Projeto Da Cena

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1. INTRODUÇÃO: Toda obra de Caio Fernando Abreu, a meu ver, fascina. Tanto pelo teor político quanto pela rebeldia. E por que não dizer pela fundamentação anárquica? Seus personagens, quase todos marginalizados, vivem e sentem toda a perversidade de uma sociedade doentia. Encontram-se sempre à beira de um abismo. Ou seja, em um mundo no qual não há espaço para aqueles que não seguem o status quo. Não é diferente no conto “Dama da Noite”, no qual o autor confere à protagonista a personificação da AIDS: a personagem mantém um diálogo direto com o leitor/interlocutor, fala de amores, desamores, solidão, doença, exclusão, sexo, morte e preconceitos. A dama fala de um mundo no qual não consegue entrar, que Caio batizou de “roda gigante” e que, para entrar nele, a dama precisa ter o “bilhete de acesso”. “Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda- gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar”. (ABREU, 1988, p.83). No segundo semestre de 2012, tínhamos como tarefa de conclusão da Disciplina de Expressão Vocal II, do Curso de Teatro da Universidade Federal de Pelotas ministrada pela professora Rochele Resende Porto, a criação individual de uma cena que partisse de um conto. Eu, por toda admiração que tenho por Caio, escolhi o conto Dama da Noite.

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Proposta de cena teatral.

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1. INTRODUO:Toda obra de Caio Fernando Abreu, a meu ver, fascina. Tanto pelo teor poltico quanto pela rebeldia. E por que no dizer pela fundamentao anrquica? Seus personagens, quase todos marginalizados, vivem e sentem toda a perversidade de uma sociedade doentia. Encontram-se sempre beira de um abismo. Ou seja, em um mundo no qual no h espao para aqueles que no seguem o status quo. No diferente no conto Dama da Noite, no qual o autor confere protagonista a personificao da AIDS: a personagem mantm um dilogo direto com o leitor/interlocutor, fala de amores, desamores, solido, doena, excluso, sexo, morte e preconceitos. A dama fala de um mundo no qual no consegue entrar, que Caio batizou de roda gigante e que, para entrar nele, a dama precisa ter o bilhete de acesso. Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por a feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. (ABREU, 1988, p.83).No segundo semestre de 2012, tnhamos como tarefa de concluso da Disciplina de Expresso Vocal II, do Curso de Teatro da Universidade Federal de Pelotas ministrada pela professora Rochele Resende Porto, a criao individual de uma cena que partisse de um conto. Eu, por toda admirao que tenho por Caio, escolhi o conto Dama da Noite. Ao trmino do mesmo semestre, fui convidada para apresentar a cena em alguns eventos da Universidade e a cada apresentao, descobria mais aspectos do texto.

2. OBJETIVOSCriao e apresentao de uma cena a partir do conto Dama da noite de Caio Fernando Abreu e de estudos de aes fsicas.

3. JUSTIFICATIVA Esse projeto(cena) uma tentativa de demonstrar artisticamente quais os caminhos percorridos por uma pessoa que vive a margem da sociedade.4. REFERENCIAIS DA PESQUISA: Do escritorTransgressor, subversivo, revolucionrio, poltico, aversivo, acusativo, absolutivo, desptico, dissoluto, queer. Talvez, estas sejam algumas definies que se apliquem ao escritor gacho Caio Fernando Abreu. Nascido em 12 de setembro, de 1948, em Santiago no Rio Grande do Sul, o escritor nato escreve seus primeiros textos aos seis anos de idade. Mais tarde, transfere-se para a capital gacha, exatamente no ano que antecede o Golpe Militar de 64 e, perseguido pela Ditatura, por ser considerado um desordeiro. Refugia-se em So Paulo (1968), na chcara de sua amiga e tambm escritora Hilda Hilst. Desde seu nascimento, at sua morte em 1996, o escritor viveu, sobreviveu e escreveu no perodo mais cinzento e de maior transformao na histria brasileira. Como, por exemplo, a contra cultura, o movimento hippie e tantos outros movimentos que sacudiram o Brasil daquela poca. No exterior, no mesmo perodo, acontecia, entre outros, as barricadas estudantis da Frana, a Guerra Fria, a Guerra do Vietn, a queda do Murro de Berlim e outros protestos de contestao que varriam o mundo. dentro desse contexto que data-se a escrita potica, marginal e anrquica de Caio Fernando Abreu. Ou seja, impossvel falar de Caio ou de sua obra sem falar do homem poltico que foi. Foi tambm no exterior, que o escritor urbanista contraiu o vrus do HIV e, a partir da, passou a dividir-se entre seu pas de origem e a Europa.Alm de poeta, romancista, contista e jornalista, Abreu foi dramaturgo, tendo muitas de suas obras premiadas e traduzidas para outras lnguas. Foi com essas tintas que Caio escreveu sua obra (Alabarse, 2006, p. 21): [...] Viveu sempre, at o fim, com a fria dos possessos que acreditam que a palavra permanentemente sagrada. Escreveu com sangue, suor e esperma. Escreveu como gente grande. E por isso que sua literatura, para alm de qualquer tempo ou rtulo redutor; permanecer em nossos coraes e mentes, como blsamo e arrimo surpreendentes [...]. Boa parte de sua literatura, assim como a de muitos escritores de sua poca, autobiogrfica e por isso, to verdadeira e no ficcional como diriam alguns estudiosos. Muitos de seus textos fazem aluso Aids e nos revelam os penosos estigmas vividos por seus personagens vitimados pela doena. Como foi o caso do prprio escritor, que veio a falecer aps contrair o vrus. Segundo Filho (2011, p. 12), Caio Fernando Abreu foi um dos primeiros escritores brasileiros a tratar da doena pela via da literatura. E, ainda, que a chamada praga gay no estigmatizaria somente quem carregava o vrus, mas tambm a forma como as pessoas se relacionavam com os portadores dele. E foi desta forma que Caio construiu o conto ao qual este estudo se submete a versar. 4.2 Captulo II: Do conto A personagem est bebendo em um bar e conversando com um pblico. Na tentativa de se proteger, chega, muitas vezes, a agredir verbalmente o leitor/interlocutor, a quem chama de boy. A Dama trata de assuntos to ntimos que torna quase impossvel aos leitores no reverem os prprios conceitos/preconceitos, no colocarem-se no lugar dela e se fazer os mesmos questionamentos. Atravs de um dilogo truncado a protagonista revela sutilmente suas aventuras, sofrimentos, perdas e ganhos. Apesar de ser uma pessoa flagelada, decadente e solitria; e de no ter o bilhete da roda gigante, ela acredita estar em vantagem em relao s pessoas que a rodeiam, pois tem a conscincia de que estar na roda significa tambm o sofrimento. Como dito anteriormente, o escritor personificou na personagem, o vrus do HIV. Assim sendo, seria fcil compreender o texto no fosse a complexibilidade do conto, que ora mostra uma persona questionando-se acerca de sua condio, ora mostrando-se como a essncia do vrus: Eu sou a dama da noite que vai te contaminar com seu perfume venenoso e mortal. Eu sou a flor carnvora e noturna que vai te entontecer e te arrastar para o fundo de seu jardim pestilento. Eu sou a dama maldita que, sem nenhuma piedade, vai te poluir com todos os lquidos, contaminar teu sangue com todos os vrus. Cuidado comigo: eu sou a dama que mata boy. [...]. (ABREU, 1988, p.86).Percebe-se claramente que Caio Fernando est falando da relao dele com a doena e que atravs da personagem que tenta curar suas feridas, que se percebem ainda abertas.