Projetil 61

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Jornal Laboratorio do Curso de Jornalismo da UFMS

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2Editorial

Artigo

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Fede-ral de Mato Grosso do Sul – Produzido pelos acadêmicos do 3° ano de Jornalismo, soborientação dos professores Edson Silva (Edição), José Márcio Licerre (Planejamento GráficoII)e Lucas Santiago Arraes Reino – DRT 100/3 (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II).

Produção: Angela Albuquerque, Aurélio Marques, Bárbara Ferragini, Bianca Celoto,Evandro Cini, Fabiane Higa, Fernanda Athas, Fernanda Ellen, José Carlos Prado, JovanaSomensi, Karol Natasha, Luisa Mas, Maurício Nascimento, Pâmela Berton, Tainara Rebelo.

Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Social – Jornalis-mo (DJO/ CCHS) – Cidade Universitária S/N° - Cep 79070-900 – Campo Grande – MS.Fone: (67) 3345-7600 – E-mail: projé[email protected] Tiragem: 5.000 exemplares. Impres-so no Jornal Correio do Estado

As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS oude seus dirigentes, nem da totalidade da turma.

Jovana Somensi

Em cena, prota-gonistas de uma his-tória bem longe deum final feliz. De umlado, produtores em-punham a espada dopoder e governo es-tadual, toda cravadade pedras políticaspreciosas. De outro,indígenas e Funai apontam flechas en-venenadas com tradição e injustiça his-tórica. Acima, Governo Federal e aConstituição climatizam o cenário e de-marcam os tempos. Abaixo, as mídias,fuçando e revirando os lixos, bebendoo sangue dos moribundos, procuran-do o que mais vende.

Quem compra este filme e assistea esta peça teatral somos nós. No finaldas contas e dos contos, conforma-dos ou não, nos damos conta de quenão passa de ficção. Só que dessa vez,uma ficção real. O grito, quando o per-

sonagem favorito é atingido, não vemseguido de um sorriso sem graça, masde incertezas, tensões, tristezas de ver-dade. As come-morações ficamrestringidas até a próxima cena, que osautores ainda não escreveram. Enquan-to a trama se desenrola, opinamos eajudamos a redigir linhas e mais linhasde histórias paralelas.

As trilhas sonoras são escolhidascom esmero. O ‘Blues da Piedade’ chia“Pra quem vê a luz, mas não iluminasuas mini certezas. Vive contando di-nheiro, e não muda quando é lua cheia”como numa vitrola antiga, já o D2 canta“Você vai defender o futuro da nação.Se você tiver sorte, você vai sair bemvivo daqui, vai lembrar dos outroscowboys” em som claro, defendendoem sobe-sons emo-cionantes a mesmabatida que as ONG’s enviaram, umclássico do rei Elvis Presley: ‘A fool suchas I’, algo como “De vez em quandoaparece um tolo como eu sou”, en-quanto Raul Seixas lembra-se da mos-ca que pousa na sopa de índios e fazen-deiros. A pipoca esfria cada vez que

nós perdemos o in-teresse e mu-damosde sala ou de canal.

A terra, que pa-rece pertencer a to-dos e a ninguém, éusada como o fioda meada, mas nãopassa de um enredosecundário. Em pri-meiro plano, a vida,as idéias que cons-troem a vida. Eumesma já fui comu-nista, já fui nazista, jáfui anarquista, dita-torial, revolucioná-

ria, democrática. Hoje, sou humana.Não vejo mais atores sociais nesse con-flito: enxergo gente. Futuro.

Não se trata mais de saber quemvai ganhar. Não existem mais lados. Ahistória agora caminha para contarquem vai sobreviver, e a custa de quê.Nesta jornada, não importam mais asvitórias do passado, as mazelas do pre-sente ou a incerteza do porvir. O quevai fazer esses humanos continuaremlutando, sobrevivendo, é a esperança: amocinha de qualquer conto de heróis.De heróis de verdade.

“Lutandocontra mim

fico a teu ladoe, inda

perjuro, provoque és um

bem”

pós muitas dúvidas, sanadas ounão, através de pesquisas, entrevistas, deba-tes e discussões acaloradas, os alunos do ter-ceiro ano de jornalismo da UFMS resolveram“marcar” a edição nº 61 do jornal laboratórioProjétil com um assunto cujo cenário é a Consti-tuição Federal de 1988. As Demarcações das Terrasda União são uma questão que o país vem empur-rando com a barriga há 20 anos, e que, por ter tomadodestaque nos últimos meses, está destacada também emuma reportagem especial nas páginas do Projétil.

Para o leitor entender melhor o tema e poder acom-panhar, talvez com uma opinião formada, o futuro certodeste assunto, previsto pelo Artigo 231 da Constituição, ojornal laboratório do Curso procurou ouvir as principaispartes envolvidas no embate. Sob a exigência do Ministé-rio Público Federal para o cumprimento da Constituiçãoapresentado por um Compromisso de Ajuste de Conduta(CAC), Funai, produtores rurais e indígenas protagonizam aspáginas de jornais, emissoras de TVs e sites de notícias deMato Grosso do Sul. O Projétil ouviu todos eles, e procura-mos saber quais são as opiniões divergentes sobre comodeverá ser desenvolvido o processo que levará às De-marcações.

Os produtores rurais, representados pela Federação de Agricultura e Pecuá-ria do Estado de Mato Grosso do Sul (Famasul), Associação dos Municípios deMato Grosso do Sul (Assomasul), Associação dos Criadores de Mato Grosso doSul (Acrissul) e Sindicatos Rurais dos Municípios argumentam contra as possíveisindenizações que receberão pelas terras demarcadas e o comprometimento daprodução agropecuária no Estado. A Funai, representando os indígenas, tentatapar os buracos abertos pela mídia na divulgação de informações incorretas e,muitas vezes, tendenciosas. Mas o Projétil vai além do que é manchete nos veícu-los de comunicação. A miséria e a pobreza dos índios guaranis da aldeia PortoLindo, em Japorã-MS, também são destaques nas páginas desta edição .

Em se tratando do processo para as “Demarcações de Terras Indígenas”,ainda não dá para falar em números e datas. Os estudos previstos por seis porta-rias publicadas pela Funai mal começaram e já foram suspensos. Uma coisa écerta: 500 anos de história e cultura precisam de um lugar para morar.

Boa leitura!

Nem Shakespearetraduz

A

w. Shakespeare

3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Terras da União - Entrevista

José Carlos Prado

Projétil – Senhor Procurador, para queexiste o Ministério Público Federal?

Marco Antônio – O Ministério Público Fede-ral está ao lado do Poder Executivo, do PoderLegislativo e do Poder Judiciário, e tem diversas fun-ções constitucionais: a defesa do patrimônio público,a ação privativa penal (denúncias criminais), e no bojoda questão indígena, cabe ao MPF a defesa judicialdo interesse das populações indígenas. Isto está ex-presso no artigo 129 da Constituição Federal. Quan-to a essa questão, a Constituição expressamente diz:“São funções institucionais do Ministério Público adefesa judicial dos direitos e interesses das popula-ções indígenas...”.

P – Qual a atuação do MPF na questão dasterras da União, desde a origem do problema atéagora?

MA – Basicamente, o que houve foi a celebra-ção de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) – ésempre importante colocar que o TAC ou o Com-promisso de Ajuste de Conduta (CAC) é um com-

Atualmente, o termo “demarcações”, em Mato Grossodo Sul, remete ao tormentoso assunto das providências quesão adotadas pela Funai para a identificação, delimitação,demarcação e homologação das “terras que tradicionalmen-te foram ocupadas pelos índios...” (conforme CF art. 231 §1º,05/10/1988).

Com Funai e indígenas, auxiliados por ong’s e CIMI/CNBB de um lado, produtores rurais e suas associações declasse, auxiliados pelo Governo Estadual e políticos do ou-tro, tendo ainda a cobertura de uma mídia claramente des-provida de imparcialidade – virtude do jornalismo ético –assistimos a embates de palavras e declarações que deveri-am preocupar as autoridades responsáveis pela segurança eordem públicas.

Justamente por seguir este ideal de um jornalismo éti-co, responsável, coerente com os ideais de ordem e progres-so, estampados em nossa bandeira, o Projétil foi ouvir o Mi-nistério Público Federal – ente constitucional criado paraser defensor da ordem jurídica, do regime democrático, dosinteresses e direitos sociais e individuais. Nesse processodas “demarcações” o MPF é responsável pela boa conduçãode todos os passos, deve acompanhar, fiscalizar e garantir ocumprimento das leis em todo o processo.

Para que o MPF tivesse voz nesta edição, e a ética deouvir todos os protagonistas da notícia fosse cumprida, oProjétil enviou o acadêmico José Carlos Prado para ouvir oadvogado Marco Antônio Delfino de Almeida, Procuradorda República, do Ministério Público Federal em Dourados-MS, responsável pelo processo das demarcações no Estado.

promisso que tem sua previsão legal na Lei de AçãoCivil Pública. O MPF pode promover ações ou me-didas judiciais para obrigar entes da administraçãopública a cumprirem suas obrigações legais e consti-tucionais. Da mesma forma como ele,o MPF, pode obrigá-los judicialmen-te, extra-judicialmente pode celebrarcom esses entes, ou até mesmo comparticulares, compromissos de ajustede conduta que visam impedir, retar-dar ou postergar uma provável me-dida judicial. No caso das demarca-ções, a Funai, ou melhor, a União, jádesde 1993, cinco anos depois depromulgada a Constituição Federal,deveria ter demarcado as terras indígenas. Não o fez.Estávamos aí com um atraso de muitos anos na pres-tação do serviço estatal. A Funai, temendo uma açãojudicial, firmou um CAC se comprometendo a efeti-var a identificação e a delimitação das terras indíge-nas. Isso deveria ter sido feito até o ano de 1993. Este

é o quadro em que foi celebrado o Compromissode Ajuste de Conduta.

P – Como o MPF vê a entrada do Poder Exe-cutivo Estadual no processo dasdemarcações?

MA – Nós tivemos uma conver-sa com o presidente da Funai, e ele nosrelatou qual o entendimento dele paraessa presença do poder público esta-dual, na questão. O poder público es-tadual já está presente nas diversas ati-vidades da Funai, em Mato Grosso doSul, e em outros Estados. Há uma faseda delimitação das terras indígenas que

é o processo de levantamento dos dados fundiários.Nessa fase há uma participação do Incra, e, para queos levantamentos sejam acelerados, há participaçãodos Institutos de Terras dos Estados. Então, já háuma participação dos Estados no processo da deli-mitação. É nesse sentido que foi celebrado este acor

Ele Manda Fazer

“As populaçõesnão-indígenas

não serãodesalojadas”

MPF exige o cumprimento daCosntituição Federal

Marco Antônio Delfino de Almeida, Procurador da República

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Fazer

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 4

Pedras no caminho

Denúncias colocam em xeque asinstituições e abrem espaço paraa questão da ressocialização deadolescentes infratores

do com o governo do Estado. Devemos lem-brar que a competência para a demarcação de terrasindígenas é exclusiva da União. Agora, não poderáhaver participação de membros dos poderes públi-cos do Estado nos grupos dos trabalhos antropoló-gicos, pois este é um trabalho de competência exclu-siva da União.

P – As portarias da Funai prevêem áreassujeitas à inspeção em vinte e seis municípiosdo Estado. Na visão do MPF, o que isto poderepresentar para as populações não-indígenas quehabitam esses locais?

MA – É importante colocar – e aí eu acho, nesteponto, que vocês, como acadêmicos, têm um papelmuito importante – que está havendo uma manipula-ção de informações, mediante a publicação sistemáti-ca de dados que não condizcom a realidade, com o únicointuito de provocar um climade terror, um clima de medo,um ambiente totalmente hostilàs populações indígenas. Aspopulações não-indígenas nãoserão desalojadas, pessoas quemoram em centros urbanosnão terão que desocupar os seusimóveis urbanos, os municípi-os não desaparecerão. O quefoi colocado é que doze mi-lhões de hectares fosse um nú-mero final das demarcações in-dígenas. Nós sabemos que estenúmero será muito inferior aisto. Até porque, historicamen-te, as identificações e as delimi-tações efetivadas em Mato Grosso do Sul são dimen-sões muito inferiores a doze milhões de hectares. Maseste número foi colocado com intuito de colocar pes-soas contra a identificação e a delimitação das terrasindígenas, mas de maneira nenhuma as populações ur-banas serão afetadas. A pessoa que possui a padariapode continuar produzindo o seu pão, porque, comcerteza, a terra indígena não abarcará sua padaria. Aquelapessoa que é contadora na cidade pode continuar comseu escritório, que não será fechado com o fato dacriação de uma reserva indígena.

P – E os sitiantes dos arredores das cidades?MA – O sitiante, a gente tem que ver a localiza-

ção. Mas foi importantíssimo tocar neste ponto. Nóstemos que lembrar que pequenos e médios produto-res rurais, enquanto clientes da reforma agrária, seforem afetados pela demarcação de uma terra indí-gena, poderão ser reassentados em outra área, inde-nizadas as benfeitorias que houverem feito. Isto é umadisposição legal expressa. Como já foi feito emPanambizinho, como já foi feito em Potreiro-guassú.Importante falar que esta é uma questão que não iráafetar os núcleos urbanos. Não afetará pessoas comatividades urbanas. Irá afetar de uma maneira, diga-mos assim, tênue, mas poderá afetar pequenos pro-dutores rurais. Mas eles, se assim o desejarem, serãorealocados em uma terra, que até poderá ser de me-lhor qualidade e de maior preço, como foi o caso de

Potreiro-guassú. Havia produtor rural que tinha umachacrinha de dois hectares e meio, e que foi assentadono módulo de assentamento do INCRA, que é dedoze hectares. Importante colocar esta informação,pois está sendo pouco veiculada na mídia, e que visafazer com que as pessoas vejam que há toda umamanipulação de informações.

P – Como serão resolvidos os casos de aqui-sição de boa-fé, inclusive aquelas tituladas pelaUnião?

MA – Nós entendemos – é importante, tam-bém, colocar isto – que houve um processo de reti-rada das populações indígenas. Elas não procuraramespontaneamente a reserva de Jaguapirú, em Doura-dos. Elas foram retiradas sistematicamente, por uma

política de estado, e colocadas nareserva de Dourados. É obvio quehouve um dano moral que afetouaquelas populações. Óbvio, tam-bém, que o mesmo Estado que re-tirou os índios foi o Estado quetitulou essas áreas. Então, nós en-tendemos que houve um dano, eque cabe sim, aí, uma indenizaçãopelo Estado, porque o Estadoatuou de uma forma prejudicial aambos os interesses: aos interessesindígenas e aos interesses dos co-lonos. Nós estamos estudando asmedidas judiciais cabíveis, paraque essas pessoas sejam indeniza-das pela União, pela titulaçãoindevida das áreas indígenas. Nósentendemos que esta seria a solu-

ção adequada, que viria a conciliar os interesses atual-mente em conflito. Essa solução já foi aplicada emoutros locais. Por exemplo, no Rio Grande do Sul eem Santa Catarina. Então, há previsões legais, há an-tecedentes. Basta que haja uma boa vontade, para quenós possamos resolver esta questão.

P – Na previsão do MPF, quanto tempo aindase demandará nesta questão?

MA – É uma questão que a Justiça, face às de-mandas que são postas, acaba levando bastante tem-po. Mas eu acho que agora nós vamos ter alguns julga-mentos emblemáticos, no Supremo Tribunal Federal,envolvendo a questão indígena, envolvendo a questãode posse de terras indígenas, de títulos concedidos so-bre áreas indígenas – é a questão da Reserva RaposaSerra do Sol e a questão dos pataxó-hã-hãe. São julga-mentos que vão dar um norte, vão possibilitar que es-sas questões judiciais possam ser resolvidas de umamaneira mais célere e menos traumática para ambas aspartes. Na verdade, o que nós temos hoje é um pactojudicial que acaba causando sofrimento tanto para osdetentores dos títulos quanto para as populações indí-genas, impedidas de ocuparem as suas terras. Isso cau-sa uma insegurança jurídica muito grande. Nós espera-mos que os julgamentos no STF nos possibilitem ummelhor encaminhamento.

P – Finalizando, como o senhor vê a cober-tura da mídia sobre este processo?

“A mesma CNA,que taxa os indígenas

de ameaça àsoberania nacional,

permite queestrangeiros venhama adquirir terras sem

qualquer limite.Então, qual é oparâmetro?”

MA – Eu entendo que a cobertura da mídia está,no mínimo, deixando de ouvir ambos os lados, para aconfecção das matérias jornalísticas. Nós temos, lite-ralmente, matérias que são publicadas sem que a outraparte tenha sido, sequer, mencionada, quanto mais ou-vida. No caso das demarcações, sistematicamente, vejoo descumprimento desta regra que eu considero bási-ca do jornalismo. Vejo, muitas vezes, matérias que sãopublicadas, como se fossem verdades, sem que a ou-tra parte pudesse, ao menos, estabelecer umcontraponto. Por exemplo, a questão da soberania na-cional, que é veiculada quase como se fosse um mantra.Essas pessoas desconhecem a Constituição Federal, queprevê, de forma expressa, como uma das hipótesespara a remoção de populações indígenas, a questão daameaça à soberania. A disposição do artigo 231, § 5º, énesse sentido: “É vedada a remoção dos grupos indí-genas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Con-gresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemiaque ponha em risco sua população, ou no interesse dasoberania do País...”, ou seja, se algum dia houver essafantasiosa ameaça à soberania, há um instrumento le-gal para que o grupo que ameaça a soberania seja re-movido. Eu desconheço caso em que tenha havido talmovimento de ameaça à soberania. Por incrível quepareça, nós vemos movimentos separatistas em ou-tros locais. Um exemplo notório é o do Rio Grandedo Sul, com vários eventos separatistas, e, até hoje nãovejo nenhum gaúcho sendo impedido de obter terrasnas fronteiras, apesar de já ter havido movimentos se-paratistas do Rio Grande do Sul.

Eu participo de um grupo de trabalho que visaestudar a aquisição de terras por estrangeiros. Por-que nós consideramos, isso sim, uma verdadeira ame-aça à soberania brasileira. Ou seja, a aquisição devastas extensões de terras, nas faixas de fronteira,por grupos estrangeiros. Isso sim é uma ameaça cla-ra à soberania. No entanto, esse tipo de ameaça nãorecebe o mesmo tipo de tratamento da Confedera-ção Nacional da Agricultura. Ela até faz gestões paraque limites na aquisição de terras por estrangeirossejam derrubados, para que não existam limites naaquisição de terras pelos estrangeiros. Ou seja, amesma CNA, que taxa os indígenas de ameaça àsoberania nacional, permite que estrangeiros venhama adquirir terras sem qualquer limite. Então, qual é oparâmetro? Qual é o fundamento para que ela ve-nha a ser criada? A ameaça à soberania é só do po-bre, daquela pessoa que não tem capital? A partir deque ela tenha capital, deixa de ser uma ameaça àsoberania? Então eu vejo que a imprensa, enquantoveículo informador da sociedade brasileira deve terum olhar mais crítico sobre isto. A imprensa livre éfundamental para o País. Eu espero que a imprensa,de uma forma mais isenta, procure avaliar toda asua atuação, ouvir todos os lados, e comece a pon-derar certos conflitos que são evidentes, como essesque eu relatei agora. Um estrangeiro adquirir qui-nhentos mil hectares de terras no Brasil é uma ame-aça à soberania, mas não recebe o mesmo trata-mento da imprensa nacional, não recebe o mesmotratamento da CNA. Nós do MPF estamos numaposição imparcial, acreditamos que é, sim, uma cla-ra ameaça à soberania nacional.

Terras da União - Entrevista

5 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

de boas condições de vida,” opinaEduardo Corrêa. Ele afirma que o ín-dio tem direito a terra, mas dentro deuma nova ordem cultural, econômica esocial.

Em meio a toda esta discussão,surgiu a especulação sobre o real inte-resse por trás da escolha do cone-suldo Estado para fazer a demarcação. Deacordo com o vice-presidente daFamasul, a Funai é um órgão governa-mental financiado por terceiros atravésde convênios e, por isso, está sujeito ainteresses nacionais e internacionais detodo tipo. “Dentro de uma bandeira ide-ológica existem vários interesses. Essapreocupação ganha base quando sequestiona a demarcação justamente emum cenário estratégico do país,” argu-menta Corrêa. Na opinião de EduardoSousa, isso é uma tentativa de neutrali-zar a nossa concorrência: “O clima, asterras, as nossas condições de produ-ção são muito mais baratas. E isso inco-moda muita gente. Para as ONGS co-locarem o dedo na Funai para tentardesestabilizar o setor produtivo é fácil”.

Os ProdutoresOs proprietários têm se encontra-

do semanalmente para discutir as medi-das a serem tomadas e a evolução docaso. Eduardo Corrêa diz que existe umasérie de ações na justiça por parte daFamasul, dos municípios e do governoestadual. “Estamos tentando, através deuma proposta de emenda constitucio-nal, um Pacto de Ajustamento de Con-duta (PAC), para tirar a margem daFunai de buscar esse tipo de artifício,”confirma o vice-presidente.

Para os fazendeiros, a melhor so-lução é a proposta do governo do Es-tado de desafogar pontos de estrangu-lamento onde a situação está muito com-plicada comprando áreas de pessoas quequerem vender. “O governo dá a terrapara melhorar a situação de espaço e dásuporte para manutenção de condiçõesdignas de vida. A intenção é chamar aFunai a sua responsabilidade em todosos quesitos. E, talvez assim, possa me-lhorar a situação do indígena,” reiteraEduardo Corrêa.

A MídiaNa opinião de Eduardo Sousa, fal-

ta, na imprensa, um tratamento maisaprofundado sobre o assunto. “As pes-soas não entendem bem o que está acon-tecendo. A mídia tem sido poucoexplicativa, e muito especulativa. Ela nãomostra onde isso vai refletir na vida dequem não tem terra e quem não é ín-dio”.

Arame FarpadoA opinião de quem sustenta a economia do Estado, sobre o riscode perder suas terrasnas demarcações,se ela for realizadacomo prevêa Constituição

Angela Albuquerque

Mato Grosso do Sul, um estadocolaborador do PIB nacional, que atuaprincipalmente na produção agro-pecu-ária, tem sido palco de uma fervorosadiscussão sobre a atitude do MinistérioPúblico Federal (MPF) de exigir daUnião, através da Fundação Nacional doÍndio (Funai) a realização de estudos paraidentificação, delimitação e demarcaçõesde terras. São áreas em 26 municípiossul-mato-grossenses que podem sertransformadas em terras indígenas, o quejá era previsto na Constituição de 1988.As medidas têm causado diferentes rea-ções nas partes extremas envolvidas noassunto. Para os proprietários de terras,a principal revolta é a maneira despro-positada de resolver um problema cri-ando outro e prejudicando apenas umaparcela da população.

ConseqüênciasO documento “Região Objeto de

Estudos que Visam o Estabelecimentode Reservas Indígenas”, produzido pelaSecretaria de Estado de Desenvolvimen-to Agrário, da Produção Industrial , doComércio e do Turismo, revela que, sea demarcação nos 26 municípios pro-postos for realizada, uma área de 76.707km² será impactada, o que equivale a21,48% do território do Estado. Issocomprometeria 25% do PIB estadual e21 % de toda mão-de-obra do Estado.

Eduardo Sousa cuida da fazendaRecordação no município de Maracaju,propriedade da família há várias gera-ções. Ele não entende como a demar-cação pode ser boa para os envolvidos:“Como a pecuária é o carro-chefe daeconomia do Estado, isso vai prejudi-

car toda a sociedade. Não sei como adoação de mais terras para índios pos-sa melhorar a condição deles. Se elestivessem uma aldeia bem estruturada,eles estariam muito melhor do que comum grande pedaço de terra e com osmesmos problemas sociais”.

Os proprietários afirmam que,além dos prejuízos financeiros com aredução da produção, existe o desres-peito ao direito de propriedade. Eduar-do Corrêa Riedel, vice-presidente daFederação de Agricultura e Pecuária doMS (Famasul),argumenta que,quando a basefundamental deuma sociedadedemocrática ca-pitalista é ataca-da, o direito depropr i edadeperde a estabili-dade jurídicanos processosde investimen-to: “o título pri-vado perde ovalor. Vamos relativizar o direito à pro-priedade da sua casa porque tem al-guém que está passando necessidade.É uma solução descabida”. Para Eduar-do Sousa, a injustiça da decisão está emexpropriar quem tem a propriedadeprotegida pelos termos legais e, mes-mo assim, corre o risco de perder seu

meio de vida sem nenhum tipo de in-denização.

Outro ponto bastante discutido dizrespeito aos critérios escolhidos para iden-tificar as terras. O vice-presidente daFamasul põe em xeque a validade destescritérios como fatores decisivos para de-sencadear a expropriação. “Primeiro, elesusavam o princípio arqueológico. Umapedra po-deria provar que aquela terrahavia sido de índios. Depois entrou oprincípio da oralidade, que usa o depoi-mento de índios mais velhos para deline-

ar a área por ondeeles transitavam edemarcá-las comosendo área indíge-na. Isso tudo é mui-to frágil e falívelpara ser o argu-mento que vai ti-rar a terra de al-guém,” afirma ele.

A FunaiAs opiniões

sobre a situaçãodos índios traz

uma discussão sobre a atuação da Funaie seu papel de tutela. Para a maioria dosproprietários, os índios estão abando-nados pelo órgão que foi criado paraprotegê-los. “Quando a Funai coloca sóa terra como solução, ela minimiza odebate e se omite da real responsabili-dade que tem de apoio à manutenção

Terras da União - Proprietários

“ Se eles tivessem umaaldeia bem estruturada,

eles estariam muito melhordo que com um grande

pedaço de terra e com osmesmos problemas

sociais”.

O direito de propriedade perde estabilidade jurídica como risco de expropriação

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 6

Quem são aquelas pessoas cor de terra quevivem em aldeias e falam mais de 150 línguasbrasileiras diferentes do português? Como vivem?Alguns têm medo, outros descaso e até mesmo nojodeles. O Projétil enviou uma repórter ao município deJaporã, passando por Iguatemi, para Porto Lindo,para fazer uma leitura do cotidiano daquela comuni-dade. Ao chegar lá, além da pobreza e ambiente aban-donado, a cultura tradicional é vista como costumesbrancos, em missões emédicos.A aldeia “invadida” pelarepórter não tem cercas, emesmo assim não permitepessoas estranhas, masquem chega com umsorriso no rosto e sinal depositivo recebe boas-vin-das da mesma maneira:

Iporã PejúJovana Somensi

Os olhos grandes e negros estão curiosos. Os lábios fartos sorriem desconfi-ados e tímidos. As pernas têm um pouco de lama seca, e a cor da pele se confun-de com a terra, tão familiar à aluna guarani Melissa.

Na escolinha da Missão da Igreja Presbiteriana, ela pode brincar com até 200colegas, mas hoje a índia não tem nem75 companheiros para assistir ao filmereligioso que é transmitido. Isso porque a chuva impediu o ônibus de levar ascrianças para a aula dos 10 professores índios e dos outros dois não-índios.

Todos que estão ali aceitam a presença da cultura não-indígena, muito longeda crença, típica dos guaranis, da Yvy marã ei, a “Terras sem Males”, que repre-senta um lugar seguro, para manter os costumes dos índios e trazer de volta paz etradição. É o objetivo de vida dos Guaranis. A busca pela Yvy marã ei, em vida, éo que fazia deles nômades, seguindo Nhanderu (o deus Sol), seguros por ele,protegendo a criação dele (natureza).

Por isso a necessidade de terras na história deles. Espiritualmente, o intensodesejo da Yvy marã ei os liberta do medo da morte, mas mesmo assim aprovei-tam a terra em que vivem pela tradição guarani, já que a Terra sem Males é desti-nada somente àqueles que viverem da cultura da terra.

O transporte é falho pra escola, mas...Porto Lindo faz divisa com Iguatemi -a maior cidade que cerca a aldeia. Para

viajar entre os dois espaços as diferenças marcam o caminho: saindo da “Fonte deÁgua Pequena” (o nome “Iguatemi” é também origem indígena), acaba-se oasfalto junto com o comércio. Os latifúndios cercam a passagem. Quase trêsquilômetros depois, uma ponte estreita sobre o Rio Iguatemi limita os universos,e só comporta um carro por vez. Ironicamente, o que é mais precioso aos índios,a terra, que se faz presente em todo o caminho, sem marcas do “desenvolvimentourbano”, me parece falta de investimento em acessibilidade. O buraco na saída daponte evidencia as dificuldades vindouras.

O dia era de chuva e, em dias como este, o atoleiro e as depressões enterramos carros sem tração. Mas o caminhão com uma bolha gigante que vinha para aponte tinha providência: comprado ou fretado para o transporte dos guaranis,agüenta climas ruins. Dentro da bolha, que era um plástico com a marca de umaloja, uns 20 índios. O dia na cidade começa com parte da aldeia nela.

A cultura do abandonoNa Missão, ouço gritos brabos e exigentes que me parecem de criança.- É a Dona Viana. Nós adotamos ela porque ela é surda e tem problemas

mentais e os rapazes abusavam dela. Ela estava abandona-da, e trouxemos pra cá, aí cuidamos dela. – diz MarcoAntonio, o missionário.

Para os guaranis isto é explicável. Eles dizem que te-mos três almas: a nhe’enguê ou nhe’em, a alma boa, espiri-tual; a anguêry, a alma animal, responsável pelas más incli-nações, e a avyu-kuê, a sombra. A doença é a ausênciatemporária da nhe’em, da alma boa. Quem nasce doente,não possui a nhe’em, e a morte é a saída definitiva dessaalma, uma libertação para as outras almas também.

- Ela quer o café da manhã, por isso tá gritando. –João, outro missionário, pega um pão e leite. Vou conhecê-la. Lembro que Dona Viana é surda. Braba, grita e gesti-cula para eu ir embora. Quando levanto o polegar direitoe sorrio, toda fúria vira sorrisos e poses para foto. Pensose todo meu dia vai ser assim...

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Um exemplo de habitação

Terras da União - Vivências

Iporã Pejú

7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

ú Porto Lindo

E quando não há abandono...Depois da missão, visito seu Alexandre e da dona Rafaela, que têm nove

filhos, 50 netos e mais 13 bisnetos para contar histórias e povoar a aldeia. A casaque eles vivem abriga, pelo menos, 15 pessoas, a maioria crianças. Não mais quequatro cômodos confortam a todos. Lá, conheço Jéssica, que se destaca de to-dos: rosa e os cabelos quase brancos, a menina albina me ensina escrever a fala queescuto em seguida:

- Edîú, che amîrra! Vem comigo, amiga, conhecer a Bastiana e o Laziel. – dizJosilaine, filha do casal.

O cenário já parco muda para pior. O cheiro é de fumaça e feijão. A casinhaé de madeira tosca e chão de terra batida. Na cozinha minúscula vejo o “fogão”:ripas de madeira queimando cobertas por uma placa de ferro. Papelão e lonacobrem a parede em volta. No próximo quarto, um fogão a gás que virou armá-rio. Mais ao fundo, encontro Bastiana, que dorme com o filho Laziel. A cama é desolteiro; as paredes, cobertas por lonas, lençóis, papelão e roupas. Não há maisnada no quarto nem na casa. Voltando para a residência do casal, encontro umjovem, 16 anos, mais ou menos, também neto dos índios mais velhos.

- Não fala com ele – alerta Josilaine –, ele fuma droga. É um refúgio quemuitos índios procuram, entorpecentes que fazem a anguêry torná-los, para osnão-índios, esse mito de ”alcoólatras preguiçosos”.

A “alcoólatra preguiçosa”Antes de ir embora, vejo outro caminhão de frete que transporta os índios

para Iguatemi, que fotografo. O motorista me vê e, menos de 10 metros depois,pára e descarrega uma senhora índia, muito bêbada. As crianças riem da senhora,que não consegue ao menos se levantar, e rasteja, gritando, pelo chão.

Mais tarde, me hospedo na casa do capitão da aldeia, Assunção. Percebo aexcelente localização: ao fundo da maior escola, do posto de saúde e da serraria,mas o cheiro é forte, de urina e produto de limpeza, com um fundo de terramolhada. A indiazinha filha de Assunção segura um prato de comida. A colher levao resultado da colonização à boca dela. Antes, os guaranis se alimentavam da caça epesca, milho verde, mandioca, além das bebidas de erva mate: tereré e chimarrão.Agora, a falta de espaço para plantar, de mata para caçar e de estrutura para manteressa cultura fazem a cesta básica do não-índio ser básica também para o índio.

Quando a língua protege o motivoMais tarde, Assunção chega em casa. Logo depois, Alexandre e Rafaela apa-

recem, e me encaram como se eu não devesse estar ali. O casal e o capitão conver-sam em guarani, me olhando feio muitas vezes. Acredito que eles estejam falandodo caminhão e da mulher bêbada.

- Olha, – diz Assunção, o sotaque característico – você não pôde ficá aqui.Tem que me trazer um documento da Funai de Dourados.

É claro eu tentei, mas não dava. O responsável da Funai de Iguatemi não foiencontrado, e em Dourados precisava buscar pessoalmente. Já que vou embora,entrevisto Assunção, decepcionada e curiosa.

- Vocês brancos, – diz ele – acham que o índio é vagabundo e preguiçoso. Euacho bom a cesta básica, sim. Sem ela, não tem tempo pro índio plantar. Todomundo aqui planta alguma coisa, mas tem pouco espaço por aqui – ele gesticulaapontando a vizinhança – os vizinhos ficam todos amontoados, – continua –precisamo de mais espaço, mais terra.

- A aldeia existe para preservar a cultura dos índios. O senhor acha que a mantém?- Eu tô totalmente fora da cultura do índio. Mas aqui tem índio que dança, os

caciques, os curandeiros. Eu tô fora, mas eu sou índio. Não interessa o que eu faça,nem onde eu more, nem se eu quiser não ser índio, eu sempre vou ser índio.

- E os problemas?- Tem em todo lugar. Aqui não é fora do mundo. – de repente, o capitão fica

mais agressivo – Vez e outra temos problemas com bebida, mas todo mundo tem.Se você vier autorizada, mostro como o índio vive. A gente planta, colhe, não é quenem o branco pensa.

“O branco não respeita o índio”- A terra aqui já era do índio. A gente plantava, caçava, fazia as casa do jeito do

índio. Mas daí veio o branco... Acabô com sapê pra fazer casa daquele jeito, não temmais bicho. Às vezes a gente come tatu, porque tatu não precisa de árvore. E o peixenão tem pra todo mundo também. – interrompe Alexandre.

- A terra tem que ser demarcada porque o branco não respeita o índio, –continua o capitão – vocês só respeitam os papel de vocês, a leis. Temo as famíliasaqui, a terra já é pouco pra quem vive, mas os filhos vão ter filhos, e como que vãose sustentar se ficar pra sempre só com esse espaço que temos?

- Ter toda essa terra vai acabar com os problemas de vocês?- Vai ajudar, sim, mas num tem como acabá, nê? Agora a gente precisa de terra,

porque é da terra que a gente vive. Tudo que acreditamo vem da terra, as tradição. Aterra vai dar pra gente o direito de viver, e o direito de ter o que é nosso pra ser, econtinuar sendo, índio. Nós também não queremo aqui índio que não respeita a terra.Quem não planta pra viver vai embora, porque nós queremo assim. O que a gentequer é ter terra, preservar a terra, pra volta a ser dela, viver dela.

No caminho para casa, pensei no sorriso das criancinhas guaranis, foi tudo o querestou da riqueza desse povo? Todo o tempo estavam felizes em poder brincar, até mesmocom bolitas, estilingues e enxadas de cabos curtos, que parecem ser feitas para elas, nocampo que é delas. A realidade de Porto Lindo não é diferente da do restante dos índios doBrasil. Seria diferente se a terra fosse uma realidade e não um sonho? Cruzando a ponteestreita, vejo uma índia jovem acenando, do outro lado. Mais 50 passos e ela chega aouniverso de 1600 hectares que é dela. É o que restou de uma convivência que modificou avida de um povo que nasceu da terra, e para provar manteve na pele a cor dela.

Os problemas:transporte, infra-estrutura, alimentaçãoe possível hostilidade

Porto LindoTerras da União - Vivências

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8

Maurício Nascimento

O tema terras indígenasfoi assunto recorrente nos ve-ículos de comunicação nos úl-timos meses. Noticiáriostelevisivos, radiofônicos, im-pressos e on-line monitoramo desenrolar desse processo.

Os envolvidos direta-mente com a questão acom-panham o caso de perto, masos demais cidadãos têm aces-so à informação, principal-mente, pelos meios de comu-nicação que fazem a cobertu-ra dos eventos. Os principaisveículos do Estado declaramque foi garantido espaço igualpara todos os envolvidos nadiscussão.

Com a palavra,os editoresA editora adjunta do Jor-

nal O Progresso e do site Dou-rados Agora, Maria Lúcia

dado espaço para os índios, Ministé-rio Público, produtores falarem. “AFunai que, a partir de certo ponto, setornou quase inacessível e não temdado declarações, mas o espaço sem-pre é garantido a quem puder e quiserfalar” afirma Neri.

O editor do site de notíciasMidiamax News, João Prestes, concor-da: “Os represen-tantes da Funai nãofalam, só quempode falar éBrasília. A genteconseguia falar maiscom as próprias li-deranças indígenas,que tem um discur-so um tanto quan-to difícil de ser ex-plicado. Seria me-lhor se um técnicoda Funai explicassedireito o que passa pela cabeça deles”. Ecomplementa: “Esse silêncio fica pare-cendo que eles (Funai) não têm tradiçãode transparência, ou não têm segurançano que estão se propondo a fazer”.

Para Prestes, a imprensa fez otrabalho dela, ouviu todos os lados,procurou dar informações detalha-

das sobre o assunto, o embasamentode cada parte. “Pode ser que um ve-ículo tenha direcionado o noticiáriopara um lado, outro para outro, ou-tros tenham conseguido ser impar-ciais, mas acho que, na visão de lei-tor, quem conferiu metade do quefoi publicado a respeito conseguiuformar uma opinião” destaca.

O que apareceMonitorando

as notícias do perí-odo de junho a ou-tubro de 2008, aequipe do jornal OProjétil observou amaior aparição defontes do meio po-lítico e de represen-tantes da classe pro-dutora, na qual en-contramos a Fede-

ração de Agricultura e Pecuária do Es-tado de Mato Grosso do Sul(Famasul), Associação dos Municípi-os de Mato Grosso do Sul(Assomasul), Associação dos Criado-res de Mato Grosso do Sul (Acrisul) eSindicatos Rurais dos Municípios. De-pois com bem menos representati-

Os principais jornais do Estado acompanham o processo

O duelo das palavras

Tolouei diz que, tanto no site quanto nojornal, a questão foi explorada ampla-mente, dando oportunidade a todos osenvolvidos. Ela afirma que o jornal foium dos primeiros a abordar o assunto,por estar em uma área diretamente en-volvida. “Fizemos levantamentos sobreo impacto que as demarcações podemcausar na economia do Estado se fo-rem confirmadas e não foi um bomprognóstico, mas o jornal deu voz aosenvolvidos e cobriu tanto os protestosdos produtores, quanto os dos indíge-nas, todos tiveram espaço”.

Já o editor do Jornal Correio doEstado, Neri Kaspary, disse que o Cor-reio admite que deva se encontrar ma-neiras de aumentar as áreas destinadasa reservas indígenas, mas o jornal secolocou contrário, desde o início dasdiscussões, à forma como a Funda-ção Nacional do Índio (Funai) está con-duzindo o processo e à área exagera-da que se falava no início dos estudos,que era de três a doze milhões de hec-tares no Estado.

Segundo Neri, mesmo com esseposicionamento, foram publicados vá-rios artigos a favor das demarcaçõesde terras indígenas e nas matérias foi

“É ilusão se pensarem uma imprensatotalmente livre,

isso já foi tema demuitos debates na

academia”

vidade, Ministério Público Fe-deral (MPF), Organizaçõesnão-governamentais (Ong’s),Funai e raras vezes, algum indí-gena.

Maria Lúcia Tolouei expli-ca que a recorrência das fontesrepresentativas da classe pro-dutora decorre do fato de queeles foram os que mais procu-raram a imprensa. Pois: “Elesconhecem melhor os caminhospara se chegar à imprensa eforam os que mais se interes-saram em aparecer na mídia”.

Prestes diz que não po-demos nos esquecer que abase econômica do Estado éa agropecuária, é de ondevem o dinheiro que sustentaboa parte das empresas, quepaga muitos salários. Logo:“Quem está no comando deuma empresa - no caso de co-

municação - pode ter pensado comessa mentalidade na hora de definir alinha editorial de seu jornal. É ilusãose pensar em uma imprensa totalmen-te livre, isso já foi tema de muitos de-bates na academia” argumenta.

O editor do Midiamax News, dizque a interatividade do site permite al-gumas análises do espaço destinado aoleitor. Alguns tomam posição contra osíndios, mas sabendo que eles reclamamum direito que entendem ter. Outrosfazem análises interessantes. “Acho quedeu pra tirar um entendimento do caso,sim. E é importante a gente ter noçãode que não somos os únicos forma-dores de opinião. Tem outros canaisde informação que ajudam as pessoasa entender o que se passa. A Universi-dade, por exemplo, é um deles”. Afir-ma Prestes.

No momento há diversas açõesna justiça tentando impedir os estudose manobras políticas buscando indeni-zar os agropecuaristas que comprova-rem a propriedade das terras, por ou-tro lado o Ministério Público Federal,por meio da Funai segue com os estu-dos e o processo está caminhando.Com isso, Funai, produtores, prefeitu-ras e é claro os índios, continuam apa-recendo como personagens das pau-tas jornalísticas diárias.

O processo de demarcação de espaço nas páginas dos jornais

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Terras da União - Mídia

9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

AngelaAlbuquerqueMaurício Nascimento

Parece parecer clichê dizer que a mídia é o quarto poder, mas é inegávelque, desde os tipos móveis de Gutenberg, a maioria das decisões do homemtêm sido mediadas por ela. Pensar que tudo o que acontece no mundo seráescrito a duas mãos, que as palavras mais importantes serão lidas entre aspas,que a decisão entre vitória e a derrota de partes de um conflito está na pontada pena e por trás dos olhos de um jornalista, é uma reflexão que vem detodas as partes envolvidas na construção da notícia. Tornar público qualquerato que seja envolve uma série de decisões editoriais que podem dar diferen-tes rumos à interpretação de um determinado fato.

O jornalismo comparado se ocupa de ver como uma única notícia podereceber várias abordagens diferentes. Se todos os jornais do mundo tivessemcomo manchetes o mesmo acontecimento, com certeza poderiam ser extra-ídos vários enfoques e diferentes tratamentos. Isso se evidencia por recursoseditoriais que envolvem a notícia: a voz direta de determinadas fontes, asfotos escolhidas, as manchetes, os títulos, as palavras... São artifícios que dife-renciam pontos de vista, mesmo que sutilmente.

Colocando a mídia sul-mato-grossense no centro de uma conflituosadiscussão como a do processo de demarcação das terras, prevista na consti-tuição de 1988, é possível ter uma visão de como o fato é reportado.

Analisando mais diretamente, podemos citar como exemplo a cobertu-ra do pronunciamento da proprietária rural Roseli Maria Ruiz Silva na As-sembléia Legislativa no dia 11 de novembro deste ano que rendeu capa emum dos jornais de maior circulação do Es-tado; O Correio do Estado. O título damatéria publicada na edição nº 17160 nodia 12 de novembro de 2008 era: “Produ-tores declaram guerra aos índios”. No corpoda matéria está a confirmação do título:Cerca de 200 produtores rurais ameaçaram on-tem, no plenário da Assembléia Legislativa, guer-ra contra os índios no Estado. Os fazendeiros afir-maram que não vão permitir que suas terras se-jam confiscadas e, ainda, alertam para o risco dehaver “derramamento de sangue” no campo. Es-sas palavras foram pronunciadas por Roseli Ma-ria Ruiz Silva... A matéria segue explican-do a reclamação da proprietária sobreuma oficina de política indigenista que es-tava acontecendo na cidade e que discutiao Estatuto do Índio a portas fechadas.

Um título forte, fruto de uma decla-ração de uma figura expressiva envolta nabandeira nacional, dita na presença dos fi-gurões do Estado. Isso traz um peso po-lítico muito grande para matéria e ela vaipara a capa. Entretanto, quando se assistea uma cópia cedida pela TV Assembléiade tudo que foi dito na naquele dia, nota-se que o discurso de Roseli na íntegra ébem diferente do que sugere o título damatéria. O que pode ser encarado comomais agressivo na fala de Roseli foi parte

de uma carta entregue a todos os presentes no local: “Esta é a camisa que nósvamos vestir. E, se for preciso, para defender o nosso território, a terra que nos abriga e asnossas propriedades, tenha os senhores a certeza, com fundamentalismo ou não: nós iremosderrubar até o último sangue nosso, mas nós vamos defender o que é nosso”. Dizer que osprodutores vão lutar para defender suas terras é muito diferente de dizer queeles estão declarando guerra aos índios.

Quatro dias depois Roseli ganha uma página inteira do mesmo jornaldedicada a uma entrevista na qual ela explica a situação e seu ponto de vista.Ela diz que os proprietários sempre viveram em paz com os índios e queambos estão como vítimas deste contexto. Uma postura muito mais pareci-da à assumida por ela na tribuna da Assembléia.

É interessante notar que nas reportagens especiais contidas nessa edi-ção sobre o tema demarcações de terras da União, os personagens envolvi-dos não só opinam, mas reprovam o tratamento que a mídia jornalística dáao assunto. O Procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeidaafirma na matéria “Ele manda executar” que o discurso alarmista de que asdemarcações ameaçariam a soberania nacional é uma mentira. Ele diz aindaque as pessoas que lidam com a mídia ou desconhecem os dispositivosconstitucionais, ou fazem questão de omitir essa informação do grandepúblico.

Claudionor do Carmo Miranda, ex-administrador executivo da Funaiem Mato Grosso do Sul deixa claro na matéria “A justiça não gosta de índi-os” que o seu posicionamento sobre a mídia é de que ela comete um erroquando coloca a situação como um conflito entre personalidades envolvidas,o que dificulta ainda mais as negociações. Segundo Antônio Ricardo Araújo,

ex- administrador substituto da Funai, esteé um dos motivos de tantas recusas doórgão aos convites para discussões e en-trevistas sobre o assunto.

A opinião do proprietário ruralEduardo Sousa, exposta na matéria“Arame Farpado” é de que a mídia temsido pouco explicativa, e muitoespeculativa, não reportando o assuntocom profundidade e deixando o leitorsem compreender bem as reais causas econseqüências.

Observar os meandros das notícias eos direcionamentos que ela pode ganhartraz a tona o fato de que existe muito maisde publicidade em uma capa de jornal doque se imagina. Nela deve aparecer o quevai pesar na hora de o leitor decidir entrepagar por um jornal ou por outro. A no-tícia ainda é embalada no papel celofaneda imparcialidade e da credibilidade, mas,por trás disso, não se pode esquecer queela é um produto com consumidores epatrocinadores. Ela deve ter valor de mer-cado para ser vendida a uma sociedadeque, distante das frentes de batalha, esperaansiosa pelo próximo noticiário. Cabe aocaro leitor indagar o que existe nas entreli-nhas e pensar mais na hora de correr osolhos sobre o texto.

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raçã

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Terras da União - Artigo

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10

Tainara Rebelo

Claudionor do Carmo Miranda, Terena e ex-administrador executivo da Funai-MS, acredita que,se na Constituição não estivesse escrito que os pro-dutores poderiam receber indenização pela terra nua,não existiriam complicações na demarcação nas Ter-ra da União.. Ele conta que isso aconteceu em razãode um documento emitido pelo governo estadual,que assegura o direito dos produtores rurais nas ter-ras em disputa “Ele (Governo Estadual) precisa as-sumir a responsabilidade do problema e ajudar nocumprimento de suas atribuições”.

Claudionor conta que não houve irregularidadenos estudos conforme levantado pela classe produ-tora “o que o governo alega é que não foi comunica-do, mas isso não é obrigação”. Ele diz ainda que aanálise antropológica em áreas indígenas está assegu-rada pelo Estatuto do Índio, vigente na ConstituiçãoFederal de 1988, e que, assim que a presidência per-mitir, serão retomados.

Por que demarcar?Consta em estudos da Funai que o principal mo-

tivo dos casos de suicídio e desnutrição nas aldeias éa falta de terras. Claudionor lembra que a populaçãoindígena no Brasil tem aumentado duas vezes maisque a população não indígena e as terras continuamas mesmas “eles [indígenas] já sabiam do tamanhodo problema que estariam enfrentando se isso [divi-são das terras] não acontecesse”. Ele garante que aproposta da demarcação não é de tomar terra e in-vadir como se tem falado “Os indígenas não vãoocupar uma área que não é deles e que não apresentevestígios da sua ancestrabilidade”; ele desmente aindao equívoco sobre a quantidade de terras possivelmentediscutida “a mídia ou alguém disse que a Funai querdar pros índios tantos milhões de hectares, não é ver-dade. A verdade é que foram feitas seis portarias paraestudar as terras da região Sul do Eestado,visandoconstatar se essas áreas são indígenas ou não. Só po-deremos falar em números e datas depois que os es-tudos forem concretizados.”

O ex-administrador exemplifica dizendo que naregião de Chapadão do Sul (325 km da Capital) não

“A Justiça não gosta de Índio”Enquanto era administrador da Funai,

Claudionor do Carmo Miranda (foto)evitava dar entrevistas para não

fomentar novas discussões.Ele e o seu substituto,

Antônio Ricardo Araújo, foramexonerados do cargo no último dia 21

de novembro. O novo administradorserá Petrônio Machado Cavalcanti

Filho, da Funai - PB.

existe demanda de estudos para demarcação, “Nóssabemos que essa área nunca foi região de índio oupelo menos nenhum estudo aponta isso, ao contrarioda região Sul” e lembra que, se a terra indígena fortomada, renega-se um povo que faz parte da culturasul-mato-grossense e brasileira, sem levar em conta asua importância histórica e cultural para o país. “Aidentidade cultural de Mato Grosso do Sul parte deque se tem índios aqui, se não fosse os Terena osKadiwéu, o estado seria do Paraguai”, diz.

PolíticaPara Claudionor Miranda, esse é um ponto cha-

ve na discussão das terras. O Terena acredita que oEstado precisa ter uma arrecadação de ICMS – Im-posto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -maior para manter os seus compromissos “Mas issonão significa que tem que atropelar todo o resto”,diz. Ele alega que o índio está reivindicando algo queé seu por direito, e lembra que apenas isso não é osuficiente “A demarcação deve vir acompanhada porpolíticas de ampliação na área da produção. Não ésó demarcar o território e entregar para eles, o papeldo governo é subsidiar a comunidade indígena emseu desenvolvimento comunitário.” Comenta aindaque a paralisação dos estudos foi recebida na comu-nidade indígena com muito desgosto “eles se senti-ram traídos pelo governo, que foi buscar votos nacomunidade; se sentiram como alguém que não têmimportância nenhuma para nação brasileira e para oEstado”. Miranda pede que se tenha atenção nesteponto pois, em entrevista ao web site Campo GrandeNews, o Governador André Pucinelli declarou que“A população indígena não faz falta no Estado”. Emresposta à declaração, Claudionor Miranda diz que ogovernador foi muito infeliz em dizer que o índio e aFunai não fazem falta no Estado e que os índios, aoinvés de produzir, ficam tomando cachaça, “Isso épreconceito, é falta de habilidade para tratar com a

cultura de Mato Grosso do Sul. Muitos dessescachaceiros que não fazem falta ajudaram a elegê-lo.”E acrescenta “a população indígena repudia isso vindode alguém que é uma autoridade do nosso Estado. Épreciso entender e conhecer mais sobre a população ea história indígena.” O Terena argumenta que partedessa culpa é do tratamento midiático sobre o tema.Ele diz que “cada vez que o assunto vem à tona, vempara colocar alguém contra alguém”, dificultando asnegociações. Antônio Ricardo Araújo, ex-administra-dor substituto da Funai, confessa que este é um dosmotivos do Órgão recusar tantos convites para dis-cussões e entrevistas sobre o assunto.

Enquanto esperam a instrução normativa paraseguir adiante com os estudos antropológicos, a dis-cussão também está na Justiça e no Senado Federal.Antônio Ricardo diz que “a justiça não gosta de ín-dio”, isso porque, segundo ele, as tramitações sobre oassunto foram todas resolvidas em São Paulo “e aquinada”, complementa. Já no Senado, o Deputado Fe-deral Waldir Neves (PSDB) propôs a extinção da Funaie a criação de secretarias municipais indigenistas. Mirandaresponde dizendo que “a idéia do Waldir Neves deextinguir a Funai é absurda. É de alguém que não sabeo que está falando.” Pra o Terena, criar uma adminis-tração municipal para tratar da população indígena ésobrecarregar o sistema “o município não tem orça-mento nem equipe pra trabalhar.”, diz. E acrescenta:“tem uma classe política que quer realmente que essahistória pegue fogo. Porque, se não pegar fogo, essespolíticos que não têm contribuído até agora com ab-solutamente nada no processo, não ficam na mídia.”Explica ainda, que propor a extinção da Funai, é pro-por a extinção da comunidade indígena, e questiona:“Por que ele [Waldir Neves], como parlamentar, nãodiscute emendas para o indígena? Emendas para aFunai trabalhar? De repente, para ele e para o gover-nador, a Funai não faz falta, mas para população indí-gena faz.” Claudionor diz que o governo peca em sepreocupar demasiadamente com a questão econômi-ca do Estado, negligenciando fatores primordiais queinfluenciaram o assunto: “tem que olhar mais pra cul-tura. Os índios do país sempre estiveram em segundoplano e sempre foram os culpados pela historia toda,deixando os colonizadores entrar, ocupar terras e rou-bar Pau-Brasil.”

Claudionor pede que a sociedade busque antesentender melhor o que está acontecendo para fazer ojulgamento do caso. Segundo ele, muitos políticos“querem que sejam fechados os olhos para o direitoda população indígena ou que seja olhado de formadiferente para isso, e isso não vai resolver o proble-ma”, lamenta. E pede: “Já foi feito o acordo entãovamos esperar ser cumprida uma outra etapa. Se re-solver, o produtor pode falar ‘agora eu sei que não é[terra] indígena, posso investir nela’ e o indígena tam-bém ‘não é minha, então não vou ficar aqui’, mas oestudo vai apontar”. Os estudos ainda não têm pre-visão de serem retomados no Estado.

“A idéia do Waldir Nevesde extinguir a Funai é absurda.

É de alguém que não sabe o que está falando.”

Terras da União - Funai

11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

De forma inédita, o jornal Projétilapresenta um encarte contendo um ensaio fotojornalísticoa respeito do Complexo Ferroviário de Campo Grandee seu entorno, um dos principais patrimônios histórico-culturaldo município.

tem por objetivo trazer ao conhecimento de toda sociedade,e lembrar às autoridades responsáveis que,há um patrimônio a ser preservado.

Fotos e texto de Aurélio Marques.

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12

A plataforma: cansada de esperar por uma revitalização

A linha: que tomada pela ferrugem se esconde atrás do armazém reformado

A comunicação: telex

O armazém: as balanças esquecidas

Caderno de Fotojornalismo

A oficina

13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Lição de Cidadania

A linha: fora da linha...

A oficina: Antes abrigo das locomotivas, hoje abrigo do pó e do vento

A oficina

Caderno de Fotojornalismo

cina

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14

A Rotunda: usada para manobrar a locomotiva

Fim da linha mesmo. Não foi apenas o tremque freou pela última vez na Estação Ferroviária deCampo Grande, a construção de uma história, a me-mória e o sentimento nostálgico da população pelolugar, também se despediram, fizeram as malas e par-tiram.

Se o respeito que temos pelas outras pessoasfosse traduzido pela maneira como as autoridadescuidam dos patrimônios culturais, certamente sería-mos vítimas do descaso pela nossa própria história.

Fundada em 14 de outubro de 1914, 90 anosdepois, em 2004, teve a última parte de sua históriadestruída: os trilhos. Hoje, tão e somente restam ape-nas os 94 anos de glamour guardados na memóriados sul-mato-grossenses e que não passam de prédi-os abandonados e decorados com pó, ferrugem eequipamentos que não têm outra função a não serocupar o espaço que um dia representou o motordo desenvolvimento da região Centro-Oeste do país.

O trem que outrora transportou a política, aeconomia, a cultura, o povo simples, agora já nemexiste mais, trem que hora foi estratégico, por per-correr território de divisa com os países vizinhos, ain-da resta a esperança do novo Trem do Pantanal.

Para quem identifica o complexo ferroviárioapenas pela Feira, não enxerga que o maior proble-ma da Estação Ferroviária é o abandono. O maiscurioso é que o entorno do local está em um proces-so lento e descentralizado de revitalização. Proprietá-rios de residências, comerciantes e o poder público

investem em ações que desconfiguram o que o lugarum dia foi. A “Feira” Central, por exemplo, um dospontos turísticos mais conhecidos de Campo Gran-de, hoje chama mais a atenção do que a própria Es-tação, numa arquitetura que em nada lembra feira...

Substituindo a iluminação do flash, a luz do sol,através das telhas quebradas, é projetada no chãocoberto de sujeira e nas paredes com tinta velha, ondeantes fora oficina que abrigava as locomotivas e quehoje abriga apenas as marcas do esquecimento.

Viajando pelos trilhos enferrujados da história,descobrimos que as peças antes usadas para dar vidaà Estação hoje estão literalmente jogadas. São cofres,mesas, armários e as antigas balanças, que nos reme-tem a uma reflexão a respeito do peso do patrimôniona formação de uma identidade histórico-cultural.

Há de se lembrar que, como patrimônio, a Esta-ção não se resume somente ao prédio que hoje cai aospedaços, mas também os trilhos que percorriam a ci-dade, e que foram estupidamente arrancados, comoquem arranca as páginas de um livro de história e asjoga no lixo, e pior, nem sequer uma voz foi levantadapara que fosse impedida tamanha falta de juízo.

Tudo é largado à própria sorte: a grama cobreo pouco de trilho que ainda resta, mas não serve paratransportar vagões; o dormente apodreceu junto comos pregos enferrujados que os afixavam nos mesmostrilhos e a chave desviou o rumo do trem para umlugar que não se sustenta pelo passado. A oficina re-vela o paradoxo de ter sido a responsável pelo con-serto das locomotivas com o desgaste natural do tem-po em sua estrutura física, não passando atualmentede ruína.

“Ruína” é o termo que melhor traduz a situa-ção da Estação Ferroviária e da história contada apartir dos bancos, que muito eram usados na hora deesperar pelo momento do embarque. Falta denúnciapor parte da sociedade civil e ação do poder público,especialmente o Ministério Público do Estado, quedeve considerar tal ensaio como uma denúncia pelodescaso com um bem tão precioso que é o Comple-xo Ferroviário de Campo Grande, para imortalizarcom respeito a grandiosidade de um patrimônio diga-se de passagem tombado pela lei N.º 3.249, de 13 demaio de 1996, sancionada pelo então prefeito,Juvêncio César Da Fonseca.

“Tombado”, “jogado”, “largado”, “esquecido”,“abandonado”, para a situação, são apenas algumaspalavras com as quais podemos adjetivar a velhaNoroeste do Brasil.

Fim da linha ...

Caderno de Fotojornalismo

15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

“a questão de sentirvontade é da cabeçada pessoa e não da

idade dela”Amélia,60 anos

Bárbara FerraginiKarol Castanheira

A população reclama,o poder justifica e osistema continua o

mesmo

Andar de ônibus em Campo Gran-de não é uma tarefa fácil. O movimen-to do veículo exige que todos os senti-dos sejam estimulados. O tato, o olfato,a visão e a audição ficam à todo vapor.Um turbilhão de sensações expressamas percepções que o organismo regis-tra. Para quem utiliza este meio de trans-porte diariamente, a cena é a mesma :uma onda de pessoas querendo entrar,tumulto. A adrenalina toma conta dacorrente sangüínea, e o corpo se mani-festa. Suor, cansaço e ansiedade de che-gar logo ao local desejado. Todos pre-sos em um emaranhado de pessoas equatro rodas. O jeito é se apoiar na bar-ra e respirar fundo.

Na hora de entrar no ônibus,uma senhora de óculos, rostofadigado e com blusa de manga com-prida, olha para trás para observarquantas pessoas ainda restam entrar.O veículo lotado e o empurra-empur-ra na escada: horário de pico. Lá den-tro, de frente para a catraca, está Ar-mando Bathel, cobrador há 22 anos,pai de família, religioso, 7 horas de ser-viço diárias e um salário de aproxi-madamente R$690. Um pouco tími-do no começo, mas sempre simpáti-co, Armando relata os sofrimentospelos quais já passou com a profis-são. “Já passei por quatro assaltos e,em todos, precisei reembolsar a em-presa pelo dinheiro roubado, porque,apesar do seguro, eles não arcam comestes prejuízos”, conta.

Armando se sente engaiolado ediz que ser cobrador não foi uma op-ção: “Apenas terminei o ensino funda-mental. Se perder este emprego, nãoarrumo outro melhor. Sinto-me comoum pássaro dentro da gaiola”.

O ônibus pára no ponto e umasenhora, com uma criança deficientemental no colo e aparência cansada,

embarcam no veículo. Após passar acatraca, ela ainda aguarda até que al-guém, gentilmente, ofereça o lugar aela, já que, com a lotação, muitos estãonos assentos reservados. Alguns mo-mentos em pé, finalmente uma boaalma resolve cedero lugar.

Com o ôni-bus lotado e a me-nina cansada, já nocolo, Marli deAlmeida desabafa:“A criança nãoagüenta, dorme nomeio do caminho.E como quase ninguém cede lugar,ela acaba até dormindo no chão”, re-clama. A garota é apenas um reflexodo descaso e da falta de consideraçãode algumas pessoas, que insistem emtornar invisíveis crianças, idosos, ges-tantes e deficientes, necessitados do as-sento.

Milhares de pessoas utilizam dia-riamente o transporte público coletivocomo único meio de locomoção, sejapara trabalhar, ir à escola, fazer com-pras. Independente da finalidade, to-das passam pelos mesmos sofrimen-tos: o ônibus, a superlotação, o calor eo cansaço.

ApuraçãoDiante das situações vivenciadas e

observadas no transporte coletivo, aequipe do Projétil entrou em contatocom autoridades competentes para res-ponder as dúvidas que surgiram.

Após algunstelefonemas, EdirViegas, assessor deimprensa da Asse-tur (Associação dasE m p r e s a s d eTransporte PúblicoColetivo) de Cam-po Grande, conce-deu uma entrevis-

ta. Quando questionado sobre o pro-blema da superlotação, ele é categóri-

co: “Há excesso de passageiros”. Paraele, a solução esbarra em outras ques-tões, como a de engenharia.. “O ôni-bus é um veículo muito grande. Au-mentar o número da frota significa maiscarros no trânsito e um problema ain-da maior no fluxo do transporte daCapital”, afirma.

Algumas discrepâncias são eviden-tes quando se compara realidade e odepoimento de autoridades. Viegas afir-mou que o cobrador ganha em médiaR$1400, e o motorista R$1500. SeuArmando, porém, até hoje não viu noseu holerite a quantia referida. E maisuma vez o poder e as justificativas su-peram as soluções necessárias e huma-nitárias.

“Como quaseninguém cede lugar,

ela acaba atédormindo no chão”

Pessoas se empurram na tentativa de garantir a entrada no ônibus

Sufoco

Holerite de funcionário comprova salário-base de R$ 689,53

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16

Fernanda Athas

O Brasil é líder mundial pelo sex-to ano consecutivo na reciclagem delatinhas de alumínio. Além delas reciclaquantidades expressivas de papel, plás-tico e vidro. Entretanto, uma políticade reciclagem destinada a reutilizar ma-teriais remanescentes de produtos ele-trônicos ainda é falha e motivo de pre-ocupação. Essa prática ainda é poucovisada e divulgada no País.

Algumas empre-sas desenvolveramplanos de ação para acoleta de lixo eletrô-nico (popularizadopor “e-lixo”) comopilhas e baterias. EmCampo Grande, oBanco Real é umadessas empresas comcoleta, facilitando oacesso à informaçãopara conscientização do público dire-to do banco e para toda a sociedade.“Nós entregamos um recipiente aosnossos clientes para que eles guardempilhas e baterias esgotadas, assim que orecipiente ficar cheio, o cliente podeseguir até o Banco Real mais próximo

e depositá-las no que chamamos dePapapilhas. Depois todo o material co-letado é levado a São Paulo onde é fei-ta a reciclagem.”, explica a Assessoriade Comunicação do Banco.

O descarte incorreto desses pro-dutos é extremamente perigoso, porémconstante. “Uma pilha comum possuiem sua composição três metais pesa-dos: mercúrio, chumbo e cádmio, es-sas substâncias não se degradam. Umavez lançadas ao meio ambiente, devi-

do ao calor, ao con-tato com água e de-mais fatores naturaisinfluentes, estas subs-tâncias vazam e con-taminam solo, lençóisfreáticos, rios, chegan-do até a cadeia ali-mentar do homematravés da irrigaçãoagrícola, do consumodireto ou indireto de

água contaminada”, explica a bioquí-mica Flávia Mendonça.

Devido a isso, o Conselho Naci-onal do Meio Ambiente (CONAMA)fez entrar em vigor uma resolução quetrata da coleta do lixo eletrônico dascidades brasileiras. De acordo com a

Tecnologia Tóxica

resolução, todas as lojas que comercia-lizam produtos eletrônicos devem seresponsabilizar pelo encaminhamentodo e-lixo aos seus fabricantes que, porsua vez, serão responsáveis pela re-ciclagem. O prazo para que o comér-cio se adéqüe à resolução é de dois anos.Mas aqui em Campo Grande algunscomerciantes desconhecem a nova nor-ma. Celso Rubens Aritato, comercian-te há nove anos na área de eletrônicosdiz que conhece a importância de sedescartar corretamente os produtosquando não servem mais, mas “já terque providenciar um coletor ou umaforma dos clientes devolverem as ba-terias eu não sabia que agora é lei”, co-menta.

Por que o e-lixo é tão nocivo àsaúde ambiental e humana? “Os me-tais pesados possuem alto poder de dis-seminação e uma capacidade surpre-endente de acumular-se no corpo hu-mano e em todos os organismos vi-vos, que são incapazes de metabolizá-los ou eliminá-los.”, afirma Flávia.

Longe de ser uma preocupaçãoexagerada de ecologistas, os prejuízos

Até que ponto a falta de responsabilidade sobre o destino do lixo eletrônicoinfluencia no cotidiano

ambientais causados pelo despejo desubstâncias tóxicas ao meio ambienteafetam diretamente vidas e se vê ne-cessária uma mudança na postura dasPrefeituras diante do problema.Chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio,que são as composições mais cons-tantes nos eletrônicos, são responsá-veis por diversos tipos de câncer, com-plicações no sistema nervoso central,por problemas no fígado, nos pulmõese podem causar má-formação de fe-tos em gestantes.

A Secretaria de Meio Ambientedo Município de Campo Grande nãosoube informar quais os planejamen-tos que possui para enfrentar a questãoe fazer com que as pessoas encaremcom seriedade a coleta e destinação ade-quada do e-lixo que produz. Fato é queo município ainda não apresenta localpara reciclagem de lixo eletrônico. Háapenas postos de coleta, a maioriadisponibilizada pelo setor privado. ASecretaria de Meio Ambiente não sou-be informar o planejamento para odescarte do e-lixo produzido no mu-nicípio.

40% das pilhas vendidas no País são falsificadas(dados da Abinee)

Celulares, computadores, rádios, formam o chamado “e-lixo”

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O descarteincorreto do

e-lixo éextremamente

perigoso

E-lixo

17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Trabalho Informal

Por falta de regularização,guardadores de carros trabalham

informalmente nas ruas da Capital.

João Josué é guardador na Feira Central,mas quer ser biólogo

Aluga-se espaço público

“O outro, que édiferentede mim,deve ser

eliminado”

Bianca Celoto e Luisa Mas

No dia 4 de novembro de2008, por volta das cinco horas da tar-de, no canteiro central da Avenida Afon-so Pena entre as ruas 13 de Maio e 14de Junho, ao voltar ao seu carro, estaci-onado em uma área de parquímetro (es-tacionamento regulamentado), Ivone dePaula Costa passou por uma situaçãodesagradável. O guardador de carro queatendia pelo apelido de “Magrão” pres-sionou a vendedora de 65 anos alegan-do que ela deveria pagar dois reais porter estacionado naquela vaga. MesmoIvone afirmando que não tinha o di-nheiro, o guardador passou alguns mi-nutos tentando convencê-la, barrando asaída do carro. “Ele falou que tinha 8filhos e uma família para sustentar e queprecisava do dinheiro, mas eu não tinhapara dar. Eu fiquei com medo; eles vêmpara cima da gente. Dá medo, não dá?”,desabafou Ivone, assustada.

Após o acontecido, e sob muitainsistência, Magrão conversou com oProjétil e, durante a entrevista, contouque trabalha como guardador de car-ros há trinta anos. Ao ser indagado secostuma cobrar preços fixos aos mo-toristas, o trabalhador de rua respon-deu: “O cara dá o que ele quer. Se eleder um centavo, tem que aceitar”. E paraa surpresa da equipe, declarou que nãotem família: “Eu sou sozinho no mun-do”.

Fatos como estes se tornaramcomuns nas ruas de Campo Grande. Oschamados “flanelinhas” atuam sem ne-nhum controle ou fiscalização. De acor-do com a lei federal Nº6242, de 23 desetembro de 1975, o exercício das pro-fissões de guardador e lavador autôno-mo de veículos automotores é regula-mentado. Sob o respaldo da lei, os tra-balhadores podem se registrar em qual-quer Delegacia Regional do Trabalho.A lei ainda prevê que estes trabalhado-res atuem em áreas externas públicaspré-determinadas ou marcadas.

Everton Vieira da Silva, de 17anos, trabalha há três como guardadorde carros na região central da cidade. O

jovem conta que as áre-as de estacionamentopróximas à AvenidaAfonso Pena são divi-didas entre osguardadores. “Essaárea aqui é de outrocara, mas às vezes elenão vem e aí eu cuido”,explica ele. Assimcomo Everton, NadirSilva Queirós e Magrão,também atuam no canteiro central daprincipal avenida da cidade, uma áreaque exige o pagamento obrigatório doparquímetro. Por isso, alguns motoris-tas se sentem prejudicados: “Eu pagueium e pouco do parquímetro, e aindatenho que dar dois reais para oguardador? Quanto fica isso?”, questio-na Ivone.

“Bem cuidado”

Segundo a Agência Municipal deTransporte e Trânsito de Campo Gran-de, Agetran, o município não realizanenhum tipo de controle dos trabalha-dores de ruas. A prefeitura também nãopossui números dequantos flanelinhasexistem em CampoGrande. De acordocom o presidente daOrdem dos Advoga-dos do Brasil, de MatoGrosso do Sul (OAB-MS), Fábio Trad, a jus-tiça tem o dever de evi-tar irregularidades, e cabe à polícia mili-tar, de forma preventiva, coibir os cri-mes de danos. A assessora de imprensada PM Daniela Morales esclarece que asautuações são feitas nas rondas cotidia-nas: “A polícia não realiza nenhuma açãoespecífica para estes trabalhadores”.Porém todos os guardadores entrevis-tados pelo Projétil afirmaram que apolícia age de forma agressiva: “Eleschegam sentando a borracha”, desaba-fa Nadir Silva Queiros.

“O que não pode é a polícia mi-litar partir do pressuposto de que todos

danificam, porque isso não é verdade.Alguns trabalham direito”, disse FábioTrad. Essa frase mostra que a falta deregulamentação do trabalho de rua gerauma grande contradição. A bacharel emdireito Carolyne Alves sofreu agressãode um flanelinha, há quatro anos, quan-do estacionou seu carro em uma viapública com parquímetro. Ao dar algu-mas moedas, que não completavam umreal, o guardador de carros jogou-as emCarolyne alegando que a quantia erapouca. Nervosa, ela iniciou uma discus-são e, após este episódio, ela resolveu

não contribuir mais comesse tipo de serviço. “Paraser maltratada? Não com-pensa”, reclamou.

Operação Flanelinha

Em fevereiro des-te ano, o Ministério Públi-co Estadual, sob a coor-

denação da procuradora de Justiça,Marigô Regina Bittar, encabeçou a“Operação Flanelinha”. O objetivo foiretirar das vias centrais de Campo Gran-de trabalhadores de rua. O MPE justifi-cou a operação argumentando que elateve cunho preventivo e não repressivo,com o objetivo de alertar flanelinhas eartistas de rua sobre a ilegalidade das ati-vidades.

A OAB-MS e o Centro de De-fesa da Cidadania e dos Direitos Hu-manos Marçal de Souza Tupã-I,CDDH, com base no artigo 5º da

Constituição, não concordaram com aoperação. O presidente da Ordem, Fá-bio Trad, chamou a iniciativa depreconceituosa por promover a chama-da ‘higienização’ da sociedade.

Em entrevista ao Projétil, Fábioesclarece que a “Operação Flanelinha”demonstrou que as pessoas vêem a mi-séria e a pobreza como algo sujo: “Ooutro, que é diferente de mim, deveser eliminado. Ou elimina através dadesconstrução da imagem dele, colo-cando debaixo do tapete, ou mata”.Na opinião dele, desde que não hajaameaças, os guardadores prestam ser-viços lícitos.

Procurada para prestar esclareci-mentos sobre a operação que recolheutrabalhadores de rua na capital em fe-vereiro, Marigô Regina Bittar disse nãoter autorização para falar sobre o as-sunto e pediu para as repórteres pro-curarem a polícia. Por telefone ela dis-se que se baseou em uma lei federalquando encabeçou a “OperaçãoFlanelinha”. A lei referente é a de nú-mero 6.242 de 23 de setembro de 1975,citada acima.

Há 33 anos vigora a Lei que regu-lamenta o trabalho de guardadores decarros. Mesmo assim, as grandes capi-tais do Brasil, onde o trabalho de ruaacontece em maior número, continu-am abrigando guardadores informais,que atuam sem nenhum direito e, prin-cipalmente, sem nenhum dever. Porisso, os flanelinhas constroem as pró-prias “leis”.

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18Relacionamento

A violência nas relações pessoais como produto da sociedade modernaAngela Albuquerquee Evandro Cini

Sandra*, 45 anos, chegou do tra-balho e encontrou seu filho mais novo,Pedro*, seis anos, brincando na salacomo de costume. Ao perguntar so-bre Tatiane*, mais velha de 17 anos,soube que esta, mais uma vez, tinhapassado o dia todo trancada no quar-to. Não entendendo muito bem o com-portamento ausente da filha nos últi-mos dias, ela resolveu conversar como atual marido e padrasto das criançassobre o assunto. A discussão acabouem briga e João*, 47 anos, tentou matá-la a pauladas. A agressão foi interrom-

pida pelos vizinhos que ouviram osgritos da mulher e foram socorrê-la.

A polícia foi acionada e ao chegarno local soube que o agressor tinhafugido. Os policiais começaram a ques-tionar sobre o que havia acontecido. Foiquando Sandra teve uma surpresa.Tatiane confessou que há alguns diasvinha sendo molestada pelo padrasto.A mãe entrou em desespero e pergun-tou ao filho sobre o comportamentode João. A criança respondeu compoucas palavras que João passava amão no “piu-piu” dele. A partir da-quele dia Sandra descobriu que nãoconhecia a pessoa que por oito anosviveu ao lado dela.

Sociedade ModernaEsta tragédia familiar se mistura à

vasta gama de acontecimentos que sãorelatados todos os dias pela mídia, cau-sando polêmica e espanto na popula-ção. De acordo com a psicóloga InaraLeão, a violência está em sua quantida-de tradicional e natural, o que muda éque ela tem sido mais veiculada e maisexposta. “Desde o processo de urba-nização, a convivência entre as pessoastem se dado de forma difícil. Porém,houve um período em que tivemospouco contato com ela e no momen-to em que ela se tornou mais aparente,ganhou essa capacidade de nos assus-tar”, afirma.

A psicóloga diz ainda que este tipode violência é fruto da sociedade mo-derna em que se vive. Isso é provadoatravés das características damodernidade: a produção industrial, aconcentração em grandes centros ur-banos e a utilização da mão de obrade toda família na produção. “Tudoisso induz a violência e aoestranhamento. As pessoas não se en-tendem e não conseguem se colocarno lugar dos outros e isso é própriodo modelo da sociedade moderna”,afirma ela.

Isso também se reflete nas rela-ções mais próximas. Inara explica quenão há mais diferença entre pais, ir-

Em maio, o austríaco JosefFritzl foi acusado de manter afilha presa no porão durante 24anos além de abusar sexualmen-te dela o que resultou em sete fi-lhos.

Em novembro de 2002, SusaneVon Richithofen tramou a morte dospais juntamente com o namoradoDaniel e o cunhado Cristian. Os paisManfred e Marisia estavam dormin-do, quando foram atingidos por gol-pes com barras de ferro.

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19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Relacionamento

mãos, ou vizinhos: “todomundo virou concorrente,então se quebram algumasformas de autoridade, derespeito que sempre tive-mos e as mudanças aindanão estão consolidadas, cri-ando vácuos sociais”.

Os psicopatasDe acordo com a Psi-

quiatria, tanto nos casos dedesfecho trágico quantonas pequenas desavençasfamiliares, os autores po-dem apresentar traços depsicopatia. O médico psi-quiatra e fundador da Psi-quiatria na Santa Casa deCampo Grande, Luiz Sal-vador Miranda-Sá Junior,diz que a sociedade culti-va valores materiais, ego-ístas e imediatistas que pro-piciam à psicopatia. Po-rém, ela se manifesta emgraus distintos. “A períciaque avaliou o caso deSuzane Von Richthofen dizque ela é psicopata. E aquela mulherque mata o gato da vizinha por nãogostar do animal também é, porémem intensidade menor”, afirma ele.Inara complementa e explica que aoanalisar a psicopatia, percebe-se que amaior parte da sociedade pode serconsiderada psicopata: “O medo éum tipo de psicopatia. Uma pessoaque já apanhou muito tem medo quecheguem muito perto dela. Ela temmania de perseguição. Então ela é psi-copata, porém em intensidade menore isso pode ser aplicado aos vários ou-tros exemplos de medo que há na so-ciedade”.

O psiquiatra define um perfil depsicopata como um indivíduo que nãodesenvolveu as faculdades afetivas su-periores evolutivas: “Ele só ama a si mes-mo e não faz nada que o deixe encurra-lado. Ele rouba do governo sem queninguém veja, comete crimes e deixa queoutro pague pelo o que ele fez”.

Nos casos em que são diagnosti-

cados perturbação mental ou uso dedrogas na hora do crime, é difícil parasociedade e suas leis tratarem o fato,ainda mais quan-do há forte inter-venção da mídiae, porconsequên-cia,pressão da soci-edade. “Nu-matentativa de darrespostas imedia-tas à população,usa-se uma leisem muita refle-xão do que elarepresenta. Aquestão do bodeexpiatório é usa-da como umaalternativa imediata de usar a mão maispesada em cima de alguém para dar àsociedade sensação de controle. Tratardiferentes como iguais nunca deu mui-to certo e nesses casos não é diferente,

a cadeia não vai mudar em nada umpsicopata,” explica Inara. Para ela, es-sas pessoas continuam a representar ris-

co para a socie-dade depois dareclusão.

O papelda mídia

Atualmentenota-se umacrescente preo-cupação com oconteúdo veicu-lado pela mídiae seus efeitos.Através dela,ocorre a percep-ção que o mun-do aparenta ser

muito mais perigoso do que ele real-mente é. Inara Leão argumenta que amídia está numa fase em que o sensa-cionalismo é a própria forma de fazercomunicação. “Parece que ela sempre

Em março deste ano, SilviaClabrese foi presa em Goiânia portorturar uma menina de 12 anos quemorava com ela. A garota estava comos braços acorrentados na escada,uma mordaça embebida em pimen-ta, unhas arrancadas e marcas de fer-ro pelo corpo.

Em outubro, LindembergFernandes Alves, 22 anos, atiroucontra a ex-namorada EloáPimentel e a amiga dela NayaraRodrigues, ambas de 15 anos,após um seqüestro que durou100 horas, em Santo André, SãoPaulo.

“Todo mundo virouconcorrente, então se

quebram algumas formasde autoridade, de respeitoque sempre tivemos e as

mudanças ainda nãoestão consolidadas,

criando vácuos sociais”.

*Os nomes das fontes são fictícios.

precisa explorar umamiséria muito gran-de para que alcanceum público cativo,deixando de lado adiscussão de ques-tões sociais paralelasque desencadeiamesses tipos de com-portamento”, expli-ca.

Salvador con-corda com a afirma-ção e acrescenta quea mídia está fazendoum péssimo trabalhoporque ela dá aos psi-copatas a oportuni-dade de se sentiremheróis. “Eles se apai-xonam pela notorie-dade que a mídia dáa eles e acabam incor-porando persona-gens criminosos,além de fomentar emoutros psicopatas umpotencial exemplo deação”.

Enquanto a sociedade vai procu-rando meios para conter esses tipos detragédias, outras vão surgindo. Depoisde uma semana de noticiário, o terrorque uma manchete provocou, já nãocausa tanto impacto. Ficam na lembran-ça de quem assistiu ao jornal comomais uma barbárie. Mas na cabeça dequem viveu essas histórias, as coisas nãosão tão simples assim, e é mais difícilvoltar à rotina. João, o agressor da his-tória contada no começo da matéria,paga pensão para Sandra, mas aindaestá solto e aguarda o julgamento queacontecerá neste mês. Tatiane e Pedrofazem sessões com uma psicóloga doconselho tutelar para superarem o trau-ma. É importante dizer que esse é odrama real de uma família de CampoGrande e que por medo de o homemfazer algo contra eles novamente, pe-diram para que não fossem citados osnomes verdadeiros.

Os vácuos sociais criados pela não-adaptação dos novos padrões refletemdiretamente nas relações familiares

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20

Fernanda Ellen

Quem nunca ouviu falar naquelahistória de que “filho de peixe, peixinhoé”? Quem nunca ouviu comparaçõesentre feições, trejeitos e personalidadeentre pais e filhos? Estas comparaçõestornam-se ainda mais intensas quandochefes de família e herdeiros dividema mesma profissão, caso muito comumna política sul-mato-grossense, ondeexistem muitas famílias tradicionais nes-ta área: Trad, Picarelli, Tebet, Coelho,Pedrossian, Martins, Machado, entreoutras.

Atualmente, uma das mais comen-tadas e acompanhadas no Estado é afamília Trad, devido ao prefeito deCampo Grande,Nelson Trad Filho.Reeleito em outu-bro, e com posseprevista para janei-ro de 2009, Nelsi-nho, como é cha-mado, é filho deNelson Trad, de-putado federal porMato Grosso doSul, e irmão deMarcos MarcelloTrad, o deputado estadual MarquinhosTrad.

Apesar da forte correnteza queleva a família, Marquinhos candidatou-se à vida pública somente aos 40 anos,depois de exercer a advocacia por qua-se 20. Segundo ele, “o parlamentar nãopode ter apenas vocação, mas tambémdom, e consistência técnica para cum-prir o que prometeu”. Isso explicaporque, mesmo com tantas influênci-as, só agora ele decidiu entrar na maréda política. O deputado nunca haviacogitado mudar de profissão, mas hojetem a certeza de que a política o com-pleta profissionalmente. Entretanto, nocampo pessoal, ele diz sofrer com trêsgrandes déficits: “O primeiro é o fa-miliar, pois minhas filhas e minha es-posa reclamam muito da minha ausên-cia; o segundo é o físico, porque é ex-

tremamente extenuante, tanto mentalcomo emocionalmente, estar o tempotodo em meio a problemas; por últi-mo, o financeiro, já que antes, comoadvogado e devido à minha clientelasólida, eu tinha uma qualidade de vidabem melhor do que hoje”.

(Des)encontro de riosPai de quatro filhas, Marquinhos

vê nestes motivos algumas das razõespelas quais as duas filhas mais velhasAndressa, 21, e Aline, 20, sempre tive-ram uma única certeza quanto à pro-fissão: remar para longe da política (asoutras são Mariana, de 5 anos, e Alice,de quase 2 anos). “Eu sempre falo aelas o que meu pai falava a mim: faça

o que você gosta,porque a pior coi-sa que existe é tra-balhar num localde que não se gos-ta”, explica o de-putado, “por isso,elas não se espelha-rem em mim pro-fissionalmente nãoé uma frustração”.Andressa Trad estácursando o último

ano de Odontologia e conta que nun-ca pensou em nadar para o mesmolado do pai, e que desde criança pen-sava em ser dentista: “Eu não gostomuito de política, sou quietinha no meucanto, tímida. Além disso, eu vejo oquanto meu pai trabalha e se esforça, edeixa um pouco a desejar com a famí-lia. Minhas irmãs também reclamam”.

Para o deputado, carregar o so-brenome Trad nem sempre é fácil, poisas pessoas acreditam que ele pode fa-cilitar o acesso ao prefeito de CampoGrande, ou ao deputado federal Nel-son Trad. “Todo mundo busca seusinteresses, e isso é natural. Nem sem-pre eu posso ajudar, mas eu analiso osprós e contras dos pedidos que rece-bo, e faço os encaminhamentos neces-sários”, explica Marquinhos. Andressatambém não gosta da má interpreta-

ção que fazem em relação à suafamília. “As pessoas pensam que, porcausa do meu sobrenome, eu consigotudo fácil, mas não é assim que funcio-na. Eu fico até meio brava; por quetratar com diferença se todo mundotem os mesmos direitos? Não é por-que sou parente de políticos que euposso me sobressair e ter vantagens emcertas coisas. Eu quero ter sucesso nomeu emprego por causa do meu es-forço”, defende-se ela.

Mas na família Trad existe mais umherdeiro que dá braçadas em direção àvida pública: Otávio Trad, 23, filho daadvogada Fátima Martins Trad, irmãde Nelsinho e Marquinhos. O advoga-do conta que pensa em navegar pelooceano dos tios e do avô, mas futura-mente: “Política nunca pode ser feitasob pressão, porque senão podemoseleger pessoas que não têm vontade deaproveitar a melhor maneira de ajudaro povo com um mandato”. Desde cri-ança, ele se acostumou a ver os tios e oavô trabalhando muito e ficando mui-to tempo fora de casa, mas acreditaque tudo isso faz parte do esforço parase alcançar o sucesso. “Perdem-se mui-tas coisas, mas a vontade de realizar umbom trabalho é o que conta nessas

horas. Isso pode acontecer em todasas profissões, como um médico deplantão, ou um advogado que vara anoite para soltar seu cliente”, explicaOtávio. A inspiração na família é inevi-tável: “Vejo como positiva a tradiçãode mais de 30 anos de minha famíliana política, desde que sempre haja ho-nestidade, e sei que sempre vai haver”.

Sangue político nas veiasOutra candidata que aguarda a

posse pela reeleição em 2008 e que tam-bém vem de família tradicional é avereadora Grazielle Machado. Depoisde apoiar e coordenar as campanhasde 1998 e de 2002 do pai, LondresMachado, político há mais de 40 anos,e de ver a mãe, Ilda Machado, serprefeita de Fátima do Sul, Grazielleancorou-se na vida pública quando tor-nou-se vereadora de Campo Grandepela primeira vez em 2004, com ape-nas 24 anos. Acostumada a ver o paienvolvido com a política sul-mato-grossense, já que ele foi vereador porFátima do Sul e está em seu décimomandato como deputado estadual, avereadora conta que existe esta tendên-

Em que mares nadam descendentes de políticos conhecidosem Mato Grosso do Sul que não seguem a mesma profissãoque seus pais, tios e avôs

Peixes fora d’água

“Meu pai participou demomentos históricos,

e fico feliz por tercrescido ouvindohistórias desses

momentos naminha casa”

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Marquinhos Tradcomemora o aniversário

de um ano da filhaAndressa,

e recebe o carinhodas filhasAndressa

e Aline

Herança política

21 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

cia de filhos de políticos embarcaremna mesma carreira, “mas consolidar otrabalho político não depende de in-fluência hereditária”. Ela lembra tam-bém que “o mandato é conquistadoatravés do voto direto para represen-tar o povo e seus interesses e que, ape-sar de carregar o sobrenome Macha-do, não faz parte de uma oligarquia enão é o continuísmo político”.

Grazielle se diz orgulhosa de serfilha de Londres Machado, pelos seusatos e pela sua trajetória de vida, que seconfunde com a de Mato Grosso doSul: “Ele participou de momentos his-tóricos, e fico feliz por ter crescidoouvindo histórias desses momentos naminha casa”. Para a vereadora, serconstantemente comparada ao pai etaxada como “a filha do Londres” foiuma dificuldade deixada milhas atrás,pois provou que “está na política por-que trabalhou para isso, porque foi eleita– tornando seu mandato legítimo edigno”. “Fiquei conhecida por contado trabalho que desempenho na Câ-mara Municipal”, diz a peixinha.

Mais famílias políticas tradicionaiscontam com representantes no cená-rio político sul-mato-grossense da atu-alidade. A deputada estadual CelinaMartins Jallad está em seu quarto man-dato e se orgulha em dizer que é netade Vespasiano Martins (ex-prefeito deCampo Grande, governador revolu-cionário e ex-senador da República) efilha de Wilson Barbosa Martins (ex-senador da República, ex-deputadofederal, ex-prefeito de Campo Gran-de e o primeiro governador eleito deMato Grosso do Sul), “pela história epela trajetória incorrupta com que con-tribuíram pelo desenvolvimento denosso Estado”. Celina não se diz influ-enciada pelo avô ou pelo pai, mas sim“inspirada na forma limpa, competen-te, segura e determinada de fazer polí-tica dos dois”.

Sobrinho de Wilson e filho dePlínio Barbosa Martins (ex-vereador,ex-prefeito de Campo Grande, e ex-deputado federal pelo Estado), Mar-celo Barbosa Martins, advogado e pro-fessor universitário, conta que cresceuouvindo a mãe contar memórias doexílio, para onde foi aos seis anos deidade, acompanhando o pai,Vespasiano Martins, que foi o “gover-nador” do Estado de Maracaju na Re-volução Constitucionalista de 1932.“Aos cinco anos, assisti a primeira cam-panha política, quando meu tio se ele-geu prefeito de Campo Grande. Em1962, quando eu contava nove anos,meu pai foi o vereador mais votado, e

na Revolução de 64 ele era presidenteda Câmara”, completa o advogado.

Em meio a tantas ondas de influ-ência política, Marcelo acabou se ren-dendo também, mas logo afogou aidéia: “Passei pela vida pública comovereador, mas vi que os objetivos dospolíticos por aqui nada têm em comumcom os anseios da sociedade. Isto metirou a vontade de continuar na vidapública. Acabei sen-do influenciadopelas outras profis-sões de meu pai,advogado e pro-fessor universitá-rio”. Como os her-deiros da famíliaTrad, Marcelo tam-bém sente o pesode levar um sobre-nome tradicionaldo Estado. “Ser defamília tradicionalsignifica ser mo-nitorado moral-mente. As pessoasque me identificamcomo tal me co-bram um compor-tamento que mui-tas vezes não tenho e nem quero ter.Por isto, às vezes sou considerado umdesobediente, e eu sou fã da desobe-diência a padrões e modelos conser-vadores”, diz o professor.

Peixe grandeE o que pensa sobre isso o chefe

de família e maior representante políti-co do Estado na atualidade, o advo-gado Wilson Barbosa Martins? “A idéia

de finitude da vida e de limitação dapessoa humana é uma idéia que nossufoca. Então, quando você se vê pro-jetado nos seus filhos, nos seus ami-gos, nos seus companheiros, no seupartido político, você se sente realiza-do, porque é a sua luta que se projeta,que se materializa em idéias”, respon-de o ex-governador, admitindo quenão ter nenhum filho dentro d’água

seria sim uma frus-tração. O próprioWilson afirma quetambém pode tersido influenciadopelos parentes parafazer parte da vidapública: “Eu tive,na minha família,uma figura expo-nencial, que me pa-rece o melhor va-rão da família, quese chamou Ves-pasiano BarbosaMartins. Ele deveter influído sobremim, embora an-tes mesmo de termaturidade eu te-nha me definido

como lutador pela democracia e con-tra a ditadura”.

Com tanta sabedoria dentro decasa, a peixinha Celina por certo seespelha na trajetória honrosa do pai.“Ela tem sua maneira própria de fazerpolítica, e recebeu no berço a nossaeducação, sem dúvida que tem forteinfluência dos pais. Mas ela se movepor si mesma, ela tem os seus própri-os projetos, seus anseios, e seus ideais

de liberdade”, explica Wilson quanto àindependência da filha. O advogadoacredita que filhos de peixe podem termelhor desenvoltura na política – queele considera “uma grande escola deaprendizado e de aperfeiçoamento” –, por estarem mergulhados num am-biente onde se fala desde sempre so-bre o assunto: “Eu acho que as famíli-as – não diria tradicionais, isso para mimnão tem nenhum peso, eu diria bemorganizadas –, podem fazer filhosprestantes, pessoas que realmente sir-vam a elas próprias, mas que sirvamtambém aos desempenhos dos gran-des serviços que devem ser feitos porpessoas de boa formação moral e edu-cacional”. E se Wilson não gosta dotermo ‘famílias tradicionais’, ‘oligarquia’,então, para ele, soa pior ainda. “Algu-mas vezes devem ter pensado que afamília que eu represento aqui é isso,que eu represento interesses para man-ter a tradição. Não são estes os nossosdesejos, os nossos ideais”, explica.

Muita água pode rolarO deputado estadual Mauricio

Picarelli e sua esposa Magali Picarelli,vereadora da Capital, criaram dois fi-lhos, mas nenhum se ancorou na pro-fissão dos pais. Patrícia Picarelli, a filhamais velha, cuida de um salão de bele-za. Maurício Picarelli Junior tem umaagência de publicidade e, apesar de tra-balhar com marketing político, aindanão quer se candidatar: “Eu sou influ-enciado direto a continuar o trabalhode meus pais. Recebo pressão dos dois,porque eles querem que eu participe,que eu treine para caso um dia eu meeleja. Eu não pensava nisso, mas hojejá mudei de idéia. Quem sabe um dia?”

Apesar da impressão que se temde que Junior está apenas se deixandolevar pela correnteza, ele se mostra con-fiante quanto ao que espera por ele: “Eusei fazer política, apenas não faço ainda.Lá em casa, nós almoçamos política,tomamos café da manhã falando depolítica, respiramos política. Eu sei o queum vereador faz, o que um deputadofaz”. Assim como Andressa Trad, eletambém se incomoda com os julgamen-tos que as pessoas fazem por ele ser fi-lho de quem é: “Minha mãe sempre falaque filho de político não pode traba-lhar. Por exemplo, se eu tenho uma agên-cia de publicidade, eu não posso entrarem concorrência pública porque, se euganhar, vai ser porque teve influência,mesmo não tendo”.

(Durante a entrevista, toca o celu-lar de Junior. É uma assessora de MaLondres e Grazielle Machado

participam de evento do partido

“Ser de famíliatradicional significa

ser monitoradomoralmente.

As pessoas que meidentificam como tal

me cobram umcomportamento quemuitas vezes não

tenho e nemquero ter”

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Herança política

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 22

gali. Junior perdeu o documento deidentidade e está tomando as providên-cias para tirar uma segunda via. Na li-gação, a assessora diz que contatou umdelegado, e pediu para que Junior con-versasse diretamente com ele. Quandodesliga, Junior fala: “Viu o que é serfilho de político? Eu tento ser umapessoa comum,mas às vezes é difí-cil. Eu já fiz o bole-tim de ocorrênciapela internet, só es-tou esperando o e-mail de confirma-ção. Não incomo-dei ninguém da mi-nha família para fa-zer isso, mas conteipara minha mãe, eela já ligou para aassessora”.)

Magali, queentrou na políticapor influência dePicarelli, destaca a importância dainteração que existe entre os dois: “Eleme ajuda no meu trabalho como par-lamentar, intercedendo no governo, eeu o ajudo em seus trabalhos na As-sembléia, mediando com a prefeitura”.“Agimos assim porque compartilha-mos de muitas idéias e diretrizes políti-cas”, completa o esposo, explicandoque, no entanto, a vereadora Magalipossui características pessoais de legis-ladora, que nem sempre coincidemcom as dele. Quanto à possibilidade

de uma sucessão política na família,Magali explica: “Educamos nossos fi-lhos para que tivessem uma formaçãoindependente da nossa”. O deputadoconcorda com a esposa que não temum espinho na garganta pelos filhosnunca terem se candidatado. “Sou umpai realizado com as escolhas e con-

quistas dos meusfilhos e os apoionaquilo que dese-jarem, pois conhe-ço a boa índole eo caráter moral decada um”, explica.

Mesmo nãose considerandouma família políti-ca tradicional, emcomparação a ou-tras que têm maispeixes, o casal cos-tuma ouvir muitoscomentários quan-to ao trabalho dos

dois, fruto da parceria que firmam háanos. Sobre isso, o deputado é categó-rico: “O resultado da parceria, para nós,é mais importante do que qualquer co-mentário contrário à nossa forma defazer política”. Magali conclui o pen-samento de Picarelli quando diz sermuito satisfeita com a parceria, “poisnosso trabalho ficou ainda mais volta-do para o social e para aqueles maisnecessitados”.

Como se pode ver, talvez o mai-or desafio dos políticos não seja remar

“A idéia de finitudeda vida e de limitação

da pessoa humananos sufoca. Quandovocê se vê projetadonos seus filhos, vocêse sente realizado,porque é a sua luta

que se projeta”

na maré alta dos problemas de cida-des ou estados, mas conciliar profis-são e família, e isto vale para pais e fi-lhos de qualquer família política. Paraos peixes que estão fora d’água, com-preender o trabalho, a doação e a au-sência é tarefa difícil. Da mesma forma,mesmo para quem está acostumadocom a exposição à imprensa devido àprofissão, ver seu cardume invadido por

Acima:Wilson discursa aos olhos

de Celina e dos netosWilson e Fabiana; ao lado,

esta repórter entrevista oex-governador em seu

escritório

Analisando a tradição das famílias políticas tradicionais de Mato Grossodo Sul, inevitável pensar que a sucessão entre pais e filhos, tios e sobrinhos,avôs e netos, é premetidada. Por isso, o termo ‘oligarquia’ logo vem à cabeça.Segundo a enciclopédia digital Wikipedia, “oligarquia (de oligoi, poucos, e arche,governo) significa, literalmente, governo de poucos. No entanto, como aristo-cracia significa, também, governo de poucos - porém, os melhores -, tem-se poroligarquia o governo de poucos em benefício próprio, com amparo na riquezapecuniária. Num país pós-colonial, como o Brasil, os interesses oligárquicosestão diretamente relacionados aos interesses do imperialismo (o domínio deum país para o atendimento das necessidades – também oligárquicas – de umoutro país, este dominante). Oligarquias são grupos fechados e pequenos quedetêm o controle do poder, geralmente formados por familiares de grandesproprietários”.

No Brasil, o termo oligarquia foi empregado para denominar os “coronéis”de São Paulo e Minas Gerais que se revezavam no comando do país durante aRepública Velha (1889-1930). Esse período ficou conhecido como “Política docafé-com-leite”, pois a elite que governava era de grandes produtores rurais epecuaristas.

Mesmo os membros das famílias políticas sul-mato-grossenses não sejulgando parte de uma oligarquia, como acreditar que um novo candidato, semnome conhecido, pode ter credibilidade e atrair votos da população? Comosobressair-se aos sobrenomes mais citados e famosos do Estado e conseguireleger-se? Como ser levado a sério sem mostrar uma árvore genealógica demandatos bem sucedidos? A dúvida e a insegurança permeiam sobre a cabe-ça de muitos que pensam em candidatar-se a um cargo público, mas acredi-tam impossível chegar lá devido a tantos nomes já conhecidos pelo povo. Nãose trata de preconceito quanto aos “filhos de peixe que peixinhos são”, e nem deinsinuações de que alguns políticos só chegaram onde estão devido a suasraízes, mas a reflexão quanto a estas questões é legítima em tempos em que odomínio da política de um estado divide-se em algumas poucas famílias háanos, caso que se repete em diversos outros estados do Brasil.

Cardumes oligárquicos?

Júnior, Magali e Maurício Picarelli duranteevento no Uruguai em novembro deste ano

câmeras e manchetes em jornais é desa-fiador. De tudo isso, fica uma conclu-são: política é para ser feita por quemaceita estas condições e, principalmente,por quem tem paixão por este ramo.Como disse a deputada Celina Jallad,“a política e o gosto pela vida públicatêm que vir de dentro da própria pes-soa. Influências são apenas complemen-tos que ajudam nessa trajetória”.

Herança política

23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Vida fora de casaAs histórias e desafios dos jovens em todo o Brasil que deixam as casas dos pais para fazer faculdade

Pâmela Berton

Rotinas: acima:Geraldo e alguns colegas de sala em umponto de ônibus. Ao lado: os jovens,na maioria das vezes, precisam aprendera lidar com as exigências de uma casa.

“Teve uma vez que obanheiro ficou maisde dois meses sem

ver uma bucha.Fazer faxina

é chato.”

São sete horas da noite. GeraldoGonçalves arruma o quarto enquantoconversamos. “Tem que ficar habitá-vel”, ele diz. Com 21 anos e há três emCampo Grande, a 400km da casa dospais, em Paranaíba, ele afirma que sen-te falta de casa, mas já se acostumou.“A pior parte é quando ficamos doen-tes. Mas sinto falta do cuidado da mi-nha mãe, da roupa lavada e da comidana mesa”, ele fala. Geraldo, que cursaEngenharia Elétrica na UFMS (Univer-sidade Federal de Mato Grosso doSul), é apenas mais um entre os milha-res de brasileiros que deixam o con-forto do lar para morar sozinhos ouem repúblicas e pensões durante a fa-culdade. Segundo estimativas do Mi-nistério da Educação, 25% dos jovensaprovados no vestibular têm que mu-dar de cidade para fazer o curso. Issoequivale a 150 mil pessoas, em média.

Elas têm que aprender rapidamentecomo viver sendo os responsáveis pelaprópria vida. Fazendo de tudo, desdepagar as contas do mêsaté a faxina da casa ouapartamento. Muitossaem de suas cidadessem preparo nenhumpara as exigências deum lar. Mas são unâni-mes em um ponto: oque vão levar de maisimportante dessa expe-riência é a responsabili-dade que adquiriram. Opsicólogo Fernando Megale, da Usp(Universidade de São Paulo) concordaafirmando que “o estudante que deixaa casa dos pais, de modo geral, aprendemais cedo a administrar o próprio tem-po e a lidar com as situações do dia-a-dia”.

ResponsabilidadeNicolle Symbrom é mais uma em

São José do Rio Preto, interior de SãoPaulo. Ela faz enfermagem e mora so-zinha há quase quatros anos. Para ela, amelhor parte “é você criar sua inde-pendência, ter sua liberdade e apren-der a se virar sozinho tendo a certezade que seus pais estarão sempre comvocê”. A psicóloga Luciana Lima afir-ma que “a maturidade e a independên-cia adquiridas ao sair de casa são o

maior ganho, que vai muito além dacarreira. É uma experiência de vida”.

Sandro Becker já conta quase trêsanos fora da casa dos pais e se mudoupara Campo Grande para fazer o tãosonhado curso de Publicidade e Pro-paganda na Estácio de Sá. Ele fala queo maior benefício é a liberdade. “Po-der fazer as coisas quando você quer edo jeito que você quer é o melhor detudo”, diz. Para Geraldo, “deixar as coi-sas bagunçadas quando não quere-mos arrumar o quarto é, com certe-za, a melhor parte”. Carlos Gonçal-ves, ou Carlinhos como é conheci-do, está em Dourados há dois anoscursando Biologia na UFGD (Uni-versidade Federal da Grande Dou-rados). Para ele, a liberdade é mes-mo o maior benefício em sair decasa, mas ressalta que “conciliar asfestas com a faculdade é muito difí-cil. Ainda mais quando o dinheironão é suficiente!”.

MesadaGrande parte dos estudantes

recebe ajuda dos pais. Alguns traba-lham, como é o casode Geraldo. “Eu façoestágio e comecei pelaexperiência. Mas o sa-lário ajuda muito emeus pais não preci-sam mais ficar fazen-do malabarismosquando a mesada nãoé suficiente”, ele diz.Mesada esta que temque pagar as contas do

mês, como luz, aluguel e telefone, o su-permercado, o ônibus ou o combustí-vel, a farmácia, o médico em caso dedoença, as festas do fim de semana emuitas outras coisas, dependendo dasnecessidades de cada um.

Uma média entre os entrevista-dos revelou que um estudante moran-do sozinho gasta, além da mensalida-de do curso, entre R$ 1000 e R$ 1500por mês. Em uma república, os gas-tos baixam um pouco para valores en-tre R$ 750 e R$ 1000. Geraldo dizque “isso é só uma projeção, dependemuito de cada um. Tenho um amigoque vive com menos de 600 reais etem que fazer milagre. Em compen-sação, conheço duas irmãs que gas-tam, pelo menos, uns 3000 reais por

mês cada uma. No final das contas, oque vale é quanto você pode gastar.Não dá para empolgar com as festase atrasar as contas”.

Mas e a faxina? Repúblicas sãofamosas pela falta de limpeza e pelabagunça. É assim mesmo na vida realou elas se parecem mais com a da no-vela juvenil “Malhação”, sempre tãolimpa, arrumada e colorida? Nicolle faza faxina do apartamento onde mora eafirma que “quando você não tem nin-guém para fazer as coisas, tudo é maisdifícil. Mas depois a gente se acostu-ma”. Na república de Geraldo, umadiarista vai uma vez por semana e re-solve os problemas com a sujeira. “Agente até tentou fazer a limpeza nocomeço. Nos dois primeiros anos, tí-nhamos o dia da faxina uma vez porsemana e todos tinham que ajudar. Masaí a faculdade começou a exigir mais efomos nos acomodando mesmo. Teveuma vez que o banheiro ficou mais dedois meses sem ver uma bucha. Daí,vimos que precisávamos mesmo deajuda, até porque fazer faxina é cha-to”, ele diz rindo.

ExperiênciaAs histórias dessa experiência são

o que cada um desses estudantes vailevar para a vida toda. Carlinhos diz

que “esquecer o gás ligado, deixar a ja-nela aberta e chover, molhando tudo,fazer compras e esquecer as coisas bá-sicas, mas lembrar do chocolate... es-sas coisas todo mundo já fez um dia”.Fernando Borges, que cursa arquitetu-ra na UFMS, conta de uma vez que,depois de mais de cinco horas em umafesta, chegou em casa e descobriu quehavia deixado uma boca do fogão ace-sa. “Pensa só o perigo!”, ele diz.

Sair da casa dos pais é difícil paraa maioria dos jovens. Muitos não têmpreparo nenhum para ‘morar fora’ elidar com as responsabilidades do co-tidiano é um desafio no começo. Mas,com o tempo, eles se acostumam egarantem que não trocariam a experi-ência por nada. A psicóloga Ana Bockafirma que “tudo que é cômodo[como viver na casa dos pais] atrasa oamadurecimento social e afetivo doadolescente. Quando o jovem sai paramorar fora, percebe que o mundo exi-ge novas respostas e impõe novas re-lações. E isso é muito produtivo”. ParaGeraldo, “todos deveriam passar poruma experiência como essa, pois apren-demos a nos comportar e a superar osmomentos de dificuldades sozinhos.Aprendemos a nos virar”.

Vida Universitária

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 24

Fabiane Higa

Hidratação com máscaras de cho-colate, tonalizante para pêlos, esmaltepara unhas, escovação dentária e atébanho de ofurô são alguns dos serviçospara cães e gatos oferecidos em pet shopsda capital. Apesar de o preço não sertão baixo, muitos donos proporcionamesses tratamentos a seus bichanos, alémde comprar roupas e até sapatinhos paraas quatro patas.

Esse cuidado com os animaispode surgir em qualquer idade. O apo-sentado José Barbosa nunca teve mui-to apego por cães até que encontrouum filhote abandonado em um terre-no baldio há 11 anos. Desde então, estese tornou o seu companheiro diário efiel. O cachorro Duque aprendeu vári-os truques com José: além dos popu-lares “senta e deita” o cão recolher a

correspondência colocada no portão:“Quando o carteiro passa e deixa a cor-respondência no portão, ele traz paramim. Só que ele traz e já pede tambémuma gorjeta, que é a bola-chinha. Se nãoder, ele fica latindo” ex-plica José. A pai-xão do aposentado pelo seu animal étanta que ele já é quase como um mem-bro da família, mas para os desavisados,José adverte: “ODuque é muito que-rido, mas ele tam-bém é bravo, nãoaceita estranho per-to de mim de jeitonenhum”.

A relação en-tre Gisley Teruya eseu cão Spike vaialém. Para ela, oseu animal de seismeses é como um filho: “Ele é meu

bebê. A dona não bri-ga quando o cão, cheiode energia, entra nacasa, pula no sofá, der-ruba o telefone. Tudoé recompensado comum gesto de carinhodo cão para com sua“mãe”. Gisley diz queseu marido nunca gos-tou muito de cachor-ro, mas a chegada doSpike mudou esse sen-timento “Esses tem-pos, eu coloquei uma

camisa do Corinthians nobebê, pois meu marido tam-bém é corin-thiano”, contaGisley.

Animalnão é genteEm Campo Grande, se-

gundo dados de 2006 do Cen-tro deControlede Zoo-n o s e s ,

Gisley eseu ‘filho’ Spike.

Inseparáveisaté no sofá

da casa.

O aposentadoJosé recebe umacarta entreguepelo seucompanheiroDuque.

“Os animais fazemparte da vida, eles

trazem alegria paracasa, só que os

exageros são ruins”

O animal de estimação, antes um mero companheiro, passou a ocuparmais espaço na casa e agora é considerado um membro da família

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existem aproxima-damente 129 milcães e 35 mil gatos.Apesar do elevadonúmero, algumaspessoas não vêemcomo algo positivo

esse tratamento quase humano dado aosbichos. Para a estudante Paula Walker,o animal deve ser tratado como ani-mal. Ela admite ter cães em sua casa,entretanto é contrária ao tratamentohumanizado dado a eles. “Pode até tra-tar como membro da família, mas deveficar no quintal, comer a ração dele, nãoentrar em casa ou dormir na cama”,explica a estudante. Apesar de não sertão apegada a cachorros, ela acredita queo ditado de que o cão é o melhor ami-go do homem seja verdadeiro: “Os ani-mais fazem parte da vida, eles trazem

Spike: alegria desde pequeno

alegria para casa, só queos exageros são ruins,cada ser tem o seu espa-ço e sua forma de ser tra-tado” justifica Paula.

Visãoprofissionaldessarelação

O tratamento huma-no dado a animais de esti-mação pode ser conside-rado normal do ponto devista da Psicologia, segun-do a profissional da áreaJanaína Barbosa Nemoto.Mas se a relação entre odono e o bichano ocorrer

de maneira excessiva, a psicóloga escla-rece que “com certeza o dono do ani-mal deve passar por quadros de depres-são, solidão e carência nas relações hu-manas, sejam pessoais ou profissionais,o que, dependendo da intensidade, po-dem ser prejudiciais ao dono”.

Em casos de perdas afetivas, Janaínaexplica que “os animais de estimação ten-dem, de certa forma, a ocupar o lugarda perda, além de servir como tentativade aceitação do fato”. “O que não podeacontecer é deixar que o animal seja co-locado como sucessor da pessoa perdi-da” completa Janaína. A psicóloga julgaser saudável a relação dono - animal deestimação trazendo sempre benefíciospara ambas as partes, mas esse relaciona-mento deve se dar de modo que não secometa extremos nem se deixe de res-peitar o espaço dos cães e gatos.

Quanto custa mensalmentemanter um animal de estimaçãoTosa (uma vez por mês)............................R$30,00Banho (uma vez por semana)......R$14,00 (cada)Consulta em horário comercial...............R$50,00Ração (dois pacotes por mês).....R$63,00 (cada)Toalete/depilação (uma vez por mês)......R$7,00Brinquedinho.................................................R$4,00

TOTAL:.........R$ 273,00

Equivalente a mais de 65% dosalário mínimo brasileiro atual.

Xerimbabo