prog_becosapos

download prog_becosapos

of 154

Transcript of prog_becosapos

Do BECO dos SAPOS aos CANAVIAIS de CATENDECludio Nascimento

A autogesto a abertura ao possvel (Henri Lefebvre)

O problema cientfico da revoluo socialista no est em determinar o modo como ela ir culminar, mas sim em fazer um balano histrico-crtico do que foi conseguido face s tendncias do capitalismo no futuro prximo (Paul Singer)

ndice

Introduo Os Ciclos Longos das Lutas Autogestionrias ( Rochdale, Petrogrado, Barcelona, Praga, Gdansk, Catende) A) Cooperativismo e Autogesto - sculo 19 1. 2. A Cooperativa de Rochdale,1845 A Comuna de Paris,1870

B) O ciclo das lutas autogestionrias aps a Revoluo na Russia 1. 2. 3. 4. 5. 6. A Revoluo Sovitica, 1917-1921 A Comuna Spartacus, Berlim 1919 A Repblica dos Conselhos Operrios, Hungria 1919 Os Conselhos Operrios de Turim, Itlia 1919-1920 A autogesto na Revoluo da Espanha, 1936-1939 As teses de Pulacayo na Bolvia, 1946

C) O ciclo das lutas autogestionrias no ps II Guerra, ( anos 50, 60, 70 e 80 ) a) Europa, Leste Europeu, sia e frica 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Itlia, Outono quente, 1977 Portugal, Revoluo dos cravos, 1974 Frana, Lip 1973 Autogesto Yugoslava, 1950 Os Conselhos Operrios, Alemanha 1953 A Revoluo dos Conselhos, Hungria 1956 A revolta operria, Polnia 1956 e 1970 O Solidarnosc na Polnia, 1980-1981 A Comuna de Shangai, China 1966 A Revoluo na Arglia, 1962 A Primavera de Praga, Tchecoslovquia 1968 A Comuna de Gdanks, 1980

2

b) Amrica Latina 1. 2. 3. 4. 5. Bolvia, a Revoluo de 1952 e a Assemblia Popular de 1971 Peru, anos 60 Argentina, anos 60 e 70 Brasil: greves Contagem e Osasco,1968 Chile: da Unidade Popular de Allende, anos 70

D) Economia Solidria / Empresas recuperadas 12Anexos A autogesto e o novo cooperativismo O socialismo autogestionrio Reflexes sobre o socialismo (Paul Singer) Argentina: ciclo anos 2000 Brasil: Usina Harmonia Catende,1993

Bibliografia

3

INTRODUONada est absolutamente morto: o sentido de cada coisa ter sua festa de renascimento. (Bakhtin) Em cada poca, tem-se de outra vez tentar o resgate da tradio contra o conformismo, que dela quer se apossar. Se o inimigo vencer, tambm os mortos estaro em perigo. (Walter Benjamin) A autogesto na histria assume caminhos diversos. Georges Gurvitch assinalou 3 vias: 1) Os conselhos de trabalhadores podem surgir espontaneamente, dentro da ebulio de uma revoluo social; 2) Os conselhos de trabalhadores podem ser instaurados por um governo poltico nascido de uma revoluo social; 3) Os conselhos de trabalhadores podem se desenvolver por etapas, modificando a longo prazo a estrutura burocrtica da economia imposta por um governo poltico nascido de uma revoluo social. Este processo pode ser mais lento ou mais acelerado, a depender da estrutura concreta do poder poltico e das conjunturas internas e externas. Estas 3 vias da autogesto tm suas qualidades e seus defeitos. As experincias que vamos apresentar podem ser sistematizadas no quadro referencial destas vias, por exemplo: 1) -A primeira via, foi a da revoluo na Rssia em 1917, que foi a primeira a experimentar, por um curto espao de tempo, o surgimento espontneo dos conselhos operrios, no fogo da revoluo social; 2) -A segunda via, a da experincia do governo da Yugoslavia, a partir dos anos 50; 3) -A terceira via, lenta e por etapas, tem exemplos nas lutas dos operrios na Hungria e na Polnia, iniciadas em 1953 1956. Esta classificao de Gurvitch foi feita na poca que proferiu uma srie de palestras em universidades da Yugoslavia, com o ttulo de Os Conselhos Operrios, no ano de 1957. Portanto, logo aps as rebelies e revoltas no Leste europeu em 1956. Sendo assim, Gurvitch (faleceu em 1966) no pode presenciar outras lutas autogestionrias que ocorreram em anos posteriores. De qualquer forma, por exemplo, a evoluo da Polnia, desde as lutas de 1956 at o Solidarnosc, na dcada de 80, parece se inserir na terceira via: um longo perodo de lutas, culminando na desestruturao do sistema. Outras experincias, como a da Arglia (a partir de 1962), ou as experincias na Amrica Latina, Chile de Allende, Peru de Alvarado, Bolvia de Torres, podem ser inseridas na via nmero dois: iniciativas de Governos polticos em conjunturas marcadas por grandes lutas sociais. A experincia histrica no ocorre de forma to pura: podemos dizer que as 3 vias se confundem, se interpenetram, se articulam. Assef Bayat tentou sistematizar as experincias histricas da autogesto em outro referencial utilizando 4 categorias: 1) Autogesto sob contexto de dualidade de poder, em conjunturas revolucionrias; 2) Autogesto nos pases ditos socialistas do Terceiro Mundo;

4

3) Autogesto em governos populistas do Terceiro Mundo; 4) Possibilidades de autogesto em condies normais na periferia do capitalismo. A primeira categoria cobre os exemplos da Rssia (1917), da Arglia (1962), do Chile (1972), de Portugal (1974) e do Ir (1979). A segunda categoria, cobre os exemplos da China, Cuba, Moambique e Nicargua. A terceira categoria cobre os exemplos da Tanznia, Peru, Egito (Nasser) e Turquia. A quarta e ltima categoria no se refere a exemplos histricos, mas a possibilidades. Bayat afirma que o Terceiro Mundo o principal portador das possibilidades de autogesto, no contexto do capital globalizado. Pierre Naville, um autor que se dedicou ao estudo da autogesto, afirma que os Conselhos Operrios existem sempre em estado latente nas empresas de todos os tipos. s vezes, eles entram em atividade sob forma embrionria, durante um curto perodo, como comits de greve. Outras vezes, eles se inserem nas organizaes existentes, por ocasio de comisses de reivindicaes; eles existem, em potencial, mesmo nos comits de empresas legais, com tarefas e funes limitadas. Estas formas embrionrias que podem assumir os Conselhos ou Comits, agrupando, em geral, trabalhadores de diversas correntes polticas, dependem de muitas condies. A primeira que as organizaes polticas, sindicais ou cooperativas existentes no correspondam mais s exigncias das lutas do momento. Esta condio no se apresenta em qualquer momento. Pode ocorrer que, as atividades dos sindicatos de massa ou dos partidos polticos respondam s necessidades de ao. Os Conselhos Operrios no so e jamais foram os nicos organismos, insubstituveis, totalmente diferentes das outras formas de organizao dos trabalhadores. Ao contrrio, existem relaes flexveis, mesmo um parentesco, das diferentes formas de organizao dos trabalhadores. S as condies da ao mostram quais so as preferidas. No se pode substituir o estudo destas condies por uma filosofia abstrata, uma teoria pura dos Conselhos Operrios. As experincias histricas confirmam totalmente as palavras de Naville, como veremos a seguir. O filsofo Henri Lefebvre tentou sistematizar os problemas tericos da autogesto. Suas idias so estimulantes e importantes na perspectiva de tentarmos situar em um quadro terico as experincias histricas. A experincia social (prtica social) mostra que as associaes de autogesto surgem nos pontos frgeis da sociedade existente. Toda sociedade tem seus pontos fortes que, no conjunto, formam a armadura, a estrutura da sociedade. O Estado repousa sobre estes pontos fortes. A poltica estatal tem por tarefa soldar as possveis fissuras. Em volta destes espaos reforados nada acontece. Todavia, entre estes pontos fortes, consolidados pelo Estado, encontram-se as reas frgeis e as lacunas. ai que ocorrem fatos novos. As foras sociais intervm nestas lacunas, as ocupam, as transformam em pontos fortes, ou, ao contrrio, em outra coisa. Os pontos frgeis, os vazios, s se revelam na prtica ou iniciativas de indivduos capazes ou s pesquisas de grupos capazes de agir. Os pontos frgeis podem resultar de um abalo ou de uma desestruturao do conjunto. Lefebvre nos d exemplos muito ilustrativos de suas idias: 1) Em 1870, Paris o ponto fraco do Imprio Bonapartista. No incio de 1871, a capital o ponto fraco da Frana. Devido industrializao, ao crescimento do proletariado, em razo da guerra, derrota da proclamao da Republica, ao estado de stio, e tambm, devido segregao social feita por Hauussmann, repartio dos operrios nos bairros perifricos, ao emburguesamento e ao incio da deteriorao no centro. Sob a Comuna, os operrios projetam realizar a autogesto nas fbricas abandonadas pela burguesia de Versalhes, porm no tiveram o tempo necessrio. Por infelicidade, a

5

burguesia e seu Estado e as relaes de produo capitalistas ficaram fortes fora de Paris; Thiers pode reconstituir rapidamente em Versalhes o aparelho de Estado e a Armada. Lefebvre aponta o ponto fraco onde surgiu a autogesto: as fbricas abandonadas pelos patres. fundamental perceber sua noo de fraqueza: surge de um campo complexo de contradies, tal qual apontou inicialmente. importante tambm notar que o Programa da Comuna traz 13 pontos apontando para o conjunto da sociedade francesa, no se restringindo ao campo da produo (ver abaixo). 2) Em 1917, durante a derrocada do Tzarismo, antigos pontos fortes de sua armadura scio-poltica, isto , a armada e a cidade, tornam-se pontos fracos. Juntam-se, assim, as empresas capitalistas que uma burguesia mal situada no conseguiu consolidar. Por sua vez, os setores fracos se juntam: os Soviets de soldados, de camponeses, de operrios, se uniram em um imenso movimento, o da Revoluo. Lembremos que Lnin proclamou a palavra-deordem: Todo o Poder aos Soviets, vendo neles mais que rgos representativos ou destinados eleger os representantes, mas grupos de trabalhadores associados, gerindo livremente e diretamente seus negcios. Conjuntura surpreendente. Nunca a autogesto generalizada foi to possvel. 3) O exemplo recente da Arglia confirma nossa anlise. Onde se instalou a autogesto? Nas fbricas abandonadas pelos patres (colonos). Para Lefebvre, a autogesto no surge em qualquer lugar, conjuntura ou momento. necessrio uma conjuntura, um lugar privilegiado. Onde e quando ela surge porta, necessariamente, seus elementos possveis: a tendncia generalizao e radicalizao. Para que a autogesto se consolide, se amplie, ela deve ocupar os pontos fortes da estrutura social que operam contra ela. A principal contradio que a autogesto introduz e suscita, sua prpria contradio com o Estado; ela pe em questo o Estado: Desde que aparea um raio de sol, em uma fissura, esta simples planta cresce, e o enorme edifcio estatal ameaado. Para se generalizar, para se transformar em sistema, em escala de toda a sociedade unidades de produo, unidades territoriais, instncias e nveis superiores - a autogesto no pode evitar o choque com o sistema estatal-poltico, seja ele qual for. A autogesto no pode evitar esta difcil tarefa: constituir-se em poder que no seja estatal. O Estado da autogesto, isto , o Estado no qual a autogesto se eleva ao poder, s pode ser de um tipo: um Estado em extino. A autogesto deve ser estudada de duas formas diferentes: como meio de luta, abrindo caminho, e, como meio de reorganizao da sociedade, a transformao de baixo para cima da vida cotidiana e do Estado. nesta perspectiva que Henri Lefebvre define a autogesto: a abertura ao possvel. Paul Singer em Uma utopia militante, repensando o socialismo (Vozes 1998) tambm nos apresenta uma reflexo em que podemos encontrar afinidades com alguns conceitos de Henri Lefebvre. Assim, A histria da cooperativa dos Pioneiros de Rochdale , neste sentido, riqussima em lies. O xito econmico da cooperativa, que depois foi replicado em numerosas localidades da Gr-Bretanha e de outros pases em transio ao capitalismo industrial, demonstra que o modo de produo capitalista apresenta BRECHAS que podem ser aproveitadas para organizar atividades econmicas por princpios totalmente diferentes dos capitalistas e que, por isso, devem ser denominados socialistas. Nestas brechas, pontos frgeis, lacunas onde podemos construir o que Singer chama de implantes de socialismo, que se define na perspectiva da autogesto: Mesmo no capitalismo os implantes socialistas desempenham um papel positivo ao difundir valores essenciais ao convvio em sociedade. Este fato abre um certo leque de possibilidades de que algumas destas sementes germinem. O que poderia significar isso? Que a democracia poltica se difundisse do mbito estatal ao das instituies privadas: empresas, escolas, igrejas, prises, etc; ou que o fortalecimento do sindicalismo fizesse crescer a influncia

6

sobre a gesto econmica dos representantes de operrios nas fbricas, bancos e demais empresas; ou ainda que cooperativas de consumo e de servios se unissem para formar um grande mercado cooperativo preferencialmente voltado aquisio de produtos de cooperativas de produo. Na viso de Singer, o socialismo enquanto utopia militante desencadeou o que se pode considerar ter sido um vasto processo de tentativas e erros no sentido de modificar o capitalismo, compensando suas tendncias concentrao e destruio. E,assim, diz Singer, Os implantes socialistas no capitalismo resultam de algo como um processo de tentativas e erros. E dificilmente poderia ser diferente. A revoluo socialista, por esta conceituao j em curso h quase dois sculos, no a concretizao de um projeto mas o resultado de inmeras lutas no plano social e econmico, que se estenderam por um nmero de naes, medida que a revoluo capitalista foi se estendendo a novos pases e continentes. nesta conceituao que Singer fala do ressurgir do cooperativismo e do que genericamente se chama economia solidria como resposta crescente excluso social produzida pelo neoliberalismo. A economia solidria formada por uma constelao de formas democrticas e coletivas de produzir, distribuir, poupar e investir, segurar. Suas formas clssicas so relativamente antigas: as cooperativas de consumo, crdito e de produo, que datam do sculo passado (19). Elas surgem como soluo, algumas vezes de emergncia, na luta contra o desemprego. Ocupaes de fbricas por trabalhadores, para que no fechem, so semelhantes ocupaes de fazendas por trabalhadores rurais sem- terra. Ambas so formas de luta direta contra a excluso social, tendo por base a construo de uma economia solidria formada por unidades produtivas autogestionrias. Milton Santos realizou reflexes fundamentais para o campo da autogesto. O fato de ter centrado sua obra em torno de conceitos como territrio, espao e tempo, cidades, e de que, em uma primeira vista, no parecem ter relao com nossa questo, o saudoso gegrafo baiano traou pontos que podemos utilizar para reflexo sobre a autogesto. Poderemos notar as afinidades eletivas entre Santos e Lefebvre em alguns elementos como: a questo dos pontos fortes e fracos, no segundo, e, no primeiro, os tempos lentos e os espaos opacos. Por exemplo, em duas obras de pocas diferentes: 1. O Espao Dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos pases subdesenvolvidos (edio francesa de 1970; no Brasil, 1978) 2. A Natureza do Espao: tcnica e tempo - razo e emoo (1996) Para Milton Santos, nos pases subdesenvolvidos, sobretudo no ps-Guerra, as cidades adquiriram um aspecto crtico: tornaram-se cidades sem cidados. O que antes era um todo, um teatro da existncia de todos os seus moradores, tornou-se uma cidade seletiva, tcnicocientfica-informacional. Este processo foi agravado com as polticas neoliberais da dcada de 90. A cidade j vinha criando os seus excludos e os seus irracionais. O processo de globalizao, sob a batuta neoliberal, acelerou esta tendncia. Para Milton Santos, a cidade plstica, herdeira dos primrdios da histria metropolitana, sucede a uma cidade rgida. Todavia, a cidade resiste difuso da racionalidade, graas ao meio ambiente construdo pelos homens, que um retrato da diversidade das classes sociais, das diferenas de renda e dos modelos culturais. A cidade informatizada, as vias de transporte e comunicao, os espaos inteligentes que sustentam as atividades exigentes de infraestruturas sequiosas de rpida mobilizao opem-se maior parte da aglomerao onde os tempos so lentos, adaptados s infraestruturas incompletas ou herdadas do passado, e os espaos opacos que, tambm, aprecem como zonas de resistncia. Para Santos: So nestes espaos constitudos por formas no atualizadas que a economia no hegemnica e as classes sociais hegemonizadas encontram as condies de sobrevivncia. So nessas condies que as grandes cidades do terceiro mundo so, por um

7

lado, rgidas na sua vocao internacional e, por outro, so dotadas de flexibilidade, graas a um meio ambiente construdo que permite a atuao de todos os tipos de capital e, desse modo, admite a presena de todos os tipos de trabalho. Nestas cidades, existem as reas luminosas, modernizadas e que se sobrepem ao resto da cidade, onde vivem os pobres, nas zonas opacas. Para Santos, estes so os espaos do aproximativo e no (como nas zonas luminosas) espaos de exatido, so espaos inorgnicos, abertos e no espaos racionalizados e racionalizadores, so espaos da lentido e no da vertigem. As metamorfoses do trabalho dos pobres nas grandes cidades cria a flexibilidade tropical. Nestas zonas situam-se os tempos lentos, no hegemnicos. Santos usa o conceito de tempo em duas perspectivas: O eixo das sucesses e, o eixo das coexistncias. H uma sucesso de fenmenos ao longo do tempo, uma seqncia. E, temos tambm, o eixo das coexistncias, da simultaneidade. Em um lugar, uma rea, o tempo das diversas aes e dos diversos agentes, a maneira como utilizam o tempo no a mesma. Os respectivos fenmenos no so apenas sucessivos, mas concomitantes, no viver de cada hora. Para os diversos agentes sociais, as temporalidades variam, mas se do de modo simultneo. Para Santos, o tempo como sucesso abstrato e, o tempo como simultaneidade o tempo concreto, j que o tempo da vida de todos. A vida social nas suas diferenas, desigualdades e hierarquias opera segundo tempos diversos e que se casam, unem-se, entrelaam-se no viver comum, que se d no espao de escalas distintas: lugarejo, metrpoles, regio, pas e mundo. Nos anos 30, analisando o fenmeno do nazismo, o filsofo alemo Ernst Bloch falava sobre a dialtica dos desnveis espaciais e temporais;dizia que, todos vivem no mesmo tempo cronolgico e na superfcie do mesmo planeta, mas o tempo e o espao no so homogneos, iguais para todos. Diversos tempos histricos se condensam e se interrelacionam a cada ano e ns somos dispersados, distribudos nestes espaos/tempos diferentes. Bloch chamava esta dialtica de no-contemporaneidade, isto , desenvolvimento nosincrnico. Com o processo de excluso e de desemprego estrutural, h uma necessidade de repensar a questo do trabalho, pois se no h emprego para todos, h muito trabalho desde que pensamos a partir das necessidades diversas da sociedade. Nas cidades dos pases subdesenvolvidos o modo particular de organizao do espao articula as mais variadas formas de capital, trabalho e tecnologia. Esta organizao do espao urbano caracteriza-se pelo Espao Dividido em dois circuitos da economia urbana: 1. Um circuito superior que tem sua origem diretamente na modernizao tecnolgica onde operam os monoplios; 2. O circuito inferior que formado por atividades de pequena dimenso e tem suas razes nas populaes pobres. Para Santos, a relao entre ambos dialtica: o circuito inferior, sendo produto da lgica do circuito superior ,ao mesmo tempo, condio de entrave a sua expanso. Nestas cidades proliferam zonas de resistncia na forma de atividades voltadas a atender as necessidades concretas e imediatas de sobrevivncia: pequenas empresas que atendem a um circuito de produo, distribuio e consumo que opera distante do universo da economia racionalizada e informatizada. Portanto, h de um lado, uma economia globalizada, produzida por cima, e um setor produzido por baixo e que, nos pases pobres, um setor popular e, nos pases ricos, inclui os setores desprivilegiados da sociedade, incluindo os imigrantes.

8

neste caldo cultural, espacial/temporal e urbano que se criam as condies para as condies iniciais da Economia Popular e Solidria, em muitos pases da Amrica Latina e Central. Karel Kosik, um dos principais animadores do debate sobre a autogesto, na Primavera de Praga (1968), o filsofo, em obra pstuma, retomou sua reflexo do final dos anos 60, sobre a experincia dos conselhos operrios em seu pas. Em A Crise dos tempos modernos. Dialtica da moral (obra pstuma, publicada em 2003), Kosik retoma suas reflexes de 1968. Em 1968, Kosik desenvolveu uma reflexo profunda sobre 1968. Os acontecimentos tchecos no constituem uma das habituais crises polticas, uma das habituais crises econmicas. So, tambm, uma crise dos fundamentos de que derivam as idias atuais sobre a realidade como sistema de manipulao geral. O sentido e o alcance dos atuais acontecimentos na Tchecoslovquia encontram sua melhor caracterizao em dois termos hoje cotidianamenente presentes em Praga e Bratislava: de um lado, CRISE, de outro, SOCIALISMO HUMANSTICO. Nestes dois termos h muito mais contedo do que se possa parecer primeira vista: isto significa que eles contm tanto o estado atual quanto a perspectiva e constituem, ao mesmo tempo, o ponto de confluncia da reflexo e da ao do pensamento critico e da poltica revolucionria. A sociedade tchecoslovaca se encontra em crise e tenta resolver esta crise orientando-se para um socialismo humanstico. Vale dizer que uma soluo coerente desta crise pressupe que sejam esclarecidos o sentido do socialismo e da revoluo, a misso da poltica e do poder no mundo moderno e que com toda a profundidade terica e a inventividade prtica de que somos capazes, nos faamos de incio a pergunta: O que o homem?, O que a realidade?, A natureza?, A verdade?. O que o tempo?, O ser? etc (A Crise do Homem Contemporneo e o Socialismo-1968) Para os vencedores de ontem e de hoje a Primavera de Praga um captulo fechado. Uns, com rigor inquisitorial, a condenaram como contra-revoluo, outros adotam um orgulho complascente como se no passasse de uma antecipao tmida e imperfeita da perfeio contempornea a restaurao do capitalismo e a democracia medocre e limitada que lhe corresponde. Na realidade, a Primavera de Praga ainda um acontecimento vivo. Lanar o olhar sobre ele significa examinar a misria do presente. Kosik, quando fala da misria do presente, refere-se ao mundo do capital globalizado e das polticas neoliberais que tambm devastaram os pases do leste da Europa, aps 1989. (...)Quando as pessoas refletem sobre um acontecimento real qualquer que ele seja, elas no voltam ao passado e no fogem para o passado, mas comeam a compreender seu presente. O aspecto fundamental do acontecimento que ele no se resolve jamais em uma questo resolvida, mas que PARA CADA GERAO, ELE ABRE SUAS POSSIBILIDADESOCULTAS E QUE CADA POCA ENCONTRA NELE O QUE A VAI INCITAR A RESOLVER SEUS PROBLEMAS (grifo nosso)

Kosik em sua reflexo revela profundas afinidades com Singer: No existe ponto de partida privilegiado, nem algum sujeito j formado, j pronto, de onde partiriam de forma automtica e absoluta o movimento para a transformao salvadora e na qual, de um s golpe ou gradualmente, se resolveriam todos os conflitos da humanidade. cada um de seus momentos, a histria uma pluralidade de possibilidades e depende de quem est capaz de desenvovler suas potencialidades libertadoras, e de continuar a progredir sem parar em uma situao intermediria ou se fixar como se fosse a etapa final. A obra pstuma de Karel Kosik (1926-2003) foi publicada por iniciativa do brasileiro Michael Lowy. Na introduo, Lowy resume o carter singular do pensamento do tcheco: uma crtica da civilizao moderna sob sua forma capitalista ou pseudo-socialista, que se alimenta do marxismo, ao romantismo, fenomenologia, mas que verdadeiramente original;

9

um ponto de vista tico, humanista e radical, que questiona as formas fetichizadas da economia, da sociedade e da poltica modernas; um Princpio de Resistncia; uma sensibilidade profunda pela riqueza das formas culturais do passado. Nos debates sobre a autogesto em 1968, Kosik assim definia a relao entre socialismo e democracia: A democracia socialista uma democracia integral ou no existe absolutamente. Fazem parte de suas bases, quer a autogesto dos produtores socialistas, quer a democracia poltica dos cidados do estado socialista, uma degenera sem a outra. Voltemos ao incio de nossa reflexo: os ciclos longos das lutas pela autogesto. Como vimos acima, Paul Singer ao definir os implantes socialistas no capitalismo, afirma que A revoluo socialista, por esta conceituao j em curso h quase dois sculos, no a concretizao de um projeto, mas o resultado de inmeras lutas no plano poltico, social e econmico que se estenderam por um nmero crescente de naes, medida que a revoluo capitalista foi se estendendo a novos pases e continentes. Traar elementos fundamentais das inmeras lutas destes quase 2 sculos de luta pelo socialismo, significa buscar elementos para um balano histrico-crtico deste processo de tentativas e erros. Nesta perspectiva, a experincia histrica da Comuna de Paris (1871) Comuna de Gdansk (1980), a histria das lutas dos trabalhadores em vrios continentes, mostra que em momentos crticos, caracterizados por conjunturas de carter pr e/ou revolucionrio, a autogesto surge como prxis de auto-emancipao da classe operria como o horizonte do socialismo. Assim, levando em conta as experincias principais do movimento operrio, caracterizadas por diversas formas de socializao dos meios de produo, do poder e por revolues culturais do cotidiano, podemos extrair um contedo coerente do socialismo autogestionrio como alternativa tanto s vrias formas de capitalismo quanto s de socialismo estatal. Esse ensaio explora conhecimentos sobre estas vrias experincias, com enfoque sobre alguns aspectos que so fundamentais para concepo da autogesto. Procura traar a existncia de uma constelao de lutas pela autogesto, demonstrando que constituem uma existncia real que a prpria histria das lutas do movimento popular e operrio. A autogesto existe e se manifestou em vrias formas. til conhecer como ela combateu, como foi desviada de seus objetivos, sabotada, derrotada. Desta forma, a autogesto deixar de ser uma palavra vazia e ser vista como uma experincia plural e uma estratgia de luta. As experincias ensinam lies fundamentais para a histria dos trabalhadores. Rosa Luxenburgo foi a primeira socialista a dizer que os trabalhadores devem aprender com os erros e as derrotas. Assim, nestas experincias no buscamos receitas ou modelos acabados, mas exemplos de organizaes dos trabalhadores. Cada momento histrico tem suas particularidades e solues que so especficas. Todavia, fundamental o conhecimento do movimento operrio internacional, suas diferentes formas de luta e de organizao, suas idias e suas experincias. Podemos buscar apoio em algumas idias de Hanna Arendt, que articulou seu pensamento sobre as Revolues em dois plos extremos: o primeiro que toma a revoluo como abertura e momento de incandescncia do poltico, onde a histria se entreabre brevemente para liberdade e ao. O segundo, em que aborda o totalitarismo como eclipse do poltico. Hanna Arendt aborda a dimenso da comunicao nestes processos como revelao: A revelao de perda do espao pblico pela cassao da palavra, o que ocorre na situao-limite do totalitarismo. A revelao da recuperao da palavra viva e da ao vivida, que surge em certas situaes especificas, das quais, so exemplos: os soviets, as comunas, os conselhos, que so, na expresso de Hanna Arendt, os tesouros perdidos a serem novamente resgatados das experincias dos movimentos populares.

10

No final, em anexo, colocamos trs textos mais tericos: um, sobre o novo cooperativismo; um verbete sobre socialismo autogestionrio e, por ltimo, um texto recente de Paul Singer: Reflexes sobre o Socialismo. As repeties que ocorrem nestes textos (no que diz respeito, sobretudo, s idias de Maruategui, presentes em 3 partes) apenas reforam alguns elementos permanentes da cultura autogestionria. Os dois primeiros, so textos com vida prpria e j publicados, contudo, portam elementos em termos do campo conceitual, reforando a parte sobre as experincias de lutas autogestionrias. O mesmo sentido encontramos no texto de Singer, que finaliza o conjunto. Nosso prximo passo ser em relao s lutas no sculo XIX. Destacamos 2 momentos fundamentais: o nascimento do Cooperativismo autogestionrio na Inglaterra e a grande insurreio da Comuna de Paris, possivelmente, a primeira luta mais ampla de carter autogestionrio. O ttulo do ensaio, com um certo corte surrealista, tenta dar conta de dois locais: o beco dos sapos, onde surgiu a cooperativa em Rochdale, e, os canaviais da zona da mata pernambucana, onde est localizada a Usina Harmonia Catende. Os Probos PIONEIROS de ROCHDALE A Economia Solidria, a partir de suas diversas matrizes e de um longo processo histrico de prticas com afinidades entre si, incorpora diversas palavras que tm um significado profundo. Vejamos algumas: 1. A palavra cooperar vem do latim cum operari, que significa trabalhar conjuntamente com algum. 2. A palavra sindicato vem do grego atravs das lnguas romanas e tem duas razes: com e justia, isto , os sindicalizados so os que tm por defesa a mesma causa. 3. A palavra mutualidade vem do latim mutuum, isto , troca. Troca eqitvel de servios. 4. A palavra solidariedade, tem sua etimologia em o que solidrio, ou o que se torna slido como o solo. Se solidariedade significa slido como o solo, apesar das palavras de Marx/Engels no Manifesto Comunista, nem tudo que slido se desmancha no ar. A Economia Popular e Solidria um exemplo desta persistncia dos trabalhadores que, em busca de sua autoemancipao, esto reinventando formas novas para a expresso de suas lutas pela autogesto. No incio do sculo XIX, o movimento cooperativo, no seu sentido amplo, e o movimento socialista eram prximos e, s vezes, chegavam a se confundir. A palavra cooperao foi usada a primeira vez por Robert Owen, em 1821, no sentido oposto concorrncia e como sinnimo de socialismo, e, at mesmo de comunismo. Assim, por cooperao, Owen entendia o oposto ao sistema individualista de concorrncia, ou seja, a cooperao mtua: A primeira sociedade cooperativa, que agrega seus discpulos, so associaes em que os membros versam uma cota semanal com o objetivo de acumular um capital destinado fundao de cidades comunistas. A cooperativa de produo comunista a preocupao essencial dos primeiros congressos cooperativistas ingleses de 1831-1832 (Edouard Dollans, Robert Owen, Paris,1905) Os socialistas do sculo XIX eram chamados de socialistas associonistas ou societrios. Para muitos a associao livre bastava para solucionar todos os problemas sociais e por esta concepo, se diferenciavam de Saint-Simon e seus seguidores, que, na verdade, defendiam a estatizao ou o coletivismo estatal.

11

Portanto, havia uma identidade de origem, na primeira metade do sculo XIX, entre o movimento cooperativista e o movimento socialista. Charles Gide salienta que:O carter mais saliente do Socialismo atual ser Socialismo de classe. preciso notar que este carter no existia no Socialismo antigo nem no Socialismo francs do ltimo sculo (19) e que este, especificamente operrio, afirmou-se sobretudo no Sindicalismo, esta recentssima forma do socialismo. Fourier, Owen e Blanc tinham a idia de que a soluo das questes sociais estava na fundao de pequenos grupos fechados que empregariam toda a fora de trabalho de seus membros. A instituio destes pequenos microcosmos autnomos foi a panacia de todos estes inventores sociais e socialistas. Para Fourier, seria o Falanstrio, uma colnia imaginria de 400 hectares e com 400 famlias. Para Owen, a Colnia de New-Harmony fundada na Amrica, em 1825. Charles Gide e Beatriz Potter-Weber lanaram as bases da nova doutrina: as cooperativas de consumo. Para Gide, Fourier era tido como o criador do cooperativismo de consumo. Para Fourier, no Falanstrio, 5/12 do lucro seria para o trabalho, 4/12 para o capital, 3/12 para a obra de direo da empresa. Assim, Fourier no tinha idia do princpio cooperativo. Em sua obra La Rivoluzione Cooperativa o il Socialismo dOccidente (Roma, 1953), Bernard Alvergne afirma: Fourier, nem Owen, no tinham idia do que poderia ser a cooperativa de consumo. Mas com seu trabalho de divulgao, no princpio do sculo XIX, suscitaram na classe operria da Frana e da Inglaterra, uma emoo e um entusiasmo essencialmente favorvel ao desenvolvimento de associaes com tendncias socializantes. Atravs de tentativas, de erros e acertos, foi descoberta a idia da repartio cooperativa do lucro. Aps ter sido pressentida por dois operrios fourieristas, que fundaram em Lyion uma sociedade mais ou menos similar nossa cooperativa distributiva e lhe deram um magnfico nome essencialmente fourierista: Ao comrcio verdico e social, a nova idia foi reinventada e precisada em 1844 por um discpulo de R. Owen. A passagem das idias pratica, ocorreu com Charles Howart, quando em 1843, redigiu os estatutos da futura sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale. Georges Jacob Holyoake, em livro publicado em 1893, descreveu a epopia de Rochdale: No final de 1843, havia grande prosperidade nas manufaturas de Rochdale, condado de Lancashire, na Inglaterra. Nesta conjuntura, os teceles reivindicavam aumento salarial. No conseguindo aumento pelos patres, lembraram das idias de Owen. Um Comit formulou e tentou diversos caminhos, todos sem resultados totalmente satisfatrios. Enfim, aps conseguir a unidade dos trabalhadores, decidiram pelo cooperativismo: fundar um armazm cooperativo de consumo. Este Comit era formado por 28 teceles, militantes dos movimentos Cartista e socialista. Definiram alguns princpios da cooperativa. Baseados em sua educao socialista, os teceles viam o crdito como um dos males da concorrncia. Assim, as vendas seriam vista. Em 24 de outubro de 1844, a cooperativa foi registrada com o nome de Rochdale Society of Equitable Pioneers. Em pouco tempo, a sociedade tinha aumentado seus scios de 28 para 40, espalhados por todos os bairros e subrbios da cidade. A cidade foi dividida em 3 distritos e 3 cobradores visitavam os scios em suas casas todos os domingos. Toda semana havia um piquenique para o qual os scios pagavam uma taxa. Em 21 de dezembro, na Toad Lane (beco dos sapos) os pioneiros iniciaram suas operaes. Os princpios cooperativos foram sintetizados em 7: 1. Livre adeso;

12

2. Administrao democrtica; 3. Sobre capital emprestado a cooperativa pagaria taxa de juros fixa; 4. Repartio do excedente econmico (sem que constitua formas de lucro capitalista); 5. Neutralidade poltica e religiosa; 6. Educao dos scios; 7. Integrao cooperativa. A Educao e a tica so dois elementos fortes da experincia de Rochdale. Quando se definiam como os Probos, isto significa uma definio de economia moral ou de uma tica baseada na solidariedade. Por sua parte, o Departamento de Educao foi criado em 1849; um comit foi fundado para recolher as doaes voluntrias de dinheiro e livros. Em 1853, 2,5% do lucro da sociedade foi dedicado educao. Em 1856, a biblioteca tinha 1.400 volumes e a sala de leitura de livros e jornais ficou aberta gratuitamente a todos nos scios. Em 1867, a biblioteca tinha 7.000 volumes e 11 salas de leitura em vrios bairros da cidade, abertas por 7 horas dirias. Neste ano, foi editado um catlogo da biblioteca, com uma tiragem de 7.000 exemplares. Dez anos depois, em 1876, o nmero de volumes era de 12.000. O nmero de livros consultados pelos leitores de junho de 1876 a junho de 1877 foi de 37.316. O Comit de Educao organizava Conferncias temticas. Em 1873, diversas entidades organizavam conferncias pblicas. Em certas ocasies, havia 6 conferncias em uma mesma noite. Este Comit tinha 11 membros eleitos, uma metade, na assemblia geral de abril e a outra, na assemblia de outubro; assim, cada membro ficava um ano nas funes.

A COMUNA DE PARIS*

Hoje a festa nupcial da idia e da revoluo. Aps a poesia do triunfo, a poesia do trabalho. [ Le cri du peuple, 30 maro de 1971]

H 130 anos (1871-2001) a classe trabalhadora de Paris tentou assaltar o cu. Este movimento ficou conhecido como a Comuna de Paris. O exemplo do povo parisiense ainda significativo, sobretudo, quando pensamos a questo do poder local, isto , a ocupao/tomada do aparato estatal e sua transformao em poltica popular e operria. A Comuna de Paris foi o acontecimento mais importante da luta pela auto-emancipao dos trabalhadores no sculo XIX. Pela primeira vez, no perodo de dois meses, o proletariado teve nas mos o poder e criou as condies objetivas para extino do poder poltico. De 30 de abril a 5 de maio de 1871, a Comuna eleita em 26 de maro por sufrgio universal e majoritariamente formada por trabalhadores da produo, tomou um conjunto de decises tendentes a destruir o Estado burgus e edificar a democracia direta, uma sociedade socialista autogestionria. Entre as medidas, contidas na "Proclamao da Comuna ao Povo Trabalhador de Paris", pela sua importncia e pela repercusso que viriam a ter no movimento operrio internacional, desde ento at nossos dias, destacamos as seguintes: combate burocracia - supresso do funcionamento estatal;

13

abolio do exrcito e sua substituio pelas milcias populares; interdio do acmulo de cargos; organizao de conselhos operrios nas fbricas abandonadas pelos patres; reduo da jornada de trabalho para 10 horas; eleio da direo das fbricas pelos trabalhadores; reforma do ensino; revoluo cultural do cotidiano; Em nvel da organizao do trabalho, mola mestra do sistema de explorao, houve uma demolio, pedao por pedao, de toda a organizao capitalista do trabalho: as fabricas da comuna foram exemplo de democracia proletria. Os operrios nomeavam os seus diretores, chefes de equipe, etc. Tinham o direito de revog-los, eles mesmos decidiam os salrios, horrios e condies de trabalho; um comit de fbrica se reunia todos os dias para programar o trabalho. Um verdadeiro autogoverno dos trabalhadores. Assim, pela primeira vez, veio luz no mundo real as formas prticas de superao do poder poltico: a organizao do social e do econmico exercida cada vez mais diretamente pelas massas, a eleio pelas massas de todos os intermedirios e sua revogabilidade a qualquer momento, a inexistncia de privilgios econmicos para estes intermedirios. As instituies da Comuna de Paris, estruturalmente novas, criadas no prprio processo real, constituram as bases materiais de um poder poltico de novo tipo, ou seja, a extino do poder poltico. Um Estado gerido por Conselhos Operrios democraticamente eleitos, um Estado Comuna. A Comuna inaugurou a era da expropriao dos expropriados ao decretar a socializao das fbricas abandonadas pelos patres e ao instaurar um regime de autogesto operria. Para Marx, "O verdadeiro segredo da Comuna residiu em ser essencialmente um Governo de classe operria, o produto da luta de classes dos produtores contra a classe dos expropriadores, a forma poltica por fim descoberta, pela qual se podia realizar a emancipao econmica do trabalho". Ainda para Marx, "A Comuna foi uma revoluo, foi o ressurgimento da autntica vida social do povo, realizada pelo povo, foi uma revolta contra o poder executivo e as formas parlamentares". Para Bakounin, "A Comuna foi uma negao audaciosa, bem clara, do Estado e a exaltao da ao espontnea e comum das massas, dos grupos de associaes populares, porque as massas tm, eminentemente, o instinto socialista". Por sua vez, Lenin reconheceu na Comuna a primeira tentativa feita pela revoluo proletria para destruir a mquina do Estado burgus: "A Comuna ensinou o proletariado europeu a pr concretamente os problemas da revoluo socialista. A causa da Comuna a revoluo social, a emancipao poltica e econmica total dos trabalhadores, a do proletariado universal. E, neste sentido, ela universal". Assim, exaltada por vrios revolucionrios, a Comuna foi a primeira grande revoluo moderna. Muitos foram os motivos do aniquilamento da Comuna de Paris pela burguesia europia. Contudo, assinalemos apenas duas condies analisadas por Lenin:

14

"Para que uma revoluo social possa triunfar, duas condies ao menos so necessrias: as foras produtivas altamente desenvolvidas e um proletariado bem preparado. Mas, em 1871, estas duas condies faziam falta. O capitalismo francs era ainda pouco desenvolvido, e a Frana era sobretudo um pas de pequeno-burgueses (artesos, camponeses, comerciantes, etc). Mas o que fez falta Comuna foi o tempo e a possibilidade de se orientar e de abordar a realizao de seu programa".

O Contexto da Comuna de Paris Antes de apresentarmos o Programa de governo da Comuna, vejamos algumas reflexes que elucidam a dinmica e a natureza da experincia da classe operria em se tornar uma fora estatal, ou, nas palavras de Gramsci, hegemnica, ser governo. Vejamos em duas partes: na primeira, a conjuntura de Paris, na perspectiva da fora da classe operria. Na segunda, alguns elementos da dinmica de poder. 1) A situao econmica e social apresentava uma burguesia forte e ampliada no Segundo Imprio. Iniciava-se uma classe operria concentrada nas grandes fbricas e em algumas regies francesas, porm, a pequena indstria e o artesanato eram numericamente predominantes e a Frana era um pas rural. Grandes imprios industriais dominavam a Frana. Schneider ocupa 10.000 operrios na indstria metalrgica no Creusot, de Wendel ocupa cerca de 10.000 em suas fbricas siderrgicas da Lorena. As Minas dAnzin ocupam mais de 10.000 mineiros. Havia uma grande classe operria concentrada nas grandes empresas metalrgicas, siderurgias, txteis e qumicas. Em 1860, os canteiros navais de Paris tinham mais de 70.000 operrios, grande parte vinda da provncia, num fluxo migratrio de propores enormes, como resultado do processo de concentrao da terra e atrados pela reforma urbana do prefeito Haussman. No Censo de 1866, temos 4.715.084 pessoas empregadas nas fbricas e na indstria, mas apenas 1.500.000 operrios trabalhavam nas empresas com mais de 10 pessoas. Assim, o fenmeno da concentrao foi rpido e brutal, mas limitado a alguns ramos industriais e em algumas regies geogrficas [ Paris, Norte, Lorena, Sena-inferior e Lyon]. Entre 37 milhes de habitantes no pas, mais de 25 milhes aso rurais. Entretanto, as pequenas empresas eram maioria na indstria. Paris tinha uma populao de 2 milhes de habitantes. A nova diviso administrativa, criada em 1859, tem 20 bairros [arrondissements] com 1.800.000 habitantes. A Paris dos 20 bairros, conta com 442.000 operrios em 1866 e, com 550.000 em 1872. Seu nmero cresce e tambm sua concentrao, pois o nmero de patres diminui de 650.000 em 1847 para 39.000 em 1872; a relao patro/operrio passa de 1 a 5 em 1847 para 1 a 14 em 1872. Em Paris, existe muitas empresas com mais de 5.000 operrios e na periferia tambm. Cail, na metalurgia, emprega mais de 2.000 operrios. Gouin mais de 1.5000 [construo de locomotivas], Gevelot com 1.500 operrios em Moulineaux e 400 em Paris. Mas, a maior parte das empresas da metalurgia ocupa 50,20,10 operrios. Jacques Rougerie assinala o seguinte quadro. Nas profisses tradicionais de Paris, txtil, calados, artesanato, predomina a estrutura da pequena indstria artesanal. Havia na cidade 3 grandes casas de produo de calados.

15

Na insurreio, as categorias mais presentes foram a Metalurgia, a Construo, Jornalistas. Populao revolucionrios deportados: Metalurgia 8% 12% 12% Construo 10% 17% 18% Jornalistas 20% 14% 15% Textil-roupa 8% 9% 9% Calados Livros 10% 10% 9% Na Guarda nacional temos a seguinte composio: Para cada 100 guardas: Trabalhadores % Livro 31,9% Madeira 19,2% Metalurgia 16,9% Construo 7,3% Empregados 36,8% Pequenos comerciantes 23,3%

A Represso No domingo, 28 de maio de 1871, caiu a ltima barricada da Comuna. A batalha de Paris produziu 20.000 vtimas; 26.000 comunards foram capturados entre 21 e 28 de maio; mais 3.500 nas lutas contra Versalhes, em abril; 5 000 prises entre junho julho. Um total, entre presos, fugitivos e mortos, cerca de 100.000 habitantes parisienses. Entre os 38.578 revolucionrios presos e julgados em 1o de janeiro de 1875, temos 36.909 homens, 1.054 mulheres, 615 crianas com menos de 16 anos. 1.090 foram libertados aps interrogatrios. Portanto, cerca de 40.000 prisioneiros e mais de 50.000 julgamentos. 2) Elleinstein analisou a Paris assediada no inverno de 1871. As principais atividades estavam paradas pelo cerco prussiano. "Rapidamente, a liberdade de imprensa e de reunio ressurgiram, multiplicando o nmero de jornais e clubes polticos. A palavra-de-ordem que unificava as diferentes tendncias socialistas e radicais foi a da Comuna. As reunies pblicas eram numerosas e quase diariamente, desde o dia 5 de setembro. Decidiu-se que em cada bairro [arrondissement] seria eleito um comit de vigilncia nas reunies pblicas e que, um comit central dos 20 bairros seria formado na proporo de 4 delegados por bairro. A federao das escoes parisienses da PRIMEIRA INTERNACIONAL teve um papel determinante na criao desta organizao. Foi este Comit central que adotou na noite de 13 para 14 de setembro de 1870 um texto que foi o primeiro "affiche vermelho" publicado - que um verdadeiro programa de governo. Era um verdadeiro comit de frente nica agrupando os internacionalistas das

16

diferentes tendncias, blanquistas e radicais um pouco imagem da Comuna alguns meses mais tarde". Sobre a Guarda Nacional, Elleinstein assegura que "Bismarck no pensou em desarm-la. O motivo foi porque, em Paris, a Guarda Nacional teve um papel essencial, dominante. J antes do fim do cerco, houve tentativas para realizar uma organizao poltica da Guarda Nacional. Esta nomeava seus oficiais em cada batalho, mas o comando era nomeado pelo Governo. Foi em 15 de fevereiro 1871 que se reuniu em uma grande sala parisiense, sala de Tivoli-Vauxhall, os delegados dos batalhes de 18 bairros. Neste dia decidiu-se pela criao de um Comit central da Guarda Nacional. Uma comisso parisiense de 20 membros foi designada e encarregada de elaborar um projeto de estatuto. O comit central dos 20 bairros manifestou sua existncia atravs de uma declarao de princpio reconhecendo a "Comuna revolucionria da cidade" como nico governo. Aps vrias reunies, ocorridas em fevereiro e maro, os delegados marcharam para a praa da Bastille onde se juntaram a 14 batalhes da Guarda Nacional. Renderam homenagem s vitimas das revolues de 1830 e 1848 e depositaram bandeiras vermelhas e flores ao p da coluna de julho. A Guarda Nacional de 1870, com 300.000 efetivos, conserva o nome antigo mas uma criao nova de tempos novos; um organismo poltico-militar de massa com maioria operria, com base na vida dos bairros populares e, um poder em potencial antagnico ao poder estatal burgus. Em 3 de maro, os delegados dos batalhes da Guarda Nacional, em nova reunio a Tivoli-Vauxhal adotam os estatutos da organizao. Um Comit central provisrio eleito. A organizao decide fundar estruturas verticais e horizontais. Na base, encontramos as companhias, os batalhes, a legio e, enfim, o Comit central da Guarda Nacional. Entre os 29 membros eleitos na comisso provisria, encontramos 6 membros do Comit central republicano dos 20 bairros signatrios do affiche vermelho de setembro 1870. Entre eles, Varlin e Pindy, membros da Internacional. Assim, foram estabelecidas relaes estreitas entre as 3 organizaes essenciais para Comuna: 1) O comit central dos 20 bairros; 2) O conselho federal da Associao Internacional dos Trabalhadores; 3) O comit central da Guarda Nacional. As eleies ocorreram no domingo, 26 de maro. O Comit central da Guarda Nacional lanou um apelo geral em 25 de maro: "Nossa misso terminou. Vamos ceder o lugar no Hotel de Ville a vossos novos eleitos, a nossos mandatrios regulares". No bairro nmero 11 de Paris, foi formado um comit central eleitoral republicano, democrata e socialista e que apresentou um programa poltico mais definido. 1) Direito de viver 2) Liberdade individual 3) Liberdade de conscincia 4) Liberdade de reunio e associao 5) Liberdade de palavra, de imprensa e de todos os modos de expresso do pensamento 6) Liberdade de sufrgio.

17

Em seu plano de organizao poltica define que: Poltica "O Estado e o povo se governando por si-prprio, composto de mandatrios revogveis, eleitos pelo sufrgio universal direto, organizado." Trabalho Produo - Distribuio "O trabalho coletivo dever ser organizado. O objetivo da vida o desenvolvimento indefinido de nosso ser fsico, intelectual e moral; a propriedade no deve ser que o direito de cada um participar, em razo da cooperao individual, no fruto coletivo do trabalho de todos, que a forma da riqueza social. Outros pontos foram abordados, por exemplo: Funes Pblicas, Defesa Nacional, Justia e Magistratura, Educao e Instruo, Impostos, Unidades, Reparties, Percepo. A concluso reza que: "No haver mais opressores e oprimidos fim da distino de classes entre os cidados, fim das barreiras entre os povos - a famlia, sendo a primeira forma de associao, todas as famlias se uniro em uma maior, a partia nesta personalidade coletiva, superior a humanidade." Entre os membros do Conselho geral, temos 25 operrios, entre os quais, 6 metalrgicos, prova do carretar operrio da Comuna. O Conselho geral se reunia regularmente, s vezes noite, s vezes em sesso secreta. Nestas reunies participava um grande nmero de pessoas. A partir de 13 de abril, relatrios destas sesses foram publicados no Jornal oficial. Ao lado do Conselho geral, havia comisses especializadas, em nmero de 10, funcionando a partir de 29 de maro. Em 24 fevereiro, na Vauxhall, dois mil delegados participam de uma segunda assemblia. O clima de pleno acesso, e a reunio termina com uma forte manifestao na praa da Bastilha. A federao, orago poltico-militar de massa, concebida por delegados, segundo um plano muito simples, baseado no principio fundamental da eleio pela base, da responsabilidade e da revogao dos chefes, em todos os nveis, isto , a companhia elege os seus delegados, estes escolhem delegados de batalho, que, por sua vez, designam os delegados gerais, ou generais de legio, estes ltimos, compem o Comit central, que funciona segundo o princpio da gesto coletiva de comando. O Comit de delegados dos 20 bairros elaborou uma Declarao de Princpios, em 22/23 de fevereiro de 1871. Esta Declarao retoma vrios pontos do Regulamento de 18/19 de outubro de 1870, elaborado pelo Comit dos 20 bairros. O regulamento apresenta um salto de qualidade a nvel poltico. Todo membro do comit de vigilncia declara pertencer ao partido socialista revolucionrio. Em conseqncia, busca com todos os meios suprimir os privilgios da burguesia, seu fim como casta dirigente e, o poder dos trabalhadores. Em uma palavra, a igualdade social. No mais patres, no mais proletrios, no mais classes. Reconhece o trabalho como a nica base da sociabilidade onde o produto integral do trabalho deve pertencer aos trabalhadores. No plano poltico, se opor em caso de necessidade com a fora, a convocao de qualquer Constituinte ou outro tipo de Assemblia Nacional, antes que a base do atual quadro social no seja mudada por meio de uma liquidao revolucionria poltica e social. A espera desta revoluo definitiva, no reconhece como governo da cidade que a Comuna revolucionria formada por delegados dos grupos revolucionrios desta mesma cidade Reconhece apenas como governo do pas, o governo formado por delegados da Comuna revolucionria do pais e

18

dos principais centros operrios. Empenha-se no combate a esta idia e a divulgar, formando onde no existe, grupos socialistas revolucionrios. Articular estes grupos entre si e com a Delegao central. Colocar todos os meios que dispe ao servio da propaganda pela Associao internacional dos trabalhadores. Vittorio Mancini destaca os seguintes pontos deste programa: A sntese terica realizada no documento entre luta social e luta poltica, a viso histrica absolutamente nova do perodo de transio entre a revoluo poltica e a edificao da sociedade igualitria, a relao corretamente intuda entre centralismo e democracia operria, autonomia municipal e unidade nacional, so aquisies que portam o sinal de uma dialtica social desconhecida em 1789 ou em 1793; o patriotismo tradicional e superado, no quadro de uma estratgia revolucionria que no reconhece limites O militante socialista deve por em primeiro lugar a propaganda da associao internacional dos trabalhadores e lutar a todo momento pela Repblica social universal. Rougerie remarca a democracia direta: "Governo direto, controle permanente dos eleitos pelos eleitores, revogabilidade permanente dos mandatrios pelos mandatados: assim se estabeleceu a verdadeira soberania popular". O exerccio deste governo popular fez-se atravs de "uma boa cinqentona de clubes, funcionando em abril e maio de 1871 - a maior parte nas Igrejas laicizadas - e que controlavam alegremente as aes dos eleitos para Comuna". O Documento supera quaisquer correntes, tais como Blanquismo, Federalismo Proudhoniano, Anarquismo Bakuniano, Marxismo. Na verdade, um produto da criatividade terica do proletariado em uma situao de crise revolucionria. O Decreto de 16 de abril conclama: A Comuna de Paris "Considerando que uma quantidade de fbricas foram abandonadas por seus patres para escapar das obrigaes cvicas, e sem levar em conta os interesses dos trabalhadores; Considerando que devido a este covarde abandono, numerosos trabalhos essenciais vida comunal esto interrompidos e a existncia dos trabalhadores comprometida; Decreta: As cmaras sindicais operrias esto convocadas a constiturem uma comisso que tem por objetivo: 1. Fazer uma estatstica das fbricas abandonadas, e um inventrio exato do estado em que se encontram e os instrumentos de trabalho existentes; 2. Apresentar um relatrio sobre a rpida ativao destas fbricas, no mais pelos desertores que as abandonaram, mas pela associao cooperativa dos trabalhadores nelas empregados. 3. Elaborar um projeto de formao destas sociedades cooperativas operrias; 4. Constituir um jri para fundamentar em estatuto, quando do retorno dos patres, sobre as condies de cesso definitiva destas fbricas para as sociedades operrias e sobre a cota de indenizao que se deve pagar aos patres." Rougerie analisa o decreto do 16 de abril:

19

"Com a Comuna, a utopia comeou a existir na prtica. O Decreto tinha por objetivo buscar nas organizaes operrias algumas fbricas onde pudessem iniciar o movimento. Desde 24 de abril, o delegado na Comisso do Trabalho e Trocas, Leo Frankel, convocou uma reunio dos representantes sindicais. No dia 25, convocou-se o sindicato que iria ficar frente do movimento, os metalrgicos. Os outros sindicatos atenderam convocao, e em 4 maio estava definitivamente constituda uma Comisso executiva permanente dos sindicatos. Apesar do pouco tempo da experincia, a operao obteve resultados importantes. Uma dezena de fbricas confiscadas, sobretudo as que interessavam defesa militar, recuperao de armas, fabricao de cartuchos e balas de canho. Cinco empresas haviam feito o recenseamento das fbricas antes da confiscao. A Comuna tinha igualmente sua disposio, os estabelecimentos industriais pertencentes ao Estado, Moeda, Impressora Nacional, Manuteno, Manufaturas de Tabacos, algumas empresas de armas e, tinha confiado sua gesto a seus trabalhadores. O que freiou os sindicatos foi sua desorganizao consecutiva represso do fim do Imprio, e com o cerco de Paris. Restaram apenas 3 sindicatos fortes, metalrgicos, alfaiates e sapateiros. O sindicato dos metalrgicos (um dos mais influentes e numerosos, com 5 ou 6.000 filiados) controlava 20 fbricas de recuperao e de fabricao de armas, uma por bairro, em que a mais importante era a das oficinas Louvre. Um de seus membros, Avrial, Diretor do material na Comisso de Guerra e membro da Comuna, era muito ativo no sindicato. As vsperas da derrota, os metalrgicos tentaram tomar uma das maiores fbricas metalrgicas da capital, a fbrica Barriquand, que tinha conhecido durante o Imprio greves violentas. Em torno de um slido ncleo de fbricas, algumas com mais de 100 trabalhadores, que os metalrgicos pensavam conquistar o controle da produo. Os alfaiates obtiveram da Comuna a preferncia sobre as empresas privadas. Em maio, tinham o monoplio da "vestimenta" da Guarda Nacional para suas fbricas. Os sapateiros no tiveram a mesma oportunidade: Godilot detinha o monoplio da fabricao de calados para Comuna, o que impediu o confisco de sua empresa, mas gerou protestos violentos na categoria. As outras categorias eram menos ativas e menores, exceto, a siderurgia, os grficos, serralheiros, etc. A Comuna foi um momento de intensa retomada sindical, com o apoio da Comisso do Trabalho e Trocas. Organizaram-se, sempre com o fim de confiscar e gerir a produo: papeleiros, cozinheiros, etc. Inclusive os garons de caf e os porteiros de edifcios." A Gesto Operria Ainda Rougerie: "nas fbricas socializadas reinava a mais estrita gesto operria. Eis o regulamento interno dos operrios da fbrica de armas do Louvre (onde houve uma disputa com um diretor autoritrio nomeado pela Comuna). Art. 1. A fbrica fica sob a direo de um delegado da Comuna. O delegado para direo ser eleito pelos operrios reunidos, e revogvel toda vez que no cumprir seu dever. Art. 2. O diretor da empresa e os chefes de setor sero igualmente eleitos pelos operrios reunidos; sero responsveis pelos seus atos e mesmo revogveis. Art. 6. Um Conselho ser reunido obrigatoriamente todo dia, s 5 horas, 1/2 de releve, para deliberar sobre as aes do dia seguinte e sobre as relaes e propostas feitas, seja pelo delegado na direo, seja pelo diretor da empresa, pelo chefe de setor ou pelos operrios delegados.

20

Art. 7. O Conselho se compe do delegado na direo, do chefe de empresa, dos chefes de setor e de um operrio por cada setor eleito como delegado. Art. 8. Os delegados so renovveis a cada 15 dias. A renovao ser feita pela metade, a cada 8 dias, e por funo. Art. 9. Os delegados devero prestar contas aos operrios; sero seus representantes diante do conselho da direo, e devero levar suas observaes e reivindicaes. Art. 13. A contratao de operrios seguir o seguinte: por proposta do chefe da empresa, o conselho decidir se h vagas para empregar os operrios e determinar os nomes. Os candidatos s vagas podero ser apresentados por todos os operrios. O Conselho ser o nico a fazer a avaliao. Art. 14. A demisso de um operrio s poder ocorrer por deciso do Conselho, com um relatrio do chefe da empresa. Art. 15. A durao da jornada fixada em 10 horas. Diante do Programa da Comuna, recorremos a viso de Elleinstein de que, "Mais que as medidas concretas tomadas pela Comuna, so as tendncias gerais do movimento que importa de olhar". Mais as intenes dos atores do que suas aes, pois tiveram pouco tempo, numa conjuntura de guerra, para concretizar seu Programa. Os 13 pontos do Programa da Comuna que apresentamos, foram adaptados para discusso em atividades de formao poltica da CUT e do PT. PROCLAMAO AO POVO TRABALHADOR Em 28 de maro, a Comuna de Paris foi proclamada em uma memorvel atmosfera de entusiasmo e mobilizao popular. A imprensa revolucionria acentua o carretar de festa do evento. O jornal Le cri du Peuple, de 30 de maro de 1871, conclama: A Comuna foi proclamada. Os batalhes que, espontaneamente, marcharam pelas ruas, cais, bulevares soam no canto a fanfarra da trombeta, fazendo ribombar o eco e bater os coraes com o bater do tambor, vieram aclamar e saudar a Comuna, dar-lhe a promulgao soberana da grande parada cvica que desafia Versalhes, rindo, armas nas costas, em direo aos faubourgs, impregnando de rumores a grande cidade. A Comuna foi proclamada. Hoje a festa nupcial da idia e da Revoluo. Amanh, cidado-soldado, para fecundar a Comuna aclamada e abraada a vigilncia, necessitar retomar, sempre fieis, agora libertos, o prprio posto na fbrica. Aps a poesia do triunfo, a prosa do trabalho. "O povo trabalhador de Paris e seus arredores proclama a fundao da COMUNA DE PARIS. Os delegados dos conselhos de bairro constitudos em Assemblia da Comuna, nico poder soberano, decretam: Artigo I: As velhas autoridades de tutela, criadas para oprimir o povo de Paris, so abolidas, tais como, comando da polcia, governo civil, cmaras e conselho municipal. E, as suas mltiplas ramificaes: comissariados, esquadras, juzes de paz, tribunais, etc so igualmente dissolvidos.

21

Artigo II: A Comuna proclama que dois princpios governaro os assuntos municipais: a gesto popular de todos os meios da vida coletiva; a gratuidade de tudo o que necessrio e de todos os servios pblicos. Artigo III: O poder exercido, no mbito dos princpios a seguir indicados em pormenor, pelos conselhos de bairro eleitos. So eleitores e legveis para estes conselhos de bairro todas as pessoas que nele habitem e que tenham mais de 16 anos de idade. Artigo IV: Sobre o problema da HABITAO tomam-se as seguintes medidas: expropriao geral dos solos e sua comunizao, requisio das residncias secundrias e dos apartamentos ocupados parcialmente; so proibidas as profisses de promotores, agentes de imveis e outros exploradores da misria geral; os servios populares de habitao trabalharo com a finalidade verdadeiramente populao parisiense o seu carter trabalhador e popular. Artigo V: Sobre os TRANSPORTES tomam-se as medidas seguintes: "metr", os autocarros, os trens suburbanos e outros meios de transportes pblicos so gratuitos e de livre utilizao; uso de viaturas particulares proibido em toda a zona parisiense, com exceo das viaturas de bombeiros, ambulncias e de servio em domiclio; a Comuna pe disposio dos habitantes de Paris um milho de bicicletas cuja utilizao livre, mas no podero sair da zona parisiense e seus arredores. Artigo VI: Sobre os SERVIOS SOCIAIS tomam-se as seguintes medidas: todos os servios ficam sob controle das juntas populares de bairro e so geridos em condies paritrias pelos habitantes de bairro e pelos trabalhadores destes servios; as visitas mdicas, consultas, assistncia mdica e medicamentos so gratuitos. Artigo VII: A Comuna proclama a anistia geral e a abolio da pena de morte e declara que a sua ao se baseia nos seguintes princpios: dissoluo da polcia municipal, dita polcia parisiense; dissoluo dos tribunais e tribunais superiores; transformao do Palcio da Justia, situado no centro da cidade, num vasto recinto de atrao e de divertimento para crianas de todas as idades; de restituir

22

em cada bairro de Paris criada uma MILCIA POPULAR composta por todos os cidados, homens e mulheres, de idade superior a 15 anos e inferior a 60 anos, que habitem o bairro; so abolidos todos os casos de delitos de opinio, de imprensa e as diversas formas de censura: poltica, moral, religiosa, etc Paris proclamada terra de asilo e aberta a todos os revolucionrios estrangeiros, expulsos pelas suas idias e aes. Artigo VIII: Sobre o URBANISMO de Paris e arredores, consideravelmente simplificado pelas medidas precedentes, tomam-se as decises seguintes: proibio de todas as operaes de destruio de Paris: vias rpidas, parques subterrneos, etc; criao de servios populares encarregados de embelezar a cidade, fazendo e mantendo canteiros de flores em todos os locais onde a estupidez do "urbanismo do automvel" levou a solido, a desolao e ao inabitvel; uso domstico (no industrial nem comercial) da gua, da eletricidade e do telefone assegurado gratuitamente em cada domiclio; os contadores so suprimidos e os empregados so colocados em atividades mais teis. Artigo IX: Sobre a PRODUO, a Comuna proclama que: todas as empresas privadas (fbricas, grandes armazns, etc) so expropriados e os seus bens entregues coletividade; os trabalhadores que exercem tarefas predominantemente intelectuais (direo, gesto, planificao, investigao, etc) periodicamente sero obrigados a desempenhar tarefas manuais; todas as unidades de produo so administradas pelos trabalhadores em geral e diretamente pelos trabalhadores da empresa, em relao organizao do trabalho, distribuio de tarefas; fica abolida a organizao hierrquica da produo; as diferentes categorias de trabalhadores devem desaparecer e desenvolver-se a rotatividade dos cargos de trabalho; a nova organizao da produo tender para assegurar a gratuidade mxima de tudo o que necessrio e diminuir o tempo de trabalho. Devem-se combater os gastadores e parasitas "profissionais". Desde j so suprimidas as funes de contramestre, cronometrista, psicotcnico e fiscal. Artigo X: Os trabalhadores com mais de 55 anos, que desejem reduzir ou suspender a sua atividade profissional, tm direito a receber integralmente os seus meios de existncia. Este limite de idade ser menor em relao a trabalhos particularmente custosos. Artigo XI: abolida a ESCOLA "velha". As crianas devem se sentir como em sua casa, aberta para a cidade e para a vida. A sua nica funo a de torn-las felizes e criadoras. As crianas

23

decidem a sua arquitetura, o seu horrio de trabalho, e o que desejam aprender. O professor antigo deixa de existir: ningum fica com o monoplio da educao, pois ela j no concebida como transmisso do saber livresco, mas como transmisso das capacidades profissionais de cada um. Artigo XII: A submisso das crianas e da MULHER autoridade do pai, que prepara a submisso de cada um autoridade do Chefe, morreu. O casal constitui-se livremente com o nico fim de buscar o prazer. Portanto, a propriedade privada abolida. A Comuna proclama a liberdade de nascimento, o direito de informaes sexual desde a infncia, o direito ao aborto, o direito a anti-concepo. As crianas deixam de ser propriedade de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a Escola) e dirigem a sua prpria vida. Artigo XIII: A Comuna decreta: todos os BENS DE CONSUMO, cuja produo em massa possa ser realizada imediatamente, so distribudos gratuitamente; so postos disposio de todos nos mercados da Comuna.

24

BIBLIOGRAFIA * Elleinstein, Jean= Reflexions sur la Commune de 1871.Julliard,1971. Marx,Engels,Lenine= Sur la Commune de Paris.ditions du Progres.Moscou,1971 Marx , K.= La guerre civile en France. ditions sociales,1975 Trotsky e outros=A Comuna de Paris.Laemmert,1968 Mancini, Vittorio. La proletaria.Savelli,1975 Comune di Parigi,storia della prima revoluzione

Andrieu, Jules= Notes pour servir l"histoire de la Commune de Paris de 1871. Spartacus, aot/septembre 1984 Rimbert, Pierre = La Revolution Documents.Spartacus,octobre 1971 Communaliste de Paris 1871,Faits et

La Commune de Paris. Par Michel Winock.Formation CFDT,1971 Les Communards.J.P.Azema et M. Winock.ditions du Seuil,1964 Procs des Communards.presents Archives,Gallimard,1978 par Jacques Rougerie.Collection

Lissagaray, P.Olivier= Histoire de la Commune de 1871.PCM,1983. La Commune de Paris.Revue Autogestion et Socialisme.cahier n. 15.mars 1971 Nascimento, Claudio= A Questo do Socialismo, da Comuna de Paris Comuna de Gdansk. Cedac,1986 Nascimento, Claudio= As Lutas Operrias Autnomas e Autogestionarias.Cedac,1986 Nascimento, Claudio. FFLCH/USP,1999. Autogesto e Economia Solidaria.Temporaes,revista do

Fernandes Dias, Jose - A Comuna de Paris,1871.[breve nota historica]. Em,Socialismo Autogestionrio.Cedac/FNT,1978. A Comuna/teatro.Repblica Popular Moambique,1979 Os Dias da Comuna/teatro.B.Brecht.editorial Caminhos,Porto,1981 La Comuna de Paris/topoteca. El Viejo Topo,12/sep. 1977 Riviale, Philippe= La ballade du temps pass,guerre et insrrection de Babeuf la commune.dithions anthropos,1977 Rougerie, Jacques=Paris libre,1871.Le seuil,1971 * Bookchin,Murray=The third revolution,popular movements in the revolutionary era.Volume 2.Cassel,1998 Noel, Bernard= Dicitionnaire de la Comunne [ 2 tomes.] Flamarion,1978.

25

James,CLR= They shouwed the way to labor emancipation. On Karl Marx and the 75th aniversary of the Paris Commune.In, Labor Action,18.03.1946 Bert,Abdreas= La Liga de los Comunistas.Ediciones de cultura popular.1977 Arru,Angiolina= Clase y partido en la 1a Internacional[el debate sobre la organizacion entre Marx,Bakunin y Blanqui-1871-1872.Comunicacion,Madrid,1974 Duclos,Jacques= Bakunin y Marx.Biografias Grandesa.Ed.Grijalbo,1979 Carr,E.H.= Michael Bakunin.Biografias Grandesa.Ed.Grijalbo,1970 Bakounine. La Rue, Revue culturelle et literaire d' expression anhrchiste numero 22.Edit par le groupe libertaire .Louise Michel.aris,1976 M.Bakounine.Federalisme,Socialisme Homme.Montreux,1971. ,Antitheologisme.Editions l"age d'

Michel, Louise= Mis recuerdos de la Comuna.siglo veintiuno,1973 Bancal,Jean= Proudhon,Pluralisme et Autogestion [2 tomes].Aubier-Montaigne,1970 Autogestion et Socialisme.Les Anarchistes et l' autogestion.numero 18-19,1972 Bourdet,Yvon et Guillerm,Alain= Clefs pour l" Autogestion.Seghers,1977

Bourdet,Yvon= La Delivrance de autogestion.Ed.Anthropos,paris 1970

Promthe.pou

une

theorie

politique

de

l'

Bourdet,Yvon= Poue l"Autogestion.Ed.Anthropos,Paris 1974 Guillerm,Alain= L'Autogestion gneralise.C.Burgois Editeur.Paris 1979. Autogestion et Socialisme.Charles Fourier.numero 20-21/1972 Autogestion et Socialisme. La Commune de Paris.cahier n. 15,mars 1971 J.Rougerie,G.Haupt.Bibiographie de la Commune de 1871.Le Mouvement Social,n.371962 Bourgin,G.= La Commune,1870-1871.Les Editions nationales,1939 Esquisse D'une histoire de la Commune de Paris [1871].par Gabriel Pioro.Editions Sociales,1971 Le monde autour de 1871.La Commune de Paris.Larousse, 1971 Bruhhat,J.,Dautry J.,Tersen E.= La Commune de 1871.Ed.Sociales,1960

Pelo Socialismo Autogestionario.Edies base.Lisboa 1979 Bernardo,Joo.Para uma teoria do modo de produo comunista.Afrontamento,1975 Mandel,Ernst= Controle tomes).FM,Paris 1970 ouvrier,conseils ouvriers,autogestion (Anthologie ,3

Mandel , Ernst= da Comuna a maio de 68.Escritos Politicos 1.antidoto,Lisboa,1979

26

.Self-Governing Socialism.A Reader.Volume One. Historical Develepment Social and Political Philosophy.IASP,New York,1975. Bernstein,Samuel= Storia del socialismo in Francia.Dall' Iluminismo alla Comune[volume due] Editori Riuniti,1963 Louis, Paul= Histoire Du Socialisme en France.de la Revolution a nos jours,17891936.Marcel Riviere,1936 Mlnar,Miklos= El declive de la Primera Internacional.Edicusa,Madrid,1974 Kriegel, Annie= Las Internacionales Obreras.Ed.martinez Roca,1977 Nin,Andreu= Las Organizaciones Obreras Internacionales.editorial Fontamara,1978 Policarpo,Helena=Dossier Comuna de Paris. Revista Autonomia Sindical / basefut,Lisboa,1981 Kriegel, Annie= Le Pain et les Roses.jalons pour une histoire des socialismes.PUF.1968 Haupt,G.= El historiador y el movimiento social.siglo veintiuno,1986 Dolleans, Edouard= Histoire du Mouvement Ouvrier [t.1 de 1830-1871/ t.2 de 18711920].Armand Colin.1967 La Premire Internationale.par Christian Labrande.UGE,Paris,1976 La Primeira Internacional. [2 Tomos].Editorial Fundamentos1977 Le Internazionali Operaie.Documenti Della Storia,3.Loescher Editore,Torino,1983 Rosal,Amaro del= Los Congresos Obreros Internacionales en el siglo XIX.grijalbo,1975 Lefranc, Georges= Le Mouvement Socialiste sous la troisieme republique[18751940].Payot,1963 Varlin,Practica Militante y Escritos de un Obrero Comunero. Ed.Zero,Bilbao,1977

27

AS LUTAS OPERRIAS PELA AUTOGESTO As experincias da autogesto nascem da conjugao de conjunturas especificas e de algumas idias , que constituem o que podemos chamar de esprito da poca, uma constelao cultural provinda de tempos no-sincrnicos e de uma pluralidade de fontes. A histria destas experiencias exige uma viso mais ampla em relao as lutas operrias e sindicais que ocorreram em vrios pases. Na verdade, todo um ciclo de longa durao. Os Ciclos de lutas autogestionrias Joo Bernardo em sua obra Economia dos conflitos sociais (escrita nos anos 1987-89 e publicada em 1991) ,elaborou uma cronologia na qual podemos situar o arco temporal que nos facilita a contextualizao. Bernardo, fazendo uso de uma conceituao prpria, nos fala de Ciclos longos da maisvalia relativa em contraposio aos ciclos curtos de mais-valia relativa. Estes ltimos se caracterizam pela quotidiana assimilao das reivindicaes e presses dos trabalhadores, e, a degenerescncia das formas de organizao da luta autnoma. J os ciclos longos se caracterizam pela ascenso de formas autnomas de luta dos trabalhadores. Bernardo caracteriza: a fase de ascenso de formas autnomas de luta marca o incio de um ciclo longo de mais-valia relativa. Os repetidos colapsos constituem, por si mesmos, o quadro em que essas formas degeneram-se e so assimiladas pelo capitalismo, criando-se progressivamente mecanismos que permitem a assimilao cada vez mais fcil e rpida das lutas do mesmo tipo que venham a desencadear-se. Esta a segunda fase. Quanto mais solidamente a fase de assimilao parece estar implantada, mais comeam, porm, a difundir-se novos tipos de luta autnoma, cuja recuperao invivel no interior dos mecanismos j constitudos. A generalizao destes novos tipos de luta marca o incio da primeira fase do ciclo seguinte. Bernardo acrescenta: Em termos muito genricos, a fase que considero de ascenso de um dado tipo de luta autnoma corresponde s fases de recesso e depresso, sobrepondose fase de assimilao plena s fases de recuperao e prosperidade. Na cronologia que proponho, deixo numa data incerta da abertura do primeiro ciclo, comeando a fase de assimilao em torno do ano de 1848, para se esgotar nos meados da dcada de 1860, quando se passou ao segundo ciclo longo. Neste, a ascenso de novos tipos de luta autnoma processou-se at o princpio da dcada de 1870, iniciando-se a sua assimilao desde os meados dessa dcada at 1916 ou 1917. De 1917 at meados da dcada de 30, teve lugar um surto ascensional de lutas autnomas, que foi plenamente assimilado desde ento at os anos iniciais da dcada de 60. Com o comeo dessa dcada inaugurou-se o quarto dos ciclos longos, cuja fase de ascenso das formas autnomas de luta julgo ter em geral ocorrido at meados da dcada de 70, por vezes, mesmo tocando os anos iniciais da dcada de 80, parecendo-me que entrou j na fase de assimilao plena. Portanto, resumidamente: 1. Abertura do primeiro ciclo: possivelmente 1830 Fase de assimilao: 1848 at 1864 2. Abertura segundo ciclo: 1870 Fase de assimilao: 1875 at 1916-1917 3. Abertura terceiro ciclo: 1917 Fase de Assimilao: 1930 at 1960 4. Abertura quarto ciclo: 1960 at 1975 e, mesmo 1980 at 1981 Fase de assimilao: 1982 at ....

28

Bernardo caracteriza o movimento dos trabalhadores na Polnia, dentro deste contexto: desde meados de 1980 at o final de 1981 agitou a totalidade da classe trabalhadora na Polnia e que coroou esta fase de ascenso como sendo a fase de ascenso da autonomia, ao mesmo tempo que parece ter constitudo por agora (1989), o seu ltimo perodo. Bernardo especifica os ciclos e caracteriza as lutas exatamente do perodo que cobre os anos 60 e 70. Segundo Bernardo, Cada segunda fase de um ciclo longo, pelas mesmas razes por que constitui a assimilao das formas autnomas ocorridas na fase anterior, inaugura um novo quadro de conflitos. Assim: A partir dos incios da dcada de 60, generalizaram-se greves sugestivamente apelidadas de selvagens, quer dizer, exteriores aos sindicatos oficiais, alheias aos mecanismos institudos de recuperao dos conflitos. Com este movimento, inaugurou-se a primeira fase do quarto ciclo longo. J na dcada de 50, vinham realizando-se greves, tanto na esfera norteamericana como na sovitica, em que as burocracias sindicais eram completamente ultrapassadas, mas foi apenas a partir dos primeiros anos da dcada seguinte (60) que assumiram dimenses tais e uma to ampla difuso que permitem defini-las como integrando um novo ciclo. Este movimento obedeceu a um crescimento at conhecer, na FRANA, em princpios de 1967, uma etapa nova, com a ocupao de uma empresa por mais de dez mil trabalhadores. Pouco mais de um ano depois, cerca de dez milhes de grevistas paralisavam o capitalismo na FRANA, muito para alm de quaisquer palavras de ordem das centrais sindicais, e cerca de cem empresas foram ento ocupadas. A partir do final de 1968, porm, esboaramse na ITLIA ocupaes que incluam formas de organizao da produo e a partir de 1973 este tipo de movimento atingiu um estgio superior, com clebres experincias na FRANA e, mais generalizadamente, em PORTUGAL de 1974 a 1975. Sobre o perodo iniciado no ps Guerra, Entretanto, antes de entrarmos nestas lutas, vejamos como Ernst Mandel, em um ensaio intitulado A explicao Marxista dos ciclos 1971-1975 e 1976-1982, pode nos acrescentar mais elementos. (vide: Dinamiche Della Crisi Mondiale Editori Riuniti - 1988). Para Mandel, Se desejamos aplicar a teoria geral da crise a explicao dos ciclos 19711975 e 1976-1982, e mais precisamente as origens da recesso generalizada do 1974-1975 e do 1980-1982 e os perodos imediatamente sucessivos, devemos levar em conta elementos particulares que derivam da situao e da contradio especfica da economia capitalista internacional nos incios dos anos 70. Esta recesso, e em conjunto, a retomada que lhe seguiu e que do ao perodo 1974-1982 um carter de clara depresso, devem ser vista como o ponto de convergncia de 5 crises de tipo diverso. Destacamos o ponto 4, pois, traz mais elementos em relao Frana e, de outros pases da Europa, explicitando mais claramente os ciclos de lutas autnomas dos trabalhadores. Assim: 1. Uma crise clssica de superproduo; 2. A combinao da crise clssica de superproduo com o renascimento da onda longa que, no fim dos anos 60, parou de funcionar em sentido expansivo; 3. Uma nova fase da crise do sistema imperialista; 4. Uma crise social e poltica agravada nos paises imperialistas, que nasce de um lado da conjuntura entre a depresso econmica e um CICLO ASCENDENTE DA LUTA OPERRIA, da combatividade e da participao dos trabalhadores em toda uma srie de pases imperialistas e da reao provocada pela tentativa da burguesia imperialista para impor aos trabalhadores o fardo da crise e da redistribuio mundial da maisvalia (tabela 1). 5. A combinao destas 4 crises com a crise estrutural da sociedade burguesa que atua em profundidade por mais de um decnio e acentua a crise de todas as relaes sociais burguesas e, em particular, a crise das relaes de produo capitalistas.

29

Tabela 1 - Evoluo das aes de greves (mdia anual)Ano 1951-55 1956-60 1961-65 1966-70 1971 1972 1973 1974 RFA 2.468 1.710 1.362 2.563 3.280 1.714 2.251 2.700 Inglaterra USA 205 68 186 111 536 23 185 250 Japo 658 771 1.512 1.393 1.171 1.722 1.513 1.601 Frana 1.415 1.414 2.102 3.755 3.235 2.721 2.342 Itlia 2.343 1.685 2.971 4.044 3.981 4.405 8.081 8.464

1.896 1.544 2.232 8.500

(n de grevistas em milhares) Tabela 2 - Dias de greves (mdia anual em milhares)Ano 1951-55 1956-60 1961-65 1966-70 1971 1972 1973 1974 RFA 32.220 32.320 27.300 45.166 47.592 23.918 27.949 48.505 Inglaterra USA 1.193 707 486 157 4.484 66 563 1.051 Japo 2.382 4.446 2.562 5.540 13.552 23.909 7.200 14.740 Frana 3.894 1.980 2.794 32.138 4.392 3.912 3.915 3.380 Itlia 4.974 5.581 13.017 17.676 14.799 19.497 20.400 16.747

5.777 3.871 4.210 9.684

Podemos periodizar em 5 etapas as lutas pela autogesto: 1. os pioneiros e o cooperativismo com base na autogesto, no sculo 19, a insurreio da Comuna de Paris em 1870, iniciando o momento de ascenso do segundo ciclo; 2. o perodo iniciado com o fim da 1 Guerra mundial e a revoluo na Rssia em 1917, at o fim da 2 Guerra mundial; 3. o perodo iniciado com o ps Guerra; 4. o perodo que comea nos anos 60 at 1982; 5. um novo perodo iniciado em novas condies estruturais do capitalismo globalizado, na dcada de 90. No caso do Brasil, a dcada de 80 ser um momento marcado por lutas populares e operarias que permitiram a emergncia de praticas autogestionrias. De incio, o movimento operrio-sindical, a partir das grandes greves de 1978, retoma as experincias das greves de 1968, com a presena de comisses de fabrica,comits de trabalhadores, entretanto,com uma grande diferena:ser um movimento de massas ,em uma conjuntura de retomada de um Ciclo de Ascenso das lutas populares , numa conjuntura critica do ponto de vista da economia. O Ciclo anterior deste tipo, iniciado em nos anos 50, que teve seu auge nos primeiros anos da dcada de 60, foi encerrado com o Golpe militar em 1964. Este novo ciclo de Ascenso iria at 1989. Todavia, as experincias da Economia Solidria apenas viriam tona na dcada de 90, quando da experincia tardia do neoliberalismo no Brasil. A prpria experincia da Usina Catende surge em 1993-95, numa conjuntura local, em Pernambuco, que lhe permitiu ser vitoriosa, pois, no resto do pas, entravamos em um Ciclo de Descenso das lutas populares. Das lutas pela autogesto na dcada de 80, poucas puderam se desenvolver, como por exemplo, a Coperminas em Cricima. Retomemos as experincias autogestionrias, de incio na poca da revoluo Sovitica.

30

1. A Revoluo Sovitica 1917 Na Rssia, em 1905, os Soviets(Conselhos) nasceram espontaneamente, como comisses de greve e de delegados operrios, encarregados de organizar e orientar as greves ocorridas aps a tentativa revolucionria de Petrogrado. O primeiro Conselho foi eleito em assemblia geral dos operrios da cidade de IVANOV, e tinha objetivos puramente econmicos. O Conselho de Petrogrado (capital da Rssia) foi eleito por 200.000 operrios, composto com base territorial (bairro) e industrial (fbrica), abrangia 226 delegados operrios eleitos por 96 fbricas e 5 sindicatos, mais 3 delegados eleitos de cada um dos partidos socialistas: Bolchevique, Menchevique e Socialista revolucionrio. O Conselho de Petrogrado tinha sua prpria imprensa, o IZVESTIA (Notcias). Os 200.000 trabalhadores do Conselho de Petrogrado reuniam-se todos os dias para confirmar ou revogar seus delegados eleitos, para decidir sobre as medidas econmicas e a linha poltica. Os Comits de Fbrica Em 1917, os Conselhos surgiram outra vez. Desta vez, paralelamente, foram organizados os Comits de fbrica, organizados segundo os mesmos princpios dos Conselhos. Mltiplas instancias de poder surgiram nas lutas dos trabalhadores, todos com o nome de Conselho (Soviet): no mundo operrio, nas cidades, os mais importantes foram os Conselhos dos Comits de Fbrica, emanados dos vrios comits de fbrica, e, os Conselhos dos Comits de Bairro, emanao dos comits de bairro. Estas instituies surgem como expresso do poder popular, paralelamente aos partidos polticos, aos sindicatos e s cooperativas. Em geral, os Conselhos (Soviets) tinham a seguinte estrutura: uma Assemblia geral um Presidium um Comit executivo Sees (operrios, soldados, camponeses) -Comisses Os primeiros trabalhadores que tomaram posse de armas foram os manifestantes que ocuparam o ARSENAL. O Conselho de Petrogrado lanou um apelo para que todos os operrios formassem milcias para defender a revoluo. As milcias se organizavam a partir das fbricas. Foi formada uma milcia urbana composta, sobretudo, por estudantes revolucionrios. As milcias operrias atuavam nos bairros da periferia e, a milcia municipal, no centro de Petrogrado. Em cada fbrica, elegia-se 100 homens para cada grupo de 1.000 operrios. Estes operrios recebiam 1 salrio mdio. A idade de 18 anos foi fixada como base para se entrar nas milcias e, as mulheres participavam. Os milicianos eram escolhidos por comits de fbrica, atravs de uma lista de inscrio. As vrias listas aprovadas eram submetidas ao Comit Executivo do Conselho dos deputados operrios. Havia convergncia entre as aspiraes da classe operria e o programa dos Bolcheviques e Mencheviques, sobretudo, por melhores condies de vida (salrio, segurana, etc). Contudo, estes Partidos de esquerda no traziam em seus Programas a questo do estatuto dos trabalhadores nas fbricas. Assim, os operrios se identificavam com outras instituies: Comits de fbrica, Comits de bairro, Guarda vermelha. Com os Sindicatos pouco organizados e os Partidos pouco representativos, sobravam os Comits de fbrica como correia de transmisso entre o Conselho e a massa operria. Os Comits de fbrica eram eleitos nas fbricas, no contato cotidiano e direto com os trabalhadores, tomavam suas decises sob o controle da Assemblia geral dos Trabalhadores.

31

Ao passo que a Rssia se cobria de Conselhos e, surgiam em todos os locais comits de fbrica, o Governo provisrio estava paralizado. A classe operria punha-se em greve, respondida com lock-out pelos patres; ocorriam seqestros de patres, ocupaes de fbricas. Assim, os trabalhadores comearam a gerir estas empresas; nasce a autogesto, sobretudo nas pequenas e mdias empresas, mais fceis de serem geridas. Os Comits de fbrica eram apoiados pelos Comits de bairro. Os Comits de fbrica decidiram se federar horizontalmente, em nvel da capital, para conduzir uma poltica comum frente aos patres. Foi realizada uma Confrencia dos Comits de fbrica, em Petrogrado, por iniciativa das fbricas de armas. Em seguida, em menos de um ms, 367 fbricas organizaram suas Conferncias em toda a capital russa. Por este fenmeno de expanso horizontal, semelhante ao dos Comits de fbrica, os bairros organizaram tambm uma Conferncia inter-bairros. A burocratizao das organizaes dos trabalhadores Nas primeiras etapas da revoluo sovitica, a ofensiva contra os Comits de fbrica, partiu dos Sindicatos que temiam a organizao dentro das fbricas pelos comits. Assim como os Bolcheviques, eles eram maioria nos Sindicatos, aps outubro, e desempenharam um papel de arbitragem entre os Sindicatos e os comits de fbrica. No decreto sobre O Controle Operrio, em novembro de 1917, o Partido Bolchevique colocou os comits de fbrica na dependncia dos Sindicatos. O 1 Congresso dos Sindicatos, em janeiro de 1918, tentou esvaziar a atividade dos comits na gesto das fbricas. Com a formao de um Conselho da Economia Nacional, iniciou-se o fenmeno de captura burocrtica das organizaes operrias, com o objetivo de absorver os comits de fbricas, e, em seguida, a absoro dos sindicatos pelas estruturas burocrticas dos Ministrios do Estado. As Milcias operrias tambm sofreram o mesmo processo desde quando as inscries passaram a ser feitas pelos Sindicatos e no mais nos Comits de fbrica. Os Conselhos (Soviets) apresentavam 3 caractersticas fundamentais: 1. de massa, conjugando o pluralismo e harmonizando os vrios interesses presentes na classe operria; 2. de classe (operria), fundamento e justificativa histrica de uma organizao social alternativa sociedade capitalista; 3. de base, toda a sua estrutura se organizava da base para a cpula e da periferia para o centro. Os nicos rgos que se engajaram na prtica da autogesto foram os comits de fbrica, combatidos pelos Partidos de esquerda e, em seguida, submetidos ao controle dos Sindicatos (estes, por sua vez, submetidos ao aparato estatal). A eliminao burocrtica destes Comits de fbrica foi um dos elementos da subordinao generalizada das formas de democracia direta s estruturas representativas (ConselhosSoviets de deputados), esvaziadas de todo poder real pelo Estado. Os Conselhos na Revoluo sovitica no tiveram, no essencial, um papel de gesto direta. Os Conselhos de deputados operrios e soldados, foram dirigidos pelos representantes dos partidos socialistas, aos quais as assemblias delegavam poder. Enquanto parlamentos operrios, eles exerciam as funes de controle sobre os patres e o Governo provisrio e, em seguida, sobre as instituies centrais do Estado Operrio, que concentravam as decises econmicas e polticas. Alm dos Conselhos de deputados e dos partidos de esquerda, a Repblica dos Conselhos inclua, no seu incio, os Conselhos de comits de fbrica, milcia operria e urbana, comits de bairro, os sindicatos, as cooperativas, os movimentos de jovens e mulheres. O conjunto destas foras foi reduzido a uma pirmide estruturada e dominada pelo aparato do Estado.

32

Essa dinmica regressiva, atravs da qual uma burocracia sui generis se cristalizou e se organizou no poder, foi determinada em parte pelo atraso material e cultural da Rssia, acelerada pela Guerra civil e pela interveno imperialista e, sem duvidas, agravada pelas lacunas e os limites do movimento revolucionrio da poca, engajado pela primeira vez em uma experincia de transio socialista. O funcionamento e a prtica dos Conselhos/Soviets, renovaram a experincia da Comuna de Paris. A substncia e a dinmica dos dois movimentos (Soviets e Comuna) foi a mesma: Autonomia, Autogesto, Auto-emancipao dos Trabalhadores. Gurvitch participou da constituio de conselhos operrios revolucionrios em 1917. No Colquio realizado em Bruxelas em homenagem a Proudhon, Gurvitch fez seu depoimento: A Frana, portanto, no o nico pas em que os problemas do sindicalismo revolucionrio foram postos. Penso em particular em um outro pas, de onde sou originrio, a Rssia, e onde estes problemas tomaram forma desde 1905 com a criao dos primeiros conselhos operrios. Eles surgiram uma segunda vez sob o governo provisrio de Kerensky, e uma terceira vez sob o governo sovitico e eu posso testemunhar da extraordinria penetrao das idias de Phoudhon, tanto entre os intelectuais russos quanto nos sindicatos operrios russos. De minha parte, no foi na Frana, mas na Rssia, que eu me tornei proudhoniano, e se eu vim para Frana, foi para aprofundar meu conhecimento de Proudhon. Eu porto, portanto, um testemunho pessoal direto: os primeiros soviets russos foram organizados pelos proudhonianos, proudhonianos que vinham dos elementos de esquerda do partido socialista revolucionrio ou da ala esquerda da social-democracia russa. No foi em Marx que eles tomaram a idia da revoluo pelos soviets de base, pois uma idia essencialmente, exclusivamente proudhoniana. Como eu sou um dos organizadores dos soviets russos de 1917, posso falar com conhecimento de causa. Recordo-me dos primeiros soviets organizados na fbrica de Poutilov antes da chegada ao poder dos comunistas e testemunho que os seus organizadores estavam tomados, como aqueles que se organizaram das idias proudhonianas. A um ponto tal, que Lenine no pode evitar esta influencia. Acreditem-me, Sorel no pode servir de intermedirio! Foi uma influencia proudhoniana direta que v