Prof. Bissaya-Barreto: um Homem do futuro
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10 NOVEMBRO DE 2008BISSAYA-BARRETO
Prof. Bissaya-Barreto:
um Homem do futuro
s u p l e m e n t o d o j o r n a lNovembro / 2008
O Prof. Bissaya-Barreto, para além de prestigiado cirurgião e ilustre mestre de Medicina, destacou-se
por ter levado a cabo uma extraordinária obra social, nas mais diversas áreas, mas também uma relevante
actividade cívica e uma notável acção em termos de empreendedorismo e desenvolvimento do território.
Algumas das suas iniciativas vão citadas nas páginas seguintes, e por elas se pode ficar com uma ideia
do que foi o incansável labor deste Homem em prol do seu semelhante, antes de tudo, mas também do seu País.
Este suplemento pretende ser uma homenagem singela a Bissaya-Barreto e à Fundação com o seu nome,
criada há precisamente 50 anos, e que tem sabido ser digna continuadora dos ideais do seu Patrono
2 NOVEMBRO DE 2008BISSAYA-BARRETOarte em caféII
O Prof. Bissaya-Barreto é uma figura
notável, seja qual for o ângulo de análi-
se da sua multifacetada actividade.
Uso o verbo, deliberadamente, no pre-
sente (é, e não foi), para significar que
ele continua a ser, nos tempos que cor-
rem, uma personalidade não apenas
rara, mas verdadeiramente ímpar!
Isso está eloquentemente demonstrado
na obra, tão vasta quanto valiosa e diversifi-
cada, que concretizou no passado, muitas
vezes com métodos precursores (alguns que
ainda hoje estão espantosamente actuais)
e que, graças a dignos continuadores, per-
manece bem viva e pujante.
Dizer isto, aqui e agora, numa altura
em que se celebram os 50 anos da Fun-
dação que criou, poderia ser interpreta-
do como elogio fácil e sem outra consis-
tência que não a de juntar a voz ao coro
de loas que, muito justamente, dos mais
ilustres aos mais humildes, se tem er-
guido ao longo de 2008 – ano em que
tem vindo a ser concretizado rico progra-
ma comemorativo, recheado de momen-
tos de grande elevação em diversos do-
mínios (apesar de ter sido também um
ano de profunda tristeza, pela morte, tão
prematura, do Eng. Nuno Viegas Nasci-
mento, que durante décadas presidiu à
Fundação Bissaya-Barreto).
Sucede, porém, que as afirmações que
aqui deixo agora escritas, são apenas a
repetição das que publiquei há três dé-
cadas no “Jornal de Notícias”, numa al-
tura em que os “ventos revolucionários”
varreram, finalmente, muitas prepotên-
cias, mas também sopraram, de forma
lamentável, várias injustiças.
(Nesse período conturbado e pouco to-
lerante, era ousadia elogiar qualquer fi-
gura que, mesmo levianamente, fosse
conotada com o regime deposto. Por isso
tive a grata satisfação de ver esse meu
gesto, e outros semelhantes que assumi
ao longo dos anos, serem gentilmente
reconhecidos e agradecidos pelo Presi-
dente da Fundação, Viegas Nascimento).
Ora o Prof. Bissaya-Barreto, mais pela
sua amizade por Salazar do que pelos
cargos políticos que ocupou, foi uma das
figuras injustiçadas nessa época em que
a Democracia dava os primeiros passos.
Aliás, não só injustiçado, mas esquecido
e, pior, até mesmo atacado por muitos
daqueles que tanto ajudou!...
Sei do que falo, porque, ainda criança,
tive o privilégio de conhecer Bissaya-Bar-
reto.
Foi num dia em que entrei, com meu
Pai, no comboio “rápido” que nos leva-
ria de Coimbra a Lisboa. Embora a CP não
primasse pela pontualidade, certo é que
já passavam vários minutos para além
do horário, mas a composição mantinha-
-se muda e queda nos carris. Meu Pai, o
jornalista José Castilho, talvez impelido
por curiosidade profissional, saiu da car-
ruagem, comigo pela mão, para indagar
o que motivava a estranha demora. O
Chefe da Estação esclareceu, em voz
baixa e tom respeitoso: “Estamos à es-
pera do senhor Professor Bissaya-Bar-
reto...”.
Vi o meu Pai sorrir, o que me tranquili-
zou, e enquanto voltávamos a entrar na
carruagem perguntei-lhe quem era esse
senhor tão importante que até o comboio
esperava por ele.
“É um grande homem e um grande ami-
go! Daqui a pouco vais conhecê-lo”.
Lá fiquei de nariz encostado à janela
do “rápido”, à espera de ver surgir um ho-
mem grande, alto. Mas apenas apareceu
um senhor de baixa estatura e andar
apressado que entrou para uma carrua-
gem de 1.ª classe, enquanto o chefe da
Estação o cumprimentava, tirando o
boné, para logo de seguida tocar a cor-
neta de metal amarelo, reluzente, que
dava ordem de marcha ao maquinista.
Alguns minutos depois, quando o revi-
sor veio picar, com um alicate, os peque-
nos bilhetes cinzentos, de cartão gros-
so, meu Pai perguntou-lhe onde se en-
contrava o Prof. Bissaya.
Obtida a resposta, lá me levou corre-
dores adiante, a mão protectora no meu
ombro, a amparar-me dos balanços do
comboio, mais apertada quando era pre-
ciso passar de uma carruagem para a se-
guinte, sobre chão de ferros assustado-
ramente movediços e rajadas de vento
ruidoso.
Depressa chegámos à porta de um dos
compartimentos numerados, a que meu
Pai nem chegou a bater, pois o Prof. Bis-
saya, quando o viu pelo vidro, fez-lhe um
cordial aceno para que entrasse.
“Então é este o seu herdeiro?” – inda-
gou com um sorriso, enquanto me fazia
uma festa na cabeça e convidava meu
Pai a sentar-se frente a ele, no banco de
três lugares forrado de vermelho
Começaram a conversar, não sei de
quê. Aliás, nem ouvia o que diziam, ocu-
pado que estava a olhar aquele senhor
que acabara de conhecer, intimidado,
mas que afinal não era grande e depressa
se me tornou simpático, pelo sorriso e
pelo tom de voz. Numa prateleira, junto
à janela, uma bandeja com uma cháve-
na, ao lado de um objecto estranho (que
pouco depois verifiquei ser um bule com
chá, tapado com uma “carapuça” de fel-
tro, para que não arrefecesse).
Lembro-me de meu Pai me dizer de-
pois que o Prof. Bissaya ia a Lisboa, de
comboio, todas as semanas, alojando-
-se no Hotel Métropole (recordo achar
estranha a fonética, pois pensava que
se devia dizer metrópole...), que perten-
cia a outro amigo comum, Alexandre de
Almeida (um príncipe da hotelaria portu-
guesa).
E igualmente aprendi de meu Pai, nessa
inesquecível viagem (quando o questionei
sobre o facto do Prof. Bissaya, ao contrário
do que ele afirmara, não ser um homem
grande...), que a grandeza dos homens se
não mede aos palmos, pelo tamanho, pela
envergadura física, mas antes se determi-
na pela estatura moral, pela forma como
passam pela vida.
Depois tornei a ver o Prof. Bissaya-Bar-
reto por diversas vezes, e muitas mais
ouvi meu Pai a falar com ele por telefo-
ne. Lembro-me, particularmente, de uma
acesa polémica escrita que manteve com
outro amigo de meu Pai, o Prof. Ibérico
Nogueira, nas páginas do “Diário de
Coimbra” (de que meu Pai era Chefe de
Redacção), numa série de artigos que,
O Prof. Bissaya-Barretoera um homem de acção,como o demonstra a espantosaobra que legou, mas era tambémum intelectual de inteligência rarae grande sensibilidade, semprea pensar em novos empreendimentosque pudessem ajudaros mais desfavorecidos
Um grande Homem,
3NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO III
se a memória me não falha, tinham por
título “Coimbra precisa de um Hos-
pital-Universidade, Coimbra preci-
sa de um Hospital-Cidade”. E, efec-
tivamente, o Hospital-Geral da Colónia
Portuguesa do Brasil (que Bissaya-Bar-
reto criara inicialmente para tratamento
da tuberculose) viria a tornar-se num
modelar Hospital civil de Coimbra, hoje
designado por Centro Hospitalar de
Coimbra (vulgarmente conhecido como
Hospital dos Covões, por caussa da sua
localização).
Se evoco esta experiência pessoal, é
para referir algo que me parece impor-
tante para definir a personalidade do
Prof. Bissaya-Barreto.
Meu Pai foi sempre um homem “de es-
querda”, no sentido mais nobre da ex-
pressão – isto é, lutando toda a sua vida
por uma sociedade mais justa e mais fra-
terna e pela liberdade de expressão que
tanto prezava e que a Censura do regi-
me impedia (faleceu em 1969, sem ter
visto concretizado o sonho de mudança
que só chegaria 5 anos depois, com a
Revolução de 25 de Abril).
Usava a caneta como esgrimista exí-
mio, belas palavras em golpes geniais,
corajosos e contundentes, que acaba-
riam por valer-lhe a prisão, pois a Dita-
dura não admitia tais atrevimentos.
Só anos mais tarde, já adolescente,
soube que foi graças à intervenção do
Prof. Bissaya-Barreto que o libertaram.
Do mesmo modo que vim a saber que a
muitos outros opositores do regime ti-
nha valido uma palavra de Bissaya-Bar-
reto ao seu grande amigo Salazar, para
que saíssem das masmorras do regime.
Soube também que a amizade de Bis-
saya-Barreto por Salazar se forjara nos
bancos da Universidade de Coimbra,
onde foram condiscípulos, e que havia
de manter-se pela vida fora, apesar de
defenderem ideais bem diversos.
Desde logo, enquanto Salazar era mo-
nárquico, Bissaya-Barreto foi sempre,
desde muito jovem, um apaixonado Re-
publicano, que chegou mesmo a afron-
tar o Rei D. Manuel II, em cerimónia so-
lene na Universidade de Coimbra (epi-
sódio que ficou famoso e que se relata
mais à frente, noutra página deste suple-
mento).
Bissaya-Barreto foi igualmente um
destacado membro da Maçonaria – so-
ciedade secreta (agora preferem classifi-
cá-la como discreta...) que Salazar detes-
tava.
E muitas outras divergências de con-
vicções e de práticas existiam entre os
dois antigos condiscípulos.
A verdade é que isso nunca afectou a
amizade recíproca.
Uma amizade que Bissaya-Barreto
sempre aproveitou para conseguir levar
a cabo, mais facilmente, os seus pionei-
ros projectos de intervenção e desenvol-
vimento social (até mesmo a nível do Go-
verno do País, como sucedeu com a cria-
ção do Ministério da Saúde), ao mesmo
tempo que igualmente ia intercedendo
junto do Ditador para livrar muitas pes-
soas das perseguições da PIDE (a polí-
cia política do regime salazarista).
Porque outra das características de
Bissaya-Barreto era o humanismo, a sua
constante preocupação com os mais
desfavorecidos e vulneráveis.
A obra que desenvolveu em prol das
crianças é absolutamente pioneira e ex-
traordinária, mesmo se avaliada pelos
parâmetros actuais. Dos “Ninhos” dos
pequenitos às Casas da Criança, passan-
do pela assistência materno-infantil (o
Instituto Maternal, hoje Maternidade
Bissaya-Barreto, foi uma instituição al-
tamente inovadora na época), e o espan-
toso “Portugal dos Pequenitos” (que con-
tinua a atrair e a deslumbrar, anualmen-
te, centenas de milhar de miúdos e graú-
dos, nacionais e estrangeiros).
Mas as preocupações de Bissaya Bar-
reto não se quedavam pela assistência
às crianças e às mães, antes se esten-
diam a outros seres humanos que a Na-
tureza penalizara – como os cegos, os
surdos, os tuberculosos e os leprosos,
tendo criado instituições de grande qua-
lidade no apoio a pessoas afectadas por
estas deficiências e patologias.
Antes de erguer estas instituições, Bis-
saya-Barreto procurava saber o que ha-
via de mais avançado, a nível mundial,
em cada uma das áreas em que preten-
dia intervir, adoptando os métodos e os
equipamentos mais modernos, que me-
lhorava com adaptações ditadas pela
sua inteligência e pela sua capacidade
inventiva.
A relevantíssima acção de Bissaya Bar-
reto não se quedou pelas áreas da saú-
de e da assistência (e, dentro destas,
pelas diversas instituições de ensino que
criou e fomentou, e pelas políticas que
influenciou)
A sua sensibilidade estética levou-o a
reunir uma valiosíssima colecção de
obras de arte, hoje espalhadas por di-
versos edifícios da Fundação, com es-
pecial destaque para o magnífico recheio
da sua residência principal em Coimbra,
o palacete junto aos Arcos do Jardim,
transformado em Casa-Museu Bissaya-
-Barreto (e que acolhe uma actividade
cultural intensa, incluindo a sua galeria
de arte).
Mas importa sublinhar que Bissaya-
Barreto desenvolveu, em simultâneo,
uma outra obra de importância equiva-
lente à que concretizou no plano social.
Estou a referir-me ao seu trabalho na
área do desenvolvimento económico, so-
bretudo de Coimbra e de outras zonas
da Região Centro.
As suas iniciativas foram muitas e di-
versificadas, desde a instalação dos Es-
taleiros Navais do Mondego, na Figueira
da Foz, até à criação do Aeródromo de
Coimbra (que merece referência alarga-
da noutro local deste suplemento), pas-
sando pelo lançamento e pelo apoio a
muitas outras empresas e instituições
dos mais variados sectores, desde o ter-
malismo ao ensino (nomeadamente da
enfermagem e do serviço social).
Por tudo isto afirmo, ciente de que não
exagero, que Bissaya-Barreto foi, na sua
época, e pode considerar-se ainda hoje,
para além de cultor da solidariedade, um
pioneiro, um visionário, um empreen-
dedor – enfim, um Homem do futuro!
Jorge Castilho
António de Oliveira Salazare Bissaya-Barreto: uma amizade forjadanos bancos da Universidade de Coimbra,que se prolongou pela vida fora,e que não raro Bissaya-Barreto utilizoupara proteger opositores do regimee para facilitar o lançamento de obrasde importância para Coimbra,para a Região Centroe para o próprio País
uma Obra enorme
4 NOVEMBRO DE 2008BISSAYA-BARRETOIV
Escrever ou falar sobre o Aeródromo de
Coimbra é referir as várias etapas da sua
evolução, o percurso da aviação civil em
Coimbra e os nomes dos que lhe estão
ligados.
São partes de um mesmo corpo que não
se devem separar.
Como tudo tem um começo há que lem-
brar a génese, o mentor, a acção do ilustre
Homem que foi Bissaya Barreto.
Com vasta e pioneira actividade que ul-
trapassou o nosso distrito, foi em Coimbra
que mais tempo viveu, estudou e planeou
as suas obras, avançadas para a época, das
quais as mais emblemáticas estão nesta
cidade.
Uma delas é o Aeródromo de Coimbra,
que muito justamente tem o seu nome.
Contudo, é de estranhar que este espaço
seja citado por vezes como de Cernache.
Se tal pudesse dizer-se, muito mais racio-
nal seria chamar-lhe de Antanhol porque a
área que ocupa pertence maioritariamente
a esta freguesia.
É minha convicção que tal confusão te-
nha origem no facto de todos os proprietá-
rios dos terrenos adquiridos para neles se
construir o campo de aviação, ao tempo
moravam em Cernache.
O aeródromo serve Coimbra e a sua re-
gião, mas nunca Cernache ou Antanhol em
particular.
(Embora aquela seja uma bela e simpáti-
ca localidade, com um passado de que se
deve orgulhar, no escrito de hoje inclinar-
me-ei para Antanhol, onde existiu o solar
dos Cunhas, família que mais tarde se mu-
dou para Maiorca, Figueira da Foz.
Documentos antigos chamam-lhe “Cava-
leiros de Antanhol”, designação que nessa
época era uma honraria.
A primeira igreja foi edificada em local
PERPERPERPERPERANTE O EMBARGO JUDICIAL, BISANTE O EMBARGO JUDICIAL, BISANTE O EMBARGO JUDICIAL, BISANTE O EMBARGO JUDICIAL, BISANTE O EMBARGO JUDICIAL, BISSAYSAYSAYSAYSAYA-BARRETO MANDOU AA-BARRETO MANDOU AA-BARRETO MANDOU AA-BARRETO MANDOU AA-BARRETO MANDOU AVVVVVANANANANAN
Aeródromo de Coimbra c
diferente da actual, situando-se perto do
cruzeiro que, de antigo, só tem a coluna
dórica. Para o templo hoje existente pas-
sou parte do recheio antigo. Podem ver-se
nele várias esculturas em pedra e madeira.
Destas, duas do século XVIII, barrocas, vie-
ram de Coimbra: S. Bernardo, vestido de
branco e, contrastando, S. Roberto, vestido
de negro).
Voltando ao Aeródromo: cedo se formou
o grupo de entusiastas que se bateu tam-
bém por um aeródromo em Coimbra. Bapti-
zei-os de “bons guerreiros” porque a sua
ambição era nobre e pacífica: voar e, logi-
camente, um campo de aviação.
A ideia de dotar a cidade com uma pista e
escola de pilotos era mais uma das várias
que Bissaya Barreto concretizou durante a
sua vida, sempre a favor de Coimbra.
A primeira vez que manifestou publica-
mente esse desejo foi em 1939, bem antes
que qualquer outra localidade se adiantas-
se com a mesma intenção.
Formou-se uma comissão constituída
pelo Professor Bissaya, representando a
Junta Distrital, com esta a comprar o terre-
no, o piloto Carlos Galo e o major Humberto
Pais, da Força Aérea Portuguesa (FAP). A
compra dos terrenos arrastar-se-ia e só vi-
ria a ser concluída vários anos mais tarde.
Entretanto a pista foi ganhando forma e
com tal incremento que em 10 de Março de
1940 aterrou nela o Tiger n.º 146 da FAP,
pilotado pelo major Humberto Pais, em ex-
periência de operacionalidade.
Logo em 15 de Julho seguinte, o que exis-
tia do campo de aviação foi inaugurado.
Posteriormente outras inaugurações tive-
ram lugar, enquanto as obras decorriam.
O grupo de entusiastas também não de-
sistia dos seus esforços, o que levou à cria-
ção de uma Secção Aeronáutica na Associ-
ação Académica de Coimbra, garantida que
estava a pista adequada às necessidades
de maior autonomia. À Secção sucedeu o
Centro de Aeronáutica (e mais tarde, em 14
de Janeiro de 1976, o Aero Clube de Coim-
bra). Este incremento, com a Escola Bissaya
Barreto a formar pilotos que incluíam se-
nhoras, coincidiu com a direcção de José
Varela dos Reis.
Dos contactos para a compra das 11 par-
celas de terreno que constituíam a deseja-
da área para uma pista, que se pretendia
com 1.000 metros, tratou o dr. José Pimenta
(que foi responsável pelo Turismo de Coim-
bra). A apoiar a administração lembro Filipi-
no Martins (um rádio-amador de prestígio
internacional), cujo nome também está gra-
vado no memorial levantado em frente às
instalações do aeródromo. Três nomes a
não esquecer.
As terraplanagens tiveram que vencer
desníveis nos terrenos e não se livraram de
burocracias por causa da existência de um
duplo declive, com fosso também duplo. A
zona era conhecida por Mata Velha ou Ci-
dade Velha, sendo este nome mais apro-
priado por haver ali uma “fortificação” ro-
mana, que se julga ter pertencido à época
que medeia entre o avanço de Décimus Ju-
nius Brutus – Callaicos (138-135 A.C.) e o
protectorado da Ulterior de Júlio César
(61 A.C.)”, segundo o Inventário Artístico
– Coimbra, de Vergílio Correia e Noguei-
ra Gonçalves.
O pouco que restava desta posição mili-
tar, que os romanos terão utilizado por fi-
car entre Conímbriga e Aeminium (Coimbra),
nunca foi explorado pelos especialistas,
O Prof. Bissaya-Barreto, no banco de trás do helicóptero, no Aeródromo que tem o seu nome
Para além das aeronaves civis, o Aeródromo de Coimbra tem servido tambémpara aterragem de aviões militares, como a imagem documenta
5NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO V
NÇAR ANÇAR ANÇAR ANÇAR ANÇAR AS MÁQUINAS MÁQUINAS MÁQUINAS MÁQUINAS MÁQUINAS PS PS PS PS PARARARARARA RA RA RA RA RAAAAASGSGSGSGSGAR A PISTAR A PISTAR A PISTAR A PISTAR A PISTA DURA DURA DURA DURA DURANTE A NOITEANTE A NOITEANTE A NOITEANTE A NOITEANTE A NOITE
onstruído à luz do luar!...
deduzindo-se que até os arqueólogos não
lhe atribuíram importância. Constava de um
entricheiramento de campanha. Na verda-
de, mesmo que em escavações se encon-
trasse algo como uma fivela de centurião,
moedas, lanças ou punhais, que valia tudo
isso comparado com a existência de uma
escola de aviadores apoiada numa pista,
às portas de Coimbra?
Em 22 de Fevereiro de 1958, após reu-
nião de altas individualidades, foi decidi-
do nivelar parte do terreno, deixando uma
outra com vista a futuras escavações ar-
queológicas.
O general Santos Costa, então Ministro da
Defesa Nacional, participante da citada reu-
nião, determinou destacar um Serviço de
Engenharia Militar, com máquinas pesadas
e pessoal para iniciar os trabalhos. Mas eis
que surge um embargo judicial , suspenden-
do toda a actividade, com regresso dos mili-
tares ao quartel, mas ficando no terreno toda
a maquinaria. José Varela tinha estudado o
seu funcionamento antes desta paragem, o
que foi utilíssimo quando o Prof. Bissaya to-
mou a grande decisão de sugerir a retoma-
da dos trabalhos, entusiasmando quem a
aguardava: “Numa destas lindas noi-
tes de luar pode-se fazer uma linda
obra. Avancem!”. E foi numa azáfama in-
descritível, com José Varela manobrando um
bulldozer à luz dos faróis dos automóveis da
“muralha”, que se fez o que tinha de ser
feito, ao que a cidade correspondeu com
brita e areia em quantidade. Chegara a vez
do alcatrão.
A Escola tem formado dezenas de pilo-
tos, sob a responsabilidade de sucessivos
e credenciados instrutores, tendo chegado
a formar num só ano mais pilotos que to-
das as outras escolas do País.
É justo também lembrar que, nos tempos
iniciais, esta instrução se ficou a dever à
Força Aérea, com envio de dois aviões, pilo-
tos instrutores e um mecânico.
Na sala de recepção do edifício está um
busto do Prof. Bissaya Barreto, ali coloca-
do aquando de uma home-
nagem que lhe foi prestada
em 4de Junho de 1997, por
iniciativa da Câmara Munici-
pal e do Aero Clube.
A propriedade do conjun-
to das instalações ficou
para a Junta Distrital de Co-
imbra, que em 1984 celebrou
um protocolo de cedência
com a Câmara Municipal de
Coimbra.
Esta, por sua vez, assinou
outro protocolo com o Aero
Clube, respeitante à explo-
ração por este da parte des-
portiva e técnica, conservan-
do, porém, a exploração comercial.
Vai longe a caricata situação de perso-
nalidades dos governos português e fran-
cês, acabadas de aterrar em Coimbra, que
ante a falta de instalações sanitárias tive-
ram de se encostar aos pinheiros para alí-
vio das suas necessidades fisiológicas. Pre-
sidia então ao Aero Clube o eng. Teles de
Oliveira, que de imediato aplicou os seus
conhecimentos técnicos na elaboração do
projecto no qual saiu o edifício base do
aeródromo.
As formações de pilotos continuam, au-
mentando a pleíade com estatuto próprio,
como é timbre dos pilotos de máquinas voa-
doras, nas quais fazem os seus primeiros
vôos a pensar – quem sabe? – subir mais
além, agora em máquinas que podem levá-
-los a outros mundos.
Apesar das melhorias rodoviárias, o inte-
resse deste aeródromo mantém-se, integra-
do que está na rede nacional interna e até
para aeronaves de média capacidade, in-
cluindo as internacionais, para o que está
devidamente equipado.
O actual presidente da direcção do Aero
Clube é o coronel José Oliveira, que assu-
miu o cargo em 30 de Setembro de 2006,
com o entusiasmo dos que sobem mais alto.
Das melhorias que conseguiu para o aeró-
dromo, saliento a que levou ao desapareci-
mento dos bidons de gasolina dos terrenos
marginais do parque de estacionamento.
O combustível está agora num carro-tan-
que, cedido pela FAP.
Num esforço final, espera-se que o arma-
zenamento venha a ser subterrâneo.
Em aberto continua um outro plano regio-
nal para receber aeronaves maiores, como
o 747 da Boeing e o A380 da Airbus, que já
suplantou tecnicamente aquele seu rival.
No perímetro do aeródromo está uma
oficina especializada, empresa particu-
lar intitulada “Indústrias Aeronáuticas
de Coimbra”.
Trabalha de acordo com a legislação eu-
ropeia, dando apoio a aeronaves ligeiras
e os seus clientes vêm do País, de norte a
sul, e da Europa, especialmente Espanha
e França.
Numa altura em que se presta homena-
gem ao Prof. Bissaya Barreto, era obrigató-
rio falar de mais este arrojado empreendi-
mento que Coimbra e o País lhe devem. Por
isso aqui evoco as minhas recordações dos
vôos que fiz há anos, principalmente com o
dr. Viriato Namora, que é sócio efectivo n.º
1 da Secção Aeronáutica da AAC, data em
que já pertencia ao grupo de entusiastas
que tanto se esforçaram para que o Aeró-
dromo Bissaya Barreto se tornasse numa
realidade de enorme importância para o
desenvolvimento desta Região.
(Naquele tempo voava e fotografava, o
que me proporcionou alguns bons prémios,
incluindo a publicação em livros, dos quais
destaco “Coimbra vista do céu”, do arqui-
tecto Filipe Jorge, e texto do seu colega José
António Bandeirinha).
E se este escrito já vai longo, o “culpado”
é o dr. Viriato Namora, que fez o favor de
me facultar alguns dados, o que muito lhe
agradeço.
Varela Pècurto
6 NOVEMBRO DE 2008BISSAYA-BARRETOVI
que o carac
· 3 Sanatórios
anti-tuberculose
· 1 preventório
· 2 Hospitais
Psiquiátricos
· 1 Colónia Agrícola
Psiquiátrica
· 1 Leprosaria
· 1 Creche/Preventório
para filhos de leprosos
· 1 Centro de Reabilitação
para ex-leprosos
· 1 Hospital Geral Central
· 1 Hospital Pediátrico
· 1 instituto Materno Infantil
· Casa da Mãe
(Figueira da Foz)
· 1 Centro de Neurocirurgia
· 1 Centro Hospitalar
· 1 Instituto de Surdos
· 1 Instituto de Cegos
· 26 Casas da Criança
· 3 Colónias de Férias
· 2 Bairros Sociais
· Escola de Enfermagem
“Bissaya Barreto”
· Escola Normal Social
· Escola de Enfermeiras
Puericultoras
· Escola Profissional de
Agricultura, Artes e Ofícios -
em Semide
· Dispensários, Brigadas
móveis, Postos rurais
· Portugal dos Pequenitos
· Aeródromo de Coimbra
· Estaleiros Navais
do Mondego
· etc ... ... ... ... ... ... ... ... ...
A eloquência das realizações
Ao centro, em cerimónia de “bota-abaixo” de um novo barco nos Estaleiros Navaisdo Mondego, na Figueira da Foz, um dos seus grandes empreendimentos na áreaempresarial, que muito contribuiu para o desenvolvimento do País
Com um grupo de seus alunos finalistas de Medicina, no Hospital dos Covões
Bissaya-Barreto foi um homem de acção, que conseguiu concretizar uma obra ímpar,
quer pela quantidade e diversidade, quer pela qualidade de todos os seus empreendi-
mentos. A relação de alguns deles, que nesta página se publica, é mais eloquente do que
quaisquer palavras.
Mas importa também salientar a sua dedicação ao ensino e à prática da Medicina,
bem como o entusiasmo pelos grandes projectos empresariais que lançou, numa
polivalência que estas imagens pretendem simbolizar.
Bissaya-Barreto “escrevia poemas” com o bisturi(assim salvando muitas vidas),
e fazia “intervenções cirúrgicas” com a caneta,em textos polémicos em que defendia os seus ideais
e tudo aquilo que achava poder contribuirpara melhorar a sociedade,
sempre com os olhos postos no futuro
7NOVEMBRO DE 2008 BISSAYA-BARRETO VII
O jovem estudante republicano
que rejeitou prémio do Rei
Bissaya Barreto desde muito cedo se revelou um apaixonado lutador
pelos princípios republicanos, numa altura em que Portugal era ainda
uma Monarquia.
Foi um activista corajoso e consequente, enquanto aluno da Universi-
dade de Coimbra, vindo mesmo a fazer parte do grupo de 160 estudan-
tes republicanos que receberam a designação de “Os Intransigentes”,
durante a greve académica de 1907. Essa militância levou a que tivesse
sido escolhido como delegado ao Congresso do Partido Republicano.
Mas seria no ano seguinte que o jovem Fernando Bissaya-Barreto
viria a protagonizar um episódio que ficou para a História.
Foi no dia 20 de Novembro de 1908 (há precisamente cem anos),
quando o Rei D. Manuel II se deslocou à Universidade de Coimbra para,
como era tradição, entregar os prémios aos melhores alunos das diver-
sas Faculdades (aqueles que haviam conseguido obter nota igual ou
superior a 18 valores).
A cerimónia pomposa decorria na Sala Grande dos Actos, e o Rei lá ia
entregando os prémios aos alunos laureados.
Bissaya-Barreto conquistara o direito às distinções pelas elevadas classificações
que obtivera nos cursos de Medicina, mas também de Matemática e de Filosofia.
A verdade é que proferido o seu nome por três vezes, para receber, das maõs do Rei,
os prémios a que fazia jus, o jovem Fernando ousou manifestar o seu republicanismo,
ignorando ostensivamente as chamadas, apesar de estar mesmo nas filas da frente.
Na Sala Grande dos Actos, repleta de professores, estudantes e autoridades, fez-se
um silêncio sepulcral. O Rei D. Manuel II, de diplomas nas mãos, aguardava que o
estudante premiado se levantasse e se lhe dirigisse para receber a honraria.
Em vez disso, porém, Bissaya-Barreto manteve-se sentado no seu lugar, impassí-
vel. E enquanto todos os olhos nele se fixavam, o jovem exclamou, num desabafo de
alma:
“Eu não conheço o Rei!”.
A ousadia teve ecos nos jornais da época, e fez dele um herói entre os republicanos
que, dois anos mais tarde, a 5 de Outubro de 1910, viriam a derrubar a Monarquia.
Bissaya-Barreto (em cima, ao centro) com algunsoutros estudantes do grupo “Os Intransigentes”
O Rei D. Manuel II (imagem ao lado) ficou atónito e vexado quando Fernando Bissaya-Barreto(foto abaixo) se recusou a ir receber, das mãos do também jovem monarca, os prémiosque este pretendia entregar-lhe. “Eu não conheço o Rei!”. Esta foi a ousada afirmaçãodo estudante republicano, que ficou para História
HÁ PRECISAMENTE UM SÉCULO (A 20 DE NOVEMBRO DE 1908)
8 NOVEMBRO DE 2008BISSAYA-BARRETOVIII
s u p l e m e n t o d o j o r n a lNovembro / 2008
No próximo dia 26 (quarta-feira) a Fun-
dação Bissaya-Barreto completa meio
século de intensa e diversificada activi-
dade.
Ao longo de 2008, têm sido muitas e
variadas as iniciativas para assinalar,
condignamente, os 50 anos de existên-
cia da Fundação, num programa vasto e
de grande qualidade.
Como refere o Comissário das Come-
morações, Dr. Carlos Páscoa, “neste ano
de cinquentenário da Fundação que Bis-
saya Barreto criou, relembra-se o Homem
cuja memória se respeita e acentua-se
o muito que tem sido feito para dar se-
quência à sua obra”.
Desde 1981, a responsabilidade de di-
rigir a Fundação esteve confiada eo Eng.
Nuno Viegas Nascimento, que a esse di-
fícil papel se dedicou de forma apaixo-
nada ao longo de 27 anos, até que a
morte o levou, prematuramente, no pas-
sado dia 29 de Julho.
O testemunho foi passado a sua Mu-
lher, Dr.ª Patrícia Viegas Nascimento, que
assumiu a Presidência da Fundação e lhe
manteve o rumo e o dinamismo.
ORIGENS DA FUNDAÇÃO
Foi a 26 de Novembro de 1958 que o
Governo de então oficializou a criação
da Fundação, através de um despacho
que publicava também os respectivos
Estatutos.
Como fundadores, um grupo de notá-
veis. amigos e admiradores de Bissaya-
Barreto: D. Ernesto Sena de Oliveira (Ar-
cebispo Bispo-Conde de Coimbra); Coro-
nel Ernesto Nogueira Pestana (então Go-
vernador Civil de Coimbra); Juiz Conse-
lheiro José Perestrelo Botelheiro (na épo-
ca Presidente do Tribunal da Relação de
Coimbra); Dr. Joaquim Moura Relvas (mé-
dico radiologista, e na altura Presidente
da Câmara Municipal de Coimbra); Dr.
José dos Santos Bessa (médico pedia-
tra, colaborador muito próximo de Bis-
saya-Barreto e então deputado da As-
sembleia Nacional); Eng. José Horácio de
Moura (que viria a ser Governador Civil
de Coimbra de 1959 a 1970); e Dr. Lino
Cardoso de Oliveira (advogado e então
Presidente da Câmara Municipal de Can-
tanhede).
NO DIA 26 DE NOVEMBRO (QUARTA-FEIRA)
Fundação Bissaya Barreto
completa meio século
Na origem da Fundação estava, natu-
ralmente, a vontade do Prof. Bissaya-
Barreto de arranjar forma de incremen-
tar a sua acção social diversificada, ga-
rantindo, ao mesmo tempo, que ela iria
perdurar para além da sua morte.
Nos Estatutos referia-se, a dado pas-
so do Artigo 10.º:
“(...) Os signatários constituem, na ci-
dade de Coimbra, uma instituição parti-
cular de utilidade pública e fins de as-
sistência, ao abrigo (...) destinada a con-
tinuar a obra criada e mantida durante
mais de meio século pelo Prof. Doutor
Bissaya Barreto, quer como cidadão quer
como orientador de organismos assis-
tenciais”.
E acrescentava-se:
“Como justa homenagem e devida gra-
tidão às altas qualidades e serviços pres-
tados à sociedade no vastíssimo campo
da sua actividade, a Fundação adoptou
o nome daquele iminente professor mé-
dico-cirurgião. (...)”.
27 SERÁ O PRIMEIRO DIADO PRÓXIMO MEIO SÉCULO
Nascido em Castanheira de Pêra a 29
de Outubro de 1886, Fernando Bissaya-
Barreto viria a ter uma carreira académi-
ca brilhante, quer enquanto aluno, quer
depois, como Professor da Faculdade de
Medicina, de que viria a ser catedrático.
Notável foi igualmente a sua acção
como médico, invulgar a sua actividade
política (iniciada ainda enquanto aluno
da Universidade de Coimbra, em prol dos
ideais republicanos).
Mas os aspectos mais relevantes da
sua vida (faleceu a 16 de Setembro de
1974, em Lisboa, poucos dias antes de
completar 88 anos e poucos meses após
a Revolução de 25 de Abril) foram, sem
dúvida, as múltiplas iniciativas de carác-
ter social e assistencial que promoveu,
a par com outras que muito contribuíram
para o progresso de Coimbra, da Região
Centro e do País.
Daí que se não estranhe que algumas
das mais destacadas personalidades da
vida nacional tenham vindo a participar
neste relevante programa comemorati-
vo que agora chega ao fim.
Porque, disso estamos certos, 27 de
Novembro será o primeiro dia do próxi-
mo meio século de existência da Funda-
ção, que saberá ir encontrando, como até
aqui, os que melhor conseguirem dar
continuidade à extraordinária obra de
Bissaya-Barreto.
O CENTRO agradece à Fundação Bissaya-Barretoa cedência das imagens que ilustram este suplemento
Bissaya-Barreto, com o seu exemplo,continuará, certamente, a apontaro rumo do futuro da sua Fundação