera a Directiva n.º 83/477/CEE, do Conselho, relativa à protecção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho, JO L 097 de 15 de Abril de 2003.

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Maria João M. Martins ab1

a Departamento Ciências e Tecnologia da Engenharia, Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169-244, Lisboa, Portugal.

b Membro do Centro de Investigação, Desenvolvimento & Inovação da Academia Militar e Exército.

ABSTrACT

In the last decade the paradigm of security and defence has changed, and re-lies increasingly in the application of new technologies to detect, prevent and sustain threats such as terrorists’ attacks using explosive devices, or chemical and biological warfare agents. New developments in ultra-short pulsed lasers (femtosecond pulsed lasers) and cryogenic detectors allow the use of the Te-rahertz band of frequencies, for the spectroscopic detection of poisonous gases which present a characteristic signature in these wavelengths, as well as ima-ging devices with less harmful effects than X-rays and mm waves, currently used in airports.

Key Words: Terahertz band; Spectroscopy; Imaging; Security and Defence.

rESumo

Na última década o paradigma da segurança e defesa foi alterado e depende cada vez mais da aplicação de novas tecnologias para detetar, prever e conter ameaças tais como ataques terroristas usando explosivos ou agentes químicos e biológicos. Novos resultados no desenvolvimento de lasers de impulsos ul-tracurtos (femtosegundos) e detetores criogénicos permitiram o uso da banda de frequências dos Terahertz, que permite a deteção espetroscópica de gases

APliCAções dAs ondAs eletromAGnétiCAs em seGurAnçA e defesA: A bAndA dos terAhertz

1 Contacto: Email – [email protected] (Maria João Martins), Tel. - +351 21 498 56 60Recebido em 22 de Março de 2013 / Aceite em 26 de Abril de 2013

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venenosos, que têm uma assinatura espetral nesta banda de frequências, bem como instrumentos de visualização com menos efeitos nocivos que os detetores de raios X e ondas milimétricas que são usados nos aeroportos. Palavras-Chave: Banda dos Terahertz; Espetroscopia; Imagiologia; Segurança e Defesa.

1. INTroDuÇÃo

Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, que foram antecedidos pelo ataque ao World Trade Center em 1993, representam um ponto de inflexão no aparecimento na cena internacional de um terrorismo com nova tipologia (Leandro, 2004), e suscitaram o recurso a novas estratégias para assegurar a paz, segurança e estabilidade que são apanágio e requisitos mínimos de uma sociedade democrática desenvolvida.Por outro lado também é conhecido que os desafios ligados à segurança estão em evolução constante e influenciam, de forma direta, as políticas internacionais em diversas áreas: transportes, ambiente, energia, telecomunicações e espaço. Acreditamos que os desenvolvimentos tecnológicos devem, neste âmbito, não só traduzir-se em capacidades de combate a ameaças globais tais como o crime organizado, as armas de destruição maciça e os estados falhados, mas também na possibilidade de as prever, contribuindo para a estabilidade da ordem glo-bal por via, nomeadamente, da interoperabilidade dos sistemas de partilha de informação e segurança (Mendes Dias, 2004).Nas aplicações de Defesa, sobretudo em guerra química e bacteriológica (QBRN), tem especial interesse a deteção à distância de agentes químicos e biológicos, gases venenosos e explosivos (Jensen et al., 2008), de modo a ser possível prevenir a ação destes agentes e evitar os seus efeitos, tanto no campo de batalha, como em meio urbano para evitar ameaças terroristas.Muitos gases apresentam riscas de absorção na banda dos Terahertz (THz), embora sejam transparentes na banda do infravermelho e do visível. Esta carac-terística permite a deteção de gases poluentes na atmosfera, por espetroscopia de absorção THz, sensores de gases para a indústria, mas também em aplicações de Defesa em guerra química e bacteriológica (QBRN) (Woolard et al, 1999). Dois desses agentes, o gás mostarda e o gás Sarin, têm uma assinatura espetral bem conhecida na banda dos THz. Para os agentes bacteriológicos sabe-se que o antraz apresenta riscas para frequências superiores a 1THz.Assiste-se assim, a partir da última década, a um interesse muito acentuado nesta banda de frequências.

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2. A BANDA DoS TErAHErTZ

A banda de frequências Terahertz corresponde, no espectro de rádio, a ondas com frequências da ordem de 1012Hz, que se situam entre as bandas das micro--ondas e do infravermelho, (ver figura 1), e estende-se das centenas de GHz às dezenas de THz. Estando o comprimento de onda da radiação e a sua frequência relacionadas pela velocidade de propagação da luz no ar, (c=300.000 km/s), estas frequências correspondem a comprimentos de onda que vão desde a dezena de mícrones 2 a alguns milímetros.

Figura 1: O espetro de radiofrequências em que se evidencia a banda dos Terahertz situada entre a banda das micro-ondas e do infravermelho.

Os fotões na banda dos Terahertz são pouco energéticos não ultrapassando os meV 3, pelo que a sua interação com os meios materiais é fraca. Essas res-sonâncias corresponderão ao espectro vibracional das estruturas moleculares, fonões óticos em meio sólido e pares de Cooper nos supercondutores, o que se traduz na transparência a este tipo de radiação dos dielétricos e semicondutores intrínsecos. Em contrapartida os metais, a essas frequências, comportam-se, como condutores perfeitos apresentando uma condutividade muito elevada. A profundidade de penetração das ondas Terahertz, é praticamente nula nos metais e não ultrapassa a dezena de mícrones noutros meios. Na figura 2 está representada uma imagem da deteção de um objeto me-tálico, neste caso uma faca, escondida em papel de jornal, que é transparente para a radiação THz.

Figura 2: Deteção de armas escondidas usando radiação THz.

2 Um mícron=10-6 m. Um cabelo tem um diâmetro da ordem das dezenas de mícrones.3 O eV é uma unidade de energia. 1 eV corresponde a uma energia de 1,6x10-19 Joule. 1 meV corresponde

a 1,6x10-21 Joule, mil vezes mais pequeno que 1eV.

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A maior parte das moléculas orgânicas têm assinaturas espectrais características na banda dos Terahertz, o que permite efetuar análises da composição química dessas substâncias por análise espetral. Esta característica permite a deteção à distância de substâncias nocivas, que é um campo de interesse para aplicações de Segurança e Defesa (Smith et al., 2011).Outra aplicação importante é a obtenção de imagens por via não invasiva de tumores no domínio do diagnóstico médico, com menos efeitos nocivos que a radiação de raios X. Na figura 3, apresenta-se uma imagem desta aplicação.

Figura 3: Deteção de tumores usando ondas THz.

Poder-se-á perguntar qual a razão do interesse recente nesta banda de fre-quências, se as bandas de frequência superior, correspondentes ao visível e ao infravermelho, já eram conhecidas e utilizadas, desde há muito.Com efeito a radiação no infravermelho tinha sido estudada e utilizada para diversas aplicações, das quais se destacam pela sua importância no domínio da segurança e defesa, a obtenção de imagens na banda de infravermelho e a deteção da radiação térmica, usada em aplicações de visão no escuro. O estu-do da radiação de infravermelho usava lâmpadas de mercúrio como fontes e bolómetros como detetores. A radiação visível, pela sua importância para os seres humanos, desde há muito que é estudada no domínio da ótica.A razão para só recentemente se ter iniciado a investigação na banda dos tera-herz, resulta da inexistência de fontes e detetores capazes de operar nesta banda de frequências. No decorrer da última década, assistiu-se ao desenvolvimento de lasers com impulsos muito curtos da ordem dos femtosegundos (10-15s) (Rullière, C., 1998). Os impulsos provenientes destes lasers dão origem a sinais eletro-magnéticos com duração inferior a alguns pico-segundos (ps), (1 ps=1x10-12 s)

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e portanto com espetros na banda dos Terahertz. Para esse efeito usam-se ou cristais não lineares como ZnTe ou semicondutores, como GaAs, em que os portadores apresentam durações médias de vida da ordem dos picosegundos (Hellicar et al, 2010). Na figura 4 apresenta-se um processo de gerar ondas THz usando um laser de impulsos de femtosegundos.

Figura 4: Geração de ondas THZ usando lasers de femtosegundos.

No início do século XXI, apareceram novas fontes óticas e eletrónicas. Das fontes óticas destacaremos os lasers de cascata quântica, que têm o inconveniente de só poderem operar a temperaturas criogénicas, das fontes eletromagnéticas destacaremos os díodos Schottky, que multiplicam o sinal com alguns Terahertz proveniente de uma fonte convencional de hiperfrequências, e os transistores fET com canais nanométricos. Para a deteção usam-se os supercondutores com arrefecimento criogénico em que os fotões terahertz vão separar os pares de Cooper para darem origem a um gás de eletrões que conduz a um aumento da resistência do dispositivo. Podem usar-se também transístores fET, que permitem a deteção de fotões THz a temperaturas da ordem do Kelvin. Os detetores que funcionam à temperatura ambiente têm grande interesse, mas o seu desenvolvimento tem sido dificultado pela dificuldade de isolar o sinal do ruído ambiente, garantindo a sensibilidade desejada.O limiar de deteção exprime-se em NEP WHz-1/2, o que corresponde à potência equivalente de ruido normalizada à banda espetral.

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3. APLICAÇÕES Em SEGurANÇA E DEFESA

Como se disse anteriormente muitos gases, nomeadamente o gás mostarda e o gás Sarin, apresentam riscas de absorção na banda dos THz, embora sejam transparentes na banda do infravermelho e do visível; dos agentes bacterioló-gicos, o antraz apresenta também uma assinatura para frequências superiores a 1THz, o que releva o interesse desta banda de frequências em aplicações de Defesa em guerra química e bacteriológica (QBRN), permitindo a deteção à distância de gases e agentes químicos e biológicos. No entanto para efetuar a deteção destas substâncias, é necessário iluminar o ambiente com um feixe THz e medir o sinal refletido, o que se torna difícil visto que o ar é fortemente absorvente para essas frequências.A verificação de objetos que apresentem riscas de absorção na banda dos tera-hertz é relativamente fácil e não suscita grandes problemas a curta distância. O papel, o cartão e os tecidos são transparentes para esta radiação. A maior parte dos agentes biológicos têm riscas de absorção nestas frequências e podem portanto ser detetados facilmente. No Japão que foi objeto de ataques por gás Sarin no metro de Tóquio, em 27 e 28 de junho de 1994, as cartas e encomendas postais são todas examinadas por detetores de THz (90GHz) e raios X (Hoshima et al., 2009). A deteção à distância de explosivos, que é essencial para a prevenção de ataques terroristas, apresenta dificuldades porque o ar torna-se menos transpa-rente à medida que a frequência aumenta. A atenuação do sinal no ar devido a este efeito, só permite a deteção à distância de alguns metros. Na figura 5 apresenta-se o espetro do Semtex um explosivo plástico bem conhecido, para várias frequências de deteção, na banda dos Terahertz.

Figura 5: Deteção e identificação do explosivo Semtex, para frequências na banda dos Terahertz.

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Um outro efeito adverso que complica, e em certos casos inviabiliza a dete-ção, tem a ver com a presença de água. Com efeito, as moléculas de água apresentam riscas de absorção muito elevadas a partir dos 500 GHz (Cursio & Petty, 1951): no domínio das transmissões é bem conhecido o facto de que uma cortina de chuva intensa pode bloquear as comunicações em frequências da ordem das dezenas de Gigahertz. Uma consequência deste efeito, é que se os objetos suspeitos estiverem molhados a deteção não é possível. Claro que a presença de objetos ou pessoas molhadas, por exemplo em aeroportos, pode constituir um sinal de alerta, que os torne imediatamente suspeitos e conduza ao emprego de outras formas de deteção.Outro fenómeno que pode ter efeitos adversos é que determinados explosivos têm espectros de absorção idênticos a substâncias inofensivas, como por exem-plo o chocolate, e o mesmo se passa com algumas drogas ilícitas (Kawak et al, 2010), o que dificulta também a deteção.

4. oBTENÇÃo DE ImAGENS NA BANDA DE TErAHErTZ

A obtenção de imagens na gama de frequências do infravermelho é bem conhe-cida e resulta da radiação térmica emitida pelos corpos em observação. Uma maneira de evitar a deteção é elevar a temperatura do ambiente, mergulhando a radiação emitida num fundo de “ruído” térmico que a torna indetetável.Define-se uma temperatura equivalente de ruído (neDT- noise equivalent Detection Temperature), como a menor variação de temperatura que pode ser visualizada como um pixel 4.Para efetuar a deteção de objetos dissimulados no corpo ou por baixo das roupas de indivíduos suspeitos, embora haja uma diferença da ordem das dezenas de graus entre as temperaturas da pele e da roupa e os objetos escondidos, a de-teção pode tornar-se complicada. Na figura 6 apresenta-se uma imagem da deteção de uma pistola escondida na roupa de uma pessoa, que passa por um scanner de THz.A inspeção nos aeroportos apresenta outras difi-culdades, pois a inspeção por Raios X e ondas Figura 6: Deteção de objetos escon-

didos por radiação THz.

4 Pixel, é a designação abreviada de Picture element, e é o constituinte básico de uma imagem.

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milimétricas, que é a que atualmente se usa, permite ver através das roupas do sujeito em observação, o que levanta problemas de ética ligados à preservação da privacidade, nomeadamente em setores mais conservadores ou em certas minorias. A União Europeia publicou recentemente legislação sobre este as-sunto, limitando a gama de frequências de operação, o que limita a resolução da imagem (European Commission report, 2010).O efeito cumulativo da passagem por estes detetores também não é inócuo, de acordo com uma publicação recente e pode ter implicações para a saúde pública (Alexandrov et al., 2010). A deteção por ondas Terahertz não tem estes efeitos adversos, e por outro lado a definição da imagem é menor do que nos casos dos Raios X, mas suficiente no entanto, para permitir a deteção, pelo que oferece vantagens evidentes.A observação remota em edifícios é outra área de interesse, mas que também apresenta algumas dificuldades (Krozen et al., 2010). Com efeito devido ao comprimento de onda da radiação, da ordem das centenas ou dezenas de mícrones, a difração é um efeito importante, que aliado à atenuação sofrida por estas ondas no ar, limita o alcance a alguns metros. Assim, se as paredes da sala que se pretende observar, forem feitas de gesso cartonado, pladur ou outro material com uma textura pouco granulosa, pode obter-se uma imagem à distância de alguns metros (Henry et al., 2010). As paredes de tijolo e betão têm uma textura em que as heterogeneidades do material são da ordem de grandeza dos comprimentos de onda de operação e por isso difundem estas ondas, não permitindo a visualização.

5. CoNCLuSÕES

Os recentes desafios à segurança no mundo ocidental, conduzem a métodos de combate a ameaças que recorrem a avanços recentes da ciência e da tec-nologia. A exploração da banda dos Terahertz, que foi tornada possível pelo desenvolvimento de lasers de impulsos ultracurtos da ordem dos femtosegundos, para deteção à distância de explosivos ou agentes químicos e bacteriológicos é um assunto que tem suscitado muito interesse, sendo a espectroscopia e a obtenção de imagens nesta banda de frequências, objeto de intensa atividade científica recente.As aplicações em Segurança e Defesa são particularmente relevantes para a QBRN (guerra química e bacteriológica), bem como para a imagiologia em-pregue na vigilância em aeroportos e outros locais públicos para a deteção de elementos terroristas.

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maria João m. martinsDoutorada em Engenharia Eletrotécnica. Professora Convidada na Universidade de Rennes, no IETR (Institut d’Élétronique et Telecommunications de Rennes). Secretária-geral da EAEEIE (European Association for Education in Eletrical and Information Engineering) de 1999-2007. Expert-Evaluator da Comissão Eu-ropeia no 5º e 6º Programas-Quadro. Membro da Direção da SPEE (Sociedade Portuguesa para a Educação em Engenharia). Professora Auxiliar na Academia Militar e Regente das Unidades Curriculares- Propagação e Radiação de Ondas Eletromagnéticas (4º ano do Curso de Transmissões) e Eletrotecnia Teórica (3º ano do Curso de Transmissões). Investigadora do Centro para a Inovação em Energia e Engenharia Eletrotécnica (CIEEE), recentemente integrado no INESC-ID. Membro do CINAMIL.

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PresCrição de sistemAs de rePArAção de estruturAs de betão

Tomás S. Damião a1, Maria S. Ribeiro b e Orlando A. Pereira c a Academia Militar, Rua Gomes freire, 1169 – 203, Lisboa, Portugalb Departamento de Materiais, Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Avenida do Brasil, 101,

1700-066, Lisboa, Portugalc Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos (DECivil), Instituto Superior Técnico,

Universidade Técnica de Lisboa, Avenida Rovisco Pais, 1, 1049-001, Lisboa, Portugal

ABSTrACT

Within the scope of the repair of concrete structures, localized repair with repair mortars is one of the most used methods, mainly because both the manufacture and the placement of repair mortars are similar to those of conventional mortars.The first part of this paper discusses the importance of repair mortars, as well as the relevant aspects of the concrete degradation, and sets out the principles and methods for repair, which are recommended by EN 1504-9.The second part of this work addresses the need to prove some analytical theories, particularly regarding the need to mix water with the repair mortars and the best way to get the desired workability for each W/C ratio established.The main object of the third part of this work was the development of a software to support the formulation of repair mortars, which resulted from the conju-gation of several factors such as: the collection of all the knowledge acquired during the work and the inclusion of normative specifications in use, which are required for a structural repair mortar in articulation with the durability demands for a lifetime of 50 years.To conclude, the developed work contributed to increase the knowledge about the repair mortars and the durability of local repairs using mortars. The work is characterized by having as final result a practical application capable of ma-terializing relevant information and confirming the promising results obtained with cementitious mortars modified with polymers.Key words: Repair mortars; formulation; Polymers; Durability.

1 Contactos: Email – [email protected], Tel. - +351213186900

Recebido em 15 de fevereiro de 2013 / Aceite em 22 de Março de 2013

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rESumo

No âmbito das reparações de estruturas de betão, a reparação localizada com argamassas de reparação é uma das metodologias de reparação que têm vindo a ser mais utilizadas, devido sobretudo ao facto de o fabrico e a colocação das argamassas de reparação serem semelhantes aos das argamassas convencionais. A primeira parte deste artigo aborda a importância que as argamassas têm vindo a desempenhar nas obras de construção e os aspetos relevantes a considerar num processo de reparação de uma estrutura de betão, preconizados na norma europeia EN 1504.Na segunda parte do artigo são referidas algumas das teorias analíticas relativas aos fatores de escolha das proporções de uma mistura e a maneira de obter a trabalhabilidade desejada para cada relação A/C estabelecida. Apresenta-se a campanha experimental realizada para testar a fórmula proposta por Popovics e que permitiu determinar o valor do fator de proporcionalidade K mais adequado para cada tipo de aplicação das argamassas de reparação.Na terceira parte do artigo faz-se uma apresentação resumida dos conteúdos do programa informático SAfAR, desenvolvido para prescrever argamassas de reparação de estruturas de betão armado, tendo em conta os requisitos norma-tivos exigidos para uma vida útil de 50 anos. O trabalho desenvolvido pretendeu contribuir para aumentar o conhecimento sobre a formulação das argamassas e deste modo melhorar a durabilidade das repara-ções localizadas, sendo caracterizado por ter como resultado final uma aplicação prática capaz de materializar as informações pertinentes e permitir confirmar os resultados promissores das argamassas cimentícias modificadas com polímeros.Palavras Chave: Argamassas de reparação, Composição, Polímeros, Durabilidade.

1. INTroDuÇÃo

Atualmente, as reparações estruturais são uma realidade constante nas emprei-tadas de construção nacionais, resultado do envelhecimento da estrutura ou de deficiências nesta ou ainda da má qualidade na execução. São várias as causas de insucessos observados em obras de reparação e em reparações localizadas.A utilização de argamassas nas obras de construção teve o seu início em civi-lizações primitivas, tais como a Nevali Cori, na Turquia (10.000 a.C.), e tem vindo a aumentar o seu campo de aplicação, bem como a diversidade dos seus constituintes (Reller et al, 1992).facilmente se encontram testemunhos da função que as argamassas desempenha-ram desde a antiguidade, nomeadamente na área da reabilitação e da reparação de obras de construção.

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O aparecimento do betão armado e a sua utilização exponencial nos primei-ros anos da sua existência, resultante da capacidade de ser moldado e da sua resistência mecânica, elegeram-no como a boa solução estrutural. Contudo, a grande euforia na sua utilização e na rápida construção terá conduzido a uma redução da vida útil das estruturas de betão armado.A evolução da ciência aliada às novas tecnologias têm permitido projetar e construir estruturas de betão armado cada vez mais esbeltas e de grandes di-mensões, embora continuem a necessitar de manutenção e de reparação para aumentar o seu ciclo de vida.Mediante a categoria da vida útil pretendida para a estrutura, assim se devem prescrever os diferentes tipos de reparação a desenvolver, com base em fatores estruturais, de segurança e de ordem económica, social e ecológica [LNEC E 465], [NP EN 1504-9]. Essa reparação deve ser articulada a outras temáticas de extrema importância, particularizando para planos de reabilitação urbana, de aumento da eficiência energética, de redução de resíduos, entre outros.A segurança da estrutura deve ser avaliada e serem especificadas as ações apropriadas para a tornar segura antes que seja realizado qualquer trabalho de reparação, tendo em conta quaisquer riscos adicionais que possam resultar do próprio trabalho de reparação [NP EN 1504-9]. A inspeção visual pormenorizada da estrutura deve ser complementada com ensaios in-situ (destrutivos ou não destrutivos) e ensaios em laboratório, para permitir identificar as anomalias e as suas causas, e para caracterizar as condições de exposição ambiental onde a estrutura se insere. A escolha da opção de gestão da estrutura com base no período de vida útil e uso pretendido, nos requisitos de desempenho e em fatores estruturais e ambientais deve ser a seguinte etapa a realizar. Haverá então que selecionar a(s) estratégia(s) de atuação para reparar a estrutura (Princípio) e os métodos para a(s) concretizar, consoante se pretenda prevenir ou estabilizar a deterioração do betão ou a corrosão eletroquímica na superfície do aço, ou ainda para reforçar a estrutura de betão. De seguida, a definição das proprie-dades dos produtos e sistemas requeridas para satisfação do(s) princípio(s) de reparação selecionados será uma tarefa difícil e de relevante importância neste processo. Após terminada a reparação, deve ser implementado um sistema de gestão da manutenção da estrutura. Assim sendo, um processo de reparação de uma estrutura de betão armado deve incluir as seguintes etapas [NP EN 1509-9]:• Avaliação da condição da estrutura;• Identificação das causas da deterioração;• Decisão sobre as opções para a proteção e reparação;• Seleção das estratégia(s) de atuação (princípio(s)) apropriados para a proteção

e a reparação;

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• Seleção o modo(s) para concretizar a(s) estratégia(s) escolhida(s) (método(s));• Definição das características de desempenho dos produtos e sistemas;• Especificação dos requisitos para a manutenção após a proteção e a reparação.

Este trabalho pretendeu contribuir para a implementação de projetos de reparação bem especificados, incluindo também exigências relativas à durabilidade dos materiais de reparação e, deste modo, servir para aumentar o rigor dos técnicos, a exigência dos consumidores e a qualidade dos fabricantes. Neste sentido foi desenvolvido um software para a prescrição das argamassas de reparação em função das dimensões da estrutura a reparar, do tipo de aplicação do material de reparação e das condições de exposição ambiental onde se insere a estrutura a reparar (Damião, 2012).Sendo uma argamassa, a mistura de um ou mais aglomerantes orgânicos ou inorgânicos, agregados, adições, adjuvantes e fibras, foram estudadas teorias analíticas para a obtenção da melhor conjugação destes constituintes com a água necessária para hidratar o cimento e para a obtenção da consistência desejada.

2. mEToDoLoGIA

A primeira parte do trabalho consistiu na análise de trabalhos científicos pu-blicados por outros autores, bem como livros, teses e dissertações sobre os fundamentos básicos da metodologia da dosagem, dos fatores de escolha das proporções da mistura, da definição da trabalhabilidade e dos fatores que a influenciam, em argamassas e no betão, (Popovics, 1980); (Coutinho, 1988), (Ohama, 1995); (Gonçalves et al, 2012). Pretendeu-se também quantificar ponderadamente o desempenho das argamassas em função dos materiais constituintes e das características essenciais para cada tipo de aplicação, com base nos resultados de trabalhos de diversos autores (Ribeiro, 2004; Pina, 2009; Ribeiro, 2010; Dias, 2011).Ao longo do trabalho foram sendo abordados os aspetos cruciais necessários ao desen-volvimento do software SAfAR para a prescrição de argamassas de reparação estruturais.Um dos aspetos de maior relevância na concretização do programa foi o modo de estabelecer a consistência desejada para a argamassa. De um modo geral, a classe de consistência das argamassas é medida através dos ensaios de espalhamento, segundo a ASTM C 1437, considerando-se que a consistên-cia por espalhamento de uma argamassa aumenta quando aumenta o valor do seu espalhamento. Nesse sentido, a equação 1, mostra que existe uma relação entre a quantidade de água de duas argamassas, sendo que essa relação pode ser correlacionada com valores de consistência.

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Assim sendo, existe um fator de proporcionalidade entre a quantidade de água co-nhecida que provoca um certo efeito na argamassa e a quantidade de água necessária para produzir o efeito desejado. A esse fator de proporcionalidade é atribuída a letra K e a designação thinning factor. Segundo Popovics (Popovics, 1980) o valor de k encontra-se definido para o betão, sendo necessário a sua aferição para o caso das argamassas. Deste modo, o objetivo principal da campanha experimental do presente trabalho consistiu na obtenção do fator K para as argamassas de reparação em estudo.Por outro lado, pretendia-se que as argamassas em estudo incorporassem os modi-ficadores poliméricos, exigindo também a contabilização da sua ação como super-plastificantes e introdutores de ar na água de amassadura e consequentemente na definição da consistência das argamassas. De fato, as adições poliméricas afetam as propriedades das argamassas, quer no estado fresco quer no estado endurecido. Rela-tivamente ao estado endurecido, os polímeros tendem a melhorar a impermeabilidade das argamassas e a sua aderência ao suporte, a aumentar a resistência aos ataques químicos e a resistência à tração embora, sem melhorias na resistência à compressão e com redução do módulo de elasticidade em compressão (Ribeiro, 2004).Pretendeu-se ainda utilizar os efeitos benéficos das adições pozolânicas, adições tipo II [NP EN 206-1] na resistência à compressão das argamassas, através da contabi-lização dos efeitos de diluição, físico e químico destas adições (Cyr et al, 2005).Outro aspeto relevante do estudo respeitou ao estabelecimento da dosagem de cimento necessária a uma argamassa com função estrutural. Sendo as misturas pro-postas pelo software desenvolvido para reparação estrutural, foi seguida a fórmula proposta pela professora Joana Coutinho (Coutinho, 1998) da fEUP (equação 2), a qual exprime a quantidade de cimento (CD) em função da resistência à compressão do betão (fc), a característica mais utilizada para caracterizar o betão (ex.: C20/25):

com:CD – quantidade de cimento mínimo de acordo com a granulometria do

inerte utilizado [kg/m3];ƒc – resistência à compressão [MPa];D – diâmetro máximo do inerte [mm].

Para a obtenção da trabalhabilidade desejada para a argamassa (S2) recorreu-se à equação 3, com base na equação de Popovics alterada, sendo S1 a consistência padrão (standard).

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As adições pozolânicas e os polímeros foram igualmente contabilizados tendo em conta, respetivamente, a expressão analítica do fator de eficiência de uma adição e a tabela resumo (Tabela 1) de quantificação ponderada do melhor polímero para cada característica essencial em função do tipo de aplicação.Na composição final da argamassa por m3, foi utilizada a equação (4):

A variação volume de vazios de uma argamassa tem pouca expressão no volume final da argamassa, assim sendo este valor foi introduzido como constante de valor 0,04kg/m3 o qual representa um valor médio para argamassas (Coutinho, 1988).

Tabela 1: Tabela auxiliar da escolha dos polímeros.

3. CAmPANHA EXPErImENTAL

A campanha experimental do trabalho teve como finalidade principal testar a fórmula proposta por Popovics para a quantidade de água necessária numa argamassa em função da sua trabalhabilidade e determinar o valor do fator de proporcionalidade K mais adequado para cada tipo de aplicação das argamassas de reparação.foram fabricadas argamassas para as diferentes composições a estudar, e a trabalhabilidade das argamassas foi medida segundo o ensaio de consistência por espalhamento, prescrito na ASTM C 1437. A campanha experimental seguiu o fluxograma da Figura 1, que ilustra esque-maticamente a abordagem seguida para obter, a partir dos resultados, um fator de correção da quantidade de água de amassadura a introduzir no cálculo da formulação das argamassas.Para a composição das argamassas foi considerado um traço ponderal em massa de 1(cimento):3(areia), por se tratarem de argamassas de reparação estrutural, tendo-se fixado o volume de pasta cimentícia igual a 0,004 m3, por a pasta influenciar fortemente todas as características essenciais das argamassas; e, para as argamassas modificadas com polímeros (PCMs) a relação polímero/

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cimento (P(teor de sólidos do polímero) /C(cimento)) utilizada foi 15%, tendo em vista garantir um bom compromisso entre a eficácia do polímero e o custo da argamassa modificada (Ribeiro, 2010).O cimento utilizado foi o CEM I 42,5 R, conforme a EN 197-1 e a areia era uma areia natural siliciosa, de módulo de finura igual a 3,5, Dmáx de 4 mm, massa volúmica saturada de 2,62 Mg/m3 e absorção de água de 0,5%. foram incorporados dois polímeros nas argamassas estudadas:• um polímero acrílico (As), redispersivo em pó, constituído por acrilato de

butilo, estireno, acrilamida e uma resina de condensação, de acordo com a ficha Técnica do produto. De acordo com a ficha Técnica, este polímero é um “modificador de ligantes minerais” e a sua utilização em argamassa “aumenta a resistência à flexão e tração, bem como a compressão, abrasão, flexibilidade e a aderência à base”.

• um polímero de estireno-butadieno (SB), que segundo a ficha Técnica con-siste numa “dispersão aquosa de estireno-butadieno, solúvel que adicionado à argamassa, melhora as suas características, principalmente a aderência. Este polímero proporciona uma maior trabalhabilidade à argamassa, aumenta a sua resistência à tração, limita a fissuração, melhora a dureza, impermeabiliza e reduz a sensibilidade aos ácidos e às gorduras”.

Figura 1: fluxograma com o esquema seguido na campanha experimental.

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A campanha experimental incluiu o fabrico de 20 argamassas cimentícias para a caracteri-zação da consistência de argamassa, com as composições indicadas nas Tabelas 2, 3 e 4.

Tabela 2: Composição utilizada na produção das argamassas cimentícias (CMs).

Tabela 3: Composição das PCM-As (P/C = 15%).

Tabela 4: Composição das PCM-SB (P/C=15%).

Os procedimentos de amassadura seguiram o indicado na NP EN 196-1 § 6 (figura 2).

Figura 2: Misturadora utilizada na preparação das argamassas, conforma a NP EN 196-1 (à esquerda) e Operação de raspagem do material aderente, conforma a NP EN 196-1 (à direita).

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Sendo a consistência a única característica das argamassas a avaliar no estado fresco, a realização do ensaio para cada argamassa era contíguo à sua amassadura.De acordo com a generalidade dos estudos desenvolvidos nesta área, a consistência das argamassas é determinada em laboratório segundo a norma ASTM C 1437, que determina a consistência da argamassa por espalhamento. Esta norma refere o inter-valo de espalhamento de 100 ± 10%, para o qual a trabalhabilidade das argamassas in situ é aceitável para o seu fácil manuseamento. Porém, com base na experiência adquirida e nos resultados obtidos por Ribeiro, Pina e Dias, considera-se que o valor do espalhamento das argamassas deve ser superior a 100% mas não ultrapassando 140%, para reparações em superfície horizontal e com recurso a moldes, quando a compactação da argamassa possa ser deficiente. No ensaio de consistência por espalhamento é usado um tronco-cónico assente numa base horizontal, sendo a colocação da argamassa no seu interior realizada em duas camadas de 25 mm de espessura, compactadas com 25 pancadas em pontos uniformemente distribuídos, recorrendo-se a um pilão (Figura 3). No fim da compactação da segunda camada, retira-se o excesso de argamassa, procede-se à extração do tronco-cone e, aciona-se 25 vezes em 15 segundos a manivela da mesa de espalhamento (figura 3).

Por último, com recurso a uma craveira, medem-se os diâmetros apresentados pelo espalhamento da argamassa, segundo as quatro diagonais marcadas no prato (figura 4). O resultado da consistência por espalhamento é obtido pela média dos diâmetros, subtraído do diâmetro da base do tronco-cone (Φ100 mm), e o resultado pode deve ser apresentado em percentagem:

sendo ( Σdi ) o somatório dos diâmetros obtidos em cada diagonal da mesa de espalhamento, medidos em milímetros.

Figura 3: Compactação da primeira e da segunda camada.

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4. ANÁLISE DoS rESuLTADoS

Os resultados dos valores de consistência por espalhamento das argamassas cimentícias (CMs) e das argamassas cimentícias modificadas com polímeros, acrílico (PCMs--As) e estireno-butadieno (PCMs-SB), são apresentados na figura 5 e na Tabela 5. Como esperado, o aumento da quantidade de água introduzida na argamassa (A/C) refletiu-se num aumento do seu espalhamento. Os resultados permitiram observar uma correlação quase exponencial entre a relação A/C (água/cimento) e a trabalha-bilidade das argamassas, tal como já fora observado por Ribeiro (Ribeiro, 2004).

Figura 4: Mesa de espalhamento com a respetiva manivela (à esquerda) e me-dição do espalhamento (à direita).

Figura 5: Variação da quantidade de água de amassadura nas argamassas (A/C) com a consistência por espalhamento, segundo a ASTM C 1437.

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Os resultados da consistência por espalhamento obtidos na campanha experimental permitiram efetuar a alteração da fórmula utilizada por Popovics e obter o fator de proporcionalidade K coerente com os resultados das argamassas estudadas.Com base nos resultados da campanha experimental do presente trabalho concluiu-se que o K, thining factor, deveria ser definido segundo a equação 6:

Comparando os resultados da campanha experimental deste trabalho com os resultados obtidos por Ribeiro (Ribeiro, 2004), constatou-se que os valores de correção da água de amassadura eram função da natureza da família polimérica adicionada às argamassas, como se observa na Tabela 6.

Tabela 6: fator de correção da água de amassadura das argamassas aquando do uso dos polímeros.

Assim sendo e de modo a completar todos os parâmetros da equação 3 foram consideradas as seguintes equações, com as parcelas em volume:

Tabela 5: Consistência por espalhamento das CMs, PCMs-As e PCMs-SB segundo a ASTM C 1437.

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Sendo, o volume de areia na argamassa calculado por:

O programa informático, SAfAR, desenvolvido converte as proporções da ar-gamassa em volume para massa, com base nos valores previamente inseridos relativos à identificação dos materiais constituintes da argamassa.

5. CoNCLuSÕES

O presente trabalho desenvolveu uma ferramenta de apoio à decisão do utili-zador, do fabricante e do projetista sob a forma de um programa informático SAfAR para a prescrição de sistemas de reparação de estruturas de betão, em função do tipo de aplicação e das condições de exposição ambiental da reparação a efetuar, nomeadamente da anomalia em causa, para uma vida útil de 50 anos. É um trabalho que se deseja continuar a melhorar a partir dos resultados obtidos com novas formulações de argamassas aplicadas em obras de reparação.Os objetivos do estudo foram sendo alcançados e o programa informático SAfAR foi evoluindo, inicialmente simples mas melhorando com o de-senrolar do trabalho e à medida que os novos conhecimentos iam sendo adquiridos, tornando-se cada vez mais elaborado e completo, tendo sido finalizado de uma forma sofisticada e alargada. As várias argamassas cimentícias, com e sem a adição de polímeros, foram fabricadas contem-plando os parâmetros considerados essenciais para a sua formulação e os ensaios realizados satisfizeram o objetivo específico, de alcançar resultados capazes de serem analisados e confrontados com os resultados homólogos de outros autores. O trabalho permitiu constatar a influência da presença das adições pozolânicas e dos polímeros na consistência por espalhamento das argamassas, tendo sido contabilizada no programa informático SAfAR desenvolvido, capaz de pro-duzir um Relatório sucinto que vai ao encontro da melhoria da durabilidade das reparações estruturais e consequentemente da sustentabilidade nas obras de construção.

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6. EXEmPLo DE APLICAÇÃo Do ProGrAmA INFormÁTICo – SA-FAr (SoFTWArE DE APoIo À FormuLAÇÃo DAS ArGAmASSAS DE rEPArAÇÃo)

Exposição da situação: Estrutura com 0.028 m3 de volume a reparar, devido ao ataque dos cloretos, exposto a uma classe de exposição XS2. O tipo de aplicação da argamassa vai ser manual. O cimento utilizado será o CEM I aditivado com Sílica de fumo. A resistência à compressão da estrutura a reparar é de 20 MPa.Quanto às características essenciais para a reparação, neste exemplo foram definidas apenas a resistência de aderência ao betão e a resistência à penetração dos cloretos.No final da introdução de toda a informação necessária para a execução do programa e, após selecionar o botão calcular, surge a última janela do programa com toda a informação necessária para especificar e fabricar a argamassa dese-jada. O encadeamento do programa é apresentado da figura 6 até à figura 8.

Figura 6: Exemplo, página inicial do programa informático, SAfAR.

Figura 7: Exemplo, página de definições avançadas do programa informático, SAfAR.

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Como se pode ver na figura 8, o programa dá a possibilidade de imprimir o Relatório da formulação da argamassa desejada e dá ainda acesso a um conjunto de conselhos de aplicação através do botão Conselhos de aplicação, nomeada-mente apoio à aquisição dos diferentes materiais constituintes da argamassa, lista de fabricantes/fornecedores, conselhos de amassadura e colocação, entre outros.

rEFErÊNCIAS BIBLIoGrÁFICAS

COUTINHO, A. Sousa (1988). Fabrico e Propriedades do Betão – Volume i, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa.

COUTINHO, Joana (1998) – Melhoria da durabilidade do betão por tratamento da cofragem, Tese de doutoramento, fEUP, Porto.

CYR, M.; LAWRENCE, P.; RINGOT, E. (2006). “Efficiency of mineral ad-mixtures in mortars: Quantification of the physical and chemical effects of fine admixtures in relation with compressive strength”, Cement and Concrete Research, Vol. 36, n.º 2, pp. 264-277.

DIAS, Tomás (2011). Ação do polímero na velocidade de corrosão do aço induzida por carbonatação em argamassas cimentícias, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Lisboa.

DAMIãO, Tomás (2012). Prescrição de sistemas de reparação de estruturas de betão, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Academia Militar, Lisboa.

GONçALVES, M. Clara e MARGARIDO, fernanda (2012). Ciência e Enge-nharia de Materiais de Construção. IST Press, Lisboa.

OHAMA, y. (1995). Hand Book of Polymer-Modified Concrete and Mortars, Properties and Process Technology, Ed. Noyes Publications, USA.

Figura 8: Exemplo, página de apresentação dos resultados do programa informático, SAfAR.

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PINA, francisco (2009). Resistência à carbonatação de argamassas de repara-ção para estruturas em betão armado: estudo das argamassas cimentícias modificadas com polímeros, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Lisboa.

POPOVICS, S. (1980). Calculation of the water requirement of mortar and con-crete, Department of civil engineering, Drexel University, USA, Philadelphia.

RELLER, A., WILDE, P., WIEDEMANN, H., HAUPTMANN, H. e BONANI, G. (1992). Comparative Studies of Ancient Mortars from Giza, Egypt, and Nevali Cori, Turkey. Internet: http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online &aid=8191843, consultado em 12/10/12.

RIBEIRO, M. Sofia (2004). Argamassas cimentícias modificadas com adjuvantes poliméricos: composição e características, Tese de Doutoramento, Instituto Superior Técnico, Lisboa.

RIBEIRO, M. Sofia (2010). “The use of polymer cement mortar in the reha-bilitation of service stairs in Lisbon, Portugal”, Service Life Design for infrastructure - RiLeM Proceedings PRO 70, Vol. 2, Delft, Netherlands, 4-6 October 2010, pp. 1085-1092.

ASTM C 1437 (2007) – Standard test method for flow of hydraulic cement mortar.EN 197-1 (2011) – Cimento. Parte 1: Composição, especificações e critérios

de conformidade para cimentos correntes.LNEC E 465 (2007) – Metodologia para estimar as propriedades de desempenho

do betão que permitem satisfazer a vida útil de projeto de estruturas de betão armado ou pré-esforçado sob as exposições ambientais XC ou XS.

NP EN 196-1 (2006) – Métodos de ensaio de cimentos. Parte 1: Determinação das resistências mecânicas.

NP EN 206-1 (2007) – Betão. Parte 1: Especificação, desempenho, produção e conformidade.

NP EN 1504-9 (2009) – Produtos e sistemas para a proteção e reparação de estruturas de betão. Definições, requisitos, controlo da qualidade e ava-liação da conformidade. Parte 9: Princípios gerais para a utilização de produtos e sistemas.

ficha técnica do polímero acrílico, Acronal S 631P (2011). Internet, “site” http://www.basf.com.ar/lacasae/download/fichas_tecnicas/sistemas_aditi-vos_componentes_especiales/dispersiones/Acronal_S_631_P.pdf, consultado em 10/9/2012.

ficha técnica do polímero de estireno-butadieno, sikalatex (2012). Internet: http://www. sotecnisol.pt/resources/Materiais/sikalatex.pdf, ficha técnica do polímero de estireno-butadieno, consultado em 10/9/2012.

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AGrADECImENToS

Os autores agradecem à fundação para a Ciência e a Tecnologia (fCT) os re-cursos disponibilizados que permitiram a concretização deste trabalho, através do projeto PTDC/ECM/101810/2008 – Argamassas Cimentícias Modificadas com Polímeros para Reparação de Estruturas de Betão Armado e do financia-mento das atividades de investigação do ICIST - Instituto de Engenharia de Estruturas, Território e Construção.

Tomás DamiãoAlferes Aluno de Engenharia Militar do Exército Português a frequentar o Tirocínio para Oficial de Engenharia Militar 2012/2013. Mestre em Engenha-ria Civil pela Academia Militar e Instituto Superior Técnico (IST) (Lisboa). Participou no 1º Seminário sobre Inovação e Investigação na Reparação de Estruturas de Betão Armado, com o tema da prescrição de sistemas de repa-ração de estruturas de Betão.

maria ribeiroLicenciada em Engenharia Civil, pelo Instituto Superior Técnico (IST). Mestre em Construção, pelo IST, incluindo a dissertação “Materiais de Reparação de Betão. Modelação Experimental de uma Argamassa à Base de Ligante Inorgâni-co”. Doutorada em Engenharia Civil, pelo IST, com a defesa da tese “Argamas-sas Cimentícias Modificadas com Polímeros – Composição e Características”. Investigadora Auxiliar, desde 2004, no Núcleo de Betões do Departamento de Materiais, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

orlando PereiraProfessor Auxiliar, no Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Geor-recursos, no IST. Doutorado em Engenharia Civil, pelo IST. Investigador do Instituto de Engenharia de Estruturas, Território e Construção do IST (ICIST). Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros, desde 1998.

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Normas para publicação Na revista proelium

1. NormAS GErAIS

1.1 A PROeLiuM é uma revista de divulgação científica para todos os investigado-res (autores) nacionais e internacionais submeterem comunicações e trabalhos de investigação originais.

1.2 A PROeLiuM caracteriza-se por uma revista de “banda larga”, e aceita comuni-cações e trabalhos de investigação originais das diferentes áreas científicas que possam contribuir para a Defesa e Segurança de uma forma geral.

1.3 As comunicações e os trabalhos de investigação originais são submetidos, OBRIGA-TORIAMENTE, por via electrónica para [email protected]. Confirmar-se-á a recepção, indicando se respeitam ou não as exigências de formato. Os autores não devem considerar que o artigo foi recebido até confirmação da recepção.

1.4 Cada artigo é revisto, pelo menos, por dois revisores.

1.5 A notificação do resultado é efectuada por correio electrónico ao autor principal (primeiro) do artigo. As notificações de recusa vão acompanhadas da folha de avaliação realizada pelos revisores e editor.

1.6 Em cada número da PROeLiuM, um investigador só aparece uma vez como autor principal.

1.7 Os artigos não devem exceder as 30 páginas A4 ou 15 000 palavras, incluindo abs-tract, resumo, notas de rodapé, quadros, gráficos, figuras e referências bibliográficas.

1.8 Os autores devem enviar as figuras (imagens, gráficos e quadros) devidamente inseridas no texto e elaborar uma “pasta” com as imagens, gráficos e quadros devidamente identificadas e em formato JPEG ou TIF.

1.9 Os artigos devem ser acompanhados de um resumo (300 palavras) e abstract (300 palavras), indicação das palavras-chave (5 palavras) e curriculum vitae (CV) re-sumido (75 palavras) do(s) autor(es)1.

2. NormAS DE rEDACÇÃo

2.1 Devem ser consideradas como referência para a elaboração dos artigos as seguin-tes indicações: texto em formato Microsoft Word 2007 ou anterior e justificado; tipo de letra – Times New Roman 12 e espaçamento entre linhas – 1.5; notas de rodapé – Times New Roman 10 e espaçamento entre linhas 1.

NORMAS PARA PUBLICAçãO NA REVISTA CIENTÍfICA PROELIUM

1 Grau Académico ou Posto (para militares); disciplinas ministradas na Academia Militar ou noutro Estabe-lecimento de Ensino Superior; CV resumido.

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Proelium – revista CientífiCa da aCademia militar

2.2 O primeiro parágrafo inclui o título do artigo, letra Times New Roman, 12, maiús-culas, negrito, antes 0 e depois 3 pontos, e justificado à direita.

2.3 Inserir um espaço (uma linha em branco): tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.4 Depois de inserir um espaço (uma linha em branco), inicia-se o segundo parágrafo: tipo de letra – Times New Roman 12, justificado, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. O segundo parágrafo inclui o nome do(s) autor(es), departamento, instituição, morada, país.

exemplo 1: autores da mesma instituição.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor a, nome terceiro autor a

a Instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

exemplo 2: autores de instituições diferentes.

Nome primeiro autor a1, nome segundo autor b, nome terceiro autor c

a Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

b Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

c Departamento, instituição, morada (rua, código postal, cidade), país.

informação em nota de rodapé

1 Contacto do primeiro autor – Tel.: número de telefone.

Email: [email protected] (primeiro autor); [email protected] (segundo autor); [email protected] (terceiro autor).

2.5 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o terceiro pa-rágrafo com a palavra “ABSTRACT”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O abstract não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

2.6 Depois de um espaço em branco (uma linha em branco), inicia-se o quarto pará-grafo com a palavra “RESUMO”, letra Times New Roman 12, maiúsculas, negrito, centrado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. Na linha seguinte começa-se o texto do abstract com letra Times New Roman, 12, normal, justificado, espaçamento entre linhas 1.5, e antes 0 e depois 3 pontos. O resumo não deve ultrapassar as 300 palavras. Incluir até 5 palavras-chave.

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Normas para publicação Na revista proelium

2.7 Após um espaço em branco, colocar-se a primeira secção e em continuação o texto, que deve ser redigido com letra Times New Roman, 12, normal, sem tabulações, justificado.

2.8 As secções do texto deverão ser identificadas com numeração árabe (1,2,3..), Times New Roman 12, maiúsculas, justificadas à esquerda, espaçamento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos. Devem ser utilizadas, apenas, três níveis.

Exemplo:

1. SECÇÃo NÍVEL 1

1.1 seCção NíVel 2

1.1.1 Secção nível 3

2. CoNCLuSÕES

2.9 As notas de rodapé de página figurarão no final de cada página com letra Times New Roman, 10, normal, justificado e espaçamento simples.

2.10 As palavras “REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS” figuram no final do texto em letra Times New Roman 12, maiúscula, negrito, justificadas à esquerda, espaça-mento entre linhas 1,5, e antes 0 e depois 3 pontos.

2.11 Os gráficos, figuras e tabelas (preto e branco) são inseridos no texto. Preferencial-mente devem fazer-se com aplicações do Microsoft Office, ou alternativamente, inserem-se como imagens. Num ficheiro à parte devem ser enviadas as figuras, gráficos e tabelas com uma resolução de 300 dpi.

2.12 A revista PROeLiuM adoptou a Norma Portuguesa (NP 405-1) do Instituto Por-tuguês da Qualidade, homologada no Diário da República, III Série, N.º 128 de 03 de Junho, de 1994. A revista PROeLiuM, também, aceita artigos em Norma APA Havard.

2.13 De acordo com a NP 405-1, as citações e referências a autores no texto devem ser efectuadas do seguinte modo:

• (autor, data) quando se referem à ideia; (autor, data, página/s) quando citam o autor;

• Se houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, serão diferenciadas por uma letra minúscula a seguir à data - (Bastos, 2002a), (Bastos, 2002b);

• Quando a obra ou artigo tiver dois autores - (Bastos e Almeida, 2002);

• Quando a obra ou artigo tiver três ou mais autores - (Bastos et al, 2002).

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Proelium – revista CientífiCa da aCademia militar

2.14 As notas de rodapé devem conter informações complementares de natureza subs-tantiva.

2.15 As referências bibliográficas devem ser colocada no final do artigo e contém apenas a lista das referências feitas no texto, ordenadas alfabeticamente e, por ordem cronológica crescente para referências do mesmo autor.

Exemplos bibliográficos:

• Livros

WRIGHT, Quincy (1942). A Study of War, The University Chicago Press, Chi-cago, Estados Unidos da América.

CARDOSO, Cristóvão e ALMEIDA, Manuel (2002). Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

HENRIQUES et al (1999). Educação para a Cidadania, Plátano Editora, Lisboa.

• Artigos em revistas

CABRAL, Mário (2003). “O exercício da cidadania política em perspectiva histórica (Portugal e Brasil)”, in Vários, Revista Brasileira de Ciências Sociais, N.º 51, Volume 3, Janeiro, p. 31-60 [indicar as páginas do artigo].

• instituições

MDN (1998). Cooperação Técnico-Militar com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: relatório de actividades de 1998, Ministério da Defesa Na-cional, Lisboa.

• Artigos em Revistas on-line

HIDI, Samuel (2006). “Interest: a unique motivational variable”, in Vários, Edu-cational Research Review, n.º 2, p. 69-82. Internet: http://www.sciencedirect.com, consultado em [dia, mês e ano].

• Documentos on-line

WEDGEWORTH, Richard (2005). State of Adult Literacy. Internet: http://www.proliteracy.org/downloads, consultado em [dia, mês e ano].

• Artigos de Jornais

GEADA, Eduardo (1987). “O espaço aberto da filosofia e do saber”, in A Capital, 19 de Novembro, p. 9.

• Legislação

DECRETO-LEI n.º 192/89. D.R I Série, 131 (89-06-08), 2254-2257.

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