Projecto de Promoção de Leitura para Jardim-de...

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Colégio de Nossa Senhora da Paz [Porto] Projecto de Promoção de Leitura para Jardim-de-Infância e 1º Ciclo Uma reportagem de Mariana Sim-Sim David Casa da Leitura, Abril de 2010

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Colégio de Nossa Senhora da Paz[Porto]

Projecto de Promoção de Leitura para Jardim-de-Infância e 1º Ciclo

Uma reportagem de Mariana Sim-Sim David

Casa da Leitura, Abril de 2010

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Índice

Introdução

Projecto de Promoção de Leitura do Colégio de Nossa Senhora da Paz

Perfil de Competências de um animador de leitura

Anexos

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1. Introdução

O Projecto de Promoção de Leitura desenvolvido por Inês Duarte no Colégio de Nossa Senhora da Paz, no Porto, é um espaço de contacto com a literatura e a leitura para as salas de Jardim-de-Infância, e uma disciplina leccionada nos quatro anos do 1º Ciclo de escolaridade. A professora responsável pelo projecto desde o início (no ano lectivo de 2006/2007), serviu-se do seu «perfil misto» (isto é, da formação que fez em diferentes áreas) para criar diversas dinâmicas e exercícios à roda da leitura e dos livros que constituem o programa de estudo desta disciplina. Entrevistámos a professora para conhecer melhor o projecto e algumas actividades desenvolvidas no seu âmbito, e também para perceber de forma mais aprofundada o que é um animador de leitura. Sendo uma área de trabalho relativamente recente, a animação de leitura tem vindo a ganhar visibilidade e importância, mas dispõe ainda de pouco trabalho teórico e conceptualização, o que dificulta o exercício da profissão de animador. Inês Duarte tem procurado, através da investigação que vem desenvolvendo, colmatar essa lacuna.

2. Projecto de Promoção de Leitura do Colégio de Nossa Senhora da Paz

Como construir um projecto de promoção da leitura? Foi esta a pergunta que Inês Duarte, então com 21 anos, se colocou ao saber que o Colégio de Nossa Senhora da Paz, no Porto, a convidava para ser sua professora, não do 1º Ciclo (posição a que se tinha candidatado), mas de uma área nova, estreada no ano lectivo de 2006/2007, o Projecto de Promoção de Leitura. «Quando entrei cá, queriam, sobretudo, criar hábitos de leitura – neste caso, em crianças do 1º Ciclo – e queriam preparar pré-leitores, portanto, no pré-escolar. Não sabiam muito bem como é que isso se poderia processar, e, por isso, pediram-me ajuda. Ora, eu tinha uma vontade enorme de ler – normalmente, já fazia animação de leitura fora de portas – e pensei: “Tenho de estruturar um projecto para fazer com que as crianças mais pequenas comecem a gostar do objecto-livro e a gostar de ouvir histórias, etc.”» A surpresa inicial pelo convite recebido deu lugar a um trabalho exigente de planificação de aulas, leitura e selecção de livros e elaboração de estratégias, pensadas para aliciar os mais novos para a leitura. Inês foi, gradualmente, trabalhando com mais turmas do pré-escolar e do 1º Ciclo. O Colégio, instituição privada de tradição e boa reputação no Porto, possuía um fundo de biblioteca desactualizado e a precisar de novo fôlego, necessidade que se tornava ainda mais evidente quando comparado com as escolas públicas, que vinham sendo melhoradas com estruturas como a rede de bibliotecas escolares e equipadas com quadros interactivos e computadores.

«Deram-me carta-branca para uma série de coisas! Nunca tive entraves em relação aos livros que pedia, ao tipo de livros que pedia e até em relação ao envolvimento dos pais nas actividades. É um projecto muito fluído e que foi crescendo, foi avolumando com cada vez mais tempo, mais esforço, mais empenho por parte dos colegas.»

Inês trabalha com as salas do Jardim-de-Infância e as turmas do 1º Ciclo (do 1º ao 4º ano) do Colégio, engendrando actividades diferentes para cada um destes grupos. No caso do pré-escolar, o programa do Projecto de Promoção de Leitura articula-se com

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o tema escolhido pelos meninos de cada uma das salas, que pode variar de ano para ano. «O pré-escolar, aqui, trabalha com metodologia de projecto. Ou seja, quando as educadoras conhecem os grupos, vão percebendo os seus focos de interesse e é escolhido um tema. Imaginemos: este ano, temos uma sala de 5 anos que quer saber mais sobre dinossáurios, então vou falar com as educadoras, e juntamente com elas pensamos qual pode ser o meu papel ali.» Começa assim o trabalho de caracterização: «Assumo uma personagem, por exemplo, um paleontólogo – neste caso, sou uma paleontóloga, a Joana Pegadas, que vai à sala do pré-escolar.» Depois de vestir esta personagem, Inês Duarte documenta-se sobre o assunto, passando posteriormente a fazer pesquisas em conjunto com os alunos. «Tento iniciar os meninos na organização da sua biblioteca, por exemplo, dividindo o que são os livros de histórias e o que são livros de investigação (eles conseguem distingui-los pelas capas; esse é um tipo de leitura que também treino com eles). À medida que o projecto vai evoluindo, vai crescendo o número de livros, facto de que eles têm noção, e eu vou fazendo pesquisas com eles enquanto Joana Pegadas.» A construção da «Biblioteca de Sala» parte de uma selecção de livros realizada pela educadora responsável pelo grupo, pelas estagiárias de educação de infância, auxiliares e encarregados de educação que contribuem entusiasticamente no desenvolvimento da temática escolhida pelas crianças. Mais tarde, a professora regressa à sala, já não como Joana Pegadas, mas como professora Inês, e assume o papel de contadora de histórias: «Leio livros que estejam ligados à temática – estou a pensar naquele livro, Quero um Dinossáurio1 – e, à medida que o projecto vai evoluindo, as crianças deixam de querer saber só sobre os dinossáurios; querem também saber sobre determinadas épocas da História – ora, há que fazer uma nova pesquisa.» Este trabalho é feito quinzenalmente, ao longo do ano lectivo, com as quatro salas de pré-escolar do Colégio, que podem ter como tema de projecto assuntos totalmente diferentes, e ir mudando o tema de trabalho à medida que o ano lectivo avança – «No início do ano nunca sei qual é a “surpresa” que me vai sair… Já trabalhámos a China; neste momento tenho a História Medieval na sala dos 4 e 5 anos, já tive a Quinta nos 3 anos… Cada uma das salas obriga-me a vestir uma personagem, organizar, dividir livros e avançar com estratégias de animação de leitura para relacionar com as temáticas escolhidas.»

A passagem das crianças do Jardim-de-Infância para o 1º Ciclo também é acompanhada. As crianças que incorrem pela primeira vez na leitura e na escrita no 1º ano de escolaridade exigem uma abordagem diferente. As estratégias podem passar pela leitura de histórias, por actividades como a dramatização, a ilustração, a pintura e a criação de uma espécie de árvores conceptuais, onde vão sendo escritas palavras relacionadas com os temas escolhidos à medida que o trabalho sobre os mesmos evolui, um exercício que permite às crianças alargar o seu léxico. Cada aluno possui uma «caderneta de cromos», onde vai colando imagens das capas dos livros das histórias que vão sendo ouvidas e trabalhadas na sala de aula, e, segundo a professora, «pela altura do Natal, mesmo não conhecendo todas as letras e casos de leitura, as crianças já conseguem copiar os títulos dos livros e ilustram a parte que para eles é representativa daquela história.»

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1 ORAM, H. (2006) (2ª ed.). Quero um Dinossáurio (ilustrações de Satoshi Kitamura). Lisboa: Caminho (col. Livros do Arco--íris).

Assim, nas turmas de 1º Ciclo, o Projecto de Promoção de Leitura assume moldes diferentes, visto que é uma disciplina integrante do plano curricular, com objectivos de aprendizagem estabelecidos e diversos momentos de avaliação (auto-avaliação, hetero-avaliação e avaliação colectiva) no final de cada período. A professora desloca-se às salas de aula do 1º e 2º anos duas vezes por semana, em blocos de 45 minutos, e às salas do 3º e 4º anos uma vez por semana, em blocos de hora e meia. Torna-se obrigatório, para ela, conhecer, não só o programa de estudo de cada um dos anos, como as especificidades e gostos dos alunos de cada turma. «Há turmas que são mais femininas, turmas mais masculinas; há ambientes na turma. Não quero pegar no Plano Nacional de Leitura, abrir a página que diz “Leitura orientada” ou “Leitura autónoma para o 3º ano de escolaridade”, imprimir e dizer: “É isto!” Tudo depende de quem temos à frente e do bom senso do educador. Se os alunos de uma turma conseguem ler um determinado livro aconselhado, sozinhos, e após a conclusão dessa leitura pedem mais, sou obrigada a pensar fora do Plano Nacional de Leitura. Tenho pena que, muitas vezes, as escolas adoptem o Plano Nacional de Leitura como espécie de manual pré-feito.» Seguem-se longas horas de leitura e pesquisa nas livrarias e bibliotecas, a conhecer os livros e as novidades editoriais, e a elaborar «uma lista de livros daquilo que eu acho que é estruturante para aquele ano de escolaridade e para aqueles alunos em particular». Os livros destas listas são criteriosamente escolhidos, procurando sugerir uma diversidade de autores e ilustradores (nacionais e estrangeiros) de qualidade e/ou consagrados e de géneros literários diferentes. E assim é construída a Biblioteca de Sala das turmas de 1º Ciclo. Inês fornece aos pais cópias deste elenco de obras e sugere-lhes a compra de dois títulos diferentes. Todas estas obras devem ir sendo requisitadas pelos alunos e lidas por eles em casa. De modo semelhante ao que acontece com as cadernetas de cromos do 1º ano, os alunos do 2º, 3º e 4º anos têm passaportes, cujas páginas vão sendo carimbadas pelos professores e preenchidas com informação sobre o livro lido (autor, ilustrador, editora e um desenho ou um texto relacionado com a história). Estes passaportes são, na verdade, uma versão adaptada e mais aliciante das fichas de leitura. Por meio deles, os alunos, por um lado, vão-se sempre sentindo incentivados a ler mais livros (em parte para terem um passaporte «viajado») e, por outro, conseguem memorizar com maior facilidade alguns aspectos da história, mas também as outras informações que constam num livro – «Eles aqui vêem a ficha técnica, têm de a trabalhar: saber o que é uma editora, o que é uma edição, uma colecção, uma tradução, o número de cópias impresso, o ano de edição… Começam a construir referências. Eles chegam a uma FNAC e sabem o que procuram. Quantos pais chegam a uma livraria e ficam perdidos com a oferta? Querem chegar, comprar o livro e ir embora. Neste momento, consigo assegurar que os meninos começam a saber escolher.»

São muitos, e diferentes, os momentos de leitura por que passam, semanalmente, os alunos do 1º Ciclo do Colégio de Nossa Senhora da Paz. Para além da leitura orientada

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«Não quero pegar no Plano Nacional de Leitura, abrir a página que diz “Leitura orientada” ou “Leitura autónoma para o 3º ano de escolaridade”, imprimir e dizer: “É isto!”»

na sala de aula, com o professor da turma (enquanto mediador de leitura) ou com a professora Inês Duarte (enquanto animadora de leitura2) e da leitura autónoma em casa (leituras que depois figuram no passaporte), há ainda a leitura autónoma na sala de aula: «Todos os meninos têm um livro, adoptado para aquele ano de escolaridade, e nos tempos em que acabam de trabalhar podem ler esse livro ou os professores param a aula e oferecem 20 minutos (ou mais) de leitura. O próprio professor é convidado a trazer de casa um livro e a lê-lo enquanto os alunos lêem os deles, para que este hábito não tenha o carácter de obrigatoriedade; é um momento de leitura partilhado. Parece-me importante que os alunos compreendam que os seus professores também são leitores e a leitura não é só um espaço de aprendizagem, mas sim um espaço de prazer que deve ser alimentado diariamente.»

À semelhança do que acontece com as salas de Jardim-de-Infância, as listas de livros do 1º Ciclo podem relacionar-se, em parte, com projectos ou temas trabalhados pela turma ocasionalmente. O objectivo é construir com os alunos uma «enciclopédia pessoal» (o conceito foi introduzido por Umberto Eco). «Eu não posso achar que eles sabem ou têm as mesmas referências que eu. Logo, se eu quero tratar alguma temática no 1º Ciclo – seja o Porto, seja as Mil e Uma Noites –, tenho de criar uma espécie de “almofada fofa” de imagens, sons… Tenho de contribuir para o alargamento dessa enciclopédia pessoal, para que quando esteja a ler uma história, saiba à partida que as crianças estão a construir imagens com aquilo que ouvem. Se não têm imagens do Porto, não posso ler textos que façam referências à cidade, porque eles não os percebem. É preciso aplicar questionários, saber para onde costumam sair com os pais ou com os avós, depois passar imagens para ver o que conhecem e o que não conhecem, o que gostariam de conhecer, pesquisar e encontrar livros que falem disto. Depois desta bateria de trabalho, quando vêm os livros, até pedem que lhes conte histórias! Há maior solidez e entendimento do que estão a ouvir ou a ler depois desta base ser construída; não lhes atiro para cima um livro só porque me lembro.» A acompanhar o trabalho na sala, surgem por vezes alguns trabalhos de casa (ou «desafios»), «que os pais percebem logo que vêm da professora Inês»: gravar cantigas que passam na rádio e que são relacionadas com o(s) livro(s) lido(s), tirar fotografias ao pé de monumentos ou a comer um prato típico e entrevistar pais e avós são alguns exemplos. «O ano passado, houve um desafio que era entrar numa mercearia muito antiga cá do Porto, a Favorita do Bolhão, e tirar uma fotografia segurando um queijo. Isto, porque estávamos a trabalhar Contos da Cidade das Pontes3, uma colectânea que tem um texto do José Vaz, chamado “Celestino, o rato da biblioteca”, e o Celestino come um queijo da Favorita do Bolhão. O que me interessa com este desafio é promover junto dos mais pequenos a consciência de que é preciso preservar o património social, que eles percebam, por exemplo, a importância das mercearias na cultura portuense, porque estas mantêm-se, não fecharam.»

«Dependendo dos textos, pode haver saídas diferenciadas. Posso ler o livro de forma integral, de fio a pavio (o que é raro), posso ler/contar o texto, adaptar partes

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2 Mais dados sobre animação e mediação de leitura e a diferença entre elas no ponto 3 deste trabalho.3 AA., VV. (2001). Contos da Cidade das Pontes. Porto: Ambar. Este desafio estava integrado no trabalho em torno da cidade do Porto que os alunos dos 2º e 3º anos A e B desenvolveram. É possível ver algumas das actividades desenvolvidas e dos livros lidos no blog: http://portoacaminho.blogspot.com/ (consultado em 23.04.2010).

continuando com a mesma estrutura, ou, se há um final que não me apetece ler, excluí- -lo, mas tentando não trair o autor. Só depois de ter consciência destas várias saídas, é que eu posso perceber que trabalho pode ser desenvolvido.» O trabalho de um animador passa muito por esta criação e escolha das estratégias mais adequadas ao estudo de um texto: «Eu neste momento não posso ler ingenuamente; tenho de perceber quais são os caminhos que um livro me dá: se aponta para a expressão dramática, se pede que use estratégias de animação de leitura que tenham a ver com expressão plástica, expressão musical, expressão corporal… Ou até combinar todas elas! Mas há que o fazer de uma forma que não seja ligeira; não pode ser só: “Acabaram de ler o livro e agora vamos ilustrar o que acabaram de ouvir.” Faz parte, mas não chega. Pô-los a fazer ilustração criativa depois de terem conhecido um sem número de ilustradores; perceberem as diferenças entre ilustradores; pegar em capas de livros e fazer concursos em que adivinham quem as ilustrou (porque há diferenças claras de estilo entre ilustradores, e eles sabem-no). Mais uma vez, é o que dizia: é criar a “almofada fofa” para eles próprios começarem a criar ilustração.»

Os livros são trabalhados com o objectivo de desenvolver as ditas enciclopédias pessoais, mas também há alguma gestão de acordo com o que é pedido pelos professores responsáveis pelas turmas. «Por exemplo: numa turma em que a professora diz “Eles estão com problemas a nível da escrita. São pouco criativos; escrevem o chamado texto standard: ‘Eu gosto muito da Primavera, na Primavera há flores e andorinhas’ e acaba ‘Eu gosto muito da Primavera’, que é para bater certo com o título lá em cima.” Então, com o professor da turma, decidimos que vamos abrir um período para escrita criativa. Os professores começam também, nas suas horas, a estimular actividades em coordenação com as minhas. Não há a sensação de descontinuidade entre as aulas regulares e as aulas do Projecto de Promoção de Leitura.» E se as «aulas normais» costumam decorrer dentro da sala, as do Projecto de Promoção de Leitura dividem-se pelos muitos espaços do Colégio: «Eu tenho uma sala de Projecto de Promoção de Leitura, a que chamo “estaleiro” – porque é lá que se constrói, não é só o “cantinho para contar histórias” –, mas posso ir às salas dos professores, à Biblioteca, à sala de informática, à cozinha… acho que já dei aulas em todos os cantos do Colégio, até na horta!»

Segundo Inês Duarte, uma das iniciativas mais importantes que desenvolveu no Colégio de Nossa Senhora da Paz, e que acontece anualmente, foi a Feira do Livro. «A organização da Feira ultrapassa largamente o conceito de “contactar a editora”,

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«Eu neste momento não posso ler ingenuamente; tenho de perceber quais são os caminhos que um livro me dá: se aponta para a expressão dramática, se pede que use estratégias de animação de leitura que tenham a ver com expressão plástica, expressão musical, expressão corporal… Ou até combinar todas elas!»

marcar um dia e uma hora, despejar os livros escolhidos pelos critérios da editora e esperar para fazer vendas.» A professora entrou em contacto com uma livraria local e foi seleccionando os livros a figurar na feira («lia uma média de trinta a quarenta títulos por semana»), tendo em atenção as faixas etárias a que se destinavam e também a qualidade do texto e da ilustração. A iniciativa organizou-se com o intuito de que fossem os alunos a escolher os livros que queriam levar. «Inventei um “mealheiro da leitura”: garrafas de água de 50cl com uma ranhura, que foram decoradas por eles numa aula, sendo que eram obrigados a deixar espaços transparentes, para poderem ver que o dinheiro aumentava. Eu selava as garrafas, para não terem como tirar o dinheiro antes da feira. O mealheiro é construído em meados de Outubro, e é suposto que os alunos poupem dinheiro até Abril, data em que se realiza a semana da Feira do Livro. Enviei uma carta aos pais explicando a iniciativa, pedindo a supervisão dos mealheiros pelos pais, tendo em conta que o valor do mealheiro não podia exceder os 30 euros, para não existir muita diferença no poder de compra dos meninos. Queria assegurar a compra de pelo menos um livro; um tecto de 30 euros garante a aquisição de dois ou três livros, porque o livro infantil é uma coisa cara.» Chegada a altura da feira, organizaram-se horários de visita, onde as compras eram feitas pelos alunos e supervisionadas pelo professor da turma e por Inês Duarte: «Os pais não podiam mexer no mealheiro da leitura, mas se quisessem comprar mais livros, estavam à vontade, tinham apenas de se assegurar que os miúdos liam em casa. Achamos fundamental, aqui no Colégio, que se construam bibliotecas em casa que cresçam com eles.»

E porque a leitura não é sempre literária, «outra coisa que valorizamos são os trabalhos de pesquisa: os alunos têm tempos em que podem ir para a internet, fazer pesquisas orientadas pelo professor, e têm pesquisas orientadas em casa; contactam com a palavra escrita muitas vezes durante o dia.»

Quando questionada sobre a importância de familiarizar os mais novos com o objecto-livro e de desenvolver hábitos de leitura desde tenra idade, Inês Duarte sumariza: «Quanto mais lêem, mais capacidades ganham para a análise do mundo. A leitura é fundamental. Pode ser visceral – quando uma pessoa está muito zangada e lê um determinado livro, essa leitura pode ter um efeito catártico; há meninos que precisam de fazer muitas leituras e leituras diversificadas; há outros que sonham mais, têm um universo de fadas e dragões, e que procuram bastante o texto maravilhoso. Se lerem mais, o universo que constroem é muito mais rico, com maior potencial (há melhores fadas, personagens e ambientes mais complexos, enredos mais sugestivos). Basta ver pelos livros: à medida que se avança, não há só “o bom” e “o mau”, isso existe até uma determinada etapa. Quando as personagens começam a ser modeladas e a ter nuances, eles próprios começam a rever-se nelas e a pensar até que ponto fariam aquilo, e é interessante, às vezes, ver como os livros podem suscitar alguns dilemas morais nos miúdos. Ganham também uma noção de passado, importantíssima, através de livros como O Tesouro, de Manuel Pina4, por meio dos quais são capazes de imaginar uma época com as proibições que, para eles, numa determinada idade, não fazem sentido. O livro humaniza, afina as emoções e, com ele, os leitores ganham mundo. Bom, também depende do tipo de livros e do tipo de leitores que são; se lerem livros que não apelam a nada, nada se constrói…»

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4 PINA, M.A. (2007) (22ª ed.). O Tesouro (ilustrações de Evelina Oliveira) [1ª ed. – 1994, Associação 25 de Abril/APRIL]. Porto: Campo das Letras (col. Palmo e meio).

3. Competências de um animador de leitura

Profissão ainda jovem, uma das maiores dificuldades com que se depara é a pouca teorização sobre a animação de leitura. «É preciso construir este novo perfil – porque se trata de um novo perfil de competências dentro da escola –, e fazer com que os meus colegas me aceitem e percebam o tipo de trabalho que quero desenvolver com eles.» Aproveitando a pós-graduação em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores que estava a frequentar no ano lectivo de 2008/2009, Inês Duarte dedicou-lhe um trabalho de investigação5 onde procurou começar a estabelecer, à semelhança do que acontece com as outras profissões ligadas ao ensino, as competências necessárias para ser animador de leitura.

Antes de mais, há que distinguir entre animador de leitura e mediador de leitura. No trabalho de investigação anteriormente referido, esclarece-se que o papel de um mediador é, acima de tudo, o de facilitar o acesso à informação. Assim, integram o seu perfil funções como a promoção do livro, da leitura e da escrita, a dinamização e organização de bibliotecas, dos seus instrumentos e de recursos documentais. É um profissional que procura apoiar os utilizadores, promover junto deles o uso das novas tecnologias na biblioteca, divulgar projectos e experiências e impulsionar a formação em campos como a bibliografia e a pesquisa documental, possuindo conhecimentos nas áreas de literatura portuguesa e literatura infantil.

Já a animação de leitura (a que muitas vezes se dá também o nome de mediação6) implica uma série de estratégias e competências de que o profissional se serve para informar, sensibilizar e cativar para a leitura, nos seus diversos géneros, desde a primeira infância, e promover o livro. Para o fazer, recorre à narração, a técnicas de leitura em voz alta, à informática e tecnologias da informação e a estratégias de animação por meio das quais se ligam a leitura e a escrita e a leitura e as diversas formas de expressão artística (poesia, música, teatro, desenho, pintura…).

Como explica Inês Duarte, «para fazer animação de leitura, preciso de ter um “perfil misto”. O que é que uso para poder dar aulas? A minha formação em 1º Ciclo; formação em teatro; formação a nível de literatura infantil – conhecimento dos livros; biblioteconomia – perceber como se faz a organização dos livros, como se organizam colecções, como se faz um catálogo, como se organiza um acervo; cultura pessoal e, claro, o facto de ser leitora.» O animador de leitura tem a responsabilidade de possuir uma enciclopédia pessoal mais vasta que a dos seus alunos: deve conhecer bem a literatura de tradição oral, tradicional e contemporânea, nacional e estrangeira, e estar a par das novidades que chegam ao mercado, pois só assim conseguirá antecipar as perguntas que possam surgir relativamente aos livros estudados; deve também conhecer as estratégias discursivas e

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5 MARTINS VILHENA, Alexandra & DUARTE MARTINS, Inês (2008/2009). Perfil do Profissional de Leitura no Contexto Escolar (1º Ciclo do ensino básico). Projecto de investigação realizado no âmbito da Pós-graduação em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores, não publicado. Porto: Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti.6 Apesar da separação entre animação de leitura e mediação de leitura que Alexandra Martins Vilhena e Inês Duarte Martins fazem no trabalho de investigação já referido, é difícil distinguir os dois termos, sendo frequente atribuírem-se as competências de um animador de leitura a um mediador. Um exemplo é o Plano Nacional de Leitura, onde se traça um perfil de competências de um mediador de leitura, sendo que as autoras consideram tais competências próprias, mais do que de um mediador de leitura, de um animador de leitura. Na entrevista que lhe dirigimos, Inês Duarte esclarece que «um animador é também um mediador; um mediador não é necessariamente um animador. Há muita gente nas bibliotecas escolares a fazer mediação, e muito bem, mas não animação.»

os recursos técnico-expressivos de que fazem uso as obras de literatura infanto-juvenis, bem como as marcas de estilo de autores e ilustradores, pois só assim será capaz de aconselhar livros. «Por exemplo, há um período em que [os miúdos] amam ler Uma Aventura7, e nós sabemos que se trata de uma colecção extensíssima e que existem leitores que são leitores de colecções, porque encontram nelas a receita de que estão à espera. Deve respeitar-se isso até certo ponto, mas também mostrar outros exemplos parecidos. Tenho de ter sempre o cuidado de saber quem são os “primos” dos livros de que eles gostam, para que quando se perguntem “Para onde é que eu vou?”, eu conheça um “primo”, como o Triângulo Jota do Álvaro Magalhães8, que lhes sugiro.»

Entre muitas outras competências, o animador deve dispor e desenvolver uma série de práticas de dinamização de literatura de entre as quais possa escolher qual ou quais se adequam mais no trabalho de uma obra. Assim, deve também ter conhecimentos (e manter-se actualizado) em áreas tais como a dramaturgia, as artes plásticas e o reconto, e estar consciente do poder da literatura enquanto geradora de emoções e reacções. É necessário que transmita aos seus destinatários, nos exercícios colectivos que desenvolve, o gosto de ler, e que promova neles hábitos de leitura, para que estes se transformem em leitores activos. Esta familiarização com a leitura e a literatura permitirá às crianças que beneficiam das estratégias de animação de leitura o alargamento do seu conhecimento em campos que não apenas a literatura (como a arte), mas também o desenvolvimento da sua capacidade criativa. «Ninguém cria nada no vazio. Uma vez, em correspondência com a Dra. Eduarda Coquet, ela dizia-me, e parece-me absolutamente acertado, que as crianças não são criativas de forma espontânea; a criatividade é uma construção; ninguém constrói sem imagens. As crianças têm representações naïf da realidade, que expressam através das suas histórias, dos seus desenhos e da sua leitura do mundo, e que muitas vezes “comovem” os adultos pela sua simplicidade e singularidade. Mas, a meu ver, é apenas isso. Simplicidade. Dificilmente o vejo como trabalho criativo. Para fazer trabalho criativo, é necessária essa construção da enciclopédia pessoal, através de cheiros, desenhos, pinturas, etc. É preciso ir ao cinema, ao teatro, a concertos. É preciso ler muito, ler mais e melhor.»

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7 MAGALHÃES, A.M. & ALÇADA, I. Colecção Uma Aventura [data de edição dos primeiros volumes: 1982]. Alfragide: Caminho. Site da colecção: http://www.uma-aventura.pt/index.htm (consultado em 23.04.2010).8 MAGALHÃES, A. Colecção Triângulo Jota [data de edição dos primeiros volumes: 1989]. Alfragide: Leya.

Entre muitas outras competências, o animador deve dispor e desenvolver uma série de práticas de dinamização de literatura de entre as quais possa escolher qual ou quais se adequam mais no trabalho de uma obra; deve também ter conhecimentos (e manter--se actualizado) em áreas tais como a dramaturgia, as artes plásticas e o reconto, e estar consciente do poder da literatura enquanto geradora de emoções e reacções.

Anexos

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Anexo 1

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Anexo 2

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Anexo 3

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