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Projeto Projeto de Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Algodão Colorido Campina Grande Gabriela Picciotto Marília Carvalho Shewchenko Tutora: Ideli Domingues Conexão Local – ANO II Um Serviço da EAESP 2006 GVceapg Um centro de estudos da EAESP

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Projeto

Projeto de Fortalecimento da Cadeia Produtiva doAlgodão Colorido

Campina Grande

Gabriela PicciottoMarília Carvalho Shewchenko

Tutora: Ideli Domingues

Conexão Local – ANO II

Um Serviço da EAESP

2006

GVceapgUm centro de estudos

da EAESP

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ÍndiceÍndiceÍndiceÍndiceÍndice

1. Introdução ........................................................................................ 2

2. Contexto .......................................................................................... 3

a. Local ............................................................................................. 3

b. Antecedentes importantes ............................................................ 4

3. Algodão de fibra colorida no Brasil ................................................. 5

4. O programa de fortalecimento da cadeia produtiva do setor têxtil deCampina Grande em seu início (1999 a 2002) ................................ 7

5. Breve histórico da cadeia de 2002 aos dias de hoje ....................... 9

6. Atuais atores da cadeia produtiva do algodão colorido ................ 11

a. Embrapa ..................................................................................... 12

b. Secretaria de agricultura do Estado da Paraíba .......................... 12

c. Emater ......................................................................................... 12

d. Produtores .................................................................................. 12

e. Sebrae (serviço brasileiro de apoio às micro e pequenasempresas) ................................................................................... 13

f. Campal (cooperativa mista de patos) ......................................... 14

g. Malharia limoeiro ...................................................................... 14

h. Cooperativas de artesanato, associações e clubes de mães deCampina Grande ........................................................................ 15

i. Amde (agência municipal de desenvolvimento) ......................... 16

j. Coopnatural (cooperativa de produção têxtil e afins do algodão doEstado da Paraíba) ..................................................................... 17

7. Esquema de agregação de valor do produto ao longo da cadeia produtiva ........................................................................................ 20

8. Relato pessoal de Gabriela Picciotto .............................................. 21

9. Relato pessoal de Marília Shewchenko .......................................... 23

10. Bibliografia ...................................................................................... 26

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1. Introdução

O Projeto Conexão Local, coordenado pelo GVpesquisa e pelo Programa GestãoPública e Cidadania da Escola de Administração de Empresas de São Paulo daFundação Getulio Vargas, tem por objetivo estimular a iniciação científica porjovens do curso de Graduação em Administração de Empresas e emAdministração Pública, idealizado e implementado a partir das aprendizagensgeradas pelo Programa Gestão Pública e Cidadania. Promove a inserçãocompleta dos alunos em cidades brasileiras durante um mês, visando estimularseu interesse e envolvimento em projetos inovadores de desenvolvimentosocioeconômico local, com enfoque nas áreas de gestão pública, combate àpobreza e promoção da cidadania.

Com isso, aproxima os alunos de diversas realidades brasileiras, favoreceo conhecimento prático de técnicas de gestão em regiões e contextosdiferenciados e complexos, incentiva atitudes mais humanas ecolaborativas, visando à formação de futuros administradores com umaconsciência cidadã, pró-ativa e socialmente empreendedora, promove atroca de saberes entre alunos, gestores públicos, comunidades,associações, empresários e técnicos locais e incentiva reflexões ediscussões em torno de questões e realidades concretas.

O relatório a seguir aborda a experiência vivenciada pelas alunas GabrielaPicciotto e Marília Shewchenko na cidade de Campina Grande, Paraíba,que se deu em julho de 2006, com o intuito de aprofundar-se no Projetoda Cadeia do Algodão Colorido, pelo qual a AMDE, Agência Municipalde Desenvolvimento Econômico, recebeu um prêmio em gestão pública ecidadania pela FGV-EAESP.

O relatório se inicia com um panorama geral do contexto no qual a Cadeiaestá inserida, em que constam as características do local, antecedentesimportantes e a história do algodão colorido no Brasil. Em seguida, oPrograma de Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Setor Têxtil deCampina Grande é apresentado em seu formato inicial, com as principaiscaracterísticas apresentadas por ele de1999 a 2002. Em uma terceira partesão destacadas as principais alterações ocorridas de 2002 aos dias dehoje e, em seguida, cada um dos atores da cadeia atual são abordados deforma mais específica. Finalmente, o relatório é concluído com relatospessoais feitos pelas duas alunas que relatam, sob o ponto de vista decada uma delas, as experiências mais significativas e marcantes quevivenciaram na realização deste projeto.

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2. Contexto:

a. Local:a. Local:a. Local:a. Local:a. Local:

Campina Grande é a segunda cidade mais populosa do Estado da Paraíba(depois de João Pessoa, capital do Estado, de onde dista 120 km). Deacordo com o IBGE , no ano 2005 sua população foi estimada em 376.132habitantes, sendo aproximadamente 95% residentes no perímetro urbano.Sua área territorial é de 621 km². Esta grande desigualdade na distribuiçãopopulacional entre o meio rural e urbano é explicada pelo intenso fluxomigratório da população rural no sentido de Campina Grande, resultandocada vez mais em poucas, ou quase nenhuma, oportunidades de geraçãode trabalho e renda, educação pública, saúde e cultura. Assim, o efeito deatração de pessoas provocadas pelos maiores centros urbanos temcontribuído para o aumento da violência urbana, do desemprego e daexclusão social.

A cidade é considerada um dos principais pólos industrial e tecnológicoda Região Nordeste do Brasil. Campina Grande exerce uma enormeinfluência político-econômica sobre toda a região do Planalto daBorborema, desenvolvendo sua função de cidade-mercado, polarizandouma vasta região através do papel de centro distribuidor e absorvedor dematéria-prima, ultrapassando, inclusive, os limites do Estado.

O município foi criado em 1788. Atualmente, possui uma agenda culturalvariada, destacando-se os festejos de São João, que acontecem durantetodo o mês de junho (chamado de “O Maior São João do Mundo”), e aMicarande, um dos mais tradicionais carnavais fora de época do país.

Tem destaque nas áreas de informática, serviços (saúde e educação), nocomércio e na indústria, principalmente indústria de calçados e têxtil, suasatividades econômicas principais. Sedia empresas de porte nacional einternacional.Detém uma boa infra-estrutura de estradas, transportes(rodoviário, aéreo e ferroviário), comunicações e energia elétrica.

Campina GrandeCampina GrandeCampina GrandeCampina GrandeCampina Grande também é conhecida como cidade universitária, poisconta com duas universidades públicas (Universidade Federal de CampinaGrande e a Universidade Estadual da Paraíba) e particulares como a FACISA,a U.V.A., a UNESC e a CESREI, com cursos nas áreas de humanas, exatase saúde, pós-graduação, garantindo um dos melhores pontos universitáriosdo país e excelente exportador de bons profissionais para o mercado de

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trabalho. É comum estudantes do Nordeste e de todo o Brasil virem morarna cidade para estudar nas universidades daqui.

b. Antecedentes Importantes:b. Antecedentes Importantes:b. Antecedentes Importantes:b. Antecedentes Importantes:b. Antecedentes Importantes:

O algodão, em décadas passadas, principalmente entre os anos de 1925 e1966 era um dos mais importantes itens da economia paraibana. Por seupoder de ocupação e de geração de emprego e renda tanto no campocomo nas indústrias de confecções e no comércio do vestuário, acotonicultura foi responsável pelo desenvolvimento de algumas cidadesdo Estado, como foi o caso de Campina Grande.

De fato, o município tem em sua tradição histórica e na sua formaçãoeconômica os aspectos desenvolvimentistas gerados pelo cultivo doalgodão. Na década de 30 já era considerada a principal cidade do interiornordestino, destacando-se por seu intenso comércio, na condiçãoprivilegiada de segundo centro algodoeiro do mercado mundial, atrásapenas de Liverpool, na Inglaterra.

Ainda na primeira metade da década de 80, a população do semi-árido erade 20 milhões de pessoas, sendo que 2,3 milhões estavam diretamenteenvolvidas no cultivo de 3,5 milhões de hectares de algodão, dos quais600 mil hectares concentravam-se na Paraíba. A cotonicultura era a molapropulsora da geração de empregos e distribuição de renda do Estado eprincipalmente de Campina Grande.

Com o surgimento da praga do bicudo, em meados da década de 80, quese alastrou pelo Brasil destruindo quase que completamente as plantaçõesde algodão do país, e a redução das taxas de importação causada pelaabertura dos mercados, no inicio da década de 90, os agricultores foramobrigados a abandonar o cultivo do algodão. A região se viu impossibilitadade competir com a produtividade de culturas irrigadas em Santa Catarina eposteriormente da região do cerrado.

A crise industrial se iniciou alguns anos depois. O parque têxtil instaladona região começou a perder mercado para São Paulo (empresas instaladasna região do Bom Retiro). A entrada de grandes redes de varejo e desupermercados na área do vestuário mudou as características do mercado.O setor viu sua margem de lucro desaparecer ao mesmo tempo em queinflação, juros e ausência de crédito prejudicavam as iniciativas produtivas.

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No campo, não surgiu um substituto para a cultura do algodão. Os pequenosprodutores se voltaram para a agricultura de subsistência (milho e feijão) eos produtores de médio e grande porte para a pecuária extensiva de baixaprodutividade.

Diante dessa situação, a Prefeitura de Campina Grande decidiu contribuirefetivamente para a geração de renda e emprego no município, criando aAgência Municipal de Desenvolvimento Econômico, em 1999. Dentre osdiversos programas da Agência, o Programa Multisetorial envolve aorganização de segmentos sociais, qualificação profissional e microcrédito.Neste último componente, a equipe da AMDE começou a identificar umaforte tendência dos pequenos empreendedores de se dirigirem para o setortêxtil. De acordo com o relatório anual da AMDE (2000), entre 1999 e2000 foram apoiados mais de 100 pequenos empreendimentos relacionadosao setor.

Paralelamente, a Embrapa Algodão, sediada em Campina Grande, com amissão de viabilizar soluções para o desenvolvimento do agronegócio doalgodão, apresentava o resultado de um trabalho de doze anos: o algodãocolorido (marrom). Uma parceria estratégica possibilitou que inicialmenteesse cultivar fosse introduzido apenas no Estado da Paraíba, para o qualestá adaptado.

Analisando tais informações, a equipe da AMDE decidiu trabalhar o setorprodutivo de maneira mais organizada e integrada, criando o Programade Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Setor Têxtil de Campina Grande.

3. Algodão de fibra colorida no Brasil

O algodão colorido já era cultivado pelos povos antigos, como mostramescavações realizadas no Peru e que datam de 2500 a.C. Amostras dealgodão de fibra branca, coletadas no Paquistão são datadas de 2700a.C, evidenciando, portanto, que este dois tipos de algodão, o colorido eo branco, têm a mesma idade. No entanto, os algodões de fibra brancamereceram mais atenção em programas de melhoramento genético desdea metade do século 20. Isso fez com que se acentuasse a diferença entreestes dois tipos de algodão no que se refere aos caracteres de importânciaeconômica. A cor da fibra, então, não é inusitada como poderia parecer,já que o algodão mais conhecido, plantado e utilizado é o de fibra branca.

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Muitos algodões silvestres, apesar de não possuir fibra fiável, possuemcoloração de várias tonalidades em seus rudimentos de fibra. Alguns países,como Estados Unidos, Peru e China, possuem plantio comercial de algodãocolorido.

Quando ainda não eram explorados em plantios comerciais no Brasil,alguns algodões com fibra marrom já eram usados para confecção deartesanatos em localidades do interior dos Estados da Bahia e Minas Gerais.

Na década de 80, pesquisadores da Embrapa realizaram viagens pelosvários Estados do Nordeste a fim de coletar sementes de plantas de algodãoremanescentes de antigos plantios ou que estavam em locais próximos aalgodoeiros, nas margens de estradas, matas, e outros locais. Estas sementescomplementariam o banco ativo de germoplasma (o elemento dos recursosgenéticos que maneja a variabilidade genética entre e dentro da espécie,com fins de utilização para a pesquisa em geral) já existente na Embrapa eforam armazenadas em câmara fria, servindo como fonte de genes parafuturos trabalhos de melhoramento. Foi observado que muitas destas plantaspossuíam a fibra na cor marrom claro. A primeira variedade de algodão defibra colorida originou-se de seleção nestes materiais coletados noNordeste. Possui a tonalidade marrom claro e se chama BRS 200. Para asíntese deste cultivar aproveitou-se portanto a própria variabilidadeexistente para cor da fibra presente em materiais coletados no Nordeste.Empresários japoneses demonstraram interesse por esta fibra e a partir daía Embrapa foi incentivada a desenvolver os trabalhos de melhoramentonecessários para que ela pudesse ser produzida em escala industrial.

As roupas confeccionadas com este tipo de algodão, além de seremapropriadas para o uso por pessoas alérgicas a corantes e por recém-nascidos, atraem os consumidores interessados em produtosecologicamente corretos. O algodão colorido é ecologicamente corretopois dispensa o uso de produtos químicos no preparo do tecido para otingimento e no tingimento propriamente dito. Com a consciência depreservação da natureza crescendo cada vez mais entre as pessoas nosdias de hoje, a tendência é de um rápido aumento da demanda por estetipo de produto.

Utilizando materiais de outros países presentes em seu banco ativo degermoplasma, que apresentavam coloração na fibra, a Embrapa Algodãoiniciou em 1995 um programa de melhoramento genético para obtenção denovas cultivares com novas cores da fibra, além da de cor marrom claro já

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existente. Os materiais contidos no banco não eram adaptados ao cultivo noBrasil e apresentavam fibra de qualidade inferior. Por isso necessitava-se deum programa de melhoramento para obtenção de materiais adaptados aocultivo no Brasil e de boa qualidade da fibra. Após cruzamentos destesmateriais com cultivares de fibra branca de boa qualidade, foram desenvolvidasas cultivares BRS VERDE, lançada em 2003 e as BRS RUBI e BRS SAFIRA,lançadas em 2005, de fibra marrom avermelhada. Estas cultivares são anuaise apropriadas para o plantio em localidades da Região Nordeste que possuemprecipitação pluvial igual ou maior que 600 mm anuais. Já a BRS 200 defibra marrom claro é semiperene (que vive mais de dois e menos de três anos)e é indicada para as regiões mais secas da região Nordeste. Seu ciclo é detrês anos, ou seja, ela produz até o terceiro ano.

4. O Programa de Fortalecimento da CadeiaProdutiva do Setor Têxtil de Campina Grandeem seu início (1999 a 2002):

No início do Programa, a AMDE integrou e coordenou diversos atoreslocais com o propósito de transformar uma potencialidade da região emoportunidades efetivas de geração de renda e ocupação.

Na época, por intermédio da Credação (instituição sem fins lucrativos focadaem microcrédito), sementes do algodão colorido desenvolvido pelaEmbrapa foram colocadas à disposição dos microprodutores da região naforma de empréstimo. Os microprodutores também receberam treinamentopara o plantio, manejo de pragas e colheita, oferecido pelo

Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e custeado pelaFederação da Agricultura do Estado da Paraíba (Faepa).

Os produtores foram acompanhados pelos técnicos da EMATER e daEmbrapa e mais intensamente pelos agentes multiplicadores durante oprocesso de cultivo e colheita, dispondo, assim, de insumos e informaçãopara plantar o algodão colorido e obter bons resultados.

O algodão colhido é transportado, armazenado e beneficiado pelaCooperativa de Produtores de Algodão (Campal). Parte das sementes foiselecionada para os plantios subseqüentes e parte foi destinada à produção

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de ração animal a ser distribuída para os produtores envolvidos noPrograma. O algodão sem caroço, no início, foi encaminhado para fiaçãona Embratex, uma empresa da região. Como a produção era pequena, aempresa não demonstrou interesse em continuar com o processo de fiaçãonos anos seguintes, em razão dos custos operacionais desse processo. AAMDE então passou a articular com outras entidades, como o ServiçoNacional de Aprendizagem Industrial (Senai) a instalação de uma fiaçãono município para suprir essa deficiência da cadeia produtiva.

O fio foi então encaminhado para as tecelagens do município, que futuramenteintegrariam um pólo têxtil, e provisoriamente para uma malharia em JoãoPessoa. A malha produzida retorna a Campina Grande para as confecções.

Visando obter um produto diferenciado, a AMDE também envolveu oLaboratório do Vestuário do Senai em Campina Grande no desenvolvimentode produtos. As confecções que integram o pólo têxtil passaram a disporde matéria-prima diferenciada (tecidos e malhas feitos com o algodãocolorido) e de apoio para o desenvolvimento de produtos e coleções. Demaneira complementar, formaram-se cooperativas para agregar valor aosprodutos com a criação de acabamentos artesanais diferenciados.Potencializa-se, dessa forma, a geração de postos de trabalho na cadeiaprodutiva. Além disso, constituiu-se um consórcio de exportação paracomercializar a produção com uma marca forte.

A atuação da AMDE também se caracterizou, nesse início, por buscar relaçõesmais justas entre os diversos atores envolvidos. Assim, evitava-se que a cadeiaprodutiva tivesse elos fracos e potencializavam-se os benefícios sociais.

O Programa, dessa forma, possuía abrangência regional, envolvendo atoresem diversos municípios (com partidos diferentes), com escala comparávelà de uma iniciativa estadual. Vinte e oito municípios da região estavamenvolvidos na proposta, plantando o algodão colorido. Para concretizaresse trabalho fora dos limites de Campina Grande, a AMDE desenhou eimplementou uma engenharia institucional com o envolvimento deentidades sem fins lucrativos.

Embora críticas fossem apresentadas, a AMDE e o Programa eram bemvistos pela população em geral, pela sociedade civil organizada nãoenvolvida com a proposta e pela oposição política no município.

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A iniciativa faz uso de conceitos de mercado justo (fair trade) procurandobenefícios proporcionais e lucros repartidos entre todos os envolvidos nacadeia. Existia um movimento de aproximação dos atores dos diversos elosda cadeia, o que favorecia a explicitação dos objetivos comuns.

O sistema de implementação e gerenciamento da proposta eradescentralizado.

Procurava-se favorecer lideranças locais e fortalecer ou organizarassociações de produtores, cooperativas e clubes de mães.

Os envolvidos na cadeia constituíram um grupo que se reunia mensalmente,possibilitando a troca de informações e o planejamento integrado das ações.Na época, faziam parte desse grupo o Senar, a Credação, a AMDE, oSINDVEST, a Natural Fashion (marca do Consórcio de Exportação criadopara trabalhar as peças de algodão colorido), a Embrapa e o Senai, entreoutros. Este fórum de discussão era chamado “Instituto Casaca de Couro”.

A preocupação ambiental está presente no discurso dos responsáveis pelainiciativa, embora não figurasse entre as principais preocupações doPrograma. Já existia o interesse em difundir o sistema orgânico de plantio,mas na maior parte dos plantios, foi utilizado defensivo contra o bicudo.

5. Breve Histórico da Cadeia de 2002 aos Diasde Hoje:

Do ano de 2002, quando a AMDE recebeu o prêmio em gestão pública ecidadania pelo Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-EAESP, aosdias de hoje, ocorreram significativas mudanças no funcionamento e naestrutura da Cadeia Produtiva do Algodão Colorido.

A partir de 2003, as sementes de algodão colorido que eram fornecidasao agricultor rural a preço de custo pelo CREDAÇÃO passaram a serdistribuídas gratuitamente pelo Governo do Estado. Neste mesmo ano, aprodução de algodão colorido marrom (BRS 200) sofreu um aumentoconsiderável, passando de 21 para 65 toneladas. A demanda pelo produto,no entanto, não acompanhou este aumento e um enorme estoque se formou,provocando uma estagnação no plantio que perdurou até o ano de 2005.

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Os agricultores prejudicados por esse inesperado acúmulo de matéria-primaforam obrigados a recorrer a culturas alternativas, como as agriculturas desubsistência ou o plantio de algodão branco. Hoje em dia, para evitar umapossível superprodução, o plantio de qualquer tipo de algodão coloridosó é feito sob encomenda e os preços são negociados entre a Embrapa,produtores e compradores.

O papel da AMDE na articulação da cadeia, que foi essencial no início doprojeto, vem perdendo importância na medida em que os agentes sefortalecem e passam a ganhar autonomia. Atualmente, a atuação da AMDEse concentra no auxílio e capacitação das cooperativas e associações deartesanato.

Embora muitos esforços tenham sido feitos no sentido de conscientizar apopulação local sobre a importância do algodão colorido para a economialocal, ainda há certa hostilidade que advém principalmente das camadassociais inferiores, que têm a percepção de que o produto é inacessível etraz benefícios apenas para alguns agentes da Cadeia. Confirmando estacrítica está o fato de que os produtos de algodão colorido são destinadosprincipalmente para turistas, para a classe média-alta e para a exportação,já que seus preços são relativamente altos. Dificilmente encontra-se emCampina Grande um morador que esteja vestindo algum destes produtos.

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6. Atuais Atores da Cadeia Produtiva do AlgodãoColorido:

A Cadeia segue ordem ilustrada abaixo. A seguir, seus principais atores sãodescritos com maiores detalhes.

DesenvolvimentoTecnológico

EMBRAPA

Assistência eSupervisão dos

Agricultores Rurais

EMATER

Fornecimento deSementes

SECRETARIA DEAGRICULTURA DO

ESTADO DAPARAÍBA

Produção

AGRICULTURAFAMILIAR

Descaroçamento

CAMPAL

Fiação

MALHARIALIMOEIRO

Tecelagem

MATESA e MALHARIALIMOEIRO

Produto Acabado

COOP NATURAL

Distribuição

COOP NATURAL

Comercialização

LOJASINDEPENDENTES

Artesanato

ASSOCIAÇÕES,CLUBES DE

MÃES eCOOPERATIVAS

Aviamentos

Matéria-Prima

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a. Embrapa:a. Embrapa:a. Embrapa:a. Embrapa:a. Embrapa:

A Embrapa, mais especificamente a Embrapa Algodão, foi a responsávelpelo desenvolvimento das sementes de algodão colorido no Brasil.Atualmente, como ator da cadeia, ela preocupa-se tanto com odesenvolvimento tecnológico de novas sementes quanto com a melhoriada qualidade das sementes existentes, além de trabalhar no

desenvolvimento de novas técnicas de cultivo de algodão.

b. Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba:b. Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba:b. Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba:b. Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba:b. Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba:

A Secretaria de Agricultura do Estado da Paraíba, atualmente, é responsávelpela distribuição de sementes aos agricultores. Também atua indiretamentena Cadeia através da EMATER.

O Governo do Estado chegou a comprar parte do excedente da produçãode algodão colorido para evitar prejuízos muito grandes para os produtores.A expectativa é que continue a apoiar o agricultor através da articulaçãocom agentes financeiros como o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste edo fornecimento de assistência técnica. A aquisição da produção, noentanto, cabe à iniciativa privada e, portanto, não se pode contar com oGoverno para a compra de excedentes.

c. EMATER:c. EMATER:c. EMATER:c. EMATER:c. EMATER:

A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater - PB, órgão deapoio aos agricultores vinculado à Secretaria da Agricultura, disponibilizasementes e programas de treinamento à população local, tendo como guiade suas ações as diretrizes e políticas do Plano de DesenvolvimentoSustentável do Governo do Estado. A Emater, através de seus técnicosmultiplicadores, procura possibilitar a transferência de tecnologias doagronegócio para os pequenos produtores da Paraíba, de forma que elepossa, por si só, conquistar as condições de que necessita para se sustentaratravés de seu trabalho.

d.Produtores:d.Produtores:d.Produtores:d.Produtores:d.Produtores:

Atualmente, o cultivo do algodão colorido é realizado por pequenosagricultores no formato de agricultura familiar, em regiões zoneadas dosertão Paraibano.

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A produção deve obedecer aos padrões de qualidade exigidos pelo mercadoe, para que isso seja possível, a Emater supervisiona e auxilia os agricultoresna utilização da tecnologia desenvolvida e recomendada pela Embrapa.

Apesar de a Embrapa assegurar um certo nível de produtividade para assementes de algodão colorido, muitos agricultores alegam que nuncaconseguiram atingir este patamar. Isso muitas vezes desencoraja o plantiode algodão colorido, mesmo com os preços mais altos oferecidos por ele.Além disso, alguns produtores alegam que a colheita do algodão coloridoé mais trabalhosa e que há muita mistura de cores, o que demanda umamão-de-obra mais atenta para que se faça a separação. Com todas essasdificuldades, os agricultores acreditam estar recebendo muito pouco peloalgodão colorido, apesar de os compradores acreditarem estar praticandoum preço justo.

e. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenase. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenase. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenase. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenase. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e PequenasEmpresas):Empresas):Empresas):Empresas):Empresas):

O SEBRAE esteve presente desde o início da formação da Cadeia Produtivado Algodão Colorido através da APEX (Agência de Promoção paraExportação), promovendo programas de qualificação para os diversosagentes envolvidos no processo. Além disso, dá apoio na realização defeiras e eventos de divulgação dos produtos e cursos técnicos para osartesãos, costureiros e bordadeiras.

No início de 2005, começou a implantação da metodologia de trabalhochamada Gestão Estratégica Voltada para Resultados – GEOR, voltada parao trabalho com Arranjos Produtivos Locais (APL), que é o caso da CadeiaProdutiva do Algodão Colorido. Este método tem como fundamentos básicosa transparência, simplicidade e flexibilidade e reúne parceiros como aEmbrapa, a Emater, a AMDE, a Sindivest (Sindicato das Indústrias de Vestuárioda Paraíba), o SENAI, a CoopNatural, a FIESP e o Governo do Estado emum sistema on-line que detalha em um cronograma as principais ações quedevem ser tomadas por cada um deles para o melhoramento da Cadeia.

O SEBRAE ainda fornece alguns cursos de capacitação, mas vem perdendoimportância na medida em que os agentes se tornam cada vez maisespecializados no trabalho que realizam.

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f. Campal (Cooperativa Mista de Patos)f. Campal (Cooperativa Mista de Patos)f. Campal (Cooperativa Mista de Patos)f. Campal (Cooperativa Mista de Patos)f. Campal (Cooperativa Mista de Patos)

A Campal, localizada na cidade de Patos, é a responsável pelodescaroçamento do algodão colorido e adquire sua matéria-prima (a plumade algodão) através de negociações feitas diretamente com os agricultores.As sementes retiradas da pluma do algodão são vendidas para a produçãode ração animal. A cooperativa sofre muito com problemas de falta derecursos, impossibilitando a modernização de seu maquinário e o aumentode sua capacidade produtiva. Além disso, não possui máquinas própriaspara a fiação do algodão, ou seja, perde a oportunidade de realização deuma etapa do processo de industrialização do algodão que agrega bastantevalor ao produto1. Atualmente, passa por uma avaliação do BNDES para aaprovação de um projeto de financiamento que possibilitaria a compra domaquinário necessário para a fiação de algodão e para a produção de tortasusadas nas rações.

g. Malharia Limoeirog. Malharia Limoeirog. Malharia Limoeirog. Malharia Limoeirog. Malharia Limoeiro

A Malharia Limoeiro, localizada em Campina Grande, é a atual responsávelpor toda a fiação de algodão colorido e pela confecção do tecido grossoutilizado em almofadas, colchas, redes, etc.

Apesar de a Embrapa garantir que a qualidade do algodão colorido é amesma do branco, na prática observa-se uma outra realidade. Há, em média,uma perda de 35% do algodão durante o processo de fiação, já que a fibrado algodão colorido ainda é mais curta e, portanto, mais frágil do que a dobranco. Para que essa perda seja compensada, o preço do algodão coloridono mercado deveria ser maior, mas isso só será possível quando o produtofor mais valorizado.

Além dos problemas durante o processo produtivo, a Malharia Limoeirotambém enfrenta alguns problemas de disponibilidade de matéria-prima, oque impede que a produção de tecidos coloridos seja constante. Em muitoscasos, alguns produtores “seguram” sua produção enquanto esperam umamelhor oferta de preço pelo seu produto. O problema é que essas ofertassão esporádicas e sem garantia nenhuma, o que gera uma instabilidademuito grande no mercado. Em outras palavras, a Limoeiro, que é clienteconstante, não pode ter garantia da entrega de sua matéria-prima porqueela pode ser vendida inesperadamente para um outro cliente desconhecido.

1 Vide esquema de agregação de valor na página 20.

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h. Cooperativas de Artesanato, Associações e Clubes de Mães deh. Cooperativas de Artesanato, Associações e Clubes de Mães deh. Cooperativas de Artesanato, Associações e Clubes de Mães deh. Cooperativas de Artesanato, Associações e Clubes de Mães deh. Cooperativas de Artesanato, Associações e Clubes de Mães deCampina GrandeCampina GrandeCampina GrandeCampina GrandeCampina Grande

As cooperativas e associações desempenham um papel ao mesmo tempomuito importante e muito delicado na estrutura da cadeia produtiva.Completam o trabalho da Natural Fashion com acabamentos, detalhes eenfeites feitos à mão e, em alguns casos, confeccionam o produto inteiro(como bonecas de pano e almofadas), sempre seguindo o design pré-estabelecido pela equipe de moda da cooperativa.

As cooperativas enfrentam diversos desafios que vêm, em sua maior parte,da falta de experiência em organização de grupos, da falta de recursospara as instalações e de problemas pessoais enfrentados por cada uma dasintegrantes destes grupos. É interessante ressaltar que a quase totalidade daforça de trabalho desta ponta da cadeia é composta por mulheres, que deixamde ser apenas donas-de-casa e passam a se dedicar a trabalhos manuaisdiversos, como macramé, crochê, bordados, labirintos e costura.

Nas visitas a essas cooperativas, saltou aos olhos uma peculiaridade: emgeral, a fragilidade emocional das cooperadas se reflete no grupo como umtodo, ou seja, as cooperativas com maiores problemas de organização,qualidade dos produtos e constância nas entregas são formadas por mulherescom muitos problemas pessoais e baixa auto-estima.

A primeira associação visitada é um caso de sucesso. Apesar de não seruma associação formal e nem ter nome oficial, tem como maior trunfo umaliderança muito forte e carismática, que une e incentiva o grupopassionalmente. As mulheres deste grupo falam de seu trabalho comsatisfação, comparando-o a uma terapia. Todas afirmam que suas vidasmudaram depois da entrada na associação e muitas atribuem a esse trabalhoa força de vontade que encontraram para enfrentar seus problemas pessoais.São mulheres que recuperaram a sua auto-estima e voltaram a ter pequenasambições. O nome escolhido por elas para o grupo já diz bastante: ASCA(Associação Cultura e Arte).

A segunda associação visitada, a CPVA, ainda enfrenta diversos problemas.Há alguns casos de mulheres que se afastaram do grupo, além deinconstância na entrega dos produtos e alguns problemas de qualidade daspeças. Coincidentemente – ou não – a maioria das cooperadas enfrentaproblemas dentro de casa. Neste grupo, ficou explícito o machismo que éainda muito forte na região. Muitos maridos se opõem ao trabalho de suas

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mulheres e algumas delas chegaram a sofrer agressões físicas por insistiremem trabalhar. Além disso, não valorizam tanto o seu trabalho quanto asmulheres da ASCA, o que prejudica sua auto-estima e impede ofortalecimento do grupo. Apesar de tudo, a CPVA já dá sinais de evoluçãoe, por ser formada por pessoas talentosas, tem grandes chances de setornar um grupo forte.

A terceira associação visitada, a CACEMA, parece estar em um pontointermediário entre a ASCA e a CPVA. A primeira fase de dificuldades jáfoi superada e agora o grupo trabalha para o fortalecimento definitivoda associação. Há ainda alguns problemas de união e auto-estima, mas ogrupo já tem uma produção consistente e de muita qualidade.

A quarta e última associação, a Romane, já ultrapassou a fase defortalecimento do grupo e hoje luta na defesa de seus direitos. Observa-se uma integração muito forte entre seus membros e, com um mercadolocal já conquistado, eles estão receosos em aceitar a parceria com aNatural Fashion, já que isso significaria redução dos preços de venda deseus produtos. Essa postura chama a atenção para um aspecto muitodelicado da relação entre a Natural Fashion e as outras associações: amaioria das artesãs não está satisfeita com os preços pagos pelos seusprodutos e demonstram vontade de formar um mercado próprio paraadquirir independência. Atualmente, isto não é possível porque asassociações não conseguem atingir seus clientes, e isso faz com que asartesãs se sintam desvalorizadas pelo mercado.

i. AMDE (Agência Municipal de Desenvolvimento)i. AMDE (Agência Municipal de Desenvolvimento)i. AMDE (Agência Municipal de Desenvolvimento)i. AMDE (Agência Municipal de Desenvolvimento)i. AMDE (Agência Municipal de Desenvolvimento)

A AMDE é uma autarquia municipal que funciona como suporte para aSecretaria de Desenvolvimento Econômico do município de CampinaGrande. Atualmente, é presidida por Maria do Socorro Ramalho, massegue um modelo de autoridade descentralizada que parece funcionarde forma muito eficiente no apoio aos pequenos empreendimentos egeração de renda para o município de Campina Grande.

No início do Projeto de Fortalecimento da Cadeia Produtiva de AlgodãoColorido, a AMDE funcionou como grande articuladora dos principaisparceiros envolvidos e assessora das cooperativas através de cursos decapacitação e apoio para a participação em feiras e eventos.

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Atualmente, ainda acompanha de perto o trabalho das associações, masdeixou de ter papel essencial na articulação dos diversos setores envolvidosno Projeto. Isso quer dizer que sua iniciativa alcançou o sucesso esperadoe hoje é capaz de se manter sozinha. Além disso, sofre menos pressõespolíticas que são muito comuns dentro do contexto paraibano, caracterizadopor uma alta politização e por disputas muito acirradas entre partidos. Masisso significa também que a AMDE não tem mais controle sobre a estruturada Cadeia Produtiva, o que faz com que ela funcione de formaessencialmente empresarial, e não mais voltada para o social, como noinício. Em outras palavras: o Projeto começou como um incentivo para ospequenos agricultores e artesãos, mas hoje em dia estes mesmo agricultorese artesãos estão tendo que se adequar às exigências da indústria têxtil, oque é obviamente muito difícil quando se tratam de produções manuais ouartesanais e em pequena escala. Como acontece em qualquer setor, a maiorparte do lucro fica na indústria e no comércio e, com isso, a base acabaficando prejudicada. Apesar de reconhecer os problemas dessa estrutura, aAMDE defende seu papel de coadjuvante, afirmando que os agricultores eartesãos devem assumir um papel de protagonistas e negociar seus direitosde forma profissional, e não esperar que algum órgão governamental façaisso por eles.

Apesar das críticas, a AMDE reconhece a grande importância do Projeto nainclusão social e geração de empregos, e acredita que ele ainda apresenteum grande potencial de crescimento e desenvolvimento para o estado daParaíba.

j. CoopNatural (Cooperativa de produção têxtil e afins do algodãoj. CoopNatural (Cooperativa de produção têxtil e afins do algodãoj. CoopNatural (Cooperativa de produção têxtil e afins do algodãoj. CoopNatural (Cooperativa de produção têxtil e afins do algodãoj. CoopNatural (Cooperativa de produção têxtil e afins do algodãodo Estado da Paraíba)do Estado da Paraíba)do Estado da Paraíba)do Estado da Paraíba)do Estado da Paraíba)

A CoopNatural tem um papel crucial no funcionamento da Cadeia. É elaque desenvolve produtos, cria demandas e, assim, gera a necessidade de seplantar, descaroçar, fiar e tecer o algodão. Além disso, integra asassociações, cooperativas e clubes de mães nesta Cadeia, através da comprade peças de artesanato que são adicionadas às roupas, bolsas, almofadas,colchas, redes, e todos os outros produtos que desenvolve.

A Natural Fashion, que antecedeu a CoopNatural, surgiu quando, em 2000,Maysa Gadelha, então presidente da Sindivest (Sindicato das Indústrias deVestuário da Paraíba), percebeu a necessidade de um produto diferenciadopara levar à próxima Fenit (Feira Internacional na Indústria Têxtil). Foi feito,então, um brainstorm com empresários ligados à indústria têxtil, que

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lembraram da pesquisa da Embrapa sobre o algodão naturalmentecolorido. Esses empresários criaram o consórcio Natural Fashion,compraram uma grande quantidade de pluma de algodão colorido daEmbrapa, mandaram-no à Coteminas para ser fiado e desenvolveram umasérie de produtos especialmente para a apresentação na Fenit. O produtofoi um sucesso, e a partir daí a Natural Fashion se organizou para começara produzir em escala industrial.

É importante lembrar que a idéia de se trabalhar com o algodão coloridosurgiu de uma visão essencialmente empresarial. Foi identificado um nichode mercado – o das pessoas preocupadas com o meio ambiente, quecostumam consumir produtos orgânicos e incentivam as produções locaisde artesanato – e um produto que se encaixa perfeitamente nesse perfil.

Com o tempo, o consórcio cresceu e foi necessária a criação de uma cooperativade produção para viabilizar a entrada de novos parceiros e facilitar acomercialização dos produtos. Foi criada, então, a CoopNatural, que hoje emdia apresenta uma grande estrutura detalhada abaixo:

- 25 cooperados ligados a empresas terceirizadoras;

- 10 cooperados de outros setores;

- 10 associações e cooperativas de artesãos:

- Associação das Costureiras de Sumé – PB

- Copical – Araruna – PB

- Associação das Labirinteiras de Serra da Rajada – PB

- Associação das Crocheteiras de Esperança – PB

- Cooperativa de Catolé de Zé Ferreira

- Cooperativa de Mamanguape

- Cacema – Cooperativa de Macramé

- Cooperativa do Riacho Fundo – Esperança – PB

- Associação das Crocheteiras de Picuí – PB

- Associação das Bordadeiras de Galante – PB

- Artesãos autônomos

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A CoopNatural tem, hoje, dois novos projetos em desenvolvimento. Oprimeiro envolve a criação de uma sede própria na cidade de Queimadas,para onde levariam as empresas envolvidas na cadeia, agilizando todo oprocesso e aumentando a capacidade produtiva. O segundo projeto, bemmais ambicioso, já foi iniciado e consiste na plantação totalmente orgânicade algodão colorido, com todo o risco de fracasso sendo asseguradopela CoopNatural. É a primeira vez que se realiza um projeto deste tipo,e as terras usadas para esta plantação servirão como base para pesquisasda Embrapa. Não se sabe a produtividade que esse algodão terá e nemse as técnicas de controle de pragas aceitas em um cultivo orgânico serãosuficientes. É, no entanto, uma iniciativa muito inteligente, que antecipademandas e garante, mais uma vez, que a CoopNatural tenha um produtodiferenciado que agrade ao seu nicho de mercado.

O crescimento e evolução da CoopNatural explica em grande parte asmudanças ocorridas na Cadeia como um todo desde a sua criação até osdias de hoje. Como já foi dito, no Estado da Paraíba as disputas políticasafetam todas as camadas da sociedade. Como não poderia ser diferente,afeta também a CoopNatural, tanto por ser uma cooperativa de grandesucesso e destaque quanto por ter em seus membros ex-participantes dapolítica local ou advindos de famílias tradicionais da política paraibana.Isso cria grande instabilidade e dificulta o andamento dos negócios. Poressa razão, a tendência é que a dinâmica da Cadeia Produtiva se afastecada vez mais dos órgãos governamentais (como a AMDE, que foi agrande articuladora dos diversos parceiros no início do projeto) e comecea funcionar de maneira independente e em um modelo empresarial.

Outra tendência visível é a verticalização dos processos pelaCoopNatural. Por ter enfrentado muitos problemas de fornecimento damatéria-prima (como no caso da Malharia Limoeiro), pretende agora tera sua própria e exclusiva plantação de algodão colorido, com agricultoresselecionados e contratados por ela. Dessa forma, a CoopNatural poderáter controle sobre todas as etapas do processo e regular o fornecimentode matéria-prima de acordo com suas necessidades.

O grande diferencial da CoopNatural é a sua preocupação com todos aspessoas que integram a Cadeia. Em conversas com Maysa Gadelha, aprincipal coordenadora e administradora da cooperativa, ela deixa bemclaro que conhece a situação em que vivem todos os atores (inclusiveagricultores e artesãos) e que faz o possível para criar condições detrabalho que sejam benéficas a eles. Os preços são sempre negociados

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entre todas as partes e as negociações são feitas de forma muitotransparente. O problema é que os agricultores e artesãos têm um poderde barganha muito menor do que a CoopNatural e acabam tendo queadequar seus preços às exigências do mercado.

7. Esquema de agregação de valor do produtoao longo da Cadeia Produtiva

Pluma de Algodão

R$1,30/kg

Pluma de Algodão Descaroçada

R$3,90/kg

Fio de Algodão

R$10,00/kg

Produto Acabado (ex: camiseta de algodão)

R$45,00

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8. Relato Pessoal de Gabriela Picciotto:

Quando soube sobre o Projeto Conexão Local me interessei muito emparticipar, pois além de parecer uma notória oportunidade para minhaformação acadêmica, possibilitaria que me aproximasse da realidadebrasileira e que tomasse maior conhecimento de práticas de gestão sociale organizacional nela presente.

A idéia de passar um mês vivenciando uma realidade que, de certa forma,não era a que eu possuía no meu cotidiano, mas por outro lado me eraessencial, uma vez que fazia parte da realidade de meu país, me pareceufundamental para que eu pudesse aprender, compreender, experimentar,refletir, discutir e trocar saberes sobre questões, possibilidades e, até mesmo,ações concretas, quanto aos problemas que afligem nossa população, para,assim, quem sabe ser capaz de auxiliar na formação de um Brasil melhor.

O projeto, em específico, para o qual fui selecionada, o da Cadeia Produtivado Algodão Colorido em Campina Grande, na Paraíba, parecia seenquadrar perfeitamente em meu perfil, uma vez que envolvia questõessociais, era resultado de parcerias público e privadas, era fruto do resultadode uma pesquisa inovadora, além de lidar com artesanato, uma vez queminha formação pessoal sempre esteve extremamente ligada a aspectosartísticos.

Assim, deixei São Paulo, sem exatamente saber como seria meu mês nesseprojeto, porém certa de que seria algo, único, adorável e que teria muito ame acrescentar.

Agora, após ter passado pela experiência, devo dizer que minhasexpectativas estavam, de certa forma, corretas, ou melhor, que aprendiainda mais do que imaginava e que esse projeto, inegavelmente, marcará,para sempre, minha formação.

Ao chegarmos em Campina Grande e começarmos a pesquisa, eu eMarília, de início nos deparamos com inúmeras dúvidas, estávamosconfusas, perturbadas, pois não sabíamos de certo como lidar com tudoaquilo.Nós tínhamos percebido que a Cadeia do Algodão havia sofridomudanças alarmantes do ano em que havia ganhado o prêmio da EAESP,2002, aos dias de hoje, no entanto, não encontrávamos respostas para ocomo dessas alterações.

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A pesquisa foi caminhando e com ela as respostas foram aparecendo, nessedecorrer conhecemos pessoas lindas, únicas, hospitaleiras, agradáveis, quenos auxiliaram e nos ensinaram muito, não só com informações sobre oprojeto, mas, digamos, que sobre a vida! Cada uma dessas com seu jeitoespecial nos fez sentir parte dessa realidade, entender novos pontos devista, nos foram exemplos de força de vontade, atitude, respeito, cidadania.

A Cadeia do Algodão Colorido, assim como, ao meu ver, tudo no mundo,tem suas falhas, tem questões fundamentais a serem trabalhadas como foramdescritas anteriormente no decorrer do relatório, entretanto, essasimperfeições, de forma alguma, tiram a validade desse projeto.Como pontospositivos, vejo no projeto, grande capacidade de empregar mão de obraregional, de valorizar o artesanato e assim a cultura paraibana de uma formageral, de colocar em evidência a importância dos produtos naturais, umavez que o algodão colorido é um desses produtos, de incentivar ocooperativismo e a Economia Solidária como um todo.

Acontece que, primeiramente, uma economia solidária exige, além dodesenvolvimento de sua base material, um alto grau de conscientização emotivação por parte de sua população, movida por princípios éticos e valoresde compaixão e solidariedade, não podendo ser um produto de umaadministração de uma só via, de cima para baixo, que torne a populaçãoem objeto passivo. Ela exige a participação de todos, para se tornaremcidadãos e, assim, sujeitos do processo produtivo.Faz-se, então necessária,uma forte ênfase na justiça social, na auto-realização e na proteção econservação dos recursos do meio ambiente, através da conscientizaçãoda população como um todo.

No caso em questão, mais especificamente, cabe considerar a necessidadede que todos os atores do projeto estejam conscientes, não somente dosideais do cooperativismo, da solidariedade, como também da importânciaindividual que cada um deles tem nessa cadeia. Quando olhada de fora, emuma visão mais geral, nota-se que muitos participantes da cadeia,principalmente os de menor poder aquisitivo, não sabem da importânciaque tem, da força que tem, da sua capacidade, do seu valor. Quanto menosessas pessoas perceberem isso e se derem conta de como são “valiosas”,fundamentais, menor a chance de eles exigirem seus direitos, de elas lutarempelos seus ideais, pelos seus sonhos, de elas não se deixarem explorar.

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Na minha opinião, esses indivíduos têm um valor, uma força, um espíritoe habilidades incríveis.Os agricultores possuem saberes específicos,conhecimentos sobre a terra, sobre plantio, cultivo, sobre o campo, sãoresilientes, muito capazes e, talvez, não estejam se dando conta disso enão estão exigindo suas vontades, como por exemplo, melhorremuneração. Os artesãos e artesãs, por sua vez, possuem habilidadesmanuais, elaboram trabalhos magníficos, têm um magnetismo pessoalinigualável, uma força e um brilho impressionantes. As mulheres artesãs,por exemplo, quantos obstáculos já venceram, superaram questõesfamiliares, conseguiram entrar para o mercado de trabalho, mostrar quesão capazes, porém, elas precisam perceber isso, necessitam se dar contado quão são únicas, admiráveis, lindas, para não serem exploradas,receberem uma remuneração digna, não desistirem de lutar por seussonhos.

Para concluir, coloco que a experiência pela qual passei foi inigualável,muito gratificante, mas que seria ainda mais se eu pudesse fazer algopara melhorar essa situação que verificamos. Dessa forma, venho emmeu relato pessoal, sugerir que o setor público, a AMDE, a prefeituraou/e o governo da Paraíba, tomem alguma atitude quanto a isso,intervenham nesse processo, a meu ver, talvez o melhor, ou mais forte,“personagem” para lidar com essas questões, seja esse setor, uma vezque ele pode incentivar programas de capacitação, de instrução paraessas pessoas, que ele possa viabilizar cursos, consultorias, auxílio, paraque esses indivíduos tornem-se conscientes de seu valor e que, assim,possam eles mesmos lutar por condições melhores. Uma vez, que nomeu ponto de vista, o papel do setor público não é simplesmente dar “opeixe ao cidadão, mas ensiná-lo a pescar”. Isso possibilitaria um projetoeficaz, sustentável e mais justo para todas as partes envolvidas.

9. Relato Pessoal de Marília Shewchenko

A proposta do projeto Conexão Local abre espaço para muitasexpectativas. Saber que eu iria passar um mês em uma cidadedesconhecida, conhecendo com pessoas com as quais eu nunca teriacontato e vendo coisas que estão totalmente fora da minha rotina já mefazia imaginar que seria surpreendida. Mas nunca imaginei sersurpreendida da maneira como fui e aprender tanto em tão pouco tempo.

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A primeira grande surpresa foi perceber que a Cadeia Produtiva nãofuncionava da maneira que esperávamos. A partir daí, foi preciso esquecerquase tudo que sabíamos de antemão e descobrir tudo por conta própria.Ver que a gestão do projeto havia saído totalmente do domínio público eido para um modelo empresarial e de concorrência de mercado foi, de início,um choque. Afinal, estávamos ali para conhecer um projeto social, e nãouma empresa. Neste momento, fui obrigada a perceber que minha concepçãosobre o que é certo e errado podia estar errada – como realmente estava.Vi que essa mudança não tirava os méritos do projeto e que, além disso, eleevoluiu a tal ponto que já tem capacidade de funcionar sozinho, o que é umalívio para a máquina estatal, que pode suportar apenas uma certa quantidadede trabalho. Acredito que o grande mérito do programa foi integrar atravésde uma Cadeia um criador de demanda (CoopNatural) a trabalhadores que,de outra forma, não teriam compradores para seus produtos. Além disso, foimuito importante as estruturas de cada associação terem sido mantidas. Nãotentou-se implantar um modelo de gestão em nenhuma delas, o que criadificuldades administrativas, mas ao mesmo tempo é muito importante paraas pessoas envolvidas. Elas são obrigadas a tentar se entender e descobriraos poucos um modelo que se encaixe em sua realidade, o que representaum grande aprendizado pessoal para cada uma. A valorização dos produtose da mão-de-obra local é, também, essencial para o sucesso do projeto, jáque traz desenvolvimento para uma região muito carente de boas iniciativas.

A segunda surpresa foi, na verdade, um desafio: tentar manter o máximo deimparcialidade possível. Logo no começo da pesquisa percebi que cadapessoa tinha uma forma diferente de contar a mesma história e que muitasvezes as versões contradiziam uma à outra. Fui obrigada, então, a esquecermeus juízos de valor e entender que nenhuma daquelas pessoas estavaerrada. Pude ver de forma muito concreta que, de fato, a realidade é apenasa interpretação que se faz dela.

As maiores e mais marcantes surpresas, no entanto, foram as pessoas quetive a oportunidade de conhecer. Em primeiro lugar, toda pré-concepçãoque eu pudesse ter sobre o Nordeste e o servidorismo público foi derrubada.Encontrei profissionais extremamente competentes, com visões de mundomuito interessantes, que entendem exatamente o papel que desempenhamdentro daquele contexto e estão sempre tentando buscar soluções para aproblemática da região. Em segundo lugar, impressionou-me a visão denegócios e a perspicácia de pessoas muito simples, como as artesãs e osagricultores. Estes dois grupos, aliás, me marcaram de forma muito maisintensa. Percebi que, em muitos casos, sua maior carência não é de recursos,

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mas sim afetiva e de auto-estima. Foi muito gratificante ver como nossapresença e interesse pelo seu trabalho fez bem para essas pessoas, mastriste perceber que momentos como esse são raros em suas vidas. Apesardisso, há muito que se aprender com estas pessoas. Sua simplicidade egenerosidade são impressionantes. Um dos momentos mais marcantes daminha viagem me foi proporcionado por um agricultor durante sua pausapara o almoço. Quando perguntei-lhe como era seu trabalho, eleprontamente respondeu: “o trabalho é bom, ruim é ficar sem trabalhar”.Nesse momento, prestei mais atenção e percebi que tinha as mãos e pésmuito machucados, rosto queimado pelo sol e que já estava há muitas horastrabalhando pesado em um dia muito quente. Nada disso foi suficiente paraque ele fizesse alguma reclamação. Isso me fez questionar que tipo dequalidade de vida buscamos com o desenvolvimento econômico, já que emnossa sociedade a insatisfação é constante e presente na grande maioriadas pessoas.

A grande contradição é que, apesar de toda a sua força de vontade ededicação, esses trabalhadores não se enxergam como agentes de mudançase frequentemente aceitam condições muito desfavoráveis a eles. Acreditoque isso seja fruto de sua baixa auto-estima e da alienação que têm emrelação ao processo produtivo como um todo. Em outras palavras, nãoenxergam sua importância dentro da Cadeia e muitas vezes nem sabemqual produto final sua matéria-prima gera.

Foi muito importante reconhecer que os modelos de “comércio justo” e“economia solidária” são apenas ideais e, portanto, irreais. Por mais próximoque se chegue disso, todos estão sujeitos às regras do mercado. Isso nãosignifica, no entanto, que esses modelos ideais não devam existir e muitomenos que deve-se desistir de tentar alcançá-los. Chegar perto já é muitosignificativo.

A grande descoberta do projeto, para mim, foi perceber que, de perto, nadafunciona tão bem quanto parece. Seres humanos serão sempre imprevisíveis,o que cria milhões de obstáculos que exigem muita habilidade para seremcontornados. De maneira geral, a certeza que fica é a de que a realidadeserá sempre muito mais complexa do que se possa imaginar. Por isso, éinútil tentar prever ou manipular o comportamento das pessoas. O que nosresta é aceitar e deixar fascinar.

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10. Bibliografia

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CAMPINA GRANDE. Prefeitura Municipal. Relatório Anual da AgênciaRelatório Anual da AgênciaRelatório Anual da AgênciaRelatório Anual da AgênciaRelatório Anual da AgênciaMunicipal de Desenvolvimento EconômicoMunicipal de Desenvolvimento EconômicoMunicipal de Desenvolvimento EconômicoMunicipal de Desenvolvimento EconômicoMunicipal de Desenvolvimento Econômico. Campina Grande, 2000.

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