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Profº Ney Jansen Sociologia

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Profº Ney Jansen

Sociologia

Cultura é um conceito central nas Ciências Sociais. É

a ferramenta intelectual básica com a qual se constrói

a reflexão sobre dois temas vastos e fundamentais: a

unidade humana e a diversidade dos modos de

existência humana. [...] Articuladas, essas duas

acepções contribuem para formular a visão da

humanidade como unidade que se realiza na

diferença.

[...] SIMÕES, J. A. e GIUMBELLI, E. (2010)

Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar,

hábito implantado pelos índios americanos e que

consome uma planta originária do Brasil. [...] Enquanto

fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres

inventados pelos antigos semitas, em material inventado

na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao

inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se

for bom cidadão conservador, agradecerá a uma

divindade hebraica, numa língua indo-europeia, o fato o

fato de ser cem por cento americano. (Ralph Linton,

antropólogo estadunidense)

SENSO COMUM: cultura costuma ser associada à grande

arte e à erudição, designando os produtos mais elevados da

sensibilidade artística e do refinamento intelectual, os quais

exigiriam capacidades supostamente superiores de educação

e formação para serem apreciados e usufruídos

Assim é que se diz que algumas pessoas têm mais cultura

do que outras. Do mesmo modo, apenas algumas

realizações humanas, como as artes plásticas, a música, a

literatura, o teatro, o cinema, costumam ser designadas

como propriamente culturais.

CIÊNCIAS SOCIAIS: todas as produções humanas

e condutas sociais, a saber, a capacidade de atribuir

sentidos à sua existência por meio da aquisição e do

manejo de sistemas simbólicos complexos – quanto

as formas sociais e históricas diversas pelas quais

essa existência se realiza. [...]

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-

2009) em seu livro “Raça e História” (1952) lança as

seguintes perguntas:

1-“Se somos todos parte de uma mesma humanidade,

como explicar as diferenças que existem entre os povos,

sobretudo quando consideradas as suas histórias?”

2-“Se não existem aptidões raciais inatas, como explicar

que a civilização desenvolvida pelo homem branco tenha

feito os imensos progressos que nós conhecemos [...]?”

(Lévi-Strauss, 1973, p. 11).

Falar em progressos implica necessariamente em supor

a existência de desigualdades entre os povos, uns mais

adiantados e outros mais atrasados. Em outras

palavras, significa hierarquizar esses povos segundo

uma linha de evolução.

Argumentos evolucionistas – ou ao menos seus

pressupostos ou suas lógicas – continuam a ser

correntes em muitas expressões de senso comum. Toda

vez que usamos o termo primitivo para fazer referência

a um modo de vida, acentuando provavelmente sua

tecnologia rudimentar, estamos compartilhando

daqueles pressupostos e lógicas.

A principal preocupação de Levi-Strauss é discutir anoção de progresso. Não para desconsiderá-latotalmente, mas para lhe propiciar um entendimentoque recuse a hierarquização das culturas. O ponto departida, então, são os fundamentos dessahierarquização.

Lévi-Strauss sugere que a trajetória da humanidade sejavista como constituída de mutações. É apenasretrospectivamente que a linearidade aparece, opresente sendo sempre incerto quanto aos seusresultados. Mas se trata de mutações também nosentido de rupturas em relação aos pontos anteriores,de modo que os avanços significam também perdas.

Desde a Antiguidade, viajantes e historiadores tiveram aatenção atraída pela diversidade de costumes ecomportamentos, em que os valores de um povo erampostos em questão pelo inesperado e pelo exótico.

Durante o Renascimento, os contatos dos homensletrados europeus com os conhecimentos e inovaçõestécnicas provenientes do Mediterrâneo Orientalpropiciaram grandes viagens de exploração, nos séculosXV e XVI, as quais permitiram cartografar territórios eencontrar povos até então desconhecidos.

Um grande “acontecimento histórico”

ocorreu entre os séculos XV e XVIII:

Colonialismo, grandes navegações

Capitalismo comercial e industrial

Etnocentrismo: legitimação de uma supostasuperioridade cultural

Racismo: teorias de superioridade racial. Ahumanidade seria dividida em “raças”superiores e inferiores

Influência da Igreja Católica e depois da“ciência” (“darwinismo social”)

Justificativas para a escravidão

Igreja Católica: negros eram um

povo amaldiçoado, descendentes de

Caim

“Ciência”: o negro é uma raça

inferior

nórdicos são mais inteligentes do que os negros;

os alemães têm mais habilidade para a mecânica;

os judeus são avarentos e negociantes;

os norte-americanos são empreendedores e

interesseiros;

os portugueses são pouco inteligentes;

os japoneses são trabalhadores, traiçoeiros e cruéis;

os brasileiros herdaram a malícia dos negros, a

preguiça dos índios

Determinismo biológico

Determinismo geográfico

Desde a Antiguidade, foram comuns as tentativas de

explicar as diferenças de comportamento entre os

homens, a partir das variações dos ambientes físicos.

Marcus V. Pollio, arquiteto romano, afirmou

enfaticamente:

Os povos do sul têm uma inteligência aguda, devido à

raridade (à atmosfera e ao calor; enquanto os das

nações do Norte, tendo se desenvolvido numa atmosfera

densa e esfriados pelos vapores dos ares carregados,

têm uma inteligência preguiçosas

Ibn Khaldun, filósofo árabe do século

XVI, tinha uma opinião semelhante, pois

também acreditava que os habitantes dos

climas quentes tinham uma natureza

passional, enquanto aos dos climas frios

faltava a vivacidade.

Jean Bodin, filósofo francês do século XVI,

desenvolveu a teoria que os povos do norte têm como

líquido dominante da vida o fleuma, enquanto os do

sul são dominados pela bílis negra. Em decorrência

disto, os nórdicos seriam fiéis, leais aos governantes,

cruéis e pouco interessados sexualmente; enquanto os

do sul são maliciosos, engenhosos, abertos,

orientados para as ciências, mas mal adaptados para

as atividades políticas.

O geógrafo Huntington, em seu livro

Civilization and Climate (1915), formula uma

relação entre a latitude e os centros de

civilização, considerando o clima como um

fator importante na dinâmica do progresso.

Existe uma limitação na influência

geográfica sobre os fatores culturais. E

mais: é possível e comum existir uma

grande diversidade cultural localizada em

um mesmo tipo de ambiente físico

"[...] a degenerescência, presente nos tifoshíbridos na zoologia, pode ser com certafacilidade percebida nos grupos humanos...Longe dos tipos puros é com cuidado quedeve ser analisada a miscigenação local"

(Herman von Ihering, diretor do Museupaulista, Revista do Museu Paulista, 1897).

"[...] a evolução encontrada na natureza eraexatamente igual àquela esperada para oshomens", [...] "os grupos inferioresconstituíam barreiras frente ao progresso dacivilização"

(Boletim do Museu Paraense E. Goeldi)

"[...] que qualquer um que duvide dos males damistura de raças, e inclua por mal-entendidafilantropia, a botar abaixo todas as barreiras que asseparam, venha ao Brasil. Não poderá negar adeterioração decorrente da amálgama das raçasmais geral aqui do que em qualquer outro país domundo, e que vai apagando rapidamente asmelhores qualidades do branco, do negro e doíndio deixando um tipo indefinido, híbrido,deficiente em energia física e mental". [...] Trata-sede uma população totalmente mulata, viciada nosangue e no espírito e assustadoramente feia".(Médico suíço Louis Agassiz (A journey in Brazil.Boston, s.e., 1868).

"Abrem-se-me então os olhos e percebo quetaes homens já não vivem na innocenciaparadisíaca e que as theorias de Jean JacquesRousseau são meros sonhos. ...Osamericanos não representam uma raçaselvagem, representam antes uma raçadegenerada que se tornou selvagem. ...Assimpoucos séculos se passarão e o ultimoamericano deitar-se-á. Se não se garantir asuperioridade do sangue branco toda apopulação do continente definhará”

(Revista do Instituto Histórico de São Paulo,1904:53-4).

Para um povo de população heterogêneacomo o brazileiro, a identificação craniologicadas raças adquire em medicina legal umaimportância máxima"

(Nina Rodrigues, artigo publicado em 1902 naGazeta Médica da Bahia).

“[...] o Brasil mestiço de hoje tem nobranqueamento em um século suaperspectiva, saída e solução".

(João Batista Lacerda, diretor do MuseuNacional do Rio de Janeiro, representantebrasileiro no Iº Congresso Internacional dasRaças, realizado em julho de 1911).

A Antropologia moderna diferencia Etnia X Raça.

Etnia: grupos e indivíduos originários de uma

ascendência comum e que compartilham de uma

mesma cultura

Raça: grupos de animais que possuem uma mesma

característica genética e biológica

A própria existência ou não de raças humanas, tem

sido amplamente discutido e contestado do ponto de

vista da Biologia e da Genética contemporâneas

A palavra raça, na Biologia, é geralmente

utilizada para definir grupos de indivíduos

distintos no interior de uma espécie. Atualmente,

há consenso de que todos os povos pertencem à

espécie humana, embora, efetivamente, não há um

acordo sobre o que venham a ser grupos de

indivíduos distintos no interior de uma espécie

Com o desenvolvimento da genética, sabe-se que asdiferenças entre os grupos humanos variam de 5% entrepopulações oriundas do mesmo continente a 15% entrepopulações de continentes diferentes.

Isso significa que, na prática, 85% da diversidadegenética humana permanecem no interior daspopulações, fato que não se observa em quase nenhumaoutra espécie de mamífero do planeta. Em outraspalavras, não existem grupos humanos geneticamente tãodiferenciados a ponto de se afirmar que existam raçashumanas

Ou seja, o que define uma “raça” ou uma etnia é umaconstrução social, isto é, as diferenças físicas,culturais, comportamentais ou morais (reais ouimaginárias) são sempre atribuídas pelos grupos queas definem, sejam os próprios membros ou os outroscom quem se relacionam

Comportamento etnocêntrico: afirmar identidadesque promovam a coesão interna e o sentimento depertencimento e que podem gerar estereótiposassociados à raça ou à etnia

Muitas das diferenças existentes entre os seres

humanos produzem situações de desigualdade

de poder, de direitos e de cidadania.

Quando essas diferenças geram crenças e

atitudes baseadas na ideia de que existem raças

humanas, dizemos que estamos diante do

fenômeno de racismo.

Como definir o racismo?

O racismo pode ser entendido tanto como uma

doutrina, que prega a existência de raças humanas,

com diferentes qualidades e habilidades, ordenadas

de tal forma que umas seriam superiores a outras em

termos de qualidades morais, psicológicas, físicas e

intelectuais, quanto um conjunto de atitudes,

preferências e gostos baseados na ideia de raça e

superioridade racial, seja no plano moral, estético,

físico ou intelectual. As atitudes consideradas racistas

podem se manifestar de duas formas: pelo

preconceito e pela discriminação (GUIMARÃES, apud

PIMENTA, 2010).

Surge no século XIX com a teoria

“evolucionista”. Faz-se uma transposição

mecânica da teoria da evolução biológica das

espécies de Charles Darwin (1809-1882) para

a sociedade.

Tylor (1832-1917), Morgan (1818-1881):

humanidade caminha numa evolução social, da

“barbárie” à “civilização”

Contexto Histórico:

Século XIX

2ª Revolução Industrial, Europa

Busca por ampliação de mercados, superprodução

industrial, busca por matérias-primas, fontes de

energia, mão de obra e mercado consumidor.

Discurso: levar o progresso, a missão civilizadora

para regiões “atrasadas” (África e Ásia)

Neo-Colonialismo e Imperialismo

Barbárie X Civilização:

Povos tribais X cultura europeia

Todas as sociedades passam por um mesmoestágio evolutivo, mas algumas seriam mais“adiantadas” e outras mais “atrasadas”.

Exemplos de práticas baseadas nessa teoriaevolucionista: Colonialismo, Neo-Colonialismo, Apartheid (África do Sul,Estados Unidos), Nazismo.

É importante lembrar que a escravidãonão nasceu do racismo; ao contrário, oracismo moderno é consequência daescravidão”. Eric Willians

O racismo moderno é resultado dejustificativas e classificações ideológicascom o objetivo de subjugação eexploração da força de trabalho.

Início da Colonização (séc. XV a XVIII):

Legitimação através das Bulas papais

Século XIX (“século da ciência”):

Evolucionismo antropológico

Ideologia de dominação racial

Mito da “democracia racial” no Brasil

Política do “branqueamento” da população

No século XIX, acreditava-se que as raças eram

subdivisões da espécie humana, caracterizadas por

particularidades morfológicas tais como o formato do

crânio, a cor da pele e o tamanho do nariz.

Essas particularidades físicas estariam associadas a

características psicológicas, intelectuais e morais que

diferenciavam as raças segundo o seu grau de

civilização. Essas doutrinas racialistas serviram de

base para justificar o tratamento e o estatuto social

diferenciado de grupos humanos.

Um aspecto importante das teorias racialistas era a

condenação à hibridização, o que tornava a

assimilação de mulatos e mestiços um grande

obstáculo à construção da nacionalidade brasileira.

Política de Branqueamento da população

brasileira

Gobineau sobre o Brasil: “Trata-se de umapopulação totalmente mulata, viciada no sangue eno espírito e assustadoramente feia”.

Frase comum durante a 1ª República no Brasil: “Aalbumina branca depura o mascavo nacional”

Frase comum: “Negro de alma branca”.

“A raça negra no Brasil, por mais que tenham

sido seus incontestes serviços à nossa

civilização, por mais justificadas que sejam

suas simpatias de que cercou o abuso da

escravidão, por maiores que se revelem os

generosos exageros dos seus turifários, há de

constituir sempre, um dos fatores da

inferioridade de nosso povo”. Nina Rodrigues,

intelectual brasileiro do início do século XX.

Que qualquer um que duvide dos males damistura de raças (...) Não poderá negar adeterioração decorrente da amálgama das raçasmais geral aqui do que em qualquer outro lugardo mundo, e que vai apagando rapidamente asmelhores qualidade do branco, do negro e doíndio, deixando um tipo indefinido, híbrido,deficiente em energia física e mental”. LouisAgassiz, médico suíço do século XIX discorrendo sobre o

Brasil.

O Brasil mestiço de hoje, tem no

branqueamento, em um século, sua

perspectiva, saída e solução”. 1º Congresso

Internacional das Raças, julho, de 1911.

A Craniometria (medição o crânio) e a

Cromometria (escala de cor) foram utilizadas

como políticas públicas no início do século

XX no Brasil na consideração se um sujeito

tinha predisposição ao crime.

No início do século XX, com o advento domovimento modernista nas artes e na literatura, aherança cultural dos indígenas, dos negros e doscaboclos brasileiros passou a ser valorizada.

Na década de 1930, o pensamento social e políticobrasileiro, representado especialmente por GilbertoFreyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio PradoJúnior, reforçaram ainda mais a contribuição dospovos africanos à formação da nação brasileira,colocando em evidência a importância da cultura esuperando o racialismo na interpretação das relaçõessociais.

Diferentemente do que ocorreu nos Estados

Unidos e na África do Sul, no caso

brasileiro, as relações raciais se dão por

meio de um sistema muito complexo e

ambíguo de diferenciação, não baseado em

regras claras de descendência biológica,

mas em diferenças fenotípicas designadas

como cor.

Diferentemente de outros países, onde a

segregação com base na raça ocorreu de

forma violenta e conflituosa, sancionada

por regras precisas de filiação grupal, o

Brasil parecia ser um local tranquilo,

caracterizado pela convivência mais ou

menos amistosa entre as pessoas, bastando

que, para isso, cada qual estivesse em seu

lugar: o senhor na casa grande e o escravo

na senzala.

Nos anos da ditadura militar a “democracia

racial” passou a ser um dogma, uma espécie

de ideologia do Estado brasileiro. Sua

utilização fazia-se para negar os fatos de

discriminação e as desigualdades raciais,

crescentes no país.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de

Janeiro: Zahar, 2013.

PIMENTA, Melissa de Mattos. Diferença e Desigualdade. In MORAES,

A. C. (org) Sociologia. Coleção Explorando o Ensino. Vol. 15. MEC.

Brasília. 2010.

SCHWARCZ, L. M. Espetáculo da Miscigenação. Estudos Avançados.

1994.

SEED. Livro Didático Público. Sociologia. 2008.

SIMOES, Júlio Assis e GIUMBELLI, Emerson. Cultura e Alteridade. In

MORAES, A. C. (org) Sociologia. Coleção Explorando o Ensino. Vol. 15.

MEC. Brasília. 2010.